A FÉ POSTA À PROVA (Clique em ÍNDICE ÍNDICE)) Salmo 73 Salmo de Asafe Dwight Martyn Lloyd-Jones Tradutor: Carlos Biagini
Título do original em espanhol: LA FE A PRUEBA
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones
ÍNDICE Prefácio
1. O Problema exposto 2. Buscando onde firmar-se 3. A importância de pensar espiritualmente 4. Enfrentando todos os aspectos 5. Começando a entender 6. Exame de consciência 7. Alergia espiritual 8. Todavia … 9. A perseverança dos santos até o fim 10. A Rocha da eternidade 11. Uma nova resolução
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A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones
ÍNDICE Prefácio
1. O Problema exposto 2. Buscando onde firmar-se 3. A importância de pensar espiritualmente 4. Enfrentando todos os aspectos 5. Começando a entender 6. Exame de consciência 7. Alergia espiritual 8. Todavia … 9. A perseverança dos santos até o fim 10. A Rocha da eternidade 11. Uma nova resolução
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A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones
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PREFÁCIO O Salmo 73 trata um problema que com muita frequência desconcerta e desanima o povo de Deus. É um duplo problema: Por que os justos frequentemente devem sofrer, especialmente à vista do fato de que os ímpios aparentam ser muito mais prósperos? É uma clássica declaração de como a Bíblia trata esse problema. O salmista relata sua própria experiência, expõe sua alma para que a olhemos em forma dramática, e nos guia passo a passo de um quase desesperador fim a um seguro triunfo final. É ao mesmo tempo uma grande teodicéia. Por estas razões, este Salmo foi um tema favorito de pregadores, de líderes espirituais e de conselheiros. conselheiros. A preparação e a pregação de mensagens, expondo este rico ensino, foi para mim um trabalho de amor e verdadeira satisfação. O sermão intitulado "Contudo" nesta série foi usado por Deus para trazer alívio imediato e grande alegria a um homem que sofria uma profunda agonia de espírito e estava à beira da desespero. Viajou uns 9.000 quilômetros e chegou a Londres só no dia anterior à mensagem. Convenceu-se, e até o dia de hoje está seguro que Deus em Sua infinita graça o trouxe de tão longa distância para escutar esse sermão. Espero que tal capítulo e outros provem ser uma "porta de esperança" para muitos outros cujos pés "quase resvalaram" e cujos passos "por pouco escorregaram".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO I
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O PROBLEMA EXPOSTO Vv. 1-2: Com efeito, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo. Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. O grande valor do livro dos Salmos é que ali se narram as experiências e conflitos espirituais de homens santos. Através dos séculos o livro dos Salmos teve valor inapreciável para o povo de Deus. Vez após vez lhes proveu da consolação e ensino que necessitavam, e que não podiam encontrar em nenhuma outra parte. E se especularmos um pouco, bem poderia dizer-se que em certa medida, o Espírito Santo guiou a Igreja primitiva a adotar o Antigo Testamento por esta razão. O que encontramos na Bíblia, do começo até o fim, é o relato dos procedimentos de Deus com Seu povo. Ele é o mesmo Deus no Antigo Testamento que no Novo, sendo estes homens cidadãos do Reino de Deus como nós o somos. Fomos trasladados a um Reino ao qual já pertencem pessoas como Abraão, Isaque e Jacó. O mistério de Deus revelado aos apóstolos consistiu em que os gentios fossem feitos concidadãos e co-herdeiros com os judeus. Podemos afirmar, então, que as experiências destes homens são paralelas às nossas. O fato de que tenham vivido na antiga dispensação não faz diferença alguma. Está errado o cristianismo que rechaça o Antigo Testamento, e mais ainda pensar que nós somos em essência diferentes destes santos do Antigo Testamento. Se estamos tentados a pensar assim, leiamos o livro dos Salmos e logo nos examinemos honestamente e comparemos nossas experiências com as do salmista. Podemos dizer: "Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me acolherá"? Podemos dizer: "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma"?
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 5 Leiamos os Salmos e as declarações feitas neles e nos daremos conta que estes homens eram filhos de Deus. Ricos em experiências espirituais. Por esta razão, foi a prática de homens e mulheres da Igreja Cristã ir ao livro dos Salmos para encontrar ali luz, conhecimento e instrução. Seu valor reside em seus ensinos, que consistem principalmente em narrações de experiências. Encontramos os mesmos ensinos no Novo Testamento, somente que ali estão em forma mais didática. Nos Salmos estão reduzidas ao nosso nível prático e normal. Todos estamos conscientes do valor que isto representa. Há momentos em que a alma está cansada e incapaz de receber uma instrução mais direta; a prova é muito grande, nossa mente está tão cansada e nosso coração tão dolorido, que não podemos fazer o esforço em nos concentrar em princípios, e olhar às coisas objetivamente. É em tais circunstâncias particularmente, quando pessoas abatidas pelos golpes da vida, podem ir aos Salmos e encontrar neles a verdade em forma mais pessoal. Leem as experiências destes homens e observam que eles também sofreram provas semelhantes. De algum modo, este fato em si os ajuda e fortifica. Sentem que não estão sós e que as provas pelas quais estão passando, não são excepcionais. Então compreendem a verdade das palavras consoladoras de Paulo os Coríntios: "Não vos sobreveio nenhuma tentação que não seja comum aos homens...", e ao notar isso os ajuda a cobrar coragem e ser renovadas em sua fé. O livro dos Salmos é de inestimável valor neste aspecto e muitos recorrem constantemente ao mesmo. Há vários aspectos dos Salmos que nos poderiam interessar. O que queria mencionar em especial é a notória honestidade com que estes homens dizem a verdade a respeito de si mesmos. Um exemplo clássico é o do Salmo 73. Abertamente admite que quase se apartaram seus passos, e que pouco faltou para que escorregassem seus pés, e logo segue dizendo que era como um animal por sua estupidez. Que honestidade! Este é o grande valor dos Salmos. Não acho nada mais desalentador na vida espiritual que me encontrar com aqueles que dão a impressão de viver sempre no topo da montanha. Certamente não encontramos isto na
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 6 Bíblia. A Bíblia nos ensina que estes homens sabiam o que era estar abatidos e em graves problemas. Muitos santos, em suas peregrinações por esta terra, deram graças a Deus pela honestidade dos que escreveram os Salmos. Estes escreveram um ensino utópico, que não tenha sido uma realidade em sua vida. As doutrinas perfeccionistas jamais são verdadeiras. Não ocorrem na vida dos que as ensinam pois eles também são criaturas falíveis como todos nós. Proclamam as teorias de suas doutrinas, porém não são realidade em suas experiências. Graças a Deus que os salmistas não fazem isto. Dizem-nos a pura verdade a respeito de si mesmos: dizem-nos a verdade a respeito do que lhes sucedeu. Não o fazem para exibir-se. A confissão de pecados pode em alguns casos ser uma forma de exibicionismo. Há certas pessoas que estão dispostas a confessar seus pecados sempre e quando puderem falar de si mesmos. É um perigo muito sutil. O salmista não faz isto; conta-nos a verdade a respeito de si mesmo só para glorificar a Deus. Sua honestidade está guiada por este princípio, porque ao mostrar o contraste entre ele e Deus, ministra para a glória de Deus. Isto é justamente o que o salmista faz aqui. Notemos que começa o Salmo com uma nota triunfante: "Com efeito, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo". É como se dissesse: "Vou lhes contar uma história, vou lhes contar o que me aconteceu, mas quero deixar algo bem claro: a bondade de Deus". Isto é mais claro se usarmos uma melhor tradução: "Deus é sempre bom para com Israel, para com os limpos de coração". Deus nunca varia, não tem limitações nem requisitos. "Esta é minha declaração", diz o salmista, "Deus é sempre bom para com Israel". A maioria dos Salmos começam com esta grandiosa adoração e ação de graças. Agora, como tenho dito com frequência, os Salmos geralmente começam com uma conclusão. Isto é aparentemente paradoxal, mas não estou procurando ser paradoxal: é a verdade. Este homem teve uma experiência, e chegou a uma conclusão. O interessante é precisamente esta conclusão, e portanto começa com o final; logo descreve como
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 7 chegou a essa conclusão. Esta é uma boa forma de ensinar, e é o método dos Salmos. O valor da experiência é que constitui uma ilustração desta verdade. A experiência por si só não tem valor, e o salmista não tem interesse em nos contar isso apenas por relatar. Seu valor reside em nos ilustrar a grande verdade a respeito de Deus. O que temos que compreender em primeiro lugar é que Deus é sempre bom para com o Seu povo, para com aqueles de coração limpo. Esta é a declaração; mas o que nos há de ocupar no estudo deste Salmo é o método como chegou o salmista a esta conclusão. O que nos quer dizer pode resumir-se assim: começou sua experiência cristã com esta afirmação, logo se desencaminhou para depois retornar. O grande valor dos Salmos está na análise destas experiências. Todos conhecemos algo destas experiências: começamos bem, logo algo vai mal, e parecesse que perdemos tudo. O problema reside em como retornar. O que este homem faz é nos mostrar como voltar para o lugar em que a alma encontra sua real estabilidade. Este Salmo é uma das tantas ilustrações. Outros expressam o mesmo. Tomemos por exemplo o Salmo 43, onde encontramos o salmista numa condição similar. Dirige-se a si mesmo e diz: "Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?" Fala consigo mesmo; dirige-se à sua própria alma. Exatamente assim procede o do Salmo 73, somente que o elabora aqui numa maneira muito direta. O salmista nos conta a respeito de uma experiência especial que teve. Conta-nos que foi muito sacudido, e que quase caiu. Qual foi a causa? Simplesmente que não havia entendido o propósito de Deus para com ele. Foi consciente de um fato doloroso. Estava vivendo uma vida santa, mantendo limpo seu coração e lavado suas mãos em inocência. Em outras palavras estava vivendo piamente. Evitava o pecado, meditava nas coisas de Deus, ocupando seu tempo em oração; examinava-se a si mesmo, e quando descobria seu pecado o confessava a Deus em penitência, buscando seu perdão e renovação. Em outras palavras, poderia dizer-se que praticava uma vida que agradava a Deus,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 8 renunciando a este mundo e sua corrupção; separava-se dos caminhos ímpios e se dedicava a viver uma vida santa. Entretanto, embora fizesse tudo isto, experimentava sérios problemas, porque diz: "de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado" (Sl. 73:14). Realmente estava passando por um mau momento. Não nos conta exatamente o que lhe sucedia; não se sabe se era uma enfermidade, uma doença ou problemas em sua família. O que quer que seja, era penoso, e sofria bastante na prova. Ao que parece tudo ia mal e nada bem. Já por si só isto era mau, mas não era o que principalmente lhe preocupava e entristecia. Sua preocupação era que, ao fixar-se nos ímpios, via um marcado contraste. "Todos sabemos que estes homens são ímpios", diz, "todos veem que são ímpios. Mas prosperam no mundo, aumentam suas riquezas", porque "não têm angústias como sua morte, pois seu vigor está inteiro. Não passam trabalhos como os outros mortais, nem são açoitados como os outros homens". Descreve a arrogância deles, seu engano e sua blasfêmia. Esta descrição, é uma perfeita peça literária do homem próspero deste mundo. Inclusive descreve sua postura, sua aparência arrogante, seus olhos que saltam de gordura, e seu orgulho que lhe rodeia como uma cadeia. "Cobrem-se com vestido de violência", diz, "obtêm com acréscimo os desejos do coração, falam com altivez". Que descrição perfeita! Isto não só foi verdade dos homens que viviam naquela época, mas também dos que vivem atualmente. Fazem declarações blasfemas a respeito de Deus. Dizem: "Como sabe Deus? E há conhecimento no Altíssimo?" você fala de seu Deus; nós não cremos em seu Deus, e entretanto, olhe para nós. Em nada vai mal. Quanto a você? Você que é tão religioso, olhe as coisas que lhe estão sucedendo! Esta foi a causa da angústia que sobreveio ao salmista. Cria que Deus é santo, justo e verdadeiro, que intervém a favor de Seu povo e os rodeia com amoroso cuidado e grandes promessas. Seu problema era reconciliar isto com o que lhe estava sucedendo, e mais ainda, com o que estava sucedendo aos ímpios.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 9 Este Salmo é um pronunciamento clássico deste típico problema: os procedimentos de Deus com o homem, e especialmente com Seu povo. Isto é o que o tinha confundido ao contrastar sua sorte com a dos ímpios. E nos relata sua reação perante tudo isto. Contentemo-nos por agora em deduzir de tudo isto, algumas lições gerais mas importantes. O primeiro comentário que devemos fazer é que a perplexidade perante uma situação assim não nos deve surpreender. Diria que isto é fundamental, pois estamos procurando conhecer os caminhos do Deus Todo-poderoso, quem nos disse repetidamente em Seu livro: "Porque meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem meus caminhos os vossos caminhos". Boa parte de nossos problemas provêm de não saber que temos que partir desta base. Muitos de nós passamos por dificuldades precisamente por não saber que estamos tratando com a mente de Deus, e que a mesma não é como a nossa. Desejamos que tudo nesta vida seja simples e fácil e que não existam problemas nem dificuldades. Mas se há algo que a Bíblia nos ensina acima de todas as coisas é que este não é o caso. Os caminhos de Deus são inescrutáveis; Sua mente é infinita e eterna, e Seus propósitos são tão grandes que nossas mentes pecaminosas não os podem entender. Portanto, quando tal Ser trata conosco, não deveriam nos surpreender as coisas que às vezes nos confundem. Temos a tendência de pensar que, como filhos de Deus, Ele nos tem que abençoar constantemente e nunca deve nos castigar. Quantas vezes pensamos assim! Por que Deus permite a existência de certos governos tiranos, e mais ainda quando são totalmente pagãos? Por que Deus não os castiga, e abençoa somente a Seu povo? Esta é nossa maneira de pensar, mas baseada numa falácia. A mente de Deus é eterna, e Seus caminhos são tão imensamente superiores aos nossos, que temos que começar a pensar que nem sempre entendemos imediatamente o que Ele faz. Se, pelo contrário, começamos crendo que tudo deveria ser claro e singelo, encontrar-nos-emos na mesma situação que este homem. Não é de surpreender que ao olhar a mente do Eterno Deus, há momentos em
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 10 que recebemos a impressão que as coisas sucedem na forma oposta a que pensamos deveria ser. Permita-se que eu agora expresse um segundo comentário. Estar perplexo nesta situação não é surpreendente, e ainda mais, desejo enfatizar que estar perplexo não é tampouco pecaminoso. Isto é algo que deveria nos reconfortar. Há muitos que dão a impressão que para eles os caminhos de Deus são sempre claros e fáceis. Parece que sempre raciocinam assim; sempre se sentem felizes e veem tudo cor-de-rosa. A única coisa que posso dizer a isto é que estas pessoas são superiores ao apóstolo Paulo, pois ele nos diz em 2 Coríntios 4, que "estava aflito em tudo, mas não angustiado...". Desesperar-se está mal, mas estar aflito, não. Convém esclarecer estas duas situações. O fato de estar confundido por uma prova, não nos torna culpados de pecado. Estamos nas mãos de Deus, e entretanto algo desagradável nos está sucedendo e dizemos: "não entendo". Não há nada mau nisso: "confundido, porém não desesperado". O estar perplexo não é pecado porque nossas mentes não só são finitas, mas também, além disso, estão debilitadas pelo pecado. Não vemos as coisas claramente; não sabemos o que é o melhor para nós; não divisamos o futuro, e por isso, naturalmente, estamos perplexos. Mas temos que entender que, apesar do fato de que a perplexidade não é pecado, permanecer neste estado de confusão dá lugar à tentação. Esta é a verdadeira mensagem do Salmo que nos ocupa. Até certo ponto se entende que possamos estar perplexos, mas permanecer confundidos é convidar à tentação. Sem que percebamos a tentação entra. Foi isto precisamente o que sucedeu ao salmista. Isto nos traz para o que o salmista nos diz sobre o caráter da tentação, e quão importante é poder reconhecê-la. A tentação pode ser tão grande que sacode até o homem mais santo e forte e o derruba. Como diz o salmista: " Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés". Mas nós raciocinamos e dizemos: "Isto ocorreu no Antigo Testamento, e o Espírito Santo ainda não tinha vindo! Estamos na era cristã, enquanto que este homem viveu em outra época". O apóstolo
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 11 Paulo o expressa assim em 1 Cor. 10:13 - "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia". Para dizer isto, o apóstolo tinha tomado exemplos do Antigo Testamento e no caso de algum destes coríntios, sentindo-se superiores, dissessem: "recebemos o Espírito Santo, não somos assim", Paulo diz: "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia". O homem que não descobriu o poder da tentação pode ser objeto dos maiores ataques. As tentações podem vir com diversos graus de poder e força. A Bíblia nos ensina que a mesma pode açoitar o mais espiritual como um violento furacão, varrendo tudo, com tal força que até um homem de Deus pode ser quase dominado. Tal é o poder da tentação! Mas usarei novamente as palavras do apóstolo: "Tomai toda a armadura de Deus", pois nos é necessário tomá-la toda. Se queremos resistir no dia mau, e estar firmes, temos que nos vestir de toda a armadura de Deus. A força do inimigo só é superada pelo poder de Deus. Satanás é mais poderoso que qualquer ser humano, e os santos do Antigo Testamento foram abatidos por ele. Ele tentou e provou o Senhor Jesus até o fim. Nosso Senhor o venceu, e Ele é o único que triunfou sobre o inimigo. Leiamos novamente este Salmo e nos daremos conta que a tentação sobreveio a esse homem quando menos a esperava. Veio-lhe como resultado do que lhe estava ocorrendo, e pelo contraste entre sua prova e a aparente vida feliz que os ímpios estavam desfrutando. O seguinte ponto que temos que considerar quanto à tentação é a cegueira que produz. O estranho da tentação é que sob seu poder nos induz a fazer coisas que normalmente não faríamos. O salmista o expressa desta maneira e o faz com sarcasmo em risco próprio. Olhe o terceiro versículo: "Pois eu invejava os arrogantes" (Sl. 73:3). Invejou os ímpios. Parecesse dizer-nos: "Custa-me expressá-lo, e me dá vergonha admiti-lo, mas eu, que fui tão abençoado por Deus, por um momento tive inveja destes ímpios". Só a cegueira da tentação pode explicar isto. Vem com tanta força que perdemos o equilíbrio e não podemos pensar com lucidez.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 12 Não há nada que seja de importância tão vital em nossa luta espiritual que saber que enfrentaremos tal poder, e que portanto, não podemos nos descuidar um só momento. Isto é tão sutil que só nos deixa ver o que interessa ao diabo e esquecemos tudo o mais. Esta é a cegueira que produz a tentação. Ao mesmo tempo, não devemos esquecer as sutilezas de Satanás. Ele se apresenta como um amigo. É evidente que se apresentou assim ao salmista. Disse-lhe: "Não te parece que em vão limpaste teu coração, e lavaste as tuas mãos em inocência? Isto é o que estiveste fazendo", diz o diabo. "Pareceria que estás passando teu tempo em renúncia e oração. Realmente algo está mal em teu enfoque. Crês no evangelho, mas olhe o que te está ocorrendo! Por que estás passando por estas provas tão duras? Por que um Deus de amor te trata assim? É esta a vida que estás defendendo? Amigo", diz, "estás cometendo um erro; estás-te fazendo um dano tremendo; não é justo para contigo". Ó, a terrível sutileza de tudo isto! Entretanto, a tentação pareceria apresentar o caso com lógica. É que aparece com um efeito deslumbrante, que aparentemente o mostra como inocente e razoável. "Afinal de contas", raciocina o salmista, "estou vivendo uma vida santa, e me sucede isto. Aqueles homens blasfemam de Deus, em sua altivez dizem coisas que não se devem dizer, nem mesmo pensar. Entretanto, prosperam, vai bem com seus filhos, e têm mais do que o coração possa desejar. Enquanto isso, aqui estou sofrendo exatamente o contrário, só posso chegar a uma conclusão". Vendo isso de um ponto de vista humano, este caso parece não ter solução. Esta é a característica da tentação. Ninguém cairia na tentação se não atuasse assim. É tão plausível, poderosa, forte, lógica e aparentemente irrefutável. Sabemos muito bem que não estou falando teoricamente. Todos sabemos algo disto, e se não o sabemos, não somos cristãos. O povo de Deus está submetido a isto, e porque é de Deus, o inimigo o usa como objetivo para abatê-lo.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 13 Chegando a este ponto, enfatizo novamente que ser tentado desta maneira, não é pecado. Este ponto deve ser-nos bem esclarecido. Que estes pensamentos se pressentem e insinuem em nossas mentes não nos torna culpados de pecado. Novamente encontramos um ponto que é fundamental em nossa luta espiritual. Devemos conhecer a diferença entre ser tentados e pecar. Não podemos controlar os pensamentos que o diabo põe em nossa mente. Ele os coloca ali. Paulo fala dos "dardos inflamados do maligno". Isto é o que estava sucedendo com o salmista. O diabo os estava arrojando, mas o simples fato de que estes vinham à sua mente não quer dizer que era culpado de pecado. O próprio Senhor Jesus Cristo foi tentado. O diabo o acossou com ideias em Sua mente mas Ele não pecou, pois as rejeitou todas. As ideias virão à nossa mente e o diabo nos fará pensar que já pecamos. Mas não são nossas ideias, são as do diabo; ele as colocou ali. Foi Billy Bray de Cornwall que em sua maneira original disse: "Não podes evitar que o corvo voe sobre tua cabeça, mas sim podes prevenir que faça um ninho em teu cabelo". E assim digo que não podemos evitar que as ideias se insinuem em nossa mente, mas o que nos devemos perguntar é: O que fazemos com elas? Falamos de pensamentos "que me passaram pela mente", mas sempre que passem, não são pecados. Convertem-se em pecados se os aceitamos e consentimos com eles. Enfatizo isto, pois constantemente tive que tratar com pessoas atormentadas pelos ímpios pensamentos que cruzaram sua mente. O que eu lhes digo é o seguinte: "Escuta o que me está dizendo. Dizes que 'o pensamento te cruzou'. Bom, se isto é certo, não pecaste. Não me disseste: 'pensei', mas sim 'cruzou-se'. Isto é correto. O diabo te pôs este ou aquele pensamento em tua mente, e por isso não és necessariamente culpado de pecado. A tentação em si não é pecado". Isto nos traz para o último ponto que é vital. É muito importante saber como agir perante a tentação, para que quando esta nos venha saibamos como encará-la. A verdade é que, em certo sentido este é o propósito do salmista. A única forma de saber que lutamos com a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 14 tentação em sua devida forma, é que cheguemos à correta conclusão final. Comecei com a mesma e finalizarei com ela. A grande mensagem deste Salmo é que se você e eu sabemos como fazer frente à tentação, poderemos torná-la numa grande fonte de vitória. Poderemos atracar, depois do processo, a uma situação muito mais forte que quando começamos. Poderemos ter estado num lugar onde nossos pés "quase resvalaram". Isto não interessa se no final temos que chegar àquela elevada meseta onde nos encontraremos face a face com Deus com uma confiança da qual carecíamos antes. Podemos utilizar o diabo e as suas maquinações, mas temos que aprender como fazê-lo. Podemos fazer com que esta prova se torne numa grande vitória, e dizer "tendo passado tudo isto, agora vejo que Deus é sempre bom. Houve um momento em que estive tentado a pensar o contrário e me dou conta que estava errado. Em toda circunstância, não interessa o que acontece comigo ou a outra pessoa, cheguei à conclusão que 'Deus é bom para com Israel'". Estamos todos dispostos a dizer isto? Poderia ser que estamos passando neste momento por uma experiência similar. As coisas vão mal e estamos passando por momentos difíceis. Golpe após golpe estão descendo sobre nós. Estivemos vivendo a vida cristã, lendo nossa Bíblia, trabalhando na vinha do Senhor, e apesar de tudo isto, as provas nos assaltam. Pareceria que todo nos fosse mal, "foste açoitado todo o dia, e castigado todas as manhãs". Uma prova segue à outra. Queria fazer uma pergunta: Poderíamos dizer perante tudo isto: "Deus é sempre bom"? Sim, até em nossas circunstâncias atuais e vendo prosperar o mau. Apesar da crueldade do inimigo ou a traição de um amigo, apesar de tudo, podemos dizer: "Deus é sempre bom", não há exceção nem condicionamento? Podemos dizê-lo? De outro modo, somos culpados de pecado. Podemos ter sido tentados a duvidar. Isto é de esperar, mas não é pecado. A pergunta que faço agora é: "estávamos capacitados a vencer a tentação? Pudemos tirar esses pensamentos de nossa mente? Fomos capazes de dizer: "Deus é sempre bom" sem reserva? Podemos dizer: "Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus", sem
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 15 duvidar? Eis aí a comprovação. Mas gostaria que nos demos conta que apesar de o salmista dizer: "Deus é bom para com Israel", não se esquece de acrescentar: "para com os de coração limpo". Devemos tomar cuidado e ser justos conosco mesmos e com Deus. As promessas de Deus são grandes e incluem tudo, mas todas têm esta condição, "... para com os de coração limpo". Em outras palavras, se você e eu pecamos contra Deus, Ele nos vai castigar, e vai ser penoso. Mas mesmo quando Ele nos castiga, é bom conosco. Pelo mesmo fato de ser bom, é que nos castiga. Se não experimentarmos o castigo de Deus, somos bastardos e não filhos, como nos lembra o autor da Epístola aos Hebreus. Lembremos, que se queremos compreender isto claramente, temos que ter corações limpos. Devemos ser verdadeiros no mais íntimo de nossos corações, e não ter pecados escondidos, porque se "... em meu coração eu tivesse contemplado a iniquidade, o Senhor não me teria ouvido". Se não eu for honesto e reto com Deus, não tenho o direito de fazer minhas nenhuma de Suas promessas. Se, pelo contrário, tenho o único desejo de estar bem com Deus, então sim, posso dizer confiantemente que "Deus é sempre bom para com Israel". Às vezes penso que a essência da vida cristã e o segredo do poder espiritual, é dar-se conta de duas coisas. Estão nos primeiros dois versos: ''Com efeito, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo. Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos". Em outras palavras, tenho que ter absoluta confiança em Deus e não em mim mesmo. Sempre que você e eu estejamos em essa posição em que adoramos e servimos a Deus no Espírito, "gloriamo-nos em Cristo Jesus, não tendo confiança na carne" (Fp. 3:3), tudo estará bem. Isto é ser um cristão verdadeiro. Por um lado, absoluta confiança em Deus, e por outro, não confiar em nós mesmos nem no que possamos fazer. E se tiver este conceito de mim mesmo, então sempre olharei a Deus. Nesta posição nunca cairei. Que Deus nos conceda a graça para aplicar alguns destes simples princípios a nossas vidas, e que quando o fizermos, lembremos que
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 16 temos o maior exemplo e ilustração de todos em nosso bendito Senhor Jesus Cristo. Vejo-o o no jardim do Getsêmani, o próprio Filho de Deus, e O escuto pronunciar estas palavras: "Pai, se for possível". Nesse momento houve perplexidade. Ele perguntou: "Não há outro caminho? É esta a única forma em que a humanidade pode ser salva?" A ideia que o pecado do mundo se interpunha entre Ele e Seu Pai o confundiu. Mas Se humilhou. A perplexidade não provocou uma queda; encomendou-se a Deus dizendo com efeito: "Os teus caminhos são sempre justos, tu és sempre bom, e quanto ao que tens que fazer comigo, sei que será bom. Seja feita a tua vontade, e não a minha".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO II
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BUSCANDO ONDE FIRMAR-SE V. 15 (RC): Se eu dissesse: Também falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos. Vimos a conclusão a que chegou o salmista, quer dizer, que Deus é bom para com Israel, para com aqueles de coração limpo, para com aqueles que desejam agradá-Lo. Voltamos a mencionar isto, para assim descobrir a maneira em que o salmista chegou a controlar-se, e eventualmente chegar a essa grande e firme fé. Ao ler os Salmos, não há nada mais proveitoso que analisá-los na forma em que nos propomos fazê-lo. A tendência comum é ler os Salmos rapidamente e nos contentar medianamente com suas conclusões generais. Há muitas pessoas que usam os Salmos como drogas. Dizem que em tempo de ansiedade ou perplexidade, encontram que é bom ler um deles. "Encontra-se tanta paz neles", dizem, "e a linguagem é tão doce"... O ler: "O Senhor é o meu pastor", parece ter um efeito psicológico geral sobre um, e nos põe num agradável estado mental e de paz no coração, de maneira que ficamos dormidos sem nos dar conta. É um bom tratamento psicológico. Há aqueles que assim usam os Salmos. Há outros que os usam como poesia. Interessa-lhes a beleza da linguagem. O livro dos Salmos contém todas estas coisas, mas me preocupa demonstrar principalmente que são uma recitação de experiências espirituais escritas para nosso proveito. Nunca encontraremos este proveito se não tomarmos o trabalho de analisá-los e observar o que é que o salmista quer nos dizer. Temos que esquecer, por um momento, a beleza da linguagem e nos concentrar com seu conteúdo. À medida que vamos fazendo, descobriremos que o autor tem um método bem definido. Neste Salmo particular, o autor não chegou a essa posição subitamente mas sim depois de várias experiências. Os passos tomados no processo são realmente interessantes, e nos será muito benéfico
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 18 descobrir quais eram os que levaram a este homem de uma posição onde "quase se resvalaram os seus pés" a uma firme condição de fé incomovível. É muito importante para nós saber que existe a disciplina na vida cristã. Não é suficiente dizer, como o fazem alguns crentes, que não importa o que nos aconteça, é só "olhar ao Senhor" já está tudo solucionado. Afirmo que isto não é verdade, e tampouco é verdade na experiência dos que o ensinam. Não é um ensino escriturístico. Se tivesse sido assim, muitas destas Escrituras estariam sobrando, não as necessitaríamos absolutamente. Se só tivermos que "olhar ao Senhor", as epístolas não teriam sido escritas, mas estão escritas, e foram escritas por homens inspirados divinamente. Por que? A resposta é que foram escritas para nossa instrução, para nos ensinar a viver, e que num sentido nos dizem que existe uma disciplina essencial na vida cristã. Uma das mais tristes facetas da vida de alguns crentes, é que perderam a visão deste aspecto da vida cristã. É especialmente certo entre evangélicos, e creio saber a razão por que. Primeiro e principalmente houve uma reação contra o ensino da Igreja Católica. O sistema da Igreja Católica enfatiza uma certa classe de disciplina. Eles possuem grande quantidade de manuais e escritos sobre o particular. A verdade é que os mais famosos instrutores nisto foram Católicos Romanos, como por exemplo, São Bernardo do Clairvaux, ou o bem conhecido Fénélon, cujos escritos foram muito populares em certa época. Agora, os protestantes reagiram contra esta classe de disciplina, e com toda razão. Certamente na Igreja Católica o método é mais importante que a vida espiritual em si, e o praticante converte-se num escravo do mesmo. Como protestantes, é correto que refutemos isto decididamente. Mas é incorreto deduzir, por causa de seu abuso, que a disciplina é desnecessária na vida cristã. A verdade é que os grandes períodos do Protestantismo se caracterizaram pela compreensão desta necessidade de disciplina. O que caracterizou mais que nenhuma outra coisa o grande período Puritano foi a atitude e o enfoque que guiou a Richard Baxter a escrever seu livro:
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 19 Spiritual Directory (Guia Espiritual). Os Puritanos se caracterizaram por sua ênfase na aplicação das Escrituras à vida diária. No século seguinte vemos que os líderes do Avivamento Evangélico enfatizaram o mesmo. Por que os dois irmãos Wesley e Whitefield se chamaram metodistas? Porque levavam uma vida metódica. Eram Metodistas porque seguiam um método em suas reuniões. Traçaram certas regras, formaram sociedades, e exigiram que todos aqueles que queriam fazer parte da Sociedade tivessem que observar certas regras e deixar de fazer certas coisas. O próprio termo Metodista o implica, e enfatiza o conhecimento de certa disciplina, e a importância de disciplinar a vida de alguém, e de saber dirigir-se em circunstâncias e situações variadas neste mundo em que vivemos. Aqui, neste Salmo, temos um grande mestre desta verdade. A pessoa que escreveu este Salmo tinha um método bem definido, e não podemos fazer melhor coisa que segui-lo. Ensina-nos a nos orientar, ou seja, nos conduzir. Não é este um dos maiores problemas que se nos apresentam na vida a cada um de nós neste mundo? O saber conduzir-se a si mesmo, não é acaso o mais difícil? É muito mais fácil conduzir a outros! A grande habilidade na vida cristã é saber como tratar-se a si mesmo, especialmente em situações críticas. Aqui este homem nos revela seu segredo. Começaremos então, pelo primeiro passo, e é o mais humilhante de todos. Sinto que há algo maravilhoso que ele nos quer dizer. Aqui vemos um homem que experimentou grandes bênçãos, e entretanto, a primeira coisa que o salvou de um grande desastre é realmente surpreendente. Nossa reação ao descobrir este primeiro passo, servir-nos-á como prova para medir nosso discernimento espiritual. Haverá alguém que pensa que esta situação é muito humilhante para que um crente se encontre nela? Procuremos examinar-nos a nós mesmos à medida que vemos o que este homem nos tem a dizer. Quero assinalar que ao começar nesse plano tão baixo, não me interessa tanto onde nos localizamos e quão baixo seja nosso plano, a fim
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 20 de que estejamos afirmados e não escorregando. É melhor estar parado no degrau mais baixo da escada que escorregar do último. Este homem começou a escalar desde o primeiro degrau. Como o fez? Primeiro estudaremos o método, exatamente como o fez, e logo deduziremos certos princípios que podemos estabelecer como aplicáveis sempre em qualquer situação em que nos encontremos. Aqui temos a um homem subitamente tentado; tentado a dizer algo, ou se o preferem, tentado a fazer algo. A força da tentação é tão grande que quase perde o equilíbrio. Está prestes a ceder à tentação, porém nos quer explicar o que é que o salvou. Aqui está: "Se dissesse ..." — Esteve prestes a nos dizer algo — "Se eu dissesse: Também falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos". O que é então o que ele faz? Qual é o seu método? A primeira coisa que fez foi controlar-se a si mesmo. Não creio que se deu conta por que o fez, mas o fez. Guardou-se de dizer o que tinha na ponta da língua. Estava para dizê-lo, mas não o disse. Isto é tremendamente importante. O salmista deu-se conta da importância de não falar apressada e impulsivamente. Isto foi o primeiro, e é um ponto muito geral. É uma boa atitude até para uma pessoa não crente, e isto é precisamente o que estou querendo sugerir, que há coisas tão simples e gerais que temos que fazer com relação à nossa vida espiritual que à primeira vista não parecem ser particularmente cristãs. Entretanto, se nos ajudarem, usemo-las. Há muitas pessoas que desejam estar sempre, espiritualmente, no cimo da montanha, e é por esta simples razão que muitas vezes caem ao vale. Desprezam estes métodos simples. Não evitam fazer o que o homem do Salmo 116 fez. Lembremos o que ele nos diz. Ele se confessa honestamente: "Eu disse na minha perturbação: todo homem é mentiroso" [Sl. 116:11]. Confessa que o disse apressadamente, e que foi um equívoco. Este homem no Salmo 73 descobriu, até prestes a escorregar, a importância de não apressar-se a falar. É errado que um cristão fale ou aja impulsivamente. Se o quisermos em linguagem do
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 21 Novo Testamento o temos na Epístola de Tiago, "... Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar " (Tg. 1:19). Não vou desenvolver este tema aqui, mas não é óbvio acaso que se todos praticássemos este princípio viveríamos mais harmoniosamente? Quantos problemas evitaríamos! Quantos desgostos e mau sangue! Quantas brigas se evitariam em todos as ordens da vida se todos tomássemos a sério este mandato! ... "seja pronto para ouvir, tardio para falar "! Detenhamo-nos e pensemos. A todo custo, detenhamo-nos! Não ajamos com base em impulsos. O salmista não o fez, e foi a primeira coisa que o salvou de não cair. O próximo passo, evidentemente, foi considerar o que devia dizer. O problema ele o tinha na mente, e ninguém o podia discutir, pois era óbvio. Aqui estão os ímpios; vejo sua prosperidade, e aqui estou eu sempre com problemas. É tão patente. Por que não dizê-lo? "Não", diz o salmista, "examina o problema novamente, e em condições como estas, nunca é demais examiná-lo vez após vez". Começou a falar-se consigo mesmo sobre o problema e pô-lo diante de si. Olhou-o novamente. Ó, quão importante é isto! Quantas tragédias neste mundo se poderiam ter evitado se as pessoas tivessem lançado um novo olhar! Com relação à tentação, quando nos ataca com todas as suas forças e quando todos os argumentos parecessem pesar só de um lado, a estratégia para combater o diabo é insistir em lançar um novo olhar ao problema. E provavelmente esse outro olhar nos salvará. O salmista o olhou novamente e o examinou de diferentes pontos de vista. Pela ação tomada pelo salmista nos damos conta que ele calculou as consequências que podia lhe trazer se fosse expressar o que pensava. Novamente aqui vemos outro princípio muito importante. Nada do que o homem faça nesta Terra ficará sem consequências. Todo efeito tem sua causa e toda causa produz um efeito. Muitos de nossos problemas se originam porque esquecemos este simples princípio de que a causa produz um efeito e este, por sua vez, leva-nos a suas inevitáveis consequências. O diabo, em sua audácia, enlaça-nos fazendo-nos crer
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 22 que o que nos ocorre é um acontecimento único e isolado. Põe isto diante de nossos olhos, de tal maneira que não podemos ver nem pensar em outra coisa. Monopoliza-nos, e não consideramos as consequências. Ele disse: "Se eu dissesse: Também falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos". Minuciosamente considerou e enfrentou as consequências. Na Bíblia temos muitos exemplos similares. Um dos melhores é o de Neemias. Neemias se encontrou numa situação em que perigava sua vida e um falso amigo o aconselhou, dizendo-lhe: " Tu és um bom homem, olha que tua vida estará em perigo se continuas comportando-te na forma em que o estás fazendo" — "... nesta noite virão matar-te". Sugeriu e insinuou a Neemias que fugisse. Se Neemias lhe tivesse prestado atenção, o curso da história de Israel teria tomado outro rumo. A ideia não o desgostou, mas Neemias se compôs e disse: " Um homem como eu há de fugir?" Considerou as consequências, e desde o momento que as viu não fez o que lhe fora sugerido. Isto é o que salvou o homem do Salmo 73. Viu as consequências e imediatamente se freou. Sigamos um passo mais adiante. O que fez a seguir foi aferrar-se firmemente, a qualquer preço, ao que estava seguro. Seu problema principal lhe era muito incerto, não o podia entender absolutamente. Mesmo depois de ter reagido a tempo, ainda estava perplexo e não o entendia. Mas tendo olhado novamente o problema deu-se conta que se tivesse falado como estava tentado a fazê-lo, como consequência imediata teria causado uma ofensa ao povo de Deus, e por isso se conteve. Aqui então está o princípio. O salmista não está tão seguro do trato de Deus com Seus filhos. É um tema que lhe causa perplexidade. Entretanto, ele sabe perfeitamente que é errado ser uma pedra de tropeço ou causar ofensa à geração dos filhos de Deus. Ele está completamente seguro disto e assim age. Podemos nos dar conta da estratégia. Quando nos sentimos confundidos ou perplexos, o que temos que fazer é buscar algo no qual estejamos certos e afirmar ali nossa posição. Pode não ser o tema principal, mas não importa. Este homem viu as consequências do
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 23 que estava por fazer, e soube certamente que era errado. Por isso disse, "não o vou dizer". Ele ainda não vê claramente o problema principal, mas sim este ponto. A decisão que tomou o salmista é que deveria contentar-se com não resolver seu principal problema no momento. Diz-nos que ainda não está claro, e não entende ainda o problema que o sacudiu e tentou tão severamente. Na realidade não o entendeu até que entrou no santuário de Deus. Por isso deixou de resolvê-lo, dizendo-se a si mesmo: "Terei que deixar o problema principal no momento; não falarei mais disso, porque se for rápido meus pensamentos com palavras, ofenderei à geração dos filhos de Deus. Não posso fazer isso. Muito bem: assegurar-me-ei do que estou bem certo, e me contentarei com não entender o outro problema no momento". Este é seu método. Isto é o que o salvou; e foi isto o que o ajudou. Quão simples foi seu método, e entretanto, quão vitais são cada um de seus passos. Permita-me apresentá-los sob um número de princípios. O primeiro princípio o poria como uma guia especial, e é que nosso falar deve ser sempre essencialmente positivo. Quero dizer que nós não devemos estar sempre muito preparados para expressar nossas dúvidas e proclamar nossas incertezas. Encontrei-me com homens que passaram muitos anos de sua vida, agonizando pelas coisas que têm dito antes de ser cristãos, coisas que serviram para sacudir a fé de outros. Isto é terrível. Lembro de um jovem que veio para ver-me alguns anos atrás. Era estudante e foi à Universidade baseado e crendo na fé cristã. Um professor nessa Universidade orgulhoso de ser incrédulo e que não tinha em si nada positivo que dar a este jovem, ridicularizou a ele e a sua posição, não somente em classe mas também em particular, rindo-se de suas crenças e mofando-se de sua fé. Pôs o jovem numa posição desgraçada e penosa. Não há muitas coisas mais daninhas que a ação deste professor, quem não tendo nada em si mesmo para oferecer, tratou de tirar e destruir a fé do jovem, falando contra ela e desprezando-a. Isto,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 24 é óbvio, foi um malicioso e intencional ataque à fé de este jovem. Mas nós também podemos ser culpados disto mesmo, embora é possível que não nos demos conta disso. Embora dúvidas e incertezas nos assaltem, não deveríamos proclamar nossas ansiedades, nem expressar nossas incertezas (exceto quando buscarmos ajuda), não aconteça que inconscientemente, também produzamos o mesmo efeito. Se não podemos contribuir com algo positivo, é melhor não dizer nada. Isso é o que fez este homem. Não o entendia e estava prestes a dizer algo, mas pelo contrário pensou: "Não o direi, porque se disser algo, prejudicarei o povo de Deus". Digam o que quiserem deste homem, mas se comportou com dignidade. Se notarmos que nossa fé está fraquejando, procuremos a todo custo nos comportar com dignidade. Não machuquemos a ninguém. Devemos aprender a nos disciplinar e a não comentar nossas dificuldades nem pensar muito de nossas inseguranças. Este homem calou até que se encontrou em condições de dizer: "Deus é sempre bom para com Israel". Então sim, teve direito de falar. Tendo começado com isto, pôde seguir narrando suas dificuldades com segurança. O seguinte princípio é integral, e suas várias partes estão reciprocamente relacionadas. Quero dizer que não existe tal coisa como verdade isolada. O salmista começou pensando que existia só um problema, o problema da prosperidade dos ímpios. Entretanto, relacionado com isto, havia esta outra verdade, a do povo de Deus e o que lhes estava sucedendo. Permita-me dar outra ilustração para demonstrar a importância de nos dar conta de este princípio: que os vários aspectos da verdade estão reciprocamente relacionados. Muitas pessoas que têm uma inclinação científica entram em dificuldades a respeito de sua fé porque esquecem este princípio. Confrontam-se com o que significa a evidência científica. O que lhes apresentam os cientistas é um fato, e o perigo é que aceitarão estas declarações definidas como tais, sem perceberem as consequências da aceitação destas afirmações em outras esferas da verdade. Por exemplo,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 25 eu sempre digo que uma das boas razões de não aceitar a teoria da evolução, é que desde o momento que a aceito, tropeço com problemas e dificuldades com a doutrina do pecado, da fé, e da expiação. A verdade está reciprocamente relacionada; uma coisa afeta a outra. Não nos apressemos a formar opiniões de uma só realidade ou de um conjunto de realidades. Lembremos que nossa opinião afetará outros fatores e outras posições. Olhemos o problema em todos os aspectos concebíveis, levando em conta não só o problema em questão, mas também suas consequências e implicâncias. Procuremos entendê-los todos antes de expressar uma opinião. O seguinte princípio é que não devemos esquecer nossa relação uns com os outros. O que deteve o salmista antes de mais nada não foi a descoberta do trato de Deus com ele mesmo, mas sim a memória do trato de Deus com os demais. Penso que isto é maravilhoso. Isto é o que o conteve de falar. Disto ele estava seguro e se agarrou disso. O apóstolo Paulo o expressa muito bem num versículo de Romanos 14, onde diz: " ... Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si" [Rm. 14:7]. Segue elaborando e ao fazê-lo analisa o problema do irmão fraco. Faz o mesmo em 1 Coríntios 8 e 10. Resume-o numa frase excelente: " consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro..." (1Co. 10:29). Em outras palavras, como cristão amadurecido não deves decidir o problema pensando só em ti. Que dizer do irmão fraco por quem Cristo morreu? Não devemos ofender sua consciência. Nenhum de nós "vive para si"; todos estamos unidos. Se não podemos nos controlar para nosso próprio benefício, temos que fazê-lo para o benefício de outros. Quando formos tentados novamente; quando o inimigo nos fizer esquecer que não somos casos isolados; quando ele nos sugira que o que nos sucede diz respeito a nós somente, pensemos nas consequências e nos lembremos de outras pessoas, lembremo-nos de Cristo, lembremo-nos de Deus. Se tu e eu caímos, não o tornemos como um caso isolado: toda a Igreja cai conosco. O salmista percebeu que ele estava unido nesta vida a outros crentes. Digamos a nós mesmos: Vejo que estes outros crentes
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 26 estarão implicados. Somos filhos do reino celestial, somos membros individuais, e em particular do Corpo de Cristo. Não podemos agir de forma isolada! Se nada nos frear antes de fazer algo mau, lembremos esta verdade, lembremo-nos de nossa família, lembremos da Igreja a que pertencemos, lembremos seu nome que está em nossa fronte. Se nenhuma outra coisa nos contiver, seja esta verdade a que nos freie, tal como conteve a este homem. O seguinte princípio é a importância de ter certos valores absolutos em nossa vida. Em outras palavras, devemos reconhecer que há certas coisas que são inconcebíveis, e que nunca deveríamos fazer. Devemos ocupar-nos em fazer uma lista de certas coisas que nunca se devem fazer. Nem sequer devemos considerá-las. Não duvido em afirmar que o grande número de divórcios que existem hoje, devem-se ao único fato de não levar em conta este princípio. Quero dizer que quando duas pessoas se casam e tomam os solenes votos e compromissos diante de Deus e dos homens, teriam que pôr chave a certa porta detrás, a qual nunca deveriam nem mesmo olhar. Entretanto, não sucede assim hoje em dia. Parecesse que se casam deixando a porta de atrás, a qual conduz à vida separada, bem aberta. Olham para trás e albergam o pensamento de separação do casamento, mesmo antes de fazer os votos. É por isso que há tantos lares destruídos hoje em dia. Homens e mulheres igualmente abandonaram os princípios absolutos. Num tempo isto era inconcebível e deveria ser sempre assim. Há certas coisas que os cristãos, tanto homens como mulheres deveriam estabelecer como princípios irrevogáveis, e nunca mais reconsiderá-los. O salmista tinha um princípio e talvez nesse momento, seu único, mas a este único princípio se afirmou. Falou-se: "Nunca mais direi outra coisa que incomode ao irmão. Não interessa quanto me falte para entender; um de meus princípios é este, que nunca mais machucarei a meu irmão". Aferrou-se a isto com firmeza, e eventualmente começou a entender suas próprias perplexidades. Procuremos ter nossos princípios bem estabelecidos, procuremos afirmar certas coisas irrevogavelmente. Que
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 27 os jovens especialmente — embora isto não se aplique mais a eles que a outros, entretanto enquanto forem jovens e não sejam culpados ainda destas coisas — afirmem seus princípios. Se não puderem ser de ajuda, não digam nada. Nunca ocasionem dano à causa de Deus, nem à sua família espiritual. O último princípio é a importância de lembrar quem somos. Num sentido já cobrimos este aspecto, mas tu e eu somos pessoas chamadas por Deus para sair fora deste presente século mau. Fomos comprados com o sangue derramado pelo Unigênito Filho de Deus numa Cruz do Monte Calvário, não somente para ser perdoados e ir ao céu, mas também para que sejamos livrados de todo pecado e iniquidade, " e purificar para si um povo próprio, zeloso de boas obras" (Tt. 2:14). Ele fez isto e constitui nosso direito. Lembremo-lo então, e quando nos vierem perplexidades, ou qualquer outra coisa que nos faça sacudir analisemo-lo à luz disto. Embora não o entendamos, temos que dizer nesse momento: "Não me importa e me conformo com não entendê-lo. Tudo o que sei, é que sou filho de Deus, comprado com o sangue de Cristo; há certas coisas que não posso fazer, e esta é uma delas, portanto não a farei; ficarei firme, qualquer que seja a consequência". Estas são, então, minhas conclusões. Não interessa em que nível nos encontremos lutando contra este inimigo de nossas almas. Não interessa quão primário é o nível, a fim de que estejamos firmes. Como disse no princípio, o salmista se afirmou a um nível muito básico. Ele simplesmente se afirmou no princípio: "Se fizer isto, machucarei a estas pessoas". Não podia ter-se afirmado num nível mais elementar que este. Sempre e quando encontrarmos algo em que nos possamos afirmar, usemo-lo como base. Não desprezemos "o dia das coisas pequenas". Não pensemos que somos tão espirituais que não podemos nos afirmar nesse nível tão elementar. Se assim pensamos, então cairemos. Firmemo-nos em qualquer ponto que possamos. Sustentemo-nos até no negativo — quero dizer com isto, que talvez somos capazes de dizer somente: "Não posso fazer isso". Firmemo-nos nisto. Porque é assim: quando nossos pés
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 28 estão escorregando, o que precisamos é poder nos firmar. Deixemos de escorregar e deslizar. Firmemos nossos pés por um momento e nos aferremos a qualquer coisa que nos sirva para tal fim; firmemo-nos nisso e fiquemos ali. Estamos ocupados em escalar uma montanha espiritual. Os pendentes são como vidro, e podemos escorregar e cair neste terrível terreno baixo, e nos perder. Digo então que se vemos algo, embora seja um pequeno ramo, tomemo-la e nos aferremos a ele; ponhamos nosso pé no descanso que encontremos, embora seja pequeno, ou no mais precário bordo, em qualquer coisa que nos faça firmar e nos permita deter-nos por um momento. Quando tivermos terminado de escorregar e nos escorrer, então poderemos começar a escalar de novo. É porque o salmista encontrou este pequeno descanso, firmou seus pés sobre ele, que deixou de escorregar. Desde esse momento começou a escalar até que eventualmente pôde alegrar-se novamente no conhecimento de Deus e até superar o problema que o aniquilava e pôde dizer: "Com efeito, Deus é bom para com Israel". Que parvo fui!
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO III
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A IMPORTÂNCIA DE PENSAR ESPIRITUALMENTE Vv. 16-17 (RC): Quando pensava em compreender isto, fiquei sobremodo perturbado; até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles. Até agora chegamos à conclusão de que num conflito espiritual o principal é rebater a queda, não importa que nível inferior se obtenha. Não desprezemos o nível inferior. É preferível ter os pés no degrau mais baixo da escada que estar sobre a terra: e é melhor encontrar o menor apoio que seguir escorregando por um pendente. Ao subir desde esse ponto nos encontraremos novamente no caminho para cima. Mas agora devemos prosseguir, porque evidentemente o salmista não permaneceu ali. Se ele se deteve ali, nunca tivesse podido dizer: "Com efeito, Deus é bom para com Israel ". O ponto de apoio foi somente o começo. Existem ainda vários degraus neste processo maravilhoso, porque, mesmo depois de haver-se apoiado, estava muito preocupado. Entendeu o suficiente para dizer: "Se eu dissesse: Também falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos" [Sl. 73:15, RC]. Mas segue dizendo: " Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim" [v. 16]. Embora ele não segue escorregando, ainda não compreende seu problema essencial. Mas o fato é que não segue escorregando; não permanece em perigo de expressar aqueles pensamentos blasfemos. Entretanto, estava ainda em grande agonia mental e de coração estava ainda perplexo a respeito do caminho de Deus para com ele. Desejo enfatizar isto porque é um assunto primordial. Embora o importante e vital seja parar de escorregar, isto não significa que agora estejamos bem, ou que desde esse momento estaremos livres de nosso problema. Este homem não estava plenamente liberto; ainda tinha seus problemas. Graças a Deus que sabe o suficiente como para não seguir
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 30 escorregando, mas o seu problema continua sendo tão agudo como antes. Conheces essa posição espiritual? Já estiveste ali alguma vez? Eu estive nessa situação várias vezes. É um lugar estranho, mas em vários sentidos é maravilhoso. Temos algo vital que nos sustenta embora o problema original seja tão definido como foi no princípio. O que ele nos diz é o seguinte. Estava parado ali; não escorregava mais e seus pensamentos de rebelião estavam sob controle. Não obstante, seus pensamentos giravam em círculos e ele se encontrava em grande agonia mental e de coração. Isto continuou — diz ele — até que " ... entrando no santuário de Deus, compreendeu o fim deles". Há um ponto que devo esclarecer antes de prosseguir. Se lemos as diversas traduções deste Salmo, encontraremos que algumas delas sugerem que deveria traduzir-se na seguinte forma: "Foi muito penoso para mim até que entrei no segredo de Deus", em lugar de "até que entrando no santuário de Deus..." Mas as razões para reter aqui a palavra "santuário" me parecem terminantes. Um bom motivo é que todos os Salmos nesta seção do Saltério falam literalmente do lugar chamado o santuário. No Salmo seguinte e o 76 encontramos que cada um deles faz referência literal e física ao santuário material. Tenho a impressão que isto, por si só, é concludente, além de outras evidências que possam apresentar-se. Não obstante, é um ponto que não faz muita diferença, pois quando um homem entrava no Tabernáculo ou no Templo de Deus, entrava então na presença de Deus. Sob a antiga dispensação quando o povo ia ao Templo o fazia para encontrar-se com Deus. Era o lugar no qual habitava a honra de Deus; era o lugar onde a glória de Deus estava presente. Este homem certamente estava entrando na presença de Deus, mas penso que é importante lembrar que o santuário aqui significa literalmente o edifício. "... Até que entrando no santuário de Deus compreendi..." Ele estava descontente, perplexo; o seu era um problema muito sério. Mas uma vez que foi ao santuário de Deus tudo ficou claro para ele. Ele mesmo foi endireitado, e começou a subir novamente a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 31 escada, até que eventualmente alcançou o batente e pôde dizer: " Com efeito, Deus é bom para com Israel…" Há certas lições vitais para nós nesta seção. Aqui temos um homem que alcançou um ponto de apoio e agora começa a ascender. Quais são as lições? A primeira que sugeriria é a absoluta necessidade na vida cristã de pensar espiritualmente. Explicarei o que desejo dizer. A situação de fundo do salmista até este momento era que estava enfocando seu problema somente no nível de seus próprios pensamentos e entendimento. Isto — diz ele — foi um completo fracasso. Tinha diante de si seus dois fatores: a prosperidade do ímpio e os problemas, tribulações e misérias dos justos, especialmente os seus próprios. Seus pensamentos fluíam mais ou menos assim: "Esta situação é muito clara e absolutamente complexa. Os atos, afinal de contas, são atos e não podem ser ignorados. O que faz um homem do mundo, com senso comum e prático, é olhar aos atos. Sendo isto assim, indica que algo está mal. Eu conheço tudo referente às promessas de Deus; mas o que ocorreu com eles nesta situação? Como posso eu me encontrar nesta situação difícil e o ímpio estar florescente, se a mensagem da Palavra de Deus é correta e verdadeira? Agora, ele esteve raciocinando e retornando à mesma posição vez após vez. Todos conhecemos o processo, não é verdade? Começamos a pensar a respeito do problema e damos voltas e voltas. Buscamos esquecê-lo, submergindo em negócios, prazeres, ou outras coisas. Depois nos deitamos e o processo começa novamente, "vai mal enquanto que ao ímpio vai bem". E repetimos o círculo vicioso vez após vez. Dizemos: "Pode ser que esteja cometendo um erro nisto? Não; os atos são evidentes". Esta foi a posição do salmista. O que é que sucedia? Digo que essencialmente a situação deste homem devia-se a que estava pensando em forma racional somente, em vez de fazê-lo espiritualmente. Este é um princípio tremendamente importante. É muito difícil expressar em palavras a diferença entre o que é puramente pensamento racional e o que é pensamento espiritual, porque alguém poderia estar
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 32 tentado a dizer: "Ah, sim, outra vez o mesmo; sempre tenho dito que o pensamento cristão é irracional". Entretanto, isto é uma falsa dedução. Embora estabeleço uma distinção entre o pensamento racional e o pensamento espiritual, em momento algum estou sugerindo que o pensamento espiritual é irracional. A diferença entre eles é que o pensamento racional se acha somente sobre o nível terrestre; o pensamento espiritual é igualmente racional, mas se situa num nível superior cobrindo ao mesmo tempo o nível inferior. Levamos em conta todos os atos em lugar de só alguns. Mais adiante desenvolverei este tema, mas o expresso assim agora para efeito de deixar claro o que quero dizer ao contrastar o mero pensamento racional com o pensamento espiritual. Com isto em mente desejo enunciar certos princípios. Primeiro, existe um perigo constante de que retornemos a um pensamento meramente racional, até em nossa vida cristã. Esta é uma coisa muito sutil. Sem nos dar conta, embora sejamos cristãos, embora tenhamos nascido de novo, embora tenhamos o Espírito Santo em nós, existe o perigo constante de voltar para um estilo de pensamento que não tem nada que ver com o cristianismo. O salmista era um homem devoto e justo, alguém com grande experiência dos procedimentos de Deus; mas inconscientemente se tinha voltado àquele tipo de pensamento meramente racional. Talvez possa expressar este ponto mais claramente ao dizer que devemos aprender que toda a vida cristã é espiritual, e não só certas partes da mesma. Todo cristão, é óbvio, estará de acordo com isto, e reconhecerá imediatamente que desde o começo, o enfoque cristão da vida é totalmente diferente do enfoque racional. Tomemos o que Paulo diz em 1 Coríntios 2. Ele pergunta por que algumas pessoas não são cristãs; por que razão os grandes deste mundo não reconheceram o Senhor Jesus Cristo quando Ele esteve aqui. A resposta — diz ele — é que não tinham recebido o Espírito Santo. Eles olhavam a Cristo somente a nível racional. Viram-nO somente como um camponês, viram nada mais que
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 33 um carpinteiro: viram um que não tinha sido treinado na escola dos fariseus, e disseram que este homem não podia ser o Filho de Deus. Por que? Porque estavam pensando em termos puramente racionais. Estavam procedendo como o salmista nesta instância. O caso dos grandes deste mundo e o daqueles que não creem em Cristo é o mesmo. Para eles Jesus de Nazaré foi somente um homem que nasceu e foi colocado num pesebre, viveu, comeu, bebeu como outros homens e trabalhou como carpinteiro. Logo foi crucificado em extrema fraqueza sobre uma cruz. "Em que base estes atos expressam, pretendem que cria que Ele é o Filho de Deus? É impossível". Onde está seu erro? Estão pensando num nível racional. Creem na teoria da evolução e, confrontados com eventos sobrenaturais, expressam: "Estas coisas não sucedem no processo evolutivo: são impossíveis". Isto é pensamento racional. Se falamos com eles sobre a doutrina do novo nascimento dirão: "É óbvio que coisas assim não sucedem, não há tal coisa como um milagre. Nós vemos leis na natureza e quando se fala de milagres está-se violando as leis da natureza". Como disse Matthew Arnold: "Os milagres não ocorrem, por isso os milagres não sucederam". Este é um exemplo do pensamento racional. Estamos todos de acordo em que antes de um homem ser cristão deve parar de pensar desta maneira. Deve ter um novo estilo de pensamento, deve começar a pensar espiritualmente. A primeira coisa que nos sucede quando nos convertemos é que começamos a pensar de uma maneira diferente. Estamos num nível diferente. Em outras palavras, tão logo comecemos a pensar espiritualmente, os milagres não constituem mais um problema. O novo nascimento tampouco é um problema; tampouco o é a doutrina da expiação. Temos um novo entendimento e estamos pensando espiritualmente. Nosso Senhor foi visitado por Nicodemos, quem veio de noite e disse: "Mestre, vi Teus milagres, deves ser um Mestre enviado por Deus, porque nenhum homem pode fazer as coisas que Tu fazes, a menos que Deus esteja com ele". E estava prestes a acrescentar: "diga-me como o faz, qual é a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 34 explicação?" Mas nosso Senhor o olhou e lhe disse: " Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus", e " Importa-vos nascer de novo" [Jn. 3:3, 7]. O que Ele estava dizendo realmente a Nicodemos era isto: "Nicodemos, se pensas que podes entender isto antes de te suceder contigo, estás cometendo um erro. Nunca chegarás a ser cristão assim. Estás pensando racionalmente, estás procurando entender coisas espirituais com o entendimento natural. Mas não podes. Embora sejas um mestre em Israel, deves nascer novamente. Deve te tornar como uma pequena criatura se queres entrar no Reino. Deves deixar de confiar no poder de pensamento que tens como homem natural, e conhecer a essência deste novo pensamento que é espiritual. Deves nascer outra vez". Todos os que são cristãos estarão de acordo com isto e o entenderão. Nós dizemos que o problema com as pessoas que não são cristãs é justamente que não estão dispostas a submeter essa forma natural de pensar na qual cresceram, na qual foram treinados e para a qual se deram a si mesmos. Sim; mas o ponto que estou enfatizando é que temos que nos render não só no começo de nossa vida cristã e não meramente quanto ao perdão dos pecados e ao novo nascimento. Toda a vida cristã é espiritual, não somente algumas partes dela; não somente o começo. O problema com muitos de nós, como foi com o salmista daquele tempo, é que chegamos à vida cristã e começamos num nível espiritual para logo, em determinados problemas, voltar atrás para o racional. Em lugar de pensar neles espiritualmente retrocedemos e pensamos nos problemas como se fôssemos homens e mulheres naturais. É algo que tende a suceder-nos durante toda a vida cristã. Com frequência escutei a crentes que se encontram perplexos e, ao expressar seu problema, percebi que sua dificuldade devia-se plenamente ao fato que tinham retornado ao nível racional de pensamento. Por exemplo, quando algo que não entendemos nos sucede, no momento que começamos a experimentar uma sensação de ressentimento contra Deus, podemos estar
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 35 seguros que já retornamos àquele nível racional. Quando nos queixamos que o que nos sucede não parece justo, então estamos rebaixando a Deus ao nível inferior de nosso entendimento próprio. Isto é exatamente o que fez este homem. Porém na vida cristã tudo deve ser enfocado do ponto de vista espiritual. A totalidade desta vida é espiritual. Tudo a respeito de nós deve ser considerado espiritualmente; toda fase, toda etapa, todo interesse, todo desenvolvimento. Permitam-me expressá-lo assim. Em última instância os problemas e dificuldades da vida cristã são todos espirituais, de modo que no momento de entrar nesta esfera devemos pensar de uma maneira espiritual e deixar para trás os outros modos de pensar. Isto é especialmente certo com relação ao problema integral de entender os caminhos de Deus com relação a nós. Este foi o problema do salmista. "Por que Deus permite estas coisas? — ele diz. Por que os ímpios prosperam? Se Deus é Deus, por que não os varre da face da Terra? E, pelo outro lado, se Deus é Deus, por que me permite sofrer como estou sofrendo neste momento?" Este foi o problema, o procurar entender os caminhos de Deus. Em última análise há uma só resposta a tudo isto. Acha-se em Isaías 55:8: " Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor ". Esta é a resposta final. A primeira coisa que devemos reconhecer — Deus nos diz — é que quando viemos a Ele e a Seus caminhos, não o devemos fazer nesse nível baixo no qual estivemos acostumados, porque " são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos" [Is. 55:9]. Mas, mesmo como povo cristão, não somos acaso culpados constantemente deste erro? Insistimos em pensar como homens e mulheres naturais nestes temas. Vemos que a salvação chama um pensamento espiritual, mas nas coisas que nos sucedem, nosso pensamento é propenso a tornar-se novamente racional. Não deveríamos então nos surpreender se não entendemos os caminhos de Deus, porque são totalmente diferentes dos nossos. A diferença entre os dois enfoques
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 36 é a diferença entre o céu e a terra. Então, quando algo nos sucede que não entendemos, a primeira coisa que devemos dizer a nós mesmos é: Estou enfrentando este problema espiritualmente? Tenho presente que isto tem que ver com minha relação com Deus? Estou certo que meu pensamento é espiritual neste ponto, ou tenho voltado inconscientemente à minha maneira natural de pensar? Permitam-me dar uma ilustração óbvia. Com frequência conheci a crentes que têm voltado completamente do pensamento espiritual ao racional quando falam de política. Neste tema não parecem falar já como pessoas espirituais. Todos os preconceitos do homem natural se manifestam, assim como os argumentos mundanos e as distinções de classes. Não poderíamos deduzir de suas conversações que são cristãos. Se lhes falarmos da salvação não terão dúvida alguma; mas se lhes falamos a respeito de coisas terrenas e mundanas, são culpados de todos os preconceitos do homem natural, o orgulho da vida e a forma mundana de enfocar todas as coisas. Como cristãos somos ensinados a não amar o mundo com ''a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida". Nossas vidas devem ser consequentes. Devem ser consequentes em todos os seus pontos: não deve haver divergências em lugar algum. O crente deve olhar a todas as coisas de um ponto de vista espiritual. Spurgeon disse uma vez a seus alunos que eles encontrariam pessoas que em reuniões de oração oravam como verdadeiros santos, comportavam-se em geral como santos, mas que em reuniões da Igreja, subitamente se convertiam em demônios. Infelizmente a história da Igreja prova que a declaração de Spurgeon é muito certa. Vemo-lo, pois quando oram a Deus pensam espiritualmente: logo entram nas atividades da Igreja e se convertem em demônios. Por que? A razão é que começam numa forma não espiritual: presumem que existe alguma diferença essencial entre uma reunião da Igreja e outra de oração. Têm em si um espírito sectário e este se manifesta. Simplesmente se esquecem que em tudo devem pensar espiritualmente. O primeiro princípio que devemos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 37 assentar, então, é que devemos aprender a pensar espiritualmente sempre. Se não o fazemos, logo nos encontraremos na mesma situação perigosa que o salmista descreve em forma tão gráfica. Isto me traz para o segundo princípio, que é puramente prático. Como devemos promover e animar o pensar espiritualmente? Evidentemente esta é nossa grande necessidade. O salmista nos diz: "Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles". O que quer dizer? Permitam-me pô-lo assim: devemos aprender como nos dirigir a nós mesmos e nossos pensamentos para esta esfera espiritual, e é suficientemente claro ver como sucedeu no caso do salmista. Analisemos o processo psicológico pelo qual passou. (De passagem, cabe mencionar que existe tal coisa como uma psicologia bíblica e espiritual, embora não seja habitualmente chamada desta maneira). Como se concretizou em seu caso? Creio que sucedeu assim. Vimos que quando estava prestes a dizer o que não devia, pensou em seus irmãos na fé. Isto o levantou, endireitou-o e o manteve. Mas felizmente não ficou ali. "Devo considerar a mais crentes", disse. "Mas quem são eles? Onde os encontrarei? Sempre me encontro com eles no santuário". Então se apressou para ir ali. Tinha estado ausente do santuário, como todos somos propensos quando experimentamos este tipo de problema. A dificuldade com este homem era que se havia embutido em seus pensamentos e dessa maneira entrou num círculo vicioso. Começamos a pensar a respeito das coisas em forma introspectiva, tornar-nos-emos miseráveis e infelizes e não desejamos ver ninguém. Não queremos mesclar-nos com o povo de Deus. Preocupamo-nos com nossos problemas, com os tempos difíceis que experimentamos, com o sentimento de que Deus não é justo conosco e que nos trata muito severamente. Somos miseráveis e sentimos lástima por nós mesmos; assim andamos e seguimos dando voltas em círculos viciosos de autocompaixão. O "eu" sempre está no centro do problema.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 38 A primeira coisa que devemos fazer então, é frear esta preocupação conosco mesmos, e deixar de dar voltas em círculos a nível natural! Mas como se pode quebrar o círculo vicioso? Sugiro que há três coisas principais aqui. Colocaria em primeiro lugar o que este homem dá como prioridade: literalmente ir à casa de Deus. Que maravilhoso lugar é a casa de Deus! Com frequência encontraremos libertação pelo simples fato de entrar ali. Muitas vezes agradeci a Deus por Sua casa. Dou graças a Deus que Ele estabeleceu que Seu povo se reúna em grupos e adorem juntos. A casa de Deus me tem libertado das doenças comuns da alma milhares de vezes, simplesmente por entrar por suas portas. Como isto opera? Creio que é assim. O simples fato de que haja uma casa de Deus a qual nos achegar, diz-nos algo. Como chegou a existir? Deus a planejou e ordenou. Ao nos darmos conta disso, por si só nos põe em condição mais saudável. Logo percorremos a história e nos lembramos de certas verdades. Aqui me encontro no presente com este terrível problema, mas a Igreja Cristã existiu durante longos anos. (Já começo a pensar de uma forma totalmente diferente). A casa de Deus se projeta rumo ao passado através dos séculos ao tempo de nosso mesmo Senhor. Para que? Que significado tem? Já começou a cura. Ao ir à casa de Deus nos assombramos ao encontrar outros ali também. Surpreendemo-nos disso, pois em nossa miséria e perplexidade pessoal tínhamos chegado à conclusão de que, talvez, não havia nada na religião, e que não valia a pena continuar ela. Mas, eis aqui, há aqueles que pensam que vale a pena seguir adiante, e nos sentimos melhor. Começamos a nos dizer: Talvez esteja errado, todas estas pessoas creem que há algo nisso; pode ser que tenham razão. Assim prossegue o processo de cura e restauração. Logo avançamos um passo mais. Olhamos à congregação e subitamente encontramos a alguém que conhecemos, que passou um período imensamente pior que o nosso. Críamos que nosso problema era o mais terrível do mundo, e que ninguém jamais tinha sofrido tanto como nós. Então vemos uma mulher pobre, talvez uma viúva, cujo único filho faleceu. Mas ela permanece ali.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 39 Isto coloca nosso problema imediatamente numa nova perspectiva. O grande apóstolo Paulo tem algo que dizer quanto a isto, como para todas as demais coisas. Lembra-nos que "não vos sobreveio nenhuma tentação que não seja humana" (1Co. 10:13). É aqui onde nos toma o diabo. Convence-nos de que ninguém teve antes esta prova, ninguém experimentou um problema como o nosso, e que ninguém sofreu desta maneira. Mas diz Paulo: "Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar", e logo que se lembra disto se sentirá melhor. Todo o povo de Deus conhece algo disto; somos criaturas estranhas e o pecado teve efeitos misteriosos sobre nós. Sempre encontramos consolo em nossos sofrimentos ao saber que outros também estão sofrendo! Isto é certo sobre nós fisicamente como o é espiritualmente. O entender que não estamos sozinhos nos ajuda a colocar o problema em sua perspectiva real. Sou um entre muitos; é algo que sucede ao povo de Deus e a casa de Deus nos lembra esta realidade. Logo nos lembra coisas que se projetam ainda mais para trás. Começamos a estudar a história da Igreja através dos séculos, e nos lembramos do que lemos alguns anos atrás, talvez algum relato da vida de algum dos santos. E começamos a entender que alguns dos maiores santos que tenham adornado a vida da Igreja experimentaram provas, problemas e tribulações que reduz a nossa a uma insignificância. A casa de Deus, o santuário de Deus, lembra-nos tudo isso. Imediatamente começamos a ascender; vamos para cima, localizamos nosso problema em seu devido contexto. A casa de Deus, o santuário de Deus nos ensina todas estas lições. Aqueles que são negligentes em assistir à casa de Deus, não só desobedecem às Escrituras (digo-o em forma terminante) mas além disso são néscios. Minha experiência no ministério me ensinou que aqueles que são menos constantes em assistir à casa de Deus, são os que têm mais problemas e perplexidades. Há algo na atmosfera da casa de Deus. Está estabelecido que venhamos à casa de Deus para nos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 40 encontrar com Seu povo. É seu mandato, não o nosso. Estabeleceu-o, não somente para que nos encontremos uns com os outros, mas sim além para que o conheçamos o melhor. Mais ainda, aqueles que não assistem à casa de Deus se sentirão desiludidos algum dia, porque em alguma ocasião especial, o Senhor descerá em avivamento e eles não estarão ali. O cristão que não assiste ao santuário de Deus com a maior frequência possível, é muito néscio, sobretudo se não se entristece ao não poder fazê-lo. A segunda coisa que nos ajuda a pensar espiritualmente é a Bíblia. Nos dias do salmista não possuíam a Palavra de Deus como nós a temos hoje. Não se acha só no santuário, mas sim está disponível em todo lugar. Voltemos para ela no lar ou a igreja. Não interessa onde, e imediatamente nos fará pensar espiritualmente. É feito de muitas maneiras. Uma das razões pelas quais Deus nos deu esta Palavra é para nos ajudar a tratar este problema que estamos considerando. As histórias da Bíblia por si só são de valor incalculável, embora não contenham outra coisa. Tomemos um Salmo como este e sua história. O simples fato de ler o que sucedeu a este homem nos faz bem, e todas as histórias fazem o mesmo. Mas esta é a única maneira em que Deus nos dá Seu grande ensino. Comecemos a ler a Bíblia e seus grandes ensinos e doutrinas e nos lembrarão novamente os propósitos que Deus tem para o homem em Sua graça. De repente começaremos a nos envergonhar de nossos ímpios pensamentos. Assim, de diversas maneiras, as Escrituras produzem o mesmo resultado. Logo, tem ensino explícito a respeito dos sofrimentos do homem justo. Paulo escreve a Timóteo, que tinha uma tendência a lamentar-se e queixar-se quando as coisas iam mal, e lhe diz: " E também todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus padecerão perseguição" (1Tm. 3:12). Timóteo não o podia entender. Estava temeroso porque viu que os servos de Deus eram perseguidos, e muitos servos de Deus sentiram o mesmo. Além disso, Paulo, falando com as primeiras Igrejas cristãs lhes disse que é "por muita tribulação" que devemos entrar no
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 41 Reino de Deus. Se entendêssemos estes ensinos de Paulo não nos surpreenderíamos das coisas que nos sucedem. Pelo contrário, em vez de nos surpreender quase chegamos ao ponto de esperar que sucedam, e em pensar que se não temos problemas algo anda mal em nossa vida. Em outras palavras, toda a atmosfera da Bíblia é espiritual, e quanto mais a lemos, mais seremos libertos do nível racional e elevados àquele nível superior onde vemos as coisas no plano espiritual. Acrescento uma palavra relacionada com a outra ajuda essencial: oração e meditação. Isto toma lugar no santuário de Deus. O salmista não foi simplesmente ao edifício, foi encontrar se com Deus. O santuário é o lugar onde habita a honra de Deus, o lugar de reunião de Deus e Seu povo. É quando viemos a Deus face a face e meditamos a respeito dEle, que somos livrados finalmente daquele nível inferior de pensamento racional e começamos, de novo a pensar espiritualmente. Penso que pode haver alguém que se surpreenda de que não tenha posto a oração em primeiro lugar ou que não a tenha mencionado antes. Estou certo que haverá alguns, porque sempre há cristãos que têm uma resposta universal a todas as perguntas. Não interessa qual é o problema, sempre dizem: "Ora a respeito do mesmo". Se um homem na condição do salmista tivesse vindo a algum deles, ele lhe teria dito: "Vai e ora a respeito do problema". Que conselho superficial, leve e falso pode chegar a ser este, e o digo de um púlpito cristão. Pode ser que pergunte: per gunte: É por acaso errado dizer às pessoas que orem a respeito de seus problemas? Não, nunca é errôneo, mas com frequência é inútil. O que desejo assinalar é o seguinte: O problema deste pobre homem, num sentido, era que estava tão confundido em seu pensamento a respeito de Deus que não podia orar. Se tivermos pensamentos confusos em nossa mente e coração a respeito dos caminhos de Deus para conosco, como podemos orar? É impossível. Antes de podermos orar de verdade, devemos pensar espiritualmente. Não há nada mais fátuo que falar levianamente a respeito da oração, como se orar fosse algo que podemos fazer sempre às pressas.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 42 Em caso de alguém duvidar de minha palavra farei referência a um dos maiores homens de oração que o mundo conheceu. Refiro-me ao grande Jorge Müller de Bristol. Jorge Müller, expondo o tema da oração a ministros da Palavra, disse-lhes que por muitos anos a primeira coisa que fazia todas as manhãs era orar. Fazia já tempo que tinha descoberto que este não era o melhor método. Tinha encontrado que para orar de verdade e espiritualmente, devia estar no Espírito, e que devia prepararse primeiro. Tinha descoberto que era bom e de grande ajuda, e assim o recomendava a eles, ler uma porção das Escrituras e, talvez, algum livro devocional antes de orar. Em outras palavras, tinha encontrado a necessidade de preparar a ele e a seu espírito, antes de poder orar verdadeiramente a Deus. Isto é exatamente o que sucedeu ao salmista. Estava num círculo vicioso e não podia orar porque seu pensamento estava errado. Seguindo os passos que enumerei, seu pensamento foi corrigido e então estava em condições de orar. Com frequência esbanjamos nosso tempo pensando que estamos orando quando na realidade não o estamos fazendo. Muitas vezes é uma espécie de grito de desespero. Nossa mente está fechada, também nossa atitude, e assim não podemos orar. Devemos tomar tempo para orar. Na realidade não começamos a orar a Deus até que sentimos Sua presença, e não encontramos Sua presença até que nosso pensamento a respeito dEle seja o correto. Paulo disse aos filipenses: "Nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne" (Fp. 3:3). Devemos orar "no Espírito". Devemos estar preparados espiritualmente, e isto significa que nossos pensamentos devem ser corretos e verdadeiros. De modo que os passos são perfeitamente corretos: a casa de Deus; a Palavra de Deus; oração a Deus e comunhão com Deus. Mas, tendo compreendido que todos aqueles pensamentos eram blasfemos e errôneos, quando nosso espírito foi limpado e purificado, tornamo-nos a Deus, encontramo-nos com Ele e nosso espírito encontra descanso. Esse é o processo, ou melhor dizendo, o começo. Não terminamos ainda, mas
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 43 tendo-nos firmado o processo continua. Em problemas, "até que entrando no santuário de Deus" Deus" nos encontramos face a face com Ele.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO IV
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ENFRENTANDO TODOS OS ASPECTOS Vv. 16-17 (RC): Quando pensava em compreender isto, fiquei sobremodo perturbado; até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles. Agora devemos prosseguir, porque o processo de recuperação do salmista não finalizou com sua entrada ao santuário Esse passo é vital, e novamente devo enfatizá-lo, mas não é suficiente. O salmista foi ao santuário de Deus e somente isto pôs seu modo de pensar num ambiente propício. Mas seguiu mais adiante. O que lhe sucedeu no santuário? Diznos: "Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles". A primeira palavra que devemos tratar é "compreender". Temos aqui outro dos maiores fundamentos de nossa fé que pode ser facilmente esquecido. O que encontramos no santuário de Deus não é somente uma influência geral, não meramente um ambiente propício. Quando este homem foi ao santuário de Deus, foi-lhe dado entendimento. Não só se sentiu melhor; seu pensamento foi posto em ordem. Não deixou de lado seu problema por um tempo, mas sim encontrou a solução. Desejaria expor isto clara e simplesmente, pois é um ponto muito importante. A religião não deveria agir em nós como as drogas. Há pessoas em cujos casos a religião age como tal. Podia parecer terrível dizer isto, mas se tiver que ser honesto, tenho que dizê-lo. Com frequência, talvez com muita frequência, há um justificativo para dizer que a religião não é mais que "o ópio dos povos". Para muitas pessoas é estar dopado e nada mais, e só pensam que a casa de Deus é um lugar onde podem esquecer por um momento seus problemas. É por esta razão que demonstram interesse no aspecto estético: um lindo ritual num belo ambiente. Não lhes interessa a exposição da Verdade; daí sua preferência por sermões curtos. Somente se interessam num efeito sedativo general,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 45 e enquanto estão no culto se esquecem de seus problemas. Dizem: "Que lindo! Que belo!" Esta não é a religião da Bíblia. "Entendi eu o fim deles" [Sl 73:17, RC]. O que sucedeu com o salmista, não foi simplesmente ir ao Templo — à igreja, por assim dizer — a escutar a toada de uma bela música executada em órgão, ou contemplar os "vitrais" ou ver a bela iluminação e logo gradualmente sentir-se um pouco melhor e no momento esquecer suas tristezas. Não foi algo racional — "entendi eu o fim deles" — foi chegar a uma compreensão. A verdadeira religião não significa produzir um efeito de bem-estar geral. A Bíblia é a revelação dos caminhos de Deus com relação ao homem. Pela mesma deveríamos "compreender". Se a prática de nossa religião não nos dá entendimento, então é algo que nos pode danificar e estaríamos melhor sem ela. Estou certo que não preciso enfatizar muito este ponto tão vital. Há muitas coisas que podemos fazer com que nos fariam sentir melhor por um tempo. Há muitas maneiras de nos esquecermos, por um momento, de nossos problemas. Alguns vão ao cinema, outro vão ao bar ou à garrafa de uísque que guardam em sua casa. Sob seu efeito e influência se sentem melhor e mais contentes; seus problemas não parecem tão agudos. Outros correm aos cultos, tal como a Ciência Cristã, que é um lixo filosófico, mas que com frequência faz as pessoas sentir-se melhor. Há muitas maneiras de ter alívio momentâneo, mas a pergunta é: Dá-nos entendimento? Ajuda-nos realmente a compreender nosso problema? Agora, este falso conforto, pode também sentir-se na casa de Deus. Há algumas pessoas que pensam que o correto na casa de Deus é somente cantar coros ou certa classe de hinos que levam a ponto de intoxicação. Realmente todo o serviço está feito com tal fim. A pessoa chega a sentir uma influência emotiva e se sente melhor. O mundo faz isto. Faz cantar canções cômicas, com as quais evidentemente, embora por um momento, sentem-se melhor. Tudo isto pode ser do diabo, e a prova está em ver se só nos faz sentir bem, ou nos faz "compreender". "Entendi" foi a experiência do salmista.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 46 Procuremos não esquecer nunca que, em primeiro lugar, a mensagem da Bíblia está dirigido à mente, ao entendimento. Não há coisa mais gratificante no evangelho que isto. Não somente me proporciona uma experiência, mas sim me permite entender a vida. Tenho conhecimento; tenho entendimento. Sei. Posso "dar razão" da esperança que está em mim. Não só digo: "Tendo sido cego, agora vejo", sem saber por que; posso dar razão da esperança que há em mim. Graças a Deus que o salmista foi ao santuário de Deus e encontrou uma explicação. Não recebeu um consolo temporário; não era como uma injeção que às vezes é dada para mitigar a dor momentaneamente, nem tampouco um tratamento que não afetaria o problema em si e que ao passar o efeito do mesmo estaria como antes. Nada disso. Tendo começado a pensar corretamente no Templo de Deus, foi à Sua casa e seguiu pensando corretamente. E finalizou produzindo este Salmo! Entendimento! Sabes em quem creste? Estás interessado em doutrina cristã? Qual é teu desejo primordial? É simplesmente te sentir feliz ou é saber a verdade? É uma das perguntas mais penetrantes que se pode fazer aos crentes. Não permita Deus que nós só busquemos entretenimento e que nossos serviços religiosos só provejam isto. Falo deliberadamente, porque este perigo existe. Uma vez tive que falar numa famosa Conferência Bíblica. Estive ali quatro dias e cada culto foi apresentado com quarenta minutos de música de vários tipos. Em toda a conferência não escutei a leitura das Escrituras. Meu amigo teve uma experiência similar numa famosa igreja de outro continente. À manhã, um número de pessoas foram dedicadas à obra Missionária e logo se celebrou a Santa Ceia. Houve dois hinos cantados pelo coro, três solos e uma oração muito breve. Não se leu as Escrituras absolutamente. Essa igreja é reconhecida como uma igreja evangélica. Não se obtém entendimento desta maneira, com entretenimento musical, e sacrificando a leitura e a exposição da Palavra. Esta é uma paródia do ensino bíblico a respeito da Igreja. "Entendi". É porque não entendem que muitos sempre
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 47 estão queixando-se e resmungando; e é por esta razão que muitos não têm um verdadeiro entendimento dos tempos em que vivemos. Muito bem, este foi o primeiro efeito que o ir ao santuário causou ao salmista. Deu-lhe entendimento, firmou-lhe os pés. Entretanto, temos que seguir adiante. Como foi dado entendimento? A resposta é que o que lhe sucedeu no santuário ensinou-lhe a pensar corretamente. Em outras palavras, não só nosso raciocinar deve ser corrigido e posto em seu lugar, não só deve ser espiritual e não racional, tem que haver também uma correção até nos detalhes. Isto é o que sucedeu com o salmista. Dividamo-lo desta maneira. Primeiro nos diz que certos defeitos gerais em seu pensar foram corrigidos e logo nos diz que certos aspectos de seu pensar foram corrigidos em detalhe. No momento só nos ocuparemos do geral. Aqui o necessário é que nosso pensar seja íntegro e não parcial. Sua queda foi detida, mas ainda estava descontente. Estava numa agonia mental quando foi ao santuário de Deus. Logo: " Entendi eu o fim deles". Aqui está o que ele tinha esquecido! Descobriu que seu modo de pensar era incompleto. Penso, em última análise, que um dos problemas centrais é que nosso modo de pensar tende a ser parcial e incompleto. Conhecemos estas linhas de Matthew Arnold: "Enfocou a vida com estabilidade e em sua totalidade". É difícil elogiar melhor a um homem que dizer que enfocou a vida com estabilidade e a viu em sua totalidade. Creio que foi o Conde de Oxford e Asquith quem uma vez disse que o maior dom que o homem poderia ter era a capacidade que ele chamou "pensamento cúbico", ou seja a habilidade de analisar um tema por todos os seus lados. A verdade é como um cubo, e temos que olhá-la em todas as suas facetas. Se nos analisamos, creio que encontraremos que é aqui onde falhamos. Tomemos, por exemplo, o salmista,. Evidentemente esta era a raiz de todos os seus problemas. Ele estava olhando só de um lado; não via outra coisa, e isto o sujeitou e o apanhou.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 48 O que lhe sucedeu quando foi ao Santuário de Deus? Começou a ver as outras facetas. Começou a ver as coisas em sua totalidade em vez de ver só uma das partes. Não é este o problema de prejulgar? Todos nascemos neste mundo como criaturas com preconceitos; e muitos erros em última instância, têm que explicar-se em termos de preconceito. Preconceito é opinar sem prova a respeito de problemas; enumeram todos os aspectos da verdade, exceto um e esse não nos deixa ver os outros. As pessoas que são propensas a prejulgar invariavelmente deixam exposto qual é a origem de seus problemas. Dizem: "Eu sempre disse isto". Exatamente. Não veem o outro aspecto. O preconceito só nos faz ver uma faceta e não nos deixará mover. O resultado é que somos cegos par ver os outros lados. Isto é causa de muita tragédia no mundo e certamente a origem de muitos de nossos erros. Agora, eu sugeriria que qualquer um que não seja crente está nessa situação, porque não vê a totalidade da coisa. Isto explica muitos equívocos que se cometem. Tomemos, por exemplo, o materialismo. A filosofia do materialismo não é agora tão popular como foi tempos atrás. Pelo fim do século passado foi a filosofia predominante; tudo se explicava neste contexto. Já não o é agora, porque a física nuclear está realmente esmagando a filosofia materialista, pois nos é dito que até os objetos materiais estão cheios de movimento e força. Nada é estático ou inerte. Há forças, grandes forças por todos lados, e o que nós chamamos matéria, não é mais que uma grande força atômica unindo certas coisas entre si. Se tivéssemos dito isto cinquenta anos atrás, seria tomado como uma blasfêmia científica. O materialismo estava no controle. Por que? Somente estavam olhando de um lado e não conheciam todos os aspectos. Agora o ponto de vista materialista teve que desaparecer. Posso ilustrar o mesmo no campo da medicina. O que se faz hoje em dia — e devemos lembrar que há modas também na medicina — é falar da medicina psicossomática. Por fim os profissionais têm descoberto que o próprio paciente é importante. Até há pouco seu
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 49 interesse era na doença ou em certas partes do corpo humano, enquanto que o paciente era ignorado. Quando se ia ao doutor, este só tinha interesse nas dores de seu estômago. Atribuíam as dores de estômago a certas condições do mesmo: acidez, etc. Em minha época de estudante, se me tivessem perguntado qual era a causa mais corrente de dores de estômago, e eu tivesse respondido "preocupação e ansiedade" teriam pensado que algo mal sucedia comigo, e me teriam desqualificado por não dar uma resposta científica. Mas já hoje em dia têm descoberto que esta é a resposta. O corpo humano e seu funcionamento não é somente uma matéria física, seu espírito é também importante no contexto de sua saúde. A ansiedade, a preocupação, todas estas coisas, causam mensagens enviadas pela mente às partes locais do corpo. O corpo não é somente matéria. Hoje em dia, reconhece-se a importância da mente, embora ainda não se admite o fator espiritual. Deus permita que logo se reconheça que o espírito é tão importante como a alma (psique). Do mesmo modo, posso lhes demonstrar que toda a ideia do homem como unidade econômica está baseada na mesma falácia. O problema é que veem um só aspecto. Quando dizem que isto é tudo, simplesmente estão prejulgando e se esqueceram de outros fatores que são igualmente importantes. As pessoas que creem na economia creem que todo o problema do homem é um: o econômico. Não — diz outra pessoa — não é econômico mas sim biológico, e ele por sua vez está preparado para sugerir que a pessoa inteira e seu comportamento pode-se explicar em termos do equilíbrio das glândulas endócrinas. Outros dizem que isto é totalmente errôneo, e que o homem é essencialmente intelectual. Consideram o homem como puro intelecto sentado num vazio, inteiramente racional, sem qualquer outro fator em sua composição! Não seguiremos elaborando mais o assunto, mas, não é evidente que o problema de todas estas teorias é que o estão olhando de um só lado, considerando um só aspecto, e por isso suas soluções são parciais e incompletas? O que estão esquecendo, e o que tantos outros se estão esquecendo, é a vida em si. Esquecem-se dos sentidos e de fatores
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 50 tais como a emoção. Estas coisas se deixam de lado, e entretanto formam parte da vida, são essencialmente vitais. A concupiscência, os desejos, o pecado, a maldade, todas estas coisas vêm ao caso, todas estas realidades fazem o que somos e fazem da vida o que ela é. "Há muito mais coisas nos céus e na terra, Horácio, que as sonhadas em tua filosofia", diz o personagem de Shakespeare. Isto é o que devemos dizer ao homem de hoje. Talvez Browning o expressa ainda melhor em sua famosa poesia "Apologia do Bispo Blougram". Ali se relata a entrevista entre o ancião bispo e o jovem jornalista que estava desiludido da vida cristã. O jovem ia raciocinar a vida por sua própria conta. Ia romper com tudo o que lhe tinham ensinado no passado, ia pensar por si mesmo e fazer uma nova filosofia. O ancião bispo lhe disse com efeito: "Sabes que eu também uma vez fui jovem e fiz exatamente o que tu estás fazendo? Cria que tinha um perfeito entender, armei todas as partes componentes, possuía um perfeito sistema e filosofia da vida. Cria que nada poderia me transtornar, mas "justo quando nos sentimos mais seguros, vem um toque do ocaso". Justo quando pensamos que temos toda a filosofia da vida gravada num fita cassete, pensamos que nossa filosofia é perfeita, chega um toque do ocaso: a morte de algum ser querido, ou uma catástrofe. Com nossas mentes racionais fazemos para nós um plano para a vida e pensamos que podemos explicar tudo e que temos tudo planejado. Mas, justo quando fizemos isto, provavelmente, saímos a caminhar ao parque e vemos um pôr-do-sol que emociona o mais recôndito de nosso ser de uma maneira inexplicável. Ou pode ser a beleza de uma flor ou a morte de algum ser querido. Nossa filosofia não levava em conta, nem o pode explicar. Há um mistério que não podemos aprofundar. Pode ser que afinal de contas há algo além acima, onde nossas mentes não conseguem chegar. Isto é o que o homem vê quando se achega ao santuário de Deus, Começa a ver as coisas em sua totalidade; coisas ignoradas e esquecidas vêm à sua memória. O apóstolo Paulo o expressa numa frase
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 51 maravilhosa. Houve um tempo em que ele odiava o nome de Jesus de Nazaré e perseguiu o Seu povo. Cria que estava fazendo um serviço para Deus ao matar os crentes. Quando viu Jesus, e chegou a conhecê-Lo, tudo se fez novo e logo olhando para sua passada vida, disse: " Na verdade, a mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno" (At. 26:9). Fez o que lhe parecia certo em vez de consultar a Cristo. Isto é preconceito. "A mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar". Enquanto você e eu fizermos nosso parecer jamais chegaremos a entender a vida na verdade. Não é este o grave problema da vida de hoje em dia? Tenho lido um livro que indica como se deve viver e governar este país. É um livro muito competente e o argumento, penso, muito convincente. O esquema sócio-econômico proposto me pareceu perfeito. Havia um só defeito; a pessoa que o escreveu não sabia absolutamente nada da doutrina do pecado. Se neste país todos tivéssemos sido perfeitos esse esquema teria sido ideal. O autor se esqueceu que os homens e mulheres não vivem de ideais mas sim de desejos, que somos governados pelo que queremos e o que desejamos. Temos paixões e cobiçamos. Somos criaturas de cobiça e de inveja, de anelos e de lascívia. Estas coisas estão dentro de nossa natureza. O homem em si foi esquecido nesse livro e esta é a principal falácia e a causa do fracasso de todo sistema idealista propugnado pelo homem. Podemos apresentar planos para abolir guerras e criar um permanente estado de paz para este mundo. Estes planos são perfeitos em teoria, mas não levam em conta a cobiça, e os anelos; esquecem-se destas falhas que estão na natureza humana, na própria mente do homem. Pode-se produzir um perfeito esquema, logo alguém — talvez algum membro do grupo ou alguém da conferência que planeja o esquema — de repente desejará algo, e os planos perfeitos ficarão no nada. Temos que enfrentar todos os aspectos. " Entendi eu o fim deles". Havia aspectos que ele não tinha considerado, havia elementos que não tinha levado em conta. Consideremos todos os aspectos; pensemos como um todo; pensemos em nós mesmos como seres completos. Notemos a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 52 corrupção que há em nossa natureza humana. Notemos que não somos apenas corpos humanos. Há outros fatores na vida, e se não os consideramos ainda não compreenderemos verdadeiramente a vida. Estas outras coisas são importantes. Levantemos a vista e olhemos ao misterioso universo e procuremos explicá-lo. Consideremos nosso lugar dentro dele. Olhemos quão misterioso e maravilhoso é; até os cientistas não o podem explicar. Podemos reduzir tudo a nível material somente? Claro que não; os cientistas tampouco podem. Ou tomemos um livro de história. Notemos como se produz a história, observemos os processos. Podemos explicar realmente toda a história em termos de evolução? Confrontemos os diferentes aspectos. Ó, a insensatez daquele que pensa que o homem, automaticamente, vai melhorando! Podemos dizer, considerando o que constantemente estamos lendo nos diários, que o homem segue caminho à perfeição, que está melhor que antes? Leiamos a história, olhemo-la em sua totalidade, e nos daremos conta que o homem segue comportando-se como o pecador que é e sempre foi. Agora olhemos a Cristo. Olhemos Sua vida, olhemos tudo o que O fez. nos ponhamos diante da cruz e tratemos de explicá-lo. Logo leiamos a história da Igreja, a dos mártires, e a dos santos. Absorvamos tudo. Não nos contentemos com menos que isso. Logo nos ponhamos diante de Deus. Nossa falha está em não pensar a fundo, porque se nós não consideramos todos os aspectos e facetas, se não enfrentamos todos os fatos, inevitavelmente erraremos. Se, ao contrário, temos rancor contra a vida e contra Deus e temos autocompaixão, isto é o que temos que fazer: apressemo-nos a ir ao santuário, consideremos todos os aspectos, busquemos lembrar todas as coisas que esquecemos. Há, entretanto, outro princípio mais. O salmista não somente viu que em seu pensar não tinha levado em conta todos os aspectos, mas também se deu conta que além disso, não esteve pensando corretamente o tempo todo até o final. Muitos dos problemas nesta vida devem-se a que as pessoas não pensam corretamente desde o começo. Este homem
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 53 se fixou somente na prosperidade dos ímpios. Quando foi ao santuário de Deus, imediatamente disse: "Compreendi eu o fim deles". Este é o grandioso tema da Bíblia. Tiago tem algo muito valioso para nos dizer a respeito do caso de Jó. Diz: ... " ouvistes da paciência de Jó, e viram o fim do Senhor..." (Tg. 5:11). Jó tinha estado passando um mau momento, e não podia entender por que. Não pensou em "o fim" do Senhor. No final da história no último capítulo, Jó, que foi despojado de tudo, terminou possuindo muito mais do que tinha antes. Este é "o fim" do Senhor. Sigamos até o final. Não fiquemos atrás. Não é este o argumento do Salmo 37? O que o salmista diz ali é: " Vi um ímpio prepotente a expandir-se qual cedro do Líbano. Passei, e eis que desaparecera; procurei-o, e já não foi encontrado" (Sl. 37:35-36) e portanto diz: " Observa o homem íntegro e atenta no que é reto; porquanto o homem de paz terá posteridade" (v. 37). A importância do "final" é algo que se enfatiza constantemente na Bíblia. Nosso Senhor o afirmou uma vez e para sempre no Sermão da Montanha: " Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela" [Mt. 7:13, RC]. Vemos o que está dizendo? Diz-nos: Olhe o caminho largo, vê quão maravilhoso parece. Pode ir com a multidão e fazer o que os outros fazem; todos riem e fazem brincadeiras. A porta e o caminho são largos e espaçosos. Tudo parece maravilhoso ali e este outro caminho parece ser tão miserável: "estreita é a porta". Um passo por vez, uma decisão pessoal, lutando com a gente mesmo, tomando a cruz. " Estreita é a porta, e estreito o caminho". E porque olham só o começo é que muitos estão no caminho largo. O que é que lhes sucede? Não olham o fim. " Larga é a porta, e espaçoso o caminho, que leva a perdição". " Estreita é a porta, e estreito o caminho", mas — e este é o fim — "leva à vida". O fim de um é destruição, o do outro, vida. O problema nesta vida é que as pessoas olham só o começo. Ao que parece suas vidas são o que nós chamamos "de letra". Chama a atenção constantemente, e os que a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 54 vivem dão a aparência de viver maravilhosamente bem. Ai dos jovens que foram criados pensando que a vida é assim, e que viver deste modo é a suprema felicidade! Olhemos o fim deles. Olhemos como entram e saem dos juízos de divórcio, convertendo o casamento numa aceita prostituição, indignos de ter filhos por causa de seus egoísmos e porque não sabem educá-los. As pessoas são atraídas pelas aparências. Olham só a superfície; olham só o começo. Não olham o fim deste tipo de vida; não pensam, em nenhum instante, no resultado final. De toda maneira, é certo hoje em dia, como foi sempre, e a Bíblia o diz constantemente, que o fim destas coisas é "destruição". Não há nada mais penoso neste mundo, que a desintegração final do enfoque não cristão da vida. Charles Darwin, o autor de "Origem das Espécies", confessou no final de sua vida, que por concentrar-se num só aspecto da vida, tinha perdido o poder para desfrutar da poesia e da música, e em grande medida, também do poder de apreciação da própria natureza. Pobre Charles Darwin! Enquanto que estava acostumado a desfrutar de poesia em sua juventude, agora em sua ancianidade não encontrava prazer nela e a música já não significava nada para ele. Chegou a concentrar-se muitíssimo nos detalhes de uma área da vida que deliberadamente limitou seu campo de visão em vez de deixar que o glorioso panorama da totalidade lhe falasse. O fim de H. G. Wells é mais ou menos similar. Ele, que tinha advogado tanto a favor da mente e do entendimento humano, e tinha ridicularizado o cristianismo com suas doutrinas de pecado e salvação, no final de seus dias confessou que estava totalmente desconcertado e sobressaltado. O próprio título de seu último livro "A mente no fim de seus Recursos", sustenta eloqüentemente o testemunho do ensino bíblico sobre o fim dos ímpios. Ou tomamos a frase da autobiografia de um racionalista como o doutor Marrett, que foi reitor de um dos colégios em Oxford. Escreve assim: "Mas para mim a guerra em trazido a um súbito fim o longo verão
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 55 de minha vida. É por isso que não tenho nada a ambicionar, somente um frio outono, e um mais frio inverno e procurar ainda, de algum modo, não perder as esperanças". A morte de um ímpio é terrível. Leiamos as biografias. Seus resplandecentes dias chegam a um final. O que possuem agora? Não têm nada para animar-se, e como Lorde Simão, buscam animar-se revivendo seus anteriores êxitos e triunfos. Assim é o fim dos ímpios. Compare isto com uma vida santa que, no princípio, aparenta ser estreita e miserável. Ainda o mercenário profeta Balaão, mau como era, entendeu algo disto, e disse: "Que eu morra a morte dos justos, e o meu fim seja como o dele" (Nm. 23:19). Em outras palavras: 'Tenho que admitir que estes retos sabem como morrer; oxalá pudesse eu morrer como eles!' No livro dos Provérbios lemos: "O caminho dos perversos é como a escuridão ... Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito" (Pv. 4:19, 18). Que glorioso! Voltemos ao Salmo 37: "Considera o íntegro, e olhe o justo; porque há um final ditoso para o homem de paz". E logo escutemos o apóstolo Paulo. Apesar de todas as suas tribulações e perseguições, suas provas e desilusões, escutemos o que diz quando enfrenta o fim de seus dias: "Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda" (2Tm. 4:6-8). Esta é a forma de morrer, esta é a maneira de terminar os dias. Uma das mais orgulhosas afirmações de João Wesley em seus primeiros dias de Metodismo foi: "Nosso povo sabe morrer bem". Em toda a Bíblia somos instados a considerar nossos "últimos dias". Não vá à igreja só para considerar as vantagens do presente; considera seus últimos dias. "O fim". Que glorioso seria para nós se pudéssemos confrontar o fim como o fez o apóstolo Paulo, e dizer: " Já agora a coroa
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 56 da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia". Para poder dizer isto, e estar seguros de receber uma coroa, devemos primeiro ver as duas possibilidades em sua totalidade, e logo ir imediatamente a Deus e confessar nossa cegueira, nosso preconceito, nossa insensatez de confiar no juízo próprio, e logo pedir Àquele que nos receba. Conte que você aceita a mensagem concernente a Cristo, Seu Filho Unigênito, quem veio ao mundo para morrer por seus pecados e livrar você. Renda-as a Ele, confie nEle, em Seu poder. Entregue-se incondicionalmente a Cristo e você vera a vida em sua totalidade e terá uma felicidade que jamais experimentou. E o final será glorioso. Seus caminhos serão como a luz da aurora que brilha cada vez mais, por mais negro que se torne o mundo e, até no vale de sombra de morte, sua luz brilhará cada vez mais até que o dia seja perfeito "Compreendi o fim deles".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO V
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COMEÇANDO A ENTENDER Vv. 18-20: Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os fazes cair na destruição. Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror! Como ao sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, ao despertares, desprezarás a imagem deles. Chegamos ao ponto onde a forma de pensar do salmista foi corrigida em termos gerais. Procederemos agora, a considerar como ele chegou a pensar corretamente em certos aspectos particulares. Como vimos no capítulo anterior, ele descobriu que seu conceito a respeito dos ímpios era completamente falso. Encontrava-se no Templo. Qual era a origem do Templo? Esta pergunta que se fez, levou-o a considerar toda a história do povo de Deus, todos seus inimigos e toda a oposição que encontraram e que tiveram que vencer. A história foi que Deus sempre livrou a Seu povo, e derrotou a seus inimigos. A história da Igreja Cristã deve fazer o mesmo em nós. Lorde Macaulay disse uma vez: "Nenhum homem que esteja corretamente informado a respeito do passado estaria disposto a tomar uma doentia ou desesperada opinião do presente". Se isto é certo em termos gerais, é particularmente certo no âmbito da fé cristã. É nossa ignorância sobre a história da Igreja, e particularmente da história registrada na Bíblia, que frequentemente nos causa tropeço e desespero. Qual é então, o ensino da Bíblia a respeito? A primeira coisa que encontramos é o que nos ensina história. Não podemos deixar de lembrar frequentemente historias como as do dilúvio, de Sodoma e Gomorra, dos filisteus, dos assírios, dos Babilônicos e de Belsazar. Todas nos ensinam a mesma lição: o triunfo de Deus sobre os Seus inimigos. A que mais se destaca entre todas é o fato da ressurreição que mostra o triunfo final de Deus sobre o diabo e todos os seus poderes. Sua contínua vitória é vista
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 58 em todas partes nos Atos dos Apóstolos e, um majestoso olhar do fim nos é dada no livro de Apocalipse. A história propriamente dita da Igreja Cristã dos dias dos Apóstolos continua com a mesma. Sabemos o que aconteceu com potências como a dos judeus, a dos Romanos, etc., que tentaram exterminar a Igreja Cristã. Conhecemos também as épocas, histórias dos mártires e dos primeiros confessores, a história da Igreja Valdense, dos primeiros Protestantes, dos Puritanos, dos Pactuantes da reforma religiosa escocesa. Certamente este presente século em que vivemos proporcionou ainda mais evidências. A Bíblia, entretanto, não só registra a história. Ensina-nos a entender o significado da mesma. Ensina-nos certos princípios. O primeiro é que todas as coisas, até os poderes satânicos, estão controlados pela mão de Deus. Como o salmista o expressa aqui no versículo 18: "Tu certamente os pões em lugares escorregadios ..." Não são agentes livres. Nada sucede fora de Deus. "O Senhor reina", "Por mim reinam os reis". É de vital importância que entendamos bem esta doutrina da providência de Deus. Pode definir-se assim: "É o contínuo exercício da energia divina com a qual o Criador defende todas as Suas criaturas, opera em tudo o que acontece neste mundo e dirige todas as coisas a seu estabelecido fim". Deus está acima de tudo, e como lemos no Salmo 76:10 [RC]: " Porque a cólera do homem redundará em teu louvor, e o restante da cólera, tu o restringirás". Com relação a isto temos que lembrar a vontade permissiva de Deus. Isto escapa ao nosso conhecimento, mas se ensina claramente que Ele permite que passem certas coisas para cumprir o Seu propósito. Outra coisa que vemos claramente aqui é a condição totalmente precária e perigosa do ímpio. Estão "em lugares escorregadios". Tudo o que têm é temporário. O salmista repentinamente viu com clareza o mesmo que Moisés quando escolheu " ser maltratado com o povo de Deus", em lugar de "desfrutar dos prazeres transitórios do pecado". Não há dúvida que a velhice e decaimento, a morte e o juízo, virão. O mais
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 59 terrível do pecado é que cega os homens para compreender isto. Não veem que a pompa e a glória são só por um momento. "O Senhor reina; tremerão os povos". O salmista viu isto bem claro no santuário de Deus e não somente deixou de ter-lhes inveja, mas antes, dá a impressão que começou a compadecer-se deles ao notar a verdade de sua situação. Assim, sua opinião com relação aos ímpios foi corrigida e provavelmente não haja melhor prova para nossa profissão de fé cristã que esta. Temos lástima da cegueira dos ímpios? Temos uma sensação de compaixão deles que andam como ovelhas sem pastor? Prosseguimos agora a considerar o seguinte passo e a demonstrar como o pensamento do salmista foi corrigido com relação ao próprio Deus. Vimos como sua opinião a respeito de Deus se desviou completamente porque começou a pensar sobre os ímpios num sentido errado, e é por isso que chegou à posição de questionar e até duvidar a respeito de Deus. Diz: "Em vão tenho limpado meu coração, e lavado minhas mãos em inocência!" Em outras palavras: "Tentei obedecer a Deus, mas parece que realmente não vale a pena. É Deus na realidade o que Ele diz ser?" Pensar assim é algo terrível; e é precisamente isto que vamos considerar agora. O salmista nos demonstra como seu pensar a respeito de Deus foi corrigido. Num sentido, ele já o disse quando exclamou: "Tu certamente os pões em lugares escorregadios". Do momento que reconhece que Deus os pôs ali, tem-se a sensação que toda a sua posição começa a mudar. O que é que precisava ser ajustado quando começou a pensar de Deus no sentido correto? Creio que a primeira coisa foi sua atitude com relação ao caráter de Deus, porque, afinal de contas, o que o salmista começou a pôr em dúvida foi o caráter do próprio Deus. Muitos destes salmistas com estranha e notável honestidade confessam que foram tentados neste sentido. Por exemplo, no Salmo 77 se expressa claramente. O salmista pergunta: "Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício? Cessou perpetuamente a sua graça? Caducou a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 60 sua promessa para todas as gerações? Esqueceu-se Deus de ser benigno?..." [Sl. 77:7-9]. Esta é a classe de pergunta que eles se faziam, e, como indiquei no princípio, alguns dos grandes homens de Deus foram tentados às vezes a fazer-se estas perguntas quando as coisas não lhes iam bem. O salmista de igual maneira formulou estas mesmas perguntas: Porventura Deus Se importa?, e se Ele Se importa por que não detém todas estas coisas? Será que não pode fazê-lo? Assim é que as dúvidas a respeito do caráter de Deus conduzem a duvidar de Seu poder. Quantos se fizeram estas perguntas! Quantas vezes tem-se dito durante a última guerra mundial: "Por que Deus permite que viva um homem como Hitler? Se Ele é Deus todo-poderoso, por que não o destrói de uma vez?" Logo a mesma pergunta sugere: Será que Deus não o pode fazer? ou, será que nos equivocamos em nossas ideias a respeito de Deus? Estivemos errados em nossas ideias a respeito de Sua misericórdia e bondade? Por que é que não destrói estas pessoas que se opõem a Ele e a Seu povo? Estas são as perguntas que tendem a agitar nossas mentes em tempos de prova. Este homem foi atormentado com estas perguntas, mas aqui encontra a resposta. Imediatamente seu modo de pensar se corrige lembrando a grandeza e o poder de Deus — "Tu certamente os pões em lugares escorregadios". Não há nada que esteja fora do controle de Deus. Muitos dos Salmos expressam isto, como por exemplo o Salmo 50. É por certo um dos grandes temas da Bíblia. Não há limites ao poder de Deus, é eterno em todos os Seus poderes e em todos os Seus atributos. " Ele falou, e tudo se fez" (Sal. 33:9). Ele criou tudo do nada; suspendeu o Universo no espaço. Leiamos as passagens grandiosas do livro de Jó (por exemplo, capítulo 28) e encontraremos que ali se expressa numa forma maravilhosa. " No princípio Deus". Isto é um postulado fundamental; a Bíblia o afirma em todas as partes. Qualquer que seja a explicação que se dê a tudo o que está sucedendo no mundo, não significa que Deus seja incapaz de detê-lo. Não é que Deus não possa frear estas coisas, porque o
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 61 poder de Deus, por definição, é ilimitado. Ele é absoluto; é eterno, eterno Deus para quem tudo deste mundo é como nada para Ele. Ele possui tudo, governa e controla tudo; todas as coisas estão sob Sua mão. "O Senhor reina". Isto foi, pois, a primeira coisa que compreendeu, e o compreendeu bem. Em segundo lugar, compreendeu o relacionado à retidão e justiça de Deus. Esta é a ordem em que se apresentam. Se Deus tem o poder, por que não o exercita? Se Deus tem a habilidade de exercê-lo, por que não o exerce? Se Deus tem a capacidade de destruir a todos os Seus inimigos, por que permite que eles façam o que estão fazendo? Por que os ímpios florescem? Que acontece com a retidão e a justiça de Deus? A resposta encontra-se nas palavras de Abraão: "Não fará justiça o Juiz de toda a terra?" (Gn. 18:25). Este postulado é tão fundamental como o é a grandeza, o poder e a majestade de Deus. Deus é eternamente justo e reto. Deus não pode mudar. Deus não pode (digo-o reverentemente, e é parte da verdade concernente à santidade de Deus), Deus não pode ser injusto. Isto é impossível. Tiago o expressa desta maneira: " Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta" porque é o " Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança" (Tg. 1:13, 17). Se houvesse possibilidade alguma de mudança ou modificação na pessoa de Deus, deixaria de ser Deus. Deus, tal como Ele Se revelou a nós, é desde a eternidade e até a eternidade, sempre o mesmo; jamais há diferença, jamais modificação alguma. Assim, quando Abraão diz: " Não fará justiça o Juiz de toda a terra?" está correto. Não pode fazer outra coisa. Temos que nos dar conta disto, e quando somos tentados pelo diabo, ou por nossos próprios contratempos, ou por qualquer posição que o diabo queira utilizar para nos fazer duvidar da justiça de Deus, possamos entender que a única coisa que estamos fazendo é sugerir a possibilidade que Deus varie e mude. Isto é impossível; porque Deus é Deus, e pelo que Ele é, jamais pode haver variação alguma em Sua justiça ou retidão.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 62 Temos, entretanto, que seguir mais adiante. O salmista seguiu e chegou ao ponto onde descobriu que a aliança de Deus e as promessas de Deus, são fiéis para sempre, e para sempre seguras. Em outras palavras, Deus não é somente justo e reto, mas sim que Se comprometeu com o homem. Deu certas promessas. Por isso outra grande doutrina da Bíblia é que as promessas de Deus são sempre certas e seguras; o que Ele prometeu, segura e certamente o cumprirá. Lembremos as palavras de Paulo a Tito; ele refere-se a um "Deus que não pode mentir" (Tt. 1:2). E não pode mentir pela simples razão que Deus é Deus. Quando Deus dá uma promessa, certamente a cumprirá. Todas as Suas promessas são absolutas, e qualquer coisa que Ele prometeu, sem lugar a dúvida, levála-á a cabo. Isto foi muito importante para o salmista porque sendo ele um dos membros do povo de Deus, conhecia a aliança. Conhecia as promessas que Deus fez a Seu povo, e como Ele Se ofereceu a eles. Disse-lhes que eles eram o Seu povo especial, Seu povo "peculiar", que tomaria especial interesse neles, que os cuidaria e os abençoaria até que eventualmente os reuniria a Ele. O salmista, como vimos, esteve tentado a perguntar: "Se assim é, por que estou nesta condição?" Mas agora no santuário de Deus dá-se conta que sua atitude era incorreta, e vê que Deus opera tanto indireta como diretamente. Foi no santuário de Deus que ele se deu conta disso. Se lemos os versículos que se seguem vamos notar como ele o desenvolve. Diz: "Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória" [Sl. 73:23-24]. Ele percebe tudo tão claramente que quando se dispõe a escrever este Salmo começa dizendo: "Com efeito, Deus é bom para com Israel"; embora tudo pareça o contrário, Deus é sempre bom para com Israel, Ele nunca deixa de cumprir Suas promessas. Estes são os postulados fundamentais em nossa relação com Deus, e nunca devemos ceder à tentação de perguntar ou duvidar sobre o particular.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 63 Então vemos que o conceito do salmista a respeito de Deus foi corrigido, primeiro no que respeita ao caráter de Deus. Entretanto, ainda nos falta responder a pergunta de maior importância. Se sabemos que Deus tem todo poder e que nada O pode limitar, que é sempre justo e reto, e que é sempre fiel à Sua aliança e a Suas promessas, então, por que é que os ímpios têm a permissão de florescer e prosperar desta maneira? E por que é que os santos encontram-se frequentemente num estado de sofrimento? Aqui está o centro da pergunta que sempre preocupa a humanidade e que provavelmente é a pergunta de milhões de pessoas em diferentes partes do mundo neste momento. Por que Deus permite estas coisas? O salmista encontrou a resposta na casa de Deus. Expressa-o de uma maneira bem interessante. Encontraremos a mesma resposta em vários Salmos, e por certo, também em outras partes das Escrituras. Aqui se expressa em palavras que bem podemos descrever como um atrevido antropomorfismo. O salmista diz que a explicação é que Deus no momento parece estar dormindo "... ao despertares, desprezarás a imagem deles" [Sl. 73:20]. Este é um antropomorfismo. Em outras palavras, o salmista, para poder dizer o que descobriu no santuário de Deus, teve que expressá-lo em termos humanos. Devido às limitações de nosso entendimento e de nossa linguagem, utiliza representações figuradas do que é certo a respeito de nós como homens. Deus não pode dormir, mas aparenta estar dormindo. Não é que Ele Se esqueceu de ser bondoso; está dormindo. Este é o argumento. Uma declaração similar encontra-se no Salmo 74:22, onde depois de descrever a desolação da Igreja e a forma em que o inimigo veio e reduziu quase tudo a escombros, o salmista termina com uma oração. Diz: " Levanta-te, ó Deus, pleiteia a tua própria causa ..." Parece que se volta a Deus e lhe diz: "Deus, por que não despertas? Levante-te, ó Deus..." É a mesma ideia. No Salmo 44:23 está ainda mais enfatizado. "Desperta! Por que dormes, Senhor? Desperta! Não nos rejeites para sempre!". Aqui temos a um homem em estado de desespero. Vê a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 64 desolação produzida pelo inimigo. Sabe que Deus é justo e TodoPoderoso, e voltando-se para Deus, diz: "Por que dormes, Senhor? Por que não te fazes valer, Senhor?" Todas expressam a mesma ideia, e isto é o que agora devemos examinar em detalhe. Por que parece que Deus está dormindo? Antes de chegar à resposta espiritual a esta pergunta, queria me apartar por um momento, para indicar a grave inconsequência que se encontra no argumento daqueles que facilmente questionam o caráter de Deus e Seu poder. Há muitos que dizem: Se Deus é Deus, se tem poder, e se é misericordioso e bondoso, por que não destruiu a um homem como Hitler no princípio de seu regime? Por que não o fez desaparecer a ele e a todo o seu exército e assim evitar sofrimentos? Por que não intervir antes? Por que não se fez sentir? Este é o argumento que apresentam e entretanto, geralmente estas mesmas pessoas são as que pretendem defender o que eles chamam o livre-arbítrio. Se começamos a lhes pregar sobre a doutrina da graça, e mencionamos termos como "predestinação" e "eleição", são os primeiros em dizer: "Eu tenho livre-arbítrio, tenho direito a fazer o que quero com minha vida". Entretanto, estas pessoas são as que dizem que Deus deveria exercer Seu poder e Sua força sobre outras pessoas. Não podemos ter ambas as coisas. Se quisermos que Deus Se zangue em certas coisas, deve fazê-lo em todas as coisas, não só nas que nós escolhemos. Há uma total inconsequência no argumento. Quando estas pessoas pensam em outros, esperam que Deus os controle, mas quando pensam em si mesmos dizem: "É errado que Deus me controle". "Sou uma pessoa livre; é imprescindível que eu tenha liberdade de fazer o que quero muito; sou livre, e tenho que ter liberdade". Sim; exigem liberdade para si mesmos, mas para os outros, não! Por que, então, Deus parece estar dormindo? Por que permite que os ímpios floresçam desta maneira? Há nas Escrituras certas respostas bem definidas a esta pergunta. Primeiro, não há dúvida alguma que uma das razões por que Deus permite que estas coisas sucedam, é para que o pecado seja revelado tal como realmente o é, e seja visto como é em toda sua perversidade. Se
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 65 quisermos um clássico exemplo o encontraremos na segunda parte de Romanos 1 onde Paulo destaca na história do homem, seu deslizamento e queda. Paulo estava escrevendo a respeito da civilização, ou sociedade, de seu tempo. Descreve a terrível fealdade e imundícia da vida; dá-nos essa horrível lista de pecados, as perversões sexuais e todas essas outras coisas que caracterizaram a vida daquela época. E diz que a verdadeira explicação de tudo isso é que a humanidade tinha substituído a criatura pelo Criador, rebelou-se contra as santas leis divinas, e portanto, Deus os entregou a uma mente reprovada. Deus retirou Seu poder de retenção. permitiu que o pecado se manifeste e demonstre realmente o que é. Indubitavelmente isto é algo que precisamos lembrar hoje em dia. Atualmente se presta muita atenção à condição moral do país, e com toda razão. Por que é necessário isto? Sugiro que a resposta é ainda exatamente a mesma. Nossos pais e antepassados têm voltado suas costas a Deus em forma crescente. Questionaram a autoridade das Escrituras — isto se tem feito inclusive do púlpito — e o homem converteu-se em autoridade. O que o homem pensa a respeito da Bíblia, o que o homem pensa a respeito de Deus, o que o homem pensa a respeito de moralidade, foi feito lei. O homem se pôs na posição de autoridade e recusou a autoridade de Deus, e hoje em dia estamos colhendo as consequências. Deus, por assim dizer, dirige-se à humanidade e lhe diz: ''Muito bem, eu os deixarei que vejam aonde os levam seus critérios e filosofias". Agora estamos começando a ver o que realmente é o pecado. Está-se mostrando em toda sua fealdade. Vemo-lo em todo seu horror, sua imundícia e malignidade. Não há dúvida que Deus, para ensinar à humanidade o extremamente vil que é o pecado, às vezes retrai Seu poder controlador e permite aos ímpios agir desenfreadamente. Deixa-lhes agir a seu desejo e logo se chega a ver o que realmente são. O pecado é ignorado pelos filósofos e os psicólogos pretendem ignorá-lo. Mas nós o estamos vendo tal como é: horrível, imunda perversão e cobiça. Está no coração dos educados como também no dos iletrados, em todas as classes e estratos sociais.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 66 Esta é uma razão, mas não a única, porque sem dúvida Deus permite que sucedam estas coisas, em parte, como castigo do pecado. Se lemos Romanos 1, nós nos daremos conta que este ponto surge ali também. Em outras palavras, Deus retira Seu poder restritivo para que as pessoas colham as consequências de seus próprios pecados, e assim dessa maneira Ele os castiga. Todos somos iguais por natureza: desejamos os prazeres do pecado sem suas consequências, desejamos poder pecar sem sofrer por isso. Entretanto, não podemos, porque "para os ímpios, diz o Senhor, não há paz ". Deus tem feito ao homem de tal maneira que sem Ele não tem paz, e por essa razão sofremos, e às vezes Deus permite que o mundo chegue a um estado de impiedade como parte de seu castigo. Não vacilo em afirmar que esta é a única explicação das duas guerras mundiais. Deus, em parte, repartiu castigo à humanidade por seu desafio durante estes últimos cem anos. Deus permite que as coisas se desenvolvam para que a humanidade colha as consequências do que semeou. Colhemos o que semeamos. E experimentamos isto no curso de nosso tempo. O que é que segue? Eu creio que Deus permite que o mal e os ímpios operem desenfreadamente. Ele lhes dá rédea solta, licença, como quem diz, para que sua queda seja mais completa e contundente. A história bíblica é realmente a exposição deste princípio. Deus parece estar dormindo, e o inimigo se levanta. Blasfema o nome de Deus. Pensemos no caso da Assíria. Eles se levantaram contra o Deus de Israel, e Deus permitiu que assim o fizessem. Enalteceram-se quase até os céus e disseram: "Nada nos pode deter". Logo Deus interveio e todo o império caiu, sendo terrível a derrota final. Quando o fanfarrão expressa sua máxima jactância, então é derrubado. Se Deus o tivesse humilhado antes, não teria parecido tão maravilhoso. Assim Deus permite que a maldade e os poderes malignos façam coisas incríveis neste mundo, tanto que as pessoas piedosas se perguntam: Poderá Deus deter isto? Então, quando o fim já está para chegar, Deus se levanta, e vence. Desta maneira a derrota do inimigo é maior e mais completa.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 67 Logo, por outro lado, Deus permite isto para mostrar Sua grandeza e glória perante o fracasso de tão grande e poderoso inimigo. Deus Se levanta, derrota-os e todos os que o veem, temem ao Todo-Poderoso e glorioso Deus. Tudo isto está bem ilustrado no final do capítulo 12 do livro de Atos. Um rei chamado Herodes, sentado num trono fez um grande discurso a certas pessoas e, depois de arengá-los, o povo clamou: "Voz de Deus, e não de homem!" Logo Deus, nos é dito, enviou a um anjo que "o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou. Entretanto, a palavra do Senhor crescia e se multiplicava". Vemos o contraste. A pompa e a grandeza foram destruídas; mas a palavra de Deus que este Rei néscio estava tentando destruir, cresceu e se multiplicou, e assim a glória de Deus foi manifestada. A última explicação que lhes darei é esta. Não há dúvida alguma que às vezes Deus permite que os ímpios floresçam para disciplinar a Seu povo. Lamento ter que dizer isto, mas precisamos ser disciplinados. Quantas vezes Deus permitiu que se levantem inimigos contra o povo de Israel com o propósito de discipliná-los? Eles, o Seu próprio povo, afrouxavam e Se esqueciam de Deus. Ele lhes suplicou, mandou-lhes profetas, mas fizeram caso omisso. Então levantou a Assíria, levantou os caldeus para castigá-los, para corrigir a Seu próprio povo. E não erro ao afirmar que muitas das coisas que passam neste século, devem-se, em parte, a que nós, o povo de Deus, precisamos ser disciplinados. A própria Igreja, em maior medida, foi culpado de debilitar a fé dos crentes na Palavra de Deus, e não é surpreendente que as coisas estão como estão. Provavelmente tenhamos que passar mais prova para que sejamos humilhados e nos submetamos a Ele e compreendamos que somos o povo de Deus e que temos que obedecer-Lhe e confiar inteira e somente nEle. Estas são, a meu entender, algumas das respostas nas Escrituras de por que Deus às vezes parece estar dormindo.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 68 Mas isto não é tudo o que o salmista aprendeu no santuário a respeito dos caminhos de Deus. Compreendeu o caráter de Deus, e que Deus só aparenta estar dormindo. Termina então com o que acontece quando Deus desperta. "Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror! Como ao sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, ao despertares, desprezarás a imagem deles" [Sl. 73:19-20]. O que é que está dizendo? A primeira coisa é que Deus Se levanta. "Quando despertar!"; vai suceder. Deus não está permanentemente dormindo. Quando se realizar isto ... Há um limite que Deus permite aos ímpios. Certamente lhes permite fazer o bastante, mas há um fim à liberdade e aparente licença que Ele dá a Seus inimigos. "O meu Espírito não agirá para sempre no homem ..." Por quanto tempo há de continuar isto? A chave para esta resposta, dada por Deus no princípio da história, é que os santos devem esperar, "porque ainda não chegou a seu cúmulo a maldade do amorreu até aqui". Há um limite. Deus despertará. O que sucede quando Ele despertar? O salmista nos conta claramente o que sucederá a estes prósperos, homens ímpios. Diz: "Como ao sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, ao despertares, desprezarás a imagem deles". Que quadro! Este homem ímpio, que parece ser tão grande e maravilhoso, desvanece-se como um sonho quando Deus desperta. É como se tivesse sido nada mais que um fantasma, uma imagem, uma aparência e nunca uma realidade. Os ímpios que parecem ser tão poderosos, tão grandes e maravilhosos, tão suficientes em si mesmos e quase indestrutíveis, quando Deus Se levanta, desvanecem-se num instante. A Bíblia está cheia disto. Leiamos Isaías 40 e nos daremos conta que ali Deus diz que para O as nações são como "a gota de água que cai do cubo e como miúdo pó nas balanças". Estas grandes nações com suas bombas atômicas e de hidrogênio, estas poderosas nações, são como a "gota de água que cai do cubo, ou como miúdo pó nas balanças"! E não somente isto. Escutemos o sarcasmo e a zombaria. Todas as nações da terra "são como gafanhotos", até Grã-Bretanha, os Estados
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 69 Unidos e a União Soviética. Houve outros grandes impérios, nações e repúblicas no passado; mas todas desapareceram porque não se submeteram a Deus. Todas as nações da terra são como gafanhotos quando Deus Se levanta. Dar-lhes-ei mais outro exemplo; é o mais notável da história. Temos lido de Alexandre Magno, um dos mais hábeis generais de todos os tempos, grande monarca e poderoso valente. Conquistou quase todo o mundo. Como é chamado nas Escrituras? Leiamos nossas Bíblias do começo ao fim e não encontraremos o nome de Alexandre Magno. Não se menciona. Entretanto, Alexandre Magno figura nas Escrituras, e podemos ver como Deus o menciona em Daniel 8. Como Walter Luthi indicou: Aquele que para o mundo é Alexandre Magno, para Deus é um "bode emissário". Quando Deus Se levanta é isto que acontece a nações, a impérios, a indivíduos, a todos. "Ó Senhor, ao despertares'', e Ele despertou. Leiamos a história registrada na Bíblia e encontraremos que Deus Se levanta, e quando o faz Seus inimigos são disseminados e reduzidos o nada. A última mensagem, entretanto, que se deriva de tudo isto é que estes grandes eventos da história que sucederam, são um pálido reflexo, e ao mesmo tempo um poderoso aviso, pelo que vai suceder. Este mundo é ímpio, está sem Cristo, ridiculariza a graça de Deus e ao Salvador do mundo e especialmente o precioso sangue de Sua cruz. Este mundo é arrogante e se gloria em seu pecado. Não obstante, o apóstolo Paulo, quem foi grandemente perseguido, escrevendo sua segunda carta aos Tessalonicenses nos diz o que é que vai suceder: "e a vós outros, que sois atribulados, alívio juntamente conosco, quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder " (2 Ts. 1:7-10).
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 70 Isto é tão certo quanto estamos vivos neste momento. O Senhor virá dentre as nuvens do céu e todos os Seus inimigos serão esparramados e desarraigados. Satanás, o inferno e todos aqueles que se opõem a Deus serão lançados no lago de fogo e "sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor". Este é o fim dos ímpios. Este é o poder e a glória de Deus a quem amamos e a quem adoramos e servimos. Se não entendemos o que está ocorrendo, ponhamo-lo neste contexto. Deus é Deus. Deus é santo e justo. Ele que O prometeu, certamente o cumprirá. Ele permite estas coisas para seu propósito. Chegará o dia em que Se levantará e destruirá a Seus inimigos, e o reino de Jesus Cristo será estendido de mar a mar e ao nome de Jesus se dobrará todo joelho "dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra"; e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, "para glória de Deus Pai". Graças a Deus que Suas promessas são sempre seguras. Deus nos conceda que todos possamos ver, saber e entender os caminhos de Deus, e nos despojar, de uma vez por todas, de todas as dúvidas pecaminosas e as perguntas indignas.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO VI
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EXAME DE CONSCIÊNCIA Vv. 21-22: Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença Aqui chegamos a mais outro passo na narração da crise pela qual passou a alma do salmista em seu andar piedoso. Vimos como sua forma de pensar com relação aos ímpios e a Deus foi corrigida. Agora vamos considerar como, num terceiro aspecto, seu pensamento a respeito de si mesmo foi corrigido. Isto o descreve em forma vívida e ao mesmo tempo rigorosa nos dois versículos que estamos considerando. Notemos primeiro o surpreendente contraste que apresenta com o que anteriormente disse a respeito de si mesmo nos versículos 13 e 14. Ali disse: "Inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado". Tem muita lástima de si mesmo. É muito correto, um homem muito bom o está pressionando muito, trata-o injustamente, e até Deus mesmo parece ser injusto com ele. Isto é o que pensou de si mesmo quando estava fora de santuário. Entretanto, dentro do santuário tudo mudou: "Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença" [Sl. 73:21-22] (Que transformação!) Que conceito totalmente diferente de si mesmo. E tudo como resultado de que sua forma de pensar foi corrigida e feita verdadeiramente espiritual. Isto é um assunto muito importante e o ponto mais sobressalente em todo o desenvolvimento do ensino deste Salmo. Sejamos bem sinceros e honestos e admitamos que nós somos muito propensos a nos deter antes de chegar a este ponto. Estamos satisfeitos lendo a respeito dos ímpios — e não conheço ninguém que se incomodou por um sermão que mostra
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 72 como os ímpios foram postos em lugares escorregadios. Também está esta grande e exaltada doutrina a respeito de Deus: "O Senhor reina". Todos gostamos de escutar a respeito dela. Aceitamos o ensino quanto ao juízo dos ímpios e gostamos de ler da glória e a majestade de Deus, porque isto nos faz sentir que tudo está bem conosco. O perigo é deternos neste ponto e não seguir mais adiante. O salmista, entretanto, segue adiante, e ao fazê-lo, não somente nos revela sua honestidade, sinceridade e veracidade, que eram parte tão essencial de sua formação, mas também — e isto é o que quero enfatizar — exibe uma compreensão da natureza da vida espiritual. Nestes dois versículos temos um relato de seu arrependimento. Inteiramo-nos do que disse de si mesmo e, em particular, a respeito de sua recente conduta. É, por certo, um clássico exemplo de um honesto exame de consciência. Convido-lhes a considerar isto comigo pela importância que tem na disciplina cristã. Este arrependimento, este estado no qual o homem detém-se e fala consigo mesmo, é um dos aspectos mais essenciais e vitais no que usualmente se chama disciplina da vida cristã. Não me desculpo por enfatizar este ponto novamente, porque é algo que foi seriamente descuidado nestes dias. Com quanta frequência ouvimos a respeito da disciplina na vida cristã? Quantas vezes falamos disto? Quantas vezes o encontramos realmente no centro do andar cristão? Houve um tempo na Igreja Cristã quando ocupava um lugar central, e creio verdadeiramente que o estado atual da Igreja deve-se a nosso descuido desta disciplina. Realmente, não vejo esperança alguma de um verdadeiro avivamento e um verdadeiro despertar até que voltemos para esta disciplina. Ao abordar este tema, queria começar dizendo que existem dois perigos principais, e como é habitual, estão em extremos opostos. Nós somos criaturas dadas a excessos, tomando posições quer seja num extremo ou no outro. A dificuldade está em caminhar na posição correta, evitando as reações violentas; porque a verdadeira posição na vida cristã
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 73 é geralmente no centro, entre os dois extremos. Um perigo bastante comum foi a languidez e a introspecção. Eu diria que não é uma dificuldade muito comum entre cristãos hoje em dia, embora haja alguns que ainda estão sujeitos a isso. Em algumas partes de Grã-Bretanha, como por exemplo, as regiões montanhosas de Escócia, se encontrará ainda esta tendência a que me estou referindo. Num tempo isto era muito comum entre os celtas dessa região e em outras partes. Eu também fui criado num ambiente religioso dado a esta tendência, onde as pessoas passavam grande parte de suas vidas analisando-se e condenando-se, só conscientes de sua indignidade e incapacidade. Como resultado desta atitude se tornavam introspectivas, e se encerravam em si mesmas. Viviam continuamente tomando o pulso e a temperatura espiritual, quase inundadas neste processo de condenação de si mesmas. Contar-lhes-ei a história de uma das cenas mais patéticas que tive que presenciar. Estive ao lado do leito de morte de um dos homens mais santos e pios que tive o privilégio de conhecer. No quarto estavam suas duas filhas, sendo ambas de idade amadurecida. O pai ancião sabia que estava morrendo, e o que mais lhe preocupava era que suas filhas não eram membros de uma Igreja, e que nunca tinham participado da Santa Ceia. Era realmente um caso assombroso, porque seria difícil encontrar duas mulheres tão santas e tão ativas na vida da Igreja. Entretanto, não eram membros da Igreja. Por que alguma vez não tinham participado da Santa Ceia? Porque não se sentiam merecedoras da mesma; sentiam que não estavam em condições de vir à mesa, tão conscientes estavam de seus fracassos, de seus pecados e de seus defeitos. Duas excelentes mulheres cristãs que por sua introspecção e fechamento em si mesmas, creram não ter direito de participar da vida íntima da Igreja. Isto era muito comum num tempo. Alguns se levantavam nas reuniões de Igreja para dizer quão pecadores eram e enfatizar quanto tinham fracassado. Tinham a esperança de chegar ao céu, sim, mas não podiam entender como criaturas tão indignas podiam obtê-lo. Vocês certamente estarão familiarizados com esta atitude pelo que têm lido.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 74 Sem dúvida era uma tendência nas vidas dos santos João Fletcher e Henry Martyn. Estes não eram casos extremos, mas evidentemente tinham esta tendência, e era uma fase da piedade daquela época. Este não é, de maneira nenhuma, o perigo de hoje em dia, particularmente aqui em Londres e nos círculos aonde a maioria de nós nos movemos. Na verdade, o perigo entre nós é totalmente diferente; é o perigo contra o qual o profeta Jeremias nos admoesta quando fala de aqueles que "curam a ferida de meu povo com leviandade, dizendo: Paz, paz quando não há paz". É o extremo oposto à outra tendência. É a ausência de uma real e santa tristeza pelo pecado, com a inclinação a desculpar-nos e de considerar-nos a nós, a nossos pecados, nossas falhas e nossos fracassos, muito levianamente. Permita-me expressá-lo numa forma mais drástica ainda. Creio que existe um verdadeiro perigo entre alguns, e em particular entre evangélicos, de abusar da doutrina da salvação, de abusar das grandes doutrinas da justificação pela fé somente e da segurança da salvação com o consequente fracasso ao não compreender o que realmente é o pecado aos olhos de Deus, e o que realmente significa num filho de Deus. Não sei por que, mas a ideia de que o arrependimento não deveria ter parte alguma na vida, do cristão, parece ter ganho popularidade. Há aqueles que pensam que não se deve falar de arrependimento. Dizem que no momento em que alguém se deu conta que pecou e que pôs o seu pecado "debaixo do sangue" já está bem. Deter-se para pensar nisso e condenarse a si mesmo significa que há falta de fé. No momento que olhamos a Jesus já está tudo bem. Curamo-nos a nós mesmos muito facilmente; na verdade, não vacilo em dizer que o problema com a maioria de nós, num sentido, é que somos muito "sãos" espiritualmente. Digo-o enfaticamente, somos muito volúveis e muito superficiais. Não nos preocupamos com estes problemas; nós, contrariamente ao que faz o salmista nestes dois versículos, andamos muito à vontade conosco mesmos. Somos muito diferentes do homem que se descreve nas Escrituras.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 75 Sugiro que isto se deve ao fato que nós não chegamos a dar o passo que o salmista deu. No santuário não somente se deu conta a respeito dos ímpios e de Deus, mas também a respeito de si mesmo. Parece que hoje em dia não fazemos isto e o resultado é a falsa aparência de saúde, como se tudo estivesse bem conosco. Há muito pouco de pó e cinzas; há muito pouco de divina tristeza pelo pecado; há muito pouca evidência de verdadeiro arrependimento. Desejo mostrar que a necessidade de arrependimento e a importância do mesmo é algo que se ensina em todas as Escrituras. O exemplo clássico deste ensino, certamente, encontra-se na parábola do Filho Pródigo. Ali temos a história de um homem que pecou, e que em sua insensatez, deixou sua casa e depois viu que as coisas lhe foram mal. O que aconteceu? Quando se deu conta, o que fez? Condenou-se a si mesmo, falou consigo mesmo. Tratou-se a si mesmo severamente. E foi só depois disto que se levantou e se voltou para seu pai. Ou, tomemos essa maravilhosa declaração em 2 Coríntios 7:9-11. Estes cristãos em Corinto tinham cometido um pecado e Paulo lhes escreveu a respeito disso e enviou também Tito para lhes pregar sobre o tema. A ação que se seguiu proporciona uma definição do que realmente significa um verdadeiro arrependimento espiritual. O que alegrou o grande apóstolo a respeito deles foi a forma em que se trataram a si mesmos. Notemos que o descreve em detalhe. Diz: "Porque quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que, segundo Deus, fostes contristados! Que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita! Em tudo destes prova de estardes inocentes neste assunto" [2Co. 7:11]. Estes coríntios se trataram a si mesmos severamente e se condenaram a si mesmos; se "entristeceram segundo Deus", e devido a isto Paulo lhes diz que novamente estão num lugar de bênção. Outro exemplo maravilhoso desta verdade a encontramos no livro de Jó. Lembramos como Jó através da parte principal desse livro se justifica a si mesmo, defendendo-se e às vezes sentindo lástima de si mesmo? Mas quando ele veio sinceramente à presença de Deus, quando
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 76 chegou ao lugar onde se encontrou com Deus, isto é o que disse: "Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42:6). Não houve outro homem mais piedoso que Jó, o mais reto, o mais religioso de todos neste mundo. Entretanto, agora, por causa da adversidade, não se lembra mais das boas coisas que tinha tido nem das bênçãos de que tinha desfrutado. Jó esteve tentado a pensar de Deus da mesma maneira que o autor do Salmo 73, e disse coisas que não deveria ter dito. Mas quando vê a Deus, tapa a boca com a mão e diz "me arrependo no pó e na cinza". Pergunto-me se conhecemos esta experiência. Sabemos o que é nos aborrecer a nós mesmos e arrepender-nos no pó e na cinza? A doutrina popular de nossos dias não parece combinar com isto, pois ensina que nós já passamos Romanos 7. Não devemos falar de sentir-nos tristes pelo pecado, porque isto significaria estar ainda nas primeiras etapas da vida cristã. Assim é que saltamos Romanos 7 e ficamos em Romanos 8. Mas estivemos alguma vez em Romanos 7? Dissemos alguma vez do fundo de nosso coração: "Miserável de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?" Alguma vez nos arrependemos, na verdade, no pó e na cinza? Esta é uma parte muito vital na disciplina da vida cristã. Leiamos a vida dos santos através dos séculos e veremos que fizeram isto muito frequentemente. Leiamos novamente a vida do Henry Martyn, por exemplo; olhemos a qualquer dos grandes homens de Deus, e encontraremos que muitos deles se aborreciam a si mesmos. Odiavam suas vidas neste mundo; odiavam-se a si mesmos neste sentido. E era por isso que foram grandemente abençoados por Deus. Nada é mais importante, então, para nós que seguir o salmista e ver exatamente o que fez. Temos que aprender a nos olhar a nós mesmos e nos tratar com firmeza. Isto é primordial na vida cristã. Quais são os passos? Procurei dividi-los da seguinte maneira. Primeiro, temos que confessar honestamente o que fizemos. Não gostamos de fazer isto. Nós percebemos o que fizemos, e a tendência é dizer: "Voltei para Cristo, em seguida me perdoou e está tudo bem". Isto é um erro. Temos que confessar que fizemos isto. O salmista perdeu
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 77 muito tempo em comiserar-se de si mesmo, em olhar a outras pessoas e invejá-las. Perdeu muito tempo com pensamentos indignos a respeito de Deus e Seus caminhos. Entretanto, depois de sua recuperação no santuário, falou-se a si mesmo: "Eu devo passar a mesma quantidade de tempo olhando-me a mim mesmo, e ao que tenho feito". Não devemos nos regular. Devemos na verdade confessar o que fizemos, que equivale a dizer que devemos deliberadamente pôr estas coisas diante de nós. Não devemos nos proteger de maneira nenhuma; não devemos ceder à tentação de escapar de nosso pecado; não devemos olhá-lo em forma casual. Devemos deliberadamente pôr os atos diante de nós e dizer: "Isto é o que tenho feito, isto é o que pensei e o que disse". Mas não somente isto. Devo analisar e esmiuçar isto em todos seus detalhes e considerar tudo o que envolve e implica. Isto é o que por meio da disciplina própria devemos fazer implacável e resolutamente. É indubitável que o salmista fez isto. É por isso que termina dizendo: "era como um irracional". Nunca nos aborreceremos se não fazemos isto. Devemos pôr nosso pecado diante de nós até que o vejamos tal como é. Enfatizarei que devemos particularizá-lo e analisá-lo em detalhe. Sei que isto é penoso. Significa que não só é suficiente ir a Deus e dizer: "Deus, sou um pecador". Devemos detalhar nosso pecado, devemos confessá-lo a nós mesmos e a Deus minuciosamente. Agora, é mais fácil dizer: "sou um pecador", que: "disse algo que não deveria ter dito, ou pensei algo que não deveria ter pensado", ou, "abriguei um pensamento impuro". A essência do assunto é chegar até o detalhe, particularizá-lo, expressá-lo todo, pôr todos os detalhes diante de si mesmo, analisar-se a si mesmo e enfrentar o horrível caráter do pecado até seu mais profundo detalhe. Isto é o que os mestres na vida espiritual têm feito. Leiamos seus manuais, leiamos as publicações dos homens mais santos que adornaram a vida da Igreja e nos daremos conta que sempre procederam assim. Já mencionei João Fletcher. Ele não apenas se fazia doze perguntas a si antes mesmo de deitar-se de noite, mas sim ensinou a sua congregação a fazer o mesmo. Não se contentou com um rápido exame geral;
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 78 examinou-se em detalhe com perguntas tais como: Eu me zango?, zanguei-me hoje? Fiz a vida ingrata para alguém hoje? Escutei hoje a alguma sugestão que o diabo pôs em minha mente, algum pensamento impuro?, persisti em pensá-lo, ou o rejeitei imediatamente? Devemos fazer uma recontagem de todo o do dia e pô-lo diante de nós e enfrentálo. Isto é verdadeiramente um exame de consciência. Logo devemos examinar tudo à vista de Deus, "perante Ele". Devemos levar todas estas coisas, incluindo-nos a nós mesmos à presença de Deus e antes de falar com Deus, devemos nos condenar a nós mesmos. Notemos as palavras de Paulo em 2 Coríntios 7:11: "que indignação". Eles estavam indignados consigo mesmos. O problema é que nós não estamos indignados conosco mesmos, e teríamos que estar, porque todos somos culpados dos pecados que já enumerei. Estas são coisas horríveis à vista de Deus, e não estamos indignados. Damo-nos muito bem conosco mesmos; é por isso que nosso testemunho é tão pouco eficaz. Temos que aprender a nos humilhar, temos que aprender como nos humilhar, temos que aprender a nos golpear. Paulo nos diz em 1Corintios 9:27: "e o reduzo à servidão". Metaforicamente ele se castiga, golpeia-se até estar arroxeado: essa é a derivação da palavra traduzida "pôr em servidão". Nós devemos fazer o mesmo. É uma parte essencial da disciplina. Indubitavelmente o autor do Salmo fê-lo porque termina dizendo: "Eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença" Somente uma pessoa que tenha passado pelo processo de um profundo exame de consciência pode chegar a esta conclusão. Se queremos, então, chegar a isto, devemos persistir neste caminho que indicamos e nos examinar de verdade para ver-nos tais quais somos realmente. O próximo ponto que devemos considerar é este: o que é que descobrimos quando fizemos tudo isto? Não pode haver nenhuma dúvida à resposta dada neste Salmo. O que o autor encontrou depois de haver-se examinado, e de haver realmente corrigido seu pensamento a respeito de si mesmo, foi que a causa principal, possivelmente a única causa de seus
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 79 problemas, era ele mesmo. Este é sempre o problema. Nosso eu é nosso principal e constante inimigo; e é uma das mais prolixas causas de nossa infelicidade. Como resultado da queda de Adão, centramo-nos em nosso ego. Somos sensíveis quanto a nós mesmos. Somos sempre egoístas, estamos sempre nos protegendo, sempre preparados a imaginar ofensas, sempre preparados a dizer que fomos enganados e tratados injustamente. Porventura não estou falando de nossa experiência real? Que Deus tenha misericórdia de nós. É a verdade a respeito de todos nós. O eu, este inimigo que até trata de fazer com que um homem seja orgulhoso de sua própria humilhação. O salmista encontrou que esta era a causa de todos os seus problemas. Estava errado seu pensamento a respeito dos ímpios, estava errado em seu juízo a respeito de Deus. Mas a causa primordial de todos os seus problemas estava radicada em seu pensar a respeito de si mesmo. Era porque sempre estava dando voltas ao redor de si mesmo que todas as demais coisas lhe pareceram terrivelmente ímpias, e totalmente injustas. Quero lhes apresentar a psicologia ensinada neste versículo, a verdadeira psicologia bíblica. Temos notado isso? Quando o eu toma controle de nós há algo que sucede inevitavelmente. Nossos corações começam a controlar nossas mentes. Escutemos o salmista. Ele se recuperou na casa de Deus; seu parecer a respeito dos ímpios e quanto a Deus foi corrigido. Agora se dirige a si mesmo e diz: "encheu-se de amargura minha alma e em meu coração sentia ferroadas" — novamente uma parte da sensibilidade — "eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença" Notemos a ordem. Põe o coração antes que a mente. Faz notar que seu coração esteve cheio de amargura antes de sua mente começar a funcionar mal: o coração primeiro, logo a cabeça. Esta é uma das partes mais profundas da psicologia que jamais possamos entender. O problema real está em que quando a pessoa se defende a si mesma, consegue inverter a verdadeira ordem e o sentido exato de proporção. Todos os nossos problemas são causados, em última
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 80 instância, pelo fato de que somos governados por nossos corações e sentimentos em vez de nos guiar por um pensar claro e uma honesta análise das coisas diante de Deus. O coração é uma faculdade muito poderosa dentro de nós. Quando o coração chega a controlar o homem, intimida-o. Faz-nos estúpidos; apodera-se de nós de tal maneira que nos tornamos irracionais e não podemos pensar claramente. Isto é o que aconteceu com este homem. Pensou que era puramente um assunto de fatores: ali estão os ímpios, olhem para eles e olhem para mim! Pensou que era racional. Descobriu no santuário que na verdade não foi racional, mas sim o seu pensamento estava governado por seus sentimentos. Não é este o problema com todos nós? O apóstolo Paulo descreve todo este problema num grande parágrafo em Filipenses 4:6-7. Observemos a ordem das palavras. "Não andeis ansiosos de coisa alguma (não se preocupem com nada); em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças". E logo o que acontecerá? Diz-nos o próximo versículo: "E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará a vossa mente e o vosso coração"? De maneira nenhuma! Diz: "E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus". O coração primeiro, logo os pensamentos, porque aqui o problema está primordialmente na esfera dos sentimentos. Vemos aqui uma profunda psicologia. O apóstolo Paulo era um especialista para tratar as doenças da alma. Sabia que não fazia sentido tratar a mente antes de corrigir o coração, e é por isso que põe o coração primeiro. O problema com qualquer um que está nesta condição, que sente que está passando por ímpios momentos e que as coisas não estão indo bem, é que começa a questionar a Deus; e na realidade a raiz do problema é seu próprio coração turbado, que o governa e controla. Seus sentimentos tomaram possessão de sua pessoa e cegaram a qualquer outra coisa.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 81 Todos os problemas e as lutas da vida devem-se, em última instância, a isto. Podemos dizer que os problemas familiares, as disputas entre marido e mulher, as brigas entre parentes, as discussões entre classes e grupos, as brigas entre nações, devem-se ao fato que o eu é controlado pelas emoções. Se nos detivermos a pensar, podemos ver quão mau é isto, porque o que realmente estamos dizendo é que somos absolutamente perfeitos e que todos os outros estão errados. Mas é patente que isto não pode ser certo porque todos dizem o mesmo. Todos somos governados por este sentimento a respeito de nós mesmos e estamos tentados a dizer: "outros não se dão bem comigo, sempre sou mal entendido, sempre me ferem". Outros dizem exatamente o mesmo. O problema é que nós somos controlados por nosso eu, vivemos com base em nossas emoções e somos governados por elas da forma mais extraordinária posição e dizemos: "Não vejo por que devo ceder". Afirmamo-nos. Até inconscientemente pomos ênfase nisto. Eu? O que tenho feito de mau? Por que me trataram assim? "encheu-se de amargura minha alma e em meu coração sentia ferroadas"; é sempre o coração. O princípio que queria enfatizar é que quando o eu tem o predomínio, afeta nossas emoções. O eu não pode suportar um exame intelectual verdadeiro. Se nos pusermos a pensar sobre isto, dar-nos-emos conta quão néscios somos. Porque logo diremos: "Eu sinto isto, mas assim sente a outra pessoa. Eu digo isto, mas ele também diz o mesmo. Evidentemente os dois pensamos que temos razão. Os dois temos a culpa e sou tão mau como o outro". "Aquele que se sente diminuído", diz João Bunyan, "não teme a queda. Aquele que é humilde, não teme o orgulho". Temos que aprender a controlar cuidadosamente nossos corações. Não é de estranhar que as Escrituras dizem: "Dá-me, filho meu, o teu coração". Não é surpreendente que Jeremias diz: "Enganoso é o coração mais que todas as coisas, e perverso..." Que parvos somos em nossa psicologia! Nossa tendência quer dizer a respeito de outro: "Não é muito intelectual: não entende muito, mas tem um bom coração!" Isso é errado. Por mais falta de inteligência que tenhamos, nossas mentes são muito
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 82 melhores que nossos corações. Falando em termos gerais, os homens não são ímpios porque pensam, mas sim porque não pensam. Este pobre homem do Salmo 73 era controlado por seu coração, mas ele não o sabia. Pensava que tinha razão. O coração é "enganoso"; é muito hábil e ardiloso. É por isso que temos que vigiá-lo. " E esta é a condenação", lemos em João 3:19, "que a luz veio ao mundo. E os homens amaram mais as trevas que a luz, porque as suas obras eram ímpias". É o coração que está mal, e é assim que terminamos com o conselho do homem sábio em Provérbios 4:23: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida". Vigie o seu coração, vigie a si mesmo, vigie suas emoções. Quando seu coração está amargurado, tudo estará dolorido, e nada estará bem. É o coração que domina tudo e há um só remédio final para o coração dolorido e amargurado: é acudir a Deus como o fez o salmista, e notar que Deus em Seu infinito amor e graça, em Sua misericórdia e compaixão enviou o Seu Filho a este mundo para morrer numa cruz, para que ao aborrecer-nos a nós mesmos, possamos ser perdoados e ter novamente um coração limpo, e que a oração de Davi: "Cria em mim, ó Deus, um coração limpo..." seja respondida. A resposta a essa oração está em Cristo. Ele pode limpar o coração e santificar a alma. Uma vez que o homem se conhece si mesmo e vê o horrendo de seu pecado e a falácia de seu coração, sabe que deve acudir a Cristo. Ali encontra perdão e purificação, uma nova vida, uma nova natureza, um novo coração, um novo nome. Graças a Deus por este evangelho que pode dar ao homem um novo coração e renovar um espírito reto dentro dele.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO VII
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ALERGIA ESPIRITUAL Vv. 21-22: Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença Nestes dois versículos, como vimos, o salmista nos diz como se deu conta que estava totalmente errado, não só em seu pensamento a respeito dos ímpios e a respeito de Deus, mas também em seu pensamento a respeito de si mesmo. Seu primeiro descobrimento foi que a dificuldade radica na gente mesmo, que o eu tende a tomar controle, e é por isso que surgem muitas de nossas dificuldades, problemas e perplexidades nesta vida. Esta é a chave de tudo. Enfatizamos que este homem era muito honesto consigo mesmo; na realidade foi bastante severo consigo mesmo. Ao prosseguir, isto se tornará ainda mais evidente. Não fez um exame apressado de consciência para logo esquecê-lo rapidamente e passar a outra coisa. Deteve-se e mudou a si mesmo, olhou-se fixamente nesse espelho, e enfrentou a si mesmo até no detalhe mais insignificante. Nada o acovardou. Isto é absolutamente essencial. Não é possível o crescimento na vida cristã se não somos absolutamente honestos conosco mesmos. De todos os aspectos da vida cristã, o examinar-se a si mesmo é, provavelmente, um dos mais descuidados. Isto se deve em parte a um ensino errôneo, mas também porque não gostamos de fazer nada que nos doa. Não há dúvida quanto ao ensino. Não há nada mais característico do verdadeiro santo que a forma em que se examina a si mesmo, enfrenta-se consigo mesmo e trata duramente a si mesmo. O salmista fê-lo e teve que admitir que o eu era realmente a causa de seus problemas. Logo vimos que fez esta outra descoberta interessante, que quando o eu controla nossa vida geralmente ocorre que o coração toma o
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 84 controle dos pensamentos. É muito triste quando nossas mentes são governadas por nossas emoções. Isto nunca deveria ser assim. A mente, o entendimento, é o mais supremo do homem; indubitavelmente é parte da imagem de Deus no homem. O poder de raciocinar, de entender, de pensar e de saber por que fazemos as coisas, e se deveríamos fazê-las ou não, é uma das razões que diferenciam ao homem dos animais. Assim que quando nos encontramos pensando emocionalmente, se é que se me permite usar esse termo, estamos em ímpias condições. O salmista chegou a essa condição quando o coração se impôs sobre a cabeça. A Bíblia trata muito a respeito disto, e seu ensino é que nós devemos sempre guardar o coração, "porque dele procedem as fontes da vida". Isto quer dizer que o mesmo deve estar sob o controle da verdade. Assim nos insiste a "adquirir sabedoria" e a "adquirir inteligência". Nunca devemos dar a impressão que os que se convertem deixaram que pensar e só respondem a seus corações. Um cristão é aquele que crê e aceita e se entrega à verdade. Vê a verdade, é movido por ela e age de acordo com ela. O termo "coração" na Escritura não significa as emoções somente, mas sim inclui também a mente: e o arrependimento significa uma mudança de mente. Prosseguiremos agora considerando o que descobriu o salmista em detalhe a respeito de si mesmo. Relata-nos isto nos dois versículos que estamos considerando. A primeira coisa que descobriu quando viu sua situação real é que ele mesmo causou seus próprios problemas e sua própria desdita. Descobriu no santuário de Deus que seu problema não era de maneira nenhuma os ímpios, mas sim ele mesmo. Encontrou que ele mesmo tinha provocado essa situação. Temos evidência disto no versículo 21 na Versão Almeida Revista e Corrigida, que diz: "Assim, o meu coração se azedou, e sinto picadas nos meus rins". Esta tradução sugeriu, antes, algo sucedido em seu coração; algo que sucedeu em seus rins, outro lugar de sentimentos e emoções de acordo com a psicologia de antigamente. Entretanto, o que disse foi algo um pouco distinto. As palavras usadas no versículo 21 estão em tempo reflexivo. O que na
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 85 realidade está dizendo é que ele se machucou a si mesmo. Diz: "provoquei-me uma irritação em meu coração". E quanto a seus rins pode traduzir-se assim, "causei-me agudas dores". Ele mesmo as tinha provocado. Ele esteve estimulando seu próprio coração, esteve agravando-o, e irritando seus próprios sentimentos. Ele mesmo realmente se esteve produzindo seus próprios problemas e dando lugar a dolorosas ferroadas as quais teve que suportar até que foi ao santuário de Deus. Isto é evidentemente um princípio muito importante e vital. O fato é que temos a tendência de agravar nossos próprios problemas e todos devemos confessar isto diante de Deus. Nós, é óbvio, temos a tendência de dizer, como fez o salmista antes de ir ao santuário de Deus, que algo fora de nós é o que produz todo o problema. Entretanto, a causa do problema somos nós mesmos. Lembro-me ter lido uma vez uma frase que ilustra este ponto muito bem: "Não é a vida o que importa, mas sim a coragem que alguém põe nela". Agora eu não aceito esta filosofia de coragem, mas estou citando esta frase, porque apesar de estar mal formulada, há certa verdade nela. "Não é a vida o que importa". Então, o que é que importa? Somos nós mesmos e a forma como encaramos a vida, a maneira como reagimos, nosso comportamento com relação à mesma. Posso comprovar isto muito simplesmente. Pode haver duas pessoas vivendo exatamente a mesma forma de vida, enfrentando idênticas condições. Com tudo isto são muito diferentes. Uma delas está amargurada, entristecida, resmunga e se queixa; a outra está calma e tranquila, contente e serena. Onde está a diferença? Não está nas condições; não está no que lhes está sucedendo. A diferença deve-se a algo nelas mesmas. Isto pode demonstrar-se abundantemente. Há um verso que o expressa muito bem: Dois homens olhavam desde as grades da prisão. Um viu barro; o outro, as estrelas. Um olhou para baixo; o outro olhou para cima. Não é a vida, não são as circunstâncias, não são os ímpios, não; somos nós mesmos. O autor descobriu tudo isto, descobriu que ele
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 86 mesmo criava, exagerava e agravava seus próprios problemas. Estava amargurando seu próprio coração. Deus sabe que todos temos a tendência a ser culpados disso mesmo. Não é o exterior em si o que importa. O importante é dar-nos conta que a forma como reagimos perante algo é que determina o que nos possa ocorrer, não a coisa em si meramente. Às vezes dizemos de certa classe de pessoas que sempre aumentam seus problemas. Transformam pequenos obstáculos em grandes montanhas. Havia algo ali, certamente. Havia algo para zangar-se. Entretanto, em si, era muito pequeno. Não obstante, este homem, estava fazendo uma montanha do mesmo, tomando-o como algo tremendo. Pensou, então, que se estava confrontando com uma montanha de problemas, mas realmente não foi assim. Ele converteu a dificuldade numa montanha. Assim é conosco também, pois nos incomodamos e nos agitamos e entramos nesse mesmo estado. Há outra frase que também descreve isto. Dizemos que algo nos altera, mas na realidade somos nós os que nos alteramos. Em outras palavras, o estímulo não é tão forte para justificar nossa alteração. Não estamos adequadamente equilibrados, não estamos na condição correta, somos hipersensíveis. Todos, hoje em dia, têm alergia a algo; é uma das frases na moda. O que significa isto? Significa que somos hipersensíveis. Há algumas pessoas, por exemplo, que não podem estar no mesmo quarto com um gato sem sofrer um ataque de asma. Outros não podem estar perto de um campo de feno sem sofrer um ataque de alergia. Todos conhecemos isto. O que é que passa? Os entendidos dizem que é o pó ou o pólen no ar. Entretanto, não é só o pólen, certamente, porque outras pessoas podem andar pelo mesmo campo e nada lhes sucede. O pólen está ali. Não obstante o problema é que estas pessoas sofrem de alergia, não pelo pólen, mas sim porque são hipersensíveis, são alérgicos. Agora, isto ilustra o que o salmista descobriu. Entretanto, prossegue além disso. Diz que ele mesmo produziu em si mesmo a sensibilidade, na realidade a hipersensibilidade. Isto se pode produzir facilmente e podemos fazer
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 87 com que nosso coração seja hipersensível. Quanto mais o cuidamos e mimamos, mais sensível e delicado ficará. Podemos provocar esta condição ao ponto que a menor coisa nos causa um problema imediatamente. Se acendermos um fósforo num barril de pólvora, podemos causar uma terrível explosão. Não é o fósforo o que possui importância principal, mas sim o barril de pólvora. Isto é o que o homem descobriu. Estava totalmente errado com relação aos ímpios. Pensou que eles eram a causa de seu problema, mas descobriu que não era nada semelhante. Ele mesmo tinha levado seu coração a esta condição tão tola: a esta hipersensibilidade. Estava em tal estado que qualquer coisa que ia mal, poderia causar uma explosão. Creio que todos nos damos conta da verdade que estou expondo, mas o problema é: percebemos que nós estamos fazendo o mesmo? Cada vez que falamos a nós mesmos, não sentimos lástima? Se for assim, estamos fazendo o mesmo que este homem, estamos alimentando nossa languidez e hipersensibilidade, e nos estamos impulsionando para uma dolorosa experiência. Isto se chama masoquismo. Conhecemos essa classe de perversão da qual somos todos em maior ou menor medida, culpados. É uma estranha particularidade da natureza humana, e uma das consequências mais aterradoras da queda do homem, que nós nos deleitamos perversamente em nos danificar a nós mesmos. É algo extraordinário, mas nos alegramos em nossa própria miséria, porque, enquanto a experimentamos, temos ao mesmo tempo lástima de nós mesmos. Aqui é onde entra a sutileza. Enquanto nos sentimos totalmente miseráveis e tristes, há um desejo de ficar neste estado, pois nos dá uma espécie de alegria pervertida. Ainda estamos protegendo e engrandecendo o eu. O salmista descobriu tudo isto no santuário de Deus. Estava entristecendo-se a si mesmo: ele mesmo produziu sua própria miséria e a seguiu produzindo. Exagerou todo o problema em vez de enfrentá-lo honestamente. Realmente não estava em tão grave situação, não estava passando mal. Estava olhando às coisas de tal maneira para dizer-se a si
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 88 mesmo que estava passando mal. Que homem néscio! Não somos todos nós como ele de vez em quando? Na verdade, somos tão néscios! Em contraposição a isto temos a bendita condição descrita em Filipenses 4:11-13. Paulo o expressa desta maneira, "... porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece". Em outras palavras, chegou à condição em que já não era mais hipersensível. Está governado por uma atitude onde não interessa o que lhe suceda: não vai alterar: "... aprendi a viver contente em toda e qualquer situação". Esta é a posição em que todos nós que somos cristãos, devemos estar. Aquele que não é crente não se encontra nesta posição e tampouco pode obtê-la. É como um barril de pólvora; nunca sabemos quando haverá uma explosão. Mesmo da uma pequena espetada causa um grande problema; é hipersensível por causa do eu. Entretanto, o apóstolo Paulo lembrou o que o Senhor primeiro ensinou a Seus discípulos, ou seja, que " se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo...". O eu deve ser posto de lado primeiro. Logo disse: "tome cada um a sua cruz, e siga-me", quando o eu é destronado e posto no esquecimento, o discípulo não é mais hipersensível, e estas coisas não causam problemas, nem alarmes, nem explosões. É um homem equilibrado porque o eu foi tirado e ele vive para Cristo. Vamos examinar-nos à luz disto. Pensemos em todas nossas injustiças, nossos contratempos e insultos e todas as outras coisas que cremos estão amontoadas sobre nós, e todos os mal-entendidos. Enfrentemo-los à luz deste ensino e creio que nos daremos conta que é algo triste e miserável. É tudo provocado e realmente não ocorre nada. Estivemos fazendo uma montanha de uma pequena dificuldade. Se pudéssemos fazer uma lista das coisas que nos fazem encolerizar que envergonhados nos sentiríamos! Que pequenos, que insignificantes podemos ser!
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 89 O que o salmista logo descobriu é que se tornou tolo. A Bíblia de Jerusalém traduz o versículo 22 assim: " É porque eu era imbecil e não sabia". Entretanto, esta palavra realmente significa "néscio" e é uma palavra melhor. Era como uma besta, totalmente irracional, comportando-se nesciamente, e de uma maneira absurda. Assim é, verdadeiramente, a condição que estamos descrevendo e analisando. O que é que significa exatamente? Diz: "Tão néscio era eu, e ignorante”. "Era", repete a ênfase: " Era como um irracional à tua presença" (RA). Novamente notemos sua honestidade, seu verdadeiro trato consigo mesmo. Não se regula a si mesmo absolutamente; viu a verdade a respeito de si mesmo e disse: " Era como um irracional à tua presença". O que significa isto? Primeiro e antes de mais nada significa que estava agindo instintivamente. Qual é a diferença entre uma besta e um homem? Parcialmente já se sugeriu a resposta. Indubitavelmente o dom supremo que Deus deu ao homem é o entendimento, a razão e o poder para pensar. O animal pode ser muito inteligente, mas lhe falta esta verdadeira qualidade e faculdade de raciocinar, embora às vezes pareceria o contrário. Falta-lhe a capacidade de sair-se de si mesmo, de considerar-se a si mesmo e a suas ações. É só o homem que pode fazê-lo, e isto é parte da imagem de Deus nele. O animal não faz isto, age instintivamente. Não preciso dedicar muito tempo para ilustrar o que quero dizer. Tomemos como exemplo a migração de pássaros. O estudo disto faz ver com clareza que é o instinto e não a inteligência o fator governante deste maravilhoso fenômeno. Em outras palavras, o comportamento animal é questão de uma instintiva resposta a um dado estímulo. O salmista nos diz que ele se estava comportando assim. Em outras palavras, ele não deixou de pensar, não deixou de refletir e raciocinar seu problema. Ser néscio significa não pensar logicamente, não pensar claramente. Você e eu fomos feitos para pensar logicamente, fomos feitos para pensar racionalmente, para pensar consequentemente. Entretanto, este homem não estava pensando assim, agiu como um animal. O animal responde ao estímulo imediata e mecanicamente, sem
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 90 nenhum intervalo para pensar. Isto é o que o salmista estava fazendo. E todos veremos, quando pensamos nisto, quão propensos somos a fazer o mesmo. Entretanto, não é muito cristão fazê-lo. Uma das maiores diferenças entre o cristão e o não cristão deveria ser que o primeiro deixa um intervalo entre o estímulo e a resposta. O cristão deveria sempre colocar tudo em outro contexto. Deveria tomar tempo para pensar; não deveria chegar a conclusões imediatas, deveria analisar as coisas. Em outras palavras, e certamente isto é de vital importância, uma das marcas do cristão é a capacidade de pensar, de pensar lógica, clara e espiritualmente. Agora, não é este o objetivo das Epístolas do Novo Testamento? O que é que dizem? Raciocinam conosco. Estas Epístolas foram dadas a pessoas cristãs como nós que tinham seus problemas e perplexidades, e o que todas dizem é simplesmente isto: "Não só reajas a estas coisas. Pensa nelas; ponha-as no contexto dos propósitos de Deus; relacione-as com todo o panorama da salvação e da vida cristã. E depois de ter feito isto, pensarás sobre elas de uma forma diferente". O cristão é uma pessoa que pensa de uma forma diferente à do não cristão. Seu pensar é lógico, claro, acalmado, controlado e equilibrado; e acima de todo é espiritual. Pensa tudo em termos desta grande verdade que está no Novo Testamento. O animal não o pode fazer. " Era como um irracional à tua presença"; fui um néscio! Esta classe de comportamento não só é semelhante a de um animal, mas também é algo parecido a de um menino. Um menino comporta-se assim, porque suas faculdades de raciocinar não se desenvolveram o suficiente. Apressa-se a dar conclusões; reage ao estímulo como um animal. Precisa ser treinado a pensar e a raciocinar, e deixar de ser néscio. Há outra forma onde o salmista encontrou que era um néscio. Evidentemente tinha tido um enfoque bastante falso da vida cristã. Desejava o prazer o tempo todo, e pensou que sua vida ia estar toda cheia de felicidade e alegria. Isto é o que o levou a queixar-se e dizer: "Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 91 inocência. Pois de contínuo sou afligido e cada manhã, castigado". Permita-me perguntar direta e sinceramente: não é certo isto de todos nós? Temos a tendência de tomar os presentes, os prazeres, a felicidade e a alegria sem dizer muito a Deus de tudo isto. Entretanto, quando as coisas vão mal, imediatamente começamos a nos queixar. Damos por sentado nossa saúde e nossas forças, a comida e o vestuário, nossos seres queridos. Mas quando as coisas vão mal, imediatamente começamos a resmungar e a nos queixar e dizemos: "Por que Deus fez isso comigo? Por que tem que me suceder isso ?"Quão imbecis somos para agradecer, e quão rápidos para nos queixar! Entretanto, assim são os animais, não é certo? O animal gosta de ser acariciado e mimado. Come e desfruta de sua comida. Não obstante, quando o corrigimos, não gosta. Isto é típico do animal, e é típico também da criança. O menino toma tudo o que alguém lhe dá. Mas se lhe retiramos algo, ele se ressente. Isto é ser néscio. Isto é o fracasso de não pensar. Esta é a atitude infantil, néscia, animal. Entretanto é assim; foi assim a atitude deste homem e é também a nossa. Podemos enfocá-lo de outra maneira. Esta pessoa estava dando por sentado as bênçãos e as alegrias. Todos nós cremos ter direito a estes privilégios e que deveríamos desfrutar deles sempre. Por isso quando nos são negados, imediatamente começamos a questionar e a perguntar. O salmista deve ter dito a si mesmo: "Sou um homem santo, creio em Deus, estou vivendo uma vida santa e conheço alguns aspectos do caráter de Deus. Isto não se pode questionar. Há certas coisas penosas que estão me sucedendo, e vejo que o caso dos ímpios é muito diferente. Não obstante, sem dúvida alguma, deve haver uma muito boa razão para isto". Logo, deve ter buscado razões, e procurado uma explicação. Se tivesse evitado assim, indubitavelmente teria chegado à conclusão de que Deus tem um propósito em tudo isto. Já consideramos algumas das razões. Teria chegado à conclusão que embora ele não o entendia, Deus tinha uma razão, porque Deus não faz nada irracionalmente. Se tivesse
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 92 dito: "Estou certo disto, e, portanto, seja qual for a explicação, não é a que eu supus no princípio". Ele o teria analisado. Mas, quão difícil é para nós agir assim. Pareceria que pensamos que como cristãos, não deveríamos ter problema algum. Nunca nada deveria ir mal, o sol deveria sempre brilhar onde estamos, enquanto que os ímpios deveriam constantemente ter problemas e dificuldades. A Bíblia não nos promete isto. Ao contrário, diz "que através de muitas tribulações entremos no reino de Deus". E diz também: " Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Fp. 1:29, RC). Assim que quando começamos a pensar, vemos que a ideia que nos veio instintivamente é completamente falsa e contrária ao ensino da Bíblia. Resumirei tudo assim. "Fui néscio; fui um animal diante de ti", significa que como animais e bestas nunca apreciamos a disciplina. Não vemos a necessidade dela, e quando somos disciplinados por Deus temos a tendência de objetar e até de questionar e duvidar do amor de Deus e de Suas misericórdias. Isto é algo que o salmista descreve perfeitamente quando diz que comportar-se assim é agir como um animal. Ninguém, por natureza, deseja ser disciplinado. Quer seguir respondendo a seus instintos, não quer ser controlado. Os animais sempre objetam à disciplina, e ao treiná-los devemos ser pacientes com eles e às vezes severos, por esta mesma razão. Esta é uma característica do cristão imaturo, da criança em Cristo. Ressente-se da disciplina, e entretanto a resposta é simples e inequívoca. O autor da Epístola aos Hebreus não vacila em usar uma notável e quase surpreendente frase. Diz: " se estais sem disciplina ... sois, então, bastardos e não filhos" (Heb. 12:8). Se somos filhos de Deus, então certamente seremos disciplinados, porque Deus nos está preparando para santidade. Não é um pai indulgente que dá caramelos indiscriminadamente e não se interessa com o que nos acontece. Deus é santo, e nos está preparando para Si mesmo e para Sua glória; e porque nós somos o que somos, e porque o pecado está em nós, e porque o
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 93 mundo é o que é, precisamos ser disciplinados. Assim, Ele manda prova e tribulações para nos deter e para nos conformar à "imagem de seu Filho". Mas isto não nos agrada, e como o animal, queixamo-nos porque não gostamos da dor. Não obstante, se pensamos, se não somos néscios, daríamos graças a Deus até pela dor. Diríamos com o autor do Salmo 119: " Bom me é ter sido humilhado". Penso às vezes que não há melhor prova para saber a posição cristã que isto precisamente, o de agradecer a Deus até pelas provas e dificuldades e também pelo castigo, porque foram utilizados por Deus para nos trazer para mais perto dEle. Logo o que descobriu o autor do Salmo a respeito de si mesmo foi sua ignorância. Ser ignorante não é o mesmo que ser néscio, mas a estultícia geralmente conduz à ignorância. O salmista ignorava a verdadeira posição dos ímpios, era ignorante a respeito de Deus; era ignorante quanto a si mesmo, e a respeito da verdadeira natureza da vida que estava vivendo. Esqueceu-se do propósito geral da vida santa. E se nós reagimos como este salmista às provas e problemas, em última instância, só há uma coisa que dizer de nós, e é que somos ignorantes. Do que somos ignorantes? Somos ignorantes de tudo o que a Bíblia diz a respeito da vida santa, e especialmente somos ignorantes das Epístolas do Novo Testamento, todas as quais foram escritas para nos iluminar a respeito desta ignorância em particular. Então, se sempre nos queixamos do trato de Deus conosco e de Seus castigos, somente estamos confessando que não conhecemos as Escrituras absolutamente, e que nunca temos entendido o Novo Testamento, ou se não, que voluntariamente somos ignorantes, e que recusamos pensar e aplicar o que sabemos. Vemos estes livros, mas recusamos ouvir os argumentos e resistimos a que os mesmos se apliquem a nós. "Ignorantes". O salmista diz: "Estive-me comportando como um ignorante; como se não soubesse nada de seus propósitos: como se fosse um simples principiante nestes assuntos, como se nunca tivesse lido ou escutado a história do passado". E isto é verdade a respeito de nós também. Quando deixamos que nossos corações e nossos sentimentos nos controlem, imediatamente,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 94 comportamo-nos como hipersensíveis ou alérgicos neste sentido: e nos comportamos como se não soubéssemos nada, como ignorantes e como animais diante de Deus. Isto nos traz para o ponto final, que é o pior de tudo. "Assim irritei meu próprio coração e me machuquei e me produzi dor. Tão tolo e ignorante fui; verdadeiramente me comportei como um animal diante de ti". Eu creio que isto foi o que partiu o coração do salmista, e é isto o que deveria nos causar profunda dor em nossos corações. No santuário de Deus, o salmista deu-se conta que estava pensando todas estas coisas horríveis, indignas, tolas e néscias na presença de Deus. " diante de ti!"! É por isso que pensou de si mesmo como de um animal. Que imaginação, pensar estas coisas, e chegar ao ponto de quase as dizer na presença de Deus! O que se tinha esquecido é que Deus é quem pode "discernir os pensamentos e propósitos do coração", e "não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas" (Heb. 4:12. 13). Se tão somente nos déssemos conta disto, jamais nos comportaríamos como o salmista, e como, para nossa vergonha, muitas vezes nós nos comportamos. Você e eu estamos sempre na presença de Deus. Então quando estamos num canto sentindo lástima de nós mesmos porque fomos ofendidos, e porque isto ou aquilo nos aconteceu, lembremos somente que tudo isto está sucedendo na presença de Deus. E quando nos perguntamos, "É Deus justo comigo?" É justo que eu esteja sofrendo enquanto que outros prosperam?" Lembremos que nos estamos perguntando e pensando tudo isto de Deus, em Sua própria presença. "Diante de Ti''. O salmista se esqueceu da grandeza de Deus. Se tão somente você e eu lembrássemos sempre da grandeza de Deus, haverá certas coisas que nunca voltaríamos a fazer. Quando lembramos que somente somos como uma mosca, ou um gafanhoto, ou até menos que isto, diante da presença do Todo-poderoso, e que Ele poderia pôr fim à nossa existência como se nada tivesse acontecido, nunca nos voltaríamos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 95 a jactar diante de Sua presença, e menos ainda, duvidar a respeito dEle. Temos que nos dar conta, como o sábio do Antigo Testamento, que " Deus está no céu, e tu sobre a terra ...". Não obstante, temos que lembrar especialmente do amor de Deus. Deus é amor. O salmista deu-se conta que foi muito néscio, e tolo em questionar o amor de Deus. Devia tudo ao amor, à bondade e à graça de Deus. De modo que quando pensamos estas coisas injustas, estes indignos pensamentos a respeito de Deus, temos que lembrar que estamos pensando a respeito dAquele que tanto nos amou, que enviou a Seu Filho ao mundo e sofreu até a vergonha e a agonia do Calvário por nós. Entretanto, pensamos estas coisas de tal Deus, até em Sua santa presença. Imaginemos o que parecemos zangados diante da presença de Deus, mal-humorados como meninos malcriados. Notemos num menino pequeno de mau humor; notemos num animal. Que ridículos parecem! E multipliquemos isto pelo infinito e pensemos o que parecemos na presença do Todo-poderoso, santo, e amoroso Deus. Não, não fica nada para dizer. O salmista tem razão; não é injusto consigo mesmo, só está dizendo a absoluta verdade: "era perante ti igual a um animal, ignorante, completamente tolo". O que é o oposto a isto? Não posso pensar em nada melhor que a condição do Filho Pródigo quando tornou em si. Não me cabe a menor dúvida que em certo momento este pobre jovem pensou que tinha sido tratado duramente. Deixou sua casa para ir a um país longínquo. Ia se dar bem, mas as coisas lhe foram mal e pensou que tinha sido tratado duramente. Logo refletiu e retornou à sua casa e disse: " Pai, pequei contra o céu e contra ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho". Esta é outra forma de dizer o mesmo. Sem desculpa, sem nada para nos recomendar, fomos excessivamente tolos, como animais. Deixamos de pensar e de raciocinar; deixamos de nos apropriar destas Escrituras. É o horrível eu que tomou o controle e nós somos tão sensíveis que nada nem ninguém tem razão senão só nós. Enfrentemos o eu, tiremos sua máscara; analisemo-lo. Olhemo-lo honestamente até que de coração
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 96 estejamos envergonhados conosco mesmos. Logo nos aproximemos de nosso Deus de amor e graça e reconheçamos que somos como vermes e até menos que isto diante Ele, que não temos nenhum direito sobre Ele, nem de reclamar Seu perdão. Vamos a Ele e lhe digamos que não desejamos ser curados rapidamente, que sentimos que não merecemos ser curados absolutamente. Como vimos anteriormente, o problema com muitos de nós é que nos curamos a nós mesmos muito rapidamente. Sentimos que temos o direito de ser perdoados. Entretanto, o ensino da Escritura e o exemplo das vidas dos santos, é que, como o Filho Pródigo, merecemos só condenação, que fomos como animais em nossas estultícias, e que não temos direito algum a Deus. Realmente, eles se assombraram de que Deus as tenha perdoado. Examinemo-nos à luz disto. Vamos a Deus sentindo que temos direito a que Deus nos perdoe?, ou sentimos que não temos direito alguém a pedir perdão? Assim é como o salmista se sentiu, e sugiro que assim é como o verdadeiro cristão deve sentir-se primeiro. Paulo, depois de pregar por anos, olhou para trás e disse que era o maior pecador. Ele ainda estava assombrado de que Deus lhe tivesse perdoado. Embora fosse um apóstolo, por assim dizer, sentia que podia ainda receber algo numa reunião evangelística! Ele ainda estava reagindo como um pecador; ainda estava assombrado perante a cruz sangrenta e perante o amor de Deus em Jesus Cristo nosso Senhor. "...tão torpe era eu, que não entendia; era como um animal diante de ti!"
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO VIII
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TODAVIA . . . Vv. 23-24 - Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória O curso da história do salmista durante o ataque pelo qual esteve submetido pelo diabo, é um relato comovedor. Vemos a este homem avançando passo a passo, de uma cena a outra, e qualquer um que já passou por esta classe de experiência saberá que estes passos são inevitáveis. É importante, então, que nesta consideração observemos cada passo. Há poucas coisas mais proveitosas que o observar o estabelecimento de uma alma. Vemos a este homem subindo novamente do profundo, caminhando rumo à recuperação: e neste momento ainda estamos observando como se trata a si mesmo. Humilhou-se a si mesmo até o pó, cobriu-se com cilício e cinzas. Admite que nada merece uma pessoa que se queixa e se comporta como fez ele na presença de Deus — "diante de ti". Mas graças a Deus, ele não se detém aqui. Segue com esta grande e bendita expressão " todavia" ou "contudo". Esta é uma expressão que em certo sentido resume toda a mensagem bíblica. É como a palavra "mas"; é uma palavra que com frequência introduz o evangelho. Marca a diferença entre conhecer o evangelho e não conhecê-lo. Um homem que não conhece o evangelho pode em certo sentido ir até onde chegou este homem, mas teria que se deter aqui. O cristão nunca se detém aqui. O crente que resvalou para baixo, começa a voltar-se. "Mas", "entretanto..." e ali entra o Evangelho Este é o caso deste homem. Esta expressão "todavia" ou "contudo" é por esta razão muito importante; na verdade estes dois versículos que estamos considerando são vitais. Uma muito boa forma de provar se somos ou não verdadeiramente cristãos, é perguntar-nos a nós mesmos se podemos dizer este "todavia".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 98 Conhecemos este bendito "mas"? Seguimos adiante ou ficamos onde estávamos no final do versículo 22? O homem natural fica aqui, o melhor dos homens naturais nunca vai além, e há muitos no mundo hoje. Há homens bons que não são cristãos — homens morais, homens conscientes — e temos lido de vez em quando, como alguns deles se suicidaram. Suicidaram-se porque não puderam dizer este "todavia". Chegam no final de seu autoexame e logo dizem: sou um fracasso, comportei-me mal, não cumpri o meu dever. Encerram-se em si mesmos. Até aqui isto é perfeitamente correto, temos que fazer isto. Mas o ponto principal que se enfatiza nestes versículos é que não devemos ficar aqui. Se ficarmos, podemos bem estar a caminho do suicídio. E há muitos que se detêm aqui, homens nobres no sentido natural. Condenam-se a si mesmos e dizem: "Não há trabalho para uma pessoa como eu". Julgamse a si mesmos como imprestáveis, sem valor, e assim vão indo. Todavia, o cristão não faz isto, e é neste ponto onde radica toda a diferença entre um crente e um incrédulo. O cristão deve percorrer o caminho até este ponto. Mas é precisamente no final quando se abre a porta da esperança, e ele pronuncia este abençoado "todavia". Esta é uma gloriosa e assombrosa expressão. É a expressão que neste texto une o que se vai dizer com o que se já falou anteriormente. É a conexão vital. Mas não só isto; é ao mesmo tempo o ponto de retorno. Estivemos observando o salmista escorregar, ir para baixo, e sentimos que já não podia ir mais longe. Humilhou-se a si mesmo até o pó; logo começou a olhar para cima — "todavia". Imediatamente começa a ascender e avançará até que possa dizer triunfalmente: " Deus é sempre bom para com Israel ". Entretanto, não chegou a este ponto com um simples salto da profundidade. Passou pelo processo que agora estamos considerando, teve que passar por vários estados. Há degraus nesta escada que chegam no final e é maravilhoso observar como este homem foi escalando um por um. Quando nos sentimos miseráveis e não vislumbramos esperança alguma, quando o diabo nos estava pressionando e nos dizendo que fechássemos as janelas e baixássemos as
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 99 cortinas, e estivemos envoltos em trevas e desespero, conhecemos este "todavia"? Você conhece esse bendito momento em que um feixe de luz aparece por uma fenda, trazendo uma nova esperança e mudando toda nossa atitude e condição? Esta, pois é a expressão de libertação: "todavia". Aqui está neste Salmo. É interessante observar como sucedeu isto. A lógica destas coisas é muito fascinante. Sucedeu assim. Ele chega ao ponto onde diz: " eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença!" Subitamente se deu conta. No momento que disse "diante de Ti", disse também: "Todavia, estou sempre contigo". Em outras palavras: " Ainda estou em Tua presença". E tudo mudou. Foi uma expressão de alívio. Tendo-se condenado a si mesmo porque teve autocompaixão, e tinha sido tão parvo na presença de Deus, agora diz: "Mas ainda estou na presença de Deus" — "Todavia, estou sempre contigo". Isto é algo assombroso, e o salmista não podia crer. O que lhe maravilhou nesse momento é que ainda estava na presença de Deus. Vemos isto? Deus não o aniquilou embora se comportou tão nesciamente em Sua presença. Por que Deus não o lançou? Por que Deus não lhe mostrou a porta e lhe disse: "Este é teu fim; não mereces nada"? Entretanto, não o fez. Ainda estava na presença de Deus. Isto é o que lhe causou tanta surpresa e assombro. Não recebeu a sorte que bem merecia. A que se deve isto? O que vemos nestes dois versículos, considero que nos leva a toda a doutrina da graça de Deus. É uma nova compreensão da maravilhosa graça de Deus. Se este Salmo ensinar uma coisa mais que qualquer outra, é que todo o melhor e todo o admirável nesta vida é inteira e exclusivamente o resultado da graça de Deus. Se não entendermos isto, não estamos nos beneficiando realmente desta longa consideração do Salmo. A grande mensagem deste Salmo é que somos devedores só à misericórdia, em todo o trajeto, do princípio ao fim. Toda nossa vida
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 100 deve-se inteiramente à graça de Deus. O salmista o descobriu, e o expressa desta maneira: "Todavia, estou sempre contigo". "Isto", diz com efeito, "é o assombroso, que ainda estou contigo, que Tu ainda permites que venha à Tua presença". Tal é a maravilhosa graça de Deus. Que seria se Ele tivesse permitido que permaneçamos nessa condição de condenação e desespero, de não ver nada mais que a verdade a respeito de nós sem nenhuma classe de alívio? Mas Ele não faz isto. Vejamos agora como a história deste homem ilustra os vários aspectos da doutrina da graça de Deus. Quando existia ainda interesse na doutrina e não simplesmente no estudo bíblico, reconheciam-se certas divisões nesta doutrina. O estudo bíblico em si é de muito pouco valor se consistisse somente em significados de palavras. O propósito de estudar as Escrituras é chegar à doutrina. Aqui temos uma maravilhosa exposição da doutrina da graça de Deus Examinemos juntos as subdivisões que num tempo foram tão conhecidas. A primeira de todas, necessariamente, é a graça salvadora de Deus. A primeira coisa que compreendeu o salmista foi que, apesar de que Ele mesmo era Deus, perdoou-o. Porque se Deus não o tivesse perdoado, ele não estaria ainda na presença de Deus. Se Deus o tivesse tratado como merecia, teria sido rejeitado. Não teria permissão de voltar novamente à presença de Deus. E isto é uma prova absoluta para ele que Deus o perdoou. Os Salmos falam muito disto. Lembramos a declaração no Salmo 103: " Não tem feito conosco conforme a nossas iniquidades, nem nos pagou conforme a nossos pecados"? Que seria de nós se o tivesse feito! Há outro Salmo que o expressa assim: " Se observares, Senhor, iniqüidades, quem, Senhor, subsistirá?" (Sl. 130:3). Estamos na presença de Deus, e estamos ali por uma só razão, ou seja que em Deus há misericórdia para que Ele seja temido. Estamos na presença de Deus, porque Seu nome é Amor; estamos aqui " porque Deus amou o mundo de tal maneira (em seu pecado, arrogância, rebelião e vergonha), que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 101 tenha a vida eterna". Não haveria um princípio na vida cristã se não fosse por esta graça salvadora. É apesar de nós mesmos que Deus nos perdoa. Somos cristãos não porque somos bons, mas sim porque embora sejamos ímpios, Deus teve misericórdia de nós e mandou a Seu Filho para morrer por nós. Somos salvos só pela graça de Deus; não há contribuição humana alguma, e se pensamos que a há, estamos negando a doutrina central da Bíblia. Se sentimos neste momento que há algo em nós que nos possa recomendar a Deus, não cremos o evangelho deste salmista, nem o evangelho do Novo Testamento. Somos devedores à misericórdia somente. Notemos no salmista; consideremos o que esteve fazendo; consideremos o que esteve por dizer; consideremos toda sua atitude na presença de Deus. Como é que Deus lhe podia perdoar isso? Por que é que Deus o perdoou? Houve algo nele para merecer esta graça? Não; absolutamente nada. Há um só caminho para nos aproximar a Deus; é vir a Ele e dizer como o Filho Pródigo: " Pai, pequei contra o céu e contra ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho". Quero deixar isto bem esclarecido. Se cremos que temos o direito de ser perdoados, não somos, segundo eu o entendo, cristãos. Graça significa bondade e amor a pecadores indignos. Deus foi movido somente por Seu próprio amor, Sua própria misericórdia, Sua própria graça. Se não vemos isto, há uma só explicação. É que nunca vimos nosso pecado, não passamos o que este salmista descreve na frase anterior. Se nos vimos a nós mesmos como animais, como idiotas ou estúpidos, como ignorantes, se nos vimos assim na presença do Santo Deus, então não haveria necessidade de discutir este ponto. Darei outra definição do que é ser cristão. É um homem que se dá conta, que embora não se possa perdoar a si mesmo, Deus o perdoou; é um homem que está surpreso precisamente pelo fato de ter sido perdoado. Não toma as coisas como automáticas ou com leviandade. Não vem demandando o perdão como um direito legítimo. Jamais o tem feito: pelo contrário diz:
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones Tal qual estou, eu venho a Ti, Aceita-me, ó Salvador! Confiante sou em Teu amor; Ó Salvador, me achego a Ti!
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Isto é o que o autor está dizendo: " Todavia, estou sempre contigo". Apesar do que fui e do que tenho feito, ainda estou contigo, por Teu amor, Tua compaixão, Tua graça salvadora. Apesar da condição do mundo, Deus enviou a Seu Filho. Quantas vezes isso é dito no Antigo Testamento! Quantas vezes faz lembrar ao povo de Israel que Ele os tirou do Egito, não pelo que eram mas por causa de Seu Santo nome, por Seu amor e compaixão a Seu próprio povo. E o Novo Testamento põe grande ênfase nesta graça salvadora de Deus. ".. .em que sendo ainda pecadores", "quando ainda éramos fracos". Deus tem feito tudo, e Ele deve receber todo o crédito e toda a glória. "Todavia" — apesar de mim mesmo, apesar do que é certo a respeito de mim — "… estou sempre contigo". Mas sigamos o salmista. Tendo começado com esta primeira compreensão, que apesar de tudo, Deus o está considerando, ele então olha um pouco para trás. "Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita". O que quer dizer com isto? Podemos olhá-lo de duas formas. Em primeiro lugar, vemos a graça restritiva de Deus. "Tu me seguras pela minha mão direita". Isto é como se houvesse dito: "Quando eu ia escorregando, Tu estavas ali, Tu me levantaste; Tu me salvaste". Os pais da Igreja falavam muito desta graça restritiva de Deus. Parece que a esquecemos. Quantas vezes a ouvimos mencionar? e por que não usamos estas grandiosas palavras? Temo-nos tornado antibíblicos, esquecemos nossas doutrinas. Não obstante, que gloriosa doutrina é esta. O que significa? O salmista quis dizer que foi Deus quem o sustentou e o resguardou da terrível queda. Esta era sua posição — " quase me resvalaram os pés". Por que é que não escorregou? Agora começa a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 103 entender. Não o havia entendido antes. O que o salvou foi que Deus o sustentou com Sua mão direita. É Deus quem o endireitou no momento precisamente antes da queda final. Deus o tomou pelas mãos novamente; e no preciso momento em que esteve prestes a cair, sustentou-o. O salmista não o viu assim no princípio. Simplesmente deu-se conta que estava prestes a dizer coisas que nunca deveria dizer porque seria uma ofensa ao povo de Deus Mas, por que se deu conta disso repentinamente? Que é que o fez pensar assim? De onde veio este pensamento: "Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos"? A resposta é que veio de Deus. Deus tomou-o pela mão direita e o restringiu. Deus pôs o pensamento em sua mente e isso o sustentou. Agora vê isto, e então em certo sentido, ele mesmo converte-se no grande tema deste Salmo. O Salmo 37:24 expressa o mesmo pensamento. O salmista está descrevendo o homem reto e diz: " se cair, não ficará prostrado, porque o Senhor o segura pela mão". É o mesmo pensamento. É importante que esta verdade seja apresentada simplesmente. Esta doutrina, como observaremos, não diz que o cristão nunca cai. Já sabemos que cai!; mas nunca é castigado eternamente. Esta doutrina concerne ao que esfria espiritualmente. Compreendemos isto claramente? O que esfria é evidentemente uma pessoa que cai; mas também é correto dizer que é uma pessoa que não está totalmente perdida. Algumas pessoas não entendem esta doutrina da frieza espiritual. Dizem que se uma pessoa que aparenta ser cristão cai em pecado, então, nunca foi cristão. Estão errados. Um cristão pode fazer coisas surpreendentes e podem lhe acontecer coisas surpreendentes. Entretanto, a doutrina concernente ao irmão caído ensina que, embora possa cair, não se perde completamente. Em outras palavras, essa pessoa sempre reage; não permanece em pecado. É uma pessoa que sofre uma queda temporária. Há pessoas que dão a impressão de ser cristãs, mas nunca deram mais que mau assentimento intelectual à verdade. Nunca nasceram de novo e rejeitam a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 104 verdade em sua essência. Estes não são irmãos caídos ou esfriados. Somente ao verdadeiro cristão pode-se aplicar a frase "irmão caído". Vou explicar mais facilmente com uma ilustração. Lembro de um homem que, segundo meu critério e o de outros, era um cristão. Não obstante, chegou um momento em que o vimos fazer coisas terríveis. Foi libertado de uma vida de bebedeira e imoralidade. Converteu-se e chegou a ser um bom cristão. Cresceu espiritualmente de uma maneira assombrosa. Entretanto, este homem chegou a fazer coisas terríveis. Novamente caiu no adultério. Mais ainda, chegou a roubar a sua própria mulher e seu comportamento era muito desprezível. Muitos começaram a dizer que jamais tinha sido crente. Apesar de tudo, eu insistia: "Este homem é crente; é um irmão caído. Não terminará sua vida assim". Foi de mal a pior; outros diziam: "Terá que admitir agora que este homem não é crente." Graças a Deus, voltou e ainda está firme, desfrutando uma vez mais em sua fé. Caiu, mas não foi totalmente destituído. É uma doutrina difícil de compreender mas verdadeira. A Bíblia não diz que quando uma pessoa nasce de novo, jamais volta a pecar. Nós sabemos que isto não é verdade. A Bíblia não ensina o perfeccionismo. O crente peca; pode chegar a cometer pecados terríveis, horríveis. Leiamos 1 Coríntios 5. O homem dessa passagem era culpado de um pecado imundo, mas voltou. Tão mau foi que o apóstolo não pôde fazer nada com ele senão apenas entregá-lo a Satanás. Não obstante, foi restituído e voltou. Graças a Deus por isso. Esta é a graça restritiva de Deus Pareceria que às vezes permite que nos afastemos muito dEle, mas se somos filhos de Deus não nos afastaremos totalmente. Isto é impossível. Mas, que dizer de Hebreus 6? A resposta é que as pessoas mencionadas ali não tinham nascido de novo. Tinham estado temporariamente sob a influência do Espírito Santo. Em nenhum momento é sugerido que receberam nova vida. É falando de uma pessoa regenerada quando digo que, embora possa afastar-se bastante, não se
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 105 afastará totalmente. Quando olha a sua passada vida diz: "Ó amor, que não me deixará". Deus não nos deixará ir totalmente. O salmista por pouco escorregou, mas diz: "Tu me seguras pela minha mão direita". Não se lhe permitiu escorregar totalmente. Mas sigamos ao outro passo. Há outro aspecto desta doutrina da graça que se ensina neste versículo, e é "a graça restauradora" de Deus. Está no mesmo versículo. "Tu me seguras pela minha mão direita" Esta é outra parte maravilhosa da doutrina. Quando o salmista olha para trás começa a compreender. Chegou a entender que Deus o estava sustentando de sua mão direita, e no momento crucial o trouxe de volta. Entretanto, não se deteve ali. O que é que lhe fez voltar? Sentia-se muito miserável, com muita inveja dos néscios. O que é que o levantou e o ajudou a entender? Alguns crerão que é uma pergunta desnecessária, porque já vimos que foi como resultado de ir ao santuário de Deus. Ele mesmo o diz: "Quando pensava em compreender isto, fiquei sobremodo perturbado; até que entrei no santuário de Deus; então, entendi eu o fim deles". O que o restaurou foi sua decisão de ir ao santuário de Deus. Entretanto, isto só é uma resposta superficial. A pergunta que devemos nos fazer é esta: O que é que fez o salmista ir ao santuário de Deus? Estava ali, submerso em sua miséria e dizendo-se: "Deus é injusto. Lavei minhas mãos e limpei meu coração e, apesar de tudo, sempre tenho problemas, enquanto que os ímpios são felizes". Pareceulhe que não era verdade o evangelho. Repentinamente sentiu a necessidade de ir ao santuário de Deus. Mas, o que o impulsionou a ir ao santuário? Há uma só resposta a isto: a graça restauradora de Deus. Eu sugiro que foi ao santuário porque Deus lhe pôs o desejo em sua mente. Como dizemos tão levianamente, é algo que lhe "deu na telha". Mas, como é que lhe ocorreu? A resposta é que Deus pôs a ideia em sua mente. Queria voltar para o caso do crente que caiu no adultério, e enganou e roubou a sua mulher. Aqui está o resto da história. Abandonou sua casa, veio a Londres e viveu em adultério. Acabou o dinheiro. Sentiu-se
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 106 desgraçado e miserável, tanto, que estava decidido a suicidar-se. Chegou a ser mendigo. Finalmente, um domingo de noite, quando se dirigia ao rio Tâmisa, determinado a arrojar-se e terminar sua vida, repentinamente lhe "veio a ideia" de vir aqui, sentou-se na galeria enquanto eu dirigia a congregação em oração. Não sabia que ele estava presente mas disse algo sobre o amor de Deus para com o "esfriado". Disse repentinamente, sem premeditá-lo, não sabendo nada. E o que disse, embora uma frase sem importância, foi como um raio de luz proveniente de Deus, para esta pobre alma. Ele voltou a Deus e agora tudo estava bem. A graça restauradora de Deus! Este homem estava caminhando pelas ruas e repentinamente teve desejo de vir ao santuário. Por que? Porque Deus lhe mandou, Deus pôs o pensamento em sua mente e ele veio. Deus também pôs esse pensamento em minha mente e o disse em minha oração. Realmente, num sentido, não fui responsável; não me dava conta. Assim é como Deus opera. A história da Igreja está cheia destes casos. Homens e mulheres, convertidos mas aparentemente, afastados por muitos anos. Como é que Hugh Redwood voltou ao Senhor? Era jornalista e enquanto reunia dados a respeito das inundações do rio Tâmisa em 1927, encontrou-se novamente com o Exército da Salvação. Anos antes, converteu-se com o Exército da Salvação, mas logo se afastou. De modo que, até uma inundação pode trazer um filho de volta a Deus. Estes casos são testemunhas da graça restauradora de Deus. Deus trouxe estes homens de volta. Justo quando chegamos ao limite, quando já não temos esperanças e quando já estamos para dar lugar ao desespero, quando chegamos a pensar em nos suicidar, inesperadamente Deus intervém, talvez a último momento e nos traz de volta. Restaura-nos à comunhão, comunhão com Ele mesmo e mais particularmente à comunhão com os santos, e nos devolve o júbilo e a alegria que perdemos. " Fez-me tirar do poço do desespero, do lodo lamacento. Pôs meus pés sobre a rocha, e endireitou os meus passos".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 107 Davi, Rei de Israel, soube algo disso. Pecou terrivelmente e a única forma em que Deus pôde tratar com ele, foi lhe enviando o profeta Natã. Natã lhe fez notar seu pecado em forma de parábola, lhe dizendo simplesmente: "Tu és o homem" (2 Sm. 12:7). Davi viu seu pecado e isso o impulsionou a escrever o Salmo 51 e a confessar o seu pecado. O remorso pode fazer isto. Pode fazer com que nos condenemos e logo, talvez, cheguemos ao suicídio. Mas o cristão diz com Davi: " lava-me": " Restitui-me a alegria da tua salvação ". A graça restauradora de Deus. Ele traz a alma de volta, conforme o Seu maravilhoso amor e a Sua admirável bondade. Podemos resumir esta doutrina assim. Na vida cristã nada é fortuito. Nada sucede por acaso. Há algo mais consolador, mais maravilhoso que saber que estamos nas mãos de Deus? Tudo está sob Seu controle. Ele é o Deus Todo-Poderoso, o Senhor do Universo, que faz tudo de acordo com o conselho de Sua própria eterna vontade. Somos objetos de seu amor portanto nada nos pode suceder. "... Até os cabelos da vossa cabeça estão contados”. Ele não nos abandonará. Podemos cair profundamente no pecado, e nos afastar muito, mas não seremos totalmente destruídos; sustentar-nos-á da queda final. Ele sempre nos trará de volta. " Confortará minha alma", diz o salmista. E depois de nos confortar, far-nos-á descansar " em lugares de delicados pastos" e guiará a "águas de descanso". E nos tratará de uma forma tão maravilhosa que nos será difícil crer que fizemos o que fizemos. A graça restauradora de Deus! Não é nossa ignorância o problema principal? Falamos muito de nossas decisões e do que estamos fazendo. Temos que aprender a pensar de outra maneira e ver que Deus é aquele que tem feito tudo. Não nos decidimos por Cristo, foi Ele quem pôs as mãos sobre nós e, para usar o termo de Paulo, "agarrou-nos". É por isso que nos decidimos. Vamos para além de nossa decisão. O que é que nos fez decidir? Voltemos para princípio, à graça de Deus. É tudo por Sua graça, e se não fosse assim, e nós tenhamos decidido por Cristo, logo decidiríamos o contrário, e nos afastaríamos e perderíamos completamente. Entretanto, não podemos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 108 cair de sua graça. Podemos cair em nossa confusa inteligência e pensamento, mas não na realidade. A graça salvadora de Deus! Não obstante, precisamos ser restringidos, e quando caímos precisamos ser restaurados. E Ele faz tudo. Temos que nos dar conta que "Deus é aquele que em vós opera desde o começo até o fim". Graças a Deus por Sua graça admirável, maravilhosa graça salvadora, restringente, e restauradora. "Todavia, estou sempre contigo". É quase incrível, mas é verdade. " Estou sempre contigo".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO IX
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A PERSEVERANÇA DOS SANTOS ATÉ O FIM V. 24 - Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória. Em nosso último estudo começamos a considerar a doutrina bíblica concernente à graça de Deus, ilustrada na história do autor deste Salmo. A proposição em geral é que a salvação é inteiramente " pela graça. . . por meio da fé, e isto não de vós pois é dom de Deus” (Ef. 2:8). A glória da salvação de cada alma é inteiramente de Deus. Temos aqui a grande fórmula da Reforma Protestante que não devemos esquecer jamais. Logo vimos que a doutrina bíblica com relação a isto pode ser considerada em certas categorias. Primeiro, a graça salvadora. Esta é a forma original em que nos chega a graça, nos trazendo o perdão de nossos pecados. Logo a graça restringente. Notamos que foi Deus quem sustentou este homem. Seus pés quase escorregaram. Por que não escorregou? Porque, segundo ele, lembrou-se do dano que poderia ter causado ao irmão mais fraco. Mas, quem pôs esse pensamento em sua mente? Deus; Ele nos freia. Deus permite que Seus filhos vaguem muito longe, a tal ponto que alguns pensem que não são filhos de Deus. Entretanto, isto significa que como vimos, não entendemos a doutrina do irmão caído. Parece que Deus permite que nos apartemos bem longe, mas nunca totalmente. Ele nos sustenta pela mão direita, freia-nos. Logo vimos a obra da graça restauradora. Deus fez este homem voltar e o levou ao santuário. Não foi um pensamento ocioso que veio à sua mente, e o obrigou a dizer, "Bem, por que não vou à casa de Deus?" Alguém que tenha vagado longe do Senhor ao ler estas palavras, e examinar sua própria experiência, encontrará que o pensamento que lhe veio, não foi um impulso repentino mas sim Deus o pôs em sua mente. Deus manipula nossas mentes e pensamentos. Levou-o ao santuário e como resultado o restaurou.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 110 Chegamos a este ponto. Tudo isso pertence ao passado. O salmista está ainda olhando para trás. Não pode entender este "todavia", isto tão surpreendente. "Ainda estou na presença de Deus", diz. "Deus ainda me olha e Se interessa por mim, apesar do que estive fazendo, apesar do que contigo". Não o pode quase cheguei a fazer". "Todavia, " Todavia, estou sempre contigo". esquecer, e diz: "Estou aqui por Deus e por Sua graça". E dando-se conta disto, olha rumo ao futuro. Como será? Sua resposta é: "O futuro será sempre igual. Estou sempre nas mãos de Deus". E pelo fato de que " tu "Tu me guias com o teu conselho e me seguras pela minha mão direita": direita": "Tu depois me recebes na glória". glória". O primeiro ponto que devemos considerar aqui é que este novo passo que o salmista toma é quase inevitável em vista do que disse. Para mim todo o caso depende dessa proposição. Meu argumento é que a pessoa que compreende, como o salmista, o ocorrido no passado, tem, por necessidade e inevitável lógica, que dizer isto a respeito do futuro. Portanto, se não podemos dizer o mesmo que ele a respeito do futuro, significa que não compreendemos o passado. Em outras palavras, a vida cristã é um todo. A doutrina da graça é uma só e indivisível; não podemos tomar parte dela e deixar o resto. É tudo ou nada. Afirmo, pois, que este homem fez esta declaração porque se viu obrigado a fazê-lo. Argumenta assim: "fui restringido; quando quase me perdia, fui sustentado pela poderosa mão de Deus. Como resultado de sua graça, estou na presença de Deus." Por que? Pela graça restauradora de Deus. Mas agora se suscita esta pergunta: por que Deus me tratou assim?, por que Deus me restringiu?, por que Deus me restaurou? Há uma só resposta a esta pergunta. Deus tem feito isto porque Lhe pertenço, porque Ele é meu Pai, porque sou Seu filho. Em outras palavras, não é algo acidental ou fortuito. Deus tem feito isto comigo pela relação que existe entre nós, e portanto, se isto é verdade, há de seguir fazendo o mesmo no futuro. Quer dizer que estamos considerando, embora não nos demos conta disso, o que se conhece como a doutrina "da perseverança até o fim, dos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 111 santos". Conhecemos isto? Não houve outra doutrina descoberta pela Reforma Protestante, que haja trazido mais alegria, alento e consolação ao povo de Deus, que esta. Foi esta doutrina a que sustentou os santos do período do Novo Testamento, e como veremos, desde essa época não houve nada que haja sustentado e estimulado tanto ao povo de Deus. Esta doutrina explica as grandes proezas que há nos anais da Igreja Cristã. Jamais entenderemos a pessoas como os Pactuantes de Escócia e os Puritanos — homens que deram suas vidas com alegria e glória — se não é à luz desta doutrina. É a explicação de algumas das maravilhosas coisas que sucederam durante a última guerra; é a única forma que podemos entender como alguns cristãos alemães enfrentaram a Hitler e o desafiaram. O salmista agora nos dá uma excelente exposição dessa doutrina. Dirige-se a Deus e isto é o que diz: " Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória". glória". Muitos expositores bíblicos não se puseram de acordo quanto ao significado exato disto. Alguns não gostam da palavra "depois". Dizem que deve ler-se assim: "Guiar-me-ás rumo à glória". Entretanto, o sentido é o mesmo. Quer seja que ponhamos estas palavras no presente ou no futuro, há um elemento de continuidade nas mesmas. O que o salmista está dizendo é: "Você está fazendo isto agora, e o seguirá fazendo, e 'depois' glória". Este homem não está expressando uma esperança pia; está absolutamente seguro disso, como o resto do Salmo o explica mais extensamente e em detalhe. Esta é uma doutrina que se encontra em toda a Bíblia, no Antigo Testamento assim como no Novo. Os santos do Antigo Testamento viveram no mundo à luz desta doutrina. Assim se explicam os heróis da fé mencionados em Hebreus 11 de Abel em diante. Vê-se com particular clareza no caso de Noé. Noé foi um excêntrico, néscio e estranho na sociedade em que viveu. Parecia muito ridículo construir um arca. Ele não era como outros, que viviam para este mundo. Não; estava se preparando para uma catástrofe. Por que o fez? Porque conhecia a Deus, creu nEle (desejava somente agradá-Lo). Uma magnífica apresentação
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 112 desta doutrina encontra-se em Hebreus 11:13-16: " Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando co nfessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto ist o é, celestial. celesti al. Por isso, is so, Deus não n ão se envergonha enver gonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade " Esta é uma síntese perfeita da forma como os santos do Antigo Testamento viveram; explica a fé deles e sua filosofia da vida. É a declaração da doutrina da perseverança dos santos até o fim. Vê-se mais clara, como é de se esperar, no Novo Testamento. E é mais clara por esta razão: porque o Filho de Deus veio a este mundo e cumpriu Sua obra, e portanto temos muita mais segurança que os santos do Antigo Testamento. Eles tinham segurança, mas nós deveríamos estar duplamente seguros. O Filho de Deus veio a este mundo e voltou para o céu. Ele foi ouvido, tocado e apalpado. Temos toda esta evidência e ainda mais, pois o Espírito Santo foi dado numa forma tal que não tinha sido experimentado antes de Cristo. O efeito disso deveria nos assegurar duplamente esta gloriosa e maravilhosa doutrina da perseverança dos santos até o fim. Ao considerar esta doutrina, estamos olhando à doutrina do irmão caído numa forma positiva. Anteriormente, nós a víamos numa forma negativa, considerando o aspecto restringente e o aspecto restaurador da graça de Deus. Se pomos essa doutrina em forma positiva e no futuro, temos a perseverança dos santos. Por que Deus não permite que o irmão caído se perca totalmente? Por que dizemos sempre que o irmão caído volta e deve voltar? Esta doutrina nos dá a explicação. Consideremos, então, esta grande doutrina. Que evidências temos dela? Este Salmo que estamos considerando é uma das melhores. Não obstante, vejamos algumas declarações do Novo Testamento. Leiamos as palavras do Senhor Jesus Cristo em João 10:28, 29: " E Eu lhes dou a
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 113 vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar ". Esta declaração em si é mais que suficiente. Essas palavras foram pronunciadas por nosso bendito Senhor e Salvador sem nenhuma condição. São uma asseveração dogmática, uma certeza absoluta. Não poderiam ser mais fortes. Entretanto, consideremos também outras passagens das Escrituras. Olhemos o final de Hebreus 6 e Hebreus 11. Possivelmente não conheçamos bem estas passagens e haverá coisas das quais não estamos seguros. Mas permita-me lembrar uma declaração que fez Lorde Bacon: "Não permita que as coisas das quais não estás seguro, roubem-te do que estás seguro". Que declaração profunda é esta em qualquer nível! Quando se aplica a doutrinas bíblicas significa isto: Por um lado temos uma declaração categórica feita por nosso Senhor que é clara e simples. Não pode haver equívoco algum a respeito dela; é absolutamente certa. Muito bem; então quando nos encontramos com passagens que são incertas, o que fazemos com elas? Abandonamos aquilo do qual estamos seguros? Lorde Bacon diz que se somos sábios, nunca devemos permitir que o incerto nos roube do certo. O que diz o Senhor é absolutamente seguro e tomamos assim. Logo examinemos os outros versículos à luz disto. Se fazemos assim encontraremos que não é muito difícil como tenho dito anteriormente de relance, em passagens como os primeiros versículos de Hebreus 6, não há manifestação alguma de que essas pessoas tinham nascido de novo. Nunca esqueçamos que há pessoas que parecem ser cristãs, que aprovam as devidas declarações, e que mostram muitos outros sinais, mas isto não significa necessariamente que nasceram de novo. Talvez tenham "provado" o dom celestial, ou tenham experimentado algo do poder do Espírito Santo, mas não significa necessariamente que receberam vida de Deus. A doutrina da perseverança dos santos aplica-se àqueles que receberam vida.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 114 Consideremos agora aquelas repetidas declarações de Romanos 8, e especialmente o versículo 30: " E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou". O apóstolo Paulo ensina aqui claramente que se Deus justifica uma pessoa, Ele já o glorificou. Toda esta passagem é uma tremenda exposição da doutrina da perseverança dos santos até o fim, e termina com um último desafio: " Quem nos separará do amor de Cristo?" " Estou certo (em grego, absolutamente seguro) de que nem a morte, nem a vida... poderá separar-nos do amor de Deus, que é em Cristo Jesus nosso Senhor ". Leiamos outra passagem: " Aquele", diz Paulo aos Filipenses (Fp. 1:6), "que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus". Olhemos também em Pedro 1:5. O apóstolo diz: " guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo". E assim poderíamos passar horas citando as Escrituras a tal fim! Sobre a base destas declarações, qual é exatamente a doutrina? Quais são as verdades que podem basear-se sobre estes argumentos? Como provamos, como demonstramos esta doutrina? Pareceria que este ensino pode ser subdividido da seguinte maneira. Esta verdade está baseada sobre o caráter imutável de Deus. " Porque irrevogáveis são os dons e a chamada de Deus”, diz Paulo. Ele é o " Pai das luzes, no qual não há mudança, nem sombra de variação". A vontade de Deus é imutável, e é imutável porque Deus é Deus. O que Deus deseja, o que Deus Se propõe, Deus o executa. A imutável vontade de Deus é a rocha fundamental de tudo. Se eu não creio isto, não tenho fé. A verdade absoluta é que Deus é Deus. " Eu sou o que sou", eterno, imutável e sempre o mesmo. Em outras palavras, Deus não é como o homem, nunca começa algo para logo abandoná-lo. Isto é tão típico de nós não é certo? Temos novos interesses e vivemos para eles; logo os abandonamos. Nós temos esta tendência, mas Deus não é assim. Quando Deus começa uma obra, Ele a completa. Deus é incapaz de deixar algo
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 115 pela metade. Este é o fundamento de toda nossa posição. Deus não se nega a Si mesmo. Não é inconsequente. Não há contradições em Deus, tudo é simples e claro. Ele vê o fim desde o começo: assim é Deus. Se não descansamos na vontade imutável de Deus e Seu propósito, não temos nada em que descansar. O segundo argumento que deduzo concerne aos propósitos de Deus. Evidentemente não há nada mais claro nas Escrituras, desde o começo até o final delas, que isto: Deus tem um grande propósito, e Seu propósito é salvar os que creem. Não podemos ler a Bíblia honestamente e sem prejuízo sem ver isto claramente. Encontramos ali o relato da criação, a explicação da queda do homem e da humanidade pecaminosa. Mas logo introduz a mensagem da graça. Que é isto? Não é que Deus nos mostra Seu propósito em salvar àqueles que creem? Eu o estou expressando assim deliberadamente. A Bíblia estabelece claramente que há algumas pessoas que passarão a eternidade em glória, e que há outras que não a vão passar ali. Não é isto o evangelho? Encontramos em todas partes esta divisão, este juízo, esta separação entre o povo de Deus e aqueles que não são de Deus. É o propósito de Deus salvar aqueles que creem, e é um propósito imutável. É um propósito que se levará a cabo. Por que? Isto me leva a meu próximo argumento concernente ao poder de Deus. Este mundo está governado por um poder hostil a Deus. Esse poder se descreve como "o Deus de este mundo" ou "Satanás", e ele organizou suas forças com uma extraordinária habilidade e sutileza de tal maneira que toda sua ação nesta vida e neste mundo está programada contra o povo de Deus. As tentações, as sugestões, as insinuações, toda a atitude, todo o preconceito — não preciso descrevê-los — tudo está contra nós. E evidentemente a pergunta que se apresenta aqui é a seguinte: temos aqui um homem que é Filho de Deus, como enfrentará tudo isto? Não é evidente que cairá? Leiamos o Antigo Testamento e encontraremos que estes homens piedosos caíram em pecado, entre eles Davi e muitos outros. Como posso estar seguro que seguirei adiante? A
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 116 resposta é que estou sustentado pelo poder de Deus, sustentado pela graça de Deus: "Tu me seguras pela minha mão direita". Esta é a única base — o poder de Deus. Não há dúvida que é um poder invencível, ilimitado e infinito. É por isso que o apóstolo Paulo, orando pela Igreja em Éfeso, pede três coisas para eles (Ef. 1:18-19). Ora para que saibam "qual é a esperança" a que Deus os chamou. Roga para que conheçam "as riquezas da glória de sua herança nos santos", e também qual é "a supereminente grandeza de seu poder para conosco os que cremos", o poder dAquele que levantou dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo. "Agora", diz Paulo, com efeito, a estes Efésios, "isto é o que estou pedindo por vocês. São cristãos numa sociedade pagã e estão passando por um tempo muito difícil. O maior que podem chegar a conhecer, é que o poder que está em vocês é o poder que Deus exerceu quando levantou Seu Filho dentre os mortos e o ressuscitou". Este é o poder que está trabalhando por nós e em nós. Ele não se contenta em dizer uma vez, repete-o e o enfatiza. O poder de Deus é tal, que "é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós" (Ef. 3:20). Entretanto, tenho um argumento que é muito mais forte que tudo o que tenho dito. Há algo que é até de muito mais valor prático para vocês e para mim que as doutrinas da vontade de Deus, do propósito de Deus e do poder de Deus. Somos tão surdos para ouvir, e tão lentos nas coisas espirituais que estas declarações nos parecem remotas e abstratas. Por isso lhes darei algumas evidências concretas da história, uma demonstração prática do que estive dizendo. Encontramo-la na última parte do versículo 24 deste Salmo. Comecei dizendo que ele enfrenta o futuro e o faz com o que deduz do passado. Fá-lo com bastante lógica. Diz que o Deus que o tratou com tanta graça não o pode abandonar. Expressá-lo-ei em palavras do Novo Testamento: "Se (eu gosto deste se, eu gosto da lógica do Novo Testamento) sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando reconciliados, seremos salvos por sua vida" (Rom. 5:10). Podemos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 117 refutar esta lógica? Vejamos o que está dizendo. Se este Deus TodoPoderoso enviou o Seu Unigênito Filho amado para morrer na Cruz do Calvário, quando ainda fomos inimigos, quanto mais seremos salvos por Sua vida? O Deus que fez isto por nós, não nos pode deixar agora. Teria que Se negar a Si mesmo para fazê-lo. Fazendo o mais importante, não pode recusar fazer o menos importante. Tem que fazê-lo. Entretanto, o apóstolo, conhecendo como somos, repete-o novamente em Romanos 8:32: "Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?" Ele não poupou Sua humilhação nem Seus sofrimentos, não poupou os cuspes nem a cruel coroa de espinhos, nem a agonia dos pregos em Suas santas mãos e pés; não poupou a tremenda carga da culpa do pecado. "Aquele que não poupou o seu próprio Filho... porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?" Queremos algo mais? Se isto não é suficiente, então me desespero. O Deus que fez isto por nós está obrigado a nos dar tudo o que é essencial para nossa salvação final. É impossível pensar que Ele não o faria. Nosso trabalho nunca é em vão no Senhor se cremos o que Paulo diz em 1Corintios 15. E se isto é certo de nosso trabalho quanto mais é verdade do dEle. Queria lhes dar um último argumento. A forma em que somos salvos é, para mim, a prova final da doutrina da perseverança dos santos até o fim. O que é que quero dizer? Digo que somos salvos por nossa união com Cristo. Este é o ensino de Romanos 5 e 6. Se seriamente estamos em Cristo e unidos ao nunca podemos deixar de sê-lo. Formamos parte indissolúvel dEle, estamos unidos a Cristo. A doutrina da justificação também prova isto. Deus diz "... nunca mais me lembrarei de seus pecados e de seus iniquidades". Morremos com Cristo; fomos crucificados com Ele e também fomos sepultados com Ele; fomos ressuscitados com Cristo, e estamos sentados com Ele em lugares celestiais. Tudo o que é verdade dEle é também verdade de nós. Pode isto deixar de ser certo? A doutrina do novo nascimento ensina o mesmo.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 118 Somos participantes da natureza divina. Adão não foi. A Adão foi dada uma justiça positiva, mas não foi feito participante da natureza divina. Foi feito à imagem e semelhança de Deus e nada mais; mas aquele que está em Cristo, aquele que é cristão, aquele que nasceu de novo, é "participante da natureza divina". Cristo está nele e ele em Cristo. Sigamos a lógica destas proposições. Se cremos nestas doutrinas veremos que certas coisas se sucedem inevitavelmente. Não posso entender aqueles que dizem que hoje se pode nascer de novo e amanhã pode deixar de ser renascido. É impossível, é monstruoso, é quase uma blasfêmia sugerir isto. Podemos ter experiências emocionais que vão e vêm; podemos tomar decisões e logo renunciar a elas. A Bíblia ensina a respeito da atividade e a ação de Deus, e quando Deus opera, fá-lo efetivamente; e se estamos em Cristo, sem dúvida alguma, estamos em Cristo. Se somos participantes da natureza divina e estamos unidos a Cristo numa união espiritual e formamos parte do, não pode haver separação. Aqui, então, estão os argumentos que provam e substanciam esta doutrina. Resta a pergunta de como o faz Deus. Como é que Deus nos sustenta? O salmista o expressa assim: "Tu me guias com o teu conselho". Ele dirige; Ele guia. Ele faz todas as coisas que consideramos em nosso estudo anterior. Freia-nos, trabalha em nós: " ... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar...” (Fp. 2:12-13). Assim é como Ele preserva a Seu povo; assim é como nos sustenta por Sua graça, e nos livra do pecado. Ele opera em nós, em nossas mentes e também em nossas disposições e desejos. Pedro, no princípio de sua segunda epístola, lembra a quem está escrevendo que se lhes deu " todas as coisas que pertencem à vida e à piedade". "Todas as coisas": tudo o necessário para viver uma vida santa encontram-se nas Escrituras, no Espírito Santo, na Pessoa de Cristo. Por meio destas coisas Deus nos guia, sustenta-nos e nos aperfeiçoa. Ele se ocupa de nós, somos feitura Sua e seu cinzel foi utilizado em nossa formação. Estivemos doentes?
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 119 Provavelmente tenha sido Deus que o permitiu. "Pelo qual há muitos doentes e debilitados entre vós...", diz Paulo em 1 Coríntios 11:30. Porque alguns dos membros da igreja em Corinto não se estavam examinando e julgando a si mesmos, Deus teve que tratar com eles por meio de doenças e enfermidades. "Porque o Senhor ao que ama, disciplina, e açoita a todo aquele que recebe por filho" (Hb. 12:6). Isto é às vezes parte de Seu processo em nos sustentar e nos trazer a essa glorificação final que nos aguarda. Terminarei com isto. Aonde nos leva este processo? De acordo com este homem, leva-nos à glória... " Depois me recebes em glória". Quer dizer que se estamos nas mãos de Deus, e somos sustentados por Ele, desfrutamos em parte dessa glória até neste mundo. Até neste mundo começamos a desfrutar algo dos frutos da salvação, da vida que é glória. Os dons do Espírito, a graça do Espírito, os frutos do Espírito, tudo isto é parte da glória. Quando Deus começa a produzir estas coisas em nós, está nos glorificando. Ele nos torna diferentes do mundo e dos seus habitantes; faz-nos semelhantes a Cristo. Algo da glória de nosso bendito Deus nos pertence. Graças a Deus por esta verdade. Sim, mas isto só é o começo; isto é só uma antecipação. Na verdade, é só depois da morte que chegaremos perfeitamente à glória que nos espera, para desfrutar de tudo o que significa o céu. "... Já agora a coroa da justiça me está guardada" [2Tm. 4:8], diz o grande apóstolo Paulo. É por isso que ele ora repetidamente pelas igrejas para que conheçam "a esperança de sua vocação" e "as riquezas da glória de sua herança nos santos". Em outras palavras, Deus nos está preparando para Si mesmo, e o final de nossa salvação é que iremos estar com Deus e desfrutar de Sua vida com Ele. Que criaturas miseráveis somos, que criaturas tolas, descontentes, que nos queixamos, nos mas atamos às coisas deste mundo! Sabe que você e eu, se estamos em Cristo, estamos destinados a desfrutar da vida e da glória do próprio Deus? Esta é a glória que nos aguarda. Não é dificilmente o perdão dos pecados; estamos sendo
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 120 preparados para essa positiva, eterna glória. Este é o ensino que o salmista está expondo. Este é o fim e o objetivo aonde a graça sustentadora de Deus nos leva, e para a qual Ele nos está preparando. Entretanto alguém poderia perguntar, não é isto acaso uma doutrina perigosa? Existiria o perigo de que alguém dissesse: "Como já sou salvo, não importa o que faço". Minha resposta é esta. Se depois de escutar a doutrina que estive enunciando chegamos a essa conclusão, então não temos vida espiritual em nós mesmos, estamos mortos. "Todo aquele que tem esta esperança nele", diz em 1 João 3:3, "purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro". Se nos fosse prometido uma audiência com alguma pessoa importante, preparar-nos-íamos para isso. E o que estive dizendo é que se somos filhos de Deus, seremos levados à presença eterna e estaremos diante da glória de Deus. "Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus". Quanto mais seguro eu estiver disso, mais preocupado estarei de minha santificação e pureza; cada vez mais buscarei me purificar. O tempo é curto. Sei que o fim aproxima-se; não tenho nem um momento a perder. Devo me preparar com cada vez mais diligência para o dia da coroação o qual chegará logo. Termino com um fragmento de lógica do John Newton. Ele põe assim: Seu amor em todo o passado me impede de pensar Que nas provas finais me deixará afundar. Cada doce experiência que me faz provar Confirma que me quer à glória levar. Deus permita que todos, quando olhamos a nossos "Ebenézeres" passados (ver 1 Sm. 7:12), possamos desfrutar desta gloriosa e bendita segurança: que Ele não pode nem quer nos abandonar. Disto estamos seguros. Bendito seja o nome Deus!
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO X
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A ROCHA DA ETERNIDADE Vv. 25-26 - Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre.. Nestas palavras o salmista descreve um novo passo para frente no processo de recuperação da doença espiritual que estava sofrendo. Estivemos seguindo-o passo a passo, e agora chega a esta próxima etapa, esta nova declaração, que sem dúvida alguma, é a posição final, a mais alta de todas. Aqui, em vista de todas suas experiências, não pode fazer mais que entregar-se à adoração a Deus. Isto é o que expressa nestes dois versículos. "Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre ". Este próximo passo é quase inevitável, e queria enfatizar bem este ponto. Uma das coisas mais interessantes ao seguir este homem em sua peregrinação espiritual é notar a forma em que cada passo está ligado ao anterior e com aquele que lhe segue. Sugeriria que bem poderíamos dizer que temos aqui a descrição de uma experiência espiritual normal. Notamos que se ficamos estancados numa dessas etapas nos está ocorrendo algo mau no sentido espiritual. Ele deteve o avanço descendente na primeira instância, e desde aquele momento começou a ascender passo a passo e degrau por degrau. Cada movimento era inevitável porque o conhecimento de cada uma destas situações levá-loia diretamente à seguinte. Assim que, tendo conhecido todas estas verdades a respeito de seu bondoso trato com ele, tendo chegado a entender esta maravilhosa doutrina da graça em suas diversas manifestações, o salmista quase involuntariamente e quase
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 122 inevitavelmente encontra-se louvando a Deus e O adorando em Seu maravilhoso trono de graça. Isto, repetiria, é o fim do processo, e é o nível mais alto aonde podemos chegar. Na verdade, nestes dois versículos vemos a meta da salvação. Isto é todo o propósito; é para isto que somos salvos; e o salmista chegou ali. Separo-me do tema por um momento: com muita frequência encontra-se a tendência, entre cristãos, de desprezar o Antigo Testamento. Não é que não creem que seja a Palavra de Deus. Sim, creem. Mas se contrastam a si mesmos com os santos do Antigo Testamento. "Estamos em Cristo", dizem, "recebemos o Espírito Santo. Os santos do Antigo Testamento não sabiam isto, e portanto, são inferiores a nós". Se estamos tentados a pensar assim, devemos fazemos uma simples pergunta: Podemos honestamente usar a linguagem que usou este homem nos dois versículos que estamos considerando? Chegamos ao conhecimento de Deus e a uma experiência de Deus como este homem chegou? Podemos dizer honestamente: "Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra"? Quão parciais nós somos! Estes santos do Antigo Testamento eram filhos de Deus como você e eu o somos; e na verdade, se lemos estes Salmos honestamente, sentir-nos-emos às vezes um tanto envergonhados de nós mesmos e talvez pensemos que acaso eles avançaram mais do que avançamos nós. Cuidemo-nos de recalcar muito a diferença entre as duas dispensações e fazer distinções que terminam sendo completamente antibíblicas. Assim é como o salmista pode falar de sua relação com Deus, e não vacilo em assegurar que todo o propósito do Evangelho do Novo Testamento e sua salvação é simplesmente nos mostrar isto. Assim é que se prova toda profissão de cristianismo; isto é todo o propósito da encarnação e da obra completa de nosso bendito Senhor e Salvador: o permitir-nos falar desta maneira. Perguntaria novamente então: Podemos nós falar assim? É esta nossa experiência? Conhecemos a Deus como este homem o conheceu? Não importa a que nível chegamos ou quanto
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 123 possamos dizer: nunca deveríamos estar satisfeitos até chegar a isto. Esta é a meta, este é o objetivo. Estar satisfeitos com algo menos, embora seja bom, num sentido é negar o evangelho em si, porque o grandioso e majestoso fim e o objetivo de todo o evangelho é nos trazer, como veremos, a esta posição particular. Encaremos então esta tremenda declaração: "Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre". O que é que quer dizer? O que está dizendo? Estou certo que a primeira coisa que surgiu em sua mente foi negativa e ele estava fazendo uma declaração negativa. Com esta pergunta está dizendo na verdade, que como resultado de sua experiência compreendeu que ninguém em nenhuma parte lhe pode ajudar, e que não há outro Salvador. "Quem é aquele que me pode ajudar no céu ou na terra senão só Tu?", pergunta. Não há ninguém. Quando as coisas lhe foram mal, quando realmente chegou ao fundo do poço, quando não sabia onde ir ou a quem recorrer, quando necessitava consolo, distração, força e segurança, e algo a que aferrar-se, encontrou que não há ninguém à parte de Deus. Entretanto a negativa deste homem é importante para todos nós. Verdadeiramente dou graças a Deus por isso, porque me dá muito consolo. Imagino que o que este homem está dizendo é que apesar de suas imperfeições, apesar de seus fracassos, quando se encontrava longe de Deus, quase lhe dando as costas, não encontrou satisfação. Em sua experiência, quando estava mal com Deus, estava mal em todo sentido. Havia um vazio em sua vida, não havia satisfação, nem bênção, nem força alguma — e embora não pudesse fazer uma declaração positiva a respeito de Deus, podia ao menos dizer que já não havia nada nem ninguém mais! Este é um pensamento muito consolador. Podemos nós usar este negativo?, pergunto-me. Se temos medo da prova positiva, como nos encontramos diante desta prova negativa? Podemos dizer que compreendemos tudo o que há nesta vida e neste mundo? Temos
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 124 chegado a ver que tudo o que este mundo oferece é como "cisternas rotas"? Temos podido compreender realmente como é o mundo e seus caminhos e toda sua suposta glória? Temos chegado ao ponto em que possamos dizer: "Isto eu sei, não há nada mais que me possa satisfazer"? Provei o que o mundo pode oferecer, experimentei todas essas coisas, brinquei com elas, e cheguei a esta conclusão: que quando estou longe de Deus, nas palavras de Otelo, "o caos chegou novamente". Este é um aspecto importante da experiência, e muito vital. Aquele que esteve afastado do Senhor sabe exatamente o que quero dizer. É uma das formas em que se pode provar minhas anteriores observações a respeito do irmão caído. O caído espiritualmente é uma pessoa que, por sua relação com Deus, nunca pode chegar a desfrutar realmente de outra coisa. Pode procurá-lo, mas sente-se miserável enquanto permanece nessa situação, e ele se dá conta disto. Assim nós podemos nos examinar a nós mesmos. Em forma notável temos nesta confissão um exame surpreendente de nossa fé e crença cristã. Este é quase sempre o primeiro passo em nossa recuperação: chegar a compreender que tudo na verdade é diferente, "as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas". As coisas do mundo já não têm a atração e o valor que antes pareciam ter. Descobrimos que quando não estamos numa correta relação com Deus os próprios alicerces de nossa vida parecem não existir. Poderíamos viajar ao limite da terra procurando encontrar satisfação sem Deus, mas descobrimos que ela não existe. Entretanto, é evidente que não podemos ficar aqui com o negativo. Esta declaração é também positiva. Enfatizarei isto analisando a afirmação positiva do salmista. Está dizendo, em primeiro lugar, que ele almeja o próprio Deus, não somente o que Deus dá, ou o que faz. Esta é uma declaração muito importante, por esta razão: A verdadeira essência do problema do salmista, num sentido, é que ele tinha colocado o que Deus dá, no lugar que deve ocupar o próprio Deus. Isto é o que estava atrás de seu problema com relação aos ímpios. Todos se davam bem; por que é então que ele estava se dando mal? Por que tinha sido "açoitado
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 125 todo o dia"? Por que pensa: "inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência" [Sl. 73:13]? Por que pensou assim? O problema é que ele estava mais interessado nas coisas que Deus dá, que no próprio Deus, e porque pensava que não tinha as coisas que ele desejava, começou a duvidar do amor de Deus. Mas chegou ao ponto onde honestamente pode dizer que deseja ao próprio Deus pelo que é e não só pelo que dá e faz. Vou expressá-lo de maneira mais enfática. A prova final do cristão radica em que sinceramente possa dizer que deseja o próprio Deus antes que o perdão. Todos desejamos o perdão, e com toda razão; mas isto é um dos graus mais elementares da experiência cristã. A cúspide da experiência cristã é quando se possa dizer: "Sim, mas ainda mais que o perdão, desejo a Deus, o próprio Deus". Muitas vezes desejamos poder, capacidade e outros dons. Há um sentido em que é correto desejá-los. Mas se pusermos estas coisas antes que Deus, estamos proclamando novamente que somos cristãos muito pobres. Como cristãos desejamos bênçãos de várias classes e oramos a Deus por elas, mas ao fazê-lo, às vezes podemos insultar a Deus, porque damos a entender que não temos interesse nEle, senão só no fato de que Ele pode dar-nos essas bênçãos. Desejamos as bênçãos mas não nos detemos para desfrutar de Sua bendita Pessoa. O salmista experimentou tudo isto e chegou a ver que a maior de todas as bênçãos é justamente conhecer a Deus e estar em Sua presença. Há muitos exemplos disto na Bíblia. O Salmo 42:1 e 2 o expressa perfeitamente: "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma". Aqui o salmista está clamando por um conhecimento direto de Deus, uma imediata experiência de Deus. Sua alma "suspira", "tem sede de Deus, do Deus vivo". Não de Deus como uma ideia, não de Deus como uma causa, ou fonte de bênção, mas sim do Deus vivo em pessoa. Conhecemos isto? Estamos famintos e sedentos dEle? Anela por Ele nossa alma? Isto é muito profundo, e é terrível pensar que é possível passar nossa vida orando cada dia e nunca nos dar conta que o supremo na experiência
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 126 cristã é nos encontrar face a face com Deus, adorando-O no Espírito e espiritualmente. Percebemos que estamos relacionados diretamente com o Deus vivo? Conhecemos Sua presença? É real em nós? Vou expressálo num nível inferior: Estamos desejando e buscando isto? Estamos insatisfeitos até o conseguir? É o maior desejo de nossos corações e nossa mais alta ambição, sobre toda outra bênção e experiência, saber que estamos perante Ele e que O conhecemos e nos alegramos nEle? Isto é o que o autor do Salmo 42 deseja; isto é o que o autor do Salmo 73 tinha chegado a desfrutar. O apóstolo Paulo diz exatamente isto em Filipenses 3:10. "Se me perguntarem", diz Paulo, "qual é meu maior desejo, é este: 'conhecêLo'." Notemos sua suprema ambição. Não me interpretem mal ao expor isto claramente. Sua mais alta ambição não foi ser um grande ganhador de almas Foi uma de suas ambições, e muito boa. Não era nem sequer ser um grande pregador. Não; acima de tudo e incluindo isto, era "conhecê-Lo". Porque como o apóstolo nos lembra em outra parte, se pusermos as outras coisas primeiro, talvez sejamos reprovados, em certo sentido, até como pregadores. Mas quando pomos o desejo que teve Paulo no centro, não há perigo. Paulo viu a face do Cristo vivo, do Cristo ressuscitado. Entretanto, ainda não está satisfeito e deseja este mais profundo e mais íntimo conhecimento dEle, um conhecimento pessoal, uma revelação pessoal do Senhor vivo no sentido espiritual. Não há nada mais sublime que isto. Olhemos ao ancião João escrevendo sua carta de despedida aos cristãos. Seu maior desejo, dizlhes em 1 João 1:4, é "... que a nossa alegria seja completa". Como é que se cumpre? "... mantenhais comunhão conosco ...", compartilhando conosco esta experiência bendita que desfrutamos. E o que é isto? "A nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo". Não significa que somente estamos envoltos na obra de Deus. Quer dizer isto claramente; mas é o nível inferior. O nível mais alto é realmente conhecer o próprio Deus. " E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo. 17:3). Na
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 127 verdade, temos a autoridade de nosso próprio Senhor, e não somente na declaração que acabo de mencionar. Quando alguém lhe perguntou qual era o maior mandamento, disse: ".... Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento". "... O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt. 22:37, 39). O primeiro, o mais importante na vida, é que conheçamos a Deus e que O amemos com todo nosso ser. Estar satisfeitos com algo menos que isto é não entender o fim, o objeto e o propósito da salvação cristã. Não nos detenhamos no perdão. Não nos detenhamos nas experiências. A meta é conhecer a Deus, e nada menos. O salmista pode dizer que agora só deseja conhecer a Deus pelo que Ele é, e não pelo que dá e faz. Vou expressá-lo de outra maneira. Este homem não somente deseja o próprio Deus, mas sim não deseja outra coisa à parte de Deus. É exclusivo em seu desejo e o detalha. Primeiro diz que não deseja outra coisa no céu senão a Deus. Que declaração! "Quem, " Quem, senão a ti, tenho eu nos céus?" céus?" [Sl. 73:25, TB]. Queria formular uma pergunta, e creio que são estas simples perguntas as que realmente nos dizem toda a verdade a respeito de nós mesmos. O que é que desejamos e esperamos no céu? Farei uma pergunta que talvez venha antes que esta: Realmente desejamos estar no céu? Isto não significa ser movidos. Agrada-me a forma em que Matthew Henry o diz: "Nunca somos instados nas Escrituras a que desejemos o céu". Se uma pessoa deseja a morte é que desejemos o céu. Se uma pessoa deseja a morte é porque quer tirar a vida devido a seus problemas. Esta não é uma atitude cristã mas sim pagã. O cristão tem um desejo positivo do céu, e portanto eu pergunto: Desejamos estar no céu? Mas, ainda mais, o que é que desejamos quando chegarmos ao céu?, é o descanso?, é o estar livres de nossas provas e tribulações?, é a paz do céu?, é a alegria do céu? Todas essas coisas se encontrarão ali, graças a Deus!; mas isto não é o que devemos buscar no céu. É a face de Deus que devemos buscar. " Bem-aventurad " Bem-aventurados os os limpos l impos de coração, porque verão a Deus". Deus". A visão esplêndida, o Summum
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 128 Bonum é estar na imediata presença de Deus, contemplar e contemplar a Deus. Desejamos isto? É isto o céu para nós? É isto o que desejamos acima de todas as demais coisas? É isto o que cobiçamos e desejamos com ânsias? O apóstolo Paulo nos diz que morrer "é estar com Cristo". Não há necessidade de acrescentar nada mais a isto. Esta é a razão, creio, pela qual sabemos muito pouco em detalhe, a respeito da vida no céu e na glória. Muitos com frequência perguntam por que não sabemos mais a respeito disto. Creio que há duas respostas. Uma é porque em nossa situação pecaminosa, qualquer descrição que nos fosse dada, seria mal interpretada. É tão glorioso que não o podemos entender nem compreender. A segunda razão é mais importante; às vezes o desejo de saber mais é só uma curiosidade ociosa. Vou dizer-lhes o que é o céu. É "estar com Cristo", e se isto não nos satisfaz, então não conhecemos Cristo absolutamente. "Quem, senão a ti, tenho eu nos céus?", diz o salmista. Não quero outra coisa. "Onde Tu estás, o céu está ali". Só Te contemplar é suficiente. "Estar com Cristo" é mais que suficiente, é tudo. "Quem, senão a ti, tenho eu nos céus?" Quanto conhecemos desta experiência? Tivemos experiências e bênçãos; há certas coisas que já sabemos, mas esta é a prova: Nós O conhecemos, nós O desejamos? Nada mais que estar com Ele, conversar com Ele. Clamamos por Ele? Temos sede do Deus vivo e da intimidade com o Senhor Jesus Cristo? Esta é a verdadeira experiência cristã. Quanto tempo passamos com Ele, orando a Ele? "Quem, senão a ti, tenho eu nos céus?" Na mesma forma segue dizendo: "Não há na terra quem eu deseje além de ti". Novamente notemos por que o salmista diz isto. Ele o diz porque era a própria essência de seu problema anterior. A razão de seu problema era que ele desejava certas coisas que os outros tinham. "Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio" [Sl. 73:3-4]. E desejava ser como eles e ter as coisas que eles tinham: mas agora já não
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 129 as deseja. Já tinha compreendido o fim deles. Agora, "fora de ti nada desejo na terra": só Deus no céu, só Deus na terra. As Escrituras, novamente, estão cheias deste ensino. É assim como o Senhor o expressa em Lucas 14:26: "Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo". Não nos preocupemos com a palavra "aborrece"; é simplesmente uma palavra forte que significa que uma pessoa que põe a alguém ou algo em sua vida, antes que a Cristo, não é um verdadeiro discípulo dEle. Ser um verdadeiro discípulo de Cristo, significa que Cristo deve estar no centro, Cristo deve ser Senhor de minha vida, Cristo deve estar no centro de meu ser; significa amá-Lo o mais que a qualquer pessoa ou coisa. "Fora de ti nada desejo na terra". Tem Ele, o primeiro lugar em nossa vida? Mesmo antes que nossos seres queridos e os mais achegados e os mais amados? Mesmo antes que nosso trabalho, nossos êxitos, nossos negócios, que toda outra coisa enquanto estamos nesta terra? Ele deveria ser nosso desejo supremo. "Para mim o viver...", é o que? "É Cristo", diz Paulo. É caminhar neste mundo com o próprio Cristo, ter comunhão com Ele nesta vida. E porque isto foi realidade em sua vida, Paulo podia dizer: "aprendi a me contentar, qualquer que seja minha situação". Por que? Outras coisas já não o controlam. É Cristo, e é só Cristo a quem deseja. Se tem a Cristo, diz, tenho tudo e "tudo posso naquele que me fortalece" (Fp. 4:11, 13). Vivemos independentes das circunstâncias e do que nos rodeia, quando vivemos dEle, por Ele e para Ele; o resto é insignificante. Desejamos a Ele acima de todas as coisas nesta peregrinação sobre a terra? O salmista chegou ao ponto onde podia dizer isto. Não somente isso, mas sim segue dizendo que encontra completa satisfação em Deus. Toda a declaração significa isto e mais uma vez o expõe em detalhe. "Quem, senão a ti, tenho eu nos céus?" Ele é Sol e Escudo, dá graça e glória. Não tem fim. Ele encontra que Deus lhe
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 130 satisfaz completamente: sua mente, seu coração, todo seu ser. Encontramos satisfação intelectual completa em Deus e em sua obra santa? Encontramos toda nossa filosofia aqui e sentimos que não necessitamos outra coisa à parte disto? Deus satisfaz plenamente ao homem, ao coração, e também aos sentimentos. Ele enche tudo. Deus é tudo e em todos. Ele é minha porção e minha completa satisfação. Eu não desejo outra coisa, não desejo que se acrescente mais. Leiamos os Salmos e encontraremos esse tema em todas as partes. No Salmo 103, por exemplo, encontramos que isto é exatamente o que o salmista está dizendo: Deus cura seus males e doenças, lança seus pecados tão longe dEle como dista o Oriente do Ocidente, dá-lhe força e poder, tudo. Está plenamente satisfeito com este bendito, glorioso Deus. Isto nos traz ao último ponto, e é este: que o salmista descansa confiantemente em Deus. Deseja a Deus pelo que Ele é, antes que pelo que Ele dá. Não deseja nada mais que a Deus. Encontra completa satisfação em Deus, descansa e repousa confiantemente nEle. Leiamos o que diz: "Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre" [Sl. 73:26]. Há aqueles que dizem que se está referindo aqui não só ao tempo em que sua carne envelhecerá com o correr dos anos mas também a algo que estava experimentando nesse momento. Provavelmente tenham razão, porque não é possível passar por uma experiência espiritual como a deste homem sem que o corpo físico sofra. Creio que seus nervos estavam em mal estado. Seu coração físico não funcionava bem. "Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam" sugere que poderia ter estado doente fisicamente. Mas de qualquer maneira, olhando ao futuro, ele sabe que vai chegar o dia em que sua carne e seu coração falharão. Ficará velho; suas faculdades falharão; suas forças diminuirão, não poderá alimentar-se a si mesmo, jazerá necessitado em cama, as coisas do tempo e deste mundo lhe deslizarão. "Mesmo assim tudo estará bem", diz este homem, "porque aconteça o
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 131 que acontecer, Deus é o mesmo ontem, hoje e para sempre, e será a força do meu coração". "Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre". Eu gosto disto, pois suscita uma imagem em nossas mentes. "Ó, sim", diz este homem, "eu sei que estou numa posição tal que me permite descansar quieta e confiantemente nEle. Sei que posso dizer isto, embora chegue o dia em que o fundamento da vida vai sacudir-se debaixo de mim, Deus será a rocha que me sustentará". Ele não pode mover-se; Ele não pode ser sacudido. É a Rocha da eternidade, e esteja onde estiver, aconteça o que acontecer, embora meu corpo falhar e as coisas de este mundo se diluam, Deus a Rocha me sustentará e nunca serei movido. "Mas a rocha de meu coração e minha porção é Deus para sempre". A Bíblia não se cansa de dizer isto. Leiamos o que outras passagens dizem. Embora aconteçam coisas terríveis, este é o alento e consolo que todas elas dão. Deus não somente é a Rocha, mas também "aqui embaixo os braços eternos". Os alicerces de nossa vida podem desaparecer, tudo o que tenhamos considerado como fundamento pode desmoronar-se e nós mesmos estar caindo no abismo. Mas não, "aqui embaixo" — e sempre estão ali — "aqui embaixo os braços eternos". Eles estão nos sustentando sempre; nunca chegaremos a despedaçar-nos; seremos sustentados quando tudo o mais desaparecer. Isaías diz o mesmo. Fala dessa "pedra por fundamento", "pedra provada ... de alicerce estável" que foi posta, e o que diz é que "aquele que crer, não se apresse". Uma melhor tradução é a que temos no Novo Testamento, ". aquele que crer nela, não será envergonhado". Por que não? Porque está sobre a Rocha, tem este apoio e não pode ser movido, porque este fundamento é o próprio Deus. E nesta Rocha, embora minha carne e meu coração desfaleçam, nunca serei movido, nunca serei tomado de surpresa, nunca serei envergonhado. Deus me ajudará até o fim. Conhecemos isto? Estamos sobre a Rocha? Conhecemo-Lo? Não busquemos depender de nossa família; não vivamos de nossos negócios,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 132 de nossas próprias atividades; não vivamos de nossas experiências, ou de outra coisa. Tudo terá seu fim, e o diabo nos sugerirá que até nossas máximas experiências podem explicar-se psicologicamente. Não vivamos em dependência de nada, senão só dEle; não confiemos em coisa alguma, senão só nEle, Ele é a Rocha da eternidade, o Deus eterno.
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones CAPÍTULO XI
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UMA NOVA RESOLUÇÃO Vv. 27-28 - Os que se afastam de ti, eis que perecem; tu destróis todos os que são infiéis para contigo. Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos Estes versículos finais sintetizam a conclusão à qual chegou o salmista como resultado da experiência que descreve em detalhe no resto do Salmo. Representam sua meditação final, e toma a forma de uma determinação. Finalizou sua análise do passado e agora se confronta consigo mesmo e o futuro. Com relação a si mesmo, resolve que há uma coisa que fará a todo custo. " Bom é aproximar-me de Deus" [Sl. 73:27, TB], diz. "Nisto me vou concentrar". Expressando-o assim o salmista nos dá uma ideia completa de sua filosofia da vida, sua forma de enfrentar as incertezas que se lhe possam apresentar. É aqui onde descobrimos o grande valor dos Salmos. Estes homens não só relataram suas experiências neste mundo, mas também suas reações perante as mesmas, e como resultado de tudo o que lhes sucedeu, propuseram certos grandes princípios. Temos aqui, portanto, a essência de sua sabedoria. Na Bíblia encontramos sabedoria divina, celestial, e num sentido, a conclusão final deste homem é simplesmente a grande mensagem central da Bíblia. Nela nos é dito que, em última instância, há só dois possíveis aspectos da vida e duas possíveis formas de vida. Não podemos fazer nada melhor, então, que concluir nosso estudo deste grandioso Salmo, considerando a sabedoria de seu autor. Cada um de nós chegou a certo nível nesta vida; todos tivemos variadas experiências. Eu pergunto: chegamos à mesma conclusão que o salmista? Vemos na verdade que esta é realmente a essência da
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 134 sabedoria? Como estamos enfrentando o futuro desconhecido? Estamos fazendo desta maneira? Comecemos olhando à determinação que o salmista tomou. Na Bíblia de Jerusalém diz: "Quanto a mim, estar junto a Deus é o meu bem. . ." e a Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz: " Mas, quanto a mim, como é bom estar perto de Deus!". Ele se está contrastando com outros. Qualquer outra coisa poderá ser verdade a respeito de outros, mas o chegar-se a Deus é o bem para ele. Sua grande ambição será somente isso, manter-se perto de Deus. Ao expressá-lo em forma de contraste, ajuda-nos a ver a importância desta decisão. " Pois eis que hão de perecer os que se apartam de ti ... Mas quanto a mim, bom é aproximarme de Deus" [Sl. 73:27-28, TB]. Há somente estas duas posições na vida. Estamos todos longe de Deus ou perto dEle. E não há outra posição possível, de maneira que é de vital importância que cheguemos à decisão que tomou este homem, a de estar perto de Deus. Não tenho dúvida alguma que isto é o que preponderava em sua mente. Lembrando sua triste experiência, chegou à conclusão que na verdade seu erro e as causas que provocaram seu problema, deviam-se só a não estar perto de Deus. Ele pensou que a razão era que os ímpios pareciam prosperar enquanto que ele só experimentava problemas. Entretanto, ao ser iluminado no santuário de Deus, vê claramente que essa não foi de maneira nenhuma a raiz de seu problema. Há um só problema de importância e é a relação do homem com Deus. Se estou perto de Deus, diz o salmista, realmente não interessa o que me acontece; mas se estou longe de Deus, nada estará bem. E esta é a profunda conclusão a que chegou. Todos temos a tendência de pensar que necessitamos certas coisas. Pensamos que nossa felicidade depende de condições e de eventos. Precisamente por pensar dessa maneira o salmista chegou a essa condição tão infeliz. Ver os ímpios e a sua aparente prosperidade incomodou-o, provocou-lhe inveja, e começou a queixar-se e a murmurar. Passou dias e semanas nesse horrível estado de comiseração,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 135 mas logo compreendeu que estava assim pelo simples fato de não estar perto de Deus. Este é o princípio e o fim da sabedoria na vida cristã. Tão logo nos afastamos de Deus, tudo vai mal. O segredo é estar perto de Deus. Quando deixamos de fazê-lo, somos como um barco no mar quando perde de vista as estrelas, ou falha sua bússola. Se perdemos nossa paciência, não nos surpreendamos das consequências. Isto é o que descobriu o salmista. "Isto é o que necessito" diz. "Não necessito bênçãos, nem a prosperidade que outros têm, nem essas outras coisas de que o mundo tanto fala. A única coisa que interessa é estar perto de Deus, porque enquanto estava longe dEle tudo me ia mal e me sentia miserável; mas agora que voltei, embora minha condição permaneça igual, tudo está bem comigo, estou cheio de alegria e paz, posso descansar confiante, feliz e certamente nos braços de Seu amor. Portanto, esta é minha decisão. Quanto a mim, vou viver perto de Deus. Isto é o que sempre vai ser o mais importante em minha vida. Começarei com esta atitude cada dia. Vou dizer a mim mesmo, embora suceda qualquer outra coisa, que o essencial é estar perto de Deus". Esta foi a decisão do salmista, e felizmente para nós, faz-nos conhecer o segredo de como chegou a essa conclusão. Temos que agradecer a Deus mais uma vez pela Bíblia e suas instruções detalhadas. Ela não nos dá simplesmente um preceito em termos gerais; dá-nos também as razões para o mesmo. E estas razões são necessárias, porque facilmente esquecemos o preceito. Aqui nestes dois versículos temos algumas destas razões. Uma boa razão para estar perto de Deus é a contemplação do fim daqueles que não o estão. Notaremos que menciona isto primeiro, e creio que o faz porque ainda está pensando, num sentido, em termos de sua experiência. Na verdade foram estas pessoas ímpias que o fizeram extraviar. Está ansioso, portanto, de proteger-se para não cair novamente nessa armadilha. Sabe, ao confrontar-se com o futuro, que o mundo não vai mudar. Os ímpios seguirão sendo como antes: " Os olhos saltam-lhes da gordura". Tudo poderá parecer maravilhoso e excelente para eles,
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 136 mas ele nunca cairá outra vez nessa armadilha. Por isso diz primeiro: " Pois eis que hão de perecer os que se apartam de ti; Exterminarás a todos os que se desviam de ti" [Sl. 73:27, TB]. Deus o tem feito no passado; fá-lo-á também no futuro. Vimos tudo isto em detalhe. O salmista o tratou minuciosamente. "Tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição. Como caem na desolação, quase num momento! Ficam totalmente consumidos de terrores" [Sl. 73:18-19, RC]. " Entendi eu o fim deles" [v. 17, RC]. Isto é só um resumo histórico. Sucedeu no mundo antes e depois do dilúvio, em Sodoma e Gomorra e em outros eventos similares da história. Que ridículo parecia Abraão, andando pelas montanhas com suas ovelhas, em contraste com a situação próspera de Ló nas cidades do vale, com seus vícios e imoralidade. Bem se poderia ter perguntado: Vale a pena ser justo? Mas também poderia haver dito: " Eis que hão de perecer os que se apartam de ti; Exterminarás a todos os que se desviam de ti". Esta é a longa história do Antigo Testamento expressa aqui tão simplesmente: "Os que se afastam de ti, perecerão". Se basearmos nosso conceito da vida no que dizem os diários bem poderiam pensar que o mundo não-cristão está passando maravilhosamente com seus reluzentes lucros, suas pompas, glórias e riquezas. Mas não interessa qual é a prosperidade temporária do ímpio; embora neste momento todas as circunstâncias demonstrem o contrário, é uma verdade iniludível que aqueles que estão longe de Deus morrerão. "Os moinhos de Deus moem devagar ", muito devagar, e às vezes pensamos que não se movem absolutamente, "entretanto moem muito fino". Esta é a mensagem da Bíblia desde o começo até o fim. Isto é o que significa a vida de fé. Todos somos chamados a olhar a vida da mesma forma em que os grandes heróis mencionados em Hebreus 11 o fizeram. Temos que fazer o que fez Moisés. Temos que ter por maiores riquezas o vitupério de Cristo que os tesouros dos egípcios; temos que nos dar conta do que é este mundo e sua vida; temos que vê-lo sob condenação, sob a ira de Deus; temos que ver o castigo que muito certamente virá sobre ele. Tudo
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 137 se perderá, tudo passará. Temos que nos dar conta, portanto, de sua vaidade, de seu vazio, de seu nada. Logo nos proporemos, como o fez este homem, ficar perto de Deus. O mundo e suas obras perecerão: "mudança e decadência vejo em meu redor; traça e ferrugem há na própria trama do mais resplandecente, nas mais excelentes lucros que o mundo possa oferecer. Temos que entender que nos estamos movendo constantemente rumo ao grande tribunal, o fim do mundo, o juízo final." "Os que se afastam de ti, perecerão". Temos entendido isto? Louvamos a Deus a contragosto? Ao enfrentar o futuro, duvidamos em seguir a vida cristã? Estamos de algum modo confundidos ao olhar a nosso redor e ver outros que parecem ter o melhor de tudo, a pessoas que nunca vão adorar a Deus e entretanto parece que nada vai mal? É verdade a Bíblia? Precisamos aprender a lição que foi ensinada a um granjeiro por um ancião pastor na América do Norte. Este granjeiro decidiu, um verão particularmente chuvoso, que colheria sua colheita num dia de domingo. O ancião pastor aconselhou a ele e a outros que não o fizessem. Mas este homem decidiu que o faria e se maravilhou da colheita ao ver que seus celeiros estavam repletos. Quando o granjeiro se encontrou com o ancião pastor, disse-lhe que sua pregação estava errada. "Calamidade repentina não me veio", disse; "meus celeiros não se queimaram; Deus não matou a nenhum de meus filhos nem tirou a minha mulher. Entretanto, fazer o que você sempre me aconselhou que não o fizesse pelas consequências que me causaria. Mas nada sucedeu. Que me diz da sua pregação agora?" O ancião pastor olhou o granjeiro e lhe respondeu: "Deus nem sempre ajusta Suas contas no outono". Nem sempre o faz imediatamente. Mas tão certo quanto estamos aqui os dois neste mundo é a mensagem da Bíblia: "Os que se afastam de ti, perecerão". Não há nada mais para eles. Poderá levar muito tempo, e as aparências talvez demonstrem o contrário, mas é certo e é seguro. Não há outro evangelho além deste. Qual é a mensagem do evangelho? "Fujam da ira vindoura", e se não houver "ira" não há necessidade de salvação. Esta é a primeira razão
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 138 de sua determinação. Não tenho interesse num evangelho que descarta o medo do inferno. Há pessoas maravilhosas que dizem não ter interesse nem no inferno nem no céu, mas sim creem em fazer o bem pelo fato em si. Entretanto, a Bíblia nos adverte sobre o inferno, e nos mostra a glória do céu. A segunda razão é mais positiva. Aqui, o salmista o expressa em termos do caráter de Deus. "Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio". Ele resolveu estar perto de Deus e seguir vivendo tão perto de Deus quanto possível. Por que? Porque Deus é bom, pelo caráter de Deus. Aqui, novamente, sentimo-nos culpados porque este elemento tem tão pouco lugar em nossa vida religiosa e em nossa adoração. Se tão somente nos déssemos conta do verdadeiro caráter de Deus não haveria neste mundo algo que nos apanhasse mais que o estar na presença de Deus. Desejamos estar na presença de pessoas que nós gostamos e aos quais amamos. Gostamos de conhecer e estar na presença de pessoas que são consideradas famosas por diversos motivos e razões. E, entretanto, estamos pouco dispostos a passar nosso tempo na presença de Deus. Quão dispostos estamos a pensar de Deus como o simples distribuidor de bênçãos, e quão tardos em nos dar conta da glória de estar em Sua presença. O Senhor Deus, o Senhor Jeová! Assim é como este homem o chama. Está enfatizando a soberania de Deus, a inalterável grandeza e majestade de Deus. O Senhor Deus Todo-Poderoso, o Criador dos céus e da terra, o Deus que existe por Si mesmo, o eterno Deus, o Absoluto, o Eterno Deus, é a Ele a quem nos podemos aproximar. Outra verdade que ele enfatiza, especialmente ao usar o nome Jeová, é que Deus é o Deus das alianças, Deus, em sua relação de aliança com os homens. Lembraremos que quando Deus chamou Moisés para livrar os Filhos de Israel do cativeiro e servidão do Egito, deu uma especial auto-revelação como Jeová. Tinha dado Seu nome antes, mas aqui o define; e sempre usa este nome quando Se refere à aliança. Em outras palavras, Deus em seu bondoso propósito para conosco, Deus
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 139 como o Deus que expôs a salvação, Deus como o Deus que se interessa por nosso bem-estar e nossa prosperidade, Ele mesmo pactua, Ele mesmo Se compromete a fazer tudo isto por nós. Agora, diz o salmista, a única coisa que desejo nesta vida acima de todas as coisas é estar perto de tal Deus. Quero me manter em contato com Ele. Poderíamos explicálo desta maneira. Quando algum grande personagem nos diz que se porá em contato conosco, estamos agradecidos e queremos manter o contato com ele. Com toda razão cremos que é um privilégio e uma honra. Oxalá vejamos com clareza que a bênção final que o Senhor Jesus Cristo veio dar é vida eterna. O que é a vida eterna? Nosso Senhor o definiu assim: " E a vida eterna é esta: que te conheçam ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo. 17:3). Ou como João o expressa em sua Primeira Epístola, onde diz a seus leitores: " para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo" (1Jo. 1:3). O salmista diz então: "Esta é minha determinação, quero ficar perto de Deus, me manter em contato com Ele; quero passar todo meu tempo com Ele, e viver sempre em Sua presença. Agrada-me pensar em Seu poder, em Suas promessas, e lembrar Sua constância". Não é este um pensamento consolador e reconfortante? Não sabemos o que nos aguarda, vivemos num mundo cheio de mudanças e nós mesmos somos inconsequentes. O melhor de nós é só uma criatura mutável. Não há nada mais característico de nosso mundo que sua instabilidade e incerteza. Há algo mais maravilhoso que saber que em qualquer momento, podemos entrar na presença dAquele que é eternamente o mesmo, "... o Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação" (Tg. 1:17). Não importa o que esteja passando ao nosso redor, ou dentro de nós, podemos ir Àquele que é sempre o mesmo, o mesmo em Seu poder, Sua majestade, Sua glória, Seu amor, Sua misericórdia, Sua compaixão e em tudo o que Ele prometeu! Entendemos agora a este homem? "Não me interessam os outros'', diz; " Mas quanto a mim, bom é aproximar-me de Deus".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 140 Pensemos mais em Deus. Meditemos nEle; voltemos nossas mentes e nossos corações para Ele. Compreendamos que em Cristo, Ele nos oferece Sua comunhão, Sua companhia, em forma constante e permanente. Existe outra razão mais. " Mas quanto a mim, bom é aproximar-me de Deus", diz. Isto o enfatizei já, e o quero voltar a enfatizar. O elemento pragmático nunca deve ser excluído. Com isto não quero dizer que nos voltamos a Deus para obter certas bênçãos, mas sim se somos cristãos, sem dúvida receberemos certas bênçãos. E está bem que lembremos isto. Foi por "a alegria posta diante dele" que nosso bendito Senhor " sofreu a cruz"; e, não é isto o que o apóstolo quer nos dizer quando expressa "...tenho por certo que as aflições do tempo presente não são comparáveis com a glória vindoura que em nós há de manifestar-se" (Rm. 8:18). Ponhamos estas coisas na ordem correta. Comecemos com Deus como Deus, e pelo fato de que é Deus, e logo lembremos que Ele é Deus para nós Em outras palavras, significa que estar perto de Deus equivale a ser salvos. E esta é a razão pela qual o salmista quer ficar ali. Não é de surpreender que diga que é bom o chegar-se a Deus à vista da experiência pela qual passou. Que miséria e desdita, quantas dores sofreu até que foi ao santuário de Deus! Mas ali, tendo compreendido sua posição, encheu-se de felicidade, alegrou-se em Deus, e sentia que nunca tinha sido tão feliz em toda sua vida, embora as circunstâncias dos ímpios não tinham mudado. É bom estar perto de Deus; é o lugar de salvação e de libertação. Tiago em seu estilo tão prático, expressa isto muito simplesmente em sua epístola. "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós" (Tg. 4:8). Novamente, este é um pensamento glorioso, e podemos estar seguros que cada vez que tomamos um passo para com Deus, Deus tomará um passo para conosco. Não pensemos que o aproximar-nos a Deus será difícil. Se é que nos aproximamos dEle na verdade, se nos aproximamos dEle honestamente, podemos estar seguros que Deus nos encontrará. Ele é o Deus de salvação. Esta é uma boa razão para nos aproximar dEle. Ele
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 141 tem todas as bênçãos que necessitamos. Não há nada que nos falte que Deus não possa suprir. Todas as bênçãos vêm de Deus; Ele é o Doador de "toda boa dádiva e todo dom perfeito". Ele pôs todas as bênçãos em Cristo, e deu a Cristo. "...Porque tudo é seu", diz Paulo aos Coríntios. Por que? Porque "vós sois de Cristo". É uma lógica inevitável. " Mas quanto a mim, bom é aproximar-me de Deus", porque quando estou perto de Deus sei que meus pecados são perdoados; mas quando estou longe de Deus começo a duvidar. Não posso lutar com uma consciência que me remói. E menos ainda posso responder às acusações de outras pessoas, ou do diabo. É somente quando estou perto de Deus em Cristo, que sei que meus pecados são perdoados. Sinto Seu amor, sinto que sou Seu filho e desfruto de Suas inapreciáveis bênçãos de paz com Deus, dentro de mim e com os demais. Sinto Seu amor e tenho uma alegria que o mundo não tem e que não me pode tirar. Alguém que provou alguma vez destas coisas necessárias há de reconhecer que não há nada comparável com estar perto de Deus. Olhemos nossa vida. Escolhamos os momentos mais gloriosos de nossa experiência, os momentos supremos de paz e alegria. Não foram estes momentos quando mais perto estivemos de Deus? Não há nada que se possa igualar ou a felicidade, a alegria e a paz que resultam de estar perto de Deus. Ali estamos acima de nossas circunstâncias. Começamos a conhecer algo do que Paulo quis dizer quando escreveu: " ...pois aprendi a me contentar, qualquer que seja minha situação. Sei viver humildemente, e sei ter abundância". As circunstâncias, os acidentes, e as casualidades, deixaram de nos dominar. É bom estar perto de Deus porque é um lugar de salvação, porque ali experimentamos todas as bênçãos. Significa que estamos inundados no oceano do amor de Deus e que ali ficaremos. Tomemos, então, esta determinação de ficar perto de Deus. Não obstante, além de tudo isso, é um lugar de segurança. " Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio".
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 142 Necessitamos isto também. Ao olhar ao futuro desconhecido não sabemos o que nos aguarda. Qualquer coisa pode acontecer. E se há algo que nós e todo mundo anela neste momento, é segurança e proteção. Fomos enganados tantas vezes; até nos enganamos a nós mesmos. O homem precavido pergunta: No que porei minha confiança? Com quem posso contar com absoluta segurança? Há uma só resposta. Com Deus. "Quanto a mim", aproximar-me-ei a Deus. "no Senhor Deus ponho o meu refúgio", em Jeová, no Deus que guarda Suas alianças. Os Salmos, é óbvio, enfatizam isto constantemente. Encontramo-lo também no livro dos Provérbios. "Torre forte é o nome do Senhor, à qual o justo se acolhe e está seguro" (Pv. 18:10). Imaginemos a um homem que está no mundo e o inimigo começa a atacá-lo. Não o pode dominar, não sabe o que fazer, alarma-se e está aterrorizado. Logo corre a uma torre forte, no nome do Senhor, o Senhor Jeová. O inimigo não pode chegar ali. Nos braços de Deus, esses braços todo-poderosos, está seguro. Se, diz o apóstolo João: " sabemos que somos de Deus, e o mundo inteiro está no maligno", e "o maligno não lhe toca" (1Jo. 5:19, 18). Por que não? Porque estamos em Cristo, estamos em Deus. Estamos perfeitamente seguros ali. Eu gostaria de citar novamente uma das maiores declarações que o apóstolo Paulo disse: " Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor " (Rm. 8:38, 39). Seguro nos braços de Jesus. Se estamos ali, embora o poder do inferno se desatasse, não nos pode tocar. Nada pode danificar aqueles que estão sob o cuidado seguro do Deus que guarda Suas alianças. A última coisa que o salmista menciona é também maravilhoso. Vou comunicar-lhes: "Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no SENHOR Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 143 feitos". Esta última frase é vital. Este é o ponto ao qual temos que chegar. Sua razão final para tomar esta determinação de estar perto de Deus é para glorificar a Deus, para declarar todas suas obras. Imagino que seu argumento era algo assim: Se ficar perto de Deus serei abençoado, experimentarei Sua salvação, terei esta grande e maravilhosa sensação de segurança. E é claro que isto imediatamente me levará a adorar a Deus, a louvá-Lo e a glorificá-Lo diante de outros. Estarei perto de Deus para que sempre possa louvá-Lo, e assim como louvo a Deus testificarei a outros a respeito dEle. Este é o ponto ao qual todos temos que chegar. A primeira pergunta no pequeno Catecismo da Confissão de Fé de Westminster é: Qual é a aspiração primordial do homem? E a resposta é: a aspiração primordial do homem é glorificar a Deus, e desfrutar dEle para sempre. Neste Salmo, o autor o apresenta à inversa. Menciona a alegria primeiro porque está tratando o tema do ponto de vista da experiência. Tinha estado muito triste e por isso coloca-se em nossa posição e aconselha: Fiquem perto de Deus e serão felizes, desfrutarão de Deus e O glorificarão. Estas duas coisas sempre devem ir juntas. A meta principal de todo homem é glorificar a Deus e desfrutar dEle para sempre. Sim, diz o salmista, ficarei perto de Deus para que O possa glorificar e também desfrutar dEle. Ele é o grande Senhor Deus TodoPoderoso, e a tragédia do homem, do mundo e da história, é que o mundo não sabe. Mas meu dever é falar dEle. Fá-lo-ei com minha vida, e o farei com meus lábios. Toda minha vida será para a glória de Deus; e não posso glorificar a Deus se não estou perto dEle, experimentando-O. À medida que o faço refletirei Sua vida. Assim vimos a determinação deste homem, e vimos suas razões para fazê-lo. Quero lembrar, brevemente, como é que o fará. Não é suficiente dizer: "permanece perto de Deus e se fizer isto, o resto virá". Como é que alguém permanece perto de Deus? Temos que descer a um nível prático. Você e eu como cristãos sabemos que podemos chegar perto de Deus por Jesus Cristo. Não devemos escalar alturas nem descer
A Fé Posta à Prova (Salmo 73) – Lloyd-Jones 144 a profundidades "... A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (Rm. 10:8, 9). Não devemos, nos afligir por isso, pois se somos na verdade cristãos, sabemos que, por muito que tenhamos feito mal a outros e a nós mesmos se neste momento vamos a Deus e confessamos nossos pecados, admitindo que não os podemos anular ou nos salvar a nós mesmos, e confiamos inteiramente no Filho de Deus e o que Ele tem feito em nosso benefício, por Sua vida de obediência e por Seu sacrifício na cruz, somos aceitos por Deus, somos reconciliados com Ele, e estamos em comunhão com Ele. Este é o caminho. Sim, mas lembremos que devemos permanecer perto de Deus. Esta é a determinação deste homem. Como devemos fazê-lo? Em primeiro lugar com uma vida de oração. Insisto nisto. Se cremos em tudo o que estive dizendo, então cremos que podemos falar com Deus. Se nos dermos conta verdadeiramente de quem é Ele, teremos desejos de falar com Ele. O homem que realmente está perto de Deus é aquele que sempre fala com Deus. Temos que tomar esta determinação; temos que decidir que não vamos permitir que o mundo nos controle mais, mas sim nós o controlaremos, como também a nosso tempo, a nossas energias e a tudo o mais. Logo, além da oração, está a leitura da Bíblia. Neste livro Deus nos fala. Por isso leiamos e estudemos as Escrituras. Seguidamente vem a adoração pública. Foi quando veio ao santuário de Deus que este homem encontrou paz e descanso para sua alma. E nós muitas vezes tivemos esta experiência. Se queremos estar perto de Deus, temos que orar não somente em particular, mas também com outros, não só devemos ler e estudar a Palavra em particular mas também junto com outros. Devemos nos ajudar mutuamente, e levar as cargas uns dos outros. Também é importante a meditação e tomar o tempo necessário para pensar. Deixemos o jornal de lado e pensemos em Deus e em nossa alma