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Copyright © 2008 by Roberto Schwarz 1ª e di çã o, Paz e T er ra , R io d e Jan ei ro , 1 97 8 Capa
Mariana Newlands sobre Epi ódios 19 58
ól eo s /te la de Mar ia Leo nt ina . 55 x 3 3 cm.
Coleção particular. Reprodução Rômulo Fialdini. Preparação
Leny Cordeiro Revisão
C ar me n S.d a C osta Valquíria Della Pozza
D ad os
I nt erna cion ais
d e C at alog ação
n a Pub lica çã o
C âm ara B ra sileira d o L iv ro ,
SP,
CIP
Brasil
ao meu mestre açu Acê
Schwarz, Roberto
o p ai d e f am ília
e o ut ro s est ud os / R ob erto S ch wa rz.
S ão P au lo : C om pa nh ia
d as L et ra s, 2 00 8.
ISBN978-85-359-1230-2
C rítica lit erária 2 . E ns aios
b ra sileiros
08-03402
Título. CDD-869·94
índ ice p ara cat álog o 1.
I
s is temá tico :
E nsaios: L iter atur a br asileira
8 69 ·9 4
[2008] T od os o s d ir ei to s d esta e di çã o r eser va do s à E DI TO RA
S CH WA RC Z
L TD A.
R ua B an de ir a Pau li st a 7 02 c j. 3 2 04532-002 - São Paulo ~ SP Telefone 11 3707-3500 Fax ll
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umár o
, Sobre O amanuense Belmiro
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A tr ibulação de um pai de famíl ia
22
O cinema e Os fuzis
29
Sobre o raciocínio político de Oliveiras S. Ferreira. .. .. .. .. .. .. .
37
Nota sobre vanguarda e conformismo Didatismo e literatura
47 55
Cultura e política, 1964-1969.................................................
70
19 princípios para a crítica literária
112
Termos de comparação de Zulmira R. Tavares...................... Utopia..
115 117
Anatol Rosenfeld, um intelectual estrangeiro As casas de Cristina Barbosa..................................................
119 133
Cuidado com as ideologias alienígenas Revisão e autoria.....................................................................
136 146
Sobre as Três mulheres de três PPPês
150
Nota bibliográfica
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obre
m nuense
elmiro
Grandes obras são aquelas que têm sorte em seus pontos mais duvidosos Theodor W. Adorno
As páginas
iniciais d O amanuense
rias, no andamento bar de parque, o cervejeiro
e na variedade.
soldados
alemão,
uma roda de chope sica. A narrativa
e mulatas
garçons,
elmiro são extraordiná
Com poucas linhas vemos um indo e vindo,
m úsica
de vitrola,
essa já chegada
ao nono
mesas de ferro, povo dançando, copo e à metafí
é clara e sóbria: as coisas são o que são, atendem
pelo nome, não precisam
ser explicadas.
Mesmo
o argumento
de
Si lvi an o, s obr e a co nd ut a c at ól ica : não l ev a o l ei to r a p ens ar . filo s of ia d e bo te co , p ar a s er v is ta mai s qu e med it ad a. do capítulo, o brio do andamento
Também no s egu n
é igual. Entramos
em casa de Bel
mir o, e a pa re ce m as su as i rmãs v el has , Emíl ia e Fr an ci sq ui nha ;
uma
é esquisita, a outra, louca, uma faz renda de bilro e a outra embara ç a os fi os . A d es env ol tura
d es sa p ro sa , a s ua f ac il idad e e ra pi de z, d e9
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vem-se à familiaridade do tema: chope, discussão, ponto de bonde,
sada.Uma dessasdiscussõesem que nós, Borbas,nos dizemos coi
são coisasque dispensam apresentação; ejuntadas com propriedade,
sasduras, para depois, num desfechomelodramático, nos abraçar
com graça no detalhe, têm força evocativa.
mos. O velho voltou com uma grande dor no coração,para gra
É no terceiro capítulo -
embora a prosa continue a mesma
que a experiência deleitura semodifica: surgem problemas. Bel
miro Borba, filho de fazendeiro s, deixa a Vi la Caraí bas e vem a Belo Hor izonte, onde se torna amanuense e literato. A transfor
vame de sua insuficiência mitral, e mais tarde um deputado me introduziu na burocracia. § ]
o destino
de Belmiro definiu-se nestas linhas, que não po
mação não é de cenári o apenas: gira em t orno de um confli to, de
d eriam ser mais brev es, n em meno s d efini dor as. Há método no
modo q ue nosso int eresse passa do perceptível
proced imento:
que a palavra faz
em n ome de alg o como pudor, ou modést ia, ex
ver simplesmente, para a significação dramática. Tive amores infelizes, f iz sonetos : o sentido da frase não está mais nela mes
clui tudo que possa precisar a situação. Da discussão sabemos que
ma, mas no desvio da linhagem rural': na referência ao velho pai
sidades sentimen tais e espirit uais são ardentes -
fazendeiro, aos seus cinqüenta artigos, em série, sob a epígrafe
Belmiro -
geral de Rumo
Gleba. E mais, nem a oposição entre filho e pai
lhes dá o chei ro da literati ce. E fato final: um lugar n o mundo, na
pode ser entendi da p or si só , p oi s é parte de uma co nstel ação co letiva, da extinção do brilho rural . Aos fatos, que eram simples,
carreira b urocrát ica, pela mão de um deput ad o. A el eg ân ci a da narr ativa é derr otista; constata, e descarta o que não prevaleceu.
correspon de agora um mundo abst rato de noções, q ue os trans
Po rque não deram em literatura as n ecessi dades são de mance
Ç ;:n4e-eende a minimizar. Osfatos perderam a sua presença. Para
bo. Porque termina em abraço, uma discussão não tem razões que
recuperá-Ia, com as virtualidades
importem.
que agora são parte sua, a prosa
f oi dura e terminou em abraço; dos argumentos, nada. As neces d ariam razão a
mas não são descritas, e são de mancebo, palavra que
Se Bel miro acabou burocrata, é quanto bast a saber.
dever ia tornar- se lenta e analítica. Se entanto insiste em guardar
Perdeu-se o preço d as soluções, a medida do que não foi. A iro
a leveza de seu passo inicial , não pod erá guardá-Ia com senti do
nia, de segundo grau, mal se distingue do conformismo simples;
inalter ado: o que era felicidade da prosa plena tornou-se lepidez
ataca o poeta mais que o funcionário, o propósito mais que o fra
melancólica, esforço consciente de preservar a graça a despeito da
casso.A virtualidade não relativiza o fato; de modo que chegamos
vida. A dicção ligeira, que foi alegria de contar, transforma-se em recurso amenizador, é maneir a de poupar, de evitar o confronto
à tautolo gia, à cumpl icidade do d errot ado com a sua derrota: o po et a q ue não fo i, não foi , e existe o burocrata. A prosa risonha
radical das p osições. Aponta menos para o seu o bjeto que para a
anima -
psicologia de quem diz.
principalmen te
à submissão.
Entre as duas levezas, a substancial e a subjetiva, prevalece a segunda, que é de Belmiro e é o cont ex to em que a p rimeira, i lu
E
a mesada do velho se consumia em livros que as necessidades
sentimentais e espirituais do mancebo ardentemente reclamavam.
sentiremos o r efluxo -
Quando, num fim de ano, ele (o pai) veioa BeloHorizonte everi
leza. No episódio das irmãs velhas, a releitura chega a prejudicar
ficou o logro (literatura em lugar de agrimensura) houve cenape-
um pouco a plenitude inicial, deixa o senso do incompleto. A pro-
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sória, fará sentido. Com ef eito, se voltamos ao princípio do livro que não lhe cancela, mas transforma a be
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priedade dos Borba foi à praça, e as velhas, que tiveram de viver
seria falha em terceira p essoa narrativa, em pri meira pessoa do
sempre na fazenda, como bicho-do-mato, entre o pessoal de servi
singular é caracterização. A mistura belmiriana de per spicácia,
ço , vieram para a cidade. A nar rativa tem uma f rase par a o custo
cultura, banalidade e lirismo f ixa, em profundidade,
engraçado e visível de metê-Ias num trem, e nenhuma para a des
nagem freqüente e central na literatura brasileira.
qualificação genér ica e invisível-
mas esta essencial-
uma perso
que a via
gem lhes t roux e. A o missão não é acid en te, é parte da cegu eira profilática de Belmiro, que doutr o modo não poderia admirar na
Durante o Carnav al , Belmiro sai à rua para esp iar.
É arras
uma presença vi
tado. O braço que se lembrou do meu braço tinha uma branca
gor osa e viril . Também a primeira cena, do bar no parque, passa
e fina mão. Jamais esquecerei: uma branca e fina mão. Uma per
mana Emília, supersticiosa e destrambelhada,
por essatransformação, transposição da plenitude em clave de me lancolia, de alegria irreal. ' 'A euf oria que o chope traz
É Belmi
ro mesmo quem reco nhece o t eor um pouco l ev itado da p rosa. A
cepção entre infinitas outras, mas inesquecível. A fórmula extre ma dessa contingência está em Drummond,
que dispensa a bele
za no objeto:
confusão democrática é uma festa para os olhos: pretos reforçados cabra gordo de melenas garçons urgentes proletariado fia e teologia vitrola to de Cavalaria
mulatas dengosas
negro filoso-
conduta católica Regimen-
alemão do bar. Mas as palavras, como que eriçadas,
recusam a promiscuidade.
A enumeração
desafinada é parente
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
ancestral do discurso revolucionário: Operários, Sargentos, Cam
tinha uma pedra no meio do caminho
poneses, Estudantes, Minhas Senhoras e Meus Senhores. P reto
no meio do caminho tinha uma pedra.
reforçado e proletário, cabra gordo e garçom urgente, vitrola e Re gimento de Caval aria -
o con flit o social está sedimentado
e es
boçado no própr io vocabulár io do amanuense, cuja prosa, entre
Arabela, a donzela do castelo que tem uma torre escura onde as
tanto , festeja a tod os cordial e indisti ntamen te.
andorinhas vão pousar. Primeiro a mão, inesquecível, percepção
O andamento
ingênuo da narrativa não é realista, mas não é,também, estilização apenas pessoal: embora recatado e apolítico, o fraternalismo sen
f ora de qualquer contexto; depois o rosto, que parece realizar um mito da infância caraibana 7).A própria mão, aliás,por ser bran
timental de Belmiro tem par te na sensibilidade populista. A pres
ca e fina, pertence à Vila Caraíb as -lugar
teza da prosa não reflete, compensa o peso da experiência real.
simples e puros, da alvura e delicadeza que não existem mais. Tem
Noutras palavras, o amanuense Belmiro é f orte na evocação amável, e tímido na reflexão. O pudor é a sua fraqueza intelectual, é adversário natural da crítica descomprometida.
Mas: porque o
romance é e scr ito em fo rma d e di ár io a s freq üent es p la ti tu des her ói e p seu do aut or
de s eu
não sã o de fe it o embo ra sejam li mit e. O que
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O lha ao l ado. Pareceu-me q ue d escera até a mim a branca
pos antes, procurando
natural dos adjeti vos
um farmacêutico, Belmiro batera em casa
errada. Uma criada, que me veio atender, esclareceu logo o equí voco, mas o f ato me deixou duas impressões nítidas .. . de uma planta ser taneja, a dama-da- noite,
O aroma
e uma voz celestial que
cantarolava uma canção cantada outrora por Camila, a namorada 13
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da adolescência em Vila Caraíbas
§1O). Há duas m oças, por en
que tens a ver com isso? .Belmiro, porém, é prudente também com
quanto, herdeiras respectivas de Arabela e Camila; convergem na
o seu mét odo, que só r aramen te vence o decor o do auto r. Qu an
im agin ação , e mai s tar de, com o era de esp erar, tam bém na r eali
do o amanuense anda pelas ruas, esperançoso de ver a desconhe
dade. Belmiro descobre que se trata de uma só. A dona da casa e
cida am ad a, en trev emos o i nsólit o, o elemen to selvagem de seu
da vo z é a m esm a, lo go amad a, q ue f ez o m ito descer à t err a. Cha
estilo: a fantasia irredutível, sobreposta à conveniência. Mas são
ma-se Carmélia - misto de Camila e Arabela - e é moça da h ute gomme de Bel o Hor izont e; já Belmi ro é q uase quar então e amanuense.
apenas instantes, e a m aldição da paixão anônima, que estaria evi
O m étodo am atór io de Belmi ro n ão é reali st a. A b eleza do
dente, por exem plo , no t err or da abor dagem, não é sequ er in si nuada. A teor ia bel mir iana, da cont ingên cia radi cal do amor , é com binada aos costumes de m oço bom , de m odo que resulta ape
acidente, a coincidência involuntária das imagens atuais e da in
nas em beco e m elancolia. Quando não reivindica, a sensibilida
fância, não dá acesso a Carmélia. São inteiramente separados os
de vira sensitiva e se reduz a pedir que não machuquem;
percursos que levam ao amor e à pessoa. A figura de Carmélia res
tica de acomodação.
é esté
pon de em d etalhe ao s desejos do am anuense, tais com o o t empo os sedimentou e tornou insubstituíveis; não porque seja bela, ami
Há muito que ando em estado de entrega. Entregar-se a gente às
g a o u acessí vel, mas po rqu e evoca Ar abela e Cami la. Não é po r i sso, entr etanto , que a distân ci a en tre Belm iro e o Co untr y Club
pur as e mel hores emoções, r enunci ar aos rumos da i nt el igência e viver s implesmente
fica menor. Seu amor não passa, para formar-se, pelo assentimen
t elosament e, à mar gem do caminho, o véu que cobre a f ace real das
to ou pela recusa da amada, não se ocupa de viabilidade. É um
c oisas e q ue foi, aq ui e ali, d esc erra do p or mã o imp rud ente -
pel a s ensibil idade -
des cendo de novo, cau
pa
arranjo interior das imagens, que não leva em conta a ordenação
r ece-me a úni ca est rada pos sí vel. Onde houver clari dade conver
objetiva da vida. No contexto do rom ance, as suas virtualidades
ta-se em fra ca luz d e c re púsculo, para q ue a s c oisas se to rn em in
são contraditórias.
defi ni das e pos samos gerar noss os fant asmas. Ser ia uma fórmul a
Tem um traço claro de misantropia: construí
d o a distânci a de seu ob jeto e so bre a co incid ên cia de mem óri a e
p ara nos co nciliarmos c om o mu ndo. [§7]
p ercepção, n ão poder á nem quer cum pri r- se. A inda que f igu ra, mão e voz sejam amadas, isto é, reconhecid s n ão gar antem q ue a pessoa atrás delas sejatam bém fam iliar; e haverá sem pre a desa
va , e m q ue o Belm iro patéti co e obscuro
finação irredutível de uma orelha ou de um pé que não tenham
literato sofisticado . Faz ressaltar claramente a significação ambí
exemplo na infância. Doutra parte, desligado das regras práticas
gua da sensibilidade, cambiante entre vindicação e conformismo.
leva a m elhor so bre o
e sem qualquer veleidade m oral, o m étodo belmiriano tem aspec
Estado de entrega
tos ousados. Recusa a desqualificação
ascensional, leva às puras e melhores emoções . Assim também a
razoável
da experiência
indica falência, m as é triunfo, pois a queda,
sensível, com seu lastro de m em ória; com o exigência de felicida
renúncia aos rumos da inteligência , que poderia parecer fracas
de é rad ical. Atém -se ao hom em , agor a e aqu i, e l evari a lo nge se
so, é acesso ao positivo, à região m ais autêntica da sensibilidade
obedecido à risca. É par ente da sob er ba de Goet he: Se te am o, o
sim ples. Em bor a o it iner ário sej a est ranh o -
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A n ota é d e um a Q uarta- fei ra de Cin zas, chuvo sa e refl exi
a ver dade atrav és 15
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do cansaço -
propõe um princípio de autenticidade
examinar. Surpreendentemente
que r esta
não tem compromisso com a ver
depende. Há reciprocidade
que ela
com precedência da biografia sobre
dade; mand a repor o véu so bre a face real das coisas que por im
o mundo que está para servi-Ia. Para exemplo: o amanuense nas
prudência haviam sido expostas. Governar-se pela sensibilidade
ceu em Vila Caraíbas onde cresceu e se apaixonou
portanto
é ligar-se à aparência tradicional cu ja rupt ura é impru-
em Belo Horizonte. fatal que suas recordações estejam imbri
dente e não à verd ade. A al ma sensível que po r vezes é diferença é penhor aqui de conformismo. E mais curioso: a fidelidade
cadas com a passagem do campo à cidade da fazenda à burocr a cia da ordem familiar à roda dos amigos citadinos. Por isto mes
à tradição não aparece como questão ética mas de cautela
pois
mo quando são mais pessoais e obssessivas as suas evocações têm
est a p arece a única estrada possí vel . De modo qu e t ambém el a
o benefício da substância social; não é somente o tempo que as
não deve ser levada longe demais. E no que consiste essa estrada
separa dajuventude. Por outro lado o r omantismo fácil das ima
p raticáv el ? Em diminui r a lu z d e mod o qu e po ssam todo s fan
gens caraibanas é desculpado autorizado pela sua referência que
tasiar ao crepúsculo cultivar em surdina as mais puras emoções
é o Belmiro infeliz e não a verdade. O equilíbrio da narrativa é
conciliados com o mundo que mal se vê. Busca de pureza e busca
difícil: o detalhe social das evocações é suficiente para complicar
de repouso utopia e sanatório aproximam-se muito. monumen
a nostalgia do amanuense
tal vertiginosa a falta de retidão do pensamento. A prosa culta e ponderada que deve a sua autoridade ao gesto de clareza con
lamentação da juventude que passou; e é suficientemente insuf i ciente para evidenciar aslimitações de Belmiro. Noutras palavras
funde falência e sabedoria conformismo e sensibilidade impru
o q ue Belmiro d iz é bast ante p ara concret izar-lhe a figura e para
dência e veracidade o praticável e o certo meia-luz e liberdade.
prová-Io limitado para permitir
A postura de fino desencanto nobilita o obscurantismo
que transcenda o seu ponto de vista e o tenha por tema.
quer é voluntarioso Nada leva a nada -
ou oportunista
que se
e envelhece
para fazê-Ia concreta mais que mera
embora não force uma leitura
apenas cauteloso e cansado.
é este o horror do livro. Nem a cultura ga
rante lucidez nem a f loresta de contr adições produz um confli to. rejo das almas porém com graça.
inf ere-se a sua evolução. Está
nela o eixo do r omance. Tomados um a um entretanto tulos tratam desordenadamente
O mesmo vale para as su as descri ções do tempo presen te. Bel miro gosta de se co nceber como últ imo frut o fi nal de u ma
Ao longo do diário das entradas mais ou menos espaçadas desenha-se a vida do amanuense
os capí
do cotidiano e da memória cir
li nha de d ecadên cia e aristo cratização co ncomi tantes - out ro ex emplo de qued a para ci ma. O avô Borb a era i nteiriço o pai um leitor de Horácio e Belmiro é liter ato e amanuense. Daí a du plicid ade da ironia q ue amassa o n eto em n ome da fazend a po derosa e da utilidade pública
e ri do avô em nome do literato
democrata e racionalista. Pois bem embora Belmiro não perce
culam entre os dois. Asreflexões e descrições do mundo social não
ba a sua evocação deixa ver nas outras personagens
formam portanto
embora esbocem um sistema autônomo; são
mento igu al. ]andi ra est á perto de ser moça emancipada e poli
apenas através de cuja consideração a fisionomia de
tizada mas lamenta não ter irmãos ou pai que a def endam e faz
materiais 16
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Belmiro se compõe. Não obstante é deles naturalmente
um movi
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questão de vestir como se fosse rica. Glicério vacila entre nietzs
unidades mecânicas da massa, ou abstrações econômicas, eu vejo
chiano e arrivista. Silviano, enquanto pai de fam ília, é um filóso
hom ens, criaturas que sentem e pensam
fo; como filósofo, entretanto, escreve um estudo sobre o suicídio, na esperança de recom endar-se que estelhe melhore a situação
ao Reitor da Universidade, para §20). A condição comum é óbvia,
embora não esteja explicitada com nitidez. F az que ressalte a ce gueira do amanuense, que resta interpretar. Belmiro vê mérito e realismo em ver somente o visível, os
§22). Ainda uma vez,
im port a ressal tar o sentido , a verd ade rel at iva d o sen so com um b elmir iano,
q ue lhe d á vi ab ilid ad e prát ica e lit erári a. Num dos
capítu los mai s int eressan tes do livr o, a p olícia r esol ve d ar um a busca política em casa de Belmiro munista de 1935. Belmiro:
um dia após o levante co
Pensei logo em Emíl ia, e na interpretação que poder ia dar à bus ca.
h omens e n ão a situação.
Pond o-o [ao de le gad o] a p ar d a situ açã o esp ecial de minha ca sa, Po r qu e hã o de classifica r o s ho mens em categ orias ou segu ndo
pedi arranjasse ascoisas de forma que não atribulasse a velha; que,
doutr inas? O grande err o é pretender prendê-I os a um si st ema rí
se fosse possível, destacasse, para a diligência, o investigador Par
gido. Socialismo, individualismo,
reiras, meu conhecido [o que seinteressou pelo caso de Giovanni],
isso, aquilo. Asidéias de um ho
mem podem não comportar-se dentro dessas divisões arbitrárias.
e, ainda, que est e l evass e, em sua companhia, o acadêmico Gli cé
Não é p ossív el se r-se tud o ao mesmo temp o? [§40]
rio d e So uza Po rtes, meu comp anh eiro não se assustaria. [§56]
de Seç ão. Assim a v elha
como se o rótulo tivesse a culpa do estado de coisas que
constata. Não fosse a teoria socialista, e todos os homens poderiam ser tudo ao m esmo tem po, capitalistas e proletários por exemplo, um de cada v ez, para não cr iar m aus hábi tos. O amanuen se pr os segue: Dizem que tal perplexidade ou tal ceticismo conduzem à inação. A prova do contrário está em mim. Atuo, no meu setor, como se acreditasse nas coisas. As necessidades vitais fazem o ho mem agir e não p ermi tem que ele se t orn e u m con templ ativo pu ro §40). Prim eiramente, confunde ativism o e ganha-pão. Em seguida, com o se da fé nascesse o emprego, deriva a sua ativida de b urocr ática da cr ença fi ngida n as coi sas -
quand o o in verso é
bem m ais plausível. E, finalmente, a contingência de ganhar pão é pro movi da a n ecessidade vi tal , to rnand o t emív el n ão mais a fom e, m as o estado contemplativo puro . O país de Belmiro, em bora silencioso e filosófico, tam bém é cheio de m arechais. Porque é a favor da igualdade e da fraternidade, o amanuen se af irm a a inexi st ên cia real da difer ença. 18
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Ond e os o utr os vêm
O delegado acede, e a teoria das criaturas que sentem e pensam
ese sobrepõem às abstrações institucionais seprova efi
caz. O ap el o procu ra, atr ás da autor idade, o hom em com preen sivo e de fam ília; atrás da qualidade funcional, o ser hum ano que poderia estar em igual situação. Mas esta hum anidade, que de fa to é comum aos dois, é menos genérica do que parece. Nos ape los a que respond e, está conf igur ada um a sit uação so cial: u ma casa respeitável, um conhecido na polícia, a posição de funcioná ri o, e, m esm o se com iro nia, o ap reço pelo grau acadêm ico, mais a am izade de um port ador dele. E na base de tudo , natur almen te, a imprescindível certeza de não ter feito nada. Para evidenciar os limites sociais, a parcialidade dessa universalidade, basta per g untar : Belm iro, tendo culpa ou sendo operár io, fari a o m esm o pedido? Só então estaria posta à prova a idéia da humanidade que está acima das abstrações econômicas . Quando procura no 19
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delegado um seu igual, o amanuense tem razão. O privilégio con firma Belmiro em sua fé na humanidade.
fera públ ica, o trabal ho idi ota e a roda d e ch ope, expressões má ximas de sua vida coletiva e de seu igualitarismo. natural que, em compar ação, a fazenda com as suas festas ver dadeiras brilhe por sua vez. P equeno bur ocrata, Belmiro é vítima e beneficiado
Em Belmiro convivem os inconciliáveis: o democr atismo
e
a u m tempo, de mo do qu e a sua grat idão d eve ser mel ancólica, a
o privilégio, o r acionalismo e o apego à tradição, o impulso con fessional , que exi ge v eracidade, e o temor à luz clara. Ora, para
sua crítica amena e sua posição incer ta. Entre a vida rural e a burocracia, entre o passado e o pre
estar d os dois lado s é preciso que Belmi ro esteja, de algum mo
sente, não há transformação
do, a salvo destes conflitos. A pedra seca do amanuense é a buro
que por sua natureza deveria ser dr mático pode tornar-se lírico
cracia. Por ser uma extensão do privilégio rural, a sinecura é o pos
da perspectiva intermediária do bur ocrata. Do ponto de vista da
to menos urb an o da cid ade. A Seção do Fomento Animal , onde
construção romanesca, de fato, a biografia de Belmiro é um prin
oshomens
cí pio líri co: evocação saudosa do que passou , mai s qu e sen so d e
esper am pachorr entamente
a aposentadoria e a mor
te , repr oduz, minguada, a r egularidade
natur al
da condição
radical. O romance da urbanização,
conflito e destruição; e mais do que crise, decomposição do pre
anterior: a r acionalidade é impossível, e se é possível é intoler á
sente. O irr emediável não está na per da, está na continuidade;
vel. Em termos do antago nismo entre vida citadina e fazenda, a Seção do Fomento pareceria estar deste segundo lado. A mesma
traços não variam, varia apenas a sua acentuação. Em conseqüên cia, o tempo n ão ch ega a se articular, é subj etivado, governado
precedência do hábito sobre a cabeça, também aqui encobrindo o
pel o movimento atmosférico da memória e da divagação. A sua
privilégio. Da Vila Caraíbas à Repartição, Belmiro passou do mes
presença no livro, obsessi va, deve a força ao qu e não produziu.
os
mo ao mesmo; ou quase, pois embora não seja obr igado ao ritmo
Porque nasce da experiência do que não vem a ser, é como um
urbano, a presença deste torna clara a sonolência do outro. Plan
borr ão negativo que se espraia até anular a f olha: Esqueceu-me
tado na sinecura, privilégio pequeno mas evidente, Belmiro her
dizer-lhe q ue a vida parou e nada há mai s para escrever . A imo
dou a mais confortável e pior das constelações: por consciência, não admite mais o ciclo natural : de trabalho, casamento e f ilhos;
bilidade, f orma negativa de conciliação, é a sua f igur a f inal.
p el a situação, vive a v ida imut ável, à qual somente o ci cl o natu ral traria variação. Noutras palavras, do mundo moderno vem
(1964)
a convicção de que só conta o que se faz; e do antigo, por mão de deputado , v em o privil ég io, o emprego no qual mov er-se muito seria falta de naturalidade. Resta entretanto completar a imagem, para que o mal de Belmiro não pareça mera inércia, mal de não mudar de emprego. preciso questionar também a cidade: em bora seja razão em face da fazenda, el a não é razão em si mesma. Na esfera privada, oferece aperturas familiares e financeiras; na es20
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tribulação de um pai de família
Dizem alguns que a palavra odradek provém do eslavo, e procuram determinar a formação da palavra com base nesta afirmação. Já outros acreditam que ela provenha do alemão, do eslavo teria ape nas a influência. A incerteza das duas interpretações autoriza entre tanto a supor que nenhuma delas acerta, mormente porque nenhu ma nos leva a encontrar um sentido para a palavra. Como é natural, ninguém se ocuparia de tais estudos se não existisse realmente um ser chamado odradek. À primeira vista, pa rece um carretel delinha, achatado e estreliforme; e aparenta, de fa to, estar enrolado em fio; é bem verdade que os fios não serão mais do que fiapos, restos emendados ou simplesmente embaraçados de fio gasto, da mais diversa cor e espécie. Mas não se trata apenas de um carretel, pois no centro da estrela nasce uma vareta transver sal,de cuja extremidade sai mais outra, em ângulo reto. Com auxi lio desta segunda vareta, por um lado, e duma das pontas da estrela por outro, o todo sepõe de pé, como sobre duas pernas. ,..O conto é de Kafka, a tradução e o comentário são meu s.
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Seria o caso de seacreditar que este objeto, outrora, tenha tido alguma finalidade, que agora esteja apenas quebrado. Mas, ao que parece, não é o que se dá; ao menos não há sinal disso; não se vê marca alguma de inserção ou de ruptura que indicasse uma coisa destas; embora sem sentido, o todo parece completo à sua manei ra. Aliás, não há como dizer coisa mais exata a respeito, pois Odra dek é extraordinariamente móvel e impossível de ser pego. Ele vive alternadamente no sótão, no vão da escada, nos corre dores, no vestíbulo. Às vezes desaparece por semanas inteiras; pro vavelmente semuda para outras casas,mas é certo que acaba voltan do à nossa. Cruzando a soleira, se ele está encostado ao corrimão, lá embaixo, àsvezes dá vontade de lhe falar. Não sefazem natural mente perguntas difíceis, ele é tratado - já o seu tamaninho nos induz - como uma criança. Pergunta-se qual é o teu nome? . Ele responde Odradek . E onde você mora? Ele responde residên cia indeterminada , e ri; mas é uma risada como só sem pulmões se produz. Soa, quem sabe, como o cochicho de folhas caídas. De hábito, este é o fim da conversa. Mesmo estas respostas, aliás, não é sempre que se obtêm; com freqüência ele fica mudo, por longo tempo, como a madeira que aparenta ser. Inutilmente eu me pergunto - dele, o que será? possível que ele morra? Tudo o que morre terá tido, anteriormente, uma espécie de finalidade, uma espécie de atividade, na qual se desgas tou; não é o que sepassa com Odradek. Será então que no futuro, quem sabe se diante dos pés de meus filhos, e filhos de meus fi lhos, ele ainda rolará pelas escadas, arrastando os seus fiapos? Evi dentemente ele não faz mal a ninguém; mas a idéia de que além de tudo me sobreviva, para mim é quase dolorosa.
A tribulação de um pai de família * é uma obra-prima de poucas linhas. Seu arabesco delicado e breve é violentíssimo e mor,. .T ra duzido por Mode sto Carone c omo A pre oc upaç ão de um pai de f amília , em m m édic o r ur al Companhia das L etra s, 1999. (N . E. )
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de o nervo de uma cultura inteira. Não explica,mas implica a vida burguesa com tal felicidade que ela sai triturada - de uma cena simples e doméstica, um pouco fantasiosa. A chave do mundo, para Kafka, é de lata, e pode estar nos subúrbios. Se Kafka fosse revolucionário, não fabricaria bombas, mas supositórios.
que descrever como inerte um ser vivo? como dizer: mais redon do que anguloso, amarelo, um pouco amassado, e primo de José Arthur. A própria descrição física de Odradek, descrição de um traste, muda de sentido, pois se entre objetos o traste é sempre ne gativo, entre vivos a sua gratuidade pode mudar de sinal- como
A escola alemã e a escola eslava disputam a palavra Odradek. Disputam, mas não lhe conhecem o sentido. Ficaimplícito que são idiotas, bem ao contrário do pai de família, que faz a observação e triunfa nestas primeiras linhas. O pai de família consolida o seu triunfo, dizendo que realmente, como é natural, à primeira vis ta, de fato, é bem verdade ~ palavras que supõem, e pressupondo estabelecem, a comunidade do bom senso. tão ponderado e ob jetivo, além de espirituoso, que não diz eu nem nós até perto do final. Por enquanto, aliás, não chega a existir como persona
veremos. A narração passou, pois, a parecer intencional, há táti ca em seu gesto descritivo e sensato. O procedimento poderia ser humorístico apenas, mas já o parágrafo seguinte mostra que não. O anonimato da voz narrativa é falso, deixa entrever, aos poucos, a tribulação do pai de família, e se desmancha nas linhas finais, quando prevalece o pronome natural da tribulação, i.e., eu . Pa ralelamente, o pai de família reconhece a pessoa de Odradek: trata-o pelo pronome pessoal er ele), e não mais pelo indefini do es it), como a princípio. Este reconhecimento associado, da
gem, é simplesmente uma voz narrativa. O sujeito de suas afirma ções é como que um se , p ara indicar o consenso anônimo, in discutível e discretamente alegre dos homens de juízo. O homem razoável, como vimos, pretende não ser um cha to. Sem prejuízo de solicitar a aprovação geral, o pai de família dá uma descrição cômica de Odradek, apresentado como velha ria cuja finalidade se perdeu. ridículo um ser que tenha forma de carretel sem ser carretel, tanto mais seestiver coberto de fio em baraçado. O riso, diante da coisa inútil e obsoleta, é de superiori
existência de Odradek e da infelicidade subjetiva, mal escondida pela face público-razoável, é o que resta explicar. Assim como sonegou a vida de Odradek, por um parágrafo inteiro, o pai de família supõe, agora, que ele esteja apenas que brado - embora logo reconheça, e repita três vezes, que não é assim; até pelo contrário, Odradek parece completo à sua ma neira . Se relemos o conto notamos, atrás da postura objetiva, ou nela mesma, que se presta, a difamação impalpável mas sustenta da de Odradek - na escolha das palavras, na reticência ponde
dade. À superioridade do homem sensato e risonho acrescenta-se a do homem prático. Adiante vem a do adulto, criada pela bono mia com que se falado pequeno Odradek. O procedimento é sem pre o mesmo: aliciar o leitor, estabelecer o acordo tácito entre adul tos, brancos, civilizados. Súbito, um detalhe que não é detalhe: a coisa estranha sabe ficar de pé, tem vida. O fato é mencionado como se fosse um fia po a mais no carretel. Mas não é, e muda tudo - mudança indica da na tradução pela troca da inicial minúscula pela maiúscula. Por
rada do vezo narrativo. Por quê? Odradek é móvel, colorido, irresponsável, livre do sistema de compromissos que prende o pai à família. Mais radicalmente, como construção, Odradek é o impossível da ordem burguesa. Se a produção para o mercado permeia o conjunto da vida social, como é próprio do capitalismo, asformas concretas de atividade deixam de ter em si mesmas a sua razão de ser; a sua finalidade lhes é externa, a sua forma particular é inessencial. Ora, Odradek não tem finalidade, i.e., finalidade externa, e é completo à sua
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maneira, i.e., tem a sua finalidade em si mesmo, sem o que não há ser compl et o. Odradek, port an to, é a co nst rução lógi ca e es
o narr ad or:
tr ita da negação d a vida bur guesa. Não que ele esteja simpl es
A frase é nitidamente diversa das outras. Tem peso maior, porque
m ente em r el ação negativa com ela: ele é o próprio esquema da
é escrita com o cor po. Par a descr ev er o riso de Odradek, o pai de
sua negação, e este esquematism o é essencial à qualidade literá
família abandona a postura visual, objetiva , cujo objeto é exter
ria do conto. É ele que garante alcance, um alcance extraordiná rio, aos detalhes da pr osa miú da e coti diana; refer idos a Odr a
no e indiferente por natureza, e procura uma imagem do senti mento inter no: o que o separa da alegria de Odradek são os pul
dek, tornam-se opções diante da cultura.
m ões. A fr ase não permi te a leitu ra a di stânci a -
Em escala m odest a, a ex ist ên ci a utóp ica de Odr ad ek é sub
convida -
mas é uma risada com o só sem p ulmões se prod uz .
a que o narrado r
pois é ininteligível se não consultamos o nosso cor
versiva, é a tentação do pai de fam ília. A existência gratuita cata
po; o seu terror está na verificação a que obriga, verificação que
lisa as contradi çõ es do vocabulár io bur guês, que preza m as não
é toda pessoal: tom ar conheciment o
preza a liberd ad e. Co mpreende- se
assim o mi stô de desprezo e
Odradek, é tom ar co nhecimento d e si em meio à risada ambígua
inv ej a que Odr adek desperta, e port an to a tática dif amatór ia do
a que o narrado r nos conduzira. O sentimento do corpo, limite
nar rado r. E h á outr o sentido ainda para a gratu idade sedut ora d e
diante da leveza inorgânica de Odradek, dá nervo renovado à des
Odradek: o seu lado pr opri am ente
crição, mesmo retrospectivamente. É o contexto que punge, é a restauração da verdade do diz-que-diz desta prosa.
p ecun iário, ou melhor , anti
pecuniário. Odradek é feito de resíduos, de materiais desclassifi cados, sem nom e ou preço, eliminados pela circulação social. É a imagem extrema da liberdade em meio à lida do decoro: a per feição descuidada, m as inteiramente
a salvo, pois é feita de restos
que ninguém quer: Lumpenproletariat
sem fome e sem medo
da polícia. O gesto depreciativo da prosa, apontando
os barban
tes, gesto que é de classe, é ad missão tácita da for ça e do esf orço que estão po r detr ás dos mater iais de mais prestígio -
e d o r isco
de perdê-los. O lugar social da vida pacificada, no m apa burguês, é inconfessável; mas é o lixo. P orque é a imagem da ausência de tribulações, Odradek atri bula o pai de famíl ia. A sua viol ên ci a li terária, en tretanto , a his tória a deve a uma frase, espantosa -
que é o contexto do conto
dela, do ri so prodi gioso de
A gr aça de O dradek é desu mana, e a vi da hum ana é desgr a çada. Houve, parece, deslocamento do problema: a ordem burgue sa de que se falava não é fato biológico e pode ser superada; m as os pulmões, de que se fala agora, não podem . Torna-se possível a leit ura metafí sica, seg undo a qual Kaf ka não fala de sociedade algum a em particular, m as da m ortalidade em geral, da angústia de t er en tranhas. O que dói, a esta escola, não é ser pai de fam ília, m as ser mor tal. A mim, a opção entr e as du as leit uras n ão parece livre: fosse mortalidade o problema, a eternização da vida chinfrim e de seus compromissos seria a fórmula do paraíso; Deus nos guar de. A suspensão dos com prom issos burgueses, por outro lado, fi gurada em Odradek, sustenta o seu cheiro de felicidade a despeito da per manência da mor te. -
Um a r isada como só sem pulm ões
se pr oduz : a i nfelicidade sedimento u-se Em re gi me c api ta lis ta, ba st a uma fo rma de ut il id ad e qu al que r pa ra que a lgo
ou alguém sejam candidatos a membro cadorias
de pleno direito no mundo das mer
Karl Marx, Das Kapital. Berlim, Dietz, 1958, livro
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inteiro. Odradek, após dizer que não tem casa certa, ri; com enta
lI
p. 436).
no pr óprio corp o; é a
vida presente, tornada corpo irrem ediável, e não a m orte, que se p ar a da vi da o p ai de famí lia. 7
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Desta perspectiva, explicam-se o paradoxo e a força sinistra das linhas finais. À primeira vista, é como se o narrador invejasse a imortalidade de Odradek. Mas jávimos que elanão lhe faria sen tido; e mais, por sua posição na frase, a sobrevida é secundária, pois está qualificada pelo além de tudo : mas a idéia de que além
o inem
e s uzis
de tudo ele me sobreviva, para mim é quase dolorosa . O pai de família não quer ser eterno; quer sobreviver a Odradek, quer, nou tras palavras, que Odradek morra antes. Naturalmente é urbano demais para desejar a morte a um ser que não faz mal a ninguém, que é completo à sua maneira; mas a urbanidade não impede que a existência de um tal ser lhe doa. Respeitável por todos ostítulos, o pai de família é partidário inconfessado da destruição. (1966) Assim como nos leva à savana, para ver um leão, o cinema pode nos levar ao Nordeste, para ver retirantes. Nos dois casos, a proximidade é produto, construção técnica. A indústria, que dis põe do mundo, dispõe também de sua imagem, traz a savana e a seca à tela de nossos bairros. Porque garante a distância real, en tretanto, a proximidade construída é uma prova de força: ofere ce a intimidade sem o risco, vejo o leão, que não me vê. E quanto mais próximo e convincente o leão estiver, maior o milagre técni co, e maior o poder de nossa civilização. A situação real, portan to, não é de confronto vivo entre homens e fera. O espectador é membro protegido da civilização industrial, e o leão, que é de luz, esteve na mira da câmara como podia estar na mira de um fuzil. No filme de bichos, ou de selvagens : esta constelação das forças é clara. Doutro modo, ninguém ficaria no cinema. Por este pris ma, a despeito de sua estupidez, resulta destas fitas uma noção justa de nosso poder; o destino dos bichos é de nossa responsa bilidade. Noutros casos, entretanto, a evidência tende a se apagar. A proximidade mistifica, estabelece um contínuo psicológico onde
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não há contínuo real: o sofrimento e a sede do flagelado nordes tino, vistos de perto e de certa maneira, são meus também. A sim patia humana, que sinto, barra a minha compreensão, pois can·· cela a natureza política do problema. Na identidade perde-se a relação, desaparece o nexo entre o Nordeste e a poltrona em que estou. Conduzido pela imagem sede,arrasado, odeio a injustiça, evaporou-se o principal; saio dosinto cinema mas não mas saio responsável, vi sofrimento, mas não sou culpado; não saio como beneficiário, que sou, de uma constelação de forças, de um em preendimento de exploração. Mesmo grandes fitas de intenção cortante, como Deus e o diab o e Vidas secas têm falhas neste pon to - causando, me parece, uma ponta demal-estar. Estética e po liticamente a compaixão é uma resposta anacrônica; quem o diz são os próprios elementos de que o cinema se faz:máquina, labo ratório e financiamento não se compadecem, transformam. É pre ciso encontrar sentimentos à altura do cinema, do estágio técni co de que ele é sinal.
O filme de Ruy Guerra, que é uma obra-prima, não procura compreender a miséria. Pelo contrário, ele a filma como a uma aberração, e dessa distância tira a sua força. À primeira vista é co mo se de cena em cena alternassem duas fitas incompatíveis: um documentário da seca e da pobreza, e um filme de enredo. A dife rença é nítida. Depois do boi santo, com seus fiéis, depois da fala do cego e da gritaria mística, a entrada dos soldados, motoriza dos e falantes, é uma ruptura de estilo - que não é defeito, co mo veremos. No documentário há população local e miséria; no filme de enredo o trabalho é de atores, asfiguras são da esfera que não é da fome, há fuzis e caminhões. Na mobilidade facial dos que não passam fome, dos atores, há desejo, medo, tédio, há pro pósito individual, há a liberdade que não há no rosto opaco dos 30
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retirantes. Quando o foco passa de uma a outra esfera, altera-se o próprio alcance da imagem: a faces que têm dentro seguem-se ou tras que não têm; os brutos são para ser olhados, e humanidade, trama ou psicologia, é só nos rostos móveis que se pode ler. Uns são para ver,e outros para compreender. Há convergência, que res ta interpretar, entre esta ruptura formal e o tema do filme. O ator está para o figurante como o citadino e a civilização técnica estão para o flagelado, como a possibilidade está para a miséria pré-tra çada, como o enredo está para a inércia. É desta codificação que resulta a eficácia visual Os fuzis O olho do cinema é frio, é uma operação técnica. Se for usa do honestamente, produz uma espécie de etnocentrismo da ra zão, diante do qual, como ao contato da técnica moderna, o que for diverso não sesustém. A eficácia violenta da colonização capi talista, em que razão e prepotência estão combinadas, transfor ma-se em padrão estético: imigrou para dentro da sensibilidade, que se torna igualmente implacável, para bem e para mal - a menos que afrouxe, banalizada, perdendo o contato com a reali dade. Dissolve-se tudo que é fixo e empedernido, mais o séqüi to das tradições e concepções vetustas ... profana-se o que é san to, e os homens são forçados, finalmente, a ver com vista sóbria as suas posições e relações. Desde o início, n Os fuzis miséria e civilização técnica estão consteladas. A primeira é lerda, cheia de despropósito, um agregado de gente indefesa, desqualificada pela mobilidade espiritual e real- os caminhões - da segunda. Em bora a miséria apareça muito e com força, assuas razões não con tam; está em relação, e tem sinal negativo. Ao mostrá-Ia de fora e de frente, o filme serecusa a ver nela mais que anacronismo e ina dequação. Essa distância é o contrário da filantropia: aquém da transformação não há humanidade possível; ou, da perspectiva da trama: aquém da transformação não há diferença que impor te. A massa dos miseráveis fermenta, mas não explode. O que a câ
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mara mostra nas faces abstrusas ou melhor o que as torna abstru
ridade o filme ganha muito pois torna mais inteligível e articula
sas é a ausência da explosão o salto que não foi dado. Não há por
da a sua matéria. Se da perspectiva da miséria o mundo é uma ca
tanto enredo. Apenas o peso da presença remotamente ameaça
lamidade homogênea difusa em que sol patrão polícia e satanás
dor. A estrutura política traduziu-se em estrutura artística. Já os soldados por contraste
têm par te igual da perspectiva dos soldados r esulta um quadro
é como se pudessem tudo. Em
preciso e transformável: a distância entre os retirantes e a proprie
padrão citadino são homens quaisquer de classe baixa. No lugar entretanto fardados e ateus vadiam pelas ruas como se fossem
dade privada é garantida pelos fuzis que entretanto poderiam franqueá-Ia. A imagem como quer Brecht é de um mundo modi
deuses -
ficável: em lugar da injustiça frisam-se as suas condições práticas
os homens que vieram de fora e de jipe. Falam de mu
lheres dão risadas não dependem do boi santo é o que basta pa
o seu fiador. Por força do contexto os bons sentimentos não se es
ra que sejam efetivamente
gotam em simpatia. Onde nos identificamos desprezamos; de mo
uma coisa nova. São grandes cenas
em que a sua empáfia r ecupera para a nossa exper iência
o pri
vilégio de ser moder no : ser citadino é ser admirável. O mesmo vale para o comerciante e o chofer de caminhão. Os seus atos im portam; estão à altura da história cujas alavancas locais -
pela destruição de
nossos emissários e neles de uma ordem de coisas. Os soldados passeiam pela rua a sua superioridade
mas para
arma
o olho citadino que também é seu são gente modesta. São simul
zém f uzis transporte - afetam. Nestas f igur as importa mesmo o que não passe de intenção; a má vontade dos soldados por exem
taneamente colunas da propriedade e meros assalariados mon tam guarda como poderiam trabalhar noutra coisa - o chofer
plo faz ver soluções alternativas para o conflito f inal. Noutr as
de caminhão já foi militar. Mandam mas são mandados; seolham
palavras onde há transformação
p ara baixo são au torid ad es -
redo. -
de destinos conta tudo e há en
Abriu-se um campo d e liberdade em que nos sentimos
se ol ham para cima são povo tam
bém. Resulta um sistema de contr adições
que será baliza para o
em casa. A natureza da imagem setransformou. Há psicologia em
enredo. A lógica deste conflito aparece pela primeira vez na ce
cada rosto; há senso de justiça e injustiça destinos individuais e
na talvez mais f orte do filme: quando um soldado diante de seus
compreensíveis. Os soldados são como nós. Mais são os nossos
companheiros
emissários no local e gostemos ou não a sua prática é a r ealiza
de um fuzil. O alcance do disparo é X vara tantos centímetros de
ção de nossa política. nela que estamos em jogo muito mais que no sofrimento e na crendice dos f lagelados.
pinho tantos sacos de areia e fura seiscorpos humanos. Até aqui a informação visa ameaçar. Em seguida quando especifica pelo
Do ponto de vista romanesco sentimento anódino
a solução é magistral. Veta o
obriga ao raciocínio responsável. Concen
trando-se nos soldados que vieram da capital a chamado defender um armazém o autoconhecimento:
para
a trama força a identificação antipática
entre os famintos e a polícia a compaixão
explica aos caboclos o funcionamento
e a eficácia
nome as peças do fuzil quer embasbacar. O vocabulário técnico impessoal e econômico por natureza é apaixonadamente desfruta do como superioridade pessoal e talvez mesmo racial: nós somos de outra espécie a que convém não desobedecer. Contrariamente à sua vocação de universalidade
o saber explora e consolida a di
vai para os primeiros mas é na segunda que estão os nossos seme
ferença. Esta contradição
lhantes. Ao deslocar o centro dramático do r etirante para a auto-
rialismo não vai sem má-fé. Quando insiste na linguagem técni-
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do que a compaixão passa necessariamente
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que em pequeno é um perfil de impe
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ca, inacessível ao caboclo, o soldado desperta animosidade entre os companheiros, que deixam de rir. O esquema dramático é o se guinte: o vocabulário de especialista, prestigioso para uns, é lu gar-comum para outros; para enaltecer-se, o soldado precisa da cumplicidade dos camaradas, que em seguida precisam de seu
claro o exorcismo: no ex-soldado os soldados fuzilam a sua pró pria liberdade, a vertigem de virar a bandeira. Refratada no grupo dos soldados, a questão real, da proprie dade, acaba por reduzir-se a um conflito psicológico. O embate das consciências, que tem movimento próprio, se esboça e acirra
tombo a liberdade. insistência, no caso, torna-se es túpida, para logo reaver aprisionada numa Aengrenagem: a ignorância alheia já não prova a própria superioridade, mas é preciso insistir nela, espezinhar o caboclo mais e mais, a fim de reter, por força da con dição comum, de opressores, a solidariedade fugitiva dos com panheiros irritados. Uns nos outros, os soldados vêem o mecanismo da opressão de que são agentes. Porque não são soldados só, recusam-se à con firmação recíproca, necessária à raça superior; e porque são solda dos também, não vão até o desmascaramento radical. Daí a vacila ção na postura, entre o peito inflado e a canalhice. E daí, também, as duas tentações permanentes: a destruição arbitrária dos reti rantes, e a desagregação violenta da tropa. Os conflitos ulteriores serão desdobramento deste padrão. Assim o assassinato do cabo clo, a briga deflagrada entre os soldados, e a cena de amor, que em sua brutalidade tem muito de estupro. A série culmina com a violentíssima perseguição e morte do chofer de caminhão. O episódio é o seguinte. Os alimentos devem
por várias vezes, e vai ao cabo no tiroteio final. Deflagrou-se uma dialética parcial, moral apenas, de medo, vergonha e fúria, restri ta ao campo dos militares, ainda que devida à presença dos reti rantes. Trata-se de uma dialética inócua, por sangrenta que seja a luta, pois não empolga a massa faminta, que seria o seu sujeito verdadeiro. como se, em face do conflito central, o desenvolvi mento dramático estivesse fora de centro. Em termos técnicos, o clímax é falso,pois não resolve a fita, que por sua vez não cami nha em direção dele: embora o tiroteio seja a culminação de um
ser parasem forapiscar. da cidade, para longe dos retirantes, que transportados assistem a tudo Os soldados montam guarda, apavorados com a massa dos famintos, mas exasperados também, pela passividade que estes demonstram. O chofer, que está pas sando fome e já foi militar, faz o que também para os soldados estava à mão; tenta impedir o transporte dos mantimentos. Ca çado pelo destacamento inteiro, é apanhado finalmente pelas cos tas, e varado por uma carga completa de fuzil. O excesso frenéti co dos tiros, assim como a sinistra alegria da perseguição, deixam 34
conflito, não governa a seqüência dos episódios, em que sealter nam, sempre separados, o mundo do enredo e o mundo da inér cia. À primeira vista, esta construção descentrada é defeito; de que serve a sua crise, se é versão deslocada e distorcida do anta gonismo principal? Se a crise é moral e o antagonismo é político, de que serve a sua aproximação? Serve, n Os fuzis para marcar a descontinuidade Noutras palavras, serve à crítica do moralismo, pois acentua tanto a responsabilidade moral quanto a sua insufi ciência. O nexo importante, no caso, está na ausência de um nexo direto. Mesmo nas cenas finais, quando há paralelismo entre o cam po dos soldados e o campo dos famintos, o hiato entre os dois é cuidadosamente preservado. A devoração do boi santo não de corre da morte do chofer. um eco seu, como que uma respos, Me u a rgumento e voc abulár io são tomados, a qui, a um e studo de Althusse r, N otes sur un thé atre matériáliste : e m que se descre ve e discute uma e strutu ra desta espécie, assimétrica e descentrada . Cf. Pour Marx (Maspero, 1965).
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ta degradada. to político, nização;
A perseguição
não transmitem
mas transmitem
paciência.
e o tiroteio, embora
O profeta
consciência excitação
barbudo
tenham
aos retirantes,
e movimento,
ameaça
substra
nem orga
uma vaga im
o seu boi-jesus:
Sobre o raciocínio político de Oliveiros S erreira
Se não
chover logo, você vai deixar de ser santo, e vai deixar de ser boi . Ato contínuo, o sacro comestível, que fora preservado, mado, como diria Joyce, em Christeak. Os retirantes, agora, neste minuto
final são como piranhas.
-
O grupo dos reti
r ant es é ex plo si vo, e a po siç ão mor al dos s old ados A crise moral, entretanto, curada
é i nsus te ntá vel .
os famintos,
nem pode ser
pelo que estes fizerem. A relação entre as duas violências
não é de continuidade ferença;
não alimenta
é transfor inertes até
é aleatória
ou proporção, e altamente
tador. No filme de enredo,
mas não é também
inflamável,
de indi
como sente o espec
que é de nosso mundo,
presenciamos Os t ra bal hos
pol íti cos
de Ol ivei ros S. Fer rei ra
a opressão e o seu custo moral; o close up é da má-fé. No filme da miséria, pressentimos a conflagração e a sua afinidade com a lu
l ei tor . Valem-se co m f req üênc ia
cidez. O close up é abstruso,
ci e Rosa Luxemburgo;
de fei to
de st a co nst ruç ão,
f ix ada uma fa tal idade vê com medo, e horror lh ados
e não fosse assim seria terrível. No
cuj os el ement os
his tó ri ca:
não se mist ura m,
e st á
o nos so Oci dent e ci vil izado e ntr e
de si mesmo,
o eventual
acesso dos esbu
à raz ão.
n O Estado de S.Paulo se ostensivamente fazer?
-
rebatizadas
de
proletários
dência dos povos, e também (1966)
São c onsp ir at óri os,
são publicados
que não é um jornal
à tradição
o
d a l içã o de Lênin , Trót ski , Gra ms
entretanto
mas concentram
con fund em
marxista -
Filiam é Que
nas Forças Armadas,
Batem-se
pela expansão
mas de st ina m-se
de esquerda.
um dos subtítulos
a sua esperança do sistema .
com destaque
pela indepen
imperialista
do Brasil.
ao gra nde p úbl ico . Base iam
se num esquema de luta de classes, e propõem a união nacional. Vivemos, segundo Oliveiros, a fase da guerra subversiva. O Pa rt ido Comun is ta, cura o poder; tado proletário,
qui nta -co lun a
apóia-se
est ri ta d a Un ião So vié ti ca, pro
nos mitos do internacionalismo
erradamente
associados
e do Es
ao seu nome. No Brasil,
, R eu ni dos, ag ora , em doi s l ivr os: As For ças Armadas e o des afio da r evolução (Rio de Janeiro, Edições
GRD,
1 964) e O fim dopoder civil (São Paulo, Convívio,
1966). 36
37
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a sua tarefa é facilitada ainda pela vigência do sistema ciação do privilégio com ascúpulas sindicais corrompidas -
asso que
ção de mero Objeto a que foi reduzida pela legislação sindical do Estado Novo, inalterada até hoje apesar da redemocratização .*
por medo ao fascismo ( v isão dantesca de u ma nova Espanha )
O elogio do liberalismo é elogio, também, da luta de classes,mas
entregara o país ao dispositivo antinacional
carada e desvirtuada pelo sistema .
pc . Também aqui
trata-se da utilização, modificada, de um esquema do marxismo:
Se a classe operária foi reduzida a Objeto , podendo voltar
o fascismo não ser ia uma forma da luta capitalista contra o comu nismo, antes seria o inimi go principal ; e o comunismo
é a solu
a ser S ujeito , é que ela pode existir numa ou noutra forma, ativa ou passiva, sabendo ou não de si. Novamente Oliveiros está na
ção de emergência da burguesia, que combate o fascismo a qual
tradição marxist a, em que a classe exi ste em si -
quer preço.
no processo produtivo -
O raciocínio de Oliveiros supõe duas teorias, difíceis de com binar, uma do sistema
é uma posição
e pode existir para si, pel a consciência
e out ra da Guerra Fria. A primeira está
que tenha de suas condições. A diferença, no caso, está no caráter a-histórico da dialética de Oliveiros: o imposto sindical transfor
centrada na crítica ao imposto sindical. Este imposto, pago por
mou em objeto a classe operária; cancelado o imposto, ela voltaria
todo operári o, seja ou não sindicalizado, é a peça mestra do sis
a ser sujeito. Em lugar de uma forma determinada de organização
tema: dispensa o sindicato de procurar a par ticipação dos traba lhadores, ao mesmo tempo que o coloca na dependência do Esta
operária, modificada por determinada medida política, de que re sultaria uma nova e determinada organização, temos uma dialé
do. A cúpula sindical passa a lidar com ar recadações do governo,
tica circular, de restituição da integridade perdida, perfeitamente
é logo corrompida, e fica mais ligada a este que às suas bases pró
vazia de conteúdo histórico; o sujeito, que fora reduzido a objeto,
prias. Por outro lado, Agricultura, I ndústria, Comércio e F inan
volta a ser sujeito. Houve, claramente, substituição de um movi
ça, membros natos do privilégio , perdem o seu adversário na
mento histór ico, deter minado, pelo movimento genér ico do su
tural e salutar, o operariado: corrompida, a lider ança operária se
jeito. Dito de outro modo, ostermos são movimentados segundo
associa ao privilégio e passa a defender os seus interesses. Esta as
uma regra simples, superposta
sociação entre privilégio e cúpula sindical configura o sistema ~
problema que eles mesmos propõem. Porque não trata de orga
e, principalmente,
nização , mas de aut enti ci dade, o argumento é moral e não polí
a sua inércia pois abaf a o motor da racionali
a eles, que não corresponde
ao
zação econômica e social, que estaria no livre choque dos interes
tico. E, de fato, não transmite conhecimento,
ses patronais e oper ários. Através do imposto o Estado interf ere
reparador. A própria retórica, f inalmente, é marcada pelo círcu
neste conflito, e ao conduzi-Io vicia o processo econômico; daí a
lo restau rativo, em que o passivo se ativa e o perdido se recupe
baixa produtividade do trabalho no Brasil. O argumento, até aqui, é liberal: a resultante dos conflitos no mercado seria a mais r acio
ra. -
nal das soluções possíveis. Mas há mais. O imposto sindical não
vi rtude, de modo que o seu cancelamento devolveria
impede apenas a racionalização . Eliminar a ingerência do Esta
operária
Quant o a conhecimentos,
apenas o impulso
além de quase vazio, o esquema
engana: se o impost o desvirtua, é como se antes del e houvesse à classe
sua qualidade de Sujeito da História ; entretanto, não
do seria devolver aos sindicatos a sua autenticidade, e à classeope rária sua qualidade de Sujeito da História, r etirando-a
da condi-
As ForçasArm adas e o desafio da rev oluç ão p . 1 6. 39
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parece que antes de 1930 -
começo da intervenção do Estado
texto andam juntas. ) O seu ponto de partida está na semelhança,
houvesse no Brasil operariado em con
a di ferença não importa, entre os Estados Unidos e a União So
dições de ser sujeito da história. A dialética não é histórica, mas de conceitos mais ou menos arbitrariamente isolados.
viética. A GuerraFria é o confronto entre duas potências nacionais
nas questões sindicais -
Em suma, a crítica do imposto sindical, f undada na doutri
e não entre dois modos de produção Ou, de outra perspectiva, a luta de classesnão tem contra partida no plano inter nacional. Em conseqüência, os PCsnão são socialmente subversivos, e sim quin
na liberal, serve ao diagnóstico de nosso capitalismo, de baixa pro dutividade, e de nosso movimento operário, que não tem auten
ta-colunas; são o dispositivo antinacional , ligado à classe ope
ticidade. A sua posição no raciocínio de Oliveiros é ambígua: se
rária por conveniência apenas tática. O fato do oportunismo
fala o crítico do sistema , o liberalismo aparece como um ideal a
viético, documentado
ser atingido; já para o ativista é uma forma ultrapassada pelas
pcs, é bastante para cancelar um modo de produção.
regras da administração moderna. E misturados os dois, produ
de vista lógico, seria o mesmo cancelar a estrutura da produção
zem-se arroubos elegíaco-r ealistas, como aquele em que o revo
norte-americana
lucionário barateia e pede uma sociedade em que se procure ao
de reter, para estudá-Ia, a contradição entre economia e política,
menos cr iar ascondições par a que a busca da Liberdade continue
Oliveiros descarta a primeira. Resulta uma cena internacional in
possível
teiramente atomizada, em que o oportunismo
grifo meu). Neste quadro, o Oliveiros crítico está irre
nas reviravoltas a que se submeteram
so os
Do pont o
a partir da Aliança para o Pr ogresso.) Em lugar
-
inegável-
éo
mediavelmente dessintonizado; quando prevalece, perde-se o sen
princípio último das combinações. E a própri a noção de luta de
so da história, e o dito imposto aparece como um defeit o local a
classes, implícita nos argumentos do crítico do sistema , é afeta
ser suprimido. Ora, em nosso tempo vários países desenvolveram
da, e passa a uma posição secundária, como veremos. Se a polí
várias formas de controlar o movimento operário, iniciando o que
tica internacional
parece uma fase nova do capit ali smo. Se o imposto for, como é
r apina e tutela, uma política de emancipação nacional deverá ser
pl ausível, uma destas formas, pedir ao governo que o suprima
regida pelas noções correspondentes, da ordem, digamos, de força
será como pedir conselho ao crocodilo -
mi litar e autonomia -
o pedido foi feito, em
é governada por noções simples, da ordem de
noções i ndiferentes à estrutura da socie
carta aberta de Oliveiros ao presidente Castelo Br anco, em 1964.
dade, e banais: mandam, mais ou menos, que a pátria seja forte.
Neste e noutros pontos semelhantes, Oliveiras progride para trás, exigindo que seavance até o liberalismo. Por detrás do imbróglio,
Por que não é decomposto por sua vez, o át omo Nação trans forma-se em termo final do r aciocínio e em finalidade natural da
entretanto, há uma dificuldade real: saber o que significam aseta
prática. Na falta de definição econômico-social,
pas do capitalismo clássico para um país subdesenvolvido.
na-se vaga quanto ao conteúdo -
Quando trata da Guerra Fria e portanto
das condições de
uma revolução nacional, Oliveiros vale-se de outro esquema, o seu esquema para o ativismo.
gar -
a revolução tor
é nacionalista em primeiro l u
e arbitrária quanto a seus meios. Estudamos em seguida
alguns exemplos desta evolução.
A bem da clareza, exponho sepa
radamente a teoria do imposto sindical, cuja força é crí tica, e a
Ora, se assim é, se a História a todos ensinou que os partidos co
teoria da Guerr a Fr ia e revolução, que dá dir etrizes práticas. No
munistas nacionais são meramente expressão local de uma potên-
40
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cia estrangeira
chauvinista , servindo a seus interesses de gran
de potência e não à causa do verdadeiro
internacionalismo,
se
critica. Mais precisamente, f o e ef ici ent e das abs tr açõe s
gue-se que a Revolução só se poderá dar como processo nacio
é de
nal e que, pelo fato mesmo de sê-Io, ela afasta o
de qualquer
dirigente e, inclusive, veda-lhe a possibilidade
PC
de seu núcleo
de lutar pelo pro
move-se
forjar
do sistema balo
ace it as, cuj a fi nal id ade,
a unanimidade
dos corações,
crítica da economia
bém as cartilhas
no interior
do primário,
estremecidos
política; donde
jus ta me nte , aquém
é o que almejam
o parentesco
tam
no estilo. O
cesso revolucionário. mesmo impulso integrador, em versão sinistra, fa sci smo, e ncont ra -s e n o t rec ho s egui nt e: Veda como? decidindo
tes da revolução
destinatárias
de Oliveiros,
que são patriotas
um árbitro no caso,
A lu ta [das For ças Arma das] c ont ra o Pa rt ido Comu nis ta só te rá
do livro, que estão no poder an
sentido só poderá ganhar as grandes massas desiludidas com a de
e depois também
de profissão,
princípios
dustrialização,
organizadas
estariam
pois
o natural
força de transformá-Io
do chefe militar
rica ele não se confunde
na in
sal do marxismo,
em que interesse
Em conseqüência,
a revolução
é sempre ver seus
seriam
distribuição das oportunidades
particular
e geral coincidem.
das Forças Armadas,
e a tarefa do
da boa causa os desde já poderosos.
Deriva daí, possivelmente,
o traço oficial e edificante
são de Oliveiros -
Grande ,
Pátria
de estru
Trabalho':
da subver
Destinos
Nacio
sistema de apro
de apropriação das possibilidades
de mando econômico, prestígio social e poder político.
a classe univer
não será uma reviravolta
interna
seria de persuadir
-
e em nossa atual fasehistó
com um determinado
priação dos bens de produção [capitalismo], mas com uma desigual
as Forças Armadas seriam o corpo so o interesse revolucionário genuíno e a em realidade
tura, mas uma reforma
mocracia, seferir fundo o Privilégio -
lá. Por
em escala nacional,
que não são de classe ( ), empenhadas
homens bem equipados , cial em que se conjugam
ideólogo
se houvesse
quem pode e quem não pode jogar. Trata-se,
das Forças Armadas,
segundo
veda? como
Quem
clássica para o
Estão presentes o comunismo;
os ingredientes
as massas
que se devem arregimentar ferivelmente
todos:
desiludidas
o inimigo
com medidas
fenda o capitalismo;
-,
embora
-
o espetáculo
o espírito nacional
pre
na Alemanha
no essencial se mantenha
o exército, dirigindo
lados, tanto encarnando
liberal,
anticapitalistas
nas áreas mais visíveis da circulação,
os judeus do comércio
principal,
com a democracia
e coletivista,
e de
pelos dois que está
nais': Chamamento à Pátria': Revolução da Ordem etc. - que é famili ar a qu em lembr e d os a utor es d a pri me ir a inf ânc ia. Funda- se
para além dos interesses do capital, como defendendo contra a massa arregimentada as relações capitalistas de produção, que es
um clube unanimista,
tão na base do lucro; e finalmente,
o Revolucionário, Armada s,
de intenção
a professora
os or ador es
gloriosa,
d. Nicota,
o fi cia is d e Agri cul tur a,
de que são membros Olavo Bilac, as Forças I ndús tr ia,
Comér cio ,
sa do
privilégio ,
do coletivismo
juiz também,
o espírito
não transcende
s Forças rmadas e o desafio da revolução p . 1 8. 42
o sistema
que
com a propriedade
público,
pequeno-burgue
pelo ressentimento
mo. Em todos os planos visa-se a integração
Fin ança, e, es pera -se em De us, a c las se op erár ia . O c rí ti co l it er ári o, diria que Oliveiros
governada
a definição
privada,
da massa mobilizada
e pelo moralis
dos contraditórios: do capitalismo
com
com a mais-valia.
s Forças rmadas e o desafio da revolução p . 6 4. 43
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Porque é patriota, anticomunista, de arregimentação nacio
Por chocho que seja este program a, ele será posto em práti
nal no int eri or do capitalismo e centrada nas Forças Armadas, a conspiração de Oliveir os pode ser pública, e publ ica da por um
ca somente pelo grupo civil-m ilitar dos revolucionários , que conduziria o Brasil a seus destinos históricos. A mistura caracte
jornal conservador. Nesse contexto, é natural que alguns concei
rística para o fascism o, de sopa e violência, de ridículo e calami
tos, de extração marxista, que haviam servido implicitamente à
dade, torna difícil uma análise justa. Toda crítica parece excessi
crítica do sistem a , apareçam revistos. Direita e Esquerda não se definem no plano do regime de produção - são termos que
va e insuficiente ao mesmo tempo. - Se não se orienta pelas relações de produção, a Revolução possivelmente desemboque
denotam
num a reforma fiscal; m as pode dar, tam bém, no m ais desenfrea
antes de tudo uma posi ção soci al diant e do pr oblema da Li -
berdade. * Noutras palavras, definir-se diante do regim e de pro
do voluntarism o,
dução não é definir-se diante da liberdade. Em m iúdos, do ponto
co ou prático. Em Oliveir os não falt am exemplos:
de vista da liberdade, seria indiferente se o operário é assalaria
cismo de velho estilo que tem os pela frente (no governo Castelo
do de um patrão, do Estado, ou se participa ele próprio da ges
Branco). Sequer ) o nazismo -
tão do aparelho produtivo. Novam ente, o fato
provavelmente
a falta de liberdades civis em países de econom ia planificada cancelou um problema. Entretanto, sehá mais liberdade civil nos países capitalistas avançados que nos socialistas, isto não quer di zer que economia e política não se ligam, mas que as suas rela ções podem ser m uito contraditórias
e precisam ser estudadas.
Se entretanto o problem a da liberdade , se a política não estiver em jogo ao nível das relações de produção, também as relações de produção (de propriedade) não precisam estar em jogo no ca so de revolução. E assim com o o par direita-esquerda
foi despo
jado de qualquer conteúdo específico, tam bém à revolução não resta o que revolucionar. O seu programa econômico, para quan do o sistema f or deitado abaixo e instalar-se no país a Nova Re pública , parece anedota de anticlím ax:
P orque só uma reforma
Não é o fas
o nazismo, pelo menos teve ima
ginação política e soube criar, ao lado da monstruosidade
dos
fornos crematórios e dos cam pos de concentração, um ideal dia bólico que mobilizou uma nação inteira para o desastre . * Por trás da pinta segura, de connaisseur , e prestigiada por ela,a chis pa desem bestada é inconfundível. O trecho tira a sua autoridade das comparações doutas entre regimes, mas o seu fascínio lhe vem do ideal diabólico , sob medida para hipnotizar o pequeno-bur guês, que seria arrancado à sua m ediocridade ressentida e teria, final mente -
e não por culpa sua, pois quem resiste ao diabo? -,
um destino: Pátria Movimento
Etc. A frase deve fazer parte de
uma fantasia mais ou menos assim: vamos reconhecer o que é verdade, o Hi tler sabia mobilizar; juntando isso com a força or ganizadora do Tr ótski e a força produtiva dos Estados Unidos,
depois de
que paisão não dava A forma desta abstração, que separa imagi
fornecerá os meios de uma
nação política e m obilização nacional de seus conteúdos espe
fiscal associada a um a política planificada de crédito removidas as causas da inflação -
pois desaparece a instância do controle, teóri
ação visando o duplo objetivo da justiça e da produtividade':**
cíficos, é a mesma que permiti u separ ar revolução e r elações de produção.
As ForçasArmadas e o desafio da revoluçíijo,p . 1 6.
** As ForçasArmadas e o desafio da revolução, p. 107.
* O fim dopode r c iv il, p. 8. 45
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o bruxo método
cozinha a sua poção de abstrações,
ao repolho
do marxismo:
os sentimentos
dade sem classes, sim; expropriação tras medidas
práticas,
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
arrancadas
ligados à socie
dos meios de produção
e ou
desta doutrina
não está
em sua lógica, mas na falta de lógica de seus leitores,
que pode
bem não ser pequena. ta n ada. Esperamos
não. A esperança
com
De modo
que a bomba
e
ot sobre v ngu rd conformismo
que a crítica, no caso, não refu fa ça pf ff ; Oli vei ros, nat ural me n
te, espera que ela faça putsch
1967)
Sabe -se que pr ogres so podem
andar juntos.
nosso tempo,
téc nico e conte údo
Esta combinação,
em economia,
ciência e arte, torna
ção de progresso.
Também
ta-se à confusão.
O vanguardista
Júli o Medagl ia, i nfor mados ria densidade
a noção próxima,
e ntre vis tando
quat ro
pr oduzi u
ideológica
a no
de vanguarda,
pres
e sintomática.
de qual corrida?
c ompos it ores ,
os mais
uma pági na de ext raor din á
A entrevista
e dos mass media
f ace des sa nova rea li dade?
ambígua
está na ponta
e atu ali zados ,
no da industrialização
s ocia l r eaci onári o
que é uma das marcas do
Onde
Quai s sua s c aract erí st ica s
Que fim levou o Gênio sofrido e cabeludo, l os mor tai s e por ele s mes mos i mor tal iz ado?
gira em tor
ficou a arte em e sua f unção?
incompreendido pe A pe rgunt a e mui to
mais as respostas têm um tom novo, que marca uma posição tam bém nova, assinalada
num deslocamento
de noções: o elogio do
M ús ica n ão -m ús ic a an tim ús ica , e nt rev is ta d e J úl io M ed ag li a c om o s co m
positores Damiano Cozzella, Rogério Duprat, Willy Correa de Oliveira e Gilber to Mendes, in Suplemento Literário de O Estado de S Paulo 2 4/ 4/ 19 67 . C om o a l in ha d as re sp os ta s m e p ar ec eu u ma s ó, n ão d is ti ng ui en tr e o s q ua tro .
46
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profissional e o desprezo pelo amador, repetidos na entrevista, não
produção e consumo (artísticos) são fases de um mesmo pro
estão no sentido corr ente. Prova disso é a remoção do gênio in com preendido para o campo dos diletantes. Se no alinham ento
cesso, comércio de significados (como tomates, feijão, televiso
habitual , esquematicamente,
reza coletiva dos mass media tanto da perspectiva da produção
segurança burguesa -
amador é quem não rompe com a
compromisso cujo preço é a inconsistên
cia e a incompetência -,
se finalmente estivesse anulada a distância entre a vanguarda e o popular, entre cultura séria e de consumo. Diante dos mass media
o que parece fundamental
é que é
o 'artístico' que está pifado . Esta observação é avançada, pois re gistra o que outros não percebem , o impasse entre a potência so cial crescente da comuni cação -
fruto de um esforço indust rial
e o uso privado e idiossincrático,
ar tísti
co ,que faz dela a arte burguesa. E é avançada ainda noutro sen tido, m ais importante
como do consumo, desqualificava a sua utilização individualista.
no alinhamento novo, como ver emos,
é o contrário; competência e sucesso são uma coisa só. como
e por tanto coletivo -
res, sabão em pó, m obília etc. ) . No argum ento anterior, a natu
para a entrevista, claro na frase seguinte:
A q ues tã o e st á t ra tad a n o e ns ai o d e W al te r B en ja min ' 'A o br a d e ar te ao t em po de sua reprodução técnica': Neste ensaio verdadeiramente extraordinário tiram
No segundo, tam bém ligado ao crescimento das forças produti vas da sociedade, a direção é contrária; por sua força difusora, os mass media estabelecem um mercado em escala nova, no qual o
artístico
é um produto obsoleto, porque não corresponde mais
ao interesse parti cular, isto é, de venda. -
Desde o início da era
burguesa, a produção artística sempre foi, ao menos virtualmen te, produção tam bém de m ercadoria, sem que entanto osdois m o mentos fossem idênticos. Havia rendas, mecenato, resquícios feudais -
a proteção aristocrática, a sinecura -
atenuando a lei
do m ercado, aliás dim inuto e parcialm ente de conhecedores. Já no contexto do mercado anônimo, produzido pelos veículos de massa, a situação é outra. O aspecto-mercadoria
passa para o pri
m eiro plano, e tende a governar o m om ento da produção. Isto por
se c onc lusões, para a e stétic a, da tese de Marx, segundo a qua l o desenvolvimen
várias razões: para o público novo, sem tradição e critério espe
to das força s produtiva s, desenca de ado pelo c apitalismo, e ntra e m c onflito c om
cífico, consumo de 'arte' é consumo de status , pouco importa
a s r el açõ es d e p ro du çã o e c on su mo v ig en tes , b as ica men te
c om a p ro pr ie dad e
p ri va da d os m eio s d e p ro du ção . Be nj am in o bs er va q ue a r ep ro du çã o té cn ic a, tende nc ia lmente , a bole a noç ão de a utenticida de , e c om e la a a utoridade do ob jeto único, na qua l e ntre ta nto persistia uma funçã o originá ria, de naturez a ritua l, que forne cia o substra to, o pre stígio da a rte a té a qui: ''A reprodutibilida de
a intenção do artist a; instalado o comér cio de signi ficados em grande escala, a própria linguagem cotidiana artista -
o material do
se reconstela de forma tal que é como se espontanea
téc ni
c a d a o br a d e a rt e a em an ci pa , p el a p ri me ir a v ez n a h is tó ri a, d e s eu p ar as it is mo em f ace do ritual. A obra de arte reprod uzida torna-se em med ida cr escente a
mente aspirasse à publicidade, à forma da m ercadoria (é difícil dizer, por exemplo, se o ornal da Tardeimita os nossos prosado
reproduçã o de uma obra c onstruída c om vista s à possibilidade de reprodução. A
res m ais vivos, ou se é o contrário); a nova difusão é tamanha que
c hap a f ot og rá fi ca, p or ex em pl o, p er mi te u ma q uan ti da de
outro esquema de circulação, que não o comercial, parece risível;
d e có pia s; a q ues tã o
da c ópia a utêntica não tem sentido. No momento e ntre ta nto e m que o c rité rio da a utenticida de perde a força e m fac e da produçã o a rtística , a funçã o da a rte se terá t ran sf or mad o
e finalmente, há os bons honorários.
p or i nt eir o. A s ua f un daç ão n o r it ua l é s ub st it uíd a p or o ut ra p rá
tica: a sua fundação na política (Schriften , pp. 374-5). O objeto autêntico ocupa u m l ug ar c or res po nd en te ao d a p ro pr ie dad e p ri vad a; s ão m ar co s n at ur ai s e
C f. T heo do r W. A do rn o.
porta nto mític os, oslimite s do que Marx c ha ma va a pré -história do homem.
to s q ue a pr es en to es tã o n a o br a d e A do rn o.
48
I déi as p ar a a s oci ol og ia d a mú si ca' ~ t ra du zi do
em
Revisão 2, São Paulo, Grêmio FFCL-USP, 1965. De modo geral, aliás, os argumen
49
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Compositor, pra nós, é um designer sonoro, capazde trabalhar de
qüências muito diversas. Da primeira derivam-se impulsos polí
encomenda, é compositor profissional. Não há mais lugar para o
ticos, libertar do nexo particularista,
artesão que compõe uma sinfonia ,uma suíte ,um concerto
produtivas. Da segunda, resultam impulsos técnicos, modernizar
para piano ,umas variações por ano, experimentando nasteclas
o produto par a aumentar-lhe
de um piano segundo a inspiração de sua musa, para depois con
ma mercadoria -
seguir, às custas de mil humilhações e cavações,que algum genial maestro ou solista execute a sua obra : isto é amadorismo.
outro, da mercadoria obsoleta; os inimigos respectivos são capi talismo e artesanato. Noutras palavras, se a crise do sujeito artís
isto é, capitalista, as forças
a saída. Num caso, a crise é da f or
enquanto pri ncípio básico da sociedade -,
no
tico reflete a crise da propriedade privada e a presença virtual do O artesão, nesta frase, compõe primeiro e se humilha depois,
socialismo, capitalismo e indústria não são idênticos e inseparáveis
para vender; o seu produto é mercadoria, sem que o processo
com o não são idênticas a produção artística e a de m ercadorias;
produtivo se tenha regulado por esta noção. Com positor
adian
se entanto é reflexo apenas de resquícios artesanais, a realização
tado, pelo contrário, seria quem com põe m uito, regularmente e
plena do capitalismo será o horizonte do raciocínio e da produ
com mercado certo; concebe a pr odução já na forma da mer ca
ção, e a instância final para a vanguarda será o mercado.
doria, incorpora a ela as exigências da circulação, e não se hum i
daqui para diante, há um cri tério sólido com que se operar: con
lha portanto, pois não há tensão entre os dois moment os. A iro nia do t recho volta-se não contra a lei do mer cado, mas contra o
sumo é venda e o que não é vendável está per dido. Ponto: As conseqüências chocam, m as não perturbam o curso diá
artista, este m au com erciante, produtor irregular e escasso, esse
rio das coisas -
diletante; defende o m ercado contra um tipo anacrônico de pro
valecia, donde seu ar de coi sa vista e inédita a um tempo. O mo
dução. Em conseqüência, é cancelada a diferença entre a produ
delo é o hard seU dos nor te- americanos,
ção artística e a produção geral de m ercadorias, e o com positor de
competitiva todas asfaixas de onda permissíveis numa dada área.
vanguarda estará, espera-se,
Emissoras comerciais têm a capt ar ouvintes, não dão a menor
consumindo
e produzindo
como
Mas
o que talvez as defina. Antecipam o que já pre que
põe em at uação
qualquer outro setor profissional . A ponta extrema da vanguar
pelota pra considerações de Haute Culture esta é a sua cultura, o
da paga tributo ao filistinismo e alcança, qual uma vitória, a inte
mercado em larga quantidade . A melodia é democrática, é como
gração capitalista.
se quisessem liquidar a cultura de classe, colocar a comunicação
Resumindo, os mass media são parte de uma constelação em que o elemento
artístico , na sua acepção tradicional, está mina
a serviço da m assa. Mas a frase é falsa, pois insiste na captação do ouvinte e omite a do capital, sem lembrar que a própria rádio é
do, seja porque sustenta posições e linguagem do individualismo
capital tam bém. Com base nesta omissão, é possível a versão idí
burguês, desmentidas no interior do próprio capitalismo, pela so-
1icade nossa fase do capitalism o, já sem classes, dos mass media
cialização parcial da produção, seja porque não vende. As duas
como auto-expressão do coletivo: Participação da m assa [.. . ] é
respostas estão na ponta de desenvolvimentos
históricos reais, e
a unificação dos dois estágios do processo: você acaba não saben
seriam pois de vanguarda. São, entretanto, de natureza e conse-
do quando acaba a produção e começa o consumo; é tudo uma
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om produzir consumindo, consum ir produzindo . É tudo zão ': Ao critério interno, da exigência musical, substitui-se outro uma coisa só lembra O Brasil é uma grande família E a reciproci externo, que não do ouvinte mas do anunciante e portanto de
coisa só -
dade da fórmula final duzindo -
produzir consumindo e consumir pro
uma classe social. O artista faz a ligação entre capital e consumo.
escamoteia a medi ação do capital, que consi ste pre
cisamente em separar produção
e consumo. O supor te prático
Você sabe que a nos sa fi rma, estabeleci da em São Paulo à rua Go
desta ilusão está nos rádios e nos aparelhos de televisão da clas
mes de Car valho, 103, est á aparelhada par a s ati sfazer quaisquer
se operária, que entretanto
não garantem a ela o controle dos
meios de produção. Não faz mal, pois mais que este valem os cost umes:
pedidos musicais. Consultas sem compromisso. Rapidez, pontua lidade e preços módicos. Sigilo, onde reclamado. Fone 61-3714.
o hábito de ler símbolos de classe logo se supera. O
público se m odifica m uito rapidam ente e a vai dar outra dire
Com os dados fornecidos pelo ' marketing', produz-se para
ção às coisas' : Há tendência, parece, de conceber revolução e re
uma f aixa determi nada
volução cultural como processos eletrônicos.
sanato, ou a coisa é assim ou é suicida. O argumento, aqui, ao
de consumo. Com a liquidação do ar te
contrário de outras passagens, é de fato e não de direito Pa rta do consumo , c laro. Qualquer ponto onde música possa ser
biedade que determina
du
a entrevista em seu todo. A mistura de
veneração e desprezo pelo consumo, que é da natureza desta po consumida, em mil nívei s. E f aça s infonias, j ingl es, t ri lhas s ono ras, arr anjos, sambas e iê-iê-iê, concert os para piano. Qualquer
sição, com o do neocapitalism o,
ti po de mens agem, j á porque, nas condi ções atuais, você nem nin
exemplo, quando Chacrinha,
guém sabe qual é a mais importante, todas úteis?
há blague na f rase. Mas depois, casa bem com a teoria ( Ignore a
nem é para saber. Não são
reaparece de m il m aneiras. P or
o Chacrinha da TV, não tenhamos
dúvida , é citado como representante da vanguarda. É claro que qualidade ) e o pr ograma do grupo, de m odo que talvez não seja
Se a sociedade é de classes, part ir do consumo em cinco faixas [.. .] por capacidade de aquisição -
dividido é aceitá-Ias
e consolidá-Ias através de sua m aterialização no produto. E tam bém a coexistência alegre e planejada dos mil níveis não é igua litária com o parece, pois m ais que a variedade das experiências ela sanciona a produção e reprodução
de gradações de cultur a,
obviamente ligadas ao privilégio sociaL Inicialmente, a produção m ultiform e é apresentada com o experimentalism o
e justificada
pela falência da tradição, já que hoje ninguém sabe o que impor
blague? Significados se evidenciam ao nível do consumo, e bas ta:' P orque vende bem , Chacrinha foi declarado vanguardista, e porque vende bem é declarado f olclore, junt amente
com Alte
rnar Dutra, Roberto Carlos etc. O folclore que eu estou vivendo [...] é grandão, industrializado.
O que vende bem é de primeira
linha, e é tam bém, pela m esm a razão, produto espontâneo do po vo. O capitalismo seria pois, literalmente, o melhor dos mundos: obtém a coincidência do m ais avançado e do espontaneam ento popular. Por outro lado, numa frase como a seguinte, a cara de vilão é proposital:
Divertir
ta m ais, nem é para saber (?). Em seguida, entretanto, outro argu
consum idor
m ento: Mas atenção aos desígnios do cliente, que tem sempre ra-
penetr a no consum idor . -
A obr a de art e requer sempr e do
uma atitude ativa. O divertimento,
pelo contrário,
Pela coer ência franca e vir ulenta de
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om seus resultados, o cinism o apologético não é fácil de distinguir id tisrno e
liter tur
da crítica m aterialista. Entre os dois há uma zona furta-cor, dile ta do brilho e do humorismo
do intelectual burguês de esquer
da, que n el a encontr a o co rrespondent e
Um folheto de Bertha Dunkel *
pr eciso de sua pró pria
posição intermediária. Vendeu-se, está criticando, ou vendeu-se criticando? deste suspense que a entrevista de Julio Medaglia deriva o seu topete e frisson, inegáveis. 1967
NOTA, 1977
A introdução a nt ido gmá ti co .
que segue foi redigida em 1968. O intuito O c onf li to e nt re as l et ra s en ga jad as
listas me parecia uma estreiteza
desnecessária,
j á que e u que rer ia es ta r no s doi s c ampo s . o an tag oni sm o, encontrar
pro cu re i
era
e as f or ma
de parte a parte
A f im de di al et ic iz ar
s uge ri r qu e a mb os os l ado s p ode ri am
no outro o que lhes faltava.
Dado que o propósito
era este, de lançar uma ponte, a relei
tura que fiz agora, para preparar
este livrinho,
mado.
bitolamento?
Como
explicar
cordata, mas o quadro A c om eç ar
tamanho conceitual
me deixou abis A intenção
era
não era.
pe la u til iz açã o es co lás ti ca d a t erm inol ogi a
ma r
x is ta. Com o é ó bvi o ma s e u e o ut ro s e squ ec ía mos , es ta t em ra ci o nalidade só quando referida ao processo real. A com maiúscula c iên ci a m ar xi st a,
A c ons ci ênc ia
e mpí ri ca
dos t ra ba lha do re s,
O fo lhe to é d e B. D . , t ra duç ão e co me nt ári o s ão me us . 54
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o partido
(e, no mesmo estilo, A linguagem de vanguarda e A linguagem popular), sem confronto com asrealidades que desig nam, tornam-se elementos de um pequeno sistema teórico , perfeitamente alheado da história efetiva,mas muito animador,
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pela lógica interna e pela teleologia otimista. As vantagens ideológicas deste sistema não são obscuras, como o leitor verá. De um lado, os detentores da competência científica e literária, a que no entanto falta a força material; de outro, as massas, que têm a força, mas são confusas. A união dos dois restabeleceria a unidade perdida. Ciência e arte estão prontas e acabadas, e cabe ao povo mudar - o que fará graças ao intelectual progressista, que enquanto teórico tem a caução da miséria popular, e enquanto dirigente se apóia na autoridade da ciência que falta a seus dirigidos. A ênfase na cientificidade em geral'; bem como o tratamen to abstrato de questões que só em sua forma histórica sediscu tem com proveito, sãoinfluência deAlthusser.Já o vanguardismo esquemático e incisivo da argumentação é um exemplo entre mi lhares da escolástica que se multiplica em torno dos escritos de Unin. De uma perspectiva dialética um descaminho publicado é melhor que nada.
Os anos 20, na Alemanha, deram frutos de um radicalismo admirável, ligado à iminência da Revolução. Casais não casavam, pois antes dela não valia a pena, e depois não seria mais necessá rio; não tinham filhos, pois seria melhor nascer já na era socia lista, na era da razão. Entre um passaporte de dois anos e um de cinco, o de cinco parecia um despropósito, pois logo seaboliriam asfronteiras. Tudo seria revolucionado e racionalizado: coisas, cos tumes, formas e o modo de produção. A Bauhaus, por exemplo, 56
estudava e renovava desde colheres e xÍCaras até cadeiras, priva das e locomotivas. Contra a mediocridade utilitária do lucro, o utilitarismo vibrante das necessidades reais, coletivas, muitas por descobrir A mesma combinação de pesquisa e construtivismo encontra-se em Klee: Aarte não reproduz o visível; ela torna vi
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prática dava e dá valor poético razão. No in sível . Adoorientação terior experimentalismo, utilidade e beleza não colidiam, mas se complementavam e multiplicavam. Mesmo uma obra de teo ria como História e consciência de classe (1923) é poética em seu élan transformador. O melhor exemplo é a prosa de Brecht, que é estranha e tem poesia justo porque é vigorosa e desabusadamen te lógica. - neste contexto - guardadas as proporções - que deve ser visto o didatismo de Bertha Dunkel, de quem traduzi mos um folheto. O texto é de 1922 e ao que parece destinava-se
a um do curso de iniciação A fimalemãs de preservar o tom de pelo car tilha original, substituípolítica. asbatatas (dos exemplos) feijão nacional, e o arado pela enxada. Antes de entrar para o PC em 1921 B. Dunkel era dona de uma certa reputação de poeta, verdade que escandalosa. Ainda colegial, mas já no após-guerra, havia participado de um concur so para estreantes, ao qual mandara um poema descritivo, na linha dos Dinggedichte rilkianos, sobre Os testículos de Edgar . Seu poema foi recusado, pela natureza filistina do assunto . Não obstante, muitoestes elogiado pelo temido críticomais vienense Karl Kraus, parafoiquem seus versos eram tanto fantásticos quanto são realistas . Ao que parece, a sintaxe do poema era de efeito ambíguo, pois tinha rigor de filigrama mas também de epi táfio: embora desse ao seu objeto o esplendor da nitidez, não o tratava com benevolência, e tinha um traço entre ascético e assas sino. Após um período indeciso, B.D. aproximou-se dos comu nistas, abandonando o que o futuro stalinista ferrenho J. Prickless chamava suas fixações pequeno-burguesas . Desde então parece 57
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Estudos prosa, - slide pdf.c om é i nevitável que t enha, mesmo melhor pois que não quei à elaboração de t extos SCHWARZ, didáticos R.e O Pa i de Fa mília e Outros ra e com bata ideologicam ente, o prestígio do que é para poucos, de propaganda, nos quais conservou, entretanto, a sua antiga o gesto da superioridade social; e o m elhor argum ento, se não ser tendência à formalização da frase, agora a serviço de uma causa
t er se dedicado i nt eir amente
ve a quem precisa dele, não é o m elhor argum ento, pois vem m ar
melhor.
cado de impotência prática e falta de especificação. Portanto, se é difícil escrever e argument ar O caso particular pode ser esdrúxulo. No entanto esta com binação que observam os, de formalism o literário e intenção di dático-política, é mais razoável do que parece. Indica apenas que a melhor fala -
a mais racional-
não se origina por necessida
bem e de modo geralmente com
preensível, a razão não é subjetiva. A dificuldade tem fundamen to objetivo, ela é índice da desigualdade real e do caráter classista da cultura. Assim, a prosa didático-política
procura unir, através de um
de nas m esm as áreas, sociais e tem áticas, em que progride o tra
processo literário, o que o pr ocesso r eal separa: a excelência de
balho político. Com certeza, esse descompasso é um problem a
língua e argum ento ao nível intelectual do operário. Ora, vim os
central do bom didatismo. No caso, aliás, da teoria da revolução
que não basta a boa vontade do escritor para aproximar o que o
é notório um hiato parecido: a teori a marxist a não foi criada pe
sistem a social distancia. De uma perspectiva estática, de fato, a
los oper ár ios -
e adversár ia da
conseqüência seria uma só, expressa na conotação pejorativa da
mais elaborada economia política burguesa, inacessível ao cida embora sejam eles o seu dest ino. Esta dis
palavra vulgarização: só o rebaixamento cancela a distância cons tante) entre a m elhor prosa e o nível do trabalhador. Haveria m ul
tância, entre o marxismo e os homens que precisam dele, pode
tiplicação de prejuízos, pois a estreiteza que o sistem a impôs ao
orientar o nosso argumento. Ela mesma é socialmente produzida,
operário ser ia também r egr a para o escr itor de boa vontade, que
um produto de especialização : dum lado estão os que estudam
passaria a divulgá-Ia com o a voz da revolução. Entretanto, o pro
entre eles Marx), e do outro os que trabalham. Para anular de
cesso capitalista é complexo. Seé verdade que normas de adequa
forma produtiva este desnível, é necessário articular os seus dois
ção, nitidez e coerência contrariam os hábitos da classe trabalha
como ciência, el a é continuadora
dão despreparado -,
termos sem atenuar a distância que os separa: pois ao m ovim en
dora, também é certo que sempre serviram, e poderiam servir
to operário não pode interessar uma teoria acessível , m as pior
m uito m ais, aos reais interesses dela. Noutras palavras, o proces
do que a melhor, nem lhe pode interessar uma teoria que lhe se ja incompreensível. A solução clássica do impasse está na prática
so capitalista determina dois lugares para a classe operária, um atual e um virtual, mais ou menos ligados, conforme o nível da
partidária, que retém e liga, na sua diferença, a consciência real
consciência e a luta de classes. E embora separe realmente a clas
do operário e asproposições m arxistas, e quer fundi-las por for
setrabalhadora
ça da atividade e do esclarecimento,
tido pleno -
fusão teóri ca. -
mas não ao preço da con
A situação da prosa didática, de intenção polí
do saber, faz que virtualm ente integralmente praticável-
dele e de organização transformaria
este só tenha sen
para ela, que de posse
a ordem social. Por sua vez,
tica, é semelhante. A melhor prosa e a prosa operária não são a
esta força que o saber teria, setransmitido, torna deficientes
mesma, assim como o melhor argumento não é o mais fácil. Por
tivamente
outr o lado, a melhor prosa, se é inacessível ao operário, não é a
tant o nem o nível dos traba lhadore s
58
obje-
as suas formas intransmissíveis de acumulação. Pornem o que sej a pros a excel en 59
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te estão fixados previamente.
- slide om O nível dos trabalhadores SCHWARZ, é transforR. O Pa i de Fa mília e Outros e a Estudos fala que lhepdf.c corresponderiam.
m ável, e sua transformação
afeta os critérios da boa escrita. Um
Portanto, a finalidade desta ta
refa literário-política é o deslocamento e a reorganização, segun
desenho de George Grosz mostra um tipo miserável contemplan
do linhas científico-práticas, do que seja intuitivo, natural para a
do uma espinha de peixe: em baixo, um verso fam oso de Rilke
classe operária. Ora, se as idéias da classedominante são asidéias
a pobreza é um brilho entranhado
dominantes
-, verso que naturalmente
para o conjunto da sociedade, a substância deste
não pensara na pobreza operária, com pulsória, m as, na sedução
deslocamento é a luta de classes, ao nível das representações co
que o despojam ento m aterial pode ter, por contraste, no interior
muns, em parte sedimentadas na linguagem. Os resultados des ta luta s ão n ov os ideológica e literariamente. É este o aspecto cria
da existência burguesa. O verso é de 1903, e não resistiu à expe riência da guerra e da década de 20, época do desenho. A iminên cia da subver são fez um rombo na cultura da classe dominante,
dor do didatismo: apoiado nos poucos pontos
alterou
dominante e dão suporte à teoria, procura reorientar com niti dez e coerência - a nitidez e coerência da melhor literatura - o
sentido das palavras e m udou as regras da escrita.
A prosa de iniciação política assim como este ensaio, aliás)
f or tes , em que a
fala e o interesse imediato do operário desqualificam a ideologia
deriva de uma ciência a qual não questiona. Até aqui, não passa
viés geral da língua e do raciocínio, de modo que não encubram ,
de escrita dogm ática: está para a ciência com o o sim plificado pa
mas revelem a natureza dos conflitos sociais. A dife re nç a
ra o complexo, o part icularizado
início é u m r es ulta do liter ár io
para o geral, o intuitivo par a o
tr an sfor ma -s e
qu e d e
e m p on to d e p ar tida
conceito. No entanto, a relação lógica, em sua universalidade, não dá conta do que se passa; o didatismo é um fato literário-p;lítico.
fi xando na li nguagem um nível mais alt o para a consci ência de cl as se espontânea . Noutras palavras, neste gênero didático, a estéti
A lógica do folheto não está para a da teoria como a linguagem
ca é puram ente política, e chega sem querer onde a literatura, ou
dele está par a a linguagem dela. No primeir o caso, a relação é de
parte dela, há m uito quer chegar.
insuficiência; no segundo, há uma transformação, ver. O conteúdo da transformação
que interessa
Se a descrição do processo capitalista suscita e auxilia a or
indica um processo, peculiar
ganização operária, o nível operário deixou de ser o mesmo, e dei
a um a classe social. O seu cam po é a distância entre o m arxism o
xou de ser o m esm o pela força transformadora do didatismo. Ora,
e a consciência operária, entre uma teoria científica e uma sala
esta relação prática altera também a linguagem, que sem prejuízo
da de superstições, preconceitos, ideologia pequeno-burguesa
de ser expositiva ganha uma dimensão que habitualmente
experiências
e
não
cruciais cruciais tam bém para o destino da teoria. O
que o didatismo quer não é a cristalização genér ica do nexo en
tem. Embora movimente elementos já dados - a teoria mar xis ta e a consci ência real dos proletár ios, a linguagem literária e a
tre o conceito marxista e a intuição, mas é sim cristalizar o nexo
popular - ,
a prosa didática terá alcançado uma liga or iginal, em
entre o conceito marxista e a consciência viva ou intuição) da clas se operária; melhor, procura nesta, para consolidá-Ios e soldá-Ios
à teoria, os impulsos práticos dos quais a verdade e, literalmen te, a verificação do m arxism o dependem. O didatismo não apro
Ideologia alemã c apítulo sobre a produçã o da c onsc iê nc ia .
Em 1935, Bre cht rec omenda va a os e sc ritore s a ntifascistas que e sc re ve ssem população e m l ug ar d e povo latifúndio em lu gar d e terras temeroso em lugar d e
funda a teoria marxista, porém, pesquisa e procura objetivar, com
disciplinado; são palavra s que têm a vanta ge m de salie ntar a naturez a c onflituo
fito político, as atitudes, as reações, os sentimentos, os raciocínios
sa dos proce ssos, c ontra a mística da unida de nac iona l, nec essá ria à direita .
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que objetividade e intervenção intenção expositiva e intenção prática se compõem segundo regras novas com efeitos também novos que mal ou bem esboçamos. Assim se é bem sucedido o didatismo político não é uma forma degradada de ciência ou prosa. Tem seu campo problemas literários próprios e um fundamento real que lhe dá o critério. A sua eventual justeza tem como suporte um processo de que ele próprio é parte ativa: o contato entre a teoria e a classe operária produz ou pode produzir organização atitudes raciocínios falas e conhecimentos novos que ora contestam a linguagem comum ora confirmam e privilegiam aspectos dela aqueles em que espontaneamente se registra o antagonismo social. Se a prosa didática antecipa representa purifica e adianta este processo a luta de classes no interior da linguagem e das representações autorizadas ela é e simboliza o progresso detalhado da consciência operária a união polêmica do que o sistema social havia separado: classe trabalhadora e raciocínio. Daí o efeito poético de escritos duros e terra a terra como os de Lênin Mao e Brecht. Pela mesma razão quando a busca da simplicidade não encontra na linguagem e no emaranhado ideológico o veio da luta espontânea a prosa didática enquanto literatura registra apenas o impulso paternalista manipulativo professoral ou o que seja que leva a classe superior a ocuparse das inferiores.
minação do sistema capitalista eliminará a exploração. O estudo da exploração capitalista chamada mais valia prova cientificamente que o capitalismo é um regime injusto para o operário seja quem for o patrão. Por istoo operário consciente não luta apenas contra o seu patrão mas luta contra o sistema.E a luta contra o sistema é forte só quando é coletivae organizada. O estudo da
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Embora não esteja a salvo destas quedas ou por isso mesmo o folheto de B.Dunkel suscita problemas literários de interesse geral razão pela qual o traduzimos e publicamos.
A EXPLORAÇÃO
CAPITALISTA
Todo operário sabeque é explorado.O que talvez não saibaé que esta exploração é da natureza do sistemacapitalista e que sóa eli
mais valia
prova cientificamente que a finalidade da organização operária deveser a expropriação doscapitalistase a criação de um regime operário e justo. O operário vê e sabe que o seu trabalho enriquece o patrão enquanto elemesmo recebeum salário apenas suficientepara sobreviver. Isto quer dizer que o fruto do trabalho não beneficia quem trabalhou mas beneficiao patrão o capitalista que se apropria dele.Poisbem a apropriação do fruto do trabalho alheio é o que chamamos de exploração.
Entretanto não é fácilcompreender esta exploração.O operário não poderia evitá Ia?Porque permite que o capitalistalhe tome a parte maior do fruto de seu trabalho? Para responder é preciso estudar algunselementos do capitalismo principalmente a mercadoria e a força de trabalho. Sódepois seentenderá a mais valia que é a chave da exploração capitalista do trabalho. Mercadoria Quando alguém produz um objeto para seu uso próprio ou para dar a um amigo esseobjeto é sem dúvida um produto mas não é uma mercadoria. Porém sefor obrigado a trocar o objeto por dinheiro ou por outro produto qualquer esse mesmo objeto passa a ser mercadoria. Mercadoria portanto é tudo o que se produz para a troca e não para o consumo de quem produziu. Assim a mercadoria destina se ao uso de uma outra pessoa que por sua vez oferece outra mercadoria ou dinheiro em troca daquela de que necessitapara seu uso próprio. 63
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Pode- se dizer por tanto 5/23/2018
que t oda mer cadori a t em duas hm
troca : o fe ijão serv e p ara co me r e a enx ada p ara re volver a terra
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
ções uma de uso e uma de troca às quais chamamos valor de uso e valor de troca Assim por exemplo o feijão tem valor de uso pois serve na ali
ambas as coisas são necessárias cada uma a seu tempo mas quan
to valem? O que há de comum no feijão e na e nxad a o que há de c omu m
mentação. O val or de uso do sapato est ána proteção que dá aos pés .
e m toda s as mercado rias
A enxada t em valor de uso pois revolve a terra; e assim por dian
isto é todas elas -
te . De um modo geral é valor de uso tud o o que sa tisfaz alg uma
pen dem de um tanto de tra balho do homem. O a limento comid o
é que são fruto do trab alh o human o
mesmo as laranjas colhidas no mato -
de
necessidade humana. O valor de uso sempre existiu pois o homem
pelo artesão de pende do tra balho do la vra dor
sempre produziu para satisfazer as suas necessidades.
vrador depende do t rabalho do artesão. Assi m t anto na enxada
O valor de troca pelo contrário
nem sempre existiu. A princí
pio os homens consumiam o que produziam sobrava para trocar. Portanto
de modo que pouco
para que houvesse troca em quan
tidade seria preciso que a produção
ao menos em certos ramos
como no f ei jão ent rou uma cer ta quanti dade balho humano denominador
e a enxa da d o la
de t rabalho de t ra
que pode ser medida em tempo E é este tr abalho comum de todas as mercadorias
-
que permite
compará-I as e t rocá-I as em det er mi nadas proporções.
O valor da
f oss e bem maior do que o consumo. De f ato a produção cresceu
mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua
t ornando possí vel a tr oca em l ar ga escala e com ela a divisão social
produção Entretanto
do trabalho: alguns grupos se dedicavam mai s a um produto
traba lha dor
dei
isto não que r diz er que o produto de u m
lento v alh a mais d o qu e o produto de um tra balha
xando de produzi r out ro que out ro grupo produzia em quant ida
dor mais rápido. Trata-se aqu i d e u m trab alh o médio chamado
de maior. Assi m quem cui da do campo dei xa de produzir as s uas
socialmente necessário Result a que o val or da mercador ia é deter
enxadas agora produzidas pelo artesão que por sua vez deixa de
minado pel o t empo socialmente necessári o par a a s ua produção.
plantar e colher. Um e out ro s at isf azem as suas respecti vas neces
Como veremos é assim também que se determina o val or da força
sidades por meio da troca. Aos poucos desta forma boa parte dos produtos humanos transformou-se em mercadoria.
de trabalho a mercadoria mais importante do sistema capitalista.
Seentanto o art esão tr oca a sua enxada pelo ali mento do lavra
mercadoria. Para exemplo vejamos o artesão: trata-se de um pro
Força de trabalho
A força de trabalho nem sempre foi uma
dor surge um problema: quantos sacos digamos de feijão deverá
dutor independente que vende o seu produto
pedir? E o lavrador quantos sacos de feijão deverá oferecer? Noutras palavras como saber o valor de troca de uma mercadoria?
da e não vende a sua força de trabalho a qua l p ortanto não é mer
Para responder a esta pergunta
é preciso descobrir o que exis
te de comum em todas as mercadorias
que permita comparar-lhes
o valor. O que existe tanto no feijão como na enxada como em
digamos uma enxa
cadoria. Isto é possível porque o artesão é dono tanto de seu trabalho
como de seus meios de produção que r dizer é don o de
s eus i nst rumentos
e da mat ér ia-pri ma
que vai usar; em consr .:: -- -- \
qualquer out ra mercadori a? A comparação materi al não explica
qüência é dono t ambém de s eu produto da enxada que o s~ u trabalho produziu. A expansão capitalista entretanto liquidou ~
nada: o f ei jão é vegetal e a enxada é de f err o mas qual dos dois vale
maior par te dos art esãos que não puder am concorr er com as fá
mais? Também o valor de uso não basta para explicar o valor de
bricas sempre crescentes. Endividavam-se e perdiam os seus meios
64 65
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d e p ro du çã o, a té q ue n ad a lhe s resta sse p ara v en de r. Nada? Não é 5/23/2018
c erto . E nd iv id av am-se
e à sfáb rica s d o c ap ital, p ara lá v en de r a sua força d e tra ba lh o. Ora ,
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
a té q ue n ad a lhe s resta sse p ara v en de r, a
e nq ua nto c re sc e, e studa e tra ba lha , o h omem c on so me u ma c erta
não ser a sua força de trabalho. Sua força de trabal ho, no caso, é a
quantidade
sua força físic a mais a sua intelig ên cia, o u, n ou tras p alavras, o seu
trabalho. Medindo
músculo mais o seu cérebro. Ora, sem os meios de produção
v alo r d a f or ça d e t ra ba lh o.
a
força de trabalho não tem préstimo. O melhor tecelão não tece
de mercadorias,
que pode ser medida em tempo de
este valor estaremos
medindo
indiretamente
o
C asa, c omid a, rou pa e e du ca çã o, e ntre ta nto, p od em ser b oa s e
nada se não t iver t ear e fio. Separada de seus meios de produção,
podem ser ruins. Em regime capitalista, porque a oferta de mão-de
a clas se t rabalhadora
obr a tende a ser mai or do que a procura, o tr aba lhador é f orçado
passou a depender, par a o seu tr abalho, da
classe dos capitalistas, isto é, da classe dos proprietários d e p ro du çã o. O tra ba lh ad or
dos meios
foi força do a p ro cu ra r o c ap italista ,
p ara v en de r-lh e a sua força de tra ba lh o, em troca de um salário. Assim, o artesão tra nsfo rmou -se
e m a ssalaria do , p assa nd o a v en
der a sua força de trabalho, por dia, por semana ou por mês. Foi o q ue fiz eram os a rtesão s a rruina do s,
e també m o s c ampon eses,
q ue o c apita lismo e xp ulsa va e e xp ulsa d e sua s terra s. S urgia d este mod o a g ra nd e massa p ro le ta riza da e p ob re d as c id ad es, c uja única mercadoria
são os seus m úsculos e o seu cérebro. Surgi a deste
modo a f orça de trabal ho de nosso tem po, a qual produz, mas não
No sistema capitalista, portanto,
a força de trabalho é uma mercadoria. Como se determina o seu val or? V imos que o va lor de uma mer cador ia é deter minado
m odo que sua casa, comi da, roupa e e ducação ser ão r uins. Portanto
o valor d a f orça de trabalho é ig ual ao valor dos meios de sub-
sistência
principalmente
sáveis à reprodução
gêneros de primeira
necessidade
pel o
tempo d e tra ba lh o soc ia lmen te n ec essá rio à sua p ro du çã o. Qua n t o tempo de trabal ho será necessári o à produção da força de tr a
indispen-
da classe operária. E ste va lo r é p ag o n o salário ,
q ue d ev e d ar p ara o e strito : a sob re vivê nc ia e o mín imo d e e du ca ção necessário ao futuro trabalhador. este o círculo vicioso do ca pitalismo em que o assalariado vende a sua força de trabalho para sobreviver, e o capitalista lhe compra a força de trabalho para enri q ue ce r. A raz ão d este c írculo v ic io so e stá n a mais valia
consome, a gigantesca riqueza do capitalismo industrial. V alo r d a f or ça d e t ra ba lh o
a bastar-se com o mínimo vital, para não perder o emprego. De
que pas-
samos a estudar. A mais valia
Vimos qu e o v alor d e tro ca d a fo rç a d e trab alho
é igual ao valor dos meios de subsistência indispensáveis à reprodu ç ão d a c la sse o pe rá ria. Su po nh amos q ue a p ro du çã o d esse s meios de subsistência, necessários ao trabalhador médio, leve em média
b alho ? A respo sta n ão p ode ser d ireta, p ois a força d e tra ba lh o n ão é p ro du zida d iretamen te , n a fáb rica . E la n ão e xiste fora d o c orpo
4 horas de trabal ho. Suponham os tam bém que o pr eço de 4 horas de trabalho seja 4,00. Neste caso, a força de trabalho vale 4 ho ra s d e
v iv o d o tra ba lh ad or. Qua nto tempo d e tra ba lh o é n ec essá rio, e n
trabal ho, e seu preço -
t ão, para produzir o múscul o e o cérebro do t rabalhador?
A res
p or d ia o tra ba lh ad or p ro du z o sse us meios d e sub sistên cia, o u u m
p osta é fác il, se c on side ra mo s o c on ju nto d a c la sse o pe rá ria. Pa ra
p ro du to d e v alor igu al a o d e seu s meios d e sub sistên cia. E ste p ro
que se produza a sua forç a de t rabalho é neces sário que ela est eja
d uto p od e ser c ha ma do necessário pois é necessário à renovação
e c on tinu e v iv a, isto é , q ue se a limen te , d urma , se a ga sa lh e e se re
físic a d o tra ba lh ad or. P ela mesma raz ão , e stas 4 h oras p od em ser
produza. Sem isto, não poderia voltar diariamente aos latifúndios
chamadas de trabalho necessário.
seu salár io -
é 4,00. Trabal hando 4 horas
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Entretanto, o ope rário é obriga do a trabalh ar mu ito mais do 5/23/2018
duz mais do que consome, e enri quece os propr ietários dos meios
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om que as 4 hor as neces sárias. Tr abal ha 8, 10, 12hor as por dia. Nou de produção. Deste modo, os trabalhadores são os bois do sistema
tr as pal avras, produz muito mai s do que o produto necessário pro
capitalista: co nsomem apena s uma parte do q ue produ zem, a par
duz mui to mais do que consome, produz um excedente. Este exce dente para onde vai ?
te necessária para que continuem vivos e trabalhando; a outra parte,
Vejamos o que acontece quando o trabalhador
vende a sua
a mais-vali a, é apropri ada pel a burguesia, que vive às custas da classe trabalhadora.
força de t rabalho ao capitali sta. A força de tr abal ho, como qual quer outra me rcadoria , tem u m va lor de u so e um v alor d e troca.
ção de boi é necessária a violência. De fato, a função pri ncipal da
Em nosso exemplo, o valo r de troca é de 4 ,00, equivalente s à s 4
repr essão nos países capitali stas é de garanti r, pel a f orça, a pro
hor as de t rabalho neces sário. Qual será o s eu val or de uso? Quan
pri edade privada dos meios de produção, ist o é,a exploração ca
do paga estes
pitalista do trabalho. Em troca deste serviço, as forças repressivas
4,00 -
o salário do trabalhador
-
o capitalista
Mas um homem não é um boi, e pa ra c onservá-lo na condi
adquir e o dir eit o de consumir , de uti li zar a s ua força de tr abalho
-
por um dia. este o seu val or de uso. Port anto, o capit ali st a con
produzida pelo operariado. Noutras palavras, a classe trabalhado
some a forç a de trabalho faze ndo que ela tra balhe e p roduza du
ra -
rante u m dia normal, diga mos de 8 h oras.
classe capitalista, que a explora. Para recapitular: a força de traba
ATENÇAO:
o capitalista
que não vivem de brisa hoje -
recebem uma parte da mais-valia
sustenta as forças da repressão, que a oprimem, e a
pagou 4 horas de trabalho mas recebeu 8.As 4 horas que não foram
lho é uma mercadoria cujo valor de troca -
pagas, as horas de trabalho excedente são a mais valia do capitalis-
menor do que o valor criado no seu uso -
ta. Essa troca desigual, repetida milhares de vezes com milhares de
de uma semana ou de um mês de trabalho. A força de trabalho,
operários ao longo dos anos, é a mola e essência deste sistema
port anto, é uma mercadori a desvantajosa para o s eu vendedor -
de exploração.
operário -
necessário entender bem que esta troca, por mais legal e con
pago no salário -
é
o produto de um dia,
e vantajosa para o seu comprador
-
o
o capitalista.
Por tant o, enquant o a f orça de tr abal ho f or mer cadori a, haver á ex
t ratada que par eça, é uma violência diari amente cometi da contr a
ploração capitalista. Por outro lado, vimos que a força de trabalho
a classe operária. Como pôde o t rabalhador
é mercadori a porque a classe tr abal hadora
aceit á- Ia? Vamos re
est á separada de s eus
petir o a rgumento . O trabalhador não tem o que ven der, além da
meios de produção. Em conseqüência, deixará de ser mercadoria
sua força de trabalho, e precisa vendê-Ia, para sobreviver. Portan to, é forçado pela fome ou mesmo pe la repressã o organizada, a
quando a c lasse tra balh adora tomar a si os meios de produç ão, expropri ando a classe dos exploradores. Est e é o programa da r e
concordar com o salári o que os patrões propõem. Ent retant o, no
volução.
espaço de um dia, de uma semana ou de um mês de trabalho, o t rabalhador produz muit o mais do que o seu salári o. Est a diferen
1968)
ça, chamada mais- vali a, é embol sada pela classe capitali sta, e é a s ubst ânci a de toda a s ua ri queza. Ass im como um boi produz mais do que come, e e nriquece o seu dono, a classe trabalhadora 68
pro
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ultura e política
964
969
lguns esquem s
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Em 1964instalou-se no Brasil o regime militar a fim de ga rantir o capital e o continente contra o socialismo. O governo po pulista de Goulart
apesar da vasta mobilização esquerdizante a
que proc edera temia a luta d e classes e re cuou diante d a possí vel guerra civil. Em conseqüência a vitória da direita pôde tomar a costumeira forma de acerto entre generais. O povo na ocasião mobilizado mas sem armas e organização própria
assistiu passi
vamente à troca de governos. Em seguida sofreu as conseqüências: intervenção e terror nos sindicatos terror na zona rural rebaixa mento geral de salários expurgo especialmente nos escalões bai xos das Forças Armadas inquérito militar na Universidade inva NOTA
são de igrejas dissolução das organizações estudantis
1978
suspensão de habeas corpus etc. Entretanto As páginas que se guem f or am e scr it as e nt re 1969 e 1970. N o principal
como o leitor facilmente notará
o seu prognóstico
estava errado o que não as recomenda. Do resto acredito _ at é s egunda ordem -
que a lgum a cois a s e a pr ovei ta . A t enta
ç ão de r ee scr ever a s pas sagens que a r ea li dade e os anos des mentiram naturalmente existe.Mas para que substituir os equí voc os daque la époc a pel as opi ni ões de hoj e que podem não estar menos equivocadas? Elas por elas o equívoco dos con temporâneos é sempre mais vivo. Sobretudo porque a análise s oci al no c as o t inha m enos i nt enção de ci ênci a que de r et er e explicar uma experiência feita entre pessoal e de geração do momento histórico. Era antes a tentativa de assumir literaria mente na medida de minhas forças a atualidade de então. Assim quando se diz agora são observações erros e alternativas da quel es a nos que t êm a pal avra. O l ei tor ver á que o t em po pas sou e não passou.
censura
para surpresa de to
d os a presen ça cultural da e squerda nã o foi liquida da naq uela d ata e mais de lá para cá não parou d e crescer. A sua produção é de qualidade notável nalguns campos eé dominante. Apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país Pode ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio cheias de mar
xismo nas estréias teatrais incrivelmente festivas e febris às ve zes ameaçadas de invasão policial na movimentação
estudantil
ou nas proclamações do clero avançado. Em suma nos santuários da cultura burguesa a esquerda dá o tom. Esta anomalia -
que
agora periclita quando a ditadura decretou penas pesadíssimas para a propaganda do socialismo -
é o traço mais visível do pa
norama cultural brasileiro entre 1964 e 1969. Assinala além de luta um compromisso. Antes de apresentá-Ia em seus resultados é preciso localizar esta hegemonia e qualificá-Ia. O seu domínio
salvo engano con
centra-se nos grupos diretamente ligados à produção ideológica tais como estudantes
artistas jornalistas parte dos sociólogos e
7
7
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economistas 5/23/2018
a parte raciocinante do clero arquitetos etc. -
sores os encenadores
mas
os escritores os músicos os livros os edi
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
daí não sai nem pode sair por razões policiais. Os intelectuais são
tores -
de esquerda eas matérias que preparam de um lado para as co
tura v iva d o mo men to. O go verno já d eu vá rios p asso s ne ste sen
missões d o go verno o u do gran de c ap ital e d e ou tro p ara a s rá
tido e não se s abe quantos mais dará. Em matéria de destroçar
dios televisões e osjornais do país não são. de esquerda somen
universidades
te a m atéria que o grupo -
e Rio as três maiores d o p aís.
numeroso a ponto de formar um bom
no utras pa lav ras será n ece ssário liq uid ar a p róp ria cu l
o seu acervo já é considerável: Brasília São Paulo
pr oduz para consumo próprio. Essa situação cris ta
Para compreender o conteúdo a implantação e as ambigüi
lizou-se em 1964 quando rosso mo o a intelectualidade socialis
dades dessa hegemonia é preciso voltar às origens. Antes de 1964
ta já pronta para prisão desemprego e exílio foi poupada. Tortu
o soc ialismo q ue se d ifund ia no Brasil e ra forte e m an tiimpe ria
rados e longamente pres os f oram somente aqueles que haviam
lismo e fraco na propaganda
organizado o contato com operários
razão esteve em parte ao menos na estratégia do Partido Comu
mercado -
camponeses
marinheiros e
e organização da luta de classes. A
soldados. Cortadas naquela ocasião as pontes entre o movimen
nista que pregava aliança com a burguesia nacional. Formou-se
to c ultu ral e a smassas o g ov erno Caste llo Bran co n ão imp ed iu a
em conseqüência uma espécie desdentada e parlamentar de mar
circulação teórica ou artística do ideário esquerdista que embo ra em área restrita floresceu extraordinariamente. Com altos e bai
xismo patriótico um complexo ideológico ao mesmo tempo com
xos essasolução de habilidade durou até 1968 quando nova massa
populismo nacionalista então dominante cuja ideologia original; o trabalhismo ia cedendo terreno. O aspecto conciliatório pre
h av ia surgido
ca pa z d e da r força ma teria l à ide olog ia: o s estu
dantes organizados em semiclandestinidade. enquanto lamentava abundantemente impotência
bativo e de conciliação de classes facilmente combinável com o
a intelectualidade
valecia na esfera do movimento operário onde o
Durante esses anos
o seu confinamento e a sua
fazia valer a
sua influ ên cia sind ica l a fim d e man ter a luta de ntro do s limites
ensi
da reivindicação econômica. E o aspecto combativo era reserva
falando etc. e sem perceber contri
do à luta contra o capital estrangeiro à política externa e à refor
bu íra p ara a c riaç ão no interior d a p eq uen a b urgue sia d e u ma
ma agrária. O conjunto estava sob medida para a burguesia popu
geração maciçamente anticapitalista. A importância social e a dis
lista que precisava da terminologia social para intimidar a direita
posição de luta dessa faixa radical da população revelam-se agora
latifundiária
entre outras formas na prática dos grupos que deram início à pro paganda armada da revolução. O regime respondeu em dezem
querda para infundir bons sentimentos nos trabalhadores. Não se pense é claro que o populismo seja criação do PC; o populis
b ro d e 1 96 8 co m o en du re cimen to. Se e m 1 964 fora p ossível à di
mo é que consolidara neste uma tendência
reita preservar
a produção cultural pois bastara liquidar o seu
muito grande tornava o partido como veremos adiante invulne
c ontato co m a massa op erária e c ampon esa e m 1 96 8 qu an do o
rável à esquerda. Ora uma vez consumada essa aliança tornou
e studa nte e o p úblic o d os me lho res filmes do me lho r tea tro d a
se d ifícil a sep araç ão d os b en s. Ho je tud o isso pa rec e claro. Nã o
melhor mú sica e d os melho res liv ro s já c on stituem massa p oliti
obstante esse complexo deteve a primazia teórica no país seja em
camente perigosa será necessário trocar ou censurar os profes-
face das teorias psicossociológicas do caráter nacional
nando editando
filmando
de esquerda foi estudando
PC
72
e precisava do nacionalismo
autenticado pela es
cujo sucesso prático
já ana
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E
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crônicas então, seja em face do nacionalismo simples da moder nização, inocente de contradições, seja em face dos simulacros cristãos do marxismo, que traduziam imperialismo e capital em termos de autonomia e heteronomia da pessoa humana, e seja finalmente diante dos marxismos rivais, que batiam incansavel mente na tecla do leninismo clássico, e de hábito se bastavam
I
ficientemente marxista diante das complicações familiares: ge neraliza, pô - são estes anos de Aufklaerung [esclarecimento] popular que têm a palavra.* Mas voltemos. Se o PC teve o gran de mérito de difundir a ligação entre imperialismo e reação in terna, a sua maneira de especificá-Ia foi seu ponto fraco, a razão do desastre futuro de 1964. Muito mais antiimperialista que an
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
com a recusa abstrata do compromisso populista. O ponto forte da posição comunista, que chegou a penetrar as massas, apro fundando nelas o sentido político do patriotismo, estava na de monstração de que a dominação imperialista e a reação interna estão ligadas, que não se muda uma sem mudar a outra. Aliada ao momento político, a repercussão dessa tese foi muito grande. A literatura antiimperialista foi traduzida em grande escala e os jornais fervilhavam de comentários. Foi a época de Brasilino, uma personagem que ao longo de um livrinho inteiro não conseguia
ticapitalista, o PC distinguia no interior das classes dominantes um setor agrário, retrógrado e pró-americano, e um setor indus trial, nacional e progressista, ao qual se aliava contra o primeiro. Ora, esta oposição existia, mas sem a profundidade que lhe atri buíam, e nunca pesaria mais do que a oposição entre as classes proprietárias, em bloco, e o perigo do comunismo. O PC entre tanto transformou em vasto movimento ideológico e teórico as suas alianças, e acreditou nelas, enquanto a burguesia não acre ditava nele. Em conseqüência, chegou despreparado à beira da
mover um dedo sem topar no imperialismo. Se acendia a luz, pe la manhã, a força era da Light Power. Indo ao trabalho, consu mia gasolina da Esso, num ônibus da General Motors. As salsi chas do almoço vinham da Swift & Armour etc. Os C adernos do Povo por sua vez,vendidos por um cruzeiro, divulgavam ampla mente asmanobras em torno do petróleo, relações entre latifún dio e doença endêmica, questões de reforma agrária, discutiam quem era povo no Brasil etc. O país vibrava e as opções diante da história mundial eram pão diário para o leitor dos principais
guerra civil.** Este engano esteve no c entro da vida cultural brasileira de 1950 pa ra cá e tinha a tenacidade de seu sucesso prático. Esta a dificuldade. A crítica de esquerda não conseguia desfazê 10, pois todos os dias anteriores ao último davam-lhe razão. Co mo previsto, Goulart apoiava-se mais e mais no PC, cuja influên-
jornais. Nesse período aclimatizou-se na fala cotidiana, que se desprovincianizava, o vocabulário e também o raciocínio políti co da esquerda. Daí uma certa abstração e velocidade específica do novo cinema e teatro, em que as opções mundiais aparecem de dez em dez linhas e a propósito de tudo, às vezes de maneira desastrada, às vezes muito engraçadas, mas sempre erguendo as questões à sua conseqüência histórica, ou a uma caricatura dela. Quando numa peça teatral um namorado diz à namorada, insu-
nente. Em conseqüência, os brizolistas buscaram cristalizar a luta de classes no interior das Forças Armadas (houve rebelião de sargentos e marinheiros) e orga nizaram civis nos famosos Grupos de Onze. Controlavam também uma grande esta çã o de rá dio. Brizola - deputado f edera l, a ntigo governador do Rio Gr an de do Sul, líde r da mobiliz aç ão popular que e m 1961 gara ntiu, c ontra os mili tares, a sucessão legal a Goulart (seu cunhado), um político tradicional portan to - teve a clareza e in iciativa que faltaram ao grosso do campo marx ista, o qual pelo contrário errava fragorosamente e entrava em crise. Esta superiorida de prática do nacion alismo radical sobre o marxismo estabelecido não está estudada. Infelizmente não tenho elementos para descrevê-Ia melhor.
74
de Gianfrancesco Guarnieri. À esquerda, foi a corre nte de Br izola , não-mar xista e de pouca teoria, com posta de nacionalistas radicais, que tentou sepreparar para o golpe militar imi
Animá/ia
75
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cia e euforia eram crescentes. Só o que não houve meios de pre 5/23/2018
trelaç ad a co m o p ode r p articu larmen te
d urante o g ov erno G ou
lart, quando chegou a ser ideologia confessa de figuras importan venir, na prática, já que as precauções neste terreno perturba SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om tes na administração), multiplicando os qüiproquós e implantan ria m a d isposiç ão fav oráve l do p resid en te, foi o fin al militar. Estava n a lóg ica da s co isas q ue o
PC
chegasse à soleira da revolu
do -se profun dame nte,
a p on to de tornar-se a próp ria atmosfera
ção confiando no dispositivo militar da Presidência da Repúbli
ideológica do país. De maneira vária, sociologia, teologia, histo
ca .Em suma, tra tav a-se de u m e ng an o b em fund ad o n as ap arên
riografia, cinema, teatro, música popular, arquitetura
cias. Seus termos e seu movimento foram a matéria-prima da crítica e da apologética do período. Sumariamente, era o seguinte:
tira m o s seus p ro blemas. Aliás, esta implantação tev e tamb ém o seu aspecto comercialimportante, do ponto de vista da ulte
o aliad o prin cipal do impe rialismo, e po rtan to o inimigo p rinc i
rior sobrevivência -,
p al d a e squ erda, seriam o s aspe ctos arcaicos da sociedade brasi
um g ran de n eg ócio, e a lterou a fisio nomia ed itoria l e artística do
pois a produção
etc., refle
de esquerda veio a ser
leira, basicamente o latifúndio, contra o qual deveria erguer-se o
Brasil em po uco s an os. Entre tan to, se ne sta fase a ide ologia so
p ov o, co mp osto p or tod os aq ueles interessa do s no progresso do
c ia lista servia à resoluç ão d e p ro blemas d o cap italismo, a c ad a
país. Resultou, no plano econômico-político,
impasse invertia-se a direção da corrente. Agitavam-se as massas,
uma problemática mais
a fim de pressionar a faixa latifundiária do Congresso, que assus
precisamente, tratava-se da ampliação do mercado interno atra
tada aprovaria medidas de modernização burguesa, em particu
vés da reforma agrária, nos quadros de uma política externa in dependente. No plano ideológico, resultava uma noção de povo
lar a reforma a grária . Mas o Con gresso n ão co rrespo nd ia; e a di reita por sua vez, contrariamente à esque rda p opu lista, q ue e ra
apologética e sentimentalizável, que abraçava indistintamente
moderadíssima, promovia ruidosamente o fantasma da socializa
e democratização;
explosiva mas burguesa de modernização
as
o s mag
ção. Consolidava-se então, aqui e ali,por causa mesmo da ampli
natas nacionais e o exército. O símbolo desta salada está nas gran d es festas d e e ntão, registra da s p or Glaub er Roc ha em T er ra e m
tude das campanhas populares oficiais, e por causa de seu fracas
transe onde fraternizavam as mulheres do grande capital, o sam
possíveis nos limites do capitalismo e portanto do populismo. Esta
ba , o g ran de ca pita l ele mesmo , a d ip lo ma cia do s pa íses socialis
c on clusão , embo ra e spa rsa, tinha o mesmo v asto raio da p ro pa
tas, os militares progressistas, católicos e padres de esquerda, in
ganda governamental. Foi adotada por quadros de governo, qua
ma ssas trab alhad oras,
o lump en zinato,
a intelligentzia
so, a convicção de que as reformas necessárias ao país não seriam
dros técn ic os, estud an tes e va ng uardas o perária s, qu e em seg ui telec tua is d o Partido, po etas torren ciais, pa trio tas em g eral, un s em traje de rigor, outros em blue jeans Noutras palavras, posta
da, diante do golpe militar de 1964, não puseram em dúvida o
de lado a luta de class es e a expropriação
ma rxismo, mas a ap lica ção q ue o
do capital, restava do
fizera dele. Este esquema ex
marxismo u ma tin tura rósea qu e ap rov eita va ao interesse de se
plica aliás alguma coisa do caráter e do lugar social de parte do
tores burguesia industrial? burocracia estatal?) das classes domi
marxismo brasileiro. Num país dependente mas desenvolvimen
na ntes. E d e fato , ne sta forma , foi p arte e m g rau ma ior o u me no r
tista, de capitalização fraca e governo empreendedor, toda inicia
do arsenal ideológico de Vargas, Kubitschek, Quadros e Goulart.
tiv a ma is o usad a se fa z em c on tato co m o Estado . Esta me diaç ão
Assim, no Brasil, a deformação populista do marxismo esteve en-
dá perspectiva nacional e paternalista) à vanguarda dos vários se-
76
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tores da iniciativa, cujos teóricos iriam encontrar os seus impasses 5/23/2018
fundamentais já na esfera do Estado, sob forma de limite imposto
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
a ele pela pressão imperialista e em seguida pelo marco do capita
Este, e sq ue ma ticamente,
o me ca nismo a trav és d o q ual um
lismo. Isto vale para o conjunto da atividade cultural (incluindo o
dúbio temário socialista conquistou a cena. Entretanto, resulta
en sino) q ue p rec ise d e me ios, v ale p ara a ad ministra çã o p úblic a,
d os cu lturais e ho rizon tes d e uma ideo log ia, já p orqu e e la n unc a
para setores de ponta na administração privada, e especificando
e stá só, n ão são idê ntico s em tudo à sua funç ão . Do c on ta to c om
se u m po uco v aleu mesmo p ara iso lad os c ap italista s n acion ais e para oficiais do exército. Em conseqüência, a tônica de sua crítica
as n ov as tend ên cias interna cion ais e co m a rad ica lizaç ão d o p o pulismo, o qual afinal desembocava em meses de pré-revolução,
será o nacionalismo antiimperialista, anticapitalista num segundo
nasciam perspectivas e formulações irredutíveis ao movimento
mo men to, sem q ue a isto co rrespon da u m co ntato n atural c om os
ideológico do princípio, e incompatíveis com ele. Dada a análise
problemas da massa. Um marxismo especializado na inviabilidade
que fizemos, este é mesmo um critério de valor: só na medida
do capitalismo, e não nos caminhos da revolução. Ora, como osin
em que nalgum ponto rompesse com o sistema de conciliações en
telectuais não detêm os seus meios de produção, essa teoria não se
tão e ng ren ado , q ue n ão o bstan te lhe d av a o imp ulso, a p ro du çã o
transpôs para a sua atividade profissional, embora faça autoridade
de esquerda escapava de ser pura ideologia. Isto dava-se de muitas
e oriente a sua consciência crítica. Resultaram pequenas multidões
maneiras. Por exemplo, as demagógicas emoções da política ex
de profissionais imprescindíveis e insatisfeitos, ligados profissional mente ao capital ou governo, mas sensíveis politicamente ao hori
terna independente (Jânio Quadros condecorando Guevara) ou das campanhas de Goulart estimulavam, nas faculdades, o estudo
z onte da revo luç ão -
de Marx e d o imperia lismo . Em co nseq üê ncia v ieram d e p ro fes
e isto po r raz ões téc nicas, de dificuldad e n o
crescimento das forças produtivas, razões cuja tradução política
sores -
n ão é imed iata, o u p or ou tra, é a leatória e d ep en de d e ser c ap tad a.
mais convincentes e completas da inviabilidade do reformismo e
Em suma, forma ra-se u ma no va lig a n aciona lista d e tu do q ue é jo
de seu caráter mistificado r. Outro resultado oblíquo: paradoxal
vem, ativo e moderno -
men te, o e studo ac ad êmico d ev olvia a os textos de Marx e Lên in
excluídos agora magnatas e generais
destas longínquas tartar ugas -
as primeiras exposições
q ue seria o pú blico d os p rimeiro s a nos d a d itad ura e o solo em q ue
a v italid ad e q ue o mo nop ólio d o PC lhes havia tomado; saindo da
deitaria fruto a crítica aos compromissos da fase anterior. Era tão
aula, os militantes defendiam o rigor marxista contra os compro
viva a presença desta corrente que não faltou quem reclamasse apesar dos tanques da ditadura rolando periodicamente pelas ruas -
c on tra o terro rismo c ultu ral d a esqu erda.
misso s d e seu s d irige ntes. Em suma , co mo o s g rup os d e o nze e as ligas camponesas escapavam à máquina populista, que entretan to era a sua atmosfera, a cultura dispersava por vezes, em obras isoladas ou mesmo em experimentos coletivos, a fumaceira teórica
Pa ra u m ap an had o h ist óri co d as o ri gen s d a cr is e d e 1 96 4, v er R. M . M ari ni , Contradições
no Brasil contemporâneo ~
1968. Para as limitações
da burguesia
populista , ver r espe ctivamente es Temps Modernes outubro
in Teoria e Prática n º 3 , S ão Pau lo ,
nacional
e para a estrutura
do poder
os tra ba lhos de F. H. Car doso e F. C. Wef fort, in 1967.
78
do PC, que entretanto era também o clima que lhe garantia audiên c ia e importâ ncia imed iata. Finalmen te, pa ra u m ex emplo mais c omp lex o d esta dispa rida de en tre a prática reformista e seu s re sultados culturais, veja-se o Movimento de Cultura Popular (MCP)
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em Pernam buco (um a bela evocação encontra-se no rom ance de 5/23/2018
do método, em que de fato pulsa um momento da r evolução con
Antonio Callado, uarup de 1967). O movimento começou em
temporânea:
1959, quando Miguel Arr aes era pr ef eito e se candi datava a go
betismo, não são acidentes ou r esíduo, mas parte integrada no
a noção de que a miséria e seu cimento, o analfa
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
vernador. A sua finalidade imediata era eleitoral, de alfabetizar as massas, que cer tamente votar iam nel e se pudessem ( no Brasil o analfabeto, 50
~
da população, não vota). Havia intenção também
de estimular toda sor te de organização do povo, em torno de in teresses reais, de cidade, de bairro, e m esm o folclóricos, a fim de contrabalançar a indigência e o m arginalism o da m assa; seria um modo de fortalecê- Ia par a o contato devastador com a demago
movimento rotineiro da dominação do capital. Assim, a conquis ta pol ítica da escrita rompia os quadros destinados ao estudo, à transm issão do saber e à consolidação da ordem vigente. Analo
t
jI if
gam ente para o teatro. Certa feita, o governo Arraes procurou es tender o crédito agrícola, que em dois m eses passou a beneficiar 40 mil pequenos agricultores em lugar de apenas mil. Grupos tea trais procuravam então os camponeses, informavam-se e tentavam
gia eleitoral. O program a era de inspiração cristã e reformista, e
dramatizar em seguida os problem as da inovação. Num caso des
a sua teoria centrava na pr om oção do homem': Entretant o, em
tes, quem seria o autor? Quem aprende? A beleza ainda adorna as
seus efeitos sobre a cultura e suas formas estabelecidas, a profun
classes dominantes? De onde vem ela?Com o público, mudavam
didade do
os tem as, os m ateriais, as possibilidades e a própria estrutura da
MCP
era maior. A começar pelo método Paulo Fr ei re,
de alfabetização de adultos, que foi desenvolvido nesta oportuni
produção cultural. Durante este breve período, em que polícia e
dade. Este m étodo, m uito bem -sucedido
na prática, não concebe
justiça não estiveram simplesmente a serviço da propriedade (no
a leitura como uma técnica indiferente, mas como f orça no jogo
tavelmente em P ernambuco), as questões de uma cultura verda
da dominação social. Em conseqüência, procura acoplar o acesso
deiram ente dem ocrática brotaram por todo canto, na m ais alegre
do camponês à palavra escrita com a consciência de sua situação
incompatibilidade com as formas e o prestígio da cultura burgue sa.Aliás,é difícildar-se conta, em sua verdadeira extensão, da cum
política. Os professores, que eram estudantes, iam às comunidades rur ais, e a partir da experiência viva dos moradores alinhavam assuntos e palavras-chave gia de Paulo Freir e -
palavras geradoras , na terminolo
que serviriam simultaneamente
para dis
cussão e alfabetização. Em lugar de aprender humilhado, aos trin ta anos de idade, que o vovô vê a uva, o trabalhador rural entrava, de um mesmo passo, no m undo das letras e no dos sindicatos, da
plicidade complexa, da complementaridade ~
í j
que muitas vezes exis
te entre as f ormas aceitas, artísticas ou cultur ai s, e a repressão policial. F oram tem pos de áurea irreverência. No Rio de Janeiro, os Centros Populares de Cultura cPc) improvisavam teatro po lítico em portas de fábrica, sindicatos, grêmios estudantis e na fa vela, com eçavam a fazer cinem a e lançar discos. O vento pré- re
constituição, da reforma agrária, em suma, dos seus interesses his
volucionário descompartimentava a consciência nacional e enchia
tóricos. Nem o professor, nesta situação, é um profissional burguês
os jornais de reforma agrária, agitação camponesa, m ovim ento
que ensina sim plesm ente o que aprendeu, nem a leitura é um pro
operário, nacionalização de empresas americanas etc. O país esta
cedimento que qualifique simplesmente para uma nova profis
va irreconhecivelmente inteligente. O jornalismo político dava um
são, nem as palavras e m uito m enos os alunos são sim plesmente
extraordinário salto nas grandes cidades, bem com o o hum oris
o que são. Cada um destes elementos é transformado
mo. Mesmo alguns deputados fizeram discursos com interesse. Em
80
no interior
81
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era a produção intelectual que começava a reorientar a
paredão? Tudo se resumia nas palavras de ardente ex-liberal: Há
sua relaç ão co m a s ma ssas. Entre tan to sob rev eio o g olpe e co m
u m g ran dioso tra ba lho à fre nte d a Comissão Ge ral d e Inv estiga
e le a rep ressão e o silênc io da s p rimeiras seman as. O s g en erais
ções . Na província
em arte eram adeptos de uma linha mais tradicional.
mento local misturava-se de interesse: professores do secundário
pequeno 5/23/2018
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Em São
Paulo por exemplo verdade que mais tarde o comandante Seg un do Exé rcito -
do
famo so p ela ex clamaç ão d e q ue a lmo ça ria
onde houvesse ensino superior o ressenti
e advogados da ter ra cobiçavam os postos e ordenados do ensi no universitário
que via de regra eram de licenciados da capital.
a esque rd a a ntes qu e ela o jan tasse - p ro mo via co me ntad o sarau literário em que recitou sonetos da lavra paterna e no final ins
Em São Paulo spe kers de rádio e televisão faziam terrorismo po lítico po r c on ta próp ria. O g ov ernad or d o esta do u ma e nc arna
tado pela sociedade presente também alguns de sua própria plu
ção de Ubu invocava seguidamente a Virgem -
ma. No Recife o
crofone -
MCP
foi fechado em seguida e sua sede transfor
sempre ao mi
a qu em ch amav a a doráve l criatura . O ministro da
mada como era inevitável em secretaria da assistência social. A
Educação era a mesma figura que há poucos anos expurgara a
fase mais interessante e alegre da história brasileira recente havia
b iblio teca da U niversidad e d o Paran á de qu e e ntão e ra reito r;
se tornado matéria para reflexão.
naquela ocasião mandara arrancar as páginas imorais dos roman
Agora n o ras tro da repress ão de 1964 era outra camada
c es d e Eça d e Qu eiró s. N a Fa cu lda de de Med icina u m g ru po in
geológica do país quem tinha a palavra. Corações antigos esca
teiro de professores foi expulso por outro
ninhos da hinterlândia quem vos conhece? Já no pré-golpe me diante forte aplicação de capitais e ciência publicitária a direita
que aproveitava a marola policial para ajuste de rancores antigos. Em menos palavras: no conjunto de seus efeitos secundá
conseguira ativar politicamente os sentimentos arcaicos da peque
rios o g olpe ap resentou -se co mo uma g ig an tesca v olta do qu e a
na bu rg ue sia. Tesou ros d e b estice rural e u rb an a saíra m à rua na
modernização havia relegado; a revanche da província
forma da Marcha da família com Deus pela liberdade
quenos proprietários
movi
menos competente
dos pe
dos ratos de missa das pudibundas
dos
mentavam petições contra divórcio reforma agrária e comuni
b ac ha réis em lei e tc . Para c on ce be r o taman ho
zação do clero ou ficavam em casa mesmo rezando o Terço em
lembre-se que no tempo de Goulart o debate público estivera cen
família espécie de rosário bélico para encorajar os generais. Deus
trado em reforma agrária
não deixaria de atender a tamanho clamor público e caseiro e de
do analfabeto e mal ou bem resumira não a experiência média do
imperialismo
cidadão mas a experiência org niz
de sta reg ressão
salário mínimo e voto dos sindicatos
operários
fato ca iu em cima d os c omun istas. N o pó s-golpe a co rren te d a opinião vitoriosa se avolumou enquanto a repressão calava o mo
e rurais das associações patronais ou estudantis da pequena bur
vimento operário e camponês. Curiosidades antigas vieram à luz
guesia mobilizada etc. Por confuso e turvado que fosse referia-se
estimuladas pelo inquérito policial-militar que esquadrinhava
a qu estõ es rea is e faz ia-se n os termos q ue o proce sso n ac ion al su
subversão. -
O professor de filosofia acredita em Deus? -
nhor sabe inteira a letra do Hino Nacional? na faculdade s ão virgens? vre? -
a
O se
Mas as meninas
E s e f orem praticantes do amor li
Será que o meu nome estava na lista dos que iriam para o
geria de momento a momento
aos principais contendores. De
po is d e 19 64 o q ua dro é o utro . Ressurge m a sv elha s fórmu las ri tuais anteriores ao populismo
em que os setores marginalizados
e ma is an tiq uad os da b urgue sia escon de m a sua falta d e c on tato 83
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com o que se passa no mundo: a célula da nação é a família, o Brasil é altivo, nossas tradições cristãs, frases que não mais refle tem realidade alguma, embora sirvam de passe partoutpara a afe tividade e de caução policial-ideológica a quem fala. À sua ma neira, a contra-revolução repetia o que havia feito boa parte da mais reputada poesia brasileira deste século; ressuscitou o cortejo dos preteridos do capital. Pobres os poetas, que viam seus decan tados maiores em procissão, brandindo cacetes e suando obscuran tismo Entretanto, apesar de vitoriosa, esta liga dos vencidos não pôde se impor, sendo posta de lado em seguida pelos tempos e pela política tecnocrática do novo governo. Fez, contudo, fortu na artística ainda uma vez, em forma de assunto. Seu raciocínio está imortalizado nos três volumes do Febeapá sigla para Fes tival de Besteira que Assola o País -, antologia compilada por Stanislaw Ponte Preta. E de maneira indireta, o espetáculo de ana
interessante é ver o que vêem os seus colegas em Londres, Nova York e Paris: Hair Marat Sade Albee e mesmo Brecht. Da mesma forma, quando marchavam pelas ruas contra o comunismo, em saia, blusa e salto baixo, as damas da sociedade não pretendiam renunciar às suas toaletes mais elaboradas. A burguesia entregou aos militares a Presidência da República e lucrativos postos na ad ministração, mas guardava padrões internacionais de gosto. Ora, neste momento a vanguarda cultural do Ocidente trata de um só assunto, o apodrecimento social do capitalismo. Por sua vez,os mi litares quase não traziam a público o seu esforço ideológico - o qual será decisivo na etapa que se inicia agora -, pois dispondo da força dispensavam a sustentação popular. Neste vácuo, foi natural que prevalecessem o mercado e a liderança dos entendidos, que de volveram a iniciativa a quem a tivera no governo anterior. A vida cultural entrava em movimento, com as mesmas pessoas de sem
cronismo social, de cotidiana fantasmagoria que deu, preparou a matéria para o movimento tropicalista uma variante brasileira e complexa do pop, na qual se reconhece um número crescente de músicos, escritores, cineastas, encenadores e pintores de van guarda. Adiante tentarei apresentá-Ia.) A sua segunda chance, es ta liga veio a tê-Ia agora em 1969, associada ao esforço policial e doutrinário dos militares, que tentam construir uma ideologia para opor à guerra revolucionária nascente. Porém voltemos a 1964.O governo que instaurou o golpe, contrariamente à peque
pre e uma posição alterada na vida nacional. Através de campanhas contra tortura, rapina americana, inquérito militar e estupidez dos censores, a inteligência do país unia-se e triunfava moral e intelec tualmente sobre o governo, com grande efeito de propaganda. So mente em fins de 1968 a situação volta a se modificar, quando é oficialmente reconhecida a existência de guerra revolucionária no Brasil. Para evitar que ela sepopularize, o policialismo torna severdadeiramente pesado, com delação estimulada e protegida, a tortura assumindo proporções pavorosas, e a imprensa de boca
na burguesia e à burguesia rural, que ele mobilizara mas não ia representar, não era atrasado. Era pró-americano e antipopular, mas moderno. Levava a cabo a integração econômica e militar com os Estados Unidos, a concentração e a racionalização do ca pital. Neste sentido o relógio não andara para trás, e os expoentes da propriedade privada rural e suburbana não estavam no poder. Que interesse pode ter um tecnocrata, cosmopolita por definição, nos sentimentos que fazem a hinterlândia marchar? Muito mais
fechada. Cresce em decorrência o peso da esfera ideológica, o que setraduziu em profusão de bandeiras nacionais, folhetos de pro paganda, e na instituição de cursos de ginástica e civismo para universitários. Subitamente renascida, em toda parte seencontra a fraseologia do patriotismo ordeiro. Que chance tem o governo de forjar uma ideologia nacional efetiva?Se precisa dela, é somen te para enfrentar a subversão. Noutro caso, preferia dispensá-Ia, pois é no essencial um governo associado ao imperialismo, de des-
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mobilização popular e soluções técnicas, ao qual todo compromis
logia, que deveriam ceder à pressão das massas e das necessidades
so ideológico verificável parecerá sempre um entrave. Além disso,
do desenvolvimento
nacional, o golpe de 1964 -
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
um dos mo
há também a penetração instituída e maciça da cultura dos Esta
mentos cruciais da Guerra Fria -
dos Unidos, que não casa bem com Deus, pátria e f amília, ao me
movimento, através da mobilização e confirmação, entre outras,
nos em sua acepção latino-americana.
Portanto, a resistência à di
das formas tradicionais e localistas de poder. Assim a integração
fusão de uma ideologia de tipo fascista está na força das coisas.
imperialista, que em seguida modernizou para os seus propósitos
Por outro lado, dificilmente ela estará na consciência liberal, que teve seus momentos de vi gor depois de 1964, mas agora parece
a economia do país, revive e tonif ica a parte do arcaísmo ideoló gico e político de que necessita para a sua estabilidade. De obs
quase extinta. Em 1967, por ocasião de grandes movimentações
táculo e resíduo, o arcaísmo passa a instrumento
estudantis, f oi trazida a São Paulo a polícia das docas. A sua bru
opressão mais moder na, como aliás a modernização, de liberta
talidade sinistra, rotineiramente
aplicada aos trabalhadores, vol
tava- se por um momento contr a os f ilhos da burguesia, causan do espanto e revolta. Aquela violência era desconhecida na cidade e ninguém supusera que a defesa do regi me necessitasse de tais especialistas. Assim também hoje. Contrafeita, a burguesia aceita a programação cultural que lhe preparam os militares.
firmou-se pela derrota deste
intencional da
dora e nacional passa a forma de submissão. Nestas condições, em 1964 o pensamento caseiro alçou-se à eminência histórica. Espe táculo acabrunhado r especialmente para os intelectuais, que já se tinham desacostumado. Esta experiência, com sua lógica própria, deu a matéria-prima
a um estilo artístico importante, o Tropica
lismo, que reflete var iadamente
a seu respeito, explor ando e de
marcando uma nova situação intelectual, artística e de classe. Ten to em seguida um esquema, sem qualquer certeza, de suas linhas
S istematizando um pouco, o que ser epete nestas idas e vin das é a combinação, em momentos
de crise, do moderno
e do
antigo; mais precisamente, das manifestações mais avançadas da
principais. Arriscando um pouco, talvez sepossa dizer que o efeito básico do Tropicalismo está justamente na submissão de anacro nismos desse tipo, grotescos à primeira vista, inevitáveis à segunda, à luz branca do ultramoderno, transformando-se o resultado em
integração imperialista internacional e da ideologia burguesa mais
alegoria do Brasil. A reserva de imagens e emoções próprias ao
antiga -
país patriarcal, r ur al e urbano é exposta à forma ou técnica mais
e obsoleta -
centrada no indivíduo, na unidade fami
liar e em suas tradições. Superficialmente, esta combinação indica
avançada ou na moda mundial -
apenas a coexistência de manifestações ligadas a diferentes fases do mesmo sistema. Não interessa aqui, para o nosso argumento,
eisensteiniana, cores e montagem do pop, prosa de innegans wake cena ao mesmo tempo crua e alegórica, atacando fisicamente a pla
a famosa var iedade cultural do país, em que de fato seencontram
téia. nesta diferença interna que está o brilho peculiar, a marca de
religiões africanas, tribos indígenas, trabalhadores ocasionalmen
registro da imagem tropicalista. O resultado da combinação é
música eletrônica, montagem
te vendidos tal qual escravos, trabalho a meias e complexos indus triais.) O importante é o caráter sistemático desta coexistência, e
N os c asos e m que o e le me nto
seu sentido, que pode variar. Enquanto na fase Goular t a moder
o s h á bi to s n eo fó ss ei s d a s oci ed ad e d it a d e co ns um o -,
nização passaria pelas relações de propriedade e poder, e pela ideo-
d e s im pl es men te
a ntiqua do
é r ec entíssimo e inter na cional
o T ro pi ca li smo co in ci
c om fo rm as d o p op . 87
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estridente como um segredo familiar trazido à rua, como uma
o mérito irrefutável de ter nascido depois e ler revistas estrangei
traição de classe. literalmente um dis parate -
ras. Sobre o fundo ambíguo da mode rnizaç ão, é ince rta a divisa
ra impres são -
é esta a primei
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
em cujo desacerto porém está figurado um abis
entre sensibilidade e oportunismo, entre crítica e integração. Uma
mo histórico real, a conjugação de etapas diferentes do desenvol
ambigüidade análoga aparece na conjugação de crítica social vio
vimento capitalista. São muitas as ambigüidades e tensões nesta
lenta e comercialismo atirado, cujos resultados podem facilmen
construção. O veículo é moderno e o conteúdo é arcaico, mas o
te ser c onformistas, ma s podem também, quando ironizam o seu
passado é nobre e o presente é comercial; por outro lado, o pas sado é iníquo e o presente é autêntico etc. C ombinaram-se a po
aspecto duvidoso, reter a figura mais íntima e dura das contradi ções da produção intelectual presente. Aliás, a julgar pela indig
lítica e uma espécie coletiva de exibicionismo social: a força artís tica lhe vem de citar sem conivê ncia, como se viessem de Ma rte,
naçã o da direita o que não é tudo), o la do irreve rente, escanda loso e comercial parece ter tido, entre nós, mais peso político que
o civismo e a moral que saíram à rua -
o lado político deliberado. Qual o lugar social do Tropicalismo? Pa
pois Marte fica lá em casa -
mas com intimidade,
e vem também de uma espécie de
ra apreciá-l o é necessária familiaridade -
mais rara para algu
delaçã o amorosa, que traz aos olhos profanos de um público me~
mas formas de arte e menos para outras -
com a moda interna
nos restrito os a rc anos familia res e de classe. Noivas patéticas,
cional. Es ta familiaridade, s em a qual se perderia a distância, a
semblantes senatoriais, frases de implacável dignidade, paixões de
noçã o de improprieda de
tango -
pólio de universitários e afins, que por meio dela podem falar uma
sem a proteção da distância social e do pres tígio de seu
diante da herança patriarcal, é mono
contexto, e gravadas nalguma matéria plástico-metálico-fosfores
linguagem exclusiva. Como já vimos, o tropicalismo submete um
cente e eletrônica, estas figuras refulgem estranhamente, e fica in
sistema de noçõe s reservadas e pre stigiosas a uma linguage m de
certo se estão desamparadas
ou são malignas , prontas para um
outro circuito e outra data, operação de que deriva o seu alento
fascismo qualquer. Aliás,este fundo de imagens tradicionais é mui
desmistificador e esquerdista. Ora, também a segunda linguagem
tas vezes representado através de seus decalques em radionovela,
é reservada, embora a outro grupo. Nã o se passa do partic ular ao
opereta , ca ssino e c ongêneres, o que dá um dos melhores efeitos
universal, mas de uma esfera a outra, verdade que politicamente
do Tropicalismo: o a ntigo e autêntico era ele mesmo tão faminto
muito mais avançada, que encontra aí uma forma de identifica- .
de efeito qua nto o de boche c ome rcial de nossos dias, coma dife
çã o. Mais ou menos, sabe mos assim a quem fa la este e stilo; ma s
rença de estar fora de moda; é como se a um cavalheiro de carto
não sabemos ainda o que e le diz. Diante de uma ima gem tropica
la, que insistisse em sua superioridade moral, respondessem que hoje ninguém usa mais chapéu. Sistematizando: a crista da onda,
lista, diante do disparate aparentemente surre alista que resulta da combinação que descrevemos, o espectador sintonizado lançará
que é, quanto à forma, onde os tropicalistas
estão, ora alinha
mão da s fra ses da moda, que se a plicam: dirá que o B rasil é incrí
pelo esforço crítico, ora pelo sucesso do que seja mais recente nas
vel,é a fossa,é o fim, o Brasil é demais. Por meio destas expressões,
grandes c apitais. Esta indife renç a, este valor a bsoluto do novo,
em que simpatia e desgosto estão indiscerníveis, filia-se ao grupo
faz que a distância históric a entre téc nica e tema, fixada na ima
dos que têm o senso do caráter nacional. Por outro lado, este cli
gem-tipo do Tropicalismo, possa tanto exprimir ataque à reação
ma, esta essência imponderável do Brasil, é de construção simples,
quanto o triunfo dos netos citadinos sobre os avós interioranos,
fácil de reconhecer ou produzir. Trata-se de um truque de lingua-
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5/23/2018
gem, de uma fórmula para visão sofisticada, ao alcance de muitos.
liticamente dimensionada. No segundo, o seu estágio internacio
Qual o conteúdo deste esnobismo de massas? Qual o sentimento
nal é o parâmetro aceito da infelicidade nacional: nós, os atualiza
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
em que se reconhece e distingue a sensibilidade tropicalista? En
dos, os articulados com o circuito do capital, falhada a tentativa de
tre parêntesis, sendo simples uma fórmula não é necessariamente
modernização social feita de cima, reconhecemos que o absurdo é
ruim. C omo veremos adia nte, o efeito tropicalista tem um fun
a alma do país e a nossa. A noção de uma
da mento históric o profundo e inte ressante : mas é também indi
que vitima igua lmente a pobres e ricos -
cativo de uma posição de classe, como veremos agora. Voltando: por exemplo, no método Paulo Freire estão presentes o arcaísmo
mo -, resulta de uma generalizaçã o semelha nte. Uns índios num descampado miserável, filmados em tecnicólor humorístico, uma
da consciência rural e a reflexão especializada de um alfabetiza
cristaleira no meio da auto-estrada asfaltada, uma festa grã-fina,
dor; entretanto, a despeito desta conjunção, nada menos tropica
afinal de c ontas provinc ia na -, e m tudo e staria a mesma miséria.
pobreza brasileira ,
própria do Tropica lis
lista do que o dito método. Por quê? Porque a oposição entre os
Esta noção de pobreza não é evidentemente
seus termos não é insolúvel: pode haver alfabetização. Para a ima
que m falta de comida e de estilo não podem ser vexames equiva
gem tropicalista, pelo contrário, é essencial que a justaposição de
lentes. Passemos entretanto à outra questão: qual o fundamento
antigo e novo -
histórico da alegoria tropicalista? Respondendo, estaríamos expli
conteúdo -
seja entre conteúdo e técnic a, seja no inte rior do
a dos pobres, para
componha um absurdo esteja em forma de aberra
cando também o interesse verdadeiramente notável que estas ima
ção, a que sereferem a melancolia e o humor deste estilo. Noutras
gens têm, que ressalta de modo ainda mais surpreendente seocor
palavras, para obter o seu efeito artístico e crítico o Tropicalismo
re serem pa rte de uma obra medíocre. A coexistência do antigo
trabalha com a conjunção esdrúxula de arcaico e moderno que a
e do novo é um fa to ge ra l e sempre sugestivo) de todas a s socie
contra-revolução cristalizou, ou por outra ainda, com o resultado
dades capitalistas e de muitas outras também. Entretanto, para os
da anterior tentativa fracassada de modernização nacional. Houve
países colonizados e depois subdesenvolvidos, ela é central e tem
um momento, pouco antes e pouco depois do golpe, em que ao
força de emblema. Isto porque estes países foram incorporados
menos para o cinema valia uma palavra de ordem cunhada por
ao mercado mundialao mundo moderno - na qualidade de econômica e socialmente atrasados, de fornecedores de matéria
Glauber Rocha
que parece evoluir para longe dela):
Por uma
estética da fome . A ela ligam-se alguns dos melhores filmes bra
prima e trabalho barato. A sua ligação ao novo sefaz através estru
sileiros, Vidas secas Deus e o diabo e Os fuzis em particular. Redu
turalmente através de seu atraso social, que se reproduz em lugar
zindo ao extremo, pode-se dizer que o impulso desta estética é revolucionário. O artista buscaria a sua força e modernida de na etapa presente da vida nacional, e guardaria quanta independên
de se extinguir.* Na composição insolúvel mas funcional dos dois termos, porta nto, está figurado um destino nacional, que dura em desde os inícios. Aliás, cultivando a latinoamericanidad
cia fosse possível em face do aparelho tecnológico e econômico,
que tenuemente ressoa o caráter continental da revolução -, o que
em última análise sempre orientado pelo inimigo. A direção tro
no Brasil de fala portuguesa é raríssimo, os tropicalistas mostram
pic alista é inversa : registra, do ponto de vista da vanguarda e da moda internacionais,
com seus pressupostos econômicos, como
coisa aberrante, o atraso do país. No primeiro caso, a técnica é po
Para u ma exp os ição amp la d es tas n oções, v er G un der Frank , Ie développement
du sous-développement
e Capitalisme et sous-développement.
91
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
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que este esquema vigora mesmo quando a imagem é cômica à a ssimilad o e ste seu modo d e ve r, o co nju nto d a Améric a Latina é 5/23/2018
primeira vista.
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
tropicalista. Por outro lado, a generalidade deste esquema é tal que
ab raç a todo s os p aíses d o co ntine nte em toda s a ssu as etapa s h is tóricas -
o que poderia parecer um defeito. O que dirá do Bra
Comentando algumas casas posteriores a 1964, construí das
sil de 1964 uma fórmula igualmente aplicável, por exemplo, ao
po r a rq uite tos av an çad os, u m crític o o bservo u qu e eram ruins d e
século
XIX
argen tino? Con tud o, p orqu e o Tro pica lismo é alegóri-
morar p orqu e a sua ma téria , p rinc ipa lmen te
o co ncreto a paren
co a falta d e especific aç ão n ão lhe é fatal (se ria, n um estilo sim
te , era muito bruta, e po rq ue o espa ço estav a e xce ssiv amen te re
bólico). Seno símbolo, esquematicamente,
talhado e racionalizado, sem proporção com as finalidades de uma
forma e conteúdo são
indissociáveis, se o símbolo é aparição sensível e por assim di
casa particular. Nesta desproporção, entretanto, estaria a sua ho
zer natural da idéia, na alegoria a relação entre a idéia e as ima
ne stid ad e c ultural, o seu testemun ho h istó rico . Du ran te o s an os
ge ns q ue d ev em suscitá-Ia é ex terna e do d omín io da co nve nçã o.
desenvolvimentistas,
Significando uma idéia abstrata com que nada têm a ver, os ele
mo , h avia maturad o a co nsciênc ia d o sen tido c oletivista d a pro
mentos de uma alegoria não são transfigurados
du çã o arqu itetônica.
persistem na s ua materialidade
documental,
artisticamente:
são como que es
co lh os d a história rea l, q ue é a sua p ro fun didad e. tamente no es forço de encontrar com a qual alegorizam a idéia
Assim, é jus
matéria s uges tiva e datadaintemporal
de Brasil-
que os
ligada a Brasília e às esperanças do socialis O ra, p ara q uem p en sa ra na co nstrução ra
ciona l e b arata, em g ran de e sc ala, n o interio r de u m mov imen to de de mo cratiz aç ão n aciona l, p ara qu em p en sa ra n o lab irin to da s implicações econômico-políticas
entre tecnologia e imperialis
mo, o p rojeto p ara uma c asa b urgu esa é ine vita velmen te u m an
tro pica listas têm o seu melhor resulta do . D aí o c aráter d e inv en
ticlímax.
tário q ue têm filmes, pe ça s e c an çõe s trop ic alista s, q ue ap resen
entretanto a formação intelectual que ela dera aos arquitetos, que
tam quanta matéria possam para que esta sofra o processo de
iriam torturar o espaço, sobrecarregar de intenções e experimen
ativação alegórica. Produzido
tos as casinhas que os amigos recém-casados, com algum dinhei
to convencionalizado, do mundo patriarcal
o anacronismo
de que is to seja Brasil-,
-
com seu efei os ready mades
e do consumo imbecil põem-se a s ignifi
c ar p or co nta p ró pria, e m e stado inde co ro so , nã o e stetiz ad o, su gerindo infinitamente as suas histórias abafadas, frustradas, que não chegaremos
a conhecer. A imagem tropicalista
encerra o
Cortada a perspectiva política da arquitetura, restava
ro, às vezes lhes encomendavam.
Fora de seu contexto adequado,
realiz an do -se em esfera restrita e na forma d e mercad oria, o ra c ion alismo a rq uite tân ico
tra nsforma -se
e m o sten taç ão de b om
Alguns r epre se ntante s desta linha são, par a a músic a, G ilbe rto G il e Cae ta no
p assa do n a forma de males ativ os ou ressu sc itáv eis, e sug ere q ue
V eloso; par a o tea tr o, José Ce lso Mar tine z Cor rê a, c om o Rei da vel a e Roda viva;
são nosso destino, razão pela qual não cansamos de olhá-Ia. Creio
no c inema há e le me ntos de Tropica lismo e m Macunaíma
de Joaquim Pedro, Os
herdeiros de Carlos Diegues, Brasil ano 2000 de Walte r Lima Jr. , Terra em transe e O dragão da maldade contra o santo guerreiro de Glauber Rocha.
I dé ia e voca bulá rio são e mpre stados a qui a o e studo de Wa lter Benja min sobre o d ram a b ar ro co al em ão , em q ue s e t eo ri za a r es pei to d a al eg ori a.
Sérgio Ferro Pereira, Arquitetura nova , in Teoria e Prática nº 1, São Paulo, 1967.
93
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gosto
incom patível com a sua direção profunda
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ou em sím-
popular cinema e jornalismo que transformavam
este clima em
bolo m oralista e inconfortável da revolução que não houve. Este 5/23/2018
comício e festa enquanto a literatura propriamente saía do primei-
ro Estudos plano.- Os poetas sentiam assim. Num debate público SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros slidepróprios pdf.c om esquema aliás com mil variações embora pode se generalizar parecente um acusava outro de não ter um verso capaz de levá Io à ra o período. O processo cultural que vinha extravasando asfroncadeia. Esta procuração revolucionária que a cultura passava a si teiras de classe e o critério m ercantil foi represado em 1964. As soluções formais frustrado o contato com os explorados
para o
mesma e sustentou por algum tempo não ia naturalmente
sem
qual se orientavam foram usadas em situação e para um público a que não se destinavam m udando de sentido. De revolucio-
contradições. Algum as podem ser vistas na evolução teatral do período.
nárias passaram a sím bolo vendável da revolução. Foram triun-
A primeira resposta do teatro ao golpe f oi m usical o que j á
falmente acolhidas pelos estudantes e pelo público artístico em geral. As formas políticas a sua atitude mais grossa engraçada e
er a um achado. No Ri o de Janeiro Augusto Boal
diretor do
Teatro deArena de São Paulo o grupo que m ais m etódica e pron-
didática cheias do óbvio materialista que antes fora de mau tom
tam ente se reformulou
transformavam se
dois de origem hum ilde e uma estudante de Copacabana
em símbolo moral da política e era este o seu
m ontava o show Opinião Os cantores entre-
conteúdo forte. O gesto didático apesar de muitas vezes simpló-
m eavam a história de sua vida com canções que calhassem bem .
r io e não ensinando nada além do evi dente à sua platéia cult a -
Neste enredo a música resultava principalmente
que existe o imperialismo que a justiça é de classe vibrava como exemplo valorizava o que à cultura confinada não era permiti-
autêntico de uma experiência social como a opinião que todo cidadão tem o direito de for mar e cantar mesmo que a ditadur a
do: o contato político com o povo. Formava se assim um comércio
não queira. Identificavam se assim para efeito ideológico a m ú-
ambíguo que de um lado vendia indulgências afetivo políticas à
sica popular
como resumo
que é com o f utebol a manifest ação chegada ao
classe m édia m as do outro consolidava a atm osfera ideológica
coração brasileiro
de que falam os no início. A infinita repetição de argum entos co-
contra o regim e dos m ilitares. O sucesso foi retum bante. De m a-
nhecidos de todos
neira menos inventiva o mesmo esquema liberal de resistência à
nada mais redundante
o t eatr o logo em seguida ao golpe
à primeira vista que
n ão er a redundante:
ensi-
ditadura
e a democracia
o povo e a autenticidade
servia a outro grande sucesso Liberdade liberdade no
nava que aspessoas continuavam láe não haviam m udado de opi-
qual era apresentada uma antologia ocidental de textos libertá-
nião que com jeito se poderia dizer muita coisa que era possível correr um risco. Nestes espetáculos a que não comparecia a som-
rios de VI a.e. a xx d.e. Apesar do tom quase cívico destes dois espetáculos de conclamação e encorajamento era inevitável um
bra de um operário a inteligência identificava se com os oprimi-
certo m al estar estético e político diante do tot al acordo que se
dos e r eafi rmava se em dívida com eles em quem via a sua espe-
produzia entre pal co e platéia. A cena não est ava adiante do pú-
rança. Davam se combates imaginários e vibrantes à desigualdade
blico. Nenhum elemento da crítica ao populismo fora absorvido.
à dit adur a e aos Estados Unidos. Firmava se a convicção de que
A confirmação recíproca e o entusiasmo podiam ser importantes
vivo e poético hoje é o combate ao capital e ao imperialismo. Daí
e oportunos então entretanto era verdade tam bém que a esquer-
a importância
da vinha de uma derrot a o que dava um tr aço indevi do de com
dos gêneros públicos de teatro afiches música
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95
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
placência ao delírio do aplauso. Seo povo é corajoso e inteligen
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áureo, de vanguarda política do país. Esta combinação entre a cena
te, por que saiu batido? E se foi batido, por que tanta congratu 5/23/2018
rebaixada
e um público ativista deu momentos teatrais extraor
e repunha na ordem do dia as ques tões do didatismo. laç ão? C omo ve remos, a falta de resposta política a eSCHWARZ, sta que stão R. O Pa i de Fa mília e Outrosdinários, Estudos - slide pdf.c om viria a transformar-se e m limite estético do Teatro de Arena. R e Em lugar de oferecer aos estudantes a profundidade insondável de dundante neste ponto, pinião era novo noutros a spe ctos. Se u
um texto belo ou de um grande ator, o teatro oferecia-lhes uma
público era muito mais estuda ntil que o costumeiro, talvez por
coleç ão de argumentos e comportamentos
causa da música, e portanto mais politizado e inteligente. Daí em diante, graças também ao contato organizado com os grêmios es
imitaç ão, crítica ou rejeição. A distânc ia e ntre o especialista e o leigo diminuíra muito. Digredindo, é um exemplo de que a demo
bem pensados, pa ra
c olares, esta passou a ser a composição normal da platéia do tea
cratizaç ão, e m arte, nã o passa por ba rateamento a lgum, nem pe
tro de va nguarda. Em conseqüê ncia, a ume ntou o fundo comum
la inscriçã o das massas numa e scola de arte dramá tic a; passa por
de cultura entre palco e espectadores, o que permitia alusividade
transformações sociais e de critério, que não deixam intocados os
e agilidade, principalmente
termos iniciais do problema. Voltando: nalguma parte Brecht re
em política, antes desconhecidas. Se
em meio à suja tirada de um vilão repontavam as frases do últi
come nda aos atores que recolham e a nalisem os melhores gestos
mo disc urso presidencial, o te atro vinha abaixo de praz er. Essa
com que acaso deparem, para aperfeiçoá-los e devolvê-los ao po
c umplicidade tem, é certo, um lado fác il e ta utológico; ma s c ria
vo, de onde vieram. A premissa deste argumento, em que a arte
o espaço teatral-
que no Brasil o teatro comercial não havia co
e a vida estão conciliadas, é que o gesto exista no palco assim como
para o argumento ativo, livre de literatice. De modo
fora dele, que a raz ão de seu ace rto nã o este ja some nte na forma
geral aliás, o conteúdo principa l deste movimento terá sido uma transformação de forma, a alteração do lugar social do palco. Em
teatral que o sustenta. O que é bom na vida aviva o palco, e vice versa . Ora, se a forma a rtística de ixa de ser o nervo exclusivo do
continuidade
conjunto, é que e la ace ita os efeitos da estrutura social ou de um
nhecido -
com o teatro de agitação da fase Goulart, a cena e
com ela a língua e a cultura foram despidas de sua elevação essen
movimento) -
cial ,cujo aspecto ideológico, de ornamento das classes dominan
valentes aos seus. Em conseqüência, há distensão formal, e a obra
a que não mais se opõe no es sencial-
como equi
tes, esta va a nu. Subitame nte, o bom tea tro que durante anos dis
entra em acordo c om o seu públic o; pode ria diverti-lo e educá
cutira em português de escola o adultério, a liberdade, a angústia,
10, em lugar de desmenti-lo todo o tempo. Estas especulações, que
parecia recua do de uma era. Esta va feita uma espécie de revolu
derivam do idílio que Brecht imaginara para o teatro socialista na
ç ão brechtiana , a que os ativistas da direita, no intuito de restau
R epública Democrática Alemã , dão uma idé ia do que se passava
cenários e
no Tea tro de Arena, onde a conciliaçã o era viabilizada pe lo mo
equipamentos, espancando atrizes e atores. Sem espaço ritual, mas
vimento estudantil ascendente. A pesquisa do que seja atraente,
com imaginação -
e também sem grande tradição de métier e
vigoroso e divertido, ou desprezíve l-
sem atores velhos -,
o tea tro esta va próximo dos e studantes; nã o
-
rar a dignidade das arte s, responde ram
arrebenta ndo
fez a simpatia extraordinária
pa ra uso da nova geraç ão
dos es petáculos do Arena desta
havia a bismo de idade , modo de viver ou formação que os sepa
fase. Zumbi um musical em que s e n arra uma fuga e rebelião de
rasse. Por sua vez, o movimento e studantil vivia o seu mome nto
escravos, é um bom exe mplo. Não sendo cantores nem da nça r i-
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nos, os atores tiveram que desenvolver uma dança e um canto ao
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caso o enredo é artifício para tratar de nosso tempo. A linguagem
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alcance prático do leigo, que entretanto tivessem graça e interesse. Ao mesmo tempo impedia-se que as soluções encontradas aderis sem ao amálgama singular de ator e personagem: cada personagem era feita por muitos atores, cada ator fazia muitas personagens, além do que a personagem principal era o coletivo. Assim, para que
necessariamente oblíqua tem o valor de sua astúcia, que é políti ca. Sua inadequação é a forma de uma resposta adequada à rea lidade policial. E a leviandade com que é tratado o material his tórico - os anacronismos pululam - é uma virtude estética, pois assinala alegremente o procedimento usado e o assunto real em
sepudessem retomar, para que o ator pudesse ora ser protagonis ta, ora massa, as caracterizações eram inteiramente objetivadas, isto é, socializadas, imitáveis Os gestos poderiam ser postos e ti rados, como um chapéu, e portanto adquiridos. O espetáculo era verdadeira pesquisa e oferenda das maneiras mais sedutoras de rolar e embolar no chão, de erguer um braço, de levantar depres sa, de chamar, de mostrar decisão, mas também das maneiras mais ordinárias que têm as classes dominantes de mentir, de mandar em seus empregados ou de assinalar, mediante um movimento
cena. No segundo caso, a luta entre escravos e senhores portu gueses seria já a luta do povo contra o imperialismo. Em conse qüência apagam-se as distinções históricas - asquais não tinham importância se o escravo é artifício, mas têm agora, se ele é ori gem - e valoriza-se a inevitável banalidade do lugar-comum: o direito dos oprimidos, a crueldade dos opressores; depois de 1964, como ao tempo de Zumbi século XVII), busca-se no Brasil a li berdade. Ora, o vago de tal perspectiva pesa sobre a linguagem, cênica e verbal, que resulta sem nervo político, orientada pela rea
peculiar da bunda, a sua importância social. Entretanto, no cen tro de sua relação com o público - o que só lhe acrescentou o sucesso - Zumbi repetia a tautologia de Opinião: a esquerda der rotada triunfava sem crítica, numa sala repleta, como se a derro ta não fosse um defeito. Opinião produzira a unanimidade dapla téia através da aliança simbólica entre música e povo, contra o regime. Zumbi tinha esquema análogo, embora mais complexo. À oposição entre escravos e senhores portugueses, exposta em ce na, correspondia outra, constantemente sugerida, entre o povo
ção imediata e humanitária não política portanto) diante do so frimento. Onde Boal brinca de esconde-esconde, há política; on de faz política, há exortação. O resultado artístico do primeiro movimento é bom, o do segundo é ruim. Sua expressão formal acabada, esta dualidade vai encontrá-Ia no trabalho seguinte do Arena, o Tiradentes Teorizando a respeito, Boal observava que o teatro hoje tanto deve criticar como entusiasmar. Em conseqüên cia, opera com o distanciamento e a identificação, com Brecht e Stanislavski. A oposição entre os dois, que na polêmica brechtia
brasileiro e a ditadura pró-imperialista. Este truque expositivo, que tem a sua graça própria, pois permite falar em público do que é proibido, combinava um antagonismo que hoje é apenas moral - a questão escrava - a um antagonismo político, e capitaliza va para o segundo o entusiasmo descontraído que resulta do pri meiro. Mais precisamente, o movimento ia nos dois sentidos, que têm valor desigual. Uma vez, a revolta escrava era referida à dita dura; outra, a ditadura era reencontrada na repressão àquela. Num
na tivera significado histórico e marcava a linha entre ideologia e teatro válido, é reduzida a uma questão de oportunidade dos estilos.* De fato, em Tiradentes a personagem principal- o már tir da independência brasileira, homem de origem humilde - é
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Prefácio a Tiradentes A peç a é de Gianfra nce sco Guarnie ri e Augusto Boa l. Para uma discussão detalhada desta teoria ver Anatol Rosenfeld, Heróis e co ringas , in Teoria e Prática nº 2, São Paulo, 1968.
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apre sentada
através de uma espé cie de gigantismo
50/90
naturalista,
uma
artística:
a experiência
social empurra
o artista para as formula
encarnação 5/23/2018
mítica do de sejo d e libertaçã o nacional.
as demais personag ens, homens
tan to seus companhe iro s
de boa situação
são apresentadas
decididos,
com distanciamento
de Brecht. A intenção dominantes,
e pouco
é produzir
pela causa. O resultado culam politicamente, capacidade
quanto
os inimigos,
humorístico,
à maneira
uma imagem
e outra, essa empolgante, entretanto
Em contraste,
é duvidoso:
epigramática
é formidável
de, é desinteressado,
e sua presença
corre desvairadamente
um verdadeir o
mento teatral menor. O método
materiais,
este vai caber o método ticamente,
menos inteligente,
sua
volução,
a que o populismo
responde
sas não é homogênea,
tre tanto,
somente
através
ção, que deslocam ra do campo
as alianças
do universalismo
quer dizer que chegan do
burguês.
das mas
de organiza
Por outro
a estes assuntos o teatro:,á
para fo
lado, isto não melho rar.
Tal
que os melho
do Arena estive ram liga dos à sua limitação
ca, à simpatia
incondicional
zeram indevidamente
En
ide ológi
pelo seu público jovem, cujo senso de
as vezes de interesse
simples. Em fim de contas, é um desencontro
dirigi da fase
o Oficina
repete-se
burguesa
ao público
A oposição
da forma seguinte:
em 1964.
escândalo
principal no interior
Sumariame nte,
sia ficou com a direita ou não resistiu, enquanto todo consentimento
um erro ide ológico
e estético.**
preciso
e não
é o choque
se em 1964 a pequena
va ao imperialismo,
e enor
os mais marcantes
pela brutalização,
e seu recurso
não podia ser mais c ompleta.
a
ritual mente, em forma
fiz eram história,
anos. Ligavam-se
ergueu-se
do teatro José Celso burgue
a grande se alia
entre palco e platéia massacrá-Ia.
é
Ela , por
os ve rdade iro s
e entusiasmo
que têm certamente
populista,
e não o didatismo.
argumentaria
res momentos
cuja impaciência,
profanador, engajado
vez nem seja possível encená-1o. verdade também
justiça,
o Teatro Oficina,
Se o Arena herdara
da desagregação
como o Arena, pela simpatia;
Qual a composi
e os problemas
noções como sinceridade
dos últimos
Esta é a pergu nta
desta crítica surgiriam
temas do teatro político:
a
Poli
crítica de seus interesses.
interior
de ofe nsa. Os se us e spetáculos
que mais vale uni-Ias pelo entu
pela análise
do Arena, e ambí
me sucesso em São Paulo e Rio, onde foram
a um mo
mal. Porque a composição
parece-lhe
siasmo que separá-Ias
e uma certa limitação
da experiência
a pri
à banaliz ação.
formal, o interesse pela luta de classes, pela re
Em seu palco esta desagregação
o do entusiasmo.
popular?
o impulso
Corrêa.
partir
em que a inteligência
da c rítica a o p opulismo.
ção socia l e de inte resses do movimen to
mas nos antípodas
a liberda
este impasse formal me parece corresponder
mento ainda incompleto
à esquerda,
do por José Celso Martinez Goulart
tem um papel grande, é aplicado aos inimigos do revolucionário;
ao mérito,
conduz
guo até a raiz do cabelo, desenvolvia-se
cal
ideali st a cansativo, com rendi
brechtiano,
Mas não proc urá-Ias
em cena é
empós
por assim dizer obri
sem que daí lhes venha, como a honra
Também
que dá sua vida os abastados
gatórias,
e justas, que se tornam
Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
ma zia qualita tiva.*
crítica das classes
do homem
têm noção de seus interesses
bom teatro; já o mártir
ções mais radicais
SCHWARZ, R. O Pa i de de conspiração,
valor político,
revolucionário comum
fi
puro e
em matéria
100
Este argumento é desenvolvido por Adorno, em seu ensaio sobre os critérios da música nova, quando confronta Schonberg eWebern, in
langfiguren Frank
furt: Suhrkamp Verlag, 1959. Numa entrevista traduzida em Partisans nº 46 Paris: Maspero), José C elso explica: Enfim, é uma relação de luta, uma luta entre os atores e o público. [...] A peça o agride intelectualmente, formalmente, sexualmente, politicamente. Quer dizer que ela qualifica o espectador de cretino, reprimido mesmos também entramos neste banho s eu c onj unt o, a ún ic a pos si bi li da de
e reacionário. E nós
p. 75). Setomamos este público em
d e s ubme tê- Io
a uma a ção p ol íti ca e fi caz
reside na destruição de seus mecanismos de defesa, de todas as suas justifica ções maniqueístas e historicistas
incluso quando elas se apóiam em Gramsci,
Lukács e outros). Trata-se de pô-Io em seu lugar, de reduzi-Io a zero. O público 101
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ou tro lado , g osta de ser ma ssac rada ou ve r massa crar, e asse gu ra
tilidade do Oficina era uma resposta radical, mais radical que a
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ao Oficina o mais notável êxito comercial. o problema deste tea 5/23/2018
outra, à derrota de 1964; mas não era uma res posta política. Em
conseqüência, apesar da agressividade, o seu palco representa um tro. Para compreendê-Io, convém lembrar que nesse mesmo tem SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om passo atrás: é moral e interior à burguesia, reatou com a tradição po se d iscu tiu muito a pe rspe ctiva do mov imen to estu da ntil: se ria determinada
por sua origem social, pequeno-burguesa,
ou
pré-brechtiana,
cujo espaço dramático é a consciência moral das
com inte
classes dominantes. Dentro do recuo, entretanto, houve evolução,
resses mais radicais? O Arena adota esta segunda resposta, em que funda a s ua relação política e positiva com a platéia; em decor
mesmo porque historicamente a repetição não existe: a crise bur guesa, depois do banho de marxismo que a intelectualidade toma
rênc ia, o s seus problemas são no vo s, an tecipan do sob re o te atro
ra, perdeu todo crédito, e é repetida como uma es pécie de ritual
numa sociedade revolucionária;
mas têm também um traço de
abjeto, destinado a tirar ao público o gosto de viver. Cristalizou
vo to-pio, po is o sup orte rea l de sta ex pe riê nc ia são os co nsumi
se o sentido moral qu e teria, p ara a faixa de classe méd ia toc ad a
dores que estão na sala, pagando e rindo, em plena ditadura. O
pe lo socialismo , a recon ve rsão ao h oriz on te bu rgu ês. Entre pa
Ofic in a, q ue ad otou na p rática a prime ira resposta , p õe sinal n e
rên teses, e sta crise tem já sua estab ilidad e, e alberga u ma p op u
gativo diante da platéia em bloco, sem distinções. Paradoxalmen
lação considerável de instalados. Voltando, porém: com violência
te, o seu êxito entre os estudantes, em especial entre aqueles a que
desconhecida -
representa uma função social peculiar -
em crise -
mas autorizada pela moda cênica internacional,
pelo prestígio da chamada desagregação da cultura européia, o que o resíduo populista do Arena irritava, foi muito grande; estes não seidentificavam com a platéia, mas com o agressor. De fato, a hos-
exemplifica as contradições do imperialismo
neste campo -,
o
Oficina atacava as idéias e imagens usuais da classe média, os seus rep re se nt a u ma al a ma is o u me no s pr iv ile gia da d es te p aís , a al a q ue s e b en ef I
instintos e sua pessoa física. O espectador da primeira filaera agar
ci a, ai nd a q ue m ed io crem en te ,
de t oda a fa lt a d e hi stó ria e d e t od a a es ta gn a
rado e sacudido pelos atores, que insistem para que ele compre .
ção d es te g ig an te ad orme ci do
q ue é o B ras il. O t eat ro t em n ec es sid ad e h oj e d e
No corre do r do teatro , a p ou co s c en tímetro s d o na riz d o p úb lic o,
desmistificar, de colocar este público em seu estado original, frente a frente com
as atrize s d ispu tam, estraçalham e comem um p ed aço d e fíga do
a s ua g ran de m isé ria , a m is éria do p eq ue no p ri vi lég io o bt id o e m t ro ca d e tan tas concessões, tantos oportunismos,
tantas castrações, tantos recalques, em tro
cru, qu e simb oliz a o coração de u m ca ntor milioná rio da
TV,
que
ca de toda a miséria de um povo. O que importa é deixar este público em esta
acaba de morrer. A pura noiva do cantor, depois de prostituir-se,
do de nudez total, sem def esa, e inc itá- Io à iniciativa, à c riaç ão de um c aminho
é coroada rainha do rádio e da televisão; a sua figura, de manto
n ov o, i néd it o, fo ra de to do s o s o po rtu ni smo s
e co roa , é a d a V irgem e tc . A ux iliado pe los efeito s d e luz , o clima
es tab el eci dos ( qu e s ej am ou n ão
batiz ados de mar xistas). A e ficá cia polític a que se pode e sper ar do tea tr o no que diz r espe ito a e ste setor ( pe quena bur guesia ) só pode e star na c apac idade de a ju dar a s pessoas a c ompr ee nder
a nec essida de da iniciativa individua l, a iniciati
destas cenas é de revelação, e o silêncio na sala é absoluto. Por ou tro lad o, é claro também o e la bo rad o mau go sto, eviden teme nte
va que levar á c ada qua l a jogar a sua própr ia pedra c ontr a o a bsur do bra sile ir o
intencional, de pasquim, destas construções
(p . 7 0). E m re la ção a e st e p úb lic o, q ue n ão va i s e m an ife st ar
ou terríveis ? Indignação moral ou imitação maligna? Imitação
en qu ant o c la ss e,
a ef icá ci a p ol ít ica d e u ma p eç a m ed e-s e me no s p ela j us te za d e u m cr it éri o s o c iológico dado que pelo seu nível de a gr essivida de . Entre nós, nada se f a z c om l ib erd ad e, e a c ul pa n o c as o n ão é s ó d a c en su ra
(p . 7 2) .
102
terríveis': Terríveis
e indignação, levadas ao extremo, transformam-se
uma na outra,
u ma gu ina da de grand e efeito teatral, em qu e se en ce rra e exp õe 103
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
com força artística um a po sição p olítica. A platéia por sua v ez
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darização diante do massacre a deslealdade criada no interior da
choca se três quatro cinco vezes com a operação e em seguida 5/23/2018
fica deslumbrada
p latéia são absolutas e repetem o mo vimento iniciad o pelo p al-
pois não esperava tanto virtuosismoSCHWARZ, onde suco. Origina se uma espécie de competição uma espiral de dureR. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
p usera um a crise. Estejog o em q ue a ú ltim a palavra é semp re d o
za em face d os choq ues semp re reno vado s em q ue a própria in-
palco esta corrida n o interio r d e u m círculo de po siçõ es insus-
tençã o polític a e libertária que um c hoque poss a ter se pe rde e se
tentáveis é talvez a experiência principal proporcionada pelo Ofi-
inve rte. As situações não va lem por si mas c omo parte de uma
cina. De maneira v ariada ela se repete e deve ser analisada. Nos exemplos que dei combinam se dois elementos de alcance e lógi-
p rov a geral d e força cujo ideal está na cap acid ad e indefinida de se desidentificar e de identificar se ao agressor coletivo. disto
ca artística diferentes. Tematicamente são imagens de um naturalismo de choque caricato e moralista: dinheiro sexo e nada mais.
q ue se trata m ais talvez q ue d a sup eração de precon ceitos. Por seu conteúdo este movimento é desmoralizante ao extremo; mas
Estão lig adas contudo a um a ação direta sobre o p úb lico . Este se-
como estam os n o teatro ele é tamb ém imagem d ond e a sua for-
gundo elemento nã o se e sgota na intenção e xplíc ita com que foi
ça crítica. O q ue nele se fig ura critica e exercita é o cinismo da
usado de romp er a carapaça d a platéia p ara qu e a crítica a po ssa
cultu ra bu rgu esa diante d e si m esma. Su a b ase formal aqu i é a
atingir efetivamente. Seu alcance cultural é muito maior e difícil
sistematização do cho qu e o q ual de recurso p assou a p rincíp io
de medir por enquanto. Tocando o espectador os atores não des-
con strutiv o. Ora a d espeito e p or cau sa d e sua inten ção preda-
respeitam som ente a lin ha entre p alco e p latéia como também a distânc ia física que é de regra entre estranhos e sem a qual não
tória o choque sistematizado tem compromisso essencial com a o rdem estabelecida na cabeça d e seu pú blico o q ue é justamen-
subsiste a nossa noção de individualidade. A colossal excitação e
te o seu paradox o com o forma artística. Não tem ling uagem p ró-
o m al estar qu e se apossam d a sala vêm aqui do risco d e gene-
pria tem que emprestá Ia sempre de sua vítima cuja estupidez é
ralização: e setodo s setocassem? Tamb ém n os o utro s do is exem-
a carga de explosiv o com qu e ele o pera. Como forma n o caso o
plos violam se tabus. Por sua lógica a qual vem sendo desenvolvi-
choque responde à desesperada necessidade de agir de agir dire-
da ao que parece pelo Living Theater estes experimentos seriam
tam en te sobre o pú blico; é u ma espécie de tiro cultu ral. Em con-
libertários
e fazem p arte d e um mo vimento no vo em q ue imagi-
nação e prática iniciativa artística e reação do público estão consteladas de maneira também nova. No Oficina contudo dos como insulto
seq üência
o s seus problem as são do d om ín io da manipulação
psicológica da eficácia
a comunicação é procurada
como na
são usa-
O espectador é tocado para que mostre o seu
publicidade pela titilação de molas secretas problemas que não são artísticos no essencial Quem q uer cho car não falaao v en-
medo não seu desejo. fixada a sua fraqueza e não o seu impul-
to a q uem entretanto tod o artista fala u m po uco. E qu em faz p o-
so. Se ac aso não fic ar intimidado
e tocar uma atriz por sua vez
lítica não qu er chocar ... Em suma a d istância entre palco e pla-
causa desarranjo na cena que não está preparada para isto. Ao que
téia está franqueada mas numa só direção. Esta desigualdade que
pude observar passa se o seguinte: parte da platéia identifica se
é um a d eslealdade mais ou menos consenti da n ão m ais corres-
ao agressor às expensas do agredido. Se alguém depois de agar-
po nd e a q ualq uer p restíg io absoluto de teatro e cultu ra nem po r
rado sai da sala a satisfação do s q ue ficam é eno rme. A d essoli
outro lado a uma relação propriamente política. Instalando se no
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descampado que é hoje a ideologia burguesa, o Oficina inventa
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
litância. Se a sua atividade, tal como historicamente se definiu no país, não é mais possível, o que lhe resta senão passar à luta
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e explora jogos apropriados ao terreno, torna habitável, nau seabundo e divertido o espaço do niilismo pós-1964. Como en tão afirmar que este teatro conta à esquerda? É conhecido o pessimismo de olé da República de Weimar, o Jucheepessimismus que ao enterrar o liberalismo teria prenunciado e favore
diretamente política? Nos meses que se passaram entre as pri meiras linhas deste panorama e a sua conclusão, o expurgo uni versitário prosseguiu, e foi criada a censura prévia de livros, a fim de obstar à pornografia. A primeira publicação enquadrada foi a última em que ainda se manifestava, muito seletiva e dubiamen te, o espírito crítico no país: o semanário O Pasquim. Noutras pa lavras, a impregnação política e nacional da cultura, que é uma parte grande da sua importância, deverá ceder o passo a outras orientações. Em conseqüência, ouve-se dizer que a universidade acabou, cinema e teatro idem, fala-se em demissão coletiva de pro fessores etc. Estas expressões, que atestam a coerência pessoal de quem as utiliza, contêm um erro de fato: as ditas instituições con tinuam, embora muito controladas. E mais, é pouco provável que por agora o governo consiga transfoqná-Ia substancialmente. O que a cada desaperto policial seviu, em escala nacional, de 1964 até agora, foi a maré fantástica da insatisfação popular; calado à força, o país está igual, onde Goulart o deixara, agitável como nun ca. A mesma permanência talvez valha para a cultura, cujas molas profundas são difíceis de trocar. De fato, a curto prazo a opres são policial nada pode além de paralisar, pois não se fabrica um
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
cido o fascismo. Hoje, dado o panorama mundial, a situação talvez esteja invertida. Ao menos entre intelectuais, em terra de liberalismo calcinado parece que nasce ou nada ou vegetação de esquerda. O Oficina foi certamente parte nesta campanha pela terra arrasada.
Em seu conjunto, o movimento cultural destes anos é uma espécie de f1oração tardia, o fruto de dois decênios de democra tização, que veio amadurecer agora, em plena ditadura, quan do as suas condições sociais já não existem, contemporâneo dos primeiros ensaios de luta armada no país. direita cumpre a tarefa inglória de lhe cortar a cabeça: os seus melhores cantores e músicos estiveram presos e estão no exílio, os cineastas brasi leiros filmam na Europa e na África, professores e cientistas vão embora, quando não vão para a cadeia. Mas, também à esquer da a sua situação é complicada, pois se é próprio do movimen to cultural contestar o poder, não tem como tomá-Io. De que
serve a hegemonia ideológica se não se traduz em força física imediata? Ainda mais agora, quando é violentíssima a repres são tombando sobre os militantes. Seacrescentarmos a enorme difusão da ideologia guerreira e voluntarista, começada com a guerrilha boliviana, compreende-se que seja baixo o prestígio da escrivaninha. Pressionada pela direita e pela esquerda, a intelec tualidade entra em crise aguda. O tema dos romances e filmes po líticos do período é,justamente, a conversão do intelectual à mi-
rom ance de C arlos Hei tor C ony C om panhia das Let ras, romance de Antonio Callado Nova Fronteira, 2005); Terra em
Pessach a travessia
1997 ; Quarup
transe fil me de Glauber R ocha; O desafio filme de Paulo Cesar Saraceni. Ê inte ressante notar que o enredo da conversão resulta mais político e artisticamen te limpo se o seu ce ntr o não é o intelec tua l, ma s o solda do e o camponê s, como em Os fuzis de Ruy Guerra, Deus e o diabo na te rr a do s ol de Glauber Rocha, ou Vidas secas de Nelson Pereira dos Santos. Nestes casos, a desproporção fan t as mal das cri ses morais fica obj et ivada ou des aparece, i mpedindo a t rama de emaranhar-se no inessencial.
O Pasquim não foi fechado. F ica o erro s em corri gi r, em hom enagem aos nu m eros os fals os alarmes que atorm entavam o cot idiano da época.
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passado
novo de um dia para o outro. Que chance têm os milita-
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r es d e tor na r ideo lo gicamen te
a tiva s a s s uas p os iç õe s? Os p ró ame-
dramaturgo critor
de grande
reputação.
escreve diariamente
Desde meados
uma crônica
de 1968 este es-
em dois grandes
jornais
54/90
r ic an os 5/23/2018
que e stão no p od er
o canto
e mesmo
economia
ne nhu ma ;
a s ubo rd in aç ão
se conseguem
dar uma solução de momento
é ao preço de não t ransformarem
nestas condi ções consumo
de mi séri a
numerosa
de São Paulo e Ri o em que at aca o clero avançado à
o país soci al mente;
e vi sível
será sempre um escárnio. A incógnita
1 itar es n ac io nalis ta s
n ão ins pira
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
a i deologia
do
estaria com os mi-
q ue p ar a f az er em f re nte ao s E stad os Unidos
teriam que levar a cabo alguma
reforma
que lhes desse apoio po-
como no Peru. É onde aposta o c Po r o utro lad o os mili-
pular
tares peruanos
parecem
Existe contudo ide ológ ic o
uma
ime diato
vez importante
tár io
que os militares
e m d is ciplin as
riormente
téc nica s.
também
sofrer o confronto nava responsável
conversava
da autoridade por sua opinião
em massa para
públ ica
d if us a do s r ep re se n-
e pensava
durante
lectualidade dedicar se
contrária
à revolução trabalha
pos melhores.
Nat uralmente
quando
o empuxo
t as acadêmicos
t raz a autoridade
e a o c apita l v ai
sem mudar
luta em esfera restrita há defecções
por tem-
como em abril de 1964
ao est rut urali smo.
s an te d e a de sã o ar tístic a à ditadura
de opinião
e espera
teórico do golpe levou um batalhão
a convert er se
das For-
destas para
uma fração da inte-
ao imp er ia lismo
e a parte restante
fecha a boca
A longo prazo
da vida civil para dentro
Nestas cir cunst âncias
ho-
de marxis-
Um caso interes-
é o de Nelson
Rodrigues
108
um
recursos
de esquerda.
literários
e explicitamente
é fato que produzia son Rodrigues
em abjeção
suspense
terreno bal dio
Por exempl o
que Nel-
vai à meia noite
a um
lhe revela as razões verdadeiras
de sua part icipação
que d. Helder suport a maio tra crôni ca
a série
de uma cabra e de um padre de esquer-
da o qual nesta oportunidade inconfessáveis
começou
para esta tarde? Seu recurso princi -
da calúnia.
ao encontro
moral
o preço que hoje
Quando
na cidade: qual a canalhice
teria inventado
pal é a esti lização
o moviment o
Vale a pena mencio-
e uma certa audácia
o capital cobra de seus lacaios literários.
polí tica;
inal cançável
afirma de um conhecido
e cont a lhe
prestígio
adversário
e
t ambém
de Cristo. Noucatólico da dit a-
dura que este não pode tirar o sapato. Por quê? Porque apareceria o seu pé de cabra etc. A finalidade co ndida
p elo c ontrá rio
Entretanto
em método
adversários
a imagi nação
contra abertamente
nada deixa de ser uma bl ague lit eratura: estando
como ninguém
f or ma l
do em que entrou F alamos regul ari dade
não é es-
a ordem
sempre
e mal intenci oo suicídio
nas razões da dir ei ta
ar gumentar
ela registra
con-
os quais a polícia também mentirosa
h á v er da de
ção de recursos literários:
e voltada
e opera a li quidação
acredita
com ela é desnecessário
c er ta a deq uaç ão
cafajeste da fabulação
é n ela q ue es tá a c omi c id ade d o r ec ur so.
se é t ransformada
invest e
porém
à d itad ur a
paga integral
tra os mesmos
leva os problemas
do dia a dia.
sem
pois tendo
e só a partir de seus efeit os
esta situação
dentro
anos
ná Io
e a intelectualidade
a qual só de raro em raro o tor-
que um de seus colegas seja militar.
De i mediato
universi-
da reflexão. Onde ante-
je é provável
ças Armadas.
e privada.
para o ensino
Es ta pr es enç a
altera o clima cotidiano
o intelectual
de efeito
f ís ic a. É um fato social tal-
estejam entrando
a entrar
de massas ...
mais simples
cargos na administr ação
começam
tantes da ordem
o movimento
cultural
qu e é a pr es en ça
a vida ci vil ocupando Na província
não apreciar
presença
estudantil
da
mesmo
e convencer. H á uma
s oc io ló gica
n esta malve rs a-
com vivacidade
burguesa
no Brasil.
long amen te
d a cu ltur a
br as ileira.
e ampl itude
ela não atingirá
o vale~ tu-
En tr etanto
co m
50 mi l pessoas
num
pa ís d e 9 0 milhõ es . É certo que não lhe cabe a culpa do imperialismo e da sociedade e xclus iv a
de classes. Contudo
é c er to também
sendo uma linguagem
qu e s ob e ste as pe cto
ao meno s
c on
109
tribui para a consolidação do privilégio. Por razões históricas, de
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que tentamos um esboço, ela chegou a refletir a situação dos que
de esquerda recent e, o itinerário é o oposto: um intelectual, no
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caso um padre, viaja geográfica e socialmente o país, despe-se de ela exclui, e tomou o seu par tido. Tornou-se um abcesso no inte
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sua profissão e posição social, à pr ocura do povo, em cuja luta irá SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om rior das classes dominantes. claro que na base de sua audáci a se integrar - com sabedoria literária - num capítulo posterior ao último do livro. est ava a sua impunidade. Não obstante, houve audácia, a qual, convergindo com a movi mentação
populista num momento, e
com a r esistência popular à ditadura noutro, produziu a cr istali zação de uma nova concepção do país. Agora, quando o Estado burguês -
1970)
que nem o analfabetismo conseguiu reduzir, que não
organizou escolas passáveis, que não generalizou o acesso à cul tura, que impediu o contato entre os vários setor es da população -
cancel a as próprias liberdades civis, que são o element o vital
de sua cultura, esta vê nas forças que tentam derrubá-Io
a sua
esperança. Em decorrência, a produção cultur al submete-se ao infra-vermelho da luta de classes, cujo resultado não é lisonjeiro. A cultura é aliada natural da revolução, mas esta não será fei ta para ela e muito menos para os intelectuais. feita, primaria ment e, a fim de expropriar os meios de produção e garantir tra balho e sobrevivência digna aos milhões e milhões de homens que vivem na misér ia. Que inter esse terá a revolução nos intelec tuais de esquerda, que er am muito mais anticapitalistas de elite que propriamente
socialistas? Deverão transformar-se,
reformu
lar as suas razões, que entretanto haviam feito deles aliados dela. A história não é uma velhinha benigna. Uma figura tradicional da literatura brasileira deste século é o fazendeiro do ar : o ho mem que vem da propriedade rural para a cidade, onde r ecorda, analisa e critica, em prosa e verso, o contato com a terra, com a família, com a tradição e com o povo, que o latifúndio lhe possi bilitara. a literatura da decadência r ur al. Em uarup o roman ce ideologicamente
mais representativo para a intelectualidade
T ít ul o d e u m l iv ro d e p oem as d e C ar lo s Dr um mo nd 110
d e An dr ad e.
111
prin ípios p r
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ríti
7.A argu mentação d ev e ser técnica, sem relação com as con clusões.
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literári
8. N ão esqueça : o marxismo é um reducionis mo, perado pelo estruturalismo,
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
e e stá su
pela fenomenologia, pela estilística,
p ela no va crítica americana, pelo formalism o russo , pela crítica estética, pela lingüística e pela filosofia das formas simbólicas. 9 . Resolva sem pre sem entrar no m érito d a q uestão. 1 0. Para as qu estões d e o ntologia, Wellek; p ara as d e forma, Kayser, e ultimamente Todorov. 1 1.A p sicanálise está m en os superada qu e o m arxism o, m as também é muito unilateral. 1 2. Não esq ueça: o marxismo é u m red ucion ismo , e está su perado pelo estruturalismo,
pela fenomenologia, pela estilística,
p ela n ov a crítica americana, pelo formalism o russo , pela crítica 1.Acusar o s crítico s de mais d e q uarenta ano s d e imp ressio n ismo , o s de esqu erda d e socio lo gismo , o s minuciosos d e forma
estética, pela lingüística e pela filosofia das formas simbólicas. 13 .Afrânio Cou tinho e os con cretistas intro duziram a críti
lismo , e reclamar p ara si u ma p osição d e equilíbrio .
ca científica no Brasil.
2. Cita r e m ale mã o os livros lidos e m francê s, em fr ancê s os espanhó is, e n os d ois casos fora d e contexto. 3. Começar sempre por uma declaração de método e pela d esqu alificação d as d em ais p osições. Em seg uida praticar o m é tod o h ab itual
o infuso .
14.Publique longos resumos de livros sem importância, con vença o editor a traduzi-Ios e o leitor a lê-Ios. Há quase 700 mil universitários no país. 15 .Um d outoramento
v ale o uro.
4. Nunca apresentar a vida do autor sem antes atacar o mé
16 .O sem an tema glúteo em lin gü ística mo dern a ten de à p o lissemia.
todo biográfico. Vários acertos podem ser compensados por uma
17. A crítica de nosso tempo é engajada e autêntica, e não
redação horrível.
d escu ra d e sua vo cação profun da, d e seu com prom isso com o h o
5 .Não esq ueça: o marxismo é u m redu cion ismo , e está sup e
mem no que ele tem de eterno e no que tem de circunstancial,
rado pelo estruturalismo, pela fenomenologia, pela estilística, pe
compromisso
la nova crítica americana, pelo formalismo russo, pela crítica esté
que é importante.
tica, pela lingüística e pela filosofia das formas simbólicas. 6. Citar mu ito e nu nca a prop ósito . Uma b iblio grafia exten
que irá cumprir resolutamente
até o fim. Isto é
18. O s livros e dita dos pe la Universidade de India na e im porta dos
pe la Livra ria Pione ira s ão importantíssimos .
Se pelo
sa é c apital. Apóie a sua tese na autorida de dos e spec ialista s, de
contrário v ocê é de formação francesa, n ão deixe de aplicar o mé
preferência incompatíveis entre si.,
todo de Chomsky e Propp. O re sultado nã o s e far á espe rar.
112
113
19. Muito cuidado com o óbvio. O mais seguro é documen
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
tá-Io sempre estatisticamente
Use um gráfico se houver espaço.
ermos de comparação
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de Zulrnira
Tavares
1970)
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Depois que entrou para o nosso cotidiano, a moderniza ção vem causando uma salada que será certamente secular. Psi canálise, lingüística, sociologia, publicidade,
capital, maravi
lhas de técni ca etc., em forma degradada, t ornaram-se
part e de
nosso ambiente natural. No que vão dar, ninguém sabe. Em to do caso, é natural que por ora falte naturali dade
a esta segunda
natureza, de f abricação tão recente. A f alsidade incontornável dos lugares-comuns
da modernização,
em que justamente
o novo se torna um hábito antigo, são tes
temunha
as suas expressões feitas,
disso. Para o escritor, contudo, essa linguagem é pre
ciosa depois de ter sido abominável). São depósitos inconscien tes do tempo. E é onde, na minha opinião, tomam pé os escritos de Zulmira. Até aí, nada de especial, pois a utilização dessa matéria mes clada é um modo hoj e comum de captar a marca da modernida de. Entretanto, seu uso corr ente é polêmico, seja para denegrir os tempos, seja para exaltar o progresso. Os escritores sabem o que pensam dela, que lhes serve apenas de instrument o. 114
Em
rmos
de comparação,
pe lo con trário , ela é habitat, ambiente
u m tan
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
tinho estranho
em que é preciso se orientar. São escritos muito
topi
58/90
raciocinantes e comparativos, um pouco à maneira de João Ca 5/23/2018
bral, ma s intenc io na lmen te
sem c rité rio familiar: a iron ia na sce SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
do s p equ en os ex ce ssos de cred ulid ad e e a plica ção , q ue traz em à berlinda a modernidade - as suas situações , fras es, palavras p or um mod o q ue a filosofia da história de sco nh ece . o caso de um tal Dilermando, cujo dilema virou dilemática. Há nestas pági nas um artifício de tolice que suspende as referências, e com elasa vigência de tradição, preconceito e informação, impondo espon taneidade aojuízo e à simpatia. Seu efeito singular e moderno está na vivacidade da reflexão, literalmente desnorteada, buscando pru mo no descampado heterogêneo das noções comuns. Será uma inteligência nova? Uma tolice antiga? Uma paisagem lunar? Um depósito de lixo? Comparações, variações, analogias, deduções, ar bítrios, tudo em desenho malignamente
destacadinho, trazem à
A festa e stav a an ima da, e já h av íamos esque cido o seu p re tex to. Clo é, a q uem h á po uco e u h av ia sug erid o, b aixan do v iv a e
cena esta personagem rara e realmente progressista, o d esejo d e ra
in dicativa men te
ciocina r co m os elemen tos à mão . E ho je, qu an do é mod a ab afar
sentada ao meu lado, zangada ainda. Mas pens o que refletiu na
o leito r n a matéria bruta do grote sco , nu me roso e rep etitiv o, q ue
minh a p rop osta . Fala-se de um c on certo de v iolon ce lo q ue d en tro em breve ela dará no Seminário B. Bartók. Sento no chão, e
o nosso cotidiano não deixa faltar, é benfazeja a distância arejada co m q ue Zu lmira nã o lhe retém sen ão o p erfil. Ora é o raciocínio q ue tem raz ão , de sag reg an do o lug ar-c o mum, o ra é o c on trário , e o rac io cínio fica irrisório , fla grado em s eu pedan~is mo, ora ainda o ponto de partida é vazio mas per
o s olhos, q ue p usesse a mão em meu p into, está
viro-lhe as costas. Enquanto aprecio as dificuldades da situação, sigo aten tame nte a co nv ersa d e un s rap aze s, q ue disc utem o pre ço da soja. Sem mais demora escorrego a mão para dentro das saias dela, e com o dedo médio lhe procur o os pequenos lábios. Cloé, que estava parada, escutando, ficou mais parada ainda, co
mite uma dedução elegante, que seduz pelo próprio movimento. Este espaço desorientado, em que tolice, achado lírico e duro sen
mo se fosse de p au . Mas len tamente d eixou -se ficar, e co me çou um balanço ligeiro, como quem cons idera o que os outros têm a
so crítico estão indiscerníveis, é a contribuição deste livro, e a po
d izer. Brev e o me u d edo estava q ue nte e umed ecido, e se o tiras
sição que ele assinala no relógio dos tempos.
se, estaria luzidio. Senti uma grande ternura por Cloé, e tive a c erteza d e ser co rrespo nd ido . 1971)
Neste momen to,
silen ciosa, sur
preen den te co mo um tiro de pistola, a pa recia Aurora n o u mbral d a p orta. Ela te m o seg red o d esta s en trada s q uieta s e vistosas, ra
São Paulo, Perspectiva, 1974.
zão pela qual não a esquecerei jamais.
116
117
Fiz-lhe um sinal de silêncio,
e com os olhos indiquei
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se passava. Ela levou a mão à boca, inclinou arregalou
os seus olhos ridentes.
Em seguida
o corpo
o que
para trás e
atravessou
a sala,
natol Rosenfeld
um intelectual
59/90
estrangeiro balançando 5/23/2018
o corpo
idéias. CIo é vira-se cia: -
de modo para mim,
Você permite?
muito
intencional.
e pergunta
Pega-me
Estava tendo SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
com amável
pelo pulso e, afastando
mão, sai p ara p assear p elo jard im. Lev an tei-me
petulân
a minha
e cruzei co m Au ro
ra no centro da sala. -
Eu quero alguma coisa no gênero, me disse
ela, com um reproche
no olhar. Respondi-lhe
va excitado,
que não, que esta
e que não era o dedo que eu queria
o lha co m desprezo, ro qu e d uas pessoas
lhe dar. Ela me
di zend o qu e neste caso n ão int eressav a.
ra
se en ten dam.
1972 ste homem é brasileiro que nem eu Mário de Andrade
Quando
o Brasil reencontrou
o seu futuro,
feld saiu pela colônia judia pedindo lhe explicassem qu e esp erav a, da excitação
o que entendiam defin iam
o fascismo
aos que estavam por fascismo.
sentimento
alguma
coisa neste planeta.
profundo
quanto
Doutra
alegres que
A resposta
pelo an ti-semiti smo .
com que ele comentava
nalgum
em 1964, Rosen
era a
Lembro
o caso, que o confirmava à dificuldade
de aprender
feita, numa roda cuja conver
sa ia enveredando pelas coincidências estranhas, dessas que não podem ser naturais, ele não teve dúvidas, e saiu-se com a histó ria mais inverossímil reconhecidamente píritos
comunicou
se haviam
à assembléia
fIlósofo,
casos que só a vida dos es
explica, não havia mais por que se policiar.
ram o seu. Quando
118
de todas. Foi o sinal: se o próprio
um cético, contava
comprometido
Todos conta
bastante,
que estava tudo muito
bonito,
Rosenfeld mas que 119
d epo is que fizera esse
costu me lo cal. Le mbro d e minha surpre sa e disco rd ânc ia qu an
mesmo experimento em vários lugares, e que dava sempre certo.
do , ainda antes d e 19 64, Ro senfeld preferia n ão to mar p osição
a h istó ria dele e ra in ven tada. Contou -me
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60/90
Lembro estes episódios porque mostram o intelectual desa 5/23/2018
diante de assuntos muito
nacionais . Me parecia exagero -logo
Estudos - slide pdf.cera. om b usad o, fã d a verdade, me smo qua ndo ela v ex a a todo sSCHWARZ, e nã o serR. O Pa i de Fa mília e Outrosse viu que não Pouco depois Carpeaux, o autor da istória
ve a ninguém, bem diverso do professor perfeitamente
atencioso
da literatura ocidental seria acusado de difundir idéias estrangei
e sempre co nstrutivo co m que o púb lico brasileiro se familiari
ras n o BrasiL .. p or u m especialista em Literatura Comp arada.
zou. Aliás, penso que Rosenfeld mudava muito conforme estives seentre brasileiros ou imigrantes, e talvez mesmo conforme a lín
Além do que seria simplismo supor que a experiência do nazismo não esfriasse os anseios de identificação nacional de um homem
gua que estivesse falando. Não conheci ninguém mais paciente e
inteligen te. Custei u m pou co a c ompreende r-lhe
socrático, quando falava português. Já em alemão tinha o sarcas
cia, e mbora não me faltassem os elemen to s: aqu i e ali, também
mo pronto e gostava de polemizar. Decerto porque só no Brasil
eu havia sido chamado de judeu, de alemão batata etc., e tivera
se compene trou
ocasião de sentir o fino sentimento que estes xingamentos inspi
da bo a vo ntade me tó dica e comp le ta qu e seria a
sua marca deprofessor; enquanto que o alemão fora a língua desua
esta reticên
ram. Não b asta imag inar q uan ta aversão d espe rtam -
a miséria
juv entud e. També m p orqu e falava alemã o às pessoas de sua ge
do intelectual diante da boçalidade do mito -,
ração, ou mais velhas, imigrantes como ele, cujo esforço de enri
ima ginar qu e a tod o momen to a n ova p átria tem p ro nta para ele,
como é preciso
qu ecer ele n ão ap reciava e d e cu ja s o piniõe s sob re o p aís, sob re o
o estrangeiro, uma boa reserva destas duchas; é só encostar no
judaísmo, sobre Israel e tudo o mais discordava. fa to qu e na co
botão errado. Em resposta, condiciona-se um reflexo que manda
lônia estrangeira havia muita gente que não gostava dele. Por ou
não p ro vo car e passa r ao largo.
tro lado, entre os seus amigos brasileiros não faltavam moças e
Trin ta ano s d epo is de cheg ar, Rosen feld guardava o co m
moços ricos desde já, cuja catadura, ajudada pelos anos , não ia também ser a mais amena. Mas a estes não criticava. Havia aí dois
portamento cerimonioso de um visitante. Ouvia escrupulosamen te, c ontribu ía co m o s seus con hec ime ntos, ma s co m mo déstia e a
pesos e duas medidas. Ou melhor, duas situações: falando alemão,
título de informação, e afirmava pouquíssimo. Era um papel que
entre imigrantes, Rosenfeld era cidadão e briguento, enquanto o
lhe co nvinh a, pelo aspe cto defen sivo e adap tativ o, e pe lo ritual
português era a sua língua de intelectual com carteira modelo 19.
de civilidade a que dava ocasião. Para Rosenfeld, este era parte da
São co isas p ara c onsid erar sem frases fe itas. claro que o
vida filosófica. Não falava quase de si, perguntava com gentileza
intelectual imigran te tem de ser pruden te em seu ju íz o, pois lh e
e disc riçã o, e era a ten cioso até o p onto em qu e esta qua lidade so
falta o domínio das situações e da língua. Mas a questão não é só
cial, sempre ap reciáve l, mu dav a de natureza, p ara tornar-se u m
esta, de fa miliarida de: a lé m da prud ência há o receio d e ser d es
passo no movimento de conhecer. Uma civilidade muito diferen
tratado, e no fundo deste, o medo -
te, limp a de presunção e g rã -finagem, qu e maravilhav a a o p ri
por mais hospitaleiros que
sejam o p ovo e o ap arelho de Estad o. Me do em última in stância
meiro e nco ntro
de ser posto para fora do país, e medo normalmente
pressupostos próprios, que ele praticava com método, era decer
de se v er en
red ado n os melindres de algu ma q uestão patriótica ou de algum 120
a outros pa re cia qu adrad a ). A suspen são dos
to u ma forma de oc ulta ção; ma s ac ompa nha va-se
de uma p ostu121
ra claramente receptiva e desprevenida , também metódica, que http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
convidava o parceiro à reflexão. Era como se o filósofo se pusesse
casou, não montou c asa, nã o foi profe ssor universitário, nã o foi funcionário público, não teve profissão nem emprego estável. Não
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entre parêntesis, para que o cidadão defronte virasse fenomeno 5/23/2018
queria se enterrar e m nenhuma destas especialida de s, ainda que
logista . E talve z o gosto tão legítimo de se e xplicar e comunicar ao preço de viver da mão para a boca - dava cursos privados e SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om com o forasteiro - o alemão instruído e de óculos das histórias escrevia ensaios -, s em o consolo de acumular propriedades, de Guimarães Rosa - também ajudasse. Enfim, contrariamente sem a segurança de salário, aposentadoria, Hospital do Servidor ao que se diz, o formalismo pode ser propício à entrada em ma
Público e outras vantagens. Sóa gravata e a correção geral escon
téria: a maneira de R osenfeld ocasiona va amores à primeira vis
diam a excentricidade desse comportamento. o ca so de falar e m
ta, e não raro de spe rtava nas pe ssoas uma intensidade insuspei
sublimaçã o filosófica de a mbiç õe s sociais: já que nã o passa va a
tada, bem como a despertava em pessoas inesperadas. Acontecia
perna nos outros nem os agredia, tinha um apetite fora do comum
por exemplo que em sua presença as burrices mais consolidadas
pela troca de idéias. Como os heróis de Brecht, gostava de pen
e compactas se pusessem a raciocinar, enquanto
sar. No mesmo sentido, o conjunto das suas renúncias parecia
companhia
o restante da
trocava olhares vexados. Nestas ocasiões Rosenfeld
não ter parte com a infelicidade: vivia muito economicamente,
mostrava uma delicadeza perfeita, quase inverossímil. Não traía
mas sem sombra de asce tismo, e tinha mesmo um traç o siba rita .
o interlocutor nem por um segundo, por mais estúpido e demo
Havia nisto uma e spé cie de rac iona lidade elementa r, que era um
rado que este fosse, e fechava-se à cumplicidade dos demais. Em
dos e feitos filosófic os ma is fortes da sua pessoa. Por outro lado,
bora sociável e livre de arrogância, era impensável que Rosenfeld
não dizia mal das instituições de que se esquivara. Fugindo-Ihes
se e nturmasse , mesmo com os amigos.
na prática, també m não entra va por elas em teoria -
claro que estas atitudes reservadas não se explicam apenas
pelos cuidados do e strangeiro. C oncorda vam
com as suas idé ias
seja por pru
dência, para não sublinhar a desfeita, seja por delicadeza, pois os amigos inevitavelmente eram casados, ou professores universitá
sobre a vida filosófica, e, o que dá qua se no me smo, c om a sua re
rios que tratavam de progredir na vida, sejaainda por não julgá-Ias
pugnâ ncia pela vida instituc ional. Neste como noutros pontos,
matéria de filosofia. Neste ponto talvez pagasse um tributo indi
de posição mais que de filosofia, simpatizava com Sartre. Quan
reto à ordem social, pe rdendo em desenvoltura crítica onde ga
do es te veio a explicar que recusava o prêmio Nobel porque
nhava em disponibilidade
razões políticas à parte -
crítica da sociedade, a que parece escapar quem renuncia à carrei
não desejava sever institucionalizado,
pe ssoal. A separação entre filosofia e
a Paulic éia inteira protestou contra tama nha presunção. Se não estou misturando lembrança s, naquela ocasiã o R osenfeld o de
ra de filósofo universitário, voltava pela porta dos fundos. Afinal
fendia vivamente. Como ele, guardava a sua liberdade, e recusa
lização dos interesses mais ou menos horríveis) da reprodução
va para as suas idéias outra caução que a da evidência. E como
real da sociedade , e não apenas o coveiro das veleida de s indivi
ele,chocava aspessoas pela simplicidade com que punha em prá
duais. Acrescia o antipsicologismo convicto de Rosenfeld, ligado
tica a s suas convicções. Assim, no sentido institucional
da pala
ao Expressionismo alemão e à Fenomenologia, que fazia parecer
vra, R osenfeld não foi ninguém. Além de não se naturalizar, nã o
indecente a menção das condições empíricas do sujeito. Seu modo
de contas, o sistema institucional é,em primeiro lugar, a materia
3
de encaminhar a conversa era característico: inteiramente voltado http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
para fora, para o assunto do momento,
quem pensava não era
horror a e stas comparações. No enta nto, para os estudantes que circ ulava m na s suas á guas e na s da rua Ma ria Antonia, a compa
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5/23/2018
espec ialista, marido, assalaria do, c andidato à cátedra ou outra
ração era natural. Postos lado a lado com osbons cursos do Depar
pessoa determinada
qualquer. C omo s e nada mais exis tis se no
tamento de Filosofia, é certo que nos seus havia algo de diletantis
mundo, as questões eram tomadas e circunscritas bem ao r és da
mo. Diletantismo que não era dele, cuja formação era sólida, mas
experiência e da conversação, tais quais se apresentavam, desde que - paradoxalmente - se abstraísse das circunstâncias sub
da própria situaç ão. Eram c ursos da dos em c asa de uns e outros,
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
jetivas da reflexão. Estas no entanto são também objetivas e parte
seguidos de bolo e chá. R eunia m por e xe mplo futuros médicos, psicólogos, biólogos, sociólogos, advogados, alguns dos respecti
do processo real, além de responsáveis pela contingência na con
vos pais e namorados, para aprender rudimentos de epistemolo
formação do objeto. Para o bem e para o mal, na relativa ausên
gia. O simples fato de se terem reunido e ra sinal de insatisfaç ão e
cia dos interesses criados a consideração filosófica tinha algo de
desejo de distância c rític a, sobretudo em relaçã o à profissão. N a
exercício analítico. Não estou querendo dizer que fosse preferí
Fa culda de , o curso c orre sponde nte
vel um pensamento
mas que di
bibliografia rec ente , já que os alunos estaria m a li pa ra isto. Mas
ficilmente os ganhos são líquidos. como se a simples atenç ão
viria no quadro da especialização e da competição profissional, e
pr ofessoral ou de funcionário,
seria ma is puxa do e liga do à
circunscreve sse um foco, no qual à maneira de um microc osmo
a filosofia, c omo se sa be , pode ser um ga nha-pão bitolado c omo
as coisas devessem falar por s i mes mas ,
outro qua lquer. R azão pe la qua l é tão difícil que um professor de
objetivamente .
Daí a
pouca afinidade de Rosenfeld com o estilo teórico da ps icaná
filosofia leve uma vida passavelmente arejada pela reflexão. E se
lise e do marxismo, que procuram
é claro e m princípio que tecnic ida de e inte resse filosófico não se
interpretar
o dado em con
tinuidade c om proc essos e interesses que e le , da do, manifesta mas não retrata.
juntos . Nos cur sos de Rosenf eld, que não tinham finalidade de
R osenfeld foi dos primeiros intelec tua is a viver como free-
diploma, a ma té ria de ensino cruza va -se facilme nte com o a ca so
excluem, e a té se pressupõem, na rea lidade só raramente anda m
l n e e m São Paulú. Além de escrever, da va c ursos de literatura e
das interve nç õe s, e logo entrava pe la atmosfera mais viva do in
filosofia. Habituara-se aos artigos e às aulas de circunstância, que
teresse real, que não se acomoda na compartimentação
o limparam da chatice inerente à especialização. Prezava a versa
ca das disciplinas. Havia uma admirável capacidade de se deixar
tilidade, a exposição bem-humorada,
interrompe r
seus conhecimentos
e as enxertava na solidez de
sistemáticos. O resultado era convincente e
e de a companhar
acadêmi
c onfusõe s e digressõe s, sem per
der de vista o rumo ge ral do seminário. Menos pe la ma té ria, que
estranho, algo como um c enta uro. N alguma medida a sua ma es
afinal era a de todas as introduções , e mais pela variedade e pa
tria expositiva se alimentava desta disparidade. E ele, que jamais se
ciência deste movimento, suas aulas davam uma idéia verdadei
gabava do conhecimento que tinha, orgulhava-se como um cam
ramente apreciável da filosofia, aberta e tão livre de embromação
pe ão da s gracinhas c om que amenizava escritos e conferências,
quanto possível.
com efeito aliás muito filosófico. Certamente Rosenfeld não pro
No final das Reflexões s obre o romance moderno , peça
curava o confronto com os seus c olegas da universidade, e teria
que representa bem uma de suas fases, Rosenfeld previne o leitor
124
5
contra o círculo talvez vicioso do argumento. De fato a opo sição qu e faz entre o romance mo derno e o realism o oito centis
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lética são tamb ém atuais e críticos p elo con tato q ue gu ardam com a experiência imediata
e fazem efeito alusivo pelo seu pa
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se
rentesco com Marx e Freud além de terem valor pedagógico pois
um círculo que é de nosso tempo. O realis
o brig am a p ensar a v ida social como totalid ad e. claro q ue Ro
ta pa ralela à oposiçã o entre pintura move em círculo 5/23/2018
abstrata e figurativa
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
m o o ra é a ob jetividade mesma caso em qu e o rom an ce m od er
senfeld não acreditava
no faz figura de perda de perspec tiva
ção estética fosse a solução para o s antag on ismo s da h um an ida
o ra é uma ilusão ligada à
por exemplo com Schiller que a educa
época individualista e neste caso o romance moderno em que a ssistimos à dissoluç ão do suje ito é a ve rdade. O séc ulo X IXé
de moderna
ingênuo à luz do xx? O xx é um naufrágio à luz do XIX?OS pon tos de v ista coexistem n o ensaio q ue seq uer flu tuante com o um
fazia a partir d o u niverso delas. Sab ia p erfeitamente d a psican á lise do capital da luta de classes da pesquisa empírica que eram
móbile de Calder . D aí um efe ito próprio a os es critos de R o
o seu clima efetivo; além do quê era de esquerda. A interferência
sen feld sobretud o aos qu e interpretam a cultura con temp orâ n ea: são m uito construído s mas n ão em vista de serem con clu
entre estes horizontes materializada na combinação mais ou me
sivos. Sua pos ição nã o está nas te ses que e xpõe m sempre com recuo com o q uem cita mas n a exp eriência real e às v ezes con
mação observações desabusadas e close reading
tra ditória
ta nto
que as manda suspe nder
por meio umas da s outras.
ou que estejamos para os gregos como a consciência
d iv idida p ara a ingenu id ad e. Seexp un ha idéias desse tipo n ão o
no s hu mo rística da construção filosófica com p itad as d e infor está na base de
sua literatura e penso que é o lugar histórico de sua reflexão. Por a que stão intere ssante é outra: por que Rose nfe ld não s e
Assim o m ais vivo d e seu pensamento v em n as reticências n as
passava para o campo do freudismo e do marxismo tão mais pró
n um erosas reservas mentais com q ue Rosenfeld ia animando os
ximos e plausíveis e que afinal de contas haviam dado continui
seus textos -
da de materialista aos assuntos da filosofia da cultura? Por que
e não se traduz em discurso positivo. O resultado
adota va um discurso a que nã o ade ria? Por que preferia conser
muito marcado por Thomas Mann é algo como a ironização permanente d as idéias a igu al d istância do intelectualismo e do
va r o ec letismo de suas fontes? -
irracio nalism o.
d este mo vi
can álise n ão são brin cadeira. Primeiramente p orqu e em sua ver
mento é tomada ao arsenal alemão da filosofia da história e da
são autên tica chamam a exploração e a autoridade p elo no me o
cultura cujas construções formulam
qu e tem seu preço. Depo is porque são discursos qu e se q uerem
e n uv en s
Com o em Mann
a matéria-prim a
em linguagem de Zeitgeist
os g randes tem as da civ ilização bu rgu esa:
alienação e ócio artesanato ta sinceridade
trabalh o
trabalho parcelado e vida de artis
fingimento e beleza disciplina caos e emancipa
Como se s abe ma rxismo e psi
tanto científicos quanto normativos
o que lhes sobe ainda a vol
tagem. No século xx vieram a agrupar interesses enormes oficia lizaram-se e a despeito dos muitos cismas conservaram uma no
ção comunidade vs. sociedade etc. São esquemas de estatuto hoje
ção enfá tica do monopólio
muito particular pois sendo abstrusos pela singeleza de sua dia-
inapelável de seus juizos tão variáveis. Em termos de visão Ro sen feld ob viam en te devia mu ito a Marx e Freud . Mas discorda
A. Rosenfeld Texto/ Contexto São Paulo Perspectiva Idem.
va da ênfase que o discurso deles havia assumido nos seguidores.
1969 p. 95.
6
da verda de . Donde a forma se mpre
Não se convencia da cientificidade exclusiva reivindicada pelas 7
análises psicanalíticas e marxistas. Quando adaptadas ao campo literário ou filosófico, lhe pareciam reducionistas. Em Texto Con-
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
texto
há um longo estudo sobre a aplicação tautológica da psica
mos para precisar o momento de atualidade no seu objeto. De monstrava-lhe a complexidade, o lugar na tradição artística, mas não lhe explicava o porquê do interesse. - Evoco estes aspectos
64/90
5/23/2018
nálise à crítica de arte. Não escreveu, mas pensava o mesmo da crítica marxista, por exemplo de Lukács, cuja maneira de analisar a cultura em termos de reação e progresso lhe parecia forçada. Mais surpreendente e interessante é que não gostasse de Adorno
porque ajudam a compreender que um homem contrário ao ca pital possa não ser marxista, que um materialista use esquemas próprios ao idealismo, que alguém convencido de historicidade, e da novidade do mundo industrial, adote os termos a-históri
e Walter Benjamin, cujo marxismo não sofria de injunções dis ciplinares. Pareciam-lhe rebarbativos na sua originalidade mes ma, na maneira minuciosa e extensa que tinham de circular entre a análise formal e a construção de tendências sociais. Rebarbativo lhe parecia também Karl Kraus, que sem ser sociólogo ou mar xista havia afinado muito o conhecimento social da literatura. Reagia aos três com irritação, como a uma exorbitância - so bretudo ao tecido muito conclusivo com que ligavam o porme nor artístico ao processo global. Também ele Rosenfeld afirmara
cos da antropologia filosófica. São contingências do progressis mo no mundo de cabeça para baixo. As construções da filosofia da cultura davam a Rosenfeld a totalidade, o antagonismo e a te leologia sociais, imprescindíveis ao seu sentimento da vida pre sente e ao movimento de suas análises. Com elas, ficava do lado da dialética, contra o deserto positivista, e,paradoxalmente, do la do também do bom senso, contra o dogmatismo dialético, já que eram construções meramente indicativas, despojadas que estavam, pelo curso real da história, de qualquer verossimilhança. Natu
sempre a ligação entre cultura e interesses materiais. Mas prefe ria tê-Ia como aspecto a ponderar, e não como programa de crí tica literária. A tentativa de mostrar a necessidade social, com todo o seu aparato, em coisas tão frágeis e irregulares como um deta lhe ou um poema talvez lhe parecesse admissível em tese; na prá tica, suspeitava nela o desejo de massacre, de trazer para uma área de relativa folga subjetiva a pressão dos conflitos sociais mais violentos. Outros dirão que a dita folga é ideologia, mas de fato há qualquer coisa desproporcionada e antipoética - além de es
ralmente que Rosenfeld não lhes partilhava o otimismo: a reali dade social é teleológica sim, mas resta ver para onde vai - ao que corresponde a consideração flutuante da arte moderna de que falávamos atrás. Um discurso claro, sugestivo, de credibilidade só relativa, agradava a Rosenfeld. Permitia-lhe a interrupção irôni ca, a consideração de pontos de vista divergentes, o exercício da dúvida, a distância brechtiana em face dos argumentos, coisas que eram para ele momentos-chave do materialismo. Momen tos que falta à tradição marxista absorver.
téril e despótica - em invocar para a todo momento o complexo de Édipo e a sociedade de classes explicar a graça de um livro. Cancelam-se a confiança na experiência do cidadão, o instante de disponibilidade sem qual não existem, na acepção moderna, arte nem auto conhecimento. Neste sentido Rosenfeld suspeitava toda a dialética, incluída a de Hegel, de ser um passe partout dog mático. A outra face da moeda é que a sua crítica ficava sem ter-
Rosenfeld era grande conhecedor e admirador de Thomas Mann, sobre quem há muitos anos preparava um livro. Como ele, recusava-se a jogar fora a tradição perigosa do irracionalis mo alemão os românticos, Schopenhauer e Nietzsche), em que via muita razão; e, ainda como ele, recusava identificar-se à dita tradição, por julgá-Ia reacionária. Queria uma harmonização es clarecida e humorística, em que a interdependência entre as coi-
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
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sas do espírito e as necessidades vitais fosse reconhecida e dispos-
o utro lad o da descontinu idad e é que v iria ao primeiro plan o: e m
ta de modo menos infeliz.A ironia progressista do Mestre
jargão
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
fase democrática
posterior à Primeira Guerra Mu nd ia l
o da era
tratava se
de um materialismo
que não leva à análise
concreta de situações concretas. Afinal de contas poucas linhas
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um de seus ideais na vida e um de seus modelos literários. Sua
bastaram a Freud e Marx para afirmar que o mundo das repre-
ou tra influê ncia foi Nico la i Hartma nn
sentações e o dos interesses são interdependentes.
d e q uem fora alun o em
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Mas em segui-
Berlim. Seja dito d e p assag em qu e Hartman n é o ú nico filósofo
da gastaram milh ares de p áginas para ana lisa r as muitas forma s
moderno a que Lukács em sua última fase d ava valor. Em sua
desta interdependência
ontologia se é possível ser tão breve o mundo é concebido como
então análises desse tipo não filosófico parecem imprescindíveis
um conjunto de camadas superpostas
à integridade da reflexão. Sobretudo nestes últimos anos quando
em que as mais elementa-
que são o seu assunto verdadeiro. Desde
res suste ntam a s ma is c omp le xas mas não a s ex plicam. E estas
a tese genérica dos interesses materiais já não é crítica em si
embora não sejam redutíveis àquelas acatam Ihes as leis. Assim
me sma u ma ve z qu e o materialismo foi assu mido tamb ém p ela direita.
a esfera o rgân ica n ão d esob ede ce às le is da ma té ria ine rte qu e é o seu suporte mas não pode ser explicada por elas. Analogamen-
Depo is d os an os de ma niqu eísmo da Se gun da Gu erra Mun -
te a esfera espiritual depende das esferas orgânica e inorgânica
d ia l depo is d os ano s co nge la do s d a Guerra Fria a déca da de 6 0
mas a ca usalida de me cânica ou bioló gica n ão é suficien te p ara
agitou muito as cabeças. Ecos cubanos ascensão e repressão do
explicar o seu movimento. Etc. Em seu contexto polêmico esta
movimento popular no Brasil a evolução inverossímil da guerra
p osição tanto se opu nh a ao idea lismo qu anto ao redu cionismo marxista ou biológico. A vida ideológica p. ex. nem é pura ema-
no Vietnã em que as duas partes cada uma à sua maneira foram mais longe do que parecia possível as diferenças russo chinesas
nação da economia ou dos instintos
para existir precisa que eles funcionem. A linhagem materialista
movimentos de juventude em toda parte a glória mundial de Brecht: o clima men ta l e sta va muda do. No Brasil os estud antes
e esclarecida destes argumentos
mais vivos sehaviam radicalizado e convertido a um vago marxis-
nem pode prescindir deles;
como da ironia de Mann é evi-
dente. Afirma se a posição determinante dos interesses materiais
mo. Estud ar u ma q uestão era p rocu ra r lh e as raízes soc ia is. Ro-
e vitais que não estão para a cultura como o negativo para o
senfeld que sempre fora de esquerda sentia se intelectualmente
po sitivo. Cabe a esta dar o q uad ro em que aqu eles po ssam se rea-
um po uco fora d e sinton ia. Foram ano s de muita piada e a nima-
liza r. Hoje qu e a ideo lo gia d o ca pitalismo n ão é mais ascética
ção mas cujo ritmo tinha pouco lugar para a ironia c omo ele
são teses que perderam muito de seu impacto. Para a evolução ulterior de Rosenfeld contudo o importante é que não há pas-
a apreciava ligada sobretudo à tolerância e paciência diante dos muitos lados detodas ascoisas. Uma noite saímos com Hans Mag-
sagem entre uma tese ontológica por materialista que ela seja e
nus Enzensberger o poeta e crítico alemão que estava de passa-
um objeto histórico. Em dada época essa descontinuidade
gem. Fomos levá Io ao Teatro de Arena para ver
parecido uma garantia antidogmática
terá
pois permite sustentar a
umbi
No ca-
minho Enzensberger explicava que Thomas Mann não dizia mais
precedência dos interesses materiais sem obrigar a uma concep-
nada ao nosso tempo que os autores verdadeiramente
ção particular dela. Já nos anos 60 por razões extrafilosóficas o
porâneos eram Brecht Karl Kraus e Walter Benjamin. Isso doeu
130
contem-
131
a Rosenfeld. Nó entanto, pela força das coisas ele próprio já fize ra o mesmo itinerário. Nos últimos anos o seu autor central pas sara justamente a ser Brecht, cujo teatro e cujas teorias divulga
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s casas de Cristina
arbosa 66/90
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ra amplamente, em conferências e bons artigos no Suplemento Literário de O Estado de S Paulo Intervenção e mordacidade vi nham substituir a ironia. À fase marcada por Thomas Mann, pe la ontologia de Hartmann e pela filosofia da cultura, seguia-se outra, centrada em Brecht, no teatro político e na crítica social. Sem que ele fosse otimista em relação ao socialismo, a Guerra do Vietnã convencera Rosenfeld de que o Imperialismo é o pior de tudo. Suponho que então, acuado, procurasse um discurso de ex plicação e combate. Assim - há cinco anos não o vejo - vim a saber por uma amiga comum que agora Rosenfeld se dizia mar xista. Além do quê, o marxismo heterodoxo de Brecht, alimenta do sobretudo de dúvida, de observações sobre a opressão, o ape tite e a disciplina, e inimigo de encadeamentos dedutivos, afinava bem como a sua maneira de sempre. Neste período escreveu o seu admirável O teatro épico um manual de qualidade verdadei ramente excepcional. Aos poucos, também porque ensinava na Escola de Arte Dramática, vinha se especializando nestas ques tões. Através delas ligava-se ao movimento teatral de São Paulo, que lhe parecia original e notável, e do qual participava com apli cação, com brilho e com prazer. Foi este também o campo em que se dispôs a brigar, militando contra a vaga irracionalista que vinha desabando a partir de 1968. Em conseqüência foi chamado de fas
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cista por algum adepto do pensamento antiautoritário, o que não deixa de ter graça. Completava-se o processo de sua naturalização. 1974)
A maneira de Cristina lembra a música de João Gilberto. Como ele, que esfria sambas e boleros e os canta distanciada mente, atento sobretudo ao desenho musical e silábico, Cristina esfria o mundo sentimental da casa de bonecas. Os seus elemen tos são pobres e comuns, na forma e na idéia, mas tão pobres que são quase ideogramas: janelas, portas, telhados e escadas em geral combinam-se e recombinam-se, e com a licença dos filó sofos exploram a casinha em si .A cor chapada dos elementos lhes completa a separação e a estereotipia. Assim, pela via defen siva do simplismo e da infantilidade, Cristina avança na compo sição com elementos mínimos, e a sua figuração não tem nada de realista. O lugar-comum da imagem e do que ela representa, a forma elementar e muitas vezes pré-fabricada, tomada a um jogo de marcenaria infantil, o colorido forte e contrastado levam ao limite a dissociação e o empobrecimento de uma mitologia obsessiva e abafada - mas para darem espaço ao jogo arejado das relações, a uma combinatória complexa, luxuosa e intelec tualizada. como se a liberdade relacional e despreconceituada 133
132
d o abstrato v iesse agora sob repor-se aos emaranh ad os
simb óli
cos e afetivos em-fa q ue se eb ate o cotid iano, p ara rev olv ê-Ios. Um http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de milia -ed -outros-e studos abstracionismo
que se tenha estendido aos significados conven
ma nipula çã o
e a rregimentaç ão
e ficác ia comunic ativa -
-
e s implific açã o, c om vista s à
numa es cala se m prec ede nte s. Coube
ao pop, com que se aparenta Cristina, resumir a situação e res
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cion ais, com q ue jog a com o sefossem u m elemento entre ou tros.
ponder-lhe, contramanipulando
Vejam -se p or exemp lo asp eças em qu e a p erspectiva do d esen ho
matérias em que a percepção já fora manipulada. Distanciava-se
não coincide com a profundidade sugerida pela cor, que não coin
assim d a ind igência, sem sair p ro priamente
cide com a profund idade exigida pela coisa represen tada. Dese nh o, cor e coisa estão em sua v ersão m ais in ocen te, e tod av ia afir
p eito os argu mentos de José Guilh erme Merquior, em Formalis-
mam espaç os inc ompa tíveis , que só pela subordinaç ão
s e lixo que de ixa m a s pe ça s de ste movime nto,
ou simplesmente manipulando
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
de uns à
mo e tradição moderna
dela leiam -se a res
Dond e a sen sação tão p articu lar d e q ua que na a usê nc ia
autoridade de outros se unifica riam no e spaço homogêneo que
d e m atéria n ão intencion al fazem p en sar em to tal con formism o
n os p arece natu ral. Mas po r q ue p referir o v enced or? Ou vejam
tanto quanto em total liberdade. -
se a s p eças em que pintura e madeira colada concorrem par a um
lação há também interesses vivos e menos simples, que ela irá
mesmo efeito figurativo, embora a sua maneira de representar seja
manipular. No pop de C ris tina, que não é de denúncia , e les não
I sso pos to, onde há manipu
inteiramente heterogênea. A unidade obtida é abertamente mon
são po stos em d errisão , e são elementos d e p oesia e comp lexida
tada e não natural, e depende de assentimento. São discrepâncias
de. Idéia fixa, variação serial, casa de bonecas, ascese, exploração
próprias à pintura moderna, que pôs a nu a naturez a compósita
do arquétipo doméstico, indiferença aos assuntos prestigiosos,
e hierarquizada - segu nd o critérios qu e o n osso tem po iria q ues tionar - da per cepçã o. Poré m, já não somos contemporâneos
o bediência a um a corrente d a mo da, amo r ao b on itin ho, d istân cia irrem ed iável, resídu o afetivo, redu ção estética etc., de tu do
d o cub ismo e d os p rimeiros v an gu ardistas, qu e n a fig ura haviam
isso o trabalho de C ristina te m um pouco. Ma nipula díss ima,
analisa do, e de pois abandona do,
ca ducidade da vida e da imagina çã o liga da s ao la r dá a ma ssa
um aglomera do
de c ertez as e
a
servidões acumuladas pelos séculos. Sessenta e cinco anos depois
d e lu gares-co mu ns
somos te stemunha s de que a c hamada r ealidade sobrevive u a o
pego pop diga-se de passagem que estas peças foram concebidas
processo que lhe moveu a pintura. Ou melhor, que evoluíram jun
n os Estad os Unido s, o p aís d o n omadism o fam iliar e d as casas d e
tas, menos conflitivamente do que a história dos escândalos artís
Hopper). Entretanto, arrumadas com o infinito escrúpulo de uma
ticos faz supor. q ue os pinto res n ão estav am sozin ho s qu an do
com posição abstrata, estas imagens n ão fazem figu ra apenas de
de scobriam que a perc epç ão é um ca mpo de batalha, de intere s
sucata histórica, e apesar de reduzidas, atrofiadas, distanciadas
e de indigência m od erna necessária ao desa
ses ideológ icos e ou tros. Com elesv inh am , cad a um à sua m anei
etc., têm u m resíd uo esp ontân eo q ue as cob re d e n ostalgia. co
ra, os psicólogos, psicanalistas, gestaltistas, teóricos da arte, desig
mo se no campo liberto da modernidade,
ners, sociólogos, e também os publicitários, mercadologistas etc.
ram casas novas que agradem, alguém lembrasse das antigas, com
Reconsiderado à luz exclusiva da comunicação , o conjunto des
afeição, mas sem ilusões.
em que não aparece
te trabalh o aprov eitava à circulação d o capital, q ue o incorpora 1975)
v a p ara refazer a cara. Em con seqüência, em n osso mu nd o fabri cado e, sobretu do, com ercializad o, o v isível v eio a ser o bjeto d e 134
135
uidado com as ideologias alienígenas
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tropológica
que dá muita importância
ao processo da difusão
cultural). Idéias, segundo Maria Sylvia, se produzem socialmente De minha parte, não vou dizer que não, mas continuo achando
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que elas viajam. No que interessa à literatura
Respostas a Movimento
culo
XIX,
br asileir a do s é
acho até que viajavam de barco. Vinham da Europa de
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
q uinze e m q uinz e d ias, n o pa que te, e m forma d e livros, revistas e jornais, e o pes soal ia ao porto esperar. Quem lida com histó ria literária nologia -
ou, para dar outro exemplo, com história da tec
não pode fugir à noção do influxo externo, pois são
domínios em que a história do Brasil seapresenta em permanên cia sob o a sp ec to d o atra so e d a atualiz açã o.
ce rto q ue atraso e atualiza çã o têm c au sa s interna s, mas é certo também que as formas e técnicas -
literárias e outras
que se adotam nos momentos de modernização PERGUNTA:
Na sua op in ião , q ual a imp ortân cia do influ xo e x
terno no s rumo s d a vida ide oló gica d o Bra sil?
foram criadas a
p artir d e co nd iç õe s sociais muito diversas d as no ssas, e q ue a sua importação
produz um desajuste que é um traço constante de
RESPOSTA: A importância foi e é enorme. Mas antes de mais nada esta ques tão precisa s er vista sem pr imarismo. Nem tudo
nossa civilização. Em perspectiva nacional, esse desajuste é a mar
que é nacional é bom, nem tudo que é estrangeiro é ruim, o que
vo lv ime nto d esig ual e co mb in ad o do c ap italismo, d e q ue rev ela
ca do atraso. Em pe rspec tiv a mun dial, e le é u m efeito d o d esen
é e stran geiro po de servir d e rev elado r do n ac ion al, e o na ciona l
aspectos essenciais, donde o seu significado universal . Noutras
pode servir de cobertura àspiores dependências. Assim, por exem
pa lav ras, n ão inv entamo s o Roman tismo, o Naturalismo , o Mo
plo, nada mais aberto às influências estrangeiras do que o Mo
d ernismo ou a ind ústria au to mo bilística, o q ue nã o n os impe diu
de rnismo de 1 92 2, q ue e ntre tan to
tra nsformo u
a no ssa rea lida
de o s a do tar. Mas n ão ba stav a ad otá-Io s p ara reprod uz ir a e stru
de popular em elemento ativo da cultura brasileira. Enquanto isto,
tura soc ial de seu s p aíses d e o rigem. Assim, sem p erda d e sua fei
o n aciona lismo prog ramátic o se en terra va n o p itoresco , e muito
ção original, escolas literárias, científicas eVolkswagens exprimi
sem querer assumia como autênticos os aspectos que decorriam de nossa condição de república bananeira.
ram aspirações locais, cuja dinâmica entretanto era outra. Daí uma relaç ão o blíq ua, o já c itad o de sa juste , qu e a liás é um p rob lema
Isso posto, a resposta é diferente nas diferentes esferas da cul
específico para quem estuda a literatura de países subdesenvol
tura. Algum tempo atrás tive o pr azer de discutir o as sunto com
vidos. São necessários ouvido e senso da realidade para perceber
Maria Sylvia d e Carvalho Fran co . Na o pinião d ela, a n oçã o de in
as diferenças, e sobretudo para interpretá-Ias. Por exemplo, Ara
fluxo externo é superficial e idealista, pois idéias não viajam, a não
rip e Jr. o bserva qu e o no sso Na turalismo nã o e ra pe ssimista c o
ser na cabeça de quem acredite no difusionismo
mo o europeu; Antonio Candido nota que os pr imeiros baude-
uma teoria an-
136
137
lairianos brasileiros eram rapazes saudáveis, rebelados contra a
eco nô mica (ex po rta ção de ma téria-prima
h ipo crisia do s c ostu mes sexu ais, e Oswald e o s tropica listas p u
nufaturados)
seram o dito d esajuste no cen tro de sua técn ica a rtística e d e sua
tras p alav ras, o influx o ex terno ind ica re laçõ es d esig uais e tem
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e impo rtação
de ma
e a subordinação ideológica que madrugava. Nou
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concepção do Brasil. São problemas para encarar sem preconcei 5/23/2018
dimensão política. Do ponto devista de nossas elites, asduas apre
to: em certo p lano , é claro qu e o d esajuste é uma inferio rid ad e, e ciações- slide estão certas, comportando SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos pdf.c om
um impasse. O influxo externo
qu e a rela tiv a organicidad e d a c ultura eu rop éia é um idea l. Mas
é indispensável ao progresso, ao mesmo tempo que nos subordina
não impede noutro plano que asformas culturais de que nos apro
e impede de progredir. São contradições do subdesenvolvimento: o
priamos de maneira mais ou menos inadequada poss am ser ne
país é capitalista, e obrigatoriamente
gativas também em seu terreno de origem, e também que, sen
gresso capitalista, mas este progresso não está ao seu alcance, pois
do negativas lá, sejam positivas aqui, na sua forma desajustada.
a divisão internacional do trabalho lhe atribui outro papel, um pa
q uestã o de a nalisar caso p or caso. Assim, n ão tem dú vida qu e
pel que à luz deste mesmo progressismo parece inadmissível.
a s id eo logias são produ zidas socialmente, o q ue n ão as impe de de viajar e de ser encampadas
em contextos que têm muito ou
se mede pelo metro do pro
Por ou tro lad o, reto ma ndo o n osso fio, a d oc ume ntaç ão
b á
sic a d a pe squ isa de Maria Sy lvia são processos-crime de G uara
pouco a ver com a sua matriz original. Para chegar aos nossos
tinguetá no século
dias, veja-se o estruturalismo,
co da sociedade brasileira (o homem pobre na área do latifúndio),
cuja causa filosófica interna
foi
1964, que pôs fora de moda o marxismo, o qual por sua vez tam bé m é u ma ideo log ia
e xó tica , co mo g osta m d e dize r a s pessoas
de direita, naturalmente fascio
convencidas
da origem autóctone
E quem garante que ao s e naturalizarem
em qu e o influ xo ideo ló gico da Europa co ntempo râne a
nã o seria
um elemento decisivo. Assim, divergências teóricas monumen ta is po dem originar-se, ao men os e m pa rte, na d iferen ça muito
no Brasil estas
casual dos assuntos em que uns e outros se especializam. Seja co
um assunto interessante, para quem gosta de mexer em vespeiro. A nova geração
um material ligado ao aspecto mais estáti
do
teorias não tenham elas também mudado um pouco de rumo? Estudando
XIX,
(1879), Machado de Assis dizia que
mo for, fica claro qu e o p roblema se p õe d iferen te men te rios domínios da vida social.
n os v á
Quem diz influxo externo está pens ando em termos de na
o influ xo externo é qu e determin a a d ireção do mov imen to ; não
cional e estrangeiro, e em nosso contexto é provável que esteja
há por ora no nosso ambiente a força necessária à invenção de
pensando na alienação cultural que acompanha a subordinação
do utrinas no vas . Nou tras p alav ra s, o p aís é n ov o, e o influ xo ex
econômica e política. São fatos irrecusáveis. Entretanto, se forem
terno co ntribu i para o atua liza r e civilizar. Mu itos ano s an tes, a propósito do projeto para uma história do Brasil com que o ale
traduzidos em linguagem apenas nacionalista, enganam e podem d ar resultado c on trá rio ao de sejad o. Em sen tid o estrito, é claro
mão Von Martius ganhara o prêmio do Instituto Histórico, escre
q ue h oje em d ia as in de pen dê ncias
via um anônimo no Ostensor Brasileiro (184 6): A Europ a, q ue
ral não só nã o existem c omo são p raticamente incon ceb íveis. O
nos manda nos so algodão fiado e tecido [ ... ] manda-nos
até in
que existe de fato são formas diferentes de interdependência,
d ic ar a me lh or man eira d e escrever a história do Brasil
(d ev o a
citação a Luiz Felipe de Alencastro). Era o nexo entre a exploração 138
ec on ômica, política e c ultu co
mo d iz ia para o utros fins o marecha l Caste lo Bran co, formas q ue naturalmente
interessam a camadas diferentes da população. 139
ver dade que o nacionali smo despert a mui ta combatividade, mas
cante às aparências, a ponto de f azer que mesmo ospr ej udicados
não é menos ver dade que ele é discr et o na especif icação e na aná
se reconheçam nela. Noutras palavras, pela sua existência mesma
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l ise dos i nt er esses sociais. U ma lacuna que em minha opinião é a
a vida i deol ógica presume que aspessoas se i nt egrem no proces
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p rincipa l e m nossas le tras críticas. O p ro blema po rtanto n ão é o de ser a f avor ou contra o i nf luxo ext erno, mas o de considerá-I o 5/23/2018
so social atr avés de convicções r ef letidas, e não da f or ça bruta
o
que faz dela um bem, além de uma ilusão). Ora, é claro que não
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bem como a t radi ção nacional) de uma per spectiva popular.
A liás, a i nf luência ext er na t oma f ei ção cari cata sobretudo quando falta esta perspectiva.
era p elas idéias que o escravo se integrava em nosso processo , e que nesse sentido a universalização ideológica dos interesses dos propr ietári os
era supér flua. Daí os aspectos ornamentais de nos
sa vida ideológica, sua localização inessencial e sua esfera relati PERGUNTA:
Houve mudança significativa do século
XIX
para
cá, em t ermos da combi nação ent re asi nf luênci as i deológi cas ex ternas e a nossa prática capitalista? RESPOSTA:
C om cer teza houve, mas eu não seri a capaz de pre
cisar r apidamente. Por out ro l ado, há t ambém as continui dades. Impossível, na segunda metade do século XIX, uma defesa entusias t a e bri lhante da escravi dão, que ent retant o era a insti tuição f un damental de nossa economi a. H avia um mor to embaixo da cama dos nossos inteligentes, cujo universo mental mal ou bem era bali
vamente r estr ita. Em nossos dias a situação é out ra, mas nem tan t o. A cr edit o com a Escola de Frankfurt que a i deol ogia princi pal do capitalismo moderno está na massa das mercadorias acessíveis e na o rganização do apa relho produ tivo , ao p asso qu e as idéias propri amente
dit as passaram par a o segundo plano. O ra, seé cla
r o que no Br asil a ideologi a consumi st a existe, é mai s claro ainda que não é ela que acalma os que não consomem. Em certo sen t ido mui to desagradável, há menos ideologi a e mai s ver dade.
zado pela Revolução Francesa. Por razões parecidas, os elogios do modelo atual só podem ser tecnicistas, cínicos ou primários.
PERGUNTA:
A reflexão sobre os países periféricos traria algu
ma vantagem à crí ti ca do capit al ismo em ger al ? PERGUNTA:
Na époc a do ca pitalismo n os mo ld es clássicos
europeus, a ideologia era designada por falsa consciência e tinha como f unção ocultar os r eais mecanismos da vida social. N estes termos, qual seria a função da ideologia no caso brasileiro? RESPOSTA:
Ideologi a, nesta acepção, é um f at o da era bur gue
sa. Uma concepção aparentemente
verdadeira do processo social
no conjunto, que ent retant o apresent a os i nt eresses de uma clas
RESPOSTA:
E m primei ro l ugar , no sentido óbvio, de que o sub
desen volvimento
é parte do sistema. Depo is, p orque o caráter
in orgânico e re flexo da mod ernização
na pe riferia faz que o de
senvolviment o das f or ças produti vas apareça de um ângul o dif e rente. Uma coisa é o p ro cesso social em qu e a grande indú stria se criou, e o utra é o transplante mais o u men os delib erado de seus result dos
E m minha impr essão, a novidade mai s interessante
destes últ imos anos é a análi se crí tica do aparelho produti vo mo
se como sendo os de todo mundo. O exemplo mais perfeito é a
derno
ideologia liberal do século
com as suas i gual dades f or mais.
vem sendo posta em quest ão. São i déias que j á afetaram profun
N ot e- se que a ideologi a neste senti do t em de ser ver ossí mi l no t o-
damente a nossa compreensão dos países adiantados, e que devem
XIX,
econômico- técnico-científico),
14°
cuja neutralidade política
141
a sua irradiação mundial a um país dos mais atrasados, que es tá procurando
outro c aminho para a sua industria liza çã o,
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diferen
te do modelo que o capitalismo clássico criou. Fomos habituados
PERGUNTA:
do lugar
Uma leitura ingênua de seu ensa io A sidéias fora
nã o pode ria conc luir que toda ide ologia, inclusive as
libertárias, seria uma idéia fora do lugar em países periféricos? RESPOSTA:
Este aspe cto e xiste. Idéias estão no lugar quando
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a considerar a massa tr abalhador a
do ponto de vista da indus
trialização, o que corresponde às relações correntes de poder. Em 5/23/2018
representam abstra ções do proc esso a que se referem, e é uma fa
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
caso porém de a massa exceder de muito o raio das pos sibilida
talidade de nossa dependência cultural que estejamos sempre in
de s industriais, e e m c aso sobretudo de ela pesar efetivamente, é
terpretando
a industrializaç ão
que a bre uma á rea de problema s e um prisma analítico origina is:
noutra parte , a partir de outros proc essos sociais. Ne ste sentido, as próprias ideologias libertá rias são com fre qüência uma idé ia
as formas de dominação
fora do luga r, e só deixam de sê-Io quando se re constroe m a pa r
que será c onsiderada do ponto de vista dela, o da natureza não são progresso puro e
a nossa rea lida de com siste ma s conce itua is c riados
simples, são também forma s de domina çã o social. interessan
tir de contradições loc ais. O e xe mplo mais c onhec ido é a tra ns
te notar que e ssa mesma análise da funçã o c entraliz adora,
auto
posição da seqüência escravismo-feudalismo-capitalismo
na tu
B rasil, país que já nasceu na órbita do capital e c uja orde m soc ial
já fora feita pela Escola de
no entanto difere muito da européia. Mas o problema vai mais
ritária e ideológica da gra nde indústria (produtivismo) ralmente com menos repercuss ão -
-
para o
Frankfurt, que, como gostam de dizer as pessoas politizadas, não
longe . Mesmo quando é magistralmente
tem contato com a realidade. claro que a linha do B ra sil é outra.
do não repres enta o mes mo numa circunstância ou noutra. Por
aprove itado, um mé to
Quem lê jornais brasileir os depois de uma temporada fora leva um s us to: metade é progresso, metade são catás tr ofes e as suas
exemplo, quando na Europa se elaborava a teoria crítica da socie da de , no século XIX, ela generalizava uma experiência de classe
vítimas. Há um livro imortal esperando um brasileiro disposto:
que es tava em andamento,
uma enque te corajosa e be m analisada sobre a ba rbaridade de s
apogeu (a Economia Política), dava continuidade a tradições lite
tes nossos anos de progresso.
rárias e fIlosóficas ete. Noutras palavras, a teoria da união da teoria
criticava uma ciência que estava no
e da prática fazia par te de um poderoso movimento Na época do populismo,
PERGUNTA:
preocuparam
noss os intelectuais s e
mais com os impasses do capitalismo periférico do
neste s en
tido. Por complicadas que sejam as suas obras capitais, elas guar dam contato com as ideologias espontâneas
( e t ambém com as
A seu ver, e sta
ideologias críticas) de sua época, o que aliás é um dos critérios
situação ainda persiste? RESPOSTA: Persiste, e é natural. O que não é natural é que ao
distintivos da verdadeira análise concreta. Para passar ao Brasil, vejam-se os livros fundamentais de nossa historiografia. Mesmo
falar em tra nsforma çã o
no de talhe, submeter a steoria s ao teste real, a o teste da desigual
quando s ão excelentes, o seu contato com o processo social é de uma ordem inteira me nte diversa. A s circ unstânc ias são outra s.
dade mons truosa
e variadíss ima do país. Se não há s olução em
São aspe ctos que é preciso levar em conta, pois, do ponto de vista
vis ta, é uma razão a mais para imaginá-Ia. Não a partir de tes es
ma teria lista, a teoria é parte também da realida de, e a sua inser
gerais, mas dos dados os mais desfavoráveis da realidade.
ção no proces so real é parte do que concretamente
que c om a s possibilida des da sua transforma çã o.
só se fale e m ge neralidades. Falta entrar
142
ela é. 143
O uso da paródia como meio privilegiado de expressão em nossa cultura não correria o risco de trazer uma postura contemplativa? PERGUNTA:
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
do Brasil. Esta última dificuldade não é só acadêmica. Sea experiência histórica de setores inteiros do país é atomizada e não soma, como conhecer o seu sentido? Para ficar num aspecto secun-
72/90
Não vejo por quê. A paródia é das formas literárias mais combativas, desde que a intenção seja esta. Por outro lado, um pouco de contemplação não faz mal a ninguém. Além do quê, em países de cultura importada a paródia é uma forma de crítica quase natural: a explicitação da inevitável paródia involuntária vide a Carta pras icamiabas ). Acresce que a bancarrota ideológica em nossos dias é extraordinária e mais ou menos RESPOSTA:
5/23/2018
dário da questão, todos emburrecemos.
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
1976)
geral, o que também se traduz em paródia. Proust, Toyce,Kafka, Mann, Brecht, todos foram consumados parodistas. Entre nós, Machado, Mário, Oswald, e hoje Glauber e Caetano. PERGUNTA: necessário
estar em perfeita sintonia com o que
ocorre centros hegemônicos para sacar os meandros de nossa vida nos sociocultural? RESPOSTA: Depende naturalmente do objeto de estudo. ele que define o raio dos conhecimentos indispensáveis. Como entretanto a importação de formas é parte constante de nosso processo cultural, é claro que não basta conhecer o contexto brasileiro. Ê preciso conhecer também o contexto original para apreciar a diferença, a qual é uma presença objetiva, ainda que um pouco impalpável, em nossa vida ideológica. Por isto, a nossa historio-
grafia tem de ser comparativa. Seria interessante por exemplo que um cidadão com boa leitura traçasse um programa de estudos comparativos necessários ao conhecimento apropriado da literatura brasileira. Isto no plano pacato da pesquisa universitária. Tá no plano da interpretação da sociedade contemporânea, que afinal de contas é o que interessa mais, hoje é muito mais fácil estar em dia com a bibliografia internacional do que com a realidade 144
145
evisão e
utori
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
visor é de opinião contrária, e encheu o trabalho de vírgulas. Não é o fim do mundo, mas é certo que ele com isso desfigura um rit mo que eu procurei afirmar. Por outro lado, ele não gosta de tra
73/90
5/23/2018
vessões, e suprimiu boa parte dos que eu coloquei. Àsvezesa dife rença é pouca, mas àsvezes sai um sentido inteiramente outro. Por exemplo, em passagens em que a palavra está com a multidão. As intervenções são lançadas por anônimos diversos, o que indiquei com um travessão diante de cada frase. Eliminados os travessões, ficaparecendo que se trata de um discurso só, e perde-se a disper são.Para encurtar: há trocas de pontos de exclamação por ponto e-vírgula, de reticências e pontos finais por travessões, de interro gações por vírgulas, há supressão de aspas etc. Que dizer das reformulações? O revisor deve achar que são oportunas; eu acho descabidas, e sempre prejudiciais à brevidade e energia da linguagem. Em várias ocasiões revelam incompreensão e produzem contra-senso. o que acontece, por exemplo, quando a palavra ventania muda de lugar na frase. Originalmente, ela indicava o zumbido que anuncia a chegada da repressão. Na fra se corrigida, o palco é varrido por uma ventania de verdade, que não tem nada a ver com o peixe. Na mesma página, uma inter calada divide em dois a concha do desvario , o que é uma graci nha do autor. O revisor substituiu a intercalada por um ponto fi nal, de modo que ficou a concha numa frase, o desvario em outra, e o sentido desapareceu. A exemplo de Brecht, procurei aqui e ali implicar o gesto e a marcação dramática na própria fala, sem indicá-Ios em separa do, o que à primeira vista faz o efeito de uma pequena charada. Esse procedimento obriga a uma leitura mais imaginativa e cêni ca. O revisor achou obscuro, e intercalou as devidas marcações, entre parêntesis, para que o leitor saiba seBacamarte está sediri gindo ao público ou à esposa (p. 33). Ainda na esteira de Brecht, faço que a personagem ora fale em seu próprio nome, ora se dis-
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
14/xr/1977
Caro Editor, obrigado pelo lata de lixo da história Achei a capa e o as pecto geral do livro muito simpáticos, e a alegria foi grande. Isso posto, não zangue comigo, mas a revisão está uma desgraça. Não porque tenham escapado muitos erros, embora estes existam: além das coisinhas mínimas, falta uma fala inteira (p. 49), faltam aste riscos entre duas cenas diferentes, que ficam parecendo uma só (p. 39), e bem na frase final está traição onde deveria estar tradi ção : Mas até aí nada de excepcional. Acontece, porém, que o revi sor fez mais de duzentas modificações no texto que mandei. São modificações na pontuação, alterações na ordem da fra se, substituições de palavras, acréscimos ao texto, reformulações, e até mesmo modificações em versos. De modo geral procuro virgular pouco, pois gosto mais de me apoiar no movimento da frase que na pontuação. Já o meu re146
147
tancie da situação e de sim esma, comentando o caso diretamen
mais amig o de sua intervenção corajosa n a cena brasileira qu e d e
te com o público. Assim, o padre Lopes conspira contra Bacamar
min ha peça de teatro. Assim, para d ar uma satisfação ao leitor, a
te no presente do indicativo, o que não impede que na frase se
mim mesmo e à Editora, que imagino de acordo com estas obser
g uin te, p assando para um registro distanciado e narrativo, ele se
vações, proponho que você publique esta carta nos próximos Ca-
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
74/90
refira à mesma figura no imp erfeito: 5/23/2018
Por sorte o sábio era casa
do : O revisor achou incoerente, e passou o verbo para o presente,
dernos de Opinião São assuntos óbvios, sobre os quais entretan
to é melhor que exista acordo explícito.
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
o que liquida o movimento que eu queria dar (p. 52). Um exem
Para algu ma coisa o meu mod esto desastre terá servido.
p lo final: jacaré rima com pé : mesmo que estas palavras não sejam as ú ltimas em seus respectivo s versos. Receando que a ri
Muito cordialmente, seu amigo
ma passasse d espercebida, o revisor deu aos versinhos uma dis posição mais ób via (p. 50). Dand o u m balanço n as mod ificações, acho que elas obede cem u m critério. Onde p ro curei puxar pela inteligência e vivaci dade do leito r, o meu revisor procurou facilitar e entregar mas tigado. As intenções são o postas, e é evidente q ue ele não tinh a o direito de me impor a dele. Digo isto sem p ro pósito d e ofend er, pois imagino que setrate de pessoa de bo a vontade, como d eno tam a intenção de ajudar e o capricho com que se dedicou a ela. Não penso evidentemente
que a sua colaboração tenha o senti
do da censura. Mas acho que ela encerra um mal-entendido,
e
que ela é atrasada contrária em tudo ao espírito da literatura mo - . derna, que é de diferenciação. O resultado acaba send o uma cen sura pouco estrita, exercida em nome da facilidade e da escrita costumeira. Textos literários não são sag rados, e sei que um trabalho de revisão pode ser útil e até criativo. Isto desde que haja discu ssão e a ú ltima palavra esteja com o autor. O q ue é in aceitável é modi ficar sem consultar. Em p rimeiro lu gar, p orque é uma questão de direito e responsabilidade do autor. Em segundo, porque o resul tado só pode ser a banalização literária. O que fazer? Noutro país ou com outra editora, armar um esc ândalo. Pensando na Paz e Terra, não é o que me ocorre. Sou 149
148
obre de três
s rês mulheres ês
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tão a par das coisas e sem prevenção quanto possível, desta terra de ninguém que é o nosso habitat atual. primeira vista o livro de Paulo Emílio* é um divertimen
75/90
ao
5/23/2018
to, de muita qualidade mas convencional. Três novelas conjugais, de enredo picante, cheio de surpresas e suspense. Contudo, esta armação é tratada com recuo. Ela serve ao gosto maldoso do au
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Em arte, só quem rompe um código se conforma ao código da modernidade. Ocorre que todos agora nos queremos moder nos, e que, no fundo, ninguém mais se apega a código nenhum. Segue-se que a situação da vanguarda fica muito facilitada, ao mesmo tempo que se complica. É claro que não é o caso de vol tar atrás, o que aliás nem seria possível, pois o tradicionalismo técnico já não seencontra e não é mais um adversário de primei-· ra linha. Sua existência é um resíduo provinciano, e dia-a-dia está mais evidente o parentesco, e não o antagonismo, entre a inova ção pela inovação e o movimento geral da sociedade. Basta pen sar na produção pela produção, na revolução tecnológica e cien tífica, e na vocação modernista da publicidade. Noutras palavras, quando seconfina à dimensão técnica, o radicalismo experimen tal é hoje uma atitude benquista e alienada como outras. À seme lhança do que se passa no campo das forças produtivas, o pro gresso técnico em estética chegou a um impasse. Assim, talvez o rigor agora não esteja na destruição (redundante) de linguagens que já não resistem, mas na capacidade de tirar um partido vivo,
tor situações -acanastradas, e sobretudo à suaainda simpatia esta pelas sem maldade pelos movimentos vivazes, quando sejam tontos. Aliás,a vivacidade na bobagem parece encerrar pa ra Paulo Emílio alguma coisa preciosa, um atestado de vida e ima ginação em regiões que se julgariam mortas (no campo da críti ca de cinema, o seu entusiasmo pelo mau filme nacional talvez tenha a ver com isto). Noutras palavras, os recursos do suspense e os dramas familiares estão em primeiro plano, mas distancia dos, e tratados dentro de um espírito imprevisto. Seu convencio nalismo está entretecido com a prosa esplendidamente desabusa da e flexíveldo autor, que paira como uma enorme risada sobre a estreiteza do assunto e a obviedade dos andaimes narrativos. Esta mesma distância aparece no interior do estilo. Trata-se da imitação de uma prosa solene, muito paulista segundo o pare cer de uma observadora - mas quem imita é um espírito moder no, experiente, de esquerda e antifamília ( Sou um liberal conser vador, respeito a tradição alheia mas em matéria de família sou subversivo e não suporto a minha: [p. 112]). O pastiche reúne à elegância uma dimensão cara-de-pau, de farsa grossa, que é do melhor efeito. Há também uma lembrança de Surrealismo na gra vidade com que a prosa meticulosa e muito sintática acolhe asnei ras escolhidas a dedo. Paulo Emílio Salles Gomes, Cosac Naify, 2007.
Três mulheres d e três PPPês
(1977), São Paulo,
150
151
Contrari edades mada, são questões
conjugai s,
vi ravol tas
que o Modernismo
Emílio não as liquida
uma segunda
voca, dentro
da vigência
do enredo,
liquidou.
E de fato, Paulo
vez. Pelo contrário,
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mesmo
pr osa engo
indigente
ele as in
que na prática
elas
mesticado
e recuperado,
ref ugia a verdadei ra apoiar numa
m odernidade,
apar ênci a
nios que parecem
é no espírito crítico enquanto que paradoxalm ent e
de convencionali smo
dialética
para boi dormir,
formal.
tal que se pode até se São raciocí
mas o leitor faça a
76/90
conservaram, 5/23/2018
para expô-Ias
ao vexame
de uma reiteração
apri
morada. Aí a sua atualidade literária, a qual decorre de SCHWARZ, razões queR. O Pa i de a cr íti ca mai s adi antada não cos tuma reconhecer.
certo, ao menos em parte, que a linha mestra da vanguar da esteve na ruptura de convenções artísticas, donde a reputação tecnicista
e de obscuridade
dutos. Entretanto,
que acompanha
este aspecto
saliente
tura tem de estar uma atividade pecializada,
telect ual
do escr itor,
da, e nos habituamos ra escapar
crítica mais ampla
que se poderia
não necessit a
que põem
não sabem se explicar).
Entretanto
soal, o esforço
de veracidade
do vanguardista,
artí sti ca.
que podem
que têm existência t ambém é nesta qualidade
extra-estética
sua arte literária.
Esta se alimenta
pírito
de um homem
poético tamente
imediato,
agudo
o que aliás também
a que nos interessa.
de inteligência ra o passado,
primeiro
e os que
apre
pes soai s mas
digamos ci vi l. Poi s bem, da liberdade
de linguagem.
à
de es
em valor formal, jus um clima pa
Digamos,
no ca
antiga é usada como barragem,
que a
cada frase faz saltar e perfilar-se que é um belo espetáculo.
e mais recentemente
em nossas letras, tão voltadas
a região e as proezas um pouco
separa isto pa
na esfera pes
Daí, seja dito de passagem,
pouco freqüente
so, que a forma
nessa matéria.
de direita,
é uma solução
o espírito
libertário
Aí enfim a sua atualidade:
to em que o experimentalismo
técnico
opi
cujo in
do t erreno
l iterári a
e a transforma
do assunto,
são numerosas
que Paulo Emílio as incorpora e vivido,
e muito, em minha
a respeito
in
esteticamente,
diretamente
da narrativa,
nião, ao desejo de obter revelações
Esta se
não podia ser maior. Trata-se do livro de um gran
São as qualidades
extra- es tética,
deve um pouco ao suspense
incrível.
de conhecedor
a envergadura
ser produtivas
com uma curiosidade
teresse prático
e razão cujo efeito liberador
ci am os no pl ano da invenção
rês mulh r s lê-se
um
chamar
ela representa,
a prosa de Paulo Emílio à de nossos van e verá de que lado está o espírit o moderno.
como
apareça
os artistas
diplomados,
es
técnica
ter exist ênci a
de comparar
guardist as
e menos
mesmo a dizer que ela não importa
ao problema
pro
não é tudo. Atrás da rup
à luz da qual a inovação
avanço. Esta atividade,
os seus melhores
experiência
Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
do autor, o no momen
parece relativamente
do-
intelectual
de um mestre,
artística.
mais: a prosa
e vaudevile
a pr imazia.
viravoltas
o suspense
comi cam ent e
reflexiva e documentária.
os enigmas
de perspectiva,
a situação f ictíci a
ar bi trári o
e anacrônico,
Por uma via inesperada,
a
ger al da vanguarda,
p ar a a a tr of ia d a f ic çã o. Ou melho r, p ar a a r ac ion aliz aç ão que se concebe como simples i nstrumento
o
que o autor lhes corta
de Paul o Emí li o obedece à tendênci a
152
for
e não de
etc.). Aí porém o para
A despeit o da muita movimentação,
da dimensão
e da
ela conseqüências é de ensaísta,
as coincidências,
aqueles elementos
não é mais que um suport e,
l iter at ura
do assunto
p ar ec e talve z e rr ad a, d ado s o s e le me ntos da narrati va
dos acontecimentos,
doxo, pois é acentuando
de que es
em aprender.
não-estética
tem também
a que o final traz resposta, as repetidas precipitar
por este gêne~ estão aliadas, é
de ficção de Paulo Emílio
a rtis ta . Es ta o bs er va çã o de artif ício
requerida
e que tem interesse
do escritor
XVIII,
e a prática
O leitor se convence
Por outro lado, esta valorização força intelectual
incis ivas
do século
o gosto de fazer a luz está em
em que a imaginação
à especialização
tá diante
Como na literatura
em Proust,
plano. A prestança
ro mais robusto, exterior
conj ugal, e as suas formul ações
d es ta ,
de sondagem. 153
Entretanto é preciso qualificar este quadro, e aj untar que a maestria no caso não dá solução nem significa superioridade. Esta última existe, mas em estado de di spersão, por assim dizer par a
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
ninguém, e é seu beneficiário quem não existe o que reconfir
um nível bem paulista
p. 40). No essencial, trata-se de uma for
m a em que eu é um outro. Vejam -se neste sentido asexpressões comprometedoras
ou ridículas com que o narrador, naturalmen
te porque o autor quer assim, deixa mal a sua reputação e a de sua
77/90
m a, dentro m esmo da busca da excelência, a proibição m oderna
5/23/2018
classe social. Por exem plo, quando se diz um defensor da ordem SCHWARZ, Estudos - slide pdf.c om da personagem positiva). A pr osa é de mestre, mas quem a for R. O Pa i de Fa mília e Outrospolítica e social, o que realmente sou mas no terreno das i déias, mula são personagens escolhidamente patetas, envolvidas com nu não em funções ativas de alcagüete p. 91); quando m enciona a merologia, imagens de santos, encômios à dama paulista e outras Rússia, país que m e assusta e a respeito do qual falo o m enos pos manias. O senhor que r edige a última histór ia passa o melhor de sível p. 110); quando lem bra com orgulho o nom e que lhe dava suas tardes olhando para osladrilhos de um bar, em que está pin a m ulher, de doutorzão , em vista de seu calibre p. 92); quando tada uma menina que segur a um peru. Ent re a li mi tação da s personagens e a i ntel igên cia junção éforçada
de sua escr it a desacordo é total e a con-
Este é o X estético do livr o.
seconfessa antigo fascista e admirador de Hitler p.
na construção de novos hospitais um sinal de decadência da saú de popular etc. p. 98). Desam parados
No plano da verossimilhança elementar, é talvez um defeito,
;quando vê
do contexto, estes exem
plos não dão idéia suficiente do gosto pelo insulto, ainda que
com repercussões: a proximidade da piada é excessiva, e persegue
indireto, presente nestas novelas, da alegria selvagem de se apre
um pouco a leitura. Noutros planos entretanto a sua poesi a, se é
sentar com o um cretino. certo que eu é um outro -
possível dizer assim, é inegável além de inesperada. A clarividên cia que não capitula diante da estupidez m as tam pouco lhe desar ma os dispositivos representa, em si mesma, um sentimento da vida. Com deliberada isenção, o espírito plana sobre o desenroc lar de sua existência privada, em que não falta o pr imar ismo.
Há
nisto uma superioridade sem presunção de redentora, uma acei tação do que é da contingência, que são façanhas hum anas e lite
mas só
até certo ponto. Trata-se de uma equação do espírito que sepode entender, talvez, como o acordo alegre, e m esm o a colaboração discreta, com o naufrágio da própria classe social. Embora seja muitas vezes longa e complexa, a frase de Paulo Emílio é sempr e concebida de um f ôlego só. O seu ri sco, a que se prende um quê de aventuroso, é de não chegar sem tropeços ao ponto final. com o seela devesse, antes de baixar ao papel, pas
rárias. Tanto m ais que este desapego é sem degradação, pois não
sar um teste de energia, fluidez e boa sorte, que é um ideal de vida
tendo ilusões sobre o que podem a lucideze a liberdade, aspreza
tanto quanto de sintaxe. O seu gesto é oral, m as sem contempla
ao máximo.
ção com ascomodidades de retórica que permitem ao orador ga
Digam os enfim que este desacordo é expressivo tam bém de
nhar tem po ou voltar atrás. A sua lei é a sucessão em ato e irrever
uma contradição m ais particular e de classe. A visão abrangente
sível em que a complexidade tem de se dispor sem deixar resto, o
e sintética a que seergueu a inteligência burguesa, em sua fina flor, tem de se acomodar às finalidades acanhadas de sua vida real.
que m uitas vezes é uma façanha. Um a exigência de total e instan
Em palavras do narrador da segunda história, meus sonhos juve nis de supr ema elegância, poder e cultura, t inham se r eduzido a
tânea presença do espírito a si mesmo, exigência severa, conside rando-se a disparidade dos pontos devista que tem na cabeça um intelectual m oderno. Quanto ao ritmo, é talvez com o alguém que
154 155
apressa a fala p ois vislu mbra a seqüência q ue lhe p ermite desen-
aspecto imprevisto da convergência de rês mulheres com a lite-
rolar o sentido inteiro da frase sem esquecimentos
ratu ra de vanguard a. Esta últim a quebra as form as de rep resen-
sem compli-
cações e sem acidentes gramaticais de percurso. A manifestação
tação e linguagem correntes a fim de chegar a um materiallim-
estilística mais salien te no caso está n a parcimôn ia
po de automatismos
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d e vírgulas
e ideolog ia. Já Paulo Emílio vence a in ércia
78/90
tornadas dispensáveis pela clareza dos encadeamentos 5/23/2018
d a frase aumentand o lhe
ou me-
a flu ência e a velocid ade.
lhor engolidas pela aceleração da fluência causada pela clareza e
Por outro lado depois de assinalar a economia da fala é pre-
con centração mentais que presid em a esta dicção. ela a clari-
ciso insistir igualmente em seu caráter muito imprevisível não
dade intensificada
deste estilo que
dirigido pois a conciliação destes dois aspectos normalmente ini-
tem seme lhanças com o Oswald da crônica e com Breton. Para precisar d igamo s q ue nas pausas da v irgulação normal h á sem-
migos é de uma extraordinária poesia. De fato o sentido final das frases é in certo até o último momento delas sendo que tamb ém
p re redu ndâncias.
da respira-
este não vem quando se espe ra. Note se a e ste propósito uma e s-
duas instâncias
pécie de segundo alento de ressurreição da frase que ocorre ali onde ela pareceria terminar. como se vencido o instante difícil
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
o verdadeiro pré requisito
Estas expressam o automatismo
ção ou simplesmente
a convenção gramatical
que estão a quém das articulações
mais finas do pensamento.
Assim o sumiço das vírgula s supérfluas representa centraçã o mais exclusiva na inte ligibilidade
da formulação e estando já segura a configuração geral do perío-
uma con-
do a prosa não se apressasse em fechá Io e deixasse aflu ir mais
e um maior teor
outra cláusula que flutua sem responsabilidades
de logicidade da frase. A falaque Paulo Emílio procura é se é pos-
no esforço sin-
tático mas acrescentando sentido. Propiciado pelo momento de exigência e tensão um mom ento de total g ratu id ade. Este é u m ritmo extraordinariamente livre e sugestivo embora não seja fá-
sível dizer assim antes pensada que dita e é portanto mais rápida. O efeito de aceleração concentra se nas articulações: onde havia uma vírgula para separar e um conectivo para articular resta
cil dizer em qu e consiste a sua sugestão .
só este último . Os do is m omentos comprimem se n um só além
Assim a prosa de Paulo Emílio obedece a exigências máxi-
de que os conectivos sem o espaço algo inespecífico assegurado
mas
embo ra expressando intenções e episód io s os mais d es-
pela vírgula são exigidos de maneira mais estrita e diferenciada
frutáveis. Em conseqüência
e absorvido s no m ovimento do sentid o. Em lugar d e sua fu nção sempre um pouco
dio clima d e n obreza qu e é de to dos os momento s. claro que também a nobreza nestas circunstâncias muda de figura de certo
exterior ao que se passa na frase afloram os seus valores lingüís-
mo do p ara mais d emocrático. A beleza e o seg redo d as três nov e-
tico s mais sutis e com eles algo como u ma p oesia dos encadeamentos. Note se que a gramática normativa não é desrespeitada
las encerram se talvez nesta conjunção.
pelo con trário. Mas as suas responsabilidades na sustentação do
reza é mais complexo o ideal de desenvoltura continua o mesmo.
sentido ficam minoradas. E se é ce rto que há grande períc ia sin-
Os obs tác ulos é que são outros. Já não se trata de sinta xe e pala-
tática da parte do autor ela lhe serve sobretudo para n ão trop e-
vras mas da lógica da sociedade contemporânea.
çar. São passos do trabalho de desconvencionalização
e raciona-
dade fluente e plena das situações indispensável à vivacidade sem
à arte moderna. E é mais outro
p onto mo rto bu scad a p ela fab ulação só p or meio de artifício s se
gramatical esquemática
liza ção da linguagem
de enquadramento
próprio
desprende se destes um estapafúr-
Se passamos do plano da frase ao da fá bula q ue por natu-
A inteligibili-
157
156
io....
I I
conseg ue. Como d ar brio e espo ntaneidade à ação, se as finalida d es d esta são fru stras e ostensiv am en te anacrôn icas? Trata-se de http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
u m con texto q ue p ed e sobretu do exp licação. Entretanto,
com o
Proust, Pau lo Emílio faz d a flu ên cia n a análise, qu e é extraordi
leiro de u m processo de con hecimento coletiv o, do minado p ela divisão social do trabalho, com critérios objetivados, processo que é a realidade d e no ssoS d ias, e d iante d o q ual a ativ idade n arrati va s e e ncontra numa situa ção ta lve z difícil -
qua l a a utoridade
79/90
nária, um simulacro de naturalidade narrativa. 5/23/2018
que lhe resta? -
li
e em todo caso nova.
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
Neste sentid o, veja-se ou tro indício d a aceleração da prosa,
n as distâncias q ue ela atrav essa. O esp aço p ercorrido entre um a fra se e outra e no interior de ca da uma delas é grande , e m te mpo
Recapitulando, os mencionados resultados intelectuais não
e a ssunto. D igamos que em cada fra se a pare ce m e se e sgotam no
têm a n aturalidade
m ínimo u ma ação, relação o u id éia, mu ito d íspares, qu e n ão con
cujo grau de abstração é grande. A base em que descansam é o
tinuam na seguinte. Sem exagero, a narrativa calça botas-de-se
p rocesso mo derno e social d o con hecimento, qu e não está n a me
te-léguas. Note-se que este andamento da fábula não vai sem pres
dida p articularizad a d e u ma fab ulação , o qu e retira à anedo ta d a
supo stos. Ele d ep en de d a redu ção fluente de assuntos d iv ersos e
intriga o essencial d e sua autorid ad e de rev elad or. A fim de recu
intrincados à dime ns ão estre ita de um pe ríodo. Ora, esta fluên
perar a espontaneidade narrativa, mas sem abrir mão do nível con
cia na s íntes e re pres enta o tra ba lho de uma vida inteira de inte
temporâneo da re flexão, Paulo Emílio dissolve em s ua prosa -
lectu al. E mais, represen ta a incorpo ração
força de m aestria pessoal -
dade inte lectual
do conjunto d a ativi
corrente, c om se u e le nc o de espec ializaç õe s e
qu e aparentam. São conh ecim en tos
cavado s,
à
a panó plia explicativa de no ssos d ias.
exp licações, aos recurso s do narrad or. Estes receb em u ma inje
A conseqüência é que seu trabalho deixa, a par da fluência que assombra, o sentimento da pseudonarrativa. Esta afina em profun
çã o de a mplitude , a o mesmo te mpo que e xtravas am do círculo
didade c om a ce na mode rna , e é, pela obje tivida de da s ituaç ão a
disciplin ad o p ela experiên cia tal com o um ind ivíduo a p ode cau
q ue respo nd e e à qu al d á forma, u m resultado d e v an gu arda. Para exe mplo, veja m-se os varia dos a ssuntos que pass am
ciona r. Por este â ngulo, a amplitude do movimento
narrativo é
fun ção d e u ma anterio r cond en sação e acu mu lação, q ue afetam a idé ia de fic ção em se u próprio es ta tuto. N o c aso, o ficc ionista s upõe o estudioso mode rno, de cuja informa çã o ge ral e de cujos resultados
que sã o vida já muito mentalizada, dis põe. Para bem
e pa ra mal, trabalha portanto c om o mundo na ve rsão transpa rente e sem pre venções , ma s hipotético, operac ionaliza do e de o itiva, qu e até seg und a o rdem p arece acom panh ar
a preemin ên
:~
I
I ,
I
i
cia cultural da explicação científica. Isso em contraste com o mun do anedótico e suges tivo configura do desenvolvimentos contemporâneos
transformaram
em repositó
rio d e ingenu idades. Assim, d igamo s q ue a fabu lação está a cav a-
ria. A esterilidade m asculin a, com o seu cortejo d e exames de la boratório; os cálculos perversos do interessado, um professor ateu que aproxima a mulher e um jovem discípulo para c he gar à pa ternida de ; a situaçã o em que fic a a sua senhora, que é ca tólica ; o po nto d e v ista d o confesso r h orro rizado , qu e d en un cia no m en -
E ss es p ar ág raf os a pó iam -s e n o ex tr aor din ár io es tu do d e Wal ter Be nj am in so br e O na rr ado r ( 19 36 ). D iz e le , p en san do na q ueb ra mo der na do v al or d a
na acumulaç ão da e xpe
riência d e v ida, em q ue seinspira o narrad or tradicion al, e q ue os
diante de nossos olhos numa s pouca s linha s da primeira histó
I \t
e xperiê nc ia pessoal: A a rte de narra r a proxima-se de seu fim porque a sabedo riá, que é o a spec to narra tivo da verda de , e stá e m via s de e xtinçã o . esammelte Schriften lI, 2, F rankfurt, S uhrkamp,
1977, p. 442. 159
158 l
I
I
: 1 t
cionado propósito a ofensa a Deus e o pecado contra o próximo; o leque dos argumentos que o professor lhe opõe junto à esposa, que vão do vulgar - o corno sou eu - ao metafÍsico - as pro priedades numero lógicas do amor e do número três.
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
ii
r
;,
tórico, bem como um momento da crise da ficção moderna, além de ser um alegre desaforo. A cena privada se desintegra numa multidão de causas discrepantes e muito ativas, que trabalham sem descanso, mas por conta de ninguém. É como se numa sala
80/90
5/23/2018
A unidade da seqüência é clara e deve-se aos planos do pro fessor. Mas a sua nota alegre não está aí, está na saliência intelec tual das perspectivas secundárias, que parecem desfilar mais ou menos ao acaso: na ligação de vida sentimental e laboratório, na heterogeneidade dos termos presentes ao cálculo conjugal, no en frentamento entre ateísmo e catolicismo dentro do matrimônio, na teologia e na falta de autoridade do confessor, no método pe dagógico do marido, que procede do mais evidente ao mais abs
de visitas se cruzassem linhas de bonde. Assim, a multiplicidade
1
de aspectos e explicações a que a narrativa recorre para melhor configurar seu assunto contribui em primeiro lugar para a disso
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
trato. Estes aspectos vêm à baila a propósito da ação, à qual no entanto não se subordinam, pois estão vistos pelo prisma de sua lógica própria. Formulam-se de um ponto de vista geral, que fica atravessado na circunstância particular tecida pelo enredo. A des peito da brevidade e de não terem continuação, cada um deles é em si mesmo um mundo, um mundo de que a autoridade de al gum mito está em vias de desaparecer. Representam uma intui ção, o resumo de um raciocínio, uma observação sugestiva, ou seja, um resultado apreciável e suficiente da vida intelectual. São conhecimentos sempre vivos e explicativos, às vezes fulgurantes, mas sobretudo situam o foco da vida em dinamismos autônomos, que não nascem com a intriga e não morrem com ela, a cujo teor de particularidade fazem contrapeso. O conjunto destes momentos esclarecidos, excelentes neles mesmos, compõe entretanto uma assembléia de forças descone xas, de efeito cacofônico, o qual é um tento literário. Noutras pa lavras, o teor de personalização necessário à fábula individualis ta (e à esfera conjugal) sofre um contraste cômico, do qual sai negado. A vizinhança metódica do muito pessoal e do comum de todos configura um desequilíbrio que é em simesmo um jUÍzohis160
lução cômica dele, e é só neste sentido que o aprofunda. - Vistas em conjunto, as perspectivas de circunstância são, como era de se esperar, essenciais. Compõem um contexto espirituoso e ato mizado, em que tudo é ocasional (eportanto vulgar) do ponto de vista da composição, e que no entanto recolhe a experiência ra cional e crítica de nossos dias e do autor, e por aí, aos pedaços, a objetividade da alienação moderna. Isto em contraste com a in triga - a dimensão globalizante - cuja lógica interna é estrita, mas fortuita (e portanto vulgar, em contraste com a objetivida de das observações ocasionais). Em analogia com o cinema, digamos que se trata de um t rill r cujas intenções intelectuais fossem muitas, mas estives sem a cargo do cenógrafo. Este procura dar o essencial da crítica contemporânea em toques de segundo plano, sempre ressalvan do o convencionalismo do primeiro, que afinal também se salva, pelo toque satírico. Daí aliás uma correlação muito particular de construção, observação ocasional e razão. O equilíbrio entre a li berdade digressiva das explicações - desde que disciplinadas pe la brevidade - e o andamento estrito e dessueto do enredo é um arranjo surpreendente. O movimento da intriga é lógico mas irra cional, a razão está nos momentos assistemáticos, que aparecem numerosa e regularmente, e a espontaneidade é mais refletida que a construção. O fato é que neste livro, como na cena contempo rânea, a inteligência é muita, está em toda parte, e a irracionali dade não podia ser maior. 161
No exemplo que demos, a referência está sucessivamente na
raciocínios é parte do panoram a e não se eleva à conseqüência do
m edicina, no erotism o, no catolicism o fam iliar, na teologia, no
conjunto. Desta perspectiva, que não é a única, a fluência confina
ateísm o, na lógica, na num erologia. A fluência Com que a prosa
com a simples loquacidade das classes informadas e bem-falan
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
invoca estas esferas e passa de uma à outra causa admiração, e
t es. Muita vida intelectual, mas enquanto part e da alienação, e
81/90
causa também riso. Como observou um crítico, o narrador é a 5/23/2018
não enquanto solução para ela.
pr ova viva de que é possível ser cult o sem ser pedante, o que nas SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om circunstâncias é uma façanha, considerando-se a diversidade e extensão dos conhecimentos que m obiliza. * De fato, a sua natu ralidade representa uma perform ance, algo com o uma vitória do
Voltando à verve de Paulo Emílio, é preciso lem brar que nas três novelas as personagens estão atoladas no constrangimento
homem culto sobre a esterilidade das especializações modernas.
conjugal. O culto da fala que não pára diante das barreiras do de coro e da auto- estima deve a sua f orça à estreiteza deste campo.
Esta desenvoltura é da m esma ordem , noutro plano, que a exigên cia de inteireza e elegância que procuramos sugerir a propósito da
Ao furar tais barreiras a frase adquire lum inosidade
frase. Nos dois casos trata-se de alcançar uma espontaneidade
ce a inteireza da vida -
e restabele
segunda através da maestria em condições adversas. Entretanto, por causa m esmo de suas acrobacias, este homem total tem mui
falta de unidade desta últim a que sepõe em relevo, além da com
ainda que ao preço do grotesco, pois a
unidade sendo do movimento
e não da pessoa, é justamente
a
plementaridade profunda entre decoro e vulgaridade. A intenção
to de clown Mais que abarcar o conjunto de sua vida, ele lhe per
de desalienar passa, aqui, pela aliança programática com todas as corre a compartimentação, cuja dispersão e incongruência nu merosa a fluênci a do movimento sublinha e não harmoniza. Se
formas de alienação em que o ciclo familiar secompleta: por exem
a prosa de ensaio é um compósito que torna narrável o mundo
plo o labir into legal do desquite e da separação de bens, as ques
moderno
tões técnicas da virgindade, a aritmética do adultério etc., em cuja
e seu teor acrescido de abstração, ela é também um
indício de desconjuntamento.
tecnicidade e dificuldade se revelam finalmente aquela energia
Atrás da fluência ensaístico-narra
tivo-paulista está a permanente
e inventividade superiores, propriamente
disposição de tudo relacionar e
explicar, com osm eios próprios da cultura geral de que são parte as especialidades amadorísticas, os esquemas científicos, os boatos universitários, as convicções ocultistas, a formação humanística etc.Resulta um amálgama cuja modernidade está precisamente na
j
renascentistas, que no
cam po m atrimonial pareciam não querer brotar. A este respeito, observe-se entretanto que a norma de brevidade subordina a alie nação à alegria intelect ual de entendê- Ia e de passar adiante. O oposto da fascinação que leva metade da ar te moderna a se com
nota falsa. Mais que explicar alguma coisa, a m ultiplicidade das explicações é parte ela própria da confusão. Não à m aneira infi
prazer na alienação que assinala, a ponto de no limite a duplicar. Este ideal de um movimento de f rase não-cortado tem o seu
nita de Kafka, em que está em jogo o princípio da questão, mas
valor polêm ico na transgressão: o ímpeto não se detém onde pe
à m aneira rotinizada de nossos dias, em que esta proliferação dos
dem as conveniências.
Ver J. G . N og ue ir a M ou ti nh o, S Paulo 29/5/1977.
bam m uito com pletam ente, e este seu m odo pronunciado de ter
O que não quer dizer que as frases não
terminem. Pelo contrário, o que chama a atenção é que elas aca T rês m ul he re s d o s ab on et e A ra xá ; Folha de
m inar as caracteriza e valoriza tanto quanto a transgressão. Tra-
162
163
ta-se de outro
aspecto
mal-entendidos, de exp ressã o
note-se
la pidar
da mesma
busca de inteireza.
que não há no caso nenhuma
o u d efin itiv a,
d e estilo p arnasiano .
ção visada não é da ordem da escrita. A referência http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos to está na analogia
Para evitar
pera afinal pouco faltou prodigio so singular sobretudo etc., chega
veleidade
a ser um tique. claro por outro lado que os mais belos auges são
A p erfe i
aqueles que provêm
do movimen
com a vida bem vivida, e com a ação bem rea
advérbios
direto do movimento
da frase, sem ajuda de
e adjetivos.
De diferentes
maneiras,
82/90
a busca do momento
alto está pre
liz ada . A frase co rre o s se us risco s, te m os se us a uge s, e se e xtin gue 5/23/2018
sem deixar restos, extinção
que é uma de suas ambições
sente na cadência
da prosa, no movimento
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
maiores.
de ficção, e é assunto
de investigação
narrativo,
na matéria
propriamente
intelectual.
Noutras palavras, a sua curva é governada pelo intuito de maxi mizar as intensidades, e portanto de esgotar a energia e o assun
Ela é o ponto comum que confere unidade estética ao conjunto. Vimos o que esta busca significa do ponto de vista subjetivo, co
to disponíveis.
mo exigência
O interesse
seu ápice está no centro mal, seja enquanto grafia de Malraux, em vários
pelo ciclo energético do livro, seja enquanto
assunto.
Noutro
o biografado
são indica bem a preocupação Para uma exemplificação
inspiração
lugar, resenhando
Paulo Emílio sublinha
momentos
das ações e pelo
a agudeza
uma bio de ato
soube alcançar.
for
que
Esta expres
de domínio.
veja-se neste sentido
um
como outros. As folhas de um caderno são as últimas para Jundiaí é iminente o sentimento de apreensão é
súbito as menções eucalipto
à insônia
voltam a aparecer o sabonete
não faz efeito o esforço para dormir
doses de soporífero
de
é desesperado as
são cada vez mais fortes os anos são curtos
perto da eternidade talvez seja tarde demais etc. pp. 68-9). Nou tras palavras,
é constante
a referência
a um limiar, que faz que a
ação e com ela a frase não sejam simplesmente nham
um ponto
de aparecimento,
um dado, mas te
de desaparecimento
ou crise.
Este ponto crítico retesa o movimento, e lhe dá a unidade inte rior e dramática a que se prende o sentimento de processo imi nente, de intensidade poderia
chamar
teses, porque
e conclusão,
também
é indicativo
dito que o aguçamento ra realçar o momento
a que nos referíamos,
de sentimento
que apontamos,
da ação através de expressões máximo,
e que se
da dialética. Entre parên
da preocupação
Por outro
de estilo: refere-se
se transformar.
próprias
mútuo,
dos ânimos
cruciais,
vêm à frente para sai de sua
ao espírito,
Esta conjunção
um estado
à outra dimensão
do momento
e excepcio alto, em que
a revelação. Neste em toda linha
das três novelas
sentimento
este que é um
Recomeçou
a falar mais
aflita para chegar a um ponto onde algu [p. 102]).
De fato, o momento
alto é um princípio
de economia
rativa, porque adensa e resume, mas é objeto de interesse -
serva. Trata-se p róp rio
sequioso
respeito
e pro
talvez, pelo desejo de crise, e pela esperança
coisa enfim aconteça,
ma coisa ia acontecer.
interesse
pois se
entre as in
de euforia
estética pela intensificação
depressa, aparentemente
pa
164
do processo
em que a vida exterior
e clareza se busca também
genéricos
seja
tais como a primeira vez na vés
configura
traduzir,
de que alguma
Esta tam
em seus momentos
e à intervenção.
a preferência
se poderia
realidade.
e objetiva, sob o signo de sua afinidade
nal fluidez. Chegamos
sentido,
justamente
da
uma forma
no caso não é um fato só
e se torna comensurável
subjetiva
além da brevidade
que é também
da própria
e o sentido
abre à compreensão
longamento
de vista da representação
lado, concisão
São momentos
aparente
tensidades
Do ponto
pela concisão,
a um aspecto
bém pode ser concisa,
indiferença parágrafo a partida
de maestria.
ela se traduz
em que as prioridades
que é a sua. pedestre,
realidade,
-
ainda a outro título, pelas surpresas
das revelações
que domínio
e maestria
uma v ez v enc id a a resistênc ia
nar de um
que re
têm a seu
que e nfren ta va m. 165
o
instante do triunfo traz algo como a positivação da liberdade, cujos movimentos são objeto, da parte do autor, de uma cur iosi dade de natu ralista. A p aisag em qu e se d escortina dos mo men tos de auge, em que se demora a atenção de Paulo Emílio, é de outro planeta. De um planeta inter ior, tornado exter ior: a liber
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cam para trás, e com el es a id entidad e e o trav ejament o burguês da vida. Reina um desapego muito particular, que é talvez o obje tivo verd ad eiro do l ivro , e q ue leva o espírito pelos caminho s de uma ordem de coisas dif erente. Assim quando o narrador desco bre o diário azul de sua mulher, em que é tratado de corno. Por
83/90
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dade tem necessidades e r itmos próprios, e é um pedaço de natu erro de cálcul o, a esposa acabava de se matar. Prossegu indo na reza como outro qualqu er. Assim, o int eresse supremo doSCHWARZ, l ivro R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om l ei tura, o narrado r se dá con ta d e qu e o outro diário d e Hermen est á na son dagem e no esclareciment o do curso do int eresse ele garda, o roxo, que furtivamente ele também tinha lido e cujos própr io, sobretudo em seus momentos supremos, sobre os quais sentimentos nobres o tinham abalado até as lágrimas, havia sido as observações e r eflexões originais são muitas e de grande f orça escri to e p ost o ao seu alcance com esta precisa i ntenção. Como po ética. Result a um cl ima um pou co auti st a, d e intimidade com reage a revelações tão extraordinárias? Não se afoba. Com sangue o desejo - que se encontra consigo mesmo -, cuja intensidade frio l ê quase duzent as pági nas de l etra miú da, não deix a passar é extraor dinária. A sur presa está sobretudo no caráter impesso l uma palavra mal escrita, f ica sabendo de uma prodigiosa quanti que passado certo ponto o interesse e o próprio autismo assumem, dade de coisas, desenvolve um método científico para identificar paradoxo que é uma das revelações da ficção de Paulo Emílio. as pessoas que o diário indica pelas iniciais ou por abr eviaturas,
Não faltam exemplos, vejamos alguns. po r acaso Helena
afasta- se dos negócios, leva uma vida de monge, sempre r elendo
e o rapaz de quem o marido a havia aproximado a fim de terem
o mesmo caderno, e pod e diz er q ue er fe liz isto até o momento
um f ilho. Sempre obediente ao esposo, que acumulara remorsos
em que se dá conta deveras da morte da mulher que era o seu
a pont o de não ter fo rças p ara uma confi ssão, a moça, ago ra uma
torment o, qu an do en tão o universo vira pó. A seqüência é con
senhora, se dispõe a contar tu do em seu lug ar. O narrador, q ue é o antigo rapaz, e que acumulara também ele decênios de arre
vincente e de grande beleza, mas não é fácil dizer por quê, e em
pendimento,
ção, o desejo de saber , o espírito científico, o sangue- fr io, a f eli
Vint e e cin co an os depoi s, encontram-se
apresta-se a ouvir.
todo caso a lógica de seu encadeamento
é incomum. A satisfa
cid ade, nada est á ond e se imagi na, tudo está onde ni nguém di z, Todosmeus sentimentos anteriores tinham sido substituídos por tal curiosidade em estado puro que apagou momentaneamente a
além d e não se combinarem conforme o esperado. Um en cami
própria identidade de Helena. Penso que o mesmo sucedeu com ela: logo depois de ter começado a falar,minha personalidade se
jovem esposa querendo o desquite conta ao marido avançado em
dissipou apesar de seus olhos não se despegarem do meu rosto.
lhado e i nsultuo so , e o marido o seg ue com atenção mais e mai s
[p.20]
nh amento semelhan te encontra-se na tercei ra no vela, em que a ano s qu anto o havi a enganad o. O relato é crescen temente
iluminada. Não do ponto de vista de seus inter esses práticos evi dentes, de r eputação, propriedade,
Al cançado u m certo p onto crí tico da at en ção, q uem vê, es cuta e ent en de j á não é u ma pessoa. Os in teresses in divid uais fi -
deta
separação etc. Meu silêncio
não era apenas político: estava prodigiosamente enr edo e ansioso para que continuasse
interessado pelo
p. 102). O movimento
166 167
conclui dez páginas adiante: O resultado da explosão f oi literal
detesta gatos, tem horr or à promiscuidade
mente um ataque de riso que me estendeu de comprido na pol
ta o prenome que tem, é capaz de qualquer coisa para que não o
trona, sacudido por inter mináveis gargalhadas que ameaçar am
pron unciem, e o seu ho bby é a arte mi litar. A man ia d e Hermen
me sufocar, choran do de al egri a at é o limite da convu lsão p. 114). Este não é o senhor educado , ab astad o, casad o com a di s
garda é abreviar o n ome dos outros e ouvir i nteiro o seu própri o,
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na piscina, não supor
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creta funcionária de sua firma, que julgávamos ter diante de nós.
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pirado. A sua aversão a banhos é constrangedora, a irregularida R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om Aliás, se fizermos alguns cálculos, teremos mais revelações SCHWARZ, a seu de em seus papéis de desquitada casada a irrita muito etc. De respeito. Quand o conhece a auxili ar de escri tóri o de dezesseis anos que aos trinta viria a ser a sua esposa, o narrado r tinha de ter por força mais de cinqüenta, pois lembra que ela podia ser a sua neta. Nos cator ze que passaram entre os dezesseis e os trinta da jov em, mais os an os entre o casament o e a presen te crise con jugal, que termina com um soco na cara e a descoberta do amor aut êntico, o herói terá passad o dos set en ta. São cálcul os fácei s, mas é preciso f azê-I os para se dar conta dos aspectos mais puxa d os da si tuação, encobertos pela d istinção d a prosa. Por outro lado , quem o s faz t oma distância da cen a i mediat a e ascende ao campo das r eservas mentais, entre sabedores, onde domina a in teligência, posição sempre buscada nestas novelas. claro que a revelação mais int eressan te no caso não são os an os d o dr. Poly do ro, mas o p razer maldoso que prop orcio nam
os exercícios de
aritmét ica a respei to da i dade d e u ns e o utro s. A superi ori dade devistas e de cer ta forma a spiritu liz ção
que acompanham estes
mesma ordem que a cur iosidade, a impaciência, o sangue- frio, a amp litud e d e vistas ou a con cen tração, a man ia rep resenta u ma elevação da intensidade
mental, ainda que desviada, e é a este
tít ulo que se i ntegra n o espírito geral d o livro. O aspecto crítico de sua preeminência é evidente: a intensidade pessoal já não en contra campo nos domínios da normalidade
burguesa e busca
refúgio em manias. Estas são um r esto caricato mas autêntico da necessidade interior, e há mais valor nelas que nas f inalidades da vida corrente, cujo esvaziamento histórico é total. Todavia é pre ci so especificar a crítica de que se trat a aqu i. Para ter u ma i déia do ponto no espectr o ideológico em que esta prosa sesitua, diga mos que ela não tenta provar o que para ela é óbvio, a nulidade da vida burguesa. Dada esta por assente, o que procura é menos, é encontrar algo vivo. Mas não setrata também do elogio sem re servas d a V ida, p ois o an acroni smo
d as sit uações não é jamais
cálculos não são sem gozo, nem são vizinhas da caridade. Pdr ou
omitido. A existência de intensidade não abre per spectivas nem
tro lado, é v erdade tamb ém que o s enigmas n uméricos p ropo s
justifica coisa alguma, e todavia consola. Por outro lado, bastan
tos p el o autor n ão dão certo , o qu e talvez não tenh a sido descu i do seu, e d e todo mod o acrescent a uma dimen são apalhaçada ao exercício da superioridade intelectual.
do -se com tão pouco , o crit ério de Paul o Emí lio é subv ersivo. Se o valor está n a int ensidade e n o movimento, pode não estar on de a hierarquia social ou moral o põem, e sobretudo estar á onde nun ca estas o admitiriam. A conseqüên cia mai s pal pável é u ma ex traord inári a
Nas três histórias a presença de birras e manias é grande. Sob retud o na seg unda, a estrid ência d elas é ex trema. O marid o 168
i mparcialidade.
A pro sa toma o part ido do movi
mento, e não da estabilidade e da pessoa, o que traduz o desejo de sai r do lugar a qualq uer preço e leva não se sabe aonde. 169
o melhor
documento desta imparcialidade está na simpatia
seus conhecimentos de encadernadora, dar uma explicação men
das três novelas por desígnios, simpatia ostensivamente sem pre
tiro sa mas sem desaire ao pouco sucesso de seu patrão na noit e
venções. Assim, acompanhamos com interesse o professor que no
de núp ci as. A o passo que na segu nda hi stó ria vimos que o mari
dia certo do mês atrai um jovem amigo para junto da esposa, a
do estuda os clássicos d a guerra com vistas à esposa, que por sua
fi m de conseguir um fil ho por esta via; ou o mari do que se orien
vez melhora de redação e cali grafi a a fi m de eng an á -10. Em su
http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
85/90
de Napoleão, Rommel e Patton na
ma, ainda dentro da falta de sentido gener alizada a poesia da ação
guerra que move à mulher e à família par a que saiam de casa; ou
e da razão se faz sentir aos olhos de um homem imparcial, que
Hermengarda que não mede esforços na composição d e um diá rio cal cu lado para comover o esposo e voltar a dominá-lo , e que
retira daí uma posição inexpugnável par a a sua alegr ia. O par tido do movimento e da intensidade, sem consideração de suas fi
p ara fortalecer o lance finge até um suicíd io, que por uma falta
nalidades, é um momento da crise da ideologia contemporânea,
d e sorte é coro ad o de êxito; ou a secretária que apela para a ciên
e v eremos qu e ele é figurad o crit icamente novelas.
ta pelos escritos militares 5/23/2018
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
cia médica para r ef azer a vir gindade e casar com o seu chefe ido so, cuj a fraca perfo rmance
n o desfecho das três
a obriga a vol tar ao mesmo médico
para desfazer o que havia refeito etc. São situações caducas
a
primeir a história não é cômica por natur eza, mas é tratada neste
Passando ao plano da composição, considere-se q ue uma
em
coisa é o ponto alto da frase, outra é o ponto alto da vida. Este
especulações numerológicas . No entanto, sem abater nada de seu ridículo, o autor valor iza nelas a firmeza de propósito e a dispo
faz parte de um conjunto naturalmente hierarquizado. Ora, a prosa d e uni dades int ensas e auto-suficientes é um pri ncípio
sição de usar o s meios ap ropriados, além de seu i nteresse p rag
anti-hierárquico.
mático elementar : questões de guerra conjugal, de paternidade
dimensão p ropriamente
trocad a, d e muita diferença de id ad e entre o s cô njuges etc., têm
dem destacar todos os momentos
uma oportunidade
extraliterária que dispensa comentários. Nes
uns poucos. E de fat o, a composição das nov el as apresenta di fi
te espírito, a nar rativa não recua diante de questões práticas, que
culdades, pois os seus passos decisivos não se erguem acima dos
usu al mente
não são mat éria de literat ura, p ois parecem pouco
outros, cuja intensidade também é grande. Ver emos adiante que
poéticas. E tem razão de n ão recuar, pois como sabem os mate
este nivelamento se justifica pela natur eza das questões em jogo,
r ialistas as condições de r ealização de um projeto não lhe são in teriores, e a resposta a questões íntimas pode ser técnica. Assim,
que têm a forma da opção existencial, hierarquizadora por exce lência, mas são caducas pelo fundo. O curioso é que se trata de
p ara terem um fil ho o p rofessor e sua esposa v ão ao cinema a fim
um nivelamento par a cima, em que a multiplicação moder na das
de estudar o compor tamento
das vedetes americanas pelas quais
explicações desacredita a singularidade e a dramaticidade do pon
o seu jovem amigo tinha um fraco. Outro exemplo, na terceira
to alto, que não perde em dinamismo, mas ganha em ridículo, e
novela há uma súb ita di gressão sob re o endurecimen to
dos per
naturalmente se achata. Manias e maluquices não têm menos ló
que permite à h eroína, apoiada em
g ica do que as opções centrais, a cujo to m no bre aspiram. Est as
espíri to, p ois os cálculos do professor têm o seu fundamento
gami nhos
d o século
XVIII,
170
Daí o seu brilho, e sua pouca afi nidade com a arqui tetônica
d a narrativa: não se p o
e ao mesmo tempo destacar
171
por sua vez assimilam o timbre daquelas. Explicações e iniciativas
narrativa distancia o movimento do mundo e o subor dina à lin
triunfam sobre obediência e cegueira, com o quer a ufklarung e
guagem e ao ritmo do desej o, que por sua vez são par te objetiva
estabelecem a confusão e a tolice. A intensidade e a compreensão
do ritmo geral. Aliás, as afinidades que Paulo Em ílio sugere por
estão em toda parte, o sentido em nenhuma, e não sejustificam as
este ângulo são inesperadas e de uma extraordinária felicidade.
grandes linhas de uma construção. Entretanto, todas as três nove
O espaço autista da literat ur a confessional é parte impor
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las são fortem ente construídas, sem pre em busca de m om entos
tante das três novelas a este título, por conta de seus ritmos de
máximos, que é onde talvez elas sejam mais vulneráveis.
onipotência e impunidade
SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
(os cadernos de Ermengarda, os car
A despeito da m uita ironia, o recurso ao suspense como ele mento de estrutura é uma solução de facilidade, e é por este lado
nês de Ela etc.) . Idem para a reconsideração da vida em condi ções de visibilidade excepcional (seja porque o diário da falecida
que o livro confina com o simples divertimento.
não ment e, seja porque a mulher do professor é veraz, ainda que
Com efeito, o
plano das três novelas baseia-se na revisão de um acontecimento à l uz de uma revelação ulter ior que modifica t udo ( reprise aliás
que está no título das peças: Duas vezes com Helena :
Ermen
garda com H : Duas vezes Ela ). Na primeira novela o adultério dos 25 anos é revisto aos cinqüenta, m as acrescentado de um ele m ento novo: atrás do encontro com Helena havia estado a inten ção do m arido. Na segunda, a vida é reconsiderada à luz das re velações comoventes do diário r oxo, as quais por sua vez serão revistas à luz das revelações acabrunhantes do diário azul. Na ter ceira, finalmente, a fase feliz do matrimônio, registrada no primei ro caderno, é retom ada à luz de sua faseturbulenta, registrada no segundo. A ef icácia do recurso é tão segura quanto é certo o i n
por obediência ao m arido, seja porque a ex-secretária e atual es posa está exasperada e i nt eressada em romper ), condições que trazem à tona o elemento de excitação e liberação próprio
ao
conhecimento. E a pr ópria busca do momento alto da frase e da ação, tão li ter ári a em aparência, tem a ver com um sonho de im pério, algo como planar na crista da onda, com o corresponden te momento de auto-revelação.* Conjugada à forma dom inante nas três novelas, que a idéia de reprise em nova luz talvez resuma, corre uma linha melódica.
Ver desta perspec tiva o tre cho seguinte: Vi que a pausa e ra definitiva, e la não
tinha mais nada a a cresce ntar. S eguira o relato c om a maior a te nç ão sem me dis
teresse de uma tal viravolta. Mas é também um pouco fácil, pois
tra ir uma sóve z, o que ressa lta na fidelidade c om que a ca bo de reproduzi-Io uma
no que di z r espeito à complexidade, está aquém da t ensão pro
s em an a d ep oi s. M eu s s en ti men to s f or am v ar iad os m as p red om in ou
duzida na prosa, a qual fica sem ressonância última.
Era a prime ira vez que ouvia uma c onfissão tão e spontâ ne a, a lé m de formula da
Por outr o lado, os pontos de contato entr e suspense, prosa e assunto são também muitos e sugestivos, o que recupera o pri
poucos policiais estrangeiros, não acredito que osbrasileiros consigam confissões assim. Quando não tocam nos confessos potenciais, por definição inconfidentes,
meiro em vári os aspectos. De fato, o suspense é um elemento de
s ó o uv em m en ti ra s. S e u sa m o ut ro s m ét od os , a s v er da des q ue ar ra nca m a al ic a
intensidade e revelação, da ordem justam ente das questões que o livro aprofunda. Sendo uma dimensão mental dos acontecimen
te, junta me nte c om a s unhas do interlocutor, são a pe na s fra ngalhos de verda de
a em oç ão .
c om a lgum talento. Essa e xperiê nc ia deve ser trivial a os padre s, a na listas e uns
q ue p er ten cem a u m c or po e a u m es pír it o a mo rt ec id os . O uv ir , p or ém , a co nf is são de uma boc a e de uma a lma palpita ntes de a mbigüida de , e is a íuma e xperiê n
tos, ele se integr a bem com a séri e de enigmas, lapsos, trocadi
c ia q ue p od e t er s e t or na do co rr iq uei ra p ar a o s co nf id en tes p ro fi ss io na is , m as
lhos, jogos tipográficos e cálculos num éricos através dos quais a
p ar a u m am ad or c om o eu é ca paz d e a l ter ar a v id a ( pp . 1 09 -1 0) .
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Esquematizando, seria a seguinte. De início, a versão dos fatos do
t o da intr iga e que pelo contrário o contesta. Sem que o ano este
narrador . Em seguida, a revelação de que el e fora enganado por
ja mencionado, a atualidade do l ivr o está em torno de 1970: 25
completo, revelação que vem pelo prisma da m ulher. Esta nova é
anos depoi s do término da Segunda Guerra Mundial, quando os
acolhida com inesperado entusiasm o, pois livra a personagem http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos m asculina do constrangim ento
e da culpabilidade que acompa
cinqüentões têm Hitler e Mussolini com o referências juvenis, quando os costum es sexuais estão m udados, quando opositores
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nhavam a sua versão dos fatos. As maquinações em que o narra 5/23/2018
do regime assaltam bancos e quartéis e aparecem nos cartazes dos dor foi enrolado despertam nele um interesse extraordinário e lhe R. O Pa i de Fa mília e Outros SCHWARZ, Estudos - slide pdf.c om procurados pela polícia, quando a Ciência Nupcial, a Lingüística devolvem a liberdade de agir que se perdera na rotina da opres são a que o cavalheiro submete ou julga submeter a sua dama.
e a Crítica Literária passaram por grandes transformações, quan do - isto nas três histórias - a polícia enlouquece e mata ad
Esta liberdade é um estado de grande intensificação. A persona
versários da ordem, quando a rua da Consolação já havia sido
gem retoma contato com o seu movimento profundo, e chega a
alarga da, quando as ações da Petrobras sobem, em bora corresse
uma decisão -
a qual nos trêscasos uma bobagem Noutras pa
que fossem coisa de comunistas. Estas alusões tão desiguais apa
lavras, a despeito das peripécias, revelações e da intensidade da
recem sem método, ao acaso de sua presença na cabeça do nar
conclusão, a melodi a não vai mais longe, em f im de contas, que
rador. Entretanto é claro que são indiscrições calculadas, a fim de
todo mundo. Trata-se de uma paródia da opção existencial, e a
situá-lo a ele e à sua classe social diga-se de passagem que a pre
com binação de autenticidade pessoal e tolice é um achado. Algo
sença das façanhas policiais pós-1964 sob a pluma do narrador é
com o um existencialism o paulista-tradicionalisto é, estrita em que a descoberta do sentido davida não tem mente familiar sentido, dado o esvaziam ento histórico das opções que se ofere
um modo de afirmar que as classes abastadas sabi am delas . O essencial dos tem pos vem como apoio secundário da ficção, co mo um dado de contexto. O efeito liter ário naturalmente é o in
cem. Aliás, o tema da energia e do momento alto, em contr aste
verso. São asvidas tão vivas das personagens que setransformam
com o apagado e gradual, corre paralelo às preocupações teóri
em dados da paisagem histórica. A despeito de toda a busca de
cas com a vida autêntica. Com a diferença capital de que não pos tula o indivíduo como unidade.
energia, velocidade e ação, são as suas subjetividades que se trans
O m ovim ento da intriga, que é rigoroso, pauta-se pela pas
formam em document os de uma classe que, embora estando no poder e ocupando incontrastada
toda a cena, já parece uma es
sagem do inautêntico ao autêntico. Em certa m edida, esta repre
pécie zoológica em extinção. a m elhor prosa brasileira desde
senta um conflito social, pois as suas balizas coincidem m ais ou menos com a contradição entre o indivíduo e os constrangimen
Guimarães Rosa quem o diz, e não como tese, mas por força da coerência de seu trabalho artístico.
tos que lhe pesam, no caso a ordem familiar. Entretanto, de mo do nenhum as novelas se resumem à cena pri vada a que per ten
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ce a dinâmica de sua intriga. Pelo contrário, elas estão salpicadas de indicações, que são datas históricas e sociais. Aliás, vimos que tam bém a realidade figurada na prosa não se subordina ao âmbi174
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bibliográfic 88/90
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SCHWARZ, R. O Pa i de Fa mília e Outros Estudos - slide pdf.c om
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Debate e Crítica nº 3, São
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C uidado 2617 1976
com as ideologias alienígenas . Movimento
nº 56 São Paulo
A entrevista foi conduzida por Gilberto F.Vasconcellos e Leo Wolf-
gang Maar. Revisão e autoria . Inédito. http://slide pdf.c om/re a de r/full/schwa rz -r-o-pa i-de -fa milia -e -outros-e studos
S ob re a s
Três mulheres d e três PPPês
Inédito.
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