E S S ÊNCIA
DO
CATO CAT OLICIS MO
KARL
ADAM
A E S S Ê N C I A DO
CATOLICISMO TRADUÇÃO DE
TASSO DA SILVEIRA
19 4 2
E D I T O R A V O Z E S L T D A. PETRÓPOLIS PETRÓPOL IS — EST. EST. DO RIO RIO
I M P R I M A T U R POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO. E REVMO. SR. BISPO DE NITERÓ I, D. D. JOS OSE E PE R EIR A A L VES. PETRÓPOLIS, 16121941. FREI ATICO EYNG, O. F. M.
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Introdução A verdade vos libertará (Jo 8, 8, 32). 32).
Que é o Catolicis atolicis mo? mo? — Re s pon ponder a es ta pe pe rgunta rgunta não s e ráape nas mostrar os trar o que que o caracte car acte riza e dis tingue das outras confis s õe s c ris tãs , mas ma s também, de mane ira ir a mais prof pr ofunda unda e mais í ntima nti ma,, re velar ve larlhe lhe a idéiamatriz, iamatri z, a fonte de que derivam todas as energias que nele desc obrimos, obrimos , o princ í pio fundame f undame ntal nta l que domina domin a e unific a, a alma al ma que que informa infor ma es e s s e c onjunto complexí comple xí s s imo a que chamamos o Catolicismo. Visto de fora, o Catolicismo apresenta o aspecto de uma re união c onfus a, de uma mis tura tur a fac f actí tí c ia, de uma ac a c umulaç la ção de e le mentos me ntos hete he te róc litos lit os e mes me s mo opos tos . Não se lhe chegou a chamar uma “complexio oppositorum”, um amá am álg a ma dos c ontrá ontr ários ri os ? Ne Ne s te c onjunto onj unto for f ormidá midáv e l descobriramse nada menos que sete camadas de estratificaçõe s radicalme radic almente nte difere difer e ntes (1 ). Ao olhar do his toriador toriador das das re ligiõe s , os e lem le me ntos tos de que que s e comp c ompõ õe o Catolicis mo pare pare ce m de de uma rique za tão ext e xtra raordiná ordinária, ria , de uma va varie rie dade e he te roge rog e neidade ne idade tais tais , que ele não pode pode coib coibirs irs e , ante antess mes me s mo de de qual qu alquer estudo aprofundado, de recusarse a ver nisto o dese nvolvim nvolvimee nto org ânico do ge rme primitivo pr imitivo de vida re lig iosa, ios a, purame pura me nte e va vangé ngélico, lic o, que que o pró pr óprio pr io Cris to haha ve ria pla pl a ntado. nta do. Vem Ve mlhe, lhe , pe lo contr c ontrá ár io, a idé id éia de um dens de nso o e maranhame mar anhame nto de e lem le me ntos ntos e va vangé ngélicos lic os e não e vangélicos , judaicos judaic os , pag ãos , primitivos pr imitivos , numa n uma palav pala v r a, a idéia de um for f ormidá midáve l s incre incr e tis nio, que que acabou ac abou por po r englobar e fundir como lhe foi possivel todas as formas religiosas nas quais vasaram as almas inquietas as suas ang ús tias tia s e es e s peranç pe ranças . 1) F . H e i l e r , Der Katholizismus, seine Idee und seine Erscheinung, scheinung, 1923, p. 12.
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Introdução
P ara o historiador das re ligiõe s , o Cris tianis mo s eria, desta sorte, utn microcosmo do mundo religioso (2). Quanto a nós , católicos , nada te remos a dize r des te ponto de vista do historiador, desde que ele se mantenha e s tritamente em seu domí nio — o dos dados que a história pode apree nder — e não te nha a prete nsão de formular juizo a respeito do princí pio deste conjunto re ligios o. Não temos dific uldade ne nhuma em reconhecêlo, pomos aténiss o um pouco de org ulho: o Catolic is mo não se confunde pura e simplesmente nem com a mensagem de Cris to, nem com o cris tianis mo primitiv o, como se não confunde o carvalho da floresta com a semente que de come ço foi. S ua ide ntidade não deve ser procurada na aparência exte rior: é.orgânic a. P odemos acresce ntar mesmo que, de ntro de um milênio ou mais, o Catolic is mo aparece rá ainda mais rico, mais dive rs ificado em seu dogma, s ua moral, sua le gis lação e seu culto do que o Catolicis mo do nosso 20°s éculo. Quem sabe se um his toriador das re ligiões do ano 5.000 não de s cobrirá nele idéias , produtos , formas tomadas à fndia, à China, ao Japão, e não verificará nele uma “comple xio opposito rum” mais violentamente marcada ainda? S im, é ine gáve l, o Catolic is mo é uma re união de contras tes, porém contras te não écontradição. A vida implic a força de expans ão, desenvolvimento e contras tes. Alesmo no cris tianismo tal como nolo mostra a Escritura, mas especialmente na re ligião do Antigo Te s tamento, aparece m essa força expansiva, esse des envolvimento e esses contraste s. Tratase apenas de cre scimento e aparição ince ssante de formas novas. Estaria viva a mensagem que trouxe o Cristo, o grão que semeou seria, porve ntura, verdadeira semente se houvesse permane cido o grão minús culo do ano 33, sem ter posto raizes, sem haver assimilado substâncias estranhas, se não se houvera tornado, graças a elas, uma grande árvore, em cujos ramos pode m pous ar os pássaros do céu? Não te mos, pois, vontade nenhuma de pe rturbar a s atisfação que e ncontra o his toriador das re ligiões em con 2) A. H a r n a c k , Die Aufg abe de r theologischen Fa cultäte n u. die allgemeine Religionsgeschichte, e m “Re de n u. Aufs ätze ” , 1904, tom. II, p. 170.
A d a m, A e s s ência do Catolicis mo
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tar os nós do tronco do Catolicis mo ou em e tiquetar os vários elementos es tranhos que , com a sua força vital, hauriu do solo e assimilou. O que lhe proibimos, isto sim, é que prete nda haver e ncontrado, só porque e nume rou esses elementos, a forma essencial, e mesmo que diga simplesmente que neles temos “os elementos constitutivos do Catolicismo”, como se fora a eles que devesse o Catolicis mo a sua importância his tórica. O Catolicis mo tem conciência de have r pe rmane cido idêntico a simesmo, tanto no presente como no pas s ado; es pontane ame nte afirma que seus princí pios e ss enciais apare ce m desde o ins tante em que fez s ua e ntrada no mundo, que o próprio Cris to foi quem ins uflou o e s pí rito de vida no jove m organismo e o dotou de todas as capacidades de desenvolvimento, que, no curs o dos s éculos, se de s dobraram por uma espécie de adaptação e s pontâne a às neces s idades e e xigências suce ss ivas dos te mpos e dos lugare s . Nada existe no Catolicis mo que lhe s e ja es tranho ou não cons titua o desenvolvimento do seu primitivo fundo. Daí , a ins ufic iência de todas essas des crições his tóricas . Elas mantêmse à s upe rfí cie , não atingindo s enão o invólucro exte rior. Faze m le mbrar aquelas idéias excessivamente simples de certos polemistas apaixonados, para os quais o Catolic is mo se re sume na ambição de dominar, no culto aos santos ou no jesuitismo. Nem mesmo suspeitam da fonte profunda, de que irrompem sua vida e todas as s uas manife s taçõe s , e que cons titue a s ua unidade org ânica. Tocaislhe os me mbros , faltavos infelizmente o principal, o liame espiritual e vital! O proces so do his toriador assemelhase — éo que de me lhor se pode dizer — à tentativa dos s ábios que pre tende m have r e xplicado a vida de uma célula s ócom o havere m e numerado e des crito os dive rs os e lementos de uma célula viva. Uma simples de s crição estálonge de ser uma e xplicação completa. Eis por que os estudos de pura descrição his tórica das religiões re clamam outro método, c apaz de darnos cientificamente a e ssência, a alma do Catolicismo. Des te estudo cie ntí fic o, da própria es s ência do Catolicis mo só é capaz um católico que viva de s ua fé. Não épos sivel uma vis ão do interior se o coração aínão e s tá. A pura obje tividade , a fria obs e rvação pos itiv a em tal
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Introdução
sentido nada podem, ou antes: a plena e completa realidade obje tiva, s ó e s tá em condiçõe s de verificála quem por si mesmo esteja mergulhado na corrente da vida católic a, quem s inta, por s ua própria vida de todos os dias, as forças que animam o organis mo gigantesco do Catolicis mo e lhe dão a s ua re alidade. Njio éporve ntura a imag e m de uma mãe mais familiar a quem viva junto dela e a e nvolva da s ua afe ição? O que há de mais í ntimo nos s entimentos de uma mãe, a ternura e a profundeza do seu devotamento, não se demonstra, mas experimentase, vivese. Des ta sorte, sóo católico que crêe que ama pode penetrar no interior. Sóele, graças ao que sente, ao que experimenta, ao que vive, ao que Pascal chama “o espí rito de finura", is to é, a intuição de todo homem, — só ele pode perceber essas forças intimas , essa potência expansiva que constituem o Catolicismo. Procurar a essência do Catolicis mo éo mesmo, pois, que e xplicitar o conte údo da conciência católica. Não é e não pretende ser outra coisa senã o a s imples anális e dessa conciência, a resposta a esta pe rgunta: Que éque um católico vêem s ua Igreja e como age esta sobre ele? Onde põe o crente as forças vivificantes, o coração, o centro do seu catolicismo? Não ésem razão que, mesmo bem para além do cí rculo restrito dos crentes, a questão apaixona os e s pí ritos contemporâneos. F. H e i 1e r as sinala com insis tência o interesse crescente que o Catolicismo excita (3 ): “A Igreja Romana exerce hoje, diz ele, um forte poder de atração sobre o mundo dos nãocatólicos. Os moste iros Beneditinos da Alemanha, em particular os de Beuron e de Maria Laach, tornaramse verdadeiros centros de peregrinação para nãocatólicos que aíse entus ias mam pe la liturgia católica. No seio do protestantismo, o movimento “AltaIgreja” caminha, se aproxima de cada vez mais da Igreja Romana; um de seus chefes jáse integrou mesmo em seu seio. Na Inglaterra éainda mais extenso o movimento das conversões. Conventos e mosteiros anglicanos passam inteiros para a Igreja Romana. Intensa propaganda católica acentua es ta simpatia pelo Catolicis mo. A Igre ja romana faz atualmente esforços consideráve is 3) F. H e i I e r, Op. cit., pág. 8.
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Introdução
sentido nada podem, ou antes: a plena e completa realidade obje tiva, sóes tá em condições de verificála quem por si mesmo esteja mergulhado na corrente da vida católica, quem s inta, por s ua própria vida de todos os dias, as forças que animam o organis mo gigantes co do Catolicis mo e lhe dão a sua re alidade . N^o é porve ntura a image m de uma mãe mais familiar a quem viva junto dela e a e nvolva da s ua afe ição? O que há de mais í ntimo nos s entime ntos de uma mãe , a ternura e a profundeza do s eu de votame nto, não se demonstra, mas e xperime ntase, vivese. Des ta sorte, s óo católico que crêe que ama pode penetrar no interior. S óele, graças ao que sente, ao que experimenta, ao que vive, ao que Pascal chama “o espí rito de finura”, isto é, a intuição de todo home m, — só ele pode perceber essas forças í ntimas, essa potência expansiva que constituem o Catolicismo. Proc urar a es sência do Catolicis mo éo mes mo, pois, que e xplic itar o conte údo da conciência católica. Não é e não pre te nde ser outra coisa senão a s imple s anális e des sa conciência, a re s pos ta a esta pe rgunta: Que éque um católico vêem s ua Igre ja e como age e sta s obre ele? Onde põe o crente as forças vivificante s, o coração, o centro do seu catolicismo? Não és em razão que , me s mo be m para além do cí rculo restrito dos crentes , a que s tão apaixona os es pí ritos conte mporâneos . F. H e i 1e r as sinala com ins is tência o interes se crescente que o Catolicis mo e xcita (3 ): “ A Igreja Romana exerce hoje, diz ele, um forte poder de atração sobre o mundo dos nãocatólicos . Os mos te iros Beneditinos da Alemanha, em particular os de Beuron e de Maria Laach, tornaramse verdadeiros centros de pere grinação para nãocatólicos que aíse e ntus ias mam pela liturgia católica. No seio do prote s tantis mo, o movime nto “AltaIgreja” caminha, se aproxima de cada vez mais da Igreja Romana; um de seus chefes jáse integrou mesmo em seu seio. Na Inglaterra éainda mais extenso o movimento das convers ões. Conventos e mosteiros anglicanos passam inteiros para a Igreja Romana. Intensa propaganda católica acentua esta simpatia pelo Catolicis mo. A Igre ja romana faz atualmente esforços cons ideráve is 3) F. H e i 1e r, Op. cit., pág . 8.
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d o m, A cs s fncia do Catolicis mo
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para reunir os cris tãos s eparados do Orie nte e do Ocidente. No túmulo de s ão Bonifácio fundouse uma as sociação que visa a união das dive rs as confis s ões c r is tãs ... Certas da vitória, voze s católicas anunciam a ruina próxima do protes tantismo". Heiler viu jus to ao ve rificar o despertar do Catolicis mo, mes mo entre os incréus, mas enganase ao falar da certe za da vitória coni que anunciarí amos a ruina próxima do protes tantis mo. A palavra “ vitória" éprofana, de mane ira ne nhuma re ligiosa. Re duziria a re ligião a um ne gócio de partido. Religião implica humildade, respeito, reconhecimento e alegria, mas ex clue qualquer pre te nsão a uma vitória. O que serádo protestantismo ésegredo de Deus. Depende dele que o Ocidente s aia de s ua dispers ão, do seu e s migalhamento, para reunirse frate rnalmente, como outrora, no seio da Igre ja, mãe comum. T udo o que podemos faze r édar te s te munho da verdade, pedindo a Deus que se digne abrir os corações e pôr de cada vez mais Iimpidame nte no campo de vis ão e spiritual dos melhore s entre nós a tarefa que se impõe de mane ira tão urgente. Cons is te esta em faze r desaparecer, de uma vez para s empre, o ras gão pe rpe tuamente doloroso que há séculos nos mantém s e parados uns dos outros, em criar uma nova unidade e s piritual, uma pátria re ligiosa, e e m ass entar por es ta forma o único fundame nto pos s ive ! de uma re cons trução, de uma ress urre ição da ve lha Europa. Com grata s atis fação, ve rificamos que a conciência de tão pre mente dever se torna cada vez mais viva, e que iápassou o tempo em que se considerava o Catolic is mo como um amálgama de tolice, de supe rs tição e de e s pí rito de domí nio. Podese atribuir a es
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Introdução
e ntre todas as formaçõe s polí ticas , e conômicas e religios as , não foi tocada pelo tempo e continua jove m como nos primeiros dias. Vemos, por assim dizer, com os noss os próprios olhos, tocamos com o de do o que escrevia o céle bre historiador inglês M a c a u l a y a respe ito da incompre e ns í ve l e inde s trutí ve l força de v ida do Catolicis mo (4 ): “ Não há e não houve jamais sobre a te rra obra de vida à s abedoria dos home ns que mereça, tanto quanto a Igre ja Católica romana, dete r nos s a ate nção. S ua his tória re í iga os dois grande s pe rí odos da civilização humana. Não existe mais ne nhuma outra ins tituição que se poss a re portar aos te mpos em que do Pante ão s ubia o ince nso dos s acrifí cios e em que, no anfite atro de Vespasiano, pulavam os tigres e os leopardos. Já se comparou a lista dos papas com as mais orgulhosas famí lias reais de antanho. Es ta lista nos faz re montar, por uma série ininte rrupta, do papa que, no século XIX, coroou Napole ão, ao que, no VIII s éculo, s agrou Pe pino o B re v e ... A Re pública de Ve ne za era o mais antigo dos Es tados . Mode rní s s ima com re lação ao P apado, ela contudo desapareceu, ao passo que o Papado continua. Continua a viver, não e m es tado de decadência, ou como um simples ve stí gio do pas s ado, mas e m ple no vigor e em toda a força da juve ntude. Ainda hoje a Ig re ja católica envia, atéaos paises mais afastados do mundo, mensageiros de sua fé, não menos arde ntes do que os que des embarcaram na Inglaterra em companhia de Agostinho. Ainda hoje, os Papas sabem resistir aos s oberanos hos tis tão corajosamente quanto a Átila resistiu Le ão Mag no. Nada anuncia o fim próximo da sua longa s oberania. A Igre ja romana viu começarem todos os podere s e todas as confis sões que atualmente existem. Não ous arí amos garantir que não os veráacabar. Ela era grande e cheia de honras muito antes que os Saxões pusessem o péna Inglate rra e os Francos tivessem transposto o Reno, quando a eloquência gre ga brilhava ainda e m Antioquia e os í dolos eram adorados no templo de Meca. Poderáainda existir em toda a sua força quando, um dia, até aqui vier um viajante da Nova Ze lândia, e, ao me io do imenso deserto de ruí nas, instalado sobre um pilar demolido da ponte de Lon 4) Essay on L. von Ranke’s History of the Popes.
A d .1 ni, A es s Gnda do Catolicis mo
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dres, des enhar as ruinas da cate dral de S ão Paulo” . O que, no meio do deserto do presente, atrai nosso olhar, é, com efeito, essa perenidade, esse vigor que a tudo afronta, essa eterna juve ntude da velha, ve lhí s s ima Igre ja. Daí , naturalissimamente, da parte de muitos, os melhores, esta pe rgunta: de onde lhe vem tal força de v ida? pode ela comunicála ao Ocide nte e nfe rmo? e o que re rá? e o fará? A se gunda razão a atrair para o Catolicis mo a ate nção do home m conte mporâne o, do homem da gue rra e da Re volução, é de orde m í ntima, re s ultado da obs e rvação aprofundada que cada um pode fazer de si mesmo. A caracte rí s tica do homem moderno é ser um de s e nraizado. À história cabe mos trar como chegou ele a esse estado. O grito do XVI s éculo “ Los von der Kirche” (nada de Ig re ja), provocava por uma lógica fatal o “ Los von Chris tus” (nada de Cris to), do XVIII, depois o “Los von Gott" (nada de De us ) do XIX s éculo. Por esta forma a vida interior moderna viuse cortada do seu mais indispensáve l, mais profundo princí pio, do que a fazia mergulhar no Absoluto, no Ser dos Seres, no valor dos valores. A vida perdeu seu verdadeiro, seu grande sentido, seu impuls o inte rior para o Alio, seu í mpeto de amor e ficaz e possante que sóo Divino pode suscitar. Em lugar do homem ancorado no Absoluto, firmado em Deus e, por isto, forte e rico, pas s ámos a ter o home m independe nte e autônomo. Além diss o, re nunciando, pe la s ua re volução re ligios a, à comunhão dos fiéis da Igre ja, a essa vida de inte ração mútua dos crentes, cortou ele a s e gunda das raize s que s erviam a alimentarlhe a vida: o laço da comunidade . Privouse da união estreita no s ofrime nto e na ale gria, na oração e no amor, que se traduz pelo “ Vós ” e o “ Nós ” , a união primitiva com esta unidade que de s borda toda personalidade, na qual pode cada um beber indefinidamente pa ra re novar as próprias forças , c sem a qual permanece es teril e res sequido. — Em ne nhuma outra confis s ão ou re ligião, a comunhão na vida, na ação e no s ofrime nto, na oração e no amor, o cre s cimento e a formação pe la união frate rnal, se apoiam tão firme me nte s obre o dogma, a moral e o culto como na Igre ja c atólica. A ruptura da comunidade religiosa provocou naturalmente
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Introdução
o afrouxame nto dos laços da comunidade social, e corrompeu, por este mesmo motivo, as fontes profundas dc uma huma nidade s adiamente constituí da e forte, da humanidade na mais ple na ac e pção do vocábulo. O homem autônomo tornouse, na verdade , o homem is olado. Ace ntuas e ainda mais a de s agre gação. Des de que o progre s s o da cultura des tronou a razão, que r dizer, o pensamento que unifica, que percebe o todo, e a substituiu por esse conhecimento que se aplica ao pormenor e que de s perdiça, a pe rs onalidade do home m, sua unidade e s piritual, des moronou numa confus ão de forças e de funções. Não mais se fala de alma, porém de processos ps icológicos . A conciência, o E u, o substrato das energias vitais, tudo isto desaparece de mais em mais do pensamento filos ófic o conte mporâneo. De pois que Kant e sua escola fizeram do Sujeito transcendente o legislador autônomo do mundo do Obje to, e atéda própria conciência e mpí rica, de pois que, em lugar da obje tividade das coisas e do Eu, se pas s ou a f
A d a in, A e s s ência do Catolicis mo
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tal do que toda essa fria filosofia. Ele clama com todas as s uas forças pela vida, a vida plena, inteira, pessoal. Es tá cans ado de ne gar, quer pode r afirmar. A ação, a vida, tem neces s idade de afirmaçõe s ní tidas , de pos ições francas e audazes. S erá, pois, s urpree nde nte que es se homem tome pelo Catolicis mo um intere sse que não és imples mente especulativo, acadêmico? Mos trare mos minucios amente que o Catolicismo — e éo que o dis tingue das outras confissões cris tãs — é e s s encialmente tese, afirmação, afe rição de todos os valore s e re alidade s do céu e da terra. As confis s õc3 nãocatólicas se colocam todas , não no terreno de uma afir mação firme e abs oluta, mas no da negação, da s upre s são, da e s colha s ubje tiva. A his tória do Catolicis mo é a da afirmação s em restrições, rigoros a, comple ta, da inteira re alidade da reve lação, da plenitude do Espirito de Deus, que se propagou no Cristo com toda a sua força de des envolvimento. Dá a res posta de cis iva, abs oluta, completa à vida interior do homem sob todos os aspectos, fornecendolhe as suas bases verdadeiras. Antes de nada mais , a afirmação abs oluta do prime iro fundamento do nosso ser, Deus vivo, Deus no sentido pleno, De us da força c riadora e da jus tiça, e não ape nas o Deus Pai das crianças e dos pecadores , e ainda menos s imples mente o Deus da filosofia e do deismo, que tem medo aos milagre s , ou o De us dos acomodatí cios ; o Cris to também comple to, o Cris to e m quem De us se nos re ve lou, o Cristo em duas naturezas, o HomemDeus em quem o Céu e a Terra se unem, e não s omente o Cris toBom P as tor do S alão ou o Cris to extático dos cí rculos de escol; a comunidade completa igualme nte, is to é, o conjunto da humanidade da terra, na qual e nxergamos o próprio Cris to. A comunidade é o s ó dado primitivo que permite às individualidades cris tãs o ser e o crescer. — Ora, a pers onalidade deve desenvolverse toda inte ira: não ape nas o se ntime nto de piedade , mas a fria razão que e xamina; não ape nas a razão, mas também a vontade e nérgic a e ativa; não apenas o home m inte rior e es piritual, mas o home m exterior e s ensive l. O Catolicis mo, na s ua es s ência integral, responde completamente e fortemente ao homem todo. O Catolic is mo é, numa palavra, a re lig ião pos itiva, e s s enciàlmente tese, afirmação no s e ntido ple no
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Introdução
do v ocábulo e sem ne nhuma supre s s ão, ao pass o que todas as outras confis s ões nãocatólicas s ão ess encialmente antí te s e , e ss encialmente combate, contradição, neg ação (7 ). P or isso tambe m, s endo a ne gação por si mesma infe cunda, não poss uem elas, pelo menos em medida ig ual, a força fe cunda, criadora. Toda a his tória do Catolicis mo aíe s tápar a teste munhálo. Des te positivo o home m conte mporâneo sente que tem nece s s idade, e começa a voltar os olhos para o Catolicis mo. Que m s abe se ele não será em seu favor? Bons e s pí ritos convidam a que se olhe para esse lado, ou, pelo menos, a que.se mostre m2 is largueza de alma para ver o catolicismo sem prejuizos. Soederblom, arcebispo protestante de Upsala, conhecido pelos seus estudos de filosofia e de his tória re ligiosa, não teme escrever, para atrair a ate nção dos seus cre ntes (8 ): “ O cristianismo romano representa, no seu verdadeiro fundo, algo de diverso do desejo de dominar, do culto aos santos e do jesuitismo. Constitue, na realidade, um tipo de piedade, diferente daquele do cris tianismo evangélico, mas completo em seu gênero, dire i mes mo, mais comple to do que o tipo e vangélico. Nós todos continámos muito pouco no s entido do grandios o proje to de Schleiermache r, de uma apologética que e studass e a essência das dive rs as re ligiões e confissões históricas . Tal crí tica nada te ria de comum com as querelas confessionais, mas, sim, em nome do principio fundame ntal, se ins urgiria contra as contrafaçõe s que, nes sas igre jas, vão de e ncontro à s ua es s ência” . Ainda recentemente, queixavase H e i I e r (9 ) de conhecerem tão pouco os protestantes o ve rdade iro catolicis mo. “A polêmica protestante não vêhabitualme nte s enão certas paredes exteriores da catedral católica com as s uas fe ndas e o 7) T e r t u l i a n o dizia jáa respeito dos mes mos: nihil enim interest illis, licet diversa tractantibus, dum ad unius veritatis ex pugnationem conspirent (de praescript., c. 41). Schisma est enim unitas ipsa (C. 42). Santo Agostinho, da mesma forma: dissen tiunt inter se, contra unitatem omnes consentiunt (Serm. 47, 15, 27). 8) N. S f f i d e r b l o m , Religionsprobleme, I, 1910, n. 4 (citado por Heiler). S o e d e r b l o m es táà frente do movime nto que impele à união de todas as Igre jas e confiss ões cris tãs. 9) H e i I e r, op. cit., p. 5.
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il ;i :ii, A e ss ência do Catolicis mo
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seu aspecto surrado pelo tempo, no passo que as maravilhosas obras de arte do interior lhe ficam escondidas. As formas mais vivas c mais puras do catolicismo ficaram, tanto vale dizer, desconhecidas da s imbólica protestante . Tanto a vis ão do conjunto quanto a vis ão do interior lhe s ão igualmente inte rditas ". Se isto aconte ce com re lação ao Catolicis mo entre os te ólogos protestantes, será de e s pantar que nos meios e s tranhos aos estudos te ológicos , cultos ou não, reine uma comple ta ignorância do ve rdadeiro catolicismo, ignorância de que se queixam os mais clarividentes protestantes? Ela éque éa fonte dos peiores prejuizos, dessa indiferença, des sa antipatia, mes mo desse des prezo pela vida re ligios a c atólica; ela éque ace ntua es sa lame ntave l cisão e divis ão entre a parte católica e prote s tante do paí s. O mestre da his tória da Igre ja e do dogma entre os protes tantes, H a r n a c k, es creve a tal respeito (1 0 ): " Os estudante s , ao sair do colégio, s abem um pouco de tudo relativamente à his tória da Igre ja, porém, quas i sempre, pude muitas ve ze s ve rificálo, sem lig ação ne m vis ta de conjunto e, pois , sem ne nhuma verdade ira inteligência. Conhe ce rão, porve ntura, atéos s istemas gnósticos e toda sorte de minúcias perfe itamente inúte is para e les , mas da Igre ja Católica, a mais fe nomenal criação re ligios a e polí tica da his tória, abs olutame nte nada s abem. Fabricam a res peito dela idéias des articuladas , vag as e muitas vezes ridí culas . Como nas ceram as grande s ins tituiçõe s do Catolicis mo, o pape l que des e mpenharam na vida da Igre ja, por que funcionam de mane ira tão s egura e impres s ionante, s ão coisas que constitue m, pe lo que vejo, para todos , salvo raras exce ções, terra inc óg nita” . Noss o dever é introduzir nes sa terra incógnita os jo vens e s tudante s , que nela não vive ram desde a infância, que não fruiram do seu s ol nem come ram do seu pão. Inutil observar que, nisto, escrupulosamente se evitará toda polêmica que não s e ja indis pe ns ável, c omo tudo o que poss a fe rir o s entime nto re ligios o dos que não têm a noss a fé. De outro lado, é precis o não esquece r que o mais nobre, mais elementar dever do que pesquisa é“pro 10) A. H a r n a c k , j4us Wissenschaft u. Leben, I, p. 96 e seg.
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Introdução
fcssar”, “confessar”. O que, na sinceridade de sua alma, graças às luze s trazidas pelos meios cie ntí ficos de que dis põe , pre mido pe la evidência da verdade, de s cobriu de decis ivo, de ve rdadeiro e real, deve reconhecêlo como tal. Deixemonos dos “ Talve z que s i m . . . ” ou dos “ De um la d o .. . Do outro la d o .. .” . Ou um “ s im” ou um “ não” . E ’ neste s entido que es tas conferências deve m ser abordadas . A cada um de nós aplicase a palavra do Senhor: A ve rdade libe rtarvos á...
Capitulo I
Cristo na Igreja Eis que estarei convosco até ao fim dos s éculos . (Mt 28, 20).
Se perguntamos à Igre ja católica: que conciência tens, que dizes de ti mes ma, que pretendes s er? — os seus mais autorizados Doutores de todos os séculos re s pondemnos: A Ig re ja é a re alização do re ino de De us na terra: “A Igre ja de hoje, a Igre ja atual éo Reino do Cris to e o Reino dos céus”, e mocionado proclama s anto Agostinho (De Civit. Dei, XX, 9, I). O “ Re ino dos céus” , o “ Re ino de De us ” que o Cris to anuncia após a profe cia de Danie l (V II, 928) e que, s e melhante ao grão de mostarda, cresce e se desenvolve, e, semelhante ao fermento, penetra e leveda o mundo, e, semelhante a um campo, contêm, a um s óte mpo, o trigo e o joio atéao fim da colheita, esse “ Reino dos Céus” a Igre ja o encontra re alizado em si mes ma. Te m conciência de ser a manife s tação do novo, do s obre natural, do divino que apare ce no Re ino de Deus, a manife s tação da S antidade . S ob a aparência das coisas que pass am, ela é a re alidade s obrenatural, nova, trazida àterra pelo Cristo, o divino que se apres enta s ob invólucro terrestre. E como foi na pe s s oa do Cristo que a plenitude dessa divindade se comunicou de mane ira criadora, s ão Paulo, o após tolo dos Ge ntios , exprime o seu mais profundo Mis tério quando, e mpre gando uma fórmula familiar ao pe nsame nto gre go, c hama a Igre ja o corpo do Cris to (1 Cr 13, 27; Col 1, 18, 24; Ef 1, 22; 4, 12): “Todos, com efeito, fomos batizados num s ó e s pí rito para formar um só corpo, s ejamos judeus ou gregos, sejamos escravos ou livres, fomos todos s aciados de um sóe s pí rito” (1 Cr 12, 13). O Cris to, o Senhor, é, propriame nte falando, o E u da Igreja. A Igreja éo corpo penetrado, animado das energias vivificantes de Je s ús. Es ta união do Cris to com a A essência — 2
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Cristo na Igre ja
Ig re ja é tão intima, tão indis s olúve l, tão natur al e tão e s s e ncial que s ão Paulo, e m s uas Epis tolas aos coloss en ses e aos efésios, chama, e m te rmos próprios , ao Cristo a cabe ça do corpo da Igre ja. E ’ pre e nche ndo a função da cabe ça unida ao corpo que Cris to faz do organis mo da Igre ja um todo completo, que a si mesmo se basta. Não se concebe o Cristo e a Igreja separados um do outro, como se não concebe a cabe ça s e parada do seu corpo (Cl 1, 18; 2, 19; Ef 4, 15 s g ). Es ta doutrina da vida do Cris to na Igre ja, da org ânica, essencial ligação da Igre ja com o Cris to é ponto fundame ntal da me nsage m cristã. De s de Orí ge ne s , até ao ps e udoDioní s io, pas s ando por santo Agostinho e continuando atésanto Tomaz de Aqui no, e depois atéao nosso M oe h 1e r, o Mes tre de Tubin ga (1 ), e sta convicção éo ponto ce ntral da doutrina católica s obre a Igre ja. Aprazlhes re petir sob todas as formas a frase que santo Agostinho emprega para celebrar a unidade miste rios a do Cris to e da Igre ja: os dois não s ão “mais do que um" , “ um corpo”, “ uma carne ” , “uma sóe mesma pessoa”, "um homem”, "um sóCristo”, “o Cristo total”. Para dar seu verdadeiro sentido a essas relaçõe s do Cris to com a Ig re ja, a e ssa unidade intima entre ambos, e traduzila de maneira impressiva, nada melhor do que a imagem do noivado entre o Cristo e a Igreja, que s. Paulo, ao gosto das imagens caras a muitos profetas (Os 1, 3; Jr 2, 2; Is 54, 5) emprega pela primeira vez (2 Cr 11, 2 ). Se gundo são Paulo, a Igre ja éa noiva do Cristo, pela qual ele se entregou àmorte. Na mesma ordem de idéias, o autor do “ Apocalips e ” celebra o “Noivado do Cordeiro”, e fala da “noiva” que estápronta. Foi daíque, mais tarde, a te ologia mí s tica católica extraiu es ta idéia audaz: o Cris to, esposo e s enhor, e a Igre ja, s ua esposa, por uma união í ntima, dão à luz os filhos da vida nova. Esta realidade sobrenatural da Igreja se manifesta, em primeiro lugar, nas s uas mais autênticas criaçõe s : seu dogma, sua moral e seu culto. 1) A. Mc e h l e r (17961838), profe s s or na Univer s idade de Tubinga, é um dos te ólogos mais notáve is do s éculo 19. Suas principais obras, “A Unidade da igreja” e a “S imbólic a" foram traduzidas e m francês. G o y a u publicoulhes e xce rtos e m " La pensée c hrétie noe ".
A d ii in, A cRsôncia do Catolicis mo
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Seu Dogma prete nde não scr mais do que a propos ição fe ita à nos s a fó, pela Igre ja, infalivcl no seu ensino, da ve rdade ira re ve lação do Cris to, jájubilos a mensage m que nos traz toda a preciosa realidade, toda a plenitude de vida que ao mundo do es paço e da te mpo desceu com o Verbo incriado. Os dogmas da Cristologia propriamente dita revelam nos a pessoa do HomemDeus, o reflexo da “Majestade de De us ” na fig ura de Je sús. — Os da Re de nção descrevemnos sua atividade redentora manifestada pela sua vida, paixão e morte , e, finalme nte, tambe m a sua postura à dire ita do P ai. — Os dogmas da Trindade conduzem nos àfonte primeira desta vida divina, no seio do Pai, re ligando o apare cime nto de Je s ús no te mpo às ua nasce nça e terna no interior da Trindade . — Os dogmas mario lógicos ens inamnos as relações de Maria, a Mãe de Jes ús, com a humanidade de seu Filho e com s ua obra redentora. — Os ensiname ntos sobre a graça afirmam a gratuidade abs oluta da re de nção de Jes ús e fornece mnos os fundamentos dos sentimentos novos de que devem ser animados os que foram resgatados: amor, paz, alegria no Es pí rito S anto. — Quanto aos dogmas da Igre ja, dos s acramentos e dos sacramentais, dizemnos de que maneira, praticamente, esta vida, que surde do Cristo, écomunicada aos homens de todos os paises e de todos os tempos. — Os dogmas dos noví s s imos mostramnos em Je s ús o juiz e o cons umador que, depois de have r cumprido a obra da re de nção, põe todo o seu pode r nas mãos do Pai afim de que "Deus seja tudo em todas as coisas”. Traze m as s im todos os dogmas da Igre ja católica a marca do Cris to; exprimem um aspecto da s ua re ve lação e nos põe m sob os olhos , em toda a exte nsão do seu des e nvolvimento histórico, o Cris to vivo, Salv ador, Re i, Juiz . O mesmo se dácom a moral e o culto da Igre ja católica. A idéia fundame ntal da e ducação dada pe la Igre ja, de todo o seu ens ino, sua prédica e sua dis ciplina, é a de faze r do cre nte um “outro cris to”, de " mode lálo pelo Cris to”, s e gundo a expres s ão dos s antos Padres . E ’ tal e tão e levado ide al que dáàmoral c atólica a s ua unidade . Não háduas morais na Igre ja, porque não se trata nunca s e não de e dificar o Cris to. O que varia, quas i inde fini 2»
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Cristo Cris to na Igr e ja
dame nte , s ão as v ias de aces ace s s o a e s s e fim f im único, nic o, vias v ias tão variadas quanto os homens mesmo que se devem erguer para par a o Cris to e ne le transform trans formars arsee . Muitos Muitos não che ga gam m a traç tr açar e m si mes me s mos s e não um leve e as s az c onfus onfuso o eses boço da imag e m do Cris to. E m compe c ompe ns ação, as a s s im coc omo a natureza se compraz, por vezes, em fazer aparecer o melhor dela mesma em alguns exemplares de todos os pontos de vista perfeitos, em lhes comunicando, por ass im dizer, dize r, o s upé upérfluo de de s uas ener e nergias gias , de igual maneira, na Igreja, acontece que a plenitude do Cristo, a riqueza que za de s ua gra g raç ça se manife manife s ta, em e m todas as épocas pocas , ne ne s te ou naquele dos seus santos, em feixes luminosos, em prodí g ios de abne abn e g ação pe s s oal e de ca c a r idade ida de par pa r a com c om os outros, de pureza, de humildade, e de devotamento. A obra do professor Merkle sobre “Os educadores religios os na Igre Ig re ja cató ca tólica” lic a” (2 ) pe rmitirá rmitir á, me me s mo a hom homee ns que não partic par ticipe ipe m de nos s a fé, o faze fa ze re m uma idéia da s e rie dade pr ofunda ofu nda e da heró he róica for f orç ça que a Ig I g re ja cat c ató ólica tem de s dobrado dobrado atravé através das das idade idade s para par a te ntar re alizar za r es e s s a imag imagee m do do Cris Cris to, para par a introduz intr oduzir ir o seu se u e s pí rito no hom homee m que que não émais do que carne c arne e s angue , par pa r a incarnar inca rnar Jes Je s ús e m cada um. um. A mesma atividade, a mesma plenitude do Cristo, respira o culto, a liturgia liturgia da Igreja. Cada uma das oraçõe s da litur li turgg ia te rmina pe la tra tr a dicional conclus concl usã ão: P e r Dominu Dominum m nos trum tr um Je s um Chris tum (por nos nos s o S e nhor Je s ús Cris Cr is to), to ), c omo cad c adaa re união litúr gica, de s de o santo S acrifí ac rifí cio da mis s a até ao mais mais s imimples ple s ge g e s to de oraç or ação, re le mbra o Cris to (âv áfiv r jo u; X q i o t o v ) . Mais ai s ainda ai nda:: a litur li turgg ia c ató at ólic a não ésom és omee nte um relembrar filial do Cristo, mas uma real pa r tic ipa ip a ção, s ob formas for mas s e nsí veis ve is miste is te rios as, as , de Je J e s ús e de s ua forç for ça red re de ntora, tora, um contacto re r e confortante da bor bo r la de s ua túnica, um contacto libertador das suas santas chagas, eis o verdad ve rdadee iro se ntido, ntido, o s e ntido profundo pr ofundo da liturg lit urgia ia cató c atólica: tazer de toda a vida do Cristo uma realidade presente, sen se nsivel e op ope rante rante.. — Ass im, im, no batismo, batis mo, ao olhar da 2) Re ligiös e Erzie Erz ie her he r der de r katho katholis lische che n Kirche aus de n letzte le tzte n vier Jahrhunderten, Jahrhunderten , Le ipzig, ipz ig, S . d. E ’ uma sé s érie de c apí tulos s obre os mais mais notáve is " e ducador duc adoree s ” c atólicos lico s , a c ome ome çar de S anta ant a Teres a e até Ne wman wman..
A d a ui, A e s s ênc ia do Ca tolic i s mo
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conciC conciCncia ncia cris tã, éo s angue ang ue do Cris Cris to de rramado rr amado na cruz que cscorre sobre a alma, purificaa de todas as enfermidade midadess do pe pe cado original orig inal e a pe pe netra ne tra de s ua própria força vital v ital s antificante antific ante , par a de la faze r um home home m novo, novo, re g e nerado, ne rado, uin filho fil ho de De us. us . — Na c onfir onf irma maç ção, Jes Je s ús e nvia o s e u “ Cons Co ns o lado la dorr " , o Es pí r ito it o de F orç or ça e de de Fé F é, àalma cristãque desperta, para fazer desse filho de Deus uin s oldado. — No s acra ac rame mento nto da P e nitência, nc ia, Jes Je s ús , o Salvador misericordioso, consola a alma, entristecida do s eu pe pe cado, ca do, dizendo dize ndo lhe: lhe : “Vai, “ Vai, te us pecados pe cados te s ão perdoados ” . — P e lo s acrame ac rame nto da Extre Ex tre maUnç maUnção, o Bom B om Samaritano se aproxima do leito do pobre doente e derrama ra ma nes ne s s e c oraç ora ção fe f e rido um vigor vig or novo, novo , ao mes me s mo temte mpo que que o es e s pí rito rit o de s acr ac r ifí c io. — No sac s acra rame mento nto do matrimô tr imônio, faz fa z com c om que que o amor do home m e da da mulhe r parpa rticipem do seu amor profundo, fiel atéàmorte, pelos seus, pela comunidade comunidade c ris tã, pela pe la Igre Ig re ja. — Enfim, na impoimpos ição das da s mãos d a orde or de naç na ção s ace ac e r dotal dot al,, trans tr ans mite mit e os s e us plenos ple nos pode pode re s de Me s s ias , se s e u pode pode r de be nção aos que e s colhe colhe u como dis c í pulos , afim af im de continuar co ntinuar,, pelo pe lo seu se u ministé nis tério, a faze fa ze r com que s aia aiam m do impér io da morte homens novos, filhos de Deus. Os s acrame ntos ntos nos nos dão a ce rteza rte za se ns ivel, g aranti ar antida da pela pe la pr p r ópria pr ia pala pa lavv r a de Je J e s ús e a prá pr átic ti c a dos após tolos tolo s , de que que Je s ús c ontinua ontin ua a opera ope rarr em e m meio me io de nós a cada ca da curva importante, alegre ou triste, de nossa pequena existência. nci a. No altar alt ar do c as ame nto, no berç be rço conio no le ito de dor, dor, nos nos mom mome ntos ntos de crise e de peno pe noss os trancos tr ancos , Jes Je s ús ai e s tá, s ob o véu da g raç ra ça s acr ac r ame ntal, nta l, aíe s tá c omo amigo amig o e cons olador, com c omo o mé médico das fe ridas da alma e do cofpo, para darnos a verdadeira felicidade. Santo Tomaz de Aquino (3) descreveu de maneira particularme nte nte luminos a e s ta pe netraç ne tração cons c onstante tante da vida v ida inte ira do cris cr is tão pela fédos fédos s acrament acrame ntos os e do S alvador. alva dor. Goethe Goe the disto dis to fa la com e moção no VII livro da s e g unda parte par te de " Dicht Dic htung ung und und Wahrh ah rhee it” . T e rmina rmina por es ta re flexã fle xão nonotáve l: “ E dizer dize r que que es s e conjunto c onjunto e s piritual piritua l tão be m org anizado aniz ado foi des de s locado locado pelo Prote P rote s tantism tantis mo, que dele não c onse ons e rva rv a como c omo a utê ut êntic nti c a s e não uma par pa r te mí nima ni ma,, re je itando ta ndo todo to do o res re s to a tí t ulo de s e r inve inv e nção pos te r ior io r ! De 3 ) Summa theol. theol. — 3 p. q. 65 art. a rt. 1.
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que modo a indife re nça com que que olhamos para par a alguns alg uns dende ntre eles poderia prepararnos para considerar os outros com o respeito devido ao que vem de Deus?” E, no entanto, os sacramentos, por mais santos que sejam, ja m, não s ão a inda in da o que há de mais profundo pr ofundo e mais s anto. Je s ús liga ligass e de tal mane mane ira aos aos s eus crentes crentes ,tão ativa, ativ a, tão penet pe netrante rante é a s ua g raça, que que ele e le se dá a si mes me s mo, pes pe s s oalme oalme nte, nte , como uma re alidade ativa ativ a e benéfic a. Je s ús c omunica omunic a aos s e us s ua re r e alidade í ntima, o que que ele tem de mais precioso, o seu eu, a sua personalidade divina. Come Comemos mos o seu se u corpo, bebe mos o seu se u s angue. angue. Ama Je s ús de tal ta l for f orma ma os s e us , que não se conte nta com com o viv v ivif ific icá áloS c om a s ua g r a ça e a s ua forç for ça, animaos animaos re almente alme nte da s ua pes pe s s oa humano humanodiv divina, ina, põ põe s e e m comunhã munh ão de carne c arne e s angue ang ue com c om eles ele s , une os ao seu se u ser se r c omo a r a ma ao a o ce c e pa da v inha. inha . Não, e m v e rdade rda de,, não fomos abandonado aba ndonadoss como como orfãos ne s te mundo. mundo. S ob a aparência nc ia do d o pã p ão e do v inho, o Me Me s tre c ontinua ontin ua a viv vivee r e m meio me io dos s e us dis c í pulos, pulos , o “ S e nhor” e m me io dos dos eu povo, até que do alto al to do céu ele retorn re tornee e m toda a s ua majestade. O sacramento do altar éo memorial mais poss ante, ante , mais profundo, prof undo, mais í ntimo do S e nhor, nhor, à e s pe ra do seu glorioso retorno. Malgrado as centenas ou milhares de anos, anos , malg ma lgrr ado ad o a suce s ucess s ão dos povos e das civilizaç civ ilizaçõe s , Je s ús não pode ria ri a s e r e s quec que c ido. Ne nhum c oraç ora ção, na te rra, rr a, ne m me me s mo o de ne nhum pai ou de mãe nenhum ne nhuma, a, te m s ido ama a mado do tão ve v e r dade irame ir ame nte , tão fie fi e lmente lme nte , tão f orte or te mente me nte e c om de v oção ta t a manh ma nhaa , por milhõ mil hõe s e milhõe s de s e res re s humanos huma nos , qua q uant nto o o cor c oraa ção de Jes Je s ús . Nos sacramentos, especialmente no do altar, aparece da mane mane ira mais patente a idéia fundame ntal da Igre Igr e ja: a inc a r na ção do Cris Cris to em e m s e us fiéis. is . P or isto is to me me s mo, mo, um um c ató at ólico lic o achar ac haria ia que que pre te nder nde r encontr e ncontrar ar a orige orig e m, nã não s ome ome nte de s te ou daque daquele le rito exte e xterior, rior, mas mas do conteú conte údo pró pr óprio pr io e do s e ntido dos s acra ac rame mentos ntos , e m cre nç as e ritos e s tranhos tranhos ao cris tianismo, talve z mes mo nos nos misté is térios do paganis pag anis mo, se s e ria ver ve r as coisas cois as muito pela s upe upe rfí cie . Os Os s acramentos da Igre Ig re ja nos nos re portam, pe pe lo contrário, à v ida id a c ris tãdas orige orig e ns, ns , a r e aliz al izaa ção s e nsí ns í vel ve l da idé id éia cen ce ntral — que e ncontram ncontramos os des de as orige ns cris tãs — de uma um a uniã u nião indis s olúv e l com c om o Cris Cri s to, to , de “ um ser se r no Cris Cris to” to ” e m c ontinuidade ontinuidade até hoje hoje . Na doutrina doutr ina mí s tica tic a dos dos
Adam,
A es s ência do Catoli atolicis cis mo
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sacramentos, o Cristo écompreendido imediatamente como o S e nhor da comu c omunid nidad adee fie fi e l, como c omo o princ pr inc í pio invis í ve l de forç for ça e de de ativ idade . Ass As s im se traduz tr aduz de mane mane ira concre ta a idéia fundame ntal da Igre Ig re ja: o Cris to que concontinua tin ua a vive vi ve r nela, ne la, a inc arna ar naç ção do div ino no humano. Dogma, moral e liturgia manifestam, acabamos de mostrálo, antes ante s de nada na da mais a conci c onciê ência nc ia que tem te m a Ig re ja de ser o corpo do Cristo. Es ta mes me s ma conciência ins ins pira tambem tambe m suas re gras e ins tituiçõe s , os métodos e proc pr ocee dimentos dime ntos pelos pe los quais a Igreja traduz sua vida sobrenatural e, antes de tudo, a idéia que e la própria pr ia f a z de s ua autoridade autor idade e de s ua doutrina dos sacramentos. Depois de haver mostrado a vida sobrenatural na Igreja, assinalemos a forma forma especial sob a qual essa vida se nos apresenta. A Igre Ig re ja, dizí amos , pre ten te nde s e r s imples imples me nte nte o corpo corpo do Cris to, a manife manif e s tação do se s e u se s e r humanodivino na histó his tória. Se Segu gue ess e daíque daíque o Cris Cris to glorific g lorificado ado é a verdadeira fonte original de todos os seus poderes; todos aqu aque les le s de que que a Igre Ig re ja faz us o só s ó s ão exe rcido rcidos e m nome do Cristo e, num sentido ultraverdadeiro e profundo, lhe pertencem. P or isto, is to, a cons tituição da Ig re ja éinte irame nte aris toc rática, tic a, vinda v inda do alto, alt o, do próprio pr io Cris to, e de mane ira ir a ne nhuma de mocrá mocr ática. tic a. Ne la, a autor aut orida idade de , o pode r , não ve m de de baixo, da c omunidade , porém de cima, c ima, do Cris Cris to. De De us, us , tornado vis í ve l pelo Cris Cris to, decorre de corre , por interinte rmédio dos após tolos tolo s , todo to do poder pode r , na Ig r e ja. ja . Ouç Ouça mos mo s o ve lho teó te ólogo da Áfr Áfric ica, a, Te T e rtuliano, expr e xprimir imir de de mane ira impre impress s iva es sa orige m: “A Igr Igree ja vem ve m dos dos após tolos tolos , os os após tolos do Cris to, e o Cris to, de De De us (de prze s cript. 3 7 ). Não e ra em e m seu se u próprio pr io nome, nome , poré por ém como c omo “ e mba mb a ixa ix a dore dore s ” e rep re pres re s e ntante tantess do Cris to que que os após tolos ag iam: ia m: “Quem vos escuta, escutame; e o que me despreza, despre za Aqu Aquee le que que me me e nviou” nviou” (L c 10, 16; Mt 10, 10, 4 0 ). Os após tolos , por s ua ve v e z, como como no nolo lo mostra mos tram m os e s critos tos do Novo Novo Te s tamento tame nto,, em partic part icular ular as E pí s tolas tola s pas torais (4 ), apó a pós have have re m fundado alg uma nova comuni comuni 4) Cf. Tito I, I, 5 ; IV T imot. imot . IV, 14; 14; 2* T imot. I, 6 ; Atos dos Apó Ap ós t. XX XX,, 28.
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Cap. I.
Cris to na Igre ja
dade , impunham as mãos aos “ primí cios ” , quer dize r, aos recemconvertidos , para fazer deles os chefes ( t iqoe o rützcç) que , em se u lugar, deviam “ pas ce r o re banho de De us ” , s e gundo a expressão tão be la e impressiva de s. P e dro (1 P d 5, 2 ). Não e ram, pois, as comunidades as de positárias , os s ujeitos de plenos podere s apostólicos, mas, sim, os que eram escolhidos, em nome do Cristo, pe los após tolos , para em seu lugar exercerem a função de Anciãos , de Pres identes, de Bispos. Após a morte dos após tolos , e ram ainda esses Anciãos que, pe la impos ição das mãos, trans mitiam seus podere s e ordenavam as novas comunidades em torno dos que haviam sido, por essa forma, investidos em miss ão. As comunidade s , éve rdade, davam s eus s ufrágios e opiniõe s no s e ntido de des ignar aqueles aos quais tais poderes seriam confiados, mas os poderes mesmo e ram e xclusivamente de orige m apostólica. Eram comunicados pelos Epí scopos, que , por sua vez, os tinham re ce bido dos apóstolos. Te stemunhao toda a antiga literatura cris tã. Encontramos o desenvolvimento des ta idéia, já particularme nte evidente e considerada clássica, numa obra do prime iro século, a prime ira Epí stola de s. Clemente (ad Cor 44, 3). A autoridade, na Igre ja, re pousa sobre a sucessão apostólica, sobre a continuação dessa mis s ão que os após tolos haviam recebido do Cristo e que se transmite pela impos ição das mãos . Ess a miss ão apos tólica, tr ans mitida de Bis po a Bis po aténossos dias , outra cois a não é. no fundo, s enã o o pleno pode r mes s iânico de Je sús. Pe la via da sucessão apostólica, ele se propag a e estende, distribuindo aos homens a ve rdade e a graça de Je s ús. Por detrás da autoridade da Igre ja é, pois, o próprio Je s ús que devemos ver. S e gundo a expressão da te ologia, o Cristo éa “causa principalis ” de todas as funçõe s que a Igre ja exerce, a fonte prime ira de s ua força s obrenatural e de sua ação; o homem não és enão a “ caus a instrumental" de tudo o que o próprio Cris to ens ina, santifica e orde na. Assim, e m toda função, em todo minis tério da Igre ja, a pers onalidade humana, o indiví duo como tal, desaparecem. Em lugar da pessoa mesma do ministro, é a força redentora de Je sús, e s palhada no corpo mí s tico do Cristo, que age. Quando ela se exprime e se faz sensí vel,
A d a m,
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chamase minis tério e cles iástico, serviço do Cris to essencialmente, quer dizer, serviço só executado em nome do Cristo, s e gundo s ua ordein, e que só da autoridade do Cristo éque toma seu sentido. Evidentemente, a personalidade do ministro que se compenetra das intenções do Cristo contribuirápoderosamente para dar ao exterior um carate r edificante e s antificante , mas a s ubstância mes ma do seu ministério, o fundo de s ua ativ idade , étotalmente independente da sua superioridade ou da sua fraqueza pess oal. Não éele, com efeito, não éa sua pe rs onalidade que prega, batiza e ordena na Igreja, ésomente o Cristo. A conce pção da autoridade e das funções na Igre ja decorre , pois, diretamente dessa doutrina fundamental da penetração, da animação da Igre ja pe lo seu “Se nhor” . Não de ve mos ver nis to uma espécie de e mprés timo, es tranho ao Evange lho, fe ito às re ligiões pagãs , ou, mes mo, ao dire ito judaico ou romano, mas, pelo contrário, a expre s s ão da pura doutrina evangélica: “ E’ o Cris to que prega, éo Cris to que batiza”. A Igre ja não te m outra pre te nsão s enão a de conservar o grande pensame nto cris tão primitivo, segundo o qual nela não háse não uma únic a autoridade le gitima, um único mestre, um sé autor e dis tribuidor da graça, um só Pas tor: o Senhor, o Cris to. Não cons titue , pois , a conce pção da autoridade e das funções na Igre ja nada de hirto, de mumificado, mas uma dire ção da vida e da atitude do cre nte para o Cris to, e sópara o Cristo. Entre o Cristo e o fiel, nenhuma autoridade humana, ne nhuma pess oa e s tranha se interpõe . E ’ dire tamente do próprio Cris to que devem descer às almas a verdade, a graça e a vida divinas . A Igre ja as s e gura precisamente — por iimis paradoxal que pos s a parece : esta afirmação — pelo seu carate r impe s s oal, a libe rdade da pe rs onalidade cris tã. Pre serva da dominação e s piritual e da pre tensão a se erigire m em me diadore s indispe nsáve is que poderiam ter certas personalidades. Colocando diretamente em face um do outro o Cristo e o fiel, a intervenção da Igre ja não s epara, pois, une, pe lo contrário, ou antes, protege e assegura essa misteriosa e maravilhosa comunicação e ntre o Cris to e a alma. Prote ge e as s e gura o contacto e a permuta de vida entre a cabeça e os seus membros.
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Cristo na Igre ja
Vale essa doutrina tanto para a miss ão doutrinal quanto para a miss ão s ace rdotal e pas toral. O Ensinamento da Igre ja re pousa sobre a palavra do Se nhor, não tendes s e não um único Mestre , o Cristo (Mt 23, 10). Quando o padre católico anuncia a palavra de De us, não éum homem que pre ga, é o próprio Cris to. Neste s e ntido, a prédica do P apa na Capela S ixtina, aos olhos da ve rdade ira féc ris tã, não te m mais valor do que a do mais modesto cura da mais í nfima aldeia. Porque não é Pe dro, nem Paulo, nem Pio, “éo Cristo que prega”. Toda a história das lutas da fécris tãédominada por esta convicção de que o Cristo éo Doutor único na Igre ja. Porque a sua prédica vem e xclusivamente do Cris to, a Igre ja pode ater se firme e corajosamente àmensagem do Cristo, que transmite. Eis por que e la não poderia pe nsar em “mode rnizarse” , isto é, em acompanhar o es pí rito do te mpo. Seu e ns iname nto não ée não quer ser mais do que a continuação, para os homens do seu te mpo, da me nsagem do Cristo, pre gada pelos apóstolos. A tão urgente re comendação de s. P aulo a s eu dis cí pulo: “Timóte o, g uarda o depósito que te foi confiado!” (2 Tm 1, 14; 1 Tm 4, 18; 6, 14) éo programa de toda a prédica da Igre ja. Seu es pí rito tradicional e conse rvador decorre dire ta e logicamente do a que se poderia chamar seu fundamental Cristocentrismo. Por isto mesmo, sempre se manteve em guarda a Igreja contra a tirania das personalidades, das escolas, das correntes que porve ntura lhe quisessem impor a sua dire ção. Nunca jamais ela hesitou, quando lhe pareceu que a con ciência cris tã dos fiéis, a mensage m do Cris to conservada pe la tradição, se achavam pe rturbadas ou ame açadas, em pronunciarse atécontra os mais brilhantes dos seus filhos , um Orí ge nes , um Agos tinho mesmo. E de todas as vezes que, em lugar do fundo tradicional, do solo firme da his tória dos dados cris tãos primitivos, da con ciência cristãque continua, foi a e speculação, a peque na experiência pessoal, numa palavra, a pobre individualida dezinha que pretendeu fazerse portadora da mensagem de Cris to, a Igre ja imediatame nte pronunciou o seu anáte ma. E esse anáte ma, não he s itaria em pronunciálo mesmo se um anjo vindo do céu trouxesse uma doutrina diferente da que lhe foi desde os apóstolos trans mitida. A
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his tória do e ns iname nto da Igre ja outra não é senão a de uma ligação tenaz ao Cristo, de um aprofundame nto rigoros o da mensagem de Je sús: Não deve is te r senã o um Mestre, o Cris to (5 ). O Cris to, o “ Se nhor” da comunidade cris tã, é, na re alidade , como acabámos de ver, o único que ensina na Igre ja. E’ também o único que opera quando a Igre ja administra os Sacramentos. E' preciso não conhecer essa doutrina fundamental para ousar escrever que “na teoria escolástica da e ficácia dos s acrame ntos re encontram se as concepções primitivas de uma força automática atribuí da a certas açõe s ” (6 ). A Igre ja católica e nsina que os s acramentos age m ex opere operato, e não ex opere operantis, is to é, que a graça s acramental éproduzida, não pelos es forços pessoais de boa vontade e de oração do que recebe o s acramento, mas pela eficácia obje tiva do próprio s igno s acramental. Em cada sacramento, algo háde exterior que é posto (opus operatum). Entendamos por isto uma certa união, es pe cialí ss ima, conforme a ins tituição fe ita pelo Cris to de uma coisa (a matéria) e de uma ou várias palavras (a forma). Desde que este rito seja cumprido de acordo com a inte nção da Igre ja, o s acramento existe e a graça sacramental opera como “obra do Cris to” (opus Christi), independentemente da parte de atividade com que contribue o que o recebe (opus operantis), e simplesmente porque foi administrado validamente. Pelo sófato de, em nome da s antí s s ima Trindade , ser a água do batismo de rramada sobre a cabe ça da criança que acaba de nascer, éesla admitida na amizade de Deus; sem mais demora, abrese o céu e a voz do Pai proclama: “Tu és meu filho bemamado!” 0 rito s acramental comunica efetivamente a graça da s alvação, “ sem inte rvenções do s uje ito” , pe lo me nos quando se trata da e ntrada e m graça de uma criança que ainda não se e ncontra em us o da razão. Ao adulto, no qual 5) S t o. A g o s t i n h o : Christus est qui docet. Cathe dram in caelo ha be t.. . s chola ipsius in terra es t et 9chola ips ius cor pus ipsius est. Caput docet membra sua, lingua loquitur pedibus suis. Christus est qui docet: audiamus, timeamus, faciamus (De disc. christ.. 14, 15). 6) H e i I e r, Op. cit., p. 12.
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Cris to na Igr e ja
a conciência moral e re ligios a des pertou, énece s s ária uma pre paração s ubje tiva — pe los atos de fé, de pe nitência e de arre pendime nto — àgraça obje tiva trazida pe lo rito s acrame ntal. A Igre ia e nsina que os e sforços do adulto que rece be o s acramento não s ão a caus a que produz ou atrai a graça (caus a e ffic ie ns ): cons titue m s imples mente uma pre paração que põe em es tado de rece bêla (caus a dis pos itiva). A causa produtriz ée xclus ivame nte o próprio Cris to, que, ins tituindo os s ignos sensiveis da graça, manife s ta e oferece a vontade de distribuí la. Orig inariamente, in actu primo, a g raça éalgo de dado, algo que, afora e acima de qualque r e s forço do s ujeito, éconfe rido pelo rito s acramental. Es ta graça, as s im objetivamente ofere cida, s erá, porve ntura, e ficazmente re ce bida em mim? Is to de pende rá de minha dis pos ição subjetiva. De fato, pois , a pe ne tração real da graça na minha alma não de pe nde da graça ape nas , mas re s ulta da colaboração de dois fatore s : a graça do Cris to e a minha boa vontade. Podese, acaso, ver nesta doutrina sacramental algo da crença primitiva que atribue forças s obre naturais a certos objetos estranhos? Falar de uma “ e ficácia mágic a” do s acramento édesprendêlo de s ua raiz única, o Cris to, e xclusivo dis tribuidor da g raça, e conferirlhe uma exis tência s e parada. O s acramento, assim, ao invés de ser o s igno s ensive! da g raça, tornarseia uma fonte indepe ndente , dotada de força s obre natural, ve rdadeira “fe itiçaria” s agrada. Na re alidade, o sacrame nto não existe por si mes mo. S ótem o seu se ntido inteiro, e sua realidade, no Cristo e pelo Cristo. Santo Tomaz e xplica muito be m que ele não pas s a da causa instrume ntal da qual o Cris to, dis tribuidor da graça, se serve ; o s igno, perceptí vel aos s entidos, do qual ele utiliza a s ignificação s imbólica para pr oduzir na alma do cre nte efeitos s obre naturais corres pondentes a esse s imbolo. E até mesmo, s egundo a opinião e s cotista, s ustentada em nossos dias por um bom núme ro de te ólogos , não contém o s igno s acramental ne nhuma caus alidade “ fí s ica” ; cai a graça imediatamente de Je sús na alma do cre nte; o sacrame nto mais não édo que um s igno que Jes ús quis tornar exterior e sensivel, ao qual ligou, como a uma condição moralmente dete rminante, a dis tr ibuição da s ua gra-
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ça. E’ um “ Eu o que ro, sêpuro!” que se tornou sensí vel e eficaz. Algo de objetivo, de impessoal, permanece na doutrina católica do s acramento. E ’ verdade que de pende a graç a de Cris to, como de s ua causa, não dos esforços religiosos c morais do s uje ito, mas do s igno sensí vel, dado efetivamente. Por que assim acontece, no entanto? Porque nesse carater impessoal, objetivo, do sacramento, como no do ensiname nto da Igre ja, se manife s ta o que ele tem de mais profundo, de mais í ntimo, a saber, a s ua ligação tão e special com o Cris to, sua ação que vem simplesmente da plenitude do Cristo, seu poder santificante devido à s ó força do Cris to, porque , precis amente, não é o que nela há de humano que s antifica os homens, mas a forç a do Cris to, unicame nte . A graça do Cristo não se prende a atos humanos , àféou àpenitência do pecador ou mesmo á oração c ao s acrifí cio das almas santas, unidas a Deus, das pessoas gratificadas de carismas, dos santos profetas, bispos ou padres; prendese a algo de totalmente impessoal, a um signo morto que, por si mesmo, outra vantage m não oferece s enão a de ser um signo querido pelo Cris to, uma autêntica expre ssão de sua vontade de dis tribuir a graça. Es ta fórmula “ ex opere operato” garante o que háde mais profundo no Cristianismo, aquilo pelo que lutou e sofreu são P aulo, a inteira gratuidade da g raça e a doutrina s egundo a qual o Cris to é “ tudo em todos” (nnnia et in onmibus Christus). Como a doutrina da objetividade do sacramento está no coração mesmo do cris tianismo, é evide nte mente tão antiga quant» ele, tão antiga quanto o corpo do Cris to, a Igreja. A te ologia bí blica insis te forte mente no sentido de mos trar que já em s. P aulo e em s. João e ncontramos esse carate r de inde pendência do s acrame nto com re lação à pe ssoa, a ação ex»operato, s enão em termos e xpre s s os, pelo menos de maneira equivalente. Soa sua doutrina sacramental com timbre nitidamente semelhante ao do ensinamento católico atual. E como pode ria deixar de ser assim? Des de que Cristo éo ce ntro da atividade da Ig re ja, e que ébem realmente de sua plenitude que tudo recebemos, desaparecem, por isto mesmo, todas as fontes puramente humanas da s alvação. Não há mais inte rme -
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diário humano, como observava s anto Agos tinho dirig indose aos Donatis tas . S ó Cristo opera. Quando, na comunidade dos primeiTos cris tãos de Corinto, ligavamse alguns a personalidades favorecidas de carismas, formandose, assim, os partidos de Pedro, de Paulo, de Apoio, como se acre ditas s em alcançar a s alvação de uma ou outra dessas personalidades humanas, s. Paulo ergueuse, com todo o seu zelo de testemunha de Cristo, contra seme lhante “ humanização do Evange lho” . Quem é, pois, Apoio, quem éPaulo? ministros por meio dos quais viestes a c r e r .. . Ninguém pode ass entar outro fundamento, s enão o que já está asse ntado, quer dize r, Jesús Cristo (1 Cor 3, 4 ). A doutrina católica dos sacramento*; afirma simplesmente com firmeza esse fundame nto de todo o cris tianis mo. Nas lutas , que duraram séculos, contra os Montanistas, os Novacianistas e os Donatistas, mais lar de contra os Valdenses, os Albigenses e os Hussitas, a Igreja retomou sempre e sustentou a palavra de santo Agostinho: “E’ por si mesmos que os sacramentos santificam, não pelos homens que os confe re m” . Não s ão, com efeito, os homens que batizam ou absolvem, mas Cristo. Pre cisamente porque o Sacrame nto cristão, pelo seu ca rate r independente das pes soas, exclue toda mediação das autoridades humanas, garante as permutas imediatas de vida e ntre a cabeça e os membros. Res ulta daíque em nenhuma parte a liberdade pessoal na vida religiosa é tão amplame nte as se gurada quanto no catolicismo. Como as folhas inumeráve is de uma árvore , das quais nenhuma absolutamente se parece com a outra, as formas da piedade cris tã, nas quais se manife s ta a vida católica com o Cris to, s ão tambem, na s ua varie dade, inumeráve is. Ainda algumas palavras sobre a função pastoral, o poder de governar, na Igreja. O Evange lho de s. João (21, 15 s) re fere que o Cristo re ssuscitado, dirigindose ao após tolo Pedro, diss elhe: “Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas !” Não s ão as suas próprias ovelhas que Pedro éencarregado de apasce ntar, s ão as ovelhas do Cristo. O poder pastoral aparece, por esta forma, claramente, em s. João, como uma função de lugartenente, como um poder a ser exercido em nome do Cris to. E ’, aliás , neste sentido que dele usa s. P aulo com relação ao ince stuoso de Co
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rinto: ó“e m nome de noss o Se nhor Jesús Cris to” e “com todo o pode r do mes mo S enhor Jes ús Cris to” que ele o entrega “a Satanaz para a morte da carne, afim de que o espí rito se s alve no dia do Senhor Je s ús” (1 Cor 5, 3 s ). Todas as me didas disciplinare s da Igre ja são inspiradas pela idéia de que deve m ser tomadas em nome e na força de Je s ús . Contudo, a função pas toral na Igre ja, o poder de gove rnar, não s e exerce, como o poder doutrinal e sacerdotal, imediatamente sobre as realidades sobrenaturais dadas de uma ve z para s empre na revelaç ão do Cristo, is to é, s obre as re alidades do Dog ma e do Sacramento. T e m por obje to a introdução dessas realidades s obre naturais na vida prátic a, a aplicação das normas e dos valore s cris tãos na vida dos povos e dos indiví duos. Ora, como esta vida de dia a dia se desenvolve e modifica, não pode ria a Igre ja pretender que c ada uma de suas medidas de governo esteja, de maneira absolutamente certa, na linha e no es pí rito de Jesús. E ’ possive l que, s egundo a obse rvação várias vezes fe ita por s to. Agos tinho, nas prescrições do gove rno da Igre ja algo de humano, de muito humano, consiga insinuarse, e que nelas se notem erros e falhas . Se tais medidas particulares , porém, podem parece r lame ntave is, o fim pe rs eguido, os princí pios inspiradores nem por isto deixam da manifestar, para o fiel, o e s pí rito autêntico do Cris to, seu amor e s ua força. O católico s abe que a autoridade da Ig re ja reveste o princí pio abs oluto da Ve rdade , da Jus tiça e do Amor. Para ele es táresolvido o problema que de maneira tão ag uda propõe Dostoie wski na s ua lenda do Grande Inquis idor, ou, melhor, no romance “Os irmãos Karamas off” , que não é le ndário, s enã o, em parte , proble ma que consiste em perguntarse se não será a autoridade humana s inônimo de opressão. Pois bem, sim! toda autoridade puramente humana énecessariamente tirania, que r se exerça por me io de um só ou por meio de uma multidão. S ó na “ te ocracia” se vêo homem livre do homem, porque sónela serve ele não ao homem, mas a Deus. Explicase por e sta for ma o mistério, desconce rtante para que m olha de fora, da obediência filial com que o crente ace ita as pre s crições da Igreja, e que lhe faz s ubme ter docilme nte seu próprio pe nsamento e vontade à vontade do Cris to, que dirige a Igreja. Por este meio o crente deliberadamente alarga o
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seu eu estreito e mesquinho, confundindoo com o eu da Ig re ja. Não se trata de modo nenhum de obediência de cadaver ou de mentalidade de escravo, mas de um ato verdadeiramente religioso, pois que representa submis s ão abs oluta àvontade de Jesús, que opera na Igre ja. T al ober diência não énem urna covardia nem uma fraque za, mas, s im, um ato de força e generos idade , um ato viril e altaneiro mesmo em face dos tronos. Em sua leal fidelidade, ele vai atéao sacrifí cio dos bens da terra, mes mo da vida : éum s acrifí cio de si mes mo ao Cris to que anima a Igreja. Nessa fidelidade se mostra a nobreza do sangue que corre nas artérias do cre nte. Se amanhãuma tempestade desabar sobre as comunidades cris tãs, ou tivere in elas de derramar seu s angue para confess ar s ua fé, não sei se todos se mante rão firmes e fiéis na s ua união ao me s mo Cris to, se os laços que, em te mpos calmos, bas tavam para mantêlas unidas entre si, não se partirão em mil bocados como falripas de palha dispers as pelo ve nto. Mas sei que, quanto ao laço que une a Igre ja e seus membros, nenhum e s pí rito mau pode rárompêlo, porque ele não éda te rra. Foi trançado pelo “Senhor" da Igreja, pelo Deus feito homem, o Cristo Je s ús.
Capitulo II
A Igreja, corpo do Cristo A Igr e ja é se u corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todos (Ef 1, 23).
Se a Igreja éo reino de Deus e o corpo do Cristo, sua primeira caracterí s tica s erá a de ser sobrenatural, celeste. Por essa face, a Igreja se situa no invisivel, no espiritual, no ete rno. Acabámos de mostrálo na primeira confe rência. A Igre ja, porém, não és omente invis ivel. Se éo reino de Deus, não cons titue uma simples juxtapos ição acidental, mas, s im, uma comunidade cujos membros s ão ligados à cabeça e entre s i mes mos. Tal organização é necessariamente visivel. Corpo do Cristo, éessencialmente algo de orgânico, is to é, de coorde nado e s ubordinado, um organismo visivel. Esta, a segunda particularidade da Igre ja. O divino na Igre ja não é, como certos autore s antigos ou rece ntes poss ive lmente imaginam, uma es pécie de e ntidade s antificante — com uma e xistência independente, e que vem de maneira invisivel pousar sobre um c outro. Nela, o divino como que se objetivou, fezse carne numa comunidade enquanto comunidade. Em outros termos: a graça re dentora de Je sús, tal como se aplica por inte rmédio da Igre ja, não se pre nde a uma pessoa e nquanto tal, não se manife s ta numa individualidade, mas, sim, essencialmente, numa comunidade, num conjunto de pessoas. O e s pí rito de Je sús não se introduz neste mundo contingente por meio de individualidades dotadas de carismas, mas exclusivamente na e pela comunidade; manifestase s obre tudo pela unidade que cria na multidão. O ve í culo, s e as sim se pode dize r, do Es pí rito de Je sús é, pois, a Igre ja, não e nquanto multidão de indiví duos, e nquanto soma de pe ss oas cada uma das quais animada des se espí rito, mas a Igre ja e nquanto forma A
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uma unidade de crentes, uma comunidade distinta das pes s oas particulare s que a compõe m. Es ta unidade nova, e s ta comunidade , éo dado cris tão primitivo, não formado, nas cido do ag rupame nto livre ou forçado dos iiéis, não re pousando s obre a boa vontade dos fiéis individualmente considerados e não fruindo, assim, s enã o de uma e xis tência de rivada, s ecundária, mas alg o que, na sua própria e ssência, édado antes das individualidade s cristãs, e spécie de ess ência trans pes s oal, unidade superior da qual se não pode ria dize r que re s ulta dos fiéis cristãos que a compõe m. Não s ão os fiéis que faze m a e xistência da comunidade , é, antes , o invers o que se ve rifica, ou s eja, éa c omunidade que faz com que os indiví duos , enquanto cristãos, exis tam. A comunidade cristã, a Igre ja enquanto comunidade, éo dado primeiro, ao passo que a pe rs onalidade cris tã, vale melhor dizer: a Igre ja e nquanto s oma de pessoas cris tãs s ó depois é que ve m. E’ o mes mo que dize r que a Igre ja não nasce u no dia em que Pe dro e Paulo, Tiago e João compreenderam, cada um por seu lado, o mis tério de Je s ús, s ua pers onalidade hu manodivina, e, conjug ando a s ua féem Jesús, fundaram uma comunidade que se chamou cris tã; mas que já existia — em germe, virtualme nte — antes que Pe dro e João se houvessem tornado crentes. Como Todo, como comunidade, como unidade orgânica, a Igreja éuma instituição divina. Porque , no seu fim último, éverdade iramente a unidade de todos os homens que deviam ser resgatados, o cosmos dos homens, a humanidade como todo, a multidão como unidade , e tudo isto realizado pe la s anta humanidade de Je sús. À prime ira vis ta pode esta idéia surpreender; é, no entanto, a única que explica o lado visivel da Igre ja, e nos dáo s entido de s ua história. Se , como a Igre ja o proclama, Cris to é o DeusHomem, re dentor da Humanidade — e ele o éde fato — para re alizar s ua obra, deve ligar a De us , re conciliar, não estes ou aqueles indiví duos , mas a Humanidade como Todo. A miséria da humanidade de caida, a essência do pecado orig inal que sobre e la pes ava. consis tia em que o laço s obre natural que a pre ndia a De us desde a s ua criação, e graças ao qual e la e ra capaz de re alizar a plenitude, a perfe ição de seu ser, e de atingir ao seu destino — esse laço tinha s ido rompido
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pe lo pe cado de Adão. Não foi apenas Adão que se se parou de Deus, mas, sim, nele, e por ele, a Humanidade inteira. E’ este um dos dogmas fundamentais do Cristianismo, do qual jáe ncontramos alguns ves tí gios nos escritos judaicos, posteriores ao canon das Sagradas Escrituras, c clarame nte formulado como dogma cris tão, s obretudo por s ão P aulo. Es te dogma do pecado de nos sos primeiros pais, que se tornou o pecado original, e de nossa rede nção pe lo home m novo, o Cristo, éo núcle o central de todo o Cristianismo. Constitue o fundamento da tão forte e comovente cons ide ração de que não devemos olhar a humanidade como a soma dos seres que nascem uns dos outros e se sucedem; nem mesmo como o conjunto dos homens que, tendo um pai comum e, pois, faze ndo parte de uma s óe mesma espécie, entre si mes mos se unem. E’ preciso representarnos a humanidade como um sóhomem. Os homens s ão, com efeito, de tal forma unidos e dependentes uns dos outros, em sua natureza, e m seu ser tanto e s piritual quanto corpóre o, em seus pensamentos, suas vontades, seus sentimentos e seus atos ; de tal forma és olidária s ua vida inte ira, com s uas virtudes e seus e rros, que mister é considerálos como um Todo, como uma Unidade , como um Home m único para o plano divino da Re de nção. Não éo home m indiv idual, mas a inteira Humanidade, exprimindose sob milhões de formas nos indiv í duos , que constitue o home m total, a plenitude de todos os homens, que existe desde há milhare s de anos e que por milhare s de anos ainda exis tirá. As s im éque não hás enão um home m, o Home m total, e que o erro e o de s tino de um indiv í duo não s ão somente o seu erro e o seu destino pessoais, mas, sim, re percutem na Humanidade inteira, na proporç3o do pa pel dis tribuido pe la Providência a esse indiví duo no funcionamento e na marcha do organismo imenso que a Humanidade constitue. Pe nsamentos que pare ce m, ou, antes , ainda há póuco pareciam bas tante e s tranhos à mentalidade moderna. O individualismo da alma ocidental, que veio a flux com o Renascimento, e em seguida o desmembramento e a ato mização, se se pode dize r, do homem e de s uas potências , s obretudo essa exorcização da Coisa, do Obje to, de uma realidade fora do Sujeito, que penetrou no pensamento 3«
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mode rno e m sequência a Kant, e o s ubje tivis mo sem saida, que daíre s ultou, fize ramnos pe rde r a conciência de nos so ser e antes de tudo mais do verdadeiro fundamento do nos s o ser, isto é, da Humanidade que nos ge ra, nos conduz e nos contém. Encerramonos nos limite s do noss o Eu, e não mais e ncontramos o caminho da Humanidade , do Homem completo, total. A categoria “Humanidade” tornarase e s tranha ao nos s o pe nsame nto. Não mais pens ávamos , não mais viví amos s e não na cate goria do Eu. A Humanidade como Todo, como Plenitude, precisava ser de novo descoberta. Vemos agora pouco a pouco desenharse uma orientação divers a do pensamento moderno — sem falar das profundas mudanças que tambem se notam do ponto de vis ta puramente filos ófico nas te orias do conhecimento. Deve mos atribuí lo à pers istente ges tação do pe ns ame nto cris tão mais autêntico (1 ). De ve mos tambe m ver nisto, em parte,*a influência do s ocialis mo e da Grande Guerra. Sentimonos pouco à vontade no estreito eremitério do noss o Eu e procuramos fugirlhe. De s cobrimos, entã o, que não s omos sós, mas que ao nosso lado, conos co, em torno de nós, e em nós, háa Humanidade . Não s em s urpresa verificamos que fazemos parte dela, que lhe estamos ligados por uma comunidade de ser e de destino e uma s olidarie dade obrig atória, e que s ó assim noss o próprio Eu poderádesenvolverse plenamente, e que sóinserindo nos nessa Humanidade e vivendo por ela éque nos tornaremos verdadeiramente homem. E esta atitude nova do pensamento permite apreciar melhor a e xtraordinária importância do dog ma católico fundame ntal do prime iro homem, Adão, e do homem novo, o Cris to, ambos representando a Humanidade . Em Adão, o prime iro home m, chamado àpartic ipação da vida divina, se continha aos olhos do De us Criador a Humanidade toda inteira. Após se haver des viado do fim s obre natural que Deus primitivamente lhe designara, a Humanidade, como um planeta que s aisse de s ua órbita, se pôs a girar ein ve rdadeiro turbilhão, em torno de si mesma. O Eu tornouse o ponto ce ntral dos seus desejos e esforços, e Deus, fonte primei 1) Cf. R. Q u a r d i n i, Vom Sinn der Kirche, 1922, p. 2 sgs., 7 sgs.
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ra de sua vida espiritual, lhe apareceu como um fardo. No dia em que colheu o fruto da árvore da ciência do Be m e do Mal, Adão se fe z o prime iro homem “autônomo” , do ponto de vis ta moral e re ligios o. O home m, des de e ntão, não mais tinha ne ce s s idade s enão do seu frágil Eu como fonte de forças e s pirituais . Abandonou a Fonte, e m fluxo eterno, da ág ua vivific ante e te ntou cavar em se u Eu uma pobre cis te rna. As águas dessa ciste rna não tardaram a esgotarse. O homem adoece u, morreu da procura do seu próprio e u. A humanidade inteira ficou com ele fe rida de morte . F oi e ntão que, conforme o decreto eterno do conselho de amor mantido por Deus, apare ce u o Homem novo, o Home m da união nova, duradoura, infrangivel, com Deus, o Cristo, o Senhor. Em sua pessoa, continhase a Humanidade que se havia desviado; o homem arrancado pela raiz àvida divina se viu de novo ligado, de maneira definitiva e normal, a Deus, àVida de toda vida, àF orça, àVe rdade , ao Amor personificados . A Humanidade — não apenas este ou aquele indiví duo, eu ou tu ape nas , mas a Humanidade tomada como um todo, a unidade de todos os homens — era restituí da, de s ua lame ntáve l dis pe rs ão, de s eu es migalha mento, ao Deus vivo. O homem total se via restabelecido, unido a Deus de maneira duradoura e de tal forma que, doravante , não mais pode ria, e nquanto Humanidade. por nenhuma e spécie de erro, ser outra vez arrancado a essa vida divina. Assim, o Cristo, em sua pessoa divino humana, éa humanidade nova, o novo come ço, o homem total no sentido ple no do vocábulo (2 ). No pr óprio mis tério da Incarnação, já se encontrava, de direito, a Igre ja como comunidade org ânica. Os indi 2) Entre os Padre s da Igr e ja, nenhum me lhor do que S anto Agos tinho pôs e m rele vo a unidade do Cris to e dos cre ntes . E ’ nessa unidade que ele vêo carater essencial da Igreja: Cum ille caput, nos membra, unus est Filius Dei (in ep. Joan., tr. 10, 3). Aliter enim est in nobis, tanquam in templo suo, aliter autem, quia ct nos ipse sumus, cum secundum id, quod ut caput nostrum esset, homo factus est, corpus ejus sumus (in Joan. Ev. tr. 111, 5). Et nos Ipse est (serm. 133, 8). Ille caput cum ceteris mem bris unus homo est. Et cum ascendere nemo potest, nisi qui in ejus corpore membrum ipsius factus fuerit, impletur: quia nemo asce ndit, nisi qui de s c e ndit... igitur jam non duo, s e d una ca ro (serm. 91, 6, 7).
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ví duos inumeráve is , a mas s a de todos os re s gatados , s ão doravante , em sua mútua lig ação inte rior, e m s ua interde pe ndência v ital, em sua comunidade orgânic a — s ão realmente o corpo do Cristo, absolutamente inseparaveis dele por toda a eternidade. Eis como, à luz do dogma da Re de nção, de vemos re pres entarnos as cois as : não foi somente no dia e m que Pe dro, João e P aulo começaram a crer em Je s ús , que nasceu a Igreja. Ela existia járealmente quando o Verbo de De us se uniu à Humanidade , quer dize r, ao conjunto dos homens que seriam resgatados para formar uma Nature za divinohumana. A Incarnação, com o seu fim dete rminado de Re de nção universal, é, para o fiel c atólico, o fundame nto, o princí pio org ânico des s a comunidade nova a que chamamos a Igreja. O corpo do Cristo e o Re ino de Deus já eram algo de objetivo, de re almente realizado, pelo fato de o Verbo fazerse carne para a s alvação de todos os homens (3 ). E ’ miste r que nos penetre mos dessas idéias dog máticas fundame ntais se quis ermos apreciar com e xatidão a noção de Igre ja em toda a sua exte nsão e profundidade . S ó deste ponto de vista poderemos ple name nte compreender por que tão pre ponde rante énela a idéia de comunidade , e por que motivo não res ulta a comunidade da turbamulta dos crentes. Ela é algo de trans pe rs onal, a Unidade que penetra, domina a Humanidade resgatada. Não constitue , pois , como se vê, nada de vag o ou de indeterminado: éa unidade interior concreta da humanidade resgatada e unida ao Cristo. O que caracteriza a Igreja católic a écompreender ela, não apenas estes ou aquele s indiví duos , mas, sim, o homem total (4 ). Daí , duas importantí s s imas cons equências . Já as s inalámos a prime ira: o orgão do Es pí rito de Je sús Rede ntor 3) S t o. A g o s t i n h o : Dominus autem se curus moriens dedit sanguinem suum pro ea, quam resurgens haberet, quam sibi jam conjunxerat in utero virginis. Verbum enim sponsus et sponsa caro humana; et utrumque unus Filius Dei et idem Filius ho minis, ubi facrus est caput Ecclesiae, ille uterus Virginis Maria: thalamus ejus, inde processit tamquam sponsus de thalamo suo (In Joan. Ev. tr. 8, 4). 4 ) Encontrars eá , de outro ponto de vis ta, uma jus tific ação de s ta concepção na obra de G. R e n a r d. La théorie de flns ti tution, Es s ai í ontolog ie juridique , Paris, 1930.
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fe ito homem, s ua incorporação, s ua manife s tação visivel, não é uma pe rs onalidade partic ular, mas a comunidade como tal, não o Eu, mas o Nós . O E s pí rito do Cris to realizase na comunidade , no Nós . A visibilidade da Igreja não cons iste ape nas na v is ibilidade dos seus membros individualmente considerados, mas na visibilidade de sua unidade, de sua comunidade. Ora, quem diz comunidade, unidade que domina os me mbros , diz coorde nação e interdepe ndência de parte s . E aqui e s tá a se gunda cons equência do dog ma da Inc arnação redentora. Es ta unidade no Cristo não é pura me nte mecânica, res ultante de juxtapos ição, mas , s im, org ânic a, comportando dife re nciação interna. Como todo organis mo s uperior, o corpo do Cristo deve dis pôr de me mbros e org ãos com seus re spectivos papéis e funçõe s , os quais , por s ua vez, dão ao corpo sua cons tituição es pecial e s erve m uns aos outros. Já s ão Paulo, o prime iro após tolo que e mpre ga & expres s ão “ corpo do Cris to”, claramente se e xplica a este re speito na Epis tola aos Corí ntios (1 Cor 12): “Há dive rs idade de dons, mas o Es pí rito éo mes mo; dive rs idade de minis térios, mas éo me s mo o S e nhor; divers idade de operações , mas é o me s mo De us que opera e m todos. Porque , como é um e te m vários membros, e como todos os membros do corpo, não obs tante a s ua diversidade, formam um corpo apenas, o mesmo acontece com o Cris to. . . Vós s ois o corpo do Cris to e seus membros, cada um de sua parte. Deus estabeleceu na Igreja, prime iramente , após tolos, em s e gundo lugar profetas , em terceiro lugar, doutore s , e e m s e guida os que têm o dom dos milagre s , depois, os que têm os dons de curar, de assistir, de gove rnar, de falar dive rs as lí ng uas ” . Acha, pois, o após tolo claramente que e sta comunidade consti tue, por e ssência, um org anis mo difere nciado, que o corpo opera pelas difere ntes funçõe s dos seus dife re ntes membros , e que é, portanto, o s ó e mes mo Es pí rito do Cristo que se conserva na unidade dessa plenitude. Evidente mente , s ão Paulo ainda não fala da dis tinção teológica precis a entre as difere ntes funçõe s vitais de um organismo. Esta sófoi introduzida pelo desenvolvimento pos te rior da e s peculação te ológica. Pre cis ou, com e fe ito, o progresso do pensamento, que certos dons, tais como o do apostolado, o do ensino, o do governo, pertencem
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à cons tituição mes ma da Igre ja, que sem eles s e não pode conceber, ao passo que outros tais como o de profe cia, o dos milagre s , o das lí nguas , provêm de uma es pécie de s upe rabundante ple nitude de vida cristã, e s ão antes s inais e manife s taçõe s da v ida c ris tã do que funções essenciais. E ’ be m de s ão Paulo, contudo, a doutrina que faz do corpo do Cristo um ser organizado, agindo essencialmente por orgãos dive rsos, e mbora permanece ndo interiormente uno pelo Es pí rito do Cris to, que o anima. Consti tue ela parte fundamental da mensagem cristãque nos foi transmitida. Onde se encontra, de maneira mais precisa, esta organiz ação dos membros no corpo do Cris to, esta unidade no múltiplo, esta multidão na unidade ? Façamos , antes do mais , uma prime ira obse rvação: des de que é, não o indiví duo, o particular, mas a Unidade, a comunidade que se faz de positária do Es pirito de Je s ús, e uma vez que a s ua vis ibilidade consiste s obretudo na visibilidade dessa Unidade essencial, o organismo vi sivel da Igreja exige, precisamente para ser visivel, um princí pio real de unidade. De alg uma forma deve rá nele traduzirse e manifestarse a unidade transpessoal de todos os fiéis a um sóte mpo, e ele protege ráessa unidade que conduz e conserva. E’ o Papa que lhe éa e xpressão vis ive l e o penhor permanente. De s te ponto de vista, fácil écompreenderse que o Papado exprime da maneira mais pura a forma essencial da Igreja. Fossem mudos os Evangelhos a res peito da vocação de Pedro, como rocha s obre a qual a Igre ja serácons truí da, como guardião das chaves, como paetor de ovelhas e cordeiros, ainda assim o princ í pio essencial de vida divina, que reside na Igre ja, pe la lógica mesma da vida, que impele todo ser a desen volverse plenamente, haveria feito surgir o papado. Nele, com efeito, a comunidade cristã procura e encontra a conciência de s ua essencial unidade ; ele se perce be e a si mes mo se propõe como o Re ino uno, o corpo uno de Cristo na terra. O fiel jamais considera o Papa como uma grandeza subsistente independentemente dessa unidade , como uma es pécie de pers onalidade, s emelhante a Mois és ou Elias, dotada de um caris ma, de um ple no pode r s upraterreno. O Papa é, para todo fie l, a incarnação
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vis ive l da unidade da Igre ja, es s e princí pio re al, obje tivo, no qual toma forma a humanidade resgatada e constituindo uma unidade definida. Para ele, no Papa, se torna visivel a unidade dos irmãos . O olhar pas s a, des se jeito, por sobre as fronteiras dos povos e das civilizaçõe s , por sobre os mares e os desertos. A imensa cristandade, as re lações de inte rde pendência e s piritual entre s e us me mbros, sua grande e santa comunidade de amor se mostram visiveis no Papado como uma nobre e sublime realidade. Podese assim compreender que nem os abusos desse poder pontifical, nem a fraqueza humana de alguns dos que us aram a tiara s ão bas tante s a roubarlhe o res peito e o amor ao papado em si mesmo. Quando, respeitosamente, ele be ija a mão ao P apa, tem conciência de es tar osculando todos os seus irmãos que no Papa se re une m; di lataselhe o coração até ao coração da cris tandade inteira, da unidade na plenitude. E, por sua vez, o Papa ensina, age, luta, sofre em nome dessa unidade . Pode, sem dúvida, vis to que , s e gundo a s ábia dis pos ição da Providência, é ao mes mo te mpo bispo da comunidade de Roma, baixar decretos e decis ões que s óvisem e atinjam a Igre ja de Roma. Quando, porém, é como P apa que fala, como suce ssor de Pe dro, e xprimindo, na qualidade de de pos itário vis ivel e de penhor da unidade, a plenitude definida do corpo de Cristo, ele éo princí pio no qual a unidade transpes s oal do corpo do Cris to se faz re alidade vis ivel neste mundo. Fala, não como um dés pota, como um soberano abs oluto no s entido antigo, mas, s im, como chefe da Igre ja, e m re lação inte rior e vital com o conjunto do org anis mo da Igre ja. Não Mie s erá pe rmitido, como a uma pí tia de De lfos , de cidir ques tões de féao sen belpraze r ou s e gundo s uas idéias pes s oais . Pe lo contrário, como expres samente o diz o Concí lio do Vaticano, ele éem conciência e e s tritamente obr igado a não promulgar, depois de os have r dis tinguido, s enão os dados re velados, contidos na conciência es crita e não e scrita da Igre ja, nas fontes da féque s ão a S agrada Es critura e a Tradição. De outro lado, é da essência mesma da Igre ja como unidade transpes s oal, e, por este motivo, é da es sência do papado, que o Papa não possa ser considerado como o simples delegado da Igre ja e o portavoz da opinião ge -
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ral. Se o “ Nós ” da comunidade cris tãnão resulta do conjunto dos membros , por mais forte razão não se confunde com eles. Cons titue uma unidade transpessoal s ituada num Deus fe ito home m, um princí pio de organização que age em si e por si, uma espécie de princí pio de ser com a s ua ativ idade própria, o Papa, e m quem o Cris to quis que es se “ Nós ” tomasse forma vis í ve l. O Papa governa, pois, em virtude de um direito próprio, independente, ex sese, o que vale dizer: em sua ação ele não éde ne nhum ponto de vis ta dependente de qualque r função que seja do corpo de Cristo, nem do consenso do episcopado, nem dos bis pos em particular, nem dos outros fiéis, embora lhe s eja obrigatório disce rnir, captar a doutrina revelada na tradição sempre v iva (5 ). Ele não és omente um “ Pas tor” ao lado de outros , é , antes, o sóPastor que recebeu do P as tor S upre mo, o Messias, a missão de pascer as ove lhas (cf. Jo 21, 15 s ). Da me s ma maneira, não é apenas uma das pedras do sagrado edifí cio da Igre ja, não lhe émes mo ape nas a primeira pedra, éo rochedo (cf. Mt 16, 18), sobre o qual todas as outras pedras repousam. E ’ dele que todo o e difí cio tira a sua exis tência e s olide z. O novo Códig o de Dire ito canônico acentua esta idéia de maneira particularmente enérgica quando fala (can. 218, § 1, 2) des se pleno poder do Papa que “ é indepe ndente de toda autoridade humana” e se exerce de mane ira ime diata não apenas sobre as “ Igrejas ” particulares , mas s obre todos os “ Pastores e fiéis” (suprema et plena potestas jurisdictionis in universam Ec clesiam). O que é o P apa para a Igre ja unive rs al éo tambem o Bispo, em s entido análogo, para a comunidade particular a e le c onfiada, a sua diocese. E’ a expres são, a realização de sua unidade inte rior, o amor, que se tornou vi sivel, dos membros da comunidade uns pelos outros, a comunhão e a interde pendência, que se fize ram s ensiveis, dos fiéis (Moe hle r). P or isto, para um católico, não há vocábulos mais respeitáve is na terra do que os de Papa e Bis po. Nas épocas em que o mundo inteiro animava o sentido católico, nenhuma honra pare cia bastante grande, nenhum ornamento bastante precioso para o Papa ou 5 ) Cf. S c h e e b e n, Dogmatik, t. 1, livro 1, C. 11.
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o Bispo. Nada disto sc dirigiu ou se dirige àpessoa mesma do P apa e do Bis po — ninguém me lhor do que o católico dis tingue entre a pes soa e a função — tudo isso se dirigia exclusivamente ao seu carate r e às ua função sublime, que consiste em representar e guardar a unidade do corpo do Cristo na terra. Quem, assistindo a uma missa solene ce le brada pe lo Bispo, e, sus penso de tão e xtraordinário de s dobrame nto de pompa e magnificência, de tão grandios as ce re mônias em torno da pes s oa do Bis po, só visse nis to uma re produção, um re s í duo das ce re mônias da corte de Roma e de Bizâncio, e s taria pe rcebendo apenas uma face da ve rdade. A idéia viva, muitas vezes in conciente, que ins pira toda es s a magnificência, é a ale gria do cre nte em pres ença de s ua Igre ja, de s ua poss ante unidade , da afirmação da comunhão com seus irmãos no mes mo corpo do Cris to pe rs onificado e m seu Bispo e como que nele realizado pelo carater episcopal. Um s ó De us, uma s ó fé, um s ó amor, um s ó home m: tal éo pensamento que anima todo o esplendor das ceremônias e impe le a darlhes forma grandios a e impre s s ionante . E ’ uma pre oc upação e uma inve nção do amor, do amor pelo Cris to e pelos irmãos unidos nele. À luz de s ta grande idéia do P apado e do Epis copado como que por si mes mas se e s vaem as objeções que fre quentemente nos fazem em nome da humildade e do amor fraternal que o Cristo exige dos primeiros representantes da autoridade em sua Igreja. Nas palavras pelas quais aplanou Jcs ús a dis cus s ão dos após tolos a re s peito da pre e minência e ntre eles , s upôsse e ncontrar “o mais decis ivo argumento interno” contra a pre tensão de ter s ido o P apado ins tituí do pe lo próprio Je s ús (6 ). Mos travam se os apóstolos descontentes pe la pergunta formulada pela mãe dos filhos de Ze bede u, que os des e jaria ver um à direita, outro à e s que rda do S e nhor. Chamaos Je s ús: “ Sabe is que os que s ão reconhecidos como che fes das Nações as governam c omo Se nhores , éque s obre e las exercem os grande s seu império. Entre vós não deve ser ass im; o que quise r ser grande entre vós deve rá fazerse voss o s ervidor; e o que quiser s er o primeiro e ntre vós, deve fazerse o escravo de todos. Porque o Filho do ho 6) F. H e i 1e r, Op. cit., p. 40.
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mem ve io, não para ser s ervido, mas para servir e dar a vida em re s gate de um grande número” (Mc 10, 42 s ). Aqui, evidentemente, repele Jes ús, com re lação a seus dis cí pulos , o e xercí cio brutal da autoridade dos monaT cas do seu te mpo, particularme nte no mundo pagão. Os dis cí pulos de Je sús serão re conhecidos, não por es sa ambição de domí nio, mas pe lo seu ane lo de servir. No Reino de Deus, nada de “querer ser Senhor” nem “autoridade que se faça s entir brutalmente ” , mas apenas um Serviço amoros o e um Amor humilde. Os terrros mesmos claramente indicam que o Senhor pretende excluir de sua Comunidade , não toda e spécie de autoridade, mas somente a que se mostra brutal e des pótica. Tal s entido mais claro ainda aparece se o compararmos com a pass age m de s ão Lucas (22, 24), que assim transforma o log ion de s ão Marcos : “Que o maior de entre vós seja como o último, e o que governa como o que s erve” . E ’, pois , evidente que, na comunidade dos s eus dis cí pulos, deve have r os que sejam “maiores ” e “gove rnem” . A recome ndação de humildade e de amor frate rnal vem contra o abuso egoista do princ í pio de autoridade , e de maneira ne nhuma contra o próprio princí pio. De que maneira, sem isso, poderia Je sús darse a si mesmo como o tipo do amor, s ervo dos irmãos, quando se apres enta, na me s ma proporção, e com certa ênfas e, como o “Filho do homem”, isto é, como o Senhor do futuro, do juizo, como o que de todo o pode r dispõe. As«im como o seu amor servo dos irmãos não e xclue s ua e minente dignidade de Filho do homem, seu mandamento de humildade e de amofr aos irmãos não e xclue a hierarquia. Ver na idéia de primado uma contradição direta da recomendação de Je s ús s obre a humildade e o amor, com ela inconciliáve l, seria dar fals a inte rpre tação ao pensamento do Mestre. Pe lo contrário: es ta palavra do Cris to sóse explica e plename nte re aliza quando bem se compreende a idéia do Papado e do Episcopado: o cargo do soberano Pontificado, considerado do ponto de vista da realidade sobrenatural da Igre ja, outra cois a não s endo senã o o amor que se fez uma pessoa, a unidade, que se tornou visivel, na caridade do corpo de Cristo na terra. Em si mesmo, é precis amente o contrário de um poder despótico, deve s ua origem, não à violência e ao orgulho, mas à cari
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dade. O encargo do Papa e do Bispo éo pleno poder div ino a s erviço da caridade. As conciências católicas , éve rdade, acharão por ve ze s um pouco rude e e xclusivo o ace nto das adve rtências pontifí cias . E ’ são Paulo que exclama: '‘Vou batervos a var a !” (1 Cr 4, 21 ). Por vezes mesmo a sua e xc omunhão re pe rc utiráatravés do mundo com o mes mo tojn e o mes mo es tilo empregados por são Paulo quando e xcluiu o incestuoso da comunidade de Corinto. Mesmo assim, essa caridade que se irrita e bate continua sendo caridade, caridade pela comunidade que deve ser preservada. O Papa tem, pois, o primado da Caridade. Na Igreja, nenhuma hierarquia tem o direito de ser outra coisa que não a caridade . Des graçado do P ontí fice que abusasse do seu primado de caridade para fazêlo s e rvir a fins e gois tas , à s atis fação de ambição pess oal, de alg uma cupide z, ou de outras paixões humanas ! Pe caria contra o corpo do Cristo, violentaria o Cristo. Ele ésujeito ao julgame nto e xatame nte como o último dos membros do Cris to. Que terrivel não lhe será a palavra que lhe dirija o Cristo no dia do juizo: “ Pe dro, tu me amas ? amasme mais do que estes outros?” Eis, com efeito, o grande, o precioso privilégio do se u carg o: amar a Cris to e a s eu corpo mais do que os outros , re alizar o tí tulo de honra que o Papa s ão Gre gório Magno a si mes mo se conferira de “Servo dos Servos de Deus”. “Os que detêm a autoridade , declara Pio XI, em s ua prime ira Encí clica Arcanum Dei, s ão simplesmente os servidores do bem público, os servos dos Servos de De us, e, a e xemplo do Senhor, dos frac os sobre tudo, dos que es tão na mis éria” (7 ). O e ncargo pontifí cio é, antes de tudo, s erviço àcomunidade , caridade, devotamento. Des de que não está mais o cargo em jogo, que não mais se trata do Papa ou do Bis po, mas s implesmente da sua pess oa privada, não tem mais posto na Igre ja. Aplicase e ntão a palavra de Je sús: “Vós sois todos irmãos " (Mt 23, 8 ). Na Enc í clica que acabámos de citar, o Papa Pio XI põe eni forte re 7) S anto Agos tinho comprazs e em mostr ar na autoridade ecles iástica o “s e rviço” da c aridade . Cf. principalme nte C. F a u s t. 22, 56: prajsur.t, non ut pra s int, se d ut pros int; C. ep. P a r m . , 3. 3, 16: sic praest fratribus, ut eorum servum se esse meminerit.
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levo esta idéia: “S ó neste reino existe ve rdadeira igualdade de direitos, são todos providos da mesma grandeza e nobreza, confe rida pelo mes mo precioso sangue do Cris to". No re ino do Cris to, não existe s enão uma e spécie de nobreza, a da alma. O que traz a tiara possue, é verdade, o carisma que dele faz o rochedo sobre u qual se ergue a Igre ja, mas tal privilégio não existe e m seu prove ito, mas , s im, no de seus irmãos. Pe ssoalme nte, não te m mais dire itos cris tãos, nem menos obrigaçõe s do que o mais pobre dos caminheiros. Ele tambem, e antes de todos os outros , édeve dor da mis e ricórdia de De us, tem nece ss idade das orações dos seus irmãos . Se estácarreg ada de pecados a sua conciência, tambem ele deve submeterse ao tribunal da pe nitência, mesmo que seja diante do mais s imples dos Irmãos menores. E se fosse tentado acaso, a exemplo dos filhos de Zebedeu, a clamar ao S e nhor: “ Se nhor, fazeime sentar à voss a direita ou à vossa esquerda, em vosso reino”, o guia de sua alma deve ria responderlhe: “Não s abeis o que pedis. Podeis beber o cálice de Je s ús ?” A todo e spirito s em preve nção, a história da Ig re ja dáte stemunho da seriedade e austeridade que tantos Papas puseram no cumprimento do dever do seu cargo. AÀostranos tambe m e la que a ele vação das s uas funçõe s , longe de ter s ido incompatí ve l com a humildade, a caridade e o devotamento, conduziuos, pelo contráTio, à mais profunda vida interior. Dirseá, talvez, que es tes ou aquele s Papas , do X século ou do Re nascimento, pagaram seu tributo àfraqueza humana. Confessemos que, em verdade, eles quasi nada contam em face da brilhante multidão de s antos e de mártire s que a S é de Roma já de u à Igre ja. Podese aplicar, mutatis mu tandis, àmaioria dos Papas o que um teólogo protes tante, Walter Koehler (8) escreve do Papa Pio X: “O que diz re speito àdominação polí tica na socie dade atual, não o interessava. Ele e ra o sacerdote que, erguendo a hóstia bem alto, sem olhar àdireita nem àesquerda, sóse pre ocupava com levar o S alvador através do mundo" . S im! esforçarse por faze r com que o Salvador pass e pelo meio do mundo, devotarse ao Cristo servindo a comunidade, éeste o papel essencial do Papado. 8) Christliche Welt, 1914, p. 913 ( O mundo c ris tão).
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Deve m ser, pois, rigorosamente excluí dos da Igre ja todo despotismo e todo poder pessoal. Nela se realiza o mais audacioso s onho de igualdade democrática. Ne la ergueram sua morada a unidade c a caridade fraternais. E nessa morada só habitam, segundo a expressão de s ão Cipriano, usada por s anto Agostinho (9 ), os que têm um me s mo coração e um mesmo es pí rito. Nela c ircula o e s pí rito do Mes tre , o espí rito que ditou esta luminos a palavra: Vós te ndes um sóS enhor, sois todos irmãos ". 9) De baptismo contra Donatistas, VII, 49.
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Ao Cristo pela Igreja “Onde dois ou três se reunem em meu nome, estarei no meio deles” (Mt 18, 20).
A ques tão da “alma” do catolicis mo levanta necessariamente a do De us vivo e do Mis tério do Cris to. E ’, evidentemente, impos s í ve l tratar ou re solver aqui, mesmo sumariamente, todos os problemas que se referem a essa ques tão. Contentemonos com indicar s imple s mente, de modo mais claro, o caminho que toma o fiel para chegar ao Deus vivo e ao Cristo. Seguindo por ele, perceberemos muitas claridade s que iluminarão o próprio catolicis mo, e nos pe rmitirão compre e nder melhor a maneira de ver, de pensar, de s entir do católico. A pos ição fundame ntal do catolicis mo se re sume nesta frase: Atinjo De us através do Cris to em s ua Igre ja. E ncontro o De us vivo através do Cris to que age em sua Igreja. O dogma católico re pousa s obre es ta augus ta trindade : Deus — o Cristo — a Igre ja. De que modo chega o católico à ce rte za da e xistência de Deus e pode dizer seu Credo in Deum? De maneira ple na e comple ta, por meio da Revelação e da Graça, mas já pela razão natural pode conhece r com certeza. O Concilio do Vaticano ensina que, pelo mundo visivel, Deus pode ser conhecido com ce rte za como princí pio e fim de tudo. Tão mais facilme nte se adquire es te conhe cimento quanto mais clarame nte se tome conciência do carate r particularí s s imo da ques tão de De us e da Igre ja, assim como das pesquisas que ela exige. Ela émuito diferente, com efeito, da dos costumes dos insetos, por exemplo. Tal particularí s s imo carater da ques tão re ligiosa res ulta naturalmente da de pe ndência, da limitação e da itnperfe i
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ção de nosso ser. Desde que me considero, perce bo, sem esforço, que não s ou um ser abs oluto. De todos os lados , minha de pe ndência me apare ce com evidência. Por toda parte, s into meus limites, minhas fronte iras ; por toda parte , direções s ubitane amente cortadas . O de s cobrimento de um abs oluto não é, pois , re s ultado laborios o de profundas pesquisas filosóficas , é s imples me nte cons e quência de uma pura e s imples re flexão sobre mim mesmo. Por have r e ncontrado meu carate r de de pendência, estabeleço o fundame nto da exis tência do absoluto. Daí , s em mais ne nhum outro raciocí nio, o juiz o prátic o se guinte : meu ser, tão integralme nte de pende nte, ligase, prendese, evidentemente, a um abs oluto. Não e stou no mesmo plano que ele. Por isto, minha atitude interior, com re lação a esse absoluto, deve revestirse de carater moral e religioso, vale dizer: ser cheia de humildade, respeito, pureza e amor. Cons tituiria lame ntavel incompre e nsão do fundame nto mes mo da re alidade e uma mane ira inadmis s í ve l de e rigirse a si mesmo em absoluto, o abordarse o problema de De us, não com aquela atitude moral, mas como homem org ulhoso de sua autonomia e s uficiência, como se se tratasse de ques tão inte irame nte indife re nte, sem relação com os interesses essenciais da vida — com mais forte raz ão se é um juiz que vai inte rrogar um acusado suspeito. Enganamonos fundame nte a nós mes mos quando nos metemos na es fera do abs oluto como se e stivéssemos no seu plano ou como se ele se houve ra incarnado cm nós. Quem trata a ques tão de De us como se ele foss e indife rente ou tomando a atitude de um pe ns ador autônomo, na realidade se erige a si mesmo em absoluto. Esta secre ta prete nsão é a ve rdadeira causa a impe dir que as questões re lativas a este assunto jamais re ce bam re sposta s atis fatória. Se De us existe, se éuma pes soa viva, não depende de mim, que sou tão re lativo e de pende nte, mas dele só, que eu seja chamado a conhecêlo. A pe rg unta que se apre s e nta não é: Tenho o pode r? porém s im: Te nho o direito de conhecer Deus? Chamame ele a esse conhecimento? Propôlo de maneira toda profana e como se se tratass e de coisa indiferente seria não a compreender e não ter por Deus o re speito e xigido. De us não A essência — 4
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Ao Cris to pe la Ig re ja
deixa roubar o fogo de sua lareira. Se a transponho para o terreno moral e religioso no sentido que acabamos de indicar, minha atividade de e s pí rito se torna, se se pode dizer, positiva, preensora e construtiva, em lugar de permanece r neg ativa, ne gadora e dis s olvente. S ó es ta pos tura me permite perceber com certeza a verdadeira realidade miste rios a do mundo e nele e ncontrar os ve s tí gios de De us. Ve jo e ntão muito bem os milhare s de cí rculos concêntricos do macrocos mo e do microcos mo em torno do mesmo ponto central. E sódeste centro se pode perceber a unidade e o sentido verdadeiro. Chega por esta forma a um prime iro princí pio de tudo, a uma idéia e a uma vontade suprema que domina e governa o mundo; e mesmo, indo mais longe, a um ser real dotado de vontade, absoluto e pessoal, em sentido superior e transcendente, e que age no mundo. A razão natural par a aí , que r dize r, num De us vivo, pess oal, princí pio e P rovidência do mundo. Não pode ria faze r com que eu conhecesse a exis tência, nem mesmo a simples possibilidade de uma permuta de vida e amor com ele. A c riação, sem dúvida, te s te munha a onipotência, a sabedoria e a bondade de Deus, mas unicamente na medida em que todas essas qualidades nela se refletem. Não pode ria dar te s temunho da infinita riqueza do seu amor criador, nem pe rmitir que penetráss emos no coração, no í ntimo de De us . Não me pe rmite ultrapas s ar os frios dados da natureza. SeráDeus apenas criador e conservador do meu Ser? E’, quereráser mais do que isto par a mim? “ Ele que habita um e s plendor inace ssí ve l” (1 Tm 6, 16) ficaria sendo, na intimidade de sua vida, “ o mistério por toda a ete rnidade impene tráve l” (Rm 16, 25), se, por um ato da mais livre generosidade pessoal, para além das leis da nature za, se não nos re velass e por uma palavra viva. A nós , homens, De us , em s ua vida í ntima, total, “o mistério oculto aos s éculos e às gerações pas s adas ” (Col 1, 26), não se des cobre s enão de mane ira sobrenatural, pela palavra que ele mesmo pronuncia. Es ta é a jubilos a mensage m do Cris to: “Por várias vezes e maneiras, Deus falou aos nossos pais, pelos profetas, e nestes últimos te mpos nos falou por seu Filho” (Hb 1, 1 e 2).
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Em Cris to, a pe ne tração do divino no humano se tornou uma realidade permanente, vivificante. E o Verbo se fez Carne . Es ta fé em Je s ús, num De us incarnado, constitue# a s e gunda das colunas que s uportam o e difí cio da fé cris tã. Como, porém, é le vado o católico a crer em Jesús, o filho de Deus? Para responder a esta pergunta, faz senos mister apelar para um carater distintivo do catolicis mo: a importância pre ponderante da c omunidade da Ig re ja na produção da certeza da fé. O católico jamais chega a Je s ús de mane ira mediata, por meio dos documentos da literatura, isto é , das S agradas Escrituras , mas, s im, de mane ira imediata, por uma e spécie de tomada pessoal de contacto com o Cristo vivo em sua comunidade. Expliquemonos. A Bí blia éevidentemente para o católico um livro santo, ditado por Deus e, pois, infalivel no que ensina. O católico acolhe com ale gria che ia de re conhe cimento o retrato fiel que os Evangelhos nos traçam de Jes ús. “ Sem a Es critura, diz Moehler (1 ), não terí amos tido as express ões mes mas de Je s ús, não sabe rí amos como falava o HomemDe us, e parece me que e u não pode ria mais vive r se não o ouvis se mais falar” . Não é, no e ntanto, no Ev ang e lho que o católico e ncontra a s ua fé, pois que já havia féantes que a primeira carta de após tolo ou o primeiro e vange lho houve ssem aparecido. Sua fé começava quando s ão Pe dro, em Ces aréia de Fe lipe, confe s s ava: “Vós sois o Cris to, o Filho do De us vivo”. Foi nes se afe tuoso comércio com Jes ús, s ob a impre s s ão de suas palavras a um só tempo finas e profundas , dos prodí gios que ele operava, mais ainda pelo c ontacto imediato de sua pessoa viva, que, na pequena comunidade dos dis cí pulos, começou a s urdir esta claridade , àidéia nova que em Jes ús Cris to se havia manife s tado. O homem não pode contemplar a maje s tade de De us dire tamente, sem inte rme diário, mas apenas como num es pelho, como em enigma, sob as formas deficientes do humano e do finito; élhe mister um impuls o de De us , uma 1) J. A. M ce h 1e r, Die Einhcit in der Kirche oder das Prin zip des Katholizismus, 1825, p. 55 (A Unidade da Igreja ou o P rinc í pio do Catolic is mo).
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iluminação divina, novos olhos para ver melhor e, através do e nvoltório criado, apre e nder com uma certe za ab • s oluta De us em Jesús. P or aíse e xplica a palavra de Jesus a P e dro: “ Não foram nem a carne nem o s angue que isto te re ve laram, porém meu P ai que estáno céu”. Des de o começo da prédica cristã e ncontramos a convicção de que não éo s imple s conhecimento, nem a ciência, nem mes mo a ciência te ológica que le va ao mistério de Je sús, mas a graça de De us; e de que, sendo assim, as dispos ições de humildade , respeito, amor s ão muito mais importantes para penetrar o mundo sobrenatural do que qualque r conhecimento cie ntí fico, s eja o mes mo qual for. “Ninguém vem ao Filho se não for atraido pe lo P ai” (Jo 6, 4 4). A alma que procura não pode tomar, em face do divino, senão uma atitude de es pectativa, de docilidade. A re s posta pacificante, s ó do Alto a espera. Por isto mes mo, tomará fals o rumo com o exigir uma demons tração tão rigoros ame nte cie ntí fica da divindade de Je s ús que o homem indifere nte do ponto de vista moral e re ligios o, ou mes mo corrupto, e o e goí s ta e mesmo o que se deixa totalmente absorver pelos sentidos, numa palavra, todos, sem excepção, poss am tocar com o dedo a div indade de Jesús e s ejam forçados a aceitála. Como se a fé acaso fora uma verdade que se pudesse impor como dois e dois fazem quatro! Deus, o Infinito, o Santo, não s e de ixa tocar por mãos profanas . Não se entrega senão aos que se lhe dirige m com profundo respeito. Que seria, porventura, um Deus que se deixasse calcular por qualque r um como a soma dos ângulos de um triângulo, e cujos mais ardentes fiéis — se a divindade de Jes ús Cristo se calculass e matematicamente — poderiam ser os s ábios e os prudentes deste mundo, os satisfeitos e os egois tas , e m lugar dos pobre s de es pí rito e dos que têm o coração puro! O mis tério e a graça s ão da e ssência do Divino. Podese agora compreender o sentido profundo da palav ra de Jesús a Pedro: “ Não foi a carne nem o s angue que isto te revelaram, mas o meu Pai que estáno céu”. A tempestade do dia de Pentecostes fez surdir em chamas vivas o fog o que estava latente no coração de Pe dro, e este fogo tombou sobre todos os que o rodeavam.
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Des de e ntão, não e ra mais uma s imples idéia, e ra uma certeza vivida, mais forte do que a certeza da cóle ra do s ane drim e dos impe radores romanos. “ Este Jes ús , De us Pai o ressuscitou e foi erguido àdireita do Pai” (At 2, 32 s ). Era a hora do nascimento da nova fé, ao mes mo tempo que da nova Igre ja. Por que acre ditaram os após tolos? P orque o s opro do Es pí rito S anto os havia tornado clarividentes para as realidades de que estavam rode ados : a aparição de Je sús, a sua vida, a s ua morte e a s ua re s surre ição. Foi o que pe rmitiu que todos vis sem, numa espécie de intuição de conjunto e sem ne nhuma dúvida possí ve l, através de s ua humanidade , a “ Maje s tade divina”, que irradiava do seu rosto. Tudo o que eles tinham pres sentido, e s perado, crido no mis tério de Je s ús e nquanto viviam com ele na te rra, tudo isso não pas s ara de fé ainda humana e, portanto, de fr ágil certeza. De quando em vez apenas, como em Ce s aréia de Fe lipe (Mt 16, 16, 17), uma vis ão mais profunda lhes fora conce dida. Mas esta mes ma não os havia pe netrado inte iramente e, em breve , s ob as impressões da vida quotidiana, e sobre tudo em face do terror da s extafeira da P aixão, fora expelida para o recanto mais exterior de sua con ciência. Hoje, na viva e quente claridade do Pe ntecos tes , acabava de nascer a féverdadeiramente divina e salutar. Neste dia, todos os raios da luz ainda fracos e esparsos se tinham reunido num feixe de fulgurante claridade que diretamente lhes fize ra ver a divindade de Je s ús, as s im como todo o mundo de realidades sobrenaturais que a acompanham. Tão clara foi essa vis ão intuitiva, tão grande essa certeza, que inteiramente os transformou. Esses homens de pouca fé, pre ocupados s empre em faze r pe rguntas, esses egoí s tas de infantil inge nuidade , ag ora s e lançavam, cheios de e s pí rito de s ac rifí cio e de corag em, àconquista do mundo civilizado. Iam levar a flama nova tanto aos palácios de Ce s ar quanto às cabanas dos escravos. Doze pescadores simples e sem cultura apanharam o mundo em suas redes e isto sem outros meios que não o de s ua fée a dis pos ição em que e s tavam de afrontar a morte por ela. Ass im, a fénova não fez a s ua entrada na história como uma obra humana, mas, s im, como uma manife s tação do Es pí rito, como uma F orça divina.
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O his toriógrafo não pode negar o fato. Pode , sem dúvida, apre ciar de mane ira dive rs a essa manife s tação, mas sob condição de des pre zar os dados psicológicos . P orque a manife s tação do Pe ntecoste s não ficou is olada: foi o ponto de partida de um abrasamento do mundo, inaudito na his tória, de uma fus ão re ligiosa, que ainda dura, dos e s pí ritos . Se me lhante união e re lig ação das conciên cias s eria psicologicame nte ine xplicáve l se as predis pos ições do home m ao Divino não houve ss em ne la e ncontrado e não continuas s e m a e ncontrar s ua ple na s atis fação. Por esta forma, o que aconteceu no dia de Pentecostes corres ponde a um fato: a pre dis pos ição da alma humana para o s obre natural divino. E ’ o que lhe dásignific ação e importância que ultrapas s am as de um s imples fato particular e o transforma num fato humano. A todos os outros fenôme nos religios os particulares re gis tados pela história, que r s e trate de S imão Mag o, ou de Me nandro, ou de Dos itéia, ou de Elcas ai, falta esse carate r, único que lhes poderia dar valor: o de ter criado um laço duradouro e ntre as almas. Eles des aparece m tão rapidame nte como apareceram, mostrando bem que o seu carater religios o e ra purame nte apare nte e fictí cio, não corre s pondendo a nada verdadeiramente humano. O fato de Pe ntecostes foi um incêndio que se propag ou na humanidade e que ainda se não apag ou. Eis o que o distingue e continua sendo decisivo, eis o que o historiador não te m o dire ito de esquece r. O psicólogo, de seu lado, deve lealmente ve rificar que não se trata de um fe nôme no de s uge s tão das massas , nem de uma qualque r alucinação, mas , s im, de uma expe riência autêntica, original, do despertar, experimentalmente verificado, de uma re alidade nova, mais alta, na conciência da multidão no dia de Pentecostes. Uma filos ofia sem prejui sos pode, sobre esta base, edificar a credibilidade da origem sobrenatural do fato do Pentecostes e assim racionalmente jus tificar o que s ão P aulo diz do Evangelho: “ E ’ uma força div ina para s alvação de todo homem que crê" (Rm 1, 16). Manife s tação do divino, o Pentecostes dos primeiros dis cí pulos, apres enta dois caracte re s : catolicidade ou universalidade e rigorosa unidade. A catolicidade , que faz com que ela convenha a todos, éessencial ao que édi-
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vino. Onde e s táDe us , não há“ ace pção de pe ss oas ” . Fora impos s í ve l que a re alidade divina apare cida no Cris to se des tinas s e a uns e não a outros , aos jude us e não aos bárbaros . O que édivino convém e vide ntemente a todos. De us s ó pode operar na ple nitude , no conjunto dos homens, e não em alg uns ape nas . Um Cris to limitado não seria um Cris to. Es ta caracterí s tica do prime iro Pe ntecostes se mos tra no milagre das lí nguas : “Como pode acontecer que os entendamos falar cada um no idioma particular de nos s a te rra natal? Nós todos, partos , medas, e lamitas , habitante s da Me s opotâmia, da Jude ia e da Capadócia” . . . (At 2, 8 e 9). No mes mo te mpo em que a fé nova fazia s ua e ntrada no mundo, abarcava a humanidade inte ira, era uma fécatólica. “A Igre ja nasce nte já era anunciada em todas as lí ng uas ” (2 ). — E e ssa cato licidadc era uma catolicidade na unidade. Estavam todos conjug ados cm torno do colégio apos tólico, em torno de Pe dro, e todos os compree ndiam. Um s ó De us , um só Cris to, uma s ó fé, uma s ó lí ngua. Ple nitude na unidade , unidade na plenitude. Foi assim que a nova féfez a sua entrada no mundo. De que modo, a seguir, progrediu ela no mundo? de que modo veio ela aténós, atémim? Da mes ma mane ira por que tinha vindo aos após tolos , isto é, pe la Palavra viva e pelo Es pí rito vivificante . Já o obse rvámos ante s : pe la s ua palavra viva, tinha Jes ús pre parado os dis cí pulos para o prodí gio do Pe ntecostes . P re te ndiam se us discí pulos nada mais ser do que “as testemunhas oculares e os primeiros servidores da Palavra” (Lc 1, 2). De s de que se produziu o milagre do Pentecostes, vemolos a anunciarem o Evangelho e a darem teste munho de Jes ús, “em Je rus além e na Judéia, na Samaria e aténas extremidades da terra” (At 1, 8). Alguns compuseram narrativas para tornar conhecida a vida de Jesús e a ativ idade dos principais após tolos . A algumas pessoas e a algumas comunidades escreveram igualmente cartas, nas quais expunham o ensinamento de Cristo e sua vida, para responder a perguntas particulares formuladas s e gundo as circuns tâncias ou as s ituações especiais dos des tinatários . Es s as comunic açõe s es 2) S t o . A g o s t i n h o , Sermo 266, 2.
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critas , porém, s óas faziam os após tolos conforme as ocas iões , ou par a re forçar certos pontos , ou para pre parar a pr édic a oral. Me s mo as Epí s tolas aos romanos, aos efé s ios, aos hebre us, cujo conte údo éde ordem ge ral, têm sobretudo em vista as necessidades particulares das comunidade s a que se de s tinaram. Não pretendem de modo alg um ser uma e xpos ição comple ta da fécristã . Havia pre oc upação tão pouca de fixar por escrito a mensage m e vangélica que muitos dos apóstolos nada nos deixaram e m tal s entido e atéfoi talve z possí vel des aparece re m escritos de após tolos (1 Cor 2, 9; Col 4, 16). Era, pois, antes de tudo mais, a palavra viva que devia levar aos homens a fénova. “Os ensinamentos que de mini rece bes te em pre s e nça de numeros as testemunhas, confiaos a homens seguros, capazes de instruir a outros”. Tal a re come ndação que fazia s ão P aulo a seu discí pulo Timóteo (2 Tm 2, 2 ). No entanto, só a palavra viva não bas ta. Não produz iria e la s enão uma féhumana, uma certe za s imple s mente humana. A fésobrenatural, a última e mais alta certe za, s ó o Es pí rito a dá. Ora, o Es pí rito Santo, como tudo que éde Deus, dirigese essencialmente a todos os homens, àcomunidade, éessencialmente vida criadora, iluminativa. P or isto, não opera senã o por e em uma comunidade viva, pela unidade do amor, pela unidade na plenitude. A catolicidade e a unidade do milagre do Pentecos tes tive ram c ontinuidade no espí rito de caridade e de união das comunidade s de fiéis penetradas da vida do Cris to e pre ndendose aos apóstolos, especialme nte a Pe dro. Não e ram s enão “ um sócoraçã o e uma s óalma” , plantados por uma palavra apostólica e levados ao cre s cime nto inte rior pelo s ó e mesmo Espirito. Pelos s inais sensí ve is do Batis mo e da Confirmação, esse Es pí rito era s acrame ntalme nte dis tribuí do às comunidades. O Batis mo conce dia a admis s ão na nova comunidade e spiritual; a Confirmação selavaa, dandolhe pleno desenvolvime nto. Comunicav a esse Es pí rito à prédica apos tólica uma força de ação mais profunda, que fazia sentir, de lato, que “o S e nhor éo Es pí rito” (2 Cr 3, 17). Não é, pois , por meio dos documentos literários, dos irrefragaveis testemunhos dos textos, que a mensagem de Je s ús foi, de começo, trans mitida aos homens. Na re alidade, foi por meio da larga corrente da fécristãda Igre-
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ja primitiva mov ida pe la prédica dos apóstolos e inte iramente pe netrada do Es pí rito Santo. Como poderia ter s ido de outra mane ira? Umas poucas proposiçõe s e scritas e fixadas não pode riam conte r toda a profunde za e e xte nsão da vida. Sóuma doutrina abstrata se presta a uma completa e xpos ição e s crita. O que évivo des borda s empre das fórmulas nas quais dada época deve nece s s ariamente ence rrálo. No próprio instante em que se te nta fixar um ponto do seu de s envolvimento, a vida, que s empre avança, ultrapas souo já. Tudo o que por escrito se fixa, inclusive as próprias S agradas Es crituras , se apres enta s ob a forma, s ob o invólucro do tempo. P or mais vivificante que lhe pe rmane ça o conte údo, não deixa esse invóluc ro de dar às gerações pos te riores a impre s s ão de algo de rí gido,, que se lhes tornou estranho. Eis por que os escritos apostólicos e e vangélicos convidamnos a buscar, para além de sua letra, a vida de fésobrenatural da primitiva Igreja, de que eles próprios nas ce ram. O Novo Te s tame nto não constitue uma fonte independente, de s ligada da vida cristã primitiv a: élhe um produto. Nume ros as comunidades cris tãs e xis tiam antes que um Apóstolo tivesse tomado da pena. Eis por que a B í blia não pode s er uma autoridade, independentemente da féda Igre ja. Através das fe ndas e frestas do Novo Te s tamento, irrompem águas vivas da larga corrente da féprimitiva que carre ia a B í blia e que éo que lhe dáa existência e o ve rdadeiro sentido. Não nos fornece m os Evange lhos senão fragme ntos da vida de Je sús. S ócom os s eus dados , não pode rí amos traçar um retrato inteiro de Je s ús. O Cris to comple to, encontroo, não nas S agradas Es crituras , mas na vida da Igre ja cristã, fe cundada pela prédica apos tólica. Se m a tradição da Igre ja una, traços essenciais da fis ionomia do Cris to teriam pe rmanecido ocultos ou e nigmáticos para nós. Sem ela, eu não che garia nunca, nem a um c ontac to re ligios o, nem mesmo a um contacto his tórico com Je s ús. Este éo sentido da palavra profunda de santo Agostinho: “ Eu mesmo não creria no Evange lho se a autoridade da Igre ja a isso não me conduzis s e ” (3 ). 3) S a n t o A g o s t i n h o : C. ep. Man. c. 5. Também ele ens ina que se ná o pode apre e nder o Cris to s e não pela Igre ja, que éo seu corpo. Cf. de lide rer. qua non vid., 3, 5: proinde, quí
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Das comunidade s apos tólicas a nova corrente de vida religiosa continuou a propagarse de cada vez mais e inundou o mundo. Após a morte dos após tolos — a his tória clarame nte o estabelece — os dis cí pulos , de que aqueles haviam feito presidentes e bispos, tomaram a si o encargo da pre gação. E , de pois desses primeiros dis cí pulos , a s érie dos mis s ionários do Evange lho continuou sem inte rrupção até nós. Com esta série de missões, aparece a comunidade dos cre ntes no tempo e no espaço, a Igre ja. A unidade e ide ntidade da prédica apos tólica fora obtida e garantida pelo contacto constantemente mantido com as igre jas fundadas pelos apóstolos, s obre tudo com a de Roma, na qual Pe dro fixar a a sua sé, ou, melhor, após o martí rio, fora s e pultado. A essa unidade e ide ntidade da prédic a apos tólica juntavase a unidade , isto é, a comunidade , no es paço e no tempo, do Espirito Santo. A comunidade do dia de Pentecostes se alargava e se tornava a Ig re ja unive rs al, a Igre ja católica. Nas lutas que tem de s ofrer, as suas formas e xteriores, sem dúvida, se pre cisam e fixam; seu organismo se faz mais diferenciado e rico. Mas ésempre o mesmo Es pí rito e o mesmo corpo. O me s mo org ão pre gando sempre o mesmo Cristo, a mesma comunidade de caridade, a unidade na plenitude, vivificada pelo Es pí rito, que traz aos indiví duos , por uma e xpe riência dire ta, a ce rte za da fé cristã. Por esta forma, apreendo o Cristo vivo na Igreja viva, tajito hoje como nos primeiros dias. A féépreparada em minha alma pe la prédica apos tólica viva, e recebe s ua plenitude de vida pelo Es pí rito de Pentecostes, sempre vivo e ativo. A mim, como aos apóstolos , apre s enta a Igreja, em seu ensinamento vivo, a figura do Senhor, a i;m s ó te mpo com os traços luminos os que a B í blia lhe confere e tambem tal como ela mesma a trouxe, ainda mais s angre nta e brilhante , no próprio coração, durante séculos. Em plena verdade, ela pode dizer que o viu, a esse putatis nulla esse indicia, cur de Christo credere debeatis, quae non vidistis, adtendite, quae videtis: ipsa vos Ecclesia ore ma terna; dilectionis alloquitur; 3, 7: me adtendite , vobis dic it Eccle s ia, me adtendite , quam vide tis, etiams i vide re nolitis . — Da mesma forma, serm. 116, 6: quomodo illi, sc. apostoli ilium sc. Christum videbant et de corpore credebant, sic nos corpus vide mus, de capite credamus.
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Je s ús e que este ve aos pés da crüz, e que ouviu a sua mensage m da pa z no dia da P áscoa. Por isto me proporciona as mais í ntimas re lações his tóricas com Jesús. E liminando mes mo da fis ionomia do Cris to a marca do tempo, garanteme um contacto religioso com ele. A mensage m de Jesús, pode ela dize r, não foi ape nas e scrita sobre um pergaminho sem vida; vem assinada com o sangue dos milhare s de mártire s que morre ram por ele. Ainda hoje , milhõe s de almas dele vivem, e a milhares de seus filhos , homens e mulheres , deu ele um coração novo e um conciência nova. Jamais pode ela ainda observar, nenhuma féna terra se aproximou, mesmo de longe, de semelhante altitude de vida religiosa e moral. E ainda em torno de nós, por fim, mes mo para os que não olham senão de fora, o e s plendor do divino irr adia de numerosas e e s plêndidas figuras de s antos, e constantemente se manifesta por novos carismas e milagres. Faze ndo valer todos es ses tí tulos, e muitos outros ainda, em favor da me nsagem apos tólica, torname a Igre ja crive i o mis tério s obre natural. S ua prédica preparame para crer em Je s ús. Para empregar uma expre ss ão da Es cola, o testemunho da Igreja épara mim motivo de credibilidade, mas não ainda, propriame nte falando, o motivo de minha fé. O que ele me dá éuma féhumana, uma ce rteza que não éabsoluta e ainda se mostra fragil. Mas à palavra viva vem juntars e o Es pí rito, o sopro dum e s pí rito divino na comunidade dos crentes. Só ele torna mais profunda a certeza moral produzida pelo ensinamento da Igreja, e faz da féhumana uina fédivina de abs oluta firme za, uma e spécie de experiência. Quanto mais se mantém um católic o em contacto, não ape nas exte rior, porém í ntimo, com a s ua Igre ja, com a s ua oração e o seu sacrifí cio, com a s ua prédica e os seus s acrame ntos, tanto mais se torna sensí vel e docil ao s opro do Es pí rito na comunidade, tanto mais abundante me nte sorve essa força vital divina que circula através do org anis mo da Igreja. Meditando e orando, sofrendo e lutando com a Igre ja viva, experimenta uma purific ação, um aprofundamento, uma plenitude do seu ser inteiro. Adquire por esta forma uma es pécie de ce rteza direta da verdade de que a vida por excelência, que a ele mes mo o conduz, re-
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s ide ve rdadeiramente ne la; que, s e gundo a expres s ão de s ão Paulo (2 Cr 3, 17) des cre vendo es ta expe riência, em ve rdade “ o Se nhor éo Es pí rito” . Tal certeza é, para ele, uma e xpe riência pes s oal, a mais pess oal possivel. Não pode nunc a s enão e sboçála e descrevêla gros seiramente e de maneira aproximativa, quando quer darlhe uma justific ação racional; não pode, evide ntemente, comunicála, dado que ela repousa sobre um contacto inteiramente pess oal de s ua alma com o Es pí rito do Cris to que s opra na comunidade. Mas, por isto mesmo que éuma certeza expe rime ntada, ninguém lha pode roubar. A falar ve rdade, o em que cre io desde e ntão não éprecis amente na Ig re ja, mas no Deus vivo que a mim se me mostra na Igreja. E não s ou eu quem crê, mas o Es pí rito que crêem mim. O católico, em de finitivo, apre ende e afirma Jes ús na corrente de vida divina de s ua Igre ja, em seu corpo mí s tico. Aíte mos a linha de ní tida s eparação entre o fundame nto da fépar a um católico e para um protes tante, ou, antes, aíte mos o que s e para a fécatólica de uma apre ciação purame nte racionalis ta do Cris to, que começou a in troduzirse na Teologia chamada critica. No intuito de conformarse ao e s pí rito moderno e aos métodos cie ntí ficos que , nas ciências profanas , s ão indicados pe lo seu próprio objeto, a Te ologia crí tica se comporta como se o Cristianismo fosse e devesse ser puro objeto de conhecimento, puro objeto de pesquisa cie ntí fica, como se o impuls o cris tão no mundo fosse susceptí ve l de resolverse num conjunto de idéias e conce itos, que se pudessem redescobrir em sua origem, compreender e class ificar. Não s eria, as sim, o Cris tianis mo uma vida, isto é , um princí pio de unidade , mas, s im, uma sé rie de idéias , uma sí ntes e de conce pções provenientes dos mais dive rs os meios filos óficos ou re ligiosos. S ob a influência da féda comunidade, terseiam eles progressivamente concentra do e org anizado em torno da pes soa de Je sús de Nazaré, e te riam contribuí do a fixarlhe a fis ionomia. Es te ponto de vis ta, que es tána base de toda a te ologia chamada crí tica, re pousa s obre lamentavel ig norância da ess ência do Cristianismo, como, aliás , da re ligião em geral. Ora, os es tudos mais recentes de psicologia religiosa — baste nos citar os seus mais autorizados representantes: W. James , Oeste rreich, Scheler, Scholz — jáclaramente es-
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tabe lece ram, me s mo para profanos , que a re ligião éum fe nôme no, não de rivado, mas primitivo; não simples mente um conjunto de idéias , mas um fato que se des cobre na vida mental e espiritual da humanidade; uma vida original que tem as suas leis próprias , s ua unidade e s eu fim. E’ inadmis s í ve l que se julg ue um fe nômeno re ligios o exclus ivamente s e gundo seu conteúdo intelectual ou mes mo segundo estas ou aque las idéias dominantes , e m lugar de apreciálo s e gundo a ple nitude das formas de v ida que gerou no passado e no presente e écapaz de produzir no futuro. Se isto se aplica àvida religiosa em geral, com quanto mais razão à vida do Cristo e ao cristianismo! A his tória do cris tianis mo nos mostra be m que ele éuma vida que, irrompendo fortemente da pessoa mesma de Jesus des de a orige m, imediatame nte se propag ou, não ape nas no cí rculo estre ito de alguns dis cí pulos, mas , e is to com rapidez desconcertante, em todo o mundo antigo, e nele s uscitou civilizaçõe s novas , povos, homens novos, e continua a agir e m meio de nós com toda a sua força vital original. Ne nhum movimento filos ófic o ou re ligioso que não o cris tianis mo, ao que eu saiba, de começos tão s imple s — conduzido unicame nte pelo seu princí pio inte rior e não por ne nhum fator e xterno — exerce u tão unificante , absorvente, eficaz e vivo influxo sobre a humanidade. Precis amente porque o cris tianis mo não és imples e fria doutrina filosófica, mas, sim, uma vida re ligiosa unificante. uma plenitude de vida, podese declarar previamente votada ao fracasso a te ntativa, que a Te ologia crí tica re nova, de explicar o cris tianismo por alg uma idéia trivial ou ,por algumas expressões infladas , tal como De us Pai, ou então a intimidade e a iminência do Reino de Deus, ou ainda, falando de um cristianismo do Cristo, de uma comunidade primitiva, das comunidades hele ní s ticas , de um cris tianismo joânico, paulino. Como se acaso, naquilo que por essa forma se des igna, ne nhum ve s tí gio nem desenvolvimento houvesse da vida do Cristo, fonte orig inal, mas puras séries de conce pções totalme nte alheias ao cristianismo e vindas todas de fora. Na realidade, o cristianismo constitue uma unidade orgânica, uma unidade vital que, sem dúvida, progre dindo e cres ce ndo, se de s envolve, mas que, e m todos os e s tádios do se u desenvol
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vimento, permanece um todo uno, o cristianismo do Cristo. Para conhecer todas as virtualidades contidas na glande, a mim se me faz nece ssário es perar que tenha em face de mim o carvalho possante em todo o seu pleno desenvolvime nto. A s imples e mbriologia da semente não mas daria. Da me s ma forma, para apreender toda a extensão e profundeza da mensagem do Cristo, as incriveis riquezas de s ua vida í ntima e de s ua prédica, numa palavra, toda a sua "plenitude”, épreciso esperar o cristianismo na maturidade e no pleno des envolvimento do seu princ í pio de unidade e de vida, tal como hoje existe aos meus olhos. Três cois as re s saltam limpidame nte da história dos dogmas: antes de mais nada, o catolicismo sempre seguiu, com seu desenvolvimento, uma linha reta, nunca interrompida, nunca de s viada violentamente de sua dire ção. — Em segundo lug ar , seu des envolvimento se deve , não a indiví duos pode ros os e originais , mas ao e s pí rito da c omunidade cris tã, em conformidade com a prédica dos após tolos. Nas suce ssões das miss ões apos tólicas , assim como no e s pí rito de comunidade viva, ne nhum lug ar se abriu para o fantas ma es tranho de uma inve nção, por parte da comunidade , de dogmas mais ou menos fabulos os. — Em terce iro lugar, e nfim, durante toda a s ua história, o cristianis mo c atólico sempre se opôs com ve rdade ira ang ús tia a tudo o que lhe apareceu como novidade; e sempre se agarrou com rigidez intransigente ao que lhe fora transmitido e guardou sempre como precioso legado a recome ndação do após tolo s ão P aulo: “ Timóte o, guarda bem o que te foi confiado” (2 Tm 1, 14). Des de santo Inácio de Antioquia até nossos dias, este princí pio da apostoli cidade, de um firme conservantismo, de um contacto com a tradição a ser zelosamente mantida, claramente se ve rifica na his tória. Há, pois , no catolicis mo, uma corre nte una de vida, uma vida de unidade na plenitude, uma vida poderos a. E para lhe conhece rmos a célula primitiva, para apre e nde rmos o conteúdo desse cris tianismo do Cris to, de nada nos s erviria e s traçalhar a grande árvore com o escalpelo da crí tica. Bas tanos tomar es sa vida como um todo e apre ciála em seu conjunto. Não seránem por uma vag a crí tica de texto, nem por um his toricis mo ou um filolo gis mo estereis que apreendere mos o mistério do Cristo, mas, sim, mergulhando com amor nessa corrente plena
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de vida que dele flue . Através dos séculos, e la se conse rvou una e org anizada; hoje, como nos primeiros dias , não pretende ser mais do que uma vida que haure seu princí pio do Cristo, a vida do Cris to. E ’ sóaíque a re ve lação para mim ass ume seu inteiro s e ntido. Se, re alme nte, existe um De us pess oal — e incontestavelmente esse Deus existe, porque toda a nossa vida e s piritual nele me rgulha — se éve rdade que es se De us pess oal — precisame nte porque éuma pes s oa — quis comunicarse comigo de maneira imediata e pessoal ein Jesus Cristo, não épossivel que, para apre e nde r es s a re alidade, tão cheia, par a mim, de cons equências , me s e ja mister faze r austeros es tudos de his tória e de filolog ia, e ape lar para todos os recursos da crí tic a te xtual. Não, o mis tério divino deve ser bas tante s imples e es tar bem ao meu alcance para pe ne trar meu c oração, o coração de qualque r homem, por mais mode s to que seja. Este mis tério s imples, humilde, encontroo na fé tranquila, viva, na es perança fiel, forte, na c aridade ge nerosa e devotada da Igreja, que, no seu dogma, sua moral e seu culto, respira o próprio e s pí rito de Je s ús, e, que, desde hátantos séculos, não obs tante as pers eguições , as faltas e as dific uldade s , continua a dar testemunho dele, com sempre renovado vigor. “ Onde dois ou três se re unire m em meu nome, estarei e ntre eles” . Não s ão s omente três, porém milhõe s de corações que, não obs tante a ins ig nific ânc ia e o de s fale cimento de grande número, e s tão unidos nes s a Igre ja em nome de Jes ús. P or isso mesmo, Jes ús e s tá ve rdade iramente entre eles.
Capítulo
IV
A fundação da Igreja à luz da mensagem de Jesús Eu não vim a b o li r ... mas cumprir (Mt 5, 17).
A fé nova e a comunidade animada des sa fé entraram na história no dia de Pentecostes . Deve, pois , ser a Ig re ja cons ide rada como uma fundação exclus iva do Es pí rito S anto nesse dia, como um produto da fé, ou, para fala r de mane ira mais te ológica, como uma fundação do Cris to g lorific ado manifes tandos e por meio de seus fiéis cre nte s ? — Ou re monta a Igre ja a uma fundação positiva e ime diata do Je sús his tórico? A que s tão nos importa, não ape nas porque v ai permitir que pre cis emos o fim e as intenções de Jesús, e lhe trace mos, por e sta forma, um retrato histórico mais completo, como, ainda mais, porque vem dar fundamento e fortalece r as pretensões da Igre ja. Ass im como a experiência dos dis cí pulos no dia de Pe ntecostes teria s ido, por as s im dize r, uma experiência no ar, se m base, se o contacto his tórico de Je s ús não lhes houve sse pre parado a fé, tambem àautoridade duma Igreja que reivindicasse uma origem puramente sobrenatural faltaria fundamento histórico incontes te . “ A g raça s upõe a nature za” — o que, na que s tão propos ta, assim se deve traduzir: as e xperiências s obre naturais s upõe m dados historicamente ve rificáve is. Expe riências que não re pousem de mane ira ne nhuma sobre dados naturais evidentemente não podem, por falta de pre cis ão, atribuirs e valor que por si mes mo se imponha. A Igre ja católica tem, pois , deste ponto de vista, interesse primordial e vital em estabelecer o fato de que não deve s ua orige m exclusivamente à fé dos dis cí pulos no dia do Pentecostes, mas, sim, que suas raizes se prende m aos pensamentos e inte nções historicamente verifi
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cave is de Jesús; que éuma função, não ape nas do Cris to glorificado, mas do Jes ús “ his tóric o” . A te ologia “crí tic a” conte s ta qualque r es pécie de re lações imediatas e ntre Je s ús e a Igre ja. P ar a e la, é fato histórico de finitivame nte as s e ntado que “Jes ús de Nazarénão fundou a Ig re ja que de via vive r na his tória. Jesús e a Igre ja romana não se lig am por laço de ne nhuma espécie. Entre ambos há um abis mo” . De outro lado, não nega que esse abismo entre Jes ús e a Igre ja s eja “ bastante raso e estreito” e mesmo que “por fim, parece fecharse inteiramente” . A dis tância te mporal entre Je s ús e o catolicis mo é pe quení s s ima. O cris tianis mo apos tólico já está em vias de se tornar católic o; a c atolic ização do cris tianis mo começa ime diatame nte após a morte de Je s ús ” (1 ). A quem aborda a que s tão s imples mente como historiador, pode parece r es tranho, logo de começo, que haja entre Je sús e a Ig re ja um abis mo “ tão es treito que parece fecharse completame nte” . Não ac haráesse alguem menos e s tranho que os primeiros dis cí pulos do Mestre , os que, tendo sido suas testemunhas oculares e auriculares, eram os que melhor podiam compreendêlo, tivessem começado a catolicizar o cris tianismo “imediatame nte após a morte de Je s ús ". À prime ira vista parecenos que deve have r uma falha qualque r no raciocí nio “ crí tic o” . Para ve rificálo, e s tudaremos prime iro a atitude de Je s ús com re lação ao culto judaic o e de s ua organização re lig ios a; poderemos assim ficar desde logo conhecendo a sua posição pessoal em face da Igre ja e m ge ral. Examinare mos a s e guir as idéias fundame ntais de s ua mensage m, as quais prete ndem alguns se oponham à fundação de uma Igre ja. Por fim, inte rrogare mos os textos bí blicos que dão te s te munho da fundação dire ta da Igre ja por Je s ús. Ne nhum his toriador contesta que, na época de Jes ús, foss e o Judais mo uma re ligião es s encialmente cultural e pos suí s s e uma autoridade re ligios a que exercia e cons ervava o culto. H e i 1e r (2 ) afir ma com razão que a comunidade re ligios a judaica, na qual Jes ús vivia e se movia, “apres e nta surpree ndente s e melhança com o catolicis 1) F. H e i 1e r, Op. cit., p. 43. 2) F. H e i 1e r, Op. cit., p. 25. A essência — S
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mo” . Qual foi a atitude de Jes ús e m face des sa Igre ja ju daica? Muito ao contrário do que pude ram ou podem pre te nder certas histórias — ou, antes , romance s — nunca em s ua vida foi Jes ús o ins olente re formador que, e m nome da interioridade e do amor, se houvesse insurgido contra todas as pres crições exteriores. S ão muito claros a este respeito os textos das S agradas Es crituras . A que s tão que se poss a propor — e s eráunicamente em tal s entido que a proporemos — éa de s abe r se Je s ús , direta ou indire tamente, is to é, pelas novidades c ontidas em s ua mensagem, minou e cortou, ou não, pelas raize s es sas prescriçõe s exteriores, de mane ira a invertêlas e abatêlas . Sobre s ua atitude com re lação à mais alta autoridade legislativa judaica, a Tora, a Lei, temos, dele mesmo, uma de claração fundame ntal, àqual ele de u ce rta solenidade: “ Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profe tas ; não vim abolilos, mas, sim, cumprir. Porque , em ve rdade vos dig o, o céu e a terra pas s arão, mas nem um só iota ou um sótraço da Lei pas s aráantes que tudo esteja cumprido” . Aítemos, com certeza, uma das sentenç as primitivas de Je s ús, porque s ão Lucas , que se aproxima da atitude hos til de s ão P aulo com re lação àLei, nos trans mite essa importante palavra sob a forma seguinte, grandemente curiosa: “Mais facilmente o céu e a terra pas s arão ante s que um s ótraço da Lei pe re ça” (16, 17). A atitude de Je s ús com re lação àLei mosaica — e esta Lei não comportava ape nas prescrições morais, mas enorme núme ro de prescrições cultuais — não é, pois , a de um indiferente ou de alguem que a suporte contra a vontade. Ele cons idera parte essencial de s ua miss ão, não ape nas não s uprimir um s ótraço da Le i, mas, pe lo contrário, cumprí Ia. De que modo entende esse cumprime nto, ele me s mo nolo e xplica nos ve rs í culos que seguem, e nos quais aprofunda a Lei num sentido interior absoluto: “Aos antigos foi dito, não matare is . E u, porém, vos digo: o que se põe em cóle ra contra seu irmão pe ca contra a Le i” . O cumprime nto da Lei consiste, para Jesús, e m aprofundála em seu sentido moral e re ligioso, mais precis amente, em pe netrála do amor de Deus e do próximo. Nada, mas absolutamente nada, deve ser feito de maneira puramente exterior, unicamente porque se trate
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da Lei, mas deve vir tudo de dentro, ser animado e inspirado pe lo amor de De us e do próximo, porque nestes dois mandamentos “consistem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 40). Os seis e xemplos que Je s ús nos dá tendem ao cumprimento absoluto do preceito do amor a Deus e ao próximo. Es ta orie ntação tão e le vada para a caridade nos obriga, e m ve rdade, em quatro circuns tâncias diferentes , a marchar contra a própria letra do prece ito mos aico. Ele se erige e m le gis lador soberano, pôr a própria autoridade de Moisés , não para a ne gar e de s truir, mas para e s clare cêla até ao seu mais profundo s entido e tornála ve rdadeiramente operante. Cumprir a Lei, segundo ele, édescobrir atés uas últimas profundidade s a vontade de De us; pôr em relevo seu s e ntido inte rior mais elevado e celeste. O cumprimento sem reservas do amor a De us e ao próximo é a re gra de ouro para a inte rpre tação de toda a Lei. A esta re gra s ubmete Je s ús a outra grande pre s crição do culto mos aico: a s antificação do s ábado. Na me dida em que o amor ao próximo nada te m a sofrer com a s ua obs e rvação, pre cisamos submeternos a e la; des de que, porém, aquela Lei s upe rior seja por e la obs tada, deve se lhe s ubordinar. Exe mplo: quando proibe aos dis cí pulos , que es tão com fome, colhere m e s pigas no dia de s ábado: “P orque , acre s ce nta ele, o s ábado foi fe ito par a o o home m e não o homem para o s ábado” . A me s ma atitude com re lação aos s acrifí cios da lei judaica. P or duas vezes, cita Jes ús a palavra do profe ta Os éias (6, 6 ): “ E ’ a mise ricórdia que eu quero, e não o s acrifí cio” (Mt 9, 13; 12, 7). Das duas vezes, pe lo mes mo motivo: tornar inte rior o s acrifí cio. De us é um De us de mise ricórdia. O que se contenta com ofere cer um s acrifí cio exterior, sem praticar interiormente a mis e ric órdia, não ofere ce ve rdade iro s acrifí cio, agradave l àque le que é todo mise ricordios o. A me s ma idéia éexpres sa mag is tralmente no Se rmão da Montanha: “Se levas tua ofe re nda ao altar e láte le mbras de que teu irmão tem alg o contra ti, deixa tua ofe re nda ao pé do altar, re conciliate com teu irmão, e volta de pois para apres e ntar tua ofe re nda” (Mt 5, 2324). Não prete nde Jes ús s uprimir o s acrifí cio; adverte , pelo contrário, que se deve voltar, par a apresentar a oferenda depois que se houver feito a reconcilia5*
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ção. Deve ser, porém, um s ac rifí cio na caridade , um sacrifí c io de caridade . Em s uas após trofe s contra os faris eus, nas quais, com o entusiasmo todo de um profeta, fustiga o carater inteiramente exterior do farisaismo, deveria ele — se tives s em fundame nto as afirmaçõe s da teolog ia c rí tica — mos trar de mane ira muito especial seu espí rito anticultural e antiecle siástico. Pe lo contrário, s ua indignação contra os faris e us é ins pirada pelo mais í ntimo respeito com o templo e seu culto. “O templo, que santifica o ouro, émaior do que o ouro, e o altar, que santifica a oferenda, émaior do que a oferenda. O que jura pelo templo, jura por aquele que nele habita” (Mt 23, 17). O te mplo e seu serviço são, para ele, tão necess ários , que s ua profanação pelos cambistas e mercadore s de pombos o leva a ve rdade ira cólera, que lhe põe uma ve rgas ta nas mãos (Mc 11, 7; Jo 2, 17). No entanto, o Te mplo está longe de s er o Altí s s imo. Não pas s a de uma grande za pass age ira. “ De le não ficar á pedra s obre pe dra” . Em s ua pessoa, acaba de aparecer alguem que “émaior do que o te mplo” . Quando aquele que está em Je s ús se houver manife s tado, o Pai não s erá mais adorado s ome nte em S ião, “por toda parte s eráadorado e m e s pí rito e em verdade”. Da me s ma forma que em re lação àLei, s ua atitude com re lação ao Te mplo e aos s acrifí cios éins pir ada pe la pre oc upação da inte rioridade , do es pí rito a ser nele introduzido. Não prote s ta e não s uprime s enão na me dida indis pensáve l para marcar a nece s sidade do interior. E era tambe m na me dida e m que o dogma rabí nico se mostrava incompatí ve l com essa es piritualização que ele dirigiu s ua prédica contra tal e xage ração e tal espécie de diminuição do T e mplo: s uas objurgatórias , porém, não vis am nem o Templo nem o culto em si mesmos. Es ta fundame ntal pre ocupação do interior e xplica ainda a atitude de Jesús na s ua luta c ontra a autoridade judaic a. E ’ ve rdade que seu coração se inflama de s anta indig nação c ontra esses hipócritas e esses guias ce gos que s ão os escribas e os faris eus, que pagam o dí zimo do mento e do cuminho, mas desprezam o que háde mais importante na lei, a saber: a jus tiça, a mis e ricórdia e a fide lidade (Mt 23, 4). O começo de ss a ardente diatribe clarame nte indic a que seus prote s tos v is am, não a cá-
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te dra de Moisés e sua autoridade, mas unicamente os guias cegos que a ocupam. Dis tingue Je s ús expres samente entre a c áte dra e o que a ocupa, dirí amos nós : entre a função e a pessoa. “ Tudo o que vos dizem, fazeio, mas não façais o que e les mesmos faze m” . Je s ús quer por es ta forma pôr de parte e s alvaguardar a autoridade do ensinamento oficial. Contentase com atacar a maneira pela qual os e s cribas e os faris eus cumpre m s uas funções. E ’ ve rdade que , s endo a própria e ssência do faris ais mo essa maneira de desfigurar o ensinamento, os seus ataques contra os guias cegos ating iam por iss o me s mo a própria autoridade ensinante, tal como era entre os judeus do s eu tempo, não, porém, o princí pio de uma autoridade e nsinante. Tal princí pio, ele expres s amente o re ivindicava para si mesmo no seguimento desse discurso: "Só tendes um Mes tre, o Cris to” (Mt 23, 10). E e s tando encarre gados de propagar a mensage m de Je s ús , os discí pulos, Pe dro à frente, s ão, por iss o me s mo, chamados a s er mestres no re ino dos céus. Mos tram essas observações todas que a pos ição de Je s ús com relação às prescrições do Antigo Tes tame nto não consiste ne m e m re jeitálas, com rude za, em bloco, nem a sofrêlas c ontra a vontade, nem tambem puramente e s imple s mente em aceitálas . E ’ a pos ição de que m quer comple tálas e cumprilas; re presenta, pois , uma ace itação condicional. Como o judaismo farisaico tinha esvaziado do seu conte údo interior, de s eu es pí rito e do seu carate r moral, a Lei, o culto do Templo e o ensinamento mosaico, não podia Je s ús s e não claramente re je itar essa for ma rabí nic a da re ligião mos aica. “Não se deve coser um pedaço de pano novo em velhas roupas , nem g uardar vinho novo em odre s ve lhos ” . Jes ús é um re novador con ciente. Como, porém, o judais mo do seu tempo re pous ava s obre as orde naçõe s que haviam s ido cons agradas pe la autoridade de Moisés e tinham em vis ta a vida moral do homem, ele nitidamente os aprova em seu valor interior. “ E ’ precis o faze r isto, e não omitir aquilo” . Es ta fórmula do próprio Se nhor nos informa e xatí s s imame nte de s ua atitude fundame ntal com re lação ao Mos ais mo (Mt 23, 23). Je sús, pois, não toma a atitude de que m, te ndo abro gado inteirame nte tudo o que era ritual, cultual, hie rárqui-
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co, têloia, contudo, tole rado como a uma espécie de “relig ião infe rior” , mas s em que jamais o houvesse aprovado de modo pos itivo. A te ologia “crí tica” com excessiva facilidade comete o e ngano de faze r consistir a me nsage m de Jesús s omente na face nova que o Mestre queria sobrepor ao judaismo. O novo, pe lo contrário, re pousa sobre o antigo e não deve ser dele separado. Para termos a mensagem completa de Jes ús, precis amos tomar o novo, mas s em despre zar o antig o. A bas e da mensage m de Jesús não éalgo de puramente espiritual; éesta base larga, sensivel e e s piritual, cultual e moral, hierárquica e pessoal da re lig ião do Antig o Te s tamento, pre gada por Moisés e os Profe tas . Sobre ela, ergueu a sua cons trução nova, ou, antes: fe z o novo com o antigo. A me nsagem de Je sús, s em dúvida, ofere ce o carater “ duma s implific ação, de uma redução e de uma conc e ntração” (3 ), no s entido de que ele s ubordinou todas as orde naçõe s e pres crições exte riores ao únic o prece ito neces s ário: o amor a Deus e ao próximo. Re s tituiu ao culto uma dire ção, uma alma, a sua s ignific ação moral e religios a. Mas , precis ame nte, faze ndo isso, res tituiulhes o se u conte údo orig inal, s eu ve rdadeiro sentido, que éo de ser um meio de exprimir o que não ésensivel. Não o matou, re s tituiulhe, pelo contrário, a vida. O antigo foi no novo transformado para com ele constituir um Todo novo. Ass im, na atitude de Jes ús em face da Igre ja judaica, nada autoriza a dizer que o próprio catolicis mo seria, para Je s ús, uma espécie de “ re ligião inte rior” , que ele apenas toleras se. P orque o que Jesús não encontra no culto e no e ns iname nto rabí nic o, a s aber, a orie ntação para o e s piritual, para o amor a Deus e ao próximo, épre cis ame nte o que faz — como os e ns aios prece dentes o mostraram — o fundo me s mo do catolicis mo. Dogma, moral e culto da Ig re ja são cristocêntricos , s ão e s pí rito e vida, e o seu organis mo não ésenão a caridade que se fe z prática. No catolicismo, nada existe que seja, ou, pelo menos, deva ser puramente exterior, sem relações interiores com o amor a Deus ou ao próximo. Pe lo visí vel ao invis í vel: tal a idéia que dirige toda a face exterior do catolicis mo, 3) F. H e i 1e r, Op. c it., p. 35.
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como era a que dominava a atitude de Je s ús e m pre sença da organização re ligios a, digamos , da Igre ja judaica. Reconhecendose, e mbora, que não s eria a sua oposição ao judais mo que impe diria Je s ús de fundar, por si mes mo, uma Ig re ja, não se ve rificará, porv e ntura, que o conjunto de sua mensagem era dominado por um pens ame nto que e xcluia a própria idéia da fundação de uma Igre ja duradoura? Em outros termos, não te ria vivido e pre gado Je s ús com a pers uas ão de que o fim do mundo es tava próximo e de que o reino dos céus se inaug uraria jápara a ge ração do seu tempo? E ’ o grande argumento da Es cola “ e s catológica” . “ O des cobrime nto do carater es sencialmente e s catológico do Evange lho de Je s ús ” pode ser cons iderado como o “des cobrimento de Copérnico da te ologia mode rna” . “ De um só golpe, põe ele por terra todo o s istema dogmátic o do catolicis mo e s uprime o pino sobre o qual g irava o gigante s co e difí cio da Igre ja romana” (4). De fato, se acre ditava Jes ús es tar vive ndo ao fim dos te mpos, não podia ser de longa duração a comunidade dos seus dis cí pulos , e não podia ultrapas s ar a própria pessoa deles a mis s ão que lhes confiava. Não podemos, pois, evitar o proble ma e s catológico na pes quis a dos fundame ntos históricos da Igre ja católica. Compre e nde es se proble ma duas que s tõe s : I o era o reino de De us, que Je s ús vinha trazernos, algo de completamente s upraterre stre que , como um pr odí gio ofus cante, des ce ria do céu em mome nto dado — ou éele um re ino, um reino de De us, cujos come ços e c ujas raize s se encontram desde agora neste mundo, embora sódeva atingir o seu pleno desenvolvimento e sua maturidade na vida futura? E ’ evidente que s óesta s e gunda hipóte s e nos autoriza a atribuir a Je s ús o pensamento de fundar uma Igre ja propriame nte dita; 2°a se gunda ques tão, intimamente ligada à prime ira, éa s e guinte : partilhava Je s ús o erro de certos meios apocalí pticos de seu te mpo, s e gundo o qual o Dia do Senhor era iminente? Evidentemente, na afirmativa, não se pode ria tr atar da fundação de uma comunidade destinada a durar. Elucidemos antes de tudo a prime ira ques tão. 4) F. H e i 1e r, Op. cit., p. 3.
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A pr ópria Es cola “ crí tic a” é forçada a confe s s ar que a te oria — que Re imar criou e João We is s , depois Alberto S chwe itzer, ape rfe içoaram — s e gundo a qual Jes ús nunca jamais tive ra em vis ta s enão um re ino supra terrestre, que pura e s imples mente des ce ria do céu, nunca pôde ser admitida por uma te ologia ve rdade irame nte cientifica. Bastanos um olhar sobre os Evangelhos para nos darmos conta de que Je s ús não e ra um apocalí ptico. Pre ndiase ele, como We ine l o faz notar com razão (5 ), não àque la corrente s e cundária que, no povo jude u, tão poucos ves tí gios deixou e a cí rculos tão restritos ficou limitada, mas àgrande corrente profética e moral”. E’ s ua pre ocupação faze r penetrar o reino de De us no home m vivo do presente. Tem, sobretudo, em vista os “pobres”, os desherda dos da Le i, os pecadores , os doentes e as crianças , os que têm fome e sede de jus tiça. E ’ no coração que ele échamado a semear a nova semente da palavra de Deus: a mensage m des s a confiança em De us, capaz de transportar montanhas, dessa caridade e dessa humildade até ao s acrifí cio da vida, des sa neces s idade de pure za que vai até à raiz profunda dos pens ame ntos e desejos. O re ino de De us é, par a ele, tudo o que M de puro, de santo, de interior, fazendose carne na terra inteiramente renovada do ponto de vista moral. Colocado neste ponto de vista absolutamente fundamental, ele muito express ame nte e xplica aos fariseus que o reino de De us não pode ria aparece r como uma e spécie de prodí gio, que se pudesse obs ervar e controlar nos ares . “ Ele não vem de mane ira a de s lumbrar os olhos. Não s e dirá: ele e s táaqui, ou: ele e s táalí ” . Es tá, na re alidade, “ em meio de vós ” (Lc 17, 2 1 ), o que quer dizer que éuma força e s piritual interior, um re ino de De us que, s em atrair a ate nção, jálançou raizes entre os judeus atuais e que, por menor que se apresente ainda, e não obstante os obstáculos exteriores, continua a crescer e a se desenvolver exatamente como o grãp de mos tarda ou a leve dura (Mt 13, 31), ou como a semente que brota por si mes ma (Mc 4, 26 ). E Je sús tem a conciência ní tida de que esse re ino de De us na terra, de que es sa manife s tação da S antidade e da Pu 5) H. W e i n e l , 1918, p. 82.
Biblische Theologie des Neuen Testaments,
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reza na carne éessencialmente ligada à s ua própria pe s soa. A humanidade se não pode ria re novar simple s mente por um s istema de idéias , mas , s im, pelas profundidades da própria vida divina, da vida divina pe rs onificada. Je s ús s abe que nele mes mo se re aliza essa ple nitude de vida. Ele é mais do que Jorias e mais do que S alomão (Mt 12, 4142). Os tempos antigos , com João, o maior dos filhos dos homens, passaram. Os tempos novos, o reino dos céus, aíes tão. Por isto, o que nesse reino éo menor, émaior do que João (Mt 11, 11). Je s ús pode teste munhálo: Eu vi S atãtombar do céu como um raio (Lc 10, 18). O forte es táagora alge mado e « re ino dos céus tem o caminho livre (cf. Mt 12, 29). A quem se obstina em reclamar um qualque r sinal e xterior de s ua miss ão, indica ele o seu poder com re lação aos de mônios . “ Se expuls o os demônios pelo pode r de Deus, éporque o re ino de Deus chegou” (Mt 12, 28). Ele próprio éesse re ino. E já come çam a nas ce r e a se tornar perceptí ve is os primeiros rebrotos desse reino de Deus, e que sSo os homens que vêm a ele com uma c onfiança infantil, s ão as almas humildes e amantes de um Zaqueu e de uma Madale na, s ão esses dis cí pulos que ve nderão tudo para c omprar uma pérola preciosa. E mes mo aque le es criba que conhece o prece ito do amor “não estálonge desse re ino” (Mc 12, 34). Estes textos e ainda muitos outros do Evangelho, não deixam a me nor dúvida: o re ino que Je s ús anuncia já es tápres ente, não ape nas como “ a nuve m que projeta a sombra sobre a terra” (J. Weiss), mas como uma luz que brilha nas trevas (cf. Mt 4, 16), e que acaba por dissipálas e por produzir a plena claridade do dia. E ’, aliás, nesta necessidade de desenvolverse plenamente expulsando as trevas que aparece o carater original desse reino de Deus atual. Ele ainda não estáplename nte realizado. Te m de lutar contra as potências más do mundo. E’ como o campo de trigo no qual, durante a noite, o homem mau veio s emear a erva má (Mt 13, 25). E ’ como a rede do pescador que se enche a um sótempo de peixes bons e ruins . Não énada de plename nte acabado ou realizado, contém elementos que deve rão ser eliminados, espera a colheita definitiva e a triagem dos bons e dos maus.
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E’ aqui que aparece o outro aspecto da prédica dc re ino, o as pecto e s catológico, is to é, o pe ndor a falar no fim dos te mpos, da jus tiça que vem. O reino de Deus atual reclama, precisamente pelo seu carater essencialmente in coativo, o te mpo em que toda erva má terás ido arrancada, em que o reino de Deus sé apre s e ntará em toda sua pureza, como o reino dos que praticaram a caridade e, em nome de Jes ús, deram de comer aos que tinham fome e de beber aos que tinham sede. Quando Jesús empre ga a expre ss ão “ Reino de Deus” em seu pleno sentido, visa o reino em que o reinado de Deus se realizarg plenamente. E’ em tal sentido que deve m ser tomadas as “ bemave nturanças ” e o pe dido do Pate r: ve nha a nós o vosso re ino! Em numeros as parábolas e prome s s as expressas, orie nta o Senhor o coração e a imaginação sensivel dos seus dis cí pulos para esse grande aconte cimento: cingi vossos rins, tende àmão vos s a provis ão de óleo, porque o Es poso se aproxima! Daíesse algo de premente, de inflamado em sua Tien s age m. Ele não admite ne nhuma tranquila ac omodação com o presente, exige que estejamos constantemente prontos, em te nsão viva, para o grande momento. Com re lação a este aspecto es catológico, re levante, da mensagem do Re inado, ne nhuma s éria conte s tação épossive l. Mais dificil de julgar , à luz dos textos do Evange lho, é a mane ira precisa pela qual Je s ús se repres entava a si mes mo o adve nto desse último dia: seria como uma aparição s ubitâne a da Jus tiça, ou como um desenvolvimento progressivo dos poderes de Deus que tudo desmoronariam e plenamente fariam re inar a “Jus tiça” ? Note mos, desde logo, que o ensinamento de Jesús é clarí s s imo a respeito dos seguintes pontos : o re ino implantado por ele no presente é ainda de todo e mbrionário, éa me nor de todas as sementes, um grãozinho de lê ve do; só depois de s ua morte e pela sua morte éque, graças a uma ação prodig ios a do céu, desse estado embrionário pas s aráao de pos sante desenvolvimento. “ Quando eu for e rg uido àcruz atrairei tudo a mim”. Não somente s ão João e s ão Paulo, mas tambe m os s inópticos re gis tam a promessa de Jesús, s e gundo a qual, após sua morte, um grande acontecimento devia produzirse, algo de novo, a vis itação dos dis cí pulos pe lo Es pí rito Santo,
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“ pela virtude do alto” , como diz s ão Lucas (24, 49), pelo “Cons olador”, como lhe c hama s ão João. Era nitidame nte pe rs uas ão da c omunidade primitiva que essa prome s s a se realizaria no ruido e na tempestade do Pentecostes, e que a partir desse momento o peque no embrião do Reino de De us come çaria a des envolverse e a encher o mundo da plenitude de sua vida e de seus frutos. Pode mos daítirar e s ta c onclus ão: o anúncio do fim dos te mpos feito por Je s ús não vis ava o fim dos te mpos considerado em si mesmo, mas, sim, tudo o que de fato lhe e ra es s encialmente unido, isto é, os aconte cimentos que iam produzir a grande s e paração dos es pí ritos , e ante s de tudo mais , s ua morte e s ua re s surre ição, a des cida do Es pí rito S anto, a fundação da Ig re ja nes te mundo e — em re lação neces sária com essa fundação — o fim da antiga aliança e a ruina de Je rus além. Je s ús s abia que o reino de Deus estava jáfundado em sua própria pe s s oa; era, para ele, um dos pontos fundamentais de sua miss ão, que já com a sua própria pes s oa come çava, se realizava já a grande dis criminação dos e s pí ritos , a jus tiça do mundo. Sendo assim, todos os acontecimentos que deviam ocorre r e s aí am, por as sim dizer, de s ua pess oa, apareciamlhe necessariamente como momentos do julgamento do mundo, de fato e essencialmente ligado àsua própria pess oa. Sua mane ira profética de ver e apre ciar não dis tinguia entre o presente e o futuro. Não c he gava a misturar uns com os outros os acontecimentos his tóricos, mas ligava, numa pos s ante intuição de conjunto, s ua unidade essencial, efe tiva e a dependência, em que eles es tavam, de sua própria pes soa. O futuro em conjunto, tanto a ruina de Je rus além quanto o e s tabele cime nto e a difusão de s ua Igre ja, lhe era pres ente, era o presente de s ua Jus tiça. Podese por esta forma compreender que a s ua expe ctação do fim do mundo inc luia o futuro da ge ração presente, e que e le podia ame açála com a vinda do Filho do Homem. Quais s erão o dia preciso e a hora e xata de s ua vinda? Propor a que s tão por es ta forma é fazerlhe re s s altar a inteira ingenuidade. Tal como pelos Evangelhos o conhece mos, o Mes tre tão pos itivo, tão mais pres o ao e s s e ncial, à s ubs tância das coisas do que às circuns tâncias s e cun-
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dárias de te mpo, e vide nte mente não podia ter a inte nção de fixar uma data. Tal pre ocupação de uma data precis a sóna imag inação dos seus dis cí pulos éque vive u. Se duzidos pelas espe ranças apoc alí ptic as do te mpo, que mantinham os espí ritos em cre sce nte agitação, eles sobre tudo se interess avam pelo lado exterior da me nsage m e s catológica, a data. Arriscavamse, por esta forma, ao ouvirem falar Jes ús dos dias derrade iros, a tomar por isto. os principais eve ntos que ele lhes pre gava, não em s uas re lações internas , essenciais — como Jes ús o fazia — mas unicame nte e m s uas re lações cronológicas , tirandclhe assim àprofe cia toda a força e todo o alcance . — Dãonos aíos evange lis tas um exe mplo notabilí s s imo da simplí s s ima fide lidade de seu re latório, porque , re produzindo os dis curs os e s catológicos de Jes ús, re ligandoos e ntre si e com as outras palavras do Senhor, deramnos simplesmente a mane ira, influe nciada pelas conce pções corre ntes, pe la qual os dis cí pulos haviam c ompre e ndido as palavras do Mes tre. — O próprio Je s ús muito expre s samente re pele a inte nção de ter que rido anunciar o dia e a hora do fim do mundo. Quando lhe pe rguntaram os dis cí pulos em que te mpo se produzirão s inais de s ua vinda e do fim do mundo (Mc 13, 4), declaralhes ele, sem nenhuma restrição: “ Es s e dia e essa hora, ninguém as conhece , nem os anjos do céu, nem o próprio Filho, mas sóo P ai” (Mc 13, 32). Es ta palavra do Mestre édas que nos s ão garantidas da mais s egura maneira. Porque uma ge ração pos terior, na qual a féem Cristo jáse havia tornado objeto de re flexões te ológicas , não te ria ous ado introduzir esta de claração suscetí vel de interpre tação pe rigos a: que o pr óprio Filho ignora o dia do Juizo. E’ àluz desta frase, incontes tave lme nte autêntica, de Jesús, que devemos interpretar as outras afirmaçõe s . Note mos que ele não faz a dis tinção que a que s tão parecia comportar. Não diz que, sem dúvida, o Filho do Homem viráem breve, mas, sim, que sóo Pai conhece a hora exata. Sua resposta épura e s imples mente: "Não s ei” (6 ). Da mes ma forma deve 6) A te ologia e xplica de que modo se pode conciliar e s ta palav ra com o que s abemos, por outro lado, da c iência s obre natural do Cristo.
Ada m,
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explicarse a frase que imediatamente precede, a saber, que es ta ge ração não pas s aráantes que tudo isso se cumpra. Não se aplica ela ao dia e àhora do Juizo final no sentido estrito, mas apenas aos eventos de que se trata nesse dis curs o do S e nhor e que des de esta geração começam o Juizo e, ante s de tudo, a ruina de Je rus além. Se Jesús tivesse tido em vis ta um Juizo final iminente, não te ria podido citar, nesse mes mo dis curs o, toda uma série de signos anunciadores diferentes que manifestamente não se pode riam produzir no es paço de ssa ge ração: guerras cruéis e ntre os povos, fomes e tremores de terra, ódio e s uble vação de todos os povos contra o Cris to, aparição de fals os profetas , pre gação do Evange lho no mundo inteiro (Mt 24, 5). Pouco antes da sua morte, havendo a pe cadora de Be tânia de rramado sobre ele se us perfumes, voltou a insistir ne s ta última profe cia: “ Por toda parte, oo mundo, o Evangelho serápregado, e por toda parte se falarádisto que seu amor fez que fizesse” (Mt 26, 13). Te m Jesús e m vis ta uma crise do mundo que durará longame nte, e compree nde rá fatos numeros os . Quando seráo fim? E’ o segredo do Pai. Ce rto número de s uas parábolas se desenvolve m no mesmo sentido. E’ o intendente culpado que maltrata os servos do seu s enhor e lhe des perdiça os bens, dize ndo consigo mesmo: meu senhor “tarda” a chegar (Mt 24, 48). E ’ o es poso que “tarda” de tal mane ira que as virge ns que o esperam, tanto as s ábias quanto as loucas, se deixam adorme ce r (Mt 25, 5). S ão os servos laboriosos que podem fazer com que produzam o dobro os ta .lentos que lhes foram confiados, àespera de que “muito te mpo de pois ” o senhor volte (Mt 25, 19). Uma crí tica lite rária s adia não pe rmite que se obs cure çam tão s ignificativos textos, unicamente porque contradizem eles a conce pção fundame ntal da iminência do Juizo final. Se quise rmos conside rar atentame nte as expre ss õe s todas do Senhor relativas àescatologia em seu verdadeiro sentido, e m re lação com a mensage m central de que ele estava encarregado, nela encontraremos apenas um apelo grave, premente, no se ntido de e s tarmos s e mpre prontos, s empre vigilantes à es pera do dia do Se nhor, que s e guramente virá, embora não saibamos quando. “Não sabeis quando viráo dono da casa, seráàtarde, àmeia
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noite, ao canto do g alo, pe la manhã? P raza aos céus, pelo me nos , que ele não chegue de s urpres a, e ncontrando vos a dormir! O que vos digo, digo a todos: velai!” (Mc 13, 35; Lc 12, 37). Que r Je s ús s ublinhar que, precisamente, não se pode prever o momento de s ua chegada que s e rás ubitâne a, tão ine s pe rada quanto a do ladrão na noite (Lc 12, 3 9 ), tão s úbita quanto o raio (Lc 17, 24), tão impre vis ta como a rede que tomba s obre o animal (21, 3 5). Ps icologicame nte, foi naturalí s s imo que muitos dos dis cí pulos , s aturados das s upers tiçõe s apocalí pticas do te mpo, e que não haviam tão profundame nte penetrado como os Doze o pensamento do Mestre, tenham, mes mo depois de s ua re s s urreição, trans formado essa su bitane idade, es sa impre vis ibilidade da volta de Je s ús numa v inda próxima, iminente. Tal e ngano, entretido, favorecido pe los seus desejos pess oais e as e s pe ranças do seu te mpo, terseá mantido longamente ainda em se us cí rculos próprios . Quanto aos após tolos e aos e vange listas , e s tavam s uficientemente convencidos de que o próprio Jes ús lhes falara de uma vinda, não próxima, mas s úbita. Os Atos dos Após tolos referem que Je s ús re s suscitado, glorioso, se havia expressamente recusado a responder aos dis cí pulos que lhe pe rg untaram se s eria ainda no tempo deles ( êv t o v t c ú X Q Ów ú) que ele res tabeleceria o reino de Israe l. “A vós não vos cabe s aber o te mpo nem a hora que o P ai escolheu para manife s tar o seu pode r” (At 1, 7). A convicção de que o rumor da vinda próxima do Juiz do mundo re pous ava, não s obre claras prome ss as do próprio S e nhor, mas ape nas s obre o seu próprio des ejo e opinião, pe rmitiu que as jove ns comunidades cris tãs evitassem as desilusões e as crises que, s em isso, não teria deixado de causarlhes a indefinida demora dessa vinda. Foi sem extremeções e s em crises que as esperanças antigas des apare ce ram pouco a pouco. Na IIa Epí stola de s ão Paulo aos tessalonice ns es, percebese um eco que se apag a: já no Evange lho de s ão João, completamente de s apareceram. O que, nas cris tandade s e no cristianismo, não des apare ce u; o que permanece u até noss os dias, foi o que Je s ús disse e profe tizou de maneira clara, sua grande mensagem: o Esposo vem, tendevos prontos!
A d a m,
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Sc, terminando, quisermos apreciar a Igreja àluz desta mensage m es catológica, duas coisas parece mnos claras . Antes do mais, que a fundação de uma Igre ja e s tava bem na lógica do pensame nto do Se nhor. Porque o seu Re ino dos céus é, ao mes mo tempo, uma grande za, uma re alidade presente, que deve esperar a vinda do Esposo tanto quanto praza ao P ai, se faz necessário a es ta pérola pre ciosa um invólucro protetor, se faz nece ss ário a este novo Es pí rito do reino de Deus um corpo exte rior e vis í ve l, que o pos s a conduzir sem perigo através da his tória. Mas também, porque esse reino não se deve re alizar ple namente s enão no futuro, éem torno do futuro que a vida da Igre ja gravita. A Ig re ja outra cois a não és e não a comunidade de Parús ia fundada s ó s obre P e dro. Se u traço fundamental é e s catológico. Não pre te nde darnos seu dogma s e não o germe do que ve remos um dia. “ Hoje ve mos como num e s pe lho.. . mas e ntão vêloemos face a face ’’. Seu sí mbolo te rmina pe la afirmação da vida eterna. Seu culto se propõe , por me io de s ignos vis ive is e que pas s am, anunciar e amontoar os bens invis í ve is, eternos. Seus s acramentos s ão signos precursores que faze m pres sentir a plenitude futura. E’ o papel deles preparar a luz da graça que, um dia, se trans formarána luz da g lória. Toda a s ua oração, a s ua pe nitência, a s ua ação de graças s ão conduzidos por esta grande es pe rança: o Se nhor ve m. Ela éfeita para a vida futura, não para a vida terre na. Olha, sem dúvida, para as coisas daqui debaixo, e não des denha de se ocupar das mes mas, mas unicamente na medida em que elas se re lacionam com o além e o Eterno. Exatamente como seu Mestre e Senhor que só considerava c apreciava os acontecimentos do seu tempo s e gundo suas relações reais, es senciais c om o grande acontecimento vindouro, a Igreja sóvêno mundo presente o que interessa ao mundo vindouro, o mundo eterno. Ela alarga e transforma nossa vida; daquilo que passa faz o que éEterno. Apreende, no presente, o futuro, no tempo, a e te rnidade. O Cris to que ora não conhece o te mpo como tal, não se deixa viole ntar pe lo te mpo e s uas agitaçõe s . S ua vida não pas s a, ele não éarras tado pe lo te mpo. Não é“vivido”, ruas, sim, “vive” para sempre. Sua atitude é concientemente inte mporal. Us a do mundo como se não
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usasse, porque ela passa, a face deste mundo” (1 Cor 7, 31). Por isto mesmo, a vida intelectual e moral da Igreja não s e encade ia ao que passa, porém, sim, àe te rnidade . Tratase, para ela, de fazer penetrar o reino de Deus no homem interior, e se uma c ivilização purame nte terrestre que r ins talarse com a pre tensão de bastarse a si mes ma, a Igre ja se apres enta como s ua irre conciliáve l adve rs ária. Nis to éque ela melhor mostra quão c ompletame nte se s e para do mundo. Não se pode e ncontrar re pouso no que passa. Jamais cessaráde clamar por toda parte: “Ten • devos prontos !” , de toda vez que uma cultura purame nte terre na, digamos leiga, quise r impôrse nas Unive rs idades, na Bolsa ou no Mercado, ou mesmo nas escolas das criancinhas. E’ isto que provoca os conflitos entre a Igreja e a terra. Por toda parte em que a Igreja encontra o mundo, na filos ofia e na ciência, na polí tic a e no direito, na arte e na literatura, chocase o eterno com o temporal, o divino com o humano, o reino de Cristo com o reino do Mundo. Este éo primeiro ponto. Eis aqui o segundo, que ress alta da mensagem de Je sús s obre a s ua vinda no dia derradeiro: o carater essencialmente incoativo, imperfeito da Igre ja. A Igre ja visivel não éo re ino de De us completo, acabado. E’ ainda um campo de trigo a que muito joio se mistura, uma rede cheia de peixes bons e ruins. Sem dúvida, o Es pí rito que a anima ébem o es pí rito de Jes ús; sem dúvida, as forças vitais que lhe dão mov ime nto e vida s ão be m as forças vitais do Res s uscitado; mas os homens sobre os quais esse e lemento divino que r ag ir s ão retidos pela sua carne e seu sangue corrompidos. Por isto, não pass am de homens imperfe itos e permanece m tais até que o Se nhor ve nha. Have rásempre, além disso, homens nos quais a palavra de Deus não penetrou, não se enraizou, e que, semelhantes ao joio, continuam a crescer até ao tempo da colheita. E ’ o que háde trágico na Igre ja, neste re ino de Deus da terra: a distância entre es tas manife s taçõe s terrenas e seu ideal divino, es ta s ublimidade e esta santidade que ela traz em si. Mas nossa espe rança não e ngana. No dia em que o Cris to aparece r,
Adam,
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esta face tão trágica e doloros a e ncontrará s ua s olução liberadora. O crente desvia o olhar de tudo o que percebe de imperfeito, de penoso, de culposo em si mesmo e nos outros membros de sua Igreja, e dirigeo, com o coração cheio de confiança — exatamente como os prime iros cristãos de Corinto e Te s s alonica — a es se dia em que o Es pos o há de vir. Maran Atha — vinde , Se nhor Jesús, vinde!
A e s s ência — 6
C a p ít u l o
V
A Igreja e Pedro "Sobre esta pedra construirei minha Igreja” (Mt 16, 18).
A me ns ag e m do Re inado dos Céus e xigia a fundação de uma Ig re ja visí vel. Quanto mais nitidame nte manifes tava Je s ús s ua opos ição às autoridade s re ligios as de seu tempo, tanto mais evidente se tornava que ele destronava a lei judaic a e em lugar dela punha a sua própria lei, que o novo re ino se pre ndia àsua pessoa e à ades ão que se lhe desse, que era o s eu reino (cf. Lc 32, 2930; 33, 42; Mt 13, 41), a nova aliança em seu s angue, e tanto mais se impunha, em favor dos seus discí pulos, a progre s s iva libe rtação do liame que os pre ndia àre ligião judaic a. “Não se deve coser pano novo a uma roupa velha*’. T ão mais í ntima e concie nte, pois, devia tornarse a comunidade que uns aos outros ligava os s eus dis cí pulos. Quantas vezes tentara ele inculcarlhes tal sentimento! “Eis pelo que se reconhece ráque s ois meus dis cí pulos, seráporque vos amareis uns aos outros”. Eles deviam chamarse irmãos, ser os seus familiare s (cf. Mt 10, 25 ), seus convidados , que se não deviam deixar entristecer enquanto o Esposo estivesse com eles (Mt 9, 15) e que be biam juntos no mes mo cálice , o da nova aliança. Por esta forma, seriam seus eleitos, chamados a participar do jubilos o banque te, s entados à s ua mes a, no seu reino (Lc 22, 29). A conciência do seu papel mes s iânico nece s sariamente compe lia Je s ús a fundar uma comunidade. Com Jesús, já hav ia começado o julgame nto, a fée a re pulsa à fé, a s e paração dos es pí ritos , a Parúsia. De mane ira s uficie ntemente clara, havialhes dito ele: “Não penseis que eu te nha vindo traze r a paz àterra. Não, não vim traze r a paz, mas a espada” (Mt 10, 34: cf. Lc 12, 51). Com Je
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sús, o re ino de De us fa zia irrupção no re inado do mundo e ime diatame nte come çava a s e paração, is to é, emergia o Novo do Antig o, para tornarse autônomo. Para mode lar e formar esse Novo, re unia Jes ús pouco a pouco seus “ Dis cí pulos ” em torno de si. Em vinte e nove pers onage ns do Evange lho, s ão nome ados es ses Doze . Em s ão Paulo, ess es “doze ” (òcóôe xa) já têm um carate r de ins tituição. Que r o nome de após tolos te nha s ido dado aos doze pelo próprio Je s ús (como o indic a s ão Lucas , 6, 13), quer tenha sido introduzido apenas em terra he le ní s tica, é, em todo cas o, ce rto que o pr óprio Je s ús escolhe u os doze após tolos. De viam ser e xatame nte doze , nem mais nem menos. De via ess e número doze — o Me s tre clarame nte o indicara — repres entar a nova Israe l com as suas doze fontes, “o germe a um sótempo real e simbólic o” (Katte nbus ch) do povo dos Santos que Jes ús , como Filho do Home m, s e gundo a des crição de Danie l (1 ), vie ra fundar. A tí tulo de novo Is rae l, eles eram o núcle o do novo re ino, s eu arcabouço es piritual, os eleitos e ncarregados de sua mensagem, o “sal da terra”, a “luz do mundo” . Cons ide ravams e eles como os que , um dia, haveriam de julgar as doze tribus de Israel (Mt 19, 28; Lc 22, 3 0 ). Es tavam os Doze tão compe netrados da importância fundame ntal de s eu Colégio que, de pois da As ce ns ão do Se nhor, cons ide raram seu primeiro dever pre e ncherem pe la eleição de Matias a vaga abe rta e ntre eles pelo suicí dio de Judas (At 1, 15). Eram os após tolos , pois, a forma primeira e fundamental do novo reino. E’ como Igreja apos tólica, “cons truí da s obre o fundame nto dos após tolos ” (E f 2, 20), que o novo reino inicia a s ua e xistência his tórica. E ’Ihe essencial, e não pode ria serlhe re tirado, o carater de apos tolicidade , isto é , de continuidade his tóric a e real com os Doze . Mas , de e ntre os Doze , des de a e le ição de Matias , um háque emerge : Simão, filho de Jonas , cog nominado Pe dro. E ’ ele quem propõe e dirige a ele ição. No dia de Pe ntecostes, éainda Pedro que, pela sua palavra inflamada, faz nasce r a prime ira comunidade na fé (At 2, 1 4). No Templo (3, 12) e, novamente, diante do Grande Conse 1) Cf. F. K a t t e n b u s c h , Die Vorzugstellung des Petrus a. der Charakter der Urgemeinde. Festgabe fiir Karl MiiUer, 1922.
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A Igre ja e Pe dro
lho (4, 8; 5, 29) éainda Pedro que se faz o portavoz do colégio dos Doze . As marav ilhas que ope ra ultrapas s am me s mo as do Se nhor. “A e xtraordinária e únic a força miraculosa que lhe éa tr ib uí da .. . mostra que re cordação tinha ele de ixado e que lhe dava pos to àparte entre os Doze ” (2 ). E ’ ainda e le que , admitindo o ce nturião Cornêlio, ante cipa a s olução de uma que s tão vital para a Igre ja nas ce nte, qual a de s abe r se podiam os pagãos ser recebidos na Igreja sem passarem pelo judaismo, e que m, e m s e guida, não obs tante as re sistências, faz com que prevale ça e por todos s eja admitido o seu ponto de vista (At 2, 4). Quando, de outra vez, levantase a questão de s aber se é preciso s ubme ter àcircuncis ão os pagãos conve rtidos, é ainda a palavra de Pe dro a de cis iva (15, 7 ). E quando, em Antioquia, ame aça reacenderse a discus s ão, éda pres ença de P e dro que se espera a pacificação dos e s pí ritos (c f. GI 2, 11). — Aliás , não ésó na comunidade primitiva, mas tambe m nas comunidades helení s ticas , nas quais exercia s ão P aulo o aposto ' lado junto dos incircuncisos (cf. GI 2, 9), que sua opinião é pre ponde rante. P aulo indica que Pe dro era, com S antiag o e João, conside rado uma das “ colunas " da Igre ja (GI 2, 9). E’ dos que "servem de regra” (2, 6). Segundo s ão P aulo, Pe dro ée ncarre gado do ministério dos circuncis os, como ele próprio o édos incirc uncis os ; Paulo o considera, pois, como o verdadeiro fundador e guia da comunidade jude ucris tã (GI 2, 7). E ’ a ele que, antes do que a qualquer outro, tem em vista na sua primeira vis ita a Je rus além. Pe lo mes mo motivo, depois de uma e s tadia de três anos na Ar ábia e e m Damas co, transporta se a Je rus além com o intuito de “conhece r Pe dro pe s s oalmente” (iazoQrjaai). E junto dele permane ce quinze dias (GI 1, 18). Manifestamente, hánele uma necessidade de se explicar e de sentirse de acordo com Pedro. Em certa circ unstância, não pôde mante r e sse acordo; deve “resistirlhe de face”, porque Pedro cometeu o erro de re tirarse da mes a dos pag ãos e de, praticame nte, as s im re ne gar os princí pios fundamentais que ele mes mo havia assentado (GI 2, 11, 12). Mas sentese, precisamente, a pers uasão de que, mesmo para a Ig re ja de Antioquia, a 2 ) K a t t e n b u s c h , Op. c it., p. 335.
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conduta de Pedro deve servir de regra e que, sendo assim, uma maneira de proce der oposta às ua não podia ser pe rmitida nas assembléias. As s im, pois , a atitude do próprio P aulo com re lação aos Doze, e a Pedro em particular, nos confirma a fisionomia que já nos apres entava a Igre ja primitiva de Je rus além. Por esta forma, perte nce aos após tolos a dire ção d a Igre ja; o mais influe nte , o de relevo maior entre os após tolos, é Pe dro. E ra com Pe dro à frente que os Doze dirig iam o conjunto da Igre ja. Je rus além, ou antes , o Colégio dos Doze te ndo Pe dro como chefe, era a cabe ça, a c apital das comunidade s cristãs. Como acaba de mostrálo com razão K. H o 11 (3 ), e contrariamente ao que pensava S ohm, essa capital fruia de c ompetência es pecial para julg ar em última ins tância as questõe s que s urgiam, as sim como do dire ito formal de exercer vigilância s obre todo o apos tolado e conferir cre denciais aos miss ionários . P aulo fris a, com s atis fação visivel, que “os que servem de re gra a Je rus além" re conhece m a sua vocação para a e vange lização do Ge ntio, e lhe “ de ram a mão, e m sinal de comunhão (G1 2, 9 ), sem que nada mais lhe impuse s s e m” (2, 6 ). As próprias comunidade s fundadas por s ão P aulo e s tavam, pois , s ob a alta dire ção de Je rus além. Paulo acrescenta: “Recomendaramnos eles apenas que pe nsáss e mos nos pobre s , o que me te nho es forçado por faze r com muito ze lo” (GI 2, 10). Vários crí ticos conte mporâne os não hes itam em ve r neste e ncargo dos pobre s de Je rus além, dado a P aulo, uma es pécie de impos to • He ile r diz, me s mo, um “óbulo de são P e dro” — que as comunidade s cris tãs da dis pe rs ão, em teste munho de s ua de pe ndência, deviam pag ar a Je rus além, exatame nte como as s inagog as da dispers ão judaica deviam pagar seu tributo ao T e mplo de Je rus além. Tal estudo da Igreja cristãprimitiva em seu elemento fundamental, dominante, permitenos compreender por que chama He iler ao cris tianismo primitivo “ o perí odo de formação do catolicis mo”, e diz precis amente da comunidade primitiva de Je rusalém que e la deixa perceber, 3) Sitzungs Ber. d. Preuss. Akad. d. Wiss. (Atas s e s s õe s da Aca de mia da P rus s ia), 1921, p. L XXX.
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“ de mane ira inconte s tável”, os traços que se deve riam juntar para produzir os elementos fundamentais do catolicis mo em formação” (4 ). O mais re levante éa autoridade de Pe dro que emerge no colégio apos tólico. Como explicar es ta pre e minência de Pe dro na Igre ja primitiva? Para Welhausen e sua escola, unicamente pelo fato de ser Pedro o primeiro e ter visto o Salvador ressuscitado. S ua fé tinha de s pertado a dos outros ; a fé pascal de Pedro se havia tornado, de fato, o fundamento e a raiz do cristianismo, todo ele nascido desta féna mensage m da Páscoa. Holl te ntou ape rfe içoar a e xplicação, dize ndo que Pe dro não teria acordado e inflamado, mas s ome nte des pertado a fécris tã. A fédos discipulos , que a P aixão e a Morte do Se nhor hav ia tornado tão tí mida, terseia re afirmado em face da s e gurança de Pedro, que se fize ra as s im o fundador da nova fé. — Ne nhuma des tas teorias s e apoia sobre s ério fundame nto histórico. Evide ntemente, aos olhos dos prime iros cristãos, Pedro é uma te s te munha decis iva da Res s urre ição do Senhor. Se u tes temunho parece , sem dúvida ne nhuma, ainda mais apre ciado do que o dos outros apóstolos. Enumerando, contra os que ne gavam a res surre ição, as mais importantes testemunhas do fato, Paulo cita Pedro em primeiro lugar, e depois os Doze em bloco (I Cr 15, 5). E’ bom notar que o anjo do túmulo, s e gundo s ão Marcos (16, 7 ), e ncarre ga as mulheres de dizere m “aos discí pulos e a Pe dro” que Jes ús os prece derána Galiléia. Tambe m Marcos, pois, distingue, bem expressamente, Pedro e seu teste munho dos outros dis cí pulos. Em nenhuma parte , porém, como obse rva com razão Katte nbus ch (5 ), ve mos, porventura, que Pedro tenha sido o primeiro a quem o Senhor ressuscitado apareceu. Nada existe, igualmente, que seja bastante a fazernos suspeitar que os primeiros dis cí pulos e a prime ira comunidade te nham fundado s ua fé na re s surre ição unicame nte s obre o te s te munho de Pe dro, ou estivessem persuadidos de que sua fédependia da féde Pe dro. As narrativas da Res s urre ição, principalme nte a s e gundo s ão P aulo, preocupams e s obre tudo com citar 4) F. He i l e r , Op. cit., p. 49. 5 ) K a t t e n b u s c h , Op. c it., p. 326.
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toda uma série de testemunhas da Ress urreição, entre as quais 500 irmãos “ dos quais a maior parte ainda está viva”. Não ésó Pedro, mas, sim, o conjunto dos discí pulos que se nos apresenta como testemunha e penhor da Res s urre ição. E ’ sobre este te ste munho global que s e apoia o acontecimento de Pentecostes. Se o testemunho de Pedro tem um valor especial, se éo mesmo invocado antes do te ste munho dos Doze , não éporque te nha s ido Pe dro a única ve rdadeira, ou a primeira te s te munha autêntica da Res surreição, mas , sim, porque a sua palavra, aos olhos da comunidade primitiva, tinha peso maior do que a dos outros dis cí pulos, porque ele tinha mais vivo relevo. Em outros termos: a pre e minência de Pedro não se explica pe la prioridade de s ua fé na Res s urre ição; pelo contrário, é a s ua pre e minência, já admitida, que e xplica o valor partic ularí s s imo atr ibuí do às ua féna Res s urreição. A importânc ia especial que se deu ao te ste munho de Pe dro, a menção que, àparte dos Doze, lhe fazem Marcos e Paulo, visivel mesmo em Lucas (24, 34), força o his toriador a pensar que, desde antes da Re s s urre ição, deve algo ter conferido a Pedro particular relevo. E’ o que teria dado ao seu teste munho um valor, não exclusivo, porém pre ponderante . Poderemos encontrar, acaso, o momento a que essa preeminência re monta? O e vange lista s ão Mate us conservounos uma narrativa que por si s ómuito bem explica a pre eminência de Pe dro na comunidade primitiva, e o valor especial que ao seu testemunho se reconheceu. Era nos arre dore s de Ces aréia de Fe lipe , ao s ul do Hermon, em face dos possantes rochedos a pique das nascentes do Jordão. O S e nhor fez aos dis cí pulos es ta pe rg unta: “ E vós , quem crêdes que eu s e ja?" A que Si mão P e dro re s pondeu: “ Tu és o Cris to, o F ilho de Deus vivo” . F oi e ntão que Je s ús tornou: “ Fe liz és tu, S imão, filho de Jonas ; porque não foi nem a carne nem o s angue que to revelaram, porém meu P ai, que es tá no céu. E eu te digo: Tu cs Pedro (o rochedo), e sobre esta pedra e rguere i a minha Ig re ja, e as portas do inferno não prevalecerão contra e la. E te dare i as chaves do re ino dos céus. E tudo o que ligare s na terra se ráligado no
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céu, e tudo o que des ligare s na te rra seráno céu de s ligado" (Mt 16, 15 ). — Do ponto de vista lite rário, temos aí , e videntis s imamente , uma cons trução aramaic a. O jog o de palavras com Képhas (pe dr a) não é possí ve l s e não em arameu. Em grego, fora preciso dizer Petra e Petros. As expressões “ S imão, filho de Jonas ”, “ Portas do infe rno”, “ chaves do re ino dos céus ” , “ ligar e des ligar” e a opos ição e ntre “te rra” e “ céu”, tudo is to pe rte nce àmaneira aramaica. P or isto os e s pecialistas das lí nguas se mí ticas re pelem de cis ivamente a pre te nsão de faze r de s ta pas s age m de s ão Mate us uma inte rpolação acide ntal, romana. Do s imple s ponto de vis ta ling uí s tico, não épos s í ve l. Es ta pas s age m não pode ter s ido es crita se não num meio pales tine nse , judeucris tão. — E ’ ele, porve ntura, autêntico? Examine mos, antes do mais , se ele fazia parte, des de a orige m, do texto de s ão Mate us, ou se foi inte rcalado mais tarde. A coe rência perfe ita da pass age m éevidente, e nada ne la faz pens ar numa eme nda artificial. À confiss ão de Pe dro: “ Tu és o Cris to” , corre s ponde a afirmação do Cris to: “T u és pe dra (roc he do)”. A pe rgunta do mes tre inquirindo a opinião que dele faze m os homens e a e nume ração das idéias inexatas destes últimos pre param com perfe ito s enso ps icológico a respos ta de Pe dro e as fe licitaçõe s que recebe do Se nhor: Os outros home ns s ótêm de mim uma idéia fals a, te rrestre. Mas tu, tu penetras te meu mistério, és bem fe liz .. . Um te ólogo protes tante, B o 11 i g e r (6 ), faz esta obse rvação: “As partes des ta pas s age m de s ão Mate us se pre nde m umas às outras como os membros de um mes mo corpo. Têm o s abor abs olutamente inimitáve l de uma hora his tórica. Me s mo do ponto de vista da forma, a pass age m édas que sóconvêm às grande s pers onage ns, e, mais ainda, sóaos momentos mais solenes de sua vida. Um interpolador não a te ria cons e guido”. Se agora a recolocarmos no conjunto do contexto, com re lação à idéia geral do Evange lho de s ão Mate us , a autenticidade geral da passagem se torna evidente. A inte nção manife s ta deste Evang e lho é, com efe ito, mostrar em Jes ús o Mes s ias profe tizado no Antigo Te s tame nto, ou, 6) B o 11 i g e r, Markus, der Bearbeiter des Math. Evangeliums, 1902, p. 86.
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mais precisamente, o legislador e o doutor que explica o Antigo Testamento em seu mais profundo sentido, e lhe dápleno cumprimento. Seu ensinamento substancial e novo deprecia e substitue o falso ensinamento dos Escribas e Fariseus, que filtram uma mosca e engolem um camelo (Mt 23, 2 4). A te ndência geral de s ão Mate us éanti faris aic a, porém não antijudaic a. O ve rdade iro doutor que pre ga o reino dos céus és óJes ús. E como os dis cí pulos escolhidos por ele devem propagar seu ensinamento re lativo a uma jus tiça me lhor, cons tituem eles um novo colégio de s tinado a e nsinar em lug ar dos cegos e scribas e faris e us. Note mos que a cons tituição de uma nova autoridade religiosa visivel, de um novo corpo ensinante, de uma nova Igreja, destinada a substituir a sinagoga, está na lógica de sta te ndência de s ão Mate us . Natur almente, o dis cí pulo que antes de todos os outros apree nde u o mis tério do reino dos céus e proc lamou a filiação divina, es tá des ignado para ser a pe dra fundame ntal des se novo edifí cio. S eráo Dono da cas a, e o Doutor do re ino, o que te ráde ligar e de s ligar (is to é, de proibir e permitir), não à maneira dos faris e us, mas s e gundo o e s pí rito de Jes ús. A te ndência antifaris aic a de s ão Mate us atinge o seu ponto culminante na fundação de uma nova Ig re ja e na ins tituição de ple no como provido de pode re s plenos . A prome s s a fe ita a Pe dro não ée s tranha à tendência geral do Evange lho. Entra, pe lo contrário, muito bem no plano primitivo do Evangelista. Não se poderia, contudo, s upor que o próprio Evange lista — com o intuito de favore ce r a tendência judaic a antipaulina — tenha e ncontrado os vocábulos “ pe dro” e “chave” para fortalece r a autoridade de Pe dro contra Paulo ou da Igre ja de Je rus além contra as pretensões das comunidade s helení s ticas ? Noss a pass age m s e ria, ne s te cas o, produzida por clérigos jude ucris tãos de Je rus além para podere m opor P e dro a Paulo, ou, me lhor, s eria uma pie dos a invenção do autor e vangélico. — S e ria longo reproduzir aqui a prova, feita de maneira definitiva tanto pelos teólogos protes tantes quanto pelos católicos , de que na Igre ja primitiva não se poderia cogitar de uma oposição, que fosse atéàhostilidade , e ntre Pe dro e P aulo, ou entre a comunidade de Je rus além e a do mundo he le ní s tico. E ’ igualme nte s upérfluo proc urar provar que
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o Evang e lho de s ão Mate us não éde ins pir açção antipau lina. O que par a nós, nes te mome nto, se torna decisivo, é que a palavra es s encial da prome s s a de Jes ús a P e dro, a palavra “ pe dra” , bem antes que s ão Mate us houve s s e composto o se u Evange lho — pouco te mpo antes de 70, ainda antes da ruina de Jerusalém — e ra c onhecida e admitida no cris tianis mo primitivo, e is to não ape nas no mundo judeucris tão, mas tambe m no mundo dos cris tãos conve rtidos do paganis mo. Não s omente s ão Mate us, mas tambe m s ão Marcos (3, 16) e s ão João (1, 42) nos dize m que Pe dro, de começo, se c hamava S inião, e que fora o próprio S e nhor que, antes de todos os mais, lhe de ra o nome de Kephas = Petros = rochedo. Marcos diz igualmente que Je s ús mudou os nomes de T iago e João para os de Boanerge s (3, 17). Não é inutil obs e rvar — como o fe z Holl — que nem o nome de Boanerge s , nem o de Bar nabé deixaram ve s tí gios na Igre ja primitiva, ao pass o que o de Pe dro ( = rochedo) obteve o maior sucesso. Es te cognome de S imão tornouse na Igre ja inte ira se u ve rdade iro nome . S ão Paulo o des igna quasi exclusivamente por esse nome arameu helenizado de Kephas. Na e pí s tola aos gálatas (1, 18; 2, 7, 8 ), dános e le a tradução gre ga de Pe tros ; nas comunidade s hele ní s ticas , s e ráe ste nome Pe tros o utilizado; o de S imão de s apare ce rá completame nte. Cois a tão mais s urpree nde nte , porquanto nem o nome aramaico Kephas, nem o nome grego Pe tros haviam s ido e mpre gados como nomes próprios antes de Cristo. Encontravam, pois, as comunidades cristãs, alg umas deze nas de anos antes que s ão Mate us, particularmente considerado, escrevesse seu Evangelho, pelo menos por volta do ano 35, quando s ão P aulo s e converte u, intere s se em chamar a Simão, não S imão, porém Pe dro. “Todos os crentes deviam saber que ele era pedra” (Kattenbusch). Por que isto? Simplesmente porque a comunidade cris tã primitiva achava nisto clarame nte indicada a s ituação particular de Pe dro na Igre ja, s ituação que ela s abia ter sido expressamente criada por Jes ús mes mo. Em outros termos, a subs tância da noss a pas s age m de s ão Mate us , a de s ignação de S imão como pe dra sobre a qual seráerguida a Igreja e, pois, o estabelecimento da Ig re ja s obre são Pe dro fazia parte do fundo s ólido da tr adição primitiva, mes mo ante s de s ão Paulo.
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Impos s í ve l verse nis to a criação de um cí rculo judaic o es tre ito, animado de te ndências antipaulinas , por volta do fim do prime iro s éculo. — Explicase, as s im, que não s e ja s ó são Mate us , o pre tens o adve rs ário de P aulo, escre vendo para os judeus, a falar de S imão “ P e dra” , mas que tambem o helení s tico Lucas , que se dirig e aos pagãos e depende de Paulo, nos tenha conservado uma express ão do Se nhor, ve rdade ira paráfras e do texto de s ão Mateus: “E o S e nhor disse: “ Simão, S imão! eis que S atanaz vos reclamou para vos joeirar como ao trigo; mas eu roguei por ti afim de que tua fénão de s fale ça; e tu, quando estivere s conve rtido, fortale ce teus irmãos ” (22, 31). Não le mbra o vocábulo fortalecer ( ozt ]q íl ,£iv ) a “pedra” de s ão Mate us ? O pape l pr óprio de S imão seráfazerse o g uardião e o s uste ntáculo da fé nas ce nte. Encontramos as s im, mesmo em s ão Lucas , a voc ação de “ pe dra” . O mes mo acontece e m s ão João: no último capí tulo, escrito no jovem cí rculo dos dis cí pulos do após tolo, Je s ús re s suscitado pe rg unta: “S imão, filho de Jo nas, amasme mais do que e s tes ?” (21, 15). De S imão, o Salvador espera mais amor do que dos outros. E éeste amor mais forte que lhe vale ser o substituto do Pastor mes s iânico: “ Pas ce meus anhos , pasce minhas ovelhas ” . Torçase como s e quiser esta pas s age m, e ela continuará re forçando a impre s s ão de que a cris tandade primitiva conhecia o papel especial de Pedro na Igreja, papel que lhe viera da vontade expressa do Senhor. A passagem de s ão Mate us não está is olada no conjunto da lite ratura e vangélic a. S ua idéia matriz é, pelo contrário, confirmada pelo conjunto da tradição primitiva, ante rior a s ão Mate us e mesmo a são Paulo. E ’ por isto mes mo evidente que não se trata s imples mente de uma pre fe rência pes s oal, de uma espé cie de carisma confe rido a s ão Pe dro, te ndo em vis ta a inte rpre tação da Es critura ou a prédica. Pe dro não éuma pe dra do novo e difí cio da Igre ja, ne m mes mo simplesmente a primeira pedra, éo rochedo, o bloco sobre que re pousa o e difí cio todo. Ligase intimamente com toda a cons tituição í ntima da Ig re ja, não s ome nte com o pode r de ensinar ou a manute nção da fé, mas com toda a ple nitude de v ida que provém des sa fé, que r dizer, s ua dis ciplina, seu culto, s ua organização. Na Ig re ja, não é
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apenas o ensiname nto e a inte rpre tação da Es critura que s obre Pe dro re pous a, porém tudo. Esta plenitude de poder éexpressa ainda mais claramente pe lo S e nhor na me táfora bí blic a das chaves do reino dos céus. Pe dro é o intende nte; e ncontramos outras passagens do Evangelho nas quais se trata de intendente (Mt 24, 45; Lc 12, 42). Sóele tem as chaves da casa e autoridade para velar sobre todo o conjunto da vida da Igre ja. As expressões “ lig ar ” e “ de s ligar ” vão no me s mo s entido. Na lí ng ua rabí nica, na qual e ssas expre s sões s ão tomadas , elas indicam o poder, v álido para o céu, is to é, em face de Deus, e de autorizar e proibir e, consequentemente, o poder, em face de Deus, de julgar decidindo e tomando as me didas ne ce s s árias . E ’ re almente a “ plenitude do poder” , no s e ntido do Conc í lio do Vaticano, que édes crita nessas três image ns, poder de e nsinar e de gove rnar, isto é, o conjunto dos podere s no mais ple no sentido. Como acabámos de ver, a pre e minência de Pe dro não se limitav a ao poder de anunciar a palavra de De us. Mas — che gamos ag ora à ques tão última — não se tratará, e m tudo is so, de privilégios pessoais de s ão P e dro? Convirá, porve ntura, aplicarse a pas s age m de s ão Mate us e a c onvicção da Igre ja primitiv a s obre a pre e minência de Pe dro aos s eus sucessores, is to é, ao bis po de Roma? A se considerarem apenas os textos, sem ter em conta a pe s s oa de Je s ús e s uas intenções , a que s tão podia s er re s olvida pe la ne gativa, mas para que m crêem Je s ús e na divindade de s ua mis s ão — e, pois , na duração impre s crití ve l de s eu pens ame nto e de s ua obra — em Je s ús, o S e nhor do futuro — ne nhuma de s uas obras éefêmera, nem nenhuma de suas palavras ésem interesse duradouro. Têm todas um timbre de e te rnidade ; são palavras de vida, de pode r criador, prome s s as que não pass am e nquanto não s ão cumpridas . Es tas re fle xões s ão válidas para a pas s age m de s ão Mate us (16, 18, 19). O que Je s ús fez e dis se ne la para a s ua ge ração e seus dis cí pulos , disseo e fêlo para todos os te mpos até s ua volta. Quando Je s ús diss e: “ Tu és pe dra” , quis dize r, em virtude da conciência que tinha de s ua mis s ão mes s iânica vitorios a, que a s ua pe ss oa e a s ua obra não pas s a-
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riam. Ele próprio, sem dúvida, e s tás uje ito ao poder da morte, “às portas do mundo infe rior”, mas, diante do seu olhar divinohumano, as obs curidades das s ombras da morte se dissipam; a brilhante figura de sua Igreja eterna perce bida na dis tância dos te mpos encheo de júbilo. A c onfis s ão, a proclamação de S imão dálhe a certe za de que este s erápara a s ua Igre ja a “ rocha” imutáve l, cuja inabalavel solidez lhe garante a inabalavel solidez de sua Igre ja. Ela não perece rá, porque s erá fundada s obre a rocha. Haverásempre um “Pedro” vivo, cuja féfortalece ráa de seus irmãos. Jamais — e isto re s s alta das próprias palavras de Jesús — às ua Igre ja faltaráes se fundame nto indispensáve l que ele lhe deu em Ces aréia, porque a s ua cons tituição e s ua duração dele de pe nde m. A duração de s ta função de “ rocha” s e de duz ime diatame nte da virtude vitorios a de s ua conciência me s s iânica. Se Je s ús e s táce rto de que a s ua Igre ja, a mais es sencial das criações de s ua conciência me s s iânica, não s erá jamais abalada pelas “portas do inferno”, éporque a forma primeira pela qual garantiu ele expressa e energicamente ess a duração e aque la inabalave l s olide z, is to é, a função de “rocha ”que Pedro deve exercer, continuaráatéàvolta do Senhor. Exatamente como a primeira, cada uma das ge raçõe s s uce ss ivas terá o seu Pe dro vivo, s ua “ rocha” , que lhe permitirádefrontar vitoriosamente os ataques das “portas do inferno”. Isto éa nossa fé em Je s ús que nolo as s e gura. Mas , pela his tória, sabemos que Pedro, segundo as determinações da Providência, morre u martir e m Roma, e que os bispos de Roma seinpre se c onsideraram, des de tão longe quanto os dados históricos nos pe rmitam re montar, como seus sucessores na séepiscopal. Jamais, em toda a cristandade, nenhuma outra séepiscopal pretendeu atribuir se a suces s ão de s ão P e dro. S eja qual for o de s e nvolvimento his tórico que se pos s a obs ervar no fundame nto teológic o e na de te rminação pre cis a do primado de Roma, há dois fatos que perte nce m ao mais s ólido fundo da tradição c ris tã: — o prime iro éque jamais houve Igre ja católica independe nte de Pe dro, de Roma; e as s im, desde o começo, a conciência católic a cons ide rou neces s idade fundame ntal a união com Pe dro c com a Igre ja romana. — O s e gundo éque, de s de os prime iros s éculos — des-
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de s ão Clemente de Roma e s anto Inácio de Antioquia — tinha a Igre ja de Roma conciência de s ua pre e minência, e que, como “ presidente do amor” (s anto Inác io), como a “Igre ja principal” (s anto Irine u), exerceu uma influência de cis iva, porque cons tituí a a re gra na formação do dogma, da moral e do culto. E ’, pois, para nós, certeza histórica bem c ara — ce rteza que , finalme nte, nos égarantida do ponto de vista religioso e sobrenatural, porque repousa sobre a féno sentido plenamente conciente da obra de Cris to e s obre a pers uasão de que o Cristo vela s obre s ua Igre ja — épara nós certe za his tórica que Pedro continua a viver nos bispos dc Roma. Em nossa comunidade de dis cí pulos, não conhece mos outro Pedro, e homem nenhum conhece outro Pedro. Cremos, por isto, que, no bispo de Roma, temos o Pedro sobre o qual o Cris to, em Ce s aréia, prometeu erigir s ua Igre ja. A luz des ta fé, a palavra de Jesús a Pe dro: “ Tu és Pedra, e sobre esta pedra erguerei minha Igreja”, representa, a um sótempo, uma promessa e uma re alização. Ens inounos a his tória, com efe ito, e nós mesmos todos os dias o vemos, que Pe dro é, foi e será a rocha que s uporta o e difí cio da Igre ja do Cristo, e, com a Ig re ja do Cristo, a féviva no Filho de Deus feito homem. Descobrimos , por aí , o sentido profundo, re ligios o, do fato de ter sido o estabelecimento de Pedro como rocha sobre a qual a Igreja seria erguida, precedido e como que condicionado pe la confiss ão de P e dro: “ Tu és o Cris to, Filho do De us vivo”. Fé em Cris to, Igre ja, Pedro étudo uma s ó coisa. Onde não há Pe dro, onde se denunciou a fide lidade a Pe dro, de s moronou a comunidade da fé, e, com a comunidade da fé, a própria fé em Je s ús Cris to. Sem a rocha, nem Igreja, nem Cristo. E onde estáPe dro, evidentemente, as potências do infe rno inve stem furios ame nte contra a comunidade da fé. Aís altam Márcio, de pois Ário, depois o Renas cimento pag ão e o s éculo 18, depois o Iaicis mo. Mas nós continuamos re unidos no salão do banque te e ucarí s tico, em tomo do nosso Senhor e Mestre. Onde estáPedro, estáo Cristo. Ass im, para nós, católicos , a féno Filho de De us , a fide lidade à Igre ja e a união com Pedro se confundem. Eis por que, não que re ndo separarnos de Cris to, não nos separamos de Pedro.
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Eis também por que nutrimos tranquila, porém fir me e s perança — e s perança que nos foi pos ta no coração pe lo Se nhor em Ce s aréia — : voltará o dia, porque não pode deixar de voltar, em que todos os que procuram o Cristo e ncontrarão de novo Pe dro. H e i l e r (7) de s creve com e moção o s onho arde nte do P as tor angélico. P ara nós não ésomente um s onho, mas uma firme e xpe ctação. No Cristo, foi aberta de uma vez por todas a fonte de vida divina, a vida che ia de graça e de ve rdade. Não pode have r, para os povos como para os indiví duos , vida duradoura, frutuosa, sem que se venha alimentar nesta vida divina primeira. Em noss o Ocidente , não há comunidade de es pí ritos , não há unidade de almas que des sa fonte div ina não tire seus impuls os , s uas as piraçõe s , s uas es peranças . O Cris to ée pe rmanece s e ndo o coração da humanidade , s ua derradeira e única pátria. E ’ s ónele que ela acharáre pouso para s ua alma. E ’ convicção nos s a de que não há par a o Ocide nte outra alte rnativa que não a de des aparece r com a s ua civilização — já se ouve m os profetas do seu fim — ou a de ree rguerse naque le que é noss a vida. E ninguém mais lhe daráa vida de Cris to s e não es ta Igre ja e rg uida s obre Pe dro pelo próprio Cris to, porque sóela recebeu a promessa de que as portas do infe rno não prevale ce rão. Sóela poss ue a garantia da duração, a e la sóperte nce o futuro. A Igre ja, pe la firme unidade e a força da s ua mensage m cris tã, comunicou à humanidade da idade média s ua unidade e s ua força de alma, da mes ma forma por que, na luta dura, ine xoráve l, contra os ins tintos primitivos , pagãos , e contra as pers eguições s empre renasce ntes dos Césare s, havia preservado a e le vação, a pure za e a libe rdade da re ligião cris tã e da moral. S ó ela, na ag itação que separa, de s loca e resseca os es pí ritos no Ocidente, pode criar um ideal comum, suscitar forças re ligiosas que permitam construir, assim como positivas energias morais e um verdadeiro s urto vital. S ó ela éc apaz de renovar os laços partidos com esse grande, esse rico passado de que nossa brilhante cultura ocidental saiu. Quer olhemos para a frente, quer para trás, fora da Igre ja de Pe dro nenhuma unidade dinâmic a interna percebemos, ne nluima história continua 7) F. He i l e r ,
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da e coerente, mas apenas um entre laçamento de e ventos sem fim, convulsões de uni corpo que não mais tem alma. Para viver, temos necessidade da Igreja. Ne m todos, infelizmente, vêem as coisas as s im. Será inteirame nte por culpa s ua? Não deverí amos nós , católicos, dize r tambem o nosso “niea culpa” com relação às espessas nuve ns de pre juí zos e equí vocos que impedem se re conheça a ve rdadeira fis ionomia de nossa Ig re ja? No fundo, essas nuvens que se elevam e envolvem a Esposa do Cris to acas o não virão de s uas imperfeiçõe s, de suas fraquezas, de suas faltas? Quando Deus permitiu que toda uma parte tão importante de s ua Igre ja, na qual se contavam forças espirituais de primeira ordem, de nós se s eparass e, o castigo nã o foi apenas para os que nos de ixaram, foi tambem para nós. E esse cas tigo que Deus permitiu deve ser, como tudo que ele permite, uma salutar adve rtência, deve faze r com que nos reconce ntremos em nós mesmos e nos penitenciemos. Este es pí rito de Jesus que se objetiva, por assim dizer, na sua Igreja, cada um de nós deve esforçarse por fazêlo pe netrar em si me s mo; e s pí rito, antes de tudo, de amor e de frate rnidade , de re tidão e verdade (8 ). Então Deus não de ixará — sem dúvida após longos des vios e através de penosas crises interiores — de faze r com que de novo todos nos encontremos, e voltemos, na comunhão inte rior com os nossos irmãos , a ser um só re banho s ob um só Pas tor. Cumprirseá , então, a prece ardente que Je sús elevou ao Pai antes de se entregar àmorte: “Rogo por todos os que me confiaste, afim de que sejam um, como tu, meu Pai, és em mim, e eu em ti. Que eles s e jam utn em nós , afim de que o mundo creia que tu me e nvias te!” (Jo 17, 20). 8) E ’ nes te s e ntido que Santo Agos tinho e xorta os s e us fiéis: habete igitur pacem, fratres. Si vultis ad illam trahere ceteros, primi illam habete, primi illam tenete (Sermo 357, 3).
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A comunhão dos Santos Quando um me mbro é glorificado, todos os outros membros participam da sua alegria (1 Cor 12, 26).
O P apa e os Bis pos cons tituem o arc abouço do corpo do Cris to no es paço e no tempo. Produzidos por esse possante amor que faz e conserva a unidade do corpo do Cris to, autenticamente es tabelecidos por ins tituição expressa do Senhor, eles preenchem a mais importante função, garantindo a e xis tência do corpo, o bom func ionamento da Igre ja. Este serviço de caridade, que as s e gura o funcioname nto normal do organis mo, não absorve , contudo, a atividade toda do corpo. A Igreja, corpo do Cristo na terra, não ésomente cons tituição hie rárquica, P apado, Episcopado: “Se fossem todos um sómembro, onde estaria o corpo? Há, pois, vários membros , mas um só corpo” (1 Cr 12, 19). E ’ por Aquele que é a cabeça, o Cristo, “que todo o corpo écoordenado, unindose pelo laço dos me mbros que se pre s tam mútuo s ocorro e que operam, cada um segundo a sua medida de atividade, crescendo na caridade e nela se ape rfe içoando” (E f 4, 16). Há, para os membros , funçõe s nume ros as . Acompanhe mos o pe nsamento do após tolo, dize ndo me s mo que cada um dos que, pela fée a caridade, pertencem ao corpo do Cris to, tem a s ua função partic ular a cumprir. “ Ass im como nós te mos vários membros num sócorpo, s endo que cada um dele s tem uma função dife re nte , tambe m nós, que somos muitos , não cons tituí mos s enão um s ó corpo no Cristo, cada um por si, somos todos membros uns dos outros e te mos dons diferentes , s e gundo a graça que nos foi conce dida” (Rm 12, 4). Cada uma des sas funçõe s te m a s ua importânc ia para o bem e o bom funcioname nto do corpo. Nenhum dom existe que seja concedido exclu A e s s ência — 7
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s ivame nte para o bem do intere s sado, nenhuma graç a que não perte nça a todos . " S e o pé dissesse: vis to que não s ou a mão, não perte nço ao corpo, de ixaria por isto, acaso, de pertencer ao corpo? E se a orelha dissesse: pois que não sou o olho, não pe rte nço ao corpo, porventura de ixaria de pertencer ao corpo por is s o ?.. .” (1 Cr 12, 15). E ’ pre cis amente nesta estreita re lação para coin todo o organismo, nes te carater de s olidarie dade de cada uma das funçõe s da vida cris tã, que encontra Cí da um seu verdadeiro papel no interior do corpo do Criso. Todos os membros s ão igualmente nece ssários ao corpo do Cristo, embora de pontos de vista diferentes. Uns, como o P apa e os Bis pos , lhe constitue m o arcabouço, e lhe dão a forma e xte rior, outros faze mno viver interiormente, provendoo de vigor. Deste ponto de vis ta não se pode ria falar de hie rarquia de dons. “A cabeça não pede dizer aos pés: não precis o de vós. Os membros que miis fracos parece m, s ão os mais ne ces s ários (1 Cr 12, 21). Embora, para quem olhe de fora, a atividade de orgios como o Papado e o Episcopado impressione mais na história da Igre ja, quem sabe se, para a s ua vida interior, para a e dificação do Cris to total e m sua plenitude , ná o será muito mais importante a pobreza jubilosa de un Francis co de Assis, as vigí lias de um Inácio de Loiola, a caridade para com os pobres e doentes de um Francisco de Paula? E ’ des ta ação dos membros “ mais fracos ” e m vista da e dificação do corpo do Cris to que vamos falar na presente conferência. Dire mos em que s e ntido e em que medida, não apenas os Bis pos e o Papa, mas tambe m os outros fiéis contribue m para formar o corpo de Crisu, e de c omo os “dons ” particulare s dos s imples fiéis aproveitam ao conjunto do corpo. E ’ o dog ma da comunhão dos s antos . Por comttnhio dos santos e ntende a Igre ja, antes de nada mais , a o> munhão de e s pí rito e de bens entre os santos da terra, isto é, e ntre os que, pe la fée a caridade , se incorpon ram s ob a mes ma cabe ça, o Cris to. Ente nde tambe m por isso a união vital de todos os fiéis de Cris to com todas as almas que de ixaram este mundo na caridade do Cris ü, que r já s e jam be mave nturadas e contemplem seu Dets no e s tado de glória, quer ainda se purifique m à espeia
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des ta be mave nturada vis ão. E ’ o mundo de todos os que foram re s gatados no Cris to e que, nos dive rs os e s tádios de seu desenvolvimento, Igr e ja militante , pade ce nte e triunfante, pertencem àmes ma famí lia, ou, antes , ao mes mo corpo, s ob a me s ma cabeça, da qual toda graça decorre , Je s ús Cristo. A Igreja militante. — E ’ no s ilêncio, e não com grandes gritos e grandes gestos, que na terra lutam os “Santos” de Cris to, “o povo santo” (1 P d 2, 9 ). Lutam, não contra os homens, mas contra o pecado; lutam para alcançar aquela pérola única, aque le te souro ines timáve l. Sua fis ionomia, achamola e s boçada, e m alg uns poucos traços concis os, e xpressivos , no Se rmão da Montanha. São os “pobres de e s pí rito” , os peque nos no Es tado, na Igre ja, na sociedade, os injustiçados, aque les para os quais se não olha, os que cumpre m sem ruido se u obs curo deve r quotidiano e se s urpre e nde m a mais não pode r de que o De us de toda maje s tade se digne vir até eles. S ão os “mansos”, que jamais murmuram contra a vida, e a aceitam s empre s orride ntemente, tal como De us lha dá. S ão “os que choram”, dizendo a Deus, a gemer, em suas noites s olitárias : Se nhor, seja fe ita a voss a vontade , e não a minha! — e que chegam atéa dize r a De us, com o coração jubilos o, obr ig ado! por haverlhes pe rmitido que carreguem a cruz com Je s ús . S ão “ os que têm fome e sede de jus tiça”, longe de se contentare m com uma v ida cômoda de pie dade e com uma virtude s atis fe ita, têm se mpre, no fundo do c oração, o tormento doloros o de s ua indignidade e pe la vida toda se es forçam por elevarse pela graça mise ricordios a do S alvador. S ão os “ mise ricordiosos ”, para os quais as misérias dos outros s ão também suas, que não te mem pass ar pelos caminhos mais penosos e perigosos, através da ve rgonha e da lama, para a bus ca de seu irmão neces s itado, e que se não de ixam chocar por ne nhuma ne gativa. S ão “os coraçõe s puros ” , es ses homens de alma de criança, incapaze s de malí cia, bons, claros, para quem a vida éum dia ensolarado e que dize m com s implic idade do fundo do coração: Abba, P ai! S ão os " pací ficos ” , os que trazem a paz, os home ns animados do Es pí rito de De us, almas re colhidas , sempre iguais, que irradiam a paz e a calma, como templos de Deus, diante dos quais o es pí rito de dis córdia se cala, 7«
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e nve rgonhado de si mes mo. S ão, e nfim, os que, “ por causa da justiça” , “por caus a de le” , s ofrem pers e guição, almas de apóstolos , trabalhadore s infatigave is do campo do Senhor, e que, pela palavra e a pena, pelo ensino e pelo exemplo, “a tempo e a contratempo” (2 Tm 4, 2) dão te ste munho da verdade. Não têm em vis ta seu interesse pessoal, nem o reconhecimento do mundo, nem as honras da Igre ja. S ó têm em vis ta as almas . P or isto, o mais das vezes não colhem s enão humilhaçõe s , pers eguiçõe s e ódio. Porque excitam particularmente a luta dos es pí ritos com o s orris o e o s arcas mo dos s ábios des te mundo. A Igreja padecente. — O homem — éum dogma cla rí s s imamente contido no acervo da re velação — não pode produzir frutos para a vida eterna se nã o na vida pre sente: “T rabalhai e nquanto é dia, porque cairá a noite durante a qual não se pode trabalhar” (Jo 9, 4; cf. 1 Cr 15, 24). S ó nes ta te rra éque o bom pão, como o ruim, ge rmina e brota. P ar a além, éo tempo da colheita. P ara além, não há mais obras “me ritórias ” , nada mais que possa fazer o homem galgar um sógrau no merecimento e na g lória. Compare cendo diante de De us no juiz o partic ular, ele se vê, pelo próprio te ste munho de s ua con ciência, c las s ificado de finitivame nte entre os abe nçoados ou entre os malditos pelo Pai celeste. De maneira definitiv a, conserva a alma, aí , os traços que a si mes ma se deu durante sua vida terrena, pelo modo por que colaborou com De us àluz da graça e das exigências de s ua con ciência. — A doutrina católica s obre a Igre ja padece nte nada te m de comum com aque la conce pção platônica e origênica, de fonte orie ntal, se gundo a qual, depois da morte , c ome ça para todas as almas um novo pe rí odo de des e nvolvimento. — De outro lado, éde fécatólica que uma alma, mes mo em estado de g raça, não éimediatamente admitida na be atitude, na visão de Deus. A graça s antificante dá dire ito, éclaro, à poss essão de De us, já éme s mo, e m ge rme, a partic ipação àvida de De us. Segundo a doutrina católica, a jus tific ação não se obtém por s imple s atribuição dos mere cimentos do Cristo, por uma e s pécie de re ve s timento exterior de sua jus tiça, mas, s im, por uma espécie de s urdime nto mise ricordiosí s s imo e gratuito da caridade criadora de Cristo, em nós, pela apa-
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rição s obre natural, em nós, de uma vontade nova no s entido de tudo o que ébom e s anto. P or isto mes mo, élhe essencial este surto para a pe rfe ição e a santidade , e s ó na santidade a alma pode atingir o repouso. O santo, no s entido estrito, não éo que pos sue s imples me nte a gr aça s antificante , mas, sim, o que, na s ua vida, deixou que seguisse e s ta graça o se u livre curs o, isto é, o que, s ob o excitante influxo desta força s obre natural, chegou a matar em si mes mo todo mal — inclusive os mais secretos pens ame ntos, as mais flebeis inclinaçõe s — e a faze r com que dominass e ple name nte o bem; numa palavra, é o homem puro, perfeito. Sóo homem completamente penetrado do amor de De us e do próximo até aos mais recônditos des vãos do seu se r, o home m glorific ado, ve rá Deus. Existe es te homem na terra? “Que m poderá manter se diante de Deus, o Deus santo?" (1 Rs 6, 20). A história, sem dúvida, dátes te munho de que a De us aprouve manife s tar algumas vezes seu poder através da fraqueza humana. Houve e ainda hásantos que, desde esta vida, parecem ter che gado à plenitude da vida de Cristo, às ve ze s ^ainda crianças , às vezes sóalcançando esse e s plendor de v ida moral pela morte. Mas a experiência ig ualmente nos mostra que, em sua grande maioria, os piedosos fiéis ainda no momento da morte não atingiram e s sa altitude do ide al cris tão, de se “ tornare m perfe itos como o Pai celes te éperfe ito", que o Cris to de nós exige e nos as s inalou em germe no carater da infância. Grande parte dos cris tãos chega àmorte mal tendo re alizado o começo desta vida de união, de dom total a De us, o Be m S upremo, e, pois, longe ainda de seu pleno desenvolvimento, de s ua maturidade . Ao deixare m a terra, não era De us s enhor ainda de todos os des vãos do seu ser; havia ainda neles tantos des ordenados impulsos , tantas opos içõe s à lei moral, c uja malí cia, vale dizer, c uja re s istência a De us pe la ação e pe la omis s ão, não se lhes apre s entava ein plena conciência. F altas que eles mais s ofriam do que cometiam por sua livre vontade, faltas que eram mais o ranço de s ua nature za de s e quilibrada do que a ve rdadeira s ubs tância do seu ser. Chamalhes a te ologia pecados ve niais . De fato, inume ráve is fiéis morre m com pe-
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cados ve niais na conciência. Não pode m, pois, “ pis ar a estrada santa" (cf. Is 35, 8). Podese mes mo crer que , para muitos, a pr ópria morte é que constitue a purific ação derradeira. À me dida que o mundo sensivel e seus perturbantes fantasmas desaparece m, que o penos o abandono, a s olidão abs oluta, s e faze m s entir e os e s magam, à me dida em que a angús tia desse mundo das realidades ultraterrestres e do julgamento que se aproxima desperta neles o sentimento do pecado, mais eles se agarram, com mais viva confiança, a esse De us mise ricordios o. Como a criança que, no sobre s s alto do pesadelo, procura a doce mão da mãe zinha, proc uram eles também e ncontrar a mão se gura de Deus, a vida de s ua vida. S urde , as s im, de seu coração um férvido amor ao Pai, amor que mostra pronto a dar com júbilo a vida, caridade perfeita! Tal fervor de caridade consome todo pe cado, toda mádis pos ição e faz com que des apare ça qualque r pena devida pelo pecado. Entr a a alma imediatamente na alegria do seu Senhor. Mas nem todos os que morre m no Cris to dis põe m de uma graça tal, ou porque s ejam s urpre e ndidos por uma morte s ubitàne a, ou porque não dêem à s ua pre paração a profundidade e a força de vida interior que s upõe e ssa morte aceita com perfeita caridade. Neste caso, se recus amos admitir que es sas almas, que deixam a vida terre na se m ter fe ito uni ato de caridade perfe ita, estão purificadas , de mane ira por ass im dize r mágica, s em colaboração ne nhuma de s ua parte , por uma inte rve nção ime diata da mise ricórdia de De us — onde e s taria a justiça de Deus, que exige que o home m colabore com a sua graça? — Se, de outro lado, s us tentamos que es sas almas, unidas a Deus pelo fundo do seu ser, visto que estão e m e stado de graça, não pode m permanecer e tername nte privadas da vis ão de De us — porque, e ntão, onde e s taria a mis e ricórdia e a bondade de De us ? — énos abs olutame nte nece s s ário admitir que há para es sas almas um meio de se purificarem, mesmo depois da morte. Es ta pos s ibilidade é que pres s upunha Judas Macabe u, quando, e m bem dos heróis tombados no combate contra Górgias , mas que, contravindo às pre scrições da lei mosaica, haviam escondido sob as vestes objetos consagrados prove nientes dos í dolos , mandou ofere ce r “s acrifí cios ex-
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piatórios ” em Je rus além, afim de que , " libe rtos ” de s eus pecados, pudes s em eles partic ipar da “ re s s urre ição” (2 Mac 12, 43). O próprio Jes ús aludia a es ta pos s ibilidade quando prevenia seus ouvintes contra o pecado “que não s eráperdoado nem neste mundo nem no outro” (Mt 12, 32), e quando falava dessa pris ão da qual ninguém pode s air “atéque tenha pag o o último óbulo” (Mt 5, 2 6). E ’( e nfim, es ta pos s ibilidade que tem s ão P aulo diante dos olhos quando fala daquele doutor e pregador que, sobre o fundame nto do Cristo, não e mpre gou, contudo, senão made ira, fe no e palha como mate riais de c ons trução (1 Cr 3, 11 s ). Esse, diz ele, ve rá s ua obra cons umida pelo fogo, mas ele mes mo será s alvo, “como se foss e, porém, através das chamas ” , is to é: não s em pe na ou sofrimento. Por que motivo restringir este ensinamento de s ão Paulo s ó aos pregadores do Evange lho e não o es tender a todos os cristãos, s ejam quais forem, que, sem dúvida, fundam s ua vida sobre o Cristo, mas tantos pecados come te m? Era vis ando es sa s alvação “como através das chamas ” que os primeiros cris tãos , como nolo ensina Te rtuliano e o confirmam nume ros as ins criçõe s cris tãs primitivas , ofere ciam orações , e s molas e, s obre tudo, o s acrifí cio e ucarí s tico pe la paz, o alí vio, o repouso e terno dos defuntos (pax, refrigerium, requies). Apoiada a esta tradição, a Igre ja, nos Concí lios de Lião (1274) (1 ), Flore nça (14381445) (2 ), e Tren to (1563) (3 ), e xplicitamente formulou como dogma de féque existe, depois da morte, um es tado de purificação (purgatorium) e que as almas a ele submetidas podem ser auxiliadas pe la interce s são dos fiéis (cf. Cone. de Tre n to, sess. XXV, de purgat.). Não se trata s enão de uma purificação da alma, de alg o de negativo, a s upre s s ão de pe cados que s ão o re s í duo da impe rfe ição de s ua vida cristãna terra, e de maneira nenhuma de uma elevação pos itiva, de um acrés cimo de seu í ntimo valor. Como, por ocas ião da morte, ce ssa toda pos s ibilidade de decisão pe s s oal, de iniciativa transformadora, de obra meritória, e s ta de s aparição dos pecados da vida terre stre não 1) Cf. D e n z i g e r B a n n w a r t h , n°464. 2) Ibid. n”. 693. 3) Ibid. n". 983.
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pode ter s e não um carater pass ivo e penal. E ’ um s ofrimento que deve s atis faze r (s atis pas s io) e não uma ação positiva (satisfactio). Por isto fala a Igreja das penas purific ante s do purg atório (puenae purgatoriae seu catharte riae ). E ’ que, com efeito, a alma, que não e xpiou s uficientemente pela pe nitência voluntária e jubilos a do coração, aqui na te rra, deve s ofre r, e ntão, as cons equências amargas que a jus tiça de De us faz com que do menor pecado decorram, e isto atéque haja bebido todo o amargor do pecado e inteiramente se despre ndido dele, até que aquilo que e ra fragme ntário e in coativo atinja a plenitude , à perfe ição da caridade do Cris to. Obr a longa e doloros a, “ como através do fog o” ! Háum fogo real? Enquanto estivermos aqui em baixo, s ua í ntima re alidade nos seráde s conhecida. O que muito bem sabemos éque nada tortura mais essas “pobres” almas do que a conciência de es tarem ass im, por s ua culpa, afas tadas da união beatí fic a. Quanto mais s ua vontade alcança des prenderse, pouco a pouco, do s eu estreito e goí s mo, quanto mais o c oração se lhes abre livre mente e sem obs táculo a toda a largue za e pr ofundidade de De us, tanto mais í ntima e viva se lhes torna a dor de es tar longe de Deus. E’ a nostalgia do Pai que atormenta e flage la a pobre alma, como por meio de inflamados açoites, e tão mais doloros ame nte quanto mais av ançada se e ncontra a purific ação. O que distingue es te e s tado é que nele não há ape nas, como no inferno, castigo e sofrimento, mas, sim, s obre tudo, jubilos a e s perança e ce rteza plena. O ritmo dos sentimentos na vida dessas almas vai da dor que lhes caus a o seu pecado àale gria da e s pe rança do céu. E ’ o que as dis tingue e s s e ncialmente das que “não têm mais e s pe rança” . “Ainda mais alg um te mpo, e seu coração rejubila rá” . Mome nto virá em que não have rá mais, para elas , purg atório, mas ape nas o céu dos bemave nturados. E’ simplesmente uma passagem para o Pai, passagem penosa, sem dúvida, mas , e nfim, pas s age m, na qual não se para e é cheia de radios a e s perança. Cada mome nto aproxima do P ai. O purgatório é como um come ço de primave ra. Já alg uns c álidos raios vêm rapidame nte acariciar os torrões ainda e ndure cidos pela ge ada e acordar aqui e ali uma vida ainda hesitante. Do Cristo, sua ca
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beça, es correm de cada vez mais abundantemente, sobre os me mbros padecentes, graça, força, cons olação. A luz de g lória se e stende s obre um cí rculo de cada vez mais aberto da Igreja padecente. Jánumerosos eleitos despertaram para o grande dia da vida e c antam o cântico novo: “ Salve, noss o De us, que es tá no trono, e o Cordeiro” (Apoc 7, 10). A Igre ja triunfante. — Constante mente chega ao céu, ou diretamente ou depois de haverem passado pelo caminho da purificação da Igre ja s ofre dora, a multidão dos eleitos que se dirige para o Cordeiro e para Aquele que está no trono, para contemplar — não mais como num es pelho ou numa image m — porém face a face , a S antí s s ima Trindade que traz no seio todo o possivel e todo o Ser, que não rece be o Ser de ne nhum outro, ao passo que da plenitude de sua vida desbordante todos os seres haure m existência e força, movimento e beleza, ve rdade e amor. Ninguém láestáque não te nha sido chamado e atraido pela pura e misericordiosa bondade de De us. S ão todos eleitos, desde a Mãe de De us atéo re cemnado que, no momento mesmo da morte, recebeu a graça do batis mo. Libertos de toda e s tre iteza egoista, erguidos acima de toda angús tia terre na, vivem eles, na esfera do amor que a sua pe re grinação aqui em baixo lhes fizera entrever, da vida plena de Deus. E esta éverdade iramente uma vida, não imobilidade , mas ince ss ante movime nto da s e ns ibilidade , do e s pí rito, do coração. Doravante, s em dúvida, não mais podeni mere cer, não mais podem dar frutos para o céu, porque o Reino dos céus aíes tá e a g raça fez a s ua obra, mas a vida da g lória é incomparav elmente mais rica do que a da graça. As extensões e profundidades infinitas do Se r divino pe rmitem àalma procurar e encontrar sempre novos meios de s atisfazer as s uas mais s ecretas as piraçõe s . Novos obje tivos se m ce ssar se apre s entam, novos as petos se de s cobrem, novas fontes de alegria irrompem. Incorporada à s antí s s ima humanidade de Jesús, a alma s e pre nde por laço í ntimo e miste rios o à própria divindade . Sente, por assim dize r, bate r o coração divino, sente a atividade da própria vida divina. Ela aíestá, vive ali onde, s urdindo, murmuram as fontes de toda vida, ali onde todo ser se aclara na Trindade de Deus, ali onde a plenitude da for
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ça e da be le za, da paz e da fe licidade se tornou uma realidade presente, um presente eterno. Essa vida dos s antos , des bordante dc ines gotá vel fe cundidade , étambém de multiplic idade e ple nitude incom parave is . O es pí rito de Je sús, s ua cabe ça e seu me diador, se desdobra em toda a variedade de sua riqueza em cada alma, segundo suas capacidades naturais e a vocação que De us lhe deu, na medida e m que e la acolheu e utilizou as intimas s olicitaçõe s da graça. Por esta forma, o Santo, o Servo de Deus, se vêreproduzido em milhares de milhares de formas e variedades. Em suas litanias dos S antos , faz a Igre ja des filar em rápida re vista todo esse mundo do Céu. Do trono da Santí s s ima Trindade à Virge m, Mãe de De us ; des ta, pas s ando pelos coros dos Anjos, à fig ura s olitária do pre gador da penitência, o Batista, o Precursor que preparou o caminho, depois a s. Jos éo P ai nutrí cio, o home m do deve r s ilencioso e da pureza incomparavel. Ao lado dele brilham as figuras dos patriarcas e dos profetas : home ns primitivos, algumas vezes de estranha vida, mas homens de féprofunda, de s anta e s perança e de des ejos ardentes . De pois, de s tacandose no seu fulgor, as testemunhas do cumprimento das prome s s as , os após tolos e os dis cí pulos do Senhor: Pe dro, Paulo, André, Tiago, todos os outros . Tantos nomes, quantos caracteres, temperamentos, papéis particulare s . No entanto, um sóe mesmo amor, uma sójubilosa mens age m! E, ao derredor, que brilhante floração de milhares de campos e de cores : santos mártire s — s antos bispos e confes sores — s antos doutores da Igre ja — s antos s ace rdotes e levitas — s antos re ligios os e s olitários — s antas virge ns e s antas mulheres — numa palavra, todos os s antos . E aque la iniensa multidão que “ ninguém pode contar, de todos os povos e de todas as raças, de todos os paises e de todas as lí nguas . Aí es tão eles, ve s tidos de ves tes brancas , com as palmas nas mãos, diante do trono e diante do Cordeiro” (Apoc 7, 9). Seja qual for a prodigiosa grandeza de todas essas personalidades, cada uma em sua ordem, uma existe que a todas s upera: a única, a Rainha dos Anjos e dos S antos, Maria, a Mãe de De us . Como todas as outras criaturas do céu e da terra, tambe m ela foi tir ada do nada. Uma
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dis tância infinita a s e para do Infinito, do P ai e do F ilho e do Es pí rito S anto. Não háne la i^raça, virtude ou pr iv ilégio que e la não deva ao Divino Ale diador. Em s e u Ser, tanto natural como s obre natural, ela é toda g raça, “c heia de graça” (xe ^aotz(ouií )>i/‘ Lc 1, 2 8 ). Não pode ria haver absurdo e monstruosidade maiores do que fa larse de um fundo polite í s ta do Catolic is mo (4 ) e pro ferirse a blas fêmia de que a Mãe de De us s eria a Di vindade Mãe . Não hámais que um sóDe us , a S antí s s ima Trindade , e tudo o que é criado re s pira no frêmito do seu mis tério. Es s e De us único, porém, é um Deus de vida e de amor. T ão grande e de s bordante é s eu amor que ele se não contenta com o ter feito o home m à s ua image m e s e melhança criadoras , c omunicandolhe a inte ligência e a vontade, livre es ta, do ponto de vis ta natural, e dele fazendo, de certa forma, um ser subsistente. Pe lo dom ine s timáve l da g raça s antificante , is to é, por uma partic ipação incomparave l à s ua naturdza divina e à s ua virtude s antificante , chamao a uma e spécie de colaboração criadora na obra de De us , a uma iniciativa de s alvação no e s tabelecimento do re ino de De us. Es te é o 4) Há anos atr ás, C. O e s t e r r e i c h (Das Weltbild der Ge genwart [ Quadr o do mundo atua l] , 2*. ed.,' 1925, p. 203) de ixava e s capar e s ta afirmação: ‘^O catolicis mo não é menos polite í s ta do que s e m dúvida o foi a re lig ião gre coromana”. De outro lado, c ontudo, o mes mo autor é bastante libe rto de pre juí zos para obs e rv ar “que há no catolic is mo um es pí rito re ligioso e xtraordinariamente profundo”. "S e o compararmos ao protes tantis mo, s ó a ele cabe a g lória da ve rdade ira cultura religios a” . Daí tirav a ele a conclus ão, que lhe pare ce r igoros amente lógica, de que, “pa ra o conjunto dos homens, a forma polite í s ta da r e lig ião ... é incomparave lme nte mais c apaz de excitar o sentimento religioso do que o protestantismo seco e muito mais pobre do ponto de vis ta ps icológico”. De fato, o Deus do catolicismo, exatamente como o do protestantismo, é o Deus Trindade , e es ta fé monote is ta domina não s ome nte toda a dog mátic a católic a, mas ainda todo o culto c atólico, até ao mí nimo ge s to de oração. O que faz a s upe rioridade do catolicis mo s ão o re lev o e a intima s e rie dade que d á ao dogma de um Deus inc ar nado e o fato de fazêlo tomar o mundo no nada o no pecado para eleválo a r e laçõe s que re s ultam de uma re al comunic ação da v ida div ina. O prote s tantis mo, pe lo menos segundo a conc e pção calv inis ta, não pode faze r des aparece r a opos ição e ntre De us e o homem. E ’ o que dá à s ua concepção de De us es se car ate r rí g ido e pobre que Oe s te rre ich obs e rvou.
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s e ntido profundo e a inveros í mil rique za da Rede nção: ela faz com que a criatura racional trans ponha a dis tância infinita e m que a mantinha a s ua abs oluta impotência; tiraa do abis mo da pe rdição, no qual a haviam pre cipitado seus pecados, para ele vála até à fonte de vida divina e tornála as s im capaz — conservandolhe e mbora o carater limitado, es sencial à criatura — de colaborar na obra da Re de nção. Os Anjos , s e gundo a re velação, participaram, à s ua maneira, da obra da criação; mais tarde, trans mitiram a lei a Mois és (GI 3, 19; Hb 2, 2) e assim colaboraram no estabelecimento da Antiga Aliança. Do mes mo modo, a nova c riação e a nova aliança se cumpre m, não sem elas, mas com o concurso dessas mesmas causas segundas, os Anjos e os homens. Assim, em certa medida, a humanidade resgatada entra inteira na corrente das forças s obre naturais de v ida. Não é somente obje to, mas tambe m s uje ito da ação re dentora de De us . Não é.De us s ó, nem o “um” divino ( ev ) s ó, mas o “Um e o Todo” (b> xat nãv ), ou antes: o conjunto dos membros introduzidos na corrente da vida divina pelo Cris to, s ua cabeça, De us agindo e dando frutos em seus santos, éque constitue o verdadeiro reino de onde toda be nção desce. Ainda aqui aparece uma dife re nça es s e ncial entre o Catolicis mo e o Prote s tantis mo. E ’ s empre a s e paração, a dis tinção, o cis ma que caracte riza o prote s tantis mo — não ape nas do ponto de vis ta e cle s iástico, porém mes mo do ponto de vista re ligios o. Ele s epara o saber da fé, a jus tificação da s antificação, a re ligião da moral, a nature za do s obre natural, e trans porta esta s e paração àprópria es fera da atividade de amor e da graça em Deus. S uprimindo toda atividade própria às criaturas em s uas re lações com De us (5 ), e tornando estas incapaze s de todo bem, Lutero desviava de seu verdadeiro sentido as palavras da B í blia que e nsina que Deus age s ozinho. Segundo Lute ro, a mis e ricórdia de Deus se propag a só e unicamente s obre os privile giados . Não existe , para ele, ne nhum acordar de almas pelo s e u amor, nenhuma ju 5) F. X. K i e f 1, Katholische Weltanschauung und modernes Denken (A me tafí s ica ca tólic a e o pe ns ame nto mode rno), 1922, p. 19.
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bilos a e xcitação, ne nhuma colaboração das potências das almas tocadas e de s pertadas pela carí cia de seu amor, nenhuma mistura destas novas riquezas espirituais comunicadas àalma com a plenitude da vida de Deus, nenhum alento do Cristo sobre os seus membros. Sóopera Deus, Es pí rito transcendente, infinito, não o De us que s e apropria da natureza humana e que, por meio dela, age e sofre, resgata e santifica, como por meio de membros seus. P ara o católico, a coisa émuito difere nte. Ele não pode pensar em Deus sem pensar ao mesmo tempo no Deus fe ito home m e e m todos os que, pe la graça s antificante , se lhe unem como membros num sócorpo. O Deus do catolicis mo é o Deus fe ito home m e, precis ame nte por causa disto, o De us dos Anjos e dos S antos, não o De us s olitário, mas o De us da vida ple na e fe cunda, o De us que, por uma verdadeira loucura divina, assume em Si a criação inte ira tomando o homem que a domina, e que, de maneira nova, inaudita, sobrenatural, nele “vive”, nele “se move ” e nele “é” (cf. At 17, 28). E ’ o ponto de vista no qual precisamos colocarnos para apreciar o culto da s anta Virge m e dos Santos na Igre ja católica. Os Santos não são ape nas modelos s ublime s de s ua vida, s ão me mbros vivos e mesmo energias que contribuem para edificar o corpo do Cris to. Têm importânc ia não somente do ponto de vista moral, mas tambein do ponto de vista religios o. S ão, e s s encialmente e por toda a eternidade, como os Após tolos e os Profe tas s obre os quais foram edificados (Ef 2, 20), os cooperadores do Cristo (2 Cr 6, 1), seus servos (Mt 10, 24) e seus paraninfos (Mt 9, 15), seus amigos (Jo 15, 14) e s ua glória (2 Cr 8, 23). Têm eles, todos , uma re lação í ntima, pe rmane nte , uma re lação de re alidade viva com o Cris to total, de maneira que contribuem, c ada um se gundo a s ua função neste organismo sobrenatural, para o bem do corpo inteiro. O que éve rdade iro com re lação aos s antos em ge ral, o é, coin mais forte razão, re lativame nte à Rainha dos s antos, a Mãe de De us , a Virgem Maria. O mis tério da maternidade divina de Maria não compre ende apenas o simples fato do Verbo se haver feito carne e sangue no seu seio e ai as s umido a nature za humana. O católico não se contenta com repetir com alegria a palavra desta mulher, trans portada de admiração, de que nos fala o Evange
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lho: “Beinaventuradas as entranhas que te conduziram, c os peitos que te amamentaram!” O que ele sobretudo entende, e quão mais profundame nte , é a réplica de Je sús: “ Fe lize s os que ouve m a palavra de Deus e a põe m cm prátic a!” (Lc 11, 28). A coope ração de Maria em nossa re de nção e s alvação não és ome nte corporal, deve ser também considerada do ponto de vis ta moral e re ligioso: no s e ntido de que e la consagrou ao s erviço de Deus, tanto quanto isso dela dependia, o melhor do seu ser, e mesmo tudo o que ela era, sendo que, por menor, por infinitame nte pequena que s ejam a ação e o s ofr imento humanos em comparação com a pe rfe ição divina, es se infinitame nte pequeno ela o e ntre gou sem condição e s em reservas às s olicitaçõe s interiores da graça, pre parandose por esta forma para ser o mais sublime instrume nto da redenção divina. Sem dúvida, pouca coisa s abemos de s ua infância, mas no momento em que a Igreja a faz aparecer ela éinundada de luz: “Ave, cheia de g raça, o Se nhor éconvos co; be ndita sois entre as mulheres!” (Lc 1, 28). Jamais um Anjo tinha assim falado de uma criatura, de uma mulher. Hás éculos ve m a Igre ja aprofundando, pela re flexão e pela prece, es ta s audação angélic a; des cobre sempre, nela, novas grande zas de Maria. E, por certo, ainda se não e s gotaram os mis térios que ela contém. À luz des ta mes ma narrativa e vangélica, ve mola bem longe , diante de nós , como aque la que, com um sentimento profundo de sua pequenez (Lc 1, 48, 52, 53 ), mas cheia de uma ale gria e xtática e m seu Salvador, irrompe em trans portes (1, 4 7 ). No fe rvor com que lhe cons agra a virgindade e no entus ias mo do Es pí rito, ela vêe proclama coisas quasi incriveis: “Eis que daqui por diante todas as geraçõe s me proc lamarão bem ave nturada” (1, 48). De uma mane ira única, des de o come ço do Evange lho, ela entrevê s ua força vitorios a, que mudaráa face do mundo. Por isto, chamalhe a Igreja a “ Rainha dos profe tas ” . S abe mos, aliás, que, durante todo o resto de sua vida, ela irmanou sempre com a humildade e a s implicidade a féforte e radios a. Be lém e o Gólg ota marcam o começo e o fim de uma vida de aus te ra re núncia, de he róica abne gação, de comple to “ aniquilame nto” (e xinanitio) na esteira do próprio Jes ús (Fil 2, 7). Ele enterrava de cada vez mais profundamen-
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te e m s ua alma o gládio de que Sime ão fize ra a profe cia (Lc 2, 35) — desde a cena do Te mplo, e m que ela teve, pe la primeira ve z, a impre s s ão terrivel do s acrifí cio que seu amor materno teria de fazer (Lc 2, 49), passando por aquele encontro em Cafarnaum (Mc 3, 33; Mt 12, 48; Lc 8, 21), em qpue ela ouviu estas penosas palavras: “ Quem é minha mãe ?” , até à cruz (Jo 19, 26, 27 ) — aos pés da qual, te ndo, nesses vários encontros, apr ofundado, compreendido, sofrido de cada vez mais, deveria arranc ar esse divino Filho do seu próprio coração e ofe recêlo ao Pai. “ Rainha dos mártire s ” . — S ua fé, porém, e ra tão profunda quanto s ua humildade . “ Ela cons ervava todas as “palavras” ditas a respeito de seu filho, conservavaas no coração” (Lc 2, 19, 51). Tornavase, por e sta forma, a fonte pre cios a e pura da história dos primeiros anos de Je s ús, s ua fiel evange lista, a “Rainha dos e vange listas ” . Esta mes ma fématerna foi mais tarde ocas ião do milagre de Je s ús em Caná, a prime ira manife s tação de sua grandeza entre os homens (Jo 2, 1). E Maria foi também a fe liz te s te munha da última re velação da s ua força no dia de Pe ntecostes (At 1, 14). Ne nhum após tolo conhece ra Jes ús mais intimame nte nem mais completame nte, nem mais fielmente guardara tudo o que ela aprendera. “ Rainha dos após tolos ” . Era este re trato de Maria — de que Lucas e João nos dão alguns traços — que o Senhor tinha em vista quando sublinhou a sua grandeza espiritual: “Felizes os que escutam a palavra de Deus e a põe m em prátic a” (Lc 11, 28). E ’ este ponto de vis ta espiritual que dá à ce na da Anunc iação todo o seu luminos o conteúdo e nos permite compree nde r a his tória da s alvação. T al grande za da pe rs onalidade moral de Maria, toda a firme za de s ua fé e ncontram e xpres s ão na sua resposta ao anjo: "Eis aqui a serva do Senhor, façase e m mim s e gundo a tua palavra” . Não era e ss a uma palavra trivial como cada um de nós pode vir a pronunciar nos encontros da vida, mas uma palavra conciente, saida das profundezas de uma alma pura acima de toda medida terrena, de uma alma verdadeiramente celeste e que a traduzia inteira. Essa palavra era um ato. Verdadeirame nte consagrava se u corpo ao “s erviço de Deus, tal como ele o queria” (cf. Rm 12, 1). E’ o que lhe faz a beatitude. “O “Bemaventurados” que o Senhor pro-
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nuncia para dar sentido verdadeiro ao louvor erguido por aquela mulher do Evange lho, repercute como a réplica voluntária à “B e nção” pronunc iada por Is abe l: “Bem ave nturada és tu, que creste que seriam cumpridas as coisas que te foram ditas da parte do Senhor!” (Lc 1, 45). Neste “Bemaventurada" irrompe a alegria do mundo resgatado, éele o primeiro grito de triunfo da jubilosa mensagem. Vale para Maria mais do que para todas as outras criaturas, porque, mais do que todas as outras, Maria, pelo seu “ fiat" cheio de fé, entrou, contribuiu para a redenção. P or isso tornouse ela para nós “ a P orta do céu". Em parte ne nhuma tão intensamente fulg ura como em Maria o fato maravilhos o de não have r De us, na obra da re denção, trabalhado s ozinho, de ter fe ito com que colaboras s em com ele energias criadas — nos limite s da criatura. Foi, s em dúvida, por pura g raça que pôde Maria marchar nessa via, que, chamada desde toda a eternidade à maternidade divina, be neficiou, desde o começo de s ua exis tência, da obra re dentora do Cris to, e ntrando, assim, na vida, sem o pecado original, imaculada. Também pura graça era aquele devotame nto arde nte , se m re serva, ao S alvador, e a re s olução de permanece r virge m, plantada pelo próprio De us em seu coração, de mane ira que e la “não conhecesse home jn” (Lc 1, 34) e que, virgem das virgens, se tornasse aquela porta fechada “pela qual ninguém deve pas sar, visto que o Se nhor, o De us de Israel, tinha por ela entrado” (cf. Ez 44, 2). A graça de De us, porém, não viole nta: s alvag uar da a libe rdade ; e xige a livre colaboração. Eis por que, por minima que pos sa parece r a parte pes soal de Maria ao lado do incomparáve l ato de amor que vemde Deus, houve , contudo, na trama da obraredentoradevida ao amor de De us , a inserção de algode humano: o “fiat” de Maria. Eis por que o católico eleva Maria acima dos anjos e dos santos (hiperdulia), porque a Deus aprouve confiarlhe pape l efetivo na obra da re denção. Desde s ão Jus tino, não ce s s aram os Padre s de re le mbrar esta importânc ia de Maria na his tória da nos sa re denção e de comparar a s ua ação benéfica àobra ne fas ta da primeira mulhe r. Cons e ntindo na propos ição da serpente, introduziu E va a decadência; Maria, por seu “fiat” à men-
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s age m do anjo, pe rmitiu a re de nção do mundo. Não tem, pois, s ome nte re lações pes s oais com o F ilho de Deus , ne m somente contr ibuiu para a s ua própria s alvação, mas também para a de todos os que foram s alvos pe lo se u Filho. Dando àluz o Salvador, aos que eram salvos por ele éque e la o dava. Por e s ta face ela éa mãe dos cre ntes. O católico não te m apenas um P ai, mas tambe m uma Mãe , no céu. Muito e mbora, como criatura, e s te ja ela a uma dis tânc ia infinita do Pai, s ua graça única aproximaa de De us de mane ira incomparave l e, como Mãe do Redentor, reflete ela a Bondade e a Riqueza de Deus com ardor e ternura que nenhuma outra criatura pode igualar. T udo o que há de força de s e ntime nto ac umulado no voc ábulo “mãe ” se condensa ainda mais quando o católico fala de s ua mãe do céu. E la écomo uma re ve lação de ce rtas profundidade s inefáve is do Ser div ino, de tal maneira de licadas e ternas que não poderiam ser apre e ndidas s enão numa Mãe . Ave, Mar ia! O caminho dos Santos nos conduz da terra ao céu, pas s ando pe lo purgatório. Não é, .aliás, uma via s olitária, éuma marcha complicada na comunidade do corpo do Cris to, um cres cimento e uma floração na ple nitude do Cris to, uma pe rpétua permuta de dons “s e gundo a medida da graça que cabe a cada membro” . Já o dis s emos: dando e recebendo por esta forma, os santos do céu e da te rra têm um pape l ativo, cada um na s ua medida, no conjunto do corpo do Cristo. Quando a Igreja fala da comunhão dos s antos , tem em vis ta antes de nada mais essa ação re cí proca, es ta e fus ão das forças s obre naturais de vida de Jes ús s obre os se us s antos , uns pe los outros, es se comércio, essa permuta sobrenatural de bens, essa s olidarie dade de ação e de vida. Tal comunhão não consiste aliás s imples mente em que cada membro do corpo do Cristo desempenhe fielmente o seu papel em vista do bem geral e por esta forma contribua para o bem da comunidade . S ão P aulo faz e sta obs e rvação: Quando um membro églorificado, todos os membros se rejubilam com ele. Quando um membro sofre, todos com ele s ofrem” . Além desse liame ge ral que re s ulta de c ada um desempenhar normalmente o seu papel, háentre os santos um s e ntime nto de s olidariedade de s uas próprias vidas que faz com que cada um sofra e se rejubile com A CBsè ncla — 8
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os outros e nos outros. Eles s ão perante De us como membros s olidários do Cris to, e não c omo almas mônadas is oladas. Por mais fechado em sua personalidade individual que um santo possa parecer, o que nele circula éa vida de membro do Cris to, isto é, uma vida que perte nce a todos e em todos circula. Embora o e nunciado e xplicito des te dogma do comércio e da permuta sobrenaturais entre todos os santos só em meados do V s éculo te nha sido introduzido no s í mbolo dos apóstolos , já na doutrina de s ão P aulo o e ncontramos . O que o dogma fez foi pre cis ar, ape nas, à luz da mais antig a pr ática da oração c ris tã, em que consis te es sa c omunhão e es sa s olidarie dade de vida s obrenatural. Expondo, a s eguir, as dife re nte s mane iras por que essa solidariedade se exerce, descobriremos a grandeza toda, verdadeiramente universal, digamos: divina mesmo, da conce pção c atólic a: Deus e o homem ligados entre si por um cí rculo vital, de mane ira que De us é“ tudo em todos ” ; mas , de outro lado, diante da maje s tade de De us, cheia de um santo respeito, sabe ela estacar e religiosamente observar os limites que nenhuma criatura, como tal, poderia transpor. Três grande s correntes de vida dão à comunhão dos santos a sua atividade e fecundidade. Da Igreja triunfante parte a torrente do amor que se derrama sobre os membros do Cristo da terra, e dai remonta, numa multidão de pequenos arroios , para os be mave nturados do céu. Permuta semelhante de amor se produz entre os membros da Igreja padecente e da Igreja militante. A terceira corrente pass a através dos me mbros da Igre ja militante da terra e neles produz esses centros fecundos de vida sobrenatural que, continuamente, renovam a vida da comunidade da terra. A fgreja triunfante e a Igreja militante. — Cons istem suas re laçõe s no culto prestado aos Anjos e aos Santos, de um lado, e na sua interces são e na aplicação dos seus méritos, do outro lado. Um dos pontos fundame ntais da prédica cris tã é que s ó a Deus é de vida a adoração. O culto que prestamos aos anjos e aos santos se distingue es s e ncialmente (s pecifice ) da adoração de De us. T al o e nsiname nto que e ncontramos já no Martyrium de são Policarpo, o mais antigo dos documentos que tes temu-
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nham o culto pres tado aos mártire s nos prime iros tempos (17, 3 ), e após, pas s ando por santo Agos tinho e são Je rônimo, os eloquentes advogados do culto aos s antos , em santo Tomaz que, melhor do que ninguém, indicou com pre cis ão o em que consiste o culto dos s antos ; e nfim, depois dele , em todos os te ólogos católicos . A dife re nça entre o culto prestado a Deus e aos santos éa mesma que existe entre o Criador e a criatura. Sóa Deus pertence o devotamento completo de todo o homem, o culto de adoração, esse c ulto e es sa prece nos quais puls a como que um frêmito em pre sença do mis tério divino (cultus latria.*). S óa ele gritamos : “Se nhor, tende piedade de nós !” , porque só ele é o Pe rfeito, o Infinito, o Se nhor. A maje s tade de De us , porém, étão poss ante , tão criadora, que não se reflete ape nas na fis ionomia do seu Primogênito, propagase ainda a todos os que nele se tornaram filhos de Deus. Brilha na pessoa dos eleitos. Amamolos como a ess es milhare s de gotas de rócio nas quais a luz do sol vem coruscar. Honramolos porque neles encontramos a Deus. “ Seu nome vive de ge ração em ge ração. Refe re m os povos a sua sabedoria e a comunidade propaga o seu louvor (Ecli 44, 14). E porque neles encontramos Deus, confiamos em que possam e queiram ajudarnos, porque onde e s táDe us, aíestáo socorro noss o. Eles nos ajudam, não pelos s eus próprios meios, mas pelo poder de Deus e na medida outorgada a uma criatura. Não pode m, vis to is s o, concedernos a glória eterna. A beatitude , com efe ito, a vida nova em De us, não pode vir s e não daquele que épor si mes mo a vida divina, o Deus Salvador. Santo Agostinho fala de um poder de re ssurreição que s óa De us pertence (S e rm. 98, 6). O católico s abe que , pe lo próprio fundo de s ua vida natural e sobrenatural, sóa Deus estápreso e dele sórecebe a vida. Diante da intimidade dessas re lações vitais com Deus, diante des ta zona em que se ope ra a incrí ve l e mis teriosa junção com o infinito, em que o amor divino pe netra o nosso ser e nele constantemente se renova, o Anjo e o Santo estacam. E’ Deus sóque nos resgata e nos comunica a vida. Cabe , porém, aos anjos e aos s antos acompanharem com a sua solicitude caridosa a grande obra de nossa re denção e, pe la s ua interces s ão, trans formar nosso pedido individual de socorro num pe dido s olidário 8*
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do inteiro corpo mis tic o do Cris to. S e m dúvida, De us não prccisa dos santos para conhecer nossas necessidades. E, de uma vez para s empre, se u Filho único, pelo seu s acrifí cio na cruz, mere ceu que s ua mis e ricórdia e s ua graça estejam s empre à noss a dis posição. Mas precis amente porque Je s ús Cris to, o De us feito home m, éo me diador
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dos heróis antigos é o s e ntime nto de profundo re s peito diante da ação dos santos na his tória, diante da manife s tação da divindade s ob uma forma humana, algo, pois , que não é es pecificamente pagão, porém humano e unive rs almente válido. — Na mes ma me dida em que o paganismo, misturando as fronteiras do divino e do humano, se confunde com o polite í smo, s ua influência s obre o desenvolvimento do culto aos santos se manifestou antes no s e ntido de obstálo do que no s e ntido de impulsionálo para a fre nte, pois o que impe diu que o culto dos santos florescesse mais cedo foi precisame nte o medo de favorece r os ins tintos pag ãos . Quando a idéia pagãde De us e o culto do S e nhor se viram s uficientemente arraig ados na conciência re ligiosa das mas s as para que se não mais temesse a confus ão com o culto prestado a simples mortais, estava pronto o terreno para a forma es pecificamente cristãdo culto dos heróis. A interve nção dos santos e m nosso favor se manife s ta s obre tudo pe la sua "interce s s ão” por nós junto de Deus, is to é, pe la particular atitude de caridade com que eles ac ompanham nos s a e xistência aqui e m baixo, e xistência que eles vêem ime diatamente em De us e que lhe recomendam. Com Onias , o pontí fice mas s acrado, e Jere mias, o profeta, “ amigos de s eus irmãos da terra, rogam muito pelo povo e pe la s anta cidade ” (2 Mac 15, 12), a grande comunidade dos santos ora pelos membros do Cristo que penam sobre a terra. Em tal prece da interce s s ão ma nifestase seu ardente desejo de que o nome de Deus seja glorificado e que sua vontade se cumpra na terra. Esse amor a Deus é ativo, é como a as piração dos eleitos. Acompanhando, por as s im dize r, essa re s piração, a Igre s antos é, de um lado, a fé do cre nte em De us que ope ra prodí gios por meio dos seus santos, e, de outro lado, o santo temor em face do “tremendum mysterium”, em face do Deus do qual não ous a aproximarse . O culto popular dos s antos é, pois , fam be m, monote is ta de ins piração. Aliás , não se re s ume nele , como He ile r faz cre r, a piedade popular inteira. De ordinário, o crente se volta para os santos sobretudo quando quer obter algum favor temporal. Para as necessidades de sua alma, que aos olhos de s ua conciência re ligios a s ão os mais importante s , ele se dirig e ime diatame nte a De us, à imitação dos s antos e apoiado em s ua inte rces s ão. Fálo s obre tudo re ce bendo os s ac rame ntos e com o auxí lio des s as de voçõe s privada s que te nde m a des envolver
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ja s empre se re comenda a es sa interce s são. Não pode pens ar naquele que é s ua cabeça sem ao mes mo tempo noine ar os se us membros. Toda a s ua liturgia é uma “ as ce nsão par a a montanha de S ião e para a cidade do De us vivo que é a Je rus além celes te, para os coros dos anjos , para a as s e mbléia dos primogênitos , inscritos nos céus, para Deus que é o juiz de todos, para o e s pí rito dos jus tos que ating iram a pe rfe ição, para Jes ús , o mediador da nova aliança, e para o s angue da as pers ão, que fala mais eloque nteme nte do que o de Abe l” (Hb 12, 22 ). E, antes de tudo mais , a Igre ja se lança, em prece confiante , nos braços de Maria, cons ide rada por todo o mundo católico como a onipotência s uplicante . Já a conciên cia católica nitidame nte reconhece que nenhum batimento de amor do Coração do Salvador escapa às ua divina Mãe e que, como ela é a Mãe do Salvador, é também a Mãe de todas as s uas graças (Maria me diadora). Se Maria éa mãe de todos os crentes e, a esse tí tulo, por todos se interess a, a esfera de influência dos outros s antos depende da importância que eles têm no conjunto do Corpo do Cristo. E’ sobre esta fénum raio particular e num dever especial de caridade dos anjos e dos santos que funda a Igreja seu ensinamento, abundantemente apoiado na Escritura, a respeito dos Anjos da Guarda (Tb 12, 12; Zc 1, 12; Hb I, 14), as s im como a pie dos a crença numa prote ção es pecial dos s antos padroeiros . No s ocorro que dão aos fiéis da terra não se limitam os s antos a interce der pelos mes mos, vão ao ponto de oferecer por eles. Tornaos o amor seus servos, levaos as re laçõe s dire tas dos filhos de De us com o Pai, tais como a de voção ao S antí s s imo S ac rame nto ou ao S agrado Coração. Evidente mente, s e s ão e ss es favores temporais nume rosos e variados, pode acontecer que tenham lugar desmedido na vida des te ou daquele fiel. Ev ita a Igr e ja, contudo, e com razão, restr ing ir a libe rdade dos fiéis em tal s e ntido, afim de não pôr em risc o a pr ópria libe rdade da vida re ligios a nos limites das re alidades sobrenaturais manifestadas pelo dogma, o que comprome te ria a e ficácia da v ida re ligios a. Ne nhum católico é, aliás , obrig ado ao culto dos s antos por ne nhum pre ce ito formal. Obrigao a fé unicamente a reconhecer que “ ébom e util” rec orrer à interc e s s ão dos s antos (Cone. de Trento, Sess. 25).
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a dividir, na me dida do pos sive l, s uas próprias rique zas sobrenaturais com todos os membros do corpo do Cristo que es tão em ne cessidade. Tais rique zas consis tem naqueles mérito, tintos, poderse ia dize r, do sang ue do Cristo, que os s antos acumularam durante a sua pe rmanência na te rra com o ire m ge nerosamente muito além de s uas obrigaçõe s , e spécie de de pós ito formado pe la s upe rabundância do seu amor, de s ua pe nitência. S urdindo da su pe rabundânica dos méritos do Cris to, eles formam, por si, o fundo desse “ tesouro de graças da Igre ja” (thesau rus eccle sia;), desse bem de famí lia, proprie dade de todos os membros do corpo do Cristo e empregado especialmente para auxiliar os me mbros fracos e doentes do Cristo. “Quando um membro sofre, todos os outros membros sofrem com ele”. Quando um me mbro não expiou suficientemente os seus pecados, depois de lhe haver sido remida a pena eterna, restando ainda uma pena “temporal” que a justiça de De us, muito s abiame nte, lhe deixa ainda a e xpiar — quando isto acontece , todos os membros do corpo carregam juntamente o fardo dessa pena e a Igreja, em virtude de seu poder de ligar e desligar, pode suprir ao que falta a um pela riqueza dos outros. Concede “ Indulgências ” , is to é, comple ta a insuficiência das s atis fações do membro fraco pe la ple nitude das s atis façõe s do Cris to e dos s antos. As Indulgências ao mes mo te mpo mos tram a s e riedade da dí vida que devia se r paga “até ao último óbulo” , e s obre tudo o pode r be néfico da c omunhão dos santos, da s atis fação ofe re cida pe los membros fracos. O fundo da doutrina sobre a qual repousam as indulgências — s erie dade da pe nitência s atis fatória, c olaboração de todos os me mbros do Cris to na s atis fação e pleno poder da Igreja para ligar e desligar na terra e no céu — se e ncontra nitidame nte na S ag rada Es critura. Que a forma e mpre gada para a dis tribuição das Indulg ências te nha variado no curso dos s éculos; — des de o s ofrime nto dos antigos mártire s e confessores , que s erviam à re conciliação dos lapsi, e as s atis façõe s pe nitenciais da idade média, até à for ma atual das orações indulger.cia das; — e que daqui por diante devam sofrer outras mudanças ; que o fundame nto dado pe la te ologia às Indulgências s óaos poucos te nha clarame nte apare cido — ninguém pe nsa em contes tar. Mas o que se não pode ria con-
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testar, testar, igualm igualmee nte, é que que o e s s e ncial ncial de de s ta prática tic a faz parte da pura tra tr a diç di ção e v a ngé ng élic a . Nas Indul Ind ulgg ência nc iass , e me lhor lhor do que que e m qualque qualq ue r outr out r a ins i ns tituiç tit uição da Igr Ig r e ja, ja , os membros do corpo de Cristo se encontram num amor que expia em comum. Toda a seriedade e alegria, toda a humildade humildade e abne g ação, todo o amor e fide lidade lida de que animam o corpo do Cristo, nela verdadeiramente se encontram e manifestam. Por isto, tem o Concilio de Trento o direito dire ito de proc pr oclamar lamar que “ a prá pr átic a das das indulgê indulg ências nc ias é muito muito salutar s alutar para par a o povo cris c ris tão” (Se s s . 25, 25 , de de In In dulg.). Fundada sobre verdades que precisam ser explicadas àmas àmasss a dos dos fiéis, is , es e s ta doutrina e ra e c ontinu ontinuaa a s er evie vidente de nteme mente nte s ujeita uje ita a de formaç for mação, as s im como a s ua pr ática éexposta aos abusos, por menos insuficiente que se apres e nte a instr ins truç ução re ligios a ou menos se des de s cuide a autoridade re ligios ligiosaa da s ua vigilâ vig ilância. ncia . S ofre mos mos todos, todos, ainda aind a hoje, hoje , as as cons c onsee quências des de s astros as trosas as dos múltiplos ltiplo s abus os das da s indulg ind ulg ência nc iass no pe rí odo od o ante ant e rior ri or ao a o Conc í lio de T re nto. Mas Mas a melhor me lhor prov pro v a do inde s trutí ve l v alor e s piritual das indulgê indulg ências nc ias éque tais abus abus os não fize fiz e ram ra m com que elas elas de s aparece aparece s s e m, mas s imp imples me nte nte s e rvirviram, como uma uma e s pécie de fog o purificante purifica nte , par pa r a as tortor nar melhor me lhor com c ompre pre e ndidas ndidas e dar darlh lhee s uma uma v ida nova, nova, mais profunda pro funda.. Hoje Hoje , mais do que nunca, nunca, as indulg ências nc ias s e tornara tor naram m uma uma e xcelen xcele nte pr ática tic a em be be m das almas . — T odo c atólico ins truido na s ua fés abe abe muito uito bem be m que que as indulg ências nc ias não abolem abole m os pecados pe cados , mas ape nas a pe pe na te mporal mpora l de vida ao pe cado, e que não atinge m o fundo da vida sobrenatural, mas somente a periferia, o exte rior, rior , e que a conce conc e s s ão de indulgê indulg ências nc ias não é um ato sacramental e sacerdotal, mas, sim, um ato de jurisdiç di ção e c le s iás tica. tic a. U m a obr ob r a indulg ind ulg e ncia nc iada da nã n ão adquire adquir e s e ntido e valor v alor se s e não quando, ao me me s mo tem te mpo, éuma é uma v e r dade da de ira ir a oraç ora ção s e g undo o E s pí rito ri to de De us . S e ria a bus bu s a r da oraç ora ção e lame l ame ntave ntav e lmente lme nte des conhec conhecee rlh rlhee o s e ntido e a es e s s ência que quere re r re citála unicame unicamente nte par a g anhar a indulgê indulgência a e la ligada, liga da, s em faze r de la uma c onve onv e rs a í ntima com De De us. us . Vida nova em e m De De us e, e , por isto is to,, libe r taç ta ção do pe cado ca do e da pe na e terna te rna que que lhe é dev de v ida: tal ta l o fim fi m primeiro prime iro da piedade pie dade c ris tã. Ne Ne nhuma nhuma indulg ênc ia o pode dispe dis pens nsar. ar. O g anho das indulg indulgê ências s upõe nana -
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turalm turalmee nte nte e s s a ne ce s s idad idadee indis indispe pens nsá áve l. E ’ c laro que que , s e m o pe r dão do pe c ado e de de s ua pe na ete e te rna, não se pode ria pe nsar ns ar em e m rem re miss is s ão da pe na te mporal. mporal. A prá pr átic a das indulg indulgê ências ncia s contribue contribue , pe pe lo me nos nos indire indire tamente tame nte,, par pa r a a purific puri fic ação da alma e o de s e nvolvime nvolv imento nto da v ida nova. nov a. Não é, digas dig asee o que s e quis qui s e r , uma ins in s tit ti t uiç ui ção des de s tinada a faze faz e r toda e xterior xterior a vida v ida cris cr is tã: se rve, pe lo concontrá tr ár io, io , a apr ap r ofundá of undála e enrique e nrique c êla: pre pr e mente me nte c hama ha mamento me nto à pe nitência, e s pécie de nece ne ce s s idade idade que nos impele a incorporarnos, primeiro, como membro vivo ao Cristo, Cris to, para pode rmos e s pe rar o s e u auxilio. Como, Como, aliás , as Indulgê Indulg ências nc ias não re mitem ite m pura pur a e s imple imple s mente me nte ao fiel fie l a pena temporal, mas, sim, sóo libertam dela na medida em que que ele con c oncorre corre com s uas próprias obras s atisatis fatórias ria s , orde nadas , com pre cis ão, pe pe la Igre Ig re ja, aos aos me re cimentos do Cris Cris to e dos dos s e us s antos antos,, sã s ão elas de molde molde a s acudir as c onc onc iências re tas, tas , a tornálas mais ate ntas e s ensiveis ensiveis à terrivel terrivel s e rie rie dade ade do pe pe cado cado, ass im como como ao incomparavel tesouro espiritual que se encontra na c omunhão dos membros me mbros do Cris Cris to. A Igreja padecente e a Igreja militante oferecem um novo c onjunto de re r e laçõe s v itais . T e ndo e ntrado ntr ado na noite “na qual qual ninguém mais mais pode pode trabalha tr abalhar” r” , a Igre Ig re ja pade cen ce nte é incapaz de , pe pe los los s e us próprios me ios ios , apre apre s s ar a hora de de s ua entrada e ntrada na g lória; ri a; tem te m nece ne ce s s idade idade do auxí lio li o dos dos outros outr os — is to é, das da s prece pre ce s e sac s ac rifí ri fí c ios (s ufr uf r ág ios ) dos me mbros mbros do Cristo Cris to que e s tão na te te rra e podem ainda tingir no sangue do Cristo suas obras satisfatórias . Guarda Guar da a Igre Ig re ja fie fie lme lme nte nte a palavra palav ra ins pirada pirad a do livro dos Macabeus: “E’ pensamento santo e salutar orar pelos mortos, afim de que eles se libertem de seus pecados” dos ” (2 Mac Mac 12, 43 s ). O s uplicante uplicante gr ito de de s ua liturliturgia: “Senhor, dailhes o repouso eterno, e que a luz indefe ctí ve l se ace nda nda para e les le s !” , já o ouvimos ouvimos nos nos atos atos das s antas P e rpétua e F e licidade lic idade,, de meados me ados do 3o s éc ulo, ulo, e numa multid mul tidã ão de insc ins c riçõe s s e pulcrais pulcr ais dos pripr imeiros me iros s éculos. culos . Enc ontra ontr a ela e la jus tific tif icaç ação nas na s obras obra s dos antigos antig os padre padre s e teó te ólogos, após T e rtuliano. — A teolo te olog ia da Igre Ig re ja gre g re ga cis c is mática es táde táde acordo com a Igre ja lat la t ina in a a re r e s peito pe ito da d a cre cr e nça na e fic fi c ác ia da oraç or ação pelos pe los mortos mor tos . Es E s ta fé f é é, aliá al iás , tão nat na t ura ur a l, tã t ão prof pr ofund undam amee nte nt e e nraizada nraiz ada na e s peranç pe rança, no de de s e jo, jo, no amor amor dos dos hom home ns,
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que que a his tória das re ligiõe s a de de s cobre e m quasi quas i todos os povos civilizados, fora do cristianismo, justificando, uma vez mais, a palavra de Tertuliano segundo a qual a alma humana humana é naturalme naturalme nte cris cr istã tã. — P or is to me s mo, o c atólico faz partic ularme ular me nte ques que s tão de de s ofre r e e xpiar pe las “ pobre pobre s ” almas do purg purgató atório, s obre obre tudo tudo pe pe lo s acrifí c io e ucar uc arí í s tico. tic o. O valor va lor s atis at is fató fa tór io infinit inf inito o do s acri ac rifí c io da cruz c ruz énaq é naque uele le,, com c om efe ito, ito, s acrame ac rame ntalme ntalme nte reproduz pr oduzido ido,, ao a o me me s mo te mpo que os fiéis ne le s ão exe e xerrc itados e atraido atr aidoss ao e s pí rito rit o de s acri ac rifí fí c io. Na me dida da s abedoria abe doria e da mis mis e ricó ric órdia de de De us, us , a Ig Ig re ja pade cen ce nte rece re ceb be , dele, auxí aux í lio e s pecialme pe cialmente nte e ficaz. A papalavra de s ão P aulo s obre obre os me mbros mbros do Cris to que que “ devem cuidar uns dos outros” (1 Cr 12, 25), em coisa nenhuma nhuma e ncontra, ncontra, como nos nos s ufrág ios da Igre Igr e ja pelos de funtos , todo t odo o se u se s e ntido e aplic ação. Quand ua ndo o a Ig re ja, na liturg litur g ia da miss mis s a, em e m pre pre s e nç a do corpo s ag agrr ado do Cris to, e com c omo o que que e m pre pre s e nça de toda a Igre Igr e ja triun tr iunfante , la l a nça par pa r a o céu este es te g rito: rit o: “ Lemb Le mbraivos raivos tamta mbém, S e nhor, nhor, de vos vos s os s ervos e s e rv as . . . que que nos prepre cederam com o sinal da fée repousam no sono da paz”, o céu e a te rra ve rdade rdade irame irame nte se s audam; Ig Ig re ja glorificada, rific ada, pade pade ce nte e militante v e rdadeirame rdade iramente nte se s e dão o ‘ beijo da paz ” ; o Cris to “total” ve rdadeiram rdadeiramee nte ce lebra lebra com todos todos os s eus me mbros os ce les tes ágape s , a lem le mbranç br ança de s s e laço de c aridade ar idade que os une a todos no s ofrimento como na alegria. Às múltip lt ipla lass re laçõe s v itais ita is que une m a Igr Ig r e ja do cé c éu à da te te rra, corre corress pond onde , s ó que de mane mane ira me me nos co c ompleta e menos fecunda, a c omunhão de amor am or e de v ida dos membros do Cristo entre si na terra. A A ela éque tinham e m vis ta de come come ço os P adres adre s , quando, de pois pois de Nice tas, tas , bis po de Re me s iana, no princ pr incí í pio do V s éc ulo, ulo, fala fa lavv am da c omunhão dos s antos antos , e étamb éta mbee m de la que nos fala fa la s ão P a ulo. ulo . Mis Mis tério ri o da v ida inte r ior da d a Igr Ig r e ja, ja , do comé c omérc io í ntimo nti mo dos do s s e us membros me mbros , das da s re laçõe s de pe r muta de s uas funçõe s e de s ua dignida dig nidade de , processas de crescimento me nto org or g ânico nic o da comunh c omunhã ão do Cris to e m um “ T e mplo s anto an to no S e nhor” nhor ” , e m “ uma habi ha bita taç ção de De us no Es E s pí rito” (Ef 2, 21). O fundame funda me nto des s e comé c omércio, rc io, de de s s e inte i nte rc âmbio de de cac aridade rida de e ntre ntre os memb me mbros ros do Cris Cris to, é a s ua comunhã comunhão
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com o s ace ac e rdóc io do Cristo, Cris to, s ua ca c abe ça. Não há, na n a Ig r e ja , se s e não um um só s ace ac e rdócio, ci o, o do Home Home mDe mDe us, us , que nos re s gatou pe pe la s ua vida, vida, particular par ticularme mente nte pelo pe lo seu s eu s ac rifí c io no Calv Cal v ár io. Ma s e s s e s ace ac e r dóc io invis inv is í v e l te m nece ne ce s s idade idade de ins ins trum trume ntos tos , de orgã org ãos visiveis vis iveis àIgre àIg re ja da terra, ra , para pa ra dis tribuir tr ibuir a gra g raç ça bené be néfica fic a do Cris to por meio me io de signo s ignoss s e ns í veis: ve is: a palav pala v ra e os s acramento acrame ntoss . P or isto is to,, des de s de o com c omee ço, há h á na Ig r e ja um s ace ac e r dóc io vis v isí í ve l, que, que , aliás , s ó a pouco pouco e pou pouco co se s e reve re velo lou u em toda a s ua nitinit idez à conciência cristã cris tã. Des De s de que a santa s anta Eucar Euc aris is tia se celebrava, que os pecados eram perdoados, que a graça do Cris to e ra dis d is tribu tr ibuí í da por me ios s e nsí ns í ve is, is , é por po r que que as causas instrum ins trumee ntais inte rvinh rv inham am — pres pre s bí teros te ros ou padres, Presidentes, Vigilantes (Episcopos, Bispos). O sace s ace rdócio vis ivel ive l éa prov a s e nsí ve l de que a vida v ida e a ção do Cris to c ontin ont inua uam m na n a te t e rra. rr a. P or mais mais variados e múltiplos que te nham s ido ido e s ej a m os nomes nome s e funçõe s , não há, no e ntan nt antto, mais ma is do que q ue um um sac s acee rdócio, ci o, porque por que o s ace ac e r dóc io do Cris Cri s to é único. nic o. O que que há s e mpre é ape nas o anúncio nc io e a tr t r ans mis s ão s e nsí ns í ve l da d a gr g r a ça do único nic o P ont on t í f ic e . O s ac e r dóc io vis v is ive iv e l ne m por por isto is to deixa de ixa de de ter te r a s ua caracte cara cte rí s tica e s s e ncial ncial — que o difere difere ncia do do laicato — na mane mane ira es pe cial por por que s ão incorporados ao s ace ac e rdócio de Cris to os que se acham reve re vess tido tidos do s ace rdócio, que que ro dize r, pelo pe lo pode pode r que têm de de dis tribuir tr ibuir a gra g ra ça por meio me io dos s acra ac rame mentos ntos . Deste ponto de vista, a Igreja nitidamente distingue o s ace ac e rdóc io dos leigos le igos.. Não s ão, ali a liá ás , radic ra dical alme me nte dis tintos um do outro, dado que têm por funda f undame me nto c omum o s ace rdócio do Cris to. Um U m c onhe onhe cime nto exato ex ato da doutrina da Igreja sobre o carater sacramental sacramental esclarecerátal ponto. Um dos mais mais profund profundos os e nsin ns inam amee ntos ntos da Ig re ja cató c atólica lic a é o de que que o cris tão não se liga lig a ao Cris to ape nas pelo laço, purame purame nte pe s s oal, re ligioso ligios o e moral, que a fée fé e a caridade ca ridade e s tabele ce m. Além des de s s e laço, outro outr o e xisxis te, impe impess s oal, purame puramente nte obje tivo, tiv o, do c ris tão com o s e u Salvador, o Cristo. Por ele, independentemente de sua v ida pe pe s s oal na graç g raça, é o cris c ris tão cons c ons ag agra rado do a Cris to de maneira permanente, definitiva, e de uma vez para s e mpre pre incorporado incor porado ao s e u s ace rdócio. P or me me io de de le se se e s tabe tabe lece le ce o fundame nto imutáv e l do culto, que que permi
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firáo intercâmbio pes s oal de amor e ntn o Cris to e s eus membros . As re lações de cada alma coit Cris to, mesmo no que nelas há de mais í ntimo, de miis de licado, mo vemse num conjunto de dis pos içõe s invaiiaveis, numa forma fixa. Todo livre movime nto das força da nature za s e apoia sobre as leis rí gidas , invariave is, di ess ência e das propriedades dos seres; de maneira gral, o jogo das forças s ubjetivas s upõe as leis fixas do nundo s ubje tivo; assim, no mundo sobrenatural toda ativdade de vida e graça pessoal s upõe alg o de fixo, relaçí ts e dis pos içõe s ulteriores permanentes. Aídeparasenos, uma vez mais, o gosto do catolicis mo pelo dado objeivo, por formas firmes. Desse dog ma fundame ntal resulta, em última análise, que é, não o homem das re alidade naturais e s obre naturais , que é, não de baixo, mas dcalto que a nova orde m de cois as vem e que , no domí nic re ligios o, trata se de dados s obre naturais que o homemlem, não a propor, mas simples me nte a receber. As sim :omo s õ De us é a “forma” ete rna de todo Se r, tambe m o Cristo, a cabeça, é a for ma e terna do seu corpo mí s tic o,: éde s ta forma eterna que, pe los sacrame ntos — e, poi, independe ntemente do homem — rece be o corpo do Cisto a s ua forma de te rminada, s ua cons tituição inte rna, feia organização dos s acramentos é que o homem é posb em condições de partic ipar da vida da g raça que assin lhe écomunicada. Três s acrame ntos indicam definitivanuite ao fiel seu lug ar no corpo de Cris to, suas re lações findamentais com o conjunto do corpo do Cristo e por j so mesmo com o s ace rdócio do Cris to, que estána bas e :e tudo e a tudo^ anima: o Batismo, a Confirmação e a fadem. Cada um destes s acrame ntos énão s omente produttr de graça, mas além dis s o comunica à alma uma certa lisposição cultural pe rmanente que faz com que ele partJpe do sace rdócio do s umo pontí fice , Cris to, numa mecda que depende da natureza do sacramento, mas de maieira permanente e indelevel (caracter inde le bilis), me s m que — como entre os réprobos — essa re lação impess)al e purame nte obje tiva com o Cris to não deva jamais sr acompanhada de re laçõe s s ubje tivas e pe ssoais de gnç a e de glória. O mais e le vado grau de ssa participaçã) no sace rdócio do Cris to e s táno s acramento da Ordem. Confe re ele, de
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mane ira ir a incoe rcí rc í ve l, a apt a ptid idã ão e o pode r de c omunicar omunic ar larguis s imame imament ntee aos aos fiéis, is , pe la palavra palavr a e pe los los s acramentos me ntos,, os bene be nefí fí c ios da re denç de nção. P e lo car c arat atee r do s acraac ramento me nto da orde m, o cris cr is tão éc éc onsag ons agrado rado “ s e rvo do Cris to” , no pleno ple no s e ntido do v ocá oc ábulo e, por se s e r a Igre Ig re ja o Cris Cris to vivo na terra, “Servo da Igreja”. No Papa e nos Bispos atinge a unidade exterior dos membros do Cristo a sua perfe pe rfe ição, ao pas s o que que no padre padr e o que que s e ve r ifica ific a éa éa unidade interior, sacramental, a unidade de seus poderes e de s uas g raç ra ças . O “s ace rdócio” con c onfe fe rido pe pe los los s acrame acr amentos ntos do batis batis mo e da c onfi nf ir ma ção não éne m tã t ão í ntimo ne m tão e xte ns o, por isso iss o que difere ifer e e s s e ncialme cialme nte nte do s ace rdócio propriapropr iamente dito. dito. Não es e s tab tabe lece num num es e s tado tado e s pecial pec ial de de “ s e rvo” do c orpo orpo de Cris to como c omo o s ace ac e rdóc io no se s e ntido ntido e s trito. trito. Lim Limita itas e a re s tritos tritos pod podee res re s s ace rdotais rdotais.. Con Conss ti tue, no e ntanto, um um sac s acee rdóc io ve rdadeiro rdade iro porque porque , como toda tod a orde nação sace s ace rdotal propriame propr iame nte dita, dit a, faz fa z partic par tic ipar pa r do único nic o e só s ó s ace ac e rdócio ci o do Cris to ( 7 ) . T odo bati ba tiss mo é, a um s ó te mpo, orde or de naç na ção ao s ace ac e rdóc io do Cris to, porque porque o batiz bat izado ado ése és e parado par ado do mundo profano, consagrado ao Cristo e ordenado em vista do c umprime umpr ime nto dos atos de r e ligiã lig ião que e xig e a voc vo c ação de filho de De us. us . O carate r impre s s o pe la c onfir onf irma maç ção e leva le va de de um gra g rau u esse es se s ace rdócio, faz e ndò do c ris tão um ope rário ri o ativ o do te mplo de de De us e um apó a pós tolo tol o que “ mos tra tr a o E s pí r ito it o e a for fo r ça ” . A mane ira ir a por p or que que o CatoCatolicis lic is mo compre compre e nde nde o s ace rdócio leigo le igo não é mais do que que uma uma e xplicaç xplic ação da me nsag ns agee m primitiv pr imitivaa s obre obre o s ace rdóc io unive rs al. Ouça mos e m todo o se s e u fre s c or e for fo r ça primitivos primitiv os o tão belo be lo e grandi gr andios os o e ns iname nto de s ão P e dro: dr o: “Vó “ Vós , poré por ém, vó v ós s ois uma raç ra ça e s c olhida, olhi da, um s ace ac e rdóc io re al, uma s anta ant a naç na ção, um povo que De Deus us c onquistou quis tou afim de de que anuncias anuncias s e is as perfe pe rfe içõe s daque daque le que que vos vos chamou das trevas para para a sua luz admirav admirav e l; v ós , que que outror outr oraa não e reis re is o s e u povo, povo, e que s ois ag ora or a 7) S t o. T o m a z d e A q u i n o , Summa Theol., Theol., p. 3 qu. 63, art. 3: sacramentales caracteres nihil aliud sunt quam quaedam participationes sacerdotii Christi ab ipso Christo derivatx. Pode rseá seá consultar o profun profundo do e s tud tudo do P. D u r s t O. S. B. d« Caracteribus sacramentalibus, sacramentalibus, 1925, p. 30 e sg.
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o pov povo o de De us; us ; v ós , que não hav ha v ie is alc al c anç an çado ad o mis e riri c órdia, e que que alcanç alc anças te s mis e ric ór dia agor ag ora” a” (2 P d 2, 9 ). Desse liame sacerdotal de todos, que os separa do profano para pa ra os ligar lig ar,, a todos todos , ao s ó P ontí fice fic e , Je s ús , nas nas ce a comum c omum s olida oli darr ie dade da de de todos to dos na Or Or a ção, na F é, e no Amor. Exce xc e ção fe ita ita de a lg umas uma s r aras ar as oraç ora çõe s , tai t aiss c omo as da comunhã c omunhão do padre , ne nhuma prece pre ce litú lit úr g ic a na Igr Ig r e ja e xiste xis te que não s e ja uma um a oraç or ação de todos t odos por todos. S e g undo o Salv S alvador ador,, na prece pre ce por exce e xce lência, o Pa ter, que une todos os que oram e faz com que invoquem c onjuntame nte o Pa P a i comum c omum,, e de de s ão Paul P aulo o (Rm 15, 15, 30; 30 ; 2 Cr 1, 11; Ef 1, 15) que recomendava que uns orassem pelos pe los outros outros , a Ig r e ja tambe m ora, or a, não em e m nom nomee dos fiéis individualmente, nem mesmo simplesmente em nome da s oma oma dos indiví indiv í duos , mas, mas , s im, im, como comunidade co munidade s acerace rdotal, c omo expre e xpre s s ão visive vis ivell do s ace rdócio do Cris to. Não s ois v ós , ne m eu, e u, que que r e zamos za mos , é o Cr Cr is to mí s tic ti c o que ora. or a. P or is to me me s mo, mo, os os fruto fr utoss des de s ta oração perte pe rte ncem ce m a todos os que, que , pelo pe lo Cris to, sã s ão cons ag agrados rados ao P ai, à “ raça e s c olhida” olhida” , ao “s “ s ace rdócio re r e al” . E con c onss titue titue uma uma das pre ocupaçõe s da Igre Igr e ja faz e r com c om que, mes me s mo fora da litur g ia, s e us fiéis , con concient cie ntee s do seu se u carate r sace s ace rdordotal, tal , ore m, ofe re çam e s ofram, ofr am, não ape a pe nas pelas pe las s uas pró pr óprias necessidades, mas tambem pela grande e santa comunidade dos que foram resgatados em Cristo. O acento sacerdotal, o “por todos” ( vnkg n o U ãv Mc 14, 24) do S obe rano ra no P ontí fice fic e e tern te rno o ée ée s s e ncial àve àve rdade ira prere ce cris c ris tã, c omo omo se pode ver de mane mane ira impre impre s s iva nas mais antig an tig as oraçõe s c ris tãs que nos nos fora f oram m cons e rvadas rv adas (cf. Mart. Policarp. V, 1; VIII, 1). O carater sacerdotal de s s e s acrifí ac rifí c io em e m nom nomee da comunidade nas apare c e particularmente impressionante na Missa, na qual o Soberano Pont P ontí í fic e , o Hom Homee mD mDe us, us , re produz s acrame ac ramentalm ntalmee nte se s e u s a c r ifí if í c io do Oó Oólg ota ot a . S e m dúv ida, id a, éo padr pad r e e s pe cialme nte orde or denado nado,, em ves tes litúrgicas rg icas , e mpre mpre g ando ando a lí ng ua litú lit úr g ica, ic a, c ons ag agra rada da pelo pe lo uso us o de P e dro e de de tantos P adre adr e s , fixada fixa da agora ag ora como lí ngua ng ua morta, morta, inde inde penpe ndente das mudanças de te mpo e con c onss e rvando rvando a impre impress s ão do d o mis tér io, io , éo padre padr e , dig di g o, que, que , por se s e u minis tér io
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instrum ins trumee ntal, ofe ofere rece ce , de de mane mane ira s e ns ivel, o s acrifí ac rifí c io invis í ve l de Cris to. Mas não o ofere ofe re c e o P a dre dr e por s i s ó. Não o ofere fe rece ce,, mes me s mo, s imple impless mente e m nome do povo, povo, conte conte ntan ntando do s e , como c omo no se s e rviço s ace ac e rdotal antigo, antig o, c om uma unidade moral entre ele e o povo. A unidade entre o padre e o povo pov o ém é mí s tico tic ore re al, éa é a unidade unida de do s ace ac e r dócio do Cristo da qual o padre e o povo participam a um sótempo, embora em graus diferentes. A liturgia do sac rifí ri fí c io le mbra e xpre s s amente ame nte e s ta cond c ondiç ição qua qu a ndo, nd o, imediatame ime diatame nte depois de pois da c ons ag agraç ração, faz o padre dize r: “ Nós , voss os s e rvos rvos , S e nhor, nhor, e, conos conos co, todo o voss o s anto povo, fiéis àle àl e mbranç mbr ança da bem be mav avee nturada ntura da paix pa ixã ão des de s s e me me s mo Jes Je s ús Cris to, voss o Filho, noss noss o Se S e nhor, nhor, de de s ua re s s urre urr e ição do tú t úmulo mul o e de s ua glo g lorr ios a as a s c e ns ão ao céu, ofe ofere rece ce mos à voss vos s a maje s tade s upre ma, graç gr aças aos dons que nos nos fizes fize s tes te s , a Hós tia pura, pura , a Hó Hós tia s anta, a Hós tia s e m mác ula, ula , o P ão s ag r ado da vid v idaa e te rna e o Cálic li c e da e te rna s a lv a ção” . A es ta comunhão s ace rdotal dos dos memb me mbros ros do Cris Cris to intimamente se liga a sua c omunidad omuni dadee de fé. A comunidade de féc fé c atólica lic a não con c onss iste is te ape nas e m que que todos todos os me mbros mbros da Igre Ig re ja profe profess s e m uma uma só s ó e mes ma fé, e nsins inada nad a pelo pe lo minis tério dos dos após tolos, tolos , e m que que pe rs iga igam m conc onjuntamente o mesmo ideal de vida, com as mesmas regras gr as obrigató obriga tórias , e qu que eles be be m nas nas me s mas fe cuncundas fontes de vida. Vai mais longe. Consiste numa solidariedade tal na féque, por assim dizer, se permuta, frutif fr utific icand ando o de de um para par a outro. Ne Ne s te í ntimo es e s c ambo e nes ne s ta mútua tu a pe ne traç tr ação, a unida uni dade de e xte rior ri or é, ao a o me me s mo te mpo, po, uma comunida c omunidade de ve rdade irame nte inte rior, í ntima, que haure sem cessar um vigor sempre novo nas profundezas dessa févivida em comum e se torna o Credo único nic o do d o Cris Cri s to mí s tic ti c o. T al unida uni dade de s olid ol idá ár ia da d a fé c r is tã de s e nvolv nv olvee s ua a ção e m duas dua s dire dir e çõe s ; a prin pr incc í pio, comunicando a outros membros do Cristo, estendendo a cí rculo rc uloss de c ada vez ve z mais largos , e de maneira mane ira de c ada vez vez mais mais viva, es s a interiorid inte rioridade ade e es s a força da fé pes s oal oal e v ivida, iv ida, e s s a força div ina que se s e manifçs ta s e mpre na conciê conc iência por novos novos impuls impuls os , novos novos chamame c hamame ntos tos ; — e m s e guida, guida, voltand voltando o s obre si s i me me s ma, sobre sobre s uas próprias profundidade pro fundidade s , torn torna ass e o fundo vital v ital,, o s ag agrado rado s e io de que s airão, após tere te re m s ido ido fe c undadas pelo pe lo e nsi-
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name name nto infalí v e l da Ig re ja, visõ vis õe s de c ada ve z mais profundas do mundo maravilhos marav ilhoso o da fé, e até conhecime conhe cime ntos novos das realidades sobrenaturais. Do prime iro ponto ponto de vis ta — o da forç f orça que que se afir af irma c se comuni comunica ca — a s olidari olidariee dade dade da fése traduz traduz na vontade pelo apostolado. apostolado. Aque Aquele less a que m a mis s ão do apostolado foi especialmente confiada, e que a desempe nharam da mais notáve l mane ira, ira , s ão os os s uce s s ores dos dos após tolos tolos , os bispo bis poss , que que , unidos unidos a P e dro, “foram “ foram colo c olocacados dos pelo pe lo Es E s pí r ito S anto s obre obre toda a terra” te rra” (At 20, 2 8 ). A ele e less , o cí cí rc ulo es e s c olhido dos dis c í pulos pulo s , foi c onfia onf iada da a pre pr e g ação do Ev E v ange ang e lho, no dia em e m que o Re Re s s usc us c itado os e nviou atéàs e xtre midade midadess do mundo, mundo, promete prome te ndo “estar com eles atéao fim do mundo” (Mt 28, 18). E’ no seu testemunho concorde e sobretudo no seu acordo com o e ns iname iname nto da Cáte dra de P e dro, em e m Roma, oma , que em todos os tempos a cristandade encontrou a garantia, o timbre da ve rdade ira féapos fé apos tólica, lic a, em e m pres pre s e nça de de todas todas as opiniõ opiniõe s individuais indiv iduais . Cons Constitue tituem m a IIgg re ja e nsinante (ecclesia docens), diante de cujo ensinamento o res re s to da Igre Ig re ja não pode s e r s e não a Igre Ig re ja que que e s cuta (ecclesia discens). Nenhum fiel, nenhum padre, nenhum profes profe s s or, nenh ne nhum um teólogo, na Igre Igr e ja, pode ode anunciar a palav pala v r a de De us s e não em e m virtud vir tudee de uma miss mis s ão a eles c onfiada pe la Igre ja e nsin ns inan ante te (mis (mis s io c anônica). nic a). “Como “Como pode rão e les pre gar, gar , com c om efe e feito, ito, se não rece re ceb be m mis s ão?” (Rm 10, 15). Mas, na mesma medida em que o pregar oficialme oficialme nte a ve rdade rdade cris tã pe rte rte nce e xclu xclus iva ivam me nte à autoridade autor idade da Igre ja e nsin ns inan ante te,, o fazêla pe pe ne trar a v ida e re r e aliz al izá ála éde éde a lça da das c onciê onc iência nc iass c ris ri s tãs indiv ind ivid idua uais is e da g raç ra ça que que ne las de s ce. ce . As As s im, im, a vida vida da fé, que a ntes de tudo mais vis a a prédica e va vangé ngélica, lica , porque s óela óe la importa, s ó e la é ne ce s s ária, a fecund fe cundidad idadee s obre obre natural atural da fé, a rique ri que za das e xperiê xpe riências ncia s í ntima nti mass e das c onsolaons olaçõe s , t o da a s e g ura ur ança da fé, e s s a e le v ação de a lma que q ue d á a fé, tudo is to perte pe rte nce , não aos s ós priv pri v ile g iados , mas à c omunidade omunidade , a todo todoss os que que , pelo pe lo batis batism mo, outra outra vez nasceram em Cristo. A comunidade dos membros do Cristo éo terreno no qual a fése faz viva, no qual a semente e s palhad pal hadaa põe raize s e produz pr oduz frutos fr utos . Jamais J amais o es e s pí rito de fé s e e ncontra isolado is olado ou ten te nde a is olars lars e ; é , pelo pe lo .contr .c ontrá ár io, um e s pí rito que impe impe le à c omunidade , porpor -
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que ve m do Es pí rito de De us, Es pí rito de unidade e de amor. Se a autoridade oficial é o orgão da ve rdade , a comunidade é o orgão pelo qual a verdade se faz vida. Por iss o tem a comunidade a miss ão particular de dar testemunho, vivendoa, da verdade oficialmente pregada e, de la dando te ste munho, de vivêla. E’ o em que consiste a sua mis s ão própria, o seu apos tolado: “e xperimentar a fé, rog ando” (e xpe rimur orante s ), como diz, de maneira tão expres siva, s ão Be rnardo (in cant., s. XXXII, 3 ). De finitivame nte incorporada às ua cabe ça pelo batis mo, obrigada a confessálo pe la confirmação, uma grande responsabilidade lhe incumbe, a de dar testemunho do Cristo pela riqueza superabundante de sua vida. E desse dever ninguém pode dis pensála. Vive ndo em conformidade com s ua fé, ela dá te s te munho dele. T oda vida segundo a fééessencialmente uma vida que conquista, que inflama, uma prédica v iva, uma e dificação do Te mplo de Deus, e m si e nos outros . E ’ essa “ manife s tação do Es pí rito e da força” diante da qual o incréu fica inte rdito, e que torna forte a própria fraque za. Cons titue a mais poderosa prova do cristianismo, mais eficaz do que todas “as palavras persuasivas da sabedoria humana” (1 Cr 2, 4). Es ta c onfiss ão da fé que cons iste no es petáculo da vida cris tã é a função princ ipal de cada um dos me mbros na comunidade cris tã, função muito dive rs a de as peto se gundo os indiví duos , variando conforme s uas aptidõe s e as graças re ce bidas , conforme a s ua vocação especial, conforme seu me io e as circunstâncias em que se encontra. A mesma verdade cristãvivida se apresentará sob mil formas e aplicaçõe s . Cada uma dessas formas entremostra novos esplendores de sua beleza e sua virtude e s condida, cria novos tipos do ideal cris tão e s us cita des ejos novos de imitálas. Os principais tipos c onhe cidos da vida s e gundo a fé: confessores, mártire s , profetas, eremitas, religiosos, virgens, viuvas, constantemente se adaptam assumindo modernas formas, e cada uma destas formas por s ua vez contéin fe cundos impuls os de des e nvolvime ntos ulteriores , e nquag to o conte údo cris tão não se esgotou completamente. Evidentemente, a forma mais primitiva, mais simples, mais eficaz de dar testemunho da fécristãpela vida serásempre a famí lia cristã. Ne A os s èncla — 9
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nhuma ins tituição s ocial tão completame nte reflete o mis tério da Igre ja, s ua união re al com a cabcça, o Cris to (E f 5, 32). Em nenhuma outra brilha com tal esplendor o sacerdócio laico, como quando o home m e a mulhe r se dão mutuame nte o s acrame nto de s ua comunidade conjugal e, cons agrados pela graça de tal s acramento, infundem nos seus filhos, e nos filhos dos seus filhos s ua própria féviva e fe cunda. A famí lia cris tãéa célula primitiva do apostolado dos leigos, dessa féque excita e inflama, que brilha sempre com fulg or novo e, através das ge rações, dá te ste munho do Cris to. Ao lado da Autoridade oficial da Igreja que dirige a fécris tã, a preserva de toda fals a dire ção e de toda compos ição impura, importanos de mane ira e ssencial e sta corrente de vida cris tã. Uma não pode existir sem a outra. A vida de fése nutre da virdade da fé, e a ve rdade da fé se revela pe la vida de fé. E de vez que éna comunidade que a fé vive, autoridade e comunidade dos fiéis não devem se pararse uma da outra. Elas mutuamente se amparam da mane ira mais intima. Não s óporque a autoridade docente age sobre a comunidade, a verdade da fés obre a v ida de fé, mas também, e m s entido inve rs o, porque a fé viva da comunidade , por sua vez, age s obre a autoridade ens inante, protegea e dá à s ua verdade um brilho sempre novo. Essa essencial solidariedade da verdade com a vida, da autoridade com a comunidade dos fiéis na Igre ja e xplica o fato de ter sido a v ida da comunidade , nos perí odos em que a autoridade, aqui ou ali, desfaleceu, a fonte de juventas, na qual a Igre ja se re novou; as sim como o fato da Graça da Cabe ça, e m certos pe rí odos da his tória, nos quais a verdade parecia infecunda e a autoridade se deixou arrastar pela fraqueza humana, ter feito emergirem do seio da comunidade viva certas figuras que, pela força de s ua fé, deram, não s omente aos que os rodeavam, mas àIgre ja toda uma fénova. Aíéque se percebe a providencial mis s ão s alvadora destes ou daquele s santos . Um s ão Be rnardo e um s ão Francis co de Assis, uma santa Catarina de Se na, um são Vice nte de Paulo, um são Clemente Maria Hofbauer, tantos outros, que outra coisa fizeram senão jorrare mlhe do seio "torre ntes de água vivific ante ” ? (Cf. Jo 7, 38). Acas o não comunicou à Igre ja o ardente
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fervor de sua féum novo surto, uma nova primavera, uma nova juventude? Vai mais longe , porém, o benefí cio des sa s olidarie dade na comunidade da fé. Não se conte nta com te s te munhar em face do mundo, pe la s ua fe cundidade, o e s pí rito e a força da mensage m do Cristo e com o comunicar aos seus membros fráge is alg o de s ua inte nsidade de vida. Contribue em muito, além dis so, tanto para a produção da própria fé, quanto para a elaboração de suas verdades particulares . Jámostrámos como pode ela contribuir para a produção da fé s obre natural e que firme za abs oluta comunica à fé a impre s s ão produzida por essa inse rção na corrente v ital da comunidade cris tã. Deve mos ainda as s inalar as s utis e delicadas influências por meio das quais a comunidade da fé e a sua miste rios a ação de s olidarie dade contribuem para a elaboração duma verdade em particular, para a e xplicitação de um dogma. Nenhum dogma proclamado pela Igreja (dogma explicitam) existe que já não es tivesse re alme nte (formalite r) contido nas fonte s da re ve lação, is to é, na Tradição ou na Es critura. Ne nhum e xis tiu, porém, desde o começo como explicitamente, expressamente (explicite) revelado. Muitas vezes sófora revelado como que envolto, contido em outras ve rdades (implicite ). P ara re tirálo desse e nvoltório e fazêlo apare ce r como reve lado, foi pre ciso, testemunhao a his tória dos dogmas , longo trabalho. Nada menos de seis séculos se es coaram antes que a doutrina, no entanto centralissima, relativa ao Cristo, o Deus feito Homem, fosse plena e claramente formulada pela Igreja. S ó em 1215 a trans us bs tanciação na Eucaris tia, e s óem 1870, a infalibilidade e a suprema autoridade do Soberano Pontí fice foram proclamadas ve rdade s re ve ladas . Este des e nvolvimento dogmátic o que se opera, com a as s is tência do Es pí rito S anto, s ob a vigilânc ia e a dire ção da Autoridade da Igreja, nem sempre segue o rumo da pura dialétic a. Não consis te em s imple s e xplic ação das ve rdades re ve ladas com o auxí lio dos recursos da filologia, para provar que tal dogma estácertamente contido na Es critura ou na Tradição. — Es te trabalho de e xplic ação e de mons tração dos te ólog os é, aliás , indis pensáve l. — E ’ que, não nos te ndo s ido dado s ob for ma de s istema filosófico, mas muitas vezes e nvolto em fatos
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históricos , esse te souro de fée s condido na re ve lação nem sempre ébastante claro e transparente para que seu conteúdo c s ua ce rte za nos apare çam àprime ira vista. E se for preciso procurar esse dogma, não na Escritura, mas na Tradição, que se e s te nde por vários s éculos, e ja z es pars o em docume ntos dive rs í s s imos, o olhar explorador do teólogo fica e xpos to a nem s empre bem nitidame nte disce rnir o ouro da re ve lação da g anga da s abe doria e da fé purame nte humanas . De fato, bastantes vezes e ncontrare mos , nos Padre s e nos Te ólogos , alíe ac olá, pontos de vis ta que comprome te m o cons e ntimento unânime dos padres. Por isto mesmo, a exegese e a demonstração dos te ólogos nem s empre podem por si s ós bas tar àpre paração das decisões de finitivas da Autoridade eclesiástica. Se cons tituí s s em elas o fator de cis ivo na explicitação dos dogmas , jamais , sem dúvida — para citar um ape nas dos dogmas mais recentes — a Imaculada Conce ição de Maria teria s ido proclamada, dado que os maiore s te ólogos de Noss a Se nhora, s ão B e rnardo e s anto Tomaz, positivamente duvidaram do seu carater revelado ou mesmo o negaram. Como se chegou, no entanto, a definilo? Como se definiu, igualmente, o da infalibilidade do P apa ? E ’ incontes tavelme nte o magis tério pe rmanente da Igre ja, as s is tido pelo Es pí rito Santo, que, pelo seu ens iname nto ordinário ou extraordinário, e s palha, no campo da Igreja, a semente da verdade revelada, éesse mes mo magis tério que, jardine iro atento, vigia a sua ge rminação, prote ge os rebentos ainda fráge is contra as plantas parasitas, e suprime os rebentos defeituosos. O fator ativo, decis ivo, do progre ss o dogmátic o é, pois, o magis tério da Ig re ja as s is tida do Es pí rito Santo. Mas — para continuar a nos s a comparação — o jardine iro não e stá sozinho. Precisamente porque a semente da verdade revelada é alg o de vivo, de orgânico, tem nece ss idade, para crescer e desenvolverse, de um campo fértil, uma espécie de seio maternal que permita que o fruto semeado pelo magis tério da Igre ja brote e amadure ça. Tal campo fértil éa comunidade viva dos fiéis . Es ta écomo que o fator passivo do progres s o dog mático. Não falam os te ólogos de uma infalibilidade pass iva dos fiéis ? Enquanto a comunidade dos fiéis escuta e vive a palavra re ve lada proposta pela Igreja, participa, fazendoa trabalhar, crescer
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e frutificar, da infalibilidade da Igre ja. Compre endese por esta forma a influência exercida pela comunidade dos fiéis s obre o progre sso dos dogmas mencionados, e de maneira toda particular s obre o da Imaculada Conce ição. E’ a vida e o movimento da comunidade, inspirada pelo e nsiname nto infalí ve l da Igre ja, éo seu senso cris tão prove niente des sa fétão viva, esse ins tinto da féque se não deixaram depreciar em suas verdades, mesmo quando os mais autorizados teólogos lhas tentaram roubar. T odas es sas verdades germinavam, brotavam no seio da comunidade como um fruto vivo, sob a guarda vigilante do Papa e dos Bispos, atéàsua plena maturidade. Mesmo que tais ve rdades — a da Imaculada Conce ição, por e xemplo — tives sem sido, no começo, propag adas entre os fiéis , sob forma de s fig urada, le ndária, cuja inconsis tência fossem os his toriadores forçados a mostrar, a comunidade viva lhes apreendia muito intimamente, muito vivamente, muito imediatamente a medula, a riqueza interior; o e s pí rito de Deus, que ins pirava s ua fé, e ra muito delicado, as e xperiências re ligiosas e morais, que essa verdade excitava em tantas almas, eram muito ricas, variadas e profundas; a Igreja, por seu lado, velava muito cuidados ame nte sobre o tes ouro que lhe fora confiado — para que os crentes pudessem abandonar, com as formas ou fórmulas condenáve is , re pelidas pelos te ólogos, tambe m o fundo eterno que elas continham. Exatamente porque s ua féviva era s olidária, e s s a e xpe riência comum de uma ve rdade nova e, no e ntanto, antiquí s s ima, tornavase o bem de todos; mergulhava mais profundamente e se fortalecia àmedida que se ia estendendo, atéque enfim se fizesse pos s uí da pela comunidade inteira. Es ta fé ví vida não havia nas cido por acas o, desenvolverase cons tante mente por influência do magis tério que a purific av a e fazia progre dir; tomava, por esta forma, s ua dire ção e seu vigor das re lações essenciais que mantinha com o conjunto da re ve lação sobre natural e tornavase uma vida de cada ve z mais exclusiva e puramente divina; não e ra s imples me nte uma crença partic ular deste ou daque le g rupo de crentes, mas uma vida do conjunto da Igreja infalí ve l, de todo o organis mo mí s tico do Cris to. Não s e ria dific il mostrarse, com re lação à maior parte dos noss os dogmas — desde a igualdade de nature za do Filho até
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àinfalibilidade do Papa, e mesmo atéMaria mediadora, que parece pres tes a ser definido, a função pre e nchida pe la comunidade s olidária da fé, função que consis te em pe rmitir ao germe dogmático que brote e se des envolva em terreno favorave l. E ’ o magis tério da Igre ja que e nsina a verdade revelada em toda a sua plenitude, inclusi ve mente as ve rdades ainda em cris álida ou ape nas c ontidas de mane ira implí cita. E ’ este mes mo magis tério que de mane ira e s pecialí ss ima ve la sobre a mane ira por que se desenvolvem essas verdades em germe, e, com o auxí lio da te ologia, de las e limina todo elemento impuro. E é, por fim, o s ómagis tério que solene e definitivame nte decide do carater inspirado de uma verdade. Imaginar que a “ Igre ja e nsinante ” nada tem a fazer se não verificar e s ancionar a crença ge ral da “ Igre ja e ns inada”, sem intervir por s ua própria conta e com autoridade , s eria lamentavelmente desconhecer seu papel decisivo. De outro lado, porém, éo seio maternal da comunidade s olidária na fé que, fe cundado pelo ensinamento da Igre ja, conduz os dogmas àmaturidade , e éa de finição da Igre ja que lhes dá a forma de finitiva (8 ). O progresso da féprossegue, pois, a partir do magistério e cle s iástico, não somente no sentido da profundidade através da série dos te ólogos, mas tambe m no se ntido da exte nsão pe la comunidade s olidária dos fiéis . Ne nhuma verdade reconhecida como revelada poderia res ultar da e laboração de uns poucos sem ter sido, ao mes mo tempo, vivida e amada pelo conjunto no movimento do Es pí rito S anto. Em tal s entido, todo novo dogma nasce igualmente do amor, da vida de amor da comunidade, do coração da Ig re ja que ora. Revestese, por esta forma, cada dogma do carater sagrado do respeito e da seriedade da conciência e da fide lidade, da interioridade e do devotamento com que a comunidade dos membros do Cristo, “enraizada e fundada na caridade” (Ef 3, 17), fortalece em si mesma o testemunho do Cristo” (cf. 1 Cr 1 ,6 ). Re gularmente, é“ a mane ira de orar” (le x oran di), a lei não escrita da oração vivida, da fé ví vida, que 8) Obse rve se a analog ia des tas idéias com as de B I o n d e 1, a que m o autor, no e ntanto, não conhecia. Cf. Histoire et Dogme. Les lac unes philos ophique s de 1’exegèse moderne, e m “La Quin zainc", de 16 de jan. I” e 16 de fev. de 1904.
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precede a s ua fórmula pres crita como artigo de fé (lex cre de ndi). De cada ve z que em nome da crí tica his tórica atacou alguem este ou aquele dogma definido, foi porque não teve em conta as forças vitais da comunidade viva nem a s ua função na e laboração dos dog mas . Quando D oe 11i n g e r escrevia, em 28 de março de 1871, a Monsenhor Scherr, arcebispo de Munich: “Tratase, na atual e c onfus a s ituação da Igre ja, de pura que s tão de his tória, a qual, por conseguinte, deve ser tratada e decidida unicamente com os documentos de que dispomos, segundo as regras re conhecidas pela crí tica para os fatos his tóricos ” (Cartas e Explicaçõe s , 1890, p. 88), esquecia se ele de que a Ig re ja não éum org anis mo morto, mos travase ignorante das energias vitais da féque animam a Igre ja e que, como tudo o que évivo, não s ão e ncontráveis nos textos mortos , mas , s im, ape nas nos corações dos crentes, na comunidade dos fiéis com o Papa e os Bis pos . E ’ o que faz ia o carate r trágico da mentalidade de Dce llinger: não pe rc e bia ele s enão a vida parada, rí gida, da história, e m lugar da féviva do pre s ente! A comunhão de oração e de fé se pe rfaz na comunhão da caridade. A caridade mútua: o profundo s entimento de se acharem ligados uns aos outros tanto para o bem quanto para o mal, não ape nas pelos laços da natureza, mas ainda por um parentesco sobrenatural resultante da comunhão com o s angue e a carne do Cris to, a Cabe ça; o s entime nto da re s pons abilidade re cí proca, que daídecorre, na ale gria e no sofrime nto; a cálida s impatia, a caridade generosa, o devotamento simples, fiel, ao serviço do próximo, que s ão Paulo tão finame nte descreve (1 Cr 13), esta solidariedade da vida cristãque oscila em torno da comunidade e que dela deflue para os indiví duos e para si me s ma; que , e m todos os membros do Cris to, inclusive os menores, vê, tratandose com respeito, irmãos e irmãs do Se nhor, até mes mo o próprio Cris to — todos esse s efeitos da c aridade s ão o fruto precioso da comunhão dos Santos na terra. E é e s ta cari ridade que dá à e s trutura exterior, visí vel, do corpo do Cristo — o P apado e o e pis copado — o ardente alento do Cristo e ésóela que promove e conserva a sua riqueza interior. Ela éverdadeiramente o sangue do corpo do Cris to que , vindo do Coração do Home mDe us , por
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todo o corpo sc es palha, transmitindolhe força, beleza e forma. Sem esta caridade, o corpo do Cristo na terra teria a rigide z de um cadave r, todas as instituiçõe s e funções da Igre ja, todos os s acramentos, todos os dog mas , toda fé, s eriam sem s abor e vazios , “ bronze s onoro e cí mbalo re s s onante”, puras formas (forma; pietatis ), como se exprime santo Agostinho. E’ a pureza, a interioridade e a fecundidade desta caridade que determina a história interior do corpo do Cris to, provoca as s uas doenças e s uas crise s, seus progres s os e de s dobramentos. P ara este corpo nenhuma crise mais terrivel existe do que a da caridade . Quando se não pode dize r da maioria dos seus membros: “Vede como eles se amam”, foi a crise mais perigosa que irrompeu, aquela que o Senhor des ignava por e stas palavras : “A caridade de g rande número e s friará” (Mt 24, 12). Nada mais contrário àcons tituição mes ma desse corpo do Cris to do que o re púdio, por parte dos seus me mbros, da caridade mútua. P orque o Cristo éessencialmente a caridade incarnada, e seu corpo mí s tico é, es s encialme nte, a inc arnação progres s iva desse mesmo amor em todos os que dele fazem parte. Onde es táo Cris tianis mo, es táa caridade . Cons titue e s ta — segundo a bela palavra de santo Agostinho: pondus meum amor me us (Conf. XIII, 9) — o pes o que arras ta o Cris tianismo. Não atinge ela essa pureza, es sa interioridade e essa força visiveis s e não no Cris to e em seu corpo. Por isso nada tão bem caracte riza o des e nvolvimento do corpo do Cristo na terra como o crescimento dessa caridade. O de s e nvolvimento dos dogmas , do culto, de s ua constituição, do dire ito, não aprove ita ao corpo do Cris to s enão com o proporcionarlhe um aumento de caridade. E o corpo do Cris to não te ráchegado ao se u ple no des envolvimento senão quando a c aridade , alma de todas as virtudes (for ma virtutum), se houver tornado o principio dominante da vida, do sofrime nto e da morte, não ape nas e m alguns poucos, mas em todos os membros do corpo do Cristo, pastore s e ove lhas . P ara que se os re conheça como dis cí pulos de Je s ús , outra marca não e xis te s enão a da caridade que uns pelos outros alimentem. Comunhão dos S antos ! Jubilosa e bemave nturada caridade ! E ’ o te s ouro oculto, a ale gria í ntima do católico. Qua ndo ele pe ns a na c omunhão dos s antos , o coração
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se lhe dilata. Ele sai da estreiteza e do isolamento do espaço e do te mpo, do eu. Sentese numa comunidade í nfima, ine xprimí ve l, de es pí rito e de vida, que e xalta infinitame nte as s uas nece ssidades e as piraçõe s ; comunhão com todas as grandes almas que a graça de Deus ergueu da vulgar humanidade atéàsua altura, atéàparticipação do s eu ser! Ne nhum limite de es paço nem de te mpo! Dos s éculos pas s ados , das civilizaçõe s e dos paises cuja le mbrança s ó na le nda vive, almas há que lhe s ão presentes , que lhe chamam irmão e o pre nde m na s ua caridade. O católico nunca estás ozinho. Cris to, s ua cabeça, estás empre junto dele, e, com a cabeça, todos os membros do s eu corpo no céu e na terra. Corre ntes de vida invis í ve l e miste rios a correm daíatravés da comunidade católica, forças fe cundante s , uma caridade be néfic a, forças de re novação, de uma juve ntude em perpétua flore s cência. Juntamse elas às forças vis í ve is da vida da Igre ja católica, de modo particular ao P apa e ao Bis po, com ple tandoos e perfazendoos. Que m não as vêe não as aprecia não pode apreender nem representarse ve rdadeirame nte o catolicis mo em s ua essência e em s ua ação. A be m dize r, s ó a fésimples da criança as perce be. Por isto, sóe la descerra os c aminhos da s antidade . E ’ a oração de Jes ús : “Eu te dou graças , Pai, Se nhor do céu e da terra, por haveres es condido isto aos s ábios e aos prudentes e o haveres revelado aos pequenos. Sim, Pai,, essa éa tua vontade” (Lc 10, 21).
Capitulo
VII
Eu me dei todo a todos, afim de ganhálos todos para Je sus Cristo (1 Cor 9, 22).
A catolicidade A Igreja éo reino de Deus derramado como um fermento que, le ntame nte, mas de maneira contí nua, penetra e leveda a humanidade inteira; éo corpo do Cristo que compreende, numa unidade transpessoal, toda a humanidade resgatada. Assim, repousa essencialmente sobre a féno Salvador, no Cristo. Como unidade transpessoal da humanidade lig ada à divindade, tem s ua express ão real e sua firmeza no rochedo (Pedro) sobre o qual foi e rguida. Quanto à s ua atividade interior e àquele comércio de caridade entre os seus membros, manifestamse os mes mos na c omunhão dos santos. Foi o que vimos atéaqui. Da es sência da Igre ja decorrem ime diatame nte suas caracte rí s ticas ess enciais. Estude mos , antes de tudo, a principal dessas caracte rí s ticas , indicada pe la própria ape lação de Igre ja “ Católica” . S anto Inácio de Antioquia éo primeiro escritor em que e ncontramos o vocábulo “ católico” (Smirn. V III: 2) e ele mes mo nos dá a razão fundame ntal pela qual a Igre ja deve ser c atólica, isto é, ter a proprie dade de propagar se por toda a terra (x a& ôlo v ) e de abarcar a humanidade inteira: “Onde estáCristo, estátambem a Igreja católic a” , diz ele, e s endo Cris to o Redentor e Salvador da humanidade inteira, seu corpo mí stico deve essencialmente compreender toda a humanidade. Jáestánele em ge rme toda a humanidade re s gatada. A Igre ja não es tará plenamente re alizada s enã o quando tiver, em seu desenvolvimento progressivo, englobado a inteira humanidade. A te ndência à catolicidade lhe é, pois, natural.
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Tal força de conquista da Igre ja re pousa sobre a ordem que deu o Senhor ressuscitado: “Ide, ensinai a todas as nações , batizaias e m nome do Padre , e do Filho e do Es pí rito S anto” (Mt 28, 19). Es ta orde m compreende, no seu mais largo sentido, os fundamentais impulsos da mensage m de Jes ús re lativa ao reino dos céus. O reino dos céus de Jesús revela, “ desde o começo, a te ndência a tornarse uma re ligião unive rs al” (Hiltz man). E ’, com efeito, uma potência e s piritual purame nte religios a e moral que se põe acima das considerações nacionais ou terres tres séjam de que orde m forem. Os bens que ofere ce s ão o pe rdão dos pecados e a graça. Suas e xigências se acham re unidas nas direções impe rativas de ordem moral do Se rmão da Montanha, que a todos se dirige. Os s úditos desse re ino são os filhos de Deus, que invocam, todos, no Pater, seu Pai comum. E os arautos desse reino têm uma mensage m a trans mitir não apenas ao povo jude u, mas ao mundo inte iro, e s ão o s al da terra e a luz do mundo. O próprio Jesús, no s entime nto de sua messianidade, se ergue bem acima de todas as pretensões nacionais . Não ésomente o Filho de Davi, mas o Filho do Homem. Pe rtence a todos os homens, e não somente aos jude us ; por isto, mes mo que não houve ss e dado, após s ua res surre ição, a orde m expre ss a e geral de pre gar ao mundo, poderseia, ainda as sim, em razão des s a fundame ntal tendência da mensagem s upranacional, unive rs al, do reino dos céus, falar, pelo menos , de um intenso unive rs alis mo de Jesús. Mas se, após a mensage m, cons iderarmos a própria pes s oa de Jesús, bastarnosá le mbrarmos a ave rs ão marcada que ele vota e a resistência que opõe, condenandoo e re pelindoo, a tudo o que havia de es pí rito de cas ta, de estreiteza, de mesquinharia e de orgulho nos fariseus; a larga ac olhida, sem reserva ne nhuma, que dá a tudo o que encontra de nobre, puro e bom, pelo menos em germe, em todos os homens, mesmo nos publicanos e nas pe cadoras ; a mane ira por que, nas parábolas do filho pr ódigo, do publicano que ora a um canto do Templo, do banque te de núpcias para o qual s ão convidados os me ndigos , os coxos, os cegos, dirige ele as pre ocupaçõe s do seu amor s alvador às porções mais pobre s, mais em abandono da humanidade . Tornase, então, dificil de c ompre -
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ender, do s imples ponto de vis ta psicológico, a afirmação de Harnac k s e gundo a qual “ a prédica aos pagãos não es tava nos horizontes de Je s us” . E’ fato incontestáve l que a prédica aos pagãos estava não somenlu no horizonte do judaí s mo conte mporâne o, no qual havia de ge nerado, pas s ando a contentarse apenas com o fazer prosélitos (Mt 23, 15), mas tambe m que tal prédica dava mes mo um colorido especial àpromessa dos profetas. Suas esperanças, pois , não lhe podiam ser de sconhecidas — abs tração fe ita, mesmo, de s ua conciência mes s iânica — e s ua maneira de ser, larga, livre, aberta, devia vibrar precisamente aos seus apelos. Efetivamente, quando ele encontra pagãos , não os evita nunca. Cura a filha da mulhe r siro fe ní cia (Mt 15, 28). e o servo do centurião pagão (Mt 8, 5; Lc 7, 1). De nenhuma das vezes esconde sua cordial s impatia e a admiração que sente e m face de tal atitude de alma. “ O’ mulher, é grande tua fé! Na ve rdade eu vos digo, não encontre i tanta fé em Israel. Eu volo digo, muitos virão do Orie nte e do Ocide nte e tomarão parte no fes tim com Abraão, Is aac e Jacó no reino dos céus ” (Mt 8, 10 e 11). Jesús confirma aqui as promessas dos profe tas em seu pleno s e ntido. A parábola do bom samaritano acentua que a caridade efetiva para com o próximo se e ncontra mais facilme nte entre os s amaritanos heréticos do que e ntre os ortodoxos , sacerdotes e levitas. S abe mos, além dis to, que Je s ús, por várias vezes (Mt 8, 28; 15, 21), e ntrou em te rra pagã. Não evitava, pois, pe lo contrário, procurava relaçõe s com os pagãos . Se , não obstante essa atitude de fundamental s impatia para com os pagãos , re s tringiu Jesús a sua própria prédica e a de seus dis cí pulos ao povo de Israe l, foi sem dúvida por motivos práticos, re lativos ao seu pape l de Re de ntor. As forças da mens age m evangélica não se deviam dispersar. Ele precisava contar com os elementos naturais e religiosos que tinha a seu dispor. Com os elementos naturais antes de tudo — porque o povo a que ele perte ncia, graças a todo o seu pas s ado e ao seu monote í s mo e nraizado nos costumes e na s ua civilização, lhe ofere cia a mais s ólida base natural para es tabelecer o reino de Deus; e, depois, com os elementos religiosos: — Jes ús, com efeito, como ante s dele os profetas , e depois dele s ão P aulo, via em Israel o povo eleito, que, por sua
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aliança com Iavé, parecia o prime iro c hamado a aprofundar, che gando ao conhecime nto da Trindade , a idéia mo note is ta de De us que conservara através da his tória. E ’ sem dúvida ine gáve l na prédica de Jesús uma cons ide ração de orde m nac ional; es se nacionalis mo, porém, nada tinha de exclusivo. Não excluia, antes , pelo contrário, implicava a convers ão dos pagãos . Do ponto de vista dos profetas, Israel devia ser a base, o germe do novo reino que compre ende todos os povos e todas as naçõe s , e, pois, tambem os pag ãos . Enquanto não merece u o povo jude u ser excluido de tal vocação, tinha o mes mo um direito his tórico e re ligios o a que nele plename nte se des envolves se o que trouxera em ge rme durante s éculos de s ua his tória. Por isto, e nquanto permanece u na Te rra, pertenceu Je sús a seu povo. Déste foi que ele e xtraiu os ele mentos da nova Israe l ao chamar seus doze após tolos. E foi desse ramo judaico, quando, pela s ua res s urre ição, se mostrou Je s ús como Filho de De us em todo o seu pode r (Rm 1, 4) e, como tal, mandou se us dis cí pulos à conquista do mundo, que brotou naturalme nte a árvore maje s tos a, em cujos ramos os páss aros do céu viriam habitar. De s de o dia de Pe ntecostes, pelo milagre das lí nguas , manifes tou se o carate r católico, vale dizer, e xte nsivo a todas as lí nguas e todos os povos. As folhas (o e nvoltório judaico) necess árias de começo àprote ção do tenro broto, mas que poderiam tornarse obs táculo ao seu des e nvolvimento ulterior, ou, quando menos, premí lo exce s sivamente, essas folhas Pedro e Paulo as suprimiram nitidamente. Pedro re ce beu pe la prime ira vez um pagão, o ce nturião Corné lio, na comunidade cris tã, e foi s ão P aulo que, tanto pelo vigor do seu pensamento como pela energia de sua ação, de finitivame nte abate u as barre iras das obse rvâncias judaicas e abriu largamente caminho ao Cristianismo através do mundo. Graças a Pedro e a Paulo, o unive rs alis mo contido na me nsage m do Cris to pôde che gar a ple no desenvolvimento. “Quando se afirma, como recentemente se fez (1 ), que s ão Paulo não ac ompanhou de bem pe rto o pensamento fundamental do Mestre, porque “por meio dele o cristianismo se tornou, atéànova ordem, simples 1) K a t t e n b u s c h , Op. c it., p. 351.
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mente a Igre ja” , éporque se olvida que, ppra s ão Paulo, a Igreja, longe de ser uma seita particular, abarca toda a humanidade re s gatada. A Igre ja não deve elevarse simplesmente do interior da humanidade, nele erguendo, por essa forma, novas barreiras, formando tim novo agrupamento, e spécie de s inagoga. Pe lo contrário, ela éalg o que, pe la sua largue za e força de e xpans ão, s uprime na humanidade as barre iras todas. E ’ tão grande e tão larga quanto a própria humanidade . Es te e s pí rito de unive rs alis mo, tão amplo quanto o mundo, contido na mensagem de Jes ús, s ó a Igre ja católica s oube apreendêlo em toda a s ua amplitude e profunde za. Ela não éuma c omunidade ao lado de outras comunidades, uma Igreja ao lado de outras Igrejas, nem mesmo uma Igreja entre os homens, mas, sim, a Igreja dos homens, a Igreja da humanidade, puramente e simplesmente. Tal ambição trans mite àação que ela desenvolve essa pers eve rança tenaz e ess e ar de maje s tade que lhe conhecemos. Nunca jamais foram os interesses da Igreja comprometidos pelas preocupações puramente nacionais , e nunca jamais se dobrou a Igreja, de maneira duradoura, a um Estado qualquer. Devido ao fato de pertencerem seus membros , ao mes mo tempo, a uma nação de te rminada, o interesse nacional deve aparecer e com efeito aparece nos negócios da Igre ja. Em ce rtas épocas , pôde mes mo a Igre ja dar a impre s s ão de não s er mais do que a serva docil do Imperador da Alemanha ou do Rei da França. Efêmeros e pis ódios e pas s age iros eclipses em s ua mis s ão mundial. Na re alidade, ela garante sempre, nem que seja àcusta de duras e teimosas lutas, em nome de s ua mis s ão que se dirige àhumanidade inte ira, a sua libe rdade em face de prí ncipes e povos e, por isto mesmo, a s oberania do Re ino de De us , a indepe ndência da fé e da moral cristã. P otência supranacional que reune todos os povos tendo em vista o reino de Deus, pode ela, incomparavelmente melhor do que uma Igreja puramente nacional, tal como a Igreja anglicana, russa ou sueca, acordar as forças morais que dormitam no seio dos povos, e fazer com que sirva cada um destes com as suas aptidõe s particulares . S ão todos seus filhos, traz c ada um seus presentes àcasa de Deus. A finura, o frescor de espirito, o gosto das formas dos povos latinos aliamse
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àsagacidade, àsolidez, àsentimentalidade profunda dos ge rmanos , ao es pí rito positivo, re fle tido e àprudência dos anglos axões . A piedade e a s implicidade dos chineses se unem à delicadeza de s entime ntos e à finura de e s pí rito dos indús , assim como ao gos to pelos negócios e ao e s pí rito de iniciativa dos americanos. E’ a unidade na multiplicidade, a multiplicidade na unidade (2). Milhares de pequenos córre gos , que os miss ionários faze m nasce r nas regiões es trange iras, rolam as águas abundante s , variadas, dos costumes dive rs os dos home ns e das civilizaçõe s — o que há de mais precioso e única coisa que conta neste mundo — e se re unem, purificados no Es pí rito S anto pelo e nsiname nto infalí ve l da Igre ja, num só rio pos sante, numa sógrandiosa corrente que vem irrigar a humanidade para purific ála e fe cundála. Eis a catolici dade: a grande corrente supranacional de féem Deus e de amor ao Cris to, alime ntada e conduzida pelas forças e s pirituais de cada nação e de cada indiví duo, purificada e animada pe lo Es pí rito de De us, Es pí rito de Ve rdade e de Amor. De que forma se re aliza a catolicidade da Igre ja? O que comunica ao catolicis mo a s ua força conquis tadora, sua catolicidade “externa", éa sua catolicidade "interna”, vale dizer essa aptidão que faz com que ela conve nha a todos os homens . Ela éfe ita de duas notas caracte rí s ticas; de um lado, a ace itação da re velação inte gral, de outro lado, a plenitude da vida sobrenatural. Diferentemente de todas as outras comunidade s não católicas , e la aceita pura e simplesmente, sem nenhuma reserva, toda a Sagrada Es critura, o Antigo como o Novo Te s tame nto; não ape nas a dogmática de s ão Paulo e a mí s tica de s ão João, mas tambe m a conce pção da Igre ja e de s ua autoridade e nsinante de s ão Mate us, e a neces s idade das obras e do mérito de s ão Tiago e de s ão Pe dro. Não há na Es critura e nsiname nto que lhe pare ça enve lhecido ou inadapta 2 ) S a n t o A g o s t i n h o põe e m re le vo pa rtic ular e s ta unidade na ple nitude ... Corpus ips ius ubi ja c e t?. .. Extende cari tatem per totum orbem, si vis Christum amare, quia membra Christi per orbem jacent (In epist. Joan., tr. 10, 8). O católico pode dizer com certo orgulho: ego in omnibus linguis sum: mea est Græca, mea est Syra, mea est Hebræa, mea est omnium gentium, quia in uritate sum omnium gentium (En. in. ps. 147, 19).
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do ao nos s o tempo. E la não tolera que uma verdade seja deixada na sombra ou desfigurada em proveito de outra qualquer mais moderna. Além diss o, para ela, ao lado da S ag rada Es critura, háa Tradição. O Ev ang e lho re pous a essencialmente sobre uma mensagem oral, sobre a predica do Cris to, dos s eus dis cí pulos e dos que aos primeiros dis cí pulos imediatame nte se pre ndem. Daífluir nas comunidade s cris tãs uma corre nte de tradição viva. Os escritos do Novo Te s tame nto cons titue m um de pós ito, importante s em dúvida, mas de maneira ne nhuma comple to ou e xhaus tivo dessa tradição apos tólica que incluia e penetrava a vida re ligios a da Igre ja. A tradição oral, is to é, a palavra apos tólica, viva, circulando nas c omunidade s , é anterior e mais primitiva do que a Sagrada Escritura. Compre e nde mesmo a B í blia, s ua ins piração, seu canon. E’, aliás, mais plena e mais rica, pois que ne la encontramos a vida litúrg ica, os usos, os costumes , as instituições , as coisas todas que os escritos do Novo Testamento ma! indicam. Poss ue ela, a mais , algo que a B í blia, palavra escrita e morta, não tem e não pode ter, e de que lhe vem a s ua supe rioridade incomparave l: o e s pí rito vivo da revelação, a vitalidade da doutrina re ve lada, o ins tinto da fé(instinctus fidei), que ésubjacente a toda palavra escrita e não es crita, o s e ntido ecle s iástico ((pçóvrjfia ix xXrjoiaozixóv ) Este e s pí rito da revelação não vive em documentos mortos , mas , s im, nos corações vivos dos crentes, e xcitado e nutrido pelo e nsiname nto apostólico as s is tido do Es pí rito S anto. E ’ a herança mais especial, mais preciosa da prédica de Je s ús e de seus após tolos . Só ela dá à re ve lação a unidade inte rna, a coes ão que esta apresenta e permite que verdadeiramente a compreendamos. Porque o fundo revelado, conservado pela Igreja, compreende a Sagrada Escritura inteira e todo o precioso tesouro da Tradição não e s crita, da prédica do Cristo e seus apóstolos , que continua — sem que se lhe s uprima seja o que for, sem que se a restrinja a certas verdades apenas, como, por exemplo, àbondade paternal de Deus, àce rteza do pe rdão dos pecados ; — porque assim compre ende e ace ita toda a vida e a experiência cris tã, tal como em plenitude ela saiu do Cristo, foi propagada pelo ens inamento dos após tolos e corre através da huma-
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nidade, éque pode a Igre ja, em razão mesmo de s s a plenitude, ser algo para todos, e a todos algo oferecer. Ela se fez tudo para todos. Aos jovens filhos no Cristo, “ela dá, como outrora s ão Paulo e m Corinto, não um alime nto s ólido que eles não pode riam s uportar, porém leite” . Há tambe m a multidão dos que não têm o es pí rito s uficientemente formado, a alma bastante delicada, para ouvir e compre e nder a interioridade, a te rnura e a força da mensagem cristãe a santa liberdade dos filhos de Deus, e que ainda não poderiam s uportar a palavra de s anto Agostinho: “Ama, e faze o que quiseres”. A essa multidão e la ensina, em s uas prédicas e catecis mos, os mandame ntos rigorosos do decálogo, as regras e s tritas da moral cris tã; mostra a maje s tade do juiz s upre mo, que conde nará ao fogo eterno todos os que não praticaram a mise ricórdia e a caridade . Se, pois, o amor de De us não o pode faze r, que pelo me nos a sua jus tiça os libe rte das pris ões terrenas e do egois mo que os manieta; que os eleve a um temor de Deus sobrenatural, embora ainda impe rfe ito. Quando uma alma, porém, écapaz de compreender a vida interior e o amor, seja a mais simples e humilde, e la a atrai da maneira mais s uave , pe lo mis tério do Tabe rnáculo, pe la de voção ao S agrado Coração de Jes ús, pe la Via S acra, pelo s anto Ros ário, etc., a essas altitudes e profundidade s da vida í ntima de De us e m que ela compree nde rá o pleno s entido da expres s ão “Abba, P ai” , no qual s ão P aulo e s ão João a introduzirão. Acontecerátambem que esteja uma alma de tal modo penetrada do amor de Deus e do zelo pelo seu reino, que toda inflamada se sinta pela palavra do Senhor: “Se queres ser perfeito, vai, desfazete dos teus bens, dandoos aos pobres, depois segueme” (Mt 19, 21). E’ assim que o deserto se povoa de e re mitérios e nas grandes cidades se erguem os conventos e as casas religiosas. Nenhum pináculo e xiste na vida re ligios a que se não poss a atingir s ob o influxo da Igre ja. Impos s í ve l des crever as formas, variadas em sua plenitude, de que se reveste a vida moral e re ligios a do católico. Aqui, a dominante é um maravilhoso individualismo e uma liberdade sem limites da vida religiosa pessoal. Por mais diversas, no entanto, que sejam tais formas, todas elas, no fundo, s airam do mananc ial da T radição A essência — 10
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viva, da complexa plenitude do tesouro de vida, contido na Es critura e na Tradição. Forque na Es critura e na Tradição, mesmo só na Es critura, ou só em são Paulo, ou sóem s ão João, não s ão ape nas ve rdade s e s pirituais que encontramos; achamolas tambem de ordem sensivel. Mas o sensivel leva ao es piritual. Na Es critura c na Tradição, não se e ncontra ape nas a certe za da re miss ão dos pe cados, mas tambe m pre s crições estritas , leis ; tratase ai do mérito. Não se fala s omente de e xpe riência pe ss oal do Es pirito, mas tambe m de s erviço e de funçõe s vis ando a comunidade. Há s obre tudo mí s tica, porque quem diz re ligião diz mí s tic a. As formas fundame ntais do catolicis mo são encontráve is sem custo e sem grande s esforços de raciocí nio na S ag rada Es critura, mes mo que nos limite mos a são Paulo. A re velação não se re s tringe a uma ou duas idéias vivificante s e excitantes , mas , s im, étoda uma vida original, rica, possante, “algo de santo, de ine xprimí ve l, uma vida que cre sce, algo de profundo que vai até ao mis tério1’ (3 ). E’ da ple nitude da re ve lação do Antigo e do Novo Tes tame nto, da Es critura e da T radição, que irrompe a ple nitude do catolicismo, mas esta éuma plenitude na unidade , animada por um es pirito, um princí pio de unidade. A vida do catolicis mo cresce, mas “ não cresce depre s s a” . A es s ência do catolicis mo consiste “ em manter se num justo meiotermo” (Newman). De quando em vez, s omos levados a temer alg uma ruptura do equilí brio inte rno, s obre tudo nas épocas em que as here sias forçam a Ig re ja a deixar no último plano, e como que a dis s imulálas, ce rtas ve rdade s de que a here sia abus ou, para pôr em maior e vidência as ve rdades por aquela ne gadas . A pos ição antiagnós tica, antiariana, antilute rana, antilibe ral, antimodernis ta, não exprime a pos ição fundame ntal e e ssencial da Igre ja. Antes, s ignifica uma conce ntração pas s age ira de forças, e xigida pelas circuns tâncias do tempo e da luta que contra a heresia se impunha. O catolicis mo e ncontra mes mo nessas oportunidade s ocas ião de mos trar a s ua força vital, sua unidade interna e s ua verdade, porque sabe, nem que s eja séculos após , recon 3) J. H. N e w m a n , Christentum (O Cristianismo), extratos de. s uas o br as , por E . P r z y w a r a e O. K a r r e r , 2°vol., p. 70.
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duzir ao e quilí brio normal as forças que teve de conce ntrar num s óponto. E tal princí pio, forte bas tante para s empre restabelecer o e quilí brio normal, de ve mos enxer gáIo no Es pí rito da re velação que dirige cons tanteme nte o magis tério da Igre ja, ou, antes , é o próprio Es pí rito Santo que anima a Igreja. Dele éque vem a misteriosa vitalidade que permite conduzir aos pontos debilitados do org anis mo ecles iástico um s angue v ivificante e res taurar as deformaçõe s acidentais s ofridas pelo corpo. Se ria interessante mostrar pormenorizadamente o modo por que tem sabido o catolicismo, desde o seu aparecimento, vivamente re pelir as heresias com os seus raciocí nios s edutores, seus ataque s especiosos, e re s guardar o depósito de s ua re velação de qualque r contágio; e de que modo, em seguida, depois que passou o perigo, sabe ele fazer entrar e manter, muito concientemente, em sua doutrina — expondoos, porém, sob sua face ve rdadeira, re lativamente ao c onjunto da reve lação — os e lementos de verdade que a heresia tinha posto em relevo de maneira unilateral, tornandose assim perigosos e atéfalsos. “Sóa Igreja conseguiu expelir os elementos maus sem sacrificar os bons, e faze r e ntrare m na unidade de s ua sí ntese as coisas que por toda parte, alhure s , s ão inconciliáve is ” (Ne wman). E ’ o e s pí rito da re velação, vivo na Igre ja, o vig or e o rigor lógico do ensiname nto católico — ao qual a Es cola chama a Tradição ativa — que e vita toda contaminação ao catolicismo e consegue sempre restabelecerlhe a grande unidade e harmonia interior (4). E’ ainda esse mesmo e s pí rito vivo da Re ve lação, agindo pelo magis tério da Igreja, que torna possivel a maleabilidade interna do conjunto, s ua força de e xpans ão, s ua adaptação a todas as me ntalidade s . E ’ ele o ve rdade iro princ í pio de atividade e de progresso do catolicismo. Todas as demais confissões cris tãs, na me dida e m que pe rmane ce ram como re 4) P or várias vezes insiste Santo A g o s t i n h o sobre a utilidade que as heresias apresentam para o desenvolvimento da doutrina católica. J á no de vera relig., 8, 15: plurimum prosunt, non verum docendo, quod nesciunt, sed ad verum quaercndum carnales et ad verum aperiendum spiritales catholicos excitando. Conj. 7, 19, 28: improbatio quippe hae re ticorum facit e mine re quid ec clesia tua sentiat et quid habeat sana doctrina. Oportuit enim et haereses esse, ut probati manifesti fierent inter infirmos. 10*
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ligiões pos itivas , se e s tabe le ce ram s obre um princí pio rí gido, morto; o Luteranismo e o Calvinismo, sobre a letra da B í blia; as Igre jas cis máticas orie ntais , s obre a letra da B í blia e s obre a Tradição pas s iva, is to é, s obre as tradições dos primeiros Padre s e dos Concí lios mais antigos. Dai, um duplo perigo: ou de tratarse a Re ve lação como um capital morto, como um tesouro guardado que nos devemos contentar em ver de fora, e transmitir, materialmente, àposteridade, negandolhe, por esta forma, as energias vitais que outra cois a não buscam senã o desenvolverse e faze r com que se des envolva o ge rme contido na Tradição. Foi a este pe rigo de imobilização, de fixismo, que sucumbiu a Igreja grega ortodoxa. O outro perigo consiste em abandonar, para melhor corre s ponder às e xigências do te mpo, o conte údo da Reve lação, e em criar um cris tianis mo comple tame nte novo, a que se poderia c hamar a re ligião do ide alis mo ge rmânico, por exe mplo. E ’ o que ameaça o Prote s tantis mo. O catolicismo escapou a esses dois perigos. A vitalidade do Es pí rito da Re ve lação, que anima o magis tério da Ig re ja, constantemente se manifestou, indo procurar, na Escritura e na T radição, os dados re ve lados que e las contêm, e progres s ivame nte e xtraindo a rique za dessas e ne rgias í ntimas. S ó no catolicis mo se pode ve rificar o crescimento do obje to da fé. Nada nele e xiste de rí gido e imove l, mas tambem nada de inesperado e incoerente. E’ o verdadeiro des e nvolvime nto orgânico. Por esta forma, a Igre ja es tá sempre em condiçõe s de oferece r aos home ns de todas as épocas e xatame nte o que lhes convém. O des envolvimento dog mátic o não se opera, com efe ito, ao acas o, corre s ponde às nece s s idades e às perguntas dos fiéis de c ada te mpo. Como aque le s nos quais se encontra o Es pí rito da Re ve lação s ão homens , cre ntes que vivem no seu tempo, es tão em contacto perpétuo com as pe rguntas e necessidade s da Igre ja “ e nsinada” — da comunidade dos cre ntes. P ode m confrontar ince ss antemente a herança que lhes foi confiada com essas perguntas e necessidades, e delas tirar as re s postas que os fiéis e s peram. Daíuma perene atividade na comunicação da ve rdade re ve lada aos homens, um perpétuo inte rc âmbio entre o bem sobre natural re ve lado e as almas famintas . A Re ve lação não e nvelhece ,
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permane ce s e mpre jove m. Não tem idade, ése mpre atua l, mes mo depois de s obre ela havere m pass ado s éculos e mais séculos . A catolicidade exterior, a força expansiva e conquis tadora da Igreja repousa, dizfamos, sobre a sua catolicidade interna. Acabámos de mos trar que um dos e lementos des s a catolic idade inte rna consis te na afirmação da Re ve lação inte ira e no Es pí rito da Re velação que a pe netra e torna viva, dirigindo o magis tério da Igre ja. O segundo elemento da catolicidade interna, encontramolo na afirmação, na compre e ns ão do home m total, da natureza humana tal como étanto em seu corpo como em s ua alma, e m s ua s e nsibilidade como em sua inte ligência e sua vontade. A Igreja dirigese ao homem todo. A doutrina do pecado original, tal como a precisou o Concí lio de Tre nto contra Lute ro, não atribue ao pe cado original ne nhuma alte ração das faculdade s naturais do homem, não o confunde com o que s ão Paulo chama a lei dos membros , a concupis cência. Se m dúvida, pe lo pecado original, a inteligência ficou obscure cida, e a vontade para o be m de bilitada, não, contudo, dire ta e ime diatamente, mas como conse quência de ter s ido o home m privado da vida sobrenatural e da amizade de Deus nas quais havia s ido criado. Des de e ntão, com efeito, seu ser inteiro ficou como que descentrado, deixando de orien tarse para o fim sobrenatural a que Deus o destinara ao criálo, mas as fac uldade s do homem permane cem intactas. A de bilidade que à s ua nature za imprimiu o pecado orig inal não produziu decadência fí s ica nem a corrupção de s uas potências corporais e e s pirituais . A Ig re ja pode ter, por conse guinte, a ambição de cons agrar ao s erviço de De us a nature za humana, isto é, tudo o que nela háde propriamente humano: a sua sens ibilidade , a s ua razão, a s ua vontade livre . Não te ndo sido a natureza do homem alterada interiormente em suas próprias forças , mas some nte pelo fato de have r s ido desviada do fim sobrenatural a que se lhe designara a vida, e, pois, s imples mente pela s ua máorie ntação, no dia em que essa orie ntação foi c orrigida, dia no qual, pelo batismo, estabelece u o ser humano re lações s obre naturais , originais, com Deus, pode o homem ser conservado e orientado para Deus na integralidade de sua natureza. Como
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A catolic idade
corpo de Cristo, a Igre ja dirigese a tudo o que é de De us , e, pois, ao próprio corpo do homem, tnesmo às suas as pirações e ne ces s idade s sensí veis, mes mo às s uas paixões, da mes ma mane ira que à sua inte ligência e à sua vontade . Libertado, pela graça s antificante, es se corpo, essa s e nsibilidade, e ssas paixõe s , do tropismo para a terra, para o eu que a des viava do seu fim, não s omente as re stitue ela ao reino de Deus, porém lhes comunica ainda uma nobreza e uma profundeza incomparaveis . E ’ miss ão da Igre ja de molir inte iramente o ve lho edifí cio terrestre do homem, mas para retomar os materiais assim desagregados e, dandolhes o seu verdadeiro lugar, seu verdadeiro s entido, por cons equência toda a sua be leza e esple ndor, construir com eles um e difí cio novo. Por esta forma, no catolicismo, a natureza, longe de ser destruida, é prodigiosame nte pre s tigiada. Tal como s aiu o homem das mãos do Criador, em toda a beleza do seu corpo, no ardor de sua s ensibilidade, na fuga de s uas paixões , na vivacidade de s ua inteligência e na poss ante e nergia de sua vontade, assim ela o ama, assim ela o quer, esforçandose por formálo de mane ira que es se homem belo, ardente, inteligente e forte seja todo de Deus, que tudo o que ele recebeu de grande , de mag ní fico, em sua nature za orig inal, posto em re lação s obre natural com o fundame nto divino de s ua vida, retorne ao seu e quilí brio interior e atinja a pe rfe ição. Uma dupla consequência daíresulta, do ponto de vista da catolicidade , da força conquistadora da Igre ja: antes do mais, a sua simpatia inteligente pela Natureza no homem, pelas s uas faculdade s corporais e se nsí veis, tanto quanto pelas suas faculdades superiores. Ela penosamente lutou, durante séculos, contra os Gnós ticos e os Maniqueus, contra os Albigenses e os Bogomilas e muitas outras seitas de denominaçõe s diversas, para protege r os direitos e a dignidade do corpo, notadamente os dire itos e a dig nidade do cas amento. O corpo não é, para e la, um “ ve rgonhoso invólucro” , mas , sim, obra boa e precios a de Deus. Este dom ine s timáve l étão necessário ao home m que, de s truí do pela morte, será re s suscitado por Deus para servir àalma imortal. A Igreja ama esse corpo que vem de Deus; ensina aos seus artistas a representarem na nobreza e no esplendor de suas formas a “in
A da m ,
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exprimivel beleza do HomemDeus e dos santos; orna as mais pobres igre jas de alde ia com re pres entações de Nos so Se nhor, da Virge m e dos s antos, para que os fiéis pos s am elevarse do vis ivel ao invis í ve l, da bele za terre na à beleza celestial. A cultura da arte énatural ao catolicismo como o respeito ao corpo e ànatureza. Es te respeito ao corpo condúla a ocuparse tambem da s e ns ibilidade ; o homem não é um puro e s pí rito: tem neces s idade do visive l, do se nsí vel, para atingir o es piritual. E’ sobre esta lei fundamentai que repousa a instituição dos s acramentos . As s im como o próprio Cris lo se fez batizar e marcou a comunhão na sua carne e no se u s angue pelos s ignos sensiveis do pão e do vinho, assim como, em geral, ele religou as coisas espirituais a coisas sensive is, e nviando se us dis cí pulos a ungire m de óleo ü s doe nte s , não come ndo pão s enão de pois de havêlo abe nçoado, não de ixando uma criança sem lhe haver impos to as mãos, as sim tambem a Ig re ja re liga a meios sensiveis os seus bens espirituais. Além dos s acramentos ins tituí dos pelo Cris to, possue ela os sacramentais que ela mesma instituiu. Tiram eles s ua eficácia, não de um ato de vontade pos itiva do Cris to, mas do poder de interce s s ão da prece da Igre ja e das dis pos içõe s com que s ão e mpre gados . S ão as oraçõe s dos fiéis e da Igre ja inte ira e m vis ta de uma be nção ou de uma graça, e que se vêem ass im como que obje tivadas s ob uma for ma sensivel. Quando o católico toma pie dos ame nte ág ua be nta, quando pe ndura palmas bentas, flores bentas no seu quarto, não pre te nde s e não estabele ce r um contacto religioso com a prece de interce ss ão da Igre ja inteira, para que De us se dig ne virlhe e m auxí lio cm s uas necessidades. Mesmo na vida profana, tudo, desde o anel nupcial atéao sal bento que ele dáa um animal doente, religase a De us de mane ira s obre natural pe la benção da Igre ja. T oda a v ida do católico e m suas manife s taçõe s exteriores éass im dirig ida para o céu — pelo visivel ao invis í ve l. Evide ntemente, s ão possive is abusos e podese faze r dos s acramentais uma espécie de ritos mágic os — onde há homens , haverá se mpre abusos — mas , porve ntura, s eria justo apre ciar uma ins tituição pelos abusos de que ela é ví tima? Pre cis ame nte porque a Igre ja eleva o homem do s ensivel ao e s piritual, exerce a sua ação mes
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A catolicidade
ino s obre as almas que ainda es tão por de mais me rgulhadas nas pre ocupaçõe s de ordem sensivel. Mcs ino a esses seres que levam bem pobre vida espiritual leva ela um raio do céu. Não t* s ome nte a Ig re ja dos povos, mas a Igreja do povo. Não é apenas a s e nsibilidade que a Igre ja admite e s atis faz no homem, s ão, mais ainda, as suas faculdade s superiore s , e ante s de tudo a sua Razão. Pre tende ela de maneira muito especial satisfazer e conquistar as in le ligências . T oda a expos ição e jus tific ação de sua fé, desde os Apologistas, as escolas de Alexandria e de Antio quia, pas s ando pe la es colá s tica, até aos noss os dias, é dominada pela confiança nas luze s da razão. A fé católica s upõe que a razão humana écapaz de, por s i mes~ ma, des cobrir os pre âmbulos da fé, que r dizer, a e s piritualidade da alma e a exis tência de De us e, geralme nte , para além da e xperiência sensive l, as re alidade s e s pirituais que ela implica, as sim como as provas históricas e filos ófic as da cre dibilidade da fé. Como a ce rte za s obrenatural da férevelada se eleva por sobre esses preliminares naturais, a filosofia se faz a serva da teologia (an cilla the ologiae ). Não pretende e la com isto, de mane ira ne nhuma — o Concí lio do Vaticano (se ss. 3, cap. 4) repele expre s s ame nte esta pre te nsão — contes tar às ciências profanas seus princí pios próprios e a inde pe ndência dos seus métodos . Afirma ape nas, e s egundo a Re ve lação, que a razão, s e guindo s imples mente suas próprias leis, e partindo dos seus próprios princí pios , écapaz de chegar ao ponto em que Deus aparece como o fundamento prime iro e a e xplic ação final de tudo o que e xiste, e no qual a ciência c onduz àfé, a filos ofia àte ologia. De cada ve z que se quis negar ou pôr e m dúvida a capac idade de ir a razão além da expe riência sensive l, ou se pre te ndeu limitar ou s ufocar a te ndência do homem a conhecer a realidade inteira, a Igreja tomou a defesa dos direitos da razão (Ave rróis , Lutero, Kant). Quanto mais, em nos sos dias , se mos tram os e s pí ritos fatigados das teorias idealistas do conhecimento e procurara sair do Sujeito para atingir o Objeto, tanto mais se mostram gratos a Pio X por have r, na Encí clica “ Pas ce ndi” contra o Mode rnis mo, tão injus tamente criticada, de fe ndido, contra o Positivismo, o Pragmatismo, o Fenomenismo, o poder que
Ad am,
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te m a razão de atingir o transce nde nte, de ir além da expe riência s ensivel. O caater católico da Ig re ja mostrase ainda não ape nas em não de ixar e la que a c iência e a fé se combatam numa esteril opos ição, mas também em que as une harmonios ame nte, abrindo a ciência à fé e a fé à ciência. Os maiore s e s pí ritos — Orige nes , s anto Agos tinho, s anto Tomaz, Ne wman — se de ram a si me s mos a tarefa de ope rar essa sí ntes e da ciência e da fé. E m nossos dias, a teologia zelosamente procura utilizar no s erviço da fé as aquis ições da ciência. O catolicis mo este nde a mão a cada uma das ciências e c uidadosamente recolhe, par a com e las armar seu s antuário, todas as preciosas parcelas de verdade que encontra. Contentemonos com mencionar, de mane ira rápida, a s e gunda cons equência da es tima que profes s a o Catolicismo por tudo o que éda natureza no homem e de que lhe ve m, e m parte , a s ua força conquis tadora: a ace itação, a utilização de tudo o que éconforme à nature za e ve rdade iro, e se cons ervou intacto nas civilizaçõe s anteriores ou e s tranhas ao cris tianis mo. O pag anis mo, se m dúvida, não e ncontrou adve rs ário mais re s oluto do que o catolicismo, mas isto sóna medida em que essencialmente se des via do único De us ve rdadeiro e vivo, para entregar se à adoração do eu e da nature za. Ora, no paganis mo há outra cois a ainda. Me s mo nas civilizaçõe s pagãs , do fundo ainda intato da natureza nascem pendores nobres e puros, pe ns amentos e dis posiçõe s e le vadas , e is to nã o ape nas no domí nio da ciência e da arte, mas tambe m no da re ligião e da moral. Os ge rmes de ve rdade, segundo obs ervação fre que nte dos Padre s da Igre ja, por toda parte se e ncontram, entre os romanos como entre os gregos , entre os hindus como entre os negros . Tra tase ape nas de s eparar esse s germes das excres cências pagãs que se lhes ade re m e ame açam s ufocálos . Podem ser, logo após , utilizados em prove ito do Re ino de De us . Es ta obra de s e paração e purific ação, re alizaa a Igre ja quando se dirige aos filós ofos pagãos , a P latão, a Aris tóte le s e a P lotino, ao médio e ao novo Pórtico, para fazer com que sua sabedoria sirva ao Logos incarnado. Não hes ita mes mo em tomar ao paganis mo práticas culturais ou s í mbolos quando é possí ve l darlhes alma cris tã. Não é is to de bilidade ou falta de princí pios , mas
Cap. VII.
A catolic iiiade
s imples mente aplic ação de s ua catolicidade . E ’ a cons equência imediata da doutrina fundame ntal do catolicis mo segundo a qual tudo o que ébom, tudo o que vem da nature za não corrompida, pertence a De us, faz, de direito, parte do s eu Re ino. Eis por que o catolicis mo não ergue barre iras em face de c ivilizaçõe s não cristãs, ein face das civilizaçõe s que o prece deram. Sóem face do pe cado le vanta urna barre ira intrans poní ve l. S ua mão libe ral muito colheu no terreno da antiguidade e dele muito nos conservou no mome nto em que a civilização antig a des moronava s ob o tropel dos bárbaros . Ainda hoje, se es ses me s mos tesouros, se toda a c ultura do es pí rito que nos legou a antiguidade, fossem postos em perigo e corres sem o risco de s er dispe rs ados e e s banjados pe las mãos dos vândalos modernos , se a te ndência friamente pos itiva ao prátic o, ao util, ao idolo do dia, nos ameaças s e de pe rder contacto com o e s pí rito da antig uidade e de comprome ter com isso a cultura humana, a Igreja se levantaria e, como outrora na idade média, continuaria a dis tribuir a seus filhos “o ouro do Egito”. Tal éo catolic is mo: ace itação de todos os valore s , sejam quais forem, larga simpatia, no sentido mais extenso e mais nobre do vocábulo, por tudo o que no mundo existe, união da nature za e da graça, da arte e da Religião, da ciência e da fé, afim de que “ De us es teja todo em tudo” . Que outros s aiam em procura de imag inária s implicidade primitiva: quanto a nós , diz Ne wman, re pous amos na ple nitude católica. O catolicis mo não conhece divis a difere nte da de s ão P aulo: “ Eu me fiz tudo para todos , afim de ganhálos todos para Jes ús Cris to. Tudo is to eu o fiz para o Evangelho” (1 Cr 9, 22).
Capitulo
VI I I
Fora da Igreja não há salvação Se alguem deixa de ouvir a Igreja, que s e ja par a ti c omo um pag ão e um publicano (Mt 18, 17).
Sendo o corpo do Cristo, o reino de Deus na terra, a Igre ja católica é, por isso mes mo, a Igre ja da humanidade . Seu fim essencial é a incorporação dos homens de todos os tempos e lugares na unidade do corpo do Cristo. Eis o que explica a sua catolicidade externa e inte rna, s ua propagação pelo mundo inte iro e sua compre e nsão de tudo o que há no mundo. E is o que e xplica, tambeni, o seu exclusivismo, is to é , s ua pre te nsão de ser pura e simplesmente a Igreja da humanidade, o que vale dize r: a ins tituição e xclus iva de s alvação para todos os homens. Precisamente porque se considera como a Igreja da humanidade, como o reino de Deus do qual, segundo a vontade do Cristo, todos os homens fazem parte essencialmente, não pode evidentemente admitir que os homens te nham a prerrogativa de promover, da mesma forma, a sua salvação e m outra qualque r comunidade , que ao lado da Igreja da humanidade, ou mesmo contra ela, se tenha constituí do. O próprio Heile r (1) não pôde de ixar de reconhecer o rigor des ta conse quência. “ Se o catolicis mo éefetivamente a universalidade, se representa a plenitude dos valores re ligios os, não pode deixar de ser exclusivo. Tal e xclusivis mo não nasce de ne nhuma es treiteza de s ua parte, mas, sim, de uma rique za ine s gotáve l” . Re ne garia a Igreja a sua marca distintiva mais profundamente espe cificadora e mag ní fic a, s ua perfe ita plenitude, e a propriedade essencial de que lhe vem essa plenitude, e que consiste em ser o Corpo do Cristo, se reconhecesse como irmã, g ozando dos mes mos dire itos que e la, uma igre ja I ) lr. H e i l e r ,
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Cap. VIII.
Fora da Igre ja não há s alvação
antag onis ta ou simples me nte difere nte. Que re conhe ça importância his tórica às outras Igre jas , que as cons idere como comunidade s cris tãs, atémes mo como Igre jas cris tãs, ainda v á; jamais , porém, as re conhece rácomo a Ig re ja do Cristo. Um sóDeus, um sóCristo, um sóbatismo, uma sóIgreja. Um segundo Corpo visivel do Cristo, uma s e gunda manife s tação vis ivel do seu es pí rito, s ão tão inconce bí ve is quanto um s e gundo Cris to. Quando, na primave ra de 1919, vieram a Roma cris tãos americanos par a convidarem o Papa Bento XV a participar de um congresso inte rnacional s obre “ a fée a conce pção da Igre ja” , é porque não tinham compre e ndido essa fundame ntal e xigência da própria idéia da Ig re ja católic a. A Ig re ja católica não pode de ixar de cons iderar com be nevolência todas as te ntativas de união das comunidade s não católicas (2 ). Ela vê niss o um prime iro movime nto de preparação àque la unidade necess ária do Cris tianis mo, especialme nte no Ocide nte . Reconhece r, porém, às outras comunidade s cris tãs os mes mos direitos que lhe cabe m, s eria admitir a s ua própria decadência e cometer a pior das infide lidade s para cons igo me s ma. A Igre ja c atólica 2) Cf. a e s te re s pe ito M. R e i c h m a n n , Christliche Wiedervereinigung (A re cons tituição da unidade cris tã) nos Stimmen der Zeit, 106, 1924, pág . 190 s g. Ve r um artig o ante rior do mes mo autor na re fe rida re vis ta (98, 1920, pág . 388 e s g .). Cf. igualmente H. S i e r p, Unionsbestrebungen bei den Protestanten (Os e s forços dos prote s tantes pe la união) na me s ma re vis ta, 100, 1921, p. 184 e sg.). Encontrarse áuma intr odução, tão r ica quanto viva a este movime nto na obra de P f e i l s c h i f t e r , Die Kirchl. Wiederve r ciriigungsbestrebungen der Nachkriegszeit (Os e s forços pe la restaur ação da unidade cr is tã de pois da g ue rr a), 1923. O trabalho do P . S i m o n s obre Die Wiedervereinigung im Glauben (A recons tituição da unidade na fé), 1925, é notáve l pela s ua atitude comedida e de bom senso. Podemse consultar igualmente seus artigos sobre Die Wiedervereinigung der Christen und die geistige Lage (A re cons tituição da unidade cris tã e a s ituação re lig ios a) e m Jahr b. d. V. d. V. Kath. Ak., 1923 e sobre Die Kirchl. Einigungs bes tre bunge n in E ngland und De utsc hland (A tentativa de união das Igr e jas na Inglate rra e na Ale manha) e m Theol. und CL, 1924, fase. 3. S obre as “ Conve rs açõe s de Maline s ” entre o Car dial Me r c i e r e lord H a l i f a x , era 19211923, encontrarse ão documentos numerosos e variados na Documentation cath., 1925, t. XIV, col. 515571.
Adam,
A es s ência do Catolicis mo
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s eráa Igre ja, o corpo do Cris to, o re ino de Deus, ou nã o serámais nada. Tal carater exclusivo da Igreja se funda s obre o carate r e xclusivo do próprio Cris to, sobre a prete nsão de ser aquele que éo único que dá vida nova, de ser a Via, a Verdade e a Vida. E’ no Cristo que a plenitude da divindade se manifesta. Em sua pessoa divino humana re s ide a última e mais comple ta união de Deus com a humanidade . Nele incarnarams e a S abedoria, a Bondade , a Mis e ricórdia de De us. De s ua ple nitude recebemos todas as graças . P or isso não há outra via s enão o Cristo pa ra se ir a De us. " Não hás ob o céu outro nome que te nha s ido dado aos homens para s ua s alvação” (At 4, 12). Ora, o Cris to, não o podemos apre e nde r senão por me io de s ua Igre ja. Se m dúvida, ele teria podido comunicarse com a s ua graça de s alvação, sem ne nhum inte rme diário, a todos os homens, numa expe riência puramente pes s oal. A ques tão não ésaberse o que lhe seria poss ivel, porém, s im, o que de fato ele quis. Na verdade, quis darse aos homens por inte rmédio dos homens e, as s im, por meio da comunidade e não pe la da vida s eparada, is olada. A g raça de Jes ús devia vir aos homens, chamados pe la nature za a vive rem em sociedade , não por fora ou mesmo contra essa necessidade social, mas, pelo contrário, pe la s ociedade. O que e le que ria, era s uscitar, não uma multidão infinita de almas mônadas s antas , mas , sim, um reino organizado de homens santos, um reino de De us. Es s e meio de comunidade tão be m corre s pondia àsua lei fundamental, a caridade, que impele àcomunidade, à unidade frate rna — que não pode existir s enão onde hácomunidade ! corre s pondia ela tambe m àprópria natureza de De us . O que é de Deus pertence a todos os homens e deve manifes tars e como uma força que a todos se dirige , numa palavra, como alg o de católico, isto é, s ob a forma de uma unidade que e ngloba todos os home ns . Onde está De us, não pode haver contradição, dive rgência de pe ns ame nto, divis ão. A verdade divina não pode ser es s encialmente mais do que uma ve rdade , uma vida, um amor. Não pode ter s e não uma forma, a de uma c omunidade orgânic a unindo todos os homens por dentro. Des de os prime iros tempos da comunidade cristã, para afirmar esta necessidade absoluta de pertencer a uma só
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Cap. Vlll.
F ora da Igre ja não há s alvação
e mesma comunidade afim de ser salvo, apoiavase o cre nte a uma de claração formal do Mes tre : “ Se algueni deixar de ouvir a Igre ja, que s eja para ti como pagão ou public ano” , vale dize r, não s eja cons ide rado mais como cris tão (Mt 18, 17). Foi es ta convicção da Igre ja primitiva que s ão Cipriano traduziu nas fórmulas lapidare s que a Tradição cons e rvou: “ Que m quer ter Deus por Pai, deve ter a Igre ja por Mãe ’’ (E p 74, 7 ); “ Ninguém se pode salvar fora da Igreja” (Ep 4, 4); “Fora da Igreja, não hás alv ação” (E p 73, 2 1). Fórmula famos a, que punha no relevo mais vivo possi vel a pre te nsão que tinha a Ig re ja de ser a únic a a poder dar a s alvação: Fora da Ig re ja, não hás alvação! O quarto Concí lio de Latrão (1215) adotoua lite ralmente . O Sí mbolo, dito de s anto Atanás io, que a Igre ja adotou como uma de s uas profiss õe s de fé oficiais, a des e nvolvia longame nte: “ O que quer ser s alvo deve, antes de tudo, admitir a fécatólica. Se não a g uardar intac ta e completa, s erá ce rtamente danado” . O Concí lio de Flore nça (1434) ainda mais nitidamente se exprimia, de clarando que todos os pag ãos , jude us, herege s e cis máticos não te rão a vida eterna e s erão conde nados ao eterno fogo. E’ incontes táve l que, na me dida em que a Igre ja, pela s ua catolicidade , é aberta a todos e compree nde tudo, nes s a, mes ma me dida, pela s ua pre tensão de ser o meio único de s alvação, encolhese s obre si mes ma sem reserva e é e xclusiva. À s ua ace itação s em reserva de todos os verdadeiros valores, de qualquer ordem, de qualque r orige m que s e jam, se opõe a mais abs oluta afirmação do s eu próprio valor exclus ivo. E e sta afir mação do seu valor exclusivo éprecisamente o contrapeso necess ário à s ua ac eitação sem re serva de todos os valores. Sem e sta rigide z, s em esta prodig ios a conce ntração em si me s ma, s ua te ndência católica, is to é, seu impuls o interno no sentido de englobar a humanidade inteira, de admitir tudo o que tenha algum valor humano, produziria um de bilitamento progre s s ivo do seu conte údo essencial, sobrenatural, que chegaria a diluirse, a fundirse com o que éape nas natural. O s incre tis mo ameaçálaia. Com o mes mo í mpe to e vig or que e la põe em darse ao mundo, re lembra ela sua orige m sobre natural, s ua de pe ndência para com o Cristo, sua força exclusiva de s antifica
Adam,
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ção. Por este meio cons crva o fundo s obre natural da mensagem de que estáencarregada, c permanece capaz de sobrenaturalizar, de reconduzir a Deus e ao Cristo todos os valores naturais que vai tomando ao mundo. Poderseia dize r que, se a s ua catolicidade é a s ua força ce ntrí fuga, esse intrans igente exclus ivis mo éa s ua força centrí pe ta. Tal e quilí brio de forças nos re ve la o s egre do de s ua fide lidade às ua própria lei, de seu caráte r a um s ó te mpo católico e exclusivo. Inutil quere r aje itar as coisas : s obre a que s tão de s abe r se às outras comunidade s cris tãs uma mis s ão de s alvação foi confiada, se pode alguem s alvarse nas outras Igre jas cris tãs, a Igre ja católica é absolutamente intransigente. Precisamente porque todas essas comunidades se fundaram quebrando a unidade dos irmãos na fé e na caridade , s ão, do ponto de vista católic o, ins tituiçõe s que não traze m o e s pí rito do Cris to e, pois , purame nte humanas e mes mo anticris tãs. Com re lação às mes mas , a Igre ja só pode pronunciar o anáte ma. E este anáttma, não pode rá re tirálo até que o Se nhor re torne. Explicase muito bem, todavia, do ponto de vista psicológico, a impre s s ão, e xpe rime ntada pelos fiéis das confiss ões não católicas , cm pre s ença de tal intrans ig ência dogmátic a, as sim como s ua te ndência a ver nisso o produto de um e s pí rito es tranho e atécontrário ao de Cris to, de um e s pí rito de dureza, sem coração. Quando se fala de “um e xclusivismo e de uma intole rância terriveis” (3 ), éporque se olvida que tais são pre cis ame nte as caracterí sticas de qualquer ve rdade. E quando se afirma, ao mes mo tempo, “que da fé em Je s ús, S alvador único, s omos dire tame nte c onduzidos à fé na Igre ja, arca única de s alvação” , põemse e m pé de ig ualdade es tas duas verdades : saber que o Cris to é o único nome no céu e na terra pelo qual nos possamos salvar e que, igualmente, sóna Igreja fundada por ele poderemos encontrar a s alvação. Um sóCris to, um sóCorpo do Cris to. Que m se recusa a admitir uma só ve rdadeira Igre ja, é muito fa cilmente levado por uma lógica iniplacave l a ne gar o próprio Cristo. De fato: a história das seitas s e paradas 3) F. H e i 1e r, Op. cit., p. 613.
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Cap. VIII.
Fora da Ig re ja não há s alvação
da Igre ja não étambém, porve ntura, a da alte ração progre s s iva da cre nça prime ira e m Cris to? T al é o pr incí pio: não há s enão um Cris to e não há s e não uma Igr e ja de Cris to na qual nos pos s amos s alvar — e éimpos s í ve l s eparálos — nes sa união de bronze , dura e ine xoráve l. Mas , neste caso, não s ão todos os herege s e não católicos condenados ao infe rno? Para compre ende r es te dog ma: “ Fora da Igre ja não há s alvação” em seu ve rdade iro s entido, is to é , como a Igre ja o entende , éprecis o vêlo em s uas orige ns e reco locálo no conjunto do dogma. Ne nhuma ve rdade c atólica forma uma peça em s e parado. Cada uma tem seu lugar e seu sentido no sistema total. Sóàluz do conjunto podemos descobrir seu sentido verdadeiro. Notemos , de começo, que o dogma da nece s sidade da .Igre ja para a s alv ação não é dirigido contra as pess oas como tais, mas contra as Igre jas e c omunidade s não católicas na sua qualidade de comunidades. A verdade positiva que ela que r afirmar éa s eguinte: não hás enão um corpo de Cris to e, pois , uma s ó Igre ja que conte nha e dis tribua a graça do Cris to. F ormulada de mane ira ne gativa, pode ser enunciada assim: toda Igreja que se levante contra a Igreja primitivamente fundada pelo Cristo e s tá, por is to mes mo, fora da comunhão de graças com o Cris í o. Não pode servir de inte rme diária par a a s alvação. Na qualidade de Igre ja s e parada, de contraIgre ja, e la é, do ponto de vista s obre natural, esteril. Não édos indiví duos que, de e ntrada, se afir ma a e s te rilidade , mas das comunidades s eparadas da Igre ja católica. O que nelas as põe à parte da Igre ja, o que, na sua fée no seu culto, as dis tingue da Igre ja católica, éincapaz de produz ir vida s obre natural. Na me dida e m que elas s ão não católic as , anticatólicas , is to é, naquilo que as caracte riza, não partic ipam do privilégio de ser “Mãe ” dos cre ntes. Acabamos, por esta forma, de enunciar a segunda res itrição a ser fe ita ao dog ma da nece ssidade da Igre ja para a s alvação, na doutrina c atólica. As c omunidade s acató licas não s ão, com efe ito, s imples mente acatólicas , anti católicas . Separandos e da Igre ja primitiva do Cris to, levaram elas consigo e conservaram uma parte importante do te s ouro da fé católica e alguns s acramentos, em par-
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ticular o do batis mo. Em seu conjunto, elas não s ão ape nas a antí te s e e a ne gação, mas, em boa parte , afirmação da he rança de ve rdade e de graça re cebida do Cris to e dos após tolos . Em seu e difí cio, a par de s ua contribuição especial não católica, e mpre garam muito mate rial benéfico do catolicismo, e o conservaram. Dado isto, na medida em que, pe la sua fée seu culto, s ão elas ve rdade irame nte católicas , pode e deve acontece r que , mes mo fora da Ig re ja vis í ve l, se ve rifique uma ve rdadeira vida s obrenatural, um cres cimento em ele vação e intimidade na comunhão com o Cris to. Não e s táaío cumprime nto da promes s a de Je s ús: “Te nho outras ove lhas que ainda não e s tão nes te re banho” (Jo 10, 16 )? Por toda parte em que a palavra de Jes ús éfielme nte anunciada e em que se batiza com fée m s eu nome, a g raça de Jesús pode descer e*dar frutos. Quando os dis cí pulos quis e ram impedir que alguem, que não e s tava com eles , expulsas s e os de mônios ' em nome de Je s ús , disselhes este: “Não o impeçais . Com e fe ito, quem ope ra um prodí gio em meu nome, não irá em seguida dize r mal de mim. Que m não écontra nós é por nós ” (Mc 9, 38). Foi no s entido des ta palavra do Mestre que lutou a Igre ja c ontra s ão Cipriano e a tradição da Igre ja da África e, em controvérs ias que duraram s éculos, contra os Donatistas, pela validade do batismo conferido, em nome de Je sús, fora da Ig re ja católica. E foi precis ame nte essa Roma tão atacada pela s ua “ intrans igência” , foi o próprio P apa Es te vão que, sob o risco de um cis ma na Igre ja da África, impediu que se comprometes se a validade do batis mo dos hereges. Es te princí pio éo mes mo que ins pira a Igre ja com re lação àvalidade dos sacramentos, que, no entanto, o Cristo confiara ao circulo restrito dos s eus após tolos . Nas Igre jas não católicas nas quais o e ncargo apos tólico se conservou por meio de um episcopado regularmente consagrado, como nas Igrejas orientais separadas de Roma, e, mais tarde, nas comunidade s dos Jansenistas e dos ve lhoscatólicos , reconhece ela a validade de todos os s acramentos que não exige m s e não o exercí cio do poder de orde m, sem exigir a juris dição e cle siástica. Em todas essas Igre jas , re conhece ela que os fiéis ve rdadeiramente rece bem, na comunhão, o corpo e o s angue do Cris to, não porque s e jam cis máticas essas Igre jas , is to é , não em virtude de s eu carater A OBBê ncla — 11
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Fora da Igre ja não há s alvação
e s pecí fico, mas porque , não obstante se have re m s eparado, guar dam ainda algo da herança católica primitiva. E ’ o que elas conse rvaram de católico que continua a dispor do poder de santificar e de salvar. E ’ pre ciso, aliás , não entendermos com isso — e aqui che gamos àte rceira obse rvação re lativa ao adágio: “ Fora da Igre ja não hás alvação” — que os s acramentos dis tribuí dos fora da Igre ja só tenham valor puramente objetivo, sem ope rar s ubjetivamente e sem produzir a graça no que os recebe. Tal era, ao que parece, o pensamento de s anto Agos tinho. Se gundo ele, a graça, produzida objetivamente pelos sacramentos conferidos fora da Igreja, não pode ria agir interiorme nte nos hereges ou cis máticos por estarem todos de máfée obstinada e concientemente se opore m ao e s pí rito de unidade e, pois , ao Es pí rito S anto. Prevalecendose de santo Agostinho, sustentaram os Jans e nis tas o mes mo erro e afirmavam que “fora da Igre ja não há graça” (e xtra eccle siam nulla conce ditur gratia). Foi ainda Roma que, pelo Papa Clemente XI, em 1713, e xpre s s amente condenou esta propos ição. Pre tende r que a Igre ja católica te nha continuado a marc har no s entido da corrente da Igre ja da Áfric a (4 ), de s ão Cipriano e de santo Agos tinho, “que e la te nha mesmo re forçado de cada vez mais o princí pio de e xclusivismo e por esta forma impedido de cada vez mais o catolicismo no sentido da estreiteza, resulta em contrariar os dados mais claros da história. A Igre ja express amente corrigiu o rigorismo da antiga teologia dos Padres africanos , afirmando que, mesmo fora da Igre ja católica, age a graça divina. Os s acramentos recebidos fora da Igre ja podem santificar e salvar, mesmo subjetivamente. Assim, aos olhos do católico, nas comunidade s que cre em em Je s ús e batizam em seu nome, épossí vel uma vida cristã autêntic a e pie dos a. Nós , católicos , s audamos com um respeito sincero e uma caridade reconhecida a essa vida cristãpor toda parte em que a percebamos. Sentimonos cheios de estima, por exemplo, pelas diaconisas protestante s ; admiramos a ação caritativa da mis s ão inte rior e o devotamento de que as outras obras protestantes nos dão o e s petáculo. Parecenos ouvir “ as melodias da velha casa paterna” (Knoepfler) nos cantos de um Paul 4) F. H e i I e r, Op. cit., p. 614.
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Ge hrard, na P aixão de Bac h, ou nos Oratórios de Haen del. Sim, o ponto de vis ta católico admite facilme nte a pos s ibilidade , nas confis s ões nãocatólicas , de uma ce rta vida cris tã, me s mo de uma vida cris tãplena, elevada, segundo o “ple no des envolvime nto do Cris to” , uma ve rdadeira s antidade . S em dúvida, não poderáe s ta aídes envolverse com a riqueza de formas que reveste aqui onde estáseu corpo. Obse rve mos , aliás, que jamais e ssa vida s anta tomará, porve ntura, ares anticatólicos . Onde está a graça, seu fruto de grande za e nobre za che garánormalmente àmaturidade. Grandes figuras brilharam e brilham ainda s obre tudo na Igre ja russa (5 ) (que maior quinhão conserva da he rança católica primitiv a), na pess oa de um Dmitri, de um Innozens, de um Tykhon e de um Te odósio. O catolicis mo admite que , nas comunidade s protes tantes , pos s a haver santos e mártire s (6 ). S e gundo o e ns iname nto católico, a graça de Cris to não limita a s ua ação ao inte rior das comunidade s cristãs, opera no mundo estranho ao Cristianismo, entre os judeus, como entre os japoneses ou os turcos (7). Em qualquer cate cis mo católico podese ver que , ao lado do meio or dinári.0 dê s alvação, o B atis mo, existe outro meio extraordinário, o batis mo do de s ejo, is to é, a força s antific ante da caridade perfeita, excitada e formulada pela virtude Tedentora do Cristo. Esta caridade perfeita faz amar e ace itar tão inteiramente a vontade de De us, que o que seja por ela animado receberia o batismo sem hesitação se lhe conhecesse a e xis tência e pude s s e recebêlo. Como às ua chuva benéfica e ao s eu sol, envia De us s ua graça triunfante a todos os coraçõe s que se mantêm prontos a rece bêla, is to é, a todos os que faze m o que deles depende, e que lhes dita a conciência. Des de que ve io Cristo e fundou seu reino, deixou de haver moralidade plenamente natural, se éque esta épossivel! Por toda parte e m que a conciência e s tádes perta, em que o home m 5) Cf. Mons . D ’ H e r b i g n y , Theologica de Ecclesia, 1921, t. II, p. 110. 6) L. P f I e g e r publicou na re vis ta católica “ S e e le" (Alma , 1924, p. 7) um re lato entus iás tico e pe ne trante de uma nobre anglicana, Florence Barclay. 7) Cf. o tão impres s ivo es tudo de J. Ma r e c h a l s obre um mí s tico muçulm ano, Al Hallaj, e xe cutado a 26 de mar ço de 1922 (Re che rche s de sc iences réligie us e s , t. XV, 1923, pág . 244 s g .).
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Fora da Igreja não há s alv ação
abre os olhos para De us e sua s anta vontade , a graça de De us estápresente e trabalha na alma c nela de põe o ge rme da vida nova, da vida s obre natural, ü próprio Hei ler cita — se m re parar no formidáve l de s mentido que dá coin is so à s ua pre ce dente as se rção s obre a evolução da Igre ja no s e ntido da es treiteza — a seguinte pass age m do je s uita De Lugo, te ólogo célebre, que re s ume todo o e ntus iasmo católico a res peito do as s unto ( 8 ): “ De us dá a toda alma que ating iu o uso da razão luze s s uficientes par a s ua salvação. As difere ntes escolas filos óficas e confiss õe s re ligios as poss uem e transmitem um pouco da v e r da de ... Regularme nte, as coisas se pas s am por e sta forma: a alma que, de boa fé, procura De us, s ua ve rdade e seu amor, conce ntra, s ob a influência da graça, toda a s ua ate nção s obre essas parce las mais ou menos consideráve is de ve rdade que lhe s ão ofere cidas nos Livros Santos , as ins truçõe s , os ofí cios e reuniões da Igre ja, da seita, ou da escola filos ófica em que foi educada. Disto alimentase espiritualmente, ou, antes: a graça de De us , s ob o e nvoltório des sas verdades , nutre e s alva a alma ” . A opinião de De Lugo — a qual apenas exprime a da teologia católica — éque todos esses ge rmes de ve rdade e s palhados nas seitas, e scolas filos óficas e re ligiõe s as mais dive rs as , s ão pontos de ins e rção por onde a graça poderá penetrar e faze r do homem natural um homem novo, sobrenaturalizado na fée na caridade. Por mais absoluta e intransigente que seja a Igreja no afirmar a prete nsão de ser o verdadeiro corpo único do Cris to, não deixa de ter pontos de vis ta de e xtre ma libe ralidade com re lação à maneira por que pode a g raça de Cris to ag ir. S eu campo de ação é sem limite s e tão infinito quanto o coração do próprio De us . A pre te ns ão que tem a Igre ja de ser a única arca de s alvação, e xaminada à clara e radiante luz de s ua féna ação ilimitada da graça, e s palhada no mundo inteiro, se nos revela em seu verdadeiro e profundo sentido: éque, em virtude da vontade formal do Cristo, ela é, no plano da Rede nção, a ins tituição ordinária e moral de s tinada a conduzir e a dis tribuir a ve rdade e a caridade de Jesús na terra. S ó a Ig re ja católica éo canal pelo qual a graça “ 8) D e L u g o , de fid. dis p. XIX, 7, 10; XX, 107, 194; F. H e i 1e r, üp . cit., p. 612.
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da s alvação, manife s tada no Cris to, corre neste mundo, com toda a s ua força orig inal, e m toda a s ua primitiva pure za e plenitude. Com toda a sua força original — porque, e nquanto as comunidade s nãocatólicas tiram da Igre ja católica o que poss uem de verdade cris tãprimitiva e de graça, a Igre ja c atólica, por s i, o recebe, s em nenhum inte rme diário e em todo o seu fre s cor, do próprio Je s ús, pois que é a comunidade dos dis cí pulos da primeira hora, es te ndida no espaço e no te mpo. Em toda a s ua pure za — porque ess e bem, que ela rece be do Cristo, não o alterou, como es ta ou aque la seita, pela mistura de novidades . Graças à série ininte rrupta dos seus Bis pos, e la o guardou tão puro e intacto como no momento em que lhe foi confiado pelo Cristo. Em toda a sua plenitude — porque toma como seu be m todas as verdade s re ve ladas contidas na Bí blia e na T radição, e não s omente esta ou aquela pe dra que lhe pare ça pre ciosa. E ’, pois , a ins tituição pr ópria e ordinária da verdade e da graça de Jes ús. O que, aliás, de mane ira ne nhuma ex clue a e xis tência de vias dife re nte s de s alvação, nem a ação dire ta da graça s obre esta ou aque la alma, s em o inte rmediário da Igre ja. Mas todas es sas almas tocadas imediatamente pe la graça de Je s ús pertencem tambe m à Igreja, pois que esta, como corpo do Cristo, éa unidade realizada de todos os que foram resgatados pelo Cristo. Não perte nce m ao seu corpo vis ive l, sem dúvida, mas à s ua alma e s piritual, s obre natural, a seu núcle o sobre natural. Jamais , com efeito, a graça ope ra nes ta ou naquela alma em estado isolado. Opera sempre pela unidade de seu corpo. Em tal s e ntido, me s mo des ses jrmãos s e parados do organis mo exterior da Igre ja, é ve rdade iro dizerse que se s alvam, não fora da Igre ja e contra e la, mas por e la! Podese conce ber, contudo, que ve rdadeiros cris tãos pertencentes àajma da Igreja estejam separados do seu corpo visí ve l? De que modo se pode perte ncer ao corpo do Cristo sem pertencer ao corpo da Igreja? Para dar uma re s posta s atisfatória a es ta dificuldade , é preciso pas s ar do ponto de vis ta te ológico e abs trato para o ponto de vis ta ps icológico e concreto. Do ponto de vista puramente te ológico, à luz do dog ma das re lações í ntimas , e ssenciais , entre o Cris to e a Igre ja, não se pode s enão re produzir a conde nação pronunciada pe lo
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Cap. VIII.
F ora da Igre ja não há s alv ação
Concilio de Flore nça, contra os here ge s e cis máticos , os judeus e os pagãos . De s de que e les se mantêm, voluntariamente, fora da única Igre ja de Cris to, es tão, te ologicamente falando, fora da esfera dc ação da graça de Cris to e, pois, fora da s alvação. De s te ponto de vis ta puramente teológico é que deve mos entende r os severos anáte mas lançados pela Igre ja contra os he rege s e cismáticos, as sim como a Encí clic a, tão vivame nte atac ada, dc P io X, s obre s ão Carlos Borromeu. A Igre ja não vis a as pessoas enquanto tais, mas, sim, enquanto representam a idéia de uma contraIgre ja. Quando as idéias se opõem, e o erro luta com a ve rdade , o e s pí rito do homem contra a revelação, não pode haver compromis s os , não hácomplacências pos sí ve is. Se Cris to houve sse neste caso aje itado as coisas, não teria s ido crucificado. Quando Cristo estigmatizava os fariseus, tratandoos de sepulcros caiados e de raça de ví boras , quando qualific av a Herodes de raposa, era a austera seriedade da verdade que o fazia falar, e de maneira ne nhuma o ódio c ontra os indiví duos ; era o vivo s entime nto de s ua re s pons abilidade para com a ve rdade eterna que lhe ditava expressões tão fortes contra o erro e seus representantes. Cessar esta luta pe la verdade , fôra perder todo o vig or e s piritual, toda a força de carate r e re negar a De us. A intrans igência dogmática é um deve r moral, o deve r que impõe a verdade e a lealdade absolutas. Qua ndo não se trata mais de luta de idéias contra idéias , mas, s im, de homens de carne e oss o, quando se trata de apreciar estes ou aquele s nãocatólicos , o te ólog o cede o lugar ao ps icólogo, o home m do dogma ao home m das almas . Obs e rva então que o home m, em s ua vida re al, não és enão raramente a expre s s ão viva e comple ta de uma idéia, que o conjunto de suas idéias e de s ua v ida moral é por demais rico e coijiplexo para que se o pos s a traduzir numa fórmula. Em outros termos: o here ge , o jude u, o pag ão puros não existem. Hásomente homens de carne e osso cuja atitude fundamental éinfluenc iada ou dominada por idéias errôneas . Por isto, a Igre ja distingue expressamente entre hereges “formais” e hereges “materiais", segundo rejeitam a Igreja e seu dogma e xplicitame nte e em plena conciência, ou ape nas por falta de s uficie nte conhe cimento, originado, quer de pre juí zos ,
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quer de uma e ducação hostil à Igre ja. S anto Agos tinho (9) não quer que se trate de here ge àquele que s implesmente nasceu de pais hereges, contanto que simples e puramente procure a verdade, sem nenhuma orgulhosa s aficiência, sem fe char a aJma, erguendose c ontra a luz. Em pre s ença de tais homens, lembrase a Igre ja de que Cristo, Condenando embora tão s eve ramente os fariseus em ge ral, não condenou as pess oas, e trocou com Ni codemos palavras graves e amigas, e aceitou participar da mes a de S imão, o faris e u. A palavra de s anto Agostinho: “Amai os homens, exterminai o erro”, continua a ser a palavra de ordem, quando se trata das almas. Não houve , porém, na idade média, processo de hereges, não se queimaram he re ge s ? Obse rve mos , antes do mais, que tal não acontece u apenas nos pais e s católicos. O próprio Calv ino mandou que imar o médico Miguel S erve t.Contra os anabatis tas empre garam os luteranos, sobretudo na Turingia e em Saxe, a pena de morte. S e gundo o teólogo protes tante Walte r Kce hler (1 0 ), o próprio Lutero, depois de 1530, considerava le gí tima a pena de morte contra a heresia. O fato de, nas comunidade s não católicas, a pe rs e guição aos herege s ter s ido re conhecida como le gí tima e e fetivamente aplic ada, bas taria a provar que ela não é, de maneira ess encial, própria ao catolicis mo. Es ta doutrina não vem, pois , da s ua pre tensão de s er a Igre ja única em que se pos s a alc ançar a s alvação. Parece , ante s , provir dire tame nte da conce pção bizan tira do Es tado na idade média. Todo ate ntado contra a unidade da fé era cons iderado, e ntã o, como um crime 9) S t o. A g o s t i n h o , Ep. 43, 1, 1. 10) W. K œ h I e r, Reformation und Ketzerprozess (A Reforma e o proces so dos here ges ), 1900, p. 36; cf. P. W o p p l e r , Die Stellung Kursachsens und des Landgrafen Philipp von Hes sen zur Tauferbewegung (A pos ição da Saxe e le itoral e do La ndgrave Ph. de H. relativamente aos anabatistas), 1910. K. S e 11, Katholizismus und Protestantismus in Geschichte, Religion, Politik und Kuttur (Catolicismo e protestantismo, na Histór ia , na Re lig ião, na P olí tic a e na Civilização), 1908, págs . 151, 197. S obre o conjunto da que s tão, s obre tudo do ponto de vis ta his tóric o, ve r J. G u i r a u d, A Inquis ição, Paris, 1929. — V a c a n d a r d, L’Inquisition, e s tudo his tórico e c rí tico s obre o pode r coercitivo da Igreja. Paris, 1907.
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Ca p. V III.
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público contra a unidade e a s e gurança do Es tado, crime que devia, por isto mesmo, ser castigado dc acordo com os meios de jus tiça, as s az primitivos e bárbaros , da época. A esta razão polí tica se deve acre s ce ntar uma conside ração tirada da his tória das idéias . Para o home m da idade média, a fé re ligios a penetrava e dominava a vida toda. Relig ião e Moral eram ins e parave is . Toda de fe cção da fé católica apare cia como pés s ima ação moral, es pécie de crime contra as almas e contra Deus, mais grave do que um parr icí dio. De outro lado, ele era cons ide rado exclusivamente do ponto de v is ta obje tivo e lógico, e de maneira nenhuma sob o ponto de vista subjetivo e concreto. Muito pouco pre ocupavam os e s pí ritos as condiçõe s ps icológicas que pe rmitem a uma alma chegar ao conhe cimento da ve rdade . Moviams e todos dentro da opos ição dialética das idéias , que são sempre nitidame nte de limitadas por um sim ou um não, sem compree nder s uficie ntemente que o home m re al, que a vida não se manife s tam em ní tidas antí te s e s de sim e não, de ve rdade e de erro, de fé e infide lidade , de virtude e de ví cio, mas , s im, numa infinidade de matize s e graus interme diários ; que , relativame nte ao home m re al, não é s ó a força lógica da verdade que entra em conta, mas, sobretudo, a sua nature za moral e as disposiçõe s de alma nas quais ele rece be a ve rdade . Não se achavam os olhares s uficie nteme nte exercitados para discernir essa rica complexidade de estados de alma. Em pres ença da ne gação de uma ve rdade que parecia evidente, eram todos levados a supor pura e s imples mente a máfé e a e mpre gar os corres pondentes castigos, mesmo quando de fato a alma se achasse em e s tado de ig norânc ia inve ncí ve l com re lação à verdade. Es tav a no e s pí rito da meiaidade essa mentalidade s implis ta e puramente lógica. F altavalhe por inte iro o senso da comple xidade e dos matize s da vida, da his tória inte rior e e xterior. T al atitude se não poderia modificar s e não com o e s pí rito do te mpo. Não é, pois, ao catolicis mo em si me s mo, porém àpolí tic a e àme ntalidade da idade média que se deve m imputar a Inquis ição e os cas tigos temporais contra os hereges. Com a idade média e a s ua me ntalidade ins ens ivelmente des aparece m as pers eguiçõe s por crime de heresia. O novo c ódig o expres s amente proí be o e mpre go da vio-
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lência e m matéria de fé. Des apare ceu a grande fdéia de um só imperador e um só império. Os profes s ores da ps icologia e da his tória fize ram com que os te ólogos não falas s e m tão facilmente de mávontade a propós ito de hereges. Começam a disce rnir melhor as mil e uma circuns tâncias que pode m explicar o erro inve ncivel. Em s ua alocução de 9 de de ze mbro de 1854, dizia P io IX: “ E ’ incontes táve l que o que não conhece a ve rdade ira re lig ião não éculpado aos olhos de Deus, e nquanto a s ua ignorância permanece invencive l. Quem teria a prete nsão de poder de limitar as fronteiras des sa ignorância em me io de tantas difere nças de povos, paises, mentalidades e outras mais circuns tâncias ! Quando um dia, libertos dos laços do corpo, virmos De us tal qual é, reconhece re mos e ntão qltão admirave lmente se conciliam e mis e ricórdia e a jus tiça divinas ” . A prete nsão que tem a Igre ja de s er a ins tituição exclus iva da s alvação não impe de , pois, de mane ira ne nhuma, a jus ta e benévola apre ciação das condiçõe s s ubje tivas e das circunstâncias em meio das quais pode nascer uma heresia. Condenar uma heresia nem s empre é, da parte da Igre ja, conde nar os hereges. Há uma prova notáve l de ssa largueza de e s pí rito e de coração dos católicos nes ta frase, dita sem rode ios ao editor luterano Fre derico Perthes pelo célebre Re dentoris ta Clemente Hofbauer, a respeito da orige m da Re forma prote s tante : “A s e paração da Igre ja se produz iu porque os alemães s entiam — e se ntem ainda — nece s s idade de uma vida re ligios a!” (11). Hofbauer, fora de dúvida, era um católico convicto, que condenava a here sia como péss ima ação moral e como violência praticada contra o corpo do Cristo. Sabia tambem perfeitamente que as causas que des e ncadearam a Re forma não eram todas de ordem religiosa. Nada disto o impedia de apreciar como convinha o profundo valor dos e sforços re ligios os que e m boa parte contribuí ram para o sucesso da Re forma. O fato de ter sido Hofbauer canonizado éuma prova de que a Igre ja não de s aprovava sua opinião, vendo nela s imples 11) H o f e r, Cl. M. M. Hofb.), 1921, p. 384; derniss imo de S. P e dro te mpo (B r a u n s b e r g e 131).
Hofbauer, ein Lcbensbild (Vida de Cl. cf. tambem a este respeito o juizo mo Caní s io s obre os prote s tantes de se u r, T. c. epistulae et ac ta VIII, 1923, p.
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da
Igreja não !iá salvação
mente a aplic ação a um cas o particular do que ela me s ma afirmou sempre a respeito da possibilidade de um erro inve ncí ve l, isto é, da boa fé entre here ge s. Pre cis amos ter era conta todas e9eas cons ideraçõe s se quise rmos , em ve rdade, compre e nde r o adágio: “ Fora da Igre ja não há s alvação” . Sem dúvida, há lima s ó Igre ja que constitue o corpo do Cris tçe fora da qual a s alvação não épossive í . Em si me s ma e obje tivame nte , e la éa via normal da s alvação, a fonte únic a e e xclus iva de luz por onde corre m através do noss o mundo a luz e a graça de Cris to. Es s a fonte , porém, conduz, em s e ntido bem ve rdade iro e bem profundo, s uas águas benéficas mes mo aos que não a conhecem, mes mo aos que a ne gam e combatem, contanto que e s tejam de boa fé e procure m, se m org ulhos a s uficiência, simples e s ince ramente a verdade. E ’ bem do pão católico que eles se nutrem, e mbora não s e ja a Igre ja que por eles distribua ess e pão. E, nutrindose desse pão, eles se ins ere m, sem que o s aibam ou queiram e xplicitamente, no núcle o s obre natural da Igre ja. Pertencem àalma da Igreja, mesmo quando exteriormente se acham dela separados. A união e ssencial com essa Igre ja, para o não católico de boa vontade, já se acha re alizada. Ele não a vê, mas e la existe invisí ve l, miste rios a. À medida, aliás , em que ele crescer na fée no amor, mais perto estaráde perceber essa união. S ão muitos os que já a viram. AAaior núme ro ainda será o dos que um dia a ve rão, s obre tudo onde o protestantismo guarda ainda a féno Cristo, Ho memDe us. E ’ um ponto de partida para a re união à Igre ja católica. P re cis amente porque a es sencial união de tantos nãocatólicos com a Igre ja de fato já se re alizou de mane ira invis í ve l, e s tamos pers uadidos de que e ssa unidade e s piritual acabará por flores cer em toda a sua beleza, tornandos e visive l. Quanto mais todos nós nos e s forçarmos no s entido de desenvolver, em nós, se m reservas , o es pí rito do Cris to, tão mais s eguramente apres s are mos esse momento da graça em que os véus tombarão de noss os olhos e os pre juizos , os malente ndidos , os rancores des apare ce rão, e em que, como outrora, frate rnalme nte nos dare mos as mãos : Um s óDe us . — Um s óCristo. — Um s óPas tor. — Um s ó Re banho.
C a p ít u l o I X
A ação santificante da Igreja pelos Sacramentos “Cristo amou a Igreja e se entre gou por ela, afim de purificála e s antificála pelo banho s alutar na palavra de vida” (Ef 5. 25, 26).
O fim último da Igre ja é o estabele cimento do reino de De us na terra, para a s antificação dos homens . São Paulo descreveuo assim: “Cristo amou a Igreja e se entregou por e la, afim de s antificála, depois de a have r purific ado na água batis mal, com a palavra de vida, para que ela aparecesse diante dele, essa Igreja gloriosa, sem mancha, sem ruga, sein nada de semelhante a isto, porém s anta e imaculada” (E f 5, 25). Este ide al não poderájamais realizarse comple tame nte na Igreja da terra. Podeselhe aplicar o que Nosso Senhor dizia a seus dis cí pulos : “Sois puros , mas não todos” (Jo 13, 10). O Senhor o havia predito assaz claramente ao anunciar que haveria joio em meio do trigo, peixes de máqualidade entre os bons, e que era nece s s ário que os e s cândalos se des sem. Enquanto a Igre ja estive r à es pera, aqui em baixo, da volta de Je s ús , não se contentarácom dizer a Deus: Santificado seja o vosso nome , ve nha a nós o voss o re ino! SerIheá precis o implorar s empre : “ Pe rdoainos as noss as dí vidas , e não nos deixe is cair e m te ntação!” Mas se a Igre ja aqui de baixo não pode ser chamada uma Igre ja de ve rdade iros s antos — por isto me s mo o Novo Tes tame nto e vita falar nes te s entido de uma “ Igre ja s anta” , pura e simples me nte — toda a s ua nature za de Corpo do Cristo a impele a tirar os homens, todos os homens, por uma ação le nta, mas pers eve rante, do s eu egocentrismo natural, afim de fazer deles homens novos, filhos de De us, “concidadãos dos s antos e membros da fa
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milia dc De us (E f 2, 19), um “s ace rdócio re al, um povo s anto” (1 P d 2, 9 ). Es ta miss ão essencial vale à Igre ja o tí tulo glorios o, que e ncontramos já nos P adre s apos tólicos e no S í mbolo dos Após tolos : a “ S anta Ig re ja” . Ne s ta conferência e na s e guinte, vamos re s ponde r àpergunta: “ Por que me ios te s te munha a Igre ja católica que éa Igreja santa? Em que reside a virtude santificante de sua mens age m? Se , de fato, s e gundo a palavra do Após tolo (1 Tm 1, 5 ), a caridade éo fim de toda prédica, a caridade que “ ve m de um coração puro, de uma con ciência limpa e de uma fé s ince ra” , mostra se r, efetivamente, a Igreja, no seu ensinamento e no seu culto, a grande escola dessa caridade, numa palavra, a instituição da s alvação no s entido precis o e comple to do vocábulo? Para podermos, em verdade, apreciar a virtude santificante da Igreja, precisamos antes de tudo mais saber o que e la ensina a re speito da es s ência e o des tino do homem regenerado, do homem santo, vale dizer: a sua doutrina s obre a jus tific ação e a s antificação. Re pousa e sta doutrina s obre a idéia de que o homem não é chamado a um fim s imples me nte natural, à s imples pe rfe ição do seu ser natural, ao pleno des envolvimento de s uas forças e faculdade s naturais, mas, sim, a um fim s obre natural, que r dizer, a uma ele vação do seu próprio ser que ultrapas s a todas as faculdade s e aptidõe s criadas , a se r o filho de De us, a participar da vida divina. Es ta a idéia fundame ntal da jubilos a me nsage m cris tã. “ A todos quantos ele rece beu, deu o pode r de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). “Meus filhos queridos, agora pertencemos a Deus, e o que seremos um dia ainda não aparece . Sabemos , contudo, que lhe se remos semelhantes, quando ele aparecer” (I Jo 3, 2). Tal s emelhança consiste, s e gundo a epí s tola de s ão Pe dro, num enriquecimento, numa plenitude, num enfarta mento inte iramente gratuitos de noss o ser pelas forças de vida divina e santa: “Participaremos da natureza divina” (2 Pd 4). “Participamos de sua grandeza soberana” (Hb 12, 10). O fim último do homem não consiste s imple s mente na ple na re alização da humanidade nele, mas , s im, numa espécie de s uprahumanidade, numa elevação, num erguime nto do seu ser que ultrapas s a essen-
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cialmente as forças criadas e o trans porta para uma nova esfera de ser e de vida, para a própria vida de De us. De us se apres enta, tão clarame nte quanto possivel, como o Ser absoluto, a personalidade que verdadeiramente se pos sue, que se s ubtrai a toda de pe ndência com re lação ao mundo, comunicandosenos pessoalmente, como uma pessoa a outra pessoa. Apresentase como a Bondade absoluta ligandos e a nós como um amig o ao seu amigo, melhor ainda, como um pai ao filho, pois que, pe la força do seu amor, somos introduzidos na s ua famí lia e te mos o dire ito de dize r: Abba, Pai. A obra de formação da Igre ja não pode rá, pois, limitarse a produzir homens, s uperiores que s ejam. Não poderá satisfazerse com uma cultura humana. O ideal da formação, para a Igre ja, éa s obre naturalização, a divinização ( Oe ionoí rjoiç). O s urto no sentido de elevarse acima de si mesmo, para o melhor, o superior; a marcha no sentido do que háde maior no céu e na te rra; o movime nto no se ntido de penetrar as profundidade s ins ondáve is do mistério de De us, as s im como o amor heróico, do incompree nsí ve l, do inapre e nsivel, do infinito — tudo isto ée ssencial à moral católica. Na vida de cada cris tão se re produz, em ce rto s e ntido, pela graça, o que naturalme nte, e de uma vez por todas , no Cristo se cumpriu: a incarnação de De us no home m. Es ta inc arnação, esta e le vação do home m à ple nitude de vida de De us, não pode ser obra s ó do home m, nem pode ser me re cida por nenhum es forço humano; c obra só de Deus. Deus se dá a quem que r darse , por pura comis e ração e livre amor. E ’ dogma católico que não poderáhaver nenhum movime nto es pontâne o do home m para De us, ne nhum bom pe nsamento, ou decis ão generos a, ou s e ntime nto puro, que não se jam des encadeados e mantidos pela graça de Deus. O mes mo dog ma ens ina que o estabelecimeneo propriamente dito da nova vida na alma, o e s tado de comunhão dire ta de vida e de amor com Deus — a que os te ólogos chamam a g raça santifican te — éproduzido na alma sópor Deus sem ne nhum mérito da parte do homem. E ’ o só amor eterno, e s pécie de s urdime nto misterioso, s obrenatural, das forças divinas , no homem, que nos faz filhos de Deus. O filho de Deus, o santo, no sentido da Igreja, ées cialmente uma criação da graça, um filho do ete rno Amor.
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E como é da e ssência do Cris to, do cris tianismo em s ua qualidade de incarnação do div ino, que a caridade e a graça de De us s ejam trazidas ao home m — ser s ensí vel — envoltas em s ignos visiveis, sensí veis, a prime ira e mais excelente tarefa da Igreja consiste na distribuição da graça do Cris to por inte rmédio dos s acrame ntos , te ndo por fim a formação do cris tão. Os sete s ac rame ntos s ão a forma de te rminada por De us, s ob a qual o homem, de ordinário (ordinário modo), e xpe rime nta a ação da graça do Cristo, a e le vação do seu ser àcorrente do amor e da vida divina. — Fize mos notar, na conferência prece dente, que isto não e xclue outras vias indepe nde ntes, que pode s eguir a graça. — De outro lado, e énisto, principalme nte , que a doutrina católic a da jus tific ação difere da doutrina lute rana ortodoxa, a coisa não se pas sa como se o homem, tal uma pedra ou um bloco inerte, foss e purame nte pas s ivo à ação da g raça. Não e ns ina a doutr ina católica do pecado orig inal que as forças re ligiosas e morais naturais do home m tenham sido de s truí das a ponto de, s e gundo o formulário lute rano, “não lhe ter fic ado a menor ce nte lha de forças e s pirituais para o levar ao conhe cime nto da ve rdade e àprática do be m. As forças re ligiosas e morais do home m se de bilitaram não e m si mes mas, porém s omente na s ua atividade , no sentido de que, pelo pecado original, se desviaram do seu fim s obre natural e se orie ntaram em dire ção errônea. A graça, vale dizer, a eterna caridade, tombando s obre o homem, pode re s tituir a e ssas forças s ua orie ntação s obre natural primitiv a, e, por is to mes mo, de s e mbaraçálas , fazêlas livres. A graça não éape nas a mis e ricórdia que pe rdoa. Não é uma e s pécie de brilhante manto de ouro a envolve r o cadave r do homem. S e gundo a doutrina católica, a graça éuma força vital que excita as potências da alma, s ua inteligência, s ua vontade, s eus s entime ntos, e lhes dá uma noção s uperior, inflamaas de ardor novo, comunicalhes nova aptidão para a ve rdade, um te mor novo da maje s tade de De us e de s ua justiça, uma nova paixão pe la s antidade e pe la bondade ines gotáve l. T rabalhando o pecador, estimulandoo, como por um aguilhão invis í vel, para impelí lo a uma vida mais alta, a g raça nele produz essa dis pos ição de fé, temor e c onfiança que pre para, do lado do homem, a jus tific ação. Quanto
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àjus tificação que ve m em conse quência dos seus atos , é obra sóde Deus. No sacramento do batismo ou da penitência, ao s uplicante ape lo do pecador pe nitente, Deus responde pelo desejo do amor que perdoa: Eu te batizo, eu te pe rdôo. Mas — e ainda aqui aparece o carater particular, o dinamis mo da doutrina católic a da jus tific ação — não se contenta Deus com perdoar. Ao mesmo tempo que perdoa, s antifica. A s antificação não se limita a cobrir os pecados e a aplicar de maneira puramente exterior a “justiça” do Cris to; comunica uma ve rdade ira jus tiça inte rior, um amor novo que penetra e transforma o homem todo inteiro. E' uma s antific ação. Jus tific ação e santific ação não s ão coisas dis tintas , como se a s antific ação fos se, acas o, um fruto s ingular da jus tificação. A palavra divina de pe rdão e jus tific ação éuma palavra todopode rosa que cria um homem novo. Não se limita a pe rdoar o pecador, santificao interiormente; e sómesmo o perdoa porque já antes o santificou. A prime ira coisa que a mise ricórdia de De us opera no pecador cons iste e m excitar no mes mo es sa vida nova, esse amor novo — aquilo a que os te ólogos chamam “ a infus ão da c aridade ” (infusio caritatis) — ern faze r s urdir nele es se se ntime nto novo da filiação divina que o leva a dize r: Abba, Pai. S e gundo o e ns iname nto c atólico, a graça da jus tificação não se limita a es tabelecer novas re lações com De us ; inaugura, além diss o, uma nova mane ira de ser. Cria um coração novo, um amor novo. Não épor acas o ou por processo mágico que esse novo coração, esse novo e s tado de jus tiça e caridade se produz no home m. O home m já está inteirame nte dis pos to a receber essa nova vida por atos pre paratórios de fé, temor e caridade , que produziu s ob a influência da g raça. Sua alma reclama o Senhor. Suspira por ele como o cervo sedento pe la fonte de ág ua viva. De us re s ponde a este apelo. Debruças e s obre a alma e ne la derrama seu amor novo. A graça de jus tific ação te m, pois , s eus fundame ntos ps icológicos nos atos pre paratórios feitos s ob a influência da graça pe lo que é jus tificado. Tambe m não vem do exterior, como um mágico e s trange iro. De us e s tá em nós como a for ça criadora prime ira de todo ser. E ’ nos mais próximo do que o somos de nós mes mos . E ’ o
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fundo primário no qual ontologiCame nte se e nraiza noss o ser. E’ desse fundo de vida, tão interior a nós, que s obe e m nós o novo impulso de vida. E ’ como o amor eterno, infinito, que sobre mim desborda. E’ o novo amor, a nova, grande, forte vontade, a nova plenitude de Deus, a santa caridade . Não éminha e, no entanto, inte irame nte me pe rtence . P orque ve m desse fundo primário, de que eu pr óprio ve nho e me sustem. Es ta expre s s ão: infusio caritatis (infus ão da caridade ) s ignifica: a nova caridade corre em mim de um fundo prime iro que não s ou eu. Esse fundo, porém, não estálonge de mim, ele me éinterior, vis to que énele que mergulha suas raizes o meu ser. Para que se faça idéia jus ta do se r de Deus, é precis o dizer que s óDe us éo fundo de que irrompe toda força e toda graça e que, s endo as sim, o começo da vida nova nas ce , não de mim, mas de De us . E ’ o que indic a o voc ábulo “ infus ão” (do latim, infunde re = de rramar e m). — Quem se recusa a re conhecerlhe o conte údo teológico, fica pre s o àquilo que se pode chamar o ps icolog is mo te ológico. Não che ga a uma exis tência de Deus dis tinta da s ua pr ópria pessoa humana. Permanece fechado em seu eu e, por fim, é forçado a c ons ide rar ess e eu como o fundamento do mundo, no sentido do monismo. O ato da jus tific ação cons iste, como ficou dito, na produção criadora do homem novo, do home m re generado. Esse home m novo, porém, se parece à criancinha que s ó pode tomar leite, com exclusão de qualque r alime nto s ólido. A caridade , esse novo princí pio de vida nele infundido pe la graça s antificante , des tinase a crescer até ao pleno desenvolvimento do Cristo. Tal pos s ibilidade de cre scimento da graça que jus tifica nos forne ce uma te rceira caracte rí s tica dife re nciação da doutrina c atólica. “ Que m éjusto se torne mais jus to ainda; quem ésanto, mais santo ainda se torne” (Apoc 22, 11). Esta caridade, infusa, plantada na alma, écomo um principio de ser sobrenatural que sem cessar atrai a si as forças e e nergias da alma, pe netra e domina toda a vida re ligios a e moral, todo o í mpeto e s piritual do homem e, as s im, por si mes mo, cres ce e m força e profundidade. E ’ neste s e ntido que os te ólogos falam de um aumento da graça s antificante. Tudo o que o home m fizer doravante , em virtude desse novo princí pio de vida da
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caridade , não mais seráprofano, natural, purame nte humano, mas, sim, verdadeiramente sobrenatural. Penetrado do sopro da caridade do Cristo, tudo o que ele faz émeritório para a vida eterna. Es ta éainda uma consequência da conc e pção católica da jus tific ação. S e ndo esta Uma ve rdade ira s antific ação produzida por De us , uma infus ão da caridade — •e vindo e sta caridade , não de mkn, mas de De us — tudo o que éproduzido por ela traz a marc a do Cristo, é, de qualque r mane ira, divino, e, pois, me ritório. O católico, a e xe mplo de s ão P aulo, re jeita nitidame nte a idéia de que o homem pos sa por s uas próprias forças naturais faze r s e ja o que for de meritório re lativamente às alvação. Não exis te mérito natural, mas há um mérito pe la g raça. A potência criadora, vivificante, da jus tific ação manifes tase penetrando da caridade s obre natural, divina, nossas energias naturais religiosas e morais, tornandoas assim fecundas para a vida eterna. A vida eterna é, pois, s e gundo a expre s s ão de s ão P aulo, ao mes mo te mpo, uma re compensa e um s alário. Dize ndo, porém, s alário e re compensa, digo tambe m graça e virtude do Cristo. P orque s ó ela éque comunica, de mane ira de cis iva, à minha ação, o mere cimento em fac e de De us. E ’ a graça do Cris to, e não a minha própria força, que , por si me s ma, opera e merece recompensa, naquilo que faço. S e ndo as s im, não há lugar para o orgulho que em si mes mo se compraz. Onde estáa graça do Cris to, estáa humildade do cris tão. “ Quando tiverdes fe ito todo o vosso deve r, dize i: somos s ervos inúte is ” . O mérito adquirido pe la graça não s omente não e xclue, mas implica a humildade. Outra obse rvação tornará ainda mais evidente este ponto. Da doutrina de que a jus tificação éuma “ infus ão da caridade”, resulta, em quarto lugar, que ela pode perderse, e que a palavra de s ão Paulo: "F az e i voss a salvação com te mor e tre mor” se aplica me s mo aos que foram justificados. O jus to tem bem a certeza da fé, mas não a de sua salvação: não sabe, de mane ira abs oluta, se será s empre dig no de amor ou de ódio. Pode, s em dúvida, de pois de se haver examinado seriamente, ter a certeza moral subje tiva de que nesse momento o anima o e s pí rito novo da A essência — 12
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caridade c de que é, pois , filho de De us. Mas , s em uma re ve lação particular, não pode, ne m ter a ce rte za absoluta do seu es tado de graça atual, nem a garantia absoluta de que, no futuro, não lhe acontece rá perder, pe lo abuso de sua liberdade, por um pecado pessoal, a amizade de Deus. Por isto, a sua vida de piedade, por mais elevada e generosa que seja, estáao abrigo do orgulho e de uma confiança te merária. Do fundo de s ua alma, a humildade sobe, com a conciência viví s s ima de es tar entre as mãos do bom Deus e de ter de re petir s empre, a tremer, a oração do public ano: "S e nhor, tende pie dade de mim, pe cador” . A Igre ja épor vezes acusada de lançar as c onciências na ang ús tia com es ta ince rteza da s alv ação, a ponto de se haver tornado endêmica a doe nça do escrúpulo no catolicismo (1). Esta censura éexagerada. Que haja, sobretudo no momento da puberdade, estados patológicos que se alimentara, de pre fe rência, de idéias religios as , éincontes táve l. São muitas vezes devidos a uma ins trução re ligios a deficie nte ou à inhabilidade dos e ducadore s . Mas não conhece tambe m o prote s tantis mo des sas almas atorme ntadas ? Não se queixava Goe the dos es crúpulos re ligiosos de s ua juve ntude ? Na maioria dos casos, tais almas não s ão atormentadas porque esta ou aque la ve rdade da fé as pe rturba; mas, sim, s ão perturbadas por esta ou aque la verdade de fé em virtude de s ua nature za inquie ta. São casos de de bilidade fis iológica ou mental que as idéias re ligios as re ve lam, mas não produze m. Caracterizams e, em ge ral, de um lado, por uma falta de corage m, de confiança na vida, e, de outro lado, por uma pre ocupação excessiva com a s ua própria pess oa. Nos cas os leves, o médico da alma pode darlhes re médio; nos casos graves , é preciso recorrer a um e s pecialis ta de doenças nervosas . A dire ção das almas , entre os c atólicos , insiste tanto no s entido de pô las em g uarda contra uma confiança e m Deus que atinja as raias da temeridade, quanto no sentido de atrairlhes a ate nção para a riqueza incomparav el da bondade de Deus: porque ele ébom (quia benignus est). Re s umamos. O que caracte riza a doutrina católica da jus tificação é, de uma parte , o vivo relevo que ela dá 1) F. H e i l e r , Op. cit., p. 261 s g.
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àgratuidade da vida nova, da caridade, e, de outra parte, o ape lo que faz, de mane ira bem explí cita, às forças religiosas e morais do homem para que colaborem com a graça. O carater gratuito da jus tificação aparece nos sacramentos da Igreja. A palavra que verdadeiramente pr oduz a graça, não éo homem que a pronunc ia, porém De us, na aplicação do s igno sensivel dos s acramentos . De outro lado, a graça éalgo de dinâmico que congre ga todas as forças re ligiosas e morais do home m para a obra da s alvação. De s ta forma, ao fator divino do s acramento se acrescenta o fator moral humano, a ação pess oal, libe rtada e dominada pela graça. Na obra de s alvação se unem De us e o home m, a graça e a nature za, o s acrame nto e a ação moral. Na obra da jus tificação reside o mistério fundame ntal do cris tianis mo, a s aber, a incarnação do divino no humano. Os atos de quem vive em es tado de graça não s ão purame nte humanos , mas , s im, uma espécie de c ompos to divinohumano. Vêse, por aí , por que motivo a Igre ja, para s antificar os home ns, pare ce agir em duas direções difere ntes : de um lado, na dire ção mí s tica, pelos s ac ramentos ; de outro lado, na dire ção moral e as cética, pelo es forço pessoal. Na re alidade , e ssas dire ções não s ão, nem parale las , nem, com mais forte razão, opostas ; e las se c ongre gam e se inte rpene tram. Não há, na Igre ja, vida normal de s antidade que não s eja alime ntada pe los s acrame ntos , e também não há re ce pção de s acrame ntos que se não venha ins e rir num es forço moral e as cético em dire ção da s antidade. Se rá importante não o es quece rmos quando tive rmos de as s imilar, a seguir, as forças e me ios de s antificação de que a Igre ja dis põe . Em corres pondência com a doutrina da jus tificação, encontrálos emos, de um lado, no domí nio re ligioso dos s acramentos , de outro lado, no domí nio moral da as cética. Comece mos pelos sacramentos. Játivemos ocas ião de mos trar como os sete s acramentos da Igreja abarcam a vida humana em suas diversas necessidades, como se destinam a santificar as circunstâncias mais importantes e mais de licadas da vida: a alma, che ia de ale gria s obre natural na Confirmação e na Santa Eucaristia, a alma abatida pelo pecado, no Batis 18*
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mo e na Pe nitência; a alma carre gada de dor e s acudida pelo pavor da morte , na Extre maUnção. A própria vida s ocial és antificada pelos s acrame ntos : a s ociedade c ivil, pelo s acramento do Matrimônio, a s ociedade religiosa, pelo sacramento da Ordem. O que dáàliturgia dos sacramentos seu valor religioso e moral é, antes de tudo, a face real e objetiva dos sacramentos. Para os católicos , o s acrame nto não se re duz a um s í mbolo vazio ou a utn simples s igno da graça obtida pela féde que m o recebe. Expre s s ão sensí vel da vontade de Jesús, s igno ins tituí do pelo Cristo, ele dá por si mesmo, pelo sófato de ser administrado validamente, a s e gurança da presença do divino, da g raça produzida. E ’ um dos pontos principais da doutrina católica. “ Um s acrame nto deve s ua exis tência, não à fé, mas ao cumprimento normal do rito". Pelos sacramentos o divino toma uma e xistência sensivel: tornase um valor s obre natural atualmente perceptí ve l. O católico frue, as sim, do divino ime diatame nte, não imediata e obje tivame nte quanto a criança frue do amor de s ua mãe . O S anto S ac rifí cio da Mis s a não éuma s imple s recordação s imbólic a do s ac rifí cio da cruz do Cris to. O S ac rifí cio do Gólg ota é uma grande za real, intemporal, colocada num presente imediato, independentemente do es paço e do te mpo. O mes mo Je s ús que na cruz morreu alí está. A as s e mbléia inteira se une à vontade que ele tem de sacrificarse, e, por meio de Je sús presente, se oferece ao P ai celes te como uma hós tia viva. As sim, a s anta Mis sa éuma realidade comovente em que revive a realidade do Gólg ota. Uma corrente de arrependime nto e penitência, de amor e pie dade , de es pí rito de s acrifí cio e ge neros a coragem, pas s a do altar para a comunidade . Não s ão palavras apenas. Milhare s de católicos s orvem todos os dias nes ta re produção s acramental do s acrifí cio da cruz de Je s ús a força e a ale gria pa ra os pequenos e grandes s acrifí cios da v ida quotidiana. Foi alí , ao pédo altar, que brotaram os s antos católicos , esses heróis do devotamento pelo Cris to e se us irmãos . Em sua te ologia prática (2 ), Praktische Theotogie, 1919, p. 41. — Encontrarse á numa obr a de H. Ros t uma s érie de apre ciaçõe s protestantes sobre os sacramentos e outros meios de santifica 2)
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Frederico Niebergall, professor de teologia protestante, chama a ate nção para essa dignidade incomparave l do s acrifí cio da mis s a: “ Não farí amos jamais idéia bas tante alta da missa romana como possante meio de vida religiosa”. Heiler deplora vivamente que os reformadores, renovando o s erviço divino em s uas as sembléias , “ não tenham podido acender um foco de vida religiosa e de oração tão í ntimo e arde nte como o dos católicos com a liturgia de s ua mis s a” . "Obs e rv e i longamente, com atenção e s em pre juizos , a vida de oração nas duas Igre jas — a católica e a prote s tante — e s empre tive a impre s s ão, exce ção fe ita de algumas s eitas e reuniões muito re s tritas, de que na mis s a católica s e re za mais e com maior fervor do que no s erviço divino evangélico. Quando penso nis to, não pos s o de ixar de re cordar uma e xpres s ão bas tante s ingular de Ve llhaus e n. O ofí cio divino e vangélico, s e gundo ele, s eria, s ubstancialme nte , o ofí cio católico, mas ao qual se tivesse arrancado o coração (3 ). Es s e coração, no pensamento de Vellhausen e de Heiler, éa realidade vivida do mis tério católico, a ce rteza de que o divino alíes tá, re almente e de ve rdade, no mundo do es paço e do tempo e penetrandolhes a alma. A força prime ira dessa re alidade vivida, s ua força pu rificante, santificante, consolante, reconfortante, manifes tase, s e gundo a s anta Mis s a, s obre tudo na re ce pção da S anta E ucaris tia e da Confis s ão. O católico que ve rdade irame nte tem fénão confia ape nas em que De us virá atéele. Sabe que Je s ús es táalí , tão real e ve rdade irame nte como outrora na Ceia ou no ção da Ig re ja católica (Die Katholische Kirche nach Zeugnissen von Nichtkatholiken), 2‘. ed., 1921, p. 136 e se g. — E K r e b s (Die Protestanten und wir — Os protes tante s e nós — 1922) e xpõe os pontos e s s e nciais que une m ou que divide m católicos e prote s tante s . Cf. tambe m a confe rência deste autor s obre Die re ligiös e Unruhe der Ge ge nwart und die katholis che Kirche . A inquie tude re ligios a atual e a Igr e ja católica. Sobre a fac e inter ior da vida e do culto católico, cf. a narr ativa da s ua conve rs ão, de G e r t r u d e v o n Z e r s c h w i t z ; Warum katholisch? (P or que , c atólica? — 192 2); sobre Kultur ivende und Katholizismus (A curv a de noss a c iv ilização e o catolicismo) cf. a obra de M. P r b i l l a (1925). 3) F. He i l e r , Das Wesen des Katholizismus (A e ssência do catolicismo), 1920, p. 105.
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lago de Gcnesaré. Es ta conciência da pre s ença real faz com que nas ça nele a gama toda das impres s ões re ligiosas, de s de a e xclamação do ce nturião: “Se nhor, não s ou dig no!” atéo “Je su, dulcis me mória!” A santa Comunhão éum comércio vivo com Jes ús pres ente, e, por c ons e quência, o princí pio vital, em jato c ontí nuo, da imitação de Je sús. E’, como bem observa muito justamente Heiler (4), o ponto culminante da piedade católica. E ’ aíque a vida de oração do católico atinge a es s a profundidade , a esse calor, a essa força, que s óconhece m os que as e xperimentaram. A pres ença de Je s ús não se limita, aliás , ao momento da comunhão, dura tanto quanto as espécie s s acrame ntais , meio visí ve l de manife s tar essa pres e nça. Daí a pos s ibilidade , que te m a vida re ligios a e moral do católico, de se mante r e re novar, mes mo fora do s erviço litúr gico, e m todas as igre jas e capelas em que o Santí s s imo Sacramento éconservado. O que dáàcasa de Deus esse e ncanto í ntimo de pie dade , não éo suave clarão vacilante , image m da luz eterna, da peque na lâmpada que arde diante do tabernáculo, ne m a s eriedade evocativa das image ns ou e s tátuas de s antos ao longo das paredes , ne m a semi obscuridade misteriosa da nave, nem o impressionante silêncio que aíre ina. Tudo isto, s em dúvida, pode protege r e favorecer a piedade. O que o excita e o inflama éa féviva na pres ença de Je s ús. Alí , diante do tabe rnáculo, a alma católica pas s a as s uas horas s antas, alíela percebe e recebe a vida no que ela tem de mais profundo, de mais divino, alínão émais o tempo que fala, éa e ternidade. Para refutar a frase de Heiler relativa ao sincretismo, isto é, ao carater c ompós ito do catolicis mo, amálg ama de todas as espécies de e lementos e s tranhos , nada mais decisivo do que o que ele próprio e screveu sobre a de voção eucarí s tic a nas igre jas católicas . “ Quando observamos, diz ele, nas igre jas católicas esses home ns re zando num recolhime nto de conte mplação, somos obrigados a re conhecer que , ne s sa igre ja, o Es pí rito de Deus e stáve rdade irame nte vivo... e quando comparamos o que se passa, deste ponto de vis ta, nas igre jas e vangélicas, deve mos reconhecer com tristeza que nada de semelhante encontramos” (5). 4) F. He i l e r , Op. cit., p. 110. 5) F. He i l e r , Das IVes. des Katholiz., p. 110.
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No sacramento de pe nitência, não me nos do que na Mis s a e na Eucaris tia, a conce pção c atólica dos s acrame ntos, isto é, a idéia da re alidade s obre natural ofere cida sob as aparências do sacrame nto, manife s ta o seu pode r de re novação moral. A c onvicção profunda de que o padre rece be a confis s ão, não em seu próprio nome, mas em lugar de Deus, de que tudo o que ele liga ou de s liga na te rra, em nome de Jes ús, s e ráligado ou desligado no céu, dá à confis s ão uma profunda s eriedade, uma s ince ridade abs oluta, e uma força incomparave l. E m toda boa confis s ão, o s e ntime nto da re s pons abilidade moral, o surto para a pureza e a santidade, o desejo ardente de Deus e da paz do coração, alcançam o mais s anto dos triunfos . A confis s ão foi, para milhõe s e milhõe s de home ns, a fonte de uma corage m e de uma confiança re novadas , o ponto de partida de uma orie ntação nova na vida. O velho mestre Goethe elogia o sentido profundo da confis s ão c atólica, e lame nta não have r podido, e m s ua juve ntude , e sclarece r, por meio de uma confiss ão, os estranhos e s crúpulos re ligiosos que experime ntara (6 ). H a r n a c k não se teme de qualificar de “impe rdoáve l loucura” o fato de o protestantismo “haver, por causa de alguns frutos pecos, arrancado inte iramente a árvore da confis s ão” (7 ). Acres ce ntemos que a “ árvore " por s i mes ma pouco importaria se acas o não estivesse viva. A vida lhe ve m do dogma católico, que afirma que , no sacrame nto da pe nitência, a palavra de pe rdão de Je s ús não és imples mente um férvido desejo, mas, s im, uma conso ladora realidade. Acontece , porém, que os frutos produzidos pelos s acramentos, na Igre ja católica, não s ão devidos unicame nte ao re alismo que e la lhes atribue . A Igre ja dá ainda prova, na sua maneira de ofere cer aos fiéis ess es s acramentos eficaze s , de um s enso psicológico notáve l. Antes do mais, exige positivamente, de quem quer pertencer ao número dos s eus fiéis, que ass ista, pelo me nos todos os domingos e dias santos de guarda, ao santo sacrifí cio da Mis s a, para nele haurir o e s pí rito de caridade 6 ) Dichtung li. Wahrheit, II. Teil, 7. Buch. 7) A. H a r n a c k , Re de n und Aufs ätze (Discursos gos), t. II, p. 249.
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e de s acrifí cio de que terá nece s s idade no corre r da semana; e que, além dis s o, todo fie l, cuja conciência moral esteja s uficientemente des perta, renove s ua vida moral, pelo menos uma vez por ano, por uma boa confis s ão, e receba, no tempo da Páscoa, o corpo do Se nhor. Tais pre scrições pos itivas as s e guram a todos os fiéis um mí nimo de vida religiosa e moral, de vida sobrenatural. Melhor ainda do que pelos seus mandamentos positivos, sabe a Igreja desenvolver o penetrante influxo da rece pção dos s acrame ntos, faze ndoos e ntrar, com enorme senso prático, no ritmo do te mpo, da vida pes s oal e social e dos hábitos de cada um. Goe the escre veu: “ No domí nio das coisas re ligios as e m o r a is ... o home m não gos ta nunca de improvis ar”. A Igre ja o sabe. P or isto não espera que o homem ve nha por si mes mo ao mis tério e tem o cuidado de colocálo no seio me s mo da vida, de maneira a que ele pos s a percebêlo e observálo. Tal o sentido do ano litúrgic o. A his tória inte ira da Re de nção — desde a es perança dos patriarcas e profe tas , durante o advento, passando pelo presepe de Natal e indo atéàcruz, de pois até à ale luia da Páscoa e às linguas de fogo de Pe ntecostes — éins e rta na corrente do ano. Conforme os meses, as semanas e os dias, a mensagem da Igreja, em sua liturgia, se diversifica. Mostra ela, sem cessar, ao fiel, novas profundidade s do mis tério divino, novas manife s tações do amor e da graça do Cris to. P or esse me io, éo fiel constantemente arrancado àtrivialidade da vida quotidiana, e cons tantemente enrique cido de impress õe s, pe ns amentos e forças novas . Uma contí nua corre nte de vida ligandoo à Igre ja se torna ass im poss ivel. Os dias de fes ta da Igre ja, s obre tudo, s ão dias de fes ta populare s , no s e ntido mais nobre do vocábulo, um jubiloso ag rade cimento e uma ve rdade ira fruição diante do Altí s s imo. Mas tambem o resto do tempo éorganizado tendose em vis ta a vida da Igre ja e dos seus mistérios, desde o Ange lus da manhãatéao Angelus da tarde. Cada dia do ano traz o nome de um santo; cada dia da semana éconsagrado a uma devoção es pecial; a quintafeira, por exemplo, ao S antí s s imo S ac rame nto; a se xtafeira, à Paixão do S alv ador; o s ábado, às antí s s ima Virge m; os próprios meses têm o seu particular ace nto re ligioso: maio é o
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mês de Ma r ia; ia ; junh ju nho o , o do S a g r ado ad o Coraç Cor ação; outubr o, a do santo s anto Ros ár io; io ; nove nov e mbro, o dos mortos mortos . Assim como o tempo em geral, a vida pessoal do fiel, e m s e u ritmo interior inte rior,, é igualme nte pen pe ne trada pela pe la mí stica cristãdos sacramentos. Cada fiel tem seus dias pessoais de festa para aproximarse da mesa do Senhor; os diversos acontecimentos importantes de sua vida, alegres ou tristes, conduzemno ao altar, quer se trate da missa de cas ame ame nto ou de uma mis mis s a de de de funto. funto. P or ocas oc as ião das dive rs as c irc ir c uns tâncias nc ias ou pre ocupaç oc upaçõe s da vida v ida de c ada um, um, re alizam alizams e trí tr í duos ou nove novenas nas.. Da me s ma forma, for ma, papa ra penetrar de vida religiosa a vida social, encontramos, c om a aprov apr ovaç ação da d a Igr Ig r e ja, inume inume r áve is c onfrar onfr arias ias e agre ag re miaç miaçõe s , altares altare s , bande bande iras , fes tas tas de c onfrar onfrarias ias nas quais a necessidade religiosa aspira manifestarse de maneira es pe c ialis s ima, públic bli c a e s ocial, porém intima int ima e e le va vada. da. Não se pode rá, pois, pois , dize r que o catolicis c atolicis mo éa re ligiã lig ião que que s obreele reeleva va todo todoss os divers os mom momee ntos tos da vida? vida ? (8 ). De sua infinita riqueza, sabe ela tirar, conforme as circunstâncias nc ias , jóias ia s e tes te s ouros ouros s e mpre novos novos qu% qu% se m ces ce s s ar, atrae m e e nriquec nriquecee m os os fiéis e lhe lhe s e xcitam cons tanteme tante mennte o intere interess s e . N i e b e r g a 11 (9 ) c hama à Igre Igr e ja “ a mestra de alegria dos seus filhos’’. Uma jovialidade inocente, uma serenidade simples e piedosa parece estender se sobre toda a vida da Igreja. A fonte dessa piedosa aleg r ia e s táno tá no tabe r nác ulo; éa féna fé na pres pre s e nça be néfica fic a do do eterno amor na casa de Deus. Foi de tal piedosa alegria que toda & arte rte cris tã renas renas ceu ce u. " A arte arte g ótica s ó e s tá no se s e u ambie ambiente nte próprio alíonde alíonde res re s s oa a v oz do sino s ino chamando para a missa”, escreveu o pastor protestante L e c h l e r (10). E acr acres es cent centa com com razã razão: “S em a mis s a cató c atólica, lic a, nem ne m Raf Rafae ae l, nem F ra Angélico, lic o, nem ne m Van Eyc Ey c k, nem ne m Holbe in o moço, ne ne m Lore Lore nzo Ghibe Ghibe rti, rt i, Ve it, Stos S tos s ou Pedro Vischer teriam podido produzir as maravilho 8 ) E. K r e b s , Die Protestanten und wir. (Os protestantes e nós ), 1922, 192 2, p. 64. 9) Citad Citado o por H. Ro s t , Die katholische Kirche nach Zeugnissen von Nichtkatholiken (A Igr e ja católica s e g undo undo o te s te mumunho nh o dos nãoc a tólic li c os ), 2V e d., 1921, p. 164. 164. 10) K. L e c h l e r , Di Diee Konfes s ione ione n in ihre ihre m Ve rhältnis z u Christus (As dive rs as confiss õe s com re r e lação ao Cr C r is to ), 1877, p. 161.
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s as obras obra s primas do s e u pince pince l ou cin ci nze l. Nã Não te riam dodo tado a comunidade de Deus na terra de semelhantes tes ouros ouros de s anta be be le za qu que ficar fic aram am s e ndo ndo a jóia de todos todos os te mpos " . Não s ei s e es e s tas re laçõe s da arte c r is tãcom tãc om a Eucar Euc aris is tia, da cate ca te dral com c om o tabe rnác ulo, s ão s uficie nteme teme nte conhe conhecidas cidas.. As igre jas católicas com s ua rique riqueza za orna or name me nta nt a l s ão produ pr oduto to do mis tér io e ncar nc arí í s tic ti c o. S ão jato ja toss de féviva fév iva àpre à press e nça de de Je s ús na santa s anta Euca E ucaris ris tia. Onde Onde e s s a fénã fé não mais e xiste, xiste , os e difí c ios do culto c ulto perde pe rdem m se u mais profundo pr ofundo s e ntido ntido e a idéia c riadora riador a que que os anima. Não pas pa s s am de um s oberbo obe rbo corpo c orpo se m alma. Haveria ainda muito a dizer para mostrar quanto a pre pr e ocupaç oc upação da s antif ant ific icaç ação das almas alma s pelos pe los s acra ac rame me ntos tos , na Igre Ig re ja, ja , e nche, não ape a pe nas o e s paço, mas o tem te mpo, po, desde os altares consagrados atéaos sinos que ela benze; c omo, nos dias dia s de Rogaç og açõe s , e la abe nçoa a ca c a mpa mp a nha; nh a; como, na festa do S.S. Sacramento, conduz ela a santa Hós tia ao longo das ruas ruas e es e s tradas tradas . A nature nature za inteira — as flore floress dos dos campos campos,, a ce ra das das abelh abe lhas as , os os grãos de trigo, o sal, e incenso, o ouro e as pedras preciosas, como o s impl implee s linho linho — nada há que e la nã não e mpre gue no s e r v iço do Al Altí tí s s imo, imo, que e la não fa f a ça f a l a r de De us , e m mil lí nguas ng uas dife difere re nte nte s . A nature za inte ira, por me me io de la, se torna tor na um “S urs um Corda Cor da"" , um “ Coraç Coraçõe s para par a o alto”, um “Louvai ao Senhor”. “Por toda parte ela faz com que vejamos e sintamos Deus. Enche o mundo dos fiéis do se u e ncanto canto e seu se u fulg or” or ” (Nie (Nie be r g all). E alí onde ond e não há igre igr e ja, e s tão pe pe lo me me nos nos os s e us filhos f ilhos . E r g ue m ele e less , com mã m ão inhabil inha bil e tí tí mida, mid a, mas c om o fe rvor rv or de uma piedade sincera, nos limites dos campos, e àbeira dos caminhos da montanha, suas santas imagens, suas e s tátuas tu as e s uas c ruze ruz e s . Le va vam m o cla c larr ão e a be nção de De us aos pí ncar nc aros os que dominam domi nam as a s s im com c omo o às torre ntes nte s que e s pumam. P ovo cató ca tólico, lic o, terra te rra cató c atólica! lic a! vale dize r: terra terr a e m que que as e s tátuas tuas da Madona Madona juncam juncam as marge ns da eses trad tr ada, a, e m que que os s inos inos badalam bada lam o ânge lus, lus , em e m que que os home ns ainda se s audam audam dize ndo: Louvado Louvado s e ja N. N. S. Jes Je s ús Cristo! T e ntámos mos mos trar, trar , e m rápido pid o re s umo, umo, a mane ira ir a por que a Igreja executa, pelos seus sacramentos e sua litur tu r g ia, ia , a tar ta r e fa da d a for fo r maç ma ção do d o cri c riss tão, do s anto.
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Acabá Ac abámos de ve rificar qu que e la sabe sabe ofere fe rece ce r De De us ao home m de mane ma ne ira ir a tão comple c ompleta ta quanto quan to s atis ati s fató fa tór ia, ia , tão forte mente me nte re alis ta quão friamente psicoló ps icológica, gic a, e sabe s abe fafa zer com que ele o veja de mil maneiras, mesmo em meio da sufocante poeira da vida quotidiana. Esta, no entanto, n ão és e não uma um a das fac fa c e s da obr o braa da s a ntif nt ific ic a ção cr c r is tã. Na próxinva confe c onfe rência mos mos trare trar e mos mos de que que mane ira ir a a Igre Ig re ja, ja , de ac a c ordo com a sua s ua doutrina doutr ina da jus tific tif icaç ação, se des de s e mpenha mpe nha da outra parte par te de s ua tare fa, isto is to é, de de que mane ira, ir a, nã n ão s ome ome nte ofere ofe rece ce De us ao home homem, m, porém conc onduz o homem a Deus.
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A ação ação educ educat ativ iva a da Igreja Igre ja S antif antificai icaivos vos na Ve fdade. Vos Vos s a palavra palavra é ve rdade rdade (Jo 17, 17) 17)..
S e g undo a dout do utrr ina in a c ató at ólic li c a da jus j us tifi ti ficc ação, a mis s ão de s alv alvaç ação c onfiada onfi ada à Igre Ig re ja não consis cons iste te s ome ome nte e m dar Deus ao homem, mas igualmente em conduzir o home m a Deus De us , is to é, em e m promove promove r, pe la s ua prédic a e dis c iplina, ipli na, a educ e ducaç ação da vontade v ontade moral mora l do home m, afi a fim m de fortale f ortale c êlo de c ada ad a vez ve z mais ma is no Cris to e na n a g raç ra ça. P or es e s ta forma, for ma, ao a o lado de s ua ação propriame propr iame nte s obreobre natural, pe los s acram acr amee ntos ntos que con c onfe fere re m a graça, de s e nvolve a Ig r e ja en e ntre as almas uma aç a ção moral e ducativ duca tiva, a, s e u es e s forço metó me tódico dic o por que “ a árvore rv ore , plant pla ntad adaa àbe ira ir a das das ág uas , dê frutos frutos quando quando for tem te mpo, po, e s ua folhage m não ca c a ia” ia ” (S I 1, 3 ). O que que dá àmiss àmis s ão e ducativa da Igr e ja su s ua partic ular ular e fic fi c ác ia é, e m prime pri meir iro o lugar lug ar,, a autoridade com que ela fala fa la e m nome nome de De us. us . Sem Se m dúv ida, as outras c omunidaomunid ade s c ris tãs anunc anunc iam tambem tambem o Cris Cris to e seu s eu re ino — e, de noss os s a part partee , be be ndize dizem mos a De De us porqu porquee o faze m — mas s ó a Igre Ig re ja católica prega, re ga, a exe e xe mplo plo do do seu se u Me Me s tre — com autori autoridad dadee , sicut potestatem habens. habens. Pela sucess ão dos B is pos , ela e la se s e prend pre ndee , no es e s paço e no no te mpo, ao Cristo Cris to e s e us após tolos tolos.. S óela pode pode dize r em ve rdade: rdade : é a qui que e s táo Cris to e qu que e s tão os os após tolos . E a unidade, dade , que que se mante anteve ve intacta, intacta, de s ua fée seu se u amor nos vale por um u m pe nhor de que e s s a união ao a o Cris Cris to no no te mpo e no no e s paç pa ço é u ma uniã un ião com c om o s e u es e s pí rito, ri to, o s opro opr o do E s pí r ito S anto. Ne nhuma nhuma autoridade humana pode jamais ins ins inuars inuarsee a li onde onde s ó o Cris Cristo to fala. fala . S e ndo a única comunid mun idaa de dos dis c í pulos de Je s ús e xte nsa ns a no no es e s paço e no te mpo, é tambe tambe m a única a pode pode r dirig dirigirs irsee aos homens e a pode pode r ap aplicar licarlh lhee s a palav palavra ra de Je s ús aos s eus dis c í pulos pulo s : "Q " Que m vos e s cuta, cuta, e s cutam cutame ; que que m vos des es
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preza, desprezame, e quem me despreza, despreza Aquele que me e nviou” (Lc 10, 16). E ’ o que e xplica o respeito s ince ro e a confiança abs oluta com que acolhe o fiel a palavra da Igre ja. Não se de s cobrirá, nele, ne nhum ecle tismo, nenhuma tendência opinativa, ne nhuma atitude de re serva ou de fuga. O Cris to e a Igre ja s ão para ele uma s ócoisa. Ele atribue à prcdica da Igre ja uma força obrigatória, um valor abs oluto. Te m essa prédica um valor normativo, é uma lei, não, contudo, uma lei que se impusesse de fora como algo de estranho, imposto pela força de um senhor, e ao que de vamos re signarnos . U ma moralidade heteronômica, que se s ubme ta a uma lei estrange ira, c ons iderada como tal, é coisa que não e xiste no catolicis mo. Os te ólogos recusamse unanimeme nte a admitir qualquer atitude moral imposta pelo temor ou pela coação. O católico vê no e ns iname nto ordinário e e xtraordinário da Igre ja a express ão da vontade de De us. S abe que a Ig re ja não cria as pre scrições dog máticas e morais: promulgaas, apenas, com autoridade, garantin donos por esta forma o seu valor. A lei éuma e xig ência de De us , e xig ência que não re pres enta, aliás, a e xpre s s ão de uma vontade arbitrária — ne nhum te ólogo de valor, ne m mes mo Duns Es coto — jamais entende u nes te s entido a lei divina — mas , s im, a manife s tação da s abedoria, da santidade e da bondade de Deus. E ’ o homem ide al que se des e nha em pre s crições de terminadas, e homem tal como a sabedoria e o amor eternos quiseram realizar, o homem novo tal como o plano de Deus o exige. Es tas pre s crições não impõe m um fardo, mas, sim, conferem um enriquecimento, uina plenitude, uma pe rfe ição ao ser humano. Por is to, o fiel as aceita de todo o coração, e as obs erva livre mente, moralme nte , como algo que lhe convém. Tornams e e las a s ua lei pes s oal, um ato de s ua vontade livre, um ditame de s ua própria conciência moral. Em s ua vida moral, o fie l católico não éne m he terônomo, ne m autônomo, porém, s im, “ teô nomo", dado que s ua conciência obe dece a re gras obje tivas que Deus lhe deu a conhece r pe la re ve lação. Contudo, a sua conciência continua a ser a única nor ma ou regra subjetiva de sua vida moral. Por isto, quando uma e xigência da lei de De us não se des enha clarame nte às ua conciência, ou quando e s te ja ele e m erro invencivel, não
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fica sujeito o fiel àlei objetiva. Ele deve fazer o que sua conciência lhe apre s enta como sendo a vontade de De us, mesmo que s ua c onciência e s teja objetivame nte em erro. A autoridade de s ua conciência éque decide e m última instância em todas as ques tõe s de fé e de cos tumes e, pois, na de sua atitude religiosa e moral. E’ ela mesma que decide na ques tão de saber s e pode jamais o católico ser autorizado a re cusar obediência à Igre ja. Como, neste ponto, a autoridade decisiva que a Igreja re conhece àconciência, e as re lações da norma s ubje tiva da conciência com a norma obje tiva da lei se apres enta mais nitidamente do que em qualquer outro lugar, vamos tratálo um pouco mais a fundo. Te ndo conciência de ser a mensageira infalí ve l da ve rdade re ve lada e a única ins tituição fundada pelo Cris to para c omunicar aos home ns a graça da s alvação, a Igre ja não pode evidenteme nte admitir que os crentes se encontrem “ na mes ma s ituação” que os que jamais tiveram fé. Não admite que um católico pos s a ter jamais “ um jus to motivo” de provisoriamente suspender o seu assentimento e de as s im pôr e m dúvida as ve rdades de féjá admitidas sob a autoridade da Igreja, atéque a si mesmo se tenha podido cientificamente demonstrar sua credibilidade e verdade ” (1 ). A atitude intelectual e moral do católico em pre s ença do conjunto da fé e dos problemas que e la s uscita é, pois , s e gundo o Concí lio do Vaticano, inte irame nte dive rs a da de um nãocatólico. S e gundo o Concí lio, os motivos de cre dibilidade s obre os quais a Igre ja, e só e la pode apoiarse, são muito numerosos e muito fulgurantes para que a féde um católico s e abale a razõe s objetivamente válidas . A conciência que tem a Igreja de ser a detentora da verdade e a afir mação que ela faz em tal s entido s ão tão profundamente e nraizadas no terreno s ólido dos fatos históricos e da lógica, tão nitidamente fundadas sobre as mais profundas e xigências da c onciência e de seu respeito da s antidade e da divindade, que podem resistir vitoriosamente a todas as dificuldade s possí veis do pass ado, do presente e do futuro. Me s mo em razões puramente s ubje tivas , em idéias fals as , e m raciocí nios errôneos, não sucum 1) Cone. Vat. sess. 3, cap. 3, can. 6.
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bir á um católico, e nquanto se não fe char, em orgulhos a s uficiência, àluz da graça, que a ne nhuma alma de boa vontade érecusada (2). Esta luz serásempre bastante clara e poss ante para s upe rar as fonte s de erro que vêm de s ua inte ligência e para impe dilo de cair em erro inve ncí ve l. O cre nte católico é, por es ta forma, comume nte preservado desse radicalismo que abandona deliberadamente os dados járecebidos do cristianismo e se compraz numa atitude de crí tico purame nte negativa no es tudar a ques tão do Cris to e da Igre ja. De outro lado, de maneira nenhuma éobrigado pela Igreja a fechar obstinadamente os olhos a problemas religiosos que se apresentem, como se tal lhe fosse a única atitude pe rmitida. O Concí lio do Vatic ano nada quer de uma fé ce ga, e xige, como o após tolo (cf. Rm 12, 1), que noss a fés e ja racional (obs e quium rationi cons e ntane um). O católico tem, pois, em conciência, o deve r de procurar para sua féa jus tific ação que a s ua formação inte le ctual e s uas facilidade s lhe pe rmite m ou exige m. Num pe rí odo que abunda, como o noss o, e m proble mas de crí tica filos ófica e bí blic a, podese dar que semelhante estudo leve a profundos conflitos interiores, nos quais o crente deva, por assim dizer, lutar com Deus atéque Deus tenha piedade dele e venha a graça, únic a capaz de s alválo, em seu socorro. Quando uma alma deliberadamente se fecha a essa influência da graça e concie ntemente se abandona aos perigos de um pensamento isolado e independente, poderá darse que, diante do torvo espectro de um subjetivismo que a de s norte ia, perca e la a vis ão clara do que há de essencial, de decisivo, nos testemunhos que a Igreja dá de si mesma. Desnortearseáde cada vez mais com relação à idéia que faz da autoridade da Igre ja, e, finalmente, chegarátalvez a um ponto em que, para ser verdadeiramente sincera para consigo mesma, se sentirána nece s s idade de s air da Igre ja. Me s mo, porém, nes te caso externo de conflito entre a autoridade e a conciência, se faz pate nte a ate nção e xtraordinária que põe a Ig re ja em re s peitar os direitos da conciência, e mbora e rrônea. Sem dúvida, nos cas os habituais de defe cção da fépre ponde ram os motivos de ordem moral s obre as razões de ordem 2) Cf. Cone. Vat. sess. 3, cap. 3.
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intele ctual. A funOame ntal atitude de inde pe ndência e s uficiência do fiel s ubtrai, aliás, progre s s ivame nte a sua procura e os seus estudos àcorrente vital da Igreja, especialmente ao influxo da graça e da fé, pe rmitindo, por esta forma, que as primeiras dificuldade s e dúvidas , de começo leves , se trans forme m em erros intrans poní ve is . No e ntanto, reconhece a te ologia católica, da mais ní tida maneira, que o fie l que as sim pe rde u a féé, não obstante , obrigado a aterse por s ua conciência a essa nova atitude errônea, se na ve rdade e stác onve ncido de que e la lhe é impos ta por s ua própria conciência. Me s mo neste cas o, o home m que es táem errp sódeve obedece r às ua conciência, e mbora se u julgame nto s eja objetivamente fals o e não obstante, para chegar a isso, tenha ele muitas vezes deixado de ate nder aos apelos e exigências de s ua conciência moral. Certos te ólogos conte mporâne os vão mesmo mais longe ainda, achando pe rfe itame nte conciliáve l com a de cis ão do Conc í lio do Vaticano, que citámos ac ima, a opinião de “que nos casos excepcionais, em que, seja por falta de ins trução re ligios a, s eja por influência pre ponderante de pes s oas hos tis à fé, dificuldade s quas i inve ncí ve is se apre s e ntam, de orde m tal que pos s am levar um católico a perder a fé sem culpa de sua parte (3 ). O P. P ribilla S. J. evoca, a este re s peito, com raz ão de sobejo, a palavra de s ão P aulo: “ Não julgue is antes do tempo, atéque venha o Senhor” (1 Cr 4, 5). 1) B. P o s c h m a n n , Grundlagen und Geisteshaltung der ■katholischen F römmig ke it (P rinc í pios fundame ntais e atitude da piedade c atólic a), 1925, p. 94. — As prof undas discus s õe s do P. P rib illa c om o prof. A. Me s s er s obre “A e s s ência da autoridade no catolicismo e a liberdade atual de pensamento” ( Katholisches und modernes Denken, 1924) constituem o que de melhor se escre ve u e m noss os dias a re s peito da que s tão. P ribilla faz notar (Stimmen der Zeit, 105, 1923, p. 265, nota 1) que o cardial Be lar mino, o tão célebre cas uis ta, proc lamou pre cis amente, de mane ira e xplí cita, a autonomia do cre nte. Cum dicimus conscien tiam esse superiorem omnibus humanis judiciis, nihil aliud di cerc volumus, quam eum, qui sibi bene conscius est, non debere metuere ne a Deo damnetur, tiamsi omnes homines, qui cor non vident, sccus forte de ejus rebus gestis judicent (De Romano P ontí fic e , I, 4, c. 20). Cf., não obs tante , H a r e n t, art. Fé no Die. Teol. Cat. de Va . cantMange not.
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Pre tende r que a Igre ja, ao e xigir uma s ubmis s ão abs oluta àfé, us urpa a autoridade de De us e e s craviza as con ciências é, pois , fazerlhe re proche injus to — e o fato de ter sido este muitas vezes repetido em nada o faz mais re s peitáve l. Mèns ag e ira autorizada da ve rdade de Jesús, não ce s s arájamais a Igre ja de te s temunhar a verdade, fazendo uso de sua autoridade, assim 6omo jamais deixará de lig ar as conciências , todas as conciências , a es sa verdade, s em que pre te nda com isso violentá las. O que e la quer éa sua ade s ão, não purame nte exterior, mas interior. Quando es ta ade s ão interior lhe é re cusada, ela abandona a alma àmis e ric órdia de Deus e a des pede. Não éisto nem fanatis mo, nem dure za de coração, é s imples mente pre ocupação de s inceridade e de re tidão interior. A Igre ja não pode tole rar, nem tem mes mo o dire ito de fazêlo, que no núme ro dos seus me mbros se encontrem “cre ntes” que sóo sejam de nome. Exige que estes, deixando a Igreja, tirem as conse quências de s ua nova atitude de conciên cia, se na verdade esta ésincera e persistente. Garante, por es se meio, tanto a leal atitude des sas conciências quanto a s ua própria. Cortando de s ua comunhão os crentes ou te ólogos que seguem suas idéias próprias e se lhe re cus am s ubmeter, a Igre ja não os violenta. S ão eles , pelo contrário, que violentam a Igre ja pre tende ndo pe rmane cer no seio de la sem esposarlhe a fé. Concluamos: a solicitude da Igreja para com o julgamento s ubjetivo da conciência perfe itame nte se concilia com a autoridade que ela recebeu de Deus e energicamente reivindica. O respeito às conciências é mes mo pre s s uposto pelo e xe rcí cio da autoridade . A Igre ja não pode ag ir s e não na conciência e pela conciência. E’ s omente is to que lhe dá autor idade e lhe as s e gura a exte nsão de s ua ação. A Igre ja não s uplica, não implora. Ape la para as conciências e exige que se submetam àpalavra de Deus, de que ela éa mens age ira. Os home ns têm nece s s idade des ta forte expre s s ão da potência divina. Não pode m longame nte viver de uma razão e de uma moral que s ó s obre si mes mas re pousam. E’ o “ perfume de um vasto vácuo” (Re nan). No e xe rcí cio enérgico deste princí pio de autoridade , por parte da Igre ja, reside, pre cis ame nte , uma força que acorda, s acode e eleva as conciências. Quando a Igre ja fala A essência — 19
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às conciências , não há mais lug ar para o s ubje tivis mo, o liberalis mo, o ceticis mo ou a dúvida. Por esta forma se explica a dire ção coerente, exclusiva, firme e s e gura de si mesma que imprime a Igreja àvida. Por esta forma se e xplica a força que manife s ta a Ig re ja sobre os homens na s ua tare fa de formá los. Permitelhe sua autoridade fazer com que seus raios penetrem em profundidades a que não che ga ne nhum raio da pura filos ofia. Pe lo imperativo cate górico de s ua me nsage m, a Igre ja tem conduzido ao bem muito maior número de almas do que, juntas, todas as escolas da moral que precederam ou se sucederam ao advento do Cristianismo, escolas essas que, no dize r de Voltaire , “ não cons e guiam converter nem a s ua própria rua". O s e gundo princ í pio da força educativa e formadora da Ig re ja res ide no lugar que e m s ua prédica ocupam o além, o s obre natural, os noví s s imos. “ Não temos aqui em baixo uma morada permanente, estamos àprocura da do futuro” . Ne nhuma ve rdade de fé tão profundamente s e fixa no e s pí rito e no c oração do cre nte quanto a contida na primeira resposta do seu catecismo: “Estou na terra par a conhece r a Deus , amálo, servilo e, por este meio, ganhar a vida eterna”. Eis a realidade mais profunda, a realidade do Deus eterno. Dela derivam todas as outras, as da nature za e as da civilização, re alidade s intermédias e de v alor s ecundário. Re alidade s e valore s, sem dúvida, mas não é s obre elas que s ua vida re pousa como s obre seu último fim. S ão como o barc o em que ele faz a travessia. Ele bem sabe que lhe serápreciso em breve abandonálo. “ Es te mundo não émais do que uma ponte . Atraves sao, mas não cons truas nele tua morada” . Tal s entença, inscrita s obre um portal da í ndia, e le a compreende e aplica. Por isto permanecelhe a alma em estado de te nsão pe rpétua e em movime nto para avante e para o alto. Dizselhe todos os dias no pre fácio da miss a: “Sursum corda”, e de cada vez ele responde: “Habemus ad Dominum”. Da i re s ulta para o católico, em face da vida, uma dupla impre s s ão caracte rí s tica: ante s do mais, uma ce rta indife re nça, s erena indife re nça e m pres ença das preocupaçõe s te rrenas. A palavra de Je sús s obre os lí rios dos campos , que não trabalham nem tecem e, no entanto, s ão
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mais magnificame nte vestidos do que S alomão em todo o seu esplendor, penetrou profundamente na mentalidade católica. Por is to mes mo já se diss e que o catolicismo se re tardou do ponto de vista da civ ilização. Nada mais jus to, se por isto se e ntende que o verdade iro católico não considera o progre s s o material e intelectual da civ ilização como o bem s upre mo e o fim que deva bastarse a si mesmo. Ele crê de mane ira muito firme e muito real num céu no outro mundo para que poss a crer num céu aqui em baixo. Houve mes mo — haverá sempre, se m dúvida — católicos que de tal forma viveram vis ando ape nas as es peranças eternas, que des prezaram a terra e a nature za, e esqueceram o dever, que Deus no entanto prescreve de trabalhar na te rra. Constitue isto uma e xag e ração do ide al católico. Já diss emos que a Igre ja lutou vig oros amente contra as seitas gnósticas da antiguidade e da idade média e em defesa da dignidade da nature za e do corpo, do direito do homem aos bens e alegrias aqui em baixo. O ideal católico não implica aniquilame nto, mas, sim, glorificação s obre natural da nature za. Mantemse e movese entre estes dois poios: natureza e supernatureza, tempo e ete rnidade. Equilibrams e ambos na vida do católico crente. Se este repele uni dos dois, tornase herege. O ve rdade iro fiel põe c ada um em seu lugar. Tudo o que é da nature za, toda inclinação natural, mes mo o pe ndor s exual, édom de De us e poss ue valor real, valor, porém, de segunda ordem, passageiro, que exige, pois, que se apele para outros. Sóquando éreferida a Deus, toma a natureza valor de eternidade. Por isto ama o verdadeiro católico os valore s terrenos, não como o e scravo famélico que s obre eles se lança, e deles se farta atémorre r, mas como o trovador a quem o dom recebido faz cantar, de pass age m, um agradecimento jovial. Ainda por is to, não pode o materialismo rebrotar nos paises em que éviva a fé católica. Da mes ma forma exclue o catolicis mo o interesse exclusivo pelas coisas da terra, o trabalho pelo trabalho, o ganho pelo ganho, o puro utilitarismo. Segundo Max Weber e Trceltsch, o capitalismo nasceu no terreno do calvinismo e do puritanismo, na Inglaterra e na 18*
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Es cós s ia. O observador ate nto que compare , sem pre juí zos, as manifes taçõe s da alma popular, por e xe mplo, na Bavie ra católica ou nas re giões católicas re nanas e no Saxe e na Turí ng ia protes tantes , não poderá de ixar de re gis tar uma dife re nça caracte rí s tica no conjunto de s ua vida. P ar a o católico, a vida terre na tem muito pouco valor por si mes ma para que ele pos s a tomála muito a s ério. Em ve rdade, ele s ó leva a sério De us e seu re ino. Por is to, conserva ele muito da s erena de s pre ocupação da infância. Daíve m, em grande parte, seu se nso e seu gos to pela arte livre, desinteressada, pela arte popular sobretudo. A es ta serena de s pre ocupação infantil se alia nele o respeito por Deus, por tudo o que ésanto, assim como a s implicidade e a humildade de e s pí rito. Nada estámais longe da me ntalidade c atólica do que a arrogante pre te ns ão àautonomia e àinde pe ndência. A moral autônoma de Kant, mesmo deste ponto de vista, sóde terreno protestante pode ria nascer. O católico não é um “blas é” . E ’ ainda capaz de surpreenderse. E’ ainda capaz de crer e orar. O catolicismo éessencialmente feito de jubilosa confiança e m De us , de e s pí rito de s implicidade , de infânc ia, de humildade. Inutil observar quanto corresponde tudo iss o ao que re clama Jes ús para que entremos no re ino dos céus . A s e gunda caracte rí s tica da moral católica, decorre nte da prédic a do além e na ins is tência com que le mbra a Igreja o fim sobrenatural da vida, éa prática da ascese. A orie ntação do católic o no s entido do s obre natural, e a convicção, daíre s ultante, do valor re lativo das coisas te rrenas, conduzem naturalmente àatitude do “tantum quan tum” a que s anto Inácio de Loiola, no seu livro de Exe rcí cios , de u a mais lí mpida e xpre ss ão cláss ica: Não de vo usar dos bens da te rra s e não na me dida em que eles me s ão neces s ários para alc ançar meu fim último; e de vo renunciar aos mesmos na medida em que me desviem de Deus e tendam a tornarse meus fins em si mesmos. Quando me puserem em perigo de prenderme a eles como a meu fim próprio, devo aplicarlhes a palavra do Salvador: " S e teu olho te e s candaliza, arrancao. O que não toma a s ua cruz e não me s e gue , não édigno de mim” . Por esta forma aparece , na vida do católico, a nece ss idade da renúncia, da paciência, e m outros termos, a nece ss idade da
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e ruz, como um me io, porém não como um fim que anime e guie. E ’ sóa caridade, a caridade de De us e do próximo, que anima e guia a vida do católico. Toda a vida nova e s tá nisto, com e feito: "Amarás a Deus de todo o te u c oração, e o te u próximo como a ti me s mo” . A renúnc ia e a asce se, is to é, a prática me tódica da re núncia, têm por fim libertarme de tudo o que me impe ça de pratic ar a caridade. S eu papel énão anular os pe ndores da s e ns ibilidade e as paixões do home m, mas, s im, do minálos afim de que , como as forças indómitas da nature za, não re fervam e espumem por s obre as marge ns e não ve nham a comprome te r essa vida da caridade . E ’ precis o, pelo contrário, que tambem e les s ejam orie ntados pa ra o fim último da vida, para a e dificação do home m novo, o homem da desinteressada caridade. A caridade, sóa caridade éo fim da ascese. Se a ascese acaso se tornass e um fim, se praticás s e mos a re núncia, os je juns , as mortificaçõe s , o ce libato por si mes mos e não vis ando a formação do homem novo, do home m glorific ado, do homem da caridade ; se se tornass e a asce se uma e s pécie de esporte, não s eria mais a ascese católica, mas, s im, a asce se gnós tic a ou pag ã. A prática da ascese, o trabalho me tódic o no s entido de alcançarmos o dominio de nós mes mos , tornam a alma livre e forte para o e xe rcí cio e a re alização daquilo que s ão P aulo exige dela, a caridade “ de um coração puro, de uma boa conciência e de uma fé s ince ra” (1 Tm 1, 5 ). Ao home m pres o a um corpo, carre gado das cons equências do pe cado original e das paixões here ditárias ance s trais, a asce se éde patente necess idade , se quise r ele não apenas ouvir, mas tambem praticar a palavra de Deus. E’ este um ponto fundamental da me nsage m de Je s us e, cons equentemente, da mis s ão educativa da Igreja. Todos os mandamentos da Igreja, mas e s pecialmente o do je jum, tendem àe ducação da vontade dos fiéis. No cate cis mo c na cáte dra, mais es pecialmente no tribunal da pe nitência, a solicitude pas toral da Igre ja se es força por des e mbaraçar, e m marcha bem me tódic a, a alma dos crentes dos rebrotos e pendores selvagens, afim de cada vez mais nitidamente poder nela imprimir a imagem do Cristo. A essas práticas ordinárias se acre s ce ntam os me ios extraordinários , a come çar pelas miss ões paroquiais e os
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retiros espirituais. Como dizer o bem moral jáproduzido pelas inume ráve is miss õe s pre gadas nas c idades e aldeias , e para as dive rs as cate gorias de fiéis, pe los franciscanos e capuchinhos, os jesuitas, os redentoristas? Constituem elas lima fonte de s aude, não apenas para a vida re ligios a e moral, mas tambem para a vida nacional de nossos povos inquietos . Quanto aos retiros e s pirituais , is to é, a es ses exercí cios re ligios os pelos quais , no silêncio e na s olitude de uma cas a re ligiosa, e s ob a vig ilância de um dire tor e s piritual, põe cada uni em orde m a sua vida e s piritual, nela es tabelece ndo o reino de De us — cons titue m uma espécie de es cola s upe rior de cultura para a alma, um banho fortificante para fazer a alma sadia e viva e permitir que a si mesma se encontre em Deus. A respeito dos Exercí cios e s pirituais de s anto Inácio de Loiola, um profe s s or da Faculdade de Medicina de Berlim, K. L. S c h 1e i c h (4) es cre via: “ Digoo com s e gurança, pois é em mim convicção profunda: com estas orde naçõe s e estes e xercí cios em mão, poderseia ainda hoje trans formar noss os asilos e impe dir que pelo menos dois terços dos que neles s ão condenados tives sem de trans por jamais as portas das pris õe s ” . E’ deste ponto de vista fundamental da ascese., da formação me tódica da vontade , que se deve m cons ide rar o celibato e as ordens religiosas. Quando o padre católico se comprome te , pe rante a Igre ja, a não contrair matrimônio, quando um re ligioso ou uma re ligios a se obriga, por voto público, a obs ervar os “conselhos e vangélicos ” , isto é, a pobre za, a cas tidade e a obe diência, nem um nem os outros prete ndem praticar tal re núncia por si mes ma, como se ela sópor si tivesse valor moral. Sabem ver, de mane ira absolutamente s ince ra, o que há de bom no casamento. Consideramno como algo de grande e santo, como um s acrame nto indiss olúve l, ligado ao amor fiel de Je s ús pe la s ua Igre ja. Mas , acas o, o padre , que profe s sa e proclama como uma verdade de féa dignidade do s acramento do matrimônio, não se torna s uspeito de des pre zar o cas ame nto? Por que, então, re nunciou a ele? E por que motivo, além diss o, re nunciam os re ligiosos ao 4) K. 143 sg.
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dinheiro, aos bens da terra, e sobretudo ao maior dos bens, que éo de s er s enhor e rei de si próprio? Em santo Tomaz de Aquino (5 ) encontramos a razão decis iva de tudo iss o. E ’ para “ ter a libe rdade ” de consagrarse às cois as de De us . Muito antes dele, játinha dito s ão P aulo: “ O qu# não é cas ado pode preocuparse com o que é do Senhor, do que agracia ao Senhor. O que écasado se preocupa com as coisas do mundo, com o que agrada à s ua mulhe r” (1 Cr 7, 32, 33 ). O padre católico e o religios o vive m, por profis s ão, nas coisas de De us. E ’ seu oficio procurar a ins tauração e a exte nsão do re ino de De us não s omente em si mesmo, mas tambe m nos outros, no mundo. T ão e le vado étal ofí cio, tão s anto, tão de licado, e, por outro lado, tão penoso, tão cheio de re s pons abilidade , e e xige tantos s acrifí cios , que re clama o melhor do homem e o rouba àvida de famí lia. Não se pode a um s ó te mpo ser apóstolo, no s entido pleno do vocábulo, e bom pai de famí lia. O próprio Jes ús não se prendeu nas malhas do cas ame nto e teve a express ão bem dig na de ser g uardada a respeito dos eunucos voluntários , que r dizer, dos que re nunciam voluntariamente ao matrimônio. Os após tolos tudo de ixaram para s eguir Jesús, e mbora fos s em todos , com e xceção de s ão João e s ão P aulo, c as ados , no mome nto em que Jes ús os chamou. Desde o instante em que responderam ao chamamento e se tornaram após tolos , não mais viveram como homens casados, mas unicamente como servos de Cristo, que, segundo a palavra de s ão P aulo, “ se tinham tornado livres com relação a todos, afim de se fazere m escravos de todos” (1 Cr 9, 19). O celibato, pois, tira todo o seu sentido, toda a sua força e valor moral do apos tolado, do dom absoluto ao Cristo e ao seu reino. O amor e o cuidado que o homem cas ado de dica ao cí rculo estre ito da famí lia, o padre e o religioso os consagram ao seu Senhor e Mestre, e às milhare s de almas que o Se nhor lhes confiou, doente s , pobres , pecadores . Quanto mais se dão e se s acrificam pelos outros, tanto mais seu verdadeiro ser se aprofunda e enriquece. O que lhes falta como valor espiritual, no que re speita à famí lia a que re nunciaram, é abundantemente compensado pelo que lhes vem da vida 5) Summa Theol., 2a. 2ae., qu. 152, art. 5.
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ilc união com Deus e da sua ação dc c aridade e devota mcnto para com as almas. A Igreja rodeia a vida do padre de tais garantias, enchea, confiandolhe o encargo da re citação quotidiana do bre viário e da ce le bração da Mis s a, de tantas s antas ocupaçõe s , que o padre que vive s ecundo o seu ide al — haverá s empre, infelizme nte, alguns merce nários — não pode de ixar de s er um modelo para o seu rebanho. Em sua pessoa, a mensagem do reino de De us, do s obre natural e do além, da pérola pre ciosa pela qual deve mos tudo s acrificar, toma apar ência sensí vel, atrae nte. O cre nte não que r ape nas ouvir do seu padre boas , preciosas palavras ; não ama nele ape nas uma vida distinta e superior; procura e encontra nele a santa te imos ia do Evange lho do reino dos céus, a g ravidade prática, sem re s trição, da palavra do Mes tre: “ O reino do céu s ofre violênc ia” . Daío re s peito das populaçõe s católicas pelos seus padres. “ Lutero, obs e rva Nie tzsche (6 ), re s tituiu ao padre o matrimônio. Mas três quartas partes do respeito de que o povo écapaz repousam sobre a convic ção de que um home m que faz exceção àhumanidade neste ponto c igualmente excepcional sob todos os outros aspetos”. E Schopenhauer (7) chega a dizer: “O protestantismo, eliminando a ascese e o que lhe cons titue o ponto culminante : o ce libato ecle s iástico e religioso, re nunciou, por is to mes mo, ao núcle o mais í ntimo do cristianismo. Passou a ser, daípor diante, um cristianismo degradado”. O que acaba de ser dito a res peito do sace rdócio católico e m ge ral aplicas e às ordens re ligiosas. S ignific am elas a re alização prátic a, severa e sem reservas, do que diss era Jes ús da pérola preciosa, do tes ouro e s condido num campo, pelos quais tudo sacrificamos, e sobretudo desta palavra: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e distribueo aos pobres. Depois vem e segue me” . T oda a violência que exige o re ino dos céus, a força que s acode e s oergue, a prodig ios a s eve ridade da prédica de Jes ús, tomam corpo visivel nas ordens re ligios as. 6) F. N i e t z s c h e , Fröhliche Wis s e ns chaft, 1887, p. 295. 7 ) A. S c h o p e n h a u e r — O mundo como v ontade e c omo re pre s e ntação. E. K r e b s, e m Der Knechtsdienst des katholischen Priesters (A função de s e rvo do padre católico, 1921) mos tra bem que idéia se deve faze r do s ac e rdócio católico.
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Não se trata, aliás, de uma nova moral, nem de um novo ide al de pe rfe ição, difere ntes daqueles dos c ris tãos ordinários . Outro ideal não tem o re ligios o s e não o de formar em si mesmo a imagem do Cristo, a imagem do amor perfe ito a De us e ao próximo. E ’ o mes mo ideal que a todos os home ns se propõe . Mas , s endo único e mbora, podemonos e s forçar por atingí lo de uma infinidade de mane iras que de pe nde rão do meio e da vocação, dos recursos e da força de c ada um, das circunstâncias providenciais e das luzes particulares. De todas essas maneiras de s eguir, de imitar Jesús, a mais profunda e corajosa, do ponto de vista objetivo, consiste na re núncia de cidida a todos os bens que seduzem o homem sensivel e ameaçam e ntravar o movimento de s ua alma para De us. Em tal s entido, a vocação re ligios a é, obje tivame nte , o melhor e mais s eguro caminho para re alizar o ide al cristão. O que não quer dizer, todavia, que , subjetivamente, seja tambe m o melhor, o que todos devam seguir. Os indiví duos s ão muito difere ntes uns dos outros e as c ircuns tâncias exteriores por demais variadas para que a mesma via a todos convenha. Quis a Providência que, para a grande maioria dos home ns , a vida e a ação numa vocação s ecular fosse, subjetivamente, o caminho melhor para atingir a pe rfe ição. Ne m por isto, contudo, de ixa o e s tado re ligioso, se o cons ide rarmos objetivamente e para além de todas as circuns tâncias concre tas, a mais enérgica e pura expres são des se impulso para as alturas que anima o corpo do Cristo. Não há, no e ntanto, s enão um meio para chegar à própria perfe ição. Os conselhos evangélicos , e xplica s anto Tomaz, s ão auxí lios essenciais para conduzir àperfe ição, s ão meios particularmente ade quados à conquista e ao desenvolvimento da santa caridade desinteressada, que s ão Paulo e xalta em sua prime ira Epí s tola aos corintios , cap. XIII, e que éa própria essência da s antidade do cristão. Se e sta caridade não flores cesse numa orde m re ligiosa, não have ria a mes ma re alizado o seu fim. Poder seIheia aplicar a expressão de s ão P aulo: "Me s mo que eu tives se dado todos os meus bens aos pobres , se não tivesse a caridade, de nada me serviria” (l Cr 13, 3). As casas re ligios as são, es s encialmente, núcle os de caridade , de s tinadas a comunicar o fogo do Es pí rito S anto,
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s ão cs colas s upe riore s de imitação do Cris to. Todas as s uas práticas ascéticas , votos e re gras tendem ape nas a uma cois a, a única neces s ária: e dific ar o homem novo da caridade , o homem que étodo caridade de Deus e do próximo. Acabamos, por esta forma, de descrever o ideal que a Igreja persegue em sua obra educativa: o homem da caridade perfeita, o homem que baniu toda procura pessoal, alar gou seu coração estreito, me s quinho, conse guiu faze r dele o templo de Deus, no qual arde a chama do sacrifí cio, o homem que todos os dias re aliza a palavra de s ão Paulo: “Em todos os lugares quero oferecer de todo coração alg um s ac rifí cio e até s acrificarme a mim mesmo por vossas almas” (2 Cr 12, 15). Seria consolador descreve r as formas tão variadas de s antidade que a ação educativa da Igreja fez com que florissem no seu seio. Como s ão dive rs as, por toda parte , as vias dos que res olveram s eguir o Cristo, e quão variados se nos apresentam os tipos de santidade! Ao lado do santo eremita e do asceta do deserto, hátambem o santòque vive em sociedade, o santo das grandes cidades e dos quarteirões operários . Ao lado do mis s ionário dos pais es infiéis , o de fe nsor dos e s tropiados, dos tí midos, dos dete ntos. Ao lado da s anta em hábitos de pe nitência, traze ndo o cilí cio, o s anto da boa s ocie dade , cheio de dis tinção. Ao lado do santo que severamente observa a clausura e o silêncio pe rpétuo, o santo frate rno, que g os ta de grace jar, e chama à andorinha s ua irmã e ao sol irmão. Ao lado do s anto que c ultivou a ciência de Deus, o s anto que de s pre za toda ciência que não seja a do Cris to. Ao lado do mí s tic o re colhido em si me s mo, o após tolo que vai à conquis ta do mundo. Ao lado do santo que faz penitência com o desprezo de todo conforto, atéda higiene, e nada ama tanto como as humilhações , o santo no esplendor da púrpura ou sob a tiara. Ao lado do s anto que combate , mata mes mo, pe la s ua fé, o santo que por ela sofre e morre . Ao lado do que s empre guardou a inocência, o que conheceu o pecado. Ao lado do santo que conservou o seu es pí rito de infância, o s anto que deve lutar com De us atéque De us o abençoe. Que variedade infinita em todas essas formas de santidade! Em cada uma delas, encontramos a marca da época, desconce rtante por vezes.
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Por muitas de las não s entimos hoje atração ne nhuma. Um sópermanece sempre moderno, sempre atual, um sópertence a todos os tempos, o Deus feito homem, o Cristo. S e ja qua l for, porém, o traço que este ou aquele s anto apres e nta da época e m que vive u; por mais afas tados que e s te jam todos da pe rfe ita re produção do Cris to, um mesmo e s pí rito os anima a todos e nolos torna caros: o e s pí rito de Je s ús, o e s pí rito de s ua grande , de s ua santa caridade: Viveram todos desta palavra: A caridade do Cristo me impele. Em torno das grandes figuras de santos que se destacam com relevo e xtraordinário, nas quais De us se compraz e m refle tir a s ua onipotência e a s ua graça, brilham tambem as milhare s de milhares de peque nas, de minús culas luze s que vieram acenderse no divino Coração de Je s us — desde a criança de peito que morre nos braços de De us , atéao ancião que, após have r s uportado as te mpestades da vida, exclama, cheio de arrependimento: “Senhor, Senhor, tende piedade de mim, que sou um pecador!” O’ mundo! Uin oceano de caridade e luz foi derramado s obre ti. O’ mundo tão pobre e tão frio, como és rico e belo, no entanto! O’ santa Igreja!
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XI
A luta entre o ideal e a realidade E ’ prec iso que os e s cândalos se produzam (Lc 17, 1).
Até aqui te ntámos dar os traços fundame ntais , essenciais, do catolicismo. Descrevemos e estabelecemos, antes do mais, a doutrina da Igreja corpo do Cristo, reino de Deus na te rra. A esta luz c ons iderámos o seu dogma, a s ua mor al, seu culto, s ua cons tituição, s ua vida como corpo social, mais precisamente, o que faz dela a Igreja do povo e a Igre ja dos povos ; em s e guida, a sua prete nsão de ser a única ins tituição c apaz de promove r a s alvação; e, por fim, os meios particulare s de que ela dis põe para tr abalhar pe la s alvação ete rna dos home ns . Es forçámo nos no s e ntido de pôr e m relevo o essencial, o que pe rmanece inde pe ndentemente de todas as modificaçõe s introduzidas pe lo te mpo, is to é, a idéia c atólica em s ua pure za total, inde pende nteme nte de todas as contingências do te mpo e do es paço. De que forma, porém, concre tamente falando, esse catolicismo se traduz, se manifesta, praticamente, no es paço e no te mpo? E’ a tal pe rgunta que te ntaremos re s ponder nes ta última confe rência. Do catolicismo ideal, passamos ao catolicismo tal qual se nos apres enta. De que mane ira o catolicis mo, tal como é, se comporta com re lação ao catolicis mo tal como deve ser, tal como Deus o quer? Que entre o catolicismo ideal e o catolicismo de fato não ha ja corre s pondência perfe ita; que o catolicis mo de fato se deixe ficar sensivelmente inferior ao catolicismo tal como devia ser; que jamais , até aqui, na his tória, se tenha o c atolicis mo plename nte re alizado, mas permane ça em e s tado de viraser, de laborioso cre s cimento, s ão coisas que a his tória da Igre ja e do mundo suficientemente de mons tra e seria s upérfluo desenvolvêlas longame nte. A própria Igre ja primitiva jamais se apre s entou “sem manchas e s em rugas ” , no sentido do Apóstolo. B as ta ler as
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cartas do pr óprio Após tolo, e as de s ão T iago e s ão João, e, com re lação ao pe rí odo seguinte , inte rrogar Hermas , Tertuliano e santo Irineu. Mostramnos elas, na antiguidade cris tã, ao lado de lar ga e brilhante caridade, uma sombra espessa e vasta. Isto veio acontecendo pouco mais ou menos aténossos dias. Sempre sentiu o catolicismo a necessidade de mais completamente aproximar sua vida real de seu ide al. Há uma te ndência à re forma, explica Mons . K e p p l e r (1 ), que énatural àIgreja. Bas ta lembrar o grandioso e sforço e fe tivado por numerosos fundadores de orde ns re ligios as e de P apas . Aque la te ndência ainda hoje se manifesta. Ora, um desejo de reforma s upõe s empre a conciência de uma falha, de um defe ito, e a convicção de que o catolicis mo ide al ainda não existe. Inutil, pois , insistirse e m dize r que ele ainda não se acha re alizado e que, aliás, jamais se re alizou na his tória. Que re rí amos , ne s ta confe rência, dize r por que não pode o catolicismo plenamente realizarse neste mundo. Comecemos por indagar das razõe s fundame ntais do surpreendente e trágico mis tério de sta contí nua luta e ntre o ideal e a realidade; veremos, em seguida, de que modo, para um católico, se pode resolver o e nigma desse doloroso des acordo. A prime ira e principal razão, de ve mos vêla na própria essência da re ve lação em seu carate r único de abs oluto fazendose homem. "E o Verbo se fez carne”. Deus, na re ve lação, éamarrado ao home m, o Abs oluto ao re lativo, o Inexprimivel se reveste de formas e de sinais visiveis. “Conduzimos nossos tesouros em vasos de barro” (1 Cr 4, 7). Achamse, pois, em pre s ença, dois elementos que, a priori, jamais se poderão as s imilar comple tame nte . E ntre eles não pode m exis tir re laçõe s de s e me lhança e analogia. Entre mos no pormenor. Não nos podemos re pres entar a re alidade do Absoluto, do incompre e nsí ve l Infinito, o ser e a e ss ência de Deus, s e não por me io de conce itos tomados ao mundo de noss a e xpe riência. De us , ning uém ja mais o viu. Não pode mos , pois , conhecêlo e descre vê lo senão com a ajuda de idéias difere ntes (per s pecie s ali 1 ) P . W. v o n K e p p l e r , Übe r wahre and fals che Re form (A verdadcira e a falsa Reforma), 1903, p. 24.
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unas). Quer dizer: por meio de conceitos que, em seu sentido orig inal, sócontêm o criado e pre cis am ser de s e mbaraçados de s uas impe rfe içõe s e limitaçõe s e em se guida soerguidos até ao infinito no que pos s uem de pos itivo. Seráesta a nossa maneira de conhecer o Ser mesmo de Deus. O que afirmamos de De us, não podere mos nunca fazêlo em s entido ade quado, ine quí voco, porém somente análogo. Não pode mos falar dele s enão “ por analogia” (S b 13, 5 ). Te mos conciência de que todas as noss as repre sentações ficam infinitame nte aquém de Deus . Todos os nomes que lhe damos não pas s am “ de tí midos tarta mudeios que gostariam de se aproximar de Deus para tocálo, mas sóo podem s audar de muito long e ” (2 ). O próprio mundo da re ve lação sobrenatural, todas essas novas re alidades que pos s uimos par a além dos dados da nature za, por uma comunicação pes s oal, ime diata de De us, principalme nte pe la Revelação que nos fez seu Filho, não pe netram ime diatame nte em nós em s ua essência e por esse carate r real que s eria seu próprio teste munho. Che gamnos por me io de re pre s entações e de idéias humanas . Os dogmas nos quais essa re alidade s obrenatural encontrou, por instrumento da autoridade da Igre ja, a fórmula obrigatória que a e xprime , traduze m o abs oluto, mas não s ão o abs oluto (3 ). As concepções filos óficas que servem a exprimí los s ão tomadas à filos ofia do te mpo, s obre tudo àfilos ofia g re ga. A esse tí tulo, s ão ve rdade iras , adaptadas e inte ligí ve is em todos os tempos ; como es tão longe , porém, de e s gotar a inte ira re alidade s obrenatural e quão impe rfe itos se apres e ntam! T ambém a este conhe cime nto das ve rdade s s obrenaturais se aplica a palavra do Após tolo: “ Vemos agora como num espelho, em enigma”. Por esta forma, de todo o nosso conhecimento das verdades de fée de toda a noss a vida de fé, que s obre elas se apoia, se des taca uma impre s s ão de ins uficiência, de s ac rifí cio doloroso a suportar, uma e spécie de melancolia, análog a à que Nietzs che e xperime ntava em face da arte plástica da Grécia. Não c aminhamos em ple no s ol, mas numa s emiobscuridade. Nos s a fé nos dá, sem dú 2) P. L i p p e r t ,
Credo, t. I, 1916, p. 62. 3) P. L i p p e r t , Das Wesen des kalholischen Menschen (A e s s ência do fie l c atólic o), 1923, p. 20.
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vida, a certeza inabalavel de que o mundo sobrenatural não é ape nas um sonho, de que éunia ve rdadeira re alidade, a realidade de Deus e de sua vida eterna. O fim éclaro e nos indica ao mesmo tempo o caminho. Apenas, a essa realidade superior sóa vemos como envolta num véu, de longe , como as montanhas cobertas de nuve ns. E ’ isto, evidenteme nte, o que trans mite à noss a fé s ua í ntima nobreza e seu valor moral. Se Deus se nos apresentass e aqui em baixo, s em véus, a fénão s epararia os espí ritos , is to é, os homens de alma e le vada, pura, de s interes s ada, das nature zas egoistas , que s ó têm em vis ta seu interesse próprio. O reino de De us não pas s aria de uma que s tão de raciocí nio e de e s tudos positivos , e de ixaria de s er o problema das grande s almas que dão testemunho do seu apego ao ideal e ao dever com o permanecerem firme s e fiéis, mes mo nas trevas da noite e era meio das tempestades. De outro lado, no entanto, aquela s emiobs curidade e o que existe de e nigmático nas re alidades da fépodem por vezes paralisar nosso jubiloso impuls o e lançarnos em lutas e dificuldade s que faze m com que nos s a fénem sempre seja s imples mente uma força e uma g raça de De us, um dom be atificante . Acas o não se transforma ela, muitas vezes, num duro dever, numa espécie de luta com Deus, que enche toda a nossa vida e absorve o melhor de nossas energias? Acabamos de ve rificálo: De us , o Absoluto, não pode, devido às ua própria nature za, sernos comunicado, a nós, s imples mortais , s enão por meio de re pres entações e de idéias humanas , neces s ariamente ins uficientes . Acre s ce ntemos que os orgãos que nos transmite m essa fé s ão homens e, pois , inteligências limitadas pe lo es paço e pelo te mpo, comprimidas pela es treiteza de s ua época e de s ua própria individualidade . Antes de tudo, pe la es tre iteza do seu tempo. Cada época tem a sua caracte rí s tica, o “ seu espí rito” , vale dizer, uma mane ira particular, mais ou menos relativa, de ver, de sentir, de julgar, de tratar homens e coisas. A luz eterna da re ve lação se re flete dife re ntemente através do pris ma de cada perí odo, s e gundo o seu âng ulo de re fração. A re alidade s obre natural não se mos tra nunca em sua pure za original, vem a nós numa época de te rminada e, pois, s ob a for ma que e s s a época lhe dá. De um lado, sem dúvida, faze ndos e re alidade do
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te mpo, est'áe m melhores condiçõe s para comove r os homens do tempo e produzir frutos, mas, de outro lado, perde com isso algo da força e da majes tade do seu ser s obre natural. S ofre uma e s pécie de diminuição (x tv woiç), de de s nudamento de si me s ma, como o próprio Verbo divino quando s e fe z carne. Es ta diminuição, este de s pojo do s obre natural, esta re fração através do te mpo, o ca rater ne gativo que toma, v ão tão longe que , fre quentemente, s ob o invólucro do te mpo, o Ete rno ac aba por não nos ser mais visivel. Escandalizamonos por isto, e sofremos . E ’ as s im que o católico s ofre à vis ta da forma es crava que o s obre natural tomou em ce rtas épocas . S ofre hoje mais do que nunca pe la Inquis ição e os autosdefé da idade média. Quanto mais compree nde que, por de trás des s as ins tituiçõe s , éprecis o verse a e xtraordinária seriedade com que o homem medievo, inteiramente penetrado da verdade objetiva, queria por essa forma salvaguardar a firme re alidade e alta dignidade da re ve lação s obre natural; quanto mais apre cia as re laçõe s intimas que, na meia idade , mantinham a vida polí tic a unida à v ida do catolicis mo — tanto mais sofre com o ve rificar que, naque la época, o zelo pe la ve rdade obje tiva na re ligião e na sociedade fez muitas vezes com que se perdesse de vista a v ida í ntima dos indiví duos , particularme nte o dire ito e a dig nidade da conciência, mes mo e rrônea; que o rigor de uma lógica abs trata impe diu que o senso ps icológico se exercesse e fez com que se olvidas s e muita pre ciosa ge ma da me nsage m evangélica, em particular a que diz que o re ino de Deus não édes te mundo, que ele não se propaga nem se conserva pela espada, que se deve perdoar s etenta ve zes sete ao irmão que pecou e que se não fdeve atrair o fog o s obre as cidades que não crêem. Sofre tambe m à le mbrança dos proce ssos por bruxaria e de s uas numeros í s s imas vitimas . Bem sabe que o terror que inspiram os feiticeiros nada tem de especialme nte próprio ao catolicis mo nem mes mo à re ligião, e que não pas s a de uma s upers tição do te mpo, dado que mes mo em te rritório protes tante centenas de feiticeiros foram pe rs e guidos e condenados. Os prime iros e s pí ritos adve rtidos que, ao lado do médico calvinis ta João We ye r, tive ram a corage m, nos s éculos XVI e XVII, de combate r a s upers tição ge neralizada, os Eras mo, os Loos, os Tan
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ner, os Lay mann e os Spee , não eram acas o católicos , e os três últimos , je s uí tas ? Ele s ofre, no entanto, no mais fundo de sua alma pelo “Malleus maleficarum” (4), e por aquela bula “Summis desiderantes”, de Inocêncio VIII, a qual, embora nada tendo de um documento excatedra e, portanto, nada de um ensinamento infalí ve l — o contexto clarame nte o de mons tra — nem por isto deixou de “ inconte s tave lme nte contribuir para desenvolver as idéias relativas à bruxaria” (5 ). Ele se horripila desse abaixamento, dessa “forma de escravo” que a Divindade tomou. Não s em e moção, a s i próprio se diz que , mesmo os que rece bem o e ncargo da mais alta, da mais s ublime função da terra, podem ser homens do seu tempo e escravos dos seus pre juí zos . O Es pí rito S anto, que dirige a Igre ja, não garante contra o erro e a ilusão, nem todos os atos pontifí cios , nem todas as palavras do Papa. O P apa éinfalí ve l apenas quando fala “ excathedra” , isto é , quando, te ndo haurido nas fontes da fé da Igre ja, na plenitude de s ua autoridade de chefe da Igreja, promulga sobre uma questão qualque r de moral ou de féuma decis ão de s tinada à Ig re ja inte ira com a intenção de obrigála a submeterse. Os homens por meio dos quais a re ve lação divina se manife s ta na te rra s ão, pe la força das circuns tâncias , s ujeitos às es treitezas do seu tempo. Acre s ce ntemos a estas as que vêm de s ua personalidade. As particularidades do seu temperamento, de sua inte ligência, de s ua vida moral fatalme nte influem s obre a mane ira pela qual distribue m a verdade e a graça do Cristo. E as mesmas particularidades do temperamento, da inteligência, da vida moral nos que recebem a ve rdade e a graça influe m também sobre a sua mane ira de recebêlas. Tanto a Igre ja ensinada como a Igre ja e ns inante pagam por esta forma o seu tributo às influências pes soais. Pode, pois, e deve acontecer que Pastor e Rebanho, Padre s e F iéis , nem se mpre se jam dignos veí culos e 4) O Martelo das bruxas, obra apare cida e m 1486, em Colônia, e da autoria de Henrique Institoris e Tiago Sprenger, inquis idore s na Ale manha. — Na Inglate ra, os proce s s os e e xecuçõe s de fe itice iros dura ram até 1712; na França, a última fe itice ira foi queimada em 1718. 5 ) A . E h r h a r d , Der Katholizismus und das XX. Jahrhundert (O Catolic is mo e o século 20 ), 1902, p. 168. A essência — 14
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receptores do divino, e que o sobrenatural que estáneles por vezes se nos apre s ente s ob aparência de formada e corrompida. Por toda parte em que existam homens há nece s s ariamente, antes de tudo mais, e s treiteza de vis ão e julgame nto. Os homens de talento s ão raros, e mais raros ainda os homens de gênio. Os papas emine ntes , os bispos de vistas largas, os teólogos ge niais, os s acerdotes superiormente dotados a um sótempo do ponto de vista da inte ligência e da pie dade , não podem de ixar de ser uma exce pção. Deus não os s us cita s e não em épocas particulares , quando os julg a nece ssários àsua Igre ja. Te mos o direito e o dever de rogar a Deus para que os multiplique , mas não pode mos absolutamente contar com eles . Habitualme nte s ão home ns como todos os outros que serve m de ve í culo àve rdade e àgraça no mundo. A Igre ja recebeu de De us a garantia de não cair em erro do ponto de vis ta da fé e da moral, porém não a de que todas as decisões e atos da s ua autoridade trariam a marc a do gênio e da pe rfe ição. “ De us escolheu o que há de mais fraco e pequeno para confundir o que éforte”. Por essa forma, em tal fraque za triunfa magnificame nte a força do divino; por essa forma, para o crente que reflete e s abe ver, tornase sensive l e doloros a a provação que lhe ve m da opos ição e ntre esse lado humano, muito humano, e a e le vação, a profunde za e a força da re ve lação divina. Reproduzse , na Igre ja, através dos s éculos , o que ocorreu entre o S e nhor e os após tolos : a impos s ibilidade , da parte dos apóstolos, de receberem em seus refletores por demais estreitos todos os raios luminosos que e manavam de Jes ús, e de comple tame nte convertêlos em forças de vida. Mais doloros a e sensivel ainda apare ce a opos ição entre o divino e o humano, qüando a v ida de g raça e de ve rdade é pe rturbada no seu curso pe las paixões humanas, pelos pecados e os ví cios ; quando o Cristo que na história humana se apres e nta é arras tado na lama. Este é o cúmulo do e s cândalo, o es cândalo da pr ópria s antidade , que mãos indignas dis tribuem e lábios impuros rece bem. Fiéis de hábitos corruptos, bis pos ou papas indignos — eis aías chagas abertas, s upuradas , incuráve is , do corpo mí s tico do Cris to. E ’ o que e ntristece o crente sincero, éa sua Sextafeira Santa: perceber essas
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chagas e não pode r curálas! “Cons tantemente, es creve N e w m a n (6 ), es táa Igre ja em es tado de languide z e fraqueza. Traz constantemente em seu corpo a morte de Je s ús, afim de que a vida de Je s ús se manife s te ig ualmente no seu corpo". E’ uma propriedade que lhe éess e ncial, de vido à s ua vocação de redentora. E ’ na Ig re ja que o mal émais visivel porque nela é que ele émais ardenteme nte c ombatido. “ Ela não pode jamais permane cer fora do cí rc ulo do mal" (Mce hle r). Ass im como o seu Mestre não veio para os que têm saude, mas, s im, para os que e s tão doentes , tambem ela te rás empre aqui em baixo doentes, partes e nfermas nos membros e na cabeça. Re s umamos . A prime ira série de trágicos conflitos provém da própria essência do Cris tianis mo, re ligião s obrenatural e revelada. Onde o Absoluto entra no tempo, ou o divino toma forma humana, o humano, necessariamente impe rfe ito, não pode de ixar de oporse, em luta í ntima ao divino, necessariamente perfeito. Schopenhauer, e antes dele o velho Hegel, como depois dele Hartmann, viram justo a este respeito. Pelo fato de haver Deus entrado no tempo, seu abaixamento pelo tempo, seu despoja mento se tornam naturais. Eles sóse enganam quando atribuem e sta vinda de De us ao mundo, não a um ato de amor livre da parte de um Deus pessoal, mas a uma necessidade interna da divindade, vendo, assim, na criação, precis amente o pecado de Deus. A segunda fonte fundamental de conflitos se encontra, não mais na própria es s ência da re ve lação s obre natural geralmente conside rada, porém na es s ência, naquilo que épróprio do catolicis mo. Em primeiro lugar, de vido ao princ í pio de autoridade , no catolicis mo obs ervamos o já as s inalado conflito entre a autoridade e a liberdade. Por toda parte em que a indepe ndência humana se choca com dados , leis, re gras duras , rí gidas , que c ontrariam o “ e u” e parece m pe iar o livre movime nto do e s pí rito, manifestarseátal conflito. Antes do mais , no domí nio da te olog ia, a ciência da fé. A revelação s obre natural não é uma s abe doria humana, mas, s im, a palavra de De us. A nova ve rdade não emerge do 6) Citado em P r z y w a r a K a r r e r , Fiille der Zeiten (Plenitude dos tempos), p. 83. 14*
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substrato primitivo da humanidade, nem das profundidades do inconcie nte; é, es s encialmente, um dom do alto. Sua comunic ação aos homens não pode ser fe ita s e não por via da autoridade , pela série viva dos após tolos e dos bispos que, pelo sacramento da ordem, se lhes conjugam na unidade do e s pí rito, e, antes de tudo, pelo sucessor de Pe dro. A autoridade na Igre ja é um corolário nece s s ário do ca rater s obre natural da re ve lação. Um dos dois poios da vida da Igre ja é, pois, a autoridade que lhe vem do Cris to pelos após tolos . Não éda parte de escritores ou de his toriadores que o católico recebe a certeza definitiva da re alidade da re ve lação, mas, s im, das prime iras te s te munhas e dos prime iros dessa re alidade, da autoridade mes s iânica do Cristo, que se prolonga de maneira viva no Bispo e no Papa. O católico fica, as s im, ligado inte riormente, em sua fé í ntima, ao e ns inamento dado com autoridade pela Igreja, eco simples e fiel da palavra do Cristo. De outra parte, a Igreja condena a féque recuse esclarecerse a si mes ma, tanto quanto uma ades ão puramente exterior à fé. O as s entime nto à doutrina da Igre ja deve ser interior, racional, deve ser um livre assentimento de todo o ser moral, re pousando sobre convicções pes soais, variave is , evidentemente, s e gundo o grau de inte ligência e de cultura, no que conce rne aos motivos filos óficos e his tóricos de cre dibilidade . Como não pode o s ábio adquirir essas convicções pessoais sem um método rigoros o, a Ig re ja não pode s er hos til a nenhum método verdade irame nte crí tico, e me nos ainda ao método da crí tica his tórica. A Encí clica “ Pas ce ndi” , contra o modernismo e o juramento antimodernista do Papa Pio X, longe de a proibire m, s upõemna. O que conde nam, é a pre te nsão de fazer com que a fésobrenatural dependa exclusivamente dos re s ultados desse método, e, pois, de crí ticos e his toriadore s , isto é , da ciência pr ofana. Noss o ass entime nto à fé não re pousa apenas no tes temunho de docume ntos mortos, mas no testemunho vivo da corrente que carreia a tradição da revelação, desde o Cris to, através dos após tolos e dos bis pos , seus s ucessores, até nós. O catolicismo não é uma re ligião de documentos , mas, s im, uma vida que se trans mite de ge ração em geração por meio da s uce s s ão apos tólica, prote gida e dirig ida pe lo Es pí rito Santo.
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E’ para o estudo desta vida da Igreja, que conduz e anima o de pós ito da tradição, que se deve orie ntar o método his tórico, se não quis e r ficar s endo uma c rí tica puramente negativa e destrutiva. Tal o sentido da frase, tantas ve ze s mal compre e ndida, da Encí clica, na qual se afirma que a Es critura e os Padre s “não devem ser interpre tados unicamente s e gundo os princí pios da c iência” (non solis scientiae principiis). Sobre os textos mortos dos documentos cristãos primitivos corre a vida cris tã atual, ou, ante s , esses próprios te xtos não s ão s enão a vida mumificada, conge lada; res í duo deixado por essa vida s obrenatural que nos envolve e penetra ainda nos dias presentes, na Igre ja, res í duos, portanto, cujo conte údo re ve lado não pode ser compree ndido e explicado completamente s enão a partir dessa vida. A Igre ja não conte s ta os direitos do método his tórico e da crí tica, nem, por cons e quência, o dire ito e o dever da pes quisa cie ntí fica. P õe s omente em guarda contra o abus o da mes ma, contra a ne gação do que háde vivo no cristianismo, no seio do que, portanto, deve tal método procurar s ua norma e s ua re gra final (7 ). De s ta vida, da claridade q:ie lança s obre a reve lação, projetams e sempre alg uns raios de luz s obre os proble mas que surge m de crí tica te xtual e de interpre tação, de te ologia bí blic a e patrí s tica. Se há motivos para te mer que o núcle o vital de s ua revelação fique ame açado, ela inte rvém por ins trumento de suas Congre gaçõe s , não em nome da ciência, mas em nome da fé. E ’ e ntão que a autoridade da Igre ja, de um lado, e • direito que tem cada um de se dar contas das razões de s ua fé, de outro lado, se arriscam a entrar em conflito. A autoridade ensinante da Igre ja poderá, como no cas o de Galile u, inte rditar, em nome da fé, uma opinião cie ntí fica que sóaparentemente embora contradiga as verdades da fée que, mais tarde, venha a tornarse uma verdade cientifica inconte s tada. O católico s abe muito be m que essas decis ões de Congre gaçõe s , mesmo aprovadas pelo P apa da maneira habitual (in forma communi), não s ão 7) Cf. R. M. S c h u 11 e r, Was beschworen wir im Antimoder nisteneid? (Que é que afirma mos pelo jurame nto antimode rnis t a ?) , 1911, p. 2 9; — J. M a u s s b a c h , Der E id wide r dett Mo dernismus und die theologische Wissenschafl (O juramento anti mode rnis ta e a ciência te ológ ic a), 1911, págs . 30 e ss.
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infalí ve is ; e que, por isto mes mo, o as se ntimento inte rior que e las exigem não pode ser absoluto, mas, s im, condicional (8), prudencial. Tratase, com efe ito, de decisões que — e manando, dc alguma sorte, do poder doutrinal do Papa, merecem evide ntemente ser tomadas em alta conside ração — não vêm, contudo, dire tame nte, s enão de uma autoridade terrestre e falive l. Pe la me s ma razão, sabe o católico que lhe não é de mane ira ne nhuma inte rdito s upor que um erro qualquer se tenha insinuado em alguma dessas decisões, e pre parar, por me io de mais aprofundadas pes quisas , uma s olução de finitiva da que s tão. Ele s abe que e m pres ença de uma s olução de sta ordem, propos ta por uma ciência firme , não mante rá a Igre ja s eu veto. Ela não o havia pronunciado no intuito de sufocar a verdade, mas, sim, para que esta fosse mais aprofundada, e, pois, em de finitivo, para preservar a te ologia de hipótes es apressadas ou insuficientemente fundamentadas. A teologia é ciência de vida; suas afirmaçõe s têm re percussão dire ta s obre a vida. A autoridade ensinante da Igreja, estabelecida por De us, guardiãda vida s obre natural dos fiéis , não pode ver com indife re nça a comunidade dos féis perturbada por opiniõe s novas , ins uficie ntemente fundame ntadas do ponto de vis ta cie ntí fico e que, antes de serem verdadeiramente estabelecidas, correm o risco de abalar a fé. Nada ignora o católico de tudo is so. Em te oria, pois, existe uma pos s ibilidade de conciliação, de um modus vi vendi entre a autoridade doutrinal e a liberdade de pesquisa em teologia. Mas, de fato, nem sempre se trata, em teologia, de questõe s nas quais s e pode s ubmeter à autoridade ensinante uma s olução exata, uma prova s em réplica, abs olutamente de finitiva. O mais das ve zes, são proble mas que ainda não comportam s olução rigorosame nte exata e inconte stáve l. A solução s ó épossive l por uma espécie de intuição que re s ulta de uma vis ão de conjunto de todos os 8) A re speito do as s unto encontrarseão des e nvolvimentos precis os na obra do P. C h o u p i n, Valor das decisõe s doutrinais e dis ciplinare s da S anta S é, Paris, 2*. ed., 1929. Quanto ao cas o de Galile u, em par tic ular , encontrarseão informaçõe s s e g ur as e m V a c a n d a r d , Estudos de Critica c de His tória re ligiosa, págs . 295393, P aris , 1906.
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dados . E ’ e ntão que os conflitos ame açam produzirs e. O s ábio s ofre rá da c ontradição entre os seus dois ideais: sua fidelidade àIgreja de um lado, sua lealdade para com a verdade, de outro lado. Sofrimento nobre e santo, mas ve rdade iro s ofrime nto. Vêse ele pres o à “ cruz dos seus ideais ” . E des ta cruz ninguém o pode libertar. Do catolicismo como tal surge um novo conflito entre a comunidade e os indiv í duos . A Igre ja é, antes de tudo mais, comunidade, a unidade da humanidade resgatada em Deus feito homem. Mas, precisamente por causa disto, é uma c omunidade de pessoas, de indiví duos . S ó se compondo de pessoas vivas, evidentemente, éque a Igreja se fa z o c orpo vis ive l do Cristo. Comunidade e indiví duos s ão igualme nte indispensáveis à essência da Igre ja. Da comunidade de fé e amor os indiví duos rece bem sua vida nova. E, inversamente, as pessoas assim vivificadas dão àcomunidade o que têm de melhor, a força v iva, ardente, de s ua fé e seu amor. Comunicam ao todo potência e fecundidade. Apenas, quem diz comunidade diz vida comum, cons tituição, s í mbolo, lei. P or cons equência, os indiv í duos devem submeterse voluntariame nte ao dogma, àmoral, ao culto e ao direito da Igreja. E eis de que forma vai nascer o conflito: As pe rs onalidades s ão por de mais ricas e c omplexas — cada indiv í duo é único, é uma palavra de De us que não mais se repete (9 ) — para que poss am, em toda parte e e m qualquer te mpo, as s umir s ua função no org anismo da comunidade sem atritos penosos . Is to não se alcança nunc a s em í ntimas dificuldade s , s em alg um s acrifí cio, sem que te nha o es pí rito de c aridade de devotarse e a si mes mo renunciarse. Quanto mais rica, aliás, é 9) Em penetrante e s tudo de his tória da filosofia, E. P r z y w a r a (Goltgeheimnis der Welt — O mis tério div ino do mundo, 1923), mos tra clarame nte como a cre nça na pe rs onalidade , que domina toda a re ve lação, come ça a apare ce r entre os pens adores cris tãos e a tingiu a s ua ple na clare za filos ófica com Es coto e Suarez, ao passo que "a filosofia moderna da personalidade v ai aca bar finalme nte no s uicí dio da pe rs onalidade ” (p. 164). As re laçõe s e ntre o indiv í duo e a comunidade na Ig re ja cons titue m, se gundo ele, a mais fundame ntal das oposiçõe s , a qua l só pode ac har s olução em De us, em Cris to. Em sua obr a s obre De us (1926), des envolve e le tal idéia, che gando a faze r des s a opos ição fundame ntal a bas e de tod a uma filos ofia da re ligião.
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urna pers onalidade , mais terá de sofrer da parte da comunidade , s obretudo da me diania pouquí s s imo ele vada que ne ce s s ariamente te rá de s uportar na mass a. Se m dúvida, rcstitiic a comunidade soberanamente em valor sobrenatural a essa personalidade o que ela em seu favor sacrificou. A comunidade éformadora: obriga ao amor e ao espirito de s acrifí cio, àsimplicidade e àhumildade ; e ngrandece a personalidade; aumentaa de todo o bem que por nossos irmãos fize mos . Há, por fim, es te lucro ainda mais precioso: a comunidade, corpo do Cristo, éa fonte primeira de toda a ve rdade e de toda a graça de Jes ús. S e jam quais forem, porém, as vantage ns confe ridas pe la comunidade , não faze m me nos real o sacrifí cio provocado pe la obr igação de curvarnos e pornos de ntro da orde m. E’ o sofrimento com os membros do Cristo, porque “quando um membro sofre, todos os outros membros sofrem com ele”. Há, por fim, uma terceira e última espécie de conflito, oriunda ainda da própria e s s ência do catolic is mo: o conflito entre a piedade viva e a autoridade administrativa, entre o entus ias mo ins pirado pelo Es pí rito S anto e a prudência, a rigide z do direito da Igre ja. Es ta es pécie de opos ição, e ncontramola de mane ira impre s s ionante na vida de um s ão F rancis co de Assis. Os dois s ão, no entanto, indispe nsáve is à vida da Ig re ja: o Es pí rito que soprou no dia de Pentecostes háde sempre excitar àvida nova; para sempre continuaráa trabalhar as almas em sua profundidade e a suscitar nelas vigorosos impulsos e movimentos incontiveis. Para que esses movimentos, no entanto, não falhe m, para que dêm frutos duradoir os , de vem ser regulados, definidos, ordenados e organizados pela autoridade. Assim, de um lado, a vida de piedade pessoal precisa ser enquadrada, fixada pela Igreja em formas firme s para s e não e xpor a agitaçõe s inúte is . De outro lado, tem a forma fixada necessidade do movimento inte rior da vida e da expe riência, para se não expor a excessivo e nrije cimento. Quanto mais antig a e venerável, tanto mais indispensáve l se lhe torna essa atividade v ital. E ’ numa ação comum bem adaptada que re s ide o segredo do movimento de vida religiosa na Igreja. Se esta ação comum não for as s e gurada, ou se o for ins uficie ntemente, " o Es pirito ge me” . Es te s ofrime nto do Es pí rito
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é dos mais profundos e perturbadore s , mas também dos mais s antos e puros que pos s a um católico e xperimentar. Leiamse, a este respeito, as cartas de santa Catarina de S ena ou a vida de s ão Clemente Maria Hofbauer. E ’ aíque pode a alma católica exclamar com Pe dro Lippert: “ Ah, Igre ja católica, Anjo do Se nhor, Rafae l, que nos foi dado para guiarnos em noss a pe re grinação, pos sas ter s empre a força de marchar com pas s ò bas tante vigoros o para que faças estalar, tu mesma, as formas rí gidas e velhas . Igre ja católica, Anjo do Se nhor, possas ter sempre a força de agitar as as as com vigor bas tante para s acudir a poeira que os s éculos acumularam!” (10) Tais s ão, lige irame nte expos tos, os conflitos que nas ce m da própr ia essência de uma re velação s obre natural e do próprio catolicis mo. Como a si mes mo pode rá um católico e xplicálos ? À luz da escatologia, do Além, àluz do pensamento de que, segundo as promessas mesmas do Senhor, a plena re alização da Igre ja não se acha te rminada, de que a Igre ja plename nte triunfante s ó ao fim dos tempos se manife s tará, e de que , por isso, es tá nos de s í gnios de De us que a Igre ja do Cris to pe rmane ça aqui em baixo incompleta, imperfeita, até à vinda triunfal do Filho do Homem. Este carater inacabado, incompleto da Igreja, para reconhecêlo não pre cis amos da re alidade brutal dos fatos . O próprio Cris to não pe rmitiu que o ignoráss e mos . De s de o princí pio, de screve unos o re ino do céu como uma rede de pescar, na qual se encontram peixes de boa q máqualidade, como um campo no qual o joio cresce entre o trigo. Quando previne seus dis cí pulos contra a procura " dos prime iros lugare s ” em seu re ino, “não nos sugere acaso, de alguma sorte, as futuras invejas e divisões entre chefes da Igr e ja?” ( Ne w m a n ) . Quando nos descreve o “Intendente” que “maltrata os seus subordinados, enquanto ele mesmo come, bebe e se embriaga" , não se dáque, involuntariame nte, nos s o olhar s e volta para esses “ intendentes do reino dos céus, aos quais, como sucessores de Pedro, confiou as chaves do reino, e 10) p. 54.
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Das
Wes e n des katholis che n Me nsc hen,
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que tão lame ntavelmente abus aram do encarg o” ? (11). Podese dizer, com o cardial Newman: Cristo nos previne precisamente c ontra a ilus ão de que a Igre ja da te rra deva apresentarse sem mancha e sem ruga. Depois dele, o mesmo fize ram seus dis cí pulos . S ão P aulo, particularmente, se compraz em repetir que a Igreja aqui em baixo, toda animada pelo Cris to, traz os e s tigmas , não do Cristo glorificado, mas do Cristo sofredor, de sua mor te ( véxQ(oaiç) (2 Cr 4, 11), de suas feridas (Gl 6, 7 ); que os sofrimentos do Cristo “abundantemente se espalharam” sobre seus membros (2 Cr I, 5); que, sendo ass im, devese falar de uma c omunhão com os seus s ofrimentos (Felip 3, 10). O sofrimento, sob todas as formas, é, pois, um traço ess encial da Igre ja aqui de baixo. “ Ainda é noite” , e xclama s anto Agos tinho, para caracte rizar o estado atual da Igreja, “ela estaránas trevas enquanto pros s e guir em sua pe re grinação na te rra, e lhe éforços o gemer ao peso de numerosas penas” (Ep LV, 510). Mas , de outro lado — e esta s e gunda conside ração fa culta resolver o conflito — se o Cristo clarame nte predisse os pecados e as misérias , as fraque zas e a impe rfe ição da Igreja aqui de baixo, nem por isso deixou de limpida mente promete r que as portas do Inferno não pre valece rão contra e la e que o seu Es pí rito permanece rá conosco até ao fim dos séculos. A Igre ja èo fermento que, lentamente , sem dúvida, mas de mane ira contí nua, deve penetrar e le ve dar a mas s a inteira da humanidade , não obstante as s uas res istências. P or isto, o católico deve mos trarse s ereno, mes mo quando lhe pareça que a Ig re ja tombou em estado de amortecimento, e atéde agonia. A história mos trou s empre que os tristes momentos s ão s e guidos de re ss urreições jubilos as e de tal forma glorios as que esses pe rí odos de e s tagnação e amortecimento sempre se afig uraram e tapas pre paratórias da re novação maravilhos a qije se lhes s e guiu: espécie de s ono de inverno durante os quais as forças se conce ntraram para a ress urre ição da primave ra. O que se disse, em geral, da vida da Igreja, aplicase, em partic ular, ao seu e ns ino doutrinário. O Es pí rito de ve rdade, o Consolador, estásempre com a Igreja. Trabalha II) p. 8.
N e w m a n , e m P r z y w a r a K a r r e r , F ülle de r Ze iten,
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nar e prosperar. Em outros termos: a vida da Igreja, o de s e nvolvimento de s ua fé e s ua caridade , a elaboração do seu dogma, de sua moral, de seu culto e de seu dire ito, tudo isto se acha em es treita dependência da fée da caridade pessoal dos membros do corpo do Cristo. P e la e levação ou o re baixame nto de s ua Igre ja da terra. De us re compe nsa o mérito ou pune o de mérito dos fiéis. Podese dizer, em mui ve rdade iro s entido, com s ão Paulo (E f 2, 21, 22), que a Ig re ja, fundada pe lo Cris to, é, não obstante, edificada tambe m pe la obra comum dos fiéis. Trabalhamos s empre na e dificação do te mplo de Deus (Serm. 163, 3); e, precisamente, aqui em baixo, trabalhamos em s ua casa, isto é, na Igre ja, diz profundamente santo Agostinho (Enar. 2, 6, in ps. 29). Quis Deus uma Igre ja cujo ple no des e nvolvimento e pe rfe ição foss em o fruto da vida s obre natural, pes s oal, dos fiéis, de s ua oração e de s ua caridade , de s ua fidelidade , de sua pe nitência, de s eu devotamento. Por isto não a estabeleceu como uma ins tituição acabada, perfeita des de o começo, mas , s im, que s empre deixa marge m e convida a um es forço de c ons trução. Em s ua his tória inte rior, a S antidade e a Justiça de De us estão perpetuamente em via de triunfar. No fundo, porém, não s eráporque De us ébom que deixa s ubsis tir tanta fraque za e miséria em sua Igre ja terre na? Não es taremos no dire ito de e nunciar o princí pio paradoxal de que é em atenção a nós, à noss a s alvação, que o corpo mí s tico do Cris to se carregou de tal de bilidade ? A não ser assim, como poderia darse que nós, que “s omos inclinados ao mal desde nossa juventude”, e estamos sempre zonzos, sempre em luta, que jamais nos apre s e ntamos sem mancha, e jamais e m pleno flore s cime nto de virtude — tere mos coragem de nos dirig ir a uma Igre ja na qual a s antidade foss e não s ome nte uma cas ta e ardente as piração, mas já uma pe rfe ição re alizada? Não s eria, acas o, essa be leza perfe ita, para nós, exatame nte um motivo inibitório? Em lugar de nos atrair e dar júbilo, não serviria, antes , s ua maje s tade a nos acusar e condenar? Como poderia ser essa Igreja rica, majestosa, a nos s a mãe, a mãe dos pobres e mis e ráve is ? Não, nós temos nece s s idade de uma mãe re dentora que, por mais