Introdu€•o ao Zen-Budismo D. T. Suzuki Introdu€•o do Dr. C. G. Jung Apesar de tudo que sabemos sobre a ess‚ncia do Zen, aqui tambƒm existe a quest•o da percep€•o central de uma singularidade inigual„vel. Essa estranha percep€•o ƒ chamada satori e pode ser traduzida como Ilumina€•o. Suzuki nos diz: "Satori ƒ a raz•o de ser do Zen e sem ele n•o h„ Zen." N•o ser„ muito dif…cil para a mente ocidental captar o que um m…stico entende por ilumina€•o ou o que ƒ conhecido como ilumina€•o em linguagem religiosa. O satori, entretanto, descreve uma arte e um caminho para a ilumina€•o, praticamente imposs…vel † compreens•o do europeu. pag.12 Ainda que cit„ssemos outros tantos [exemplos], achar…amos extremamente dif…cil saber como chega essa ilumina€•o e em que consiste. Em outras palavras: por que ou acerca de que nos iluminamos. Kaiten Nukariya, professor do Colƒgio Budista de Tokyo, diz, ao falar da ilumina€•o: "Uma vez libertados da falsa concep€•o do ser, temos em seguida de acordar a nossa mais intima e pura sabedoria (...), a mente do Buda ou Bodhi (o conhecimento pelo qual o homem experimenta a ilumina€•o. ‡ a luz divina, o cƒu interno, a chave de todos os tesouros da mente, o ponto focal do pensamento e da consci‚ncia, a origem da pot‚ncia e da for€a, o assento da bondade, da justi€a, da simpatia e da medida de todas as coisas (...)." pag.13 Um mestre diz: Antes que um homem estude o Zen, as montanhas s•o para ele montanhas e as „guas s•o „guas. Mas quando ele vislumbra a verdade Zen atravƒs das instru€ˆes de um bom mestre, as montanhas n•o s•o mais montanhas nem as „guas s•o „guas. Mais tarde quando ele alcan€a o local de Repouso (atinge o satori), as montanhas s•o novamente montanhas e as „guas s•o „guas. (Suzuki Essays I. p.12) pag.15 O intelecto n•o tem interesse na condi€•o do sujeito que percebe enquanto este somente pensa logicamente. (...) A filosofia antiga est„ indubitavelmente a servi€o do processo transformativo. ‡ esta a diferen€a em rela€•o † nova filosofia. Schopenhauer ƒ implicitamente antigo. O Zaratustra de Nietzsche n•o ƒ filosofia, e sim um processo de transforma€•o dram„tica que engoliu por completo o intelecto. N•o ƒ mais uma quest•o de pensamento e sim do mais alto sentido do pensador do pensamento – e isso est„ claro em cada p„gina do livro. Um novo homem. um homem completamente transformado aparecer„ em cena. Um ser que tenha quebrado a casca do homem velho e que n•o olhe para um novo cƒu ou uma nova terra, mas os crie. pag.21 Um monge certa vez perguntou: "Um c•o possui tambƒm natureza budista?" ao que o mestre respondeu: "Wu." Suzuki observa que este Wu significa apenas Wu. Obviamente seria o que o prŠprio c•o teria dito em resposta † quest•o." pag.22-23 O Zen difere de todas as outras pr„ticas religiosas de medita€•o devido ao seu princ…pio de falta de suposi€•o. O prŠprio Buda ƒ rudemente rejeitado; na verdade ele ƒ quase blasfemicamente ignorado, muito embora - ou talvez por isso mesmo - seja o mais forte exemplo de conquista espiritual. pag.24 Zen-Budismo: o caminho direto (Murillo Nunes de Azevedo) A palavra Zen ƒ derivada do chin‚s Ch'an que, por sua vez ƒ uma corruptela da palavra s‹nscrita Dhyana, que pode ser traduzida aproximadamente por Medita€•o. O Zen n•o ƒ, como poder…amos apressadamente julgar, uma escola meditativa em linhas tipicamente hindus. "Certo estudante em busca da ilumina€•o interior, procurou um monge chamado Kwanb-Zan para instru…-lo. Este perguntou-lhe onde tinha estudado e o que aprendera. O ardoroso estudante respondeu que seus conhecimentos foram adquiridos no Monastƒrio Yogen, sob a dire€•o de Jkashitzu. L„ aprendera tudo sobre o caminho gradual da medita€•o e para demonstra-lhe a tƒcnica meditativa sentou-se a um canto, tranquilamente, de pernas cruzadas. Permaneceu assim durante algum tempo, quando foi sacudido por Kwan-Zan que, aos gritos lhe apontava o caminho da estrada dizendo: 'Fora! Meu mosteiro j„ tem muitos Budas de pedra! N•o necessitamos de mais nenhum!" pag.34 O Zen procura sobrepassar o dualismo, pois a vida ƒ uma sŠ. Perdemos essa consci‚ncia porque a retalhamos incessantemente com o bisturi do nosso intelecto. Henry Bergson em Matƒria e MemŠria expressa o mesmo ao dizer: "Aquilo que comumente chamamos de um fato, na realidade, n•o o ƒ, conforme surge na intui€•o imediata, mas sim uma adapta€•o a pr„ticas e exig‚ncias da vida social. A intui€•o pura, externa o interna ƒ de uma continuidade intr…nseca. Quebramos essa continuidade em elementos, pondo-os lado a lado, o que vem a corresponder, num caso (por exemplo o da linguagem), a palavras distintas e, noutro (na observa€•o da realidade), a objetos independentes." pag.36 Koan ƒ um exerc…cio para ativar a circula€•o espiritual. (...) pag.38 Em outra histŠria, um monge lamenta-se diante de seu mestre: - Como poderei libertar-me da roda dos nascimentos e das mortes? Responde o mestre: - Quem te colocou nela? p„g.31 Introdu€•o ao Zen-Budismo (Daisetsu Teitaro Suzuki) O Zen sustenta ser budista, mas todos os ensinamentos budistas, do modo por que s•o propostos nos sutras e sastras, s•o tratados pelo Zen como mero papel, cuja utilidade consiste em limpar o lixo do intelecto e nada mais. O Zen, entretanto n•o ƒ niilista. Todo niilismo ƒ autodestrutivo, n•o termina em lugar nenhum. O negativismo ƒ puro como um mƒtodo, mas a verdade mais alta ƒ uma afirma€•o. Quando se diz que o Zen n•o tem filosofia que nega toda autoridade doutrin„ria, que pˆe de lado toda a literatura sagrada como inŒtil, n•o se pode esquecer que o Zen est„ sustentando, com
essa negativa, algo completamente positivo e eternamente afirmativo. (...) O Zen está livre de todos esses entraves dogmáticos, religiosos e filosóficos. pag.59 Quando uma coisa é negada, a própria negativa envolve algo que não é negado. O mesmo pode ser dito em relação à afirmativa. Isto é inevitável na lógica. O Zen quer ultrapassar a lógica, quer encontrar uma mais alta afirmação onde não haja antítese. pag.60
"O caminho do meio está onde não há nem meio nem dois lados. Quando estais escravizados ao mundo objetivo, tendes um dos lados, quando estais com a mente perturbada, tendes o outro. Quando nenhum desses lados existe, não há a parte do meio e portanto aí estará o caminho do meio." pag.71 Tem uma base firme na verdade, obtida através de uma profunda experiência pessoal. (...) Quando visto deste ponto, o próprio movimento do universo não vale mais do que o vôo de um mosquito ou o abanar de um leque. O que importa é divisar o mesmo espírito, trabalhando através de todas as coisas, o que é uma afirmação absoluta sem nenhuma partícula de niilismo. Um monge perguntou a Joshu: "O que diríeis se eu chagasse até vós sem nada trazer?" Joshu respondeu: "Arremessai ao chão." Protestou o monge: "Disse que não tinha nada, como poderia então por no chão?" "Neste caso, levai-o." foi a resposta de Joshu. pag.76 "Com que enquadramento mental deve o indivíduo disciplinar-se para alcançar a verdade?" Respondeu o mestre Zen: "Não há nenhuma mente a ser disciplinada, nem qualquer verdade na qual nos disciplinemos." "Se não há nenhuma mente a ser enquadrada e nenhuma verdade na qual nos disciplinemos, por que diariamente vos reunis aos monges? Se não tenho língua, como será possível aconselhar os outros a virem até mim?" O mestre replicou: "Eu não possuo nem uma polegada de espaço para ceder, portanto onde posso conseguir uma reunião de monges: Não possuo língua, como pois aconselhar os outros a virem a mim?" O filósofo então exclamou: "Como podeis proferir uma mentira dessas na minha cara?" "Se não tenho língua para aconselhar os outros como é possível pregar uma mentira?" Desesperado disse Doko: "Não posso seguir o vosso raciocínio." "Nem eu mesmo o compreendo", concluiu o mestre Zen. pag.79 Observai a pá nas minhas mãos vazias; Enquanto montado num touro vou andando a pé. Quando passo sobre a ponte não é a água que corre, e sim a ponte. (Shan-hui, 497-469) pag.80 Geralmente, pensamos de uma maneira absoluta que A é A e que a proposição A é não-A ou A é B é impensável. Nunca pudemos quebrar estas condições da nossa compreensão. Elas são demasiadamente tirânicas. Mas, vem-nos agora o Zen e declara que as palavras são palavras e nada mais. Quando as palavras cessam de corresponder aos fatos, é ocasião de rompermos com as palavras e retornarmos aos fatos. pag.82 A explicação dada por Gensha (Hsuan-sha 831-908) é a seguinte: "Todos aqueles que são propensos à devoção gostam de abençoar os outros de todos os modos possível. Mas, quando se defrontam com três espécies inválidos, como os tratam? Um cego não pode ver nem a vara nem a maça que lhe mostram. Um surdo não pode ouvir o mais belo dos sermões que lhe pregam. E um mudo não pode falar por mais que o induzam a isso. Porém, se o sofrimento dessas pessoas não pode ser mitigado, o que há de bom no budismo, afinal de contas?" pag.85 A razão pela qual o Zen é tão veemente em seu ataque contra a lógica (...) é que a lógica embebeu de tal modo a vida que nos faz concluir que a lógica é vida e sem ela a vida não tem significação. O mapa da vida tem sido tão definido e tão minuciosamente delineado que o que temos a fazer é simplesmente segui-lo e não pensar nas leis da lógica que são consideradas finais. Tal visão geral da vida tem sido sustentada por muita gente, embora cumpra dizer que essas pessoas estão constantemente violando o que consideram inviolável. Isto é: "Elas estão empunhando uma pá e não estão a empunhando", estão fazendo a soma de dois e dois igual a três, algumas vezes igual a cinco. Somente não estão conscientes desse fato e imaginam que sua vida é lógica e matematicamente regulada. pag.86 Um mestre Zen declarou em um dos seus sermões: "Dizem que os sutras pregados pelo Buda durante a sua vida atingem a cinco mil e quarenta e oito fascículos. Incluem a doutrina do vazio e a doutrina do ser, há ensinamentos para uma realização imediata e para um desenvolvimento gradual." Não é isto uma afirmação? "Mas de acordo com Yoka (Yung-chia) em sua Canção da Iluminação, não há seres sensíveis, não há Budas. Sábios tão numerosos como areias do Ganges são somente bolhas no mar, os sábios e homens ilustres do passado são como relâmpagos." Isto não é uma negação? "Ó meus discípulos, se dizeis que há estais contra Yoka, se dizeis que não há, contradizeis o vosso velho mestre Buda. Caso ele estivesse aqui conosco, como resolveria esse dilema? Se sabeis exatamente onde nos encontramos, podemos ver o Buda pela manhã e saudá-lo à tarde. Caso confesseis a vossa ignorância, deixarei que vejais o segredo. Quando digo que não há isso, não significa necessariamente uma negativa. Quando digo que há isto, também não significa uma afirmativa. Voltai-vos para o leste e olhareis a terra do ocidente; fitai o sul e a estrela do norte lá estará." pag. 87
Certa vez Shuzan (Shou-shan 926-992) empunhou seu shippe (bastão de bambu) numa reunião de discípulos e declarou: "Chamai isto um shippe e afirmareis, dizei que isso não é um shippe e negareis. Agora, não afirmando ou negando como o chamareis? Falai, falai!" Um discípulo saiu das fileiras, tomou o shippe das mãos do mestre e quebrando-o em dois exclamou: "O que é isto?" pag.88 Temos de lembrar que vivemos em afirmação e não em negação. A vida é uma afirmação em si mesma e esta afirmação não deve ser acompanhada nem condicionada por uma negação, pois é relativa e jamais absoluta. Com tal afirmação a vida perde sua originalidade criativa e se transforma num processo mecânico de pulverização de ossos e carne sem alma. (...) O Zen não significa simples fuga da prisão intelectual, que algumas vezes pode acabar em completo desregramento. Há algo no Zen que nos liberta dos condicionamentos e nos dá ao mesmo tempo um firme apoio que, entretanto não é um apoio no sentido relativo. O mestre Zen tenta retirar todos os apoios do discípulo, já que este nasceu na terra. Em troca, ele oferece um apoio que realmente nada apóia. Niilismo não é Zen porque não podemos desembaraçar-nos do bambu ou das demais coisas como podemos fazer com as palavras e a lógica. Este é um ponto que não deve ser subestimado no estudo do Zen. pag.90-91 Seihei (Tsing-ping, 845-919) perguntou a Suibi (T'sui-wei): "Qual é o princípio fundamental do budismo?" "Esperai", disse Suibi. - "Quando não tiver ninguém próximo dir-vos-ei." Após certo tempo, Seihei repetiu a pergunta, dizendo: "Agora não há ninguém aqui. Por favor, iluminai-me." Descendo da sua cadeira, Suibi levou o curioso até um bosque de bambu e lá chegando nada disse. Quando este ultimo foi mais uma vez pressionado para uma resposta Suibi sussurou-lhe: "Como estão crescidos estes bambus! E como estão curtos aqueles lá!" pag.96 O Zen abomina todos os meios, mesmo os intelectuais. É em primeira e ultima instância, uma disciplina e uma experiência que não depende de qualquer explicação pois uma explicação desperdiça tempo e energia e nunca alcança o alvo. (...) Quando o Zen deseja que experimentes a doçura do açúcar, ele o coloca direto na tua boca, sem qualquer palavra. pag.97 Um monge perguntou a Daiju: "São as palavras a Mente?" "Não, as palavras são condições externas (yen em japonês, yuan em chinês), elas não são a Mente." "Fora das condições externas, onde podemos procurar a Mente?" "Não há Mente independente das palavras. (Isto é: a Mente está nas palavras, mas não deve ser com elas identificada)." "Não havendo uma Mente independente das palavras, o que é a Mente?" "A Mente é informe e sem imagens. A verdade é que ela não depende nem independe das palavras. É eternamente serena e livre na sua atividade. Diz o Patriarca: Quando compreenderes que a Mente não é Mente, compreenderás a Mente e suas atividades. pag.103 A vida é a base de todas as coisas, fora dela nada pode permanecer. Com toda a nossa filosofia, com todas as nossas grandes e arrebatadoras idéias, não podemos escapar da vida que vivemos. Aqueles que sonham com as estrelas ainda tem os pés na terra sólida. O que é então o Zen quando se faz acessível a todos? Joshu (Chao-chou), certa vez perguntou a um novo monge: "Estivestes alguma vez aqui? Ao que o monge respondeu: "Sim senhor, já estive." A seguir o Mestre disse: "Tomai então uma xícara de chá." Mais tarde chega outro monge e ele pergunta-lhe a mesma coisa: "Estivestes alguma vez aqui?" Desta vez a resposta foi completamente oposta. "Eu nunca estive aqui senhor." O velho Mestre, entretanto, respondeu da mesma forma: "Tomai então uma xícara de chá." A seguir o Inju (monge administrador do convento) perguntou ao Mestre: "Por que sempre ofereceis a mesma xícara de chá, qualquer que seja a resposta do monge?" O velho Mestre chama-o logo a seguir: "Ó Inju!" Este o atende: "Sim, Mestre." Ao que Joshu completou: "Tomai então uma xícara de chá." pag.104-105 Um poeta Zen canta: Como é maravilhosamente estranho e milagroso tudo isto! Eu retiro água e carrego combustível. pag.107 (...) a verdade do Zen encontra-se no seu lado prático e não na sua irracionalidade, não devemos por tanta ênfase nesta última porquanto isso tornaria o Zen mais inacessível aos intelectos comuns." pag.107 A um distinto instrutor, certa vez, perguntaram: "Fazeis qualquer esforço para vos tornardes disciplinado na verdade?" "Sim, faço." "Como vos exercitais?" "Quando estou com fome, como. Quando estou cansado, durmo." "Isto é o que todo mundo faz. Assim podemos considerar que eles estão também se exercitando da mesma forma por que o fazeis?" "Não." "Por que não?"
"Porque quando eles comem, não estão comendo e sim pensando em várias coisas, deixando-se, portanto, perturbar por vários pensamentos. Quando eles dormem, não estão dormindo e sim sonhando com mil e uma coisas. Esta é a razão por que não são como eu." Caso consideremos o Zen uma espécie de naturalismo, devemos admitir que ele repousa numa sólida disciplina. É nesse sentido e não como os libertinos tentam compreendê-lo, que pode ser concebido como naturalista. Os devassos não tem qualquer liberdade de espírito. Eles estão de mãos e pés atados por agentes externos ante os quais são completamente impotentes. O Zen, ao contrário, goza de uma liberdade perfeita, isto é, domina-se a si mesmo. O Zen não tem moradia, usando-se uma expressão favorita do Prajnaparamita Sutra. Quando uma coisa tem moradia permanente, está acorrentada. Não é mais absoluta. Um monte perguntou: "Onde é a moradia da mente?" "A mente mora onde não há moradia", respondeu o mestre. "O que significa não ter moradia?" "Quando a mente não mora em qualquer objeto, dizemos que ela mora onde não há moradia." "O que significa não morar em qualquer objeto?" "Significa não aceitar o dualismo do bem e do mal, ser e não ser, pensamento e matéria. Significa não permanecer no vazio, nem no não-vazio, nem na tranqüilidade. Onde não há lugar para residir está verdadeiramente localizada a moradia da mente." pag.110 A aquisição de um novo ponto de vista, em Zen, é chamado satori (wu em chinês). (...) Qualquer que seja a definição, satori significa o desabrochar de um novo mundo até então despercebido, em face da confusão da mente dualística. pag.113 Certa noite, Doken desesperado, implorou ao amigo que o assistisse na solução do mistério da vida. Ao amigo disse: "Estou pronto a vos auxiliar de todos os modos possíveis, mas há certas coisas que não posso auxiliar de forma alguma. Estas deveis olhar por vós mesmo." Doken desejou conhecer que coisas eram essas. Disse o seu amigo: "Por exemplo, quando estiverdes com fome ou sede, de nada vale que eu coma ou beba. Tendes de beber o comer por vós mesmo. Quando quiserdes atender às necessidades da vossa natureza, tendes de fazer por vós mesmo, pois não poderei ser de nenhuma utilidade. Não será nenhum outro, mas somente vós que conduzireis o vosso corpo pela estrada." pag.115 O satori não consiste em produzir uma certa condição predeterminada, por pensar-se nela intensamente. É adquirir um novo ponto de vista ao olhar para as coisas. (...) É uma espécie de catástrofe mental, ocorrendo num instante, após o empilhamento de materiais intelectuais e demonstrativos. O empilhamento atingiu o limite da estabilidade, todo o edifício ruiu até o solo e então um novo céu se abre para nós. (...) O mundo aparece-nos vestido numa roupagem diferente, que parece cobrir todos os dualismos, considerados ilusórios na fraseologia budista. (...) O satori não é ver deus como ele é, como dizem alguns místicos cristãos. O Zen desde o começo foi claro e insistiu sobre a sua tese principal, que é de ver o processo do próprio trabalho da criação. (...) Não depende de um criador para seu sustento. (...) Não é que o Zen deseje ser mórbido, profanador ou ateísta, e sim porque reconhece a relatividade de um nome. Portanto, quando pediram a Yakusan (Yueh-shan, 751-834) que fizesse uma conferência, ele não proferiu uma palavra. Desceu do púlpito e dirigiu-se ao seu quarto. Hyakujo andou uns poucos passos, parou e então abriu os braços numa exposição muda de um grande princípio. (...) Todas as tuas atividades mentais estarão agora sendo feitas numa tônica diferente. Mais satisfatória, mais pacífica e cheia de alegria do que tudo antes experimentado. O tom da vida alterou-se. pag.119-121 O Zen pode ser considerado uma forma de misticismo, mas difere de todas as formas místicas, quanto à disciplina e à conquista final. Quer dizer, quando ao exercício do koan e do zazen. Zazen, ou seu equivalente sânscrito Dhyana, significa sentar de pernas cruzadas em quietude e profunda contemplação. (...) Quando usado em conexão com o koan, assume forma especial e torna-se um monopólio do Zen. (...) Dhyana constituía um dos ramos principais do budismo. Esses ramos eram: Sila (preceitos morais), Dhyana (contemplação) e Prajna (sabedoria). (...) Aqueles que seguem o Zen podem ser considerados praticantes da Dhyana. Mas a Dhyana do Zen não é interpretada no antigo sentido. (...) De acordo com o Mahayana Sastra, a que se refere a Dhyana Paramita Sistematicamente Exposta, de Chi-sha Daishi, fundador da seita Tien-Tai, a Dhyana é praticada a fim de preencher os quatro grandes votos almejados por todo fiel budista. São os seguintes os votos: 1 - Eu me comprometo a salvar todos os seres sensíveis, mesmo que sejam infinitos. 2 - Todas as paixões, mesmo inexauríveis, eu me comprometo a controlar. 3 - Todos os santos ensinamentos, mesmo que sejam inumeráveis, eu me comprometo a aprender. 4 - Todos os caminhos do Buda, mesmo intransponíveis, eu me comprometo a cumprir. (...) Dhyana vem da raiz dhi que significa perceber, refletir a respeito de algo, fixar a mente, enquanto dhi, etimologicamente pode ter alguma conexão com dha, suster, manter, guardar. Dhyana significa, pois, manter o pensamento unido, não deixando peregrinar para longe do seu caminho (...) para que a mente atinja a condição mais favorável em que gradualmente se elevará acima da turbulência das paixões e sensualidades. Por exemplo, o comer e o beber devem ser regulados. Não se deve apreciar demasiadamente o sono. O corpo tem de ser mantido numa posição confortável e relaxada, e o controle da respiração ritmado. pag.123-125 O Zen não faz de Dhyana um fim em si mesmo, pois, à parte do exercício koan, a prática do zazen é de desconsideração secundária. (...) Mesmo quando o koan é compreendido, sua verdade profundamente espiritual não entrará na mente do estudante Zen, se ele não tiver treino no zazen. Koan e zazen são os dois criados do Zen. Um é o olho, o outro é o pé. pag.126
O koan (...) é um dedo indicador apontando para a lua. Destina-se a sintetizar ou transcender (qualquer expressão que queiras usar) o dualismo dos sentidos. Quando perguntaram a Joshu sobre a significação da vinda de Bodhidharma ao leste (o que proverbialmente é o mesmo que perguntar acerca do princípio fundamental do budismo) ele replicou: "O cipreste do pátio." "Estais falando de um símbolo objetivo", disse o monge. "Não. Não estou falando de um símbolo objetivo." "Então qual é o princípio último do budismo?" perguntou o monge. "O cipreste do pátio." repetiu Joshu. (...) O koan deve ser nutrido nos recessos mentais, que a análise lógica não alcança. (...) Os koans, como vimos, são feitos para fechar todas as possíveis avenidas à racionalização. (...) Quando alcançam este ponto, os koans podem considerar-se como tendo cumprido metade do objetivo a que se destinam. pág 130-132 Quando o koan quebra todos os obstáculos para chegar à verdade última compreendemos que não há "lugares ocultos da mente", nem mesmo a verdade Zen, que sempre aparece, é tão misteriosa. Koan não é um enigma nem uma observação misteriosa. Ele tem um objetivo mais definido: levantamento da dúvida, impulsionando-a até os limites últimos. pag.133 A vida dos monges na sala de meditação nos recorda a vida da Sangha na Índia. O sistema foi fundado pelo mestre Zen Hyakujo (Paichang, 720-840) há mais de mil anos. Ele deixou uma famosa frase que foi o princípio fundamental da sua vida: "Dia sem trabalhar é dia sem comer", o que quer dizer "não comer sem trabalhar". Quando seus discípulos o julgaram muito velho para labutar no jardim, sua ocupação favorita, esconderam os utensílios, pois o velho mestre não lhes ouvia as repetidas observações. Ao ver que não podia mais trabalhar, Hyakujo recusou a alimentação que lhe era oferecida dizendo: "não trabalhar, não viver". Em todos os recintos de meditação, o trabalho, em especial o trabalho considerado mais servil, é um elemento vital da vida monástica, que inclui boa dose de trabalhos manuais, tais como varrer, limpar, cozinhar, juntar lenha, arar a terra, esmolar nas vilas próximas e longínquas. Não se considera nenhum trabalho abaixo da dignidade e um perfeito sentimento de fraternidade prevalece entre eles. Crêem na santidade do trabalho manual, não importando a dureza ou o caráter desprezível do mesmo. (...) Psicologicamente isto é esplêndido, pois a atividade muscular é o melhor pois a atividade muscular é o melhor remédio para a preguiça mental que nasce do hábito da meditação e o Zen, muitas vezes pode produzir este efeito indesejável. pag.142-143 "Uma roupa e uma tigela sob uma árvore e sobre uma pedra" descrevem graficamente a vida de um monge na Índia. pag.144 O desejo de possuir é considerado pelo budismo uma das piores paixões que podem obcecar os seres humanos. (...) O ideal Zen de por todas as posses do monge numa pequena caixa é seu mudo e inoperante protesto contra a atual ordem das coisas da sociedade. (...) Não devemos, entretanto, concluir que o ascetismo é a vida ideal dos monges budistas. (...) A idéia central da vida do monge é não perder, e sim fazer o melhor uso possível das coisas que nos são dadas. Este é também o espírito geral do budismo em qualquer parte. Na verdade, o intelecto, a imaginação e todas as outras disciplinas mentais, bem como os objetos físicos que nos cercam, sem exceção do nosso próprio corpo nos são oferecidos para desabrochamento e intensificação dos maiores poderes que possuímos latentes e não para a gratificação dos desejos individuais que decerto entrarão em conflito e injuriarão os interesses e deveres alheios. pag.145-146 Em alguns aspectos, sem dúvida, esta espécie de educação monástica que prevalece no Zen está fora dos tempos atuais. Mas suas diretrizes principais, tais como a simplificação da vida, controle dos desejos, o não desperdício do tempo, a auto-independência, e o que eles chamam "virtude secreta", são aplicáveis em todas as terras e em todas as épocas. Isto é especialmente verdadeiro quanto ao conceito de "virtude secreta", que é caracteristicamente Zen. Significa não malbaratar os recursos naturais. Fazer pleno uso econômico e moral de tudo que vem até nós. (...) Significa, particularmente, praticar a bondade sem qualquer cogitação de reconhecimento por parte dos outros. (...) O Zen chama isso de "ação sem mérito" (anabhogacarya) e a compara ao trabalho do homem que tenta encher um poço com neve. Jesus disse: "Quando deres esmolas, não deixes que a tua mão esquerda saiba o que fez a direita." Tuas esmolas devem ser feitas em segredo. Esta é a "virtude secreta" do budismo. Mas, quando se afirma que o "Pai que tudo vê em segredo te recompensará" depara-se-nos o grande golfo entre o budismo e o cristianismo. Enquanto houver qualquer pensamento em alguém, deus ou demônio que reconheça as nossas ações e as recompense, (...) ações resultantes de tal pensamento deixam traços e sombras. Se um espírito registra nossos pensamentos durante todo o tempo, chegará um momento em que te fará prestar contas do que fizeste. O Zen nada tem a ver com isso. (...) O Zen não abriga qualquer traço de orgulho ou glorificação, mesmo após a prática de um bem. Muito menos comporta o pensamento de recompensa, ainda que essa recompensa venha de deus. O filósofo chinês Resshi (Lien-tzu) descreve esse estado mental de forma mais gráfica possível: "Deixei que a minha mente pensasse o que quisesse, sem qualquer restrição, e que a minha boca dissesse o que desejasse. Esqueci a seguir se isso e não - isto era meu ou dos outros. Se o lucro ou a perda pertencia a mim ou aos outros. Nem sabia se Lao-shang-shih era meu instrutor e se Pa-kao era meu amigo. Estava completamente transmutado, dentro e fora. Nessa ocasião, o olho tornou-se igual à orelha. A orelha igual ao nariz. O nariz igual à boca e não havia nada para ser identificado. Quando a mente se concentra, a forma dissolve-se e os ossos e a carne derretem-se. Não mais sabia o que sustentava minha forma ou onde pisavam meus pés. Movia-me a sabor do vento. Para leste ou oeste, como uma folha caída do tronco. Não tinha consciência se cavalgava o vento ou se o vento me cavalgava." pag.155-156 "As sombras dos bambus movem-se sobre os degraus de pedra como se os varressem, mas nenhum pó é levantado. A lua reflete-se nas profundezas do lago, mas a água não mostra nenhum traço da penetração." pag.157