Retiro da Grande Comunidade – 20 20 de Outubro de 2013 Vocação Shalom: um caminho de fé Moysés Azevedo
Mantido o tom coloquial
Boa tarde! Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, para sempre seja louvado! Eu estava fazendo o retiro com vocês e aí o Padre Sílvio inventou de me chamar para pregar, mas na verdade o meu desejo, como o de todos nós. Todos nós como Comunidade Shalom, nós não podemos dar por descontada a nossa conversão. Nós achamos: achamos: “ah, mas já temos tantas coisas, tantos compromissos. Já temos a célula, a vida comunitária, a reciclagem, o retiro a, b, c e d, e ainda esse retiro da grande comunidade?”. Na verdade essas grandes oportunidades para todos nós, inclusive para mim, eu não vim para o retiro na qualidade de pregador, eu vim para o retiro na qualidade daquele que necessita como cada um de nós e todos nós necessitamos renovar a nossa fé, crescer na nossa fé e nos deixar converter pela força da graça que a fé nos concede. Assim também eu vivi e estou vivendo porque nesse momento de pregação também, como sempre recordamos, o primeiro que ouve, aliás, desde ontem eu estou tentando tentando deixar que Deus me converta através da minha pregação. Estou preparando a minha pregação, então estou rezando com ela, estou dando a oportunidade, aliás, estou tendo a oportunidade de me deixar converter por Deus através da pregação. Por isso esse Retiro da Grande Comunidade é mais uma oportunidade dentro de todas as ações da graça de Deus de nos deixar atingir, nos deixar converter, de permitir que a ação da graça de Deus faça aqueles movimentos da nossa alma que resistimos muitas vezes que ela faça, de nos colocar sob o alcance da ação da graça de Deus. Neste ano no Retiro da Grande Comunidade de Fortaleza nós estamos refletindo re fletindo sobre este ano da fé e, particularmente, esta Encíclica, feita a quatro mãos, como diz o Papa Francisco, Lumen Fidei. E outra coisa não vou fazer a não ser a partir desta Encíclica tomar algumas passagens dela e aplicar à nossa vocação, ao nosso carisma, aquilo que Deus tem para nós, porque afinal de contas a vocação Shalom é um caminho de fé. Aquele caminho de fé que nosso Senhor escolheu para todos nós quando nos chamou, porque estamos numa vocação, é uma chamada de Deus, quando Ele nos chamou a juntos trilharmos este caminho de fé que é a vocação Shalom. Vamos pegar algumas partes, alguns alguns artigos dessa dessa Encíclica e vamos vamos comentácomentá-los. los. A primeira que vamos pegar é do início, da definição da fé desta Encíclica, onde o próprio Papa Francisco nos convida a partir da pessoa de Abraão. O quê que o Papa nesta Encíclica define como a fé? Diz assim: “a fé é a resposta a uma Palavra que inter pela pela pessoalmente a um Tu que nos chama pelo nome”. Deus na Sua grandeza, na Sua bondade, no Seu amor, na Sua sabedoria nos interpela pessoalmente, nos chama, nos dá uma vocação. Deus nos interpela pessoalmente, a um Tu, que é o próprio Deus, o grande outro que me chama pelo nome. Chama-me pelo nome. E ao me chamar pelo nome, e ao me interpelar, Deus tem um plano, um projeto, um desígnio de salvação e santificação para a nossa vida. E a nossa resposta a essa chamada de Deus, a esta interpelação de Deus, a esta vocação, Ele que me chama pelo nome, me cria, me redime, me recria e me santifica e me coloca dentro de um plano que é maior do que eu mesmo, dentro de um desígnio que me ultrapassa, e a minha docilidade, a minha resposta a este plano é o dom da fé, é a graça da fé. Diz o Papa ainda na Encíclica: “esta Palavra (pegando o exemplo de Abraão) é uma chamada e uma promessa”. O quê que é esta Palavra, esta intervenção de Deus na nossa vida, esta voz de Deus, o quê que ela é? Ela é uma chamada e é uma promessa. Deus quando interviu na vida de Abraão chamou Abraão, e Ele fez uma promessa a Abraão. Qual foi a chamada de Deus para a vida de Abraão? “sai da tua terra e vai para onde eu te mandar”. A chamada de Deus foi: sai, vem! A Palavra de Deus que intervém na vida de Abraão e da qual Abraão teve de dar uma resposta, teve de dar e isso nós chamamos fé, foi: sai da tua terra. E qual foi a promessa que Deus deu para Abraão? “Abraão, conta as estrelas aí do céu, olha para o alto! Conta Co nta as estrelas do céu! Contou? Nã o dá para 1
contar assim não, pois assim será a tua descendência”. A promessa que Deus fez para Abraão foi de um futuro inesperado, que ele nunca poderia esperar, que ele nunca poderia planejar, algo que não sairia das mãos dele, nem do corpo dele, nem da ca rne dele. Diz o Papa nesta Encíclica: “um futuro inesperado, algo completamente além do que Abraão poderia imaginar e conceber humanamente”. Como diz a Encíclica, a fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente a um Tu que nos chama pelo nome, e esta Palavra corresponde a uma chamada e a uma promessa. Essa chamada é um sair de si mesmo. Deus diz: “Abraão, sai”, e à medida que Abraão sai, ele dá a sua resposta de fé, faz o seu ato de fé, e ao fazer este ato de fé ele crê numa promessa e se coloca numa vida nova que Deus lhe dá. Através da fé ele se coloca numa vida nova e num futuro inesperado, completamente além dos seus projetos humanos, que ele precisa acreditar, precisa confiar, precisa se lançar para poder assim usufruir. Sai de si mesmo para um futuro inesperado. A fé não é outra coisa, é um continuo convite de Deus para mim, para você, para cada um de nós sairmos de nós mesmos. Sairmos dos nossos projetos, dos nossos planos, dos nossos desejos, das nossas aspirações humanas. Sairmos de nós mesmos para Deus, ouvindo a voz, o chamado Dele, ouvindo a força de atração Dele para um futuro que não é aquele que nós construímos com as nossas próprias mãos, para um futuro inesperado que Deus tem para nós, que nós chamamos em outras palavras de vontade de Deus. Um sair de si mesmo, um sair da minha vontade, um sair dos meus projetos, um abandonar os meus planos para crer que o plano de Deus, o projeto de Deus, que os desígnios de Deus são maiores, melhores. Há uma plenitude maior, uma grandeza maior, uma beleza maior que me interpela, que me chama e ainda sem eu nem perceber, sem eu nem ver, eu faço a minha adesão por confiança àquele que me ama e que me chama, e eu entro na Sua soberania. Eu saio da minha soberania, porque sem a fé eu vivo segundo os meus planos, sem a fé eu vivo segundo os meus projetos, eu construo a minha própria vida. Sem a fé eu sou o fruto simplesmente de mim mesmo. Mas com a fé eu lanço o meu olhar para alguém que me interpela, que me chama, e eu respondo para uma vontade que é superior à minha, para um plano que é superior ao meu, para um projeto que me ultrapassa, para um futuro que não é aquele que simplesmente nasce na carne e no sangue, projetado e que continuamente eu me preocupo a respeito dele, mas para um futuro inesperado, como o de Abraão, que o supera completamente, tudo o que ele pode imaginar, aspirar, desejar ou projetar. A fé é dizer: “eu creio Senhor na Tua voz que me chama. Eu creio nesse desígnio que me ultrapassa, e eu me submeto inteiramente a esta vontade. Eu saio de mim mesmo para Ti, eu renuncio aos meus projetos pelos Teus. Eu confio em Ti. Eu dou adesão à voz, eu dou adesão ao projeto, ao plano, eu respondo aos desígnios Teus. Eu renuncio aos meus, saio de mim mesmo, e faço adesão a um futuro que é aquele que Tu tens projetado para mim”. Não é isso eu aconteceu na vida de Abraão? E não é isso que aconteceu e que todos os dias devem acontecer com cada um de nós, dentro da nossa vocação? Como Comunidade, como Shalom, um dia Deus entrou na nossa vida. Um dia Deus nos interpelou, Deus nos chamou, e todos os dias ele continua a fazer isso, e nos chama a segui-Lo, e a nos interpela com a sua Palavra para um chamamento para sairmos de nós mesmos, sairmos dos nossos projetos, dos nossos pensamentos, da nossa maneira de achar e de pensar, da nossa maneira de viver. Sairmos completamente da mentalidade do mundo da carne, do pecado, de como eu quero, de como eu desejo, de como eu sei. Sairmos do domínio de nós mesmos, sairmos do senhorio de nós mesmos, de vivermos sob o império da nossa vontade que outra coisa não é senão um ídolo, e lá na frente nós vamos ver sobre isso, para aderirmos a uma vocação, a um chamado divino, a um ser Shalom, a um viver o Evangelho. Seguir Jesus Cristo dentro das vias do carisma Shalom, da vocação Shalom, que tem um estilo de vida próprio, que tem uma maneira própria de viver, de seguir Jesus Cristo, de aderir à vida, de responder em todos os aspectos da nossa vida de uma forma diferente de como eu respondia antes, como o mundo me ensinou a responder, como até talvez minha família tenha me educado, mas a viver um estilo novo de vida, uma forma nova de vida, e testemunhar no coração do mundo essa força desta forma de vida, deste carisma de vida, esse carisma de Deus, essa vocação, essa vivência do Evangelho, que se chama Shalom. Isso nos põe numa dinâmica totalmente diversa e diferente.
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Isso muda a nossa história e nos faz começar a viver um futuro, construir um futuro que não é o nosso, aquele que a gente planejou. Quem entrou na Comunidade e sua vida ficou igualzinha a como você planejou a vida inteira, saiba que eu tenho uma má notícia para lhe dar: você talvez não tenha aderido ao projeto de Deus para a sua vida, porque o projeto de Deus para a nossa vida, um chamado, uma vocação, ela sempre revoluciona a vida e a história de quem adere. Os exemplos são contínuos em toda a Sagrada Escrituras e na vida dos santos, e talvez a causa dessa revolução não ter havido é exatamente a ausência da fé. Eu confio no chamado de Deus, na promessa de Deus para a minha vida? Eu confio no desígnio e no futuro inesperado que Deus tem para mim? Eu estou disposto a sair de mim mesmo, a considerar esterco a minha vida diante do bem supremo que é Cristo Jesus, nosso Senhor, como São Paulo? Eu estou disposto a deixar Deus reconstruir e refazer a minha história? Eu estou disposto a aderir a um futuro que eu não conheço, que escapa às minhas mãos para me deixar realmente conduzir por Deus? Eu estou disposto a dar esta resposta de fé? Isto é a fé, e este elemento é fundamental na vivência cristã e na vivência da nossa vocação. A fé é uma resposta ao chamado que Deus faz a cada um de nós de sair da própria terra, de sair de si mesmo, aonde nós temos o domínio. Com certeza Abraão tinha o controle total de tudo. Abraão devia ter o controle total da sua vida. Abraão não devia ser alguém desesperado, procurando uma saída para qualquer coisa. Abraão tinha o domínio e o controle total da sua vida. De repente tem uma voz que diz: “sai, deixa tudo e vai para onde eu te disser”. Qual é o meu futuro? “Inesperado. Conta as estrelas do céu, é só isso o que eu te prometo, uma descendência que tu não podes nem imaginar, uma graça que te ultrapassa. Confias em mim”. E Abraão parte. Esse partir contínuo que nós somos chamados pela parte de Deus, essa resposta, esse contínuo sair de nós mesmos, dos nossos planos, dos nossos projetos para fazer o desígnio de Deus, o chamado de Deus, a vocação, o projeto divino. Esta resposta de deixar de viver como eu continuamente insisto em querer viver, para viver da forma nova que Deus me chama a viver. Essa resposta é a fé. Na vida de Abraão, na minha, na sua, na nossa vida. Como eu estou vivendo esta resposta? O quê que Deus pediu a Abraão? Tudo. Deus não pediu menos a Abraão. Deus primeiro disse: “sai da tua terra Abraão”. Ao sair Abraão perdeu todas as seguranças. “Agora olha as estrelas do céu. Vou te dar um filho”. E aí vem Ismael, vem Isaac. Ismael vai embora, tem de mandar embora. O sacrifício de Isaac. Tudo! Deus pediu a Abraão tudo. Deus não pediu nada mais, nada menos a Abraão do que tudo. E o quê que Deus deu a Abraão? Deus deu a si mesmo a Abraão. Quem foi a plenitude da descendência de Abraão? Cristo. Deus deu a si mesmo, até o seu único filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Deus deu a si mesmo para Abraão. O quê que Deus pede de você, de mim? Tudo. Você está convencido mesmo? Porque que você ainda não deu? Meus queridos irmãos, o que Deus nos pede é a oferta de tudo, é a resposta amorosa ao que Ele fez e faz por nós. Ele se dá por inteiro, mas para que nós possamos recebê-lo Ele pede a nossa oferta de tudo, para Ele poder dar-se a si mesmo a nós. Ele precisa abrir na nossa alma, abrir no nosso coração, Ele, inflamado pela Sua graça, outra coisa não quer fazer na nossa vida do que gerar em nós esse desejo de uma oferta generosa, incondicional e sem limites a Ele, para que assim nós abramos espaço de tal forma para que Ele possa se doar inteiramente, incondicionalmente. Aliás, Ele se dá para que nós possamos recebê-lo incondicionalmente, inteiramente, para que nós possamos acolher a infinitude, o futuro inesperado, a graça, o dom maior que nós nem podemos imaginar, que Ele deseja se dar para nós. A vocação Shalom, que é o próprio Deus, que através do carisma se entrega a nós. O Cardeal Bergoglio, hoje o Papa Francisco, quando Cardeal dizia uma coisa muito interessante. Ele falava da corrupção da vida religiosa, da alma religiosa. A corrupção de um coração religioso, ou seja, de um coração que tem o desejo de seguir Jesus Cristo, de viver a fé, de corresponder à vontade de Deus na sua vida. Ele quando Cardeal fez uma pregação sobre isso, e ele dizia o seguinte: “o beato Fabro dava uma regra de ouro para detectar o estado de uma alma que vive “tranquilamente” e em “paz”, que não está nessa dinâmica de oferta, de entrega, de doar-se”. Como detectar uma alma que está vivendo “tranquilamente e em paz”? Uma regra muito simples, diz o Cardeal: “propor -lhe algo mais”. Se uma alma estiver fechada à generosidade reagirá mal. Ela não 3
quer se ofertar. Quando se propõe algo mais a alguém e esse alguém resiste, “ah, mas eu já estou vivendo tudo, eu já vivo minha hora de oração pessoal. Eu já vivo minha Lectio Divina. Afinal de contas essa vocação é muito exigente”. Como diz o fariseu diante do publicano, “eu pago meu dízimo, faço minha comunhão de bens”, quando faz, né? Mas arvoram, podem se arvorar de outras formas. “Olha, eu vou para todas as reuniões da célula, e ainda querem mais?”. Diz o cardeal Bergoglio: “quando se propõe algo mais e se reage mal, esta alma está cheirando à corrupção, e ela já se habituou ao mau cheiro. É como um ambiente fechado: só quem vem de fora percebe a atmosfera rarefeita. E quando se quer ajudar uma pessoa assim, o cúmulo de resistências é indizível”. Quando uma alma se encontra neste estado sem generosidade e sem espírito de oferta, ou seja, sem viver a dinâmica própria da fé, e no nosso caso da nossa vocação, quando se tenta ajudar uma alma assim, a resistência é indizível. E aí ele vai citando os exemplos, como no tempo do Egito. Quando o povo estava para sair do Egito Moisés dizia: “eu vim retirar vocês”, e eles diziam: “não, nós estamos muito bem aqui com o Faraó. Você vai nos colocar num deserto para todos nós morrermos lá? Não, está tudo bem, as cebolas do Egito, vai tudo bem”. Quando Deus chamou Jonas para Nínive e Jonas foi exatamente para Társis. Quando Elias depois de passar a fio de espada os profetas ficou com medo de Jezabel. E ele foi dando todos os exemplos. Ele vai dizendo: “em todas essas referências bíblicas se vê uma alma não generosa, ou seja, o coração que não quer confusão”. Eu não quero confusão para mim, deixa -me quieto do jeito que eu estou, eu estou tão bem, por favor, não venha mexer em mim não. “Existe nessa alma o medo de que Deus se meta na sua vida e o embarque em caminhos que ela não possa controlar”. No fundo, no fundo nós muitas vezes deixamos de viver a dinâmica da nossa vida de oferta porque mesmo dentro de uma vida comunitária, mesmo dentro da vocação, nós vamos colocando estacas: “Até aqui sim, até esse pont o sim. Enquanto estiver sob meu controle sim. Mais do que isso não”. Eu não tenho a disponibilidade da fé de sair de algo em que eu não esteja sobre o controle. Eu não tenho a atitude própria. O próprio da fé é sair da sua zona de conforto, sair de si mesmo e se colocar numa dinâmica onde você não controla, onde você não tem o domínio, onde você é governado, onde outro te controla e você confia nele, crê nele. Afinal, Ele é ou não é o seu Senhor? A dinâmica da fé é a dinâmica do senhorio de Cristo na nossa vida, e por isso esse contínuo convite, essa contínua vida de oferta, de generosidade, que sai das amarras do controle da situação e permite que Deus nos controle, que Deus nos governe, que a nossa vida seja uma generosa e contínua atitude de oferta, um generoso e contínuo sair de nós mesmos para um futuro que não está desenhado por nós. Meu querido irmão, uma das grandes caraterísticas de que você está realmente vivendo na fé, crescendo na fé, respondendo com generosidade à vocação, uma dessas grandes características é que realmente você não tem a menor ideia a respeito do seu futuro. Mas quando você tem seu futuro planejado demais, tenha muita atenção. O próprio Jesus já nos advertiu a esse respeito, quando Ele fala da semente e diz: “as vãs preocupações a respeito do futuro é um dos grandes malefícios, tornam um terreno mau e impede da semente crescer, se transformar, forte, e dar muitos frutos”. A contínua oferta de si mesmo como ato de fé é o caminho de vivência e o crescimento da nossa fé na vocação. A oferta da nossa vida não se dá somente quando a gente dobra os joelhos diante do altar, e lemos a carta onde fazemos a oferta. Se vocês perceberem, o nosso ato de consagração é um ato de oferta, onde nós em Cristo, na oferta de Cristo, nós ofertamos a nossa vida, nós entregamos incondicionalmente a nossa vida para que Deus a consagre, ou seja, que Ele tire para Ele e faça dela o que Ele quiser. Este ato contínuo de oferta de si mesmo, esse ato de fé, essa continua oferta de si mesmo como um ato de fé, é o caminho de vivência e crescimento da nossa fé na vocação. A oferta não é algo que se faz só no momento, mas é algo que precisa se renovar todos os dias, continuamente. Quando você decidiu vir para esse Retiro ao invés de ficar em casa, você continuamente viveu o seu ato de fé e a sua oferta. Quando você sai de si mesmo para viver o que Deus tem para você como vocação, você faz um ato de fé e vive a sua oferta. Quando você vai para a sua célula comunitária quando você não está nem um pingo a fim e tem trinta milhões de motivos para dizer que não vai, mas você vai não por um dever, mas porque você quer se ofertar, quer se dar, se 4
entregar, quer se consumir, você está vivendo a sua oferta. Quando você faz a sua vida missionária, vive a sua vida de oração, sua vida de caridade fraterna, você está vivendo a sua dinâmica de oferta. Quando você partilha os seus bens está vivendo a dinâmica da sua oferta. São atos de fé, uma vida de fé. Quando você põe qualquer resistência a esta dinâmica de oferta de vida, essa continua oferta de vida na sua vida, você está abafando, você está não vivendo, está se submetendo a soberania de Deus e marcando com pilastras, colocando marcas na sua vida, retendo a sua generosa oferta, o seu ato de fé, a sua vida de fé, e vivendo para si mesmo. E isso o Papa Francisco chama de mundanismo espiritual. Ser mundano sabe o que é? É viver para si mesmo. Não pense que ser mundano é ser libertino. Sim, ser libertino é ser mundano, porque o libertino vive para o prazer de si mesmo. Ser avaro é ser mundano porque vive para as coisas, para a satisfação do possuir a si mesmo, como também quando nós vivemos segundo o que pensamos, o que achamos e como julgamos, com critérios que não são dos desígnios de Deus, da vontade de Deus, do Evangelho, nós estamos vivendo para nós mesmos. Quando não são os critérios da vocação em que nós fizemos um ato de fé, cremos que este é o chamado, esta é a voz de Deus para nossa vida, nós estamos tirando Deus do centro e estamos colocando nós mesmos, e isso é ser mundano. Mundano é aquele que vive para si mesmo, que não vive para Deus e que não vive para os outros. E a fé, o confiar em Deus, o confiar na vontade dele, o confiar na vocação, o confiar no chamado divino, nos desígnios de Deus, a fé nos livra do mundanismo. A fé faz com que nós abramos o nosso horizonte, faz com que vejamos o que Deus tem para nós, mesmo quando não compreendemos de imediato, nós confiamos. Não é o mundo, não é Fulano, Beltrano, não é nem a Comunidade, mas é Deus, é Deus que me chamou e que por meio da Comunidade conduz a minha vida, e por Ele eu vou dando o meu sim, eu vou vivendo na fé, vou vivendo na minha vocação. Eu não vou vivendo mundanamente, eu vou vivendo evangelicamente, e o Evangelho é Jesus Cristo Senhor, Jesus Cristo no centro, e não eu mesmo, não a minha vontade própria, mas a vontade de Deus. A contínua oferta de si mesmo como ato de fé é o caminho de vivência e crescimento da nossa fé na vocação. A oferta precisa ser sempre e alegremente renovada todos os dias, até o último suspiro. Todos os dias aquela oferta que você fez, suas promessas que você fez diante do altar, todos os dias você terá ocasião de renová-las. Todos os dias, até o último suspiro. A Comunidade assim se torna a mediadora da vontade de Deus e a pedagoga. O pedagogo é aquele que vai nos educando. Aquele que nos pega pela mão e vai nos educando. A Comunidade é mediadora da vontade de Deus, vai nos dando a direção da vontade de Deus. Meus irmãos, como um povo, como Comunidade, nós dizemos é isso, essa é a vontade de Deus, essa é a direção de Deus para nós, vamos seguir nessa direção. Ela é a mediadora. Os discernimentos lhe discernem para esta direção, para esta dimensão, vai lhe tirando, vai lhe ajudando. Os discernimentos e a vida comunitária vão continuamente lhe ajudando a tirar, porque sabe o quê que a Comunidade quer? Sabe o quê que a Comunidade quer de todas as formas, de todas as maneiras? Tirar você de você mesmo. De todos os meios e de todas as formas. Por isso que tantas vezes tantas pessoas ficam chateadas: “mas como é que pode esse discernimento, era tudo o que eu não queria”, pois é exatamente o que você precisa! É exatamente talvez o que você precisa. Talvez não, se for um discernimento é o que precisa. Em tudo tirar você de você mesmo para que você não viva para você mesmo. O pior estado de uma alma é viver para si mesmo, mas é degradante uma alma que vive para si mesmo, é infeliz uma alma que vive para si mesmo. “Estou muito bem na Comunidade, afinal de contas meu Formador Comunitário é muito legal, é ótimo1 não tem uma vez que eu não converse com ele que ele não concorde comigo”. Pobre de você, e olhe que esse Formador Comunitário vai responder diante de Deus, sinceramente. Pobre de você, porque de todas as formas e de todos os meios, e não é para lhe contrapor, para ficar todo o tempo se contrapondo a você, não! A Comunidade usa de todas as formas, de todos os meios para ajudar você a sair de você mesmo, a sair da sua vontade para conhecer e fazer a vontade de Deus. E por isso todos os mecanismos de vida comunitária que Deus nos deu dentro da nossa vocação, para de todas as formas nos auxiliar a viver 5
essa dinâmica de oferta que nós muitas vezes pelas nossas concupiscências não queremos viver, mas pela força da graça somos chamados a viver. É muito interessante percebermos isso. Experimentamos isso na vida comunitária mesmo. Vou dar um exemplo aqui para que todo mundo compreenda, com todo o respeito. Por exemplo, tem irmãos que dentro da Comunidade querem viver do jeito deles. Fica chateado quando é discernido que não é do jeito que quer. Irrita-se quando se telefona para perguntar por que não foi para a célula, o quê que está acontecendo na vida dele. Chateia-se demais quando recebe a mensagem da comunhão de bens, acha um absurdo. Acha os 10 dias da reciclagem “ah pelo amor de Deus Moysés, inventa outra coisa!”, e aí vai. Mas se você chegar para ele e disser: “meu irmão, então talvez aqui não seja o seu lugar”, “o quê? Por quê? Não, eu sou Shalom desde pequeno”. Claro, nasceu assim! Mas o quê que mostra is so? Mostra a aspiração que nós temos na nossa alma. Nós queremos viver porque essa é a nossa identidade, essa é a nossa vocação. Realmente ele tem razão, provavelmente. Todas as fibras da alma dele, com todo o respeito, todas as fibras da alma dele aspiram à vivência da vocação. Mas a concupiscência da carne dele resiste. Nesses momentos vem exatamente, aflora a grande batalha espiritual que nós vivemos e que a Comunidade deve em tudo favorecer com a misericórdia, com a paciência para que você cresça na fé, e para que você dê uma resposta generosa, cresça na resposta generosa para fazer a vontade de Deus na sua vida pela graça, pelo dom da fé. Talvez aí esteja a grande questão e a grande conversão fundamental que nós devemos fazer. Ao olharmos para a vocação, ao olharmos para a Comunidade, olharmos para as exigências da vida comunitária, meu Deus, não é uma exigência contra mim! é um chamado, é uma vocação, é um desígnio que a minha humanidade range, mas ela aspira, porque ao pensar em não vive-la eu perco a esperança. Então eu tenho de olhar não para o Fulano ou o Beltrano, não para a estrutura a, b, c ou d, mas eu tenho de olhar para Deus. É Deus que me chama, e eu tenho de ter a resposta da fé e enfrentar todos os desafios da vida comunitária pela ótica da fé, do dom que Deus me dá, do chamado que Ele me faz e da promessa que esse chamado faz. Porque se eu vivo, se eu respondo com generosidade, se entro na dinâmica da oferta que é uma batalha, uma luta, um desafio, mas que apoiado na graça eu entro na dinâmica da fé, da oferta, eu entro na terra da promessa, usufruo dos dons e das graças que essa promessa traz. A minha descendência será como estrelas no céu! Eu terei o próprio Deus como fruto da promessa na minha vida! Eu terei o céu, eu terei a eternidade aqui e agora. A nossa oferta tem um sentido. Sob a ótica da fé a nossa oferta encontra toda a plenitude da vida, não é simplesmente uma batalha estéril e seca, é uma dinâmica, uma vida cheia de sentido de vida que vai gerando e fecundando a eternidade em mim e no mundo, em mim e na humanidade. Diz o Papa nesta carta: “a perspectiva que a fé vai proporcionar a Abraão estará sempre ligada com este passo em frente que ele deve realizar”. Continuamente a fé, e, portanto, a oferta, me chama a dar um passo a frente, e a perspectiva que a fé vai proporcionar a Abraão, todos os frutos da promessa, tudo aquilo está sempre ligado ao passo em frente que ele deve realizar. Ele vê na medida em que ele caminha. Muitos de nós já não conseguimos ver a beleza da nossa vocação. Muitos de nós já não conseguimos enxergar a beleza da vida cristã. Muitos de nós já não conseguimos enxergar a felicidade que Deus tem preparado para nós simplesmente porque já não caminhamos para frente. Estacionamos. Paralisamos. Já não confiamos, porque diz o Papa na Encíclica, a fé vê na medida em que caminha, na medida em que entra no espaço aberto pela própria Palavra que chama. Não sei se vocês estão entendendo. A fé faz ver. Você crê, confia, dá o passo, tudo se ilumina. Torna-se lúcido aquele passo que você deu, mas antes do passo talvez tudo estivesse escuro, mas é lúcido crer que Aquele que me chamou e que me chama a dar esse passo tem credibilidade. Eu confio Nele, eu dou, e na medida em que eu dou abro espaço e tudo se ilumina, e eu vejo que realmente tem sentido, realmente tem beleza, realmente é fecundo. Quantas vezes meu Deus, coisas pequenas até, “não quero ir, não quero fazer, não quero partilhar. Estou cansado. Vou desistir”, mas vou, dou o passo, vale a pena! Quanto sentido, quanta beleza! O que seria de mim sem o passo, mas eu confio, eu confio Naquele que me chamou. Eu confio na promessa. Eu confio. Olho para a minha vida e vejo para onde a fé me 6
conduziu, para onde a vocação me conduziu. Eu creio, dou um passo, tudo encontra o seu sentido, tudo encontra a sua beleza. Tudo se encaixa no seu lugar. Para entendermos a força e o sentido da fé, precisamos saber o que é o contrário da fé. O que é o contrário da fé? O Papa nesta Encíclica diz que o contrário da fé é a idolatria. A idolatria. E aí ele vai para aquele episódio de Moisés quando sobe a montanha para falar com Deus e o povo fica lá, e Moisés demora, e o povo começa a ficar angustiado e faz o bezerro de ouro, faz o ídolo. E ele comenta: “aparece aqui o contrário da fé: a idolatria . Enquanto Moisés fala com Deus no Sinai, o povo não suporta o mistério do rosto divino escondido, não suporta o tempo de espera”. A idolatria é o fruto de nós não suportarmos o mistério de Deus na nossa vida, Deus ser Deus. Não suportarmos o tempo de Deus na nossa vida. Não suportarmos a manifestação de Deus na nossa vida e nós metermos as nossas mãos por nós mesmos, e nos anteciparmos a Deus. A idolatria é o fruto da impaciência dos homens diante do mistério do amor de Deus, que na Sua sabedoria tem os seus desígnios, que nos ultrapassa completamente. É a impaciência dos homens em querer que Deus faça o que ele quer e resistir ao que Deus quer. É o confiar mais em si mesmo do que em Deus, e aí o homem cai na idolatria. Diz a Encíclica: “por sua natureza a fé pede para renunciar a posse imediata que a visão pode oferecer em vista do mistério maior que pretende se revelar no tempo oportuno”. Quantas vezes isso acontece na sua vida? Quantas vezes em momentos desafiantes, onde você tem de viver pela fé, na confiança em Deus, nos desígnios de Deus na sua vida. Deus tem um projeto muito maior para você, um desígnio muito maior, uma vocação, um caminho de santidade. Deus tem coisas magníficas guardadas para você, mas como não é do seu jeito e na sua hora, você resiste a Deus e você produz um ídolo com as suas mãos, para fazer do seu jeito, porque confia mais em suas mãos do que nas mãos de Deus. Eu e você caímos na idolatria pela impaciência, quando nós temos um Deus que é continuamente paciente conosco. Por resistir ao mistério da grandeza de Deus que pela própria fé nós temos de confiar Nele para que no tempo oportuno Ele se manifeste, e aí nós queremos fazer do nosso jeito, da nossa forma, e comprometemos a fé e dizemos não a Deus e construímos os nossos ídolos. Diz o Papa: “ao invés da fé em Deus, prefere- se adorar o ídolo”. Porque que se prefere adorar o ídolo? Cujo rosto se pode fixar. Quem é que faz o ídolo? Nós, então fazemos o rosto do ídolo do jeito que queremos. O rosto a gente pode fixar, e cuja origem é conhecida. Qual é a origem do ídolo? Nós mesmos, os nossos projetos, os nossos desígnios, aquilo que achamos e que defendemos a ferro e fogo. “Diante do ídolo não se corre o risco de uma possível chamada que nos faça sair das nossas próprias seguranças”. É assim. Nós construímos ídolos para a nossa vida porque os ídolos não tem boca, como diz a Palavra de Deus. Eles não têm boca, não podem falar e por isso não podem nos chamar e nos levar aonde nós não queremos ir. Os ídolos no fundo, que nós chamamos e colocamos placa de vontade de Deus, escondem a nossa própria vontade, que quer fazer do seu jeito e da sua forma. “Compreende-se assim que o ídolo é um pretexto para si colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das próprias mãos”. O ídolo é a desculpa dos homens, uma desculpa minha, uma desculpa sua, de nos colocar no centro da adoração. A nossa vontade, o nosso plano, o nosso desejo, do jeito da gente. Adorar Deus é viver do jeito de Deus. Adorar Deus é viver segundo a vontade Dele. Adorar Deus é crer nos seus tempos, ter confiança, deixar-se conduzir por Ele, ser cingido e conduzido para aonde às vezes nós não queremos ir. Isso é adorar a Deus. Adorar os ídolos é colocar a nossa vontade como soberana e ainda colocar a plaquinha “vontade de Deus”, e é um ídolo, e sabemos para onde ele vai nos levar, porque é onde nós queremos ir. O futuro já não é inesperado, como também a descendência já não é inesperada, como também tudo aquilo que Deus tem preparado para nós já não é mais inesperado, o que nos ultrapassa. Nenhuma mente imaginou, nenhum ouvido jamais ouviu, nenhum coração pode imaginar o que Deus tem preparado para nós. Nós renunciamos à promessa divina, à posse do desígnio maravilhoso de Deus para a posse das nossas vãs promessas, desprezíveis promessas, que outra coisa não faz a não ser deixar o nosso coração mais vazio, senhor de si mesmo, escravo de si mesmo.
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Diz a Encíclica: “ pela idolatria, perdida a orientação fundamental que dá unidade à sua existência, o homem dispersa-se na multi plicidade dos seus desejos”. Porque no ídolo estão escondidos todos os nossos desejos. “Negando -se a esperar o tempo da promessa, desintegra-se nos mil instantes da sua história. Por isso, a idolatria é sempre politeísmo, movimento sem meta de um senhor para outro. A idolatria não oferece um caminho para o homem, mas uma multiplicidade de veredas que não conduzem a uma meta certa, antes se configuram como um labirinto ”. Quando nós vamos fazendo ídolos na nossa vida, no fundo, no fundo nós vamos nos entregando aos nossos desejos. No fundo, no fundo nós vamos nos entregando a nós mesmos, e o quê que acontece? Os nossos desejos são múltiplos e aí nós entramos num verdadeiro labirinto, perdemos a integridade do senhorio da vontade de Deus, do desígnio de Deus soberano na nossa vida, que é exigente muitas vezes, que é desafiante, mas que é feliz. E com medo, com resistência, com negação, nós dizemos não e nos entregamos a nós mesmos e as nossas vontades. A idolatria é politeísta, os desejos são muitos, os ídolos são muitos e vamos nos perdendo num verdadeiro labirinto e vamos sendo infelizes. Infelizes. Ainda lendo o texto: “Quem não quer confiar-se à soberania de Deus, deve ouvir as vozes dos muitos ídolos que lhe gritam: Confia-te a mim!”. Quando nós não conf iamos em Deus nós vamos nos entregando aos nossos ídolos. Coisas, pessoas, nós mesmos, e vamos confiando a nossa vida à criatura, ao que passa. Vamos confiando as nossas vidas aos nossos desejos fúteis, pequenos, e vamos trocando de um ídolo para outro e vamos nos desintegrando, nos desidratando, e vai produzindo aquilo que o fala Papa na corrupção religiosa, da mornidão e da mediocridade da vida cristã. Essa é a pior consequência da idolatria. Talvez, meu irmão, a nossa vida cristã possa estar morna e medíocre, ou em caminho disso, porque nós possamos ter a nossa fé ameaçada por ídolos que as nossas mãos estejam construindo, e pela fé Deus nos chama a um caminho de conversão. Como é a situação da sua vida? Você detecta sinais de idolatria na sua vida, que é o contrário da fé? Nunca se esqueçam de uma coisa: a idolatria é dispersiva e desintegrante. A fé verdadeira, o submeter-se à obediência da fé, o confiar, o acreditar, o submeter-se a vontade soberana de Deus é salvífica e é plenificadora, é unificadora. Por isso Santo Agostinho diz: “não te afastes daquele que te fez, nem mesmo para te encontrares a ti mesmo, porque quando o homem pensa que afastando-se de Deus e da Sua vontade encontrar-se- á a si mesmo, a sua existência fracassa”. A fé é a resposta a este chamado que comporta uma promessa e que me convida continuamente a ofertar-me, a entregar-me continuamente e generosamente, a dar sempre passos na direção desta voz, deste chamado e desta promessa. É digna de confiança esta voz? É digno de confiança este chamado? É digno de eu colocar inteiramente, totalmente toda a minha vida? O Papa nesta Encíclica responde a esta pergunta indo para uma obra literária de Dostoievski. Escritor russo, cristão. Sua obra literária “o idiota” tem uma figura que é o príncip e Mishkin, e ele olha um quadro que tem o corpo de Cristo morto no sepulcro, desfigurado. Esse príncipe olha para esse quadro que mostra Jesus Cristo morto em toda a sua crueza, com toda a crueldade que fizeram no seu corpo. E o príncipe olha e diz assim: “aquele quadro poderia mesmo fazer perder a fé a alguém ”. Ao olhar todas as dilacerações no corpo de Cristo o personagem do livro diz que olhando para este quadro alguém pode perder a fé, e o Papa faz um comentário disto: “todavia é precisamente na contemp lação da morte de Jesus que a fé se reforça e recebe uma luz fulgurante, é quando ela se revela como fé no seu amor inabalável por nós, que é capaz de penetrar na morte para nos salvar. Neste amor que não se subtraiu à morte para manifestar quanto me ama, é possível crer; a sua totalidade vence toda e qualquer suspeita e permite confiar-nos plenamente a Cristo”. Há alguém, um Deus que se fez homem, um Deus que se deixou triturar, que se deixou dilacerar, que entrou na morte, um Deus que se fez carne e na sua carne sofreu todas as dilacerações do pecado. O meu pecado caiu sobre Ele. Um Deus que me amou tanto assim, este é digno de confiança, Neste eu posso depositar toda a confiança na minha vida. Este jamais me abandonará. Este me ama a tal ponto de dar a Su a vida por mim. Diz o Papa: “Ora, a morte de Cristo desvenda a total confiança do amor de Deus à luz da sua ressurreição”. 8
Jesus Cristo é o autor e o plenificador da nossa fé. Em Cristo que nos amou até o fim temos a certeza que o nosso futuro inesperado é feliz, é pleno, em Cristo que nos amou até o fim e que venceu a morte ressuscitando, que enfrentou a morte, a minha morte, a sua morte, a nossa morte, e aquele que me chamou é este Deus! Aquele que me pede estes passos é este Deus! Aquele que me pede muitas vezes coisas que eu nem compreendo num primeiro momento é este Deus. Este é digno de confiança! Neste eu posso ofertar toda a minha vida, porque Ele em primeiro lugar já ofertou a Dele por mim. Nele eu posso perder a minha vida, porque sei que vou reencontrá-la Nele, na Sua ressurreição, porque Ele primeiro ofertou e entregou a Sua vida por mim. Ele é digno de confiança. Os ídolos não. Nós mesmos não. O mundo não. Mas Ele, Ele é digno de toda a fé. Ele é digno de toda a confiança. Ele é a garantia. Deixar-se guiar por Deus, deixar-se guiar pela vocação, deixar-se guiar pela mediadora da vocação que é a Comunidade, é a garantia de plenitude de vida, é garantia de felicidade. Crer nisso é o segredo de uma vida vocacional feliz e plena. Crer nisso mais do que em si mesmo é a fé. Crer em Cristo mais do que em você mesmo é a fé. É simples. E responder generosamente sempre, porque Ele é digno de confiança. Ele é a garantia do futuro inesperado sim. Não projetado? Sim. Não dentro das suas mãos e dos seus planos? Sim. Mas muito maior do que podemos imaginar. O futuro feliz que olho nenhum viu, mente nenhuma imaginou, aquele que Deus tem preparado para nós, que em muitos momentos nós temos de viver a prova da fé, como Abraão viveu, como todos os homens que foram homens de Deus, mulheres de Deus viveram e se apossaram. O futuro feliz já nessa vida e em toda a eternidade que Deus tem preparado pela fé. Tem preparado por nós e é pela fé que nós usufruímos dessas promessas e chegamos à plenitude delas. Qual é o remédio para pela força da graça fazer morrer a idolatria em nós? O remédio é a fé e a misericórdia. Diz a carta: “acreditar significa confiar -se a um amor misericordioso que sempre acolhe e perdoa, que sustenta e guia a existência, que se mostra poderoso na sua capacidade de endireitar os desvios da nossa história”. Meu querido irmão, minha querida irmã, olhem o que isto acabou de nos dizer! Crer significa “nós cremos em um Deus que é misericordioso”, e você pode dizer: “Moysés, mas é tudo muito complicado dentro de mim, têm muitas questões, muitos ídolos, fraquezas, pecados. É tudo muito desafiante!”, sim, mas no meio desse desafio Deus, o Deus amoroso, Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, o Deus que se manifestou em Jesus Cristo nosso Senhor, que tem a face da misericórdia, Ele vai ao teu encontro. Deixa-te encontrar por Ele e confia Nele, e acolhe sempre Ele que entra na tua história. Ele entrou até ao ponto de assumir a tua morte. Ele entrou na tua história, Ele vai te acolhendo e acolhe-o! Ele entrou e deseja guiar a tua existência, deixa Ele te guiar. Ele se mostra poderoso e Ele é capaz de endireitar os desvios da nossa história. Sua história tem desvios? Tem. A minha tem desvios? Tem. Mas esse Deus nós temos que crer Nele. Ele entrou na nossa história e Ele é capaz de endireitar os desvios da nossa história e essa é a nossa esperança! Essa é a minha e a sua esperança! Confiar Nele, crer Nele, me deixar guiar por Ele, e Ele irá nos perdoando, nos perdoando mais uma vez, fortalecendo a nossa adesão, fortalecendo o nosso sim, nos fazendo recomeçar mais uma vez porque o Seu nome é misericórdia! Esse é o Seu nome: misericórdia! E Ele te dará a força, a graça de endireitar os teus desvios. Com todo o respeito, o mais maldito dos ditados, maldito, é “pau que nasce torto não tem jeito morre torto”. Não há um ditado menos evangélico e cristão. Não há um ditado que negue mais a cruz de Cristo. Não há um ditado que desfigure mais o mistério da salvação de Cristo. Forjado nas caldeiras do inferno, que retira a esperança do pecador ou cobre com sem vergonhice as nossas fragilidades. Que não faz abrir os nossos olhos e confiar que a esperança de Deus, que a misericórdia de Deus pode corrigir os nossos desvios, pode nos dar esperança onde nós não temos mais esperança, pode perdoar as nossas faltas mais uma vez e nos dar a força para nos reerguer. E se cairmos confiarmos em nos reerguer de novo, e nos dará um futuro feliz, santo, porque é próprio de Deus tornar os pecadores santos. É próprio de Deus. É próprio de Deus. Acreditar nisso consiste em acreditar que deus é misericórdia. Acreditar nisso consiste em acreditar que Ele entrou na minha história e que Ele sempre se eu quero, se eu desejo, se eu tenho retidão no coração, não num coração sem retidão, porque aí Deus pouco pode fazer. Mas se eu tenho 9
retidão no coração, Ele vem, ele sustenta, guia a minha existência. Ele poderá endireitar todos os desvios da minha e da sua história. Isto é um ato de fé, talvez o maior ato de fé que nós devemos fazer na nossa vida. Deus pode. Eu creio. Eu quero. Eu espero. Ele pode endireitar todos os desvios da minha e da nossa história. A confiança na misericórdia de Deus, a fé no Deus misericordioso. Esta nos redime, esta nos dá um futuro diferente e inesperado. Esta opera um milagre do pau que nasceu torto se transformar numa viga que sustentará a muitos, que poderá ser uma árvore frondosa, que poderá acolher a muitos pássaros, que poderá se tornar santo pela graça de Deus, e santificar a muitos a quem Deus te e nos enviar. Fé no Deus misericordioso. “A fé consiste na disponibilidade a deixar -se incessantemente transformar pela chamada de Deus. Paradoxalmente, neste voltar-se continuamente para o Senhor, o homem encontra uma estrada segura que o liberta do movimento dispersivo a que o sujeitam os ídolos”. O decisivo ato de fé da nossa vida é crer que a força do pecado, a força da nossa fraqueza, a força do mundo, não é maior do que a força de Deus, do que o poder de Deus. Não é maior do que o poder do carisma. Não é maior do que o poder da vocação. Não é maior do que a vida nova que nos foi dada e que está dentro de nós pelo Espírito Santo que habita dentro de nós. Não. Não é maior. Deus é maior. A graça é maior. A vocação é maior do que os desafios que a rondam continuamente na sua vida. Crer nisso, confiar nisso e viver nessa dinâmica de busca disso é o maior, talvez o decisivo, não sei se o maior, mas o decisivo ato de fé que precisamos realizar na nossa vida. A força da graça, a força do carisma e a força da vocação é mais forte. É mais forte. Quatro coisas que nos fazem crescer na fé: 1. O caminho comum (ou a vida comum) A comunhão, aquilo que nós temos falado muito como a santidade comum. A vida comum. É impossível crer sozinhos, diz o Papa nesta Encíclica. A fé não é uma opção individual que se realiza na interioridade do crente, mas, por sua natureza, a fé abre-se ao nós. É juntos, unidos que nós podemos crescer na fé. Quando nos isolamos perdemos a fé, a fé em Cristo, a fé no Evangelho, na Igreja, na vocação, a fé no caminho de santidade, e junto vem a desesperança, perdemos a esperança, e junto compromete a caridade, não sabemos mais o que é a caridade. Nós só podemos crer e crescer na fé juntos, unidos. Por isso a importância de estarmos unidos. Por isso a importância de estarmos juntos. Por isso a importância de rezarmos juntos. Por isso a importância de nos apoiar uns aos outros. No tempo da fragilidade contar com os outros. No tempo da fortaleza sustentar os fracos. Combater juntos. Apoiarmo-nos mutuamente. 2. A oração como fonte de crescimento da fé O Papa comentando o Evangelho de hoje diz o seguinte: a fé Nele é nossa oração. Se cremos rezamos, e a oração é a expressão da fé. Se rezamos a fé cresce, são vasos comunicantes. Se cremos, rezamos, não reza quem não crer, e talvez essa seja a razão de muita gente não rezar, porque no fundo, no fundo a sua fé já está comprometida. E como não reza, não faz crescer a fé, porque quando rezamos a fé cresce. Se apagar a fé se apaga a oração. Se apaga a oração apaga a fé, e aí nós caminharemos num caminho escuro e nos perderemos, diz o Papa, nos perderemos no caminho da vida. Eu li hoje uma história muito bonita. Frédéric Ozanam é um santo, fundador da Conferência de São Vicente de Paula, um leigo. Ele estava numa crise de fé enorme. Era francês, e entrou dentro de uma igreja em Paris, e lá no meio das sombras viu um homem curvado, rezando piedosamente. E ele numa crise de fé violenta olhou e quando viu esse homem era Ampère, grande físico e matemático. Um grande físico, homem reverenciado na Academia. Esse homem estava de joelhos, rezando. E aí, Ozanam numa crise de fé violenta, foi na porta da igreja e ficou esperando aquele grande homem sair. Quando ele saiu, ele perguntou: “professor, é possível ser assim grande e ainda continuar rezando? É possível ser uma pessoa tão grande, tão magnífica, tão grandiosa como o 10
senhor e ainda continuar rezando?”. Ele estava numa crise, mas se transformou em um santo. E aí o famoso cientista Ampère respondeu: “eu só sou grande quando eu rezo”. A liturgia de hoje nos fala da força da oração de Moysés. A primeira leitura de hoje é sobre a guerra, Moisés na montanha, e tem um detalhe muito interessante nessa passagem. Mostra que Aarão e Hur sustentam os braços de Moisés, porque na medida em que os braços de Moisés estão erguidos a vitória de Deus se estabelece. Um detalhe importante para nós hoje. As nossas mãos, nós precisamos da força e do auxílio da oração de um dos outros. Nós precisamos uns sustentar as mãos erguidas dos outros na oração. A força da oração do outro, a santidade comum, a oração em comum, nós precisamos valorizar esses momentos em que nós estamos juntos em oração. Nós precisamos valorizar a nossa sexta-feira na oração. Nós precisamos valorizar os momentos da vida comunitária, e a Comunidade de Vida a nossa oração comum. Nós precisamos valorizar as nossas vigílias, porque nós estamos uns sustentando as mãos dos outros que se erguem aos céus, e fazendo assim a vitória de Deus. Isso também é um ato de fé. A vitória de Deus na nossa vida e na vida comunitária. 3. A prova da fé Não existe crescimento na fé sem prova da fé. É só você olhar a Palavra de Deus, a vida dos santos, e porque que com você vai ser diferente? Porque que comigo vai ser diferente? Quem nunca teve a sua fé provada talvez nunca teve fé. Uma das características de quem tem fé é passar pelas provas da fé. O Papa comentando isso diz: “falar da fé comporta frequentemente falar também de provas dolorosas, mas é precisamente nelas que São Paulo vê a fonte do anúncio mais convincente do Evangelho”. Quando a nossa fé está sendo provada, o Evangelho ganha mais força na nossa vida e ele pode ser testemunhado com mais força. São Paulo descreve que nos momentos mais duros de prova de fé foram os momentos mais fecundos do seu apostolado, e os momentos mais fecundos de crescimento da fé. São Paulo vê o anúncio mais convincente do Evangelho porque é na fraqueza e no sofrimento que sobressai e se descobre o poder de Deus, que supera a nossa fraqueza e o nosso sofrimento. Quando perseveramos nas provas significa que o Evangelho está sendo vivenciado, significa que Deus está vencendo. Quando deixamos que as provas nos submerjam, então acontece exatamente o contrário. Quando deixamos que as provas nos levem, que as provas nos sufoquem, que nos retirem da vida comunitária, nos retire da missão, “Ah Moysés, eu preciso de um tempo na Comunidade, porque eu estou passando um momento muito difícil”, mas é agora que você precisa da Comunidade! Mais do que nunca você precisa da sua vocação! Mais do que nunca você precisa da oração! Mais do que nunca você precisa dos irmãos! Mais do que nunca você precisa da missão, é isto que fará você viver ao invés de morrer! As provas da fé, se nós a vivemos com Cristo, nos fazem experimentar a força de Deus na nossa vida, e a vitória de Deus na nossa vida. Diz o Papa: “na hora da prova a fé ilumina -nos e é precisamente no sofrimento e na fraqueza que se torna claro como não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor”. 4. A transmissão da fé (a missão) A nossa fé cresce quando nós a comunicamos. A nossa fé cresce quando nós evangelizamos. A nossa fé cresce quando nós damo-la aos outros. A nossa fé cresce quando nós estamos nessa dinâmica pessoal e comunitária evangelizadora. Diz o Papa: “quem se abriu ao amor de Deus ac olheu a Sua voz e recebeu a Sua luz. Não pode guardar este dom para si mesmo. Usando o exemplo do Círio Pascal, a fé transmite-se por assim dizer sob forma de contato de pessoa a pessoa, como uma chama se acende noutra chama. Os cristãos na sua pobreza lançam uma semente tão fecunda que se torna uma grande árvore, capaz de encher o mundo de frutos. Assim também cresce a nossa fé quando nós a transmitimos, quando nós 11
damos aos outros. Cresce a nossa fé em nós. Cresce a nossa fé no mundo”. Isto o Senhor nos c onfiou pessoalmente, a transmitir a fé, evangelizar; e comunitariamente, quando servimos na Obra, quando nos doamos na Obra, a nossa fé cresce. E assim, transmitindo a nossa fé, vivendo a nossa fé, nós poderemos responder, dar a nossa colaboração para responder à provocação que Jesus nos faz no Evangelho hoje. Hoje Jesus nos faz uma provocação. Jesus nos provoca hoje no Evangelho da missa. Qual é a provocação que Jesus nos faz hoje? “ Mas o Filho do homem quando vier, será que ele ainda vai encontrar a fé so bre a face da terra?”. É uma provocação que Jesus nos faz. Se nós , pela vida comum, pela oração, se nós perseverarmos nas provas de fé, se nós transmitirmos a fé, nós vamos colaborar em Cristo, por Cristo e com Cristo, na força do Espírito Santo, para manter viva, para manter forte a chama da fé na face da terra. Amém.
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