Todos os direitos reservados. Copyright © 2017 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Preparação dos originais: Cristiane Alves Capa: Adaptação Elisangela Santos Projeto gráfico e Editoração: Elisangela Santos Produção de ePub: Cumbuca Studio CDD: 230 – Cristianismo e teologia cristã ISBN: 978-263-1493-1 ISBN digital: 9788526315129 As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário. Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Av. Brasil, 34.401, Bangu, Rio de Janeiro – RJ CEP 21.852-002 1ª edição: Outubro/2017
meu genro Vinicius B. Zimmer. Um precioso tesouro que Deus tem me dado e razão para enfrentar vários desafios de cabeça erguida, pois me dão o apoio em todas as circunstâncias.
Um especial agradecimento aos meus pais: meu pai, Bevenute das Neves ( in memorian), que me ensinou o respeito e consideração aos demais seres humanos e à minha mãe, Maria Francisca Dantas das Neves ( in memorian), que mesmo não alfabetizada sempre me incentivou para estudar e buscar novos conhecimentos. Aproveito, também, para fazer uma homenagem ao meu mano Manoel das Neves ( in memorian). Enquanto estava escrevendo este livro, Deus achou por bem levá-lo. Ele tinha 59 anos e deixou uma esposa (Márcia) e seis filhos: Suzy, André, Rubiacley, Bevenute, Marcos, Andreia e Simone (por ordem de idade). Que Deus continue cuidando e orientando a família para que sigam os passos de Cristo descritos nesse livro, que comenta sobre a obra e vida de Jesus, segundo o Evangelho de Mateus. Sou grato a todas as pessoas que direta ou indiretamente fizeram a diferença em minha vida e caminhada cristã. Não é possível lembrar e muito menos registrar neste espaço, pois desde a infância, por meio dos familiares, dos amigos, dos professores e dos líderes de todas as áreas da vida, tenho recebido ensinamentos que foram agregados ao conhecimento e contribuíram para o amadurecimento pessoal, profissional e espiritual. Em especial, nos últimos 15 anos de estudos na área teológica, com as contribuições de meus professores na área acadêmica, sobretudo, ao meu orientador no bacharelado, Professor Doutor Antônio Renato Gusso e ao Professor Doutor Luiz Alexandre Solano Rossi, no mestrado e doutorado em teologia. Agradeço ao diretor-executivo da CPAD, Ronaldo Rodrigues de Souza, pela confiança e ao gerente do Departamento de Publicações, pastor Alexandre Coelho, pela coordenação da publicação e pela elaboração do prefácio do livro. Enfim, a você que investiu neste livro, acreditando que Deus falará ao seu coração por meio dele.
povo hebreu. o livro de Mateus que inicia o Cânon do Novo Testamento, certamente para mostrar que um escritor judeu reinicia o processo de registro inspirado, interrompido com o último profeta do Antigo Testamento. Jesus, o Rei, não é sempre bem recebido por seus súditos, e mesmo entre seus discípulos, após a ressurreição, houve quem duvidasse de seu retorno da morte. Mas os apontamentos dos milagres de Jesus e suas interferências sobrenaturais permanecem ao longo do Evangelho. Um Rei vindo de Deus teria registradas as marcas de sua divindade, e por escrito. Mateus era um fiscal da Receita, um profissional que atraía bastante animosidade de seus compatriotas. Mesmo assim, ele seguiu Jesus a ponto de fazer anotações dos milagres, das palavras e da história do Senhor. Em sua narrativa, não deixou de apontar a rejeição dos líderes religiosos à mensagem de Jesus. Narrou a tentação do Senhor e o Sermão do Monte, tema tão amado por cristãos no mundo. Mateus mostra um momento em que antes de sua morte, Jesus cantou com os seus discípulos, uma atitude típica de udeus que comemoravam a Páscoa. Os escritos de Mateus atravessaram séculos, e hoje podem ser estudados para que possamos ver como Jesus é apresentado ao seu próprio povo. Essa pesquisa ultrapassa os limites do evangelho aos judeus, e chega à Igreja Cristã como uma fonte de inspiração, de prática e de advertência para que não desprezemos a presença de Cristo entre nós. Sob essa perspectiva, o Pastor e Doutor Natalino das Neves nos brinda com este livro, Seu Reino não Terá Fim. Fruto do desafio de conjugar a pesquisa acadêmica com a aplicação para a Igreja de nossos dias. O autor nos oferece um texto de pesquisa bem fundamentado, sem perder de vista a prática daquilo que Jesus ensinou com palavras e obras, e que vale para a realidade cristã de nossos dias. Diferente dos reinos deste mundo, que deixarão um dia de existir, o de Cristo não terá fim. Essa é uma das esperanças daqueles que aguardam o Reino de Cristo, o Rei dos reis. No Amor do Senhor, Alexandre Claudino Coelho Gerente de Publicações da CPAD
n ro uç o 1. O Evangelho de Mateus I. Questões Introdutórias ao Evangelho de Mateus II. A Genealogia de Jesus em Mateus III. A Teologia de Mateus
2. O Nascimento de Jesus Segundo o Evangelho de Mateus I. Maria, a Mulher da qual Nasceu Jesus II. José, Esposo da Mulher da qual Nasceu Jesus III. O Nascimento Virginal de Jesus Cristo
3. O Batismo de Jesus I. Jesus se Permite Ser Batizado por João Batista II. O Batismo e os Sinais III. O Batismo de Jesus e o Batismo Cristão
4. A Tentação de Jesus A Tentação de Jesus I. A Tentação do Sustento Material no “Deserto” II. A Tentação do Uso do “Templo” para Exploração III. A Tentação do Uso Indevido do Poder
5. Os Primeiros Discípulos I. Chamados para Ser Pescadores de Almas II. Chamados para o Discipulado
6. Os Discípulos São Comissionados por Jesus I. A Proclamação do Reino dos Céus II. Poder para Realizar Sinais III. Proclamar o Reino mesmo com as Rejeições
7. O Perigo da Falsa Religiosidade I. A Falsa Religiosidade e a Injustiça II. A Falsa Religiosidade e a Cegueira Espiritual III. A Mercantilização da Fé e da Adoração
8. A Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém I. O Rei-Messias Montado em um Jumentinho II. A Entrada Triunfal Predita pelos Profetas III. A Recepção Simbólica do Rei-Messias
9. Acerca das Últimas Coisas I. A Destruição do Templo e do Fim dos Tempos II. Análise Tipológica da Destruição do Templo III. A Responsabilidade Humana e o Julgamento Divino
10. O Cristo Crucifi cado: Está Consumado! I. A Crucifi cação de Jesus II. A Morte de Jesus
III. O Sepultamento de Jesus
11. A Ressurreição de Jesus Cristo I. A Ressurreição Foi Acompanhada de Sinais II. Evidências no Relato da Ressurreição III. Evidências Circunstanciais da Ressurreição
12. A Ordem Suprema de Cristo Jesus I. A Aparição de Jesus aos Discípulos na Galileia II. Jesus Ordena que se Façam Discípulos III. A Presença Espiritual e Permanente de Jesus
Apêndice Sermão do Monte: As Virtudes do Reino dos Céus
Considerações Finais Referências
que caminhou com Jesus e os primeiros apóstolos. Outra razão é por ser apresentado com uma estruturação marcadamente didática, distribuído em um preâmbulo, na sequência cinco blocos narrativos alternados com cinco blocos discursivos e o epílogo: 1. Preâmbulo: Introdução e genealogia de Jesus (Mt 1-2). 2. Cinco blocos narrativos: 1) Batismo e tentação de Jesus (Mt 3-4); 2) Ministério na Galileia (Mt 8-9); 3) Reações à proclamação e sinais de Jesus (Mt 11-12); 4) O desenvolvimento do seguimento de Jesus (Mt 13.54-17.27); 5) O ministério na Judeia e Jerusalém (Mt 19-23). 3. Cinco blocos discursivos: 1) Sermão da Montanha (Mt 5-7); 2) o Discurso Missionário (Mt 10); 3) o Discurso em Parábolas (Mt 13), 4) o Discurso sobre a Comunidade Cristã (Mt 18); 5) os Discursos Escatológico e Apocalíptico (Mt 24-25). 4. Epílogo: Morte e Ressurreição de Jesus. Alguns autores, ao compararem o Evangelho de Mateus com o de Marcos, afirmam que ele é menos vivo e interessante do que este. Sean Freyne (1996, p. 68) afirma que “há muito tempo se reconhece que ao reescrever a narrativa de Marcos, Mateus adotou um estilo menos vivo, mais hierático e distanciado que o de Marcos”. No entanto, a limitação em termos narrativos e de retórica em comparação com o Evangelho Marcos é compensada pelo caráter didático de Mateus e a forte ênfase no ensino de Jesus, o que o torna efetivamente interessante. Isso ficará perceptível no decorrer dos capítulos deste livro. O Evangelho de Mateus, mesmo contendo textos antigos que foram escritos para determinada comunidade em situações específicas e históricas, contém ensinamentos que, a partir da realidade atual, fortalece a Igreja para o testemunho do Reino de Deus e de sua ustiça. O Evangelho Mateus descreve a vida e obra de Jesus de tal forma que se torna um manual de instrução sobre o estilo de vida cristã que Deus planejou para que sua Igreja seja o sal da terra e luz do mundo até a parúsia (volta de Cristo). Para atender o objetivo deste livro, apoio às Lições Bíblicas Jovem da CPAD com mesmo tema, ele não se propõe a ser um comentário com aprofundamento exegético. Os comentários seguirão, prioritariamente, uma abordagem bíblica, teológica e pastoral. Neste mesmo objetivo, o famoso Sermão do Monte (Mt 5-7) será abordado no apêndice deste livro, uma vez que o tema já foi objeto de estudo no segundo trimestre de 2017.
vai dar base á teologia de Mateus ao apresentar Jesus como Messias esperado pelos judeus, bem como à promessa universal feita a Abraão, tanto pai da nação judaica, como pai de todo aquele que crê como ele creu (Gn 15.6). Ao final será abordado sobre os principais temas teológicos de Mateus.
I. QUESTÕES INTRODUTÓRIAS AO EVANGELHO DE MATEUS
Antes da leitura do conteúdo do texto final dos livros bíblicos faz-se necessário conhecer algumas informações que não estão no texto, bem como uma visão panorâmica sobre a intenção do autor ou do redator final. Essa abordagem auxilia a interpretação e o entendimento da mensagem. O bom senso e disposição para aprender são indispensáveis no estudo dos textos bíblicos. Neste tópico conheceremos um pouco mais sobre: a autoria, a datação, a importância da genealogia de Jesus, o propósito e a teologia que perpassa o Evangelho de Mateus. a. Questões sobre a autoria e datação
Nenhum dos evangelhos informa em seu texto o nome do autor. Algumas pessoas pensam equivocadamente que os títulos dos evangelhos fazem parte do texto original e são garantias de autoria. Os primeiros leitores tinham as primeiras palavras como título do livro. Os títulos que conhecemos atualmente foram incluídos posteriormente e não faziam parte do texto original. Essa é uma das causas da dificuldade para datação exata de alguns dos textos bíblicos. Agostinho (354-430), em sua obra “ De consenso evangelistarum ”, escrita por volta de 400 d.C., marcou profundamente e por longo tempo (até o século XIX) a interpretação dos evangelhos. Nessa obra, ele afirma que os evangelhos foram produzidos na ordem em que aparecem no cânon cristão, sendo o Evangelho de Marcos um resumo de Mateus. Segundo ele, Lucas escreve por último, usando os dois anteriores como fonte de pesquisa (KÜMMEL, 1982, P. 44). Com isso, defende a autoria do discípulo de Jesus, o apóstolo Mateus e, consequentemente, uma data mais próxima dos acontecimentos narrados no evangelho. No entanto, com o surgimento da analise comparativa dos três primeiros evangelhos em conjunto (Mateus, Marcos e Lucas) as opiniões dos principais estudiosos dos evangelhos começaram a mudar. Os estudos teológicos nas últimas décadas evoluíram com o auxílio de ciências e metodologias como a antropologia, arqueologia, sociologia, teoria literária, entre outras. Os principais estudiosos dos evangelhos das últimas décadas como Lanchmann, C.H. Weisse, C. G. Wilke, Graham N. Stanton, Donald Senior, David Aune, Ulrich Luz, entre outros, trouxeram grandes contribuições para a interpretação dos evangelhos. Entre os estudiosos há a tendência que aponta uma fonte comum aos três primeiros evangelhos denominada de fonte “Q”. O evangelho de Marcos seria o primeiro benificiário da fonte “Q” e teria servido aos autores de Mateus e Lucas para a escrita de seus evangelhos, acrescidos de novos textos (fonte M e L), pois muito sobre o cristianismo, além de outros textos escritos, também era alimentado de conhecimento popular por meio da tradição oral. Leonel (2013, p. 19), que tem se dedicado a trabalhos recentes de mestrado e doutorado em pesquisa sobre o Evangelho de Mateus, ao analisar sobre a teoria das fontes faz uma interessante observação: “[…] É importante esclarecer as limitações dessa abordagem, reconhecendo que as fontes Q, M e L são uma hipótese literária, visto que não existem
concretamente, sendo conhecidas apenas pelas comparações entre os evangelhos sinóticos”. Carson, Moo e Morris (1997, p.43) afirmam que essa hipótese deve ser tratada “mais como uma teoria funcional do que como uma conclusão concreta”. Desse modo, a definição de autoria, data e lugar de escrita variam de acordo com as posições dos estudiosos. Assim, a autoria defendida pela tradição mais conservadora é atribuída a Mateus, o apóstolo, enquanto que a interpretação mais crítica defende autoria anônima e/ou por mais de um autor. O que predomina é a concordância quanto à autoria de um judeu convertido ao cristianismo. A datação varia entre 60 e 100 d. C. As opiniões sobre o local da escrita variam entre a região situada entre a Galileia e a Antioquia, como na região situada entre norte da Galileia e sul da Síria. O local entre a região da Galileia até a Antioquia. Leonel (2013, p. 25) afirma que “recentemente, a inclinação a favor da Galileia tem ganhado força”. A tendência conclusiva dos estudiosos é a autoria de um judeu da comunidade mateana, que provavelmente escreveu na região da Galileia (região da cidade de Séforis ou Tiberíades) entre 80 a 85 d.C. A região norte da Galileia e sul da Síria é apontada neste evangelho como o local do chamado dos discípulos e do início do ministério de Jesus. Uma região desprezada e descartada pelos principais eruditos judeus como provável região do surgimento do Messias. Portanto, o conteúdo do Evangelho de Mateus contribui para esse posicionamento. Contudo, as divergências apontadas nesta apresentação das questões introdutórias de Mateus não comprometem a interpretação do texto final do evangelho. b. Relação sinótica dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas
Da palavra grega synopsis, que significa “visão de conjunto”. A primeira vez em que os três primeiros evangelhos foram colocados em três colunas com objetivo de compará-los foi em 1776. Dessa forma, J. J. Griesbach foi o primeiro a introduzir a denominação com a sua sinopse dos evangelhos sinóticos (KÜMMEL, 1982, p. 35). Entretanto, os rumos do estudo dos evangelhos realmente começam a mudar com o artigo de Karl Lachmann “ De Ordine Narrationum in Evangelis Synopticis ”, escrito em 1835. Ele analisa de forma mais apurada e sinótica os três evangelhos, demonstrando por meio da organização e ordem dos acontecimentos que o Evangelho de Marcos, provavelmente tenha se utilizado de uma fonte anterior e tenha sido redigido antes de Mateus e Lucas. Em uma análise da organização narrativa da vida de Jesus no Evangelho de João comparada com a dos livros sinóticos fica evidente a diferença entre eles. Portanto, o motivo desse evangelho não pertencer ao grupo. Carson, Moo e Morris (1997, p. 19) fornecem uma síntese comparativa dos evangelhos elucidativa quanto às diferenças entre estes: Quanto ao conteúdo, os três primeiros evangelistas narram muitos dos mesmos acontecimentos, concentrando-se nas curas, exorcismos e ensinos por meio de parábolas realizadas por Jesus. João, embora narre algumas curas significativas, não traz qualquer relato de exorcismo nem parábolas (pelo menos das do tipo encontrado em Mateus, Marcos e Lucas). Além disso, muitos dos acontecimentos
que consideramos característicos dos três primeiros evangelhos estão ausentes em João: o envio dos Doze, a transfiguração, o sermão profético, a narrativa da última ceia. As similaridades entre os três evangelhos sinóticos conduzirão em determinados momentos a análise de Mateus. Determinados textos de Mateus serão interpretados com o auxílio de leituras de textos paralelos dos evangelhos de Marcos e Lucas, quando eles se complementarem. Apesar das semelhanças até na organização dos assuntos desenvolvidos nos evangelhos sinóticos, Mateus e Lucas possuem maior volume e, consequentemente, maior detalhamento de alguns episódios. Um dos exemplos é a narrativa da tentação de Jesus, que é mais rica em detalhes em Mateus e Lucas (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13) em relação a Marcos (Mc 1.12,13). Assim, como acontece também com a inclusão de alguns eventos como a infância de Jesus em Mateus 1-2 e Lucas 1-2, além de sermões e discursos (Mt 5-7 ; Mt 10; 23; Lc 6.17-49), ausentes em Marcos. Desse modo, os Evangelhos de Mateus e Lucas contém um conteúdo maior, mas as semelhanças entre os três evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) deram-lhes o título de evangelhos sinóticos. c. Estrutura do Evangelho de Mateus
Muitos cristãos têm o hábito de ler Mateus por etapas, ou seja, fazem a leitura de um texto aqui, a leitura de outro ali, e assim vai. Às vezes, escolhem os textos por afinidade ou curiosidade. No entanto, um livro bíblico não é elaborado ao acaso, ele obedece a certa estruturação, na qual o autor ou redator final seguiu para passar sua mensagem. Portanto, quanto mais próximo da estrutura elaborada pelo autor, mais perto estaremos de sua intenção. Todavia, nem sempre essa é uma tarefa fácil. Uma estrutura bem elaborada não garante uma boa interpretação, mas estrutura mal elaborada pode comprometer a interpretação de um livro. Porém, no Evangelho de Mateus algumas coisas saltam aos olhos, como exemplo o fato dele ter sido organizado em blocos narrativos e discursivos. Segue abaixo uma proposta de estrutura para a leitura e interpretação do Evangelho de Mateus, destacando esses blocos e suas interações:
Texto Descrição Mateus Introdução, genealogia que demonstra a origem messiânica e divina de Jesus. 1, 2 Mateus 1º Bloco narrativo: Batismo de Jesus, superação das tentações que geram injustiças, 3, 4 proclamação do Reino e chamada dos discípulos. Mateus 1º Bloco discursivo - Discursos do Sermão do Monte: Jesus explica o que é justiça e 5-7 como ela produz a libertação e a felicidade do Reino dos céus. Mateus 2º Bloco narrativo - Ministério na Galileia: Libertação de opressão e enfermidades 8, 9 (doenças, paralisia, possessões, perigos, pecado, morte, cegueira, entre outras).
Constatação que a seara é grande e poucos são os ceifeiros. Mateus 2º Bloco discursivo - Discurso Missionário: Chamado, capacitação e treinamento dos 10 discípulos para continuidade da missão de libertação por meio da justiça do Reino dos céus. Mateus 3º Bloco narrativo: Reações à proclamação e sinais de Jesus: admiração e alegria dos 11, 12 discípulos e injustiçados e conflitos com os principais líderes religiosos do judaísmo. Mateus 3º Bloco discursivo - Discursos das Parábolas do Reino: As parábolas explicam sobre os 13.1- obstáculos para implantação do Reino da justiça e qual seria o futuro do Reino. 53 Mateus 4º Bloco narrativo: O desenvolvimento do seguimento de Jesus com a proclamação do 13.54- Reino e sinais que se expandem cada vez mais. 17.27 Mateus 4º Bloco discursivo - Discurso Eclesial: Menção da igreja como comunidade de proteção, 18 perdão e misericórdia. Mateus 5º Bloco narrativo - Ministério na Judeia e Jerusalém: O caminho para Jerusalém 19-23 intensifica os conflitos com os principais do poder central da religião judaica até culminar com a decisão fatal contra Jesus Mateus 5º Bloco discursivo - Discurso Escatológico: Anuncio da destruição de Templo e de 24-25 Jerusalém e uso da tipologia para anuncio de eventos escatológicos e apocalípticos da vinda do Filho do Homem e o fim dos tempos. Mateus Conclusão - a Páscoa da Libertação: A morte e ressurreição de Jesus marcam um novo 26-28 tempo, a libertação por meio de seu ato de justiça. A igreja, formada pelos seus discípulos, dará continuidade à proclamação e sinais do Reino em todas as nações, mediante a presença espiritual contínua de Cristo, até seu retorno triunfal e glorioso.
A estruturação acima demonstra como Mateus faz com requinte a relação entre agrupamentos narrativos e discursivos, preservando a ênfase nos discursos de Jesus. Como exemplo a conexão entre o agrupamento narrativo (Mt 3-4; 8-9) e o agrupamento discursivo do famoso Sermão do Monte (Mt 5-7; 10). Assim, Mateus dá ênfase no ensino de Jesus. Devido ao propósito deste livro, apoio ao estudo das lições bíblicas de jovens sobre Mateus, não será seguida essa estrutura na sua totalidade e priorizado a sequência das lições, com subsídios adicionais. d. O propósito do Evangelho de Mateus
A visão panorâmica fornecida com a estrutura proposta para o Evangelho de Mateus norteia o caminho a ser seguido para um estudo sistemático e proveitoso. Todavia, no que
se refere ao propósito, o autor do Evangelho de Mateus não faz declarações diretas sobre sua intenção ao escrever o evangelho. Por isso, a diversidade de definições e perspectiva pelos estudiosos do Novo Testamento. A estrutura dá uma pista acerca do lugar que autor intentava chegar, ou seja, qual era o seu propósito. No entanto, segue abaixo análise de propósito, considerando as perspectivas: • Teológica: A obra e vida de Jesus anunciam a chegada do Reino messiânico, cumprimento da Lei, profetas e salmos do Antigo Testamento. No entanto, somente será consumado após a sua Segunda Vinda. Figuras importantes: Filho de Deus, Emanuel, Messias, Filho de Davi, Filho do Homem. • Didática: Os principais líderes religiosos judaicos rejeitaram a Jesus e não reconheceram sua messianidade. Portanto, pecaram e correm perigo da condenação por manterem essa postura mesmo após a ressurreição. Justificativa para o juízo sobre o Templo e a cidade santa de Jerusalém. • Apologética: O Reino implantado por Cristo permanece no mundo desde que os seus seguidores se submetam à sua autoridade conquistada. Além de seguir seu exemplo vencendo as tentações, superando as perseguições, ensinando e vivendo sua doutrina, discipulando as nações e sendo suas testemunhas até o fim. • Escatológica: O Reino escatológico e vitorioso é garantido com a vida, morte, ressurreição e exaltação de Jesus. A leitura do evangelho revela um esforço do autor em proporcionar um diálogo entre udeu-cristãos e cristãos. Os evangelhos e as epístolas do Novo Testamento confirmam que esse diálogo foi prejudicado por falta de consenso em algumas questões, que nem sempre eram prioritárias. Todavia, neste evangelho fica evidenciado que uma coisa não se poderia abrir mão, Jesus como figura messiânica que cumpriu por meio de sua vida e obra a predição do Antigo Testamento e que implantaria um Reino diferente da expectativa humana até então, um Reino verdadeiramente justo e bom.
II. A GENEALOGIA DE JESUS EM MATEUS (Mt 1.1-17)
A genealogia de Jesus em Mateus evidencia as bases para demonstrar a natureza messiânica de Jesus, especialmente em sua descendência abraâmica e davídica. Todavia, Todavia, a intenção do evangelista não se resume a isso, ele também demonstra por meio da genealogia de Jesus que sua missão é inclusivista e universalista. a. A genealogia de Jesus
O evangelista deixa transparecer o seu objetivo ao descrever a genealogia de Jesus, demonstrar que Ele era o Messias prometido. Primeiro, relaciona sua relação direta com a casa real, como descendente direto do rei Davi, uma das figuras mais importantes para os udeus, ligada à expectativa messiânica. Na sequência, a sua descendência descendência abraâmica, pois o grande patriarca é considerado o começo da história sagrada, o receptor direto da promessa divina de fazer dele uma grande e abençoada nação. Figura importante também para o cristianismo como o pai de todo aquele que crê como ele creu (Gn 15.6). Fé que é o fio condutor até a obra de Cristo (NEVES, 2015, p.55-69). A relação do evangelista com a tradição e modo de pensar dos rabinos influencia a organização das gerações de Abraão até Jesus. Ele divide em três grupos de gerações: a) de Abraão ao estabelecimento do reino sob Davi (Mt 1.2-6); de Davi ao fim da monarquia (exílio babilônico) (Mt 1.6-11); e do período do Exílio Babilônico ao nascimento de Jesus (Mt 1.12-16). Segundo o evangelista afirma, cada grupo desses tem 14 gerações. No entanto, existem algumas discrepâncias quanto a essa numeração. Tasker (2006, p. 24) assevera que “cada grupo, como afirma com grande precisão o v. 17, contém ‘quatorze gerações’. Na verdade, porém, o terceiro grupo contém somente treze nomes; e no segundo grupo três gerações são omitidas conforme a evidencia de I Crônicas 1 - 3, que o evangelista parece usar como fonte”. Ficam então as perguntas: Qual o motivo dessa diferença de gerações? Existe um propósito específico?. Os três grupos possuem períodos e pessoas em que foram realizadas alianças com Deus: Abraão (Gn 12.1-3), Davi (2 Sm 7.4-17) e uma Nova Aliança (Hb 8.813). A contagem de gerações: a) de Abraão até Davi são quatorze gerações; b) de Davi até Jeconias são quatorze gerações; c) de Jeconias até Jesus são treze gerações. Schweizer (1975, p. 23) afirma que antigamente a contagem incluía os primeiros e os últimos nomes de uma série. Dessa forma, de Abraão até Davi são quatorze gerações; de Davi (observe que Davi é contado duas vezes) até Josias, que foi o último rei de Judá ainda livre, são quatorze gerações; de Jeconias (primeiro reino do cativeiro) até Jesus são quatorze gerações. No entanto, perceba que Jeconias não se repete como Davi. Enquanto que Carson (2010, p. 95) justifica por meio da simbologia dos números das letras. Ele afirma que no mundo antigo as palavras tinham um montante com base na soma do valor número que era atribuído às letras. Este simbolismo é chamado de gematria. Carson utiliza o número de Davi, que em hebraico é Dawid, considerando que as vogais não são contadas, temos d = 4; w = 6. Assim, Dawid = dwd = 4 + 6 + 4 = 14. Richards (2014, p.10) defende que o argumento de Carson é a mais aceitável “Assim, a
organização de Mateus pode perfeitamente refletir uma maneira familiar, na época, de sutilmente enfatizar a descendência de Jesus como sendo de Davi”. Certo é que os judeus pensavam e escreviam diferente de nosso pensamento ocidental. Ao analisar a genealogia de Jesus fica evidente que a intenção principal do autor é relacionar Jesus com a descendência davídica. Desse modo, ficaria comprovada sua origem messiânica davídica. b. As mulheres na genealogia de Jesus
A leitura da genealogia de Jesus nos dias atuais pode não causar nenhuma surpresa por influência de nossa cultura, que apesar de patriarcal, apresenta certo grau de inclusão de gênero. No entanto, se considerarmos a cultura da época da escrita do evangelho, surpreende a menção das mulheres, pois é um fato relevante, considerando que elas, geralmente, não eram mencionadas nas genealogias. Não somente isso, pois na leitura da genealogia de Jesus salta aos olhos a menção de três mulheres (Rute, Raabe e Tamar) com reputação questionada para a cultura da época. Não somente para a cultura daquela era, hoje, aproximadamente dois mil anos depois ainda se questionaria a inclusão na genealogia de mulheres com a reputação daquelas mulheres. Isso demonstra que apesar das evoluções nas relações humanas e na questão de gênero, o tratamento dado às mulheres ainda tem muito a melhorar, tanto nas igrejas como na sociedade em geral. Richards (2014, p. 12) apresenta duas razões básicas para incluir uma ou duas mulheres na genealogia no oriente antigo: “(1) a mulher era muito admirada, e sua inclusão ressaltava a reputação da família. (2) O marido tinha mais de uma esposa e, neste caso, o nome da mulher é basicamente mencionado com o nome do seu filho”. Esse procedimento pode ser observado no texto bíblico quando se menciona os reis de Israel e Judá. Todavia, nenhuma dessas razões se aplica às mulheres citadas por Mateus. O que mais surpreendente é que essas mulheres eram de uniões irregulares, segundo a tradição judaica. Rute era moabita, Raabe, prostituta (Js 2.6), e Tamar, adúltera (Gn 38). Além dessas três mulheres, temos também Bate-Seba, que talvez por ter se tornado a esposa do rei Davi poderia ser tratada de forma diferenciada pela sociedade da época. Ela era Judia (1 Cr 3.5), provavelmente uma heteia por ter sido esposa de Urias, o heteu (2 Sm 11.3; 23.39). No entanto, passou a ser conhecida pelo seu adultério com Davi, enquanto era casada com Urias. O que essas mulheres tinham comum é que, segundo a tradição da aliança no Antigo Testamento, elas eram consideradas moralmente corrompidas e, portanto, sem nenhuma possibilidade de fazerem parte da linha sucessória do Messias prometido como libertador do “povo santo de Israel”. Como poderia um rabino ou um judeu devoto aceitar essas uniões irregulares na ascendência legal do Messias. Se essa inclusão era um exemplo e ensino para os judeus, não parece ser muito diferente para nossos dias. Sinal que o preconceito ainda continua enraizado nas culturas. O que teria levado Mateus incluir essas mulheres na genealogia de Jesus, diferente do costume da época? Esse retrato vai fazer parte da vida e ministério de Jesus. Ele trata as mulheres de forma diferente de toda a tradição de seu tempo. Essa ação libertadora já está presente na sua própria genealogia. c. Uma genealogia que inclui os excluídos
O título pode parecer estranho, mas é proposital. Como visto na seção anterior, mulheres consideradas moralmente corrompidas são incluídas na genealogia de Jesus, o Messias que havia de vir. Isso contrariava toda a expectativa judaica, mas assim foi registrado pelo evangelista. Teria Mateus uma intenção nessa inclusão ou foi algo desproposital? Por mais que o contexto do Evangelho de Mateus seja judaico, parece ter propósito essa inclusão, assim como vários personagens excluídos da sociedade judaica, que são colocadas em papeis principais nos discursos de Jesus. O ministério de Jesus seria inclusivo, tendo como prioridade o amor às pessoas, independente de origem, classe social, cor, entre outras formas de diferenciação. O evangelista destaca que o Messias viria para “salvar seu povo de seus pecados” (Mt 1.21), ao mesmo tempo em que descreve o encontro de Jesus como pessoas estrangeiras que são alcançadas pela sua graça e misericórdia. Assim, demonstra que sua missão não era exclusiva para os judeus, mas universal. A universalidade da missão de Jesus é explicada de forma exaustiva pelo apóstolo Paulo, principalmente na Epístola aos Romanos (NEVES, 2015, p. 24-46). No exemplo das mulheres citadas na genealogia de Jesus fica explícita a inclusão de pecadores, pessoas que não tinham uns procedimentos adequados de acordo com os bons costumes e considerados como uma ofensa à boa moral. Entre elas também estavam estrangeiras, que para o povo judeu eram consideradas indignas da graça de Deus, como o exemplo de Rute e Raabe. Por isso, a inclusão de excluídos na genealogia de Jesus demonstra que dentro do plano divino de redenção da humanidade há possibilidades de resgate de todas as pessoas. Um evangelho universal e inclusivo. A dificuldade que os judeus tinham para aceitar essa inclusão fora do padrão estabelecido pela sociedade também continua presente na igreja evangélica atual. Por mais que se tenha trabalhado essa questão na cultura de nosso país e em boa parte do mundo, ainda existe muito preconceito. O fato de ser cristão não elimina essa prática, pois no meio cristão e evangélico ainda se faz muita distinção e a prática do tratamento preconceituoso é uma verdade. O ser humano tem uma tendência para padronizar o que Deus deve fazer em relação à salvação das pessoas. No entanto, essa decisão não é humana e Deus não segue o padrão humano, mas o seu próprio e santo padrão. Que essa lição contribua para uma mudança de comportamento em nossas igrejas.
III. A TEOLOGIA DE MATEUS
O Evangelho de Mateus contém alguns focos que são principais como a apresentação de Jesus como Cristo e sua proclamação de chegada do Reino dos Céus, o interesse pela Igreja e o uso especial do Antigo Testamento. a. Jesus como Messias e a proclamação da chegada do Reino dos céus
Como visto na seção anterior, a identificação de Jesus como Messias é ponto crucial para Mateus. A apresentação de Jesus como o Messias está estritamente relacionada com a proclamação próxima do Reino dos céus. Esses temas ficam mais evidentes no início e no fim do Evangelho. No início Jesus é descrito como o Filho régio de Deus, o Deus encarnado que se fez presente com sua criação (Emanuel). No final do evangelho a Ele é dado por Deus toda autoridade no céu e na terra e Jesus promete sua presença espiritual permanentemente (Emanuel). O título “Filho de Deus” é citado sempre em momentos cruciais do Evangelho: no batismo (Mt 3.17); na confissão de Pedro, que representa a confissão de fé da Igreja (Mt 16.16); na transfiguração (Mt 17.5) e no julgamento (Mt 26.63) e na cruz (Mt 27.40, 43, 54). Outra expressão importante relacionada à messianidade de Jesus é “Filho de Davi”, que ocorre 10 vezes em Mateus. Viviano (2011, p. 134) afirma que com esse título “Jesus é visto como um novo Salomão, com conotações de curador e sábio. Jesus fala como a sabedoria encarnada em Mateus 11, 25-30 e em Mateus 23, 37-39”. O título “Filho do Homem” também é relevante. Ele tem conotação apocalíptica (Dn 7.13, 14) e perpassa todo o evangelho, tendo seu ápice em Mateus 28.18-20. Os cincos grandes discursos de Mateus (Mt 5-7; 10; 13; 18; 23-25) são unificados pelo tema do Reino dos céus, o grande objeto de esperança (Mt 3.2; 4.17; 6.10). Na realidade, todo o evangelho é unificado por esse tema. No Reino dos céus proclamado por Jesus a forma de governo é diferente dos impérios que dominaram os povos na antiguidade como nos dias atuais. Nele está a promessa definitiva de salvação para toda a humanidade redimida por meio do Messias verdadeiro, no âmbito terreno e celestial, no tempo e na eternidade. Esse Reino implica em justiça, paz e alegria que somente Deus pode dar (Mt 6.33; 5.9; 13, 44). O conteúdo moral do tema do Reino dos céus conduz naturalmente para temas predominantes do Antigo Testamento, resgatados por Mateus: a justiça e a Lei. No Evangelho de Mateus a justiça corresponde à obediência humana em relação à vontade de Deus (Mt 3.15; 5.6, 10, 20; 6.1, 33; 21.32). Jesus reforça a importância duradoura da Lei de Moisés (Mt 5.17-20), no entanto, a interpretação farisaica e humana é rejeitada, embora alguns preceitos cerimoniais sejam mantidos ou incentivados (Mt 12.1-8; 23.23). Jesus resgata alguns preceitos éticos como os Dez Mandamentos e os grandes mandamentos do amor a Deus e ao próximo, entre outros (Mt 5.31, 32; 19.1-10). Assim a identidade messiânica de Jesus, o conceito de Reino dos céus e temas recorrentes (a justiça e a Lei) são os principais focos teológicos do Evangelho de Mateus.
b. O Evangelho de Mateus e a Igreja
Mateus é o único dos quatros evangelhos que menciona o termo igreja (Mt 16.18; 18.17). De tal modo, que o interesse pela igreja é uma característica especial de Mateus. A comunidade cristã é incentivada a manter a fé em Cristo e seguir algumas diretrizes fundamentais e líderes autorizados. Os grandes discursos do evangelho contêm as diretrizes principais. Dentre as diretrizes centrais estão a autorização para tomada de decisões (Mt 18), a reconquista da ovelha perdida, a preocupação com os menos favorecidos, a ênfase ao perdão e a humildade. Entre os líderes autorizados, Mateus destaca a figura do apóstolo Pedro (Mt 9.8; 10.2, 40). A humildade é tida como uma característica primordial e obrigatória aos líderes (Mt 18.1-9). Ela é importantíssima a todas as lideranças de todos os tempos. Jesus é o exemplo supremo de liderança servidora e humilde. Ele, sendo Deus, não tratou com superioridade os demais seres humanos. Esse conceito é de extrema relevância para os dias atuais, pois em muitas oportunidades tem sido visto o culto à personalidade, o autoritarismo e a prepotência por alguns líderes. Que Deus tenha misericórdia deles e da igreja, que se humilhem diante de Deus, a exemplo de Cristo. Somente assim, o Reino se cumprirá no meio da comunidade cristã. Mateus recomenda a fé em Cristo e humildade para evitar a queda, a qual todas as pessoas estão sujeitas (Mt 26.69-75). Ele alerta sobre os falsos profetas (Mt 7.15) e a existência tanto de santos como de pecadores na igreja. Afirma que em alguns casos somente na separação final é que a diferença ficará evidente (Mt 13.36-43; 22.11-14; 25). O estilo de vida apostólico e missionário é o paradigma para a igreja (Mt 9.36—11.1). Ela é chamada para cumprir a missão de Cristo em todo mundo (Mt 28.18-20). A Grande Comissão não foi exclusiva aos discípulos, mas à sua igreja, formada por judeu-cristãos e gentios convertidos por meio da fé na obra perfeita e única de Jesus. c. O uso do Antigo Testamento em Mateus
Mateus deixa claro que a vida e obra de Jesus estavam planejadas no Antigo Testamento. As escrituras judaicas são uma fonte bem explorada pelo evangelista. Ele utiliza, pelo menos, uma série de 10 citações do Antigo Testamento para demonstrar que tudo que aconteceu na vida e ministério de Jesus estava previsto, principalmente pelos profetas, por meio da expressão “isso aconteceu para cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta” (Mt 1.23; 2.15,18, 23; 4.15, 16; 8.17; 12.18-21; 13.35; 21.5; 27.9, 10). Interessante que pouco de fala a respeito da infância de Jesus, mas nesse período ocorre quase a metade das chamadas “citações de cumprimento”, enquanto as outras estão relacionadas ao ministério público de Jesus, em especial da entrada em Jerusalém até sua paixão e morte. O cuidado de Mateus em demonstrar o cumprimento das profecias na vida e obra de Jesus destaca o seu objetivo de evidenciar que Jesus não veio para destruir ou anular a Lei, mas para cumpri-la. Mateus afirma que Cristo veio para cumprir a lei e os profetas (Mt 5.17). A morte de Jesus na cruz, a qual amaldiçoada pelos judeus, portanto, praticamente incompreensível pelos judeus, mesmo aqueles convertidos ao cristianismo, foi o principal cumprimento da Lei. Desse modo, uma vez que o sacrifício de Cristo foi perfeito e único, cumprindo as exigências da Lei, torna desnecessária a prática de sacrifícios prescritos na Lei para justificação.
Algumas pesquisas recentes procuram demonstrar um esquema histórico-salvífico no evangelho como forma de aproximar o Antigo Testamento com a mensagem do evangelho e a implantação do cristianismo. Um deles é o esquema tripartido que separa a história em três períodos: 1. Período de Israel (de Abraão a João Batista); 2. Tempo de vida do próprio Jesus; 3. Tempo da igreja (da ressurreição de Jesus até o fim do mundo). Alguns preferem unir os itens 2 e 3 como único, mantendo assim somente duas partes: 1) período de Israel; 2) período de Jesus e a igreja. Certamente, Mateus tinha em mente unir os primeiros membros das comunidades cristãs, que diferente do que muitos pensam não eram tão unidos assim. Entre as principais causas estão as diferenças teológicas entre os judeu-cristãos e os gentios convertidos ao cristianismo. Os escritos dos apostolo Paulo deixa bem claro essa divisão dentro da igreja. A utilização de textos do Antigo Testamento para explicar os acontecimentos da vida de Jesus e sua obra foi uma importante estratégia de Mateus para demonstrar que o plano histórico-salvífico de Deus é único, tanto para udeus como para gentios.
. udeus que se convertiam ao cristianismo buscavam se comunicar com os patrícios, praticantes do judaísmo, que tinham dificuldades sérias de aceitar Jesus como o Messias prometido. O autor do evangelho precisava demonstrar essa relação entre Jesus e a figura do Salvador da humanidade, quem implantaria o Reino dos céus. Por isso, a organização que se inicia com a genealogia de Jesus e a narrativa de seu nascimento de origem sobrenatural.
I. MARIA, A MULHER DA QUAL NASCEU JESUS (MT 1.18)
Desde o início da vida humana de Jesus a obra de Deus foi se manifestando. Interessante como na descrição genealógica de Jesus o termo usado para demonstrar a descendência é utilizado o verbo gerar. Fulano gerou beltrano. No entanto, quando chega em José o padrão muda. A ele não é atribuído essa ação de gerar, mas sim é citada a relação dele com Maria: José, marido de Maria, “da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo”. Jesus não foi gerado por ação humana, mas divina. a. Uma mulher daria a luz ao Messias prometido
Jesus nasce em um momento turbulento para o povo judeu, que estava sob o domínio do Império Romano. Desde a destruição do Templo, da cidade e dos muros de Jerusalém em 587 a.C. o povo judeu aguardava por uma libertação sobrenatural, uma ação direta de Deus em seu favor, a exemplo de seus antepassados. A cultura judaica da época do nascimento de Jesus era profundamente influenciada pela expectativa messiânica, ou seja, de que um Messias viria para libertar o povo judaico da opressão romana. As mulheres udaicas, dentro dessa cultura, almejavam ser a escolhida para tamanha honra de ser mãe da figura mais esperada de seu povo. Essa expectativa é formada por meio da literatura messiânica que surgiu bem antes da época de Jesus, a literatura apocalíptica. Desse modo, Maria, a mulher da qual nasceu Jesus, seria a realização de uma das mais profundas promessas de Deus. Ela seria o instrumento pelo qual o Deus se faria presente, morando junto com o seu povo (Emanuel). O texto messiânico mais expressivo para demonstrar essa realidade é Isaias 7 (em especial os versículos 10 a 17), complementado pela perícope de Isaias 9.1-6. Os textos têm um significado histórico que não pode ser ignorado ao se comentar sobre eles. Referem-se ao rei de Judá chamado Acaz. Ele não tinha descendente e vivia sob a ameaça da Síria e de Samaria (Reino Norte). Esse rei recebe o sinal que demonstraria a ação de Deus em favor do reino de Judá, livrando-o de seus inimigos opressores. O sinal era o fato de uma moça bem jovem que engravidaria dele e lhe daria um filho. Esse filho prometido seria Ezequias, considerado pelos judeus como um rei justo e bom. Para cultura judaica da época, um rei justo e bom que tratasse o povoado com justiça era sinal da presença de Deus junto ao seu povo. Dessa forma, o primeiro cumprimento da promessa foi no nascimento do rei Ezequias, que não foi o Messias, mas é considerado como uma figura do Messias. O episódio de Ezequias, mais tarde é relido pelas comunidades judaicas dando-lhe o sentido messiânico. Quando Jesus nasceu havia muitas correntes messiânicas em Israel. Nos discursos de Jesus, Mateus fez questão de se relacionar à tradição profética. Em Mateus 12.18 e no relato da paixão Ele é apresentado como “Servo do Senhor” e em outros textos recebe o título de “Filho de Davi”, dentre outros termos. Evidências da relação de Jesus com a promessa de Deus a Davi, que é tema predominante nos profetas. O próprio nome de Jesus (Ioshua), que é o mesmo de Josué, que conduz o povo hebreu na conquista prometida, revela seu caráter messiânico, a expressão de um Deus presente e Salvador. Na época de Acaz uma jovem moça teve o privilégio de dar à luz ao rei Ezequias, figura
de liderança justa e boa que trouxe esperança em um momento difícil da história de Israel. No entanto, Maria teve ainda um privilégio maior, pois deu a luz ao menino Jesus, o verdadeiro Messias que Israel esperava. Jesus, o menino que nasce judeu e filho de judeus. Mas, “gerado” por Deus. b. Uma mulher escolhida para ser agraciada
A igreja católica usa o termo “imaculada conceição” para referir-se à Maria mãe de Jesus que é confundido por algumas pessoas como se aludindo à pureza imaculada da concepção de Jesus, mas, na realidade, refere-se à concepção da própria Maria no seio de sua mãe. No entanto, não se tem a intenção de afirmar que a sua concepção foi virginal como a de Jesus. Seu nascimento é considerado normal, fruto da relação conjugal de um casal conhecido pelos católicos como São Joaquim e Santa Ana. Portanto a concepção considerada imaculada de Maria é tida pelos católicos como um dom de Deus. Isso significa que desde o início de sua existência Maria esteve livre do pecado original. No plano de Deus, a jovem Maria estava destinada a ser a mãe do Cristo, o Messias Salvador. Segundo a crença católica, ela foi liberada da mancha do pecado desde a sua concepção. Por isso, a justificativa de que Maria jamais esteve separada de Deus. De acordo com a mesma crença, ela estava sendo preparada para dizer sim à vontade de pertencer e obedecer a Deus, uma forma de interpretar o texto bíblico que afirma ser Maria “cheia de graça”. O privilégio da escolha de Maria para ser mãe do próprio Filho de Deus e cumprir essa missão de forma perfeita e santa, sem resistência aos desígnios de Deus. Maria aceitou sem nenhuma restrição o convite do Senhor feito por meio do anjo mensageiro. Os católicos entendem que essa entrega incondicional de Maria não seria possível sem a ação sobrenatural de Deus em sua concepção. Maria realmente foi agraciada em ser escolhida para ser a mãe de Jesus Cristo. Todavia, ela estava na mesma condição de qualquer outro pecador, em condição de inimizade e separado de Deus, sendo totalmente dependente do ato salvífico de Cristo na Cruz, como afirma o apóstolo Paulo na Epístola aos Romanos (NEVES, 2015, p. 24-46). Portanto, Maria teve um nascimento como qualquer outro ser humano, era pecadora e carente da misericórdia de Deus, e dependente da intervenção da obra de Cristo para sua justificação. No entanto, entre as mulheres de sua época, ela tinha um comportamento exemplar e por isso foi agraciada e escolhida para ser mãe de Jesus, o menino Deus.
II. JOSÉ, ESPOSO DA MULHER DA QUAL NASCEU JESUS (MT 1.19-25)
Para o cumprimento da promessa de Deus não bastava que houvesse uma mulher agraciada, era preciso um casal com características específicas. Maria era uma jovem virgem e obediente à vontade de Deus, enquanto José era um homem honrado, de bom caráter e que temia a Deus. Ele passa a ser conhecido pela igreja como o “esposo da mulher da qual nasceu Jesus”. a. José um homem honrado e de bom caráter
Nos dia de José, na cultura local, era comum casamentos arranjados. Homens mais velhos combinavam casamentos, por meio de pagamento, com meninas com idades até inferior à 10 anos. Um dos objetivos desse casamento combinado era de proteger os direitos de propriedade, no caso da morte do pai da criança. Assim, após o “contrato” de casamento, em algumas situações, a menina mudava para a casa do futuro marido, mas deveria permanecer virgem até atingir a idade adequada para a consumação do casamento. O marido tinha o direito de anular o casamento e receber o dinheiro da compra, caso fosse comprovado que a jovem moça não fosse mais virgem (RICHARDS, 2014, p. 12). Destarte, pela tradição judaica, o fato de Maria ter engravidado antes de o casamento ter sido consumado obrigava José tornar o assunto público, e Maria seria envergonhada e punida. O texto deixa claro que Maria estava desposada, ou seja, ela estava compromissada com José, mas ainda não havia sido consumado o casamento. Tratava-se de um contrato de casamento judeu que difere muito do noivado moderno. Nessa condição, havia um compromisso sério e irreversível, não poderiam se separar, exceto pela morte de um deles ou pelo processo de divórcio, conforme a tradição (Mt 25.1-12). No entanto, para protegê-la, José inicialmente teve a intenção de deixá-la secretamente, mas mesmo assim, ela ficaria desprotegida. Assim, ele vai além, aceitando a vontade divina e assumindo a paternidade do filho que Maria esperava. Inclusive, submete-se a colocar o nome ordenado, Jesus (Salvador), cujo significado é especial para o povo udaico. José toma Maria como esposa. Levando-a para sua casa, no entanto, sem ter relações sexuais com ela até que o filho nascesse. Essa atitude demonstra a honradez de José, principalmente na cultura de sua época. b. José liga Jesus à tradição messiânica davídica
Mateus não menciona como Maria recebeu a notícia de que seria a mãe do Messias. Ele é sucinto e afirma que Maria “achou-se ter concebido do Espírito Santo” (Mt 1.18). Enquanto que Lucas (Lc 1.26) é mais detalhista. Ele menciona que o próprio anjo Gabriel foi enviado por Deus e aparece à Maria para anunciar o nascimento de Jesus. Assim, evidencia a importância o evento. No relato de Mateus é José que vê um anjo, mas a forma da revelação é por meio de um sonho. Essa forma de revelação (sonho) faz referência à tradição dos patriarcas em relação à comunicação com Deus. José também recebe um papel próprio e importante no plano divino de salvação. Da mesma forma que Maria, ele é privilegiado de cuidar e conduzir o Filho de Deus em sua missão única e salvadora. Todavia, isso não o torna santo e com autoridade de intermediar
diante de Deus em benefício dos seres humanos. Entretanto, ele dá “o seu nome para que Jesus possa ser reconhecido como ‘Filho de Davi’. É José que ligará Jesus à tradição messiânica davídica” (BARROS, 1999, p. 23). Essa descendência fazia de Jesus um possível sucessor ao trono que havia pertencido a Davi, o rei de Israel. Na crucificação, essa relação de Jesus com a descendência real é lembrada, porém, na forma de acusação. Pilatos ordena que uma tabuleta fosse cravada na cruz de Jesus com sua acusação que era de se afirmar como o Rei dos judeus. Não obstante, José também conecta Jesus com as origens de Israel, que surge a partir da libertação da escravidão e da conquista da Terra Prometida. Para isso, a narrativa de Mateus faz um vínculo de José, esposo de Maria, com o José, filho de Israel (Jacó) e com Moisés. Carter nos fornece uma importante descrição sobre essa conexão: Ecos de José e Moisés conectam Jesus com as origens de Israel na libertação da escravidão. Como José, Jesus viaja para o Egito, como Moisés, Jesus nasce em um mundo imperial e com um governante assassino (cap. 2). Tanto Faraó como Herodes ficam sabendo do menino por meio de escribas. Moisés e Jesus residem no Egito. Deus frustra as ações destrutivas tomadas contra eles e os preserva para levar a cabo as tarefas para as quais estão comissionados. Jesus, como Moisés e seu povo, passa através das águas (3,13-17) e encontra a tentação “no deserto” (4,111). Jesus parece repetir a história do êxodo (ver 2,15). Evocar José e Moisés é associar Jesus com a fundação de um antigo povo. (CARTER, 2002, p. 29) As semelhanças da história e eventos de Jerusalém em relação a José e Moisés é interessante. Entretanto, o fato mais relevante é a relação de descendência real de Davi (Mt 1.1; 2.2). Porém, existe uma grande diferença entre as perspectivas. Jesus tem um reinado e súditos (Mt 4.17-22) e um povo liberto de seus pecados (Mt 1.21). No entanto, o grande diferencial que confundiu os judeus, a ponto de cegá-los para não aceitar Jesus como o verdadeiro Messias é que o reinado/império de Jesus não visava a glória humana semelhante ao reino de Davi, mas sim o reino de justiça e bondade. c. O Filho de José é um rei de justiça e bondade
Os impérios que se levantaram ao longo da história de Israel eram autoritários, dominadores e opressores. O modelo imperial existente era praticado com o poder patriarcal irrestrito, tanto em Israel como nas demais nações. Jesus propõe um governo com estruturas mais igualitárias. O Reino de Jesus tinha um governo comunitário, a comunidade dos discípulos que fazem a vontade de Deus (Mt 1.21; 11.25-27; 12.46-50). Nos evangelhos, Jesus faz advertências rígidas contra o abuso de poder, a luxúria, o adultério, o poder masculino no divórcio que era prática comum na época, a avareza e exploração dos pobres (Mt 5.27-32; 19.3-12, 16-30; 6.19-34). O modelo do reino proposto não era algo novo, mas sim a interpretação é nova. Jesus faz uma releitura das tradições já existentes (Mt 5.21-48), da vontade de Deus que já era desde o começo (Mt 19.3-6), dos ensinamentos de Moisés (8.1-4), da tradição de Davi (12.3; 22.42-45) e da tradição dos profetas (Mt 9.10-13). Diferente das acusações de seus opositores, Ele não veio para abolir as Escrituras, mas sim para dar o pleno cumprimento delas. Um bom exemplo são os princípios interpretativos de Jesus em Mateus 5.17-20, que
será explorado em capítulo específico. Os líderes civis e religiosos judeus e contemporâneos de Jesus acreditavam que a justiça era baseada no cumprimento da Lei, segundo suas interpretações. Eles interpretavam a Lei de acordo com suas necessidades e buscavam a perpetuação da situação atual. Durante as ocupações e/ou domínio de nações estrangeiras sobre a Terra Prometida, uma pequena elite era beneficiada ao servir de intermediários no controle sobre os judeus. Na época de Jesus não era diferente. Jesus coloca-se no lugar dos oprimidos e pessoas que não tinham quem intercedesse por eles. Jesus questiona a falsa religiosidade e as práticas religiosas opressoras. Em seus ensinos, principalmente nas parábolas, os heróis e heroínas são os excluídos da sociedade (samaritanos, prostitutas e pecadores). Uma lição para aqueles que se achavam detentores da verdade. Jesus apresenta-se como a Verdade, quem abriu mão de toda sua glória e majestade para se fazer um ser humano comum, à margem da sociedade e amigo dos excluídos. Diferente de muitos religiosos de nossos dias também, que procuram os primeiros lugares, a amizade das pessoas mais importantes e poderosas e negligenciam as pessoas com menos posse e poder. Assim, a ascendência de Jesus por meio de José, seu pai terreno, era real, mas seu Reino era diferente, o Rei que deu sua vida em prol da justiça e para a justificação de todas as pessoas que cressem nEle e sua obra.
III. O NASCIMENTO VIRGINAL DE JESUS CRISTO (MT 1.18-23)
O nascimento virginal de Jesus tem sido contestado ao longo de décadas, mas o cristianismo continua firme na defesa desta doutrina. Ela é fundamental para demonstrar a divindade de Jesus e o propósito de sua missão: doação do Deus encarnado para a redenção da humanidade. a. Um nascimento diferente dos relatos míticos
Em 2007 foi disponibilizado um vídeo com mais de 2 horas de duração com o título “ZEITGEIST — THE MOVIE” 1 para contestar a divindade de Jesus, comparando com mitos gregos, persas, indus e outros, que surgiram pelo menos um século antes de Jesus. Dentre as contestações está a doutrina cristã e a crença no nascimento virginal e na ressurreição de Jesus. O vídeo foi lançado no mês de junho e seis meses depois já tinha quase 10 milhões de acessos. No ano seguinte lançaram o filme “ZEITGEIST — ADDENDUM” e em 2011 o terceiro filme com o título “MOVING ZEITGEIST — FORWARD”. Entretanto, os organizadores da película não foram os primeiros, pois o primeiro defensor acadêmico da teoria do Cristo foi o historiador e teólogo do século XIX, Bruno Bauer. Garner (2010, p. 113) que analisou o tema, defende que essa teoria retoma depois de ter perdido a força no segundo período do século XIX devido a três fatores: “o interesse pós-moderno em espiritualismo, a crescente falta de embasamento histórico e o acesso pronto à informação não-filtrada através da internet”. Raymond Brown, afirma que “não há nenhum exemplo claro de concepção virginal no mundo ou nas religiões pagãs que plausivelmente poderia ter dado aos judeus cristãos do primeiro século a ideia da concepção virginal de Jesus” (BROWN, 1999, p. 523). Diferente do texto bíblico, os relatos míticos de nascimento virginal dizem respeito à fecundação que ocorre por meio de casamentos entre um casal de deuses mitológicos ou como fruto do relacionamento de um deus mitológico, disfarçado de ser humano ou de animal (Zeus e Perséfone) que mantém relação sexual com uma mulher mortal. b. O nascimento virginal segundo Mateus
Quando se fala do nascimento virginal, tecnicamente, o que está em questão é a preservação da virgindade no processo da concepção. Maria estava comprometida com José, mas não tinha relacionamento com ele, aguardando a data da formalização do casamento. O evangelista afirma que ela simplesmente achou-se grávida pelo Espírito Santo (Mateus 1.18). Humanamente falando, como poderia ser possível haver uma concepção feminina sem a interferência de homem ou qualquer forma de conjunção carnal? Parece totalmente improvável. Por isso, a aceitação da narrativa de Mateus é uma questão de fé e não de lógica. Para comprovar o plano divino do nascimento virginal, Mateus não recorre à mitologia e sim ao profeta Isaias: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel” (Is 7.14). Importante ressaltar que o autor de Isaias não tinha em vista Jesus, o Cristo, como o conhecemos. Ele
estava profetizando para seu tempo e o menino que era tido como salvador na época era Ezequias. Todavia, como ocorreu em com outros textos, foi relido no Novo Testamento. A releitura surge como uma nova luz ou revelação para entender acontecimentos do presente. Além disso, apontavam para acontecimentos futuros, principalmente em relação a Israel e ao plano de Deus para salvação da humaniddae. Os evangelhos têm em uma de suas funções evidenciar a divindade de Jesus. O autor do Evangelho de João deixa isso bem explicito, em especial por meio dos sinais realizados por Jesus. Ele afirma: “estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20. 31). Mateus evidencia a origem divina de Jesus, dentre outras evidências, por meio da narrativa do nascimento virginal. Uma concepção sem ação humana e unicamente pela ação divina, independente do casal judaico escolhido para a missão de criar e educar o Messias prometido. Portanto, Jesus é apresentado como o Messias divino no qual foi cumprida a profecia judaica. Como afirma Tasker (2006, p. 14): “Daí o elevado número de citações do AT encontradas neste evangelho e introduzidas por uma fórmula mais ou menos assim: ‘para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta’”. 1 Disponível em: .
entanto, a narrativa de Mateus, apesar de resumida, vai pouco a pouco deixando claro o que estava por trás desse gesto de Jesus.
I. JESUS SE PERMITE SER BATIZADO POR JOÃO BATISTA (MT 3.13-15) a. João, o batista
João recebe o codinome de “o batista” por ter como missão principal de sua função profética anunciar o arrependimento e o batismo aos que se sujeitavam à sua mensagem. O Evangelho de Mateus descreve a aparição de João Batista diretamente no deserto e em Mateus 2.3 e faz a conexão com Isaías 40.3, base para a afirmação do cumprimento das profecias. A profecia de Isaías teve um significado especial para os exilados da Babilônia, uma palavra consoladora de possibilidade de mudança de rumos e uma mensagem que influencia o discurso de João Batista. Carter faz uma interessante abordagem sobre a intertextualidade entre Isaías e Mateus: O novo contexto em Mateus assegura algumas diferenças óbvias: a voz agora é João; o foco está em Jesus, não em Ciro; o lugar é a Judeia, não Babilônia; Roma, não Babilônia, está no poder; o tempo é seis séculos mais tarde. Os textos bíblicos são polivalentes, capazes de novos e diferentes significados em diferentes circunstâncias (ver em 1.23; 2.6, 15, 18, 23). Mas existe uma continuidade fundamental. Deus continua a confirmar o seu império ao libertar as pessoas do poder imperial opressor. Babilônia não mantém o poder. Roma, como Babilônia, não pode resistir aos propósitos de Deus e experimentará o mesmo destino. A obra libertadora de Deus se encontra agora no ministério de João no deserto, nas margens, não no centro, da mesma forma como foi na libertação do Faraó do Egito e de Babilônia. (CARTER, 2002, p. 133) Os profetas interpretaram teologicamente o exílio como resultado da desobediência do povo. Assim, como na época do exílio babilônico, a libertação estava condicionada ao comportamento dos judeus, a mensagem de João também é condicional. Uma advertência de retorno ao Senhor e abandono das práticas que desagradavam a Deus. Assim, como os exilados retornaram à própria terra sob a proteção divina, os contemporâneos de João também seriam resgatados no dia do Senhor. Provavelmente, um cenário apocalíptico futuro. Mateus não menciona nada sobre o passado de João, o Batista. Alguns estudiosos afirmam que ele pertencia a uma das comunidades essênias de Qumran. Segundo Viviano (2011, p. 143): “João procede de um ambiente sacerdotal essênio e é conhecido fora das fontes bíblicas (Josefo, Ant. 18.5.2 116-19)”. No entanto, isso parece não preocupar Mateus, que o cita como uma pessoa familiarizada de seus leitores, sem necessidade de maiores detalhes. João é comparado a Elias pelo seu estilo de vida e ousadia ao desafiar o povo de Israel a se converter a Deus e mudar de atitude para se livrar do julgamento divino (2Rs 1.8ss). Como Elias, João vestia-se de roupas de pelo de camelo e cinto de couro, além de se alimentar de gafanhotos e mel silvestre, alimento que deriva do deserto ou lugar selvagem. As semelhanças levaram alguns judeus acreditarem que ele seria Elias redivivo que haveria de vir antes do Dia do Senhor, com base nas profecias de Malaquias (Ml 4.5, 6). Apesar das diferenças entre Jesus e João Batista, os primeiros cristãos relacionavam as
suas mensagens como convergentes. Viviano (2011, p. 143) afirma que “embora houvesse diferenças entre eles, João e Jesus foram tidos pelos primeiros cristãos como relacionados por suas pregações proféticas, seriedade religiosa, prática do batismo e expectativa do final dos tempos num futuro próximo”. Alguns dos discípulos de João Batista desenvolveram seu movimento à parte do cristianismo (Mt 11.2), mas não por muito tempo. Com o advento do martírio de João Batista e o respeito de Jesus para com ele, os dois grupos se aproximam. Os discípulos de Jesus e demais cristãos passaram a considerar João, conforme previsto no Evangelho de Mateus, o precursor de Jesus. Para Viviano (2011, p. 143), “Mateus vai além de outros evangelistas, fazendo de João ‘um pequeno Jesus’, pondo a própria mensagem central de Jesus em sua boca (cf. v. 2 com 4,17) e identificando João Batista com Elias (11,14; 17,10-13)”. Mateus não entra em detalhes se eles já se conheciam antes do batismo de Jesus ou que tivessem algo em comum. Para ele, o que lhe importa era deixar claro que João tinha uma missão especial já prevista no Antigo Testamento, preparar o caminho para o Messias. Além de preparar o caminho teve o privilégio de batizá-lo. Uma grande honra ao último dos profetas de Israel, realizar o batismo do Messias há tanto esperado, o Salvador da humanidade de seus pecados e da condenação eterna. b. O batismo de João
O batismo de Jesus por João Batista no Jordão é tratado por todos os quatro evangelistas, isso demonstra a importância teológica desta narrativa. Aparentemente não haveria necessidade de descrever o batismo de Jesus. Afinal, qual o impacto em relação á vida e obra de Jesus. Mas, como já foi visto anteriormente, há um impacto teológico forte em relação a identidade de Jesus como Filho de Deus, bem como pela autoridade atribuída pela previsão antecipada nas Escrituras do povo judaico. O batismo de João era com água e para arrependimento, um batismo de purificação, que era precedido por uma confissão de seus pecados (Mt 1.4). O discurso realizado por João Batista antes do batismo era direto e firme. Uma temática profética semelhante a Moisés (Dt 30.2, 10), Oséias (Os 2.7; 3.5; 6.1; 11.15), Amós (Am 4.6,8-9), Isaías (Is 6.10; 9.13; 31.6), Jeremias (Jr 2.27; 3.10, 12, 14, 22) e Ezequiel (Ez 14.6; 18.30, 32). Ele não tinha a preocupação com a reação dos seus ouvintes, pois não tinha a pretensão de agradá-los, mas de contribuir para a mudança de comportamento e resgate dessas vidas para Deus. Não deve ter sido um trabalho fácil e possivelmente ele tinha seus próprios questionamentos sobre seu ministério. O próprio João, posteriormente envia discípulos para perguntar a Jesus se Ele era mesmo o Cristo. Assim como João muitos cristãos estão sujeitos a se sentirem sozinhos e duvidarem em determinados momentos sobre sua missão devido ao comportamento de outras pessoas, principalmente se foram autoridades ou líderes. Contudo, apesar das dificuldades e conflitos, João manteve seu discurso e foco na sua missão. Parece que João “incendiava” mais o seu discurso, quando era procurado pelos fariseus e saduceus, que se sentiam seguros em seu legalismo e ritualismo. Provavelmente, não procuravam a João para serem batizados, mas por serem contra seu batismo (a preposição grega epi utilizada em Mateus 3.7 pode significar contra). A mensagem de João não
parece ser a mensagem que seria esperada e aclamada pelos membros de nossas igrejas atuais. Vemos cada vez mais a busca por mensagens que massageiam o ego das pessoas, “profecias” de entrega de chaves, carro importado, entre outros “agrados divinos”. A mensagem de João era para arrependimento para um batismo que realmente simbolizasse a morte do “velho homem”. Se o batismo de João era para arrependimento e precedido de um discurso duro, por que Jesus vai ao Jordão e procura João para ser batizado? Do que teria que se arrepender? Por que ouvir tal discurso? A atitude de João, seu primo, demonstra que conhecia Jesus e não via nEle necessidade de arrependimento e muito menos de batismo. c. João anuncia um batismo superior ao seu
Interessante como antes do batismo de Jesus, João anuncia que existia um batismo superior ao seu. Que seu batismo não era um fim em si, mas uma preparação para o batismo com o Espírito Santo e fogo. Esse batismo era somente possível ser ministrado por alguém superior a ele, a quem não era digno de tirar as sandálias. Interessante que Mateus, diferente dos outros evangelhos e de Atos 13.25, usa o verto “tirar” e não “desatar” as sandálias. Isso pode significar um refinamento dos costumes rabínico posterior, pois para um discípulo era permitido fazer ao seu mestre qualquer coisa que um escravo faria, a única exceção era retirar seus sapatos. Fato é, que a postura de João é digna de admiração, pois não tinha nenhum constrangimento em reconhecer a superioridade de Jesus. Desse modo, o processo do batismo de Jesus tem muito a nos ensinar, além do próprio ritual. João demonstra a humildade que é peculiar das pessoas que realmente tem um chamado genuíno de Deus para realizar sua obra. Ele não precisa menosprezar o companheiro de ministério para se sobressair, pois posteriormente Jesus vai dizer que dentre os nascidos de mulher não houve um homem maior do que João Batista. O batismo de João era um sinal de que os seus ouvintes haviam sido tocados pela sua mensagem e tomado a decisão de mudar definitivamente de comportamento. O arrependimento não poderia ser verbal, mas que resultasse em uma conduta coerente com a profissão de fé. Um ato público de confissão de fé. Infelizmente, existem pessoas que congregam anos na igreja, se batizam, mas não mudam de comportamento, tornando o ato sem valor. Nesse caso, o batismo serve apenas como uma pertença a um grupo social e não símbolo de pertença à Igreja de Cristo. Todavia, sem desmerecer o próprio batismo (ritual), João anuncia um batismo superior que acompanharia as pessoas que viessem a reconhecer o que viria após ele, Jesus. Este era superior, pois salva dos pecados (Mt 1.21), ele cura e perdoa (9.1-8; 8.17) e tem poder sobre a morte (Mt 26.28). O batismo anunciado por João envolve dois elementos: Espírito Santo e fogo, o que tem causado confusões quanto à sua interpretação. Esses elementos podem ter significado positivo e negativo. Espírito como castigo de Deus (Is 4.4. Jr 4.1116), mas também como dom da aliança e realização da vontade de Deus (Ez 36.25-28; 39.29. Is 32.15; 44.3. Jl 2.28,29; Mt 1.18-25), como poder vivificador de Deus e Rei (Is 61.1-3). Fogo que purifica e limpa (Zc 13.9; Ml 3.1-3), também significa juízo (3.18 —4.1) e castigo (Mt 3.10; 13.4-43; 25.41). A missão de Jesus é dupla abençoar e purificar os que aceitam seu Evangelho e julgamento sobre o que rejeitam. Ele “limpará a sua eira, e
recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará” (Mt 1.12)
II. O BATISMO E OS SINAIS (MT 3.16, 17)
A narrativa do batismo de Jesus não era para ser apenas mais um relato de batismo de João, o Batista. Ele teve um significado importante para revelar a divindade de Cristo e a confirmação escriturística de sua missão. a. Jesus foi batizado para que se cumprissem as Escrituras
Por que procurar João para ser batizado, se o batismo era para arrependimento e precedido de um discurso duro? Do que Jesus se arrependeria? Por que ouvir tal discurso? Jesus já surge indo até João, nada se fala de sua infância. A atitude de João, seu primo, ao recebê-lo demonstra que os dois se conheciam. Carter apresenta três fatores que explicam que Jesus não foi batizado por arrependimento: No contexto de 3,1-12, poderíamos esperar a cena que mostre o batismo de Jesus acompanhando seu arrependimento do pecado. Mas três fatores indicam que a ênfase está em outro lugar. (1) A cena cala sobre o pecado de Jesus ou arrependimento. (2) A autoridade de Jesus e o papel subserviente de João são mantidos quando Jesus dá instruções a João para batizá-lo. (3,15b). Os protestos de João em batizar o mais poderoso com batismo superior são superados pela declaração de Jesus de que por ‘ora’, essa mudança de sentido é apropriada para promulgar a vontade salvífica de Deus previamente manifestada (‘cumprir toda justiça’, 3,14-15). (3) Depois do batismo (3.16-17), um acontecimento revelador ocorre. Uma visão dos céus abertos e uma voz celestial revelam Jesus como agente de Deus, ungido e acreditado por Deus para realizar os propósitos de Deus. (CARTER, 2002, p. 141-142) No início da narrativa sobre o batismo de João, Mateus faz questão de dar autoridade ao ministério de João. Ele reconhece seu ministério como cumprimento profético ao citar Isaías 40.3: “Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai no ermo vereda a nosso Deus”. Outra informação que complementa essa sua intenção é a comparação entre João Batista e Elias, como já visto anteriormente. Mateus é o único evangelista que registra que de início João se recusa a batizar Jesus. Sua recusa é consistente com sua humildade e indignidade reconhecida em Mateus 3.11. No entanto, quando Jesus menciona que é para cumprimento de “toda a justiça”, o Batista se rende e o batiza. O Verbo cumprir o que aparece também em textos de Mateus (Mt 1.22; 2.15, 17; 4.14; 5.17; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4; 26.54, 56; 27, 9) significa concordância da vontade de Deus com o que está acontecendo no ministério de Jesus, que fora previamente declarada nas Escrituras. Mateus é meticuloso ao fazer vínculo de Jesus com a nação e a Escritura udaica. Ele pretendia demonstrar que Cristo era o Rei-Messias tão esperado pelo povo udeu. Quando Jesus se submeteu ao batismo de João estava aceitando seu destino para que se cumprisse o que estava escrito a respeito dEle (releitura do Antigo Testamento pelo Novo Testamento). b. Primeiro sinal: a descida do Espírito de Deus como pomba (Mt 3.16)
Mateus narra que logo após a subida de Jesus da água os céus se abrem para Ele. Esse
era um artifício da literatura judaica: a abertura dos céus para revelar conhecimento celestial a determinada pessoa que estava em consonância com Deus (Ez 1.1; At 7.56; 10.11; Ap 19.11). A voz passiva “e eis que se lhe abriram os céus” indica uma ação direta de Deus, semelhante ao que acontece com Ezequiel, que também estava junto ao rio (Ez 1.1). Para Ezequiel a revelação era da libertação por parte de Deus, do povo judeu que estava no exílio babilônico. Em Jesus anuncia a chegada de um novo império para substituir o império tirano dos romanos. O Reino a ser estabelecido por Jesus de justiça e de misericórdia. O evangelista afirma que Jesus “viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre ele”. O Espírito que já estava ativo no nascimento de Jesus (Mt 1.18-20) continua presente no início de seu ministério terreno. Viviano (2011, p. 144) garante que o “Espírito descendo sobre Ele significa que Jesus foi ungido como Messias (At 10.37, 38), isto é, que Ele recebeu poder, sabedoria e santidade para esse papel”. Jesus é ungido para proclamar e libertar o oprimido, conforme releitura que Ele mesmo faz de Isaías 61.1. Sinal do começo de um mundo novo, diferente daquele que era controlado pelo império de Roma. Os romanos tinham como aliados a elite política e religiosa de Israel, nesse reinado o enfraquecido e menos favorecido não tinha quem os representasse. Jesus vem para ocupar esse espaço, ou seja, ser a voz de quem não tinha. c. Segundo sinal: uma voz dos céus (Mt 3.17)
Logo após o batismo e a descida do Espírito de Deus como pomba sobre Jesus, Mateus afirma que “E eis que uma voz dos céus dizia: este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). O que os rabinos chamariam de bat-qôl, que significa “a filha da voz”, ou melhor, uma pequena voz ou sussurro como agente da revelação. Mais uma vez Mateus recorre ao Antigo Testamento, a frase “este é meu Filho amado” é uma alusão a Sl 2.7 e Is 42.1. A referência ao Salmo 2.7 “[…] Tu és meu Filho; eu hoje te gerei.”, que faz parte de um contexto de coroação de um filho de Davi como Messias, levou alguns mestres heréticos da Igreja Primitiva afirmar que Jesus se tornou Filho de Deus somente em seu batismo. Mateus utiliza o texto dos Salmos para demonstrar que o evento já estava previsto. Todavia, na releitura de Mateus ele faz uma mudança importante na frase, pois em vez de dizer “tu és” como o salmista, ele diz “este é”. Além disso, ele substitui a última metade do verso por palavras da passagem de Isaias (Is 42.1). Nessa perícope, o profeta veterotestamentário refere-se à figura de servo ideal de Deus, que toma o caminho da obediência e do serviço, fazendo perfeitamente a vontade do Senhor. Mateus pretende apresentar Jesus como o Servo Sofredor de Deus. Viviano (2011, p. 145) afirma que o servo “é uma figura misteriosa que, embora inocente, sofre por seu povo. É o tema de quatro cânticos em Deutero-Isaías (42,1-4; 49,1-7; 50,4-11; 52,13; 53,12)”. A alternância entre filho e servo pode parecer uma contradição. No entanto, demonstra que mesmo sendo Filho de Deus, Jesus tinha a humildade de servir sem constrangimento, diferente da tendência do ser humano. Jesus se transforma num imã de títulos salvíficos. Na tradição cristã posterior, o batismo é considerado a primeira revelação neotestamentária da trindade, posto que o Pai, o Filho e o Espírito Santo aparecem
conjuntamente nesta cena. Outro aparente paradoxo é a mudança da figura do Messias, que devia batizar com Espírito e com fogo e a descida do Espírito em forma de pomba, um símbolo de suavidade e mansidão. Todavia, dependendo da atitude do ser humano em relação à vontade de Deus, Jesus pode ser a verdadeira benignidade como também a severidade, conforme prescreve o apóstolo dos gentios (Paulo) em Romanos 11.22. Como exercício, Tasker (2006, p. 40) propõe contrastar Mateus 11.29 com Mateus 25.41. Barros (1999, p. 33) traz um bom resumo que define tudo: “Jesus descobriu que o seu modo de ser anunciador do Reino não era como um Messias poderoso, ou como Rei de Israel (Filho de Davi), e sim sendo o Servo Sofredor de Deus (Is 42)”. Jesus, o Filho de Deus, que se fez servo e sofreu para servir, mas que recebeu toda autoridade nos céus e na terra do próprio Pai, que da vida e obra dEle se agradou.
III. O BATISMO DE JESUS E O BATISMO CRISTÃO
O fato de Jesus ir até João Batista para ser batizado demonstra que aprovava o modelo de batismo que João fazia. Jesus o procurou na idade adulta e foi batizado por imersão, nas águas do Jordão. a. O modelo do batismo de João foi adaptado pelo cristianismo
João Batista não foi o primeiro a praticar o batismo nas águas. Antes de João Batista, os udeus já batizavam os prosélitos como símbolo de natureza “purificada” dos convertidos ao judaísmo. João Batista apregoou o batismo do arrependimento, todavia o significado de arrependimento para João não é o mesmo do batismo cristão (At 18.24-26; 19.1-7). Entre o batismo de João e o batismo de Jesus ocorre a relação de continuidade, como o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Jesus submete-se ao batismo de João, mas na continuidade traz a superação e a novidade. O batismo de João era o batismo de penitência, uma preparação para o batismo que Jesus iria instituir em seu mistério pascal (a morte e ressurreição de Cristo, o Cordeiro de Deus, para justificação de todo aquele que crê). Em Mateus, João Batista aparece pregando o “batismo de arrependimento para remissão de pecados”, enquanto Jesus entra com um discurso direto: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos céus”. Para a pessoa participar do batismo primeiro é preciso crer na obra vicária de Cristo para ser justificada, somente depois pode ser batizada (At 2,41). Portanto, não se justifica o batismo de uma pessoa, sem antes ela demonstrar que crê a ponto de ter sua vida transformada pela mensagem do Evangelho. A fé deve provocar mudança de comportamento e produzir frutos, e posteriormente o batismo vale-se de ritual e símbolo da transformação já realizada. b. O batismo é uma ordenança de Cristo e não um sacramento
O batismo cristão é uma ordenança de Jesus proferida pouco antes de sua ascensão. “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. Amém!” (Mt 28.19, 20). O grifo acima é para demonstrar nas ordenanças de Jesus que suas orientações são diretas, claras e explícitas. Para Agostinho, sacramento era um sinal visível da graça invisível instituída para a ustificação do pecador. A Igreja Católica ao combater a doutrina da justificação pela fé, defendida pelos reformadores no Concílio de Trento (século XVI), consequentemente teve de deliberar sobre o batismo. Os Cânones e Decretos de Trento definiram que as obras são essenciais para a justificação. Por isso afirmavam que a causa da justificação não é a fé, mas o sacramento do batismo. Esses argumentos repetem a mesma defesa dos judeus com relação à circuncisão, um ritual como meio de justificação. A comunidade judaica baseava-se em rituais como meio de justificação diante de Deus. Segundo a doutrina rabínica, no Juízo Final, Deus perdoará somente os circuncidados. Em Romanos 4.9-12, Paulo questiona esse legalismo e criou uma grande dificuldade para os
leitores judaicos. Segundo ele, os hipócritas que se gloriam de obras também disfarçam por meio de sinais externos. No caso dos judeus, a circuncisão era um deles, uma vez que simbolicamente iniciava o povo judeu na obediência à religião judaica e a Deus. A circuncisão era motivo de orgulho judaico por ser considerada base da justiça procedente da Lei e, por isso, consideravam-se superiores aos demais povos. O período em que Abraão foi declarado justo pela sua fé na Palavra de Deus, conforme descrito em Gênesis 15.6, correspondia a uma época bem anterior à sua circuncisão, ritual defendido pelo judaísmo como requisito essencial para a salvação do ser humano. Se a ustiça de Abraão consiste na remissão de pecados e foi efetuada antes da circuncisão, então a remissão não pode ser obtida por méritos antecipados, ou seja, a causa sempre precede o efeito. Logo, deixa irrefutável a afirmação de que a circuncisão não era requisito para a justificação de Abraão, mas somente um sinal de legitimação da justificação já efetuada (NEVES, 2013, pp. 61-63). O conceito para o batismo, que é um ritual, segue a mesa linha. c. O batismo cristão ilustra a morte e ressurreição de Cristo
O batismo está simbolicamente relacionado com a obra de Cristo na cruz e sua ressurreição. Um símbolo na transformação que ocorre com a morte do “velho homem” e sua ressurreição espiritual por meio do poder de Cristo. O crente em Cristo é declarado usto no tribunal de Deus, mas ao mesmo tempo o velho homem morre legalmente (Rm 6.6, 7), crucificado com Cristo, e ressurge como uma nova vida em sua ressurreição (2 Co 5.17). Na morte de Cristo Deus demonstra o julgamento justo e na sua ressurreição prova sua ustiça. Como já visto, alguns teólogos defendem que o crente morre e ressurge no batismo nas águas, como um sacramento obrigatório para salvação. Todavia, o cristão é crucificado e morto no momento de sua justificação (Rm 6.7). Após a justificação que ocorre a frutificação, a nova vida. O batismo é um ritual que simboliza esse sepultamento e ressurgimento da nova criatura em Cristo. Portanto, não é um fim para salvação em si mesmo, mas um ritual religioso. O batismo nas águas é um ato público para atender uma ordenança que formaliza simbolicamente o que já ocorreu, seu sepultamento (Cl 2.12). Portanto, a pessoa que foi batizada deve ter o Espírito de Deus e ser revestida de Cristo(1 Co 12.13; Gl 3.27). O salvo não pode mais servir ao pecado, pois a morte do escravo o liberta de sua escravidão (Rm 6.6). Em Cristo, ele está livre para servir a Deus em novidade de vida. O batismo é uma bela representação da nova posição do salvo em Cristo (Rm 6.3), morto para o pecado (debaixo da água) justificado e reconciliado com Deus (ao sair da água). O crente justificado sendo sepultado pela morte para o pecado e surgindo para uma nova vida em Cristo, uma nova disposição na relação com Deus. Essa nova posição assegura a vida eterna com Deus, mas também exige uma aproximação com a vida de obediência de Cristo, não priorizando a si mesmo e seus desejos, mas o bem da coletividade, o Reino dos céus. Uma nova identidade, não mais relacionada ao primeiro Adão, mas da descendência de Cristo, o segundo Adão, e membro de sua família. Essa nova vida, não significa que o
crente nunca mais pecará, mas que não viverá na prática do pecado, como seu escravo. Portanto, uma vez justificados (instantaneamente), sigamos a santificação (processo contínuo) durante toda a vida ou até o arrebatamento da Igreja (NEVES, 2013, p. 90).
Mateus temos três personagens, dois bem explícitos (Jesus e o Diabo) e um implícito (Deus). As respostas de Jesus sempre foram baseadas na Palavra de Deus, uma vez que ela sustenta e fortalece a fé para a entrega total nas mãos do Pai, vencendo as tentações que provocam a injustiça e a desigualdade.
I. A TENTAÇÃO DO SUSTENTO MATERIAL NO “DESERTO” (MT 4.1-4)
A primeira tentação de Jesus está relacionada com necessidade do sustento material. Está relacionada diretamente com o impulso do povo hebreu de infidelidade quando o suprimento das necessidades materiais, em especial a alimentação, era colocado em risco. a. A relação de Mateus 4.1-4 com a caminhada dos hebreus no deserto
Existe uma relação direta entre a narrativa de Mateus 4.1-11 e a narrativa da travessia dos hebreus pelo deserto, em especial três capítulos de Deuteronômio (Dt 6 —8). O quadro comparativo abaixo ajuda a entender essa intertextualidade: Quadro Comparativo Mateus 4.1-11
Deuteronômio 6—8
“Então, foi conduzido Jesus pelo Espírito Deus conduz o povo ao deserto e o submete à prova ao deserto, para ser tentado pelo diabo.” (Dt 8.2-32). (Mt 4.1) “e, tendo jejuado quarenta dias e quarenta “Subindo eu ao monte a receber as tábuas de pedra, noites, depois teve fome.” (Mt 4.2) as tábuas do concerto que o SENHOR fizera convosco, então fiquei no monte quarenta dias e quarenta noites; pão não comi e água não bebi.” (Dt 9.9) “Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.” (Mt 4.4)
“E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram, para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas que de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem.” (Dt 8.3)
“e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra.” (Mt 4.6)
“Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra.” (Sl 91.11-12)
“Disse-lhe Jesus: Também está escrito: “Não tentareis o SENHOR, vosso Deus, como o Não tentarás o Senhor, teu Deus.” (Mt tentastes em Massá.” (Dt 6.16) 4.7) “Novamente, o transportou o diabo a um “Então, subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte muito alto; e mostrou-lhe todos os monte Nebo, ao cume de Pisga, que está defronte de reinos do mundo e a glória deles.” (Mt Jericó; e o SENHOR mostrou-lhe toda a terra, desde
4.8)
Gileade até Dã.” (Dt 34.1)
“Então, disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, “SENHOR, teu Deus, temerás, e a ele servirás, e pelo porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, seu nome jurarás.” (Dt 6.13) adorarás e só a ele servirás.” (Mt 4.10 )
O quadro demonstra que o texto de Mateus 4.1-11 está diretamente relacionado com Deuteronômio, que narra a história dos hebreus enquanto estavam no deserto, com destino à Terra Prometida. A única exceção é o Salmo 91.11, 12 que é utilizado pelo Diabo para contra argumentar com Jesus, quando se inicia a segunda tentação. Conhecer a história do povo hebreu no deserto e principalmente o texto de Deuteronômio foi fundamental para as respostas de Jesus ao Adversário. Ele reage a cada prova citando a Palavra de Deus e extraindo o princípio de cada passagem mencionada. Como aprendizado dessa prática de Jesus, Richards (2014, p. 19) comenta que “somos lembrados de que o poder libertador da Palavra de Deus não é liberado simplesmente pelo nosso conhecimento dela, mas somente quando a aplicamos”. Portanto, não é possível estudar a tentação de Jesus em Mateus sem considerar esses textos. b. A tentação de Israel no deserto por 40 anos
A tentação de Jesus assemelha-se ao Haggadah judaico. Ele é um dos dois tipos de midraxe (deve ser usado em uma situação histórica particular e em seu contexto natural): halakhah e haggadah. Enquanto o halakhah é uma explicação da Lei, o haggadah é uma literatura talmúdica que não lida com a Lei, mas ainda faz parte da tradição judaica. Haggadah significa recitar, narrar ou recontar e é um dos mais importantes textos da tradição judaica. No início da Páscoa, judeus de todos os cantos da terra se reúnem para lê-lo ao redor da mesa. Ele contém a narrativa tradicional do Êxodo do Egito. Uma celebração da passagem dos israelitas da escravidão para a liberdade, passando necessariamente pelo deserto. O objetivo dos dois tipos de midraxe é a aplicação prática do texto ao presente dos seus leitores. Quando os hebreus saíram da escravidão do Egito, onde abundava a injustiça, e caminhavam com a incumbência de criarem uma sociedade justa, tiveram que passar pelo deserto e residir nele por 40 anos. Deserto é lugar de fome, porém também é lugar de aliança, purificação e encontro com Deus (Êx 19.1ss). Segundo Barros (1999, p. 33), “a tentação do pão, do maná é a da garantia do sustento material”. No Egito, apesar da escravidão, a alimentação e necessidades básicas eram garantidas. Na caminhada pelo deserto, apesar da parcial liberdade, as condições não eram favoráveis e em várias oportunidades o povo teve que demonstrar sua confiança na dependência da ação divina. Muitos dentre o povo, nestas condições, colocaram em dúvida a proteção e o cuidado de Deus, tentando-o. Por isso, a maioria das pessoas que saíram do Egito não entrou na Terra Prometida. No momento da necessidade, duvidaram e murmuravam contra Deus (Êx 16.38), por isso ficaram pelo caminho. c. A tentação de Jesus no deserto por 40 dias
O Filho de Deus ser tentado não é uma coisa fácil de assimilar. Todavia, Mateus narra que Jesus foi levado para ser tentado logo depois de seu batismo, ou seja, quando recebe a revelação e autoridade dada por Deus de sua filiação divina e uma “autorização” para iniciar sua missão. Não parece ser desproposital essa sequência, pois as tentações de Jesus estão diretamente relacionadas com a maneira como Ele cumprira a sua missão como Resgatador da humanidade. Dessa forma, a narrativa da tentação aborda sobre o que o cristão deve estar atento em relação ao que pode impedir (injustiça e desigualdade) o Reino da justiça e o cumprimento da missão solidária. Jesus para ser o Salvador da humanidade precisava ser submetido às mesmas condições que a criatura a ser libertada (Hb 2.1,18; 4.15; 5.7-9). No entanto, é importante ressaltar que o fato de ser submetido à tentação não implica necessariamente ter cometido pecado. Nem toda tentação conduz ao pecado, isso depende de quem é submetido à tentação. Storniollo (2016, p. 43) ao comentar sobre o período de 40 anos em que os hebreus caminharam pelo deserto afirma que “Jesus retoma essa parte da história do seu povo, e os quarenta dias de jejum recordam os quarenta anos de Israel no deserto, antes de entrar na Terra Prometida, onde havia justiça e vida para todos”. O jejum por 40 dias não era uma inovação, pois a Moisés (Dt 9.9,18; Êx 24.18; 34.28) e Elias (1 Rs 19.8) também é atribuído tal ação. O ser humano não tem condições de se abster de alimento e água por 40 dias. Em Atos 9.9 é citado um jejum de Paulo, mas de 3 dias, que é um período coerente com a tolerância humana. A literatura judaica é rica em simbologia, inclusive de números. O número 40 é utilizado várias vezes na Bíblia (Gn 7.4,12; Êx 24.18; Dt 9.9-11; 10.10; Dt 8.2; 29.5; Mt 4.2; Mc 1.13; Lc 4.2; At 1.3; Dt 25.3; 2 Cor 11.24; entre outras citações). Esse número quando se refere a dias ou anos, pode significar um período necessário e suficiente para determinada ação. Portanto, nem sempre tem o significado literal. Uma coisa é certa, a situação extrema de fome do deserto pode levar o ser humano a fazer o que não convém para sobreviver. Na narrativa de Mateus, a sugestão dada a Jesus é usar o poder outorgado na posição de Filho de Deus e usar seus atributos para transformar as pedras em pães e saciar a sua fome (situação de jejum). A tentação é uma luta espiritual interna. Imagine se você tiver oportunidade de suprir suas necessidades, mas comprometendo sua missão, o que faria? Jesus, da mesma forma que os hebreus, passou por situações de dependência de Deus para que as suas necessidades materiais fossem supridas, todavia demonstrou confiança e não foi ingrato. Os cristãos de hoje, durante as crises e nos momentos em que suas necessidades materiais correm risco de não serem supridas, devem lembrar o exemplo dos hebreus no deserto. Quem se apresenta como discípulo de Jesus, a exemplo dEle, precisa buscar a superação, mas sempre reconhecendo a dependência de Deus e confiando na sua proteção e seu cuidado. Jesus foi desafiado como Filho de Deus a fazer uso de seus atributos divinos para satisfazer suas necessidades de natureza humana 1. Como ser humano ele estava sujeito à fome e à dor, como qualquer outra criatura humana. Jesus rebate a tentação utilizando a própria Palavra de Deus: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8.3). Richards (2014, p. 19) vê nessa resposta de Jesus afirmação de sua natureza humana, “sem apelar para a prerrogativa independente da divindade que Ele
tinha voluntariamente deixado de lado na encarnação”. Todas as pessoas passam por tentações. Somente as pessoas que não precisam fazer opções não são tentadas. Mas, quem está isento de tomar decisões? Portanto, se for oferecida alternativa para suprir suas necessidades materias, porém com exigências de que você viole os princípios bíblicos e sua missão como cristão, não abra mão de sua comunhão com Deus e a garantia das promessas dEle sua vida. Enquanto o povo hebreu murmura contra Deus por causa da fome (Êx 16.3-8), Jesus segue resignado para cumprir sua missão. Lembre-se das palavras de Jesus e escolha fazer a vontade de Deus, independente do custo!
II. A TENTAÇÃO DO USO DO “TEMPLO” PARA EXPLORAÇÃO (MT 4.5-7)
Nesta tentação o ambiente é outro. Impressionante como um lugar considerado santo pode se tornar um lugar de tentação. Infelizmente é isso que acontece, principalmente quando o ser humano buscando o benefício próprio instrumentaliza a palavra e sua posição de poder eclesiástico para tapear as ovelhas de Cristo. Entretanto, Jesus deixa uma advertência: “Não tentarás ao Senhor teu Deus!”. a. A tentação de mercantilizar a religião
Na segunda tentação, Jesus é conduzido ao lugar mais alto do Templo, espaço sagrado e fonte de esperança para o povo, em especial, os mais necessitados. O pináculo demonstra a responsabilidade de estar no ponto mais alto do poder religioso. Quem está nessa posição muito pode fazer para o bem ou para o mal (geralmente quando perde a confiança no chamado genuíno de Deus). O Diabo, o Adversário, faz uso da própria Palavra de Deus para provocar dúvida, assim como fez com o primeiro casal, no relato da criação. Ele cita o Salmo 91, em que Deus promete proteger o justo. No entanto, isso não quer dizer que o cristão será beneficiado em troca de sua fidelidade. Infelizmente muitos pregam um relacionamento mercantil com Deus, afirmando que suas bênçãos são condicionadas às práticas de suposta fidelidade a Deus, a famosa frase popular “toma-lá-dá-cá”. O próprio Senhor Jesus afirma que todas as pessoas passam por aflições, mesmo seus discípulos (Jo 16.33). A teologia da retribuição, a atual teologia da prosperidade, já estava presente no livro de Jó. Elifaz, um dos “amigos de Jó”, difundia o conceito de que apenas os que desagradam a Deus sofrem, com isso tentava explicar a aflição de Jó, ou melhor, ele sofria porque havia pecado e desagradava a Deus, a ponto de chamá-lo de injusto e louco (Jó 5.1-5). Segundo Terrien (1994, p. 49), a prática que predominava na época era a de uma religião de mercado, sendo “a humildade, uma apólice de seguro, e a moralidade, uma moeda que compra a paz da alma e a prosperidade”. Elifaz, em Jó 4.7-11, compara Jó aos que cultivam a iniquidade e sugere que o amigo estava colhendo a semente do mal que havia praticado. Segundo Storniolo (2008, p.33), a força do dogma da retribuição colocava o pobre e o sofredor na situação de condenado sem direito a defesa e quem o defendesse estaria indo contra o próprio Deus, portanto sujeito à mesma condenação. Essa era a força da tradição, estava acima da verdade e não podia ser questionada. Em nenhum momento a preocupação é com o sofrimento de Jó, mas que o interesse era defender a teologia oficial como se fosse ato primeiro, em detrimento da vida. Rossi (2005, p. 13) chama o deus defendido pelo dogma da retribuição de anti-Deus e afirma que, no discurso de Elifaz, a teologia oficial era aplicada até aos animais. Por incrível que pareça, ao ler essas práticas presentes no livro de Jó, tem-se a impressão de ser um relato de práticas religiosas de muitas pessoas e denominações nos dias atuais. A sociedade contemporânea é, basicamente, uma sociedade de consumo, tendo como principais características o imediatismo e a busca desenfreada pelo crescimento econômico e status. Características que determinam a vida das pessoas e têm influenciado
as práticas teológicas. Instituições religiosas buscam responder às necessidades geradas por essa sociedade oferecendo o que Rossi (2008, p. 122) chama de teologia consumista, que vem a ser a promessa de experiências inovadoras, com rápidos resultados, em maior quantidade e menor esforço. Em troca exigem a fidelização dos consumidores espirituais, além de sua passividade, cumplicidade e submissão cega. Essa relação de poder beneficia os líderes dessas denominações, que não se interessam pelos fiéis, mas pelo sistema de poder que os monopolizam. Diferente da teologia pregada por Jesus, que privilegiava a solidariedade, a vida em comunidade, simples e sem excesso de consumo. A mercantilização da sociedade tem moldado práticas religiosas e prestado serviço à desumanização. O Diabo propôs a Jesus fazer uso de sua intimidade com Deus em seu benefício próprio, porém Ele recusou e preferiu colocar-se na dependência de Deus. Ele não exigiu e nem fez nada em benefício do Reino dos céus com intenção de receber algo em troca. O Diabo continua propondo a mesma oferta e, infelizmente, muitos tem preferido seguir sua proposta a o exemplo de Cristo. b. A tentação de fazer de Deus um instrumento de capricho e ostentação
Jesus cita Deuteronômio 6.16 “não tentarás o Senhor, teu Deus”, demonstrando a seriedade que é tentar “manipular” Deus. O texto refere-se ao povo quando estava em Massa (Êx 17.1-7) e tentaram a Deus, exigindo que provasse que estava entre eles. O povo duvidou de Deus e cobrou sinal sobrenatural, em atendimento aos seus caprichos para reconhecer o poder de Deus. Muitos requerem, como se pudessem, exibição de Deus se comportando como “crianças mimadas” ou mesmo simulam supostas ações de Deus para controlar as pessoas. Existem pessoas que acreditam na presença e cuidado de Deus somente quando veem “sinais”, por isso são facilmente enganadas por pessoas mal intencionadas, que dissimulam ser usadas pelo Senhor para influenciar os fiéis. Infelizmente, muitos em nome de Deus, agem como se Deus não existisse e muito menos, como alguém que cobra de forma justa quando “usam” seu nome em benefício próprio. Creem em Deus na teoria, mas são “ateus” na prática. Muitos líderes e falsos profetas, quando suas práticas são questionadas, respondem por meio do autoritarismo baseado em supostas delegações de poder divino, visões e imposição de medo do castigo divino, visando à manutenção dos benefícios e interesses. A prática de legitimar a autoridade dos discursos era a utilização de supostas revelações, e visões, e discursos inflamados com várias promessas de parceria e comprometimento de Deus com sua realização. Os ouvintes que estão em busca da libertação, conquista de prosperidade e sucesso, alimentam esse processo. Tanto quem profere como quem busca com essa intenção tentam instrumentalizar Deus de acordo com suas vontades e ostentações. Essas práticas em vez de propagar a gratuidade da religião e a adoração verdadeira distorcem a verdade da Palavra. Storniolo (2008, p. 41) afirma que com esses comportamentos a “religião se transforma em sistema mecânico para manipular o próprio Deus”. As instituições religiosas normalmente utilizam a educação para disseminar suas doutrinas e manter a fidelização de seus membros. O que diferencia as instituições são as estruturas, algumas com estruturas mais sólidas e sistematizadas, enquanto que outras menos estruturadas e organizadas, mas todas de alguma forma possuem um sistema de
educação teológica. Uma denominação cristã que preza pelos ensinamentos de Cristo deve priorizar a vida, a humanização e a emancipação dos oprimidos e excluídos. Schipani (1988, p. 10) com base na referência do Evangelho de João 8.32, afirma que a educação religiosa deve ocupar uma postura profética na busca da libertação do ser humano por meio do ensino teológico, papel imprescindível da igreja, que deve atuar como as BoasNovas de libertação. Jesus que curou e libertou a muitos, nunca tirou vantagem ou usou sua posição de profeta reconhecido do povo para manipular as pessoas com seus discursos. Ele era uma figura carismática e seus discursos eram poderosos. Se quisesse poderia influenciar e tirar vantagens por meio dessas características e atributos. No entanto, o Evangelho de Mateus (Mt 7) afirma que as multidões se maravilhavam com seu ensino e reconheciam sua autoridade, pois não estava baseada na sua persuasão, mas no exemplo de vida. Ele ensinava com propriedade e vivia aquilo que ensinava, seu foco era cumprir sua missão, por isso recusava todas as ofertas “diabólicas” para tirá-lo do caminho da cruz.
III. A TENTAÇÃO DO USO INDEVIDO DO PODER (MT 4.8-11)
A última tentação está relacionada à idolatria. O risco de dar lugar ao impulso de desfrutar das glórias do mundo, em detrimento da adoração ao Deus verdadeiro. a. O poder dos impérios e reinos do mundo
O lugar da tentação agora é um monte muito alto. Existem várias especulações de estudiosos de qual seria esse monte. Essas especulações são inúteis, isso não é relevante aqui, além do mais nenhum monte do planeta seria alto o suficiente para avistar todos os reinos do mundo. O que importa são os princípios que evangelista quis passar com a narrativa dessa tentação. As montanhas altas tinham um significado especial nas tradições do povo israelita: provação de Abraão e recebimento de promessa de descendência e bênçãos para todas as nações (Gn 22.2-18); Elias no Monte Horebe/Sinai (1 Rs 19.8); local mais próximo de Deus. Do monte escolhido se dá uma visão de todos os reinos. A grande altura e reinos dão a sensação do poder. O ser humano tem uma tendência de buscar o poder. Todos querem o poder, a diferença é que alguns têm equilíbrio, enquanto outros não se importam com os meios para conquistá-lo. Para estes os fins justificam os meios. Storniolo (1991, p. 45) afiança que o “poder é liberdade do povo acumulada na mão de poucos ou de um só. Deus não quer isso. […] Deus não quer que alguns poderosos dominem e oprimam o povo enfraquecido”. Ele reforça com uma afirmação polêmica: “poder e riqueza são coisas diabólicas, pois se fazem à custa da opressão e exploração do povo” (STORNIOLO, 1991, p. 46). Será verdade? Em partes pode ser, todavia será que podemos generalizar? O texto dá a entender que o Adversário do Reino dos céus domina os reinos do mundo, pois ele tem a petulância de oferecer a Jesus, como se o poder sobre os reinos estivessem em suas mãos. Analisando dessa forma, parece que Storniolo tem razão. No entanto, certamente existem pessoas, verdadeiros discípulos de Jesus em posição de destaque que refletem seu exemplo, não se curvando diante das benécias do poder para o mal, mas sim para o bem. Que mundo é esse? Carter (2002, p. 152) alega que esse mundo “é a esfera da vida política, social, econômica e religiosa quotidiana. Embora criado por Deus e objeto dos propósitos de Deus (Sl 24,1), é reclamado pelo Diabo e tem a necessidade de salvação (5,14; 13,38; 24,21)”. Quando uma pessoa se torna importante com poder e riqueza muito rápido, algumas pessoas usam a expressão “fulano(a) fez um pacto com o Diabo”. Essa expressão parece caber no texto em estudo, ou seja, ele tenta oferecer e negociar com Jesus. Todavia, Jesus rejeita e o vence. Sua vitória final é na cruz, quer dizer, ao cumprir a sua missão e receber o corpo glorificado. O próprio Mateus descreve que esse Jesus ressurreto com corpo glorificado recebe a autoridade não somente sobre toda a terra, mas também do céu. Autoridade outorgada pelo próprio Deus Pai e Criador de todas as coisas (Mt 28.18). b. O poder idolátrico das glórias dos reinos do mundo
O grande líder aguardado pelo povo judaico, dentro da expectativa messiânica, deveria
dominar o mundo e favorecer a nação, tendo Sião como o centro do planeta. A centralidade de Sião estava relacionada com o centro da adoração de todos os povos, como lugar da fonte principal de benção e, consequentemente, de adoração. O raciocínio humano conduz pela busca da posse desse trono como poder centralizador para prover os povos em suas necessidades e como contrapartida receber as “glórias” deles. Algo realmente tentador. Quantas pessoas desejaria tal posição? Você conhece alguém? O ser humano gosta do poder e de ser bajulado. Essa é uma tentação que precisa ser constantemente monitorada, pois um pequeno descuido pode colocar a missão do cristão em segundo ou último plano. Richards (2014, p. 20) faz um interessante comentário quando se refere a terceira tentação de Jesus. Ele argumenta que: “[…] é provável que, se Jesus foi tentado, não foi pela glória dos reinos do mundo, mas sim pelo bem que seu governo poderia fazer”. Talvez essa seja uma das mais perigosas tentações, quando você pensa que está fazendo um bem e na realidade está sendo usado para fazer o mal a você e as pessoas que poderia beneficiar com sua ação. Muitas pessoas já perderam o alvo de sua missão por tentar fazer e pensar estar fazendo o bem, enquanto na realidade está colocando tudo ou quase tudo a perder por falta de discernimento. Por isso, a importância de estar sincronizado com Deus para não ser enganado pelo mal, pensando fazer o bem. Quando uma pessoa pensa estar fazendo o bem e sem perceber que está prejudicando as pessoas sob sua responsabilidade dificilmente recuará, pois acredita no que está realizando e vai fazer o máximo para sua “missão” ter êxito. Sendo assim, quando se trata da obra de Deus, o cristão deve agir de forma responsável e consciente, alinhado com a vontade divina. Entretanto, Jesus estava consciente que para cumprir sua missão e atender os propósitos de Deus para sua vida terrena deveria trilhar pacientemente o caminho da cruz. Ele estava totalmente comprometido em cumprir a vontade do Pai, mesmo quando seu suor misturava-se com sangue no Getsêmani. O objetivo era cumprir sua missão, não importava o preço. Ele chegou à glorificação porque passou pela cruz, apesar de sua vontade humana pedir para “afastar o cálice”. Muitas pessoas, assim como Jesus fez, têm pedido para Deus afastar o cálice, pois o imediato e as glórias são as mais desejadas e bem-vindas. Jesus não priorizou o imediato, mas a eternidade. A vitória sobre a tentação trouxe a possibilidade de libertação para toda humanidade. A probabilidade de uma vida eterna com Deus. Conquanto, muitas pessoas não têm conseguido superar essa tentação e tem buscado o imediatismo e com isso atendido seus próprios interesses, cedendo e priorizando a glórias humanas. O cristão que quer cumprir sua missão deve seguir o exemplo de Jesus em todas as suas tentações. Como o mundo é feito de escolhas, elas devem ser pautadas pelos princípios estabelecidos pela Palavra de Deus e tendo a cruz de Cristo como referência para a glorificação final dada por Deus, e não pelos homens ou pelo Diabo. Portanto, cuidado quando lhe for oferecido o poder e as glórias desse mundo. Prostre-se somente diante de Deus, que Ele seja a prioridade em sua vida, pois tudo aquilo que você coloca antes dEle é idolatria. Que a reflexão sobre a tentação de Jesus e como Ele as venceu conduza os cristãos na
retomada do caminho do deserto, e a refazerem opções que são fundamentais para a fé cristã, expulsando para longe os “demônios” que atormentam em luta interior os seres humanos. 1 Em Jesus se forma a união indivisível da natureza humana com a natureza divina, chamado pela teologia de “união hipostática”.
Ele chamou alguns para estar mais próximo dEle e desenvolverem juntos o ministério. Ele investiu de seu tempo para preparar sucessores para dar continuidade à parte de sua missão.
I. CHAMADOS PARA SER PESCADORES DE ALMAS (MT 4.18-22)
Depois do relato da tentação de Jesus, Mateus comenta que Ele ficou sabendo que João estava preso e então retorna para a Galileia, deixa Nazaré e passa habitar em Cafarnaum. Toma essa decisão, mais uma vez para cumprimento das profecias sobre o início de seu ministério. Inicia sua missão pregando o Reino dos céus e arregimentando pessoas para auxiliá-lo em sua missão. a. O discípulo era formado aos pés do seu mestre
Na época da Igreja Primitiva, a decisão sobre a escolha e a decisão de se submeter como discípulo de um mestre era importantíssima, pois impactava praticamente para vida toda. No entanto, a escolha não era do discípulo, mas sim do mestre. O discípulo estava diretamente relacionado com seu mestre e, por isso, a escolha do discípulo era de grande responsabilidade, uma vez que seria o sucessor do mestre para discipular as futuras gerações. O Guia Cristão de Leitura (2013, p. 69) traz algumas informações importantes sobre essa relação, em especial no mundo judaico: Discípulo era um termo comum no século I para uma pessoa que era um seguidor compromissado de um líder religioso, filosófico ou político. No mundo judaico, o termo era particularmente usado para os estudantes de um rabi, o mestre religioso. Nos Evangelhos, João Batista e os fariseus tinham grupos de discípulos (Mc 2.18; Mt 22.15,16). Esses discípulos, com frequência, eram os alunos mais promissores que passaram pelo sistema de educação judaica — os que já tinham memorizado as Escrituras hebraicas e demonstraram o potencial para aprender os ensinamentos específicos dos rabis sobre a Lei e os profetas, a fim de que pudesse ensinar isso a outros. Portanto, era uma grande honra e responsabilidade responsabilidade ser chamado por um rabi para ser seu discípulo. Os discípulos aprenderam os ensinamentos de seu rabi vivendo com ele e seguindo-o aonde quer que vá. Uma frase daquele tempo descrevia os discípulos como aqueles que ‘ficavam cobertos pela poeira do rabi’, porque, literalmente, seguiam de muito perto seus mestres. Note na citação que o discípulo para ser chamado já deveria ter algumas qualificações prévias, como ter memorizado as Escrituras hebraicas, além de possuir potencial para se tornar um mestre no futuro. Além da familiaridade com o seu mestre, pois a partir da escolha deveriam ter uma vida em comum por um longo período. Um vasto material evangélico atribui o título de mestre a Jesus, em especial, o Evangelho de Mateus, que como foi visto dá ênfase a essa figura de Jesus ao destacar seus ensinos por meios dos cinco famosos discursos atribuídos a Ele. Porém, Haight (2003, p. 88) assegura que “[…] havia diferentes tipos e mestre no tempo de Jesus”. Ele compara Jesus com dois tipos de mestres de sua era: a) o mestre judeu, semelhante a um filósofo cínico popular; b) um sábio da tradição da Sabedoria de Salomão. Jesus é retratado como originário das classes mais inferiores de sua sociedade. Como carpinteiro estava situado em um patamar abaixo do de camponês, que já era marginalizado na cultura da época. Como galileu, tinha influência da helenização cultural e social. A helenização havia começado com Alexandre, o Grande. Ele, um macedônio,
que conquistou a Grécia, superou o grande Império Persa e estendeu seu reinado por uma vasta região. O seu império foi tão grandioso que impôs sobre os conquistados a cultura grega, que permaneceu influente mesmo depois dos gregos serem derrotados pelos romanos. Os judeus como os judeu-cristãos também foram influenciados por essa cultura. O próprio Novo Testamento foi escrito em grego, em sua maioria no grego popular. Isso acabou por facilitar a oportuna disseminação do Evangelho. Haight (2003, p. 88) afirma que Jesus “[…] assumiu um papel semelhante ao de um filósofo cínico popular”. A palavra cínico hoje tem uma conotação negativa, mas na época o filósofo cínico era popular e atuava como um erudito itinerante. Ele tinha como estilo de vida vivenciar a mensagem na prática. Tinha a pobreza como possibilidade de liberdade interior e reagia contra a opressão sobre os pobres. Inclusive as orientações de Jesus aos seus discípulos que serão estudadas na sequência eram semelhantes ao seu estilo de vida: “As ações por eles prescritas e sua indumentária são muito semelhantes às do cínico: manto, bornal e cajado. Eram pregadores pobres e itinerantes” (HAIGHT, 2003, p. 90). Jesus opôs-se às estruturas oficiais das autoridades religiosas devido ao seu comportamento hipócrita, como veremos em capítulos posteriores, o que resultou na sua própria morte. Haight (2003, p.91) destaca que Jesus e seus discípulos, apesar da semelhança com os cínicos gregos, “[…] começou como um variante judaico local do cinismo”, já que o movimento de Jesus estava muito mais “preocupado com a moral e a ação do que com as crenças. Embora não objetivasse a reforma social, estava preocupado com os papéis na sociedade e tinha tendência igualitária”. No entanto, o que mais qualifica a característica de Jesus como Mestre está relacionado com a figura do sábio profético judeu, principalmente nos escritos de Mateus. Nele estão presentes as riquezas da tradição judaica, “[…] especialmente o material profético, apocalíptico e sapiencial, embora ocasionalmente até das tradições legais” (HAIGHT, 2003, p. 92). Jesus faz uso dos temas t emas proféticos, mas incorporados ao horizonte sapiencial, em especial nos usos das parábolas, que faziam dEle uma autêntica autoridade da sabedoria de Deus. Por isso, seus ensinos eram admirados e sua didática difundida cada vez mais pelas multidões que o seguia. Assim como os textos sapienciais que utilizavam da personificação da sabedoria, Jesus como Mestre era um supremo modelo de personificação da sabedoria. Portanto, por mais que haja semelhanças com os tipos de mestres de sua época, o jeito de ser Mestre de Jesus era diferenciado, acima de tudo, pela autoridade divina em sua vida. Na leitura da escolha dos primeiros discípulos por Jesus pode se ter a impressão que Ele não teve o devido cuidado na escolha, pois o texto descreve a escolha a partir de um encontro casual e repentino durante uma caminhada junto ao mar. Por essa razão, a necessidade de analisar essa perícope de Mateus em conjunto com os demais evangelhos, pois as informações se complementam. Cada um dos evangelistas teve o seu objetivo na hora de escrever os evangelhos, com destinatários específicos e informações que seguiam também as necessidades específicas. Na próxima seção, abordaremos como se deu a escolha dos discípulos por Jesus. b. A escolha dos discípulos
Os textos bíblicos apresentam em seu corpo escrito marcos de sinalização ou chaves de leitura que bem identificados direcionam para uma interpretação adequada e intenção do autor. No caso do Evangelho de Mateus, Couto (2014, p. 16-18) destaca dois marcos “que se reclamam, imbricam e esclarecem mutuamente”. O primeiro deles se encontra em Mt 4.17 que marca o início do ministério de Jesus, logo após a prisão de João Batista. O segundo marco se encontra em Mt 16.21, logo após a profissão de fé de Pedro, que aponta um novo início na atividade pública de Jesus, bem como um novo cenário, da Galileia marginal para Judeia e Jerusalém, centro da religião judaica. Esse marco “pretende agora mostrar aos seus discípulos atónitos que o Reino de Deus se compagina com sofrimento, morte e ressurreição”. Jesus escolhe definitivamente seus discípulos quando resolve iniciar seu ministério. Portanto, dois momentos importantes no relato da vida e obra de Jesus. Aqui iremos analisar o primeiro marco. O relato da escolha dos discípulos em Mateus deixa dúvida se Jesus conhecia os discípulos, antes de chamá-los para o seguirem, como era o costume. Todavia, quando o chamado dos primeiros discípulos é analisado em conjunto com todos os evangelhos é possível perceber que Jesus já os conhecia. Diferente do que aparenta na leitura isolada de Mateus. O evangelho segundo escreveu João nos dá mais detalhes (Jo 1.35-51). André, o primeiro discípulo a ser chamado, na realidade, já havia abandonado o negócio de pescaria da família para ser discípulo de João Batista e deve ter visto Jesus pela primeira vez quando Ele foi batizado por João. Quando André ouve João dizer que Jesus é o Cordeiro de Deus, ele segue a Cristo até ser chamado para sua morava e passa o dia com Ele. No dia seguinte, André encontrou com seu irmão Simão, que passou a ser mais conhecido por seu nome grego (Pedro), também seguidor de João, e o leva para conhecer Jesus (Jo 1.3551). No outro dia, Jesus também chama Filipe, que junto com André e Pedro moravam na pequena cidade de Betsaida (Jo 1.44). Filipe, a exemplo de André, também traz mais um discípulo para Jesus, seu amigo Natanael. Os novos amigos e discípulos de Jesus permanecem juntos durante vários dias (Jo 2.12). A própria atitude de João conduziu alguns de seus discípulos para seguirem Jesus: a) suas palavras durante o batismo de Jesus; b) suas palavras quando informado que depois de seu pronunciamento no batismo de Jesus muitos passaram a segui-lo (Jo 3.26-29): “é necessário que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). O lugar do chamado dos primeiros discípulos é motivo de controvérsia entre alguns estudiosos dos evangelhos. A narrativa dos evangelhos pode dar impressões diferentes, por exemplo: no Evangelho de João, tem-se a sensação de que os discípulos foram chamados na Judeia, onde João pregava e em Mateus, o local definido é a Galileia. Os comentaristas geralmente falam de dois chamados, o primeiro, na Judeia e o segundo e definitivo, pouco depois, na Galileia quando Jesus iniciou seu ministério, após saber da prisão de João Batista. André, Pedro e os irmãos Tiago e João, que faziam parte do grupo dos primeiros discípulos de Jesus, trabalhavam juntos no negócio de pesca em Betsaida. Posteriormente, com o crescimento do negócio eles se mudam para Cafarnaum. Provavelmente, Tiago e João pertenciam a uma família (zebedeus) com certo poder aquisitivo, pois ter um barco em Cafarnaum era privilégios de poucos, como informa Pagola: Os habitantes de Cafarnaum são gente modesta. Muitos são camponeses que vivem
do produto dos campos e das vinhas das redondezas, mas a maioria vive da pesca. Entre os camponeses, alguns levam uma vida mais folgada; entre os pescadores, alguns são donos do próprio barco. […] Cafarnaum é, sobretudo, uma aldeia de pescadores cuja vida concentra-se nos espaços livres que restam entre as modestas moradias e os quebra-mares e os cais rudimentares da margem. É certamente onde mais se movimenta Jesus. Os pescadores de Cafarnaum são, junto com os de Betsaida, os que mais trabalham na zona norte do lago, a mais rica em cardumes de peixes. […] Ao que parece, Jesus simpatiza imediatamente com essas famílias de pescadores. Elas lhe oferecem seus barcos para deslocar-se pelo lago e para falar às pessoas sentadas na margem. (PAGOLA, 2013, p. 111) Pedro, Tiago e João se tornariam os três discípulos mais íntimos de Jesus. Eles estiveram com Jesus quando da ressurreição da filha de Jairo (Mt 9.23-26), na transfiguração de Jesus (Mc 9.2) e com Jesus no Getsêmani (Mc 14.33). Portanto, diferente do que parece à primeira leitura do livro de Mateus, com o auxílio das informações dos demais evangelhos é possível perceber que Jesus teve contato e certa preparação dos primeiros discípulos antes de chamá-los para segui-lo de forma definitiva, no início de seu ministério, em busca de cumprir sua missão. Quando Jesus os chama e eles o seguem imediatamente não era uma decisão tão “cega” assim. Eles já conheciam Jesus e tinham o testemunho de seu precursor, João Batista, de que Ele era o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). c. O discípulo necessita fazer renúncias
O que caracteriza um verdadeiro discípulo de Jesus é disposição para segui-lo, independente das circunstâncias. Essa disposição faz com que compartilhe da mesma visão de Cristo e comprometimento com o evangelho. O chamado dos discípulos e a resposta imediata deles mostra como se dá a verdadeira conversão, a mudança de mentalidade e de um coração voltado para o Reino dos céus. O texto informa que ao serem chamados deixaram logo ou de imediato a rede e barco para seguir a Jesus. E o plano de vida deles, como ficaria? Como citado anteriormente, provavelmente eles estavam prosperando nos negócios, saíram de uma pequena cidade (Betsaida) para Cafarnaum, um dos centros da vida política e comercial da Galileia, que tinha um importante comércio de peixes, e estavam em plena atividade. Mas o chamado falou mais forte do que seus projetos pessoais e familiares. Segundo Robertson (2016, p. 60) “eles já tinham se tornado discípulos de Jesus (Jo 1.35-42), mas agora o chamado é para deixar o trabalho secular e seguir a Jesus nas suas viagens e atividades ministeriais”. No caso destes discípulos, além de deixarem a vida profissional eles deixaram suas obrigações familiares que eram relevantes dentro da cultura judaica, pois “ter filhos era, entre outras coisas, uma apólice de seguro para o cuidado na velhice de alguém”. No entanto, nada se fala sobre a conversa que os filhos tiveram com o pai, mas que simplesmente abandoaram tudo para seguir a Jesus. O modelo de chamado de Mateus é de um abandono do estilo de vida e familiares para seguir a Jesus. Apesar, que outros textos dão a entender que não abandonaram seus familiares por completo (Mt 8.14, 15; 20.20). Evidente que essa era uma necessidade da época e das
circunstâncias que os cercava. Jesus estava no início de seu ministério e muito havia por fazer, e os discípulos tinham um chamado específico. Não podemos generalizar que esse modelo serve para todos, em todos os lugares e em todas as épocas. Porém, uma coisa é certa, todas as pessoas que se propõe a seguir Jesus terão que fazer renúncias e mudar o estilo de vida. Outra aplicação que pode ser tirada da narrativa é que os discípulos foram chamados enquanto estavam ocupados. Infelizmente, na atualidade algumas pessoas por negligência ou falta de disposição para o trabalho não têm uma vida profissional e tentam se infiltrar no ministério. Esses procuram se justificar com argumentações como “Deus está fechando as portas da vida profissional”, “Deus está exigindo que eu siga a vida de ministério integral”. Pessoas que colocam em sua boca palavras como se fosse Deus falando, mas na realidade é uma maneira de persuadir outras pessoas a dar guarida aos seus projetos pessoais ou mesmo, apoio financeiro. Jesus nunca forçou ninguém a segui-lo, mas seus discípulos aos serem convidados renunciaram seus estilos de vida e o seguiram. Portanto, quando as pessoas se manifestarem com chamadas específicas devem ter o discernimento da vontade de Deus para não sacrificarem família por falta de percepção do verdadeiro chamado de Deus. Depois de Deus, a família é o bem mais importante na vida do ser humano. Deus preserva a família.
II. CHAMADOS PARA O DISCIPULADO (MT 4.23-25)
Jesus não trabalhava sozinho, comissionou os primeiros discípulos e começou o seu ministério de evangelização logo que soube que João estava preso. O início da pregação na região da Galileia e a preparação dos discípulos foram fundamentais para a expansão do evangelho, com conversões e realização de sinais. a. A região do início do ministério de Jesus
Como citado antes, este é um dos principais marcos de sinalização ou chaves de leitura de Mateus. Ele descreve o início do ministério terreno de Jesus a partir do conhecimento da prisão de João Batista. Jesus retorna às suas origens, a Galileia. A Galileia tinha três regiões bem definidas, ao norte a Alta Galileia, uma região fronteiriça pouco povoada e servia como um refúgio para bandidos e fugitivos da justiça. Nessa região, inicia a nascente das águas que dão origem ao famoso Rio Jordão, onde Jesus foi batizado. A Baixa Galileia fica ao sul, um território mais baixo composto de colinas que têm aos seus pés a planície de Jezrel e as pequenas montanhas solitárias do Tabor e Hermon. Na região montanhosa, encontra-se a cidade de Jesus, Nazaré. A terceira região é a dos lagos, área mais rica e povoada. Às margens do lago de Genesaré apareciam três cidades importantes na época de Jesus: Cafarnaum, Mágdala e Tiberíades. Pagola comenta sobre algumas características da Galileia que ajudam a entender um pouco sobre a região em que Jesus começou seu ministério: A Galileia era uma sociedade agrária. Os contemporâneos de Jesus viviam do campo, como todos os povos do século I integrados no Império. […] Praticamente toda a população vive trabalhando a terra, exceto o eleito das cidades, que se ocupava com tarefas de governo, administração, arrecadação de impostos ou vigilância militar. É um trabalho duro, porque só se pode contar com a ajuda de alguns bois, burros e camelos. Os camponeses das aldeias consomem suas forças arando, vindimando ou ceifando as messes com a foice. Na região do lago, onde Jesus tanto se moveu, a pesca tinha grande importância. As famílias de Cafarnaum, Mágdala ou Betsaida viviam do lago. As artes da pesca eram rudimentares: pescava-se com diversos tipos de redes, armadilhas ou tridentes. Muitos utilizavam barcos; os mais pobres pescavam da margem. Normalmente os pescadores não levavam uma vida mais cômoda do que os camponeses das aldeias. Seu trabalho era controlado pelos arrecadadores de Antipas, que impunham taxas por direitos de pesca e utilização dos embarcadouros. (PAGOLA, 2013, p. 40-41) Jesus retorna para a Galileia, mas não se estabelece em sua cidade natal. Nazaré, sua cidade, ficava na Baixa Galileia e, segundo Lucas (Lc 4.29), lá Jesus foi rejeitado. Jesus inicia seu ministério na região do lago, Ele vai habitar em Cafarnaum (antiga região de Zebulom e Naftali), mas não por acaso. O evangelista faz questão de enfatizar que isso aconteceu para que se cumprissem as Escrituras. Para isso, ele cita o livro de Isaías (Is 8.22; 9.1,2), uma releitura de quando menciona que a terra de Zebulom e a terra de Naftali, junto ao caminho do mar, além do Jordão, a Galileia das nações, que estava em trevas veria a grande luz. Mateus demonstra que essa luz seria Jesus. Ele traria a salvação
para o povo da região da chamada Galileia dos gentios (mistura de povos), que estava em trevas, ou seja, distante de Deus. Um campo fértil para conversões. Até o nome dos discípulos ou o nome dado a eles demonstra a mescla das culturas judaicas e gentílicas da região: Chamando os discípulos na Galileia, Jesus sabe que está chamando as pessoas mais influenciadas pela cultura pagã e estrangeira. Até o nome deles têm correspondentes judeus e gregos. Simão é nome de um dos patriarcas, filhos de Jacó, e quer dizer “ouvinte” ou “aquele que escuta”. Lembram-se da oração ‘Shema Israel’ (Escuta Israel). O verbo tem a mesma raiz do nome de Simão. Pedro é o seu apelido grego. André também é um nome grego, e assim por diante. (BARROS, 1999, p. 35) Portanto, Jesus retorna à Galileia, local previsto no livro do profeta Isaias como a região que veria a grande luz da salvação. Um local de grande diversidade de povos e carente da mensagem do Reino. b. Inicio do ministério e preparação dos discípulos
Interessante que Jesus não foi para os grandes centros da Judeia e nem comissionou os principais rabinos e mestres de Jerusalém para iniciar o seu ministério. Jesus escolhe discípulos da própria região, homens que segundo Matthew Henry (2008, p. 36) “eram reconhecidamente robustos e vigorosos, bons para serem soldados, mas não eram homens educados, bons para serem alunos. Para lá Cristo se dirigiu, ali Ele estabeleceu o padrão do seu Evangelho; e nisto, como em outras coisas, Ele se humilhou”. Jesus investiu na preparação desses discípulos e começou a pregar e ensinar. A mensagem de Jesus e de João Batista era semelhante: “arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus”. No entanto, o tom não era de julgamento, mas um convite para uma nova vida por meio das Boas-Novas de Cristo. Jesus convoca os discípulos e capacita-os para dar continuidade na proclamação da sua mensagem de salvação. A comitiva de Jesus saiu por toda a Galileia pregando, ensinando e realizando diversos milagres. Mateus registra que eram trazidos a ele todos os que padeciam de enfermidades. Matthew Henry (2002, p. 750) afirma que as enfermidades são nomeadas em três tipos: “a paralisia, que é a máxima debilidade do corpo; a loucura, que é a maior enfermidade da mente; e a possessão demoníaca, que é a maior de todas as desgraças e calamidades; porém Cristo curou a todos”. Perceba que foram curadas todas as doenças do corpo, mente e alma. Como resultado houve várias conversões, o povo que estava em trevas recebeu a luz. A libertação que o povo recebeu também estava relacionada com o pecado, uma vez que predominava ainda a cultura de que as doenças eram oriundas do pecado do povo. Ainda que Jesus, na sequência, ensinou que essa cultura estava equivocada, até os discípulos continuaram com essa crença por um bom tempo. Todavia, como os discípulos aprenderam “aos pés de Jesus”, muitas vezes com exclusividade, eles puderam aprender e retransmitir os ensinamentos recebidos, e ajudar as demais pessoas também. c. A disseminação das Boas-Novas pelos discípulos
Como estudado, a estratégia de Jesus deu grande resultado. Jesus chama os primeiros discípulos e imediatamente começa a percorrer toda a Galileia. Ele anunciava e curava as pessoas que se convertiam se transformavam em novos discípulos para anunciar as BoasNovas. Segundo Barros (1999, p. 35), eles “uniam elementos da missão de profetas como Elias e Eliseu àquela de ‘agentes de pastoral leigos’ cuidando do povo em nome de Deus, os ensinado e curando de suas doenças”. Sem essa disseminação da mensagem de Jesus pelos novos convertidos (leigos) a novidade não chegaria até onde chegou, pois Jesus como humano não poderia estar em vários lugares ao mesmo tempo, mas poderia por meio das pessoas alcançadas e comprometidas com o Reino. Elas não se acomodavam em receber a libertação, mas a anunciavam por todo canto. As sinagogas eram usadas, porém até as sinagogas da região exerciam um judaísmo mais laico e democrático. Elas também eram influenciadas pela cultura local, bem como pela história do próprio surgimento dessas casas de reunião, motivada pela diáspora judaica. Jesus promovia ainda mais a união entre os judeus e os não judeus, anunciava que o Reino dos céus contemplava uma fé universal. O envolvimento das pessoas alcançadas era surpreendente e animador. Mateus registra o envolvimento de pessoas da própria região da Galileia, da Judeia, de Jerusalém, dalém do Jordão, inclusive de Decápolis e da Síria. Interessante ressaltar que estudiosos atribuem à Antioquia da Síria a origem da comunidade mateana, esse alcance registrado por Mateus no início do ministério de Jesus pode aludir e ratificar essa argumentação. A mensagem ultrapassou as fronteiras da própria nação, devido ao envolvimento dos novos convertidos que se tornaram discípulos empenhados com a mensagem do Reino dos céus. Richards (2012, p. 305) afirma que “essa ainda é a melhor maneira de comunicar o evangelho, não por meio de sermões, mas pelo testemunho de pessoas comuns que vibram por Jesus”. A mensagem torna-se poderosa também porque era esperado que o Messias realizasse obras dessa envergadura, como afirma Matthew Henry (2008, p. 40): Era esperado que o Messias realizasse milagres (Jo 7.31); milagres desta natureza (Is 35.5,6); e nos temos a prova indiscutível de que Ele era o Messias; nunca houve qualquer outro homem que fizesse isto; e desta maneira a cura e a pregação, em geral, andavam juntas, pois a primeira confirmava a segunda. Assim, aqui Ele começou a curar e a ensinar (At 1.1). Os discípulos de Jesus primeiro foram ouvintes de seus ensinos e testemunhas de seus milagres, na sequência foram propagadores de sua mensagem e instrumentos de Deus para cura de enfermidades também. De início Jesus fez um comissionamento particular e especial (Mt 4.18-25) e depois para todas as nações (Mt 28.19, 20). A expansão não se deu porque no grupo tinha grandes mestres e os principais líderes da religião, estes ficavam fechados dentro de quatro paredes e preocupados com a estrutura e organização do Templo. Enquanto isso, pessoas simples tornam-se testemunhas do poder de Deus na vida de Jesus. Os discípulos propagavam com eficácia a mensagem e os feitos de Jesus nas ruas, casas e comércio, de tal forma que milhares de pessoas se convertiam e aumentava o grupo de discípulos de Jesus. Numa expressão moderna, o efeito cascata da propagação do evangelho. d. A estratégia de Jesus continua atualizada
Ainda hoje as pessoas pensam que a responsabilidade e a maior eficácia na propagação do evangelho se dá por meio dos grandes líderes e pregadores. Elas não percebem o trabalho dos “bastidores”, os irmãos e irmãs simples que convidam e evangelizam as pessoas para participarem de eventos e reuniões. O trabalho dessas pessoas anônimas tem o resultado quando as almas convidadas estão reunidas e o pregador lança a rede. Todavia, esse trabalho em conjunto e a eficácia do discipulado evidenciado no início do ministério de Jesus, e da Igreja Primitiva tem se perdido na história da igreja hodierna. A maioria dos membros das igrejas está acomodada com a rotina de atividades eclesiásticas, convencidas de que a responsabilidade para a evangelização é dos obreiros e pregadores do púlpito. Pouco se convida para participação nos cultos, dificilmente se reúnem nas casas, poucos valorizam o trabalho do discipulado, alguns até o contesta dizendo que não é bíblico. Infelizmente, muitos desconhecem a própria história do Evangelho. Jesus disse que veio para os doentes e não para os sãos. A igreja deve atuar como um hospital, um local para receber os doentes. Para tal, precisa de pessoas capacitadas e preparadas para receber e tratá-los adequadamente. Isso somente se dá por meio de um sistema organizado de capacitação e treinamento. Algumas igrejas priorizam a evangelização e até conseguem várias conversões, mas infelizmente por falta de cuidado muitos se perdem. Por isso, há necessidade do trabalho conjunto e completo, um evangeliza e outro discípula para conservação da fé do novo convertido (Mt 28.19-20, 2 Tm 2.2). A conversão é uma obra espiritual realizada pelo Espírito Santo, que convence do pecado, da justiça e do juízo, mas fazer discípulos é responsabilidade de cada cristão. A estratégia utilizada por Jesus continua atual. Ele convidava as pessoas que o ouviam e testemunhavam do poder de Deus para propagar nas ruas, nas casas e outros locais de forma simples e objetiva, e as pessoas eram alcançadas. A tarefa da igreja somente estará completa quando o novo crente for integrado à vida da igreja e for capacitado para ganhar novos discípulos (2 Tm 2.2). A igreja pentecostal primitiva evangelizava, fazia missões, discipulava, ensinava sistematicamente a Bíblia, socorria aos necessitados. Ela crescia a cada dia pelo dinamismo de suas atividades e essa estratégia continua dando resultados. Hoje é lamentável o comportamento da maioria das congregações, acomodada às suas estruturas e rotina, sem se preocuparem e se envolverem com as atividades do discipulado. Ás vezes, excelentes “obstetras”, mas como péssimos “pediatras”, pois não cuidam dos novos convertidos (crianças espirituais). Será que Deus vai cobrar isso da liderança e dos membros da igreja?
Ele.
I. A PROCLAMAÇÃO DO REINO DOS CÉUS (MT 10.1,5-7,9,10)
Uma das missões dos discípulos era proclamar a justiça do Reino dos céus, assim como aprendido aos pés de Jesus. a. A preparação que antecedeu o comissionamento (Mt 8–9)
Toda atividade deve ser precedida de uma capacitação e treinamento. Em Mateus 4.1-11 foi evidenciado os tipos de tentações para quem pretende viver sob a justiça do Reino dos céus. Em seguida, Jesus parte para ação anunciando a chegada do Reino dos céus (Mt 4.12-25). Dedica um bom tempo para trazer um os principais discursos do Evangelho de Mateus, conhecido como o Sermão do Monte (Mt 5–7), preparando quem se dispusesse a ter uma vida solidificada na Rocha e ser uma testemunha do Reino. Começa então a segunda parte do livro de Mateus, dividida em uma narrativa (Mt 8–9) e no segundo discurso de Jesus, chamado de “sermão missionário” (Mt 10). Antes do comissionamento dos 12 discípulos (Mt 10), em Mateus 9.35-38 é fornecido praticamente um resumo do que havia acontecido na narrativa dos capítulos 8 e 9 (10 curas e atos de poder realizados por Jesus) e a constatação de que o campo de trabalho (seara) realmente é grande, mas que poucas são as pessoas dispostas a trabalhar (ceifeiros). Barros faz um bom resumo didático de Mateus 8.1-9.35: […] várias curas que Jesus fez numa “viagem missionária”. Agruparam três curas (Mt 8,1-5), uma síntese que dá o sentido àquela atividade de Jesus (8,16-17) e a reação de duas pessoas que aceitam seguir aquele caminho e ser discípulos de Jesus (8,18-22). Depois, o relato que segue com mais três episódios de ações que revelam como a Palavra de Jesus tem poder contra o mal: a tempestade acalmada (8,23-27), a libertação do endemoniado de Gadara (8,28-34) e a cura do paralítico (9,1-8). Vêm um outro relato de chamado discípulo (Mateus) e mais quatro curas que se completam com um resumo quase igual ao que finaliza a primeira parte (compare Mt 4.23 e Mt 9,35). (BARROS, 1999, p. 53) A narrativa dos capítulos 8 e 9 é uma preparação para o que viria a seguir, o discurso missionário em que Jesus comissiona e orienta os discípulos quanto à missão que estavam recebendo. Nela fica evidente a obra de Jesus que iria transferir também aos discípulos. Ele ensinava com amor e paciência ao povo e curava todo tipo de doenças e enfermidades, bem como libertava os oprimidos em espírito. Tudo o que Jesus fazia era movido pelo amor e compaixão, semelhante ao sentimento de Deus em relação ao povo de Israel que estava na escravidão do Egito. A tendência normal é pensarmos que os sinais que Jesus fazia somente Ele tinha a autoridade e poder para realizar. No entanto, Ele vai demonstrar que a obra que realizava não era exclusiva dEle, mas estava preparando seus discípulos para atuar na proclamação do Reino dos céus e na realização de sinais. Jesus, na realidade, estava capacitando e treinando seus discípulos na prática para poder comissioná-los. Jesus os chamou, preparou e comissionou. b. O comissionamento dos 12 discípulos (Mt 10.1-4)
No comissionamento dos 12 discípulos, Jesus demonstra que seu procedimento era o oposto do que fazia a religião institucionalizada. Ele escolhe dentre o povo 12 pessoas comuns, emergindo da vida diária e das mais diversas origens como pescadores, membro do grupo dos zelotes e até coletor de impostos. Estes dois últimos “duas pessoas dos extremos opostos do espectro político, um serve a Roma, e o outro procura vencê-la” (BOCK, 2006, p. 111). Manter pessoas com perspectivas tão diferentes em um grupo a ser comandado exige habilidade de liderança, esforço e paciência. Alguns líderes não teriam a mesma iniciativa de Jesus, pois preferem pessoas com características semelhantes para comandar por achar mais fácil. Jesus sabia que teria mais dificuldade para comandar um grupo heterogêneo, mas também sabia que essa mescla traria mais riqueza em termos de experiência, crescimento e criatividade com as diferenças (positiva e negativa) de cada um. Os evangelhos sinóticos (Mt 10.1-4; Mc 3.13-19; Lc 6.12-16) registram a seleção dos dozes, mas cada um com ênfases diferentes. O que coincide na lista sinótica é que todas as listas começam com Pedro, que ocupava uma posição de destaque entre os 12, e termina com Judas, que acabou traindo Jesus. Lucas tem o relato mais breve, contendo apenas a nomeação dos 12. Somente ele registra que Jesus passou uma longa noite de oração, antes da escolha dos 12. Único que os chama de apóstolos e que foram selecionados de um grupo maior. A lista entre eles não obedecem a mesma ordem, com exceção dos quatros primeiros: Pedro, André, Tiago e João. O número de 12 discípulos faz um paralelo com a estrutura de Israel com suas 12 tribos. Diferente dos demais evangelistas, Mateus coloca a relação dos 12 discípulos no início de uma seção sobre missão. Depois de um bom tempo untos auxiliando Jesus a ensinar, curar e expulsar demônios agora eles recebem a incumbência de cumprirem a missão sem a supervisão direta do Mestre dos mestres. c. Orientações sobre onde e como proclamar o Reino dos céus (Mt 10.5-7, 9, 10)
Os discípulos deveriam dar continuidade na missão de Jesus, que agora era também deles: ensinar as Escrituras sob a perspectiva da justiça do Reino de céus, e proclamar que o Reino dos céus (libertação pela prática da justiça) vem para todos, principalmente para os excluídos, e curar (sinais de libertação de tudo que atrapalha a vida). Por isso, a preparação dos discípulos citada anteriormente. Perceba a sequência dos acontecimentos para chegar ao ápice do comissionamento dos discípulos. Mas Jesus não envia seus discípulos sem as últimas recomendações, Ele era um líder atencioso e prudente. Um dos principais exemplos que Jesus deixa para seus discípulos em Mateus 9.35-38 é a compaixão por aquele povo sofrido (despovoamento dos campos da Galileia e do sul da Síria após as guerras). O termo bíblico judaico para compaixão era “ rahamin” que tinha o significado do amor uterino, ou seja, o amor materno pela criança que ainda está no útero, que em alguns lugares são comparados ao amor de Deus. Jesus demonstra que é assim que os discípulos deveriam ver as pessoas que eles iriam anunciar o Evangelho. Esse é um grande exemplo para os cristãos atuais, pois muitos deixaram esse amor esfriar e não tem se preocupado em anunciar as Boas-Novas de salvação. O tempo e preocupações tem se destinado aos cuidados da vida, enquanto muitos têm se perdido. Às vezes, dá-se a impressão de que não acreditam mais no inferno. Na teoria aparentam crer, mas na prática ignoram.
De início a determinação de Jesus assusta, afinal Ele instruí os discípulos que evitem os ambientes dos pagãos e samaritanos. Parece uma exclusão, mas quando você relembra a viagem missionária de Jesus mencionado no capítulo 8 percebe que Ele não faz acepção de pessoa, mas naquele momento a prioridade era para as ovelhas perdidas de Israel. Portanto, uma estratégia específica e temporária. O próprio Jesus chama os discípulos, como foi visto anteriormente, de sal da terra e luz do mundo e não sal e luz de Israel. Outra recomendação importante é que Jesus assevera veemente que não deveria ter luxo na missão. Quem está em guerra espiritual deve agir como um soldado como vemos a recomendação para Timóteo (2 Tm 2.1-8). Um soldado não vai à guerra cercado de luxo e conforto, mas deve estar alerta e com foco na resistência e no resultado positivo e frutífero da batalha.
II. PODER PARA REALIZAR SINAIS (MT 10.1,8)
Jesus depois de comissionar e orientar quanto à missão dos discípulos os reveste de poder para enfrentar as dificuldades da caminhada e para realizarem sinais que comprovariam as Boas-Novas do Evangelho e a chegada do Reino dos céus. a. Os discípulos recebem poder de Jesus (Mt 10.1, 8)
Uma das características de Jesus era a humildade e segurança quanto à sua missão e intimidade com o Pai. Ele não tinha ciúme de seus discípulos, ao contrário, quanto mais fizessem melhor, pois sua visão era de Reino dos Céus. Infelizmente, muitos líderes não conseguem aprender essa lição de Jesus e continuam em seus “mundinhos” com medo de perder suas posições e “tronos”. Esquecem que o objetivo do cristão é contribuir para o Reino dos céus e alcançar o máximo de almas. Jesus deu exemplo que quem investe em seus subordinados, quando eles crescem e prosperam, ele também é honrado. Esse é o segredo da boa liderança. Mateus afirma que Jesus deu poder aos discípulos para expulsarem os espíritos imundos e curar toda espécie de enfermidades (Mt 10.1). Os discípulos estavam há algum tempo observando como Jesus atuava e como o povo se admirava de seus feitos. Carter (2002, p. 305) assevera que os mesmos sinais que demonstraram a autoridade de Jesus, agora estava sendo transferidos para os discípulos: Jesus exibiu sua autoridade dada por Deus pregando e curando/perdoando (7.29; 9, 6.8). As tarefas de Jesus são as deles: expulsar espíritos impuros (4,24; 8, 16.26.28-34; 9,32-34), e curar toda doença e enfermidade (4.23-24; 8,1-4.513.14-16; 9,1-8.18-26.27-31.35). Eles devem transformar a imundície e a miséria de cidades como Antioquia manifestando o reinado libertador de Deus nesses atos. (Ver cada referência para a discussão). Os discípulos integram a longa lista de figuras-chave que foram comissionadas para papéis-chave nos propósito de Deus: Moisés (Ex3), Davi (1Sm 16), profetas como Isaías (Is 6) e Jeremias (Jr 1). Como deveria estar os discípulos nesse momento, recebendo o comissionamento de Jesus, as orientações e agora a autoridade para realizar as mesmas obras que Cristo estava fazendo. Assim como o comissionamento que grandes figuras do povo de Israel do passado receberam, eles também estavam recebendo e do próprio Messias. Uma grande responsabilidade acompanhada de uma grande honra. No versículo 8 é incluído ainda o poder de ressuscitar mortos. Não há relato em relação a ressurreições ocorridas na ação missionária dos discípulos, mas não deixa de ser interessante esse registro. b. As obras de Jesus acompanham seus discípulos
Quando Jesus aparece ensinando, expulsando demônios e curando os doentes e enfermos, surge na população a grande expectativa messiânica e a esperança da chegada do Reino dos céus. A mensagem dos discípulos deveria ser a mesma, ou seja, o Reino dos céus está próximo (Mt 4.17,23; 9.35; Jo 3.2). Além da mensagem do Reino, com o recebimento do poder acompanhado de quatros imperativos de Jesus: curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos e expulsai os demônios (Mt 4.17-9.36). O reino
de poder vivificador proclamado por Jesus acompanharia os discípulos, em oposição ao poder imperial romano e do controle opressor da elite religiosa. Desse modo, eles estariam na mesma condição de perigo que seu Mestre. Desse modo, o acompanhamento das obras que Jesus realizava era motivo de grande alegria, mas também de cuidados. Isso, mais adiante (Mt 10.16ss), vai obrigar Jesus relacionar uma série de recomendações a seus discípulos, dispostos a proclamar o evangelho, independente das circunstâncias. Afinal, eles já haviam caminhado um bom tempo com Jesus e presenciado a beleza da aplicação da justiça do Reino dos céus e estavam construindo uma casa bem alicerçada na Rocha. c. Orientações para não cobrar o que é recebido de graça
Em Mateus 10.8 há uma nova recomendação: “[…] de graça recebeste, de graça dai”. Os discípulos haviam recebido o poder para realizar sinais em nome de Jesus, mas também recebem uma advertência seria para não usarem o dom recebido em benefício próprio ou para enganar e explorar a fé dos fiéis. Por isso, a ênfase no sentimento de compaixão, como o amor uterino maternal. Os discípulos deveriam agir como se as pessoas a receberem as bênçãos do Evangelho, fossem seus próprios filhos, que estavam oprimidos e agora estavam libertos. Uma das práticas atuais que é eficaz na proclamação do Reino dos céus é a mídia. No entanto, infelizmente, a igreja perdeu muito tempo por não usar os meios de comunicação para evangelizar, temendo serem “instrumentos de Satanás”. Agora, ainda que atrasadas, igrejas sérias saem no rastro de algumas denominações que perceberam a importâncias desses meios, mas muitos dessas, para nossa tristeza têm envergonhado o Evangelho. Basta ligar a televisão e passar os canais para perceber os programas e como controlam os ouvintes e seduzem pedindo recursos. De vez em quando, é possível ouvir noticiários questionando a situação financeira avantajada e desproporcional de alguns desses líderes de programas televisivos e radiofônicos. A recomendação de Jesus continua ainda em nossos dias, “[…] de graça recebeste, de graça dai” (Mt 10.8).
III. PROCLAMAR O REINO MESMO COM AS REJEIÇÕES (MT 10.11-15)
Jesus continua com as orientações e recomendações. Instrui os discípulos informando que eles deveriam levar a paz a todas as pessoas, sem exceção, porém assevera que algumas pessoas iriam rejeitá-la. Ele orienta como deveriam proceder e comenta sobre as consequências de quem rejeita a mensagem do Reino dos céus. a. A paz que vem de Deus deve ser oferecida para todas as pessoas
Os discípulos são recomendados a oferecer a paz de Cristo a todas as pessoas que encontrarem, independe da cidade ou aldeia que morassem. Não poderiam fazer acepções, pois a paz de Cristo é para todas as pessoas. Na orientação de Jesus fica a dúvida: qual casa é digna e qual não é digna? O texto não deixa claro, mas o contexto ajuda na compreensão. Provavelmente a casa considerada digna é aquela em que o proprietário ao receber a oferta da paz que é alcançada por meio da justiça de Cristo a acolhe de bom grado. Tanto a paz como o anunciador desta paz, o discípulo compromissado com o Evangelho e enviado pelo seu Mestre. Em havendo a aceitação do proprietário, o discípulo deveria entrar e se fosse permitido se hospedar o tempo necessário para anunciar as Boas-Novas e houvesse concordância do hospedeiro. Na cultura atual é difícil entender essa prática de se hospedar pessoas desconhecidas, mas na época a realidade era outra. O fato de depender da boa vontade das pessoas para se hospedar de forma gratuita na casa de um desconhecido também requer certo grau de humildade. Nem todas as pessoas têm essa propensão e se propõe a fazer isso. Na proclamação do evangelho, esse toque de humildade se faz necessário. Quantas pessoas teriam dificuldade se para evangelizar necessitasse se humilhar diante de determinada situação. Por isso, a necessidade da operação do Espírito Santo na vida da pessoa que realmente está comprometida com o Reino dos céus. Como Jesus havia afirmado a seara é grande, mas os ceifeiros são poucos. Mais de dois mil anos se passaram e essa realidade ainda é atual. b. Como lidar com a rejeição
Os discípulos saíram para cumprir sua missão bem recomendados e orientados. Eles saíram sabendo que ao oferecer a libertação por meio do Evangelho de Cristo, pessoas poderiam rejeitá-lo e ignorá-los. Além, da possibilidade de serem tratados com violência, como Jesus vai afirmar mais à frente no Evangelho de Mateus. O próprio Jesus era exemplo da rejeição e humilhação que comumente era submetido. Todavia, também era um exemplo a ser seguido, pois não desanimava diante dessas dificuldades e mantinha seu propósito de fazer a vontade de Deus, e alcançar mesmo essas pessoas que o rejeitava. Nem sempre a rejeição é definitiva, por isso o cristão deve plantar a semente do Evangelho, sabendo que a germinação pode ser no futuro. Isso acontece pelo poder da Palavra de Deus, como assevera o Guia Cristão de Leitura: Nem sempre vemos de imediato o fruto do que semeamos, e o mesmo acontece com a Palavra de Deus (13.1-23). Contudo, por ser a Palavra de Deus, a Palavra de seu Reino, há poder nela, e ela crescerá (13.31-33). Se vivermos segundo os
princípios do Reino de Deus, o Senhor sempre vindicará o que fazemos, exatamente da mesma maneira que fez na vida de Jesus. (GUIA CRISTÃO DE LEITURA, 2013, p. 302) Neste versículo (Mt 10.14) aparece uma expressão que não é costumeira para a cultura contemporânea: “sacudi o pó dos vossos pés”. Sacudir o pé é uma forma de demonstrar que o visitante não coaduna com a injustiça cometida pelo proprietário da casa visitada, uma atitude de vigoroso desfavor. A vida estava sendo ofertada pelos discípulos, mas alguns escolheram a morte. Robertson comenta sobre esse costume judaico: Os judeus tinham preconceitos ardentes contra as menores partículas do pó pagão. A questão não era a existência de germes no pó. Tal fato não se conhecia na época. Os judeus consideravam que qualquer coisa relacionada aos gentios estava contaminada com a putrescência da morte. Se os apóstolos fossem maltratados, eles tinham de tratar os impiedosos donos da casa como se eles fossem gentios (cf. Mt 18.17; At 18.6) Essa instrução também era restrita a esta excursão, com seus perigos peculiares. (ROBERTSON, 2016, p. 118) Assim, o comissionamento dos 12 discípulos demonstra necessidade urgente de pessoas que estejam dispostas a proclamar a mensagem do Reino, que não tenham dificuldades com a rejeição e mantenham o propósito, pois cada um é responsável pelas suas escolhas. c. As consequências da rejeição da mensagem do Reino dos céus
O texto cita que os habitantes de Sodoma e Gomorra receberiam mais complacência do que as pessoas que rejeitassem o evangelho pregado pelos discípulos. A redução no rigor para os habitantes de Sodoma e Gomorra se deve pela diferença de oportunidades entre eles e os galileus. O povo da Galileia com certeza teve uma oportunidade muito mais significativa do que os moradores de Sodoma e Gomorra. Assim, deveria também ter uma facilidade muito maior para receber a mensagem e mudar de comportamento, abandonar as práticas de injustiça e buscar a vontade de Deus para suas vidas. Cada pessoa ou grupo é responsável pelas suas escolhas. A vida é feita de escolhas e cada uma tem suas consequências. No sentido espiritual não é diferente, o que é mais preocupante, pois as decisões na área espiritual têm um impacto para a vida presente e a vinda após a morte. Como afirma Storniolo (1991, p. 80) ao analisar o comportamento e as consequências que acompanham as decisões, tanto para eles como para todo ser humano: “[…] aconteceu com Sodoma e Gomorra (Gn 19). E acontece com todos aqueles que rejeitam a justiça que salva, para continuar a viver sob a injustiça que destrói. Deus dá a possibilidade. Idiotice nossa se não soubermos aproveitá-la”. Não podemos desanimar com a rejeição das pessoas ao evangelho, mas continuar anunciando, pois quem rejeita hoje poderá aceitar no dia de amanhã, uma vez que as condições mudam e a experiências das pessoas também. Da mesma forma, não podemos incorporar para nós as consequências de quem rejeita, pois a responsabilidade pelas escolhas é individual. Essa recomendação é importante porque muitas pessoas sofrem de forma prejudicial pelas escolhas de outras pessoas. Devemos ser comprometidos com o Reino, mas termos consciência de que não podemos mudar as pessoas e nem impor a elas
a salvação que Cristo oferece gratuitamente. Essa recomendação pode parecer desnecessária para algumas pessoas, mas muitos cristãos têm problemas emocionais por não absolver essa possibilidade de recusa e por temer as consequências com suas almas. O envolvimento com o Evangelho e com a sua proclamação tem que ser natural e saudável. Caso contrário, o discípulo deve procurar ajuda pastoral e, dependendo do caso, até profissional. Portanto, as rejeições, infelizmente vão acontecer. Mateus registra que o próprio Jesus já havia alertado seus discípulos.
fé.
I. A FALSA RELIGIOSIDADE E A INJUSTIÇA (MT 15.1-9)
Os escribas e fariseus, já acusados anteriormente por Jesus por falsa religiosidade, veem de Jerusalém para acusar Jesus de transgredir a tradição dos anciões. Mais uma vez são desmascarados e advertidos por Jesus. a. Os escribas e fariseus faziam acusações injustas (v. 1-2)
Os escribas e fariseus constantemente observavam as atitudes de Jesus e seus discípulos para verificarem se podiam os acusar de alguma falha. Atitudes hipócritas de pessoas que se julgam religiosas e com autoridade para julgar as demais. Essas pessoas geralmente atentam para questões secundárias e que não têm impacto significativo na vida espiritual das pessoais. O que querem na realidade e demonstrarem ser mais santas e, portanto, com mais autoridades “outorgadas por Deus” para comandar ou manipular a fé das pessoas. Jesus e seus discípulos estavam na terra de Genesaré mantendo suas atividades ministeriais como de costume, com vistas fazer a vontade de Deus. Quando eles chegaram ao local e as pessoas ficaram sabendo, trouxeram os enfermos de todas as localidades próximas (Mt 14.34). Enquanto isso, alguns escribas e fariseus chegam de Jerusalém para observá-los e acharem algo para acusá-los, pois a preocupação deles não era contribuir para o Reino dos céus, mas por ciúmes queriam achar algo que comprometesse a moral ou integridade de Jesus e seus discípulos. Então, percebem que os discípulos de Jesus comiam sem lavar as mãos. No entanto, o que os incomodava não era a falta de higiene, mas sim a questão cerimonial. Na realidade, a Torá previa alguns procedimentos de questão de pureza ritual (Lv 11-15; Nm 5.1-4). Todavia, a questão levantada pelos falsos religiosos não constava na Torá, mas, sim, na tradição dos anciões. Segundo Bock (2006, p. 206), “[…] eles não comiam sem lavar as mãos nem voltavam do mercado sem realizar lavagem de purificação. Eles também lavavam os copos, potes e vasilhas de bronze. Muitas dessas práticas são registradas em detalhes na Mishná (m. Yadayim 1.1-2.4; m. Toharot)”. A Mishná era um tipo de interpretação da própria Torá, segundo as tradições de doutores da Lei. O texto paralelo de Marcos (Mc 7.1-23) traz mais detalhes deste episódio. Assim, o que incomodava os visitantes era, na realidade, algo que eles próprios haviam adicionados à Lei mosaica de forma interpretativa. De fato, eram homens presunçosos que achavam que podiam fazer melhor do que Deus como afirma Matthew Henry (2002, p. 771): “[…] adicionar algo às leis de Deus, coloca a sua sabedoria em descrédito, como se Ele tivesse deixado de fora algo necessário que o homem seja capaz de suprir; de uma ou de outra maneira levam sempre os homens a desobedecerem a Deus”. Veja como é séria essa atitude, pessoas que se achavam qualificadas para acrescentar o que Deus havia prescrito. Como se Deus tivesse esquecido algo importante e eles estavam “corrigindo” a falha de Deus. Portanto, se achavam professores de Deus. Deste modo, os escribas e fariseus acusavam Jesus e seus discípulos injustamente, pois eram acréscimos humanos que eles tinham por hábito cobrar dos judeus, como forma de manipulá-los por meio de suposta santidade. Infelizmente, a prática desses judeus é mais
presente do que se imagina no meio evangélico. As pessoas, às vezes, não se dão conta das práticas presentes em nosso meio evangélico. Criticamos os escribas e fariseus por costume de ouvir as pregações sobre os conflitos entre Jesus e eles, mas, na prática, às vezes, nos comportamos como eles. Atitudes hipócritas de religiosos, vivendo de aparências. Devemos estar atentos para não sermos praticantes de injustiça com nossos irmãos. Devemos nos preocupar com nossa vida espiritual, manter sempre a comunhão com Deus e estar preparado para nos encontrar com o Senhor a qualquer momento. b. Jesus demonstra que os acusadores que eram os transgressores (v. 2-6)
Os hipócritas acusavam a Jesus com seus mandamentos de pureza criada por homens. Jesus em (Mc 7.7) chama esses procedimentos requeridos “mandamentos de homens”. Os udeus sabiam que os rituais requeridos por eles, como lavar as mãos, não se encontravam nas Escrituras, mas, sim, nas interpretações dos anciões, recolhidas do Talmud. Não há problemas quando povos preservam certas questões culturais e tradições. No entanto, eles acusavam a transgressão desses procedimentos de suas tradições como se fossem as pessoas mais honestas e puras. Todavia, Jesus os rebate e escancara a hipocrisia religiosa deles. Agora sim, Jesus questiona-os sobre o não atendimento de procedimentos previsto na Lei mosaica, cujo atendimento era simulado por eles. O Evangelho de Marcos traz mais detalhes que Mateus, pois provavelmente os destinatários deste último, eram conhecedores da Lei e das tradições judaicas não precisavam de detalhes, já que conheciam o que estava acontecendo. Em Marcos 7.9-13, Jesus desmascara os religiosos judaicos afirmando: “Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição”. Jesus cita a Lei mosaica em que os filhos deveriam honrar pai e mãe (quinto mandamento), cuja transgressão era digno de morte. Mas, eles para não atenderem as necessidades de seus pais alegavam que o bem que possuíam era Corbã. Marcos explica sobre essa lei, que uma vez declarado como oferta ao Senhor não poderia ser usado. Jesus os acusa de usarem a lei para não honrarem os pais em suas necessidades. Portanto, “[…] invalidando, assim, a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes” (Mc 7.13). Barros traz um exemplo de como os judeus piedosos priorizavam a sua cultura e tradição, a ponto de perderam a noção do bom senso: Contam que o famoso rabino Akiba estava preso pelos romanos. Davam-lhe apenas um pouco de água para beber e uma ração mínima de alimentos para que ele não morresse de fome. De tal modo o rabino cumpria as prescrições dos anciãos que quase morreu de sede e teve de ser socorrido em perigo de morte, porque a pouca água que ele recebia para beber, a usava para as abluções. Prefere morrer de sede a desrespeitar as tradições judaicas. (BARROS, 1999, p. 86) Barros (1999, p. 87) reforça que “[…] o importante é a justiça, a veracidade nas relações humanas e o que é impuro e toda a maldade que se faz contra o outro”. Os judeus estavam como que cegos pela sua religiosidade hipócrita. A resposta de Jesus serve não somente para eles, mas a todas as pessoas que “[…] se deixam prender pela letra da lei, sem perceber o espírito que ela quer expressar”. Assim, os acusadores dos discípulos (escribas e fariseus) que eram os verdadeiros transgressores da Lei de Deus e cobravam de Jesus e seus discípulos a transgressão de suas leis humanas.
c. Os profetas já haviam reprovado a falsa religiosidade (v. 7-9)
Jesus não se contenta em desmascarar seus acusadores e demonstrar que eles burlavam a Lei de Moisés por amor aos seus bens e desprezo de seus próprios pais. Ele continua sua argumentação chamando-os diretamente de hipócritas e citando o profeta Isaias para reprovar a falsa religiosidade deles. Ao ler o texto de Mateus 15 se tem a impressão de que Jesus estava bem irritado e inconformado com a acusação recebida. O que fizeram era algo realmente irritante, se apegavam a tradições e leis humanas para se imporem como “santarrões” com base em acusações irrelevantes. Enquanto, que passavam por cima da Lei de Deus, descuidando do cuidado com pessoas tão especiais como os pais. Jesus cita Isaias 29.13: “Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim e, com a boca e com os lábios, me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído”. Uma repreensão dura contra o povo de Israel em sua rebeldia e falsa religiosidade. Jesus faz uma releitura do texto antigo, como se tivesse sido escrito diretamente para aqueles escribas e fariseus. Da mesma forma que o povo da época da escrita de Isaias, os escribas e fariseus estavam com sua vida distante de Deus e simulavam santidade diante de Deus, como se pudessem enganá-lo. Deus afirmou para o povo de Israel que em vão eles o adoravam, pois estavam bem longe dEle. Da mesma forma também estavam os judeus na época de Jesus. Infelizmente, não são poucas vezes que se presenciam comportamento idêntico em nossos cultos e na vivência comum da igreja. “Santarrões”, com base em suas interpretações, vivendo fora da vontade de Deus, acusando os demais crentes sinceros com base em acusações irrelevantes. Que Deus tenha misericórdia dessas vidas e que haja tempo para arrependimento.
II. A FALSA RELIGIOSIDADE E A CEGUEIRA ESPIRITUAL (MT 15.10-20)
Devido ao comportamento hipócrita dos escribas e fariseus, líderes religiosos do povo udaico, conforme citado na seção anterior, Jesus os chama de cegos que conduzem outros cegos, que reproduzem seus comportamentos. a. A cegueira espiritual dos escribas e fariseus (v.10-14)
A irritação de Jesus continua, porque Ele discursa e demonstra que a prioridade é o que está no interior do ser humano, a intenção e motivação que os move. Após demonstrar a atitude cínica e impostora dos escribas e fariseus Jesus os chama de cegos, que eram condutores de outros cegos, seus seguidores. Já que se dedicavam tanto a estudarem os escritos de interpretações humanas que deixavam de lado a fonte principal, que era a Lei de Deus. Os escribas e fariseus se apegavam tanto a questões secundárias e irrelevantes, focando sua atenção tão firme nessas questões que se privavam de ver as questões primárias e que importavam para Deus. Dessa forma, eram como que cegos para não enxergar as suas condutas hipócritas. Eles não conseguiam enxergar o que Jesus estava ensinando. Devido à cegueira espiritual, os judeus se escandalizavam com os ensinos de Jesus. O orgulho e a mesquinhez conduziam suas vidas e não luz de Deus como eles afirmavam. O cristão deve tomar cuidado para não cair no mesmo processo de cegueira, como afirma Storniolo: Os fariseus ficam escandalizados. Jesus responde que tudo o que não vem de Deus não permanecerá de pé. E nós sabemos disso muito bem. Os nossos caprichos têm vida curta. Pobres de nós se vivemos de caprichos. Por exemplo: o mundo e tudo o que ele contém, pessoas inclusive, é puro. Impuros somos nós, que distorcemos as coisas, usamos mal ou estragamos o mundo. É o que sai de nós, nossa má intenção ou ação, que suja o mundo. Nosso egoísmo pode acabar com o mundo, pois o seu veneno é de morte. Não adianta pensarmos que somos muito sábios e inteligentes. Se os nossos pensamentos não forem de vida, eles apenas produzirão a morte, e nós acabaremos sendo vítimas da nossa própria mesquinhez. Os escribas e fariseus não conseguiam enxergar que o mal estava no interior das pessoas e não no seu interior. O apóstolo Paulo em Romanos 2.19, em disputa com os judeus, também os chama de cegos. Ele afirma que os judeus se achavam em condições de conduzir os gentios, para eles cegos, por não receberem a luz da revelação. Todavia, o apóstolo assevera que eles também eram cegos e não estavam credenciados para conduzir ninguém. No sentido espiritual, quem tem a visão deve se compadecer de quem não tem e apontar a solução para seu problema, que é Cristo. Paulo aponta a evidência da cegueira dos judeus, seu comportamento hipócrita. Eles ensinavam a Lei, mas não praticavam. A atitude judaica faz lembrar o ditado popular “faz o que eu mando, mas não faça o que eu faço”. O que os judeus faziam bem era julgar os gentios (NEVES, 2015, pp. 35, 36). O apóstolo Paulo somente ratifica o que Mateus registra entre o confronto de Jesus e os udeus. Talvez o apóstolo tivesse conhecimento desses confrontos entre Jesus e os escribas e fariseus, grupo do qual ele também fazia parte. Ele era um cego como eles, mas depois de encontrar a luz no caminho de Damasco, passou a enxergar bem o caminho que conduz
para a vida eterna. b. O ensino bíblico abre a visão dos discípulos (v. 15)
Enquanto tudo o que já vimos nesse confronto entre Jesus e os escribas e fariseus esta acontecendo, um dos discípulos mais atuantes de Jesus o interrompe com uma pergunta intrigante: “e Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola” (Mt 15.15). Interessante como o apóstolo Pedro não se preocupava com as respostas que poderia receber, o que ele queria era aproveitar as oportunidades para aprender. Jesus estava em um momento agitado e conturbado, mas Pedro não se intimidou. Nas salas de aula dos colégios e universidades, em auditórios durante palestras, como em salas de Escola Dominical vemos isso acontecer, pessoas ouvem algumas explanações, não entendem, mas se sentem constrangidas em perguntar para não parecer menos inteligente. Alguns parecem que estão entendendo o que está sendo exposto, balançam a cabeça com um “sim”, mas infelizmente isso é um engano. Pedro estava certo em seu procedimento, quem quer aprender tem que perguntar e não se importar com a reação dos demais. Como era praticamente costume acontecer com Pedro em seus questionamentos, Jesus se vira para Pedro exclama: “ até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é lançado fora?”. Como se dissesse: Vocês também estão como cegos?. Então, Jesus explica para eles, e como estavam com o coração aberto para a Palavra, seus “olhos são abertos” para entender o que Jesus estava explicando. Diferente dos escribas e fariseus, que ouviam Jesus ensinar, mas não queriam aprender, pois os seus interesses e hipocrisia os impedia que seus “olhos fossem abertos” para entender a mensagem do Reino. c. O que contamina o ser humano é o que está no interior (v. 16-20)
Jesus começa então a explicar o que realmente contamina o ser humano, aproveitando a deixa da pergunta do apóstolo Pedro. A ousadia e interesse de Pedro em aprender ajudou os demais, que certamente também não haviam entendido. Jesus explica que do coração do ser humano que procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. Como Tiago também esclarece: “cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tg 1.14,15). Algumas pessoas se aproveitam de alguns textos bíblicos que falam sobre o Tentador para atribuir a ele a culpa pelos seus pecados. Como vimos, na tentação de Jesus, todas as pessoas estão sujeitas à tentação, mas pecar depende da guarida que cada pessoa dá aos desejos do coração. Algumas pessoas religiosas, assim como os escribas e fariseus tem colocado as questões secundárias em detrimento das questões primárias. Jesus afirma que são aquelas coisas que vem do interior do ser humano que contaminam e não o comer sem lavar as mãos. Certo que devemos considerar a questão cultural, ambiental e de época para a prática de não lavar as mãos. Evidente que é uma questão de higiene, sendo saudável a prática de lavar as mãos para se alimentar. Jesus não estava defendendo a prática de não lavar as mãos, sua critica era contra a hipocrisia e a falsa religiosidade. Para ele estava bem claro que os escribas e fariseus não estavam preocupados com a questão higiênica, mas sim com a questão cerimonial.
III. A MERCANTILIZAÇÃO DA FÉ E DA ADORAÇÃO (MT 21.12-17)
Quando mais se aproxima a jornada da Galileia para Jerusalém, maior é a severidade dos confrontos com os grupos judaicos importantes. a. Os falsos religiosos transformaram o Templo em covil de ladrões (v. 12, 13)
A semana final da vida de Jesus é crucial para entender a abrangência de seu ministério e a purificação do Templo vai ser o principal condutor de Jesus até a cruz do calvário. Neste episódio, a principal liderança se convence que tem que pará-lo de uma vez, pois Ele estava mexendo com o centro da mercantilização da religião judaica. Afinal Jesus “predissera que os anciãos, os chefes dos sacerdotes e escribas, o Sinédrio (ver 2,4; 16,21; 21,23) o matariam (20,18). Ir para o Templo significa confrontação com esta liderança”. (CARTER, 2002, p. 523) Mais uma vez o relato da entrada de Jesus no Templo difere entre os evangelhos sinóticos. Marcos o menor dos evangelhos quando chega à última semana de Jesus dá uma atenção especial aos detalhes dos eventos e as ações de Cristo, enquanto Lucas é mais resumido. Marcos relata que Jesus chegou ao Templo e dá somente uma olhada ao redor e devido o adiantar do horário e volta para Betânia para depois retornar, somente então realiza a purificação do Templo. Para Mateus tudo acontece no mesmo dia. Certo que Jesus se incomoda com o que vê no pátio do Templo, em especial o sistema de câmbio que operacionalizava os “sacrifícios puros”. Bock afirma que o sistema de cambista era uma inovação recente: O que Ele viu na área do Templo aparentemente era uma inovação recente. Cambistas operam nos pátios do Templo, no pátio dos gentios, para prover sacrifícios puros e trocar dinheiro para o pagamento da taxa do Templo que devia ser paga em shekels. A prática foi criada por conveniência. A Lei exigia sacrifícios puros e uma taxa do Templo paga em moeda nacional. Estabelecer essa conveniência nos pátios do Templo é o que Jesus acha mais censurável. Essa inovação se torna um catalisador para a reação de Jesus. (BOCK, 2006, p. 300) A prática dos cambistas era uma forma de exploração dos fiéis e beneficiava o sumo sacerdote, os sacerdotes e suas famílias. No entanto, Bock (2006, p. 300) afirma que a ação de Jesus no Templo “[…] foi fundamentalmente profética para por a nação em uma direção nova e anunciar a chegada de um personagem central no programa de Deus”. A expectativa era de que o Messias tomaria parte de uma adoração renovada no Templo, com base na profecia de Zacarias 14.21. Jesus expulsa os cambistas do Templo e cita Isaias 56.7 e Jeremias 7.11 para reclamar a transformação do Templo em um lugar de corrupção, um “covil de ladrões”. Carter afirma que a expulsão de todos os que vendiam e compravam naquele local era comparado a um ato de exorcismo: O ato de Jesus é, em parte, um exorcismo. (1) Uma conexão entre o Diabo e o Templo e sugerida pelo local da segunda tentação no pináculo do Templo (4,5-6). (2) Os líderes religiosos, uma aliança narrativa de sacerdotes, fariseus, escribas e saduceus que aparecem em várias combinações em oposição a Jesus, previamente
foram demonizados pelos termos “mal” (6,13; 9,4; 12,34) e “tentar” (4,1.3; 16,1; 19,3; 22,18), que são usados pelo Diabo. (3) Os chefes dos sacerdotes, os oponentes de Jesus desde 2,4, são aliados com Herodes. O Diabo reivindicou poder sobre todos os impérios do mundo (4,8) que coloca Herodes e sua aliança com os chefes dos sacerdotes sob controle do Diabo. (4) Os fariseus, oponentes desde 3,7, com uma visão de estender a identidade sacerdotal (Ex 34,6) e o serviço de pureza do Templo para toda a vida, são declarados em 15,13-14 como não sendo do plantio de Deus. Na estrutura cósmica dualista do evangelho, isso os associa com o Diabo. O verbo expulsar sugere que a elite religiosa e seu lugar central estão sob o controle do Diabo, contra os propósitos de Deus. (CARTER, 2002, p. 524) Além de expulsar os cambistas, Jesus derruba as mesas deles. A vivacidade potencialmente explosiva dessa atitude no sentido físico levaria a liderança do Templo, que fazia parte do “covil de ladrões”, a tomar uma atitude mais radical. Como afirma Bock (2006, p. 301): “[…] a última coisa que a liderança precisava era uma figura ‘profética’ popular para desafiá-los”. Com o ataque ao centro da mercantilização da religião judaica, na casa dos maiorais religiosos, estava previamente decretada a morte de Jesus. b. Os falsos religiosos querem calar o louvor genuíno e perfeito (v. 14-17)
Para acentuar ainda mais a ira dos líderes do Templo, enquanto tudo isso estava acontecendo, se aproxima de Jesus alguns cegos e coxos em busca de cura. Jesus os cura dentro do Templo. Considerando que os cegos e coxos eram tidos por alguns como indignos de oferecerem sacrifícios no Templo (Lv 21.16-24), a cura de Jesus se torna ainda mais significativas. Em 2 Samuel 5.8 registra um fato em que os cegos e coxos são excluídos da cidade de Davi. Segundo Carter (2002, p. 525), “[…] dada a ligação assumida de pecado e doença (ver 4,23-25; 9,1-8), a cura de Jesus significa o perdão, a misericórdia de Deus (9,13; 12,7) e a presença disponível nele, o novo Templo. Este é o último ato de cura do evangelho (cf. 20,29-34)”. Como se não bastasse isso, algumas crianças começam a adorar Jesus clamando: “Hosana ao Filho de Davi”. Isso foi o cúmulo para a liderança do Templo. Eles advertem Jesus com o questionamento: “ouves o que estes dizem?” Uma forma de dizer que as crianças estavam blasfemando dentro do Templo sagrado. Todavia, para a surpresa deles, Jesus responde de forma positiva e cita o Salmo 8.2 “[…] nunca lestes: Pela boca dos meninos e das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor?” Fazendo uma releitura como se o salmo tivesse sido escrito para aquele momento. O contraste era muito forte. De um lado estavam os cambistas e líderes do Templo que estavam comercializando a religião, os falsos religiosos. Do outro lado, estavam as crianças oferecendo o perfeito louvor pela libertação dos necessitados. Os líderes ficam inquietos, enquanto o clima na multidão é de um sentimento de momento messiânico. Os líderes incentivavam o sacrifício e a adoração que era rejeitada por Deus e rejeitavam a adoração genuína e perfeita, que era agradável a Deus. Fica bem claro a falsa religiosidade de quem deveria ser um exemplo para o povo. Será que isso ainda acontece no meio religioso?
predito que seria crucificado (Mt 16.21; 20.17-19).
I. O REI-MESSIAS MONTADO EM UM JUMENTINHO (MT 21.1-3)
Jesus entra em Jerusalém em um jumentinho de forma humilde para se cumprir as Escrituras. a. A chegada de Jesus em Jerusalém estava cercada de expectativa
Jesus já estava a caminho de Jerusalém há algum tempo. Enquanto caminhavam para Jerusalém muitas pessoas receberam a mensagem do Reino e se converteram. Jesus foi questionado pelos escribas e fariseus que o acompanhavam em busca de algo para acusar, curas foram realizadas, libertando várias pessoas de seus flagelos, exorcismos para libertação da opressão maligna, entre outras bênçãos. No entanto, agora a expectativa era outra, a chegada em Jerusalém. Os discípulos deveriam estar animados e na expectativa da chegada em Jerusalém. Devia passar no pensamento deles qual seria a reação do povo com a chegada de Jesus e com o que Ele poderia realizar no centro da religião judaica. Provavelmente, também estavam curiosos como Jesus reagiria e possivelmente esperavam que Jesus assumisse o poder e algo sobrenatural acontecesse. Todavia, antes de chegar, de certa forma, Jesus tem uma conversa com eles e derrama “um balde de água fria” sobre os discípulos. Se aproximando da chegada em Jerusalém, Ele reúne os 12 em particular e confirma que estavam subindo para Jerusalém, mas os avisa que lá seria entregue aos sacerdotes e aos escribas para ser condenado e morto, mas que ressuscitaria ao terceiro dia. Essa foi a terceira vez que Jesus estava predizendo sua paixão e ressurreição. Ele já havia predito em Mateus 16.21 e 17.22,23. O evangelista não registra se os discípulos questionaram alguma coisa ou não. Na sequência, a mãe dos irmãos de Zebedeu, intercede pelos seus filhos, para serem colocados ao lado de Jesus quando assumisse o trono. Desse modo, fica claro que a expectativa era de que Jesus assumisse o poder em Jerusalém. No entanto, Jesus dá mais um sermão aos seus discípulos que discutiam com os dois irmãos sobre o ocorrido. Ele adverte os discípulos para não desejarem ocupar posições altas ou buscarem sobrepor um sobre os outros. Jesus falava do Reino dos céus, eles estavam focados no mundo terreno. A expectativa com a chegada em Jerusalém era grande. b. A entrada em Jerusalém era uma fase de transição
A entrada de Jesus em Jerusalém foi um tipo de paródia do poder político e militar de Roma, mas representando o Império de Deus (CARTER, 2002, P. 517). Era uma fase de transição entre o final de sua vitoriosa jornada missionária na caminhada à Jerusalém e a preparação para o confronto definitivo com a liderança maior judaica. Provavelmente, a atenção de Jesus estava entre o confronto com as autoridades e como os discípulos reagiriam com o que estava por acontecer. Estava claro que os discípulos ainda não haviam entendido o propósito da missão de Jesus, como também ficou evidente depois da morte de Jesus. Como vimos, mesmo depois de Jesus predizer três vezes sua paixão e ressurreição, após a sua morte os discípulos entraram em desespero, basta ver o texto de Lucas sobre os dois discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-27), em especial o
versículo 21. Deste modo, fica bem clara a confusão mental dos discípulos, uma vez que ouvem de Jesus a predição de sua morte e ressurreição, mas parecem não acreditar e focam no seu Reino messiânico literal e a superação sobre o Império Romano. A entrada coincide com um contexto maior, a chegada do peregrino em preparação para a festa associada com a Páscoa e os pães asmos (BOCK, 2006,p. 295). A cena empregada lembra as comitivas de entradas judaicas e greco-romanas, que incluíam marcha triunfal de vitórias militares, bem como a chegada de um rei ou soberano em uma determinada cidade. Carter (2002, p. 518) relaciona algumas características da entrada triunfal que coincide com as procissões de entrada judaica: Características
Texto em Mateus
Aparecimento do soberano/general em tropas (prisioneiros em marcha triunfal).
21.1,7
Uma procissão na cidade.
21.8,10
Multidões acolhedoras e festivas.
21.8,9
Aclamações de hinos.
21.9
Ato cultual (frequentemente sacrifício) em um templo pelo qual o soberano toma 21.12-17 posse da cidade.
A única característica que não coincidiu foi o discurso que era proferido pela elite local que deve ganhar o favor do recém-chegado, no caso de receberem qualquer poder. Assim, pode-se perceber que esse gesto poderia de imediato causar certo constrangimento, pois aparentava as marchas triunfais, expressas na mentalidade imperial. Ainda que de forma simulada e não com toda pompa imperial, como de costume. c. Jesus planeja entrar em Jerusalém em um jumentinho
Mateus relata que chegando a Jerusalém, quando ainda estavam em Betfagé, Jesus envia dois de seus discípulos à aldeia que estava defronte, no caso a aldeia de Betânia, para pegar um jumentinho que estava preso com uma jumenta. Percebe-se que Jesus tinha tudo preparado e planejado, atitude que era peculiar no ministério de Jesus. Ele aparenta ter um senso bem crítico em relação à organização quando se trata de fazer a obra de Deus. Às vezes, detalhista até demais, dependendo de quem observa seus feitos. Isso, já nos traz algumas lições sobre a necessidade de fazer as coisas para Deus de forma organização e planejada. Diferente do que muitas vezes se vê nas igrejas. A impressão que passa é que os donos dos animais conheciam o Mestre, pois Jesus orienta os discípulos que quando forem pegar o animal, se perguntarem alguma coisa, simplesmente diga que o Senhor precisa dele e eles permitirão. Parece que tudo já estava
combinado para acontecer assim e os donos conheciam Jesus. Marcos (Mc 11.3) registra a promessa de que devolveriam o jumentinho depois que fosse montado por Jesus. Segundo Bock (2006, p. 295) isso fazia parte do costume de angária, “a aquisição temporária de recursos em favor de um líder, seja governante ou rabi”. Tudo estava planejado e ao entrar em Jerusalém Jesus estaria montado em um umentinho, mas por quê? Veremos na próxima seção.
II. A ENTRADA TRIUNFAL PREDITA PELOS PROFETAS (MT 21.4-7)
Como visto já no inicio do Evangelho de Mateus, Jesus procura fazer conforme estava previsto nas Escrituras para acontecer com o Messias. a. A entrada triunfal em um jumentinho foi predito pelos profetas
Interessante que dentre os sinóticos (Marcos, Lucas e Mateus), somente Mateus registra que o jumentinho estava preso com uma jumenta. Isso provavelmente para demonstrar que o jumentinho realmente era bem novinho por estar junto à mãe, ainda não desmamado e que nunca havia sido montado. Mas qual o motivo de tantos detalhes? O versículo quatro esclarece. Tudo foi realizado dessa maneira para que se cumprisse o que havia sido dito pelo profeta. Mas qual profeta? O povo sabia dessa profecia e quem era o profeta? Era de conhecimento popular? Segundo Bock (2006, p. 295), com base em João 12.16, informa que a conexão com esse texto profético não era entendida até a morte de Jesus. Então, até esse momento, ainda não se sabia do atendimento da profecia, mas futuramente, após a morte de Jesus ou na época da escrita do evangelho se resgatou o cumprimento da profecia. Os profetas citados eram Isaías e Zacarias. No texto profético é mencionado que o rei viria montado em um jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Assim, a cena prefigura a vinda do rei de Israel para Sião, montado sobre um jumento e sua cria. O episódio de Jesus faz com que o cumprimento da profecia se torne inquestionável, perfeito. b. O jumentinho era para simbolizar a humildade do Rei-Messias
A entrada de Jesus não era como se esperava do Messias prometido. Ao contrário de todas as expectativas messiânicas, Jesus queria demonstrar que o Reino messiânico que trazia era humilde. Ele já havia comentado com seus discípulos no capitulo 20 de Mateus. Em Mateus 20.28, Ele afirma categoricamente que havia vindo para servir e não ser servido. O fato de Jesus se programar para sentar em um filho de animal de carga já demonstrava a maneira e o impacto esperado de sua entrada em Jerusalém. Jesus adota alguns parâmetros de comitivas de entrada judaica. No entanto, o contexto é diferente e o império que está sendo propagado é o império de Deus, cuja meta também é diferente das comitivas tradicionais. Storniolo (1991, p. 149) afirma que “no tempo do antigo Israel, os reis montavam mulas (1 Rs 1.33). O jumento era transporte do pobre, algo como o presidente ir ao Palácio do Planalto num fusquinha”. Reforça que Jesus era “um homem do povo, entra na capital sem qualquer ostentação”. Pagola assevera que o gesto de Jesus, entrando com um jumentinho também poderia ser uma crítica a uma entrada do prefeito romano, pouco antes da entrada triunfal de Jesus, com toda pompa imperial: O gesto de Jesus era certamente intencional. Sua entrada em Jerusalém montado num jumento dizia mais do que muitas palavras. Jesus busca um reino de paz e justiça para todos, não um império construído com violência e opressão. […] Mais de um veria no gesto de Jesus uma engraçada crítica ao prefeito romano que, por esses mesmos dias, entrou em Jerusalém montado em seu poderoso cavalo, adornado com todos os símbolos de seu poder imperial. (PAGOLA, 2013, p. 427)
Portanto, apesar de todo alvoroço que vai se criar com a entrada de Jesus em Jerusalém, o objetivo de Jesus é demonstrar que o Reino do Messias verdadeiro é de humildade e ustiça. c. Os discípulos fazem conforme pedido e Jesus monta no jumentinho
Importante ressaltar que os discípulos obedeceram rigorosamente às ordens de Jesus. Essa característica de obediência dos discípulos é importantíssima, pois como dissemos Jesus tem tudo planejado e organizado, mas não adianta planejar se na hora de fazer as pessoas não fazem conforme delineado. A colaboração e disposição dos liderados auxiliam bastante a liderança. Marcos e Lucas dão mais detalhes da ação dos discípulos, demonstrando que eles fizeram exatamente o que Jesus havia ordenado. Segundo Mateus, os discípulos trazem a jumenta e o jumentinho e agora, eles têm que improvisar. Os discípulos colocam as próprias vestes ou parte delas para Jesus montar. Existem algumas imagens em publicações e na internet, assim é possível ver como fica estranho, um homem montado em um jumentinho com os pés quase tocando no chão. O que se passava na mente de Jesus, dos discípulos e do povo ao seu redor não se sabe. Na caminhada ou subida para Jerusalém havia uma expectativa, quando o momento da entrada se aproxima é montada toda essa cena. No mínimo pensavam: o que será que vai acontecer? Como o povo de Jerusalém vai receber Jesus, montado assim em um umentinho? É o que veremos a seguir.
III. A RECEPÇÃO SIMBÓLICA DO REI-MESSIAS (MT 21.8-11)
A entrada de Jesus em um jumentinho em Jerusalém é bem recebida e o povo o aclama Jesus como enviado de Deus. a. A entrada triunfal de Jesus e comitiva
A entrada repentina de Jesus em Jerusalém deve ter gerado um grande alvoroço na cidade. Os curiosos devem ter sido acionados para ver o que estava acontecendo, pois era algo inusitado. A multidão ao perceber a chegada de alguém, ainda que montado em um umentinho deve ter ficado impressionada, porquanto a cena estava sendo acompanhada por um público significativo. Assim, o povo entra no clima e estende as roupas ou parte delas como se fosse um tapete improvisado. Bruce (1951, p. 262) compara o alvoroço da cidade com um terremoto: “Até Jerusalém paralisada pelo formalismo religioso e socialmente reservada ficou agitada pelo entusiasmo popular como por um vento poderoso ou por um terremoto”. Todavia, na história do povo de Israel houve alguns episódios que poderiam vir à memória de um judeu ao presenciar a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A primeira lembrança que poderia vir seria quando Salomão foi apontado pelo pai Davi como seu sucessor, porém entrando em Giom cavalgando uma mula de seu pai (1 Rs 1.33). Outra lembrança poderia ser a de Jeú, quando seus companheiros estenderam mantos no chão ao proclamá-lo rei (2 Rs 9.4-13). Mateus e Marcos acrescentam ramos de árvores que foram estendidos juntos com as roupas para receber Jesus. Uma entrada digna de um rei, porém um Rei diferente, humilde, manso e pacífico, mas ao mesmo tempo forte e firme, um Rei que faz justiça para que o povo tenha liberdade e vida. b. Jesus é aclamado como “o Filho de Davi”
Enquanto Jesus entrava em Jerusalém as multidões o cercavam e gritavam com base em um salmo de louvor (Sl 118.25, 26), que era recitado durante festas como a Páscoa. Eles aclamavam “Hosana ao Filho de Davi”. Robertson (2016, p. 232) afirma que “Agora, Jesus deixou que as multidões o proclamassem Messias. ‘Hosana’ significa ‘salva, pedimos’”. Bock (2006, p. 296) reforça que “O apogeu no momento da entrada é o louvor na esperança da chegada do Messias e na aproximação do Reino. Jesus vem para Jerusalém como o prometido Filho de Davi, o Rei do Reino Prometido”. No entanto, o que entristece e, ao mesmo tempo, demonstra como é a natureza humana é o fato de que essa mesma multidão que clamava “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!”, também fez parte do público que ao ser oferecido a escolha entre Jesus e Barrabás para ser liberto gritaram o nome de Barrabás. Para Jesus a resposta foi crucifica-o! Crucifica-o! Por isso, que o cristão deve ter cuidado com o poder. Não foi por acaso que esse era um dos temas abordados na narrativa da tentação de Jesus. O cristão não deve se iludir com o poder e a bajulação da multidão, o importante é termos princípios bíblicos e morais que venham nortear nossa vida, em qualquer situação. c. A recepção de Jesus o torna uma ameaça aos poderosos de Jerusalém
O alvoroço que se torna a cidade, a aclamação do povo e o reconhecimento de Jesus como uma figura messiânica, abalam a segurança dos poderosos e principais das autoridades de Jerusalém. Para eles, Jesus passa a ser uma perigosa ameaça. Mateus somente registra que o povo pergunta quem é Jesus. A resposta é direta: “[…] este é Jesus, o Profeta de Nazaré da Galileia”. Se Jesus atuava mais longe dos poderosos, agora Ele estava na capital sagrada e estava alvoroçando a cidade com sua presença. Mateus não comenta sobre o comportamento da liderança, mas Lucas registra o seu espanto. Bock comenta a narrativa de Lucas: Se Jesus é o prometido, então há implicações sobre o significado de seu ensino e de sua repreensão. Assim, os fariseus dizem para Jesus repreender seus discípulos. Mas não aconteceu nenhuma repreensão. Antes, Jesus observa que se os discípulos não falassem, a criação o faria. De fato, essa é uma repreensão para a liderança, porque Jesus diz que a criação é mais sensível ao que aconteceu do que eles. Eles são mais estúpidos que as rochas! Tal apelo retórico à criação é uma figura de linguagem do Antigo Testamento (Gn 4.10; Hc 2.11). Jesus entra na cidade como Filho de Davi, mas a liderança não houve nada disso. (BOCK, 2006, p. 296) Os líderes judaicos já haviam ficado espantados com todo aquele alvoroço, como dito anteriormente, que mais parecia um terremoto. A mudança do tempo verbal do versículo oito demonstra um entusiasmo crescente da multidão, a ponto de eles jogarem as peças de roupas para Jesus com o jumentinho passar e depois que Ele passava o povo as recolhia e colocavam à frente dEle outra vez. Agora, Jesus não dá ouvidos as autoridades e ainda as repreende como se tivesse mais poder do que elas. Isso era inaceitável. Nesse momento, não havia mais volta, Jesus estava em confronto direto com as maiores autoridades udaicas do centro do poder judaico, Jerusalém. O pedido de sua morte era uma questão de tempo.
terminando com anúncio do fim dos tempos. Carson (2010, p. 566) afirma que “poucos capítulos da Bíblia trouxeram mais desacordo entre os interpretes que Mateus 24 e seus paralelos em Marcos 13 e Lucas 21”. Bock (2006, p.317) corrobora com Carson ao asseverar que esse discurso de Jesus “é um dos mais complexos elementos da tradição de Jesus”. Devido ao propósito deste livro (apoio às lições bíblicas Jovens da CPAD) não será possível aprofundar em questões como gênero literário, fontes, análise crítica na relação entre os três relatos sinóticos e todos os detalhes dos dois capítulos.
I. A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO E DO FIM DOS TEMPOS (MT 24)
O anúncio de destruição de um dos maiores símbolos para o povo judaico deve ter sido recebido com assombro pelos discípulos. Jesus adverte sobre o apego demasiado às estruturas humanas e a necessidade de estar atento sobre o caminhar cristão para não perder o foco principal. A lição mais importante aqui é a vigilância para a parúsia (Segunda Vinda de Cristo) e o fim dos tempos. a. Cristo anuncia a destruição do Templo (v1-2)
O ambiente e contexto desde Mateus 21.23 eram os pátios do Templo de Jerusalém. Robertson (2016, P. 263) garante que nesse momento, para Jesus “[…] o seu ensino público terminou. Era um momento triste”. Os discípulos acompanharam Jesus nos episódios do Templo e provavelmente estavam chocados com tudo que viram. A maneira como Jesus tratou os cambistas, a cura de marginalizados dentro do Templo, os embates com os principais dos sacerdotes, entre outros. O clima deveria estar tenso e muitas dúvidas devem ter surgido na mente deles, principalmente sobre a expectativa messiânica em relação a Jesus. Nos primeiros versículos de Mateus 24, Jesus está deixando o Templo quando os discípulos se aproximam e começam mostrar a sua estrutura. Eles, provavelmente, estavam admirados com o esplendor de sua grandiosidade e beleza. Robertson (2016, p. 263) diz que os edifícios do Templo “[…] eram bem conhecidos por Jesus e seus discípulos, sendo belos como uma montanha de neve. O monumento que Herodes, o Grande, começara só estaria concluído alguns anos antes da sua destruição (Cf. Jo 2.20). As grandes pedras eram de mármore polido”. O Evangelho de Marcos (Mc 13.1, 2) afirma que os discípulos admiravam todos os edifícios do Templo construído por Herodes, o Grande. Ainda que os edifícios fossem conhecidos de Jesus e seus discípulos como afirma Robertson, não era todo dia que eles presenciavam aquela cena. Certamente, desta vez, pararam um pouco mais para apreciar sua beleza. A maioria das pedras era enorme e sua colocação é uma obra de engenharia apreciada até os dias de hoje. Matthew Henry comenta sobre a suntuosidade do segundo Templo: Era uma estrutura muito bonita, e majestosa, uma das maravilhas do mundo; nenhum custo foi poupado, nenhum tipo de arte foi deixado de lado, para torná-lo suntuoso. Embora ele não se comparasse ao Templo de Salomão, e fosse pequeno no inicio, ele realmente cresceu mais tarde. Ele era ricamente adornado com ofertas, as quais contínuos acréscimos eram feitos. Eles mostraram a Cristo essas coisas, e desejaram que Ele também as observasse. Mateus não comenta o motivo que levou os discípulos a mostrarem as estruturas para Jesus. Robertson (2016, p. 263) entende que os discípulos estavam “querendo aliviar a tensão do Mestre”. Todavia, também existe a possibilidade dos discípulos estarem pensando em um possível reinado de Jesus e a influência que poderia ter no Templo. O contexto do Templo é de um controle duplo: a) religioso – por parte dos principais dos sacerdotes e seus auxiliares próximos; b) imperialismo – controle do império romano. Assim, o povo é controlado e explorado pelas duas formas de liderança. O Império
Romano que detém o poder imperial sobre maior parte do mundo conhecido outorga poder limitado aos líderes religiosos. Esses líderes são obrigados a manter a paz e o controle sobre o povo para evitar levantes e riscos ao controle imperial, caso contrário poderiam ser punidos ou substituídos. Por isso, a preocupação constante dos principais dos sacerdotes com relação às condutas de Jesus, pois as suas posições estavam em jogo. Na realidade, a grande preocupação era em se manter no poder e na zona de segurança, junto aos líderes romanos. No entanto, Jesus anuncia que tudo isso iria ser destruído, inclusive o grande símbolo do poder compartilhado, o Templo. Os discípulos viam a árvore, enquanto Jesus observava a floresta. Portanto, fica evidente o ambiente característico da literatura apocalíptica nestes capítulos de Mateus. Um contexto de opressão imperialista sobre o povo que não tinha como se defender e as contestações serem escritas em forma de símbolos para que somente um público específico pudesse entender. Assim, o anuncio da destruição do Templo tem um papel fundamental para entendimento do chamado discurso escatológico dos capítulos 24 e 25 de Mateus. Com efeito, comumente se faz confusão com os gêneros literários: escatologia (escatologia profética e escatologia apocalíptica), profecia e apocalipse. Estes textos em estudo abrangem os três tipos de gênero, que se conversam entre si, mas com interpretações diferenciadas, pois o foco é diferente. Em uma simples ação dos discípulos, mostrar as estruturas do Templo, Jesus lhes anuncia todo um aparato que se desenvolveria e resultaria na destruição da instituição que era o principal símbolo do poder compartilhado entre a elite judaica e o Império Romano. O discurso de Jesus anunciava que toda aquela pompa demonstrada pelos principais dos sacerdotes iria cair por terra com destruição do Templo de Jerusalém. Matthew Henry alega que em 70 d.C., o próprio imperador Tito, responsável pela conquista de Jerusalém, tentou evitar a destruição do Templo, mas não conseguiu conter seus soldados: […] embora Tito, quando tomou a cidade, tivesse feito tudo o que podia para preservar o Templo, não conseguiu impedir que os soldados furiosos o destruíssem completamente; e isto foi feito a tal ponto, que Turno Rufo arou o local onde ele tinha estado; assim se cumpriu esta passagem das Escrituras (Mq 3.12): “Por causa de vos, Sião será lavrado como um campo”. (HENRY, 2008, 309) Aqueles que desafiaram Jesus durante o relato de Mateus 21.23, em especial, e tudo o que representavam seria destruído. Todavia, antes, eles seriam os instrumentos para conduzir Jesus à sua morte de cruz, como Ele havia anunciado por três vezes (Mt 16.21; 17.22, 23; 20.18). Portanto, aqueles que defendem a datação do Evangelho de Mateus para depois de 70 d.C., desconsideram o elemento preditivo no discurso de Jesus, sendo uma adição do último redator do livro. b. A pergunta escatológica dos discípulos (Mt 24.3)
Depois disso, Jesus vai até o Monte das Oliveiras e se assenta (Mt 24.3). Da posição em que Ele estava era possível, olhando para baixo, avistar Jerusalém e o Templo onde estava até há pouco. Shelton (2006, p. 130) afirma que o Monte das Oliveiras é o “lugar muito apropriado para o ensino sobre o tempo do fim, levando-se em conta a profecia de Zacarias: ‘E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está
defronte de Jerusalém para o oriente, e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio (Zc 14.4)”. As palavras de Jesus sobre a destruição do Templo deixaram os discípulos intrigados. Então, se achegam em particular com Jesus onde estava assentado e fazem a pergunta crucial: “Dize-nos quando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo?”. Jesus estava falando da destruição do Templo e os discípulos perguntam a respeito da vinda do Messias e sobre o fim do mundo, será que acreditavam que tudo isso aconteceria simultaneamente? Robertson (2016, p. 264) faz uma sugestão coerente ao afirmar: “[…] é suficiente ver que Jesus usa a destruição do Templo e de Jerusalém como parte de um complexo de eventos que leva à sua Segunda Vinda e, no final das contas, ao fim do mundo ou consumação da era”. Afinal Jesus continuou falando a respeito da destruição do Templo e Jerusalém ou sobre a sua Segunda Vinda e o fim dos tempos? Na realidade, o discurso de Jesus atende as duas coisas. Para isso, se faz necessário utilizar de um recurso literário chamado tipologia. Jesus continua falando a respeito da destruição de 70 d.C., mas por meio da tipologia é possível interpretar esse acontecimento histórico para um tempo futuro. Uma futura releitura do fato ocorrido em 70 d.C. como figura de algo que iria acontecer em época vindoura. Bock (2006, p. 317) reforça essa ideia ao afirmar que “[…] a destruição do Templo, que agora sabemos que aconteceu em 70 d.C., também retrata o tipo de período que caracteriza o fim dos tempos”. O que já foi visto e continuará a ser visto nos próximos capítulos. Fatos que aconteceram e narrativas da Lei, dos profetas e dos Salmos (tipo) que são relidos no Novo Testamento, neste caso no Evangelho de Mateus para demonstrar o cumprimento na vida e obra de Jesus (antítipo). Se o leitor absorver esse conceito terá uma grande evolução na interpretação bíblica. A estrutura do grego na pergunta dos discípulos utiliza um artigo definido para os dois substantivos: parúsia e o fim dos tempos. Isso demonstra que os discípulos consideravam que faziam parte de um mesmo evento. Eles entendiam que este evento seria iminente. Nas décadas seguintes os cristãos ainda faziam confusão com relação ao tempo deste evento, conforme vemos nas epístolas. Como exemplo, na Epístola aos Tessalonicenses, Paulo necessita explicar novamente devido ao grande equívoco de interpretação dos habitantes de Tessalônica. A assimilação pelos primeiros cristãos deste conceito demorou um pouco para acontecer, como afirma Barros (1999, p. 115) “[…] aconteceu que, pouco a pouco, a vida foi continuando e os irmãos e irmãs foram percebendo que a parúsia (isto é, a vinda gloriosa do Senhor) demorava a acontecer. Diante disso, alguns desanimavam e outros perceberam que deviam viver o dia a dia na esperança”. No entanto, na época de Jesus, os discípulos tiveram dificuldade até para entender a ressurreição, por mais que Mateus afirma que ele havia comentado três vezes antes de morrer sobre ela. Quanto mais entenderiam que após a morte e a ressurreição, Jesus ascenderia para o céu e no futuro incerto, Ele retornaria para estabelecer um novo Reino. “Note que Ele usa a expressão ‘consumação dos séculos’, que é semelhante à expressão ‘fim do mundo’, em suas instruções pós-ressurreição aos discípulos, para eles evangelizarem todas as nações (Mt 28.19, 20)” (COMENTÁRIO PENTECOSTAL, 2006,
131). Para os discípulos, tudo iria acontecer naquele momento. Por isso, a pergunta: “Dize-nos quando serão essas coisas”. Shelton (2006, p. 131) garante que “o termo parousia significa literalmente ‘presença’, e era usado para descrever as visitas de estado oficiais de dignitários; por conseguinte tomou-se termo técnico para aludir a Vinda de Jesus. Jesus não vê a destruição do Templo como o tempo da sua parousia” (SHELTON, 2006, p. 131). De fato, Jesus demonstra que a destruição do Templo e de Jerusalém como princípio das dores, e fazendo uso da tipologia, como um tipo de eventos que aconteceria no futuro. Como afirma Tasker (2006, p. 177): “[…] a linguagem com que estes eventos são expressos é em parte literal e em parte simbólica”. Muitos comentaristas atribuem relações da destruição de Jerusalém e do Templo com os eventos da Grande Tribulação do livro de Apocalipse. Todavia, se faz necessário uma análise tipológica entre os acontecimentos ocorridos na destruição de Jerusalém e do Templo com os eventos futuros.
II. ANÁLISE TIPOLÓGICA DA DESTRUIÇÃO DO TEMPLO (V. 4-36)
Para entender este discurso de Jesus em Mateus 24 e 25 faz-se necessário um conhecimento, no mínimo, panorâmico sobre o que aconteceu em 70 d.C. e nos anos anteriores. Nesta seção será descrito o fato histórico dos eventos que antecederam e a própria destruição do Templo e de Jerusalém. Esses eventos são tipos de eventos futuros (análise tipológica). a. Fato histórico da destruição de Jerusalém e seu Templo (v. 4-26)
A resposta de Jesus inicia com uma advertência: “Acautelai-vos, que ninguém vos engane, porque […]”. Ele começa a falar sobre o que aconteceria nos momentos anteriores e durante a destruição do Templo e de Jerusalém. Em 62 d.C. morreu Festo, um administrador romano considerado qualificado e prudente pelos historiadores. A vacância provocada por sua morte foi aproveitada pelos líderes da comunidade judaica para se livrar de algumas pessoas indesejadas, uma vez que eles não tinham autoridade legal para sentença de morte. Nesse período que é executado Tiago, irmão de Jesus. A perseguição à comunidade cristã de Jerusalém faz com que os cristãos emigrem para Pela, uma cidade da Decápole, na região a oriente do Jordão. O sucessor de Festo foi Albino (62-64), um corrupto que foi substituído por Géssio Floro (64-66), considerado incompetente em sua administração, o que criou condições para levante dos inimigos de Roma, inclusive a liderança judaica, depois de alguns conflitos com Géssio Floro. Um dos líderes da rebelião era Josefo, membro da classe alta, que na organização da resistência militar torna-se general do exército da Galileia. Em 66, a resistência judaica consegue expulsar o procurador Géssio Floro e três mil soldados que protegiam a posição de Agripa. O legado da Síria Céstio Galo intervém, mas os rebeldes judeus lhe infligiram pesadas baixas. O grupo da resistência era liderado por um grupo messiânico chamado Zelotas, mas entre os próprios líderes revolucionários não havia unanimidade, resultando em uma guerra civil entre correntes judaicas rivais. O imperador Nero se conscientizou que precisava interferir e designa o general Vespasiano para reprimir a rebelião judaica. Vespasiano começa sua ação com cerco de várias semanas à Galileia. O general Josefo se entrega. Ele é mantido como refém de Vespasiano e acaba por prestar valiosos serviços aos romanos devido ao seu nível cultural e conhecimento histórico sobre os judeus. Com a morte de Nero em 68 d.C., Vespasiano suspende todas as ações militares. Todavia, na primavera de 69 d.C. ele inicia o cerco de Jerusalém, mas os constantes conflitos com relação à sucessão de Nero continuam retardando o avanço dos romanos. No entanto, no verão de 69, o próprio general Vespasiano é declarado imperador e designa seu próprio filho sucedê-lo no cerco à Jerusalém. Em setembro de 70 d.C. Tito conquista várias partes de Jerusalém e, mesmo contra sua vontade, o Templo também é destruído. A última fortaleza, Massada, foi destruída em 73 d.C., quando seus defensores comentem suicídio coletivo (KOESTER, 2005, p. 401, 402). Flávio Josefo ( De belloIud. VI, 420) afirma que o total de mortos foi de 1.100.000 pessoas. Enquanto, Orósio ( Hist. Adv. pag. VII, 9, 7) e Tácito ( Hist . V, 13) falam em 600.000 mortos. Provavelmente, esses números são exagerados, mas é certo que o número
de mortos foi muito grande. Durante a época do imperador Adriano, outra figura messiânica, Bar Kochba (132-135 d.C.), lidera outra insurreição com intenção de reconstruir o Templo, mas falhou em seu intento. O imperador Adriano proíbe o acesso do povo judeu ao território de Jerusalém e arredores. O levante dos judeus foi influenciado por grupos e líderes que se diziam ser o Messias. Por isso, no discurso de Jesus Ele anuncia sobre os falsos Messias ou profetas. Segundo Robertson (2016, p. 265), “Josefo atribui aos falsos cristos uma das razões para a manifestação violenta da população contra Roma que levou à destruição da cidade. Cada novo herói era bem recebido pelas massas, inclusive Simão Bar-kokhba, ‘o messias do deserto’, que despertou a segunda rebelião judaica contra Roma (132-135 d.C.)”. Devido ao levante começam as perseguições, sofrimentos e o grande desespero descrito por Jesus em Mateus 24.4-26. A desolação descrita em Mateus 24.15-22, uma alusão a Daniel 9.27, refere-se à profanação do lugar santo do Templo pelos romanos. Os saduceus, que surgiram no período hasmoneano (166-163 a.C.), desaparecem depois da queda de Jerusalém. O grupo dos zelotas deixou de existir a partir de 73 d. C., após a guerra de Massada (SHELTON, 2013, p. 58). Os fariseus reuniram-se na cidade litorânea de Jâmnia. O farisaísmo por meio da instituição de um judaísmo sem o Templo e serviços sacerdotais ainda perdurou por séculos (KOESTER, 2005, p. 402). A perseguição aos cristãos pelos judeus, obrigando-os a fugirem para Pela, conforme citado anteriormente, acabou por livrá-los de passar pela “grande tribulação”, citada por Mateus nos versos aqui estudados. Alguns líderes da Igreja Primitiva (Eusébio e Epifânio) afirmam que a fuga foi por revelações ou pela interpretação do discurso de Jesus, com base em Marcos 13.14. b. Eventos futuros: a vinda do Filho do Homem e o fim dos tempos (v. 27-51)
No versículo 27 é citado o advento da parousia (a pronuncia correta é parúsia) do Filho do Homem. A palavra parúsia não aparece nos demais evangelhos, somente em Mateus (Mt 24.3, 27, 37, 39). Na sequência o discurso aborda sobre o fim dos tempos. Uma leitura pouco profunda desses textos pode dar a impressão de que a parúsia e o fim dos tempos, segue-se imediatamente à destruição do Templo: Uma leitura ou uma escuta superficial do discurso escatológico de Jesus gera facilmente a impressão de que, do ponto de vista cronológico, Jesus tenha ligado o fim de Jerusalém imediatamente como fim do mundo, sobretudo quando se lê em Mateus: “Logo após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá (…). Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem…” (24. 29, 30). Essa concatenação cronologicamente direta entre o fim de Jerusalém e o fim do mundo inteiro parece confirmar-se ainda mais quando, passados alguns versículos, aparecem estas palavras: “Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que tudo isso aconteça” (24, 34). A primeira vista, parece que Lucas teria sido o único a atenuar essa ligação. Escreve ele: “E cairão ao fio da espada, levados cativos para todas as nações, e Jerusalém será pisada por nações até que se cumpram os tempos dos pagãos” (21.24). Entre a destruição e Jerusalém e o fim do mundo inserem-se “os tempos dos pagãos”. (RATZINER, 2011, pp. 48, 49) Portanto, entre a destruição do Templo e o fim dos tempos, temos os “tempos dos
gentios”, o tempo da Igreja de todas as nações como parte da história da salvação. Se retornarmos um pouco no Evangelho de Mateus (24.14): “E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim”. Destacase a necessidade da proclamação do Evangelho, o que tem sido feito desde a ascensão de Cristo, para que venha a parúsia e o fim dos tempos. Enquanto a Igreja continua a caminhada anunciando o Reino e vivendo o dia a dia de seus membros, Jesus aponta alguns sinais como pontos de atenção para quando estiver se aproximando esse fim. Para sinalizar Ele conta a parábola da figueira (Mt 24.32-36). A figura da figueira era comum na história religiosa de Israel (Os 9.10; Jr 24.1, 2; Jl 1.6, 7). Quando um judeu olhava para uma figueira e estivesse brotando folhas tenras ele já sabia que o verão estava próximo. Por meio desse exemplo, Jesus responde aos seus discípulos sobre o fim do mundo. Ele já havia advertido a respeito dos sinais nas citações de Mateus em 24.3-31, quando os falsos cristos/messias; guerras e rumores de guerras, fome, terremotos, perseguições, esfriamento da fé, profanação do Templo, entre outros estivessem acontecendo seria a garantia de que a destruição do templo estaria próximo. Os sinais também seriam tipos de eventos que aconteceria no futuro, sinais que antecederão a parúsia e o fim dos tempos. Após anunciar os sinais que antecedem a parúsia, ele acrescenta com advertências sobre a necessidade de vigilância (Mt 24.37-51). Jesus compara sua vinda com os dias de Noé (v. 37-44). Destaca a surpresa do dilúvio, enquanto as pessoas viviam sua rotina de vida e perversidades. Mateus apresenta dois grupos de pessoas na sua comunidade: a) o grupo que aguardavam o fim imediato dos tempos e estabelecimento do Reino messiânico; b) o grupo acomodado, que não estavam preocupados com o Reino de sua vinda. Os primeiros, nos versículos anteriores já haviam recebido as orientações. O segundo, agora recebe a advertência de Jesus, pois estavam despercebidos e se continuassem assim seriam pegos de surpresa na Segunda Vinda. Em seguida, continua a exortação com a parábola dos bons e dos maus servos (v. 4551). Fala de um senhor e dois tipos de servos. Um que é fiel e sensato, ele recebe as ordens de seu senhor e se preocupa em deixar tudo conforme orientado, prevendo que com a chegada de seu senhor encontrará tudo conforme esperado. Esse é recompensado de ser o encarregado dos bens. O outro servo é mau, aproveita a ausência e aparente demora de seu senhor para se divertir e explorar os demais servos. O senhor retorna em um dia que o servo mau não está esperando e o que resta para ele é “pranto e ranger de dentes” (v. 51). Dessa forma, a vinda do Cristo será feliz para quem estiver preparado, mas terrível para quem estiver acomodado.
III. A RESPONSABILIDADE HUMANA E O JULGAMENTO DIVINO (MT 25)
Jesus demonstra que a salvação é de responsabilidade individual e que todas as pessoas estão debaixo do julgamento divino. a. A parábola das dez virgens (Mt 25.1-13)
O ambiente desta parábola é de uma festa de casamento, dentro dos costumes judeus do primeiro século. O ponto alto da celebração era o momento em que o noivo e sua comitiva seguiam para a casa noiva que também tinha a sua comitiva. Após a chegada do noivo, que era costume atrasar devido o recolhimento dos presentes, todos se dirigiam para casa do noivo para a festa que durava dias. O evento geralmente acontecia à noite e a comitiva que fornecia a luz por meio de tochas ou bastões embebidos em óleo. Uma cerimônia de casamento era tão importante para a cultura que nessa ocasião era tolerado a suspensão de preleções por rabinos ou de obrigações rituais. Na parábola contada por Jesus, a noiva estava acompanhada de 10 virgens em sua casa aguardando o noivo. O detalhe é que cinco virgens estavam preparadas com uma reserva de óleo para suas lâmpadas, enquanto as outras cinco, chamadas de insensatas, não tinham a reserva. Com a demora do noivo, como de costume, as 10 virgens adormecem. Quando é anunciado o noivo, as cinco insensatas percebem a falta de óleo e pedem as cinco prudentes, que sabiamente negam, pois corriam o risco de todas perderem a festa. As cinco insensatas vão comprar o óleo, mas enquanto isso o noivo chega e a comitiva volta para sua casa. Quando as cinco insensatas chegam na casa do noivo a porta já estava fechada e não permitiram sua entrada. Aqui diverge do costume, pois a porta não permanecia fechada. A mudança é para passar a mensagem central da parábola: a responsabilidade pela preparação é individual. b. A parábola dos talentos (Mt 25.14-30)
Nesta parábola um senhor sai em uma jornada e deixa três de seus servos com alguns recursos, no entanto, os valores eram diferentes. De acordo com o conhecimento que ele tinha da capacidade de cada um (v. 15), lhes deu os seus bens: cinco talentos, dois talentos e um talento. Um talento era um valor significativo. Segundo Storniollo (1991, p. 178) equivalia a 34 quilos de ouro. O senhor deixa os bens, mas não deixa nenhuma orientação. Os servos que ganharam cinco e dois talentos trabalham com o valor e conseguem dobrá-los. O que havia recebido um talento não trabalhou para aumentar o valor, mas simplesmente o enterra por segurança e medo de seu senhor. Quando o senhor retorna e pede conta dos talentos, os dois primeiros apresentam os valores duplicados e recebem elogios e promessas de maiores responsabilidades. Enquanto que o que havia recebido um talento, o devolve da mesma maneira que recebeu. Este é repreendido pelo seu senhor, e chamado de “mau e negligente servo” (v. 26). Além disso, o talento que estava com ele é dado ao que estava com 10 talentos. Para alguns, esse procedimento pode parecer uma injustiça. Para Jesus, era o ponto central da parábola: o dever de zelar pelos talentos e capacidades recebidas por Deus. Não
importa o nível de capacidade ou talento, devemos trabalhar com aquilo que recebemos e fazer o melhor para multiplicar, assim o Reino dos céus é beneficiado. Quem sabe usar bem, mais receberá. c. A vinda do Filho do Homem e o julgamento (Mt 25.31ss)
Mateus anuncia a chegada do Filho do Homem, mas em glória. Uma figura apocalíptica que vem para julgar. Quando se fala em julgamento é o momento em que tudo fica transparente e as obras são expostas. A humanidade é dividida em dois grupos: ovelhas (justos) e bodes (injustos). Como um pastor, o Filho do Homem é que separará os dois. Uma figura retirada dos apocalipses judaicos. O critério para separação dos dois grupos, um para benção e outro para maldição, é surpreendente. O que é avaliado é o tratamento dados a pessoas que, em geral, são vítimas de um sistema social injusto, que os priva da liberdade e qualidade de vida. Jesus se coloca no lugar dos famintos, sedentos, estrangeiros (marginalizados naquela época), sem tetos, doentes e presos. Ovelhas são consideradas aquelas pessoas que usaram de misericórdia com essas pessoas e os bodes aqueles que as ignoraram. Jesus se coloca no lugar das pessoas marginalizadas quando afirma: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (v. 40). Quais igrejas ou membros Jesus vai achar fazendo assim? Quem se salvará desse julgamento?
acontecimento está a mão de Deus, conduzindo de forma que se cumprisse as escrituras.
I. A CRUCIFICAÇÃO DE JESUS (MT 27.32-44)
Ao longo de sua viagem para Jerusalém, Jesus por três vezes anunciou a sua crucificação e morte, e o momento chega como havia predito. a. A vida e sofrimento de Jesus era cumprimento das escrituras
O relato da vida e obra de Jesus segue um plano divino previamente estabelecido. “As palavras dos profetas e dos salmos perpassam a narrativa em grande número, não apenas em citações expressas, mas também em traços isolados e alusões” (BORNKAMM, 2005, pp. 51, 52). Somente para destacar, da chegada em Jerusalém até momentos antes de sua crucificação, o quadro abaixo demonstra a relação dos acontecimentos e como estão relacionados, na grande maioria, com os profetas e os salmos. Acontecimento Na entrada triunfal de Jesus em
Texto Bíblico -Cumprimento Isaías 62.11; Zacarias 9.9
Jerusalém. A purificação do Templo.
Isaías 56.7
Indicação de que haveria um traidor.
Salmos 41
Na última ceia a alusão ao sangue da aliança.
Êxodo 24.8
Prisão de Jesus e a fuga dos discípulos.
Zacarias 13.7
No Getsêmani – Oração.
Salmos 43.5
Condenação à morte pelo Sinédrio.
Salmos 31.14
Traição de Judas.
Zacarias 11.12
Flagelação de Jesus.
Isaías 50.6
O próprio costume dos romanos contribuiu para o cumprimento das Escrituras. Por exemplo, era costume romano “preparar” o condenado para a cruz torturando-o antes da crucificação para apressar a morte do condenado. O condenado deveria carregar a “burca”, a parte mais pesada da cruz.
A partir da crucificação as relações com as Escrituras se intensificam, pois a paixão e ressurreição de Cristo são fundamentos principais para o cristianismo. Por isso, a necessidade de comprovar que tudo o que aconteceu com Jesus não foram fatos ocorridos por acaso, mas que fazia parte do plano divino de salvação para a humanidade. b. O flagelo e escárnios no caminho do Gólgota
O caminho para a cruz é um caminho de zombaria generalizada. O deboche sobre a sua realeza começa já pelos principais líderes religiosos (Mt 26.57-68), continua com os oficiais romanos após condenação de morte por Pilatos (Mt 27.27-31). Jesus foi retirado da residência do governador e conduzido pelo caminho do Gólgota de forma humilhante, costume romano para intimidar as pessoas para evitar levantes contra o império. A caminhada até o Gólgota1 é acompanhada de atos de violência e opressão. Jesus tem que carregar a cruz ou parte dela (trave mestra ou burca), sob ameaças e efetivas chibatadas executadas pelos soldados romanos, além do deboche de pessoas maldosas que estavam pelo caminho. Aliado a isso, ainda tinha o peso da cruz e as dores dos flagelos anteriores com suas consequências em seu corpo. Durante a caminhada uma possibilidade de alívio. Mateus registra que um homem de Cirene é compelido pelos soldados carregar a cruz de Jesus. Cirene era uma colônia romana e entre sua população havia muitos judeus e prosélitos do judaísmo na Líbia, norte da África. Devido à grande quantidade de negros nessa reunião, acredita-se que Simão também o fosse. Não se comenta o motivo, mas provavelmente Jesus estava fraco diante de tanta flagelação. Carter (2002, p. 655) faz um comentário interessante: “Na ausência de Simão Pedro (e dos outros discípulos), o Simão africano de Cirene carrega a cruz de Jesus”. De fato, o africano tinha o mesmo nome do discípulo de Jesus que declarou que iria com Jesus até a morte (Mt 26.33-35). Todavia, assim como os demais discípulos também fugiu quando Jesus foi preso (Mt 26.56) e como predito por Jesus, o negou por três vezes (Mt 26.69-75). Quando chegam ao lugar da crucificação é oferecido vinho misturado com fel, mais uma vez uma referência aos salmos para demonstrar o cumprimento das Escrituras. Trata-se do Salmo 69.21, salmo de lamentação em que um justo perseguido acusa seus inimigos e clama a Deus por libertação. Jesus recusa a oferta, mas Mateus registra que antes Ele prova. Bock (2006, p. 357) faz um link com Provérbios 31.6 e traz outra interessante interpretação sobre o texto: “Fel pode ser uma forma de aludir a Salmos 69.21, mas o processo é descrito em Provérbios 31.6. Nesse contexto, considerado como um ato de misericórdia e compaixão, ele é recusado. Jesus suportará a plenitude de seu sofrimento”. Bornkamm (2005, p. 270) afirma que “[…] era costume oferecer aos condenados, antes da crucificação, um trago de vinho bem condimentado, para anestesiar seus sentimentos e, assim, diminuir seus tormentos”. Essas informações corroboram com a sugestão de Bock. Na realidade, o que conta mesmo é a relação desse episódio com o Antigo Testamento. c. A crucificação sob a acusação de ser “O REI DOS JUDEUS”
Mateus não dá detalhes sobre a crucificação de Jesus, no versículo 35 ele é direto “E, havendo-o crucificado […]”. Robertson traz algumas informações adicionais sobre a forma de crucificação de Jesus:
Havia vários tipos de cruz, não sabemos precisamente a forma da cruz na qual Jesus foi crucificado, embora a tradição seja universal para a forma que se tornou símbolo cristão. Em geral, as mãos eram pregadas à trave-mestra antes de ser elevada e depois os pés. Não era muito alto. A crucificação era feita pelos soldados encarregados. (ROBERTSON, 2016, p. 318) O crucificado ficava dependurado até que, lentamente as dores e a exaustão física trouxessem o seu fim. Isso era facilitado porque nenhum órgão vital era atingido. Além disso, o corpo inerte, os pés e mãos feridas provocavam uma agonia excruciante ao crucificado. Se a perda de sangue e as consequências da flagelação não fossem a causa primeira, a crucificação levaria a morte por asfixia. A vítima ficava fraca demais e não conseguia levantar seu corpo para respirar. Isso era uma prática angustiante e muito cruel. Os salmos são lembrados novamente. O texto diz que os soldados repartiram suas vestes entre eles lançando a sorte, uma referência ao Salmo 22.18. Bock (2006, p. 358) afirma que: “A imagem do salmo é parte do escárnio de um sofredor justo. Jesus morre de forma vergonhosa, sem roupas, enquanto os que estavam ao redor dEle se divertiam com suas últimas posses”. No entanto, o sorteio das peças de vestuários dos condenados entre os soldados era um costume romano (BORNKAMM,2005, p. 271). Não obstante os descasos anteriores, em cima de sua cabeça, na cruz, puseram a acusação contra Ele: “ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS”. Robertson (2016, p. 319) informa que a tabuleta com a acusação era levada “à frente da vítima ou pendurado ao pescoço enquanto a pessoa caminhava para a execução”. Mais uma vez, Jesus é escarnecido e desprezado. Isso sem mencionar os escárnios das pessoas que passam enquanto ele esta pendurado. Algumas pessoas, inclusive um dos bandidos da cruz, lembrando as palavras do Diabo na narrativa da tentação de Jesus: “Se és filho de Deus […]”. No entanto, Mateus registra que no dia do grande julgamento todas as pessoas de todas as nações terão que se dobrar diante dEle para serem julgados (Mt 25.31-46). Entre a crucificação e a morte de Jesus ocorreram sinais: “[…] desde a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona” (Mt 27.45).
II. A MORTE DE JESUS (MT 27.45-51)
Depois de todo falso testemunho das autoridades religiosas, Jesus é condenado pelos romanos e conduzido à morte na cruz. a. A morte de cruz: maldita pelos judeus e punição aos inimigos para os romanos
Mateus registra que o próprio Jesus havia predito sua morte de cruz (Mt 16.21; 17.22, 23; 20.18,19, 26.2). A morte de cruz era desprezada tanto por judeus como pelos romanos. Os judeus por questões religiosas e os romanos por questões políticas. Para os judeus a morte de cruz era uma maldição (Dt 21.23). Na cultura judaica não se esperava um Messias que sofresse e morresse. Principalmente, “Alguém que fora condenado à morte pelo supremo tribunal judaico e injuriosamente executado não poderia ser o salvador esperado” (BARTH, 1997, p. 19). Paulo afirma, quando escreve aos Gálatas, que Cristo nos resgatou da maldição da Lei, fazendo-se maldição por nós morrendo na cruz e faz uma referência à Deuteronômio 21.23: “[…] maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”. Por essa afirmação, Paulo foi criticado por estudiosos do Antigo Testamento por oferecer uma interpretação apenas espirituosa porque Deuteronômio 21.23 originalmente não se trata em morte por crucificação. No entanto, Barth (1997, p. 19) alega que isso mudou com a descoberta do Rolo do Templo do Mar Morto: “Em 11QT Temple 64.7-13, a maldição de Deuteronômio 21.23 é vinculada claramente também com a pena capital da crucificação”. A interpretação da morte de cruz que era complicada para um judeu foi absolvida e entendida com o surgimento do cristianismo e o testemunho dos primeiros apóstolos. Os romanos reservavam a morte de cruz para seus inimigos políticos. Pessoas que eram consideradas um perigo para a manutenção do imperialismo romano, ou seja, pessoas consideradas por eles como rebeldes e subversivos que se recusavam a obedecer cegamente às ordens impostas pelos poderosos romanos. Essa morte era considerada tão terrível que, pela lei romana, um cidadão romano não poderia ser executado dessa forma. Quando Jesus foi encaminhado para a morte de cruz ao seu lado estavam dois ladrões, como geralmente são apresentados. Segundo Storniolo (1991, p. 199) não eram simples ladrões, para os romanos considerados bandidos e “subversivos que almejavam o poder para derrubar o poder romano”. Na concepção romana, Jesus é colocado em mesma condição de condenação. Todavia, para os primeiros cristãos Ele será reconhecido como o Rei-Messias que havia de vir, o Filho de Deus que venceu a morte e trouxe vida eterna a todas as pessoas que se abrem para o amor de Deus. Esse amor que “é dinamismo que traz vida, mas depende de ser aceito ou não” (STORNIOLO, 1991, p. 199). b. A morte como sacrifício perfeito à justificação da humanidade
Às três horas de escuridão (12h – 15h) lembram os três dias de trevas, uma das 10 pragas do Egito (Êx 10.21-23). Segundo Storniolo (1991, p. 200), essa relação simboliza o anúncio da “libertação para toda a humanidade e, ao mesmo tempo, a queda de todos os opressores que a escravizam”. Enquanto Carter (2002, p. 658) relaciona às três horas de escuridão com a tribulação que precede a vinda de Jesus gloriosa para reinar como Filho
do Homem (Mt 24.27-31). O primeiro clamor de Jesus é de grande desespero. Em meio à escuridão universal Ele grita em alta voz “Eli, Eli, lema sabactâni”. Uma referência ao Salmo 22.1, 2, o justo que enfrentando oposição obstinada de seus oponentes sem uma solução aparente se vê abandonado por Deus e clama: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. O sentimento de abandono pela separação de Deus por causa do pecado da humanidade que estava sobre ele era demais. Essa é a condição do pecador sem Deus, distante, separado da única fonte de salvação para si. Jesus se fez pecado pela humanidade e assume a pena da condenação. Por isso, que autor da Epístola aos Hebreus aconselha para chegar com confiança até Jesus, pois Ele nos entende de forma experiencial e está disposto a nos ajudar. Ele tem a experiência de gritar em alta voz por socorro divino. Enquanto Jesus clamava a Deus, provavelmente pelo seu estado de fraqueza o povo entendeu na sua pronuncia um pedido de socorro a Elias. Por isso, mais uma vez zombam de Jesus e dizem: “vejamos se Elias vem livrá-lo”. Uma cena de covardia, alguém no tempo final de sua vida, perto do ultimo suspiro, no desespero do sentimento de abandono, clamando em alta voz por socorro e seus algozes e opositores aproveitam para rir de sua situação. Infelizmente, um comportamento que se repete em vários meios, seres humanos se entregando à própria maldade, sem perceber que todas as pessoas estão em igual situação, criaturas de Deus, carentes de sua graça e misericórdia. O cristão não pode se alegrar ou divertir a custo da desgraça o sofrimento alheio, independente de quem seja. O Salmo 22.1-31 é leitura obrigatória para entender esse momento crucial da vida de Jesus. A cena realmente é um retrato falado do Salmo 22. Jesus teve um abandono progressivo: por Judas (26.14-16, 48, 49), pelos discípulos (26.56), por Pedro (26.69-75), pelas multidões (27.21, 22), por fim, o pior de todos, se sente abandonado por Deus. Então, surge o último grito: “E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito”. Este consiste em palavras de confiança e entrega voluntária a Deus, uma referência ao Salmo 31.5. Assim, como o salmista do Salmo 22, que a partir do verso 23 vê a resposta de Deus. A resposta viria após a morte, a justificação de Deus por meio de um sacrifício único, perfeito e eterno. c. A eficácia da morte de Jesus
A morte de Jesus é acompanhada de sinais (Mt 27.51-56), o que demonstra que ela não foi em vão, mas tinha atingido o objetivo principal (véu da separação do Templo se rasga em dois, terremoto, as rochas se fendem e muitos mortos ressuscitam). Vamos nos ater aqui no primeiro sinal para demonstrar a grande barreira que foi quebrada com a morte de Jesus. O véu do Templo é o símbolo de inacessibilidade do ser humano comum a Deus, necessitando de intermediário para entrar no lugar santos dos santos. O acesso era permitido somente ao sumo sacerdote, uma vez ao ano. A morte de Jesus rasgou o véu da separação, dando o livre acesso do ser humano a Deus. Essa doutrina seria uma grande afronta à elite religiosa judaica. Os judeus não conheciam outra forma de salvação a não ser pela Lei, este era o cerne da doutrina judaica. Eles acusaram Jesus de desrespeitar a Lei e a tradição judaica. Contudo, Mateus demonstra que, na realidade, por meio de sua própria vida e obra, Jesus estava
cumprindo a Lei, os profetas e os salmos. Assim, o que se cumpriu em Jesus se tornou desnecessária a continuidade da prática. No caso do sacrifício vicário de Jesus, inutilizou toda forma de sacrifício para justificação, pois o sacrifício de Cristo foi perfeito e único. A obra de Cristo satisfaz a necessidade da justiça de Deus pelo pecado da humanidade, pois anulou a sentença de morte. Assim, conquistou o direito da justiça perfeita que é atribuída a todo o que crê e aceita o sacrifício vicário de Jesus. A justiça de Cristo conquistada por meio de sua morte é imputada gratuitamente ao pecador que crê. Portanto, a única base da ustificação é a justiça imputada de Cristo e não inerente do ser humano. O fato de a ustiça de Cristo ser a base da justificação acentua amplamente a graça de Deus. A graça tem como centro a cruz de Cristo para onde tudo se converge e os justificados são perfeitamente reconciliados 2. O apostolo Paulo, ao escrever aos romanos, não nega o privilégio especial dos judeus por serem receptores da dádiva da Lei (Rm 9.4), mas demonstra a ineficiência absoluta da Lei como meio de salvação que serve apenas como sombra para a eficácia redentora da morte e ressurreição de Cristo. Ninguém melhor do que Paulo para testemunhar esta superioridade de Cristo, pois anteriormente ele também havia atribuído o mais alto valor às obras da Lei, mas na ocasião da conversão um fardo pesado caiu de seus ombros. A ustificação pela fé não limita a salvação a um determinado grupo de pessoas com tradições legais exclusivistas, mas trata com toda a humanidade, ampliando o conceito que era disseminado pela tradição rabínica. Paulo, em Romanos 4, utiliza a figura de Abraão que era utilizada pelos judeus para defender a justificação pelas obras para provar o contrário. A justificação de Abraão não serviu para um fim em si próprio, mas apontava para frente, o futuro longínquo, o cumprimento da Lei em Jesus (NEVES, 2015, pp. 5569). Um dos detalhes mais impactantes do relato da crucificação e morte de Jesus registrado por Mateus é a confissão do centurião e os que com ele guardavam o corpo de Jesus após presenciarem os sinais e tudo o que aconteceu: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”. Eles utilizam o mesmo título que os discípulos utilizaram para identificar Jesus em Mateus 14.33ss e valoriza os acontecimentos de Mateus 27. A morte tida como maldita pelos judeus e como controle de subversão para os romanos, torna-se símbolo da vitória de Jesus sobre a própria morte, uma morte vitoriosa que produz vida eterna.
III. O SEPULTAMENTO DE JESUS (MT 27.57-61)
Todos os relatos de sepultamento de Jesus (Mt 27.57-61; Mc 15.42-47; Lc 23.50-56; Jo 19.38-42) descrevem o esforço de José de Arimateia em dar a Cristo um sepultamento decente. a. José de Arimateia, o discípulo secreto que pede o corpo de Jesus
Mateus afirma que um homem rico de Arimateia, chamado José, que era também discípulo de Jesus se interessou e intercedeu junto a Pilatos para ter o corpo de Jesus e poder dar-lhe um sepultamento digno. Os demais evangelhos trazem mais informações a respeito dele. Marcos o apresenta como um ilustre membro do sinédrio, que também esperava o Reino dos céus. Lucas acrescenta que era justo e bom. Enquanto, João informa que ele era um discípulo de Jesus, mas de forma oculta devido ao medo dos judeus. Assim, José de Arimateia era um homem rico, membro do Sinédrio e discípulo secreto de Jesus. Um claro testemunho de que os discursos de Jesus atingiram também pessoas de grande proeminência entre a elite de Israel. Demonstra também, a dificuldade das pessoas da elite judaica para assumir que acreditavam em Jesus. Enquanto, no momento mais difícil de Jesus, muitos que caminharam e tiveram momentos de intimidade com Mestre o abandonaram, surge um discípulo secreto que se expõe, coloca em risco sua posição com seu pedido. Carter (2002, p. 664) informa que José de Arimateia corria risco de ser executado por culpa de associação: O ato de José é corajoso. A culpa por associação, presumivelmente uma das razões pela qual os onze fugiram, poderia ocasionar sua própria execução. A sua ação, como pessoa rica de certa posição social, propiciando um enterro decente para um criminoso marginalizado e crucificado é certamente incomum. Ele se assemelha ao José da corte egípcia que recusa ser influenciado pelo poder imperial (Gn 39). Ele também se assemelha ao José do capítulo inicial do evangelho. Este José também faz uma coisa corajosa a favor de Jesus contrariando atitudes culturais vigentes, para ser fiel aos desígnios de Deus. (ver 1,19-20.24, 25) João acrescenta que José não era o único discípulo secreto da elite de Israel. Ele menciona que Nicodemos, aquele que foi ter de noite com Jesus para não se expor publicamente, também foi com José de Arimateia para sepultar Jesus. Ele não foi de mãos vazias, mas levou consigo cerca de cem libras de um composto de mirra e aloés. Se José de Arimateia não requisitasse o corpo, Jesus teria sido sepultado com os criminosos. Bock relata sobre os procedimentos romanos para o caso: Normalmente, uma personagem controversa como essa não seria liberada para um enterro separado, mas a posição de José, membro do conselho, que se apresentou na morte de Jesus, provavelmente, diminuiu qualquer preocupação que Pilatos pudesse ter tido. Marcos diz que Pilatos perguntou se Jesus já estava morto. Esse detalhe significa que José de Arimateia se aproximou do governante romano logo após Jesus ter morrido. O centurião confirmou que Ele já morrera, algo que o relato de João sobre a perfuração ao lado de Jesus também afirma. Pilatos atende ao
pedido. (BOCK, 2006, p. 363) Carter (2002, p. 664) complementa que os corpos dos crucificados deixados insepultos eram “como uma humilhação adicional, frequentemente para ser consumido por bestas selvagens e pássaros”. Assim, dois discípulos secretos acabam por participarem de um momento importante da consumação da missão de Jesus e para o cumprimento das escrituras como veremos a seguir. b. Jesus é sepultado em túmulo emprestado
José de Arimateia resgata o corpo de Jesus e cuidadosamente o envolve em um lençol de linho. Ele e Nicodemos fazem uma cuidadosa e completa unção do corpo, conforme o bom costume judaico. Jesus foi colocado em um sepulcro novo, que nunca tinha sido usado, uma tumba talhada na rocha. João acrescenta que o sepulcro ficava próximo do local da crucificação, em um jardim. Para João, o local era estratégico devido a proximidade e preparação dos judeus para a páscoa (Jo 19.41). Mateus menciona que o túmulo estava fechado e foi preciso retirar a pedra que o encerrava. Segundo Robertson (2016, p. 325), “Hoje, certos estudiosos identificam esse sepulcro com um dos sepulcros escavados na rocha que são visíveis abaixo do Calvário de Gordon […] José de Arimateia mandara entalhar o sepulcro na rocha para receber seu corpo, mas agora era de Jesus”. O que José de Arimateia não sabia é que seu túmulo ficaria disponível logo, pois o túmulo estava sendo emprestado e no domingo já seria desocupado. Incrível como dois discípulos secretos resolvem se revelar em um momento que os próprios discípulos ficaram ausentes devido ao medo e a frustração. Barth (1997, p. 15) afirma que “Pelo visto, os discípulos de Jesus não estavam preparados para a sua morte, menos ainda para uma morte tão injuriosa no madeiro da maldição. A prisão, condenação e execução de Jesus o lançaram, juntamente com a sua fé, numa profunda crise”. José de Arimateia é relacionado por alguns comentaristas de Mateus com aquele jovem rico que desejava seguir a Jesus, mas quando foi colocado como condição de segui-lo se desprender de sua riqueza se entristece e desiste (Mt 19.16-26). Não necessariamente o ovem rico era José, mas existem similaridades. Um jovem que era temente aos Mandamentos de Deus e era simpatizante de Jesus, no entanto, sua posição e riqueza conseguiram o manter no anonimato. José pode não ter tido coragem durante o ministério de Jesus, mas agora ele se expõe e entra para a história como o homem que sepultou o Cristo em sua própria sepultura. Mais uma vez fazendo lembrar uma predição profética (Is 59.3). Na realidade, ele emprestou a sepultura para o próprio Filho de Deus. c. A guarda do sepulcro
José de Arimateia e Nicodemos se retiram, porém duas mulheres permanecem ali, Maria Madalena e a outra Maria. Não se sabe o motivo, mas uma das mulheres chamada Maria não é identificada diretamente por Mateus. O que Mateus detalha é que elas ficam sentadas em frente ao sepulcro. Carter (2002, p. 665) assevera que o fato de estarem sentadas “[…] pode indicar luto (Jó 2,8.13; Sl 137,1), embora a postura seja polivalente (cf. 5,1; 26,64; 27,36). Mas contra essa visão é a ausência de qualquer outra característica de luto: choro, lamento, bater no peito, tocar flauta e gritaria (ver2,18; 9,23)”. Uma coisa é certa, elas proporcionam continuidade como testemunha, pois estavam na morte de Jesus
(27.55, 56) e agora no seu sepultamento, como também serão testemunhas de sua ressurreição. Enquanto os discípulos fugiram, essas mulheres permaneceram firmes ao lado do corpo de Jesus. O que passava na mente dessas mulheres? Porque não iam embora? A perda era muito grande. Elas tiveram sua vida totalmente transformada por Jesus e estavam demonstrando gratidão. Mas como prosseguir, depois de sua morte? Esse poderia ser um de seus pensamentos. Todavia, outro grupo também ficou preocupado com o túmulo de Jesus, os chefes dos sacerdotes e os fariseus. Os discípulos esqueceram-se da promessa de Jesus de que ressuscitaria ao terceiro dia, mas esse grupo não esqueceu. Os sacerdotes e os fariseus vão a Pilatos e pedem para que o túmulo seja guardado por três dias para evitar que os discípulos roubassem o corpo e testificassem uma suposta ressurreição. Pilatos atende ao pedido e envia um destacamento para selar o túmulo e guardá-lo. A atitude dos chefes dos sacerdotes e dos fariseus, ao contrário do que pretendiam, acabou colaborando com a comprovação da verdadeira ressurreição de Jesus como veremos no próximo capítulo. O fato de haver um destacamento enviado por Pilatos guardando o túmulo deu mais credibilidade na ressurreição de Jesus. Como poderiam tirar um corpo de um túmulo lacrado e guardado por um destacamento? Os próprios judeus que pediram para o túmulo ser guardado, posteriormente subornaram com grande soma de dinheiro os guardas que foram contar sobre o sumiço sobrenatural do corpo de Jesus. 1 Gólgota em aramaico quer dizer “Lugar da Caveira”. Atualmente o nome usual para esse local é Calvário, cuja origem é a palavra latina para caveira: Calvariae lócus. 2 Não é possível comentar sobre a justificação e a doutrina da salvação com detalhes pela limitação desta obra. Por isso, sugiro a leitura do livro que publiquei pela CPAD em novembro de 2015 Justiça e Graça: um estudo da doutrina da salvação na Epístola aos Romanos, que foi o livro de apoio das Lições Bíblicas de Jovens, do primeiro trimestre de 2016.
demonstrou ter poder sobre a morte e sua glorificação simboliza a glorificação dos santos.
I. A RESSURREIÇÃO FOI ACOMPANHADA DE SINAIS (MT 28.1-9)
Da mesma forma que a morte, a ressurreição de Jesus também foi acompanhada de sinais para comprovar a ação divina na ressurreição e a divindade de Jesus. a. A aparente vitória dos líderes judeus
No sábado, o dia seguinte após o dia da preparação da Páscoa, considerado sagrado pelos judeus, tudo parecia estar perfeito para os principais líderes religiosos judaicos. Eles á haviam conseguido persuadir Pilatos para enviar um destacamento para guardar o túmulo de Jesus. Os discípulos, que haviam deixados seus próprios projetos de vida para segui-lo e o acompanhavam com dedicação, agora estavam dispersos e amedrontados. Teoricamente essas autoridades estavam protegidas e fora de risco de possíveis surpresas e questionamentos que ameaçassem o status quo. Eles pensavam que tudo iria voltar como era antes. O principal problema, a figura carismática e messiânica chamada Jesus havia sido eliminada. Enquanto essas autoridades comemoravam a aparente vitória sobre seus “inimigos diretos” e estavam desfrutando da tranquilidade e segurança momentânea, os discípulos de Jesus estavam passando pelo pior momento de suas vidas. b. As mulheres vão até o túmulo
Os quatro evangelhos destacam a atuação das mulheres durante o ministério, a crucificação, a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus. Cristo revolucionou a vida dessas mulheres. Em uma sociedade patriarcal em que elas eram privadas de muita coisa, Jesus aparece para resgatar alguns de seus direitos. O destaque dado às mulheres pelos evangelistas é incomum, principalmente na cultura judaica, como é o caso dos leitores de Mateus. As mulheres que estiveram durante a crucificação de longe contemplando a cruz (27.55, 56), agora contemplam o túmulo de Jesus de perto (Mt 27.61). Elas que tinham visto o lugar do sepultamento na tarde de sexta-feira (Mt 27.61; Mc 15.47; Lc 23.55) retornam no fim do sábado ao túmulo de Jesus. O termo “fim do sábado” causa alguns desencontros entre os comentaristas. Robertson (2016, p. 331) afirma que essa expressão “[…] significa que antes que o sábado terminasse, ou seja, antes da seis horas da tarde, as mulheres foram ver o sepulcro”. Enquanto que Carter (2002, p. 670) assevera que “[…] a cena é a alvorada da manhã após o sábado”. Todavia, parece que o próprio evangelista Lucas pode nos ajudar com seu relato mais detalhado. Lucas afirma que: “No primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo”. Parece, então, mais apropriado que elas foram ao túmulo no alvorecer do domingo. Na caminhada o que pensavam? Mateus apenas que foram ver o túmulo, mas Marcos diz que elas haviam comprado aromas para embalsamá-lo e estavam pensando em quem poderia remover a grande pedra na entrada do túmulo. E o destacamento que estava no sepulcro, o que diriam? Certo de que as pessoas de fé fazem coisas esperando o impossível, talvez motivadas pelo desespero, a angústia crônica, entre outros medos e incertezas. Uma coisa é certa, devido à fé daquelas mulheres, elas ser tornaram as primeiras testemunhas da ressurreição do Cristo. Que privilégio!
c. O túmulo é aberto de forma sobrenatural
Quando as mulheres chegaram o túmulo estava vazio. Interessante que tanto os judeus quanto os romanos admitiram esse fato. Assim, de alguma maneira uma pedra que pesava aproximadamente entre 1,5 a 2 toneladas foi removida da entrada do túmulo e o selo romano, posto sobre o túmulo, havia sido quebrado (MCDOWELL, 1994, p.100). Segundo McDowell (1994, p. 76), em um manuscrito do primeiro século é mencionado que para retirar a pedra que José de Arimateia havia posto na entrada do sepulcro era necessário 20 homens. Quando José colocou o corpo na sepultura, provavelmente foi retirando um calço que mantinha a pedra em uma canaleta. Com a retirada da barreira e o declive na direção da entrada do túmulo, a pedra rolou para sua posição, fechado a sepultura. Como explicar a remoção dessa grande pedra? Mateus tem uma resposta. Mateus menciona que enquanto as mulheres caminhavam rumo ao sepulcro, houve um “grande terremoto” que abriu a pedra do sepulcro. Uma resposta ao questionamento e desejo das mulheres? Terremoto é um fato natural e que acontecem normalmente em alguns lugares. Mateus deixa claro que esse não foi um fato isolado e por acaso, ele identifica as mãos de Deus nesse evento. Barros (1999, p. 128) fala sobre a ação divina e a relaciona a fatos ocorridos na história do povo de Israel e aos profetas: […] uma maneira de falar que expressa uma intervenção de Deus no sepulcro e Jesus, como um poder que se poderia comparar com a sua manifestação no Monte Sinai no dia em que fez aliança com Israel (Êx 19). Vocês escrevem que é um terremoto que abre o túmulo. Ele teria ocorrido logo depois do Sábado. Há uma alusão à profecia de Ezequiel 37.7. […] foi na hora do primeiro canto do galo, “quando a noite ia no meio do seu curso”. É como uma nova noite de Páscoa da qual deu-se o Êxodo (Êx 11,4; 12,12.29). […] De repente, de modo imprevisto, desce o Anjo do Senhor. Como em Gênesis 16,17 ou 22,11, como uma sarça ardente (Êx 3,2) Ele designa a presença do próprio Senhor. O Senhor manifesta a sua vitória sobre a morte, da qual a pedra simbolizava o caráter implacável e irreversível. A pedra é removida e o Anjo senta-se em cima dela. Mateus afirma que o terremoto aconteceu devido à descida do anjo: “E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a pedra, e sentou-se sobre ela” (Mt 28.2). Assim, ele explica o terremoto como uma interferência sobrenatural por meio da descida tão forte do anjo do Senhor que a pedra de aproximadamente 1,5 a 2 toneladas se desloca do local, abrindo o sepulcro. Interessante que não menciona que a pedra foi removida para Jesus sair, mas deixa subentendido que Jesus já estava fora quando a pedra foi removida, pois agora na ressurreição o seu corpo era um corpo glorificado e nenhuma matéria o poderia conter. Por exemplo, a parede do local onde os discípulos estavam reunidos depois de sua ressurreição não pode contê-lo. Ele aparece no meio dos discípulos que estavam reunidos a portas fechadas (Jo 20.19-31). Portanto, Mateus evidencia que a sepultura foi aberta para as mulheres e os discípulos verem a ação sobrenatural de Deus na ressurreição, mas não para Jesus sair do sepulcro. Não somente eles, mas também os guardas que guardavam o sepulcro e que ficaram amedrontados: “E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados e como
mortos” (Mt 28.4). Os guardas depois de recobraram a consciência, imediatamente, fogem e vão aos chefes dos sacerdotes e fariseus contar a notícia.
II. EVIDÊNCIAS NO RELATO DA RESSURREIÇÃO (MT 28.10-15)
O maior argumento para demonstrar a divindade de Jesus é a comprovação de sua ressurreição. Os adversários do cristianismo utilizam de vários argumentos para desfazer da veracidade da ressurreição de Cristo. No entanto, o próprio relato da ressurreição já nos traz algumas evidências. a. Ressurreição ao terceiro dia
O fato de textos dos evangelhos registrarem que a ressurreição ocorreu após três dias ou também no terceiro dia já é suficiente para algumas pessoas questionarem a veracidade do relato da ressurreição. Todos os evangelhos registram que Jesus foi crucificado, morto e sepultado rapidamente na sexta-feira, antes do pôr do sol. O pôr do sol é o começo do dia seguinte para os judeus. A ocorrência da ressurreição de Jesus é registrada pelos evangelistas como ocorrida no domingo, antes do nascer do sol. Portanto, Ele morre na sexta-feira, passa a noite de sexta-feira, que já é o início do segundo dia, fica o dia de sábado no túmulo, chega o pôr do sol do sábado, que já é o início do terceiro dia, e antes que sol nascesse ele ressuscita. Assim, Jesus fica na sepultura duas noites inteiras, um dia inteiro e parte de dois dias. Portanto, na contagem dos judeus, no terceiro dia depois da sexta-feira. McDowell utiliza o texto de Mateus para argumentar sobre a ressurreição no terceiro dia: Mateus esclarece esse uso idiomático. Depois que os fariseus contaram a Pilatos a predição de Jesus, de que “Depois de três dias Ele ressuscitaria”, eles lhes pediram uma guarda para o túmulo “Até o terceiro dia.” Se a frase “após três dias” não tivesse substituído a expressão “terceiro dia”, os fariseus teria pedido uma guarda para o quarto dia! Que a frase “um dia e uma noite” era a expressão idiomática usada pelos judeus para indicar um dia, mesmo quando indicava somente parte de um dia pode ser visto também no Velho Testamento. […] O dia judaico se inicia às 18 horas. […] Qualquer tempo depois das 18 horas de sexta até sábado às 18 horas, também seria “um dia e uma noite”. Do ponto de vista judaico, seriam “três dias e três noites” de sexta-feira à tarde até domingo de manhã. (MCDOWELL, 1994, p. 160) Portanto, considerando a forma de contar os dias e noites dos judeus, não há contradição quando é afirmado que Jesus ressuscitou no terceiro dia. b. A aparição de Jesus para as mulheres
Os evangelhos, sem exceção, identificam a autoria do relatório inicial da ressurreição às mulheres. Segundo Bock (2006, p. 365) o destaque que os evangelistas deram às mulheres, conforme mencionado na seção anterior, era “[…] incomum para a cultura e mostra que esse detalhe não foi fabricado pela igreja, porque o testemunho de uma mulher não seria respeitado naquela cultura”. Portanto, mais um argumento favorável à comprovação dos relatos dos evangelhos. McDowell (1994, p. 99), que trabalha com as evidências da ressurreição de Cristo também aponta o fato das mulheres serem as
primeiras a testemunhar a ressurreição: Um outro aspecto que comprova a narrativa da ressurreição é que a primeira aparição de Cristo ressuscitado não foi para os discípulos, mas para as mulheres — Maria Madalena e outras mulheres. Isto deve ter causado certo embaraço para os discípulos que constituíam o círculo mais íntimo de Cristo. Podem ter-se sentido bastante enciumados. De acordo com os princípios judaicos de provas legais, entretanto, as mulheres eram testemunhas nulas. Não tinham o direito de testemunhar num tribunal. Realmente é surpreendente como as mulheres se destacam nas últimas semanas da vida de Jesus. Elas parecem estar mais preparadas para esses momentos cruciais da vida de Jesus e de eventos fundamentais para a doutrina do cristianismo. Quando encontraram o sepulcro aberto, os anjos lhes anunciam que Jesus havia ressuscitado e que encontraria novamente seus discípulos na Galileia. Elas recebem a incumbência de transmitir imediatamente a mensagem aos discípulos, talvez uma recompensa pela dedicação e coragem daquelas mulheres. Contudo, Jesus as surpreende enquanto elas caminhavam para cumprir as ordens recebidas. Ele vai ao encontro dessas mulheres e as saúda, imediatamente, elas caem aos seus pés, o adorando. Mateus destaca que elas abraçam os pés de Jesus. Jesus repete a ordem dada pelos anjos e as encoraja para não terem medo. Que confiança é transferida para aquelas mulheres. Naquele momento, o quanto deveriam estar felizes e confiantes com a aparição e palavras do Cristo ressurreto. Ainda, que de acordo com os princípios judaicos de provas legais, elas eram consideradas testemunhas nulas. Diante de Deus e da igreja que veio a se formar pela fé nessa ressurreição o testemunho delas é verdadeiro e precioso. Uma das evidências da ressurreição de Cristo. c. A trama para esconder o fato da ressurreição
Enquanto as mulheres vão dar as Boas-Novas para os discípulos, conforme o anjo e Jesus haviam orientado, os guardas vão dar a notícia aos chefes dos sacerdotes anciãos. Os soldados não vão dar satisfação aos romanos, mas, sim, aos judeus. Será que eles já tinham em mente o suborno ou tinham sido orientados a passar qualquer informação aos solicitantes do serviço? Não se sabe, o que Mateus registra é que foram diretos aos líderes religiosos judaicos. O conselho, assim que teve a notícia, se reuniu rapidamente para tomar a decisão sobre o assunto. Talvez tenha sido a reunião que foi organizada em tempo recorde pelos membros devido à importância do assunto. A deliberação do conselho formado por “santos homens escolhidos” é de pagar propina aos soldados para que mentissem a respeito da ressurreição de Jesus. O fato de um destacamento ter sido enviado para guardar o túmulo deu mais credibilidade na ressurreição de Jesus. Como poderiam tirar um corpo de um túmulo lacrado e guardado por um destacamento? Os próprios líderes judeus que pediram para o túmulo ser guardado, posteriormente subornaram com grande soma de dinheiro os guardas que foram contar sobre o sumiço sobrenatural do corpo de Jesus. Eles orientaram os guardas para afirmarem que corpo havia sido roubado pelos discípulos enquanto dormiam (Mt 28.12, 13). Matthew Henry argumenta que esse fato somente evidencia ainda mais a ressurreição de Jesus:
Se todos os soldados tivessem realmente dormido, não poderiam saber o que aconteceu. Se algum deles estivesse acordado, teria despertado aos outros e impedido o roubo; se estivessem dormindo, por certo que nunca teriam se atrevido a confessá-lo, pois os governantes judeus teriam sido os primeiros a pedirem o seu castigo. E ainda, se realmente houvesse algo de verdade neste relato, os governantes teriam por esta razão julgado os apóstolos com severidade. A situação completa mostra que a história era totalmente falsa. […] Deus permitiu que eles mesmos expusessem o seu próprio caminho. (HENRY, 2002, p. 794) Barros (1999, p. 127) afirma que esse foi um episódio lendário judaico, como o próprio Mateus menciona que a notícia corria até os dias da escrita do evangelho, um “boato que os soldados judeus espalham de que os discípulos roubaram o corpo (27,63-66 e 28,1215)”. Note-se que menciona que os soldados eram judeus. No entanto, Robertson (2016, p. 326-327), um grande estudioso da língua grega, afirma que a frase de Mateus 27.65 “Tendes a guarda” está no “imperativo presente, uma escolta de soldados romanos, não a mera polícia do Templo. O termo latino koustodia ocorre em um papiro de Oxyrhynchus datado de 22d.C. A permissão curta dada aos judeus a quem ele menosprezava é satisfatória na boca do oficial romano”. Assim, parece mais adequado considerar uma guarda romana que foi colocada sob a autoridade dos líderes judaicos (Mt 27.65, 66). Os chefes dos sacerdotes e os fariseus que haviam feito o pedido a Pilatos para guardar o túmulo de Jesus com a intenção de não serem surpreendidos com um suposto falso anúncio da ressurreição de Jesus, acabaram por colaborar com a comprovação da verdadeira ressurreição de Cristo. Assim, a negação da ressurreição era a alternativa para os chefes dos sacerdotes manterem o seu status quo. Mas, como conviver com isso na consciência? Qual impacto a ressurreição teve na mente e nos corações desses sacerdotes? Será que esse episódio gerou mais algum discípulo secreto dentre esses líderes, assim como ocorreu com José de Arimateia e Nicodemos? Mateus e a própria história se cala quanto a isso.
III. EVIDÊNCIAS CIRCUNSTANCIAIS DA RESSURREIÇÃO
Existem as evidências diretas e as evidências circunstanciais para comparação de um fato. McDowell traz uma boa explicação, com exemplo prático, sobre a diferença entre as duas formas de evidências: Por exemplo, em um assalto, o testemunho de uma pessoa que viu o assaltante sacar uma arma e atirar no caixa da loja é um a evidência direta. Mas (1) a comprovação de que o homem foi visto entrando na loja imediatamente antes do tiroteio; (s) uma nota de venda mostrando que ele tinha comprado o revólver; (3) as impressões digitais na arma e na caixa registradora; e (4) um registro balístico mostrando que a bala saiu de sua arma — todas estas são evidências circunstanciais. (MCDOWELL, 1994, p. 140) McDowell (1994, p. 141-148) apresenta cinco evidências circunstanciais para comprovar a ressurreição de Cristo: a igreja, o domingo, o batismo, a ceia do Senhor e a transformação de vida. a. A Igreja, um fenômeno histórico
A igreja surgiu na própria cidade onde Jesus foi crucificado, morto e sepultado. Como já comentado, além de sepultado, o túmulo foi selado e guardado por um destacamento de soldados. Portanto, uma garantia de que corpo inerte poderia ser apresentado para qualquer prova. Como os sacerdotes e demais líderes religiosos judaicos não podiam apresentar o corpo de Jesus, restou-lhes ameaçar os discípulos de morte se anunciassem a ressurreição de Jesus. No entanto, isso não foi suficiente para calar os discípulos. Se eles não tivessem tanta convicção será que arriscariam suas vidas e de seus familiares? Certo é que o Cristo ressurreto foi pregado no primeiro sermão registrado no livro de Atos dos Apóstolos, isso próximo do túmulo de Jesus. O resultado foi de aproximadamente 3.000 conversões. A segunda pregação teve aproximadamente mais 5.000 conversões. Independente dos números mencionados, a igreja é formada no mesmo ambiente hostil que levou Jesus a morte. Como poderiam os discípulos de Jesus pregar para as pessoas que conviviam naquele mesmo local e muitos se converterem, a igreja crescer, se não houvesse evidências necessárias para que cressem na ressurreição de Cristo? Como poderia os contemporâneos de Jesus arriscarem suas vidas por uma mentira? b. O domingo, um fenômeno sociológico
Os judeus eram nacionalistas e religiosos devotos ao judaísmo. Defendiam tanto a religião como a nação como algo sagrado e intocável. Dentre as principais crenças estava a guarda do Sabbath (Dia de Descanso), o nosso sábado. No entanto, o livro de Atos registra várias vezes que o dia que a igreja passa a se reunir para adoração era o primeiro da semana, ou seja, o domingo, o dia da ressurreição de Jesus. Mudar o dia de adoração (Sabbath) para o primeiro dia da semana (domingo) foi uma decisão radical, considerando a cultura judaica, uma vez que no início da Igreja Primitiva, a grande maioria, era formada de judeus.
Os judeus, mesmo os convertidos ao cristianismo, tinha receio de quebrar a guarda do Sabbath, temendo uma maldição. Para eles deixaram praticamente uma vida de tradição e treinamento religioso teria que ser algo muito impactante. A mudança se deu porque a ressurreição de Jesus foi no domingo. “Não sei de outro evento histórico celebrado 52 vezes por ano” (MCDOWELL, 1994, p. 142). Deste modo, esse fenômeno sociológico (mudança do dia de adoração de sábado para domingo) é uma evidência circunstancial significativa em favor da comprovação da ressurreição de Jesus. c. Transformação de vidas (fenômeno psicológico)
Na época seguinte à morte de Jesus, se uma pessoa confessasse sua fé em Cristo como seu Senhor, manifestando crer em sua divindade e, consequentemente, na sua ressurreição, era um risco de vida iminente. Por isso, quando alguém se convertia e se dizia cristão, a sua vida tinha uma transformação radical. Diferente dos dias atuais, em que se dizer cristão e evangélico já tem se tornado em certos lugares até posição de destaque, prestígio e até sinônimo de poder aquisitivo, na época da Igreja Primitiva era sinônimo de sofrimento e morte. O que se conhece da época são as torturas a que os cristãos eram submetidos, mortes por apedrejamento como a de Estevão (At 6), prisões, ser lançado aos leões nas arenas para entretenimento dos romanos, morte por crucificação, entre outras formas de pressão e opressão. Mesmo com as perseguições, os cristãos não paravam de testemunhar o Cristo ressuscitado. Bornkamm (2005 p. 295) afirma que “[…] onde quer que houvesse testemunhas e comunidades protocristãs e fossem quais fossem as diferenças de sua mensagem e de sua teologia, todas eram concordes na fé e na confissão do ressuscitado”. No entanto, os cristãos eram pacíficos e entregavam suas vidas em prol do evangelho. Eles não fariam isso se não tivessem convicção da ressurreição de Cristo. d. Duas ordenanças de Cristo: o batismo e ceia do Senhor
O batismo é um testemunho público para confissão de fé do novo crente em Jesus e sua ressurreição. O próprio ritual simboliza a morte de Jesus na cruz por meio da imersão do cristão na água, bem como da própria ressurreição de Jesus, como símbolo do ressurgimento em novidade de vida, representado por meio da saída do batizando da água. O batismo é uma ordenança de Jesus que passou a ser obedecida pela igreja, com base na ressurreição histórica de Jesus e não, simplesmente, em mais um dogma. Outra ordenança de Cristo que está diretamente relacionada com a ressurreição de Cristo é a chamada Santa Ceia do Senhor. Os dois elementos da ceia são símbolos do corpo de Cristo flagelado em sua morte e derramamento do sangue pelos pecados da humanidade. O cristão participa da ceia com reconhecimento de que Cristo morreu por ele e ressuscitou em um corpo glorificado, assim como o corpo que ele espera receber um dia. Tomar parte desse ato em memória dEle, até que Ele volte foi uma recomendação de Cristo. Muitas outras evidências poderiam ser mencionadas, mas essas cinco circunstâncias já dão uma boa mostra de que as mudanças ocorridas por causa do cristianismo não poderiam perdurar por tantos séculos se os primeiros cristãos não tivessem tanta convicção da ressurreição de Jesus, o Cristo.
sua missão.
I. A APARIÇÃO DE JESUS AOS DISCÍPULOS NA GALILEIA (MT 28.16-18)
O reencontro é marcado por fortes emoções no local onde os 12 discípulos haviam sido comissionados pela primeira vez, a Galileia dos Gentios. a. O reencontro de Jesus com os discípulos (v. 16, 17)
Depois da ressurreição e antes de se formar em Jerusalém a comunidade cristã sob a direção dos apóstolos, os principais discípulos vão até a Galileia. Local do primeiro chamado dos 12 discípulos e indicação para o reencontro pelos anjos do sepulcro e por Jesus. Note que Mateus registra 11 discípulos, pois Judas já não estava mais com eles e seu substituto só vai ser providenciado posteriormente, conforme narrativa de Atos. A maior parte das aparições de Jesus citada por Paulo são da Galileia. As aparições de Jesus e o testemunho dos discípulos que se encontraram com Ele foram os primeiros elementos que fundamentaram a fé no Cristo ressurreto. Até aquele momento a comunidade dos discípulos se considerava vencida, fracassada naquilo que tinham acreditado e defendido. Pessoas assombradas e perturbadas com a morte de seu Mestre. As mulheres junto ao túmulo, os discípulos na estrada de Emaús, citados por Lucas, cujas últimas esperanças tinham se desfeito. Com a aparição do Cristo ressurreto, os discípulos também ressuscitaram da apatia e medo que tinha tomado conta deles (BORNKAMM, 2005, p. 297-301). Na Galileia, os discípulos puderam relembrar os bons momentos do início do ministério de Jesus. A expectativa messiânica com os feitos e autoridade do ensino de Jesus, que foi aumentando nas últimas semanas da caminhada rumo a Jerusalém. A crucificação e morte de Jesus abalou a fé de seus discípulos e mesmo as primeiras notícias de sua ressurreição foram vistas com dúvidas. No entanto, agora na mesma região que começaram o ministério, eles reencontram com Jesus e seu corpo glorificado. Mateus afirma que alguns ao verem Jesus o adoram, enquanto outros ainda duvidam. Robertson (2016, p. 335) afiança que os que duvidaram não faziam parte dos 11 discípulos: A referência não é aos onze, que agora estavam todos convencidos depois de certa dúvida inicial, mas aos outros. Paulo declara que mais de quinhentos discípulos estavam presentes em um ou mais dos encontros com o Senhor. A maioria deles ainda vivia quando ele escreveu (1 Co 15.6). É natural que alguns hesitassem em crer em tão grande fato já na primeira aparição de Jesus para eles. A própria dúvida deles torna mais fácil a nossa crença. Mateus destaca essa aparição de Jesus na Galileia, uma vez que não registra outras aparições anotadas pelos demais evangelhos. Era o clímax das aparições, justamente na Galileia onde havia vários convertidos que o adoraram. Eles estavam prontos para receber a nova ordem suprema de Jesus. b. Jesus anuncia a abrangência da autoridade recebida do Pai (v. 18)
Jesus aproveitou o momento de adoração e entusiasmo dos discípulos para fazer uma grande abissal revelação: “[…] agora Ele possuía a completude da autoridade de Deus. Ele falou como alguém que já estava no céu, tendo um panorama mundial e os recursos dos
céus às suas ordens” (ROBERTSON, 2016, p. 336). Os discípulos haviam presenciado o grande poder durante a vida terrena de Jesus (Mt 11.27) e, neste momento, Ele anuncia que o seu poder não tem mais limite, isso deve ter despertado ainda mais a fé dinâmica dos seus seguidores. Carter (2002, p. 678) alega que essa revelação rememora Daniel 7.13,14 para demonstrar a autoridade de Jesus sobre os impérios mundiais: O versículo evoca Daniel 7.13,14, onde Deus dá ‘domínio e glória e reinado/império’ a um ‘como Filho de Homem’. Essa transferência acontece depois de uma luta com poderes imperiais. O domínio (mesma palavra que ‘autoridade’) é perpétuo, como é o reinado prometido a reis na linha de Davi (2 Sm 7,13,14). Jesus, Filho de Davi (1,1 9,27; 15,22; 20,30-31; 21,9.15; 22,45-46), o rei (2,2; 25,34), escarnecido pelos representantes político-militares do império e pela elite religiosa (27,11.27-31.42), participa no governo de Deus sobre todas as coisas, e regressará para julgar a terra (19,28; 24,27-31; 25,31-46). Uma demonstração da vitória sobre a oferta do Diabo na narrativa da tentação de Jesus, quando lhe é oferecido todos os reinos do mundo (Mt 4.8). Agora, após cumprir sua missão pela morte de cruz, Ele recebe toda autoridade do próprio Pai como Filho amado em que Deus se compraz pela sua fidelidade (Mt 3.17; 17.5). Robertson afirma: O Cristo ressurreto, sem dinheiro, ou exército, ou estado governamental, comissiona este grupo de quinhentos homens e mulheres para conquistar o mundo. Ele os faz crer que a tarefa é possível, caso a empreendam com paixão extrema e poder sério. O Pentecostes ainda está por vir, mas a fé dinâmica reina nesse monte da Galileia. (ROBERTSON, 2016, p. 336) Mateus não registra o evento da ascensão, mas nessa frase da autoridade recebida por Jesus está implícita a autoridade de quem está sentado à direita do trono do Pai, símbolo do poder e autoridade no céu e na terra. Storniolo (1991, p. 210) assevera que essa autoridade recebida é “[…] o triunfo do homem que obedece ao projeto de Deus. Este homem pode agora julgar a todos (Mt 25,31-46)”. Jesus participa do reinado de Deus sobre todas as coisas, e está prestes a delegar autoridade aos seus discípulos para continuarem a participar de sua missão (Mt 10.1).
II. JESUS ORDENA QUE SE FAÇAM DISCÍPULOS (MT 28.19)
Jesus agora faz um novo comissionamento aos seus discípulos. Diferente do primeiro, que era restrito aos filhos de Israel, agora a abrangência é para todas as nações. Lembra a promessa de Deus feita a Abraão que nele seriam benditas todas as famílias da terra. a. Fazer discípulos em todas as nações (v. 19)
Jesus ordena que os discípulos continuem com a sua missão. Jesus já havia demonstrado aos seus discípulos que não fazia acepções de pessoas. Ele pregou, curou e atendeu tanto udeus como os estrangeiros que encontrou no território de Israel, bem como quando esteve em território vizinho. Carter argumenta contra o posicionamento de alguns de que neste momento a missão é exclusiva para os gentios e que a missão para Israel havia se encerrado: […] Alguns argumentaram que esta missão é limitada aos pagãos (ver 25,32), mas vários fatores indicam uma missão a todos, judeus e pagãos. (1) Não há nenhuma evidência de que a missão para Israel tenha terminado. Jesus havia limitado a missão para Israel durante sua vida (10,6), mas não declarou seu fim. (2) Outros incidentes (2,1-22; 8,5-13; 15,21-19) sugerem uma missão crescente aos pagãos, não que substitua Israel. (3) Não há nenhuma indicação em 21,33-45 e 22,1-14 de qualquer substituição de Israel dos desígnios de Deus. Os desígnios salvíficos de Deus incluem judeu e pagão. (4) o termo nações pode significar pagãos em contraste com judeus (10,5.18) ou judeus e pagãos, todo mundo habitado como em 24.9, 14 (declarações de missão) e 25,32. Não há nenhum contraste presente aqui. (5) O versículo 18 reconhece Jesus como tendo “toda a autoridade no céu e na terra”. Não há nenhuma oração de exceção. Uma missão para todo o mundo habitado, judeu e pagão, é considerada. (6) A frase “céu e terra” evoca a criação de Gênesis 1.1. Os projetos de Deus são universais e prometem bênção a “todas as famílias da terra” (Gn 12,3). Esta bênção é tornada disponível por meio da comunidade de discípulos de Jesus, filho de Abraão (1.1). (CARTER, 2002, p. 679680) Os discípulos deveriam pregar tanto na Judeia, Samaria e até os confins da terra. Para todas as pessoas, pois Jesus deixa bem claro que o evangelho e seu Reino são universais. Nos discursos de Mateus fica evidente a necessidade de edificar a vida espiritual ouvindo os ensinamentos de Cristo, mas não somente ouvindo, pois se não for praticado o ensino aprendido ele se tornaria em vão (7.24-27). Mateus demonstra constantemente a importância do discipulado com prioridade à busca do Reino dos céus (6.25-34), mesmo que se necessário arriscar tudo para seguir a Jesus (4.19; 8.18-22; 10.32-39; 16.24,25). b. Batizando em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
Jesus ordena que os novos convertidos sejam inseridos formalmente na nova comunidade por meio do batismo. Uma forma de o novo crente demonstrar sua fé em Jesus publicamente. O batismo não é condicional para salvação, mas o ato formal do batismo torna mais forte o vínculo da pessoa com a nova comunidade. Algumas pessoas
podem desprezar o ato do batismo e até se negar a fazê-lo. Todavia, o próprio Jesus deu o exemplo, submetendo-se ao batismo de João (Mt 3.13-17) e valorizando esse ato como algo importante. No caso de Jesus foi o marco do início de seu ministério. Jesus não somente ordena o batismo, como também orienta sobre os procedimentos. Ele ordena que os novos crentes sejam batizados em nome da trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Um momento tão importante na história de fé de uma pessoa que precisa ser formalizado com a presença no nome da trindade. Quando se afirma que o batismo é “no nome” traz consigo o significado de compromisso, posse e proteção. Não é preciso buscar em outros livros bíblicos para demonstrar a relação entre a trindade. Mateus menciona vários versículos que fala da relação de Jesus com o Pai ou dos novos discípulos com o Pai (Mt 5.16,45; 6.9; 7.21; 10.32; 11.25-27; 12.50; 13.43; 16.17; 18.10,14; 20.23; 23.9; 25.34; 26.29,38,42), de Jesus como o Filho que realiza a vontade do Pai e se mantém unido com Ele (Mt 2.15; 3.17; 11.25-27; 12.46-50). Até do Espírito Santo, que tem sua atuação mais acentuada no livro de Atos, está presente no Evangelho de Mateus como o Ajudador na vivência da vida, como na realização da missão divina (10.20 3.15; 12.1821). Portanto, Jesus ordena que o evangelho seja ensinado a todas as pessoas em todas as partes do mundo. As pessoas que resolvem tomar a decisão de ser um discípulo de Jesus devem ser batizadas em nome da trindade que atua para a libertação de toda pessoa que crê no Evangelho de Jesus Cristo.
III. A PRESENÇA ESPIRITUAL E PERMANENTE DE JESUS (MT 28.20)
Jesus ordena que seja ensinado a guardar todas as coisas que Ele ensinou, mas garante que os discípulos não estarão sozinhos, a sua presença será contínua no cumprimento da missão estabelecida. a. Ensinando a guardar todas as coisas que Jesus ensinou
Os discípulos de Jesus devem ensinar tudo o que Ele ensinou sobre a prática da justiça, pois por meio da justiça que o Reino dos céus se instaura no meio da humanidade. O Reino traz liberdade que somente Cristo pode dar e vida eterna para todos que creem nEle. Os ensinos de Jesus incluem questões morais e éticas (Sermão do Monte). Por isso, para ensinar o que Jesus ensinou é preciso antes, fazer um estudo sistemático e como os discípulos estar disposto a aprender, ainda que ao aprender seja incomodado para mudar de prática de vida. Portanto, “para saber todas as coisas que Jesus ensinou” é necessário, antes de tudo, um estudo apurado dos evangelhos que contam a vida e obra de Jesus. Fazendo assim, o discípulo terá autoridade ao ensinar, pois o ensino será coerente com o exemplo de vida. A ordem para ensinar no texto grego está no particípio presente traduzido por “ensinando” e indica uma ação contínua. Não pode ser um estudo superficial e realizado sem um planejamento e sem uma sequência lógica e sistemática, como um estudo rápido para batismo, por exemplo. Por isso, primeiro é preciso aprender e viver para ensinar. O discipulando não precisa apenas de conhecimento teórico, mas um ensinamento contínuo que envolva sua mente e suas vontades, de forma que haja mudança de comportamento para que possa desenvolver de forma madura sua vida cristã. Infelizmente, muitos cristãos, e, especialmente, os líderes, que tem maior responsabilidade, têm negligenciado essa ordem de Jesus. Nos diálogos entre Jesus e os escribas e os fariseus, como demais líderes religiosos udaicos, Ele frisou várias vezes e combateu a falsa religião e a hipocrisia religiosa. Eles viviam uma vida de aparência e se preocupavam mais em passar uma imagem de santos e religiosos do que realmente viver uma vida de justiça. Isso não pode ocorrer com os discípulos de Jesus. Todavia, esse comportamento também pode ser identificado nos meios evangélicos, onde muitas pessoas estão vivendo uma aparente vida espiritual, mas sem estrutura para representar o Mestre dos mestres. Isso, geralmente, é fruto do entendimento de algumas pessoas de que cumprir a Grande Comissão é simplesmente fazer evangelismo. Estão equivocadas, precisam reexaminar esse versículo de Mateus (Mt 28.20), a conversão depois de um culto ou um movimento de evangelização não é um fim em si mesmo. Robertson ao examinar esse versículo afirma: Os cristãos demoraram para perceber o valor que há na educação religiosa. O trabalho de ensinar pertence à família e à igreja, Toda casa deveria ter bons livros, além da leitura da Bíblia. Alguns reagem de forma exagerada, colocando a educação no lugar da conversão ou regeneração. Mas ensinar é a parte difícil no trabalho dos cristãos. (ROBERTSON, 2016, p. 336-337)
O cristão ou uma família cristã que se dedica ao estudo sistemático poderá contribuir significativamente para o acompanhamento ao novo convertido, uma atenção especial, como Jesus recomendou aos seus discípulos: o amor uterino. Desenvolver a criança que está sendo gerada. O processo do discipulado que deve ser constante e envolver o maior número de cristãos possível. b. A presença de Jesus, o Emanuel
Os discípulos que recebem novamente a tarefa de continuar a missão de Jesus são encorajados duplamente: Primeiro, a plenitude do poder recebido por Jesus. Assim, como pela promessa da presença contínua de Jesus entre eles. Isso passa a ser possível porque “Jesus assume o papel que Deus desempenha nos comissionamentos proféticos. Jesus participa da autoridade cósmica de Deus e é capaz, como Deus, de estar sempre com os discípulos, embora não esteja fisicamente presente” (CARTER, 2002, p. 676). Um resgate da promessa feita no início do Evangelho de Mateus, quando é anunciado o nascimento de Jesus (Mt 1.23b): “[…] e ele será chamado pelo nome de EMANUEL. (EMANUEL traduzido é: Deus conosco)”. Um Deus que se fez carne e se sujeitou a ser batizado pelo o último dos profetas, caminhou com homens comuns e simples que Ele comissionou, conviveu entre o povo excluído que vivia à margem da sociedade. Jesus tinha autoridade para prometer sua presença aos discípulos, eles já haviam desfrutado dessa presença, bem como viram como Jesus tratava e amava as pessoas que viam até Ele. A promessa de estar permanentemente com os discípulos deve ter acalentado-lhes o coração. Eles ficaram um curto tempo sem Jesus devido à sua morte e sepultamento. Uma experiência amarga e terrível. Eles sentiram falta de Jesus e não queriam mais passar por essa experiência. Você já passou por momento em que uma pessoa querida se ausentou de sua vida? Provavelmente sim! Então, pode imaginar como os discípulos se sentiram desprotegidos pela ausência do maior líder de todos os tempos. Todavia, agora eles tinham a promessa de que Jesus estaria com eles constantemente. O Jesus exaltado e com toda autoridade e poder para reger o universo promete estar presente entre os discípulos, auxiliando-os para que cumpram a missão. Ele garante que estará presente até que chegue o fim da era presente, a realidade do julgamento que resultará na separação entre os justos (salvação eterna) e injustos (condenação eterna).
U
m ponto forte do Evangelho de Mateus é a valorização dos ensinos práticos de Jesus. De tal modo, que o Sermão do Monte é um dos cinco grandes discursos deste evangelho. Os capítulos 5 a 7 de Mateus expõem a atividade educativa de
Jesus.
I. AS BEM-AVENTURANÇAS E A JUSTIÇA DO REINO DE CÉUS (MT 5)
O primeiro grande discurso de Jesus foi organizado em uma montanha. Ele se assenta no chão junto à multidão reunida e ensina o mais famoso discurso dos evangelhos. Pela tradição mais comum o local era uma colina perto do Mar da Galileia, onde fica a maior depressão geográfica da terra. Um contraste com a montanha mais alta da terra para onde Jesus teria sido levado pelo Tentador. a. Quem são os bem-aventurados (Mt 5.1-12)
As oito Bem-Aventuranças abrem o Sermão do Monte, elas são o portão de entrada para os textos que se sucedem1. Todavia, Storniolo (1991, p. 53) assevera que a primeira BemAventurança “é a locomotiva do trem que puxa os outros sete vagões (5, 3-12)”. Na contramão da cultura secular, elas declaram serem felizes os pobres, caracterizados de oito maneiras diferentes, afirmando que, “neles o Reino de Deus já se faz presente como dom e graça de Deus no meio de nós e apesar de nós. Desse modo, as bem-aventuranças nos informam onde devemos olhar para descobrir os sinais da presença desse Reino no mundo em que vivemos”. (MESTERS, 1990, p. 62) Enquanto Lucas afirma que bem-aventurados são os pobres (Lc 6.20b), Mateus assegura que bem-aventurados são aqueles que têm o coração de pobre (pobres de espírito), ou seja, quem assume com consciência o fato de ser pobre. A pior de todas as situações é o contrário disso, ou seja, o pobre com o “espírito de rico”. Esse tipo de pessoa, em vez de desejar a justiça, deseja estar no lugar do opressor que pratica a injustiça que combate, o hospedeiro opressor, o oposto do ensino proposto por Jesus (NEVES, 2013, p.56-59). Pagola (2013, p. 131) afiança que “Jesus nunca louvou os pobres por suas virtudes ou qualidades. Provavelmente aqueles camponeses não eram melhores do que os poderosos que o oprimiam; também eles abusavam de outros mais fracos. […] Se Deus se põe do lado deles, não é porque o mereçam, mas porque precisam”. O mestre aqui se apresenta na figura real segundo uma longa tradição, a esperança em um rei que soubesse defender os pobres e desvalidos. Como entender a gratuidade do Reino e uma promessa de que os pobres e os excluídos da sociedade, e do próprio sistema religioso da época seriam felizes? Os primeiros ouvintes de Boas-Novas pregadas por Jesus, no início de seu ministério, e testemunhas dos milagres de Jesus mencionados, diferente dos leitores deste livro, teria uma facilidade melhor de entendimento. Aqueles até então tidos como excluídos, com certeza, se sentiam incluídos nos ensinos do Cristo. Os aflitos em busca de consolo, os misericordiosos em busca de misericórdia, os que têm fome e sede de justiça sendo justificados. A resposta não é porque sejam bons ou justos, mas devido ao amor de Deus e sua repulsa pela injustiça. Nada mais coerente do que começar a proclamação do Reino dos céus com a indicação do caminho da felicidade.
Jesus não somente ensinou o caminho das Bem-Aventuranças, como também testemunhou com seu próprio exemplo de vida. O pastor César Moisés apresenta uma boa síntese do exemplo prático de Jesus: […] Jesus levou às últimas consequências o que significava viver como pobre (Zc 9.9 cf. Mt 21.5), chorar (Lc 19.41; jo 11.35), ser manso (Mt 11.29;26.66-68), ter fome e sede de justiça (Mt 17.17; 21.12,13), ser misericordioso (Mt 9.13; Jo 8.311), limpo de coração (Mt 11.29), pacificador (Mt 20.24-28) e ser perseguido por causa da justiça (Jo 11.46-53; 18.19-23). Jesus era o mestre do discurso e da prática, “profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo povo” (Lc 24.19). (CARVALHO, 2017, p. 41) Analisar essas citações vai ajudar no entendimento das Bem-Aventuranças. Os seres humanos conduzem sua vida por meio de suas opções fundamentais. Essas opções que vão definir como se posicionar diante da vida, da sociedade, das outras pessoas, inclusive diante de Deus. Blank (2011, p. 83-102) afirma que as opções fundamentais de Jesus pelas quais Ele vive a sua vida são as seguintes: a) a opção preferencial pelos pobres, como concretização da opção pelos injustiçados; b) a opção pela misericórdia e contra todo legalismo; c) a opção pelo serviço e contra o poder; d) a opção pela justiça e contra toda opressão; e) a opção pela vida. A cada dia fica mais evidente a necessidade dos cristãos, a exemplo de Jesus, definirem bem as suas opções fundamentais e darem o testemunho de ser feliz no caminho do Reino dos céus por meio de sua vida prática. Na contramão do caminho proposto pela atual sociedade consumista e imediatista, dominada pela cultura de que o ter supera o próprio ser, de que o sucesso pessoal, profissional, ministerial e as grandes posses e conquistas estão no caminho da felicidade plena. Quantas pessoas desiludidas seguindo esse caminho e ao final percebendo que nada fez sentido. Como recomenda o autor de Eclesiastes, a vida somente vale a pena quando se descobre o seu sentido, fora isso, tudo é vaidade (Ec 12.1-8). Mateus apresenta a lista das pessoas que entendem isso e são os bem-aventurados: os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os limpos de coração, os pacificadores e os que são perseguidos por causa da justiça. Por quê? Porque deles é o Reino dos céus. Essa mensagem de Jesus não foi bem aceita por quem detinha o poder e o controle da sociedade da época, ela também não é popular nos dias atuais. Por isso, é difícil de entender, aceitar e assimilar pela maioria das pessoas. Carter afirma que devido à influência e interesse da cultura dominante, a comunidade que faz a escolha por esse ensino de Jesus é a minoria: Para aqueles que pertencem à comunidade de discípulos de Jesus minoritária e marginal, o sermão continua o trabalho formativo e idealizador do evangelho. Dá forma e intensifica a identidade e estilo de vida da comunidade como pequena comunidade numa cultura dominante que não partilha as convicções fundamentais dessa cultura. Relembra-se à comunidade que as interações de Deus, de um com o outro e com a sociedade circundante são importantes aspectos de sua existência que abrange toda a vida, presente e futura. (CARTER, 2002, p. 176) Mesmo que você faça parte da minoria, não abra mão de sua paz e uma vida feliz com
Jesus. Você faz tudo que é necessário para ser realmente feliz? b. O cristão como sal e luz do Reino dos céus (Mt 5.13-16)
As pessoas que se comprometem com os ensinos de Jesus são o sal e a luz do mundo, pois Ele salga e brilha por meio delas. A metáfora do sal e da luz é bem conhecida e muito á se falou sobre ela, no entanto, devido à sua praticidade, geralmente as pessoas se esquecem do significado e importância dela na vida diária. Como bem afirma Storniollo (1991, p. 55) “a luta pela justiça, que é o Reino de Deus, não pode ser entortada para servir aos nossos caprichos egoístas, mas para servir ao Deus que entrega sua vida e seu poder para todos nós”. O sal é elemento de primeira necessidade para a vida humana, na época de Jesus mais do que hoje. Barros (1999, p. 38) fornece algumas informações importantes sobre o sal nas culturas antigas: Sabemos que nas culturas antigas, por conservar a comida e temperá-la o sal tornou-se símbolo de amizade e aliança imperecíveis. A Bíblia lembra um rito de aliança com sal: Berith Melah (cf. Lv 2.13; Nm 18,19). Sabemos, também, que, na Palestina de Jesus, os pastores levavam as ovelhas para o campo e, durante o dia, as deixavam soltas pastando. À noite elas tinham de voltar ao aprisco para não serem presas das feras. Voltavam comendo o sal da terra que era frequente na beira do lago de Tiberíades e do Mar Morto. Como na história infantil de João e Maria, o sal da terra conduzia as ovelhas de volta ao rebanho. Assim, quando Jesus disse: “Vocês são o sal da terra”, estava dizendo: “Vocês têm a função de reunir as pessoas dispersas no aprisco do Pai para que não se percam nem sejam presas das feras do mundo”. A missão dos discípulos é a de unir a humanidade do Reino do Pai. Na concepção bíblica, o sal: a) serve para temperar o alimento (Jó 6.6); b) está relacionado a sacrifício (Lv 2.13; Ez 43.24); c) purificar água potável (2 Rs 2.19-23); sugere lealdade e aliança, quando partilhado (Ed 4.14; Nm 18.19); serve como adubo (Mc 9.50; Lc 14.34). Como visto, não se fala especificamente do sal da cozinha como geralmente se interpreta nos meios evangélicos, mas vai além, o termo usado é o “sal da terra”. O que chama atenção é que a comunidade dos discípulos de Jesus que recebem a afirmação na segunda pessoa: “vós sois o sal da terra”. Carter (2002, p. 187) alega que os discípulos de Jesus deveriam ter “este tipo de vida temperadora, purificadora e sacrificial, comprometida com o bem-estar do mundo e fiel aos propósitos de Deus. A terra é a esta esfera de ação e o objeto de sua missão”. Veja que não se esperava esse tipo de comportamento e influência de transformação dos chefes e membros das sinagogas, da elite governante ou dos líderes do Templo de Jerusalém, mas sim da comunidade da minoritária. A grande maioria dos líderes religiosos á havia sido rejeitada por Deus, pois estava tão focada em seus próprios interesses e legalismo que não aceitava a advertência para transformação e mudança. Um exemplo disso é a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30-37). O texto segue com um alerta: não poderiam perder o sabor. Sinal que isso é possível.
Por essa razão, o cristão deve estar atento para não perder sua principal função em meio à sociedade. O cumprimento de sua missão deve ser sua prioridade. No Evangelho de Marcos o sal é relacionado com o fogo: “Porque cada um será salgado com fogo, e cada sacrifício será salgado com sal. Bom é o sal, mas, se o sal se tornar insulso, com que o adubareis? Tende sal em vós mesmos e paz, uns com os outros” (Mc 9.49, 50). Aliado a isso, existem questionamentos de estudiosos sobre a possível tradução de um texto original em aramaico para o grego. Nesse caso, comentam sobre a possível confusão entre os termos: “eres”, que significa terra, e “arsa”, que significa fogueira. Um dos costumes da época, nas noites do campo, era “alimentar” as fogueiras com sal. No entanto, quando perdiam o seu material combustível não servia mais para alimentar o fogo. Assim, a expressão de Marcos “tende sal em vós mesmos” passa a ter o significado de que o cristão deve ter vitalidade para aquecer a própria vida, fornecendo luz e calor no seu ambiente próximo. De qualquer forma, a figura do discípulo como sal da terra e luz do mundo está relacionada com o bom testemunho e a influência positiva na sociedade. Jesus insiste que os discípulos assumam a função que o povo de Israel deveria ter exercido. O poder de influenciar por meio sua própria vida aquecida pelo Espírito Santo de Deus e chamar a atenção pela Luz de Cristo que deve brilhar em sua vida, a ponto de atrair as pessoas para essa luz. c. A justiça da tradição e a justiça do Reino dos céus
Os discursos de Jesus causavam um grande desconforto aos praticantes do judaísmo, em especial aos escribas e fariseus. Eles eram os mestres da Lei, bem como os principais beneficiários das interpretações que eles mesmos fazem dela. Existiam escolas de interpretação da Lei, escritos foram desenvolvidos para reproduzir os pensamentos dos líderes dessas escolas. Os principais líderes religiosos, independente da situação de Israel em relação com os dominadores, sempre eram beneficiados pelo seu poder de influência e dominação. Jesus é acusado de burlar e/ou não respeitar a Lei mosaica, o grande referencial para a vida civil e pública dos judeus. Como pode um judeu, filho de judeus ter tal procedimento? Jesus afirma categoricamente que não veio para destruir a Lei, mas pelo contrário, veio para cumpri-la. Tudo era uma questão de interpretação. Jesus anunciava que o Reino dos céus traz uma “nova justiça”, pois a justiça apresentada pelos escribas e fariseus era a justiça das tradições interpretativas humanas. Jesus expõe a verdadeira ustiça do Reino dos Céus, com base na Lei, nos profetas e nos salmos. Portanto, a base era a mesma, o que diferenciava era a interpretação. Desse modo, Jesus vem reforçar o que já vem comentando anteriormente. Ele já havia anunciado que os pobres de espírito seriam os agentes do Reino dos céus. Agora, demonstra que a justiça do Reino dos céus é mais exigente do que a justiça que a sociedade judaica praticava. Mais uma vez Jesus critica a justiça propagada pelos líderes religiosos da época, favorecidos pelas autoridades governamentais, sustentados pela interpretação tendenciosa das Escrituras. O reinado de Deus propagado por Jesus traria bem-estar, prosperidade e felicidade para todos e não para um grupo específico. Diferente do que acontecia na época de Jesus, reprodução de uma sociedade construída ao longo da história do povo judaico, em que uma minoria de poderosos mantinha o controle e
explorava a maioria. O status quo era justificado com base na interpretação das Escrituras, dizendo-se abençoados porque eram justos. Por isso, Jesus adverte “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus”. O pastor César Moisés (CARVALHO, 2017, p. 78) comenta que a finalidade da Lei “era produzir uma justiça, isto é, uma forma de organização de vida que levasse os que a seguissem a agir de maneira justa e solidária, a partir do coração, e não meramente observando mecânica e friamente a regras (Lv 19.15; Dt 4.5-8; Is 1.10-17; 22.3,16; Mq 6.6-8; Zc 7.8-14)”. Esse não era o ensino, muito menos a prática dos principais mestres e líderes do judaísmo. Jesus criticava a justiça dos escribas e fariseus por que era tendenciosa e favorecia somente seus interesses. O Reino dos céus somente seria possível com a prática da justiça que Deus quer. Jesus assevera que quem cumprisse e ensinasse essa justiça do Reino dos céus seria reconhecido por Deus. Veja que não é suficiente apenas saber e fazer, também é preciso ensinar. Os doutores da Lei, escribas e fariseus, sabiam o que deveriam fazer, mas devido suas ambições e ganâncias, não faziam. Eles ensinavam sim, mas de acordo com suas próprias interpretações e interesses 2. Para explicar como é a justiça do Reino dos céus, Jesus retoma e começa a explicar algumas exigências da Lei, as quais eram interpretadas e ensinadas maliciosamente pelos escribas e fariseus (Mt 5.21-42). Portanto, a justiça do Reino dos céus era maior ou superior a justiça da tradição ensinada pelos escribas e fariseus. O problema não era a Lei, mas sim a interpretação dada para ela pelos doutores da Lei da época. Infelizmente, a prática dos escribas e fariseus ainda persiste nos dias atuais. II. A PRÁTICA DA JUSTIÇA E A GLÓRIA DE DEUS (MT 6.1-3,5-7,16-18)
Jesus continua no embate com os ensinos dos escribas e fariseus. Para estes, a justiça era encarada como a realização de três práticas: a esmola, a oração e jejum. Jesus não descrimina essas práticas, mas questiona as suas motivações. a. Dar esmola por amor e não por ostentação (Mt 6.1-3)
A generosidade de socorrer os necessitados é um dever fundamental do cristão e os evangelhos incentivam essa prática. No entanto, desde que sejam pela motivação (motivo para ação) correta. Na época de Jesus, existia uma cultura de reconhecer publicamente essas práticas, assim uma pessoa com boa condição financeira poderia “compensar” suas falhas e manter as aparências, dando esmolas aos menos favorecidos. Dessa forma, alguém que havia conseguido seus bens a base de exploração poderia por meio da doação de esmolas manter a imagem de uma pessoa piedosa. Alguns estavam tão enraizados nessa cultura que até acreditavam que realmente eram piedosas. Para contextualizar, imagine o Brasil nos dias atuais, com várias acusações de corrupções na gestão pública. Quantas dessas pessoas que comprovadamente roubaram milhões de reais do erário público que fizeram caridade com esse dinheiro e receberam os aplausos da comunidade favorecida? Será que dentre eles também não teriam representantes da religião? Pode-se manter as aparências e aplacar a ira da consciência, mas diante do Justo Juiz não tem como camuflar as intenções e motivações do coração. O texto não entra na questão da origem do donativo. Então, pode ser mesmo uma pessoa
honesta que consegue seus bens e direitos com base no trabalho ou por herança queira compartilhar o que tem. Essa pessoa pode ter pelo menos duas posturas: a) fazer uma piedade verdadeira 2) fazer piedade para ser reconhecida e considerada uma pessoa piedosa para a comunidade. A segunda atitude é condenada por Jesus. Ele adverte, “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. As generosidades devem ser realizadas com intuito de ajudar as pessoas, mas sem esperar nada em troca, seja da sociedade ou de Deus. Textos bíblicos condenam veementemente as práticas com intuito de fazer compensações com Deus, pois Ele aceita somente o culto e adoração baseada na justiça (Mq 6.8; Pv 21.27; 22.22, 23). Alguns veem uma contradição com o texto que estudamos na seção anterior (sal da terra e luz do mundo), porém o foco está na motivação. Não quer dizer que as pessoas não poderão saber o bem realizado, mas que essa não deve ser a intenção de quem o faz. Todavia, existem pessoas que são oportunistas e na realidade não são verdadeiramente necessitadas. Algumas são mal intencionadas e têm uma vida desregrada e preferem pedir a conquistar por meio do trabalho. O socorro aos necessitados, dentro do possível, deve ser organizado e os assistidos devidamente cadastrados. Assim, os donativos serão destinados aos verdadeiros necessitados. Em todo caso, quem os assiste corre o risco de estar tratando as consequências e não a causa, que necessitaria de uma ação mais abrangente e estruturada (sociedade, governo, igrejas, instituições organizadas, entre outras). b. Orar em secreto com Deus e não para ser visto (Mt 6.5-7)
As pessoas quando vão orar, em especial ao fazê-lo em público, têm a tendência de se preocupar com o que vai falar. Fazem isso como se o importante fosse a aprovação da oração pelos ouvintes ou a demonstração de sua habilidade ou conhecimentos teológicos. O que está por detrás desse pensamento? Pensar sobre isso já ajuda o leitor fazer uma auto-avaliação. Essa prática pode ser mais comum do que geralmente se pensa. A oração deve estar centrada no interior do coração do cristão e não na quantidade, beleza ou poder das expressões das palavras proferidas. Por isso, que a oração sincera pode ser realizada por qualquer pessoa, mesmo quem nunca se preocupou com Deus ou nunca tenha ouvido falar dEle. A palavra hipócrita é uma palavra forte e assusta a muitos. No entanto, foi muito utilizada por Jesus, geralmente se referindo aos escribas e fariseus, devido ao comportamento de aparências, legalismo e falsa piedade. Uma das principais características era a preocupação com a impressão que deixariam, por detrás das ações existiam motivações escusas. Em contrapartida ao comportamento dos escribas e fariseus, Jesus recomenda que a oração seja realizada em segredo, com as portas fechadas, “cara a cara” com Deus. Se na oração o que vale é o que está centrado no interior do coração, esse é o modelo perfeito. Não é momento de demonstrar conhecimento teológico, de tentar mostrar uma espiritualidade que não existe, de forçar choro para agradar a Deus, mas simplesmente dialogar sinceramente com o Pai. Isso mesmo, oração deve ser um diálogo e sincero. O que mais se vê nos meios evangélicos são orações como monólogos. Pessoas que falam o tempo todo e com as mais variadas expressões, ao final não se lembram nem do que falaram, devido ao muito falar como os escribas e fariseus. Portanto, o que vale
não é o tempo de oração, como muitos alardeiam “eu oro tantas horas por dia” ou “passei a noite toda orando”. E a qualidade? Ao orar, dialogue com Deus, fale e se cale na hora que Deus quiser falar contigo. c. O jejum deve ser acompanhado com práticas de justiça
A hipocrisia continua, agora em uma das práticas mais importantes para um praticante do judaísmo, o jejum. Assim como a doação de esmolas (Mt 6.1-3) e a oração (Mt 6.5-7), o jejum (Mt 6.16-18) é tido como certo na vida cotidiana dos ouvintes. Jesus inicia geralmente com a palavra “quando”, demonstrando que essa era uma prática comum. Todavia, continua na sua advertência quanto às motivações e comportamentos durante a prática. O jejum continua sendo uma prática habitual e um dever no judaísmo nos dias atuais, bem como para o islamismo: Para os judeus, existe um tratado inteiro no Talmud que discute o assunto e regulamenta os diferentes tipos de jejum; os islamitas, por parte deles, consagram todo um mês – o de Ramadã – a tal prática. Os cristãos guardaram a prática do jejum, mas, às vezes, o sentido mais profundo do que o jejum tem na Bíblia como atitude de “espera” e “vigilância” foi perdido e simplesmente e ficou um sentido de “castigar o corpo” ou “não satisfazer o apetite”. Hoje, cristãos e não cristãos redescobrem o valor de um maior autodomínio sobre a comida e a bebida até para a saúde e o equilíbrio pessoal. No Brasil, como em todo o Terceiro Mundo, vivemos uma situação social em que a maioria do povo, milhões de irmãos e irmãs nossos, vive na miséria e não pode alimentar-se com o mínimo necessário para as suas necessidades. Isso nos faz retomar um costume antigo dos cristãos de sempre ligar o jejum à solidariedade e à partilha como os profetas da Bíblia já insistiam. (BARROS, 1999, 44) O profeta Isaias (Is 58) já havia dado uma reprimenda no povo de Israel pela prática do ejum, sem a prática da justiça e solidariedade. A mensagem de Isaias é reforçada pelo profeta Jeremias: “quando jejuarem, não ouvirei o seu clamor e quando oferecerem holocaustos e ofertas de manjares, não me agradarei deles; antes, eu os consumirei pela espada, e pela fome, e pela peste” (Jr 14.12). Séculos se passaram e Jesus teve que repetir praticamente a mesma advertência. Os religiosos de sua época continuavam com o costume de se vestir com pano de saco, não tomar banho no dia de jejum, não ungir o corpo ou a cabeça com óleo, cobrindo a cabeça e rosto com cinza, entre outros costumes. No entanto, tudo para promoção pessoal. A preocupação era manter certa religiosidade e “santidade”, ignorando que desde a época dos profetas Deus já havia deixado claro que não aceitava o jejum se não fosse acompanhado de práticas de justiça. Jesus recomenda colocar óleo na cabeça, lavar o rosto e não parecer triste como os escribas e fariseus hipócritas, que se vangloriarem pela prática de jejum. O fundamento é o mesmo das recomendações para a doação de esmolas e oração, faça não para ser visto pelas pessoas, mas pelo Pai que está em segredo. Você pode estar se perguntando, e a recompensa que em três ocasiões é prometida por Deus (Mt 6.4, 6, 18), não vai falar sobre ela? Qual a recompensa que Deus tem para quem dá esmola, ora e jejua conforme Jesus orientou? Os escribas estariam preocupados em ter
essa resposta também. Se isso lhe preocupou, então releia o que foi comentado e o texto bíblico novamente. Não busque recompensa, apenas busque a justiça do Reino dos céus e ela virá do jeito de Deus. Não busque popularidade e nem aplausos. A mensagem de Jesus é simples assim! III. A EFICÁCIA DO ENSINO DE JESUS E O REINO DOS CÉUS (MT 7.24-29)
Jesus chega ao fim do Sermão do Monte apresentando fundamentos para uma vida alicerçada na justiça do Reino dos céus e com os ouvintes maravilhados com o seu ensino. a. A didática do ensino de Jesus
A eficácia do ensino de Jesus era surpreendente. Ele conseguia falar para um público diversificado de forma que uma multidão ficasse ouvindo-o por horas, em locais sem a mínima estrutura, com uma didática que possibilitava o entendimento da maioria, se não de todos os ouvintes, e ao final ter a grata satisfação de vê-los saírem deslumbrados com o ensino recebido. Esse é o sonho de todo educador sério e comprometido com o Reino dos céus. Olyott faz um levantamento dos tipos de pessoas que se encontravam na audiência do Sermão do Monte: Pessoas curiosas em saber quem são os verdadeiramente abençoados por Deus (5.3-11); Os perseguidos (5.11-12); Indivíduos vivendo em tensão com outros (5.21-26); Aqueles que pensam que o pecado são apenas os atos exteriores (5.2730); Os que pensam rapidamente no divórcio como a solução para quaisquer problemas conjugais (5.31-32); A pessoa que usa o juramento para respaldar sua palavra (5.33-37); O indivíduo vingativo (5.38-42); Os que demonstram empatia e amor apenas para com os que lhe são agradáveis (5.43-48); Os religiosos que pensam que alcançarão o favor divino pelas obras mostradas aos homens (6.1-18); O materialista (6.19-21); Aquele, cuja lealdade encontra-se dividida (6.24); Os que ficam inquietos com a provisão divina (6.25-34); O crítico (7.1-6); Quem deseja saber qual é o segredo para bons relacionamentos (7.12); A pessoa tentada a ir segundo a multidão ou o pragmático preocupado em seguir a maioria (7.13, 14); Quem julga com base nas aparências (7.15-20); O indivíduo enganado sobre como a religião verdadeira realmente é (7.21-23); Aquele que ouve as palavras de Jesus, mas não age segundo elas (7.24-27). (OLYOTT, 2005, p. 27-28) Como falar ao público tão diversificado assim e por um período longo? Jesus tinha uma habilidade como ninguém. Jesus utilizou ilustrações em cerca de um terço do Sermão do Monte. A ilustração enriquece qualquer sermão, pois ela conduz os ouvintes a imaginar a cena citada pelo pregador ou ensinador de tal forma que eles se projetam para a cena, como participantes ativos. Entre as ilustrações utilizadas no Sermão do Monte, conforme Wegner (1998, p. 204-206), Jesus aplicou: • Imagem – que se caracteriza por “comparações diretas, sem partículas comparativas”, elas “apresentam enunciados claros e compreensíveis. Seu sentido, contudo, é determinado pelo contexto dentro do qual se encontram” (Wegner, 1998, p. 204). Ex.: “[…] não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte” (Mt 5.14b);
• Hipérbole – imagens aumentadas, que apresentam as ideias de forma deliberadamente exagerada. Ex.: “Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti […]” (Mt 5.29); • Metáfora – uma das características da metáfora é que ela compara sempre dois elementos, sem, contudo, usar expressamente partículas comparativas, a exemplo de “como” e “tal como”. Ex.: “Vós sois o sal da terra […] Vós sois a luz do mundo […]” (Mt 5.13, 14); “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição[…]. E porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que leva à vida” (Mt 7.13, 14). • Comparação ou símile – compreende metáforas com uso de conectivos. A comparação é realizada por meio de partículas comparativas (como, tal como, tal qual, semelhante, da mesma maneira que). Ao contrário das metáforas, os símiles são comparações explícitas de dois elementos. Ex.: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. […] E aquele que ouve estas minhas palavras e as não cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia”. (Mt 7.24, 26) Fica demonstrado a riqueza das ilustrações utilizadas por Jesus em seus ensinos, o que dinamizava e enriquecia o aprendizado de seus ouvintes. Para o texto que vamos estudar nesta seção nos interessa o último exemplo, a utilização da símile. Jesus faz uso de uma das atividades mais antigas e comuns em Israel como em qualquer parte do mundo e em qualquer época, a construção de uma casa. O elemento comparativo entre os dois exemplos é a atitude dos construtores, um tinha uma atitude prudente, enquanto que o outro uma atitude insensata. Com esse exemplo do dia a dia dos judeus, o Mestre dos mestres ensina, de forma simples, direta e objetiva, que verdades fundamentais têm poder para conduzir o ser humano para a eternidade com Deus. b. A comparação entre a casa construída sobre a rocha e a casa construída sobre a areia
Na conclusão do sermão Jesus utiliza o exemplo da construção de duas casas. O texto paralelo de Lucas (Lc 6.47-49) também fecha o sermão com a mesma ilustração, com detalhes diferentes em relação aos alicerces, mas com a mesma mensagem central. O simbolismo tem suas raízes na literatura da sabedoria (Pv 10.25; 12.7; 14.11). Bock, ao analisar as bases da literatura da sabedoria para a elaboração da parábola, destaca o resgate e a contribuição da mensagem do profeta Isaias e a simbologia da rocha: Entretanto, o texto mais interessante é Isaías 28.16,17, porque foi usado com muito frequência na Igreja Primitiva. Deus coloca uma preciosa pedra angular em Sião, uma pedra de alicerce, de forma que “aquele que confia, jamais será abalado”; aqueles que fizeram um pacto de morte serão varridos quando as águas esmagarem o abrigo. O texto de Isaías é uma advertência para os zombadores, de que o julgamento vem para aqueles que não dão atenção ao Senhor. Jesus vê seu ensino e a associação a Ele como rocha. Fica claro, a partir da passagem anterior sobre a exclusão que se fundamenta no fato de o juiz não conhecer o excluído, que tanto
Jesus quanto seu ensino estão em vista. Assim, Jesus afirma que quem ouve seu ensino e o pratica é como aquele que constrói um fundamento sólido capaz de suportar as águas da provação. É comum no Antigo Testamento retratar-se o julgamento como inundação (Gn 6-7; Is 28.2,17; 30.28; Ez 13.10-16). O ensino em vista é o do sermão. Em contraste, aquele que ouve, mas nada faz, é um tolo porque sua casa não tem base para sobreviver à torrente. (BOCK, 2006, P. 141) A primeira é uma casa bem construída sobre a rocha, pois o construtor é prudente. Ele investe na segurança e proteção contra as intempéries naturais. Ele deseja algo que seja perene e não se desfaça com facilidade. Esse construtor prudente, Jesus o compara com aquela pessoa que ouve os seus ensinos e coloca em prática. Assim, Jesus desde o início do Sermão do Monte vem contrastando a diferença entre a justiça dos homens e a justiça do Reino dos céus. Jesus ensina que a vida (nossa casa) é construída por meio de opções fundamentais que vão nortear os comportamentos ao longo de nossa caminhada. A figura da rocha em vários textos bíblicos representa Deus ou Jesus. Nesta parábola ela significa os ensinos de Jesus colocados em prática. Quais eram então os elementos principais do ensino que Jesus repassou para seus discípulos e que deveriam ser seguidos? O contexto estudado (Mt 5-7) nos dá a resposta. De forma resumida, Jesus ensinou que: • Bem-aventurados, felizes, são os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os limpos de coração, os pacificadores e os que são perseguidos por causa da justiça; • As pessoas não devem se conformar com as injustiças; • O cristão deve ser o sal da terra e a luz do mundo. O poder de influenciar por meio sua própria vida aquecida pelo Espírito Santo de Deus; • O legalismo deveria ser abandonado. Ele veio para cumprir a Lei e uma vez cumprida ela não precisava ser repetida; • O discípulo deve amar os inimigos e orar pelos seus perseguidores; • A doação aos necessitados, a oração e o jejum deveria ter motivações justas e para glorificar a Deus, nunca para vanglória própria; • Deve-se buscar ter tesouro no céu, não na terra (acumulação massiva de bens como objetivo de vida); • A candeia do corpo são os olhos; • Não se deve preocupar demais com o dia de amanhã, mas sim com o hoje; • Não se deve julgar as pessoas, mas cuidar de si mesmo e auxiliar o próximo; • Não profanar o que é sagrado; • Expor a Deus as suas necessidades e confiar na sua providência; • Fazer aos outros o bem que gostaria de receber; • Optar pela porta estreita que conduz ao céu, em vez da porta larga que conduz à
perdição; • O discípulo deve se prevenir contra os falsos mestres, identificando-os pelos seus frutos; • A adoração a Deus deve ser sincera e não apenas de lábios. A relação acima não é exaustiva, mas representa os principais ensinos de Jesus durante o Sermão do Monte. Ele apresenta um alicerce que deveria ser usado pelos seus discípulos para que pudessem ter uma vida de comunhão com Deus e de forma permanente, eterna. Em contraste a esse alicerce, ao longo do Sermão do Monte ela identifica as práticas defendidas pelos escribas, fariseus e líderes religiosos que viviam uma espiritualidade superficial que não agradava a Deus. Como poderia se sustentar uma vida com base em aparências e na exploração do próximo? A casa (vida) que se constrói sobre esses valores não se mantém e será destruída, mas a casa que se constrói com base nos ensinos de Cristo tem a garantia da vida eterna com Deus. Jesus ensinou que a vida (casa) é edificada não apenas ouvindo seus ensinamentos, mas, acima de tudo, praticando-os (Mt 7.24-27). Qual casa você tem construído? c. O ensino de Jesus era único e causava admiração (Mt 7.28, 29)
Jesus talvez seja a pessoa mais estudada de todos os tempos no mundo. Muito já se escreveu sobre Ele, quer aprovando ou reprovando-o. A divisão da história entre o antes de depois de Cristo é aceita quase como uma unanimidade. Apesar de tudo isso, o estudo de sua vida e obra continua empolgante, produtiva e gratificante. Não é de se estranhar a admiração de seus ouvintes (v.28). Qual seria a nossa reação se nós estivéssemos assentados junto com esse povo ouvindo o Mestre dos mestres? Jesus era judeu e assim Ele se comportava, como alguém dentro de sua própria cultura. O rótulo de cristão vai surgir umas duas décadas depois. Ele abordava temas comuns aos professores judeus de sua época. Por isso, não tem como entender os ensinamentos de Jesus sem considerar seu contexto. Um dos grandes anseios dos judeus de sua época era a chegada do Reino dos céus, anunciado por séculos, e alimentava as esperanças daquele povo subjugado constantemente pelo imperialismo estrangeiro. A única forma de conquista que eles conheciam era por meio de instrumentos bélicos e assim esperavam que acontecesse. Todavia, Jesus aparece ensinando que o Reino dos céus é diferente, que “oferece um novo tipo de liberdade, o tipo de liberdade que é mais crucial para as pessoas, uma liberdade espiritual que exige que o povo de Deus se arrependa dos seus pecados e entre em novo tipo de relacionamento com Deus”. (GUTHRIE, 2014, P.171) Os judeus acreditavam que a Lei havia sido entregue a Moisés pelo próprio Deus e, portanto, era imutável e inquestionável. Jesus fala diretamente àqueles que se denominavam os interpretes oficiais de Deus, os escribas e fariseus, que na realidade Ele próprio seria o cumprimento da Lei: Na Bíblia, a palavra cumprir é normalmente usada como referência a profecia. Aqui Jesus usa a palavra cumprir para falar sobre a lei. Ele esclarece que nenhuma lei morrerá ate que tudo se cumpra, e no caso de algumas das categorias das leis
judaicas, o seu ministério trouxe claramente o cumprimento de leis específicas. Por exemplo, Ele cumpriu as leis sobre o sacrifício pelos pecados. A partir da sua morte na cruz, o Senhor Jesus serviu como o sacrifício definitivo pelos pecados da humanidade. Já não há mais a necessidade de trazer touros, cabritos, ovelhas e pombos à igreja para que sejam sacrificados pelos pecados. (GUTHRIE, 2014, p.172) Somente neste exemplo dado sobre o cumprimento da Lei, sobre o sacrifício pelos pecados por Jesus, por meio de sua morte expiatória perfeita e definitiva, já causa um embaraço tremendo nas doutrinas do judaísmo. Imagine toda estrutura, principalmente no Templo de Jerusalém para manter o atendimento dessa Lei específica? Jesus quando afirma que sua obra cumpriria com essa Lei, extinguindo assim a sua necessidade, quanto impacto tem na cultura e estrutura organizacional de sua nação? Uma mudança significativa e radical de tudo que se acreditava por quase dois milênios. Os métodos utilizados por Jesus no ensino não eram novos. A grande maioria era conhecida, principalmente pelos outros mestres judeus. No entanto, a maestria com que Ele os utilizava fazia uma grande diferença no aprendizado dos seus ouvintes e os deixavam maravilhados. Porém, tudo isso não era o que mais impressionava e causava admiração nos seus ouvintes. Apesar do grande conhecimento teórico sobre as Escrituras e metodologias de ensino e aprendizagem, o que saltava aos olhos do povo era a coerência entre o que Ele ensinava e o que praticava. Diferente dos escribas e fariseus, conforme evidenciado pelo próprio Jesus, que viviam de aparência e falsas ostentações. Isso fica claro, quando Mateus finaliza o Sermão do Monte com essa expressão, logo após o discurso dos dois fundamentos (o homem prudente que edificou a casa na rocha e o homem insensato que edificou a casa na areia). A intensidade do ensino de Jesus continua a repercutir nos leitores dos evangelhos de nossos dias, que semelhante à pluralidade da audiência de Jesus há mais de dois anos, também ficam igualmente admirados. Por isso, o ensino de Jesus era único. 1 Não é possível comentar sobre todas as Bem-Aventuranças com detalhes. Para mais detalhes, sugiro a obra da CPAD escrita pelo pastor César Moisés Carvalho O Sermão do Monte: a justiça sob a ótica de Jesus , que foi o livro de apoio das Lições Bíblicas de Jovens da CPAD, no segundo trimestre de 2017. 2 Para um entendimento de como essa relação dos religiosos judaicos com os impérios prejudicavam o povo judaico por meio do sistema educacional, sugiro a leitura do meu livro: Educação Cristã Libertadora, relacionado nas referências deste livro.
Israel: Davi e Abraão, caracterizando sua missão messiânica e o a universalidade das Boas-Novas de Cristo. No relato do batismo de Jesus salta a sua atitude humilde e o comprometimento com a vontade do Pai. A tentação como um retrato dos obstáculos durante sua vida e obra, as ofertas do que provocam a injustiça e a desigualdade que são superadas pelo poder da Palavra de Deus, e pela obediência à vontade de Deus. Outro exemplo grandioso de Jesus e de que Ele não trabalha sozinho. Cristo chamou alguns para estar mais próximo dEle e desenvolverem juntos o ministério. Ele investiu seu tempo para preparar sucessores para dar continuidade a parte de sua missão. Um ponto forte do Evangelho de Mateus é a valorização dos ensinos práticos de Jesus. No famoso discurso do Sermão do Monte, Mateus apresenta os fundamentos que devem nortear as escolhas dos cristãos durante sua vida. Jesus combate veementemente a falsa religiosidade, a hipocrisia e a mercantilização da fé que eram praticadas pelos religiosos udaicos. Mateus deixa claro que quanto mais próximo do centro da religião judaica e de suas principais autoridades, mais difícil era o diálogo. Entendemos com isso, que não basta ser religioso, mas se faz necessária a motivação correta para se aproximar de Deus. Outro ponto que destacamos é o discurso escatológico e apocalíptico de Mateus 24 e 25, considerados pelos pesquisadores dos evangelhos os textos mais difíceis de interpretação. Ao que parece, uma advertência à vigilância para o período que intercede o tempo da destruição do Templo e de Jerusalém nos anos 70 d.C., a parúsia, o fim dos tempos e os tempos gentios ou da Igreja. A urgência e seriedade de como os cristãos devem fazer a diferença na sociedade. Nas últimas semanas de Jesus foram vistas as mãos de Deus conduzindo tudo, mesmo o sofrimento e morte de Jesus, com o propósito de salvar para a humanidade. A resignação de Jesus em meio às dores com foco na sua missão como exemplo para nossa caminhada cristã. As evidências da ressurreição de Cristo como um grande conforto de que podemos esperar algo glorioso além da vida presente. Por fim, vimos a gloriosa promessa da presença espiritual e contínua de Jesus, um incentivo a cumprir a missão recebida sem ceder às intempéries da vida. Uma bela maneira de concluir este maravilhoso estudo do Evangelho de Mateus.
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CURRÍCULO RESUMIDO DO AUTOR
P
astor auxiliar na IEADC – Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Curitiba. Membro da Convenção das Igrejas Assembleias de Deus no Estado do Paraná – CIADEP e da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB.
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR (primeiro doutor do Programa de Pós-Graduação da PUC-PR); Mestre em Teologia pela PUCPR. Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná – FTBP, com ênfase em exegese do grego e hebraico bíblico. Mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Especialista em Planejamento, Operação e Comercialização na Indústria de Energia Elétrica pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Especialista em Contabilidade Gerencial pela Universidade do Centro Oeste – UNICENTRO. Licenciado em Contabilidade e Estatística pela universidade paranaense – UNIPAR. Foi coordenador geral de Discipulado e Reunião Devocional nos Lares do campo da IEADSJP (2015-JUN/2016), coordenador Geral de EBD do Campo Ministerial da IEADC de 2005 a 2010, superintendente de EBD da IEADC-Sede (2007 a 2012), professor nos cursos de Administração, Contábeis, Tecnologia e Teologia da FACEL, professor no curso de bacharel em Teologia da Faculdade Cristã de Curitiba. Atuou em diversos cargos gerenciais da Companhia Paranaense de Energia – Copel e membro do Conselho de Administração da Copel em três gestões. Autor de vários livros, incluindo Justiça e Graça: um estudo da doutrina as salvação na Carta aos Romanos (CPAD, 2015), além de diversos artigos de teologia e tecnologia em revistas especializadas.
História dos Hebreus Josefo, Flávio 9788526313491 1568 páginas
Compre agora e leia Em História dos Hebreus o autor escreve com detalhes os grandes movimentos históricos judaicos e romanos. Qualquer estudante da Bíblia terá em Flávio Josefo descrições minuciosas de personagens do Novo Testamento (Evangelhos e Atos), tais como: Pilatos, os Agripas, os Herodes e inúmeros outros pormenores do mundo greco-romano, tornando esta obra, depois da Bíblia, a maior fonte de informação sobre o povo Judeu. Um produto CPAD. Compre agora e leia
O Sermão do Monte Carvalho, César Moisés 9788526314436 160 páginas
Compre agora e leia Estudar o Sermão do Monte é um desafio pois a familiaridade com o material e a aparente facilidade dos seus enunciados esconde o fato de que se trata de um texto de difícil interpretação e, ainda pior, pior, aplicabilidade. Nesta obra, os capítulos foram organizados obedecendo a estrutura da revista Lições Bíblicas Jovens, porém desenvolvidos em forma de comentário bíblico valorizando, sobretudo, o aspecto teológico do mais popular e célebre dos sermões proferidos pelo pelo Mestre. Um Produto Produto CPAD. CPAD. Compre agora e leia
O Caráter do Cristão de Lima, Elinaldo Renovato 9788526314429 160 páginas
Compre agora e leia O pastor Elinaldo Renovato prepara um estudo completo de personagens bíblicos que nos ajudarão a entender o verdadeiro caráter Cristão. Começando com Abel, passando por Isaque, Jacó, Rute e Maria, e terminando com nosso maior referencial, Jesus, este livro é um alerta à igreja com relação aos maus exemplos deste mundo e um chamamento a termos a Bíblia como maior parâmetro de caráter. Compre agora e leia
A Igreja de Jesus Cristo Coelho, Alexandre 9788526314320 160 páginas
Compre agora e leia “Temos um chamado radical para os nossos dias: ser da igreja e colabora com ela. Diante de tantas críticas que são feitas contra a igreja, precisamos nos posicionar e agir de forma coerente com a nossa fé. Devemos ter uma postura de fazer algo por nossa igreja.” O que é a Igreja? No que ou em quem ela se fundamenta? Quais são seus objetivos? O que são ordenanças? Neste livro, o pastor Alexandre Coelho discorre sobre diversos temas de grande relevância tanto acerca das doutrinas da igreja quanto sobre a vida e da prática eclesiástica de uma igreja viva e cheia do Espírito Santo. Um Produto CPAD. Compre agora e leia