PARTE
I
O Contexto
Esta parte apresenta ao leitor interessado no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, o contexto no qual está inserido este campo de compreensão do comportamento humano. Propositadamente, o contexto aqui antecede os processos psicológicos relativos aos distintos níveis de análise, apresentados nas partes subseqüentes. O trabalho é apresentado no Capítulo 1, desde
a análise da construção da ideologia que o glorificou, até a discussão do esgotamento do modelo tayloristafordista, que passou pela tentativa de construção de uma sociedade do bem-estar e desembocou nas concepções de trabalho contemporâneas. É esperado que o leitor seja capaz de descrever essas construções históricas e identificar as principais mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, levantar hipóteses que expliquem tais mudanças e identificar as grandes tendências e os desafios atuais presentes neste mundo. E que faça isso também levando em conta a condição do Brasil como país capitalista periférico. As organizações estão no Capítulo 2. Elas não são apresentadas como um contraponto ao trabalho, mas sim como complementação, pois ambos habitam o mesmo contexto e estão submetidos à mesma dinâmica econômica e política. As capacidades a serem desenvolvidas incluem a compreensão das organizações como um fenômeno social, que ao mesmo tempo estrutura a vida cotidiana das pessoas e o funcionamento das sociedades contemporâneas, e a identificação de diferentes imagens que foram formuladas para compreender essas organizações, bem como as posições epistemológicas que estão por trás dessas imagens. Entretanto a competência principal, esperada
do leitor, é que compare as visões cognitivista, culturalista e institucionalista, quanto aos seus conceitos de organizações, e que realize uma síntese considerando tais organizações como unidades multidimensionais, socialmente construídas e que articulam processos individuais e coletivos. O Capítulo 3 foi planejado para possibilitar um aprofundamento do anterior, concentrando o foco em algumas dimensões críticas para a análise das organi zações zações: estrutura, tecnologia, estratégia e ambiente. As competências esperadas envolvem a conceituação e a caracterização dessas dimensões, a comparação das perspectivas teóricas que fundamentam essa análise, a formulação das relações que podem existir entre tais dimensões e a identificação das tendências atuais, inclusive no Brasil, de desenvolvimento das organizações. Em termos gerais, esses três capítulos procuram revelar que trabalho e organizações são dois complecomplexos e multifacetados fenômenos, alvos de intenso questionamento e reflexão no interior de vários cam pos pos disci discipli plinar nares. es. Compre Compreend endê-l ê-los os em em sua sua dinâm dinâmica ica e em suas interações é um desafio para pesquisadores e uma imposição para todos aqueles que os escolhem como foco de sua atividade profissional. Devido a isso, esses capítulos iniciais vão além do mapeamento de tais complexidades. Eles fornecem um conjunto bastante amplo de ferramentas conceituais de análise sobre as condições de contexto que podem estar associadas ao comportamento humano no trabalho e nas organizações. São ferramentas imprescindíveis para quem pretende realizar diagnóstico, intervenção, avaliação ou pesquisa sobre esse campo do conhecimento.
24 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.
1 O Mundo do Trabalho Livia de Oliveira Borges Oswaldo Hajime Yamamoto
Conta Homero na Odisséia que, por ter desafiado
os deuses, Sísifo foi condenado a empurrar eternamente montanha acima uma rocha que, pelo seu próprio peso, rolava de volta tão logo atingisse o cume. Albert Camus (2000) propõe uma instigante interpretação para esse mito. Para Camus, o auge do desespero de Sísifo não está na subida: o imenso esforço despendido não deixa lugar para outros pensamentos. A descida, ao contrário, não exigindo esforço, é o momento em que Sísifo é confrontado com o seu destino: o aspecto trágico é conferido pela consciência consciência que que tem da sua sua condição. condição. Não sem razão, o mito mito de Sísifo Sísifo tem sido considerado o epítome do trabalho inútil e da desesperança. Tripalium, trabicula, termos latinos associados à tortura, estão na origem da palavra trabalho. Mas trabalho deve ser necessariamente associado ao sofrimento? Ou seria lícito pensar, em uma pers pectiva diametralmente diametralmente oposta, oposta, como como sendo aquela atividade essencialmente humana na sua relação com a natureza, configurando-se como uma protoforma do ser social? O trabalho sobre o qual a maimai oria das vezes falamos é um trabalho inútil? Muito provavelmente todos nós, no nosso co primeiro o trabalho, trabalho, tidiano, ouvimos frases como primeiro depois o prazer. Essa frase, ao mesmo tempo em que exalta a importância do trabalho, tomando-o como uma prioridade de vida, supõe-no oposto ao prazer, como se este este existisse existisse apenas fora do do trabatrabalho. Da mesma forma, temos amigos que contam o que fazem no trabalho com orgulho. Por isso mes-
mo, falam tanto do próprio trabalho que às vezes até nos aborrecemos. Outros queixam-se das condições de trabalho. Uns sonham com um mundo no qual não precisem trabalhar, outros aposentam-se e reinventam um trabalho para si mesmos, mesmos, porque não conseguem viver sem trabalho. Reclamamos dos nossos empregos e das condições de trabalho, mas continuamos trabalhando – ora para garantir nossa própria subsistência, ora para ir muito além disso. Portanto, lembrando essa variedade de situações, que qualquer um de nós seria capaz de continuar listando longamente, é fácil entender que trabalho é objeto de múltipla e ambígua atribuição de significados e/ou sentidos. Existem muitas pesquisas no campo da Psicologia estudando estud ando a variedade de significados que as pessoas atribuem ao trabalho, os quais guardam entre si correlações e muitas contradições. Tais estudos partem de diversas abordagens na Psicologia e são as divergências que nutrem o dinamismo dessa área de estudo, porém o caráter de múltiplas e ambíguas atribuições de significados tende a ser consensual. Tudo isso se complica ainda muito mais se substituímos a atribuição de significados por outros aspectos que sirvam de critérios para diferenciar os diversos âmbitos do trabalho. Assim, por exemplo, se considerarmos as relações de poder dentro das organizações, podemos distinguir o trabalho subordinado das chefias intermediárias, dos gerentes, dos diretores, dos proprietários etc. Se a natureza do que fazemos, temos a complicada clascl assificação das profissões e ocupações. Se a existên-
24 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols.
1 O Mundo do Trabalho Livia de Oliveira Borges Oswaldo Hajime Yamamoto
Conta Homero na Odisséia que, por ter desafiado
os deuses, Sísifo foi condenado a empurrar eternamente montanha acima uma rocha que, pelo seu próprio peso, rolava de volta tão logo atingisse o cume. Albert Camus (2000) propõe uma instigante interpretação para esse mito. Para Camus, o auge do desespero de Sísifo não está na subida: o imenso esforço despendido não deixa lugar para outros pensamentos. A descida, ao contrário, não exigindo esforço, é o momento em que Sísifo é confrontado com o seu destino: o aspecto trágico é conferido pela consciência consciência que que tem da sua sua condição. condição. Não sem razão, o mito mito de Sísifo Sísifo tem sido considerado o epítome do trabalho inútil e da desesperança. Tripalium, trabicula, termos latinos associados à tortura, estão na origem da palavra trabalho. Mas trabalho deve ser necessariamente associado ao sofrimento? Ou seria lícito pensar, em uma pers pectiva diametralmente diametralmente oposta, oposta, como como sendo aquela atividade essencialmente humana na sua relação com a natureza, configurando-se como uma protoforma do ser social? O trabalho sobre o qual a maimai oria das vezes falamos é um trabalho inútil? Muito provavelmente todos nós, no nosso co primeiro o trabalho, trabalho, tidiano, ouvimos frases como primeiro depois o prazer. Essa frase, ao mesmo tempo em que exalta a importância do trabalho, tomando-o como uma prioridade de vida, supõe-no oposto ao prazer, como se este este existisse existisse apenas fora do do trabatrabalho. Da mesma forma, temos amigos que contam o que fazem no trabalho com orgulho. Por isso mes-
mo, falam tanto do próprio trabalho que às vezes até nos aborrecemos. Outros queixam-se das condições de trabalho. Uns sonham com um mundo no qual não precisem trabalhar, outros aposentam-se e reinventam um trabalho para si mesmos, mesmos, porque não conseguem viver sem trabalho. Reclamamos dos nossos empregos e das condições de trabalho, mas continuamos trabalhando – ora para garantir nossa própria subsistência, ora para ir muito além disso. Portanto, lembrando essa variedade de situações, que qualquer um de nós seria capaz de continuar listando longamente, é fácil entender que trabalho é objeto de múltipla e ambígua atribuição de significados e/ou sentidos. Existem muitas pesquisas no campo da Psicologia estudando estud ando a variedade de significados que as pessoas atribuem ao trabalho, os quais guardam entre si correlações e muitas contradições. Tais estudos partem de diversas abordagens na Psicologia e são as divergências que nutrem o dinamismo dessa área de estudo, porém o caráter de múltiplas e ambíguas atribuições de significados tende a ser consensual. Tudo isso se complica ainda muito mais se substituímos a atribuição de significados por outros aspectos que sirvam de critérios para diferenciar os diversos âmbitos do trabalho. Assim, por exemplo, se considerarmos as relações de poder dentro das organizações, podemos distinguir o trabalho subordinado das chefias intermediárias, dos gerentes, dos diretores, dos proprietários etc. Se a natureza do que fazemos, temos a complicada clascl assificação das profissões e ocupações. Se a existên-
Psicologia, Organizações Organizações e Trabalho no Brasil 25
cia de contrato de trabalho, temos empregados, patrões, autônomos. Se formalidade do contrato, temos trabalho no mercado formal e no informal. Se a complexidade da tarefa, podemos ter classificações como trabalho simples, repetitivo, abstrato e complexo. Se ao tipo de esforço, temos trabalho braçal e intelectual. Se a existência da remuneração, temos trabalho voluntário e remunerado. Se a sua qualidade da remuneração, temos trabalho bemremunerado e mal-remunerado. Se nos detivermos na forma de pagamento, podemos ter trabalho por salário fixo, por produção e misto. Se pensarmos nos seres vivos e não apenas no homem, temos trabalho animal e humano. Além da variedade de critérios que podemos utilizar para classificar o trabalho, também podemos complicar tais classificações, variando o seu nível de sofisticação através da combinação de critérios e/ou do aumento dos níveis utilizados em cada classificação. Portanto, quando utilizamos a palavra trabalho não estamos necessariamente falando do mesmo objeto. Na Psicologia Organizacional e do Trabalho, por sua vez, falamos em construtos como motivação para o trabalho, comprometimento no trabalho, envolvimento no trabalho, aprendizagem no trabalho, socialização no trabalho, satisfação no trabalho, treinamento em trabalho, aconselhamento no trabalho, estresse no trabalho, qualidade de vida no trabalho e assim por diante. Desculpem pela re petição da da palavra trabalho, trabalho, mas ela foi foi proposital, proposital, para ajudar a dar-nos conta da freqüência com a qual a palavra trabalho é empregada na literatura da área. E de que trabalho estamos falando? Quando o leitor se debruça sobre as diversas teorias referentes a algum construto (por exemplo, satisfação, motivação, estresse), sendo capaz de dar-se conta do conceito de trabalho implícito nas mesmas, terá sua capacidade crítica ampliada. Portanto, é necessário para a formação do psicólogo entender claramente as formas principais de conceber o trabalho. Explicitar tais concepções será objeto do desenvolvimento deste capítulo. Está claro, porém, que precisamos precisamos de algum tipo de referência para termos um mínimo de consenso que torne o capítulo inteligível e que, ao mesmo tempo, o leitor tenha consciência consciê ncia de suas limitações. limitaç ões. Vamos Vamos começar, por conseguinte, expondo algumas premissas que foram nosso ponto de partida para desenvolver o ca-
pítulo, pítulo, selecionando selecionando conteúdos, estabelecendo estabelecendo interpretações e enfocando algum tipo de trabalho. Entendemos que são tais decisões que viabilizam o capítulo. Seria impossível descrever o mundo de todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpretação do mundo do trabalho, mas que vamos ter em conta uma diversidade limitada. Significa também que o presente capítulo está longe de esgotar o assunto. Portanto, o leitor deve atentar que o capítulo ca pítulo não substitui leituras mais extensivas sobre o assunto, apenas o introduz, facilitando tais leituras. Levando a cabo nosso propósito, iniciamos, pois, lembrando algumas fronteiras do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, que também serão úteis para delimitar o presente capítulo. Assim, os psicólogos que atuam e pesquisam nesse campo não lidam com o trabalho dos animais, mas com o trabalho humano. E o que diferencia esses dois tipos de trabalho? Embora não seja simples distinguir as atividades de primatas não-humanos de nossos ancestrais nas suas tarefas de caça e colecole ta, ou mesmo de algumas que os humanos até hoje fazem, existe um elemento distintivo fundamental: a intermediação da cultura c ultura (Argyle, 1990). E de forma mais pontual, o critério freqüentemente utilizado é o da intencionalidade, que foi primeiramente explicitado por Marx (1983) ao distinguir o “pior arquiteto” da “melhor aranha”: No fim fim do processo de trabalho, trabalho, obtém-se obtém-se um um resultaresultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu ob jetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade (p. 149-150).
Isso significa que, para nós, autores desse ca pítulo, pítulo, quando quando uma forma forma de exercer exercer o trabalho trabalho tenta eliminar a intencionalidade humana ou as suas ca pacidades pacidades cognitivas, cognitivas, está tentando tentando descaracterizar descaracterizar o próprio trabalho em uma condição humana central. E essa compreensão está por trás de muitas críticas e análises que se faz sobre a forma de planejar e organizar o trabalho, ou seja, as análises sobre como as organizações definem o modo de fazer as coisas, dividem e distribuem atribuições, poder e tarefas.
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Mas, seguindo na delimitação, é importante como uma categoria que estrutura a sociedade? Ou lembrar que o psicólogo organizacional e do traba- é o emprego que tem te m rareado? Temos uma crise do lho, na maior parte das vezes, lida com o trabalho trabalho? Ou uma crise do emprego? remunerado. Por isso, os aspectos socioeconômicos Adicionalmente alertamos também o leitor que são aqui considerados importantes e delimitadores a maior parte da literatura em Psicologia Organizado mundo do trabalho. Na literatura do campo, para cional e do Trabalho não foge à regra e, em geral, clarear a adoção dessa delimitação, Brief e Nord usa os termos trabalho e emprego e mprego como sinônimos. (1990), por exemplo, anunciaram sua opção em Cabe a nós, como leitores, estarmos atentos para o adotar a definição econômica do trabalho, que con- que realmente os autores estão se referindo. Essa siste em dizer que o trabalho é o que se faz para atenção será importante para aguçar nossa capacidaganhar a vida ou se é pago para fazer. Isso não sig- de crítica, dando-nos conta mais facilmente de cernifica que os referidos autores reduzam o trabalho tos limites das teorias, dos modelos e das pesquisas a sua dimensão econômica, mas que o trabalho é que desenvolvemos ou dos quais fazemos uso. objeto de seus estudos se essa dimensão é incluída. incluí da. Com essas fronteiras explicitadas, de alguma Outra fronteira comum na literatura do campo forma estamos delineando o que chamamos aqui de é aquela posta pelo contrato de trabalho, que dife- mundo do trabalho. Mas precisamos ir à frente. Ao rencia trabalho de emprego. Alguns autores, como intitularmos o nosso presente capítulo de Mundo do Jahoda (1987), têm se preocupado com tal diferen- Trabalho, temos o mesmo problema de quando ouciação. Para a autora, o emprego é uma forma espee spe- tros autores discorrem sobre a satisfação do trabalho cífica de trabalho econômico (que pressupõe a re- e tantos outros construtos no campo da Psicologia muneração) regulado por um acordo contratual (de Organizacional e do Trabalho, conforme já exemplicaráter jurídico). Blanch (1996), baseado na dife- ficamos. Continuamos, portanto, com questões como: renciação de Jahoda, acentua que o emprego impliimpli - estamos falando no mundo de qual trabalho? Como ca a redução do trabalho a um valor de troca, por- falar desse assunto sem sabermos ao certo de que tanto em mercadoria, o que mais adiante retomare- trabalho estamos falando? E o que compõe o tal mos à medida que descrevermos a evolução do tra- mundo do trabalho? E por que denominar o capítulo balho e dos problemas do mundo do trabalho a par- de Mundo do Trabalho e não apenas de Trabalho? tir do surgimento do capitalismo. Importa-nos, no Na tentat tentativ ivaa de de respo respond nder er a essas essas quest questões ões,, quequemomento, apenas acrescentarmos que para Jahoda remos contar que compreendemos que cada indivítal diferenciação é importante, porque tem implica- duo tem seu próprio conceito de trabalho, o que em si ções diretas na forma de analisar os problemas do estabelece uma variedade imensa de conceitos e/ou mundo do trabalho na atualidade. Por exemplo, a significados. Mas é mesmo uma variedade infinita? autora argumenta que, considerando tal diferença, Talvez não. E certamente no mesmo passo que existe deve ser mais adequado opor o desemprego ao em- diversidade, existem aspectos compartilhados. prego e não não o discutir discutir como como a antítese antítese do trabalho. trabalho. Exemplificando, lembremos dos nossos amigos mais Jahoda alerta seus leitores leitores que, raramente, ocorre a próx próximo imos. s. Certam Certament ente, e, para para este este grupo grupo não não exis existe te toconsideração de tal diferença na literatura literatura em geral tal identificação identificaçã o na definição do que seja trabalho, mas sobre o assunto e que o uso dos termos trabalho e certamente há também muitas semelhanças. Alguém emprego como sinônimos está profundamente en- pode pode pens pensar ar assim assim:: o traba trabalho lho para para mim mim é tanto tanto memeraizado em nossos hábitos lingüísticos, o que con- lhor quanto mais eu possa fazer o que gosto. O amigo tribui para continuarmos desatentos a tal engano. desse alguém pode pensar que o trabalho é tanto mePara ela, definições em ciências humanas não são lhor quanto mais ele contribua para resolver probleneutras, trazendo sempre consigo juízos de valores mas sociais e que ele é prazeroso por permitir perceimplícitos (ou explícitos). Tal confusão, aparente- ber que os outros se beneficiam dos seus esforços. Claro mente apenas lingüística, termina por dificultar a que o segundo entendimento é muito mais altruísta do discussão sobre o papel do trabalho na sociedade que o primeiro, mas ambos associam o trabalho ao no final século XX e sobre a importância que as praze prazerr. O que que engend engendra ra tais tais semelh semelhan anças ças e diver divergên gêncici pessoas pessoas atribuem ao trabalho. trabalho. Compete-n Compete-nos, os, assim, as? É neste ponto que surge a primeira premissa que desde aqui deixar o leitor com a questão: no nosso consideramos necessário explicitar. Embora seja mundo atual o trabalho tem perdido a importância ineliminável da própria condição humana, o trabalho
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não é um objeto natural, mas uma ação essencial para estabelecer a relação entre o homem e a natureza e entre a sociedade e a natureza (Antunes, 1997). Na sua condição originária, o trabalho deriva de necessidades naturais (fome, sede, etc.), mas realiza-se na interação entre os homens ou entre os homens e a natureza. Assim, o trabalho – e a forma de pensar sobre ele – seguirá as condições sócio-históricas em que cada pessoa vive. Depende, portanto, do acesso que cada pessoa tem à tecnologia, aos recursos naturais e ao domínio do saber fazer; da sua posição na estrutura social; das condições em que ela executa suas tarefas; do controle que tem sobre seu trabalho; das idéias e da cultura do seu tempo; dos exemplos de trabalhadores que cada uma tem em seu meio, entre outros aspectos. Sistematizando um pouco mais, podemos dizer que a forma de executarmos o trabalho e de pensarmos sobre o mesmo varia com muitos aspectos, os quais organizamos didaticamente nas seguintes dimensões:
São essas dimensões que compõem o mundo do trabalho. No presente capítulo, trataremos das quatro primeiras dimensões. Não estamos excluindo a quinta porque atribuimos maior ou menor importância, mas porque sendo este livro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, será desta dimensão que a maioria dos capítulos subseqüentes se ocupará primordialmente. À medida que ficamos com as demais dimensões, estaremos, portanto, nos propondo a cumprir o papel de descrever o contexto no qual aspectos das relações do indivíduo com o trabalho (por exemplo, aprendizagem, cognições, emoções, motivação no trabalho), dos grupos com o trabalho (equipes de trabalho, relações de poder nas organizações) e aspectos simbólicos mais amplos como cultura organizacional se desenvolvem e/ou são construídos. Tais dimensões são imbricadas umas nas outras. Arrolamos anteriormente, por razões didáticas, como explicitamos. Mas não consideramos que seja igual• Dimensão concreta , que se refere à tecnolo- mente didático estruturar nosso texto em função degia com a qual se pode contar para realizar o las, posto que outra premissa que assumimos é de trabalho, e às condições materiais e/ou am- que as interdependências entre elas se estabelecem e bientais em que se realiza, incluindo segu- evoluem historicamente. Por isso, nossa proposta é rança física e conforto. realizar um excurso histórico pelo mundo do traba• Dimensão gerencial , que se refere ao lho, compartilhando nossa reflexão sobre o mesmo, modo pelo qual o trabalho é gerido, segun- nas suas diversas facetas e fenômenos a ele vinculado o exercício das funções de planejar, dos. Com isso, esperamos fornecer uma visão panoorganizar (dividir e distribuir tarefas), di- râmica do ambiente no qual atua o psicólogo organirigir e controlar o mesmo. zacional e do trabalho. A conseqüência desta estra• Dimensão socioeconômica, que abrange a tégia é que dividiremos nosso texto segundo cortes articulação entre o modo de realizar o traba- históricos nos quais há maiores mudanças no conjunto lho e as estruturas sociais, econômicas e polí- das dimensões do mundo do trabalho. A cada corte, ticas em plano macro da sociedade, incluindo porém, tentaremos dar conta das quatro dimensões aí aspectos como o ritmo de crescimento eco- citadas e levantar questões referentes à dimensão simnômico societal, a prosperidade de um setor bólica. Isto não quer dizer que cada corte de tempo econômico, a renda média, o conflito distri- constrói um conjunto de idéias diferentes e, consebutivo, o nível de oferta de emprego, a força qüentemente, desaparecem as anteriores. Estas últide trabalho e outros aspectos sociodemo- mas continuam presentes no novo conjunto ou fagráficos. zendo oposição a esse. É claro que, em cada época, • Dimensão ideológica, que consiste no dis- as idéias da classe dominante são as mais influentes. curso elaborado e articulado sobre o trabaComplementando, entendemos que este camilho, no nível coletivo e societal, justifican- nho propiciará uma introdução nas discussões sobre do o entrelaçamento das demais dimensões o tema, partindo (1) da compreensão da construção e, especialmente, as relações de poder na histórica do conceito de trabalho e (2) da identificasociedade. Deriva diretamente das grandes ção das principais mudanças, tendências e desafios correntes do pensamento. no mundo do trabalho, sem deixar de ter em conta • Dimensão simbólica, que abrange os as- as disparidades de desenvolvimento e problemáti pectos subjetivos da relação de cada indi- cas vivenciadas no mundo do trabalho no Brasil víduo com o trabalho. como país capitalista periférico.
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Por fim, compete-nos explicitar um último limite adotado. Nos detemos na história do trabalho a partir do surgimento do capitalismo por uma questão de concisão e a fim de priorizar os aspectos mais diretamente relevantes para a leitura da realidade em nossos tempos. Todos nós, autores e leitores, vivemos num mundo capitalista. Portanto, a curta referência que faremos aos tempos que antecedem o ca pitalismo tem como única finalidade contrastar as especificidades do mundo capitalista. A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA DA GLORIFICAÇÃO DO TRABALHO
O conceito do trabalho passou a ocupar um lugar privilegiado no espaço da reflexão teórica nos dois últimos séculos. Anteriormente, a reflexão intelectual lhe concedeu uma posição de fenômeno secundário. Mesmo assim, é certo que podemos falar de trabalho humano desde os primórdios da humanidade: as comunidades de caçadores e coletores 8.000 anos a.C., a incipiente agricultura no Oriente Médio, China, Índia e norte da África, o trabalho escravo nas civilizações antigas e a relação servil na Idade Média são alguns exemplos. Existe uma farta e instigante literatura sobre o assunto e com diversos níveis de profundidade que os diferentes leitores podem buscar ou recorrer. Sobre todo esse período, importa-nos apenas sublinhar que, apesar da secundarização do fenômeno, houve vários conjuntos de idéias, como também a construção de cada um demandou um longo período histórico e que, mesmo nas sociedades antigas, conviviam idéias divergentes sobre o trabalho, embora com menor poder de influência. As idéias sobre o trabalho na Antigüidade, mais referenciada pela literatura, certamente são aquelas associadas ao pensamento greco-ateniense e às práticas excravistas no império romano. A literatura tem resgatado (Anthony, 1977; Hopenhayn, 2001) o pensamento de Platão e Aristóteles sobre o trabalho. Tais filósofos clássicos exaltavam a ociosidade. O cidadão, para Platão, devia ser poupado do trabalho. Aristóteles valorizava a atividade política e referia-se ao trabalho 1
como atividade inferior que impedia as pessoas de possuírem virtude. Todo cidadão devia abster-se de profissões mecânicas e da especulação mercantil: a primeira limita intelectualmente e a segunda degrada eticamente. Portanto, a filosofia clássica caracterizava o trabalho como degradante, inferior e desgastante. Ele, o trabalho, competia aos escravos. Era realizado sob um poder baseado na força e na coerção, a partir do qual o senhor dos escravos detinha o direito sobre a vida do escravo. Portanto, este arranjo de valores era possível pela extrema concentração de riquezas e pela escravidão. Esta ideologia do trabalho partia de um conceito mais restrito de trabalho, reduzindo-o às atividades braçais e/ou manuais executadas pelos escravos. A política, atividade superior e dos cidadãos, não era considerada trabalho. Aristóteles entendia a escravidão como um fenômeno natural, pois sustentava que há pessoas destinadas a fazer uso exclusivo da força corporal e que devem satisfazer suas necessidades no âmbito restrito das atividades manuais. Para ele, o escravo jamais estaria apto para as descobertas e para os inventos e seria esta condição que determinava a perda da liberdade. No Império Romano, as guerras e conquistas, o antagonismo de classe e as crises econômicas que empobreciam ainda mais as camadas populares garantiam a abundância de mão-de-obra escrava. Justamente por estas razões, apesar das contribuições romanas no campo do Direito, a idéia sobre o trabalho não sofreu significativas modificações em comparação com a reflexão grega. Assim, tanto na Grécia como em Roma, a escravidão e a estruturação da sociedade (baseada no escravismo) sustentavam a forma de pensar clássica sobre o trabalho. Hopenhayn (2001) chama a atenção, entretanto, para o fato de que nem entre os gregos aquelas idéias clássicas eram unânimes. Tais idéias re presentam o que era dominante no mundo grego, porém, em Hesíodo (três séculos antes de Platão) e depois, na religião de mistérios que encarnava a vontade dos camponeses, assinalava-se que os Deuses e os homens odeiam aqueles que vivem inativos, enquanto que exaltam e tomam como sagrado o trabalho daqueles que se unem a terra.
Para uma abordagem de conjunto sobre desenvolvimento do modo de produção capitalista, ver Dobb (1987). Para uma discussão sobre as formações pré-capitalistas, veja Marx (1981). Recomendamos também a leitura de outras obras como Albornoz (1986), Anthony (1977), Hopenhayn (2001). 1
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Caldeus, hebreus, orientais e primeiros cristãos, entre outros, tinham idéias bastante distintas sobre o trabalho. E muitas mudanças foram acontecendo paulatinamente durante a Idade Média, no que se refere à economia e à estrutura das sociedades, de forma que tais idéias foram se tornando inadequadas. É com o surgimento do capitalismo que se constrói e consolida-se uma mudança mais visível na reflexão sobre o trabalho. Compete-nos questionar: por quê? Para Marx (1983), dois fatos principais demarcaram o surgimento da produção capitalista. Um, a ocupação pelo mesmo capital individual de um grande número de operários, estendendo seu campo de ação e fornecendo produtos em grande quantidade. Outro, a eliminação (dentro de certos limites) das diferenças individuais, passando o capitalista a lidar com o operário médio ou abstrato. Marx assinala que a cooperação, ou
de trabalho, surgindo o trabalho na forma de emprego assalariado, como nos referimos anteriormente. Se nos abstraímos do valor de uso de cada mercadoria, percebemos que permanece uma pro priedade: a de produto do trabalho humano. Portanto, um bem tem valor por causa do trabalho humano nele materializado. Os meios de produção pertencem ao capitalista, logo, o produto é propriedade deste. O trabalhador, que vende sua força de trabalho como a qualquer mercadoria, realiza no ato de venda o valor de troca, alienando o valor de uso no que produziu. O capitalista prolonga o uso da força de trabalho em seu benefício, obtendo o lucro da diferença do que pagou e a quantidade de trabalho recebida do trabalhador. Assim, a mais-valia é o prolongamento do processo de formação de valor, ou seja, resulta de um excedente quantitativo de trabalho na duração prolongada do processo de produção. Ao capitalista interessa, pois, ampliar a maisvalia. De início, assim o faz por meio do prolon... a atividade de um número maior de trabalhadores, gamento da extensão da jornada de trabalho. É a ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser, chamada exploração extensiva. Esta, porém, é lino mesmo campo de trabalho), para produzir a mesmitada tanto concretamente pelo tempo que um ma espécie de mercadoria, sob o comando do mesindivíduo pode trabalhar, quanto pelas reações mo capitalista, constitui histórica e conceitualmente sociais. Por isso, o capitalista busca modos de auo ponto de partida da produção capitalista (p. 257). mentar a produção de mercadorias exigindo meEstes dois fenômenos ocorrem com o surgimen- nor quantidade de trabalho. É a mais-valia relatito da manufatura que, por sua vez, pressupõe um va. E o que o capitalista fazia, então, para produadiantado processo de acumulação do capital, desen- zir a mais-valia relativa? As tentativas de aumento de produtividade (ou volvido no período anterior. Quem detém, portanto, os meios de produção é o capitalista. O indivíduo de mais-valia) eram preocupações centrais das obras desprovido destes meios não tem como reproduzir de Adam Smith no final do século XVII. Este ecosua existência. Essa situação, que põe de um lado o nomista atribuía um relevante valor social ao trabadono do capital e de outro possuidores da força de lho, bem como ao seu parcelamento, uma vez que trabalho, não é um fato natural, mas resultado de um advogava que a manufatura surge para aumentar a processo histórico anterior. É esta condição “livre” e abundância geral, difundindo-a entre todas as cadesprovida dos meios de produção do trabalhador madas sociais (Anthony, 1977). Ilustrando este ponque proporciona a venda da força de trabalho como to de vista, Adam Smith (1978) descreve a fabricauma mercadoria – a única que o trabalhador possui. ção de alfinetes dividida em 18 operações, aponSer mercadoria significa representar um valor de uso tando as vantagens deste parcelamento para a pro(quando sua utilidade é acessível ao ser humano) e dutividade e, por conseqüência, para a sociedade. um valor de troca, ou seja, que tenha valor de uso Smith postula o aumento de produtividade através para os outros, valores de uso social. Em outras pala- da especialização do trabalhador em uma única tavras, a situação socioeconômica existente tornava refa. Explica a necessidade da especialização no tranecessário ao indivíduo, desprovido de tudo, vender balho pela natureza das aptidões individuais. Enseu trabalho e, ao capitalista, adquiri-lo como meio tende que a divisão do trabalho é uma conseqüênde dar prosseguimento à produção de outras mercado- cia da propensão da natureza humana para permurias, o que, sendo valor de troca, permite crescer seu tar, negociar e trocar bens e das faculdades da racapital. Nesta realidade se funda a noção de contrato zão e da linguagem.
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O trabalho de algumas das mais respeitáveis classes Estes argumentos de Smith são de ordem da sociedade é, como o dos servos, improdutivo em naturalizante e divergem da linha de pensamento relação ao valor, e não se fixa nem se realiza em que vimos apresentando, procurando explicar a qualquer objeto permanente ou mercadoria vendáorganização e mudanças no trabalho nas relações vel que dure após terminado trabalho, nem dá orisociais como estabelecidas historicamente. Essa exgem a valor pela qual uma igual quantidade de tra plicação naturalizante para a divisão do trabalho balho pudesse depois ser obtida (p. 27). permite que o princípio divisor de ricos e pobres tome uma feição de bem-sucedido e mal-sucedido (Anthony, 1977), porque em tal explicação, o prinTrabalho produtivo e improdutivo cipal requisito para o sucesso é o trabalho duro. Isto contribuía, também, para criar docilidade e disciMarx (1975a) desenvolve essa distinção, entre o trabalho produtivo e improdutivo, no “Capítulo Inédito D’O plina naqueles que pelo trabalho duro “falharam”. Capital”, parte dos manuscritos de 1863. É importante Desta forma, os trabalhadores eram atraídos por salientar que não existe qualquer julgamento de valor mais salários ou recrutados pela pobreza. ou da importância do trabalho, nem modalidades que Assim, entendemos que tanto a sofisticação da sejam produtivas ou improdutivas per se. Para Marx, divisão parcelada do trabalho, descrita por Smith, “é produtivo o trabalhador que executa um trabalho proquanto a introdução da máquina, antes de demarcarem dutivo e é produtivo o trabalho que gera directamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (p. 93). o início do capitalismo, são instrumentos de aperfeiçoamento do processo de desenvolvimento do capitalismo, ampliando a produtividade e/ou a mais-valia. É preciso entender também que para Smith Portanto, junto à transformação do trabalho em (1978) a economia pode produzir abundância geral mercadoria, estabelecida pelo capitalismo emergente, graças aos ganhos de produtividade dentro de uma surgia uma concepção de instrumentalidade econômi perspectiva da economia liberal, que valoriza a ini- ca do trabalho, o qual valia tanto mais quanto era caciativa privada. A leitura de seus textos revela uma paz de aumentar os rendimentos do detentor do capital. hierarquização, desvalorizando o trabalho público Esta visão utilitarista do trabalho contradizia os em favor do trabalho privado. A implicação direta objetivos de buscar uma máxima lucratividade nos desta hierarquização é advogar a reduzida interven- moldes do regime de trabalho capitalista. É nesse ção política na economia: contexto que Anthony (1977) defende que a construção do “homus economicus” exigiu o desmantela(...) é da mais alta impertinência e presunção, entre mento do clássico sistema de pensamentos, conceireis e ministros, pretender interferir na economia das tos, compreensões e percepções medievais. Era ne pessoas particulares, e restringir os seus gastos, seja cessário mudar a compreensão do próprio homem e por leis suntuárias, seja pela proibição da importação de objetos de luxo estrangeiros... Que vigiem legitimar o lucro. Além disso, o novo modo de probem as próprias despesas, e poderão confiar trandução trouxe uma série de implicações para a orgaqüilamente nas dos particulares (p. 41). nização da vida e da sociedade. Por exemplo, separou os ambientes doméstico e de trabalho; reuniu um Importa-nos, primeiro, que compreendam que número imenso de pessoas em um mesmo lugar (a Adam Smith viveu em uma época em que os gover- fábrica), em torno de uma única atividade econôminos absolutistas na Europa, de um lado, protegiam ca; intensificou o crescimento das cidades e a sua a burguesia com leis mercantilistas em defesa das separação do campo. No mundo delimitado da fábrieconomias nacionais e, de outro, sustentavam o luxo ca, a “cooperação” trouxe variadas novidades no plada nobreza baseados nos valores da Idade Média. nejamento, na organização e na execução do próprio Em continuação, é preciso considerar que, associa- trabalho, como a necessidade de padronizar (homogeda à sua crítica à intervenção do poder público, neizar) a qualidade dos produtos e dos procedimenSmith (1978) diferenciava o trabalho entre produti- tos, bem como a adoção de uma disciplina etc. Estas vo e improdutivo (ver Destaque sobre o assunto), novidades justificaram e promoveram o surgimento sendo o primeiro aquele que agrega valor e o se- das funções de direção e supervisão (gerência), para gundo o que não acrescenta valor sobre nada: fiscalizar e controlar o trabalho. A adaptação do tra-
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balhador a tal realidade não ocorreu de forma sim ples. Submetê-lo a tais condições foi um desafio. Existiam, portanto, muitas contradições. A sobrevivência da noção do “livre contrato” do modelo capitalista necessitava de uma elaborada ideologia do trabalho que o valorizasse em oposição ao ócio. Weber (1967) desenvolve uma extensiva análise, mostrando que o protestantismo veio oferecer estes referenciais, permitindo resolver a contradição no campo da ideologia. A tradição paternalista contribuiu com um elemento ideológico sobre a relação empregadores e empregados, tornando “natural” a autoridade hierárquica, como obrigação religiosa de controlar, bem como a responsabilidade e a esperada obediência. Atividade e cooperação voluntária tornavamse mais importantes que depender do empregador. O referido autor, na sua obra seminal A ética protestante e o espírito do capitalismo, descreve o papel da reforma protestante na formulação desta ideologia. O luteranismo criou a noção de vocação, que consistia em um chamado de Deus para a realização de um trabalho secular ou missão. Valorizava, assim, o cumprimento do dever. E este era o único caminho para satisfazer a Deus e/ou para conseguir a salvação. A profissão era concebida então como um dom divino. Assim, para o autor, “o efeito da Reforma, como tal, em contraste com a concepção católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional” (p. 55). As tendências do protestantismo ascético – o calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas batistas – que se seguiram ao luteranismo, vieram complementar a formulação. Todas exaltavam o trabalho para glorificação de Deus e, ao mesmo tem po, reprovavam todas as manifestações de comportamento irracional e sem objetivo, juntamente com o incentivo compulsivo à poupança. Incentivavam o trabalho sistemático e metódico. Sintetizando, Weber (1967, p.126) afirma:
prestava legitimidade à distribuição de riqueza e tranqüilizava a mente dos ricos. Como complemento, o protestantismo ascético também atribuía responsabilidade individual para se ter ou não a graça. Só o indivíduo sabia se era escolhido por Deus ou não. A ele, e somente a ele, cabia provar o estado de graça, reconhecendo o chamado de Deus na ação ascética. Assim, numa economia que nutre uma visão utilitarista do trabalho, formula-se uma ideologia que atribui elevada centralidade ao trabalho, independente de seu conteúdo, associada a uma ética do cumprimento do dever. Toma o trabalho, defende-o e valoriza-o como mercadoria, disciplinado, mecanizado, de larga escala, estritamente supervisionado, exigindo requisitos mínimos padronizados, planejado e concebido por especialistas e executado por outros, su pondo o livre contrato. Inclui várias cisões dualistas e valorativas, como improdutivo e produtivo, de execução e intelectual, operativo e administrativo, público e privado, por atividades ocupacionais, cam ponês e urbana, artesanal e industrial. Foi a este processo de elaboração ideológica do que seja o trabalho e de justificação do esforço e da submissão, incluindo sua própria exaltação, que Anthony (1977) designou de glorificação do trabalho, e outros autores, de construção da ética do trabalho (por exemplo, Bülcholz, 1977). Em síntese, esta ideologia funda-se numa concepção segundo a qual o trabalho é uma categoria central que os indivíduos devem tomar como prioridade em suas vidas, porque deverá prover a abundância geral e o sucesso individual. Por isso, deve ser exercido de forma planejada, padronizada e disciplinada. Esse trabalho vale tanto mais quanto seja produtivo (e não pelo seu conteúdo). Para atingir estes alvos (valores sociais), é tratado como uma mercadoria, simplificado, exigindo requisitos mínimos de qualificação, mas dedicação máxima. As bases de poder, no espaço de trabalho, sustentam-se na propriedade, na concentração do saber fazer e das possibilidades de conceder reSegue-se a exortação de que “aqueles que ganham tudo compensas e punições nas mãos de uma minoria. o que podem e poupam o quanto podem” também “deO fato de haver toda uma construção ideológivem dar tudo o que podem”, para assim crescer na gra- ca não elimina, entretanto, as reais contradições nem ça de Deus e amealhar um tesouro do céu. as insatisfações e a capacidade de reação dos trabaPara Weber, também é própria destas formu- lhadores. Sem dúvida, o desenvolvimento de uma lações do protestantismo ascético a noção da prova. ideologia que enfatizava a importância do trabalho Quanto mais duro se trabalhava, mais se provava ser durante todo o século XVIII, a partir das formulamerecedor da graça divina. O sucesso (riqueza) era ções econômicas de Adam Smith, apoiada mais dio resultado deste trabalho duro. Tal formulação em- retamente no protestantismo, resulta, entretanto, em uma exploração radical da classe trabalhadora. A
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história do desenvolvimento capitalista é, também, caracterizadores de cada estágio da história da hua história da resistência dos trabalhadores. Os em- manidade. bates em torno da regulamentação da jornada de Assim, a produtividade da força de trabalho trabalho nas leis fabris da segunda metade do sécu- varia com o “grau de desenvolvimento da ciência lo XIX são exemplos da luta do proletariado para e a sua aplicação tecnológica, o mundo normal do impor um limite à exploração capitalista. processo de produção, a extensão e a eficácia dos O sistema de “cooperação”, ao mesmo tempo meios de produção e, finalmente, as condições em que engendrava todas as novidades já assinala- naturais” (Marx, 1975b, p. 27). das, também reunia as pessoas em grandes massas trabalhadoras, criando as condições necessárias à construção da consciência de classe dos próprios A Exploração nos primórdios do trabalhadores, estimulando o desenvolvimento da capitalismo e a reaçãodos trabalhadores organização trabalhista. É preciso lembrar que nos As condições subumanas de trabalho aos quais eram países desenvolvidos, o final do século XVIII e todo submetidos os trabalhadores, incluindo mulheres e século XIX foram marcados pelo desenvolvimento crianças, nos primórdios da grande indústria, são do movimento sindical. E as principais idéias que magnificamente retratados por Engels (1986) e Marx abasteceram as críticas ao regime capitalista foram (1983). No livro I d’ O Capital , Marx discute os embaas reflexões marxistas sobre esse sistema (ver mais tes operários em torno das leis fabris inglesas. no Destaque sobre o assunto). Tais idéias continuam Os trabalhadores reagiram àquelas condições, organizando-se politicamente. Engels, ao analisar as greves sendo importantes e os conceitos introduzidos por operárias da primeira metade do século XIX, demonsMarx a respeito do trabalho ainda permanecem em tra que elas expressam a tomada de consciência dos voga como referência obrigatória para aqueles que trabalhadores sobre a necessidade de coesão e soliestudam o tema. Por isso, é necessário clareá-los medariedade nas lutas contra o Capital. lhor aqui, além do que já foi referido anteriormente. Muitos autores têm retomado e aprofundado a análise Enquanto na concepção do trabalho que prodesses movimentos, não sobre seu surgimento nos curava justificar as relações de produção sob o primórdios do capitalismo, mas levando em conta toda sua evolução durante todas as fases do capitalismo, regime capitalista a glorificação do trabalho ocorseguindo, portanto, até os nossos dias. Por isso, rere pela formulação ideológica, descrita anteriorcomendamos, adicionalmente à literatura já citada, mente, em Marx o trabalho é conceito central em leituras como: Anthony (1977); Antunes (1989), dois sentidos. Primeiro, porque produz a própria Braverman (1974), Bicalho-Sousa (1994), Costa condição de ser humano, pois Marx (1980) defen(1995); Hopenhayn (2001); Marx e Engels (1982); de que o processo de diferenciação do homem dos McCarthy (1985) e Ransome (1996). demais animais inicia-se quando aquele produz seus meios de subsistência ou, em outras palavras, à medida que é produtor de sua vida material e o Para Marx (1975a), a transformação do modo trabalho passa a ser expressão do próprio ser: de produção manufatureira para o modo de produção capitalista da “cooperação” exige um parcelaA maneira pela qual os indivíduos manifestam a sua mento progressivo do trabalho em suas operações, vida reflete muito exatamente o que eles são. O que simplificando a atuação de cada um. Tal tipo de são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com organização do trabalho possibilita a massificação o que produzem quanto com a maneira pela qual o produzem. O que os indivíduos são depende, portan- da produção, característica do sistema capitalista to, das condições materiais de sua produção (Marx, da época. Esse caráter, por sua vez, subtrai as pos1980, p. 46). sibilidades de identificação do trabalhador com o produto de seu trabalho. Interliga-se, assim, à conO segundo sentido é expresso pela idéia de que cepção da força de trabalho como mercadoria da a história da humanidade é a história das relações alienação do trabalho. Trata-se, então, de alienação de produção. Marx (1980) e Engels (1986) tomam em várias formas. O trabalhador não possui os meio modo de produção como um dos determinantes e os de produção, não tem controle sobre o produto
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nem sobre o processo de trabalho e, portanto, é su primido seu saber fazer e as possibilidades de identificação com a tarefa e com o produto. O parcelamento das tarefas subtrai, também, o atributo da inteligência do trabalho, de forma que “quanto mais o operário parcelado é incompleto e mesmo imperfeito, tanto mais se torna perfeito como parte do operário completo” (Marx, 1975b, p. 73). Enquanto o trabalho deveria humanizar o próprio homem, de fato o subdivide:
po (Marx, 1975b). Conseqüentemente, o efeito social, longe de ser a abundância geral, indesejavelmente é a acumulação do capital de um lado e a pauperização das massas de outro (Marx, 1975b). Em Marx (1975b), o trabalhador é submetido à exploração por meio das condições materiais e sociais, às quais não lhe oferecem outra oportunidade de sobrevivência. Inclui, nos condicionantes da submissão à exploração, a existência do que chama de exército industrial de reserva. Marx (1980) afirma que faz parte desse exército todo o trabalha Não somente trabalhos parciais são repartidos entre dor durante o tempo em que está desempregado ou diferentes indivíduos; o próprio indivíduo é dividi- parcialmente empregado. E classifica-o em três vado, transformado em mecanismo automático de um riações: flutuante, latente e estagnado. A primeira trabalho parcial (...). No início, o operário vende sua variação refere-se àqueles trabalhadores ora repeliforça de trabalho ao capital porque lhe faltam os dos, ora atraídos pela indústria, ou seja, por aquemeios materiais necessários para a produção de uma les temporariamente desempregados. A segunda, remercadoria; e agora, sua força de trabalho individual recusa qualquer serviço, a menos que seja vendifere-se à população trabalhadora rural sempre na da ao capital. Ela não funciona mais senão num coniminência de transferir-se para a área urbana, à junto que, após a sua venda, existe apenas na oficina medida que a produção capitalista se apodera da do capitalista (p. 77). agricultura. A terceira, à parte da população de ocuMarx (1975b) também afirma que o modelo pação irregular que tem em uma das principais concapitalista criou o atributo de monotonia ao traba- figurações o trabalho domiciliar. Esse “exército” lho, ligada à excessiva simplificação e eliminação da tende a ampliar-se à medida que o incremento da acumulação faz aumentar o número de trabalhadonecessidade de qualificação do trabalhador. res supérfluos. Considera, então, como contradição inerente ao sistema capitalista as queixas contra a Mesmo a facilidade enorme do trabalho torna-se um falta de braços, enquanto milhares de pessoas estão meio de tortura, pois a máquina não dispensa o opedesempregadas, porque a divisão do trabalho os rário do trabalho, mas tira-lhe o interesse. Toda a produção capitalista, enquanto cria não somente valor, acorrentou a determinado ramo industrial. mas ainda mais-valia, tem essa característica: o opeA exploração é um dos pontos centrais na teorário não domina as condições de trabalho, é dominaria marxiana porque, segundo Marx, o regime capido por elas; mas essa mudança de papéis não se torna talista caracteriza-se por tomar “a produção da maisreal e efetiva, do ponto de vista técnico, senão com o valia como finalidade direta e móvel determinante emprego de máquina (p. 113). da produção” (Marx, 1980, p. 78). Assim, a exploraO pensamento marxiano opõe-se ao de Smith ção, antes de ser uma distorção do capitalismo, é uma sobre o sentido do trabalho, pois o segundo atribui característica inerente a ele. Em síntese, concluímos que, para Marx, o traum valor social à organização deste, acreditando que o parcelamento das tarefas conduzirá à abundância balho que deveria ser humanizador, sob o capitalisgeral, enquanto o primeiro entende que o parcela- mo é o seu contrário, pois na forma de mercadoria é: mento das tarefas tem como objetivo o crescimento (1) alienante, porque o trabalhador desconhece o da mais-valia relativa, ao retirar do operário um ren- próprio processo produtivo e o valor que agrega ao dimento superior durante o mesmo período de tem- produto, além de não se identificar com os produtos 2
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A alienação, temática hegeliana, relacionada ao trabalho, foi discutida inicialmente por Marx nos chamados Manuscridiscussões sobre a questão da centralidade do trabalho nos termos marxistas-luckacsianos, ver Antunes (1999) e Lessa (1997). É importante esclarecer que o adjetivo “marxiano” se aplica à obra direta de Marx e Engels, enquanto que o termo “marxista” se refere a todo sistema de idéias e fundamentos no materialismo histórico (consulte, sobre o assunto, Yamamoto, 1996). 2
tos de Paris (1984). Para 3
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de seu trabalho; (2) explorador , devido os objetivos de produção da mais-valia vinculada ao processo de acumulação do capital; (3) humilhante , porque afeta negativamente a auto-estima; (4) monótono em sua organização e conteúdo da tarefa; (5) discriminante , porque classifica os homens à medida que classifica os trabalhos; (6) embrutecedor , porque, longe de desenvolver as potencialidades, inibe ou nega sua existência por meio do conteúdo pobre, repetitivo e mecânico das tarefas; e (7) submisso pela aceitação passiva das características do trabalho e do emprego, pela imposição da organização interna do processo de trabalho, pelas relações sociais mais amplas e, especialmente, pela força do exército industrial de reserva. Observamos que a obra marxiana não se constitui numa mera crítica ao trabalho sob o capitalismo, mas cria valores e novas expectativas em torno do trabalho. Marx entendia que o trabalho deveria ser humanizador, não-alienado, digno, que garantisse ao ser humano a satisfação de suas necessidades, racional (com uma divisão baseada em critério de igualdade entre os homens) e que se constituísse na principal força na vida dos indivíduos. Aqui é importante percebermos que tanto a ética do trabalho, associada à primeira Revolução Industrial, quanto o Marxismo exaltam a importância do trabalho. No entanto tal importância se funda em valores sociais distintos. Entre outras diferenças, importa destacar que a defesa do tratamento do trabalho como mercadoria desvaloriza a identificação do trabalhador com o produto e o processo de seu trabalho, ou seja, dignifica ganhar a vida trabalhando, mas não interessa em quê. A defesa da superação da alienação no trabalho permite compreendê-lo como uma categoria importante na construção da própria identidade do sujeito. O trabalho é, ao mesmo tem po, estruturante para a sociedade e para o indivíduo. Adicionalmente, importa-nos destacar o que assinala Hopenhayn: a primeira Revolução Industrial imprimiu no trabalho o paradoxo segundo o qual engendra, de um lado, a máxima sociabilidade, pois nunca antes havia se reunido tantos seres humanos em um mesmo lugar para participar de maneira organizada na confecção de um mesmo produto; e de outro, a máxima atomização do trabalho, pela organização parcelada deste. Sob o ca pitalismo, desde seu surgimento, esses dois processos são complementares e interdependentes. Com a história contada até aqui, expomos três formas distintas de conceber o trabalho: aquela
oriunda na filosofia clássica, a que emergiu junto com o capitalismo e a concepção marxista. Cada uma delas engendrada por um contexto socioeconômico específico. A SECULARIZAÇÃO DA IDEOLOGIA DO TRABALHO
A história da formulação da concepção do trabalho sob o capitalismo é demarcada por suas pró prias crises e pelas suas formas de renovação. No marco de uma economia livre de mercado, da su peração da crise da década de 1870, vai sendo construído o capitalismo monopolista e/ou oligopolista (Drucker, 1975; Heloani, 1996; Hopenhayn, 2001). Tal transição foi marcada por forte recessão e pela gradual imposição dos trustes e cartéis como instâncias reguladoras dos preços e mercados. Ocorria, portanto, concentração financeira, que no nível da produção se traduzia em concentração técnica. A organização dos trabalhadores cresceu durante todo o século XIX, principalmente nos países centrais do capitalismo, tornando mais sistemática a forma de resistência à exploração ocorrida no processo produtivo e complicando as relações dentro do espaço da fábrica. Para Heloani (1996) a reordenação do padrão tecnológico que se seguiu à segunda Revolução Industrial foi marcada pelo conflito aberto entre capital e trabalho. “Neste contexto (...) o capital pretendia ‘socializar a crise’ através da diminuição de salários; as greves e o crescimento do movimento de oposição formam uma conseqüência inevitável” (p. 29). Adicionalmente, é importante lembrarmos que o século XIX é conhecido como o século do iluminismo e da razão. É esse conjunto de fatos socioeconômicos e políticos que cria o contexto favorável ao incremento na forma de gerenciar o trabalho e as empresas (administração) e leva à elaboração de uma sustentação científica para a concepção e organização do trabalho. É nesse contexto, também, que surge a chamada administração científica, que tem entre seus expoentes Taylor e Fayol. Nas primeiras páginas de sua obra mais conhecida, Princípios da administração científica, Taylor (1980) define, como objetivo principal dos sistemas em administração, assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade ao empregado. A suposição de identidade de interesses é evidente, pois
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Tem, portanto, na padronização, no parcelamento e na separação da concepção da execução do trabalho os principais recursos instrumentais para aumentar tanto a produção quanto o controle sobre ela. E, sempre perseguindo o aumento da produtividade e partindo do pressuposto de que os homens não são Taylor nega, portanto, a dependência do pro- capazes de se auto-selecionar, nem de se auto-apercesso de acumulação do capital e de lucratividade feiçoar, propõe a seleção científica de trabalhadoao processo de exploração do trabalhador basea- res e o treinamento sistemático (Taylor, 1980). da na ampliação da mais-valia relativa. É, por isso, Heloani (1996) chama atenção para o fato de que a classificado por alguns estudiosos (Anthony, 1977) adoção da seleção científica exige a explicitação entre as teorias integrativas que se fundam na no- de um perfil de tarefas e do trabalhador para executálas, o que pressupõe uma acumulação anterior do ção de conciliação entre trabalho e capital. A justificação do seu trabalho assenta-se for- saber sobre o desempenho da produção. Sua aplitemente em sua avaliação da “vadiagem” no traba- cação conjuntamente com o treinamento cria um lho. De acordo com esta avaliação, o trabalhador espaço pedagógico na fábrica de adestramento de procura sempre fazer menos do que pode e que, indivíduos, aparecendo como um auxílio ao emprequando demonstra interesse em produzir, é perse- gado para que desempenhe melhor a tarefa e, por guido pelos demais. Taylor considera, então, a eli- conseqüência, passe a ganhar mais. A aplicação do minação da “cera” e das causas que retardam o tra- conjunto dos princípios tayloristas conduz, por meio balho importante para reduzir o custo da produção. do incentivo salarial, o trabalhador a assimilar o Por outro lado, responsabiliza a ignorância dos ad- ‘desejo’ de aumentar a produção e reorientar sua ministradores como aliada ao propósito dos traba- percepção para este aumento. Em síntese, a administração científica, apesar lhadores de “fazer cera”. Taylor propõe assim a substituição dos méto- da pretensa visão integrativa (identidade de propósidos tradicionais (oriundos da experiência prática) to entre empregadores/empregados), atribuindo um pelos científicos, com a adoção do método dos tem- elevado valor ao trabalho árduo, simbolizado como pos e movimentos para eliminar movimentos desne- prosperidade, acaba, pelo método que advoga, por cessários e substituir os movimentos lentos e intensificar o processo de exploração e de alienação, ineficientes por rápidos. Acredita que há sempre um porque radicaliza a monotonia e a cisão entre o penmétodo mais rápido e um instrumento melhor. Para samento e a execução, e amplia a mais-valia relativa. tanto, é necessária a máxima decomposição de cada A defesa da supervisão estrita traz em si a concepção tarefa em suas operações mínimas e a cronometragem de um trabalho hierarquizado e/ou subordinado, bade cada movimento do operário na execução das ope- seado em uma visão dualista do ser humano. As contribuições tayloristas na construção da rações. Radicaliza a divisão entre concepção e execução do trabalho ou entre gerência e trabalhadores. administração científica são complementadas por Os gerentes devem reunir todos os conhecimentos Fayol. Enquanto Taylor se ocupou em estudar o tradicionais antes dos trabalhadores, classificá-los, planejamento da execução das tarefas, Fayol partiu de uma visão macroscópica da organização, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas: preocupando-se com as funções de gerenciamento. Para Hopenhayn (2001), a complementaridade O trabalho de cada operário é completamente plane jado pela direção, pelo menos, com um dia de anteentre as contribuições de Taylor e Fayol e a forma cedência e cada homem recebe, na maioria dos caradical com que aplicaram seus princípios admisos, instruções escritas completas que minudenciam nistrativos conduziram à máxima coisificação, tana tarefa de que é encarregado e também os meios to do trabalho quanto do trabalhador, que passou usados para realizá-la (p. 51). a ser tratado como um entre outros fatores de pro Na execução, o trabalhador deve ser poupado dução. Esse nível de radicalização dos citados prinde pensar para que possa repetir os movimentos cípios simplifica o trabalho, reduz os requisitos ininterruptamente, ganhando em rapidez e exatidão. de qualificação e retira o sentido de velhos valores, como a hierarquia por idade ou por experiên(...) a prosperidade do empregador não pode existir, por muitos anos, se não for acompanhada da prosperidade do empregado e vice-versa. (...) É preciso dar ao trabalhador o que ele mais deseja – altos salários – e ao empregador também o que ele realmente almeja – baixo custo de produção (p. 31).
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cia. Hopenhayn sintetiza a fundamentação destas contribuições em quatro concepções: • Formalista (da empresa): consiste em perceber a empresa como um conjunto de cargos hierarquizados; • Mecanicista (do operário): defesa de uma acomodação das personalidades às necessidades organizacionais; • Naturalista (da organização do trabalho): defende que o parcelamento das tarefas é uma tendência natural e não uma construção social; e • Hedonista (da motivação): tenta prever o comportamento, vinculando-o exclusivamente à remuneração do trabalho.
e econômicas (produção em massa afetando as normas de consumo e de vida), tendo tanto desdobramentos na organização do trabalho quanto na gestão de pessoal (Leite, 1994; Neffa, 1990). Neffa (1990) expõe que o American System of Manufactures cresceu gradualmente durante o século XIX, representando um modelo para todo o mundo. No entanto, na fabricação de armas, de máquinas de costura, de maquinarias agrícolas e de bicicletas, entre outras, ocorria uma consecução precária dos objetivos de padronização das partes dos produtos. O objetivo era, além de controlar a qualidade dos produtos, reduzir custos de reposição pela possibilidade de promover a manutenção dos produtos ao substituir-se as peças defeituosas. Tal substituição seria tanto mais possível quanto mais padronizada fossem suas partes e/ou peças. Ford, na fabricação de automóveis, deu continuidade a tal modelo, porém avançou na padronização por meio de um conjunto de inovações, entre as quais se destaca o uso da cadeia de montagem sobre a esteira rolante (criada pelo mecânico William Klann). A produção na cadeia de montagem, desde 1913, implicava:
As atividades com os engenheiros da produção embasavam-se nas mesmas idéias de necessidade de aproveitamento máximo do tempo, entre outros recursos, buscando um rendimento máximo do trabalho e, ao mesmo tempo, as condições físicas necessárias para tornar o esforço fisiologicamente suportável. Perseguiam, assim, os mesmos valores do trabalho validados pelo protestantismo ascético, porém • utilização de moldes, garantindo que as revestidos de racionalidade científica, expressa na peças fossem idênticas; metodologia de pesquisa utilizada, com a observa• controle permanente da exatidão das peças; ção, registro e análise do comportamento. Termina• uso de máquinas especializadas; ram intensificando o parcelamento das tarefas, as exi• movimento das peças e seus subconjuntos gências por eficiência, bem como os atributos de na empresa através da esteira, eliminando monotonia e a falta de conteúdo do trabalho. o deslocamento dos operários, o que sig Na aplicação dos princípios das abordagens nificava fluxo contínuo de produção. integrativas, dentro das organizações do setor avançado da economia da época, conviviam-se com quesObservemos que esse modo de organizar o tratões, entre as quais: como escolher as pessoas para balho estabelece o controle do ritmo do trabalho pela exercer os cargos/funções conforme planejados? cadência da máquina e não mais pela supervisão huComo adaptar os indivíduos às tarefas parceladas e mana direta (Leite, 1994; Neffa, 1990). Mas suas padronizadas? Como disciplinar cada operário para inovações não ficaram aí. Para enfrentar o ajuste engarantir a execução coletiva do trabalho? Que apti- tre oferta e demanda de automóveis, Ford instaurou dões o operário deve ter? Que sistema de recompen- uma nova norma de consumo a partir da perseguição sas é adequado? Questões como estas foram remeti- de seu objetivo de produzir um automóvel barato para das à Psicologia (ver capítulos 15 e 16 neste livro). o consumo da multidão (produção em massa) e de De forma paralela e independente do desen- uma política de remuneração que ficou conhecida volvimento dessas tendências na administração, como five dollar day. Sobre a massificação da promas na mesma perspectiva integrativa e movido dução, Neffa (1990) ilustra que a empresa Ford, em pelas mesmas preocupações (o combate aos tem- 1909, produzia 18.664 automóveis ao preço de 950 pos mortos), surge também o movimento que fi- dólares cada. Em 1920, 1.250.000 automóveis, a um cou conhecido por fordismo, devido ao fato de ser preço de 355 dólares cada. liderado por Henry Ford. Estas contribuições conQuanto à política salarial, é necessário esclaresistiram em inovações tecnológicas (mecanização) cer que, de um lado, estava associada às intenções de
Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 37
mudança de consumo de Ford, e de outro, visava enfrentar os problemas internos da empresa referentes ao gerenciamento de pessoal. A empresa enfrentava problemas de indisciplina, absenteísmo, rotatividade, desinteresse pela produção e dificuldades de comunicação e adaptação dos imigrantes. Por isso, tal política salarial vincula-se a outras iniciativas de gerenciamento de pessoal. O pagamento integral ao empregado dependia não só da sua produção, mas também de seus hábitos de vida em geral. Por isso, Ford implantou adicionalmente um departamento social em sua empresa, que incluía uma enorme equipe de investigadores que desenvolvia todo um trabalho de levantamento de hábitos do empregado, na sua vida na em presa e fora dela, incluindo visitas ao empregado, em sua casa. Os empregados eram avaliados quanto à dedicação à família, aos cuidados com a casa, à aplicação do salário, aos hábitos de poupança, ao uso de bebidas alcoólicas, entre outros aspectos. Como empregava muitos imigrantes, Ford desenvolveu um trabalho de educação por meio do qual ensinava aos seus trabalhadores o idioma inglês e o estilo de vida americano. Foi bastante criticado por exercer um forte controle da vida integral dos seus empregados. Os altos salários pagos e as mudanças de estilo de vida provocadas pela Ford, inicialmente, incrementaram a produção. Posteriormente, constituíramse em causas de dificuldades da empresa, à medida que os novos padrões de vida estabelecidos geravam diferenças nas categorias profissionais. Isso acabou tornando acertada a política da empresa rival, a General Motors, que investia a partir do reconhecimento da segmentação do mercado de trabalho. Assim, enquanto Ford insistia na fabricação de um único modelo de automóvel, a General Motors diferenciou seus modelos e inovou a comercialização de seus produtos com a criação da venda parcelada de automóveis, financiada pelo setor bancário. Com as políticas de remuneração do fordismo, conseguia-se manter os empregados longe dos sindicatos, enquanto o taylorismo mobilizava a oposição sindical durante a década de 1910. Isso não quer dizer que os empregados estivessem exatamente satisfeitos. A mecanização não se diferenciava do taylorismo em um ponto básico: o esvaziamento do conteúdo do trabalho. Tanto é assim que a Ford, que começou aproveitando mecânicos qualificados, com experiência de outras indústrias, empregava de pois uma massa de trabalhadores sem qualificação. A implantação da esteira transportadora provocou
inicialmente o afastamento do trabalhador de seus postos, chegando a ser detectada uma rotatividade dos trabalhadores de 370% ao ano. A adoção da política five dollar day e a criação do departamento social rebaixou o índice para 16% em três anos. A taxa voltou a crescer no ano de 1918, com o início do recrutamento militar. Os empregados eram atraídos pelos salários e benefícios adicionais pagos pela empresa, mas a jornada era referida como extenuante a tal ponto que se designavam as conseqüências do trabalho na cadeia de montagem como fordites. A queda de rotatividade sob o fordismo encontra também outras explicações na literatura. Assim, Braverman (1974) relata que na Ford, após a introdução da esteira transportadora, com o ofício sendo substituído por operações pormenorizadas e repetitivas, observou-se o “desgosto do trabalhador”, havendo abandono do emprego. Era a re pulsa natural do trabalhador contra a nova espécie de trabalho. Porém, à medida que os concorrentes adotavam as técnicas de Ford, os trabalhadores eram obrigados, devido ao desaparecimento de outras formas de trabalho, a submeter-se àquela. As inovações trazidas pela equipe de Ford tiveram forte impacto na organização e gestão do trabalho. Porém, quanto à concepção tradicional do trabalho, deram continuidade às mesmas idéias, intensificando suas características (parcelamento, exigência de eficiência, monotonia, pobreza de conteúdo) de Taylor e Fayol. Sob Ford, o tratamento do trabalho como mercadoria e seu caráter instrumental ficam mais enfatizados, antecipando de certa forma o que veio acontecer na fase posterior, após a Grande Depressão do começo do século XX (1929). Importa ainda esclarecer que, embora o taylorismo e o fordismo tenham sido elaborados paralelamente, na maior parte de suas características são semelhantes, o que leva muitos autores a tratarem-lhes como um fenômeno complementar. Heloani (1996), por exemplo, refere-se aos anos 20 (do século XX) como o período de consolidação do taylorismo-fordismo. Concluindo, essas abordagens integrativas renovaram e/ou reafirmaram a concepção capitalista tradicional do trabalho, negando os antagonismos de classe que a análise fundada na obra marxiana apontava, oferecendo a legitimidade científica que o final de século exigia e sofisticando as dimensões concreta (tecnologia), socioeconômica e gerencial do trabalho. Portanto, essas abordagens integrativas
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vieram substituir o papel de suporte ideológico ao Outro destaque das reações do final do século capitalismo tradicional, oferecido inicialmente pelo XIX e início do século XX foi a fertilidade sindical. protestantismo ascético, quando este declinou em Multiplicaram-se as tendências, entre as quais cresaceitação e aprovação social. Ampliaram-se as bases ceram as correntes anarquistas e socialistas (Anthony, de sustentação da concepção capitalista do trabalho. 1977). Todas elas partiam do papel central do trabaEstas contribuições, que efetivaram a secula- lho na vida das pessoas e na organização da sociedarização da ideologia do trabalho, conseguiram a de. Surgiram os movimentos de greves gerais. Data maior adesão possível por parte dos empresários desse período o surgimento do sindicalismo no Brasil, fabris e uma forte rejeição pelos trabalhadores. Isso com os primeiros núcleos operários em São Paulo e não significa que as formulações a partir das religi- Rio de Janeiro (Antunes, 1989). Araújo (1982) relaões tenham sido extintas, mas que o argumento téc- ta a inexistência de qualquer política salarial no Branico-científico foi agregado. O século XIX foi tam- sil neste período e o intervencionismo do Estado em bém um período fecundo de elaboração ideológica, assuntos econômicos. O governo simplesmente resfundando e estruturando várias formas de reação. pondia aos problemas. Predominavam as péssimas Entre elas, destacamos a da Igreja Católica, pela condições de trabalho como a inexistência de qualrepercussão nos países de sua influência: em 1891, quer assistência médico-hospitalar, extensas jornaa Encíclica Social Rerum Novarum (ver Destaque das de trabalho, ausência de descanso semanal. Com a seguir) , do Papa Leão XIII, ratifica as premissas a sucessão das greves do início do século, em 1917 escolásticas de desigualdades intrínsecas entre os surgem vários projetos de lei regulamentando o trabaseres humanos, o caráter expiatório do trabalho e lho (jornada de trabalho, trabalho feminino, trabalho desenvolve argumento em favor da conciliação en- de menores, creches em estabelecimentos industriais, tre trabalho e capital, condenando a violência de contrato de aprendizagem). Todas estas regulamentaambos e censurando tanto o descumprimento de ções focalizavam o trabalho urbano, minoria em um obrigações do trabalho quanto o pagamento de sa- país eminentemente agroexportador (Fausto, 1986). lário insuficientes para assegurar a existência. O período sobre o qual estamos tratando constituiu-se em um dos mais efervescentes da história da humanidade. Do primeiro conflito bélico que enEncíclica social Rerum Novarum volveu a maior parte do planeta até os acontecimentos que culminaram na Revolução de Outubro, em Devido à sua repercussão e à importância de docu1917, na Rússia, desencadeou-se uma reação em camentos desta natureza para os países nos quais predeia que dividiu o mundo em dois blocos antagônidominam a religião católica, muitos autores que discutem a história do trabalho ou o seu conceito têm se cos. Após a Segunda Guerra Mundial, esta divisão detido em sua análise. Assim, Hopenhayn (2001) arengendrava a chamada Guerra Fria, que marcou progumenta que tal Encíclica se constituiu em forte crítica fundamente as relações geopolíticas até o último quaràs condições de trabalho para a época. Brief e Nord to do século XX. De forma mais simples, podemos (1990) afirmam que revela que a igreja católica havia dizer que, a partir da revolução, espalhou-se o chaabsorvido uma visão extrínseca do trabalho, porque o mado “medo vermelho” no mundo ocidental. A maianalisa dentro de um quadro social amplo no qual o foco na qualidade de vida geral, na justiça e na harmoor crise econômica do século (a Grande Depressão), nia social não se centra no trabalho, ou seja, não disa ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial cute seu conteúdo. Antunes (1989) destaca a influênsão acontecimentos que marcam a primeira metade cia da referida encíclica papal em uma corrente sindido século XX e que tiveram forte impacto no muncal italiana, que se fundamentava na idéia da colabodo do trabalho e nas formulações das idéias sobre o ração social, rejeitando a violência e a luta de classes. tema, como veremos na seção subseqüente. 4
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Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas filosóficas e instituições legais (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa). Para quem deseja compreender de forma mais aprofundada o quadro socioeconômico e político do início do século XX, certamente é relevante saber que Hobsbawm (1995) faz um importante balanço do século XX. Para uma introdução ao estudo do “século do imperialismo”, recomendamos ver Sader (2001). 4
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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 39 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE DO BEM-ESTAR
Os fatos históricos referidos anteriormente configuraram um cenário de comoção social na primeira metade do século XX, demandando uma retomada do progresso econômico, de produtividade/consumo e um arrefecimento dos conflitos trabalhistas. Importa aqui explorar o que foi construído no cam po gerencial e socioeconômico para a superação de tal situação afetando o mundo do trabalho. O primeiro fato a ser sublinhado e, certamente o mais marcante, são as mudanças no plano econômico, destacando-se aí o keynesianismo que surgiu em oposição às idéias liberais que dominavam o mundo capitalista até aquele momento, as quais nos referimos anteriormente citando as idéias de Adam Smith. Segundo Pinho (1983), Keynes, negociador do pós-guerra inglês, considerava o capitalismo nãoregulado incompatível com a manutenção do pleno emprego e da estabilidade econômica. Suas idéias incentivaram a regulação do mercado pelo Estado e deram nova conotação ao consumo, entendendoo como necessário à prosperidade. O mesmo autor assinala que as obras de Keynes apresentaram um programa de ação governamental para a promoção do pleno emprego e tiveram tamanho impacto que sua atuação, e a de seus seguidores, passaram a ser conhecidas como “revolução keynesiana”. O keynesianismo conduz a análise do mercado de trabalho de um plano microeconômico para um macroeconômico. Compreende que a dinâmica do mercado de trabalho está subordinada a uma série de variáveis macroeconômicas. Rejeita a idéia de pleno emprego como uma situação de equilíbrio espontâneo, derivado exclusivamente do equilíbrio entre oferta e demanda de emprego; em vez disso, defende que a situação de pleno emprego, para ser atingida, demanda a regulação planejada e governamental. Segundo Alexandre e Rizzieri (1983), o equilíbrio macroeconômico, ou o equilíbrio da renda nacional, corresponde à coincidência entre a remuneração dos fatores de produção (salários, juros, lucro e aluguel) e os gastos em bens e serviços de consumo e investimento. A análise macroeconômica estuda e estabelece a relação entre variáveis amplas da economia, como nível de consumo, investimento, gastos do governo, arrecadação de tributos e balanço do comércio exterior. Portanto, compreende a dinâmica do mercado de trabalho inserido na economia nacional como um
todo, de forma que o capitalista determina preço e na mesma proporção determina salário real. Por isso, recomenda a fixação de um marco-jurídico-legal consistente que, impondo limites a assuntos como a extensão da jornada de trabalho, o salário, a instauração de salários indiretos, promove a repartição dos ganhos de produtividade e a estruturação de assistência aos desempregados e acidentados. Leite (1994) resume o assunto, afirmando que o sistema proposto por Keynes estabelece um equilíbrio baseado na proteção social e na distribuição de ganhos de produtividade. Importa-nos explicitar que o modelo keynesiano, ao abordar o trabalho dentro de um conjunto mais amplo de variáveis, traz implícita uma concepção mais complexa do próprio trabalho (em comparação com as abordagens clássicas e neoclássicas). A natureza do trabalho, seus requisitos e os resultados gerados para o indivíduo não variam necessariamente juntos, uma vez que se associam cada um desses as pectos (e todos) a outras variáveis econômicas. Um ponto central na abordagem keynesiana da economia é a noção de ciclo progressista ou virtuoso, no qual o consumo gera demanda de produtos, que gera empregos e estes, por sua vez, mantêm ou aumentam os níveis de consumo. Tal ciclo progressista consiste em fazer girar ou movimentar os recursos econômico-financeiros. Para o ciclo ser mantido, demanda novos aumentos de produtividade do trabalho, o que é buscado no taylorismo-fordismo, o que recupera assim o modo de organização do trabalho da fase anterior dentro de novos marcos socioeconômicos. Seguramente o leitor já deve ter se dado conta que tais idéias são opostas à economia clássica do ponto de vista dos valores subjacentes: (1) partiuse de uma posição que valoriza o trabalho produtivo (segundo o conceito de Adam Smith), colocando em pólos opostos o público e o privado, discriminando o primeiro, e que, exalta a poupança (reforçado pelo protestantismo); (2) passou-se a uma posição que valoriza positivamente a intervenção do Estado e, conseqüentemente, o serviço público e os hábitos de consumo. Em outras palavras, Keynes elucidou a inter-relação entre público e privado, passando a ter em conta sua intercomplementaridade e/ou interdependência. Sua concepção não é, porém, contraditória ao taylorismo nem ao fordismo, enquanto modelos de organização do trabalho. Em relação a este último, o keynesianismo vem, inclu-
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sive, fortalecer suas normas de consumo, a noção de produção em massa e a política de remuneração. É nesse contexto de buscar estabelecer um ciclo progressista na economia e de aceitação da necessidade da regulação estatal que mudaram também aspectos das relações de trabalho. A mobilização e a luta dos trabalhadores organizados conquistaram o reconhecimento do direito de organização e de negociação coletiva. Heloani (1996) demarca essa mudança com alguns fatos: os sindicalistas exercem pressão, alegando direitos de organização e de negociação coletiva; é aprovado o Wagner Act , legislação que confirma o direito de liberdade de organização para os trabalhadores; ocorre a criação do National Labor Relations Board para acompanhar as negociações; desenvolve-se um movimento de ocupação das fábricas a partir de setembro de 1935, culminando com a greve na General Motors Corporation (que, em abril de 1937, aceitou as convenções coletivas como instrumento de negociação salarial). A relação salarial funda-se na busca do pleno emprego, na elevação das remunerações, no emprego por tempo com pleto, estável e de contrato por tempo indeterminado, na importância dos incentivos econômicos e no pacto social baseado nas convenções coletivas de trabalho. Para estudiosos da escola regulacionista (ou institucionalista) francesa, como Lipietz (1991) e Neffa (1990;1995), surge, portanto, um novo modelo de desenvolvimento apoiado no seguinte tripé: (1) organização do trabalho sustentada no taylorismofordismo; (2) regime de acumulação do capital sob a lógica macroeconômica (keynesiana), que requer o estabelecimento de um ciclo progressista da economia e (3) modo de regulação de conflitos com larga institucionalização (legislação social, regras de mercado, orçamento público, etc.). Tal modelo tem nas convenções coletivas de trabalho seu principal instrumento para lidar com os conflitos capital-trabalho. É a esse modelo que se designa comumente de Estado do Bem-Estar ( Welfare State), de Estado-Providência, de compromisso keynesiano ou, ainda, com promisso fordista. Liepitz prefere o último termo, porque toma como pressuposto básico do modelo a conexão entre produção em massa crescente com consumo de massa crescente. Além disso, significa a aceitação de um modelo de vida americano, fundado na busca de felicidade por meio do aumento do consumo de mercadorias por todos. A aplicação deste modelo de desenvolvimento levou a uma fase de acentuado progresso nas dé-
cadas de 1940 e 1950 nos países centrais do capitalismo, de modo que ficou conhecido como a Idade de Ouro do capitalismo (Lipietz, 1991). Nos países subdesenvolvidos, foi tomado como um ideal a ser alcançado. Na organização do trabalho, esse modelo significou a consagração da administração clássica, expressando as cisões desta no tempo e no espaço físico da empresa, ou seja, delimitando espaços es pecíficos para as tarefas de concepção, desenho, programação, controle e execução. As decisões sobre concepção, produção, gestão e comercialização ocorrem em geral em um espaço totalmente separado da fábrica ou da oficina. Cresce em importância o papel atribuído à mecanização e às inovações tecnológicas, que passam a se constituir no princi pal pilar de busca de aumento de produtividade. A novidade nesse paradigma é o estreitamento do vínculo entre consumo e produtividade, o que, na elaboração das concepções do trabalho, representa uma ênfase em significados instrumentais (busca do salário e do consumo, benefícios sociais e seguridade). Mantidas as cisões do taylorismo, o trabalho representa exclusivamente instrumentalidade para aqueles que o executam e possibilidade de expressão da personalidade para os que cuidam da sua concepção e gestão. Para os primeiros, essa instrumentalidade poderia tomar a forma alienante de troca da possibilidade de expressão pelos ganhos instrumentais (elevação dos salários, programas de benefícios sociais). Portanto, mantinham-se as contradições já analisadas pelos teóricos marxistas. Ou seja, o trabalho continuava a ser tratado como uma mercadoria e permaneciam seus atributos de alienação, monotonia e embrutecimento. Dessa forma, são mantidas as críticas sociais e o desinteresse do trabalhador pela tarefa em si. Além disso, a mão-de-obra disponível rareava, o que era causado pelo ideal do pleno em prego ou pelo desfalque produzido pelas guerras, entre outras razões. Essa realidade tornava o gerenciamento do trabalho dentro da empresa mais com plexo. Diante de um trabalhador com mais poder de barganha, a qualidade do desempenho e da dedicação exigia um apelo ideológico mais sutil à importância do trabalho. Da mesma forma, a variação do desempenho entre os indivíduos demandava uma ex plicação mais complexa. É neste contexto que, segundo Anthony (1977), o gerente de pessoal ganha, aos poucos, nova posição de destaque. E, à medida que a sua profissionalização ganha ênfase, diversifi-
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ca-se o que lhe é oferecido em suporte, tal como equi- tornar as comunicações internas da organização mais pe de pessoal, ensino especializado e treinamento. A eficientes? Como funcionam as redes informais de influência das ciências humanas ocorre numa dire- comunicação dentro da organização? Como selecioção em que a continuidade da exortação seria uma nar, tendo em vista um emprego de longo prazo? confissão de falha do processo de integração psico- Como atrair pessoal para a empresa? Quais as conlógica e social. Conseqüentemente, a ideologia geren- dições ideais de trabalho? Qual o efeito das relações cial pode ser caracterizada em vários fios: ambiente interpessoais no desempenho? Qual a medida certa reforçador, suporte técnico para medir, controlar, de incentivo para cada empregado? Questões como monitorar e reforçar o desempenho e continuada fonte essas sublinham as mudanças de demanda que tivede legitimação da autoridade. O leitor há de convir ram implicações tanto na atuação profissional quanque, durante o período do Estado do Bem-Estar, a to na produção de conhecimentos da psicologia (Caatividade e a produção de conhecimento sobre o ato pítulos 15 e 16, neste livro). de gerenciar alcançaram tamanha fertilidade que surEm síntese, o modelo de desenvolvimento do giram diversas abordagens e teorias sobre o assunto Estado do Bem-Estar inaugura uma nova visão de (por exemplo, a burocracia, a teoria estruturalista das progresso associado à idéia de bem-estar social. Ocororganizações, administração por objetivos, entre ou- re um distanciamento da noção clássica do sucesso tras). A administração ganha cada vez mais em como conseqüência do trabalho duro. O trabalho profissionalização e sofisticação. Sobre esse tema há mantém seu papel instrumental para fins econômimais detalhes no capítulo sobre as organizações. cos/salariais, e também para possibilitar qualidade Para Anthony (1977), a concepção gerencia- às relações interpessoais e de bem-estar. Desta forlista do trabalho diferencia-se da capitalista tradici- ma, entre os principais valores da concepção gerenonal no que se refere à base de poder (de controle cialista está a busca do progresso (incluindo a valorido trabalho), que deixa de ser exclusivamente a pro- zação da mecanização) que, por sua vez, viabiliza priedade e busca outras formas de legitimação. E buscar no trabalho satisfação socioeconômica e passa a necessitar da aprovação daqueles sobre interpessoal. Como a noção de progresso keynesiana, quem é exercida a autoridade (o trabalhador) e re- criava um vínculo estreito entre o consumo e o trabaquer o desmantelamento da base de poder anterior- lho, rompendo com as noções ascéticas da concepmente estabelecida. ção capitalista tradicional, o gerencialismo traz uma Anthony argumenta que as primeiras funda- redução na centralidade do trabalho em comparação mentações do gerencialismo encontram-se na abor- com as concepções referidas anteriormente (capitadagem da administração científica com Taylor, posto lismo tradicional e tradição marxista). que havia mudança da base de poder que, aos pouÉ importante que o leitor esteja atento à divercos, se transferia da propriedade para o domínio da sificação do mundo do trabalho. Apesar da influêntécnica e do saber. O gerencialismo tem como eixos cia do modelo de desenvolvimento do Estado do centrais a racionalidade econômica, os valores liga- Bem-Estar, ele não foi aplicado homogeneamente dos ao crescimento econômico, a noção de progres- em todo o mundo, nem em todos os setores econôso econômico, a profissionalização da gestão e a micos, principalmente no que diz respeito ao modo focalização da eficiência e da produtividade em vez de organização do trabalho (taylorismo-fordismo). de “lucro”, palavra banida mesmo na cultura domi- Marglin (1980), discutindo a origem da divisão parnante das sociedades industriais. O gerencialismo, celada do trabalho, destaca que a sua suposta “su pois, cria, ao mesmo tempo, novas demandas para perioridade técnica” não justifica sua adoção. Aras ciências humanas e vem encontrar sua operacio- gumenta que o capitalista só aplicou os princípios nalização nos serviços científicos da Psicologia e tayloristas-fordistas quando foi necessário incapada Administração. citar o operário para desenvolver o trabalho por Nesse contexto, novas questões são postas pe- conta própria. Isso explica, por exemplo, por que las organizações aos psicólogos: Como liderar? Como não foi aplicado na indústria carbonífera ou na consmotivar? Como combater a rotatividade? Como pre- trução civil. parar gerentes? Quais as habilidades gerenciais? Na indústria carbonífera britânica, a exploraComo as organizações podem mudar para adaptar ção por meio de equipes polivalentes mostrou-se melhor seus empregados? Como negociar? Como mais produtiva. Os riscos dos capitalistas eram
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poucos, dado que as jazidas de carvão eram raras, de modo que os mineiros não podiam produzir por conta própria (Marglin, 1980). Na construção civil, um dos setores mais nacionalistas no Brasil, a execução do trabalho mais se assemelha à organização dos ofícios (pedreiros, eletricistas, encanadores, etc.). É, também, justamente um setor em que predomina o recrutamento de pessoal de baixa qualificação, embora nos anos mais recentes tenha iniciado seu investimento em educação dos trabalhadores, existindo em quase todo território nacional um programa de educação fundamental no canteiro de obra. Isso não quer dizer que reivindicações típicas da fase do Estado de Bem-Estar não tenham permeado a vida dos operários da construção civil. As lutas por melhores condições de trabalho estão presentes entre esses trabalhadores. Muitas vezes, questões como o controle dos acidentes de trabalho tenham sido “resolvidas”, como em outros setores da indústria brasileira, apenas pelo acréscimo de adicionais salariais por risco e não pela efetiva prevenção dos acidentes de trabalho. Esse tipo de solução é coerente com uma visão de mundo na qual o consumo está entre seus principais valores. Além deste aspecto, e apesar das tendências econômicas serem impostas pelos países avançados, é necessário considerar que as particularidades históricas de cada país condicionam formas peculiares de desenvolvimento. No Brasil, a absorção do modelo foi intermediada pelo “capitalismo tardio” e pelas desigualdades entre regiões e setores econômicos. A construção do modelo de desenvolvimento em foco pressupõe um parque industrial já desenvolvido, como descrevemos anteriormente. Nos setores nos quais já se observava o avanço da industrialização, também se observava o avanço da organização trabalhista. O Estado brasileiro reagiu, regulamentando as relações trabalhistas, o que certamente ganhou maior expressão com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Tal marco ju6
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rídico na nossa história ocorre em um contexto de governo autoritário (Getúlio Vargas), o que afasta o caráter protecionista da CLT dos princípios keynesianos, como foram concebidos e aplicados em países como os EUA e a Inglaterra. A CLT estabelece benefícios como o salário-mínimo, a carteira profissional, a limitação da jornada de trabalho, as férias, as normas de segurança, etc. Mas, ao mesmo tempo, intervém na organização dos trabalhadores, favorecendo o surgimento do assistencialismo e estabelece o imposto sindical. O processo de industrialização no Brasil e o surgimento e a consolidação de um setor de serviços intensificaram-se, principalmente, numa perspectiva de internacionalização da economia brasileira na década de 1950, período no qual a lógica do “ciclo progressista” do keynesianismo certamente influenciou mais claramente a condução da economia e a regulação das relações de trabalhistas. Com a ditadura militar, após o golpe de 1964, o processo foi abortado, posto que toda a organização popular e de trabalhadores sofreu forte repressão. Sem a resistência dos trabalhadores, o compromisso fordista, além de periférico, perdeu sua bilateralidade. As medidas protecionistas e as políticas de altos salários típicos do Estado do Bem-Estar não passam a predominar no cenário do mundo do trabalho no Brasil, o que, por sua vez, constitui-se em uma das razões da situação de má distribuição de renda existente até hoje no país. Por razões como estas, não é possível afirmar que o Brasil tenha desenvolvido um Estado do BemEstar, vivenciado pela totalidade dos brasileiros, embora este seja um tema controverso. Contudo não se pode negar que determinados princípios tenham sido incorporados por setores avançados da economia (como a indústria automobilística), nas empresas estatais e de economia mista. Mas para maior parte dos brasileiros era como uma espécie de modelo a ser atingido ou simplesmente um mundo totalmente desconhecido. Mesmo assim, o padrão salarial e de benefícios dos setores avançados servia de critério para 8
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Sobre o assunto, sugerimos a leitura de Bicalho-Sousa (1983 e 1994), Borges e Tamayo (2001), Borges (1996), Borges, Ros-García e Tamayo (2001). Para uma discussão do conceito de “capitalismo tardio”, uma referência é o texto de Mandel (1985). Mello (1986) trata da questão com relação ao Brasil. Para uma análise do contexto histórico no qual a CLT foi promulgada, ver, dentre outros, Fausto (1991) e Skidmore (1996). Para uma discussão desta questão, ver, entre outros, Draibe (1993). 6
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a economia como um todo. Lembremos que a maior parte da legislação trabalhista brasileira de caráter protecionista foi elaborada a partir da década de 1930, tendo na Consolidação das Leis Trabalhistas o seu principal marco jurídico. E continuou desenvolvendo-se ao longo dos anos. A falta de um efetivo Estado do Bem-Estar no Brasil e o prolongamento da ditadura militar fizeram que algumas conquistas de melhores condições de trabalho ocorressem tardiamente, entre o final da década de 1970 até meados da década de 1980, a partir do processo de abertura democrática do país. Ressurgiu então o sindicalismo organizado no país com forte poder de mobilização (ver Destaque a seguir sobre o novo sindicalismo). Obviamente, o aumento da visibilidade ocorria em setores mais avançados da economia e no setor público. Os trabalhadores de muitas categorias ampliaram suas conquistas e direitos nesta fase. Assim, usando novamente a construção civil como exemplo, são desta fase conquistas no campo alimentar, saindo do “queima-lata” para a cantina e/ou restaurantes (mesmo em forma de improvisação típica do canteiro de obra) mantidos pela empresa e, em outros casos, o fornecimento do bônus alimentar. É óbvio que as condições continuaram precárias, existindo uma série de queixas neste sentido até os dias atuais que são inclusive objeto das negociações coletivas. Outros setores da economia brasileira, como o setor informal, já amplo nesse período, visto que nunca vivemos uma situação de pleno emprego, e o setor agrícola estiveram muito distantes desse modelo, o que continua desafiar o pesquisador brasileiro em buscar uma compreensão mais clara das idéias que permeavam tal realidade. Além da falta de homogeneidade da própria aplicação do modelo, é importante também que tenhamos claro que este não foi aceito de forma unânime pela sociedade. A instrumentalidade do trabalho sob o gerencialismo (troca de trabalho empobrecido no conteúdo por recompensas salariais/ financeiras, assistenciais e interpessoais, busca de equilíbrio realista e possível, com uma organização do trabalho baseada na mecanização, na divisão parcelada do trabalho e na estrita supervisão, ao mesmo tempo em que acenava para satisfação do consumo) implicava, no nível do individual, vivências conflituosas recheadas de sofrimento. Talvez, para a grande maioria, aquela troca era persuasiva o suficiente para fazer calar os desejos, mas não para eliminá-los. Essa
vivência “repressiva” certamente não ocorria passivamente e na mesma intensidade para a totalidade da população. As contestações, que não foram ausentes, desde os movimentos trabalhistas até no cam po ambiental, ganharam grande repercussão nos movimentos políticos e contraculturais dos anos 1960, principalmente nos países centrais do capitalismo. Tinham tanto a marca da radical contestação e o desafio direto ao sistema, como da contestação do consumo como símbolo de felicidade e, ao mesmo tempo, traziam a esperança por um mundo novo e mais humano. A juventude protestava contra as atrocidades da Guerra do Vietnã, rebelava-se por meio do movimento hippie contra a própria racionalidade da sociedade de consumo, e simultaneamente, acenava paz e amor . Compreendamos que contestar a importância do consumo é contestar um valor central do modelo de desenvolvimento capitalista. Se o trabalho era importante como instrumental para garantir o consumo, então, sua concepção também estava sendo contestada. No Brasil, sob um regime ditatorial pós-1964, que proibiu parte dos movimentos populares, também continuava a florescer a crítica, mesmo que mais sufocada e mais sutil. No campo político, multiplicavam-se os partidos e as organizações clandestinas. Parte da Igreja Católica alimentava movimentos que cultivavam o que podemos designar como uma espiritualidade engajada social e politicamente, os quais eram simultaneamente estimuladores da crítica e da fé na transformação do mundo. No âmbito das artes, as demonstrações são inúmeras, mas podem ser bem-ilustradas pela composição musical de Chico Buarque, quando falava, por exemplo, em “grito contido ”. Em outra música, Construção, o mesmo com positor fala do operário da construção civil, fazendo poesia do seu sofrimento, que aparece diretamente na forma de despersonalização (desumanização), vida sem significado, totalmente desvalorizado e desprotegido. Veja a seguir um trecho da composição: Subiu a construção como se fosse máquina/ ergueu no patamar quatro paredes sólidas/ tijolo com tijolo num desenho mágico/ seus olhos embotados de semente e lágrima,/ sentou para descansar como se fosse sábado/ comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe/ bebeu e soluçou como se fosse um náufrago,/ dançou como se ouvisse música,/ e tropeçou no céu como se fosse um bêbado/ e flutuou no ar como fosse um pássaro/ e se acabou no chão feito um paco-
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O novo sindicalismo
A reorganização do movimento operário, resultado de anos de luta, vem a ser conhecido como o “novo sindicalismo”, vindo à tona no ano de 1977. O tema do “novo sindicalismo” começa a ser estudada por Maria Hermínia Tavares de Almeida, em publicação de 1975, na qual a autora identificava um grupo dirigente de um “setor moderno” dos trabalhadores – os metalúrgicos, particularmente de São Bernardo do Campo (SP) – como “o embrião de uma nova corrente do movimento sindical brasileiro” (Almeida, 1975, p. 71). A emergência desses novos protagonistas enquanto um dos pontos-chave do “novo sindicalismo” é reiterada pela autora (1983, 1988), e destacada por Moisés (1982). Keck (1988, p. 393) assim resume as características distintivas do “novo sindicalismo”: uma ênfase na organização de base, com conseqüente aproximação liderança-base; reivindicações no sentido de uma radical revisão da legislação sindical, particularmente no tocante à autonomia com relação ao Estado, além de uma disposição para a militância. O momento emblemático do ressurgimento do movimento sindical são as greves anuais dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Santo André e Diadema (ABCD paulista), a partir de 1978. Na greve de 1978, trabalhadores de 24 empresas do ABCD (77.950 operários) cruzam os braços diante das máquinas paradas. Diante de um prejuízo considerável que se avolumava, as entidades patronais cedem, estabelecendo reajustes salariais escalonados. Este enfrentamento – seguido de vitória – da política salarial do Estado faz com que se sucedam outras greves: em um período de nove semanas, 245.935 trabalhadores fazem greve em nove cidades paulistas, atingindo virtualmente todas as categorias de trabalhadores (durante o ano de 1978, 24 greves de catorze diferentes setores envolveram um total de 539.037 trabalhadores). Com a decretação da greve no ano de 1979, o governo intervém nos sindicatos, afastando seus dirigentes. Com o apoio da Igreja, os trabalhadores logram manter o movimento durante 45 dias, findando por conseguir um acordo salarial. E da mesma forma que no ano anterior, a onda de greves alastra-se por todo o Brasil: 113 greves de 26 setores mobilizam um total de 3.207.994 grevistas, envolvendo 14 estados da federação e mais o Distrito Federal. Destaque-se que a repressão acompanha tal crescimento, atingindo seletivamente determinadas categorias, como os bancários e professores, assim como os metalúrgicos de São Paulo. Em 1980, a greve dos metalúrgicos do ABCD transforma-se em questão de segurança nacional. São Paulo é colocada sob o comando do II Exército, denunciando os estreitos limites da abertura controlada do governo Figueiredo. É montada uma operação de guerra e, desta feita, os líderes sindicais são presos e mantidos incomunicáveis. Com o explícito apoio da Igreja Católica, articulam-se setores da oposição que viabilizam a manutenção da greve, evidenciando um notável avanço organizativo dos trabalhadores (Alves, 1989). Ao fazer um balanço dessas greves, Almeida (1983) destaca quatro aspectos: a abertura para negociações coletivas em um sistema de relações trabalhistas que era hostil; a perda do poder coercivo da legislação pertinente ao controle autoritário dos trabalhadores; a inclusão da questão social na agenda da transição e a revitalização dos sindicatos. Para além da reestruturação do movimento sindical, a emergência do “novo sindicalismo” está na base do surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), considerado “fato novo” no cenário político daquele momento da história brasileira. O debate acerca de aspectos do “novo sindicalismo” pode ser encontrado ainda em Werneck Viana (1980), Antunes (1988) e Rodrigues (1990). Dentre os textos que analisam as condições da emergência do Partido dos Trabalhadores, indicamos Keck (1991).
te flácido/ agonizou no meio do passeio público/ morreu na contramão atrapalhando o tráfego/(...)
Como dissemos, as críticas partiam de diversificadas fontes, inclusive das ciências humanas. Já citamos algumas das questões que foram dirigidas à Psicologia pelas organizações da época. À medida que a Psicologia, a exemplo de outras ciências (Administração, Sociologia, etc.) construíam suas respostas, também expunham tanto os prejuízos dos indivíduos submetidos àquela organização do trabalho quanto os da sociedade como um todo, terminando por alimentar as críticas formuladas a partir de outras fontes (opinião pública, artistas, etc.). No que se refere à Psicologia, o lei-
tor poderá constatar – à proporção que o presente livro avançar para a abordagem das teorias da aprendizagem, das motivações, da satisfação, das cognições, da liderança no trabalho – que os modelos, explicações e relações encontrados entre construtos contradizem a adequação dos princípios do taylorismo-fordismo na promoção e/ou manutenção do bem-estar humano ou na valorização daquelas características genuinamente humanas. No entanto a apropriação efetiva dos saberes produzidos pelas ciências para fundamentar as críticas à organização do trabalho taylorista-fordista só conseguiu maior porte, arrojo e repercussão no período em que a crise do modelo de desenvolvimento do Estado do Bem-Estar tornou-se mais
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aberta, clara e manifesta, como veremos na seção Capital e capitalismo subseqüente. Vivíamos, então, simultaneamente, o momento István Mészáros (2002) defende uma instigante tese de glória do modelo de desenvolvimento do Estado (antes já anunciada, sem a sofisticação teórica do escritor húngaro, por Kurz, 1992) de que capital e capitalismo do Bem-Estar e da fertilidade dos movimentos contessão fenômenos distintos, representando ambas as crises tatórios. Tratava-se de um confronto social de visões do final do século – do “socialismo real” e do Estado do parcialmente antagônicas que revelavam a pluraliBem-Estar –, facetas da mesma crise do capital. Ambas dade e vivacidade de nossa sociedade. Parcialmente, seriam resultado da incapacidade de superação do siste porque estávamos vivendo a mesma contemporaneima de sociometabolismo do capital. Muito já se escreveu dade histórica, compartilhando alguns valores e idéias sobre o colapso do mundo socialista; indicamos, entre como, por exemplo, a credibilidade no progresso, no outros, as coletâneas de Blackburn (1992) e Sader (1995). Para uma introdução às discussões da chamada avanço tecnológico e na construção de um mundo “crise do marxismo”, recomendamos Baudouin (1991) melhor. e Netto (1993). Sugerimos, também, a leitura da interesCom esses recortes, lembramos que o apogeu sante discussão de Rufin (1991) sobre uma nova divisão do gerencialismo e o início de seu esgotamento ocormundial em blocos (o “Império” e os “novos bárbaros”). reu em um ambiente sociocultural prenhe de euforia com o progresso que se intensificava, pela fertilidade e vivacidade das contestações fundadas nas insatisfações concretamente vividas e pela credibilidade se da reprodução do capital, o fundo público se consna rápida construção de um mundo melhor. Deixamos, então, assinalado que, no calor deste tituiria no “antivalor” e na “antimercadoria”. Tenvivo e rico debate na sociedade, começam a ser gera- dencialmente, a exigência desse pressuposto levaria dos os conhecimentos técnicos/científicos que vinham à implosão do sistema produtor de valor, designada contradizer o paradigma fordista/keynesiano e surgir por “crise fiscal do estado” (Afonso e Souza, 1977). Além dessa explicação econômica para a crias condições conjunturais e das estruturas sociorgase, muitas outras são apresentadas na literatura. Pronizacionais que consumavam seu esgotamento. vavelmente são complementares ou faces diferentes do mesmo fenômeno. Um modelo complexo, DO ESGOTAMENTO DO MODELO amparado em vários pilares, construído historicaTAYLORISTA-FORDISTA ÀS NOVAS mente e que gerou bons resultados por um período CONCEPÇÕES DO TRABALHO considerável, no sentido de que impulsionou o deO quarto final do século XX é marcado por senvolvimento mundial a níveis notadamente elevaum imenso conjunto de transformações históricas dos, também apresenta um processo de esgotamenque abalam os contendores da “Guerra Fria”. De to complexo e/ou associado a muitas causas. Assim, uma parte está o colapso do “socialismo real”, pon- as demais explicações podem ser resumidas em: do fim àquela divisão planetária em dois blocos • O déficit comercial nos Estados Unidos e na antagônicos (ver Destaque sobre capital e capitaEuropa a partir de 1961, que terminou por lismo); de outra, a falência do padrão de desenvolacentuar a pressão do capital sobre os salárivimento capitalista tratado na seção anterior, o Esos (Heloani, 1996), somado aos efeitos da tado do Bem-Estar. Guerra do Vietnã sobre o dólar e à instabiliO vetor primordial para o definhamento do Esdade financeira americana resultou no colaptado do Bem-Estar deve ser buscado no interior do so do sistema de Bretton Woods e no declínio próprio modelo. Oliveira (1988, 1998) localiza-o da hegemonia americana (Mattoso, 1995). exatamente na regulação estatal da economia, pela • O estilo de gerenciamento do trabalho criação do fundo público, o cerne da crise. Com o associado ao modo de organização taylofinanciamento do capital e da reprodução da força rista-fordista conduziu as empresas a um de trabalho, seria introduzido um pressuposto da acugigantismo tal que estas perderam a fleximulação que é externo à equação da reprodução cabilidade necessária para acompanhar as pitalista, que não se valoriza. Pressuposto, mas antítetendências de mercado, assim como tor-
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nou a administração extremamente com plexa e cara (Rebitzer, 1993). • As perdas em produtividade em decorrência da resistência organizada dos trabalhadores e pela fuga espontânea dos empregados insatisfeitos com a monotonia no trabalho, com as acelerações do ritmo de trabalho e/ou o não-atendimento de suas ex pectativas de recompensas socioeconômicas. Tal fuga manifestava-se de várias maneiras, como o absenteísmo, a rotatividade e o aumento dos refugos. Manifestava-se ainda na recusa juvenil ao trabalho industrial, em decorrência dos requisitos e características de seus postos incompatíveis com a educação que tiveram acesso (Antunes, 1995, 1999; Braverman, 1974; Heloani, 1996; Lipietz, 1991; Leite, 1994). • A queda dos ganhos em produtividade em decorrência da expansão das lutas sindicais (final da década de 1960), e do limite da capacidade do modo de organização do trabalho combater ps tempos mortos (Lipietz, 1991; Mattoso, 1995). • O crescente processo de internacionalização da economia, reduzindo simultaneamente a hegemonia norte-americana e a eficácia das economias dos estados nacionais (Mattoso, 1995). Segundo Mattoso (1995), o conjunto de causas estruturais associadas à crise manifesta-se na forma de ruptura com o compromisso keynesiano, esgotando por sua vez o modelo taylorista-fordista de organização do trabalho. Ou seja, este último atingiu o limite máximo de gerar crescimento, combatendo tempos mortos pela aplicação dos seus princípios básicos e pela mecanização. Lipietz (1991), por sua vez, sintetiza a crise afirmando que há, simultaneamente, uma crise interna do fordismo quanto à oferta e uma crise internacional quanto à demanda. Adicionalmente, chama à reflexão o fato de que a crise do modelo, apesar de instalar-se a partir da metade dos anos 1960, como a maioria dos autores atualmente se referem, a atenção dada ao fenômeno, enquanto fato de origens estruturais, amplia-se somente mais adiante. Corroborando essa observação, Anderson (1995) afirma que o resultado do fracasso do Estado do Bem-Estar torna-se patente na segunda metade da década de
1970: o mundo capitalista entra em profunda recessão, combinando baixas taxas de crescimento e altos índices de inflação. Para Lipietz (1991) e Ramos (1992), o choque do petróleo, no início da década de 1970, dissimulou a real natureza e a abrangência da crise econômica. E foi nesse lapso de tempo, entre o crescimento da atenção à crise e a construção das reações, que as críticas humanísticas ao modelo de desenvolvimento do Estado do Bem-Estar se acentuaram, abrindo uma nova discussão sobre a concepção do próprio trabalho e de seu papel enquanto categoria social estruturante da vida das pessoas e da própria sociedade. São desta fase publicações de impacto importante (por exemplo: Braverman, 1974; Gorz e colaboradores, 1980; Gorz, 1982; Tragtenberg, 1980). Tal literatura, que tem como um de seus fundamentos o pensamento marxista sobre o trabalho, mostra que o seu tratamento como uma mercadoria (atraente pelos resultados – salários e benefícios – e esvaziado no conteúdo) e as demais características elucidadas por Marx (alienante, embrutecedor, monótono, repetitivo) se aprofundam fortemente. Tragtenberg (1980) tece forte crítica à atuação dos psicólogos vinculados ao chamado movimento das relações humanas, porque, segundo ele, tal movimento tende a reduzir os problemas de convívio dos indivíduos com o trabalho às suas manifestações nas relações interpessoais, desprezando o fato de que estas são construídas no contexto socioeconômico naquele caso, sob o compromisso fordista. Pignon e Querzola (1978), Gorz (1980) e Robbins (1978), entre outros autores, resgatam contribuições da Psicologia, entre as quais as de autoria de Argyles, Likert, McGregor e Herzberg. Essas contribuições elucidam a importância de espaços de autonomia, reconhecimento e criatividade para a produtividade do trabalhador, o desperdício das potencialidades humanas sob o capitalismo, a importância das noções de enlarguecimento e enriquecimento do cargo, o im pacto dos estilos de liderança no relacionamento interpessoal e no desempenho grupal, abrindo brechas nas relações de poder em suas bases de concentração do saber e para a reapropriação, por parte do trabalhador, do seu saber fazer. O leitor poderá ver mais aprofundadamente esses temas nos demais ca pítulos deste livro (especialmente nos capítulos da Parte II). No campo de saúde mental e trabalho, destaca-se a repercussão de estudos como os de Jahoda (1987), sobre os efeitos do desemprego sobre o bem-
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estar psíquico, e os estudos de Kohn e Schooler humano, ou seja, produz a condição humana. A ação (1983), que, por meio de design longitudinal, de- não se concretiza necessariamente em um produto monstram que a complexidade dos postos de traba- concreto, mas abrange a palavra e a ação política e lho afetam características de personalidade, como a cidadã. Mas, nesses termos, Arendt reduz o trabalho flexibilidade intelectual e a autodireção, mais do que ao emprego sob o regime capitalista, como difereno contrário. ciamos no início do capítulo. O que ela de fato traz Gorz (1982), em seu livro, Adeus ao proletaria- de divergente é a subtração da crença da hominização do, abre uma discussão ampla sobre o trabalho, en- por meio do trabalho. dossando, de um lado, as críticas que baseadas no O aprofundamento desse processo do esgotamarxismo. Para Gorz, o trabalho, tomado como mer- mento do modelo de desenvolvimento segue articucadoria sob o compromisso fordista, valoriza-se como lando as causas da crise, já referidas, às reações para valor de troca e não pelo seu próprio conteúdo, per- sua superação, criando um inter-relacionamento dendo a capacidade de se constituir numa categoria dialético entre causas e conseqüências, o que torna o estruturante da identidade dos indivíduos e da socie- esgotamento do modelo do Estado de Bem-Estar e dade. De outro lado, anuncia o fim da utopia do tra- sua superação um processo único. As reações não balho e desenvolve críticas à organização trabalhista são ainda suficientemente claras para configurar ouem decorrência do seu caráter corporativista. Desta- tro modelo de desenvolvimento, embora se designe cava a necessidade de as entidades sindicais preocu- o conjunto de reações e/ou transformações de Ter parem-se em desenvolver ações que levassem em ceira Revolução Industrial. Tais reações ocorrem em conta o bem-estar da sociedade como um todo, e não meio às discussões conceituais e filosóficas a que das categorias específicas que representam, a fim de nos referimos nos parágrafos anteriores e muitas vesuperar à submissão ao compromisso fordista. zes envolvem parte das críticas e do conhecimento Importa-nos destacar que parte dessas idéias já sobre o comportamento, atitudes e cognições humaestavam presentes em uma obra, A Condição huma- nas em permanente construção. Sobre esse processo na, de Arendt (1958/1993), que ganha repercussão em curso, não se deixou de refletir e publicar desde a neste período, quando surgem boa parte das tradu- década de 1980 até os dias atuais, de forma que a ções disponíveis. Entre as importantes discussões le- literatura disponível é muito vasta, alimentando uma vantadas pela autora está a diferenciação que desen- diversidade de formas de compreensão sobre o tema. volve sobre labor, trabalho e ação. O primeiro conLipietz (1991) tenta organizar a exposição sosiste em todas as atividades rotineiras e cíclicas que bre tal processo, dividindo-o em três etapas econôrealizamos simplesmente para a manutenção da vida: micas. A primeira, de 1973 a 1979, quando predocuidar da casa, organizar objetos pessoais, colher fru- minam as tentativas de superar a crise recorrendo a tos para o consumo pessoal, buscar alimentos para velhas receitas de apoio à demanda interna dos consumo imediato, etc. Ou seja, o labor está relacio- países, principalmente por meio da emissão de dinado diretamente à sobrevivência pessoal ou de um nheiro, acelerando a inflação e mantendo em cresgrupo de convivência imediata, às atividades que se cimento os conflitos sociais. A segunda fase, moneautoconsomem ao se realizarem e à dependência tarista, ocorre a partir de 1979 e abre a era do libeao reino das necessidades. Enquanto isso, o trabalho ral-produtivismo. Essa fase estancou em 1982, implica a produção de valor de uso, portanto, algo depois de três anos de recessão e muitas falências. de maior durabilidade, por exemplo: modificar uma A terceira fase caracteriza-se pela construção de pedra para continuar utilizando-a como um instru- uma terceira via, na qual o Federal Reserve Bank mento, pintar um quadro e usá-lo para enfeitar nossa abriu parcialmente o crédito e o déficit do orça própria casa, etc. Implica também a transformação mento federal, aquecendo a demanda interna. Nos deste valor de uso em valor de troca. É, por fim, a Estados Unidos e em outros países que seguiram ação que significa tomar iniciativa, pôr em movimen- o modelo norte-americano, multiplicam-se os emto o mundo e, portanto, o que nos insere no mundo pregos subpagos, dependentes da “domesticidade 10
Atividades com um fim em si mesmas.
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social” (por exemplo, entregadores de comida, exemplo, nos Círculos de Controle de Qualidade, guardas de estacionamento, etc.). Nos novos paí- na Gestão Participativa, nos Programa de Qualidases industrializados, edifica-se um setor exporta- de Total e na penetração do toyotismo. Todos eles dor, garantindo superávit e aproveitamento do cres- supõem ou suscitam um maior envolvimento do tracimento do mercado americano. balhador no processo decisório e o gosto do trabaSão nesses cenários econômicos que se confi- lhador pelo que faz. Por conseqüência, adotam como guram profundas transformações no mundo do tra- necessidade para o desempenho organizacional o balho. Tais transformações manifestam-se nas con- bem-estar dos indivíduos, as funções/capacidades dições materiais e na estruturação social das orga- complexas dos indivíduos (raciocínio abstrato, vanizações, como também em aspectos da conjuntura lores, identificação com a empresa, capacidade de socioeconômica que se associam ao dinamismo do guiar-se por objetivos, de resolver problemas, criar, mercado de trabalho. Todas as manifestações são levantar alternativas, discordar, etc.), bem como tem interdependentes, de forma que se sustentam umas exigido maior competência interpessoal para connas outras, o que dificulta uma abordagem. Porém, vívio em grupo e para negociar. É importante o leina tentativa de sermos didáticos, trataremos primeiro tor perceber aqui a diferença atribuída ao bem-esdo que tem ocorrido por dentro das organizações. tar do trabalhador. Sob o modelo anterior, o bemAssim, a adoção de novas tecnologias na pro- estar era um resultado externo ao trabalho, uma comdução – informática e automação –, a revolução nos pensação pelo trabalho duro. Sob os novos estilos meios de comunicação e o surgimento de novos gerenciais, o bem-estar torna-se um insumo necesestilos de gestão estão entre as mudanças de maior sário à realização das tarefas. Da mesma forma, muimpacto. Leite (1994) assinala que as resistências da a atribuição de importância às cognições do trados trabalhadores à cadência da máquina e às tare- balhador. Antes, “o pensar” operário deveria ser fas sem significado gradualmente evidenciou que a eliminado, pois perturbava a produção. Nos novos tentativa do capital de eliminar a iniciativa e deci- estilos gerenciais, as organizações necessitam das são operária era um objetivo inalcançável. Além habilidades cognitivas dos trabalhadores. disso, a expropriação do saber operário nunca ocorMas não surgem apenas alterações nos estilos reria por completo e o capital continuaria a depen- gerenciais. Aliás, eles são implantados de forma mais der dele para resolver os problemas não-previstos efetiva na mesma proporção em que mudava base no processo produtivo. Por essas razões, muitas tecnológica do trabalho. Leite (1994) afirma que a empresas começam a optar por táticas para lidar principal resposta aos limites do taylorismo-fordista com o trabalhador, que consistem em redução dos surge com a substituição da eletromecânica pela controles e abertura de espaços de participação. Co- microeletrônica. Sua primeira vantagem técnica, semeçaram por experiências como as aplicações di- gundo a autora, refere-se à flexibilidade que introretas do enriquecimento dos cargos e do Plano duz no processo produtivo. A redução dos mercaScalon (ver Destaque a seguir), como já assinala- dos, sua diferenciação e o acirramento da concorrênmos, e seguiram pela adoção de propostas mais ela- cia empresarial tornava obsoleta a automação da boradas que incorporavam os princípios presentes eletromecânica pela sua rigidez, no sentido de que nestes e em outros modelos, proposições e teorias não comporta modificações no tipo e na seqüência oriundas da ciências humanas, principalmente da das operações. A segunda vantagem consiste em ge psicologia. Antunes (1995) e Mattoso (1995) assi- rar uma redução do tempo de produção, possibilinalam a emergência de processos de trabalho mar- tando novas formas de combate aos tempos mortos cados pela flexibilização da produção, pela especia- de trabalho, por exemplo, por meio da maior intelização e por novos padrões de busca de produtivi- gração entre as operações e a circulação de materiais dade. Essas transformações expressam-se, por e mesmo entre as diferentes fases da operação. Além 11
Uma das outras respostas está no desmantelamento sistemático do sistema de proteção social do Estado do Bem-Estar, no conjunto de medidas que se convencionou denominar de “neoliberalismo”. Há uma vastíssima literatura a respeito; a título de indicação, recomendamos as coletâneas de Sader e Gentili (1995, 2000). Para um tratamento extensivo do impacto no plano das políticas sociais para a América Latina, recomendamos Soares (2001). 11
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disso, os sistemas de computação/informática permitem: facilitar e aperfeiçoar a elaboração de modelos, eliminando enormemente a necessidade de desenhos, mapas e plantas manuais; simular o movimento das peças e facilitar uma visão de conjunto. Salienta, então, que a introdução da microeletrônica funda-se no mesmo princípio de eliminação de tem pos mortos do taylorismo-fordismo, assentando-se não na intensificação do trabalho, mas na racionalização dos tempos da máquina. A conseqüência é que o trabalho vai se tornando uma tarefa de controle e supervisão das máquinas. O impacto das novas tecnologias ainda continua muito polêmico. Mas Leite (1994), como os chamados economistas segmentalistas, aponta que há vivências diferentes por parte dos trabalhadores. Para uns, significa a promessa de um futuro res plandecente, com a eliminação dos trabalhos pesados, repetitivos e monótonos e o acesso a um trabalho mais leve, intelectualizado, de tempo reduzido e que permite o acesso ao lazer. Para outros, signi-
fica mais degradação, desqualificação e extinção de postos. Por conseqüência, na proporção que as novas tecnologias permitem ganhos de produtividade, permitem também a economia de custos com pessoal diretamente da redução de quadros ou das horas de trabalho que precisa contratar. A aplicação de políticas poupadoras de mãode-obra não decorre só da adoção de novas tecnologias, mas dos modos de gestão, que supõem mais participação, permitem, pela descentralização administrativa, eliminar níveis hierárquicos intermediários na estrutura da organização, com isto extinguindo postos de serviço. Além disso, o combate mais direto ao gigantismo organizacional, que diminuía a flexibilidade para o acompanhamento das tendências de mercado, conduz muitas organizações a rever suas estratégias e concentrar as ações em suas atividadesfins, eliminando e/ou terceirizando setores e/ou atividades. O desenvolvimento dos meios de comunicação, especialmente a internet, permite em vários setores a contratação de serviços (por terceiros ou
Plano Scalon e enriquecimento do cargo
O chamado Plano Scalon foi criado por Joseph Scalon como uma estratégia de colaboração, cuja aplicação alcançou bons resultados econômicos e humanos em várias indústrias. Fundava-se na articulação de dois aspectos. O primeiro deles se refere à construção da participação nas vantagens econômicas provenientes dos aperfeiçoamentos do desempenho organizacional. Diferencia-se da participação convencional nos lucros porque se assenta na participação da redução de custos. Permite ao empregado ligar os bônus aos resultados de mudanças e inovações estimuladas pelos seus esforços, estabelecendo clara conexão entre comportamento e progresso organizacional. O segundo aspecto é associar tais incentivos à criação de oportunidades ao empregado de contribuir, através de sua inteligência e criatividade, quanto pelo esforço físico, para o progresso organizacional. Esse segundo aspecto é posto em prática por uma série de comitês representativos de todos os grupos e funções da organização, os quais recebem, discutem e avaliam sugestões. O clima organizacional associado à implementação do Plano Scalon nem sempre é tranqüilo. É comum desacordos, discussões calorosas e brigas. O que é um distintivo é que esses fenômenos giram em torno de problemas relativos à melhoria do desempenho. Há, portanto, uma tendência a ampliar o compromisso com os objetivos organizacionais (McGregor, 1980). A aplicação do Plano Scalon foi alvo também de muitas críticas. Pignon e Querzola (1980) compreendem que dissimula a luta de classe e o antagonismo de interesses entre patrões e empregados. Reconhecem no entanto, que mantém a hierarquia na organização, subtraindo as relações de poder despóticas. O enriquecimento do cargo foi concebido por Frederick Herzberg como uma função da direção da empresa que consiste no redesenho dos cargos a fim de recompor as tarefas antes decompostas pelo parcelamento científico. Implica o enriquecimento dos conteúdos do trabalho, recuperando o interesse do trabalhador por suas atribuições. Implica também o crescimento do espaço de autonomia, reconhecimento e realização dos trabalhadores (Herzberg, Mausmer e Snyberman, 1959). O referido autor desenvolve sua proposta fundando-se na teoria motivacional dos dois fatores tratada no Capítulo 4 deste livro. É preciso, adicionalmente, o leitor recordar que enriquecimento de cargo diferencia-se de enlarguecimento do cargo. Este último processo consiste na ampliação da variedade de tarefas pelo acréscimo de atribuições do mesmo nível de complexidade ao cargo. Costuma-se, por isso, dizer-se que o enlarguecimento do cargo ocorre no plano horizontal de autoridade da organização e o enriquecimento, no plano vertical. No entanto, em um programa de enriquecimento do cargo, o enlarguecimento do mesmo pode ser uma etapa inicial do processo de mudança.
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diretamente) a distância. Multiplicam-se os contratos temporários. A conseqüência última dessa variedade de caminhos para reduzir custos com pessoal e simplificar a administração é o seu paradoxo: uma maior complexidade das relações dentro das organizações, criando a convivência com vários tipos de vínculos empregatícios. Aliás, sendo mais exatos, não se trata de variação e tipo de vínculos empregatícios, mas tão-somente de vínculos. A redução de custos implícita na terceirização não supõe apenas a redução de quadros, mas também passar do contrato de trabalho para o contrato comercial (Ramos, 1992). Isso implica não assumir custos com encargos sociais e também na radicalização no tratamento do trabalho como mercadoria. Sob o contrato comercial, equipara-se a comercialização do trabalho a de qualquer outra mercadoria. A aplicação de tais po1íticas, como outros as pectos das mudanças em curso, tem sido objeto de polêmicas. Será que representam realmente a redução de custo desejada? Quais os efeitos de tais políticas naqueles empregados que ficam? Vivem sob a égide do medo da demissão? Isso afeta suas motivações, seu envolvimento? Essas são algumas questões que o momento atual tem posto às ciências humanas. Todos os aspectos aqui levantados sobre as mudanças no interior das organizações parecem pôr o indivíduo diante de um novo paradoxo: sente-se seduzido pelas tarefas e pelo próprio prazer em realizá-las e impotente para resolver seus problemas de condições de trabalho pela insegurança no emprego. Apesar da incipiente compreensão do impacto das novas tecnologias, é patente que, após as mudanças tecnológicas, as mudanças nas estruturas organizacionais e de gestão são muito mais acentuadas. Enquadra-se aqui o exemplo da reengenharia. Foi concebida quando criticar ou propor algo que contradizia o modelo fordista/taylorista já não causava um grande impacto. Essa forma de reestruturação do trabalho, segundo Hammer e Champy (1994), consiste em abandonar velhos sistemas e começar tudo de novo. Ou seja, a reengenharia é radical e supõe uma ruptura com o modelo antigo. Isso é diametralmente oposto à proposta dos Programas de Qualidade Total que, mais assentada na gestão participativa, supõe um processo de mudança construído gradualmente, de forma negociada com todas as partes da organização (acionistas, empregados, dirigentes, fornecedores e clientes).
Entretanto o que parece mais inovador na pro posta de reengenharia é o conceito de processo. Isso se tornou, inclusive, reconhecido pelos próprios autores no capítulo acrescentado à quarta edição do livro Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Para eles, processos são “um
conjunto de atividades com uma ou mais espécies de entrada e que cria uma saída de valor para o cliente (Hammer e Champy, 1994, p. 24)”. Junto com esse conceito, surgem, então, o estruturador de negócios, o trabalhador de caso e/ou equipe de caso, pois a proposta supõe um único trabalhador ou uma pequena equipe integrada dando conta do processo como um todo e, conseqüentemente, realizando o atendimento completo do cliente. A reengenharia articula também o desenvolvimento tecnológico à desconcentração produtiva, à recusa da produção em massa baseada na noção das diferenciações dos clientes e/ ou inexistência do cliente médio. A reengenharia tem sido acompanhada na prática pela aplicação de políticas poupadoras de mão-de-obra bastante radicais. Compete destacar que dentre as diversas formas de gestão, a de maior impacto é o toyotismo. Nele, observa-se uma horizontalização, mas também supõe-se a intensificação da exploração do trabalho. Esse modelo supõe, ainda, a eliminação cada vez mais intensa do número de postos de serviço, o que implica acelerada redução do número de em pregos no núcleo moderno e formal da economia. Mattoso (1995) designa essas transformações da Terceira Revolução Industrial e a convivência de vários processos de multiprocessualidade. Apesar das polêmicas existentes, é certo dizer que a descrição do trabalho como monótono, embrutecido, repetitivo, manual, pesado, etc., não dá mais conta da realidade após essas transformações, ao menos no processo de trabalho no núcleo moderno da economia. Valores como criatividade, autonomia, independência, iniciativa, reconhecimento, saúde, desafio, etc., deixam de ser alvos distantes para serem requisitos concretos do trabalho. Todas as novas formas de gestão compartilham não só novos arranjos de valores, mas têm em comum a transformação a partir do trabalho anteriormente taylorizado. Entretanto o outro lado da moeda dessas transformações na organização e gestão do trabalho é a ampliação à exploração (aumento da mais-valia), à medida que renova as formas de aumento da pro-
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dutividade. Em decorrência das expectativas das ver com as tarefas e se comprometer com os objetiorganizações pelo aumento da produtividade, cres- vos organizacionais, quando não se tem garantia da ce a pressão que as mesmas exercem sobre o traba- permanência na organização? Que conseqüências psílhador, sofisticando a cobrança de produção. quicas têm as pressões por produtividade? Há comHá autores para os quais as mudanças citadas patibilidades entre o que se exige do trabalhador e as significam a diminuição ou mesclagem do despo- condições que lhe são oferecidas? Ocorrem alteratismo taylorista de participação dentro da ordem e ções psíquicas? Quais são elas? Que significados os do universo da empresa, pelo envolvimento indivíduos atribuem a essas mudanças? Os indivídumanipulatório (ou cooptado), pela eliminação da os estão mais motivados ao trabalho? Que novas deorganização autônoma dos trabalhadores, vinculan- mandas se apresentam aos psicólogos? do o sindicato à empresa, e pela sociabilidade molImporta ressalvar que Antunes (1995) e dada pelo sistema de mercadorias. Mattoso (1995), ao analisar a realidade mais espe Na mesma direção, Heloani (1996) destaca a cífica do trabalho no Brasil, deixam claro que o país introdução do apelo ao envolvimento do trabalha- começa a absorver as características do processo dor e ao discurso da participação, atualmente, de trabalho da terceira revolução sem ter concluído como parte do cotidiano das organizações. Argu- plenamente o modelo keynesiano/fordista. O ritmo menta, ainda, que as novas formas de gestão ten- de modernização é lento quando comparado com o tam harmonizar elevação do grau de autonomia dos países desenvolvidos. Por conseqüência, no âmdo trabalhador e desenvolvimento de mecanismos bito da organização do trabalho, o taylorismo/ de controle mais sutis, nos quais a dominação ocor- fordismo ainda tem uma influência marcante. re ao nível do inconsciente. É suposto que o trabaCompete-nos agora indagar: concomitantes lhador realize determinadas ações de forma autô- com estas mudanças nas organizações, o que ocorre noma porque se identifica com os objetivos e va- na conjuntura socioeconômica mais ampla? Comelores das empresas, e não mais pelo controle estri- cemos indagando o que tem ocorrido com a oferta to da supervisão. O controle é interiorizado cultu- de emprego. As empresas do núcleo moderno, ao ralmente e passa a ser tomado por autocontrole. adotarem as novas tecnologias e estilos de gestão, Para fins didáticos, podemos sintetizar o que têm eliminado postos de trabalho. Concorrem para ocorre dentro das organizações do núcleo moderno a diminuição da oferta geral de emprego? O conda economia, nos seguintes pontos: eliminação senso sobre isso é que, de fato, tem havido uma retendencial de postos de atividades repetitivas, recom- dução no emprego no setor industrial. Há argumen posição de atividades, ênfase na polivalência, tos, no entanto, de que há igual tendência de crescirevalorização da qualificação dos trabalhadores, foco mento do setor de serviços. Observa-se que as nonas relações de mercado e concorrência, horizonta- vas tecnologias também adentram nestas empresas. lização das relações de poder, tendências de adoção Exemplo conhecido de todos são os caixas eletrônide estratégias gerenciais que ampliam a participação cos na rede bancária, que têm implicado a redução no processo decisório, renovação tecnológica baseada dos postos bancários. Outro, é o caixa do supermerna informática, automação e modernização da comu- cado, que passou a pesar a mercadoria. Fatos como nicação, diminuição dos quadros de pessoal e maior esses têm implicado uma limitada oferta de postos e circulação do seu pessoal entre cargos e filiais. São, uma acentuação do crescimento do setor informal. portanto, questões do momento: Há mais possibiliO próprio Banco Mundial (1995) aponta que dades de gosto pelas tarefas? Como se compatibiliza a população que precisará de emprego expande-se tais possibilidades com as pressões? Como se envol- desigualmente do ponto de vista geográfico. Dessa 12
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As características da chamada “acumulação flexível”, termo cunhado por Piore e Sabel (1984), já foi amplamente estudada e debatida. Indicamos, dentre o vasto material disponível, os textos de Schmitz e Carvalho (1988), Antunes (1995; 1999), Lipietz (1995) e Alves (2000). Tumolo (2001) apresenta um interessante balanço da produção brasileira sobre a reestruturação produtiva. Trata-se, aqui, da atualização do tema assinalado anteriormente de Figueiredo (1989), sobre o controle da subjetividade do trabalhador. Há também em Poulantzas (1978) uma tese que pode ser ilustrativa para esta discussão. 12
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forma, 99% do crescimento projetado ocorrerá em Consideramos que a vivência da instabilidade países de renda baixa e média. Sobre o desemprego no emprego não se dá numa mesma intensidade para estrutural, assinala que os trabalhadores em ativi- todos os trabalhadores brasileiros. O aumento dos dades em declínio e sem flexibilidade para mudar índices de demissão tem ocorrido em setores em serão os mais prejudicados. Considera a melhor retração econômica ou de acentuadas mudanças estratégia de enfrentamento do problema, para qual- tecnológicas; enquanto isso, tem crescido o setor quer país, procurar melhorar as aptidões do seu povo informal da economia, o que provavelmente pode ou facilitar a transição para novos empregos. se constituir também em meio de acentuar a perLonge de os jovens brasileiros e suas famílias cepção da desigualdade. Notamos novamente a deliberadamente decidirem pelo investimento em questão do efeito sobre a produtividade. Como reaeducação, há uma parcela significativa para a qual gem os que ficam? E sob a ameaça, há envolvimento se impõe a “opção” pela inserção no mercado e a com o conteúdo do trabalho? Aumenta ou diminui exclusão do sistema educacional para garantir a sa- a atenção à qualidade do que se faz? Aumenta o tisfação de necessidades imediatas. comprometimento? Que impacto tal ameaça tem Rebitzer (1993) assinala a ênfase no poder ali- sobre a motivação e sobre a saúde das pessoas? ado ao uso do tratamento de demissão para elevar o Nesse clima de instalibilidade do emprego e esforço de trabalho. A efetividade deste tratamento de desigualdade ao seu acesso, compete, então, independe do custo de demissão. Esse custo, por sua dagar sobre outro aspecto conjuntural: o que tem vez, depende da oferta de empregos alternativos. É ocorrido com os salários e com a distribuição de pertinente observar que, embora pareça razoavel- renda no país? O tratamento de demissão e a instabimente realista afirmar que o tratamento de demissão lidade têm impacto nas lutas por melhores salários? se generaliza na sociedade brasileira, inclusive no É obvio que as lutas por melhores salários se setor público, com a adoção dos programas de “de- arrefecem diante de uma clima de instabilidade no missão voluntária”, é discutível que se recua para emprego. Além de insegurança, a fragmentação das uma prática de rotatividade de pessoal elevada como categorias ocupacionais, com o surgimento de notécnica de elevação da produtividade e/ou do esforço vas profissões e a redução de quadros em determido empregado. Nos setores organizados e oligopo- nadas categorias ocupacionais, como setores induslistas da economia, o custo de demissão é bastante triais e bancários e o crescimento do setor inforelevado – principalmente quando considerado o mal, fragilizam a estrutura sindical. O agravamento custo da admissão, socialização e qualificação do da concentração de renda vem sendo divulgado na novo empregado – e ao menos algumas empresas imprensa, sendo, portanto, de conhecimento geral. parecem estar bem atentas para esse aspecto. Entretanto muitas são as polêmicas sobre o assunEm suma, mesmo havendo divergências em to. Se a renda está associada à oferta do emprego, torno da explicação do desemprego no Brasil, das deve haver regulamentação do salário? A elevação dificuldades de geração de novos empregos na pro- do salário mínimo gera desemprego? E a flexibiliza porção demandada pela população e sobre as con- ção no estabelecimento de salário facilita a superexseqüências do tratamento de demissão, a veemên- ploração? Essas são algumas das questões que têm cia dos debates vem oferecer sustentação para a alimentado as discussões sobre a renda e sua distriaplicabilidade, à nossa realidade, da interpretação buição na população. de Ransome (1996). Este assinala a migração da Importa-nos assinalar que esse debate, preoferta de emprego do setor industrial para o setor sente na nossa sociedade, vem ampliar aquela perde serviços, a interdependência entre os segmentos cepção de instabilidade decorrente dos problemas formais e informais da economia, o aumento dos em torno da oferta de emprego. Independentemente empregos de tempo parcial e temporários. Para ele, das intensidades ou do grau de radicalidade em o desemprego mais freqüente e a concomitante que as diferentes abordagens descrevem o procesvivência da ameaça de desemprego gera uma per- so de concentração de renda, em face das diferencepção generalizada de instabilidade. Paulatinamen- ças de explicações, deve-se assinalar a existência te, as expectativas de um emprego para toda a vida, de um coro que, além de crítico, não vislumbra ou propagadas na década de 1960, tornam-se hoje confia concretamente em saídas de curto prazo para irrealistas. a reversão desta conjuntura.
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O debate sobre a formação da renda repõe, ain- plicações têm esta situação nas políticas de treinada, questões relativas à qualificação e a “em- mento e de desenvolvimento de pessoal? O quanto pregabilidade” (ver Destaque a seguir). Segundo o as empresas têm assumido a responsabilidade de treiBanco Mundial (1995), “entre 1970 e 1992, a por- nar pessoal? Está ocorrendo uma tendência de transcentagem da mão-de-obra mundial correspondente ferência da responsabilidade da empresa para o indiaos países de renda baixa e média subiu de 79% para víduo? Quanto o próprio indivíduo deve investir na 83%, mas a sua correspondente parcela de mão-de- sua qualificação? Quanto compete à organização? O obra especializada mundial (...) saltou para quase a tempo gasto em se qualificar e requalificar é um tempo metade do total global” (p. 59). Portanto, houve um de trabalho? Treinamentos, cursos, congressos e ouincremento da participação em estoque de capital tras formas de qualificações além da jornada de trahumano total. balho significam jornada de trabalho maior? Essas O mercado de trabalho do Brasil parece espelhar são mais algumas questões que permeiam o mundo a avaliação do Banco Mundial. Registramos que, na do trabalho atual. última década, houve queda do índice de analfabeSeguindo na tentativa de caracterizar os aspectismo, elevou-se o acesso geral à educação, embora tos conjunturais que modelam o mundo do trabalho, a evasão escolar mantenha-se ainda em níveis muito é mister indagar: como está o controle dos acidentes altos. Como a oferta de emprego, no entanto, não e das doenças do trabalho? Importa, então, informar cresceu proporcionalmente, intensificou-se o proble- que o Banco Mundial (1995), baseando-se em dados ma de incompatibilidades entre níveis instrucionais da Organização Mundial de Saúde, assinala que aprode um lado e cargos e salários de outro, o que é mais ximadamente “3% do ônus mundial das doenças deevidente em alguns setores econômicos. Por exem- vem-se a cada ano a lesões e mortes evitáveis em plo, Soratto e colaboradores (1996) assinalam que ocupações de alto risco e a doenças crônicas decornuma amostra de 338 bancários, 60% dos que traba- rentes da exposição a substâncias tóxicas, ruídos e lhavam no setor privado e 80% no setor público já padrões de trabalho perigosos” (p. 87). haviam cursado ou estavam cursando o nível superi No Brasil, Santos (1991) denuncia que a reor. Não foi encontrada nenhuma relação entre o ní- duzida fiscalização dos aspectos de segurança no vel de escolaridade e as funções. trabalho, os baixos níveis de instrução e de saláriA concepção acentuadamente instrumental do os da população, o tratamento da demissão, sotrabalho sob o gerencialismo cria, portanto, tensões mando-se a uma política paternalista (em relação (contradições) em torno da busca de qualificação ao empresariado) conduzem o Estado a arcar com pela instrução formal e o conteúdo dos postos de as despesas decorrentes de acidentes de trabalho e trabalho. E, adicionalmente, sobrevivia no Brasil doenças profissionais e/ou ocupacionais no lugar um cenário de acentuada desigualdade de acesso à das empresas. Esse fato contribuiu para que os traeducação. Em outras palavras, as dificuldades de balhadores e seus sindicatos aceitarem trocar a falta acesso à educação para larga proporção da popula- de adoção de medidas preventivas por adicionais ção associam-se às condições materiais do trabalho de insalubridade e periculosidade. (parcelado e de baixa remuneração), tornando sem Santos denuncia também que, geralmente, a significado o próprio aprendizado. aplicação da legislação sobre acidentes de trabaLevantamos a hipótese, aqui, de que as melho- lho no Brasil ocorre sem se levar em conta a totarias recentes nos resultados educacionais podem, si- lidade da problemática sobre a complexidade das multaneamente, estar associadas às novas demandas causas que induzem o trabalhador a aceitar trabaorganizacionais no setor moderno da economia, que lhar fora das normas. vivencia ou tenta implantar novas formas de gestão e Dessa forma, os problemas de saúde do trabade organização no trabalho, e à insegurança no em- lhador, antes de serem organizacionais, são questões prego, que incentiva as pessoas a buscarem qualifi- de políticas de saúde pública. De acordo com os oucações que lhes facilitem resolver necessidades de tros aspectos levantados sobre o contexto do trabarecolocação. Tais iniciativas no plano individual são lho – desmantelamento da estrutura sindical, desemreforçadas pelo discurso da “empregabilidade” que prego, luta pela empregabilidade individual –, a tensupõe que cada um é responsável por se tornar dência é a manutenção da troca de trabalho arriscaempregável. Compete-nos, então, questionar: que im- do por recompensas salariais e por meramente man-
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Qualificação-empregabilidade
A questão qualificação-“empregabilidade” nos remete para um debate que esteve muito presente nos anos 1970 no Brasil, sobre a relação entre qualificação fornecida pelo sistema educacional e os requerimentos do sistema produtivo. O ponto de partida dessa discussão localizava-se na tese de Theodore Schultz, a chamada Teoria do Capital Humano, que equiparava o investimento em qualificação com aqueles feitos pelo capitalista em “outros” bens de produção. Rossi (1978), no afã de criticar tal perspectiva teórica inspirada na interpretação marxiana, acaba por referendá-la, entendendo que se o objetivo da escola era fornecer mão-deobra adequada à empresa capitalista, uma responsabilidade socialista seria “inverter o sinal”. Tal perspectiva, rotulada por Dermeval Saviani (1983) de “críticoreprodutivista”, é duramente criticada por Salm (1980), que entende ser impossível conceber uma dependência do sistema produtivo de uma atividade situada na esfera superestrutural (como é a educação escolar). Frigotto (1986), participando deste debate, propõe que a escola tenha um papel de mediação produtiva, pelo estabelecimento de um saber geral que se articularia com o específico, proporcionado pelo sistema produtivo propriamente dito. Tal debate, a despeito do caráter anacrônico que hoje assume diante do impacto da chamada reestruturação produtiva, tem uma importância fundamental para o entendimento da articulação do sistema trabalho-escola dentro dos marcos do modo de produção capitalista e, por decorrência, permite uma abordagem mais qualificada da tese da “empregabilidade” hoje em voga (questão discutida mais adiante neste capítulo). Uma visão de conjunto do debate assinalado acima pode ser encontrado em Yamamoto (1996). Para uma abordagem da relação educação/salário sob o capitalismo, destacamos as contribuições de Bowles e Gintis (1975, 1976). Para os autores, tomando a força de trabalho como mercadoria, o trabalho desaparece como categoria explanatória fundamental e é absorvido pelo conceito de capital. Por conseguinte, elimina-se a classe como um conceito econômico central e perde-se de vista um elemento essencial à organização capitalista: o poder do capitalista sobre o trabalhador.
ter o emprego. E, embora existam intenções, lutas e até avanços relevantes para extinguir este tipo de troca, ela continua sendo realidade. Compete-nos, então, indagar: a psicologia tem mapeado as alterações psíquicas por ocupações? Há alterações psíquicas reconhecidas como sendo vinculadas ao trabalho? Há um espaço de atuação do psicólogo junto às políticas públicas de saúde do trabalhador?
Prosseguindo na tentativa de desenhar a con juntura socioeconômica do mundo do trabalho, indagamos: como o fenômeno conhecido como “globalização”, incluindo aí o crescimento da teleinformação, impacta o mundo do trabalho? Malvezzi (2000) identifica cinco pilares dessas transformações: (1) mudanças nas noções de espaço enquanto distância, pela possibilidade de gerir eventos a distância e pela capacidade de armazenar informações de maneira cada vez mais compacta; (2) alta circulação do capital financeiro e tecnológico, tornando competição entre as empresas mais intensas e globais; (3) aumento da imprevisibilidade dos acontecimentos políticos, sociais e culturais, dificultando a atividade de planejamento; (4) bombardeio de informações e transformação de significados, ampliando a importância da dimensão simbólica e (5) criação da possibilidade de se viver diferentes identidades. É importante compreender que, junto a tudo isso que Malvezzi assinala, o processo de internacionalização das empresas se intensifica e as oportunidades de trabalho começam a romper as fronteiras das nações (tanto pela expatriação quanto pela atuação em ambientes nos quais não estamos presentes fisicamente). Tal realidade implica, pois, a exigência a muitas pessoas da capacidade de conviver com diversas culturas. Que implicações têm tais fenômenos na socialização dos indivíduos? E na adequação das estruturas e estilos organizacionais em diferentes regiões? Finalizando nossa tentativa de desenhar a con juntura do mundo do trabalho: quais as avaliações sobre o nível do progresso e dos ciclos econômicos? O Banco Mundial (1995) assinala um cenário do trabalho marcado pelas mudanças tecnológicas, organizacionais e pelos requisitos da mão-de-obra. Descreve um cenário de alta mobilidade de capital, informações e pessoas, mas, principalmente, de ca pital. E conclui que o trabalhador mediano no mundo está em melhores condições que há 30 anos. Esta, entretanto, não é a única avaliação. Divergindo desse caminho que toma como parâmetro o “trabalhador mediano”, os segmentalistas (ver Destaque sobre o assunto) descrevem a distribuição de salários como sendo plurimodal. Para demonstrar tal afirmação, estudam o crescimento da renda por nível de escolaridade para (1) trabalhadores rurais, (2) urbanos assalariados e autônomos, (3) o mercado primário subordinado e (4) o mercado primário independente. Mostram, então, que construindo curvas dis-
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tintas para cada segmento, não se pode dizer que a mas Vietorisz (1970, conforme citado por Lima, renda cresce inequivocadamente conforme o nível 1980). Eles situam a determinação da segmentação da educação. Isso ocorre apenas para os trabalhado- pelas características de demanda. Enfocam o comres dos mercados primários (principalmente indepen- portamento da estrutura industrial. Separam a ecodente). Os segmentalistas caracterizam o mercado de nomia em centro oligopolista e em “periferia” comtrabalho primário por hábitos de trabalho e empre- petitiva. Neste contexto, sublinham a existência de gos estáveis, salários relativamente altos, produtivi- um dualismo tecnológico, que seria resultante da condade alta, progresso técnico, existência de canais de centração capitalista como fato reforçador da seg promoção internos, oferecimento de treinamento e mentação do mercado de trabalho. Para eles, existem promoção por antigüidade. Tais características são comportamentos divergentes na economia, de mamais comuns em firmas grandes, às vezes oligo- neira que setores distintos vivem ciclos também polistas, e com alta relação entre capital/trabalho. distintos. Assim, no centro oligopolista, a alta lucratividade permite investir em equipamentos modernos, em estruturas administrativas ligadas à seleção, promoção e capacitação de empregados. Desse modo, Segmentalistas a alta produtividade da mão-de-obra dessas firmas É uma abordagem da economia que, segundo Lima deriva da qualificação dos empregados e também do (1980), surgiu, principalmente, em reação às abor próprio capital moderno. No outro setor da economia, dagens neoclássicas sobre o mercado de trabalho, a estagnação tecnológica alia-se à desqualificação da como a Teoria do Capital Humano. Esta tende a exmão-de-obra e estabelece um ciclo de feedback neplicar a inserção dos indivíduos por sua qualificagativo (Lima, 1980). ção, ou seja tenta explicar relações de mercado de trabalho por fatores que lhe são externos. Dessa polêmica, o que podemos considerar Para Cain (1976), as controvérsias entre as duas corcerto é que vivemos um período de crescimento mais rentes enraízam-se em tópicos como a persistência lento do que aquele que foi o apogeu do modelo de da pobreza e da desigualdade de renda, os fracassos desenvolvimento do Estado do Bem-Estar. Não há da educação e dos programas de treinamento, o uso, sequer consenso sobre a existência de crescimento. pelos empregadores, de critérios educacionais e de Portanto, atravessamos um momento de distanciatreinamento para justificar decisões discriminatórias e mento daquela certeza no futuro e no progresso que a própria discriminação no mercado de trabalho. Os segmentalistas são, por vezes, criticados por nas décadas de 1950 e 1960 encontrávamos até mesestudar os diversos segmentos do mercado despremo entre os conteúdos das contestações sociais. zando a interdependência entre eles. Em síntese, podemos dizer que o mundo do trabalho, a partir dos anos 1970, conta, um cenário cujos marcos conjunturais são: (1) um crescimento mais Enquanto isso, o mercado de trabalho secun- lento da economia, com queda da credibilidade no dário é caracterizado por alta rotatividade da mão- progresso e no futuro; (2) surgimento do desemprede-obra, salários relativamente baixos, más con- go estrutural e dissociação entre crescimento econôdições de trabalho, baixa produtividade, estagna- mico e crescimento da oferta de emprego; (3) geneção tecnológica, oportunidades de aprendizagem ralizada percepção de instabilidade no emprego; (4) aproximadamente nulas e mão-de-obra não-orga- persistência de várias formas de discriminação (por exemplo, qualificação e gênero); (5) intensificação nizada por meio de sindicatos. O mercado de trabalho secundário, então, fun- das desigualdades sociais pelas características da discionaria como um exército de reserva, homogenei- tribuição de renda; (6) tendência à redução das inzando a mão-de-obra. As contratações e as dispen- compatibilidades entre instrução formal e requisitos sas ocorreriam ao sabor da variação da demanda dos dos postos de trabalho no núcleo moderno da econo produtos. A sazonalidade e a instabilidade dos em- mia e (7) persistência das trocas de trabalho pobre pregos seriam explicações mais plausíveis que edu- em conteúdo e/ou arriscado por aumento de consumo entre a maioria da população (trabalhos precários). cação, experiência e treinamento. Esses marcos conjunturais podem ser associaUma segunda corrente de pensamento sobre o tema é representada por Benet Harrison e por Tho- dos, de várias formas, àqueles referentes à tecnologia, à organização e à gestão do trabalho. Pontu-
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am e terminam por caracterizar no que tem se cons- construtor de identidade, Gorz defende a sociedade tituído, na prática, a Terceira Revolução Industrial. baseada no tempo de lazer, que, ao negar o trabalho, Se esses ganhos de produtividade, entretanto, deve se liberar deste. Anuncia o fim da utopia reverterem-se apenas na aceleração da concentra- humanista do trabalho e o surgimento de um “hoção de renda, poderão mais tarde ver seus funda- mem pós-marxista”, aliado de uma nova utopia: a mentos abalados pela perda do comprometimento sociedade dos tempos livres. Essa utopia reivindica e de envolvimento dos empregados. uma redução da jornada e da dureza do trabalho merAs novas formas de gestão e organização do cantil. Ao mesmo tempo, intenciona democratizar o trabalho associam-se dialeticamente à percepção de acesso a espaços de autonomia e o acesso ao trabainstabilidade porque estão entre as razões da gera- lho mercantil, que continua constituindo-se no prinção do desemprego estrutural e, ao mesmo tempo, cipal meio de inserção na vida pública. Por isso, é encontram neste uma barreira para seu sucesso, já associado à possibilidade de exercício da cidadania. que requerem comprometimento, envolvimento e Assim, defende a sistematização de uma proposta que participação crítica dos empregados. Em lugar des- comece pela redução de horas trabalhadas para toses requisitos, a instabilidade vivenciada pode ge- dos. A questão passa a ser o conteúdo e o sentido do rar apenas uma dedicação submissa. tempo liberado que a racionalidade econômica é inSe, de um lado, as novas formas de gestão e capaz de responder. Tal posição exige a superação organização do trabalho podem reduzir as contra- do corporativismo daqueles que, trabalhando no segdições entre investimento em educação e as caracte- mento nuclear da economia, insistem em manter a rísticas dos postos de serviço, por outro, a percep- defesa de uma ideologia da centralidade do trabalho, ção da instabilidade pode imobilizar as pessoas na que tem sido corroborada pelo sindicalismo, preso a busca da compatibilidade entre estes dois elementos. uma visão de mundo das esquerdas tradicionais. A Concluímos que as transformações em curso não proposta, assim, implica uma mudança profunda do nos permitem elaborar predições sobre o futuro do sindicalismo tal como se conhece. mundo do trabalho em uma direção segura. ConforAznar (1995), seguindo a mesma perspectiva me Leite (1994), vivemos um momento crucial do de análise, desenvolve uma proposta de redução do embate pelo controle sobre o processo de trabalho, tempo de trabalho apresentada na obra Trabalhar dependendo de seus desdobramentos a definição de menos para trabalharem todos . A lógica é que, não um novo paradigma. Este pode ser tanto uma alter- sendo possível ter um trabalho de boa qualidade nativa em prol da diminuição do controle dos traba- em conteúdo para todos, devemos todos trabalhar lhadores sobre o processo de trabalho como um al- menos para nos realizarmos nas demais esferas de ternativa pelo seu contrário: a recuperação do con- nossas vidas. A não-centralidade do trabalho mertrole do processo de trabalho pelos trabalhadores. cantil implica redução de seu papel na construção O que, de fato, podemos aqui identificar, é que da identidade individual. O que, por sua vez, podediante dessas alternativas, duas formas de conceber rá acentuar o peso de reivindicações não-trabalhiso trabalho se configuram. De um lado, posto pelos tas fora do campo de atuação do sindicalismo hoje. questionamentos de Gorz (1982) em Adeus ao pro- São, então, valores centrais dessa concepção emerletariado, a que já nos referimos anteriormente, surgente do trabalho: generalização do direito ao tragiu uma literatura (como Aznar, 1995; Forrester, balho, igualdade para todos na qualidade do em1997; Rifkin, 1997; Schaff, 1985) que fala do “fim prego, desenvolvimento tecnológico, ênfase nos do trabalho”, da era do conhecimento, de um mundo valores societais e cívicos do trabalho e tomá-lo no qual o que importa é a ação humana e não o traba- como apenas uma das facetas da vida, implicando lho, numa sociedade na qual a humanidade se libe- redução da jornada (redução da centralidade). rou do trabalho. O próprio Gorz, nos anos seguintes, Mas emerge, simultaneamente, baseada na seaprofundou suas idéias em outra obra de igual reper- gunda alternativa sublinhada por Leite, outra concussão, Methamorphosis du travail . Nesta, aprofunda cepção. Esta, ao mesmo tempo que comunga com a a discussão sobre a racionalidade do trabalho econô- primeira concepção à crítica ao trabalho nas condimico. Ao considerar que o trabalho, sob os modos ções que vem sendo realizado atualmente, diverge de organização conhecidos, não possa ser realmente diametralmente, mantendo a crença na possibilidade
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desde o plano da materialidade ao mundo das de construção de uma sociedade na qual todos têm idealidades (p.80). acesso a um trabalho conforme suas potencialidades . Postula que, no lugar do trabalho esvaziado de conQuando a defesa da sociedade do mercado e do cateúdo, todos possam ter um trabalho efetivamente de pital não é claramente explicitada nestas formulações, resta a proposição utópica e romântica do tempo qualidade, no qual os indivíduos possam se orgulhar livre no interior de uma sociedade fetichizada, como do que fazem e de seus resultados. se fosse possível vivenciar uma vida absolutamente Como é de se esperar, os adeptos dessa concepsem sentido no trabalho e cheia de sentido fora dele. ção procuram rebater os argumentos da primeira. Ou ... tentando compatibilizar trabalho aviltado com Assim, Carleial (1993), no que concerne ao movitempo liberado (p. 86). mento sindical, mostra que a redução da jornada de trabalho é uma velha reivindicação sindical e/ou dos Sem pretender equacionar tal polêmica, é pretrabalhadores, limitada por crises, ampliação do de- ciso registrar que uma concepção alternativa do trasemprego e arrefecimento periódico de sua força. E, balho tende, atualmente, a se fortalecer, porque as realmente, há que se considerar que uma proposta de tentativas de redução da jornada de trabalho com a redução da jornada de trabalho não é exatamente intenção de democratizar o acesso ao emprego não nova. O pensamento de Paul Lafargue (1999) incidia surtiram o efeito esperado. Além disso, tem se desobre o mesmo eixo, embora com fundamentação nunciado que as diversas formas de insegurança no diversa devido à época de sua elaboração. mercado de trabalho têm conduzido ao não-registro Porém o centro de sua crítica às teses de Gorz das horas extraordinárias trabalhadas. Ademais, a está na defesa da centralidade do trabalho. Funda- perspectiva do fim da sociedade do trabalho torna mentada em Marx, lembra que o capitalismo se sem sentido qualquer tentativa de melhorar a gestão. assenta sobre duas bases: dinheiro e trabalho. E, E como ganhar a vida no mundo em que vivemos de que, embora venha cada vez mais se afirmando no maneira digna sem trabalho? Se precisamos trabadinheiro e negando o trabalho, essa questão ainda lhar para ganhar a vida, e sendo este trabalho uma não está posta. Segundo Carleial, não há ainda uma construção sócio-histórica e humana, não podemos tendência clara no sentido de redução de jornada, planejá-lo de maneira que possamos ter um trabalho e aponta casos em que, pela ameaça do desempre- que hominize? go e dificuldades de geração de empregos de quaPorém, com o objetivo de clarear a exposição, lidade, a submissão dos trabalhadores tem levado a concepção alternativa busca a construção de um a jornadas de trabalho maiores. trabalho no qual os indivíduos possam se expressar Um dos argumentos de sustentação dessa con- e construir suas potencialidades e identidades, que cepção reside na insuficiência da oferta de empre- seja desafiante, interessante no conteúdo, plural e go que tendencialmente deverá persistir na econo- variado, estável, de relações de poder baseadas na mia, como já mostramos anteriormente. No entanto eqüidade, estruturado nas organizações de forma esse argumento abre espaço para retomarmos a ques- mais horizontalizada e que preserve os espaços de tão já referida no início desse texto: o que está em participação. crise, o emprego ou o trabalho? O cerne do confronto das duas formas de conA proposta de Gorz, entretanto, é rebatida de ceber o trabalho está na centralidade que os indiforma mais contundente por Antunes (1995), que víduos devem atribuir a ele nas suas vidas. A Psiafirma: cologia tem desenvolvido muitos estudos examinando que papel o trabalho tem de fato assumido Seria a realização, esta sim utópica e romântica, do na vida das pessoas. Que pensam os homens dos trabalho que avilta e do tempo (fora do trabalho) que nossos dias sobre seu trabalho? O que esperam libera. Esta concepção acaba desconsiderando a didele? Que resultados desejam? Sentem orgulho mensão totalizante e abrangente do capital, que engloba desde a esfera da produção até o consumo, pelo que fazem? Associam-no a que valores? Quei14
Sugerimos a leitura de Arendt (1995; 1996), Coriat (1993), Forrester (1997), Gorz (1991), Gorz (1980), Inglehart (1991), Offe (1995; 1989), Rifkin (1997) e Schaff (1985). 14
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xam-se de quê? A relação com o trabalho tem afetado a vida em família? Como? A família apóia o indivíduo em seu trabalho? Encontram no trabalho a realidade que buscam? Estudos que têm se guiado por questões como estas revelam que a categoria trabalho continua estruturando a vida das pessoas e dificilmente isso mudará a curto prazo. E que efeito o emprego e o desemprego têm sobre o bem-estar dos indivíduos? As linhas de investigação e de atuação têm se multiplicado, partindo daqueles estudos já citados da década de 1980 (Jahoda, 1987; Kohn e Schooler, 1983), levantando novas questões, como: o desemprego afeta a saúde mental ou é o contrário? A variação da natureza das pequenas alterações psíquicas ocorre por categoria ocupacional? E dentro de um mesmo setor econômico, varia por organizações? Existem doenças mentais associadas ao trabalho? É possível o desenvolvimento de ações preventivas? Que caminhos a Psicologia tem apontado? Tem optado pela busca de soluções individuais ou coletivas? As respostas encontradas pela Psicologia reforçam que tipo de concepção do trabalho?
entre essas tendências, a concepção marxista, que analisa o trabalho sob o capitalismo criticando sua mercantilização, bem como elucidando características como alienação, monotonia, repetição, embrutecimento, submissão, humilhação e exploração. A concepção marxista reivindicava um trabalho no qual se pudesse produzir a própria condição humana. O desenvolvimento do capitalismo na primeira metade do século XIX levou à tentativa de construção de uma Sociedade do Bem-Estar, a qual estamos nos referindo no momento apenas como tentativa, porque ela não se concretizou plenamente em todo o mundo, mas somente naqueles países centrais do ca pitalismo. Nos países periféricos, foram principalmente uma referência. Nesse modelo, a concepção implícita de trabalho atribuía uma centralidade relativamente menor, posto que o consumo ganhava im portância e o trabalho lhe sendo uma mercadoria, era importante porque se constituía em um meio de garantia do consumo. Aquelas características do trabalho, já presentes no capitalismo tradicional e decorrentes da organização da produção (por exemplo, parcelamento segundo as mínimas operações com ponentes, empobrecimento do conteúdo, etc.), foram exarcebadas; porém, a obtenção do sucesso econôCONSIDERAÇÕES FINAIS mico passou a ser explicada de maneira mais comConcluindo nosso percurso histórico pelo mun- plexa sendo o esforço apenas um dos aspectos reledo do trabalho sob o capitalismo, esperamos ter con- vantes. Estabelecia uma troca entre trabalho esvaziseguido compartilhar nossa reflexão sobre o mes- ado de conteúdo, mas estimulado pelo reforços mo, traçando uma visão panorâmica do ambiente socioeconômicos. Cabia então às empresas o de atuação do psicólogo organizacional e do traba- gerenciamento dessa situação, sob regulação do Eslho. Queremos também retomar rapidamente, para tado (concepção gerencialista). efeito de síntese, as concepções que fomos eluciSob a chamada Terceira Revolução Industridando enquanto realizávamos nosso percurso his- al que ainda se configura, duas formas opostas de tórico. Assim, mostramos que com o surgimento do conceber o trabalho são engendradas, sendo a dicapitalismo engendrou-se uma concepção do tra- ferença básica entre as duas a importância atribubalho que o exalta como central na vida das pessoas, ída ao trabalho. como o único meio digno de ganhar a vida, indeA essa síntese rápida, é necessário acrescentar pendente do seu conteúdo. Segundo esta ótica, tra- que, embora cada uma das concepções citadas seja balhar duro conduz ao sucesso econômico. Como a típica de um tempo histórico específico, o surgimenrealidade do trabalho concreto na qual engendrou- to de uma não significa a extinção da outra. Todas se tal concepção era extremamente adversa, apesar de alguma forma continuam existindo. Além disso, da atratividade que a fábrica e/ou a oficina repre- as desigualdades de desenvolvimento no Brasil ensentava em relação ao campo, ou da extrema falta tre setores econômicos, regiões e organizações fade meios de sobrevivência, esta concepção preci- vorecem o convívio de várias concepções. sou do apoio do protestantismo e depois da admiA primeira autora do presente texto desenvolnistração clássica para chegar a sua exaltação. veu anteriormente um trabalho de análise de conteúdo A mesma realidade que engendrou aquela con- de dois periódicos de circulação nacional e encontrou cepção do capitalismo tradicional também nutriu os em ambos a predominância de traços da concepção movimentos que lhe ofereciam resistência. Surge, gerencialista, alimentada pelo modelo de desenvol-
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vimento do Estado do Bem-Estar. Secundariamente a essa concepção, em cada um dos periódicos emergia uma das concepções que, conforme nossa exposição, foram simultaneamente engendradas pela Terceira Revolução Industrial. A autora encontrou também, em ambos os periódicos, resquícios da concepção clássica do trabalho, segundo a qual este é necessariamente degradante e pesado. Levantou a hi pótese explicativa de que tal traço de nossa cultura do trabalho tem, de um lado, a herança da recenticidade de nossa escravidão e, de outro, as atuais condições conjunturais do mundo do trabalho que subtraem a credibilidade de muitos conseguirem construir um mundo do trabalho melhor (Borges, 1999). Em outro estudo (Borges, 2001), com amostra de dirigentes de empresa acidentalmente distribuída em todos os estados do país (por meio de questionário enviado pelos serviços dos Correios), foi possível examinar quanto os participantes valorizam cinco conjuntos de crenças de trabalho (Bülcholz, 1977), a saber: ética do trabalho, crenças organizacionais, crenças marxistas, crenças humanistas e ética do lazer. Encontraram-se uma forte rejeição dos participantes à ética do lazer e uma forte valorização de uma crença que aproximava as idéias do gerencialismo à segunda alternativa de concepção descrita aqui como engendrada pela Terceira Revolução Industrial, ou seja, entre as crenças organizacionais e as crenças humanistas segundo a nomenclatura de Bülcholz. Essas observações adicionais são importantes porque ressaltam a diversidade apresentada pela realidade em que vivemos e mostram que os profissionais precisam estar atentos ao convívio das diversas concepções do trabalho em cada ambiente no qual atuam ou promovem intervenções. Retornemos, por fim, ao nosso ponto de partida. Camus (2000) compara o destino trágico de Sísifo ao do operário moderno, que trabalha todos os dias de sua vida na mesma empreitada, destino não menos absurdo. Sísifo, “proletário dos deuses” (p. 166), é o protótipo do homem revoltado, consciente da extensão da sua miserável condição. Mas é ciente, também, de que o seu destino foi criado por ele mesmo, ao desejar um mundo sem mestres e sem deuses. É a partir desse prisma que Camus enxerga a felicidade na dor de Sísifo: ele nos ensina o valor da “fidelidade superior que nega os deuses e ergue os rochedos” (p. 168).
O tema deste capítulo, o mundo do trabalho, é a história da incessante luta do homem pela transformação da natureza, da alienação humana promovida pelas condições específicas que o trabalho assume na produção capitalista. Os diversos padrões de acumulação capitalista não devem obscurecer o essencial: a apropriação individual do trabalho social como a marca distintiva da ordem do capital. A história do trabalho é, portanto, também a história da resistência dos homens diante destas condições impostas para a sua reprodução social. A consciência não é, como no mito de Sísifo, individual, mas de classe. Nestes tempos de “desordem do trabalho”, caracterizados pela aludida dificuldade em vislumbrar perspectivas de superação da crise e pela substituição da ética da ação coletiva, que sempre marcou a luta dos trabalhadores, pelas ações individuais, colocam em risco conquistas históricas do movimento operário. Como Sísifo, é preciso desafiar os deuses e assumir o controle do seu destino... Compete a cada um de nós refletir sobre todas essas tendências e se posicionar. Queremos contribuir para a construção de que mundo do trabalho? REFERÊNCIAS
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