7 Minutos Ator Atriz Produtora Policial Evangélica Velho ATO 1 1ª CENA
A peça acontece no palco de um teatro. Inicia-se com uma cena de Macbeth. O Ator tenta fazer seu monólogo, enquanto que a plateia tosse, fala, atente celular e etc.
ATOR – A – A vida... (tosse da platéia).... A vida (tosse da plateia)... A vida é uma sombra que passa, uma história contada por um idiota ( toca o celular na plateia ), cheia de som e... (mulher atende o celular e o ator interrompe o texto).
MULHER – Oi, – Oi, eu estou no teatro... é, acho que começou. Te ligo depois, beijo. ATOR – – Parado Parado olhando para a mulher, esperando ela desligar o telefone. A vida é uma sombra que passa uma história contada por um louco, cheia de som e fúria significando nada... ( Mais tosse da plateia, ator para o texto e sai de cena) Merda, merda, merda!
2ª CENA A cena se passa agora no camarim. Tem no camarim uma mesa de maquiagem, cadeiras e um sofá. Entra o ATOR nervoso. Merda... vai até a mesa mesa de maquilagem e toma um calmante. calmante. Anda um pouco e volta novamente até a mesa e toma outro calmante. Entra a atriz preocupada com o 1ªATOR.
ATRIZ – ATRIZ – O O que aconteceu? ATOR – Nada! – Nada! ATRIZ – ATRIZ – Como Como nada? Você está bem? ATOR – Não – Não é seu problema vai! ( Senta numa poltrona) ATRIZ – ATRIZ – Fala Fala comigo, o quê que houve? ATOR – Você – Você não viu o cara na primeira fila com a camisa florida? ATRIZ – ATRIZ – O O quê que tem? ATOR – Você – Você não viu, ele tirou os sapatos. ATRIZ- E daí? ATOR- Como é daí? Ele tirou os sapatos, tirou as meias, pós os pés em cima do palco e ficou fazendo assim com os dedinhos. No meio da minha fala os pés em cima do palco. ATRIZ – ATRIZ – Eu Eu não vi!
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ATOR – Como – Como vou dizer a minha fala com alguém com os pés em cima do palco fazendo assim com os dedinhos... Como você não viu? ( indignado) ATRIZ – ATRIZ – Não Não vi! ATOR – ATOR – O palco é sagrado não te ensinaram não? O palco é sagrado, um tablado, dois atores e uma paixão, e o cara fazendo assim assim com os dedinhos pô! Como Como se estivesse na porra da sala da casa dele. ATRIZ – ATRIZ – Calma! Calma! Mas não foi só isso! ( Senta em uma cadeira do lado da poltrona ) ATOR – Claro – Claro que não foi só isso. Outro dia era o mesmo cara, só pode ser. Ele ficou comendo aquelas balinhas a peça toda ( faz o barulhinho dos papeis de bala) ... a peça toda. E colocava os papeizinhos em cima do palco você não viu também? No fim do espetáculo tinha um lixinho você acredita? Um montinho de lixo na frente dele e em cima do palco pombas. O palco é sagrado! ATRIZ – ATRIZ – Mas Mas isso foi outro dia, o que que aconteceu hoje? ATOR – Eu – Eu estou cansado pra isso, não aguento mais! ATRIZ – ATRIZ – ( Indo Indo até o ator) Você está estressado. Fica calmo e me diz o que aconteceu? ATOR – Não – Não é possível que você não veja, que você não ouça? ATRIZ – ATRIZ – Eu Eu ouço! ATOR – Você – Você ouve o bip dos d os relógios? ATRIZ - Ouço! ATOR – A – A cada meia hora? Bibip, bibip, bibip... O que que esse desgraçado faz com esse sinal? Ele toma remédio? Ele se aplica injeção na veia? Ele joga na bolsa de valores? Não, é só pra encher o saco mesmo. Bibip, bibip... E quando tem musiquinha então? Você não ouve? Não é possível que você não ouça! ATRIZ – ATRIZ – Não, Não, eu ouço. ATOR – E – E não é possível que não te encomoda? ATRIZ – ATRIZ – Ah, Ah, você também continua. ATOR – Mas – Mas me incomoda. ATRIZ – ATRIZ – ((Com astúcia) faz parte do jogo. ATOR – ATOR – Tem que desligar os bips dos relógios, tem uma gravação pedindo isso antes do espetáculo começar. ( Levantando da poltrona e avançando ao proscênio) Tem que revistar todo mundo na entrada que nem no aeroporto. E tirar a tralha toda, saquinho de bala, relógio com bip. Tem que revistar o cara inteirinho para a segurança do espetáculo. ATRIZ – ATRIZ – Como Como você está tenso! ( Senta em outra cadeira perto da mesa de maquilagem) ATOR – ATOR – E o celular? E o celular? Outro dia o cara deixou tocar oito vezes... oito vezes. Dois meses preparando aquela pausa, buscando aquele silêncio. Faz parte do jogo também o silêncio. A mulher acabou de se matar, você está sozinho em cena. O exército do inimigo te cercando... ( pausa) silêncio... você diz: “ A vida é uma sombra que passa, uma história idiota cheia de som e de fúria contada por um louco, significando nada.”... silêncio... a coisa toda vai para a plateia, bate lá e volta. Outras vez para a plateia, tririmrimrimrimrim ( imitando o celular tocando) . Como que alguém pode pensar na brevidade da vida com um celular tocando? Se eu quisesse um celular, mandava gravar um pra botar na hora. ATRIZ – ATRIZ – ((levantando da cadeira e indo em direção ao Ator) Mas vai ver ele não conseguia desligar? ATOR – Você – Você não estava em cena. Você não viu, o filho da puta atendeu o telefone e ficou falando com a namorada dele. “Alô? O meu amor estou aqui no teatro, eu acho que começou... Acho? ( indignado) Ele
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não sabia do palhaço parado ali na frente dele, nem percebeu que tinha começado. ( Para a atriz) Vai para o camarim você não viu nada. ATRIZ – ATRIZ – Eu Eu não estava em cena! ATOR – Se – Se tivesse não iria nem perceber. ATRIZ – ATRIZ – É! É! É a quarta parede. ( Para o público) ATOR – Cadê? Onde é que está a
quarta parede? ( Procurando a quarta parede)
ATRIZ – ATRIZ – Oh, Oh, é uma convenção! ATOR – ATOR – Tem gente sentada ali pra te ver, você não sabe disso não? Eles saíram de casa todos arrumadinhos, sentaram ali para te ver, pelo menos é o que se se supõe. Pra ouvir as coisas que você preparou durante meses. Um trabalho infernal, noites e noites pesquisando pesquisando só pra eles. É uma troca. ATRIZ – ATRIZ – Você Você não pode pensar nisso quando está em cena. ( Senta em postura de meditação no chão do palco)
ATOR – ATOR – É claro que posso. É só nisso que penso. Essa história de quarta parede é conversa de ator preguiçoso. (Senta na cadeira da mesa de maquilagem) ATRIZ – ATRIZ – Meditando. Meditando. Tem que abstrair! ATOR – Quem – Quem abstrai a plateia e se fecha no palco feito um papagaio programado para repetir suas falas, se comendo pelo próprio umbigo. Eu sou um comunicador pombas. Eu preciso preciso do outro do lado de lá. ATRIZ – ATRIZ – Então, Então, eles estão vivos! ATOR – Mas – Mas não pode falar no celular. ATRIZ – ATRIZ – Eles Eles pagaram! ATOR – Não – Não pra mijar em cima de mim. ATRIZ – ATRIZ – Você Você está nervoso. ATOR – ( – ( Irônico) Irônico) E as tosses? O que eles tossem meu deus do céu. ( Pausa) Essa gente tinha que ir para o hospital e não para o teatro. Eles estão doentes, tem enfisema pulmonar. ( tosse na plateia, ator se levanta) Por favor, tem um médico na plateia? Cuida dele aí, ele está doente. Não pode tossir aqui. Batem na porta e a atriz se levanta para ir atender.
ATOR – Não – Não abra. ATRIZ – ATRIZ – Eles Eles querem saber o que houve! ATOR – Não – Não abra já falei. Preocupada) Você vai ter um troço, para com isso. ATRIZ – ATRIZ – (( Preocupada)
ATOR – ATOR – (Sentando novamente) Tinha que haver um jeito de selecionar quem senta na primeira fila. A primeira fila não é para amadores, é só para profissionais. Tinha que perguntar: você é profissional? Você é espectador profissional? Olha, o cara aqui em cima está se salvando para contar esse história. Está pronto para ouvir? Tem que fazer cara de inteligente. Não está pronto? ( levantando)Então vai pra tras, última fila. Tinha que ter um jeito. ( Batem na porta novamente) Para de bater na porra dessa porta! ATRIZ – ATRIZ – ((Vai até a mesa pega um calmante) Pegue aqui. Tome um calmante. ATOR – Eu – Eu já tomei! ATRIZ – ATRIZ – Toma Toma outro então. ( Vai até o outro lado do palco) 3
ATOR – Já tomei outro, não faz mais efeito. ATRIZ – Tem que fazer efeito. ( colocando água no copo para tomar um calmante) ATOR – Deve ser falsificando. Eles falsificam até remédio para câncer agora. Ai... ATRIZ – O que foi? ATOR – Dever ter posto estricnina nessa merda. ATRIZ – (Segurando o copo e um calmante ) Ah para com isso que você já está me deixando nervosa agora também. ( Bebe o calmante) ATOR – (Lembrando) Outro dia tinha uma velhinha sentada na primeira fila. Não, essa gente só senta na primeira fila. Ela tinha um enorme saco de batatas fritas no colo. Mas ele comia, e comia, e o papel fazia um barulho tão grande que nem eu mesmo conseguia mais me ouvir, aí não aguentei, parei de falar e olhei pra ela. Dei aquele olhar número oito de secar pé de jabuticaba. Sabe o que ela fez? ATRIZ- O que? ATOR – ( Bravo) Me ofereceu uma batatinha. Ela me ofereceu pombas. A simpática. Macbeth...( levanta e vai até a atriz) ela pensou o que? Que eu ia para o espetáculo, descer do palco e sentar com ela para comer batata frita? ATRIZ – Público de televisão! ATOR – Aqui é um teatro pô. ATRIZ – Televisão eles assistem assim oh, comendo batatinhas. Você deveria saber disso ( deita na poltrona)
ATOR – ( Pegando algo para beber) Televisão é um eletrodoméstico que você leva pra onde você quiser. Você pode ver no banheiro cagando se estiver afim. Pode ver pelado fazendo amor. ATRIZ – Por isso que eles ficam a vontade. Pensam que a gente não está vendo. ATOR – Ninguém contou a diferença não é? ATRIZ – Parece que não. ( pausa) Você está mais calmo. ATOR – Você é muito jovem ainda. Tudo isso é novidade pra você. Você não liga. ATRIZ – O quê que houve? ATOR – Eu estou velho, deve ser isso. ATRIZ – Não fala assim vai. ( Se levanta e vai até o ator). ATOR – Eu não aguento mais. Você sabe que eu entro no palco meia hora antes do espetáculo começar. ATRIZ – É se concentrando. ATOR – Nada. Concentrando nada. Esse negócio de concentração quem precisa é centro espírita. Eu fico ouvindo o público. ATRIZ – A conversa deles? ATOR – O jeito que eles têm de entrar na sala, como eles fazem para descobrir o lugar na plateia. Eu fico ouvindo... ATRIZ – Pra que? ( Agachando ao lado do ator) ATOR – Falando você não entende nada. Eu fico ouvindo a respiração deles, o humor. Eu sou capaz de saber como vai ser durante o espetáculo de só de ouvir o jeito deles se comportarem nessa meia hora. 4
ATRIZ – (Se levantando) Ah sei? ATOR – Tá bom já não sei mais. Mas antes eu sabia. Porque eu não fica no palco escondido atrás da cortina fechada feito um ladrão de galinha não. Eu ficava na bilheteria... meia hora por dia... ATRIZ – Olhando o público! ATOR – ( Levantando da cadeira) Vendendo ingressol. ATRIZ – Você vendia ingresso meia hora por dia? ATOR – Eu vendia! ATRIZ – Pra que? Pra economizar com bilheteiro? ATOR – Eu sentia o público. ATRIZ – ( Rindo) Devia ser engraçado. Um dos atores mais conhecidos do pais sentado na bilheteria vendendo ingressos. ATOR – Falando você não entende nada porque você sempre fez assim, então nunca pensou que podia ser diferente. Aí você entra em cena e imagina aquela quarta parede te separando daquele buraco negro que é a plateia. Pode até ter gente sentada lá, tanto faz. Você liga o piloto automático e vai recitando seu pedaço de texto até o fim dos dias... aja o que houver, faça chuva ou faça sol. Eles podem até ter ido embora e você nem fica sabendo. Você faz a sua parte, pronto. ATRIZ – ( Levantando e indo em direção ao ator exautado ) E não é assim que tem que ser? ATOR – ( gritando) Não. É uma troca pombas. Você precisa do outro do lado de lá. Eu sempre negligenciei com essa cortina de aço que dizem que tem nos teatros, separando o palco da plateia. Abaixam a cortina e daí, largam a gente ardendo aqui dentro, queimando solitário a nossa paixão? Você não ia queimar nem o dedo mindinho. ATRIZ – Com você é diferente não é? ATOR – Eu sentia a alma do público. Eu conhecia, eu sabia o cheiro. Eu olhava os olhos deles, a combinação das roupas, sentia o hálito. Eu era capaz de dizer se tinham vindo a pé, com dinheiro trocado, se tinham mandado comprar, se estavam felizes, entediados eu sabia... ATRIZ – Não sabe mais? ATOR – Informatizaram essa porra de bilheteria e me expulsaram de lá. ATRIZ – Tudo bem. Agora você fica meia hora antes atrás das cortinas ( irônica) ouvindo o jeitão deles. ATOR – Você está me gozando é? ATRIZ – Mas não é isso que você faz? ATOR – Já reparou o jeito deles entrarem na sala de espetáculo? Você nunca se interessou, nunca saberia a diferença. O teatro era um templo. Um lugar sagrado. As pessoas entravam na sala reverentes, emocionadas. Elas chegavam meia hora antes, era um ritual, elas compravam o programa... (afirmando)elas compravam o programa. Sentavam em seus lugares falando baixinho, criando um clima, liam. ATRIZ – Era chato assim, não era não? ATOR – Claro, agora que é legal, parece uma feira. Tá marcado para começar as 9 e eles chegam as 9:15. ATRIZ – Você não deixa entrar. ATOR – E gritam, gargalham, falam no celular, a casa da mão joana. Você pode dar um, dois, três, mil sinais que eles nem sabem que porra de campainha é essa que está tocando. Continua a falar, falar, falar. 5
Você apaga a luz e eles continuam falando. O espetáculo já começou quando a luz apaga, mas não, o preço do bacalhau é mais importante do que qualquer coisa que você queria mostrar pra eles. Cheios de assunto. ATRIZ – É que eles são alegres. ATOR – Não tem a menor noção do que vieram ver. Estão de passagem. O teatro é ante sala da pizza. ATRIZ – Eles pagaram. ATOR – Eu não sou um pedaço de carne e isso aqui não é um açougue. Você viu o que eles fizeram hoje quando apagou a luz? Assobiaram ( assobia). Como se fosse a porra de um programa de auditório. É Shakespeare. ATRIZ – Então foi isso? Você ficou puto porque eles assobiaram? ATOR – O outro tirou o sapato. ATRIZ – Eles assobiaram e o outro tirou o sapato, foi isso? ATOR – (Sentando na poltrona) Não foi só isso. Aquele cara na primeira fila. ATRIZ – O que que tem? ATOR – A cada dois minutos ele fazia assim ( levanta os braços para cima imitando o espectador) A cada dois minutos. ATRIZ – Você contou o tempo? ATOR – Deixava o braço esticado lá em cima. ( imita) A cada dois minutos! ATRIZ – Ele contou o tempo. E reparou no casado dele. ATOR – Ninguém reclamou. O cara estava tirando a visão de duas dúzias de pessoas atrás dele e ninguém reclamou. ATRIZ – Isso é demais. ATOR – Aquela mulher na primeira fila com a doença de São Guido. Você não viu. Você não vê nada. Não parava de balançar as pernas ( balança as pernas). ATRIZ – Calma, pelo amor de deus. ATOR – Porque que deixam essa gente sentar na primeira fila meu deus do céu. ( BATEM A PORTA NOVAMENTE) Mal comecei a falar ( imita alguém bocejando) , era a primeira fala da peça, não dava pra ter enchido o saco. Quer dizer, o cara já saiu de casa de saco cheio, ele veio aqui pra descarregar na gente. ATRIZ – Não começa outra vez por favor! ATOR – E as cadeiras do teatro rangendo? ( Olhando para o fundo de cena) Tem que ajeitar a porra dessas cadeiras, a outra que não parava de olhar no relógio. ( Puxa a atriz para perto) O casal de namorados quase trepando alí no minha frente. Na primeira fila, tinha que ser na primeira fila. Quer fazer amor meu bem, vai para um motel. ( Ficando de pé) E a lata de balas? Tem que proibir a venda de latas de bala aqui no teatro. Fica cheio de papelzinho. ATRIZ – Então foi isso? ATOR – Aí o cara roncou... Eu sou um ator, eu não sou um presunto pendurado no gancho. Eu não sou o bobo da corte, eu estudei esse texto, eu exerço essa profissão, esse sacerdócio a 37 anos. Eu exijo respeito. ATRIZ – Você não pode ligar pra isso. 6
ATOR – E você não liga é claro. Está mais preocupado com o próximo desfile, dinheirinho no bolso, corpinho malhado, posar nua para uma revista masculina. ATRIZ – Ah, eu estou aqui, não estou? Batem novamente na porta.
ATOR – Desculpa vai. Abre esse porta. Batem novamente na porta e a atriz sai correndo para abrir a porta.
ATOR – (Gritando)Já vai. ( Vai tirando o figurino de Macbeth aos poucos)
2ª ATO CENA 1
Entra a produtora apressada e a atriz logo atrás.
PRODUTORA – Até que enfim. ATRIZ – Calma! PROTUDORA – ( Agitada) Eu estou calma. O que é que aconteceu? ATOR – A onde é que você estava quando eu precisei de você? PRODUTORA – Está a maior zona lá fora. ATOR – Você nunca está por aqui quando eu preciso de você. PRODUTORA – Todo mundo gritando, querendo o dinheiro de volta. ATOR – A onde é que a senhora estava? PRODUTORA – Impedindo a polícia de entrar no teatro. ATRIZ – Polícia? ATOR – Como é que é? PRODUTORA – Você quer começar na hora tudo bem. ATOR – E começamos. PRODUTORA – Alguns chegaram atrasados. ATOR – E daí? PRODUTORA – Eu nunca te falei nada, mas nem todos são cordiais. ATRIZ – Foi você que chamou a polícia? PRODUTORA – (ríspida) Eles! Ator faz um sinal de calma e senta na cadeira
ATOR – Do começo por favor.
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PRODUTORA – Eles chegam atrasados. As vezes só um minuto depois da hora, mas nós somos pontuais né? Começamos rigorosamente no horário marcado. Eles dão de cara com a porta fechada e me agridem, me xingam, me ofendem mas não entrão. Não é assim que você quer? Aí chamaram a polícia. ATRIZ – E daí? PRODUTORA – Geralmente tem alguma autoridade entre os que chegaram atrasados, juiz de direito, deputado. Aí o cabo da viatura de polícia morre de medo e quer mostrar serviço pra eles. Era isso que eu estava tentando fazer lá fora, evitando ser presa. ATOR – Por cumprir o prometido? PRODUTORA – Eles nunca vão aceitar. ATOR – Eu nunca vou mudar. PRODUTORA – Eu sei, e eu nunca te pedi isso. ATOR – Quando eu ficava na bilheteria isso nunca aconteceu. PRODUTORA – Sempre aconteceu, ( mais relaxada) eu que nunca te contei. ATOR – Ingresso é um contrato eles não sabem disso não? Está lá marcado o nome da peça, o dia, o teatro, a poltrona, está marcado o horário também. PRODUTORA – Eles não leem. ATOR – Como não leem? Chegaram até aqui, não chegaram? Ai se nós puséssemos alguém no lugar deles. Eles quebram as cadeiras. PRODUTORA – Eles dizem que é um consenso marcado para as 9 aí começa as 9:15. ATOR – ( Irônico) Aí chega aqui tosse, ronca, boceja, tira o sapato, põe o pé em cima do palco. ATRIZ – ( Irônica) Isso deve ser um consenso também. PRODUTORA – ( Irônica) Deve ser um consenso! Dos que entram. Os que ficam do lado de fora chamam a polícia. Mas o que foi que aconteceu? Eu tenho que voltar lá pra fora antes que eles armam uma revolução. ATRIZ – (Se levantando e se aproximando da produtora) Eu posso ajudar? PRODUTORA – Vai lá e vê se você consegue conter. A atriz desenbaia a espada e sai correndo para a portaria.
CENA 2
PRODUTORA – O que é que houve? Você passou mal? ATOR – Não, eu estou bem! PRODUTORA – É alguma falha técnica, quebrou a mesa de luz? Pausa
ATOR – Eu não aguento mais. PRODUTORA – ( Rindo) Eu não consigo entender você. Das trinta e sete peças que o Shakespeare escreveu, você escolheu essa. Tinha um monte de comédia, mas não, você escolheu essa, a mais difícil, a peça problema. Os ingleses nem diziam o nome dela porque dava má sorte. A peça escocesa eles diziam. Mas você montou. Ninguém se machucou, ninguém quebrou a perna. Você está fazendo um trabalho 8
deslumbrante como ator. Duzentos espetáculos em cartaz na cidade e você consegue com essa peça botar mais de mil pessoas no teatro todos os dias para te assistir... não aguenta mais o quê? ATOR – Você veio até aqui só para me encher o saco? PRODUTORA – Você está assim por causa da crítica? ATOR – Que crítica? PRODUTORA – A que saiu hoje? ATOR – Pelo amor de deus. PRODUTORA – Diz que o espetáculo é velho. ATOR – Não quero saber. PRODUTORA – ( Dengosa) Ah... foi por isso que você ficou mal. É porque você leu? ATOR – Isso não é pra ler, não te ensinaram não? É pra forrar a gaiola de passarinho. PRODUTORA – (debochando) Mas você leu e ficou mal. ATOR – Não li PRODUTORA – Porque o cara escreveu... ATOR – Não quero saber... PRODUTORA – Não tem nada de novo no espetáculo. O ator começa tapa os ouvidos e faz barulho com a boca para não ouvir a produtora.
PRODUTORA – ( Nervosa) Você está botando mais de mil pessoas no teatro todos os dias, e acha mais importante o que ele escreveu do que a reação entusiástica da plateia. ATOR – Estou cagando para essa definição. PRODUTORA – Que definição? ATOR – O que é novo e o que não é novo? Sabe o que é novo? Já leu Dostoievski? Ele escreveu a mais de 100 anos. Não leu? É novo pra você! Isso que é novo, tudo que você não conhece... to cagando. PRODUTORA – Tem que cagar mesmo, você está fazendo história. ATOR – Eu lá quero fazer história? Não tenho essa ansiedade infantil de ficar para a posteridade. Eu deixo isso para o imbecil que escreveu essa besteira. Eu quero aqui agora... eu quero o seu Jose, a dona Maria ali na plateia aqui agora na minha frente. Eu troquei a posteridade pelo presente, foi isso que aconteceu. Mas eu preciso deles... eu ainda preciso deles na plateia. E não tenta elevar o nível não. Vamos voltar pra cozinha que a coisa é mais clara, é mais embaixo. PRODUTORA – Tá, não tinha ninguém que valesse a pena nessa plateia? ATOR – Não parei pra contar. PRODUTORA – E eles fizeram o quê dessa vez? ( Senta na poltrona) ATOR – Fizeram de tudo, tudo junto ao mesmo tempo. Parece que foi combinado. Mil e duzentas pessoas se telefonaram hoje a noite só para combinar: “E aí turminha, vamos lá no teatro para barbarizar hoje a noite? Vai ser maior legal!” PRODUTORA – E aí? ATOR – Aí eu não aguentei e parei o espetáculo. 9
PRODUTORA – Isso eu já sei. ATOR – ( Levanta e se aproxima do proscênio) Aí eu fiquei encarando a plateia assim. ( Encarando a plateia)
PRODUTORA – Um grande momento! ATOR – Foi um grande momento. ( Projetando a voz) Eu disse que Bertold Brecht maravilhoso autor alemão, escreveu que o teatro está apoiado no fabuloso tripé... PRODUTORA – Grande momento cultural. ATOR – Grande momento cultural nada...é papo de cozinha. A coisa é mais prática. PRODUTORA – ( Irônica)Brecht na cozinha? ATOR – O fabuloso tripé ele escreveu. Levantei os dedinhos. O autor, levantei o primeiro. PRODUTORA – Indicador ATOR – O ator, mostrei o segundo. PRODUTORA – Polegar. ATOR - E o público, mostrei o terceiro ( mostra o dedo médio) PRODUTORA – Eles repararam o que você mostrou pra eles? ATOR – Ficaram espantados, quietos demais... atenciosos demais, como eu queria que eles fossem sempre. PRODUTORA – Tudo bem. ATOR – O autor é Shakespeare ( levantou o polegar) , o ator é essa que voz fala ( levanta o polegar) ... PRODUTORA – Silêncio total... ATOR – Nenhuma mosca. PRODUTORA – E o público? ATOR – O dedo médio em riste. Apontei para o cara que estava sem sapatos, com os pés em cima do palco... PRODUTORA – Tinha alguém com os pés em cima do palco? ATOR – E disse: “Tira essas patas daí já!” PRODUTORA – Você não fez isso? ATOR – Eu fiz! PRODUTORA – E ele tirou? ATOR – Como se tivesse tomado um choque elétrico. PRODUTORA – ( Rindo) Meu herói. ATOR – Continuei encarando o resto da plateia... PRODUTORA – Mil e cento e quarenta e oito. ATOR – E finalizei: “vocês não são o público, vocês são massa!”
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PRODUTORA – E aí? ATOR – (Um pouco confuso) Eu me perdi um pouco, estava muito nervoso. PRODUTORA – Hum, natural né! ATOR – Aqui não é uma cantina eu disse. Cantina, massa, pizza eu fiz um rolo. PRODUTORA – Poderia ter sido melhor hem? ATOR – Fica para a próxima. PRODUTORA – Não, não... por favor, e depois? ATOR – Mandei todo mundo embora. PRODUTORA – Tinha um cara com os pés em cima do palco. E por causa dele você mandou todo mundo embora? ATOR – Você não estava lá, você não sabe o que aconteceu? PRODUTORA – Eu quero que você me conte. ATOR – A plateia não é esse buraco negro que a gente enxergar daqui de cima do palco não. Ela pulsa, age, respira, tem personalidade, cada dia de um jeito, viva. PRODUTORA – Pode ser que eles não estivessem gostando do espetáculo. ATOR – E daí... foi assim desde o começo, o tempo todo. Eu não fui respeitado. PRODUTORA – Por nenhum deles? ATOR – Tocou celular, tossiram, bocejaram, levantaram para ir ao banheiro... PRODUTORA – E você queria o que? Que fizessem xixi na poltrona? ATOR – Você está torcendo pra quem afinal? PRODUTORA – Estou tentando ficar do seu lado! ATOR – ( Pegando um texto na mesa) Por favor leia esse trecho aqui. PRODUTORA – Pra que? ATOR – Leia por favor, eu vou te mostrar... leia esse aqui. PRODUTORA – ( Pega o texto e começa a ler enquanto o ator começa a fazer sons de celular, tosse e etc.). A vida é uma sombra que passa uma história contada por um louco, cheia de som e fúria significando nada... Ela não consegue ler. O ator pega o texto e olha para ela que fica quieta sem saber o que dizer.
ATOR – Então, entendeu agora? Eu não sou de ferro. Ela continua muda.
PRODUTORA – ( Nervosa) Aí você mandou todo mundo embora? ATOR – Mandei! PRODUTORA – E eles foram. ATOR – Me aplaudiram tá bom!
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PRODUTORA – Verdade? ATOR – ( Pausa) Vaiaram também! PRODUTORA – ( RINDO) Pela cara deles, acho que fizeram até pouco. ATOR – Muitos problemas? PRODUTORA – Mil e cento e quarenta e oito problemas, vou ter que dar um pulinho na chefatura de polícia. ATOR – Nunca. Eu jamais vou permitir que qualquer um de nós se submeta a essa humilhação. PRODUTORA – Se precisar eu vou. ATOR – Nunca. PRODUTORA – Você não sabe a zona que está lá fora. ATOR – Você devolveu o dinheiro deles, não devolveu? PRODUTORA – 80% compraram no cartão. ATOR – Isso quer dizer o que? PRODUTORA – Que não tinha dinheiro em caixa. ATOR – Cheque! PRODUTORA – Mil e cento e quarenta e oito? Tentei trocar por convites para outro dia e alguns aceitaram. Já os outros? ATOR – Que outros? PRODUTORA – Querem o dinheiro de volta de qualquer jeito. Estão lá nos chamando de estelionatários.
CENA 3 ENTRA A ATRIZ CORRENDO
ATRIZ – Está uma praça de guerra lá fora. ATOR – Polícia? ATRIZ – Até a onde eu pude contar tinha 9 viaturas na porta do teatro. As luzes piscando, uma festa ( gesto de quem está adorando esse tumulto). ATOR – Tudo bem, nenhum outro crime na cidade. PROTUDORA – Os bandidos que aproveitem, porque a polícia está toda aqui. ATOR – E a massa? Não tem ninguém do meu lado? PRODUTORA – Você acha que ia ter? ATOR – Podia ser que alguém tivesse se incomodado também. Tem gente que vem ao teatro para ver a peça. ATRIZ – Por enquanto só deu para perceber os que estão tentando quebrar a porta do teatro.
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PRODUTORA – Eu tenho que ir lá. ATOR – (LEVANTANDO) Eu vou junto. ATRIZ – (SEGURANDO O ATOR) Não, você está maluco? Pelo que eu vi lá fora é tudo que eles querem, seu sangue. Deixa comigo. Eu cuido deles. PRODUTORA – Tem certeza? ATRIZ – Ah, me diverti demais. (SAI A ATRIZ) ATOR TERMINA DE TIRAR O FIGURINO. ATOR – Me desculpa, eu tentei me controlar. PRODUTORA – Ah não, você já teve seu grande momento, agora ela vai ter a dela. ATOR – Larguei uma bomba na sua mão. PRODUTORA – Eu sei me virar. ATOR – E o resto do elenco? PRODUTORA – Ah, mandei todo mundo embora, não ia adiantar nada eles ficarem aqui. Ah, deixaram um beijo pra você. ATOR – Melhor assim. PRODUTORA – Está mais calmo? ATOR – Deixa eu terminar de me vestir, não quero dar à eles o prazer de prender Macbeth... PRODUTORA – Quer ajuda? ATOR – Ainda não, ( Pegando a calça e rindo) eu ainda sei por as calças sozinho. PRODUTORA – (APONTANDO PARA A MESA) Chá? ATOR – Sabe o que fiz outro dia? PRODUTORA – O que? ATOR – Eu tinha um armário em casa enorme cheio de fotos, artigos, programas, cartazes, críticas... joguei tudo no lixo. PRODUTORA – (OLHANDO ASSUSTADA PARA O ATOR) Como é que é? ATOR – Quem vai se importar com isso? PRODUTORA – Eu me importo! ATOR – Já viu um bando de japoneses fazendo turismo? Com maquininha na mão, documentando tudo, fotografando tudo, registrando, filmando... não tem tempo nem de ver a paisagem. De repente me senti assim, joguei tudo fora. Agora sou um viajante sem fotos e sem lembranças do passado. Se alguém quiser lembrar de mim, que viaje comigo. PRODUTORA – Isso quer dizer o que? ATOR – Que eu quero ver a paisagem. PRODUTORA – Você me desculpa insistir, mas é que eu ainda não consegui entender o que houve? Você não costuma ter pití. ATOR – Eu estou cansado, é isso! 13
PRODUTORA – Justo agora? ATOR – Por que justo agora? PRODUTORA – Você quebrou a cadeia, rompeu padrão... ATOR – Eu sei... eu vivo sendo acusado disso. PRODUTORA – Acusado de que? ATOR – ( Leveza) De ser comercial por exemplo. PRODUTORA – Fazendo Shakespeare? Seus espetáculos são de altíssima qualidade. ATOR – ( sorrindo) É mais eu vivo lotando! PRODUTORA – (RINDO) E não é o que todo mundo quer? ATOR – (ZOANDO) Sinto que o que eu faço não é o verdadeiro teatro. PRODUTORA – É o que então? ATOR – Concessão! PRODUTORA – Concessão? (RI) No século dezesseis, Padre Anchieta também não era teatro era catequese. ATOR – Era arte eles dizem, porque Anchieta escreveu textos em Tupi. PRODUTORA – Concessão também para o público dele entender. Você quer mais comercial que isso, só tinha índio na plateia. ATOR – Pelo menos era um público cativo. PRODUTORA – Era o único programa deles. ATOR – É o Anchieta não tinha que correr atrás. PRODUTORA – Mas se não assistisse o espetáculo tinha que pagar penitência. ATOR – Quer mais cativo que isso! PRODUTORA – Acorrentado no chão, programa de índio pô. ATOR - Vem daí... (RISADAS) PRODUTORA – (SE APROXIMA DO ATOR E SENTA DO LADO DELE) Mas na verdade é isso que te magoa não é? Não ser reconhecido. ATOR – Claro que não. PRODUTORA – É sim. Fica aí todo ressentido falando disso. Jogou fora os recortes porque queria entrar para história e ninguém reconheceu. ATOR – Quem tem que me reconhecer é o público. Eu continuo fazendo teatro. PRODUTORA – Ué, eu estou falando. Vocês fizeram mais do que isso. Você e essa classe maravilhosa que vive lotando teatro nos dias de hoje quebraram essa corrente. O público de teatro do século XIX era a corte portuguesa. Os atores não tinham que correr atrás, era uma plateia cativa também, o teatro atendia a necessidade da corte. ATOR – E hoje atendemos? PRODUTORA – Você ficou maluco? Nós estamos lotados há meses. 14
ATOR – Só Deus sabe como. PRODUTORA – Você sabe como. Espera aí... pensa bem, no meio do século XX também primeiro a burguesia depois os politizados... ATOR – O que é que tem? PRODUTORA – Cativos também. Pequenos números sempre. Um teatro feito no figurino pra quem? Vinte, trinta mil espectadores, isso lá é ser comercial? É o mais alto nível de comercialização, aquele feito para um segmento só, específico. Eles viviam disso pô. Aí, que besteira que eu estou falando (RI). Você viveu disso durante anos. Fez parte desse grupo de artistas privilegiados que não tinham que correr atrás de público. Ah, para um público cativo até eu. Só que você foi adiante e alguns deles não. Agora eu quero ver eles ampliar esse público como você fez com o seu? ATOR – Há quarenta anos nós fazíamos teatro de terça a domingo, duas sessões na quinta, duas na sexta, duas no sábado, duas no domingo, duas nos feriados para a casa sempre lotada... PRODUTORA – Mas por pouco tempo. Nós já estamos em cartazes por um ano. ATOR – É verdade, era um público cativo mas pequeno. Mas cheiroso, dava até enjoo na gente no palco de tanto perfume que vinha da plateia. PRODUTORA – Só a elite (RINDO). Se bobear você até sabia o nome deles. É isso que eu não consigo entender. Vocês conseguiram quebrar a cadeia, chamar para o teatro outros públicos, conquistar, convencer, e você está com saudade dos cativos? Duzentos mil espectadores por temporada e você reclama do comportamento deles na plateia com saudade da elite. É outro público, e o que é que tem? ATOR – Aí é que está a história, não é outro público, é sempre a elite que continua vindo. O resto do povo não fica nem sabendo. Eu já desisti de fazer teatro popular, foge das nossas mãos. Não é uma questão de dinheiro não, é de interesse. PRODUTORA – Então relaxa, outros não tem dinheiro nem para comprar jornal. ATOR – Não é isso. PRODUTORA – Se quiserem ir ao teatro vão ter que voltar a pé porque a maioria dos ônibus param antes das onze. ATOR – Não é por aí. Você pode levar o teatro de graça na casa de alguns deles que eles não vão querer. Falta água, educação, cultura. PRODUTORA – Falta emprego, saúde, segurança, mas aí meu amor, já não é culpa tua. Tem que fazer muito mais que uma peça de teatro para mudar tudo isso. ATOR – É, mas nós vamos acabar fazendo uma puta confusão aqui. (RISADAS) PRODUTORA – (RINDO) É você que está fazendo confusão. Mas mesmo assim, com todas essas dificuldades, você tem lotado plateias há anos, elite ou não eles vem. E quando eles vem você manda eles embora. Por que você fez isso? ATOR – Eles são privilegiados pombas. É por isso que eu cobro a atenção deles. (LEVANTA DA CADEIRA) Eu já desisti de fazer teatro para os outros. Nós não temos mais uma plateia cativa. Hoje em dia ela faz parte de uma sociedade atomizada que tem que ser conquistada dia a dia. Mas que tem acesso a tudo isso que as outras classes não têm. Então tem que ter educação no teatro sim. Não são mais como o público de antigamente, os índios, os politizados, quase que obrigados por uma questão de classe a enfrentar os teatros. Eles têm muitas outras opções na vida, oportunidades, saídas... mas escolheram vir...venceram todos os obstáculo para chegarem até aqui. Então são o topo da cadeia alimentar, tem que se comportar como tal. PROTUDORA – Eles não se sentem assim! ATOR – Mas são! Nós vivemos num país miserável você já se esqueceu? Não estou falando de dinheiro não. Os estádios de futebol estão cheios de gente que nunca foi ao teatro, nos bares, as filas de loterias 15
esportivas, os bingos... tudo isso custa caro. Mas 80% do público diz que só o teatro é que está caro. Porque não tem interesse. Os outros não sabem a ginástica que nós somos obrigados a fazer para que o ingresso custe apenas um terço do que realmente deveria custar. E não é de dinheiro que nós estamos falando. O que faz desse povo que vai ao teatro ser uma elite é exatamente o interesse. E o que é que eles fazem? Demonstram não ter nenhum quando chegam aqui. PRODUTORA – Bocejam! ATOR – Entediados. Tem acesso a informação, a sensibilidade, ao calor humano, tudo isso ao alcance das mãos e deixam escorrer por entre os dedos? Mas não foi atrás disso que eles vieram também? PRODUTORA – Sim. Mas é quando não gostam da peça? ATOR – Alguns teatros ficam vazios por isso. Porque não gostaram da peça. A arma deles não é o bocejo, é a ausência. Bocejo é falta de educação mesmo. PRODUTORA – Você recomenda o que? Falta distribuição de manuais de etiqueta nas portas dos teatros. ATOR – Mas não é isso que nós fazemos quando mandamos fazer uma gravação pedindo para eles desligarem os celulares? (RINDO) Então você tem razão. Nós fizemos grandes coisas mesmo. O povo do teatro tem emocionado muita gente esses anos todos. E olha... nada, nada vai mudar isso, nada vai tirar nosso público, porque somos nós que estamos roubando ponto das televisões, das internets, os youtubes da vida, pensa nisso. Essas oitenta mil pessoas que foram aos teatros essa semana, abaixaram 1 ponto na audiência de qualquer um desses programas aí. E fomos nós que fizemos isso. Porque nada, nenhum veiculo por mais mirabolante que seja, será capaz de competir com o teatro. (SE APROXIMA DO PROSCÊNIO E DIZ PARA O PÚBLICO E VAI SE EMPOLGANDO ) Nós temos mais de dois mil anos de vida quase que intocados. Aqui é o último reduto de humanidade, uma esperança de contato real, de calor humano, o salto triplo mortal sem rede, sangue suor é lágrimas. O resto é virtual. O ATOR VOLTA PRA SE SENTAR E A PRODUTORA SE LEVANTA. PRODUTORA – O que é que falta então? ATOR – Fazerem eles entenderem isso! A PRODUTORA VAI ATÉ O ATOR, AGACHA PERTO DELE E PEGA EM SUA MÃO. ATOR – Mas essa é a nossa falha trágica. PRODUTORA – Como é que é? ATOR – Talvez sejamos os últimos ainda a exigir atenção, cuidados, carinho, paixão... é a nossa falha. Nós queremos a alma de quem veio nos ver, não o dinheiro. Andamos aqui em cima do palco com a corda bamba da emoção, exigindo em troca apenas a rede carinhosa de proteção da plateia, mas isso é pedir de mais. PRODUTORA – Por que? ATOR – Porque apesar de tudo eles tem medo. PRODUTORA – (LEVANTANDO) De nós? Que nem somos importantes pra eles. ATOR – Eles sabem que o ator é o único capaz de fazer todos os dias o caminho que a plateia talvez leve uma vida inteira para percorrer. PRODUTORA – (RINDO) Como você é louco! ENTRA A ATRIZ CORRENDO. ATOR – Vão voltar para a cozinha, e daí? ATRIZ – Estão exigindo que você vá até a chefatura de polícia.
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ATOR – Pra que? ATRIZ – Pra prestar depoimento. ATOR – Como um bandido? ATRIZ – Eu sugeri ao tenente... ATOR – Tenente é a patente mais alta? ATRIZ – Sinto muito. ATOR – Podia ser um coronel pelo menos. ATRIZ – Eu sugeri que ele viesse aqui tomar seu depoimento antes de decidir se vale apena ir para a delegacia. PRODUTORA – Talvez ele nem aceite as acusações. ATOR – E o tenente? ATRIZ – Não sabe o que fazer. Não tem a menor noção do que está acontecendo coitado. ATOR – Eles vão querer minhas impressões digitais também? ATRIZ – Estão escolhendo um representante de cada parte prejudicada para acompanhar suas declarações. Não se conformam de você não sair daqui preso. PRODUTORA – Uma batalha campal. ATOR – A floresta de Berna se move finalmente. PRODUTORA – Quais são as partes prejudicadas, os atrasados e os expulsos? ATOR – Eles vêm até aqui para garantir que eu não perturbe os fatos. ATRIZ – Estão achando que vamos mentir para a polícia. ATOR – É a nossa sina. ATRIZ – Mentir para polícia? ATOR – Sendo chamados de mentirosos, os que fingem. É herança que Téspis, o inventor do ator nos deixou. ATRIZ – Téspis? ATOR – Não conhece não? O empresário teatral grego do século sexto antes de Cristo. ATRIZ – Ele inventou o ator? ATOR – Com um raio de criatividade. ATRIZ – O que é que ele fez? ATOR – Colocou o primeiro ator da história do teatro separado do coro. ATRIZ – É, nas tragédias. ATOR – O texto era sempre recitado em coro, uniforme, sem conflito... ATRIZ – Chato pra cachorro. ATOR – Ao separar alguém do coro, Téspis revolucionou a arte do teatro. Inventou o ator. 17
ATRIZ – (AGRADECENDO) Brigado Téspis. ATOR – (TIRANDO ONDA) Ele não estava pensando exatamente em você quando ele fez isso. PRODUTORA – Oh, não seja cruel. (RI) ATOR – De qualquer forma foi uma grande invenção. Foi uma invenção tão grande que o máximo que eles conseguiram fazer depois disso foi separar três atores do coro para contar suas estórias. E durante séculos ninguém inventou mais nada. ATRIZ – E daí? (INTERESSADA) ATOR – Daí a coisa ficou mais forte é claro, mais impactante. Você podia se envolver, se projetar, se identificar... PRODUTORA – (RINDO) Há controvérsias! ATOR – Um dia...(REPENTINAMETNE OLHANDO PARA A PLATEIA E FALANDO FORTE) Sólon! (PRODUTORA E ATRIZ OLHAM PARA A PLATEIA) Não tem ninguém ali, só fiz isso para reforçar a narrativa (RI). Um dia Sólon grande legislador resolveu dar o ar da sua graça no teatro, e ficou impressionado com a força do espetáculo... ATRIZ – (COMENTANDO COM A PRODUTORA) Não bocejou! ATOR – Mas revolveu impedir Téspis de continuar representando. ATRIZ – Isso é censura. Eles já faziam isso nessa época é? ATOR – Ele disse que se a mentira fosse ensinada assim tão descaradamente nos palcos, não conseguiríamos impedi-las de sair às ruas. ATRIZ – A herança de Téspis. ATOR – Hoje em dia os legisladores mentem descaradamente nas ruas e talvez o único resquício de verdade esteja na ilusão de uma peça de teatro. PRODUTORA – (LEVANTANDO E INDO EM DIREÇÃO AO ATOR) Mas você é impressionante mesmo. Por que não te damos um pé de galinha e você faz uma canja? O mundo inteiro caindo a sua volta e você se lembra de Téspis. ATOR – É o que me resta meu anjo. Eu sou um pobre contador de estórias. (BATEM NA PORTA) Eis que chega o “Inspetor Geral” 3ª ATO CENA 1 ENTRA A POLICIAL. ATRIZ A CONDUZ ATÉ O ATOR ATRIZ – Por aqui. A POLICIAL ENTRA VISLUMBRADO COM O LUGAR OLHANDO PARA OS LADOS. POLICIAL – Com licencia? ATOR – Pois não coronel? POLICIAL – É tenente. PRODUTORA – Por favor tenente. POLICIAL – (NERVOSA, GAGUEJANDO) Que o... que...Você sabe que o... eu estou meio nervosa... é... que o... minha mãe não perde uma novela sua. Ela é fã do senhor desde que ela era pequenininha assim. 18
ATOR – É verdade eu estou ficando velho. POLICIAL – É... será que seria muito incomodo o senhor me dá um... Autógrafo? (OLHANDO PARA A PRODUTORA) Me dá um papel. ATOR – Tem aqui. (PEGA O PAPEL TOALHA NA MESA E DÁ O AUTÓGRAFO) POLICIAL – É pra minha mãe. Obrigado! Você pode me dá outro para a minha filhada por favor? (O DÁ O AUTÓGRAFO E QUANDO VIRA PARA ENTREGAR O PAPEL) É Evagení o nome dela. (O ATOR SE VIRA NOVEMENTE E COLOCA O NOME DELA NO PAPEL). Obrigado hein. Minha mãe não vai nem acreditar quando eu contar que estive com o senhor. ATOR – Então não conte. A POLICIAL TIRA DO BOLSO UM CAMERA. LIGA ELA. VERIFICA SE ESTÁ CARREGADA. E OS OUTROS FICAM PARADOS APENAS OBSERVANDO. ATOR – A Senhora anda sempre com uma maquininha dessas no bolso? POLICIAL – O Senhor se importa de tirar uma foto comigo? ATOR – É pra isso que ela serve. Pra fotografar cadáver. POLICIAL ENTREGA A MAQUINA PARA PRODUTORA. O ATOR ESTÁ SENTADO NA CADEIRA, A POLICIAL FICA DO LADO DELE E O ABRAÇA. SEU CACETETE NA CINTURA INCOMODA O ATOR. NA HORA QUE VAI TIRAR A FOTO A ATRIZ SE APROXIMA PARA SAIR NA FOTO. ATOR – Espero que a senhora não seja acusada de ter sido subornada por isso. POLICIAL – Não, eu nem conto pra ninguém. (RI) O ATOR EMPURRA A ATRIZ EM DIREÇÃO AO TENENTE PARA QUE ELA FAÇA ALGUMA COISA PARA O TENENTE RESOLVER LOGO A SITUAÇÃO. ATRIZ – Por favor, tenente vamos acabar logo com isso. O dia hoje aqui foi longo pra caramba. POLICIAL – Bom... é... eu vou lá chamar os representantes. ATOR – Faça isso. POLICIAL – Com licença. PRODUTORA – Toda. A POLICIAL SAI PARA BUSCAR OS REPRESENTANTES. A PRODUTORA E A ATRIA OLHÃO PARA O ATOR. PRODUTORA – Por favor. ATOR – O que é que eu fiz? ATRIZ – Fica calmo. ATOR – Uma seda. POLICIAL – (FALANDO DA COCHIA) Ei, vocês dois, por aqui, por favor. A senhora também. EVANGÉLICA – Deus que me perdoe, essa conversa demorada, hein?
CENA 2 19
ENTRA A POLICIAL, A EVANGÉLICA E O VELHO POLICIAL – Essa senhora aqui é a representante dos que chegaram atrasados. O VELHO PASSA DIRETO PARA OUTRA COXIA SE PERDENDO LÁ. POLICIAL – O outro é o... (VELHO SUMIU) Não sei a onde se meteu o outro. (SAI ATRAS DO VELHO) Ei senhor? VELHO – Oi tenente! (VOLTANDO DA COXIA) POLICIAL – (PEGA NO BRAÇO DO VELHO) Vem. VELHO – É muito escuro. POLICIAL – E senhor aqui é o representante dos expulsos. VELHO – Sou representante dos expulsos. ATOR – (SENTADO NA CADEIRA) Tira esse homem daqui! PRODUTORA – O que foi? (SE APROXIMA DO ATOR, A POLICIAL AFASTA O VELHO DO ATOR QUE SE LEVANTA) ATOR – Eu não posso me responsabilizar pelo o que possa acontecer. VELHO – Olha segura ele. Ele está nervoso. ATOR – (AVANÇA EM DIREÇÃO AO VELHO E É CONTIDO PELA PRODUTORA E PELA ATRIZ) Tira esse homem daqui. É o dos dedinhos. ATRIZ – To achando melhor ele sair. ATOR – Saia já daqui. VELHO – O que é que eu faço? POLICIAL – O senhor se acalme. ATOR – (CONTINUA SENDO CONTIDO PELA PRODUTORA E PELA ATRIZ) O palco é sagrado ouviu bem? Conheço os seu tipo, o senhor é uma afronta. VELHO – Mas eu não conheço o senhor. ATOR – Saia já daqui (TENTA AVANÇAR MAS É CONTIDO A BRIGA AUMENTA) POLICIAL – Calma. ATOR – Esse homem é responsável pelo o que aconteceu aqui hoje. Eu não vou conseguir me controlar. VELHO – Mas eu não fiz nada. POLICIAL – Espere aí. O que é que está acontecendo aqui hem? ATOR – O que a senhora diria de um senhor que você não conhece entrasse na sua casa, tirasse o sapato, as meias, pusesse os pés em cima da mesa e ficasse fazendo assim com os dedinhos? POLICIAL – Seria falta de educação. ATOR – Ele fez isso (ACUSANDO) VELHO – (SE DEFENDENDO) Eu nunca fui na sua casa. (PAUSA) ATOR – Aqui é a minha casa. Ele pós os pés em cima do palco. 20
VELHO – Eu estava cansado. ATOR – Aqui não é uma sauna. VELHO – (TIRANDO O SAPATO E ESTENDENDO-O PARA O ATOR) Eu tirei o pé do sapato para poder respirar. O ATOR FICA LOUCO E AVANÇA EM CIMA DO VELHO, MAS É CONTIDO PELA PRODUTORA. POLICIAL PÕE ORDEM NA CASA. POLICIAL – Parou. Parou, por favor. Por favor, assim não vai dar. ATOR – A senhora te razão, me desculpa. É que eu estou nervoso. POLICIAL – O senhor também. O que que é isso? Fica um pouco mais afastado, longe dele por favor. Nós vamos tentar conversar aqui com um pouco de civilidade positivo? (VAI ATÉ O VELHO E APONTA PRA ELE) O elemento cometeu um delito. Tudo bem, nós vamos ver isso já, já. Só que tem que ser uma coisa de cada vez, correto? VELHO – Agora quem não quer ficar mais aqui sou eu. (LEVANTA E VAI EMBORA MAS É IMPEDIDO PELA POLICIAL QUE O LEVA DE VOLTA PARA O BANCO.) POLICIAL – O senhor por favor, fica calmo, fica aqui. (PARA A EVANGÉLICA) Minha senhora, tenha a bondade, por favor. (QUE SE SENTA. A POLICIAL TIRA O BLOCO DE BO.) Bom, como dizia o esquartejador: “Vamos por partes” (E RI MUITO ATÉ PERCEBER QUE TODOS ESTÃO SÉRIOS). Essa senhora aqui, é a representante das vinte e duas pessoas que chegaram atrasadas e não conseguiram entrar. PRODUTORA – O espetáculo já havia começado. POLICIAL – É, mas ela já tinha comprado o ingresso antes. PRODUTORA – Mas está escrito aqui no ingresso que é proibida a entrada após o inicio do espetáculo. POLICIAL – Bom, e esse senhor aqui representa os... ATOR – (INTERROMPENDO) Não representa nada... não representa nada. VELHO – Assim o senhor está ofendendo. POLICIAL – (PARA O VELHO) Espera aí um pouquinho. Ele representa... PRODUTORA – (INTERROMPENDO) Os mil e cento e quarenta e oito... POLICIAL – (NERVOSA) Os mil e cento e quarenta e oito. Que se dizem lesados. Que não conseguiram assistir o espetáculo até o fim. ATRIZ – Mas ele foi aplaudido quando interrompeu a peça. POLICIAL – Não consta. ATOR – Ele tá lhe dizendo. Não tem aí nenhum representante os que entenderam meu gesto? POLICIAL – Bom, se tinha já foram tudo embora. PRODUTORA – Afinal você acha que tinha alguém que valesse a pena na plateia. ATOR – Não será um julgamento justo. POLICIAL – Ah, por favor. Doutor, não é um julgamento. ATOR – Tem duas pessoas me acusando e não é um julgamento?
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POLICIAL – É... você vai poder apresentar sua própria defesa. Minha senhora (PARA A EVANGÉLICA), a senhora tem a palavra, por favor. Seja breve. EVANGÉLICA – (TEM UMA FALA ESCANDALOSA) Meu deus do céu, nem sei por onde começar. TODOS FICAM PARADOS OLHANDO PARA ELA E ESPERANDO ELA COMEÇAR. ALGUNS 15 SEGUNDOS DE PAUSA. PRODUTORA – A senhora poderia tentar começar do começo. EVANGÉLICA – Sim, pelo começo. Obrigada. (LEVANTA E COM AR DE IMPONÊNCIA) Eu sou evangélica. (PAUSA) Isso pode não parecer muita coisa nessa confusão toda, mas frequento igreja todas as noites, não tenho tempo de ir ao teatro. Mesmo porque todos nós sabemos (SE APROXIMA DO ATOR) que o teatro e a televisão são obras de SATANÁS. ELA VOLTA TRANQUILAMENTE E SE SENTA DE NOVO. TODOS SE OLHAM. ATOR – Nós temos que ficar quietos? POLICIAL – Por favor. Conclua. EVANGÉLICA – Meu marido odeia essas coisas. Diz que é um antro de homossexuais, putas e drogados. A ATRIZ SÉRIA SE APROXIMA DA EVANGÉLICA ATOR – Tem certeza que nós temos que ficar quietos? POLICIAL – A senhora também podia aliviar um pouco hem?. EVANGÉLICA – O que é que posso fazer? É o que dizem por aí. ATOR – Deixa eu responder só um pouquinho. POLICIAL – Calma que vai chegar a sua vez. EVANGÉLICA – Meu marido chega cansado do trabalho e já vai ver seu futebol. Adora seu futebol. Ele também é evangélico, mas não frequenta a igreja tanto quanto eu. ATRIZ – Fede menos (FAZ COMENTÁRIO OLHANDO PARA O POLICIAL) EVANGÉLICA – Se é pra ficar ouvindo gracinhas, eu prefiro ir embora. POLICIAL – Prossiga. EVANGÉLICA – Consegui convencer meu marido de vir assistir essa peça. Nem sei porque fiz isso. Me disseram que era um clássico, sei lá? ATOR – Macbeth de Shakespeare. EVANGÉLICA – Uma coisa assim. Hoje é dia de final de campeonato de futebol. O senhor imagina o que é tirar ele da frente da televisão em dia de final de campeonato? ATOR – Deve ser muito difícil. EVANGÉLICA – Só deus sabe como eu consegui convencê-lo a vir. ATOR – Ele não teve medo de se contaminar não? EVANGÉLICA – É, não veio muito feliz, mas veio. Saímos uma hora antes de casa, um transito infernal. Não tem mais dia, nem hora, nem lugar, um inferno. Mas estávamos vindo. Deus sabe que tudo ia dar certo. Foi quando o carro parou no farol fechado. E eu dei de cara com um homem horrível armado do meu lado da janela apontando um revolver pra mim. Tapei o grito na boca e olhei para o meu marido e ele estava sendo assaltado do outro lado. O outro homem com um arma enorme arrancava o relógio de ouro dele com tanta força, que eu pensei que o braço ia junto. Ficamos ali parados sem saber o que fazer. 22
ATRIZ – Agora pesou. EVANGÉLICA – O teatro é muito fora de mão, mas nós estamos aqui tenente. Você acredita? O assalto foi aqui, aqui na esquina quase chegando. Meu marido branco de raiva não disse uma palavra. Aí ele me deixou aqui na porta do teatro e foi dirigindo até o estacionamento. (OLHA PARA O ATOR E SE APROXIMA DELE, MORALISMO NA FALA) A rua cheia de mulheres da vida. Um horror, ali misturadas com a gente. E o preço do ingresso tão caro, (SE VIRA E SUA BOLSA QUASE ACERTA O ATOR QUE DESVIA COM A CABEÇA) fiquei na porta esperando ele volta. Não tem manobrista aqui na porta, isso é um absurdo, e eu não podia entrar sem ele, é claro. E ele chegou um minuto depois que a porta tinha fechado. Acredita nunca coisa dessas? (OLHA PARA O ATOR E SE APROXIMA DELE DE NOVO FURIOSA) Um minuto! Eu nunca vou me esquecer do olhar de ódio que ele me dirigiu. Foi horrível. A pior noite da minha vida. Bateram a porta na nossa cara, (GRITANDO) na nossa cara. Essa mulher aí (APONTANDO PARA A PRODUTORA), foi ela mesmo que fez. Ficou olhando do lado de dentro através porta de vidro, olhando pra gente com uma cara de vitoriosa. (ABRE OS BRAÇOS E RI QUASE COMO UMA BRUXA IMITANDO A PRODUTORA). Rindo a debochada. Meu marido simplesmente virou as costa foi embora e me largou aqui sozinha. Eu estava tão chocada que não sabia o que fazer. Me deixou aqui sozinha. Com que cara eu vou voltar para casa agora, ele deve estar uma fera. (REFLETINDO) Isso não é coisa que se faça com pessoas de bem. (FAZENDO ESCANDALO) Isso não é coisa que se faça com pessoas de bem. Você ouviram? Não é coisa que se faça, eu exijo uma reparação, ou você vão se arrepender para o resto das suas vidas. Vocês não sabem com quem estão lidando (TEM UMA CRISE NERVOSA COM O CORPO. A PRODUTORA VAI ATÉ ELA PARA AJUDAR, E NESSE INSTANTE ELA REAGE PARANDO NUMA POSE DE COMBATE). Uma coisa eu posso lhe garantir. Nunca mais enquanto eu for viva, eu vou por os pés num teatro outra vez. ATRIZ – Está tão velha, que só depois de morta. EVANGÉLICA – (BRAVA) A senhora é muito engraçadinha, mas agora está nos meus direito. Onde está os meus direitos? Eu não saio daqui sem eles. Por que vocês começaram pontualmente tudo bem. Mas eu quero que vocês saibam que aqui não é a Inglaterra. (PARA O ATOR) E o senhor não é a rainha da cocada preta. (VOLTA PARA A POLTRONA E SENTA) PRODUTORA – Posso falar? POLICIAL – Com a palavra, a defesa. PRODUTORA - A sua estória é realmente perturbadora... ATOR – Uma verdadeira tragédia grega. PRODUTORA – Mas eu não posso acreditar que a senhora pense que nós somos responsáveis por tudo que lhe aconteceu? ATRIZ – Isso aqui é um teatro minha senhora. (IRÔNICA) Não é a prefeitura do município não. EVANGÉLICA – Se essa senhora fizer mais um comentário jocoso, eu vou embora. PRODUTORA – Dá um pulinho lá na frente para ver como andam as coisas? ATRIZ – Por quê? Eu não vou perder isso aqui por nada nesse mundo. PRODUTORA – Eu deixei o bilheteiro sozinho oferecendo bilhetes para quem quiser voltar amanhã, e eu não sei se ele vai dar conta do recado. Por favor. ATRIZ – Pô, sacanagem. PRODUTORA – A cidade está horrível mesmo. EVANGÉLICA – Uma desgraça. PRODUTORA – O transito, a violência (SENTANDO DO LADO DA EVANGÉLICA) a prostituição... EVANGÉLICA – Aqui na esquina. E nenhum guarda por perto (INDIRETA) 23
PRODUTORA – Pois é, também não podemos fazer nada com relação a isso. Somos vítimas como a senhora. Também passamos por tudo isso para chegar aqui diariamente. EVANGÉLICA – Vocês não levam a porta na cara afinal de contas. PRODUTORA – Mas é porque nós chegamos antes. Também não temos como devolver o relógio ou o humor do seu marido. Nem sequer sabemos quem venceu a final do campeonato de futebol, então que tal falarmos só sobre o atraso? EVANGÉLICA – Não foi culpa minha. PRODUTORA – Tenho certeza que cada um dos outros 21 espectadores que também chegaram atrasados que a senhora está representando aqui, tem uma história parecida para contar. Umas piores, outras nem tanto, mas apenas uma coisa em comum. Todos chegaram atrasados. EVANGÉLICA – (SÉRIA OLHANDO PARA FRENTE E COM AR DE DEBOCHE) Um minuto! PRODUTORA – Trinta segundos que seja. (LEVANTA) Dentro do teatro nós tínhamos outros mil e cento e quarento e oito espectadores que passaram pela mesma guerra civil que a senhora, mas conseguiram chegar na hora. E tinham o direito de não esperar um segundo além do horário marcado pra começar. EVANGÉLICA – Ah, quer dizer que foi um castigo? PRODUTORA – Nós começamos na hora não para castigar os que chegaram atrasados, mas em respeito as pessoas que já estavam aqui esperando. VELHO – (BRAVO, LEVANTA COM UM SAPATAO NAS MÃOS) E que não conseguiram assistir o show até o fim. POLICIAL – (PEGA O VELHO E LEVA PARA A CADEIRA NOVAMENTE) Senhor, por favor. Aguarda a sua vez. VELHO – Desculpa senhor, mas é que eu estava pensando alto. POLICIAL – Por favor. VELHO – Mas foi o que eu fiz. POLICIAL – Na sua vez. VELHO – Mas eu estou quieto. POLICIAL – Por favor VELHO – Mas eu... ATOR – Por favor. VELHO – (SENTANDO) Desculpa senhor, mas é que eu estava pensando alto. (COLOCA O PÉ EM CIMA DA POLTRONA) Sonho... O ATOR AO VER O PÉ DO VELHO SOLTA UM GRITO E VELHO DESCE O PÉ IMEDIATAMENTE. EVANGÉLICA – A senhora quer dizer que isso tudo não vai dar em nada, que vai ficar por isso mesmo? POLICIAL – Olha aqui minha senhora. Realmente aqui no ingresso está escrito que é proibido a entrada depois do inicio do espetáculo. EVANGÉLICA – Pois o fique sabendo que eu vou procurar advogado. Isso não vai ficar assim não. POLICIAL – Positivo e operante. Mas eu acho que a senhora vai perder a causa. 24
EVANGÉLICA – Ah, mas agora a senhora passou para o lado deles também? Entendi. POLICIAL – A senhora me respeite. EVANGÉLICA – Eu sabia que ia terminar assim. Estão todos mancomunados. Uma farsa. POLICIAL – A senhora não me desacate. EVANGÉLICA – A senhora não sabe com quem está falando. Eu sou filha de um general e cunhada de um desembarcador da república, e eu quero o seu nome tenente, pois vou levar uma queixa aos seus superiores. POLICIAL – Foi bom mesmo tocar nesse assunto, porque eu também faço questão de colher todos os dados da senhora, que é pra constar no processo. (VAI PARA O FUNDO DO PALCO E A EVANGÉLICA ATRÁS) EVANGÉLICA – Pois pode anotar. PRODUTORA – Filha de uma puta. ATOR – O que foi? PRODUTORA – Estou me controlando para não perder as estribeiras. Vocês não viram essa mulher lá fora. Ela gritava, chutava a porta do teatro e falava palavrões. ATOR – A evangélica? PRODUTORA – (RI) Se for verdade que ela é mesmo evangélica, deve ir todo vez na igreja para tirar o diabo do corpo a desgraçada. ATOR – Mas e o marido? PRODUTORA – Pobre coitado morria de vergonha e aind a tentava impedir falando baixinho: “calma benzinho voltamos outro dia”. Quase apanhou dela na frente de todo mundo. Todos os outros atrasados, aceitaram, concordaram, mas ela não deixava. Ficava lá tumultuando. ATOR – (INDO EM DIREÇÃO A EVANGÉLICA) Minha senhora. A senhora já ouviu falar da batidas de Molière? EVANGÉLICA – Não senhor, eu não bebo. ATOR – As batidas de Molière não são bebidas minha senhora. Molière não foi um garçom. Ele foi ator, autor de teatro. EVANGÉLICA – Sim e daí? O ATOR SAI RÁPIDO E PEGA UMA VASSOURA ATRÁS DA MESA DE MAQUILAGEM. A EVANGÉLICA GRITA E SAI CORRENDO DE MEDO, A POLICIAL PEGA A EVANGÉLICA PELO BRAÇO E A PRODUTORA SEGURA O ATOR. POLICIAL – O que é isso senhor? ATOR – Por favor tenente, embora ela mereça não é essa a intenção. EVANGÉLICA – O senhor é muito atrevido. ATOR – As batidas de Molière minha senhora são a origem dos sinais para o início do espetáculo. EVANGÉLICA – Hora, por favor, não me aborreça. Isso não tem nada haver com o que estamos discutindo aqui. (E SAI) POLICIAL – (PUXANDO ELA PELO BRAÇO) E o assalto da senhora também não. EVANGÉLICA – Mas eu cheguei atrasada por isso. 25
ATOR – E nós não deixamos a senhora entrar por isso. Século XVII corte de França. (PAUSA) O homem do bastão ficava atento a porta do teatro. O rei chegava, abre parênteses. Era ele que pagava todos aqueles atores, era ele sozinho. O rei da França, e os atores eram os comediantes do rei. Fecha parênteses. EVANGÉLICA – A senhora vai deixar essa palhaçada continuar é? POLICIAL – Está mais divertida do que a sua. PRODUTORA – O rei entrava. ATOR – O homem do bastão batia no chão. (BATE O CABO DA VASSOURA NO CHAO) PRODUTORA – Era o primeiro sinal. ATOR – Muito bem, você pegou. EVANGÉLICA – (LEVANTANDO PARA IR EMBORA) Eu não vou ficar a noite inteira aqui ouvindo essa baboseira. A POLICIAL PUXA ELA NOVAMENTE PARA A CADEIRA. ATOR – Só tinha um detalhe. Os atores só estava lá a espera do rei. EVANGÉLICA – (LEVANTANDO E SAINDO DE NOVO) Com licencia. POLICIAL – (PUXANDO ELA) Não, senta aí. Agora é a vez dele. ATOR – O resto da plateia ia se divertir nas dispensas dele, tudo de graça, maior mordomia. Só que tinha que esperar o rei chegar. Era a única coisa chata. O espetáculo só começava depois que o rei chegasse. Aí o rei se posicionava ali diante do trono, estrategicamente colocado para ele, no meio do salão. Melhor lugar da plateia. O homem do bastão? (BATE DUAS VEZES). PRODUTORA – Segundo sinal e depois o terceiro. ATOR – Quase que você atropelou. O segundo sinal sim, o terceiro só era dado depois que o rei sentasse. Ele era o rei da França, patrocinador absoluto daqueles pobres atores. Ele podia ali de pé conversando com a corte a noite inteira se ele quisesse, o espetáculo podia esperar. Mas depois que o rei sentasse. (BATE 3 VEZES) o espetáculo começava imediatamente depois que a bunda do rei tocasse o assento do trono. PRODUTORA BATE PALMA, VELHO SE LEVANTA. VELHO – Isso é muito lindo. Isso é uma beleza. O POLICIAL INTEROMPE O VELHO COM UM GESTO. ELE SE CALA E SENTA NOVAMENTE. EVANGÉLICA – Uma história tão antiga. Vocês já devia ter aprendido como deve ser. ATOR – Não minha senhora. Hoje em dia nós não esperamos mais pelo rei da França. O espetáculo tem hora marcada para começar sim, e independendo da sua vontade, e nós vamos continuar respeitando os horários. POLICIAL – Então é por isso que tem os 3 sinais? EVANGÉLICA – Cultura inútil e vazia. Pois fique o senhor sabendo que o patrocínio do rei foi trocado pelo preço dos ingressos na porta do teatro. O senhor deve satisfação para todos nós que pagamos para entrar, como devia ao rei da França. PRODUTORA – Democratizamos o financiamento. ATOR – Isso quer dizer que somos todos iguais na plateia. Aqueles que chegam atrasados e acham no direito de estragar a festa da maioria ainda pensam que são o rei da França. A revolução Francesa cortou a cabeça deles minha senhora. Nós somos bonzinhos só não deixamos entrar. 26
A POLICIAL RI MUITO ALTO E FORTE. EVANGÉLICA – Pois fiquem os senhores sabendo, e a senhora também tenente que eu tenho o seu nome. Eu vou sair daqui e vou para os jornais, a televisão, as rádios ao diabo que te carregue. E não vou descansar um só dia da minha vida, enquanto não fechar essa porcaria de teatro. (SAI DE CENA) ATOR – O sonho dos evangélicos, ocupar nossos teatros. O VELHO ESTÁ COM OS DOIS PÉS NA POLTRONA BALANÇANDO OS. O ATOR VÊ E DÁ UM GRITO ASSUSTANDO TODOS E FAZENDO COM QUE ELE ABAIXE OS PÉS.
CENA 3 POLICIAL – Que mulherzinha. ATOR – Por que você não se controlou hem? Tinha que ter dado um chega pra lá nela. PRODUTORA – Você já estava nervoso demais. Não queria botar mais lenha na fogueira. POLICIAL – A mulher parece que tem pelo nas ventas. PRODUTORA – Me chamou de galinha lá fora. POLICIAL – Galinha? PRODUTORA – Cuspiu na minha cara. POLICIAL – A senhora devia ter contado antes. Pelo menos a gente não perdia tempo com as histórias dela. PRODUTORA – Tudo mentira. Duvido até que tenha tido assalto. E se bobear o marido ainda vai apanhar quando chegar em casa. BARULHO DE VIDRO QUEBRANDO. ATOR – Os mansos herdarão os reinos dos céus. ENTRA A ATRIZ CORRENDO. ATRIZ – Olha lá gente. A mulher acabou de quebrar o vidro da frente. A POLICIAL E A PRODUTORA SAEM CORRENDO, O VELHO LOGO ATRAS ANDANDO DEVAGAR. ATRIZ – Meu Deus, que dia hem? ATOR – Você gostou, confessa. TRANQUILOS E SORRIDENTES ATRIZ – Pode ficar calmo viu que tudo se resolveu lá fora. Quando eu cheguei lá não tinha mais ninguém. Todo mundo já tinha ido embora. O bilheteiro disse que todo mundo ficou calmou depois que a jararaca deixou de instigar, e quiseram convite para vir outro dia. E que uns poucos iriam pegar o dinheiro de volta amanhã. ATOR – Tudo está bem quando acaba bem. ATRIZ – Não te contei ainda. Dezenas, milhares de equipes de televisão, rádios e jornais... ATOR – Aqui no teatro? ATRIZ – Ali na porta, todos me cercando, me entrevistando, querendo saber, maior sucesso cara. 27
ATOR – A gente precisa de divulgação, nenhuma nota. ATRIZ – Foi um máximo. Amanhã vai ter cadeira extra. Você vai ver, eu vou aparecer no jornal da meia noite. Quem sabe até me chamam para a novela das oito. Vou avisar minha mãe. A ATRIZ VAI SAINDO MAS PARA QUANDO O ATOR FALA. NO FUNDO ENTRA O VELHO QUE FICA DANÇANDO, SE MOVENDO NO PALCO COMO SE FOSSE UM ARTISTA. ATOR – Pelo menos essa bagunça toda vai servir para alguma coisa. Você vai ter seus quinze minutos de fama. CENA 4 O ATOR E A ATRIZ PEGAM SEUS FIGURINOS PARA IREM EMBORA. O VELHO SOME NO FUNDO. QUANDO ELES ESTÃO SAINDO A LUZ SE ACENDO E O VELHO ESTÁ NO LUGAR EM QUE MACBETH FAZIA SEU MONÓLOGO. ELES PARAM E OLHAM PARA O VELHO. VELHO – A vida é uma sombra que passa. ATRIZ – O que é isso? VELHO – Não é assim que faz o show? ATOR – Tira esse bicho daqui. VELHO – (SENDO TRAZIDO PELA ATRIZ ATÉ O CAMARIM) O senhor está ofendendo de novo. ATOR – O que é que o senhor está fazendo aqui? VELHO – Eu? Eu estou esperando a minha vez. Não mandaram eu esperar? Então? ATOR – Meu amigo nós já resolvemos esse assunto. Agora nós estamos fechando... VELHO – Não, não. Eu represento aqui os mil e cento e quarenta e oito que não conseguiram ver o show até o fim. ATOR – Primeiro lugar que aqui não tem show nenhum pra ninguém ver. VELHO – Tem o que então? ATOR – Tá brincando comigo? VELHO – Não, não, não... se não é um show, é o que? ATOR – (OLHANDO PARA O VELHO. PAUSA. OLHA PARA A ATRIZ) Eu estou falando, ele estava passando aí na porta e jogaram ele aqui dentro. VELHO – (PAUSA) Vim ver o show sim senhor. O show de teatro. O ATOR E A ATRIZ SE OLHA. ATOR – O senhor veio ver um show de teatro? VELHO – Foi o que eu vim ver senhor. ATRIZ – (TENTANDO LEVAR O VELHO PARA FORA) Olha não vai ter mais nada aqui hoje, o senhor não ouviu direito? Já foi todo mundo embora e não tem mais ninguém para o senhor representar. O senhor me desculpa... O VELHO VOLTA PARA FRENTE A FRENTE PARA COM O ATOR. PAUSA VELHO – E aí? como fica?
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ATRIZ – (VAI ATÉ O VELHO E PUXA ELE DE NOVO) Vamos fazer o seguinte, você vai lá na frente comigo e eu arrumo um convite para outro dia, qualquer dia... VELHO – (PARANDO) Moça, moça, moça... eu não posso voltar outro dia não. Porque eu não sou daqui. Eu só vim aqui para ver o show. O VELHO PASSA MAL E CAI EM CIMA DA ATRIZ. O ATOR CORRE E AJUDA O VELHO. ATOR – Pega a cadeira. (A ATRIZ CORRE PARA PEGAR A CADEIRA.) O que foi? O que foi? VELHO – Tontura. ATOR – Senta aqui. ATRIZ – Calma, respira fundo. ATOR – O senhor não é daqui de São Paulo? VELHO – Não sou não senhor. ATOR – Mora longe daqui? VELHO – Moro longe sim senhor. ATOR – (PAUSA) Não jantou? VELHO – Não jantei não senhor. ATOR – Quer comer alguma coisa? VELHO – (COMO UM CRIANÇA) Seria bom né! Eu estou em jejum senhor. BARULHO DE SIRENE. RISADA PRODUTORA NO FUNDO DO PALCO. ENTRA A PRODUTORA. PRODUTORA – Vocês não vão acreditar. Deus escreve certo por linhas tortas. Aleluia! Estamos vingados gente. A perua saiu daqui de dentro do teatro do jeito que o diabo gosta... de camburão. E quando nós chegamos lá na frente, ela estava quebrando a porta de vidro do teatro. Que bom que chegamos na hora, flagrante e delito. A filha do general vai ter que mexer os pauzinhos pra sair dessa. E o senhor ainda está aqui. ATOR – (ENTREGANDO DINHEIRO PARA A ATRIZ) Você se incomoda de cobrar um sanduiche e um copo de leite ali no bar da esquina? ATRIZ – Tudo bem. PRODUTORA – O que? Perdi alguma coisa? ATOR – Ele tá fraco. VELHO – Senhor... eu não queria dar trabalho. ATOR – Trabalho nenhum (E SENTA DO LADO DO VELHO) E aí? Me conta essa estória. VELHO – Que estória? ATOR – Como é que o senhor veio parar aqui? VELHO – Ah... Eu sempre quis ver o show. PRODUTORA – Um show? ATOR – Um show de teatro.
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VELHO – Lá onde eu moro sempre aparece uns conjuntos, uns cantores na pracinha. Teatro nunca. Nem cinema terá senhor. PRODUTORA – Você nunca tinha visto uma peça antes? VELHO – Hoje é a primeira vez senhora. PRODUTORA – Hoje não era o seu dia senhor. ATOR – E aí? Me conta. VELHO – Um compadre meu viu uma vez. PRODUTORA – Uma peça de teatro. VELHO – E ele me falou que era uma lindeza. E ele me contava essa estória. A mesma estória cada vez que a gente cruzava, e eu não cansava de escutar. ATOR – O senhor lembra da estória? VELHO – Todinha... todinha. Era sobre um cara... que ele tinha um nariz comprido. PRODUTORA – (RINDO) Pinóquio. VELHO – Não era esse nome não. Era um nome difícil de falar. Era muito engraçado no começo e depois no fim ficava triste. Engraçado senhor... é porque... eu chorava cada vez que eu escutava essa estória. (VELHO SE EMOCIONA) ATOR – Cyrano de Bergerac. (PAUSA) VELHO – (ERGUE A CABEÇA E COM UM OLHAR CHEIO DE BRILHO) É esse o nome. Como o senhor sabe? ATOR – (PAUSA) Por causa do nariz. VELHO – Era grande não era? ATOR – Enorme. VELHO – Então... (SORRINDO) Eu jurei para mim mesmo que um dia eu ia ver uma coisa dessa de perto. Eu jurei para mim, então eu vim. PRODUTORA – Veio como? VELHO – Eu vim de carona. O dinheiro só ia dar para compra uma entrada. ATOR – O senhor juntou o dinheiro do ingresso, veio de carona e ia voltar como? CHEGA A ATRIZ COM O LANCHE. VELHO – Do mesmo jeito senhor, de carona. Puxa vida, deu tudo errado. E eu estava adorando...por que que o senhor parou? ATOR – Não, por favor... serve (APONTANDO PARA A ATRIZ DAR O LANCHE PAR AO VELHO) ATRIZ – Comida. Pode comer devagar que eu trago mais. ATOR – Deus avisou Abraão que iria destruir Sodoma e Gomorra pelos seus pecados. Abraão se revoltou... PRODUTORA – Esse negócio de evangélico pega. ATOR – Eu não me lembro muito bem dessa história, mas me parece que foi a primeira vez que Abraão enfrentou seu deus assim, cara a cara. E os homens honestos também serão sacrificados? 30
ATRIZ – Que que é isso? Está tudo bem aí? ATOR – Deus retrucou que se Abraão encontrasse 50 homens honestos em quaisquer das cidades elas seriam poupadas. E se eu encontrar 45 homens honestos ainda sim serão destruídas? Disse Abraão tentando enrolar a deus. Se você encontrar 45 homens honestos a cidade será preservada. Abraão era tinhoso, não deu o braço a torcer. E se forem 30 homens honestos ainda sim as cidades serão arrasadas? Eu não me lembro muito bem como é que terminou essa história. Mas parece que Deus tinha razão afinal. Abraão não consegui encontrar seus homens honestos. E as cidades foram arrasadas numa terrível explosão. Eu não lembro também como, mas parece que nessa época já tinha esse negócio de nepotismo. Abraão deu um jeito de avisar um sobrinho seu, logo que consegui escapar com sua mulher e suas filhas das chamas divinas. PRODUTORA – (RINDO) Mas o que que é isso? ATOR – Parece que hoje eu agi como um Deus irado num daqueles maus dias e arrasei com tudo. Não percebi que na plateia tinha pelo menos um homem honesto (APONTA PARA O VELHO) ATRIZ – Pelo amor de deus PRODUTORA – Agora você exagerou, é claro que tinha mais de um homem honesto. ATRIZ – O que quer dizer isso: “como um Deus irado?” PRODUTORA – Meu herói todo poderoso, acabamos de ouvir um momento bíblico. ATRIZ – Bravo! ATOR – Podem rir eu deixo. ATRIZ – Como um Deus benevolente. ATOR – Vocês não entendem é claro. O que nós fazemos aqui em cima é muito sério. A simples paralisação de uma função e para mim um verdadeiro desastre ecológico. ATRIZ – Ah, foi você que parou. PRODUTORA – É um trágico. ATRIZ – Nem Téspis conseguiria inventar um ator assim. ATOR – Talvez vocês tenham razão. PRODUTORA – Mas é claro que temos razão. ATOR – Hoje não é o meu dia. ATRIZ – Está no fim graças a deus. ATOR – É só teatro. PRODUTORA – Mas já está melhorando. ATOR – E aí meu amigo, me conta. O que eu posso fazer para compensar essa sua perda. VELHO – Eu queria ver o show. ATOR – (PAUSA) Eu juro que se o resto do elenco estivesse aqui eu faria o maior espetáculo da terra só para o senhor ter o que contar de volta para aquele seu compadre. ATRIZ – Não seja por isso que estória não vai faltar. ATOR – Só tem uma coisa que eu não consigo aceitar até agora. Por que é que o senhor tirou os sapatos e pós em cima do palco. 31
VELHO – Eu não sabia que ia ofender. ATOR – Tudo bem já passou. Mas por quê? VELHO – Eu estava cansado. O caminhão que me trouxe, me deixou lá na entrada da cidade, aí eu tive que vir a pé. E para descansar senhor, juro. Eu tinha que levantar os pés. ATOR – E ficar mexendo os dedinhos assim? VELHO – E que estava fervendo né? ATRIZ – Eu fico me perguntando qual a razão da batatinha frita? ATOR – (PAUSA) Como é que é? ATRIZ – Vai ver que a velhinha era diabética e precisava se alimentar de hora em hora. ATOR – Vai gozando vai. ATRIZ – Pensa bem. Cada um podia ter uma razão para fazer o que fez, é ou não é? ATOR – Para com isso. PRODUTORA – O que? Está com remorso é? ATRIZ – Cada um podia ter uma razão, você não pensou... ATOR – Você não estava em cena lembra disso? Você não sabe o galinheiro que estava instalado na plateia. ATRIZ – Eram quantas as galinhas? 30, 40? E as outras mil e cem pessoas que estavam ali doidas para verem o espetáculo. Você não pensou nelas não? PRODUTORA – Meu senhor, alguma coisa lhe incomoda na plateia hoje? VELHO – Não. Eu não vi nada. E eu estava adorando. Eu nem sei por que ele parou? ATOR – Esse não vale. Era ele que estava com o pé em cima do palco. ATRIZ – Ninguém prestou atenção nisso. ATOR – Eu prestei atenção. VELHO – O que? O senhor vê tudo o que acontece na plateia? ATOR – Cada mosca voando. VELHO – (MARAVILHADO) Eu pensei assim, que vocês ficassem tomados. ATOR – Aqui não é terreiro de macumba rapaz. Ninguém fica tomado não viu? PRODUTORA – Estava todo mundo adorando. Você não pode exigir que parem de respirar na plateia quando você está em cena.
4ª ATO CENA 1 SONS DE TOSSES, CELULARES, FALAS. ATOR – Chega. Para. Por favor. Não é só disso que eu estou falando. Por favor. (FALANDO COM O PÚBLICO NO PROSCÊNIO) É verdade, nós vivemos num país desacostumado com o ato de pensar. 32
Nossa formação cultural está reduzido aquela dúzia de filmes americanos, com a sua fantástica linguagem traduzida em ação, ação, ação. Nosso exame vestibular em múltipla escolha reduz a capacidade de raciocínio ao acaso numa loteria esportiva. Nosso padrão de televisão rápido, esperto, ágio, dinâmico prende nossa atenção por no máximo sete minutos. O tempo aproximado de cada segmento antes de cada intervalo comercial. Nada mais nos exige maior reflexão, até mesmo o melhor programa está sujeito a essa lei férrea do tempo máximo de sete minutos. Então eu vou ao banheiro, eu tomo café, eu telefono, eu descanso. Eu tenho tempo para isso. O intervalo comercial como em nenhuma outra parte do mundo dura quase que os mesmo sete minutos, divididos em mensagens rápidas de 15 a 30 segundos que prendem a minha atenção, caso eu não tenha mais nada para fazer, por um espaço de tempo cada vez menor. Fomos reduzidos a máquinas instantâneas de pensamentos, ágeis, sagazes, vazias. Lemos muito pouco. Um best seller no Brasil vende cem mil exemplares e comemoramos essa marca. Nossos melhores pensamento, nossas maiores reflexões, nossa mais apurada percepção do mundo, não passam dos sete minutos a que fomos condicionados a usar. Até mesmo as nossas emoções obedecem essa regra de tempo, não é pra menos. A leitura diária dos jornais nos obriga a isso. Mas se fossemos capazes de manter nossa indignação por um espaço de tempo maior, só deus sabe que caminhos estaríamos trilhando agora. Mas deus deve saber o que faz. Conseguimos sair de casa e trocar nossa raiva, pelos sete vezes sete minutos do transito nosso de cada dia, pelos constantes sete minutos mais de cem vezes ao dia ininterruptos, interrompidos a cada sete minutos. Impossível no fim do dia lembrar de tudo isso. O dia composto por mais de 200 sete minutos nós levariam a loucura. Por isso não temos memória. E é preciso que seja assim para que possamos sobreviver. Mas ainda podemos revolucionar de vez essa nossa concepção de tempo e não nos submetermos mais a ditadura dos sete minutos. Hoje, já que estamos todos juntos aqui, ainda é possível exigir atenção por um espaço de tempo maior. Nossos espetáculos duram mais do que sete minutos, e fazemos assim porque ainda achamos que é possível estarmos juntos por mais tempo, trocando, refletindo, sonhando. Que bom que vocês vieram. Que bom que vocês vieram. Porque lemos nos jornais todos os dias o que devemos fazer. É bom que vocês estejam aqui conosco hoje para dividir algumas dúvidas. Porque certeza nós temos muitas incomum. Sabemos juntos que as coisas não vão bem. Sabemos por quê, quando, onde, como. Sabemos onde. Tenho certeza da necessidade de mudança, certeza de que quase não aguentamos mais. Vivemos juntos em meio a mesma violência, sofremos as mesmas fomes, e talvez a nossa maior falha tenha sido de nunca termos nos dado tempo para discutirmos os nossos erros. Mas exercitamos esse nosso jeito atrapalhado, essa vontade de que um dia as coisas mudem. O palco de um teatro não pode mudar muita coisa nos traçados desse caminho, mas aqui ainda é possível se dizer: não sei. Talvez porque nosso tempo aqui em cima seja diferente. Ainda podemos sonhar e é bom que vocês estejam aqui conosco hoje para dividir as nossas duvidas, repartir os nossos sonhos e multiplicar a nossa vontade de que tudo isso um dia não passe de uma peça de teatro, mas sem interrupções. Por favor.
CENA 2 O ATOR VOLTA ATÉ O VELHO, PARA EM SUA FRENTE. ATRIZ – Porra! ATOR – Eu vou arrumar um lugar para o senhor passar uma noite. Porque amanhã senhor volta aqui para ver o show de teatro que eu vou tentar fazer para o senhor. VELHO – Ah meu deus. Obrigado, muito obrigado. (LEVANTANDO) Eu posso levar comigo? ATOR – Por favor. VELHO – Desculpa os pés viu. O VELHO ESTÁ SAINDO DO PALCO QUANDO O ATOR. ATOR – Se você piscar na plateia eu te mato. VELHO – Não vou nem respirar. O senhor vai ver. Fica com Deus senhor. SAI ATRIZ E VELHO JUNTOS. O ATOR SENTA E A PRODUTORA FAZ MASSAGEM EM SEUS OMBROS.
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PRODUTORA – Está mais calmo agora? ATOR – Estou, obrigado! PRODUTORA – (COM VOZ TEATRAL) O resto? É silêncio. ATOR – O estar pronto? É tudo. PRODUTORA – Passarinho que come pedra sabe o cu que tem. OS DOIS RIEM. ATOR – Fechou com chave de ouro. PRODUTORA – Deixa eu ir embora então. Você tem certeza que não precisa de mais nada? ATOR – Você é uma grande companheira. PRODUTORA – Você não vem? ATOR – Não, eu vou ficar por aqui. PRODUTORA – Você está bem? ATOR – Eu gosto do teatro vazio. Eu fico sonhando... PRODUTORA – Com ele cheio no dia seguinte. ATOR – Tem uma coisa melhor que uma plateia lotada. O aplauso vibrante no final do espetáculo. PRODUTORA – É mas você não tem o que se queixar, tem tido os dois há anos. ATOR – O aplauso nem sempre. PRODUTORA – É mesmo? ATOR – Talvez a gente não tenha feito por merecer. PRODUTORA – Amanhã vai ser diferente. ATOR – Eu estou exigindo muito deles, não estou? PRODUTORA – Está. Muito. Ainda bem.
CENA 3 SAI PRODUTORA ENTRA ATRIZ CORRENDO. ATOR – O que foi? ATRIZ – Eu queria te falar uma coisa. Não fica bravo comigo. ATOR – Lá vem besteira. ATRIZ – Sabe a história para completar aquela do Abraão? Posso? ATOR – Vai fala. ATRIZ – Um tempo atrás você me deu um livro de presente, tá lembrado? ATOR – Não. (ATRIZ FAZ UMA CARA DE DECEPÇÃO) Estou... estou pronto.
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ATRIZ – Era uma autobiografia da Marta Graham, aquela bailarina moderna. Sabe, é que eu não sou muito de ler. Não tenho saco. Você vive me enchendo por causa disso, mas esse aí eu li inteirinho. Não lembro muito bem do livro todo, mas teve uma estória nele que nunca esqueci. Tinha uma dança lá, uma coreografia que a Marta gostava muito de fazer, chamava... “Angústia”, uma coisa assim. Era um solo, ela dançava dentro de um saco branco só com a cabeça de fora. O saco fechado no pescoço e o limito do saco eram os braços e as pernas esticados. Tinha uma porrada de fotos no livro, super maneiro. Ela ficava lá presa dentro daquele saco branco, só rosto angustiado de fora. Durante anos em todos os espetáculo ela dava um jeito de encaixar essa coreografia. Era o carro chefe dela, como se diz né? Até que um dia a Marta estava no camarim tirando a maquiagem quando o pessoal da produção veio avisar que eles estavam com um problema. Tinha uma mulher da plateia, o público todo já tinha ido embora e ela estava lá, chorando copiosamente. Enfim, ninguém sabia o que fazer. A Marta pediu que trouxesse a mulher para o camarim. Ela veio e não conseguia parar de chorar. Água com açúcar, abano, todo mundo no maior sufoco, até que...? Meia hora depois ela se acalmou. A Marta ali toda solista: “o que é que aconteceu?” E ela contou. “Eu tinha vinte e cinco anos, quando um filho meu de três anos de idade brincava com a bola na calçada. A bola correu para o meio da rua, ele correu atrás para pegar. Eu vi a roda de um caminhão passar por cima da cabeça dele. Eu não chorei naquele dia, eu não chorei no enterro também. Nos últimos vinte e cinco anos eu não fui capaz de chorar por nada nesse mundo. Até ver a sua dança e entender essa angústia monstruosa que me apertou o peito durante todo esse tempo, que me deixou sem ar, sem remédio, sem saída. Todo mundo lá no camarim ficou em silêncio. A mulher levantou os olhos e disse: „Obrigado‟. Saiu chorando silenciosamente. A Marta escreveu no livro dela que valeu a pena ter vivido por esse momento. Por ter tido o privilêgio de saber que pelo menos uma vez na vida ela foi capaz de tocar uma pessoa sensível na plateia”. ATOR – Uma estória muito bonita. ATRIZ – É, sei lá. Vai ver que hoje tinha aí mais de mil e você se deixou irritar por dois ou três pô. Desculpa tá, mas é que... pensa nisso. SAI A ATRIZ E FICA O ATOR SENTADO NO CENTRO DO PALCO ATOR – Uma só pessoa sensível na plateia? Será que é você? Você? Você? Será você? (PAUSA) A vida é uma sombra que passa um pobre ator que se pavoneia em cena durante uma hora. Depois ninguém reconhece. Uma história idiota cheia de som e fúria contando por um louco, significando nada. TOCA CELULAR NA PLATEIA. FIM.
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