Sedi Hirano
Pre-Capit PreCapitali alismo smo e Capitali Capitalismo smo
1 1 11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
CEMA CE MANJ NJ))[A ABOLICAO ABOLI CAO
1888 -1988 mine·· MeT· CNPq mine Program. Nacion Progr aciona' a' do Cent nteni enirio rio da A bo bollll;: ll;:llo da e.c r •.•. •.•.• t tur ur..
GovarnoJo ovarnoJoss' s ..n .n.y .y
EDIT ITOR OR A HUCI CITE TEC C Sao Paul Paulo, 1988 1988
Ca pitul pitulo o 3 A FORMA<; FORMA<;Ao CO COLO LONI NIAL AL BR ASILEIRA SILEIRA:: CAST AS, AS, EST AMEN AMENTOS TOS E CLASSES CLASSES 1. A pr pr oduc duc;a ;ao o merca mercant ntil il e a or orde dem m social 2. A pr oduc duc;a ;ao o me merc rcaanti ntil: l: cas castas tas ou esta estamen mento toss? 3. A pr oduc;a duc;ao o mercan mercantil til:: estamen estamentos tos ou ou c c la lassse ses? s?
169 201 232
INTRODU<;Ao
mutatiss mutandis mutandis. urn desdobr o tem temaa de dest stee li liv vro e, mutati desdobr ame nt nt o d e dissertac; disser tac;ao ao de mestr mestrado ado que defendi defendi nos derr derr ade deiro iross di dias as do mes mes de dezem dez embr bro o de 1972 1972.. 0 es estu tudo do qu quee apr apres esent entei ei com como o di diss sser ertac tac;ao ;ao de mest me stra rado do te teve ve como como tem temaa um umaa di disc scus ussa sao o te te6r 6rica ica, so sob b a form formaa de ensaio de interpretac;ao interpretac;ao, a prop prop6si 6sito to de castas castas,, estam estament entos os e c lasses sociais soc iais em Web Weber er e Mar Marx, x, des descar cartan tandodo-se se int intenci enciona onalme lmente nte os seu seuss epigonos..1 Res epigonos Resul ultou tou de pro propo post staa do ori orien entad tador or de tes tese, e, Dr Dr.. Lu Luiz iz Pereir Per eira, a, qua quando ndo est estavam avamos os ulti ultiman mando do,, naqu naquela ela op opor ortu tunid nidade ade,, a primeira versao de relat6rio de pesquisa sobre a formac;ao das clas-
ses medias medias em Sao Pau Paulo lo..2 Nessa pes pesqu quis isaa di disc scut utii a ques questao tao da trantransic;;ao de regime sic regime de produc produc;;ao ba base sead ado o no tra traba balho lho es escr cravo avo para um umaa produc;ao capitalista alicerc;ada no trabalho livre e assalariado riado,, situando tua ndo est estaa tra transi nsic;ao c;ao par paraa 0 cas caso o br bras asile ileir iro o em meados meados do secul seculo o
XIX.3 (I) Hira Hirano no,, Sedi (1975), (1975), Castas, Castas, estam estameent os os e c clas lassses soe oeiai iaiss - Introdu f Introdu f iio iio ao p peensam nsameent o d e Marx e Web er , 2~ ed., Sao Paulo Paulo,, Alf a-Omeg -Omega. a. (2) Rela Relatt6ri rio o
de pesqui pesquissa
env en viado
II Fund ~ao
d e Amp Ampaar o
II P Pes esqui quissa
d o Estad o
de Sao
Paulo, Pau lo, em 197 1971.
CapEtulo I - Siio Paulo: Paulo: um se(3) Este relat6r relat6rio io es estav tavaa estru trutur turado ado da se seg guinte form formaa: CapEtulo eul ulo o d d ee estagna estagna f f iio iio urbana , urbana , di diss p peer sii iio o demografiea e e stagna f iio eeon eeonomiea (d e 1772 a 1872 872); ); C apEtuloII apEtuloII - Estam Estameento e Sist ema C olonial nial:: a) Estam tameento esc scra ravo: vo: negr os e indi indios, os, b) E Esstament tamento o br anc nco o: hom homen enss livres livres e processo processo de diferencia~ao diferencia~ao social; CapEtulo CapEtulo III - Pr oees oeesso d e transifii transifiio: o: d esa esagr egaf egaf iio da o ord rd em e stam stameental e eo eonstitui nstitui f f iio iio d o eapitalism apitalismo o lib libeeral ral:: a ) Rela Rela~ ~ao centro-per if eri riaa e t ransform ransforma~ a~aao mundiaal mundi titui~ao titui~ ao
d os mercad os os
monopoli nopolizzad os os
e 0 no novo vo estil tilo o de depen depend d encia, do c apitalism apitalismo o depend ent ntee
em mercad mercad o mundia mundial,
c) De Desa sagr gr ega~a ga~ao o induzida induzida
no Brasil; Brasil; CapEtulo CapEtulo IV -
b) A lut luta pel pelo o mercad o
d a ordem escravocra escravocratt a
e con conss-
Impo Imp ort afiio afiio d o fat or d e Pr odufii dufiio: o:
Ca pitul pitulo o 3 A FORMA<; FORMA<;Ao CO COLO LONI NIAL AL BR ASILEIRA SILEIRA:: CAST AS, AS, EST AMEN AMENTOS TOS E CLASSES CLASSES 1. A pr pr oduc duc;a ;ao o merca mercant ntil il e a or orde dem m social 2. A pr oduc duc;a ;ao o me merc rcaanti ntil: l: cas castas tas ou esta estamen mento toss? 3. A pr oduc;a duc;ao o mercan mercantil til:: estamen estamentos tos ou ou c c la lassse ses? s?
169 201 232
INTRODU<;Ao
mutatiss mutandis mutandis. urn desdobr o tem temaa de dest stee li liv vro e, mutati desdobr ame nt nt o d e dissertac; disser tac;ao ao de mestr mestrado ado que defendi defendi nos derr derr ade deiro iross di dias as do mes mes de dezem dez embr bro o de 1972 1972.. 0 es estu tudo do qu quee apr apres esent entei ei com como o di diss sser ertac tac;ao ;ao de mest me stra rado do te teve ve como como tem temaa um umaa di disc scus ussa sao o te te6r 6rica ica, so sob b a form formaa de ensaio de interpretac;ao interpretac;ao, a prop prop6si 6sito to de castas castas,, estam estament entos os e c lasses sociais soc iais em Web Weber er e Mar Marx, x, des descar cartan tandodo-se se int intenci enciona onalme lmente nte os seu seuss epigonos..1 Res epigonos Resul ultou tou de pro propo post staa do ori orien entad tador or de tes tese, e, Dr Dr.. Lu Luiz iz Pereir Per eira, a, qua quando ndo est estavam avamos os ulti ultiman mando do,, naqu naquela ela op opor ortu tunid nidade ade,, a primeira versao de relat6rio de pesquisa sobre a formac;ao das clas-
ses medias medias em Sao Pau Paulo lo..2 Nessa pes pesqu quis isaa di disc scut utii a ques questao tao da trantransic;;ao de regime sic regime de produc produc;;ao ba base sead ado o no tra traba balho lho es escr cravo avo para um umaa produc;ao capitalista alicerc;ada no trabalho livre e assalariado riado,, situando tua ndo est estaa tra transi nsic;ao c;ao par paraa 0 cas caso o br bras asile ileir iro o em meados meados do secul seculo o
XIX.3 (I) Hira Hirano no,, Sedi (1975), (1975), Castas, Castas, estam estameent os os e c clas lassses soe oeiai iaiss - Introdu f Introdu f iio iio ao p peensam nsameent o d e Marx e Web er , 2~ ed., Sao Paulo Paulo,, Alf a-Omeg -Omega. a. (2) Rela Relatt6ri rio o
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II Fund ~ao
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II P Pes esqui quissa
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Paulo, Pau lo, em 197 1971.
CapEtulo I - Siio Paulo: Paulo: um se(3) Este relat6r relat6rio io es estav tavaa estru trutur turado ado da se seg guinte form formaa: CapEtulo eul ulo o d d ee estagna estagna f f iio iio urbana , urbana , di diss p peer sii iio o demografiea e e stagna f iio eeon eeonomiea (d e 1772 a 1872 872); ); C apEtuloII apEtuloII - Estam Estameento e Sist ema C olonial nial:: a) Estam tameento esc scra ravo: vo: negr os e indi indios, os, b) E Esstament tamento o br anc nco o: hom homen enss livres livres e processo processo de diferencia~ao diferencia~ao social; CapEtulo CapEtulo III - Pr oees oeesso d e transifii transifiio: o: d esa esagr egaf egaf iio da o ord rd em e stam stameental e eo eonstitui nstitui f f iio iio d o eapitalism apitalismo o lib libeeral ral:: a ) Rela Rela~ ~ao centro-per if eri riaa e t ransform ransforma~ a~aao mundiaal mundi titui~ao titui~ ao
d os mercad os os
monopoli nopolizzad os os
e 0 no novo vo estil tilo o de depen depend d encia, do c apitalism apitalismo o depend ent ntee
em mercad mercad o mundia mundial,
c) De Desa sagr gr ega~a ga~ao o induzida induzida
no Brasil; Brasil; CapEtulo CapEtulo IV -
b) A lut luta pel pelo o mercad o
d a ordem escravocra escravocratt a
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Impo Imp ort afiio afiio d o fat or d e Pr odufii dufiio: o:
a li liv vr o result resulta de um umaa te tese se de d dou outo tora rame ment nto o elab el abor orad adaa ju junt nto o ao De partamento de Ci Cieenci ncias Sociais Sociais d a Un Unive iversi rsidad dadee de Sao Sao Paulo no ana de 198 1986 6. Esta Es ta propos proposta ta de Luiz Luiz Perei Pereira ra vi vinh nhaa ac acom ompa panh nhad adaa de uma uma segu se gund ndaa qu quee se afi afigu guro rou u pa para ra mi mim m na naqu quel elaa ep epoc ocaa ex extr trem emam amente penosa. Ele pedia-me que fizesse urn capitulo de reflexoes critic as em rela9ao rela9ao aos concei conceitos tos de castas castas, estamento estamentoss e clas classes ses contidos contidos nas obras obr as de Flore Floresta stan n Fer Fernan nande des, s, Oct Octavi avio o Ian Ianni ni e Fer Fernan nando do Hen Henriq rique ue Card Ca rdos oso. o. Re Reali alize zeii ag agor oraa a suge sugest stao ao qu quee me fora fora co conf nfiad iadaa po porr Lu Luiz iz Pereira,, pelo respei Pereira respeito to int intelec electua tuall que ele sempr sempree me merece mereceu u e pelo pelo valo va lorr in inqu ques esti tion onav avel el de sua sua co cont ntri ribu bui9 i9ao ao ac acad adem emic icaa co como mo ur urn n do doss mais ~olidos ~olidos pens adores marxi marxist staas. El Elee part rtiu iu pa para ra se semp mpre re,, te tend ndo o afirmado,, entreta afirmado entretant nto: o: ""-Vo Vocce tern a tes tese, e, basta basta completa-Ia ompleta-Ia"". a que ser seriia uma uma in inttrodu9ao e agora este li liv vr o e 0 t trab rabalh alho o ant anteri erior or continu con tinuaa agu aguard ard ando a sua introdu rodu9 9ao e a sua con concclus lusao. ao. Dei Deixo xo aquii reg aqu regiistr ado 0 me meu u re reco conh nhec eciment imento o pel a orient orienta9a a9ao o das teses de mestra mes trado do e de dout doutora orado do ult ultim imaad a pelo Pr of . Gabrie Gabriell Coh Cohn n. as vin vin-culo cul os que me atam a os os m eu eus pri rim meir iros os me mest stre ress co cont ntin inua uam m pr proofundos fun dos e irr emoviv moviveeis e est staa te tese se e tambem 0 resul resulttad ado o do ex exer er cicio de urn dever etico e acad emi mico co para co com m 0 meu antigo orient orientador ador . a es estu tudo do qu quee ora a presento e urn exame da questao do precapitalismo capitalism o e do capitali capitalissmo mo,, doss mo do modos de produ9 produ9ao ao cor corres respon pon-dentes den tes e sua sua rea realiza liza9ao 9ao sin singul gular numa dada forma forma9ao 9ao soci ocial, al, a forforma9ao colonial colonial brasi brasileir leir a. A di disscus cusssao te teo orica rica,, que se encont ncontra ra no segundo segun do capitul capitulo o, centra-se exclusi lusiv vam amen ente te em Mar Marx x po porq rque ue el elaa pretende ser mar xis ista ta a par parti tirr de Mar Marx x e nao nao a part partir ir de seu seuss co co-mentado men tadores res.. As obr obras as d e Marx Marx con conssti tittuem 0 nuc nucleo leo arr arranc ancand ando o do qual procur amos elab elabora orarr as cate categor goriias histo historica ricass que consti constituem tuem 0 pre-capitaliismo e 0 cap pre-capital capital italism ismo. o. Ca Categ tegori orias as historic historicas ta tais is que que 0 ca pitalismo e as cla classse sess so socciai iaiss fo fora ram m const nstitu ituida idass no deco decorre rrerr dos seculos cul os XVIII XVIII e XIX; XIX; a propr propria ia pa pallavr a capitalismo som soment entee a partir partir de 1860, 1860, segundo segundo Hobsb Hobsbawm awm,, come9 ome9aa a ter urn uso mais dif difund undido ido.. E a mao mao-d -dee-ob obra ra li liv vre ass assal alaari riaada da,, nece ne cess ssar aria ia po porq rque ue es esse senc ncia iall a produ9ao capitalista, no entender de Marx somente se constitui como categoria catego ria econo economica mica plenam plenament entee na Inglate Inglaterra rra do pon ponto to de vist vistaa for-
apital talism ismo o imigrante assalariado e f orma ,ao da da soeiedade soeiedade d d ee classes asses n n o Bra Brassil il:: a) C api gra~Oess inter gra~Oe interna naccionais ionais,, socied a d e
b) Imigr a~Ao a~Ao
d e povo ovoam ameento:
b ra rasileira ileira,, c ) Imigra ~Ao massiva:
f orm rmaa~A ~Ao o
dass ca da camadas madas
f or or ma~Ao do pr pr o olela riad o
libeer al lib al
intermedi inter mediaa ria riass
r ur ura l (19 197 7 pags. s.)).
e m iina
mal em fins do seculo XVIII.4 XVIII.4 Antec Antecipa ipando ndo est estas as duas que questo stoes es que que-remoss ob remo obsser var que na n ao e po possiv sivel el pen penssar os secul seculos os XV XV,, XVI XVI e XVII XV II com categor categorias ias hi hisstori toriccas que perten pertencem cem aos sec seculo uloss XVI XVIII II e XIX,, resu XIX result ltan ando do de dest staa in inv vers ersaao da reflex reflexao ao teo teori rica ca qu quee aco aconte ntecimentos men tos hi hisstorico toricoss daqueles daqueles seculos, seculos, ocorre ocorrendo ndo em form forma90 a90es es so socciais nao na o ca pital pitaliistas stas,, f ossem reduz reduzid idos os a cat categ egor oria iass ca capi pital talis ista tas. s. a me messmo ocorre ocorre com as c as c las lasses ses soc sociai iais, s, que sac cate categor gorias ias his histor toricas icas, ela boradas a partir d os seculos seculos XV XVIII III e XIX XIX pelos economis economistas tas fra frannceses e ingleses ingleses pa para ra a an anaalise dos fenom fenomenos enos econom economiicos res result ultant antes es de urn process processo o de desenv desenvolv olvime imento nto cap capita italis lista ta que pri princi ncipia piara ra nos meados mea dos do sec seculo ulo XVIII XVIII e se int intens ensific ificara ara cum cumula ulativ tivame amente nte no seseculo cul o XIX. Cap Capita italis lismo mo e class classes es soc sociais iais sac categori categorias as his histor toric ic as que pertencem a historia do capital industrial e for am elaboradas conceitual cei tualmen mente te par paraa exp expli licca-Io. Em rel rela9a a9ao o as forma9 forma90es 0es eco econom nomico ico-so -socia ciais is pre-ca pre -capit pitalis alistas tas, as categ categori orias as que as explica explicam m nao sac eco econom nomica icass, as rela90 rela90es es sociais ci ais que as anim animam am ta tamb mbem em na nao o sa sacc eco econo nomi mica cass e a propr propria ia at ativ iviidade da de econom economic icaa ma mani nife fest staa no cap capita itall me merc rcan antil til,, em sua forma forma co co-mercia mer cial-u l-usur surari aria, a, e res result ultant antee de uma vontade vontade pol politic iticaa que poss possibi ibi-litt a a explo li explora ra9a 9ao o eco econo nomi mica ca po porr me meio io do uso uso da violen violencia cia.. Na ververdade da de co como mo se vera vera 0 tra trabal balho ho com compul pulsor sorio io nao foi "rein "reinven ventad tado" o" pelo capital mercantil porem resultou de uma vontade politic a que nadaa tinh nad tinhaa a ver ver com uma uma exc exclus lusiva iva von vontad tadee eco econom nomica ica.. A rela rela9ao 9ao mercan mer cantil til,, que reves revestiu tiu a esc escrav raviza9 iza9ao ao do negr negro, o, ser serviu viu apenas par paraa encobri enco brirr uma rel rela9a a9ao o ant anteri erior or , que resulta resultava va na escravid escravidao ao:: a rerela9ao la9 ao politi politica ca.. A polit politica ica co colo loni nial al e merc mercan antil til,, lev levad adaa a cabo cabo po por r interme inte rmedio dio da violenci violenciaa, apoiava-se apoiava-se em institui90e institui90ess juridi juridico-ide co-ideoloologicas medie medievais vais,, que a justifi justificavam cavam:: 0 tr trat atad ado o da guerra guerra ju just staa, escrito cr ito por legis legistas tas e pre prelad lados os,, no qual qual a prop propri riaa Ig Igre reja ja leg legit itim imav avaa a sujei9ao sujei9 ao dos vencidos vencidos aos vencedores vencedores. Esta justifi justifica9 ca9ao, ao, leg legal, al, ideologic a e politi politica ca,, nos a encont encontram ramos os nos escri escritos tos dos secul seculos os XIV XIV,, XV, XVI e XVII XVII. Neles Neles se pro procur curaa mos mostra trarr que 0 trabal trabalho ho comp compululsori so rio o ter tern n co como mo fonte fonte de sua sua ex exis iste tenc ncia ia um umaa su subo bord rdin ina9 a9ao ao quee e qu exclus exc lusiva ivamen mente te pol politic iticaa e nao econ economi omica. ca. a esc escrav ravo o tor tornav nava-s a-see escravo cra vo em razao razao de guer guerra ra jus justa. ta. Nao e de estr estranh anhar ar que que,, par paraa Lo Locke cke,
(4) Ho b bss bawm,
J. E. (1982) 1982),, A e ra d o c apital , Janeiro iro,, , Rio d e Jane
P az e Ter r ra ,
p. 21 21.. Marx,
Karl (1972 (19 72)), El Eleementos fundamentale fundamentales par para a la cr cr E tie tiead e la E conomEa conomEa Po PolEt ica ica , V. 2, Argentina, Siglo Ve V eintiun intiuno o,
p. 30 307. 7.
a escravidao "nada mais era que a continua{ :iio do e stado de guerra , entr e urn conquistador legal e urn cativo.". 0 cativo hobbesiano "era conti do a forc;a; a prisao apenas grifava, no preso, a sua liberdade de homem". Portanto, a mesma doutrina, como se vera, que justificava a escravizac;ao dos negros da terra e da Guine nos seculos XV e XVI, prevalecia no seculo XVII, na opiniao de Locke e Hobbes. "0 escr avo afasta-se do mundo politico, ao negar-lhe a vontade ... ". 5 Ele realiza a vontade do senhor ao ser privado da condic;ao de homem livre. Isto quer dizer que a escravidao resulta da violencia, ou seja, de ac;ao politica, e nao de ac;ao economica. Trata-se de relac;ao que nao e capitalista, mas pre-capitalista. Entre outras, estas questoes serao focalizadas no decorrer do segundo capitulo onde procuraremos demonstrar que nas formac;oes pre-capitalistas nao florescem classes sociais, mas castas e estamentos. o ca pitulo primeiro esta destin ado a servir como uma introduc;ao aos problemas que serao desenvolvidos no decorrer dos capitulos II e III. Inicia-se 0 capitulo com 0 debate da tese do capitalismo no Brasil colonial, na qual 0 trabalho escravo e considerado, por alguns, como uma modalidade de capital variavel, e, por outros, como uma modalidade de trabalho compulsorio subordinado ainda formalmente ao capital mercantil, que ja e considerado capitalista. Em relac;ao a tese do feudalismo na constituic;ao colonial brasileira, ha toda uma historiografia classica que analisa a estrutura juridico politica dos documentos coloniais nas modalidades de cartas forais, cartas de doac;oes, e outras' formas legais. A tese que considera a formac;ao do Brasil colonial como sendo tipicamente pre-capitalista, nem feudal e nem capitalista, reconhece, em parte, a prevalencia destas estruturas juridico-politicas feudais, mas enfatiza a determinancia do capital mercantil baseado na escravatura, na instalac;ao de novo modo de produc;ao colonial-escravista. Ultima-se 0 bloco destas discussoes com a apresentac;ao da tese de orientac;ao marxista que considera 0 Brasil colonial como sendo feudal. Finalmente, no capitulo terceiro, discute-se a questao da produc;ao mercantil em relac;ao com a ordem social estamental, produc;ao que nasce gerada pelo capital mercantil e ja endividada em relac;ao a ele. A produc;ao mercantil escravista nao so e gerada no endivida(5) Ribeiro, Renato Janine ( 1984), Ao l eit ar s em med o, Sao Paulo, Brasiliense, pp. 153 e 154(Cap. 5 : " 0 triunfo da vontad e", pp. 1 32-78).
mento absoluto
mas se realiza
totalmente
subordinada
ao capital
mercantil. Esta analise nos a desenvolvemos tomando como material historico os relatos de Antonil, Gandavo, Benci, Gabriel Soares de Sousa, Fernao Cardim, Rocha Pita, Frei Gaspar de Madre de Deus, Frei Vicente do Salvador , que descreveram e analisaram a economia, a politic a e a sociedade colonial dos seculos XVI, XVII e XVIII. Reconstituimos a formac;ao do Brasil colonial laborando teoricamente sobre as ideias que eles possuiam em seu tempo, por meio do exame das estruturas mentais que orientaram a formac;ao de urn pensamento da epoca no que se refere ao escravo, ao modo de produzir nos engenhos, ao relacionamento dos senhores com os homens livres, as divers as categorias de horn ens livres, a relac;ao de poder e dominac;ao na relac;ao senhor-escravo, a func;ao socializadora das ordens religiosas, a hierarquia social representada pela metiifora do corpo na qual 0 senhor e os prelados fazem parte da cabec;a, os feitores e os capitaes-do-mato sao 0 brac;o armado do senhor, e os escravos, os pes. Esta imagem da ordem social corres ponde ao imaginario feudal, que se apresenta como estrutura de pensamento de uma epoca com mais de mil anos de existencia e veio a ser reproduzida no Brasil pelos prelados dos seculos XVI, XVII e XVIII (notadamente, Benci e Antoni!). Nos itens subseqiientes, procura-se discutir 0 problema da estrutura de castas, 'de estamentos e de classes nas obras daqueles mais destacados sociologos da Escola de Sao Paulo, aos quais nos dedicamos esta tese: Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Pereira. Ao encerrar a introduc;ao, quero dizer que esta tese pertence a Toshimi e aos meus filhos Ana Cristina, Ana Helena, Ana Carolina, Luis Afonso, Ana Paula e Luis Felipe, a quem eu quero com muito afeto e amor. Agradec;o particularmente a Gabriel Cohn, que me deu todas as liberdades possiveis e impossiveis, revelando assim uma fraterna e irrestrita confianc;a. A Sergio Franc;a Adorno de Abreu, que reviu toda a tese tornando-a mais elegante em sua versao final, a minha gratidao. Aos membros da banca examinadora, professores doutores Jose Carlos Pereira, Carlos Guilherme Motta, Octavio Ianni, Francisco Correa Weffort, os nossos melhores agradecimentos pelos comentarios criticos e ricas sugestoes, oferecidos durante a defesa de tese.
Por imperativo etico, devo acrescentar q ue este estud o r esultou da colabora<;ao efetiva e d o alento intelectual que me pr estar am os seguintes colegas, professor es e funcionarios d o De par tamento de Ciencias Sociais: Joao Ba ptista Bor ges Per e ira, Eunice Ri beiro Durhan, Irene A. R . Car do so, Jose Carlos Bruni, Jose Cesar A. Gnaccarini, Maria Helena Oliva Augusto, Lisias Nogueira Negrao, Jose Carlos Pereir a , Jose Jer emias d e Oliveira Filho, Mar io Antonio Eufrazio, Leonel Itaussu d e Almeid a Mello, Antonio Flavio Pierucci, Jose R . N. Chia ppin, Jose R eginald o Pr andi, Paulo R . A. Menezes, Cecy e Ademar K . Sato, Yasuyo K ojima e Dir c e Coelho, Isabel, Vera, Luis, Far ias, Ger ald o, Rubens e Dorival. Agrade<;o ainda a V ieira, R egina e Angela, que d atilografar am a ver s ao final; a Toshimi, Ana, Helena, Claudine, Car olina e Paulo Ed uard o que colabor ar am na r evisao d os originais; a Tania e Nelia que me ind icaram os d atil6grafos; aos colegas da Associa<;ao dos Soci6logos do Estado de S. Paulo e, especialmente, ao Levi B. Ferr a ri que m e su bstituiu na presid encia d a entid ad e ; a os c olegas d o IMESC e ao seu Su per intendente, Carlos Vicar i. A to d o s sou imensamente gr a to pelos r esultados positivos, pois que d os err os e f alhas devo dizer , como d e praxe, que s ao d e minha inteir a e exclusiva responsabilid ade. Finalizando, aos professor es Jose Cesa r A . Gnaccar ini, Paulo Sergio S. Pinheiro, Fer n ando A. Novais, Tamas Szmrecsanyi e Jose Jobson d e And ra de Arrud a, amigos e incentivador es, que f oram os primeiros a se interessar em pela publica<;ao deste livro, a nos sa gr atid ao.
CAPITALISMO E PRE-CAPITALISMO: A FORMAc;AO DO BRASIL COLONIAL
Apresentam-se, no presente capitulo, as t eses do capitalismo e pre-capitalismo na forma<;ao do Brasil colonial. Iniciamos pel a tese do capitalismo, passando depois a tese do nao capitalismo qu e se desdobra numa variante a que chamamos f eudal-tradici~nall e noutra que denominamos f eud al-mar xista-ortod oxa.2 Entre estas duas orienta<;6es de reflexao hist6rica s it ua -s e a variante or e-capitalista que afirma nao ser a sociedad e colonial nem feuoal, nem capitalista. No ultimo item deste capitulo exp6em-se as quest6es relaClonadas a estrutura social da forma<;ao colonial brasileira. analisandose criticamente as diver sas teses que apresentam as estruturas de castas, de estamentos e de classes sociais articulando-se no interior da forma<;ao colonial brasileira. 3
(I) A visiio tradicional d o feudalismo a par ece n a histor iografia "classica" brasileira e estr angeira nas obras de Varnhagen, Capistrano d e Abr eu, R od olfo Gar cia, Handelmann, Southey e outr os autores que ser ao ref erid os no d ecorr et d o ca pitulo. (2) tchamad a ortodoxa por es tar vinculada a uma es pecif ica or ienta~ao politico- parti(3) As quest5es so br e as estr uturas de castas, estamental e d e classes ser ao retomadas nos ca pitulos 2 e 3, ond e discutimos a questao centr al d a tese: pr e·ca pitalismo e ca pitalismo.
2. A TESE DO CAP ITALISMO NA FORMA<::Ao COLONIAL
se ver , no 'senhor ', mais urn 'empr esar io agr ario' q u e a r ealiza<;ao abrasileir ad a o u t ro pical d o no br e eur o peu gerindo fatores de produ<;ao, ur n d os quais 0 'tr a balho escravo'. E m q ue pese certa vio-
BRASILEIRA A controversia
sobre a natureza
da formac;ao colonial brasi-
leira torna-se insubsistente se aceitamos 0 pressuposto do capitalismo desde sua constituic;ao (genese), portanto, antes mesmo ao ad vento da abolic;ao do escravismo. A adesao a este tipo de analise desloca 0 conflito teorico para 0 espac;o da realizac;ao singular do modo capitalista de produc;ao no Brasil colonial. Nesta cooptac;ao interpretativa e "inc1uida
a pr o pria
tambem
muita coisa" que, "a parentemente, nao pertence ao conceito". 4 Na medida em que extrai seus argumentos da esfera da circulac;ao sim pies de "capital", acaba embutindo, sem mais, as determinac;o es d a esfera da circulac;ao ampliada do capital. Elide-se, desta maneira, do modo de produc;ao considerado capitalista, a discussao referente a produc;ao de mais-valia a qual so pode ser gerada no processo de produc;ao capitalista, resultante da utilizac;ao do trabalho livre assalariado, contratado, na esfera da circulac;ao, pelo capitalista. Im porta ressaltar que a tese capitalista da formaC;ao social colonial brasileira reduz 0 trabalho escravo a uma modalidade de capital variavel:
como uma a<;ao empresarial d o 'trabalho
escravo , (no fund o,
d e contrariar
interpreta<;5es
comumente
aceitas,
parece-nos
inegavel que 0 processo historico brasileiro se d et ermina , d es d e 0 inicio, como gradativa constituir;:iio de uma formar;:iio economico-social capita/ista perif erica. Realmente, os setores socio-geograficos ond e se instalaram
as unidade s
sempr e se caract erizaram
de produr;:iio para
0
mercado
ao menos parcialmente
int ernacional
nessas areas de ' produ<;ao para
tuir;:iio ' parcial'das pitalista
0 mercado'
senao a c onsti-
d et erminar ;:oes da formar;:iio economico-social
que viria a co n figurar-se
plenamente
nelas em
duas modalidad es
d o capit al
em conta os fatores de produ<;ao manipulaveis 'ex plor ar ' d e paramos
com
0 fundamento
brasileira
(ao setor d ominante
com a do
variavel) - tend o
e disponive is
a amplia<;ao do mercado
e poca -
na maior produtivi-
em confronto
a fi m d e
externo consumidor
da
a sociedade
ultimo e interno
dentre os gran des proprietarios
rurais)
para a plena configura<;ao e expansao do ou tr o polo das rela<;5es de produ<;ao tipicas do capitalism o j a a e sta altura constituido ha tempos n a Eu ro pa
-
0 que
entre nos se faz pel a precaria
conversao
do es-
cravo em liberto e pela maci<;a importa<;ao de trabalhadores assai ariados europeus. Justamente porque essa constituir ;:iio ' par cial' do c a pitalismo
nas ar eas
' perif ericas' brasileiras
(produto
do expansio-
nismo capitalista dos subsist emas d ominant es) se r ealizou d esd e 0 princfpio pela constituir ;:iio do polo economica e politicament e dominante representado
pelos 'senhor es',
a posterior
configura<;ao do polo
dominado representado pelo trabalhador livre, tendencialmente assalariado, consiste num momento relativamente avan<;ado do mesmo burguesa
local e 'periferica',
no Brasil e nao uma revolu<;ao
h is to ricamente
desnecessaria.
De fato,
em bora implicando uma recomposi<;ao interna da domina<;ao economica e politica exer cid a em conjunto pelos grandes proprietarios rurais, a Aboli<;ao nao significou a ascensao e consolida<;ao economica politica de uma 'nova' classe burguesa". 5
e
como capitalistas:
as condi<;5es locais singulares do Brasil de entao, sobretudo superabundanci a d e t er ra e super escassez de for<;a de trabalho, nao possi bilitaram
coletiva:
assalariado'
processo de forma<;ao do capitalismo "Apesar
das categorias
Aboli<;ao efetiva-se, por urn de seus componentes,
dade e renta bilidad e
sobretud o
no termo capital
a es pecificid ade
H~ncia destas for mula<;5es jogo,
na Europa
dir-se e tornar-se d ominante somente apos transcorrida
ca-
e ai e xpanparte do pro-
cesso historico b ra si leiro. Assim e que ate a Aboli<;ao nos ramoschaves da divisao social do trabalho que entre nos se veio elaborando
Para Marx a mao de obra escrava nao era uma das modalidades de capital variavel mas sim de "capital fixo". A caracteristica basica do escravo-negro, enquanto mercadoria, e 0 de ser "innatura" a fonte de energia-em-potencial capaz de gerar atividadetrabalho. Em outras palavras, 0 que dava valor ao escravo como mercadoria era a " energia-trab.alho" no sentido fisico, e 0 "valor de
ha que
troca" se mensurava em termos de maior ou menor potencial energetico - em func;ao da idade, do sexo e do seu estado biologico.
(4) Marx, Karl (1971), Elementos fundamentales para la critica de la Economia P olit ica (borrador) 1857-1858, Buenos Aires, SigloVeintiuno Argentina, v. 1, pp. 4 76-7.
(5) Per eir a, Luiz ( 1965), Trabalho e d esenvolviment o no Brasil , S~o Paulo, Difus~o Europeia do Livr o, pp. 80-1 (grif os nossos).
e integrando
no capitalismo
dos subsistemas
dominantes,
Conseqiientemente, 0 escravo negro ao ser adquirido no mercado, se constituia como "mercadoria-energia-trabalho", ou seja: "for<;a", ou "maquina". Nesse sentido 0 "senhor de engenho" ou qualquer outro proprietario rural do Brasil-Colonia, ao adquiri-lo, investia em termos de "bens de capital fixo", comprando 0 potencial energetico "in-natura" que se efetivaria e se desgastaria no processo de produ<;ao de bens economicos. Nao so a extra<;ao do excedente economico no processo de produ<;ao colonial, mas a propria trans forma<;ao do negro em mercadoria-escravo e "capital fixo" se realizavam atraves de metodos compulsorios e coativos. Se, como escravo, era desprovido dos meios de produ<;ao, os quais nao Ihe pertenciam, e do controle das condi<;5es de trabalho, faltava-lhe a condi<;ao de "ser livre" no senti do formal, e, portanto, uma legitima<;ao juridico-politica para se transformar em uma modalidade de capital variavel, em mao-de-obra assalariada e, enfim, em classe trabalhadora.6
(6) Marx. Carlos (1959), El capital -
cdtica de la EconomEa Pol£tica, 2~ ed., Mexico.
Fondo de Cultura Economica, v . II , pp . 33 e 425-6: "La compra y venta de es clavos es tambien , en cuanto su forma , compra y venta de mercancias. Pero el dinero no podria ejercer esta funcion si no existiese la esclavitud . ( ... ) En el sistema esclavista. el capital-dinero invertido para comprar a fuerza de trabajo desempena el papel proprio de la forma-dinero del capital fijo. el cual solo va reponiendose gradual mente, al expirar el periodo de vida activa del esclavo . ( ... ). EI mercado de trabajo se ve constantemente surtido de mano de obra por la guerra. la pirateria , etc., y estos robos se desarollan tambien al margen de t od o proceso de circulacion , pues constituyen pura y simplemente actos d e apropiacian de la fuerza de trabajo ajena por medio de la violencia fisica descarada". A economista Joan Robinson afirma que "En una economfa es clavista no hay ingreso derivado del trabajo. EI consumo de 10sesclavos forma parte del mantenimiento de los bienes de capital. EI total de los beneficios de la produccion - corresponde a los duenos de la propriedad (si algunos dan a lo s escl.vos mas del minimo necessario para subsistir y reproducirse, esta actitud queda fuera de las r eg'las del juego, en virtud de que los esclavos no tienen d er echos y , por tanto. deveconsiderarse Comouna indulgencia de los proprietarios mas que ganancias de los esclavos)" • in: Robinson, Joan (1960). La acumulaci6 n de capital. Mexico, F. c. E. , p . 16 . Sobre otrabalho compulsorio e "for~a coatora", ver Dobb. Maurice (1965), A evolu(:uo do capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar Ed., pp. 28. 29. 34 e 52 epassim. Yer tambem Ianni, Octavio (1978), Escraviduo e racismo. Sao Paulo , Hu citec, principalmente a primeira parte denominada "Escravidao e capita, lismo" onde ele discute 0 Capitalismo Comercial, trabalho compulsorio, mercantilismo, 0 processo de acumula~ao primitiva de capital . etc .• pp. 3-50. Gorender . Jacob (1978), a escravismo colonial, Sao Paulo, Atica. Yer Cap. II - "A categoria escravidao". especialmente 0 item 6: "Escravidao. servidao da gleba e trabalho assalariado" , pp. 80-7. onde 0 autor discute a questao da "coa~ao extra-economica do produtor direto". Yer tambem Sodre. Nelson Werneck: Histaria da burguesia brasileira. Rio de Janeiro , Civiliza~ao Brasileira, 1964: "No sistema escravista. a for~a de trabalho faz parte do capital e e renovada por urn simples constrangimento fisico , uma apropria~ao violenta da for~a de trabalho estrangeira e sua incorpora,ao ao sistema colonial" (p. 38).
A outra variante, derivada da tese do Brasil Colonial Capitalista, privilegia a produ<;ao voltada para 0 mercado mundial, transferindo 0 locus teorico para a esfera da circula<;ao, esfera esta classicamente conhecida como Capitalismo Mercantilista , as sumida pelos teoricos como sendo uma etapaja capitalista:
"Na perspectiva mais geral, 0 antigo regime - mais rigido ou mais flexivel de pais para pais representava 0 quadro institucional que permitiu a formafiio e cristalizafiio da etapa mercantil do capitalismo (capitalismo comercial); a dinamjca propria do desenvolvimento capitalista •...... "Antigo regime, politica mercantilista, sistema colonial monopolista sao portanto elementos da mesma estrutura global tipica da Epoca Moderna ..... "E de extrema
importancia
acentuar,
neste passo. que Portugal
nao esta de forma alguma no centro desse processo. Pelo apresenta-se defasado em rela~ao aos demais nucleos da europeia. Isto, porem nao 0exime de englobar-se no curso mentos gerais .. ,... "Tanto no nivel economico quanto no rela~oes politicas
internacionais,
Portugal
e
0
ultramar
contrario, economia dos moviplano das portugues,
interdependentes e inseridos, pelo comercio, nos mecanismos centrais do desenvolvimento economico, e integrando 0 sistema politico do equilibrio europeu, nao podem escapar a este movimento de longo curso e grande profundidade", "Ora,
no conjunto,
a explora~ao
do Ultramar
quadros do Antigo Sistema Colonial, permite
organizada
distinguir
nos
nitidamente
tres elementos basicos: areas ja d ensamente povoadas quanta ao infcio da expansiio maritima europeia. portadoras de civiliza~oes tradicionais, on de a domina~ao politica permitia 0 comercio vantajoso de alguns produtos
de alto valor unitario
famosas especiarias
do mundo indiana;
no mercado
europeu
zonas de povoamento
como as e colo-
nizafiio europeia, onde se estruturam economias complementares ao capitalismo mercantil europeu. fornecedoras sobretudo de produtos tropicais e metal nobre (a America e por excelencia 0 teatro da a~ao colonizadora
europeia
durante
0 primeiro
sistema cQlonial); e. final-
mente, a Africa fornecedora da forfa de trabalho escravizada que permite por em funcionamento a produ~ao colonial do segundo setor . A primeira categoria configura 0que os teoricos do colonialismo chamaram, urn tanto impropriamente quanto a nos, 'colonias comerciais' (.. . ); na America, e possivel discriminar as coloni~s propriamente de 'explora~ao' das colonias de 'povoamento', A Europa. ou antes a economia capitalista mercantil europeia. eo centro dinamico
de todo 0 sistema, gerador da ac;ilocolonizadora e naturalmente beneficiario dela". "Absolutismo ,
sociedad e estamental , capitalismo comer cial , poli-
ultramarina e colonial silo, portanto, parte de urn todo, interagem reversivamente neste complexo que se poderia chamar , mantendo urn termo da tradic;ilo, Antigo Regime. Silo no conjunto processos correlatos e interdependentes, produtos todos das tensoes sociais geradas na desintegrac;ilo do feud alismo em curso, para a constituic;ilodo modo de produc;ilo capitalista". tica mer cantilista , expansiio
"A expansilo ultramarina e a colonizac;ilo do Novo Mundo constitueIil de fato urn dos trac;osmarcantes da hist6ria dos seculos XVI a XVIII. Contemporaneamente, assiste-se ao predominio das formas politicas do a bsolutismo, no plano politico, e, no social, a persist encia da sociedad e estamental, fundada nos privilegios juridicos, como elemento diferenciador . No universo da vida economica, entre a dissoluC;ilopaulatina da estrutura feudal e a eclosilo da produc;ilo capitalista, com per sistencias d a primeira e elementos peculiares da segunda, configura-se a etapa intermediaria que ja se vai tornando usual chamar-se capitalismo mercantil , pois e 0 capital comer cial, gerado mais dir et ament e
na circular,:iiodas mercadorias
que anima
Estado absolutista, com extrema centralizac;ilodo poder real, que de certa forma unifica e disciplina uma sociedade organizada em 'ordens', e executa uma politica mercantilista de fomento do desenvolvimento da economia de mercado, interna e externamente - no plano externo pela explorac;ilo ultramarina, tais siloas pec;asdo todo que convem articular". 7 toda a vida economica.
No nosso entendimento, optar por esta colocaC;ao te6rica equivale a aceitar a etapa de acumula~ao primitiva/originaria de capital como sendo, embora nao 0 seja, capitalista. Como se vera mais adiante, dentro da concepc;ao marxista, a acumulaC;ao capitalista eo resultado da produC;ao e reprodu~ao ampliadado capital, centrada na esfera da produc;ao. E nela que se produz, por meio da exploraC;ao do trabalhador livre e assalariado, 0 valor que, ao se realizar na esfera da circulac;ao, resulta na ac~mulac;ao capitalista.8 Novais
(7) Novais, Fernando A. (1979), Por tu gal e Brasil na crise do antigo sist ema colonial (1777-1808), SlioPaulo, Hucitec, pp. 13-4, 33, 66, 62-3(grifos nossos).
(8) Marx, Carlos (1959), £1 Capit al , o p. cit ., Torno I. Ver Cap. V : "Proceso de trabajo y pr oceso de valorizaci6n", pp. 130-49.
r econhece que a acumulaC;ao realizad a pelo "ca pitalismo comercial", com a poio no r egime de 'exclusivo' metr o politano, er a uma acumulaC;ao considerad a " primitiva", ou seja, r ealizad a "for a d o sistema". No entender dele, 0 comer cio colonial, mono polizado com exclusivid ade pel a md r6 pole e na qualid ade de "ger ad or de superlucros", promove, "necessariamente, urn estimulo a acumulaC;ao primitiva d e capital na economia metropolitan a as ex pensas das economias perifericas coloniais". E, este regime de exclusividade comer cial mar ca profund amente 0 sentido d a coloniza~ao: "comercial e capitalista", constituindo 0 " processo de formac;ao d o capitalismo moderno".9 A discord ancia te6rica inicia-se neste ponto: 0 montante de capital-dinheiro acumulado na esfera da circulaC;ao, por ser originario/ primitiva, e uma acumulaC;ao nao capitalista de capital. portanto, pre-capitalista. o que importa, para os nossos objetivos, e que a a dmissao d a tese do Brasil Colonia Ca pitalista Mercantilista equivale, de urn lado, a aceitac;ao da formac;ao inexoravel da estrutur a de classes e, de outro, a possibilidade con creta de ter sido realizada, no processo hist6rico, a estrutura estamental (ou talvez, a de castas). Sob esta perspectiva a constituic;ao do capitalismo no Brasil teria se realizado sem transiC;ao, principiando-se com a implantac;ao ex6gena do capitalismo mercantilista e s e ultimando com 0 advento do capitalismo industrial. Filiando-se a esta orientac;ao e discutindo a questao do ponto de vista economico, loao Manuel Cardoso d e Mello afirma que a "economia colonial" foi 'reinventada' atraves da produc;ao mercantil e do trabalho compuls6rio: 10
(9) Novais, F. (1979), o p. cit. , ver pp . 69 -72. Na pagina 70: "Examinada, pois neste contexto, a coloni za~iio do Novo Mund o na IO pocaMod erna apr esenta-se como p e,a de um sistema, instrument o d e a cumula~iio primitiva d a epoca d o c a pitalismo mercantil. Aquilo que no ini cio dessas reflexoes,
afigurava·se
com o urn simples projeto, aprese nt a- se
a g ora c o nsoante
c o m pr o-
cesso hist 6 rico concr eto de co nstitui~iio do capitalismo e da s ociedad e bur guesa. Completa-se, entrementes, a conota~iio d o se ntid o profund o da coloni za~iio: come r cia/ e c apita/isla , ista e , el e me nl o
co n s titutivo
no pr ocesso
de f orma~iio do c a pit ali s m o
mod e rno" (antes dos d a i s pontos,
grifos nossos). M ais adiante, Novais afirma: "0 ' € X c /usivo' metropolitano d o comercio colonial consiste em suma n a reserva d o mercad o da s colonias para a metr6pole, isto e, para a burguesia comercial metr o politana" (p. 88). (10) Mello, Joao Manuel Car d oso d e (1986), Ca pitalismo tardio, 5~ ed., Sao P aulo, Br asiliense, p p. 41, 36, 3 7 e 43. Vid e tambem Card oso, F ernand o Henrique ( 1975), Autoritarismo e d emocrati za~iio, Rio d e Janeir o, Paz e Terra. Ver Ca p. III: " Classes sociais e hist6ria: consid era,oes metod ol6gicas" (pp. 99 -134). F. H. Cardoso, ap oiand o-se em Genovese e Hobsbawm , afir -
"0 capital comercial nao se limitou na America Latina a explorar os modos de produ<;ao pre-existentes a conquista. Ao contrario, desdobrou 0 ambito da circula<;ao que the e proprio e invadiu a esfera da produ<;ao, constituindo a economia colonial. Imprimiu-lhe, desde logo, seu carater mercantil, assegurando-lhe a realiza<;ao daprodu<;iio para 0 mercado mundial". Na economia colonial "Estao presentes dois setores: um exportador e um produtor de alimentos. 0 setor ex portador produz em larga escala, produ tos coloniais (... ) des tinados ao mercado mundial. A produ<;ao mercantil e organizada pelos pro prietarios dos meios de p'rodu<;ao e 0 trabalhador direto esta sujeito a compulsao. Quer dizer, a empresa colonial de exporta<;ao assenta-se no trabalho compulsorio, servil ou escra yo. (... ). A economia colonial define-se, portanto, como altamente especializada e complementar a economia metropolitana. Esta complementaridade se traduz num determinado padrao de comercio: exportam-se produtos coloniais e se importam produtos manufaturados e, no caso de economias fundadas na escravidao negra, escravos". "(00')' Na metropole, a liberta<;ao do trabalho, trabalho assalariado; na colonia, a 'r einvensao' de form as de rela<;oes sociais pre-capitalistas" (reinven<;ao do trabalho servil e do trabalho escravo).
Quanto ao carater formalmente capitalista do regime colonial de produc;ao, 0 autor de Capitalismo Tardio (nao seria Capitalismo Precoce?) afirma: "Ao contrario, ha, formalmente, capitalismo porque a escravidao e escravidao introduzida pelo capital e a genese da economia colonial recebe todo peso que the e devido. Ha capitalismo formalmente, porque 0capital comercial invadiu a orbita da produ<;ao, estabelecendo a empresa colonial. Indo muito alem do simples dominio direto da produ<;ao, 0 capital subordina 0 trabalho e esta subordina<;iio e formal, porque seu domfnio exige formas de trabalho compulsorio. Fica claro, enfim, que 0 decisivo sao as articula<;oes entre 0 capitalismo e coloniza<;ao, 0carater de instrumento de acumula<;ao primitiva da economia colonial". 11
No nosso modo de ver , ha urn equivoco e urn reducionismo quanto ao uso do conceito de subordinac;ao (subsunc;ao) formal do trabalho ao capital. Este conceito, para Marx, esta historicamente vinculado a fase manufatureira do capital industrial e nao a fase comercial ou mercantilista, esta conhecida classicamente como de acumulac;ao primitiva de capital, na qual a relac;ao capital-dinheiro / trabalho nao s6 admite mas requer uma rela{ :iio de subordina{ :iio puramente po[[tica. Quando ha subsunc;ao (subordinac;ao) formal do trabalho ao capital, esta se baseia numa relac;ao essencial que e "puramente monetaria entre 0 que se apropria do trabalho excedente e 0 que 0 fornece". A subordina{ :iio que surge "deriva do conteudo determinado da venda". Esta subordina{ :iio nao precede, portanto, a relac;ao monetaria e nem e comandada por urn ato de poder do produtor. A relac;ao entre 0 trabalhador e 0 capitalista, na subsunc;ao formal do trabalho ao capital, e puramente monetaria (economic a) e nao politica. E uma relac;ao "entre possuidor de mercadoria e possuidor de mercadoria":
"E somenle nesse caso,
na condi<;ao de possuidor das condi<;oes de trabalho que, faz com que 0 vendedor caia sob sua depen-
0 comprador
dencia econ6mica; niio existe qualquer rela<;iiopo/ftica, fixada socialmenle. de superioridad e e subordinar ;iio" .12
o outro aspecto, que assume a condic;ao de essencialidade em Marx, diz respeito a que, na subsunc;ao formal do trabalho ao ca pital, 0 trabalhador ao vender a sua "capacidade de trabalho ", vende-a ao capital que monopoliza as "condi{ :oes objetivas de trabalho (meios de produc;ao)" e as "condi{ :oes subjetivas de trabalho (meios de subsisH~ncia)": "Quanto mais plenamente se the defrontam tais condi<;oes de trabalho como propriedade alheia, tanto mais plenamente se estabelece como formal a rela<;iioentre capital e 0 trabalho assalariado, 0 que vale dizer : da-se a subsun<;ao formal do trabalho ao capital, condi<;ao e premissa da subsun<;ao real".
ma: "Assim, nem e de pasmar que na produ9Ao colonial nas Americas 0 capitalismo haja reinventado a escravidAoou a servidAo , nem 0 f ato de que as ' encomiendas' e as outras formas de utiliz~Ao do sobre-trabalho tenham existido - e as vezes, esporadicamente , persistam - desqualifica 0 carater capitalista da produ9Aocolonial "' (p. 108). (11) Mello, loAoManuel Cardoso de (1986), op. cit ., p. 44.
13
(12) Marx, Karl (1978), 0 capital. Livro I . Humanas, pp. 56-7 (grifos continuos SADnossos). (13) Id ., ibid.• p. 54.
Cap{rulo VI (Inedito), SAo Paulo, Ciencias
No que diz repeito ao capital usurario e ao capital comercial, 0 "capital ja existe desempenhando determinadas funroes subordinadas, mas nao ainda em sua fun<:ao dominante, determinante da forma social geral", e, em ambas as formas, os excedentes advindos de sua atuaerao sao extraidos a partir da vioH~ncia e do uso de metodos coercitivos que independem da relaerao monetaria propriamente dita. Ou seja, a subordinaerao formal do trabalho ao capital pressupoe, com anterioridade, a existencia do trabalhador livre e assalariado e nao a partir de trabalho compulsorio. A extraerao da mais-valia absoluta resulta do prolongamento da jornada de tra balho, extraerao que e realizada no interior de uma relaerao puramente monetaria e naopo[{tica, extern a a relaerao pessoal de dominaerao e de dependencia. Ademais, a acumulaerao de capital na Europa nao se fazia por meio do trabalho livre como parece sugerir Joao Manuel Cardoso de Mello, tese acordada, em parte, por Maria Sylvia Carvalho Franco: "f: decisivo que a escravidao moderna tenha sido implantada ladamente aos processos de mudanr;:a do mundo europeu,
orientava
progressivamente
ca<;ao da divisao do trabalho mercantil
dos produtos
para
0
trabalko
livre, coma
social e com a generalizar;:ao
do trabalho.
Na Europa,
alguns
nos tempos
que se
"Desta
sorte,
0 ponto
de vista prevalecente
0 escravo surgiu redefinido como categoria puramente assim integrando-se as sociedades coloniais".lS
Deve-se acrescentar que a tese segundo a qual a sociedade brasileira se erigiu, fundamentalmente, desde os primordios da colonizaerao, como determinaerao de processos de desenvolvimento ca pitalista, mediante a implantaerao de urn novo modo de produerao especifico, no qual "0 capital constituiu-se em urn principio determinante das condieroes globais de existencia social, de definierao das relaeroes de dominaerao", esta tese, repetimos, ja havia sido elaborada por Maria Sylvia de Carvalho Franco no inicio dos anos 60: "0
conceito
inclusivo
tornado por referencia
colonial. Apesar disto, essa abordagem
da
modernos,
neste estudo
seu objeto, mediante
capitalista, economica,
da forma setores
.14
a situa<;ao historica,
si<;aoleva a ver como, a partir dos seculos XV e XVI, quando a t'scravidao aparece suportando urn estilo de produ<;ao vinculado ao sistema
capitalismo,
Esta tese, em suas linhas gerais, ja fora exposta pela autora na sua Introdurao a Homens Livres na Ordem Escravocrata, justamente ao propor 0 estudo da escravidao como instituierao vinculada ao sistema capitalista:
compreender
rela<;oes socia is em cujo curso se procede it unificar;:ao elementos nele presentes. Esta propo-
dos diferentes e contraditorios
intensifi-
o
determinadas:
considerado,
articu-
produ<;ao traziam ja 0 selo do capitalismo: tinha inicio 0 desenvolvimento das manufaturas. Em outros termos, davam-se as condi<;oes para os mercados amplos que 0sistema colonial dinamizou tambem. ressurgimento da escravidao, 0 desenvolvimento do trabalko livre, a forma9ao da burguesia, a constitui9ao do empreendedor colonial sao categorias unitariamente uma nao existe sem a outra"
mento que permita reconhecer a explora<;ao do escravo como parte em que sl!pode encontrar, nem mais nem menos que em outra do sistema
sera
0 de
urn procedi-
(14) Franco, Maria Sylvia de Carvalho (1978), "Organiza<;Aosocial do trabalho no periodo colonial", Discurso, SAoPaulo, Hucitec; Depto. de Filosofia da FFLCH/USP, 8: 1-45, p. 34.
por imprecisa
neste trabalho
que esteja, ainda, permite
e
0
de
sua figura no sistema acentuar
a peculiari-
dade das rela<;oes de domina<;ao e de produ<;ao definidas no Brasil e afastar a ideia de que teria se implantado, aqui, urn sistema tributario, essencialmente diferente do nucleo europeu, com a reatualiza<;ao de formas pregressas de organiza<;ao social". 16
Vale destacar que a tese do Brasil Colonial ja capitalista (desde a sua constituierao) foi esboerada com anterioridade por Caio Prado Junior, ha 40 anos, a proposito da formaerao social brasileira entendida como "urn tipo de sociedade inteiramente original", com "urn acentuado carater mercantil produzindo generos de grande valor comercial" e com a utilizaerao do trabalho "recrutado entre raeras inferiores" (indigenas ou negros):
(15) [d. (1969), Homens livres na ordem escravocrata, SAoPaulo, Instituto de Estudos Brasileiros, p. 11. Ver tarnbern Furtado, Celso(1961), Forma~iio economica do Brasil, 4~ed., SAo Paulo, Nacional. Para Furtado, "na unidade escravista os pagarnentos a fatores sAo todos de natureza rnonetilria" ( ... ) sendo "urn caso extrerno de especializa<;Aoeconornica" (p. 66 e passim). Furtado nega a existencia do feudalisrno no Brasil. (16) Franco, M. S. C. (1969), op. cit., p. 13.
"No seu conjunto, e vista no plano mundial e internaeional, a coloniza~ao dos tropicos toma 0aspecto de uma vasta empresa comereial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com 0 mesmo carater que ela, destinada a explorar os recursos naturais de urn territorio virgem em proveito do comereio europeu" .17
Esta mesma linha de abordagem da sociedade colonial Joi antecipada por Caio Prado Junior na Historia Economica do Brasil (1945), onde se afirma que colonizac;ao resultou da expansao maritima empreendida por "empresas comerciais", portanto e urn capitulo da hist6ria do comercio europeu, de uma "imensa empresa comercial" . 18 A questao central apresentada pelos autores referenciados e de que 0 "capitalismo" ja estava constituido na Europa em sua forma "comercial" e "mercantil", sendo esta elemento constitutivo do processo de "formac;ao do capitalismo moderno". Disto resulta 0 entendimento de que as colonias saDas realizac;6es singulares deste capitalismo, seja na 6tica de sua realizac;ao "parcial", seja na da "acumulac;ao originaria de capital", ou ainda sob 0 angulo de uma forma "derivada" (urn modo de produc;ao especifico). Nao se trata, todavia, de tese aceita sem reservas, haja vista os reparos de Laclau, quem, por exemplo, diz que a "dependencia feudal e 0 artesanato urbano continuavam a ser as formas basicas da atividade produtora" na Europa. E, baseado em Hobsbawn, sustenta que 0 seculo XVII caracterizou-se como periodo de crise geral da economia euro peia, transformando-se em "ponto de transic;ao em direc;ao ao sistema capitalista". Mais ainda, que a expansao comercial, em certas circunstancias, "mesmo sob condir;:oesfeu da is , poderia produzir urn montante de lucros suficientemente grande para originar a produc;ao em larga escala: por exemplo, caso servisse a organizar;:iio excepcionalmente grande como os rein os, ou a igreja ... ". Esta ex pansao dos seculos XV e XVI, no entender de Hobsbawn, "foi essencialmente desse tipo; e criou dai por diante, suas pr6prias crises tanto no mercado interno como no mercado transoceanico. Crises
(17) Prado Junior , Caio (1961). Fonnat;iio do Brasil contemporiineo. 6~ ed., SAo Paulo, Brasiliense , p. 25. Vide tb. pp. 122 e segs., e p. 13 7. (18) Id. (1970), Hist6ria econ6mica do Brasil, 12~ed., SAoPaulo, Brasiliense, pp. 13-23.
que "os homens d e negocios feudais" - os mais ricos e poderosos porque melhor adaptados para ganhar muito dinheiro em uma sociedade feudal - nao tinham condic;6es de superar . Sua inadapta bilidade contribuiu para intensifica-Ias. Hobsbawn chega a denominar estes "homens de neg6cios feudais", "capitalistas feudais",19 Raymundo Faoro, inspirado em Weber, sugere "capitalistas mercantis" : "A empresa de plantar;ao teve nitido cunho capitalista - dentro do mercantil e politicament e orientado do seculo XVIportugues. As relar;oes entre os capitaes governadores e 0 rei e entre os potentados rurais e 0 governo tiveram, de outro lado, acentuado cunho 0 donatario caracteriza-se pela qualidade patrimonial, pre-moderno. dupla, de fazendeiro e autoridade, sem a fusao de ambas, fusao incompativel com a ordem legal portuguesa, vigorante no seculo XVI. Opoe-se ao feudalismo a propria natureza dos favores concedidos aos donatarios, favores de estimulo a uma empresa que 0 rei engordava para colher benefieios futuros - e capitalismo politicamente orientado em aryiio. 0 rei delimitou as vantagens da colonizar;ao, reservando para si 0 dizimo das colheitas e do pescado, 0 monopolio do comereio do pau-brasil, das especiarias e das drogas, no quinto das pedras e metais preeiosos. 0 Governo portugues nao punha no negoeio 0seu capital, ao tempo escasso e comprometido em outras aventuras. Servia-se dos particulares - nobres e ricos, com suas clientelas e parentes sem cabedal acenando-Ihes com a opuleneia eo lucro facil, moveis de a~ao tipicamente capitalistas, como capitalista seria a oferta aos pobres da faeil vida americana. A propriedade rural brasileira tomou folego e se expandiu para a exploraryiio de artigos exportaveis, ligados ao mercado mundial, pela via de Lisboa. Nao encontrou ela, ao se constituir uma camada social a que se pudesse super por, formando a estratifica~ao de dois graus, entre senhores e vassalos" .20 capitalismo
(19) Laclau, Ernesto (1979), Polltica e ideologia na teoria marxista , Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 30 (ver "Feudalismo e capitalismo na America Latina", pp. 19-56); Hirano, Sedi (1975), op. cit., pp. 46·64; Hobsbawm, Eric J. (1972), En Tornoa los origenes de la Revoluci6n Industrial, 2~ ed., Buenos Aires, Siglo XXI, Argentina, p. 22 ; Arruda, Jose Jobson de Andrade (1982), As raizes do industrialismo moderno. (Estudo hist6rico sobre as origens da Revolu~AoIndustrial - na Inglaterra), SAoPaulo, Tese Livre-Docencia, FFLCH/USP. Nesta obra, afirma-se: "Em 1646 foram abolidos os direitos feudais" (p. 111e 112). (20) Faoro, Raymundo (1977), Os donos do p oder - Format;iio do patronato politico brasileiro , 4~ed., Porto Alegre, Globo, v. 1, pp. 130-1.
Faoro, em Os Donos do Poder , filiando-se mais a uma tradic;ao weberiana do que a corrente marxista, r econhece na "formac;ao social" colonial brasileira a constituic;a o d e u rn capitalismo mer cantil oposto ao capitalismo moderno. Este ultimo e economicamente orientado e tendo por requisitos, para que se constitua, ca pitalfixo e organi zQf ;iio racional do trabalho livr e, sendo especificamente ocidental, gestado no interior das associac;6es urbanas, administradas de uma forma racional. "Desenvolveu-se dos seculos XVI ao XVIII dentro das associac;6es politic as estamentais holandesas e inglesas ... ". 0 capitalismo mercantil, tambem chamado protocapitalismo , esta intimamente ligado a dominariio patrimonial e ao pod er pessoal; nestes florescem e se estabelecem os capitalismos comer cial, de arrendamento e venda de tributos e cargos, os capitalismos coloniais e de plantariio, mas nunca 0 capitalismo mod erno , como empresa lucrativa, baseado em contabilidade racional, em regras de ordenamento administrativo calculavel, amparado no direito formal-racional, lucro amealhado por meio de estabelecimento economico estavel, sem violencia, portanto, atraves de meios padficos. No capitalismo mercantil (comercial, colonial e de plantac;ao), " politicamente orientado", a acumulac;ao de capital e condicionada pela ordem politica, pela esfer a do poder pessoal, com a utilizac;ao de metodos coativos e de trabalho compulsorio (escravo ou servil), obscurecendo e dificultando a manifestac;ao da racionalidade economica pel a exagerada presenc;a da ordem politica que sufoca a livre manifestac;ao da ordem economica.21 Em vista do exposto, neste tipo de "capitalismo", nao se ve nenhuma necessidade de "reinventar" formas de relac;6es pre-capitalistas: estas formas de trabalho compulsorio e de acumulac;ao origin aria de capital sac as base s n as quais se assenta 0 "capitalismo politicamente orientado"; dai, 0 "exclusivo" metr o politano, como uma modalidade de reserva de mercado, mediante concess6es de monopolios e privilegios. Temos (21) Weber , nomica,
Max (1964), EeonomEa y soe iedad ,
pp. 190-3. Ademais
2~ ed .,
se observa que a "' orienla~ao
Mexico,
capitalista
carater de 'butim' at r aves de d eterminadas associar;6es ou pesso a s p ol f ti cas ladas: financiamento
de guerr as
meio de emprest im o
e i ncentivos".
tivas dur ad ouras
oferecidas
a) d e
gatorio ),
b ) de lip o fiscal (beneficios na colonia)",
eo / onEal (benef icios
d e d ominafiio
r ealizad os
realizados
pp. 132-3. Vide tambem:
d e Cultura
garanlida
por meio de tributo s
tanto na metr o pole
Hir ano, Sedi ( 1975), op. dl., pp. 40-1, 69 e 7 5.
capi-
a de-
Em suma, trabalho escravo nao e igual ao trabalho livre: nem em termos formais e nem em termos reais. Diferentes, tambem, os "capitalismos" produzidos por eles: num caso, 0 capitalismo mercantil (pre-capitalista, ou ca pitalismo politico); ai nao M sujeic;ao formal do trabalho ao capital, ao contrario, a sujeic;ao e politica, nao economica. Noutro caso, 0 capitalismo industrial (acumulac;ao ca pitalista realizada pel a produc;ao capitalista) onde ocorre a sujeir iio formal d o trabalho ao capital (extr ac;ao da mais valia absoluta) e real (extrac;ao da mais valia relativa); aqui a subordinac;ao do trabalhador ao capital advem da r elac;ao contratual estritamente economica. A unica acumulac;ao capitalist a que e estritamente capitalista e a acumulac;ao que resulta do ca pital industrial. A industrializac;ao da Inglaterra no seculo XVI e improvavel, no seculo XVII, discutivel, e no seculo XVIII, nas ultimas decadas deste seculo, provavel. (22) Dias,
Manuel
Nunes
(1963),
a
0autor ad verte, mento de Max Weber. 0nosso comentario monarquia mas resulta
portuguesa
(1977),
f oi co ndicionad a
da o bser va~ao
mente orientad o",
e remete
contid a
d e Estadol
a pesar
porlugues
Portuguesa",
d e seu pr oximo
(1415-1549).
192. 674 e 6 7 6.
V er
pp. 34 a 68 (es pecialmente
as
par entesco,
a linha de pensa-
nao resulta
d a afirma~ao
de que a "consolida~ao
pelo eapila/ismo
pol f rico"
(ate aqui nao discordamos).
na nota d e rodape,
0 termo que
politicamente
monarquieo
132, 133, 134. 190, 191.
a leitura d e Max We ber;
p. 3 3 e 6 8. Sublinhe- se
monarquico/
eapila/ismo
o p. eil. , Ca p. II: "A R e\'olu~ao
Faoro(l977),
pp. 33, 56, 57, 58 e 59 ).
mono polist a e o bri:
0
ou revoluroes e de " empr estimos de incentivos extraordinarios terminadas associac;6es politicas" . 23
tambem
por
N un es Di as,
Assim, 0 " capitalismo politicament e orientado" que consolida a monarquia portuguesa e constitui a "empresa de plantac;ao" capitalista no Brasil colonial, chamada por Faoro capitalismo mercantil do seculo XVI, nao corr es ponde ao que Weber conceitua na citac;ao supra referida. Ha urn equivoco entre 0 que Weber entende por " ca pitalismo polit icamente orientad o" eo que conceitua como "capitalismo polit ico". Este e garantido pelo pod er polit ico por meio de uma situariio d e dominariio , sob 0- m anto do Estado Monarquico Absolutista. Nele florescem os capit alismos de tipo colonial , de tipo fiscal e de plantariio. Naquele outro, 0 capitalismo politicamente orientado, florescem os capitalismos de financiamentos de guerras
com
pelo pod er pO[[lieo enten-
e c ar gos:
f eliz de Manuel
portugues.22
Eco-
pel as proba bilidades lucra-
por meio d e urn comer cio
na ex pressao
talismo monarquico
Coimbr a , s. i . e., Torno II, pp. 355 e passim. (23) We ber, Max (1964), o p. eil .. pp.
ou po fiti ca me nteo rie n-
feitos aos chef es d e partido
Por outr o lado, por "orienta~ao
p or uma situa~ao
dem-se: quanto
po I i
ou r evolu~Oes e financiamentos
Fond o
pelo lucr o' e of erecid a
como exemplo,
on d e Faor o
nossa leitur a
mais usado
orientad o.
diz: "Capitalismo
e de cisivamente
pelo autor
e capitalismo
da
politica-
outra.
Faor o
(mer cantil/
A prodUl;iio industrial na Inglaterra, em termos de reprodUl;iio ca pitalista, constituiu-se, pioneiramente, somente no decorrer do seculo XVIII. Nos seculos anteriores 0 que ocorre e 0 processo de dissolUl;iiodas rela90es feud ais prevalecentes. 24
3. A TESE DO NAo-CAPITALISMO NA FORMA<;AO COLONIAL BRASILEIRA Finalmente, nos temos a tese do niio capitalismo na forma9iio colonial brasileira. Esta alternativa acorda com 0 que Marx afirma ao desenvolver a tese de que a acumula9iio originaria - primiti va e "anterior a acumula9ao capitalista ( ... ), uma acumula9iio que n iio decorre do modo capitalista de Produ9iiO, mas e 0 seu ponto de partida". Mais adiante afirma Marx: "A chamada acumulariio primitiva e apenas 0 processo que dissocia 0 trabalhador dos meios d e produriio. E considerada primit iva porque constitui a pre-historia do capital e do modo de produriio capitalista. E do conhecimento
que na historia real desempenharam urn papel relevante a conquista, a escravidiio, 0 roubo e 0 assassinato; em suma: a violencia".25 Nestas breves anota90es de excertos, esbo9a-se com clareza cristalina a conseqiiencia de que a ja classica etapa do Capitalismo Mercantilista - capitalismo comercial - e essencialmente pre-capitalista.26 Ela prepara a transi9iio do mercantilismo para 0 capitalismo: "Foi 0 capital comercial que comandou a consolida.;ao e a gener a liza.;ao do trabalho compulsorio no Novo Mundo. Toda forma.;ao social escravista dessa area estava vinculada, de maneira determinante, ao comercio de prata, ouro, furno, a.;ucar , algodao e outros produtos coloniais. E sses fenomenos, protegidos pela a.;ao d o Estad o e combi(24) Arruda, Jose Jo bson d e Andrade (1982), op. cit. , pp. 115-6 epassim , quem se refere a aboli~ao de direitos feud ais e mu dan~as no conceito de propriedade ( pp. 110-2); "Efetivamente, 0 arran que das for~as pr odutivas nao s e localiza nos prim6rdios ou mead os d o seculo XVIII e sim, no seu final" (p. 208). (25) Marx, Carlos (1959), op. cit. , T orno I, pp. 607-8. (26) Ver na obr a EI capital (1959), 0 capitulo referente a "Acumula~ao originaria d e ca pital", pp. 607-49 (op. d t . , Tor no I, Ca pitulo XXIV: "La Hamad a acumulaci6n originaria") e, nos Element os fundamentales par a la ait ica d e la Economia Politica (1971), op . cit. , os itens r ef erentes a acumula~ao originaria e as f ormas que precedem a pr odu~ao capitalista ( pp. 420-79).
nados com os progressos d a d ivisao d o tr a balho social e d a tecnologia, constituiram, em conjunto, as condi.;oes da transi.;ao para 0 modo capitalista de produ.;ao. Assim, para compr eend er em que medida 0mer cantilismo ' pr e para' 0ca pit alismo , e necessario que a analise se detenha nos d esenvolvimentos d as f or.;as pr odutivas e das re la.;oes de produ.;ao. Mas par a compr eend er esses desenvolvimentos e preciso situa-Ios no a mbito d as transforma.;oes estruturais englobadas na categoria acumula.;ao primitiva. Nesse sentido e que a acumular ;:iio pr imitiva e xpr essa as condir ;:6 es hist 6 ricas da transir ;:iio para 0 capitalismo. Foi esse 0 contexto historico no qual se criou 0
trabalhador livre, na Europa, eo tr a balhador escravo, no Novo Mundo. ( 00' )"
"Note-se, pois, que 0 funcionamento e a expansao do capital mercantil cria, mantern e desenvolve 0 paradoxa representado pela coexistencia e interdependencia do trabalho escravo e trabalho livre, no ambito do mercantilismo. No limite, 0 escr avo estava ajudando a formar-se 0 operario. Isto e, a escravatura, nas Americas e Antilhas, estava dinamicamente relacionada com 0 processo de ge sta.;ao do ca pitalismo na Europa, e principalmente na Inglaterra. Esse 'paradoxo' comer;:a a tornar -se cada vez mais e xpl f cito lismo passa a ser suplantado p elo capitalismo
a
medida que
° mercanti-
".27
Para Octavio Ianni, na medida em que 0 mercantilismo ela bora as condi90es para 0 surgimento do capitalismo, ele, enquanto uma fase da acumula9iio originaria de capital, niio e capitalista: 0 mercantilismo e pre-capitalista, sendo por isso suplantado pelo capitalismo. No "capitalismo mercantilista ou comercial, a esfer a da circula9iio aparece como momenta d et erminant e - a instancia realizadora do processo hist6rico geral - seja na apropria9iio de produtos result antes de modos de produ9iio pre-ca pitalistas, seja na apropria9iio de seres humanos para serem mercantili zados ou utilizados como instrumento de produ9iio, seja na implanta9iio ou elabora9iio de novos modos de produ9iio mantenedores do processo de acumula9iio originaria de capital, seja na apropria9iio monopollstica de produtos elaborados. pela interferencia do capital comercial, processo esse que e historicamente anterior ao modo de produ9iio capi(27) Ianni,a. (1978), op. dt. , p p. 6 e 12, que na p. 1 3 af irma: "Vma f orm~ao s ocial escravista er a uma sociedade organizad a com base n o tr a balho escravo ( do negr o, indio, mesti~o, etc.) na qual 0 escr avo e 0 senhor per tenciam a duas castas distintas; ( ...)".
talista.
Em suma,
0 monop6lio
comercial,
exclusivamente
direcio-
nado para satisfazer os interesses metropolitanos, era a alavanca que rolava a bola de neve da acumulac;iio primitiva de capital. Em decorrencia dessa modalidade de interpretac;iio dentro do quadro te6rico marxista que advoga a tese do niio-capitalismo na formac;iio colonial brasileira, caberia investigar a hip6tese da estrutura social estamental (ou de castas). No nosso entendimento, e sim plesmente inaceitavel a teoria da antecipac;iio hist6rica de uma estrutura de classes no interior da produc;iio social pre-capitalista.28 Assim perfilhando a tese do pre-capitalismo na produc;iio colonial brasileira, Florestan Fernandes afirma que 0 "desenvolvimento tardio da escravidiio acaba por converte-Ia em urn dos fatores da 'acumulac;iio originaria' na cena hist6rica brasileira". Atraves do "carater mercantil da escravidiio, 0 capital mercantil penetrava as formas de produc;iio pre-capitalistas a que ela se associava". Esta escravidao colonial e mercantil: "Por sua estrutura e dinamismo, (...) era pre-capitalista e nao tinha como expor, a partir de si mesma, 0 mercado colonial a uma irradiar;ao que revolucionasse 0 seu padrao de organizar;ao e de crescimento. Como tentamos sugerir, ela era uma necessidade, mas nao uma parte da periferia: 0 ponto onde 0 mundo colonial se distinguia, se opunha e negava 0 mundo metropolitano. Ela so tinha existencia como meio inevitavel para criar-se uma riqueza ou urn butim que nao se encontrava pronto e acabado em estado natural. Como conexao do capitalismo comer cial, ela era urn investimento de capital mercantil - investimento alias, que nao se dava apenas na escravaria - e, por vezes, de magnitude consideravel. Entretanto, esse capital nunca perdeu 0 seu carater estritamente mercantil e, ao mesmo tempo, fechado sobre si mesmo, 0 que somente poderia acontecer pela supressao da escravidao e pelo desaparecimento da exclusao que 0 estatuto colonial impunha sobre a produr;ao escravista".29 A presenc;a destacada do capital comercial na epoca do Mercantilismo - capital este que se acumula, de uma forma niio capi(28) Hirano, Sedi, op. dr., ver capitulos I e II ("Castas como uma das modalidades de forma9Aosocial pre-capitalista" e " Estamentos: do feudalismo a Monarquia Absoluta"), pp. 16-66. (29) Fernandes, Florestan (1976), Circuitofechado , Hucitec, SAoPaulo, pp. 14, 17e 20, Cap. I: "A sociedadeescravistano Brasil", pp. 1\-63.
talista na esfera da circulac;iio, por intermedio da violencia e da coaC;iiopolitica e, por isso, acumulac;iio origin aria - acaba se impondo no pensamento de muitos alitores como sendo capitalismo comer cial. Ademais, se 0 escravo e assimilado ao capital fixo , como ja foi visto anteriormente, como instrumento de prodUl;ii.o , portanto meio de prodUl;ii.o, ele niio e uma modalidade de capital varia vel : niio se constitui em trabalhador livre. E com a existencia do trabalhador livre e aSlialariado que se configuram tanto a subsunc;iio formal (ou real) do trabalho ao capital, quanta a produc;iio da mais-valia (nas modalidades absoluta e relativa). Mais ainda: "I. A produr;ao capitalista e que, pela primeira vez, converte a mercadoria em forma geral de todos os produ tos". "2. A produr;ao de mercadorias conduz, necessariamente, Ii produr;ao capitalista, tao logo 0 operario deixe de ser part e das condiroes de produriio
( escravidiio ,
servidiio) au a comunidade
primitiva
(India) deixe de ser a base. Desde a momento em que a propria /orr;:a de trabalho se converteu de modo geral em mercadoria".
"3. A produr;ao capitalista suprime a base da produr;ao de mercadorias, a produr;ao isolada e independente, e a troca de possuidores de mercadorias ou a troca de equivalentes. A troca entre 0capital e a forr;ade trabalho torna-se formal". 3 0 Na produc;iio capitalista, a troca entre 0 capital e a forc;a de trabalho torna-se inicialmente formal: ela se realiza entre possuidores de mercadorias, reduzindo-se a uma relac;iio entre possuidores das "condic;6es de trabalho" e "possuidores de forc;a de trabalho" (capacidade de traba-Iho). "0 escravo deixa de ser instrumento de produc;iio pertencente ao empregador"; 0 "escravista de outrora" passa a empregar "seus ex-escravos como assalariados" . 0 escravo deixa de ser parte das "condic;6es de produc;iio", tornando-se de escravo e servo da gleba em trahalhador .livre e assalariado. A relac;iio dominante e simplesmente entre "possuidor de capital" e "vendedor de trabalho": 0 escravo niio entra nesta relac;iio, posta que niio se apresenta como vendedor de trabalho "dotado de consciencia e vontade". Ja, na circulac;iio simples, a relac;iio e entre possuidor de capital e mercador de escravos. 0 escravo niio entra na r elar;ii.opuramente monetaria como agente dotado de vontade, falta-Ihe a condi-
~ao de trabalhador livr e. Para Mar x, no pr ocesso de pr odu~ao capitalista, 0 processo de trabalho "converte-se em instrumento do processo de valoriza~ao, do processo de autovaloriza~ao do capital da f a brica~ao de mais-valia: "0 processo de tr a balho e subsumido ao capital (e seu pr o prio processo), e 0 capitalista se enquadra nele como dirigente, condutor ; para este, e ao mesmo tempo, de imediato, urn processo de explora~ao de tr a balho alheio. E isso a que denomino subsunr ,;iio formal do trabalho ao capital. E a forma g eral de tod o processo capitalista de produ~ao; mas e ao mesmo tempo uma forma particular , a par do modo d e produr ,;iio especificament e capitalista , desenvolvido, ja que a ultima inclui a primeira, mas a primeira nao inclui necessariamente a segunda".31 Marx denomina de subsum;:iioformal do trabalho ao capital "ilforma que se funda no sobrevalor absoluto (mais-valia absoluta), posta que, so se diferencia formalmente dos modos de produ~ao anteriores, sobre cuja base surge (ou e introduzida) diretamente ... ". Por conseguinte, a produ~ao da mais-valia absoluta ja apresenta a "forma geral de todo processo capitalista de produ~ao". A rela~ao coercitiva na extra~ao do excedente, produzido na forma de maisvalia absoluta, nasce de rela~6es puramente economic as e nao politicas: "A rela~ao capitalista, como r elar ,;iiocoercitiva com 0 fim de extrair trabalho excedente mediante 0 prolongamento da jornada de tra balho - relar,;iiocoer citiva que niio se baseia em relar,;6espessoais de dominar, ;iio e depend inci a.
m as que nasce simplesmente
de diferentes
e comum a ambas modalidades; mas 0 modo de produ~ao especificamente capitalista conhece, entretanto, outras maneiras de explorar a mais-valia. Ao contrario, a base de urn modo de trabalho preexistente, ou seja de d et erminado desenvolvimento da for~a produtiva de trabalho e da modalidade de trabalho correspondente a essa for~a produtiva, so se pode produzir mais valia atraves do prolongamento do t empo de trabalho , isto e, sob a forma de maisvalia absoluta. A essa modalidade, como forma unica de produ~ao de funr,;oes economicas
-
mais-valia, corres pond e, pois a subsunr ,;iio f or ma l do trabalho ao ca pital" .32
No nosso entendimento, 0 escravismo nao e "urn sist ema de produ~ao de mais-valia a bsoluta", seja ela extraida pelo prolongamento d a jornad a de tr a balho devido ao controle coer citivo, seja ela resultante do "tr a balho combinado", realizado atraves do "controle coercitivo da violencia" visando uma disci plina que the seja necessaria.33
A tese do nao-capitalismo na forma~ao economico-social brasileira do periodo colonial, entre os seculos XVI e XVIII, comporta duas variantes: uma tese do feudalismo e a outra do nao-feudalismo nem capitalismo, constituindo tal forma~ao uma nova modalidade de produ~ao social baseada na mao-de-obra escrava e voltada para 0 mercado mundial. A variante do feudalismo e compartilhada por duas correntes historico-sociologicas, sendo a primeira aquela da historiografia c1assica e tradicional - Varnhagen, Capistrano de Abreu, H. Handelmann, Rodolfo Garcia, Oliveira Viana, Nestor Duarte e, implicitamente, Roberto Southey e Pandia Calogeras: "As concessoes outorgad as pelas cartas de doa~ao, passadas quase por igual teor , sac mais latas do que se devia esperar em uma epoca em que na Europa os reis tratavam de concentrar cada dia mais a autoridade, fazendo prevalecer 0 direito real dos imperadores, com detrimento dos antigos senhores, ou de certas corpora~oes privilegiadas,
(32) Marx, Karl (1978), id., p. 53. (33) Entre as int erpreta~Oes possiveis de Mar x de que 0 escr avismo enquanto "sistema de produ~lI.o" pr oduz mais-valia absoluta , ver: Ianni, O. (1978), E scravismo e ra cismo , pp. 38 e segs.: " Para explicar 0 carater repressivo e violento das rela~Oesescravistas de produ~lI .oe neces· sario compr eend er que 0 escravismo e urn sistema de pr odu~lI.ode mais-valia a bsoluta, sistema esse n o qual a mercadoria aparece imediata e explicitamente como pr oduto da for~a de trabalho alienad a" ( p. 38) . T ambem Fernandes, F. (1976), Cir cuitofechad o, pp. 20e segs .: "0elemento es pecifico (d a f orma~lI.od a mais-valia a bsoluta da pr odu~lI.oescravista) consiste no trabalho com binado, que sem criar exigencias d e interven~lI.ono nivel tecnico permitia aumentar a pr odutividade" (p. 20).
mas a benefici o
g er al d o p ov o. Os meios feu dais tinham
r em, o s m ai s p roficuos para colonizar gente ...••. 3 4 "Os fora is asseguravam
os paises
aos solarengos:
quase
sido, poermos
de
Brasil, para si e para a sua descendencia,
"Este repartiria, sesmarias
com a impo-
dais her editarios,
r encia, estrangeira;
coroa por tug ue sa
"(... ): 0
entrada livre de mantimentos, armas, artilharia;
( ...)".
a sua propria
corregedor ,
entrar
em tempo algum
al9ada ou outras algumas justi9as reais para exercer juris-
di9ao, nem have ria direitos de sisa, nem imposi90es,
nem saboarias,
nem imposto de sal". "Em suma, convicto da necessidade desta organizQI ;iio f eudal D. Joao III tr atou menos de acautelar sua propria autorid ad e q ue d e a rmar os d onatarios com poderes bastantes par a arrostarem possiveis d o s solar engos vindouros, analogas as ocorridas portuguesa d a media idad e". 35
usurpa90es na historia
Estas terras eram concedidas, conforme Capistrano de Abreu, aos donatarios provindos da "pequena nobreza", acostumados no trato das conquistas ultramarinas portuguesas, cedendo alguns direitos reais, "levado pelo desejo de dar vigor ao regime (... ) organizado ... ".36 Os donatarios tinham jurisdir;:iio civil e criminal tiio ampla, " que d e /at o se tornava ilimitada " , e "parte deles eram fidalgos que tin ham servido na India". 37 Handelmann, num trabalho publicado na Alemanha, em 1860, afirma que 0 navegador portugues Crist6vao Jacques "Houvera (... ) estado nas Ilhas da Madeira e Al;ores, e conhecera muitas familias ricas e distintas, cujos avoengos haviam iniciad o, com parcos recursos, a colonizal;ao dessas ilhas, como /eudatarios da cor oa. Imaginou poder esperar 0 mesmo do
(34) Varnhagem, F. A. (1981), Hi st 6 ria geral do Brasil, Belo Horizonte, Itatiaia. Vide v . I, Torno I, pp. 150-64(cit. p. 1 50). (35) Abreu, Capistrano d e (1982), C apitulos da hist6ria colonial e os caminhos antigos e 0 povoament o do Brasil. Brasilia, UnB., pp . 67-72 (cit. pp. 68-9). (36) Abr eu, Ca pistr ano d e (1982), op. cit., pp. 67-8. (37) Southey, Robert (1981), H ist 6r i a d o Brasil, Sao Paulo, EOUSP; Belo Horizonte, Itatiaia, pp . 64 e passim.
COJllO
antes aquelas
to a tomar um d esses f eudos
liberdade de exporta9ao para 0 Reino, exceto de escravos, limitados a numero certo, ... ; direitos diferenciais que os protegeriam da concor-
nao poderiam
a seguinte
ilhas,
continente
0
sul-ameri-
cano entre donat ar io s her editarios , os quais entao, por suas proprias maos e a propria custa, deveriam coloniza-lo; ele mesmo estava pron-
si9ao (mica do dizimo pago ao mestrado de Cristo; permissao de ex plorar minas, salvo 0 quinto real; aproveitamento do pau-brasil. .. ;
" Nas terras dos donatarios
e apresentou
proposta:
continente
e para isso poderia angariar
brasileiro
donatarios,
seria repartido
os quais deveriam
p el as t erras concedidas,
custa".
colonos".
entre senhores
feu-
pres tar vassalagem
a
assim como coloniza-las
38
Em outras palavras, tratava-se de urn sistema "indireto de povoar e administrar territ6rios" quase desabitados, dando aos donatarios "poderes quase soberanos, vassalos regios, e pagando ao monarca parte das taxas e dos reditos colhidos ... ".39 Como afirmam Varnhagen e Rodolfo Garcia, os donatarios tinham poderes e direitos majestaticos e em face a isso "podemos dizer, segundo Visconde de Port0 Seguro, que Portugal reconhecia a independencia do Brasil antes dele se colonizar". 40 Este conjunto de direitos, que os d;natarios dispunham, conferia-lhes a "imunidade feudal": "Os donatarios e os povos das capitanias continuariam, assim, a aju· dar a nascer e a cr escer uma sociedade entregue principalmente aos elos e aos interess es os estilos proprios
da rela9ao territorial e 0 sentimento
niza9ao feudalizante. solo do pais e conquistado,
o
privado. Donatarios,
embora
com todos
desse tipo de orga-
ocupado e povoado peloproprietario
donos de sesmarias,
zenda e de curr ais,
da propriedade,
e a mentalidade
senhores
so os primeiros
de engenhos e de fa-
detivessem,
por outorga
legitima, ajurisdi9ao civil e a governan9a, continuaram a desenvolver longe e indiferentes, ou r efratarios a urn poder de Estado tao distante, a indole feudal ou feudalizante
da sociedade".
41
(38) Handelmann. Gottfried Heinrich (1 982), Hist 6r ia do Brasil. Sao Paulo, EOUSP; Belo Horizonte. Itatiaia. Torno I. VerCap. 11:"Os principados feudais portugueses", pp. 89-117 (Clt.: pp.90-6). (39) Calogeras, Pandiil (1945), F orma f iio p. 11 .
hist 6r ica
d o Bra sil.
. 4~ed., Sao Paulo, NaclOnal. .
(40) Varnhagen, F. A. (1981), o p. cit .• p . 152 e Gar cia, Rodolfo (1956), EnsalO sobr e a e administr ativa d o Bra sil (1500-18 10). Rio d e Janeir o, Jose Olympio, pp. 43 e 55. (41) 0llarte, Nestor ( 1 966), A o rd em p rivad a e a or ganiza f i io politica nacional , 2~ed., Sao
hist 6r i a politica
Paulo, Nacional, pp . 24 e passim.
As coloca<;oes de Nestor Duarte remetem a quesHio da d omina<;ao a esfera privada d a propriedade, dentro da qual 0 espa<;o d o exer cici o d o po de r p olitico se realiza plenamente, garantido pel a capitania r egiamente concedida, sem a intermedia<;ao de nenhum outro poder a nao ser 0 poder real alocado a distancia e, portanto, ausente concretamente, em bora formalmente presente. Esta condi0 poder <;ao cria tod os os elementos que articulam e estruturam pessoal, de exercicio arbitnlrio. Neste espa<;o d e poder pessoal, 0 correged or de El-Rei somente urn seculo depois adquiriu 0 direito d e entrada: "56 ur n seculo depois, em 1628 e em 1654, veem-se dis posic;oes d e EIR ei mandando
que em ditas terr as entrassem
corr eged or
servic;o da Coroa, mas que nao se sup rime a jurisdic;ao donatario. ( ... )." "Par a
0 sentido
o u alc;ad a a criminal
mor al d e classe e orgulho d e casta junta-se
r equisitos
a condic;ao de nobr ez a
portavam
e t ra zi am
q ue d es d e Portuga l
e nt re aqueles direitos senhoriais
aqui comec;aram a eric;ar de imponencia
roqueir a
d o
a tais
o s d onatarios e politicos
que
a casa fortificad a
contr a 0 indio e 0 flibusteir o. 0 donatario d a Bahia e urn descend ente d e M arialva que os tupinambas comeram". 42
A condi<;ao feudal dos donatarios nao a dvem, apenas e taosomente, das "concessoes perpetuas de privilegios", e, nao s6, da soberania adscrita a propriedade hereditaria, mas da pr6pria condi<;ao social. 0 aces so a propriedade era alimentado politicamente, beneficiando preferencialmente os servidores de EI-Rei, por relevantes servi<;os prestados a Coroa nas lides militares do alem-mar , especialmente nas Indias. Eles se enobreciam como chefes militares e com andantes de empresas reais, destinadas a ampliar as fronteiras territoriais e maritimas portuguesas. Estes servidores reais ja eram senhores de sesmarias em Portugal, e se enobreciam conquistando honrarias sociais e titulos nobiliarquicos.43 U ns se transformaram em senhores de engenhos e outros em band eirantes, outros mais em (42) Duarte, Nestor (1966). op. cit .• p. 21. (43) Boxer , Charles R alph (1973). Sa lvador ' d e Sa e a l u ta pelo Brasil e Ang ola (16 021686>. Sao Paulo, Na cional (c!. os Ca ps. I : " 0 casamento com espanh6i s" ell: "A expedi~ao d os vassalos", pp . 17-82). Ver tambem Fer nand es. Flor estan (1976), o p. c it ., p. 43.
estancieiros e mineradores, nobres ou nao; eles foram socializados em Portugal nas institui<;oes feudo-estamentais, que vigiam em toda a Europa nos idos dos seculos XV, XVI e ate mesmo XVII. 44 Os beneficios materiais garantidos por estas institui<;oes feudo-estamentais aprofund avam as diferen<;as sociais formalmente reconhecidas pelo direito consuetudinario; favorecendo as pessoas em ter mos pessoais, os beneficios traduziam-se em privilegios pessoais, advindos dos feitos e das realiza<;oes privadas e nunca em term os coletivos. Os privilegios e as honrarias eram apr o priados pessoalmente, eo dominio resultante, exercido pessoalmente. A esfera privada, os interesses pessoais e, portanto, particulares, recobriam a esfera publica, formalmente presente, mas, na pratica, ausente do cotidiano. Disto resultava estar 0 espa<;o para 0 exer cicio da pratica coletiva recoberto por manto de ferro, que atuava como camisa de for<;a. Esta caracteriza<;ao da coloniza<;ao, em que ressalta 0 arbitrio pessoal, na forma de jurisdi<;ao civel e criminal dos donatarios, era tao ampla, de imensidao de tal ordem, que, de fato, no entender de Southey, se tornava sem limites. Esta afirma<;ao de Southey foi feita entre os anos 1810 e 1819. E Handelmann em sua Hist oria do Brasil (publicada em 1860) fala em "principados feu dais portugueses", denominando aos donatarios "senhores feudais hereditarios", que prestariam "vassalagem" a coroa portuguesa pel as terras recebidas para serem colonizadas. Vale notar que estas palavras foram escritas por Handelmann na Prussia, considerada feudal, onde ele viveu: ali vigiam, em sua plenitude, varias institui<;oes feudo-estamentais, pois a servidao s6 foi abolida entre os anos 1807 a 1808 e, mesmo abolida, as "obriga<;oes senhoriais persistiram" por muito tempo, "0 controle da nobreza sobre 0 campo estava sendo efetivamente aumentado" (isto em meados do seculo XIX), observa<;oes confirmadas por Perry Anderson, 45 para quem a natureza do Estado prussiano era essencialmente feudal. Convem destacar que Handelmann fora graduado pel a Universidade de Kiel, havia se tornado professor e diretor de museus, era doutor em Filosofia e docente de (44) Ander son, Per r y (1985), Linhagens d o Estad o Absolutist a , Sao Paulo, Brasiliense (c !. Ca p. refer ente ao " Estad o Absolutista no O cid ente/Classe e E stado e Es panha", pp. 15-83: os Estados A bsolutistas d a E ur o pa dos seculos xv ao XVIII s ao tid os como f eudais). (45) And er son, Perry (1985) , o p. cit . , ver pp. 221-78: " No br eza e monarquia: a variante oriental" e "Prussia".
Hist6ria, vivendo numa Prussia essencialmente feudal. Com esta formal;aO e enquadrad o no modo de pensar erudito da epoca, Han-
{ :oes?rivilegia~as" ~~ " benef~cio geral do povo", cartas de doa{ :oes, forals, sesm~n.a s, d lzlmo , q~l~to, f eud os , don atarios , vassalagem ,
delmann afirma: "( ... ) eslabelecia-se,
em resumo,
0 dir eit o f eudal
da [d ad e M edia em
solo brasileir o, s ob uma forma abrandada" . 46
A partir do " plano primitivo" de colonizal;aO, que se iniciou entr e os anos de 1532-33, quando 0 Br asil foi dividid o em "quinze principados feudais quase independentes", urn seculo depois "existiam quinze capitanias, porem, oito pertenciam a coroa e sobr e as sete f eudais tinha ela, no minimo, 0 direito d e alta justil;a, d e ins pel;aO administrativa e d e protel;aO". Ao que Handelmann, em seguida, acr escenta: " 0 i mperio colonial brasileiro des Estad os,
0 Br asi l
dividia-se nao somente em d ois gr an-
p ro priamente
dito, c om doze ca pitanias,
e
0
Maranhao, com tr es, cada urn dos quais possuia urn governo com pletamen te d istinto e er a somente sujeito ao governo d a mae-patria; mas tam be m c ad a u m a d a s suas subdivisoes, as r eais, tinha
uma
administra<;ao
as capitanias
sua, e m q uase
feu d ais, como tod o s o s pontos
autonoma. Por esse modo, 0 desenvolvimento hist6rico, em bor a com modifica<;oes importantes, conservou 0 mesmo rumo que havia tornado desde
que se empregam sac: poder e autoridad e r eal, direito real dos imperadores em "detrimento de antigos senhor es" e de "certas corpora-
0 principio,
a caminho da monarquia
feder ativa".
47
Analisando as interpretal;oes dos autores oitocentistas, o bserva-se que 0 foco narrativo para justificar a existencia d o f eud alismo ocorre dentro dos limites da esfera jurfdico- po f[tica. Os term os
(461 Hand elmann, H. (1982), o p. cit ., V. I, p. 98: "0 f eud atario, ou como e r a d esignad o pelo titulo olicial - •ca pit ao e governad or' - podia legar a sua ca pitania, nao so il.descend encia masculina em linha r eta, como tambem il.linha feminina, aos parentes colater ais e bastard os; e, no caso de perder 0 seu f eud o, segund o as leis do pais. passava ele, aut omaticamente, ao mais proximo herdeir o, e s omente em caso d e alta trai9ao se reservava il .cor oa 0 direito d e confisco", dai r esultand o urn direito f eud al so b f orma abrandada. (47) Handelmann, H. ( 1985), o p. cit., pp. 164 e 165. Ele r elata q ue 0 R ei Filipe IV da Es panha conferiu "ao por tugues Bento Maciel, em recompensa por se r vi90s que ele havia pr estado quand o govemad or do Par a e em com bate contr a os indios, urn extenso f eud o hered itario no Ca bo Norte (14 dejunho de 1634), 0 q ual f oi de pois anexad o il.capitania d o Par a" (p. 165).
po~er~s ~ ~lr=lto~ ~os d~n~tarlOs, vassalos r egios, imunidades feud~IS ,]UrlSdl{ :ao c Ivil e cnmmal , enfit euse, corr egedor es reais, condi{ :aode nobreza , dir eitos senhoriais e pof[ticos, etc. Faoro, apesar de negar a tese do feudalismo brasileiro, reconhece que a descril;ao de A~t?nil, a respeito do senhor de engenho, tern por "modelo", sem d~vlda nenh~ma, "a organiza{ :iio f eudal, com base nas dependenczas da terra .48 Se urn pensador religioso, da Companhia de Jesus chegando ao Brasil colonial em 1681, descreve, no seu Cultura ~ Opulencia do Brasil , publicado em 1711, a condil;ao de "ser senhor de engenho" tendo por mod elo a organi za{ :iio f eudal , esta existe, pelo menos, ~omo parte do "imaginario". A organizal;aO feudal, como ~~,conJunt.o que se articula e se ordena, existe como "represental;ao , ou seJa, modos de agir e pensar , cultural mente relevantes: "?~scobe~to A O o~ro cuiaba?o, fundado e mantido dlglO de dlspendlo de energla, coragem, tenacidade ficio -
0
arraial
me<;a realmente
- verdadeiro proe espirito de sacri-
e a Vila Real do Senhor Born Jesus do Cuiaba, a surgir a literatur a
rativas dessas espantosas
co-
mon<;oeira, sob a forma das narapostrofava
urn
de tais viandantes ao Rei Dom Jose I, os vassalos da conquista America, em nada ficam a dever aos da conquista do orien te". 49
viagens em que -
"Senhor!
da
o autor de Os Donos do Pod er afirma que "n ao h av ia n o sistema brasileiro, nem f eu do nem vinculo d e vassalagem , tritur~dos ambos pela economia mercantil , derretidos pelo al;ucar". No entanto, urn viandante monl;oeiro apostrofava, solicitando como vassalo da conquista da America, 0 mesmo tratamento que se dispensava aos vassalos da conquista do Oriente. Nesse sentido, 0 senhorio do Rei Dom Jose I nao se reduz a "uma figura de ret6rica" nem e uma ficl;ao. A represental;aO de vassalo existia nas formas de pensa(48) Faor o, R . (1977), o p. cit ., p . 1 30. (49) Taunay, Af onso d e E. ( 1981), Relatos m oncoeir os , Sao P aulo, EDUSP; Belo Horizonte: ltalJala, pp. 27-8.
mento da epoca setecentista (entre 1750 e 1777).50 Num outr o documento setecentista sobre "Noticias dos primeiros descobrid or es d as primeiras minas de aura pertencentes a Estas Minas Gerais - Pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memor {lVeis casos acontecidos des dos seus principios", temos 0 seguinte relato: "Conhecend o
os parentes
natur eza, prud encia se animaram expor-lhe
e amig05 de Manuel
e afabilidade,
a conversa-lo
0 penoso
dest er ro
e carinhoso
no sucesso da morte
d e Borba Gato a boa tr ato d e Ar tur d e Sa. d e D. R odrigo.
e a
p ar a o s sert6es d e urn vassalo born ser -
vi do r d'E I R ei, como era Manuel de Borba Gato, ni lo send o totalmente culpad o n a mo rt e d e D. Rodrigo pel as cir cunstancias d o seu acon tecimen to".
e gasto e teriam vid a es piritual, lagem a S. A., e obedienc ia abastados,
conhecend o
a os cr i stilos,
e S. A. teria gr ossas rend as
tacam as seguintes passagens: "( Os colonos) nilo ousam
de se estender
e espalhar
pel a terr a par a
fazerem fazendas, mas vivem nas fortalezas como fronteiros de mouros ou turcos, e nilo ousam de povoar e aproveitar senilo as praias, e nao ousam fazer suas fazendas,
cria~6es,
que e larga e boa, em que poderiam fosse senhoreado
ou despejado,
e viver pel a terr a
viver abastadamente,
ad entro,
se 0 gentio
como poderia ser com pouco trabalho
(SO) Faoro, R . (1977). op. cit.• p. 131(a frase "uma figura de ret6rica" e de Caio Prad o Junior. Ev olu~iio polltica d o Brasil e outr os estudos. citado por Faoro). Sobre 0 r einad o de D. Jose [. ver Sergio, Antonio (1972), Br eve int erpr eta~iio da Hist6ria de Portugal , Lisboa, Sa da Costa. p.118. (SI) Taunay, Afonso d e E. (1981), R elatos sertanistas , SlI.oPaulo, EDUSP; Belo Horizonte; Itatiaia, pp. 55·7; na p. 71: "0 Sr . governador ... disse aos cabos que t odos eram v assalos d e El-Rei d e Portugal .. . " .
melhor
nestas terr as" (Carta
e
de No-
brega para Miguel de Torres, de 8 d e maio d e 1 558 ). "Primeiramente, 0 gentio se deve sujeitar e faze-lo viver como criaturas que silo racionais, f azendo-lhe guardar a lei natural ... A prova d isso e que estes da Baia sendo bem tratados e doutrinados isso se fizeram piores, v e nd a q ue s e nilo castigavam
com
os maus e cul-
pados nas mortes passadas, e com severidade e castigo se humilham e sujeitam ... Este gentio e de qualidade que nilo s e quer por bern, senilo por temor e sujei~ilo, como se tern experimentado. E por isso, se S. A. os quer ver todos convertidos, mande-os sujeitar ; e deve fazer estender os cristilos pela terra dentro e repartir-lhes 0 servii;o dos Indios iiqueles que os ajudarem a conquistar e senhor ear, como se/ez noutras partes de terras novas . .. Sujeitando-se
• Este relato da a Manuel de Borba Gato 0 tratamento de fidalgo e diz que, como vassalo , fizera ele descobrimento de minas de ouro, razao pel a qual solicitava perdao: "confirmou Sua Magestade o perdao, e lhe f ez mais mer ce da patente de T enent e General de uma das prar yas mar f timas , que primeiro vagasse, segundo as lem bran~as". 51 Er a comum, ao menos nos primeiros seculos da coloniza~ao, considerarem-se os representantes da Coroa e donatarios, ca pitaes e governadores, bandeirantes e sertanistas, vassalos de EI-Rei de Portugal. 0termo vassalagem era tao usual quanta vassalo. E ele utilizado por Manuel da N6brega nas Cartas do Brasil , onde se des-
e vassa-
a se u Criador ,
e tod os viveriam
gentio,
0
neiras de haver escravos mal havidos e muitos terilo os homens escravos leg/timos, servii;o e vassalagem ganhara
muitas
havera muitas Duro e prata" de 1559). 52
tomados
cessariio muitas maescrupulos, porque
em guerra justa,
dos indios, e a terra se povoar a,
almas,
S. A. tera muita renda
cria~i'ies e muitos
engenhos,
e terilo
e Nosso Senhor
nesta terra,
porque
ja que nilo haja muito
(Carta de Nobrega para Tome de Souza, de 5 de julho
. Nestas duas cartas de N6brega, de 1558-1559, apresenta-se a concep~ao da necessidade e legitimidade do uso da for~a, como unico elemento capaz de produzir obediencia e submissao as autoridades constituidas. Trata-se, por conseguinte, de concep~ao de politica, portanto, de poder e de Estado. N6brega apela ao Rei e ao preposto governador geral reclamando da necessidade do usa legitimo e justo da violencia, para que a vassalagem se realizasse plenamente, tal como existia na Idade Media europeia. Nesta concep~ao, a esfera juridico-politica determina a esfera economica.
(52) Dias. J. S. Silva (1982), as d escobriment os e 0 pr oblema cultural do seculo XVI , Lis boa. Presen9a. pp. 251-2. (Vid e: "Conver sll.oe sujei9l1.od o indio", pp. 248-55.) "De acordocom a teoria da guerra justa, a fonte r adical e ultima d o poder politico nll.o e a natureza (direito natural). mas a [gre ja. por concessll.oou confir ma9l1.o"( p. 173. "0 Dir eito Natural - Novos horizontes").
Na tese variante de nem feudalismo nem capitalismo, temos ainda as exaustivas e eruditas reflexoes de Jacob Gorender, em 0 Escravismo Colonial. Segundo Gorender, a formac;ao colonial brasileira nao se explica com 0 conceito de "modo de produc;ao feudal dominante no Portugal da epoca", nem por intermedio da ideia de preservac;ao do "modo de produc;ao" dos povos conquistados, nem sequer resulta da sintese entre eles. Gorender adere ao entendimento de que se tratou de urn novo modo de produc;ao: "Com efeito, ocorreu na America do Sui, mais exatamente no Brasil, a criaryiio de urn novo modo de produ~ao, cujo reconhecimento, se pens ado em suas profundas implica~oes, corrobora as modern as Iinhas de pesquisa e de generaliza~iio sistematica do materialismo historico." "b tentador equiparar 0 escravismo colonial ao capitalismo e isto nos conduz a urn beco sem saida". A economia de plantation (Gorender prefere dizer "plantagem") foi, para ele, "a forma de organizac;ao dominante no escravismo colonial": "Dela 0 trabalho escnivo irradiou a outros setores da produ~ao e se difundiu na generalidade da vida social. As unidades produtoras nao plantacionistas se modelaram conforme a plantagem e todas as formas economicas, inclusive as nao-escravistas, giraram em torno da economia de plantagem. Juntamente com a escravidao, a plantagem constituiu categoria fundamental do modo de produ~ao escravista colonial".
A estas determinac;oes gerais e, portanto, extremamente abstratas, da plantation , enquanto modalidade economic a dominante no escravismo colonial, atribui-se uma tal dimensao e uma tal potencialidade, que as torn am elementos constitutivos de urn modo de produc;ao, 0 escravista colonial. 0 modo de produC;ao escravista colonial e a plantagem, isto e, 0 conceito de plantagem dispensa 0 de modo de produc;ao. Como diz Gorender:
"A plantagem escravista colonial e uma organiza~ao economica voltada para 0 mercado. Sua fun~ao primordial nao consiste em prover 0 consumo imediato dos produtores, mas abastecer 0 mercado mundial. Este e que a traz a vida e Ihe da a razao de existencia. Baseado no trabalho escravo, 0 modo de produ~ao, que com ela se organiza, nao oferece a plantagem urn mercado interno de dimensoes companveis com sua produ~ao especializada em grande escala". 53 A plantation, sendo urn modo de produ{ :iio historicamente novo, e produto de urn processo instaurado numa dada formac;ao social. Ela nao e gerada por si mesma: 0 novo nao gera 0 novo. Ela e resultado de urn conjunto de elementos preexistentes, que, na sua articulac;ao e combinac;ao, produz urn novo modo de produc;ao. Preexiste urn conjunto de elementos que, na fase inicial, nao lhe pertencem. Cabe sublinhar que, enquanto modo de produC;ao, requer uma acumulac;ao de capital-dinheiro, que possibilite a apro priac;ao dos meios de produc;ao. E fundamental que haja uma acumulac;ao previa, acumulac;ao que seja suficiente para adquirir 0 escravo, 0 instrumento de trabalho. Ha, portanto, uma esfera da circulac;ao que determina a plantation, que "a traz a vida e the da razao e existencia". Em outras palavras, a plantation e urn produto do processo de circulac;ao comercial pre-capitalista, mas nao visando necessariamente uma acumulaC;ao ~riginaria de capital em sentido estrito. Vejamos 0 que diz Gorender: "Uma vez que nos desprendamos da concep~ao teleologica de que a coloniza~iio foi montada com 0 fim ou "sentido" de propiciar a acumula~ao originaria de capital e gerar 0capitalismo na Europa, poderemos analisar 0 processo na sua objetividade, sem cair em contradi~oes formais (sic). 0 regime de circula~ao mercantil baseado no pr~o de monopolio era 0 unico que convinha, do ponto de vista estrutural (sic), simultaneamente ao modo de produ~ao escravista colonial e ao capital mercantil pre-capitalista da Europa. 0 escravismo colonial sobreviveu ao mercantilismo, mas isto so foi possivel tambem porque 0 regime de circula~ao do seu comercio exterior permaneceu na essencia inalterado".54
Ao desprender-se da concepc;ao de que a colonizac;a o f ora montada para possit-ilitar a acumulac;ao originaria, 0 autor de 0 Escravismo Colonial nao exclui aquela da circulac;ao mercantil nem consider a a produc;ao resultante, a plant ation , enquanto organizac;ao d ominant e no escravismo colonial, desvinculada do mercado mundial. Logo, a colonizac;ao, enquanto plantation , tinha como forc;a motriz - forc;a acionada pel a correia da circulac;ao mercantil 0 mercado mundial, que realimentava 0 processo constantemente de produc;ao e reproduc;ao do escravismo colonial moderno. Esta acumulac;ao e pre-capitalista, nao originaria. Porem, cabe aqui, justamente, indagar : a primeira nao sera uma forma hipostasiada da segunda? Quanto a natureza formal e substantiva desta produc;ao, consideramo-Ia pre-capitalista. Sera ou nao feudal? Gorender reconhece que prevalecia em Portugal 0 "modo de produc;ao feud al" e que, na formac;ao social, vigiam os direitos feudais. Em termos de Estado, Portugal era uma monarquia absoluta fortemente centralizada. Realizada a colonizac;ao dentro deste quadro economico e juridico-politico, teria a formac;ao colonial brasileira se consolidado I como feudal? A resposta de Gorender e que a produc;ao escravista colonial moderna nao produziu 0 senhor feudal , mas produziu 0 senhor de escravos, uma nova categoria social, diferente, isto e, nem feudal nem capitalista. Para Gorender, 0 donatario era uma especie de " socio menor da Coroa", cabendo a ele "modesto quinhao da receita fiscal". Se, formalmente, a estrutura juridico-politica e feudal - as donatarias, as sesmarias e a s c ar ta s d e d oa c;ao e dos forais assumem as caracteristicas formuladas pelo direito feudal, como diz Gorender . -, q ua l 0 problema em admitir que esses estatutos juridicos se realizam de uma forma singular no Brasil colonial, metamorfoseando 0 donatario feudal e 0 proprietario de escravos em senhores d e engenho e 0 engenho em seu domfnio, locus onde se exercern poderes majestaticos e ilimitados? (d. Varnhagem: 1857 e Southey: 1810-1819). -
Esta apreciac;ao, apologhica ou nao, quanta a amplitude do poder do donatario, por exemplo, em alguma medida extensiva aos senhores de engenho, provem da analise de documentos, tais como a Carta de Doac;ao e Forais. Todavia, nao cabe restringi-Ia ou desqualifica-Ia pelo tom apologetico, contrapondo-Ihe argumentos estritamente economicos. 0 que menos importa e 0 montante da renda auferida por donatarios e senhores de engenho. A pouquidade do
provento ou a a bund an ci a d e r ecur sos de uns em relac;ao a outros nao altera a amplitude do poder dos donatarios e seus prepostos. A ma jestade do poder nao depende necessariamente da renda auferida pelos seus detentores: pensar deste modo seria cometer urn reducionismo economicista.55 A plantat ion como urn "modo de produc;ao hi~toricamente pr oduzido" nao pode ser gerad a por si mesma: 0 novo e produzido. Para produzi-Io, ha necessidade de acumulac;ao de capital-dinheiro, alem de uma organizac;ao determinada para administrar a aquisic;ao dos meios de produc;ao e da mao-de-obra escrava. Os proprietarios de recursos monetarios, nos prim6rdios da colonizac;ao, eram portugueses, alguns deles abastecidos pelos mercadores holandeses, banqueiros italianos, mercadores ingleses, etc., ou a eles associados.56 Estes portugueses, portadores de recursos financeiros, pertenciam ao estamento comercial , e a nobreza de variada procedencia, e se vinculavam as instituic;6es feudais prevalecentes em Portugal. Estes colonizadores sao produtos destas instituic;6es, nelas socializados. Na plantation e nas economias subsidiarias, de subsistencia ou nao, os proprietarios de escravos agiam em conformidade com a "estrutura mental", ou seja, com a mentalidade predominante da epoca, com a cabec;a e 0 cerebro da epoca; em suma, com os seus valores e representac;6es culturais. Urn historiador especialista
em hist6ria da cultura observava que:
"S6 aos povoadores de engenho e dada carta branca mercantil; e, ao mesmo tempo que se disciplina (sem 0 suprimir) 0 trafico escravagista, fomentam-se as actividades missionarias e os aldeamentos conversos" . ••... os cristaos nao VaGas aldeias dos gentios a tratar com eles, salvo os senhorios
e gente d e engenhos
... Pel a terra firme adentro,
nao podera ir a tratar pessoa alguma sem licen~a". "0 regime de capitanias, instau ra do tica por uma sequencia
de actividades
e m 1 53 2, sald ou-se
de guerra e piratar ia
indios do Brasil. Foi equivalente,
na America
'repartimiento',
'encomienda',
panhola.
com a respectiva
A sua praxe era a dos 'conquistador es',
se procurou reagir com de governo ultramarino,
do que
0
for a na America ese f oi contr a e.la que
regimento. Nao se baniram do nosso sls.t~ma com este diploma, nem os pr ocessos behcos
0
J. (1978), op. cit .• pp. 364 ep assim. (56) [d ., ibid .. p p. 48 9 epassim. (55) Carend er,
portuguesa,
n a pr ac on tr a o s
de 'pacificar;:iio' politica, nem 0 assalto, dominio ou cativeiro dos indios pelos cristaos. Condicionaram-se, porem, distinguindo a guerra ou violencia justa, da guerra ou violencia injusta". "(. ..) Os seus preceitos reflectem a impossibilidade de ter em su jeil;:aomilitar 0 vasto espar;:odo Brasil, garantindo 0 dominio lusitano contra a rebeldia do indigena e a amear;:a dos intrusos europeus. E nao reflectem menos 0 anseio - melhor a necessidade de desenvolver economicamente a provincia. Estavam frescas ainda na memoria dos politicos as frustrar;:oes que originaram 0 abandono das prar;:as da Africa, e os fumos da india desvaneciam-se a olhos vistos. 0 regimento preconiza, com efeito, a par de uma guerra limitada, de intimidar;:aoe castigo, 0 condicionamento das relar;:oescomerciais com 0 gentio e a sua lusitanizar;:aoideologica" .57
o comentario, resumido, do regimento demonstra, com cIareza, a violencia institucionalizada, legitim a para con stranger os gentios a se transformarem em "conversos" e "aldeados", para se tornarem em mao-de-obra de senhorios e de gente de engenho. Somente "aos povoadores de engenho e dada carta branca mercantil". Os outros colonizadores estao excIuidos: nao possuem privilegios mercantis, distinguindo-se, desigualmente, dos senhorios e gente de engenhos. A necessidade de desenvolver economicamente as terras do Brasil requeria estimular e criar as condi90es indispensaveis para o surgimento dos engenhos: a planta9ao, voltada para 0 mercado externo, utilizando 0 trabalho compuls6rio (de indios e negros). A dominancia da estrutura jurfdico-pol£tica (as Cartas de Doa9ao e os Forais) e ideol6gica (a doutrina da guerra justa e a a9ao mission aria de evangeliza9ao em nome da moral e da civilizariio cristii) foi a marca mais saliente do modo de produ9ao escravista colonial. 0 exercicio da violencia legitimada, do poder pessoal, da sujei9ao e dependencia pessoais, sob 0 signo do poder soberano e dos valores supremos da moral crista, justificavam toda a sorte de violencia na esfera da produ9ao mercantil-escravista. Segundo loao de Barros na obra Panegfricos -, ha legitimidade nas conquistas portuguesas, e, uma justira intrfnseca na guerra aos infieis e aos mouros. "Em seu criterio (dos portugueses), a 'guerra que se faz aos infieis e ini(57) Dias, J. S . Silva (1982), op. cit., pp. 183-4 (Regimento de 17 de dezembto de 1548: [nstru~oes dadas a Tome de Souza, ja designado govemador getal de Santa Cruz).
migos da (. ..) Santa Fe' esta no ambito das norm as Micas que regulam a convivencia entre as na90es onde a lei de cristo era conhecida, ou, pelo menos anunciada". Em sua expedi9ao a India em 1550, inform ado por Vasco da Gama de que aos povos do Oriente "parecia que mais havi~ de obrar neles temor das armas que amor de boas obras", Pedro Alvares Cabral "levou sob as suas ordens mil e duzentos homens, alem de dezessete ecIesiasticos para a obra evangelica do apostolado religioso". Entre outras coisas, loao de Barros, que recebeu Capitania Hereditaria obra Decadas 0seguinte:
no Brasil Colonial
afirma
na
'
"E quando fossem tao contumazes que nao aceitassem esta lei de Fe e negassem a lei de Paz que se deve ter entre os homens, para con: serva~ao da ~speciehumana, e defendessem 0 comercio e comutar;:ao, que e 0 mew por que se concilia e trata a paz e amor entre todolos homens, por este comercio ser 0 fundamento de toda a humana policia, pero que os contratantes disseram, em lei e crenr;:ade verdade, que cada urn e obrigado ter e crer de Deus, em tal caso lhes pusessem ferro e fogo, e lhes fizessem crua guerras". .. Silva Dias comenta que apenas "nesta moldura (. .. ) parece suflclentemente explicavel a insistencia no primado dos meios evangelicos e no principio de sociabilidade que tinha nas relaroes de comercio uma aplicariio pol£tico- jurfdica fundamental". D e q ue s e tratava, era de fate, 0 "dominio colonial, numa forma ou noutra, d~s sociedad~s infieis pelas sociedades cat6licas". 58 Em suma, 0 que aflrmamos relteradamente e que as estruturas ideol6gicas e juridico politic as nao podem ser desqualificadas na analise da constitui9ao da forma9ao social colonial. Ciro Flamarion S. Cardoso concord a que "certos elementos da superestrutura do feudalismo europeu (... ) tenham p.xistido efetiva-
(58) Dias. J. S. Silva (1982), op. cit . , pp . 178-81. Em rela~ao ao trabalho compulsorio de ~~grO~7 , i~?ios, cabe esclarecer que aos mesmos eram atribuidos 0 epiteto de "gentios" e nao de mflels: Genttos eram, pois, os habitantes da Africa setentrional e do medio ou proximo Oriente(e, tambem do Brasil pre-colonial), que nao professavam 0 cristianismo, ojudaismo ou 0 maometanismo. Entravam com os hereges, os judeus e os mouros na categoria dos infieis" (esta deslgna~aO e mais generica do que a primeira). Finalmente, a doutrina da Guerra Justa e de o~gem medieval, e pode ser apreendida na obra do Frei Alvaro Pais, nas primeiras decadas do seculo XIV (d. Silva Dias (1982), op. dt.• pp. 183-4, 178).
mente na America colonial", com "urn senti do profundamente diferente do que se conheceu na Europa". Ele identifica na America Latina colonial 0 modo de produ~ao escravista, dominante no Brasil colonial e em outros paises como as Antilhas, as Guianas, 0 SuI dos Estados Unidos e em partes de America espanhola continental, coexistindo com "modos de produ~ao secundarios". Para este autor, 0 feudalismo era dominante e 0 capitalismo estava em forma~ao gradual e nao linear. No artigo sobre os "Modos de Produ~ao Coloniais de America", Ciro Cardoso sustenta que a teoria destes modos "nao deve perder de vista um/ato central": carater
subordinado
" 0
loniais,
e
0
carater
das contradil;oes
geralmente
nas transformal;oes
estruturais
internas
determinante ocorridas
das sociedades
dos impulsos
co-
externos
de produ~ao principais: "urn modo de produl;ao estabelecido
baseado na exploral;ao na regiao nuclear
o funcionamento
deste tipo de sociedade
mecanismos:
integral;ao
1-
da forl;a de trabalho
de America
precolombiana.
se baseava
nos seguintes
de uma parte importante
da populal;ao
indigena como forl;a de trabalho, mediante a introdul;ao da economia monetaria e urn sistema de tributos, e atraves da exproprial;ao de uma parte importante das terras em proveito dos conquistadores 2 - as comunidades indigenas que permaneciam "autonomas" freram urn processo
de "homogeneizal;ao",
de classes perdeu suas bases economicas:
pois a estrutura 0 excedente
... ; so-
indigena
antes extraido
pelas classes dominantes indigenas 0 e agora pelos espanh6is, forma de tribu tos e trabalhos forl;ados ... ".
sob a
"Urn modo de prodUl;:iio escravista colonial se estabeleceu em regioes que, por uma parte, se caracterizavam, antes da chegada dos europeus,
por uma populal;ao indigena pouco densa, e por outra par-
te apresentavam seadas numa exploral;ao Brasil).
condil;oes propicias
as atividades
exportadoras,
A redul;ao
de escravos negros, serviram de base
e da forl;a de trabalho. nas Guianas,
dos e em certas partes da America espanhola por exemplo);" "Enfim,
de pequenos
turas coloniais que evoluiu -
proprietarios,
Isto foi
continental
Uni-
(Venezuela,
a economia
diversifi-
a unica entre as estruate
de tipo "metropolitano",
Compartilhando a teoria da "acumula~ao origin aria" de ca! pital, Cardoso afirma que 0 escravismo colonial americano e novo. segundo os violento" e
em "propor~oes ineditas", de popula~oes africanas e da popula~ao indigena, tangendo-as a escravidao. 0 escravismo colonial "como rela~ao de produ~ao dominante" requeria, inicia1men te , que os paises coloniais produzissem "artigos tropicais em grande escala e com baixos custos de produ~ao". E, em rela~ao a explora~ao de minas e metais preciosos, ela se resolve ria com 0 concurso de uma mao-deobra numerosa e disciplinada. A terra seria 0 unico recurso disponivel em abundancia no inicio da coloniza~ao. Esta questao aponta para a necessidade da "existencia de grandes reservas de escravos em potencial: as popula~oes indigenas de America e os negros africanos, cujas culturas tinham urn nivel tecnico que nao lhes permitia enfrentar 0 europeu em igualdade de condi~oes". E, finalmente, havia a impossibilidade de estabelecer 0 regime de trabalho livre e assalariado, devido a escassez populacional prevalecente na Europa.60 Dois fatores centrais se articulam no funcionamento do modo de produ~ao escravista colonial: a condi~ao de serem forma~oes sociais coloniais (perifericas e dependentes) e pressuporem a escra-
(59) Assadorian. Cardoso. Ciafardini. Garavaglia e Laclau (1973). Modos de producci6n Buenos Aires, Cuademos de Pasado y Presente, Argentina. Ver Cardoso. Ciro: "Sobre los modos de producci6n coloniales de America", pp. 135-59 e, especialmente, pp. 141-3,152 epassim.
exter-
que se
em parte ainda na epoca colonial -
a industrializal;ao e para urn capitalismo nlio periferico". S9
de plantar;:iio de produtos tropicais, ou na de metal precioso (0 aura de Minas Gerais, em sua expulsao,
0
no sui dos Estados
na America do Norte se constituiu
cada e autonoma
en America Latina ,
dos indios em escravidao,
a importal;ao
do territ6rio
passou no Brasil, nas Antilhas,
ba-
economia
de jazidas
a constituil;ao
Ele e resultado da empresa exportadora e se estruturou requisitos da empresa comercial, atraves do "transplante
nessas sociedades".
Esta abordagem coloca a questao das "rela~oes dial6ticas entre a evolu~ao das estruturas metropolitan as e das estruturas coloniais". E, a titulo de hipotese, Ciro Cardoso sugere que as forma~oes sociais da America colonial dependiam, pelo menos, de tres modos
indigena,
minio, e sobretudo
(60) Assadorian et alii (19 73), op. cit., ("EI modo de producci6n esclavista colonial en America", pp. 193·242; verpp. 210-1).
vidao, focalizada "em seu funcionamento economico e como fundamento das estruturas sociais". Ademais, como coexistem, de uma 0 feudalismo eo capitalismo nos paises da Euforma contraditoria, ropa ocidental, a concep<;ao que predomina nas forma<;6es coloniais, ora e a feudal, ora e a capitalista; combina<;ao contraditoria que se manifesta, adquirindo formas especificas e singulares, em cada uma das forma<;6es sociais que comp6em a America Latina. Para Ciro Cardoso, a forma<;ao social colonial e essencialmente escravista, passan do a c oexistir com "as concep<;6es ca pitalistas" importadas, quando 0modo de produ<;ao capitalista se constitui nos paises euro peus, numa rela<;ao de dependencia. Vma produ<;ao fundada na escravid ao produz "mecanismos de controle e de manuten<;ao da ordem escr avista" tais como "a forma de tratar os escravos, a prepara<;ao deles para se integrar a sociedade, a cristianiza<;ao e a re pressao do Estado". Nestes mecanismos de controle, estao presentes a violencia pessoal (praticada na esfera privada, legitimidade na esfera publica), 0 controle e a vigilancia no processo de trabalho (esfera d a produ<;ao), 0 compor tamento moral (esfera religiosa) e a de pend encia pessoal (esfera do poder). Em suma, para Ciro Cardoso, o modo de produ<;ao escravista colonial tern urn caniter substanti- \ vamente "colonial, periferico e subordinado, das forma<;6es sociais correspondentes"; e a escravidao e observada em seufuncionamento economico e como fundament o das estruturas sociais.61 Ha nesta coloca<;ao, a determina<;ao e a dominancia da estrutura economica, a primazia da produ<;ao em rela<;ao a estrutura juridico-politica e ideologica, A estrutura juridico-politica no que se apresenta 0 faz mais como contraponto, a justificar a predominancia da estrutura economic a (for<;as produtivas e rela<;6es de produ<;ao). Finalmente, retomando as linhas centrais que haviam sido expostas por Gorender , por Ciro Cardoso e por Fernando Novais, Decio Saes acrescenta 0 entendimento de que no Brasil colonial nao se implantou a penas "unidade de produ<;ao escravista"; ao seu lado, surgiram "a pequena produ<;ao de alimentos" (proprietarios independentes ou meeiros) e "uma pecuaria nao-escravista, fundada
numa rela<;ao pre-capitalista" (0 sistema da " quarta ", uma especie de parceria). A unidade de produ<;ao escravista, fundada no l.atifundio a<;ucareiro, nas pequenas e medias explora<;6es algodoelras ou explora<;6es de tabaco, na grande pecuaria, na minera<;ao etc., colocava, sob a sua dependencia, as unidades de produ<;ao nao-escravistas. Em vista disso, Decio Saes afirma: "., . exist iu n o Brasil, entr e os seculos XVI e XIX , uma forma<;ao social escr avista moderna", na qual 0 "m od o de pr odu<;ao escravista moderno f oi dominante". "Era ( ... ) 0setor d e exporta<;ao que comandava tivo e m seu conjunto.
pr ocesso produ-
0
Assim, a economia nao-escravista
d o Brasil co-
lonial assumiu urn can'lter natural ou urn carater mercantil em fum;iio das possibilidades d e comer cializa<;ao, no mercado mundial , d os ge ner os tr o picais produzidos pela planta<;ao escravista". "Mas dissemos ( . .,) que a estrutura juridico-politica
tambem
in-
tegr a 0 modo de produ<;ao; portanto, se afirmamos ~ue 0 modo ~e produ<;ao escravista moderno foi dominante no BrasIl, entre os seculos XVI e XI X, isso quer dizer , nao apenas que as r ela<;oes de produ<;ao/f or<;as produtivas escravistas d ominaram as demais, mas tam bem que a estrutur a juridico-politica teve urn carater dominant eEste aspecto super est ru tu ra l d a do mi na nc ia do ment e escravista. mod o d e produ<;ao escr avi st a e menos conhecido e analisado que 0 aspecto infra-estrutur al. ..".
Com esta proposi<;ao, Decio Saes prop6e-se a analisar a estrutura juridico-politica do Brasil-colonia, apenas referenciada, mas nao analisada, por Gorender e Ciro Cardoso, que "reconheceram certos tra<;os superestruturais de carater feudal". Em conflito com "os interesses das classes dos plantadores escravistas", estes tra<;os "foram neutralizados". 62 A proposito, na exposi<;ao que ate aqui vimos fazendo, ressaltamos, reiteradamente, a importancia das esferas juridico-politica (Estado e Direito) e ideologic a (re~resenta<;6es mentais) na analise da forma<;ao colonial brasileira. Novamente essa importancia e enfatizada, pelo autor de Formar,:iio do 1!s.tado Bur: gues no Brasil , de modo a evitar 0 reducionismo economlclsta, que e aquele pelo qual:
(61) Assad or ian el alii (1973), op. C il. , "El mod o de pr oducci6n esclavista colonial en Amer ica", pp. 212 , 213, 219 e 222. Ver tam bem: "Severo Mar tinez Pelaez y el carllter del regimen colonial", pp. 83-109, desta m esma o br a, em que sed iscute 0 carllter feud al, capitalista ou n~o do sistema colonial).
(62) Saes, Decio (1985), Af orma~iio do E Sl ad o bur gues no Brasil (/888-1891), Rio de Janeiro, P az e Terr a, pp. 74-6(ver "A f orma~~o social escravista moderna no BraSIl - meados do seculo XVI a f ins d o seculo XIX", pp . 57-86).
de prodw;:ao se reduz ao conjunto da estrutura economica (rela~oes de prodw;:ao, forcyas produtivas), e e atraves do seu estudo exclusivo que se chega a descoberta cientifica das leis que regem a
de capitanias hereditarias e de concessao de sesmarias - c om o a i m plantacyao de uma estrutura jur idico- politica f eudal no Br asil". 65
reproducyao das relacyoes de producyao/for~as produtivas. Nesta pers pectiva te6rica, a analise da chamada superestrutura (a estrutura ju-
No entender de Decio Saes, os partidarios da tese do feudalismo "estabelecem uma analogia (. .. ) entre 0 Estado absolutista portugues e a estrutura juridico-politica implantada no Brasil-colonia". Segundo 0 autor , a estrutura juridico-politica foi implantada de fora para dentro. Ela foi produzida pelo Estado Absolutista feudal como instrumento legal de posse e de coloniza9iio , mantida a soberania do r ei sobre os dominios ultramarinos. Nesse sentido, a forma9ao colonial brasileira e uma extensao territorial dos dominios portugueses. As cartas de doa9ao e os forais sac os instrumentos juridicos do Estado Feudal portugues que asseguram a posse do dominio portugues eo seu governo, nao havendo no Brasil-colonia urn Estado, mas "provfncia ultramarina" (eclesiastica e politica):
· "... 0 modo
r idico-politica),
bem como de sua articulacyao com
trutura economica, a superestrutura
nao tern qualquer
e encarada
0 conjunto
da es-
papel relevante a desempenhar;
como epifenomeno
ou traducyao da infr a-
estrutura, e nao como uma estrutura dotada sempre de uma funcyao es pecif ica (variavel conforme 0modo de producyao) na reproducyao d as r elac;:oes de pr odu~aolforcyas
produtivas".
63
Qual seria entao a especificidade da estrutura juridico-politica do modo de produ9ao escravista moderno? Segundo Saes, esta especificid ade, portanto, a diferen9a, localiza-se "entre 0 Estado escravista e 0 Estado feudal", fundando-se no "nivel do direito":
"E verd ad e mente medid a
que
ao direito
0 direito
burgues
em q ue a mbos
subsiste.
A essencia
negacyao d a ca pacid ad e
(= tratamento
igual
u rn tratament o
c on fer em
guais (classe exploradora
"Nesta com
escravista e 0 direito f eud al se o poem igualdos desiguais), d esigual
e classe explorada). Todavia,
do direito
escravista
d e p ra ti ca r
e
0
na
principal
aos d esi-
favor divino d arei conta a Vossa Reverenci a
que nos tern sucedido,
bem em todo
a dif er encya
0 tempo
do Brasil , e determino nao somente
d a n ossa
con tar todo
0
na viagem, mas tam-
da visita que Vossa Reverencia
tenha maior
conhecimento das cousas desta provincia, e para maior consola~ao minha, porque em tudo desejo de comunicar-me com Vossa Reve-
par r econhecimentol
a to s (classificacyao dos homens em
rencia e mais padres e irmaos dessa pr ovincia
pessoas ou coisas, conforme pertencyam a classe exploradora ou a classe explorada). Ja a essencia do direito feudal e a atribui~ao aos ho-
(Narrativa Epistolar d e
uma viagem e Missiio J esultica). "A Bahia e cidad e d ' EI-Rei , e a co rt e d o Brasil; nella residem os Srs. Bispo, governador , ouvidor geral , com outros ojjiciais e justi<;:as
mens de capacidades diferenciadas, desiguais, de praticar atos; ou seja, a hierarquizacyao das capacidades (camponeses, ar tesaos, comer ciantes, pequena nobreza, aHa nobreza)". 64
A estrutura juridico-politica colonial nao foi burguesa. Ela seria feudal ou escravista? 0 autor reconhece "a natureza feudal do Estado portugues", mas nao a extensao dessa natureza ao Brasilcolonia:
0
viagem e missao a esta provincia
de Sua Magestad e;
... " .
66
Para 0 Padre Fernao Cardim, escrevendo em 1583, 0 Brasil era uma "provfncia" de Portugal, eo Rei exercia nela a sua soberania por intermedio do governador (representando 0 poder dos que personificavam ajusti9a real, como 0 ouvidor geral e outros oficiais).
"Ora, a natur eza f eud al do Estado portugues f e z com que muitos analistas e ncar assem (0) pr ocesso de ocupacyao da terr a - as sistemas
(65) Saes, Decio (1985), op. cit ., pp. 76 epassim. (66) Cardim,
Pe. Fernllo (1968), Tratados da t erra e gent e d o Brasil , Sllo Paulo, Nacionall
MEC, pp. 171 e 174. Quanto independencia
per ante
ao c onceito
tod a e qualquer
(63) Saes, Decio (1985), op. cit ., p. 68.
homens
(6 4) Id " ibid ., p. 77.
do Estado Modemo, Lisboa, Gr adiva,
que vivem dentr o
d e d eterminadas
de so berania, Strayer potencia
estrangeira
fr onteir as" (Strayer ,
sid ., pp. 64·5).
afirma
que: "Soberania
e a autoridade
absoluta
implica a sobre os
Jose ph R, As origens medievais
Gandavo, em Tratado da Terra do Brasil , assim se dirige ao Principe Dom Henrique, Cardeal e Infante de Portugal: "Posto que os dias passados
apresentei
outro summario
Brasil a el-Rei nosso Senhor , foi por cumprir
primeir o
da ter ra do
com esta obri-
ga~ao de Vassalo que todos devemos a nosso R ei: e por esta razao me pareceu
cousa mui necessaria
( ... ) offerecer
tambem
este a V. A. a
quem se devem ref erir os louvores e acr escentament o das t erras que e nestes Reinos f lor escem: pois sempr e d ese jou tanto augmenta-las, conser var seus Subdit os entend a,
e Vassalos em perpetua
paz. Como eu isto
e conhe~a quam aceitos sao os bons ser vi~os a V. A. que ao
R eino se f azem imaginei
comigo que podia trazer d estas partes com
que d esse testemunho d e minha pura ten~ao: e achei que nao se podia dum fr aco homem esper ar maior servi~o (ainda que tal nao par e~a) que lan{:ar miio d esta inf orma{ :iio da terra do Brasil (cdusa q ue a te gora nao empreendeu
pessoa alguma)
pera que nestes Reinos
s e
di-
e pr ovoque a muitas pessoas pobr es que s e viio viver a esta pr ovincia , que nisso consiste a felicid ad e e au gm ento delia:'. 67 vulgue sua fertilidad e
Na primeira Historia do Brasil, escrita em 1576, por Gandavo , a "terra do Brasil" aparece como "provincia" de Portugal, que deveria ser povoada por "muitas pessoas pobres" para 0 "acrescentamento das terras que nestes Reinos florescem", pois havia fartura e fertilidade e a sua distribui9ao nao deveria depender de nenhum cabedal: "Os mais dos moradores
que por estas Capitanias
estao espalhados,
ou quasi t odos, ter n suas t erras d e sesmaria dadas e r e partidas pelos Capitiies e Governador es da terra. E a primeira cousa que pr et end em acquirir ,
siio escravos para nellas lhes fa zer em
suas fa zendas
e si
huma pessoa chega n a terra a alcan{ :ar d ous par es, ou meia d uzia d elles (aind a que out ra cousa nam t enha d e seu) logo t ern r emedio para pod er honrad ament e sust entar sua fam£lia: porque hum lhe pesca e outro the ca{:a , os out ros the cultiviio e grangeiio suas r o{:as e d esta maneira nam fazem os h omens d espe za em mantiment os seus escravos,
nem com suas pessoas.
com
Pois daqui se pod e in f erir
quanto mais ser iio acr escentadas as fazenda
daquelles que t ever em
(67) Gandavo, Per o d e Maga1h~es (1980), Tralad o da lerra d o Brasil vincia d e Sanla Cruz , S~oPaulo. EDUSP; B elo Horizonte, Itatiaia, p. 21.
His I 6 ria da Pr o-
du zent o s, tr ezentos escravos, como ha muit o s mor ador e s na ter ra que nam ter n menos desta contia, e dahiper a cima". 68
Gandavo, amigo de Cam6es, residiu algum tempo no Brasil e foi insigne humanista e excelente latinista: "ha nele", segundo Ca pistrano de Abr eu, "urn born obser vador das coisas sociais e quem estiver a par dos estudos feitos sobre as primitivas fases economicas, a economia caseira de Buecher, 0 meneio singular de Sembart; em uma palavr a, a economia natural, encontrara elementos muito indistintos".69 0autor da Hist oria da Provincia d e Santa Cruz , observador qualificado, era portador de forma9ao intelectual - ressalte-se ser Gandavo professor de Latim. Na qualid ade de urn observador muito qualificado, afirma: "todos tern terras de Sesmarias dadas e repartidas pelos Capitaes e Governadores da terra e a primeira coisa que e1esalmejam sao os escravos". Esta observa9ao demonstra que 0 acesso a terra era entao livre para os cristaos que quisessem cultiva-Ia. 0criterio economico de sele9ao viria a erigir-se urn seculo adiante: ha dados que 0 indicam ja existente em fins do seculo XVIII. A afirma9ao de que "A sele~ao dos sesmeir o s se f azia, portanto\ mentalmente economicos"
segund o criterios fund a-
e exagerada e, porque nao dizer , descabid a; ela revela urn inquestionavel ran90 economicista no proprio Saes. 70 Por outro lado, 0 fato de 0 acesso a terra condicionar-se ao seu cultivo remonta a insti(68) Id .• ibid ., pp. 93-4. A c ita~~o so br e as sesmarias e da Hisl6 ria. No Tralado , ele admite os mesmos conceitos: "Os m or ador es d esta Costa d o Br asil tod os tern terras de Sesmarias d adas e r e par tid as pelos Ca pit~es da t err a, e a primeira cousa que pr etendem alcan~ar , s~o escr avos per a Ihes f azer em e g r angearem suas r o~as e f azendas. por qu e sem elles nao se pod em s ustentar na terra: e hum a d as cousas porque 0 Br asil n~o flor ece muito m ais, he pelos escravos que se alevantar ~o e f ugir~o per a suas terr as e f ogem cada dia: e seesses indios n~o f or ~o tam fugitivos e muditveis, n~o tivera compara~~o a riqueza do Br asil. As f azend as d ond e se consegue mais pr oveito sao assucr es, algod oes e plIOd o Br asil, com isto f azem pagamento aos mercadores que deste Reino lhes lev~o f azend a porque 0 dinheir o he p ouco n a terra, e assi vend em e tr oc~o huma mercadoria por outra em seujusto pr e~o" ( ...) "E assi ha tambem muitos escravos de Guine: estes sao mais seguros que os indios d a terr a p orque nunca f ogem e nem t er n per a o nde" (pp. 42-3). (69) Gandavo, P. M . (1980). op. c il .• pp. 13-6 (Introdu~~o d e Ca pistr ano de Abreu). (70) Saes, Decio (1985). op. cil., p. 78. 0 alvarit d e 5110/1795 permite a conclus~o que 0 A. tira so br e a sele~~oeconomica, a par tir desta data. N~o hit, por em, elementos que justifiquem a generaliza~~o supr a-r efer ida.
tui~iio d a pr es u ria , que existiu com tal nome em Portugal
no se-
culo X: "De tud o quanto t6rio por tugues,
sa bemo s s o bre as ocupa<;oes por presuria a par ti r do seculo X, ressalta
era ficar ao ocupan te
e a os seus descendentes
"( . .. ) em t o da a Peninsula, encontr amos a terra vaga, a terra erma, apropriad a se permanecesse inculta era retir ad a q uem lavr asse".
no ter ri-
principio
'0
ger al
d ominio d o pr ed io".
consignad o
71
0 pr eceit o
de
ou d oad a p ar a s er em cultivo, ao possuid or
par a s er entr egue
a
" ... no Bra sil ,
72
Posteriormente, garantir am
0
que
o mesmo instr umento juridico que promoveu 0 adensamento demografico de Portugal do seculo X ao XV, garantindo a posse da terra a quem a cultivasse, independente da condi~iio social, prevaleceu com as mesmas caracteristicas 75 no Brasil colonial, pelo menos ate 0 seculo XVIII. Nas Memorias para a Historia da Capitania de S. Vicente, de Frei Gaspar da Madre de Deus, publicada em 1797, le-se que ...
com
0
regime das sesmarias,
a fixa~iio e 0 aproveitamento
os povoadores
riam a ser permanentes
do solo:
as leis que procuram
( ... ), as sesmarias fernan di na s
remedios
es bater am-se
r adicais
0
illcelllil' () d e alcul/ (;ur gleba pr r ipria. cuja posse Ihe
er a garantida pelo cultivo, as sesmarias f or am um i nst rumento cioso - na m etr o pole e, d e pois, no at em-mar - par a pr omover lonizar,:iio e apr oveitament o
d e va st os t errit orios".
pr ea co -
73
Nem em Portugal nem no Brasil-colonia 0 acesso a terra esteve condicionado a posse ·de cabedais e outros elementos diferenciadores. Ao contrario, 0 que Gandavo afirma em 1576 e confirmado pOl' Gabriel Soares de Sousa em 1587: "Tr atand o-se
e m s um a d a fertilidade
muitas v ez es valer mais a novidade
da terr a,
digo que a contece
de uma f azend a
as casas ricas. A exper iencia tern mostr ad o
otimamen te
p ois neste Estad o vive com suma indi-
por
demasiad o violentas. Mas, porque nelas se pr ocurava , como outr ora , o ad ensament o d emografico nos campos e se o f er e cia ao h omem des pr opid o d e bells
t er ia necessi-
gencia quem nao negoceia ou car ece d e escravos; ( ... )".76
e ur gentes
e modificar am-se
ninguem
d ad e d e lavrar pr / d io s a lheios, obrigando-se a solu<;ao de f or os anuais; e por isso, ou nunca, ou s6 d e pois de alguns seculos, chegaque discorreram
HE como todas
on de a t od o s se dava d e grar ,:a mais t erra do que Ihes
era necessario e quanta os m orad or es pediam ,
Este registro de Frei Gaspar encerra de vez a questiio do acesso 0 transforma-lo em fonte de riqueza e que requeria cabedal: necessita-se de escravos, e "muita escravaria"; mas se os "senhores (... ) siio pouco laboriosos e niio feitorizam pessoalmente aos ditos seus escravos" , como afirma Frei Gaspar, entiio, niio bastaria tel' escravos para ser rico. 77 A produ~iio da riqueza dependeu do papel de gestor ("feitor ") que o s senhores assumiram na relac;iio produtiva, subordinando 0 escravo ao seu poder pessoal, e da forma como eles articular am as forc;as produtivas. A sesmaria, como elemento da estrutura juridico-politica,
a terra: ele niio dependia de cabedal. Somente
pouco tern a vel' com a produ~iio escravista. No nosso modo de entender, niio chegou a ~onstituir-se urn "Estado escravista colonial" , como pensa Decio Saes:
que a pr o prie-
d ad e, pelo que os homens se man tern honrad amente com pouco ca bed al, se se q uer em acomodar com a terra e r emediar com os manti-
" Na verd ade, 0 Estad o escr avista moderno se f ormou, no territ6rio colonial, a p ar ti r da implanta<;ao do' governo geral (0 primeiro deles
mentos d ela, d o qu e e muito abastada
em 1549) e d a organiza<;ao d as C iimaras Municipais;
e pr ovid a".
(71) Rau, Virginia (1982), Sesmar ias medievaisportuguesas, (72) Id .• ibid. ,
74
Lis boa, Presenca, p. 33.
p. 36.
(73) R au Virginia (1982), op . cit ., p. 143. (74) Sousa, G a br iel Soares de (1971), Tr atad o Nacional, p. 163.
nessa estrutur a
(75) Gor ender , Jaco b (1978), o p. c it. , pp. 3 61-90 (ver "R egime t erritorial no Brasil escr avista").
d escrit ivo
d o Brasil
em 1587, SAo Paulo,
an ia (76) Madr e d e D eus, Frei Gas par (1975), M em6 rias da Capit Paulo, EDUSP; Belo Horizonte, ltatiaia, pp. 82-3. (77) Madre d e Deus, Fr ei Gas par (1975), o p. cit . , p. 83.
de S ao
Vicent e ,
SAo
politica bipolar , 0 primeiro ramo era controlado dir etamente (em ultima instancia, mas nao exclusivamente, atraves do mecanismo da nomea9ao) pelo governo absolutista portugues e pelas classes dominantes da metropole, enquanto que 0 segundo ramo er a controlad o diretamente Ua que as Camaras Municipais se compunham exclusivamente de representantes dos "homens bons", definid os d e modo v ago e cambiante, mas segundo criterios dominantemente censitarios) pelas classes proprietarias locais (fazendeiros escravistas, proprietarios de terras, comerciantes)". 78
o autor
entende que
0
Estado escravista moderno, em sua
apresentou, ate 0 ano de 1808, "carater estruturajurEdico-poUtica, escravista" e "carater colonial". Para justificar a existencia do Estado escravista no Brasil-colonia, concordando com Gorender, afir ma que "0acesso a propriedade da terra nao se estruturou como urn sistema de privilegios" (dos donatarios) e "obrigalYoes" (dos sesmeiros) e que "as sesmarias eram distribuidas a titulo gratuito", estando os sesmeiros "isentos de qualquer dependencia pessoal", em bora devessem pagar impostos e prestar servil;o militar. Este carater era peculiar as doal;Oesregias, conhecidas ja no seculo XIII, que "... tr ansmittiam para sempre a leigos 0 dominio de terras d a coroa, nil.oindicam outra cousa mais do que a recompensa incondicional d e servi90sja prestados pelo donatario, ou a prestar ainda, ou simplesmente a benevolencia do rei para com elle; nenhuma envolve em s i a obriga9il.odo servi90 da hoste ligada a posse da terra doada: taes concessoes nao alteravam, portanto, em cousa alguma a natureza d os deveres que 0 beneficiario tinha, em todo 0 caso, pessoal e dir ectamente para com 0 monarcha, nem representavam a soldad a, a remunera9ao fixa do servi90 militar; essa remunera9ao apparece-nos d e facto, mas estabelecida de outra forma. ( ... ). De maneira que n'estes casos a acquisi9il.oda terra niio so niio trazia ao adquir ent e a obrigar,:iioprincipal
d o f eudo,
mas importava
antes uma negar ,:iiodela" .
"Vemos 0 homem nobre com direito, por costume antigo, a remunera9Aodo servi90 militar. Nao eram, porem, a remuner a9iio as doa90es de terras da coroa, porque estas doa90es niio impoem nunca a obriga9il.o do servi90 e transferem para 0 donatario, sem restri9iio (78) Saes, Decio (1985). F ormafiio d o Es tado burgues, op. cit ., p. 8 7. F aor o, R . (1977), op. cit ., fala em urn "Estado portugues pr olongad o no Brasil", p. 92.
nenhuma, do dominio her editario dos bens doados, contendo algumas vezes ex pressa a faculd ad e d e os alienar". 79
Para demonstrar que, de fato, se constituiu no Brasil-colonia urn Estado escravista moderno, e necessario caracterizar a especificidade da estr utur a juridico-politica. A comproval;ao desta especificidade nao e suf icientemente elaborada por Decio Saes. As fontes que ele utiliza se baseiam, tal como nas conc1usoes a que chegou Gorender, em urn arrolamento de caracteristicas das instituilYoes de doalYiio (capitanias e sesmarias) para diferencia-Ias, no caso do Brasil, das instituil;oes portuguesas. Ao contrario, aqui se repetem, com as mesmas caracteristicas, as instituil;oes ja existentes em Portugal desde a Idade Media, pelo menos a partir do seculo XIII. 0 mesmo ocorre em relal;ao as instituil;oes municipais que foram transplantadas de Portugal para 0 Brasil-colonial: "Somente nas localidades que tivessem pelo menos a categoria de vila , concedida por ato regio , podiam
instalar-se
as camaras
muni-
a principio, na conformidade das Ordena90es Manuelinas e, mais tarde, das Fili pinas".80 cipais. cuja estrutura f oi trans plantada
d e Portugal ,
Como se pode constatar, os elementos da estrutura juridico politica, apresentados para justificar 0 carater escravista, sao reme(79) Gama Barr os, Henrique d a (1945), Hist 6 ria da administrafiio publica em Portugal nos seculos XII ao XV , Lisboa, S ll da Costa (vide 2~ ed . corrigida, pp. 296, 297 e 349, Torno I): Em seguid a Gama Barr os diz que: "iaes actos da cor oa a per tavam sem duvid a, 0 laco que pessoal e diretamente prendiajll 0 d onatllrio ao so berano, exigiam 0 cumprimento do dever de fidelidade, mas nada mais; a s acquisicOes por esse titulo entr avam no c umulo dos bens patrimoniais, sem 0 carllter de retribuicllo de certos e determinad o s servicos futuros" (p. 349). Ver tambem Cana brava, Alice P., "A grande pr opriedad e rural", in Buarque de Holanda, Sergio (1960). Hist6ria geral da Civilizafiio Brasileira , Torno 1 - A ! ; poca Colonial, Sllo Paulo. Difusllo Europeia do Livro, pp. 192-217: "A posse e a pr o priedad e d a ter ra r esultar am da simples doacllo, na forma de sesmarias, sem r estricOes d e maior importancia que nllo f ossem a obrigator iedade de ocupll-Ia", p. 198. Ver Lima, Ruy Cirne (1954), Pequena hist 6 ria t errit or ial d o Brasil - Sesmarias e t erras d evolutas , 2~ ed., Porto Alegr e, Sulina. V er os ca pitulos 1 ("A pr imitiva legislacllo portuguesa. A lei d e D . Fernand o. As Or denacOes Af onsinas, Manuelinas e Filipinas") e II ("As sesmarias no Brasil. As pectos e evolucllo, desde a criacao das ca pitanias ate a R evolucao de 17 de julho de 1822"), p p. 9 a 44. (80) Leal, Victor Nunes (1976), Co r onelismo. en xad a e v ot o, 3~ ed ., Sao Paulo, AlfaOmega (ver capitulos 2, "AtribuicOes municipais" e 3, "Eletividad e da administracao municipal"). Tambem em Gama B arr os ( 1945), o p. cit ., pp . 13 e passim.
tidos ao Estado Absolutista "feudal". 810 estudo destas duas instituil;oes portuguesas (de doal;ao e municipal) demonstra que elas eram essencialmente "democraticas" : acesso livre i t propriedade da terra, sem gerar sujeil;ao politica e religiosa (sesmaria), a quem a quisesse cultivar ; e as dlmaras municipais como urn instrumento do povo (da parte livre da populal;ao), por meio das quais ele se manifestava politicamente. Se nao, vejamos: "A histor ia
do po vo e a historia
estas instituicoes
E
das instituicoes municipaes.
que ele vem a interferir
no gover no
por
d a socied ad e,
adq uir indo voto em cortes; foram ellas que auxiliar am mais efficazmente 0 homem d e tr a balho a passar da ser vid ao par a a liberd ad e. ( ... )".
" Na
classe popular
a presentavam-se
tambem
diver s as gr adua-
coes. A bai xo d os homens bons, dos vizinhos, que propriamente tituiam
0 elemento
laCao numerosa, igualmente
politico dos concelhos,
que s e encontrava
nos senhorios
solarengos, jugueiros, navam os individuos estr anha
ou cultivavam
d a populaCao 0 predio
cons-
e do rei. Homens
e ainda
outros
como
d e criacao,
voca bulos,
inferior , q u e ha bitavam
alheio".
nantes da metropole e as da colonia".
Trata-se de ur n pacto colonial que se teria realizado na vigencia de interesses reciprocamente interdependentes, cristalizados no chamado e xclusivo colonial, isto e, a reser va de mercados para os seus respectivos produtos: urn intercambio controlado entre os produtos primarios e os produtos manufaturados. Este pacto de convivencia entre as classes dominantes metropolitanas e as coloniais e rompido com 0 desenvolvimento de urn capital industrial. Surge, com ele, na colonia, em sua classe dominante, 0 sentimento e 0 movimento de oposil;ao it eternizal;ao da relal;ao colonial. Iluminado por esta definil;ao de relal;ao colonial, Decio Saes conceitua 0 "Estado escravista colonial" como
havia uma po pu-
tanto nas terr as m un icipais
particulares
mancebos,
0 povo,
" ... ou seja, a definicao da r elacao c olonial como urn processo de partilha - ainda que d esigual - de vantagens entre as classes domi-
desigem casa
82
As instituil;oes, tanto as de doar;ao, quanta as mumc1pais, foram elaboradas para fortalecer 0 poder central. Elas sao instrumentos de coIicentral;ao do poder real em detrimento da nobreza latifundiaria, leiga ou eclesiastica; trazem a marca antifeudal, pois nao geram privilegios e obrigal;oes. Quanto ao carater colonial da estrutura juridico-politica do Estado, Saes caracteriza-o por uma rela{ :iio complexa de "interde pendencia reefproca" entre "as classes dominantes brasileiras e as classes dominantes portuguesas". Saes fundamenta sua interpret al;ao em Gorender e Williams, os quais formularam a ideia de urn pacta colonial, (81) Tanto Saes quanta Gorend er denotam o'Estado portugues d e f eudal e m suas respectivas o bras, jll c itadas. (82) Gama Barros, Henrique da (1945). o p. cit . , Torno Ill. Sec~ao IV: "0 povo", pp. 13-123(cit. p . 13 ). A tradi~ao d a elei~ao e uma car acter istica da institui~ao municipal. Ver Rau, Virginia (1982), o p. cit. ("0car g o de sesmeiro e a hier arquia das magistr atur as municipais. Elei~ao concelhia e confirma~ao r egia du rante os seculos XIV e XV" ( ...), p p. 58 e segs.); Leal. Victor Nunes (1976), op. c it ., pp . 105 epassim.
" ... urn Estad o burgues)
escr avista
era integrado
cujo a par elho
tanto por membros
bur ocr atico-militar d as classes dominantes
(pred a
Colonia quanto por membros das classes dominantes da metropole, estando portanto sujeito ao comando das classes dominantes de duas formacoes sociais distintas (uma formacao social escravista moderna e uma formaCao social feudal onde se desenvolvia 0comer cio)".
Essa conceitual;ao conduz it conclusao de que 0 Estado escravista, em sua caracterlstica colonial , e, ao mesmo tempo, 0 "Estado das classes dominantes locais e 0 Estado das classes dominantes portuguesas", 83e que a unidade entre eles e construida no pacto colonial, assegurando, pela reciprocidade de interesses, a dominancia do bloco que se constitui, ou seja, a dominancia da fral;ao hegemonica. Observe-se, desde ja, que 0 conceito de bloco no poder foi formulado por Poulantzas,84 como urn fenomeno particular das formal;oes capitalistas, portanto, do Estado Capitalista. Transplantando 0 conceito de bloco no poder para a analise do Estado escravista colonial, Saes entende que ele se concretizava por meio "da politica
(83) De Saes, Decio (1985) ver : "0estad o escr avista mod erno", item 2: "A f ase colonial do Estado escr avista moderoo no Br asil - meados d o seculo XVI ate 1808", pp. 86-96 (cita~Oes das pp. 90 e 92). (84) Poulantzas, Nicos(1971), Pod er polit ico e classessociais , Porto, P or tucalense, 2 v.
(de defesa externa, repressao interna, impostos, etc.) executada por esse Estado". A hegemonia, exercida de uma forma instavel, ora se faz por urn dos sub-blocos, ora por outro. A subdivisao do bloco no poder apresenta-se, segundo Saes, como "... 0 das
classes dominantes locais (fazendeiros escravistas, latifun· diarios nao-escravistas, mercadores) e 0 das'classes dominantes por' tuguesas (mercadores,
nobreza feuda!)".
85
No nosso entendimento, as classes sociais saD exclusivas ao modo de produ~ao capitalista. 86 E nele que se detelminam as rela~6esde apropria~ao (de propriedade) capitalista atr:ves de.su?sun: ~ao formal e real do trabalho ao capital. Esta rela~ao capltahsta e uma rela~ao puramente economica, ultimada na vontade de homens livres e na sociedade de homens livres, onde 0 direito formaliza e universaliza 0 exercicio da liberdade entre os homens livres. Nao me parece teoricamente sustenHlvel transpor as. ca~egorias ?i~toric~s que saDexclusivas ao modo de produ~ao capltahsta e _aphca-la~ as forma~6es sociais nao-capitalistas, no caso, a formaerao escravlsta colonial moderna. Voltaremos ao assunto, quando analisarmos a questao da produ(:iio social, classes, estamentos e castas.
4. FEUDALISMO E COLONIZA<;AO: UMA TESE VARIANTE MARXIST A Nesta apresenta~ao das principais teses sobre a forma~ao da sociedade colonial brasileira, deixamos para 0 fim a discussao feita pelo marxismo ortodoxo, que afirma a existencia da produ~ao feudal desde os primordios da coloniza~ao brasileira. Destacam-se nesta linha teorica as teses defendidas, parcialmente, por Nelson Werneck Sodre, e, totalmente, por Alberto Passos Guimaraes. 8 7 (85) Saes. Decio(l985), op. c it. • pp. 94 -5. (86) Hirano, Sed; (1975). o p. cit . , pp. 81 e passim. Ver tambem Florestan Fernandes, As classes sociais na Am erica Latina. Rio d e Janeiro, Pa z e Terra, p. 173. (87) Guimarlles, Alberto P assos ( 1977), Quatr o seculos d e latifundio , 4~ ed.,. Rio de Ja · neiro, Paz e Terra, pp. 28, 29, 30 e 31 . Guimarlles afirma que "A passagem do feudahsmo para 0 capitalismo verificou-se quando a t od as as condi~Oesacumuladas gradualmente , velo acrescentar·
Para este autor as institui~6es de doa~6es (as capitanias hereditarias e as sesmarias) asseguravam aos colonizadores portugueses 0"mono polio territorial" de base feudal. No feudalismo colonial, 0 servo da gleba adquiriu a forma regressiva de escravo, base de toda produ~ao escravista colonial voltada para 0 mercado mundial. Alberto Passos Guimaraes prossegue, afirmando que "0 sistema de planta~ao que varios economistas e historiadores pretendem apontar como unidade economica do tipo capitalista, constituiu de fato, sem qualquer duvida, a expressao realizada do feudalismo colonial. Para ele, 0 carater comercial da produ~ao colonial escravista seria uma caracteristica do mercantilismo e nao do capitalismo. 88 Em contrapartida, para Nelson Werneck Sodre, na forma~ao social colonial brasileira, a produ~ao baseada no trabalho escravo era pre-capitalista: fundamentalmente escravista e parcialmente feudal. Esta produ~ao escravista colonial "foi uma conseqiiencia da expansao mercantil" .89 Ao lado do carater escravista da produ~ao
se aquela que possibilitou 0 saito qualitativo: 0 fim da coa~llofeudal, da coa~llo extra·economica sobre 0 trabalhador, para que ele pudesse vender livremente sua for~a de trabalho , como assalariado, ao capitalista" (p. 30). No sistema de plantafiio, como alias no conjunto da economia pre-capitalista do BrasilColonia, 0 elemento fundamental , a caracteristica dominante 11 qual estavam subordinadas todas as demais rela~Oeseconomicas, e a propriedade agraria feudal, sendo a terra 0 principal e mais importante dos meios de produ~llo " (pp. 30 e 31). "0fato de se destinarem ao mercado exterior, sob 0 controle da metropole, os produtos obtidos atraves desse mesmo sistema , so contribui para juntar IIquele urn novo elemento: a con di~llocolonial" (p. 31). "0monopolio feudal e colonial e a forma particular , especifica, por que a ssumiu no Brasil a propried ade do principal e mais importante dos meios de produ~llo na agricultura, isto e, a propriedade da terra" (p. 35). Deve-se advertir que A. P. Guimarlles ve, na implanta~llo do "modo de produ~llo do a~u~ar" que modelou "nos primeiros tempos da coloniza~llo 0 regime de terras e , demais, toda a sociedade
que entaa sobre Sle se erguia", a existencia
"de dais regimes economicos:
~ re gime
feudal da propriedade e 0 regime escravista do trabalho", p . 45. 0 carater escravista e tambem observado por A. P. Guimarlles, e nllo apenas por Gorender e outros , (88) Guimarlles, Alberto Passos (1977), op. cit. , pp . 28-9. (89) Sodre, Nelson Werneck, Hist6ria da burguesia brasileira, op. cit . , pp. 33-6 e 37, Sodre afirma que a empresa colonial de produ~ llo so foi possivel com 0 trabalho escravo s uprido pelo trMico negreiro. "Ela foi montada para atender ao mercado europeu (.. . ): a ninguem ocorreria a ideia de transferir-se ao Brasil, nos seculos XVI e XVII , para produzir com 0 seu proprio trabalho, 0 trabalho de seus proprios bra~os , e produzir apenas 0 necessario ao seu sustento , ao sustento do proprio produtor e de seus familiares . Tratava-se, essencialmente, de produzir excedentes, e grandes excedentes , destinados ao consumo de outras areas, e distantes, destinados ao mercado. A finalidade mercantil estava intrinseca na empresa colonial . Mas, para produzir grandes eXFedentes, tornava-se
imprescindivel,
desde 0 inicio, trabalhar com e s c r a V Q S , possuir es-
agroexportadora moderna, coexistem, no entender Sodre, as relal;oes de produl;a o de carater feudal: "A amplia~ao
d a area em que se instalam
de Werneck
r elary6 es feu dais no Br asil e
urn pr ocesso que a brange a hist6r ia do pais d esd e 0 inicio da coloniza~ao q uase, e chega aos nossos dias. ( ... ). Em torno d a a r ea a ~ucareir a escravis ta ,
e c onstituindo
amplia a ar ea f eudal.
0 seu
fund o,
Dai a diferen~a,
0 seu
inter ior ,
que s e a pr ofund a
sur ge e se ao lon go do
tempo, entr e 0 sert ao e 0 litoral. Neste, pr ed ominam as r ela~oes e scravistas, de inicio a bsolutas; no sertao , S aD absolutas as r elary6 es f eudais. ( ... ). No s ertao, surge uma sociedade diferente, com 0la~o de depend encia
pessoal
nitido entre
0 ser vo
e
g er an do
de honra r esolvidas pel a v iolencia ,
q uestoes
0 pod er senhor ia l ( ... ). Trat a-se q ue distinguem f eu da l d e tra ryos evid ent es". 90
ou as
d e uma sociedad e
Em trabalho anterior , denominado Forma~ao Historica do Brasil , Sodre nao matiza a formal;ao social colonial, considerando-a escravista: " ... a conclusao a que leva 0 exame da realidade e que 0 Brasil iniciou a sua existencia colonial sob 0 modo escravista de prodUl;ao" . 91 Esta tese n ao discrepa de Gorender e de Decio Saes, razao por que os reparos feitos as obras desses ultimos autores igualmente se aplicam it interpretal;'ao de Werneck Sodre a respeito da natureza da formal;ao social colonial brasileira.
cr avos, e muitos escr a vos. ( ... ). N Ao tend o a t err a, -
havia terr a em a bund ancia,
did a e a caracteristica
d o sistema pr odutor "
"0 escravismo
explor a~ao de tod o
period o
0
vimento da empr esa
inicialmente,
d e a pro pria~Ao
qualquer -
significa~Ao economica
0 escr a vo
representava
es cr a vo e a base. Essa ex plor a~ao
em que
0
Br asil ser a f orneced or
important e
d o ca pital
a me-
(p. 36 e 37).
colonial sur ge d e ssas condi~Oes e d efine os tr a~os d a empr esa
d o trabalho
fico sera aiividad e
sem pr eced enci a
comer ci al
de p rod u~Ao a~ucareir a,
se processar a
0tra-
u ni co d e a~ucar ao mer cad o mundial.
pe~a essenci al
A
a~ucareira.
em gr and e escala, ao l ongo
l uso e h oland es,
s. A FORMA<;AO
COLONIAL BRASILEIRA: CASTAS, ESTAMENTOS OU CLASSES?
alem d o l a~ o
0 senhor ,
economico da presta~ ao d e se rvi~o ou da contribui~ao em es pecie. ( ... ). Nele ocorrem estr atifica~oes eticas, como as que r esguard am a familia,
Quanto a Alberto Passos Guimaraes, a produl;ao hist6ricosociol6gica paulista, das decadas de 60 e 70, se encarregou de refutar-Ihe a interpretal;ao feudal. No nosso modo de ver , a produl;ao escravista colonial era uma produl;ao comandada pelo capital mercantil, que realizava uma acumulal;ao nao-capitalista, com evidentes tral;os pre-ca pitalistas, mas nao feudal.
conjugad o
com
0
desenvol-
dela" (p. 37).
Estas analises sobre a formal;ao social colonial brasileira remetem it questao das relal;oes sociais de produl;ao, e, portanto, da estrutura social correspondente. Na tese variante do capitalismo como modo imperante, adotada por Luiz Pereira, Caio Prado Junior e Fernando Henrique Cardoso, a estrutura social que correspondeu ao "modo colonial de produl;ao capitalista" era a de classes: "Nao er am pr e-ca pitalistas, pois, for am criad os pel a expansao pitalismo comer cial. .. ". "Enfim, er am, de modo especifico, colonial d e pr odu~ ao c a pitalista ... ".
uma classe d efinida
do ca·
no modo
92
Para Octavio Ianni, as formal;oes socia is escravistas coloniais estruturavam-se numa "sociedade fundada na casta de escravos" e na " casta de brancos" . "A condil;ao de 'branco' somente se objetiva plenamente" na condil;ao de "proprietarios de escravos, ou seus substitutos, os agregados", pois "bran co e negro saG funl;oes reci procas: urn inexiste sem 0 outro". No entender de Ianni, "e nesse sentido que emergem e se estruturam os componentes basicos de urn sist em a societario d e castas , dicotomizado em senhores , manc£pios e negros": .
(90) Sodr e, N. W ., op. Cil., pp. 44-5 (grifos nossos). (91) sodr e,
N. W. (1962),
Sodn~,0 carate r esc ravi s t a c ravi s ta:
.. ... no Br asil,
0
Formafiio
v a; p e r de nd o, modo escravista,
hisl6 r ic a
do Brasil.
sao
co m a c rise da eco n o mia com tr ansi~ao
( pp. 82, 162, 163 e 1 64: cita~Ao d a p. 169). Encontr amos d o m ar xismo em Guido Mantega (in A economia polilica Vozes, 1984: Ca p. 4: "0 modelo democratico-burgues",
para
0
Paulo,
Brasiliense. Para
af u ca reir a .
0 seu
as pe c to
e s·
modo f eudal em vasta s z onas"
uma analise br asileir a.
cr itica
a ver tente
sao Paulo,
p p. 158-209).
leninista
Petr opolis;
Polis.
(92 ) C ar doso, e e scr avidiio
Fer nand o
no Br asil merid ional
Henr ique (1962),
(1975), o p. cil., p. 111. Sua obra anterior , Capilalismo sao Paulo,
tese d e doutor amento,
cujo titulo er a: F orma f iio
na ord em escr avocr ala
d o Ri o Grand e d o S ui , 196 1.
Dif us ao
e d esinlegr afiio
Eur o peia
do Livr o, resulta
d a soeied ad e
d e casIas:
de sua 0
negr o
"A propriedade privada dos meios de prodUl;ao, por membros do gru po br anco; a prodUl;ao social por individuos de uma unica rac;a, a negra, africana, ou a casta dos escravos; a posse, pelo branco, do produto do t rabalho e d a propria pessoa do trabalhador negro; eis os requisitos fundamentais do sistema social. Alem destes, outros devem ser considerados, tambem essenciais ao pleno funcionamento do regime: urn sistema rigoroso, drastico, de controle do comportamento social do trabalhador cativo, impedindo-lhe qualquer tipo de evasao; mecanismos de socializac;ao proprios das camadas sociais super'1ostas, ordenadas como segmentos socio-culturais no interior da comunid ad e; impossibilidade de mobilidade social vertical; endogamia intr a-r acial; regras de conduta ordenadas segundo urn padrao de obediencia rigida dos negros em f ace dos brancos, senhores ou nao". 93 Para Florestan Fernandes (e Fernando Henrique Cardoso em sua tese de doutoramento), a organizac;ao da economia e sociedade estruturou-se em termos de regime de castas e estamentos. A pro pria colonizac;ao do Brasil coincidiu com as etapas finais da crise do mundo medieval na Europa e com a elaborac;ao concomitante das form as sociais que floresceram sobre os seus escombros, pois "... a propria coloni za{:iio pr essupunha em terras brasileiras como em outr as pl agas, a r evitaliza{:iio do regime estamental , grac;as it simbiose entr e gr ande plantac;ao, tr a balho escravo e expr o priac;ao colonial". Quanto a formac;ao do Estado nacional rolou-se, segundo Florestan Fernandes,
independente
Para Florestan Fernandes, a ordem social competitiva e acima de tudo "uma configurac;ao de papeis economicos, dissociados das posic;oes sociais dos agentes e grupos humanos envolvidos e classificados social mente por criterios economicos, sociais e culturais que requeriam a existen ci a e a combinar ;:iio de estamentos e castas". A ordem social competitiva, com sua reproduc;ao ampliada de capital, e em sua especificidade historica, estrutura uma sociedade de classes.9S Autores como Fernando Novais, Joao Manuel Cardoso de Mello e Raymundo Faoro - este ultimo por razoes teoricas diversas - compartilham a tese de que 0Brasil-colonia ja era capitalista e se estruturava em term os estamentais. Como ja vimos, para eles, "Absolutismo, sociedade estamental , capitalismo comercial, poHtica mercantilista, expansao ultramarina e colonial" se interagem e se articulam formando uma totalidade complexa, denominada, pela tradic;ao, Antigo Regime. A persistencia, nesta totalidade complexa, da sociedade estamental funda-se na diferenciac;ao social e na apro priac;ao de privilegios juridicamente reconhecidos. Carlos Guilherme Mota, no livro Nordeste 1817, fala em sociedade de ordens (estamental): "A socied ad e de ordens, que nun ca se definir a com clar eza nas ar eas coloniais, permanecia fornecendo as coordenadas basicas no campo jur idico par a as conce pc;oessociais ocorrentes no Br asil". 96
desen-
" ... sem que se processassem alterac;oes anteriores ou concomitantes na organizac;iioda economia e da sociedade. Portanto, ela se deu sem que 0 r egime de castas e e stamentos sofresse qualquer crise, pois el e constituiu a base economica e social da transforma{ :i io d os senhor es rurais numa aristocracia agraria". 94
(93) Ianni, O ctavio (1962), As m et amorf oses do escravo , SAoPaulo, DifusAoEuropeia do Livro, pp. 134-5. Vide tambem E scravid iio e radsmo. op. dt ., pp. 29 e passim. Ver tambem Stein, Stanley J. e Stein, Barbar a H. (1977), A heran~a colonial da America Latina, 2~ed ., Rio de Janeiro, Paz e Terra, Ca p. III - "Socied ade e Estado"; 0 fen6tipo e a inferioridade do negr o, "Iegamente sancionados, ajustaram-no de imediato a sociedade de c astas" (pp. 51 e passim). (94) Fernandes, Florestan (1968), So ciedad e de classes e subdesenvolvimento , Rio de Janeiro, Zahar , p. 22 .
Carlos Guilherme Mota observa que sao conhecidas as dificuldades de se ajustar a estrutura juridico-politica vigente nas areas metropolitanas as novas realidades geradas pela colonizac;ao. A epoca da revoluc;ao nordestina (1817), a separac;ao por ordens era' problematica. "Clera, nobreza e povo nem sempre aparecem como as ordens constituidas basicas da sociedade". As categorias mais
(95) Zenteno, R aul Benitez ( or g .) (1977), A s classes sociais n a America Latina , Rio d e Janeiro, Paz e Terr a ; ver F ernandes, Fior estan: "Pr o blemas d e Conceitua~Ao d as Classes Sociais na Am er ica Latina", pp. 197 e 173. P ara Flor estan, "0 elemento capitalista central na economia colonial pr ovinha do comer cio c olonial interno e externo, 0 qual impunha f orma de a pr o pria~Aoe de expr o pria~Ao - e, p ortanto, d e ac umula~Ao de capital - pr e-ca pitalist as . 0 r e ver so d o capitalismo comer cial, na America L atina, er a urn sistema d e pr odu~iio colonial , estrutur al e dinamicamente ad aptado a natur eza e as fun~Oesd as col6nias de ex plor a~Ao", pp. 18 5-6. (96) Mota, Carlos Guilherme (1972), Nord est e 1817, SAa Paulo, Ed . d a Univer sid ad e de SAaPaulo e Per s pectiva, p. 10 6.
freqiientes sao "Camara , Nobreza e Povo" e noutro contexto " Fida/guia, Nobr eza e Povo", Os revolucionar ios de 1817, numa proc1a-
e, ao mesmo tem po, ressaltar a tecnica d efeituosa d e generaliza~ao que.~em leva d o a impr opried ade no usa d esses conceitos".
ma~ao aos habitantes de Pernambuco, representavam-se na qualidade de eleitos " entre as ordens do estado". Segundo Mota, as instru~Oesmilitares eram sempre no sentido de dar seguran~a ao Governo que eles personalizavam, estendendo-a as familias e aos estados:
. Seu .el~ment? centr al e a concep~ao de honr a, e p or tanto, 0 que ha de m als mextncavelmente Iigad o a ideia d e pe ssoa Ao t •. . d d ' . . con r ano, 0 unIver so. 0 mhel.ro e do m ercad o e st ao a tr avessad os por f or ~as inteir ~~ente .Impessoals e d e tod o estr anhas a d efini~ao honor ifica de posl~ao socIal". . "~ d es peito d a pr esen~a pla~tIcos), nao se com pletou
"OS estad os
(estamentos), entendid os no senti do de posi~ao social, permaneciam informando os horizontes d a conscienci a s oc ial nor des-
d ad e d e ~lasses. 0 poder pessoalla esta va a impedir que isto acontecesse, hltrand o, por seu pr isma d e solidao, 0 mund o mater ia l e 0 mundo humano".
tina, d e m aneira difusa". "A n~ao
de classe surge Iimpid amente associada
pr o pried ad e, Iiberd ad e, direitos sociais e r evolu~ao".
as n~oes
de
97
Urn documento assinado por Jose Luis de Mendon~a contem as seguintes frases: d e todas as classes",
" ... br asilei ro s maior segur an~a
mam u rn "imenso r eitos sociais".
isto e, "os filhos d a p at ri a
e m ais distinto mer ecimento povo" entrasse
pessoal".
de
( ... ) que for-
"na posse dos seus legitimos
di-
98
tr adicional
usar os conceitos de relacyao comunitaria, e d e socied ad e
tipos id eais, par a e sclar ecer
Em suma, para Maria Sylvia, a sociedade colonial nao apresentou as caractensticas tlpico-ideais da forma~ao estamental e sequer as da so~iedade de classes, Ela se constituiu "tendo por base a grande propnedad~ ~~diaria, e todos os personagens estao presos num .m~ndo autontano e contradit6rio: a propriedade fundiaria constItUl sua forma especifica de riqueza, aliando-se a domina~ao pessoal: Nulle terre sans seigneur e L ' a raent n 'apoint d A t emalre, d' lzem os velhos adagios com entados tanto por Marx como por Web
ber ".
Mota observa que 0 documento nao mais fala em "direitos naturais", mas em "direitos sociais", produto de a~ao coletiva.99 Estas analises sugerem que as classes sociais sao produtos da a~ao coletiva dos homens: homens comprometidos com a a~ao revolucionaria, com a propriedade e com os direitos sociais, em suma, com a liberdade. No entanto, nao ha consenso, entre os interpretes da forma~ao colonial brasileira, quanto a esta tese. Para Maria Sylvia de Carvalho Franco nao se constituiram, na sociedade colonial, os requisitos estruturais da sociedade estamental: "Pr ocur ei
estamental,
con forme
su a i nad equa~ao
de autoridade os r equisitos
(98) ld ., ibid .• p. 109. (99) ld ., ibid .• ver " Novos usos e velhas palavr as:'a
dos
a so ci edad e brasileira
(97) ld . , ibid . • pp. IO S-9 .
no<;lIo de ·c lasse •••• pp. 104-41.
dess es elementos (criterio s e conomic os d e constitui~ao d e uma socie-
0 pr ocesso
100
Em con~raste, no seu livro Os donos do poder , Faoro revela que estrutura Juridico-politica e administrativa de Portugal e trans plan:a?a para 0 Brasil-colonia, colocando nele 0 estado-maior de domml~ - _est~mento - , "dependente do rei e senhor do reino", A colomza~ao e urn empreendimento real: os navios que tr ouxer am os d onatarios e os colonos nao trouxer am. urn povo. qu e tr ansmigra, mas funcionarios q u e comand am e gue.rr elam, .o br elr os d e um a empr e sa c omercial, cuja cabe~a f icou nas pr alas d e Ll s boa". :'As vilas se criavam antes d a povoa~ao, a organiz a~ ao a dminis tr~hva pr ecedia ao afluxo das popula~oes. Pr at ic a q ue e mod elo d a a~ao d~s eS lamenlos, r e petid a no Imperio e n a Repu blica: d a reahdade pela lei, pelo r egulamento. ( ... )".
a cr ia~ao
':A Ame:ica seria urn r ei no a mold ar , na forma d os padroes ultr a!lla~mos,. nao ur n mundo a cr iar . A inf lexi bilid ad e d o s capit ae s d a IndIa ser a 0 modelo d a d ur e za dos funcionar ios r ein6is no Br asil, com
a mao direita na espada e a outra no chapeu, pronto este para a wm baia ao superior , dono, em Portugal, das masmorras e dos castigos".
Com os donatlirios e os colon os vieram para 0 Brasil-colonia o estamento burocrlJtico: com a instituil;ao do Governo-Geral (1548), na burocracia do reino", 0 ou"0 fidalgo da casa real, jii graduado vidor-mor e 0 provedor-mor, encarregados, 0 primeiro, pelos neg6cios da fazenda e 0 segundo pelos neg6cios da justil;a: "0 novo sistema durou enquanto sua moldura,
durou a colonia.
as vezes rigida, outras
Por via dele, na
vezes flutuante,
minou, controlou e governou sua conquista". "A sociedade colonial nao esgota sua caracterizac;ao administrativo
e
0 estado-maior
a Coroa docom
0 eSlamenlO.
de dominio.
0 quadro
Esta mi-
noria comanda, disciplina e control a a economia e os nucleos humanos. Ela vive, mantem-se e se articula sobre uma estrutura de classes, que , a o tempo que influencia configur ad or ,
0 estamento.
dele recebe
no campo politico. 0 patrimonialismo,
0 influxo
d e ond e brota a
ord em estamental e b ur ocr atica, haure a seiva de uma es pec ia l contextura economica, definida na expansao maritima e comercial d e Portugal".
10\
Na tradil;ao weberiana Faoro associa, a classe, a "ordem economica" e, ao estamento, a "ordem social". Havendo capitalismo politico, a primazia e a do"minancia recaem mais sobre os privilegios e honrarias construidos politicamente do que sobre os bens e serviI;OS acumulados economicamente. Nao se filiando a corrente weberiana, Gorender sugere a articulal;ao entre as estruturas juridico politic a e ideol6gica em relal;ao a estrutura economica. Pelo fato de Gorender considerar que hii determinal;ao e dominancia desta ultima em relal;ao as primeiras, as classes sociais deveriam prevalecer sobre os estamentos " ... a sociedade
e as castas: colonial.e ra
deixar de ser sociedade
u ma r ig id a s oc ie da de
d ; classes -
enquanto
d e c as ta s -
a percorrira
s em
de alto a
baixo a linha divis6ria entre escra vos e horn ens livres. ( ... ) Jii no ambito dos homens livres, vigorava uma hierarquizac;ao estamental todavia, era imprescindivel a sanc;ao das relac;oes de mercado".
Hii, portanto, segundo a variante te6rica que analisamos, as pectos contradit6rios na estrutura social colonial brasileira: em vez de prevalecer a estrutura economic a prevalece a estrutura juridico politica. Nem por isso, a sociedade colonial deixa de ser "sociedade de classes": ela seria de castas e, ao n1esmo tempo, de classes. As castas e as classes, substantivamente, seriam identicas? Para n6s nao sao identicas, como veremos.103 Em suma, hii, em Gorender, uma homologia entre castas e classes e diferencial;ao entre estas e os estamentos, nao deixando de haver urn privilegiamento do economico: "Vistos tais aspectos contradit6rios da estrutura social, passemos a uma apreciac;ao sumaria do privilegiamenlo economico dos plantadores pel a Coroa portuguesa" .
A partir desse principio de homologia, nao se usa 0termo estamento com freqiiencia; ele e substituido pelo termo classe: "a classe dos plantadores coloniais" .104No mesmo sentido, para Decio Saes, a sociedade colonial brasileira, dos meados do seculo XVI ate os fins do seculo XIX, "foi uma sociedade de classes e, simultaneamente, uma "sociedade de ordens", sendo, 0 primeiro, aspecto dominante e, 0 segundo, aspecto subordinado. No entender de Decio Saes, e dificil "comprovar a existencia de estamentos dentro da ordem dos homens livres, no caso brasileiro": "Os privilegios juridicamente homens livres de outros, urna nobreza hereditaria, converter
a propriedade
da terra no resultado
legio (ordern de nascimento), ja permeadas
pelo
fixados, capazes de diferenciar
homogeneos",
sem que represente
seja possivel, provavel e freqiiente
p. 203.
uma comunidade
com base na situa9ao
-
embora
comum e em interesses
a
(102) Gorender ,
escravismo
(os artesaos
a estabelecer
Jaco b (1978), o p. cit ., p . 526.
(103) Questao desenvolvida (104) Gorender ,
exclusivo de urn privi-
e nem mesrno as corporac;oes
(101) Faoro, R. (1977), o p. cit ., pp . 120, 121, 144, 146 e 203. Sobre as classes, diz Faoro:
. . . . . e um fenomeno da economia de mer cado,
alguns
nao lograram se irnplantar aqui: inexistiu a lei do rnorgadio se revelou inca paz de
como auxiliares), chegararn
a9ao comunitaria
a qual, 102
adiante.
Jacob (1978), op. c it ., pp. 526-7.
ernpregavam urna
de oficio, escravos
diferenciac;ao
esta-
mental entre mestres e aprendizes. Na verdade, as contradi95es entre as classes sociais articulad as a ordem dos horn ens livres determinar am a f orma9ao, nao d e estamentos, e si m d e u ma diferencia9ao politica fund ad a em c r iterios censitarios" .105
Estes criterios censit arios , fundamentalmente economicos, ser viram para impulsionar a mobilidade social e a "circula<;ao dos homens livres por entre as classes sociais articuladas a essa ordem". Hl6 Como a tese sustenta1a por este autor preconiza a existencia do Estado Escravista Colonial no Brasil e a existencia de classes que, atraves deste Estado, exercem a domina(:iio de dominant es , classe, pode-se concluir que a sociedade colonial e , fundamentalmente, uma sociedade de classes. Tal conclusao equivale a dizer que a domina<;ao e a hegemonia eram exercidas pela classe dominante local (fazendeiros escravistas, latifundiarios nao-escravistas, mercadores), cooptada pela classe dominante portuguesa. Assim, 0 Estado Escr avista Colonial e estruturalmente, tanto para Decio Saes, como para Gorender , urn Estado de classes. Temos classes na estrutura social vigente, tanto na produ<;ao baseada no escravismo quanto naquela baseada em rela<;6esfeudais: dominantes e dominados. Ha, de acordo com Werneck Sodre, inicialmente, uma "associa<;ao de interesses entre a classe dominante colonial, de que os senhores de engenho representam a fra<;aomais importante, e a classe dominante metropolitan a" . Esta associa<;ao inicial e tornada contradit6ria e conflituosa, quando os interesses de uma classe dominante em rela<;ao a outra particularizam-se: dai surgem os movimentos nativistas de alteridade politica, colocando a questao da independencia. Em conseqiiencia da antiga "contradi<;aointerna entre a classe de senhores de terras e de escravos e a popula(:iio colonial , agravada pelo fato de ter sido aquela mandataria e procuradora da Metr6pole em longa fase, e que as manifesta<;6esde rebeldia se operam mais entre as camadas niio senhoriais do que dentro da classe senhorial , camadas fracas e condenadas a derrota, porque suas reivindica<;6esnao interessavam a classe senhorial, quando nao se voltavam contra ela". 107 (105) Saes, Decio (1985), o p. cit ., pp. 82-3. (106) Saes, Decio (1985), o p. cit ., pp. 81-3. (107) Sodre, N. W. (1962), o p. cit. , p. 171. Ver tambem Mantega, Guido, e Card oso, Ciro, para criticas as teses feudais e , es pecialmente. ao contelid o d ogmatico d elas.
Finalmente, Alberto Passos Guimaraes fala em casta de grandes proprietarios, instituid a pelas cartas de d oa<;ao, rebaixando 0 membro d o povo a posi<;ao d e ser ur n simples arrendatario. Este processo de arrendamento aos pequeno s colonos criou uma classe de e ela "a primeira forma de trabalho livre" ao agregad os agr fcolas: lado "d o tra balho escravo". Ao analisar 0 car ater de classe e, dai, a desiguald ade, que presidia na distribui<;ao de sesmarias, 0 autor de Quatr o S eculos d e Latifundio afirma: " Nao chegaria
a distribui9ao
d a s sesmarias,
por mais d esigual
e in-
justa que fosse, a se af astar d os limites d a c lasse d os senhor es. Apenas a injusti9 a c onsistia, par a a e poca, em criar a d esiguald ad e dentro d a classe d ominante, composta
d e nobr es e plebeus
os ' homens bans' de qualid ad es di9aO, a mer ecer em
dignificante
0
ou d e posses,
r icos ou r emediad os, unicos,
por sua con-
titulo de senhor es d a terra".
Na medida em que as analises de Werneck Sodre e Passos Guimaraes se fundam na primazia da produ<;ao, centradas na forma de propriedade (sesmaria) e na organiza<;ao da economia a<;ucareira (engenho), ou seja, na unidade produtora, a estrutura correspondente a mesma e fundamentalmente de classes. Preside a concep<;ao de luta de classes. 0 monop6lio da terra e a organiza<;ao de engenhos refor<;am "0 poder absoluto dos grandes senhores", ao mesmo tempo em que as popula<;6es "menos providas encontram-se em dificuldades" agravadas. A Metr6pole interessaria "colocar-se ao lado dos senhores mais poderosos , respeitar-Ihes os privilegios antes que contraria -Ios": "Nem se com preen de ria que fosse d e outro modo, conhecidas
as con-
di90es economicas e politicas do Reino. A medida em que agravava processo d e d esagregar;iio da soc iedad e portuguesa , d esenvolviam-se, igualment e,
no Brasil Colonial , os antagonismos
d e classe".
0
108
Em rela<;aoa outra tese variante marxista, personificada em Gorender e Saes, a enfase e no car ater escravista e c olonial da produ<;aosocial brasileira, havendo no interior da forma<;ao social seqiielas de tra(:os f eu dais , mas pr edominando, em ultima instancia,