Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Vv.r
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
FEVEREÍRO 1958
ERGUNTE Responderemos ANO /
ÍNDICE i. 1)
filosofía
Pág.
religiao
"Que é a 'Ordem de Rosa-Cruz' ?"
II. 2)
e
1,3
DOGMÁTICA
"Queira explicar a origem das indulgencias e a que equivaletn os cem días, os trezentos e sessenta e cinco días, os sete anos... das fórmulas de indulgencias" III.
3)
48
SAGRADA ESCRITURA
"Como interpretar o cem por mu da Escritura, prometido aos que deixam tudo para seguir a Cristo? Significa bens materiais, casas inúmeras, assisténcia religiosa na hora da marte,
maior número de gracas ou dons referentes a vida futura?" i)
51
"Como se explicam as palavras da consagracáo eucarislica : '.. .sangue, que será derramado por vos e por muitos' ? Jesús ■nao morreu por todos ?"
5)
53
"Qital seria a cr.plicacáo das seguintes passagens de Daniel: V 7,~-S c 7,2S-25 ? A que reino se referem ? Ouvi dizer que o quarto animal ¿ a
ígreja Católica e os
dez cliifres sao os
povos bárbaros"
54 IV.
0)
"Se
pessoas
autorizadas
MORAL
afir mam
que
indispensável
é
a
educacüo sexual, porque é que outras ainda a proibem e condenam ?"
7)
57
"A consciéncia moral é uní produto artificial da educagáo ;
nada tem de perene. Basta lembrar o que se dá com criancas que crescem entre animáis selvagens" V. S)
DO
CRISTIANISMO
"Porque a riqueza do Vaticano? Se o Papa é o representante de Cristo
na térra, porque nao
humüdade e
9)
HISTORIA
60
simplicidade ?"
O segué
ein sua
pobreza,
■
64
"Porque é que a ígreja no seu culto usa de metáis preciosos e vestes solenes ? Será que ela precisa disto para impressionar o povo ?"
10)
70
"Jesús disse: 'Reccbestes gratuitamente; dai gratuitamente' (Mt 10,8). Ora a praxe das esportillas parece contradizer a éste preceito do Meslre"
11)
73
"Quais os motivos que levaram Lntero a querer reformar a
ígreja? Quais eram as indulgencias contra as quais reagiu?"
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA
77
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS» N? 2
I.
Fevereiro de 1958
FILOSOFÍA E RELIGIÁO
A. M. M. (Rio de Janeiro) : 1)
«Que c a 'Ordem de Rosa-Cruz'?»
Para apresentar a Ordem de Rosa-Cruz, estocaremos primeiramente o seu histórico; a seguir, a sua ideolo?pa.
1.
As origens da Ordem de Rosa-Cruz
.
1. Ougamos, antes do mais, o que a «Rosa-Cruz» diz a respeito de si mesma.
Narram os textos oficiáis que a Ordem teve origem no Egito, onde o Faraó Tutmosé m (1500-1447 a. C.) reuniu varios de seus súditos, dotados de sabedoria mais profunda, oculta ao vulgo, a fim de fundar com éles a «Grande Loja Branca» ou a «Fraternidade Branca». Os Irmáos constituiram sua sede principal em torno de um templo na regiáo de El-Amarna (ou Akhetaton, no Alto Egito). Do Egito espalharam-se para o Oriente e o Ocidente. Sólon de Atenas (618-550 a.C), dizem, foi um verdadeiro Messias (um Iluminado) pertencente á Ordem. Pitágoras entrou na
Fraternidade em Tebas (na extremidade do Egito meridional) no ano de 531 a.C; havendo passado por todas as iniciacóes e exames, foi agregado ao Conselho Supremo dos Iluminados e partiu para fundar a Fraternidade na Magna Grecia ou Italia
Meridional (Cortona). O próprio rei Salomáo (970-931 a.C), de Israel, haveria pertencido á Ordem; a sua sabedoria, ele a teria adquirido numa viagem a Tebas. Na Palestina, dizem que estabeleceu um núcleo da Fraternidade : a Fraternidade dos Construtores do Templo de Jerusalém, precursores dos macons atuais. Os Essénios, faccáo judaica de índole misteriosa, contem
poránea a Cristo, eram também rosacrucianos... Referem outrossim que Jesús foi essénió. Os seus apostó los (essénios também éles), difundindo os ensinamentos do — 43 —
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
2/1958,
qu. 1
Mestre, deram origem á Igreja Crista, que se foi desenvolvendo cómo corporagáo mais ou menos independente da Grande Fraternidade Branca. Esta, embora se interesse por qualquer mo-
vimento religioso do mundo, nao se identifica com nenhum, mas paira ácima de todos, como detentora do patrimonio de sabedoria de todas as religióes.
Para explicar a sua projegáo relativamente exigua na his toria da civilizagáo, os rosacrucianos professam urna lei que, segundo éles, rege as instituigóes humanas : todas estas se desenvolvem através de ciclos de atividade e inatividade, cada um dos quais comprcondc IOS anos; na verdade, os períodos de ina tividade nao sao senáo fases de oculta e silenciosa operosidade. Acontece, em conseqüéncia, que, ao renascer de 216 em 216 anos, a instituigáo é como que nova e destituida de relagáo apa rente com os ciclos anteriores!... Entre 1610 e 1616 tomou surto em Cassel (Alemanha) urna onda de Rosacrueianismo, que, segundo os historiadores, teve por chefe Christian Rosenkreuz; a éste personagem é que, fora dos círculos rosacrucianos, se atribui a fundagáo da Ordem. Os rosacrucianos, porem, afirmam que «Christian Rosenkreuz» nao é senáo o pseudónimo de um varáo ignorado que langou o brado de renascimento da Ordem naquela época. O fato é que do séc. XVTI em diante a «Rosa-Cruz» apa
rece na Alemanha, na Inglaterra, na Austria, na Prússia, na
Hungría, na Polonia, na Rússia, com o caráter bem marcado de escola ocultista, em que tém sido (ou foram) cultivadas a cabala, a alquimia, a medicina, as ciencias naturais... Atualmente a «Rosa-Cruz» apresenta afinidade com a Magonaria, se nao por sua origem, ao menos por suas formas (ritual, graus de iniciagáo, organizacáo administrativa...); do seu lado, a Magonaria de rito escocés intitula um dos seus graus de iniciagáo «Grau Rosa-Cruz».
Depois de ter tido grande voga na Alemanha e na Austria,
a Ordem possui atualmente um de seus maiores centros nos
EE.UU. da América do Norte, sendo abreviadamente designa da pelas iniciáis AMORC («Antiga Mística Ordem de Rosa-Cruz»).
Que dizer de tal descrigáo do histórico da «Rosa-Cruz»? Mostra-se inconsistente. A sua pretensa origem antiqüís-
sima e sua tradigáo continua sao apenas afirmadas, nao, porém, comprovadas (alias, todo o esbógo histórico se apoia em noticias de um apregoado arquivo secreto da «Rosa-Cruz», con servado no Tibe, e inacessível aos náo-iniciados). Principal mente a dependencia de Jesús e do Cristianismo em relagáo aos Essénios e ao Rosacrueianismo carece de todo fundamento. — 44 —
QUE 15
A «ORDEM DE ROSA-CRUZ» ?
Nos tempos atuais, mais do que nunca, se manifesta radical a diferenga de mentalidades que separa Jesús Cristo e o Cris
tianismo, de um lado, o ocultismo e o essenismo, de outro lado:
com efeito, os famosos manuscritos descobertos sucessivamente a partir de 1947 junto ao Mar Morto dáo claramente a ver que, a mentalidade essénia ainda era mais estreita ou fechada do que a dos fariseus. Ora toda a vida pública de Jesús foi intersemeada de conflitos com estes ardorosos guardas do judaismo, pois o Senhor comia com os publícanos e os pecado res e ultrapassava a letra da Lei, escandalizando o espirito de faccáo dos fariseus. Por conseguinte, muito menos ainda poderia Cristo ser tido como discípulo e continuador da tradigáo essénia. «Foi talvez éste um dos resultados mais sensacionais de Qumran (grutas do deserto de Judá, junto ao Mar Morto): o de por em realce a originalidade de Cristo, fornecendo-nos um termo de comparagao proveniente do mesmo ambiente (palestinense, em que viveu Jesús)» (J. Daniélou, L'Express, ler. février 1957, pág. 19).
Na verdade, o Rosacrucianismo nao é senáo urna das expressóes da tendencia ao ocultismo e á constituigáo de socie dades secretas, tendencia que aparece no género humano desde remotas épocas. As primeiras manifestagóes de tal tendencia se verificam no período do matriarcado social (dezenas de mi lenios antes de Cristo): quando a mulher, em virtude de um regime agrícola vigente, possuia a hegemonía na familia, os varoes, visando defender seus interésses próprios, se agremiavam em grupos fechados, secretos, que tutelavam decididamente os direitos de seus membros. Ainda hoje, entre os povos primitivos da África (alias, também ñas grandes nagóes ocidentais), se encontram tais sociedades, que constituem verdadeira rede invisível de auxilio mutuo : a cabala medieval, a franco-magonaria posterior ao séc. XVI, a gnose antiga e moderna — e também a Ordem de «Rosa-Cruz» — nao sao senáo cristalizagóes mais ou menos densas de tal tendencia. Essas escolas dependem cada urna de um chefe principal, que viveu em de terminada época (a «Rosa-Cruz» como tal parece oriunda, sim,
no séc. XVII, embora seus primordios sejam controvertidos). Contudo, já que o respectivo fundador se valia de idéias antigás,
refundidas segundo modalidades próprias, as sociedades secre tas costumam dizer que tém origem remotissima e atravessaram ininterruptamente os séculos (para isto, porém, é-lhes necessário recorrer a artificios semelhantes a lei dos ciclos de 108 anos, explorada pela «Rosa-Cruz»). Note-se ainda que o
ocultismo, por muito inveterado que seja na historia, nao é — 45 —
-rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, qu. 1
a forma originaria de filosofía ou de religiáo, mas é urna aberragáo do genuino senso religioso ou do senso místico espontá neo a todo homem; o ocultismo, com suas doutrinas e suas práticas, deriva-se da ambigáo de algung homens que quiseram fascinar e dominar os seus semelhantes, abusando da filosofía e da religiáo, ou seja, dizendo possuir um tesouro de pretensos conhecimentos divinos velados ao vulgo.
2.
A ideología rosacruciana
O Rosacrucianismo declara nao ser religiáo; diz que fala, sim, de Deus e da felicidade do homem, mas de maneira com-
patível com os credos religiosos, de sorte que o adepto de qualquer religiáo pode estudar as idéias da «Rosa-Cruz» sem ofen
der a sua fé, como estuda química, música, jurisprudencia... A vantagem singular do Rosacrucianismo seria a seguinte : a Biblia Sagrada e os credos religiosos apenas exortam de modo geral a servir a Deus, viver honestamente e ajudar o próximo. A Fraternidade Branca, porém, revelaría os métodos práticos para se realizarem tais tarefas, dando conselhos minuciosos
(formulados com aparato matemático e científico) para que o homem utilize devidamente as suas aptidóes pessoais e as fórgas da natureza que o cerca (dai o título de escritos capitais
do Rosacrucianismo: «O dominio do destino com os ciclos da vida», «Principios rosacrucianos para o lar e para os negocios», o que quer dizer: normas para atrair clientela e aumentar as vendas no comercio, fomentar novos negocios; normas para o empregado de urna empresa, etc.). A Ordem de Rosa-Cruz ins-
tituiu um «Consultorio de Negocios» nos EE.UU. da América do Norte. O Imperador da Ordem, Sr. Spencer Lewis, foi esco-
lhido por negociantes eminentes de Nova Iorque e outras cida-
des para ser seu conselheiro : tornou-se socio comendatario de varias firmas comerciáis e industriáis, recebendo, em troca de seus oráculos, donativos para a sua Ordem! — Os principios
rosacrucianos nao sao ensinados a qualquer homem, porque, dizem os Irmáos, a massa nao quer melhorar, saindo da rotina da vida cotidiana. É também isto o que explica a escolha ri gorosa dos futuros membros da Ordem; antes de ser admitido definitivamente nesta, o candidato compromete-se por toda a vida a guardar o silencio sobre os seus Estatutos, mesmo que abandone a sociedade. Assim a «Rosa-Cruz» toma o aspecto de entidade leiga, religiosamente neutra, de moralizagáo e bene ficencia. — 46 —
QUE É A ORDEM DE ROSA-CRUZ» ?
Todavía, se se léem os livros doutrinários da Ordem, verifica-se que esta professa urna filosofía que é urna visáo inte gral do mundo; ultrapassa o plano dos métodos práticos de obter
sucesso na vida, para dar resposta as questóes que qualquer credo religioso considera. Com efeito, a ideología rosacruciana está estritamente baseada ñas teses fundamentáis do ocultis mo : admite o monismo (urna só substancia que se manifesta tanto no homem como na natureza) e a reencarna .áo (o indi
viduo humano estaría sujeito a ciclos semelhantes aos da histo ria universal; reencar.nar-se-ia de acordó com as «vibragoes cósmicas»!). É sobro estas duas teses que se basciam os cál culos rosacrucianos para se alcangar sucesso na vida: quem conhega a solidariedade que une o homem, os elementos do mun do e a Divindade (ou a Mente Cósmica, substancia neutra) entre si, realiza seus estudos, seus negocios, suas viagens, seus na-
moros e casamentos, etc., na época oportuna do ano. Éste, se
gundo os rosacrucianos, está dividido em sete periodos de 52 dias; no quarto periodo, por exemplo, a Mente Cósmica comunica-se mais vivamente a mente do individuo, tornando-o antáo. especialmente apto a obras de inteligencia e de senso artís tico ...
Como apreciar tais concepgóes?
Ja dissemos quáo va é a interpretagño que a «Rosa-Cruz» da de Cristo e do Cristianismo. Sobre as teses do monismo ou panteísmo e da re&ncarnagáo, vejam-se respectivamente os fas cículos de «Fergunte e Responderemos» 1957 n" 7 qu. 1 e n" 3 qu. 8. No tocante á exploragáo das disposicóes psi cológicas e fisiológicas do homem, assim como no desfrutamento das fórgas da natureza, os principios rosacrucianos se baseiam nao raro em observagóes válidas (o que lhes dá a aparéncia de sistema científico); o individuo é, sim, influenciado
pelo ambiente e, por sua vez, pode influenciar a éste. Daí, po-
rém, nao se segué que urna única substancia universal, á semelhanga de urna rede, passe pelo homem e pelos elementos da natureza. Além disto, poder-se-ia perguntar sobre que cál culos se funda a tabela rosacruciasia dos ciclos da vida e dos meses faustosos e infaustos do ano; donde se deduzem os seus oráculos, as suas previsóes e normas? A «Rosa-Cruz» responde
que, em última análise, se apoia em um depósito de sabedo-
ria arcana e incomunicável, guardado no Tibe... Donde o es tudioso concluí que difícil ou impossível é, no caso, pesquisar e raciocinar; faz-se mister ter fé e crer... — 47 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, qu. 2
... Crer em Deus ou crer em u'a mística meramente hu mana? Será que o Pai do Céu quis assim velar aos homens as verdades capitais, o caminho para a suprema felicidade? Pa rece que nao: «Falei abertamente ao mundo; sempre ensinei
na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reunem, e nada disse as ocultas» (Jo 18,20), afirmou Jesús, e acrescentou : «Nada há de oculto que nao deva ser revelado, nada de secreto que nao se deva tornar público» (Le 12,2).
Esta mensagem crista, sim, é digna de Deus, que quer sejam
salvos todos os homens (cf. 1 Tim 2,4)!
II.
DOGMÁTICA
MARCELLI (Altinópolis) :
2) «Queira explicar a origem das indulgencias e a que equivalem os cem días, os trezentos e sessenta e cinco dias, os sete anos... das fórmulas de indulgencias». O fundamento da praxe das tre a culpa e a pena acarretadas e Responderemos» 1957 fase. 8, a nódoa que a acáo pecaminosa,
indulgencias é a distincáo en por um pecado (cf. «Pergunte qu. 3). A culpa é como que enquanto tal, imprime a alma
do réu. A pena ó a expiacáo que o pecador deve prestar ao
Criador e as criaturas mesmas por haver violado a hierarquia
dos.valores; é como que urna retratagáo especial que a Justiga Divina e a harmonia do universo exigem da parte do pecador. Passemos agora ao plano da historia.
Nos primearos sáculos da Igreja, os pecadores nao eram absolvidos senáo após ter prestado a satisfagáo que, segundo
a apreciagáo do bispo ou do sacerdote, correspondía as culpas acusadas; por conseguinte, após a confissáo de suas faltas, passavam um período mais ou menos longo (urna quaresma, cem
dias, um ano...) agregados á classe dos penitentes e entregues
a severos exercicios de expiagáo. Destarte procurava-se fazer que, quando os pecadores (geralmente na quinta-feira santa) recebessem a absolvigáo sacramental, lhes fósse cancelada nao sómente a culpa, mas também todo o débito de expiagáo decorrente do pecado (cf. «Pergunte e Responderemos» 1957 fase. 8,
qu. 4).
Tal rigor penitencial, porém, trazia o inconveniente de afugentar do sacramento muitos fiéis de saúde ou de ánimo — 48 —
AS INDULGENCIAS
fracos. As autoridades da Igreja, por conseguinte, viram-se. obrigadas a mitigá-lo.
Um dos primeiros passos dados neste sentido foi a antecipagáo da absolvigáo sacramental. Esta, no séc. VI, comegou a ser dada logo após a confissáo das faltas; apagava imediatamente a culpa do pecado, mas deixava subsistir a exigencia de
satisfagáo, que, imposta pelo confessor, devia ser prestada após a absolvigáo. O rigor com que se determinava a satisfacáo, ainda era notorio nos séc. VH/IX; estavam em uso Livros peni
tenciáis ou tabelas em que se achava estipulada a penitencia correspondente as faltas mais comuns : reclusáo em um mos-teiro por todo o resto da vida ou durante dez arios, sete anos, tres anos.... jejuns mais ou menos prolongados ou repetidos
durante quarentenas ou anos..., oragóes, flagelagóes, esmolas, etc.
Contudo também esta praxe foi mitigada. A Santa Igreja, depositaría dos méritos de Cristo, que frutificaram nos méritos da Bem-aventurada Virgem María e dos Santos, formando o
tesouro da Igreja, houve por bem aplicar ésses méritos em fa vor dos penitentes, levando assim em conta os graves incó
modos e a fraqueza física de seus filhos. As severas obras pe nitenciáis foram sendo comutadas por outras mais brandas in dulgenciadas, isto é, enriquecidas da remissáo da pena temporal
devida a pecados já pordoados; tais obras mais suaves que os bispos comecaram a indulgenciar, eram, por exemplo, oragóes em lugar de jejuns, o pernoitar em um santuario em vez de longa peregrinagáo, a doagáo de urna esmola em vez de flage lagóes, etc. A Sagrada Escritura, fio Antigo Testamento, fornecia o fundamento auténtico para essa nova praxe, considerando casos em que as obrigagóes dos fiéis eram leg'.timamente comu tadas e mitigadas, desde que se tornassem demasiado onerosas (cf. Lev 5,7.11). Nos séculos IX e X a prática das comutaóes ou «redengóes» de penitencias se foi tornando cada vez mais usual e branda. No séc. XI os bispos comegaram a conceder indulgen cias gerais, isto é, indulgencias oferecidas a todos os fiéis, sem que o sacerdote tivesse que intervir determinando as condigóes particulares do resgate da pena; bastaría que os fiéis prestassem a obra indulgenciada, animados de sincero espirito de penitencia, tendo em vista de maraeira geral a expiagáo dos seus pecados
(praxe ainda hoje vigente). Com isto, as auto
ridades eclesiásticas visavam estimular as obras boas e, em particular, a colaboragáo dos fiéis em algum empreendimento de interésse comum (construgáo de urna igreja, de um hospi— 49 —
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS» 2/1958,
qu. 2
tal, de urna escola, de urna ponte, sustento de um santuario, as cruzadas no Oriente, na Espanha ou no Sul da Franca). Cem dias, um ano ou sete anos de indulgencias, nesses casos, significavam a remissáo da pena que alguém deveria expiar fazendo cem dias, um ano ou sete anos de penitencia rigorosa, avallada segundo a praxe da Igreja antiga (aínda hoje, quando se fala de «tantos dias ou anos de indulgencia», supóem-se a termino-
logia e o costume dos primeiros tempos; no purgatorio nao há dias nem meses nem anos); indulgencia plenária veio a ser o perdáo de toda e qualquer pena satisfatória. — Nao há dúvida, porém, de que tais indulgencias Jiáo podiam (nem podem) ser lucradas sem que os fiéis houvessem previamente confessado as suas faltas (as obras indulgenciadas nao obtém o perdáo do pecado como tal) e sem que excitassem em si o espirito de contrigáo que os teria levado a prestar a rigorosa penitencia de cem dias, um ou mais anos da antiga Igreja; sem éste ánimo inte rior, nada se poderia (nem se pode) adquirir. Donde se vé que a praxe das indulgencias está longe de reduzir a religiáo a forma lismo ou mercantilismo. Em virtude déstes pressupostos, deve le dizer que na verdade é muito difícil ganhar urna indulgen cia; quem, ao recitar urna breve prece indulgenciada, pode ter certeza de estar repudiando os pecados como os generosos pe nitentes da Igreja antiga, postados sobre cinzas e cilicio durante semanas ou meses?
Em 1457 o Papa Calisto III, pela primeira vez na historia, concedeu indulgencias que os fiéis poderiam aplicar ás almas
do purgatorio. Tal aplicagáo, porém, se faz a titulo de sufragio,
nao de absolvicáo; o que quer dizer: a Igreja na térra, nao tendo poder de jurisdigáo (absolvigáo) sobre as almas dos defuntos, apenas pode rogar por elas e apresentar ao Senhor mé
ritos que redundariam em proveito dos vivos, pedi.ndo se tornem proficuos para os defuntos. A eficacia dásses sufragios es capa a nossa apreciacáo : Deus distribuí os frutos dos mesmos de maneira que nos fica oculta. Está claro que os sufragios as-
sim feitos nao derrogam á obra redentora de Cristo, pois os merecimentos apresentados nao sao mais do que o prolongamento e os frutos dos méritos do Salvador. No séc. XV, quando a piedade dos fiéis se tornava mais e mais exuberante, a praxe das indulgencias gozava de grande es
tima; urna das obras mais freqüentemente indulgenciadas era a esmola. Em conseqüéncia, acontecía que o anuncio de esmo-
las indulgenciadas, tal como era feito por certos pregadores, tomava vulto extraordinario, ficando sujeito a desvirtuamento; — 50 —
O «CEM POR UM» DO EVANGELHO
visando mover o povo, usavam de oratoria que podia ser mal entendida; além disto, a autoridade civil tinha seus interésses
na distribuicáo das esmolas indulgenciadas, requisitando urna parte das mesmas para o erario público. Daí os abusos que se
tornaram famosos e concorreram para dar ocasiáo (mais do que motivo real) ao cisma de Lutero. A reagáo contra ésses males partiu do íntimo mesmo da Igreja. Em 1569, o Papa S. Pió V cancelou todas as esmolas indulgenciadas e proferiu a excomunháo sobre os que tentassem comerciar com as indulgencias, pena esta que o Direito Canó nico hoje vigente renovou (cf. can. 2327). Nao há dúvida, porém, de que os desvios verificados no fim da Idade Media nao afetam a doutrina das indulgencias como tal; esta por si é
apta a estimular os fiéis a obras boas; os documentos oficiáis da Santa Igreja (bulas dos Papas, decretos das Congregagóes Romanas) sempre a propuseram em termos puros e ortodoxos, tendo-se os abusos registrado no procedimento déstes ou daqueles eclesiásticos em particular. Em 1669 o Pontífice Clemente IX criou a Congregacáo das Indulgencias e Reliquias, encarregada de conceder indulgen cias e controlar o seu uso; supressa essa Congregacáo, é hoje a Sagrada Penitenciaria que zela por tudo que diz respeito as indulgencias (cf. Código de Direito Canónico, can. 258 § 2). III.
SAGRADA ESCRITURA
JUÁREZ (Rio do Janeiro) :
3) «Como interpretar o cem por um da Escritura, prome tido aos que deixam tudo para seguir a Cristo? Significa bens materiais, casas ¡numeras, assisténcia religiosa na hora da morte, maior número,de grasas ou dons referentes á vida, futura?» «Todo aquéle que deixar casa, irmáos, irmás, máe, pai, filhos, cam
pos, por causa de Mim e do Evangelho, receberá ao céntuplo, desde já no mundo presente, casas, irmaos, irmás, máes, filhos, campos — com perseguicóes — e, no mundo futuro, a vida eterna» (Me 10,29s).
Estas palavras tém dado margem a interpretagóes varia
das, que passamos a analisar brevemente :
a) houve quem as entendesse em sentido material e grosseiro, como o Imperador Juliano o Apóstata (t 363), que escar
necía os cristáos perguntando-lhes se esperavam ter cem es posas.
— 51 —
-PERGUNTE E
RESPONDEREMOS»
2/1958.
qu.
3
b) Outros preferiram interpretá-las como o anuncio de um reino milenario, visível, de Cristo sobre a térra, anterior ao juízo universal; nesse período, caracterizado por bonanga, os discípulos do Senhor receberiam materialmente o céntuplo
prometido.
c)
Outros comentadores tomaram as palavras de Jesús em
sentido alegórico. Dizia, por exemplo, Sao Jerónimo (f 420), ao qual fazem eco varios escritores antigos : «Qui carnalia pro Salvatore dimiserit, spiritualia recipit. — Quem, por amor do Salvador, abandona o que ó carnal, recebe o que ó espiritual» (ed. Migue lal., t. 2(5,139). Por conseguinte, os justos, em troca da fraternidade com seus familiares, receberiam a fraternidade com Deus; em lugar de seus campos, receberiam o paraíso, etc* Nos nossos tempos prevalece, a justo título, a interpretagáo espiritual. Os exegetas modernos, porém, abrandam o extremo alegorismo de Sao Jerónimo, embora nao concordem plena mente entre si sobre o significado positivo dos dizeres de Cristo. d) O famoso Pe. Lagrange julga que o céntuplo se deve entender nao no plano da quantidade, mas no dos valores (S. Marc 277), a saber: o cristáo, seguindo a Cristo, entra numa familia nova, vinculada pelos lagos da caridade sobrenatural; os fiéis podem, com efeito, chamar-se iraiaos uns aos outros, pois, pola Kraca santificante, participam todos da natureza divina (cf. 2 Pdr 1/1). Süo também lillios ospiriluais dos Apostólos, que os geraram no Cristo Jesús (cf. Gal 4,19; 1 Cor 15,58; 2 Cor 6,11-13). Te.nha-se em vista igualmente o caso de Sao Paulo, que saudava como máe sua a máe de Rufo (cf. Rom
16,13), sem dúvida por causa da notável caridade dessa matro na. É de notar outrossim que, ao receber o batismo, os cristáos de Jerusalém passavam a viver em comunháo de bens, nao só
espirituais, mas "também materiais (cf. At 2,44; 4,32); de entáo
por diante, usufruiriam da liberalidade de seus irmáos perten-
centes a comunidades mais abastadas do estrangeiro (cf. At 11, 29s; 16,16; Gal 2,10; 2 Cor 8,1-9,15). O Pe. Huby nota que o quadro de vida da Igreja nascente (com a sua comunháo de bens materiais) nao se reproduz como
tal nos tempos modernos; julga, porém, que algo de equivalente se dá até os nossos dias : «As circunstancias mudaram, mas a
palavra de Cristo continua
a se verificar cm sentido aínda mais grandioso. Aqueles que tudo abandonam para O seguir, estáo seguros de receber, em troca dos
bens naturais que se contam e se pesam,' os valores incomensuráveis proporcionados pela caridade» (S. Maro 235).
— 52 —
O
«CEM
POR
ÜM> DO EVANGELHO
A sentenga de Huby, na verdade, combina a interpretado literal e a alegórica; em última análise, ela identifica a promessa do céntuplo com a promessa, também feita por Jesús, de que a Providencia do Pai nao abandonaría aqueles que se Lhe entregassem (cf. Le 12,22-31); a sólicitude da Providencia, que abrange todos os homens, se exerceria de modo particular em favor dos que tudo deixam para seguir a Cristo. e) Por muito sugestiva que seja esta interpretagáo, parece merecer preferencia a seguinte, devida ao Pe. Lebreton : Jesús pode dizer que o justo recebe o céntuplo neste mundo, porque, na verdade, a renuncia aos be.ns terrestres nos torna senhores
dos mesmos; liberta-nos de qualquer apego escravizador e dá-nos a intuigáo do seu verdadeiro significado, fazendo-nos ver nessas criaturas materiais o seu valor auténtico : sao sinais da presenca e da acáo de Deus. Sao Paulo, pobre de bens visiveis, deu enfática expressáo a tal verdade, afirmando que ele «nada tinha, mas paradoxalmente tudo possuia» (cf. 2 Cor 6,10). Com
efeito, observa-se que os discípulos de Cristo, no decorrer dos séculos, quanto mais renunciaram, tanto mais ganharam as cendencia e dominio sobre o mundo que os cercava; tal foi o caso de Sao Bento, de Sao Francisco de Assis, dos grandes as cetas do deserto, aos quais a natureza, os animáis, as plantas,
até mesmo ás epidemias e calamidades, obedeciam; consegui-
ram, sem inlcnyüo preconcebida, poder tal sobre a natureza qual nunca obtiveram os que acumulam riquezas e prestigio terrestres.
É certamente e sempre neste sentido muito fino e pro fundo que se cumpre a promessa de Cristo consignada em Me
10,29s («ao céntuplo, desde já, no mundo presente»). Em cer-
tos casos, porém, nao se negará que a Providencia recompensa também num sentido um pouco mais material (como o propóe Lagrange ou Huby) aqueles que tudo abandonam por amor de
Cristo.
Por fim, o cristáo nao deixará de levar em conta a pro messa de perseguigóes que Jesús justapóe as demais, na frase de Me 10,30. Éste trago dá a ver que o Senhor nao entendía colocar diretamente ante os olhos de seus discípulos bem-estar e fartura; isto seria totalmente contrario ao espirito de Cristo, que ensina: «O servo nao é maior do que o seu senhor; se perseguiram a mim, também a vos perseguiráo» (Jo 15,20). Será, sem dúvida, com a cruz e por meio da cruz que o cristáo receberá o céntuplo. — 53 —
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DEODATO (Sao Paulo) :
4) «Como se explicam as palavras da consagracáo eucarística : '.. .sangue, que será derramado por vos e por muitos'? Jesús nao morreu por todos?» A expressáo «por muitos» na fórmula da consagracáo eucarística se deriva de Me 14,24; «Éste é o meu sangue, o sangue da Alianga derramado por muitos» (cf. Mt 26,28). Por sua vez, as palavras de Jesús na última ceia fazem eco a urna afirmagáo anterior de Cristo : «O Filho do Homem nao veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos» (Me 10,45; cf. Mt 20,28).
Ora .tiestas passagens, principalmente na segunda, o Senhor parece reproduzir um texto de Isaías, em que Javé declara : «Quando meu servo tiver oferecido sua vida em resgate, verá urna posteridade... Por seus sofrimentos meu servo justifi cará a muitos. Por isto Eu lhe darei multidóes em partilha» (Is 53,10-12).
A palavra hebraica rabbim, ocorrente nesta passagem do
Antigo Testamento, indica nao simplesmente um grande nú
mero de homens, mas a massa, que é também a totalidade dos homens. O profeta e, por conseguinte, também Jesús entendem realgar o contraste entre um, que será sacrificado, e o grande número, a massa ou lambóm os otitros, que seráo resba
lados. Por isto aluuns comen)ndoivs modernos do Mt o Me-
traduzem o texto evangélico por «derramado em favor dos ou-
tros», nao «...de muitos». Esta interpretagáo é confirmada pelo texto de Sao Paulo, Rom 5, 12.15-19; o Apostólo, referin-
do-se ao fato de que por um só homem, Adáo, a coletividade do género humano foi constituida pecadora e por um só homem, Cristo, foi justificada, emprega como equivalentes um ao outro os termos hoi pollói (o grande número) e pántes (todos). Tal modo de falar tem significado positivo e enfático : inculca que a totalidade dos homens se compóe nao de poucos individuos,
mas de muitos; de modo nenhum quer dizer que alguém esteja esteja excluido do número dos remidos.
Ainda em confirmacáo de quanto está ácima dito, devem-se citar os manuscritos recém-descobertos no deserto de Judá (Pa lestina) ; nestes documentos, de extraordinaria importancia para
a exe^ese do Novo Testamento, a expressáo ha-rabbim signi fica a assembléia geral, nao um grupo restrito (cf. J. T. Milik, Dix ans de découvertes dans le désert de Juda. Paris 1957, 65s). — 54 —
OS QUATRO REINOS DO PROFETA DANIEL
IVANILDO (Campiñas) :
5) «Qual seria a explicacao das seguintes passagens de Daniel: 7,7-8 e 7,23-25? A que reinos se referem? Ouvi dizer que o quarto animal é a Igreja Católica e os dez chifres sao os povos bárbaros».
Eis os textos cujo sentido nos propomos averiguar : Dan 7,7 «Depois disto, eu continuava olhando ñas visóes da noite, e eis aquí o quarto animal, terrível e espantoso, e muito forte, o qual tinha dentcs grandes de ferro; ele devorava e fazia em pedamos, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animáis que
aparcceram antes déle, e tinha dez ponías (ou chifles).
8 Estando eu considerando as pontas (ou chifres), eis que entre elas subiu outra ponta (ou chifre) pequeña, diante da qual tres das pontas primeiras foram arrancadas; e eis que nesta ponta havia olhos,
como olhos de homem, e urna boca que falava grandiosamente. .. .23 Disse assim (o anjo): 'O quarto animal será o quarto reino na térra, o qual será diferente de todos os reinos; e devorará toda a térra, e a pisará aos pés, e a fará em pedacos. 24 E, quanto as dez pontas, daquele mesmo reino se levantaráo dez reis; e depois déles se levantará outro, o qual será diferente dos primeiros, e abaterá a tres reis. 25 E proferirá palavras contra o Altissimo, e destruirá os santos do Altissimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e éles seráo entregues na sua máo por um tempo, e tempos, e metade de um tempo'» (tradugáo de Ferreira de Almeida).
Urna regra básica de exegese manda que se procure a interpretacáo de um texto no respectivo contexto ou ñas páginas es critas polo mesmo autor; ó preciso averiguar a menlalidade, as regras de estilo e o vocabulario do escritor para que se perceba o que ele quería dizer e nao se lhe atribuam teses estranhas. Ora é assaz evidente que a visáo dos quatro animáis, aos quais se sucede o reino messiánico, em Dan 7 é paralela á visáo da estatua confeccionada de quatro metáis, que também cede ao reino messiánico, em Dan 2: a estrutura e a conclusáo das passagens sao as mesmas; Dan 7, por conseguinte, deverá ser ilustrado por Dan 2. Numa primeira aproximagáo, deve-se dizer que, no estilo profético e apocalíptico, animáis (reais ou fantásticos) muitas vézes designam nagóes; cf. Is 27,1; 51,9; Ez 29, 3; 32, 2 (veja-se também SI 67,31; 74,13). É o que se verifica no livro de Da niel : éste autor quer designar os quatro grandes reinos que sucessivamente entraram em relacóes com o povo de Israel antes da vinda do Messias.
O primeiro animal (leáo com asas de águia) simboliza o reino neo-babilónico (625-539 a.C), cujo principal monarca foi
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Nabucodonosor (604-526); com efefto, no c. 2 a cabega de ouro
da estatua é explícitamente identificada com Nabucodonosor e seu reino (cf. 2,37s). Dizendo que o leáo perdeu as asas e recebeu um coragáo de homem (cf. 7,4), o autor sagrado quería talvez aludir a. cena do c.4 : o monarca se tornou mais humano após reconhecer o verdadeiro Deus.
O segundo animal (urso que se erguía sobre um dos seus lados apenas e tinha na boca tres costelas) significa o reino dos
medos, que, conforme as perspectivas de Daniel (cf. 6,1), se sucedeu ao dos babilonios. Corresponde ao peito e aos bracos de prala da estatua vn\ Dan 2,32.39. Esta inti>rnreln<;áo ó confir mada por Dan 8,20. O reino dos medos, sendo mais fraco que o de Nabucodonosor (cf. 2,39), é apresentado em estado de dese quilibrio (erguido sobre um dos seus lados apenas).
O terceiro animal (leopardo com quatro asas e quatro cabegas) representa o reino dos persas (538-333 a.C.); corresponde ao ventre e as coxas de cobre da estatua, em 2,32.39. Também em Dan 8,20 se obtém a confirmagáo desta exegese. As qua tro asas simbolizam os quatro cantos do mundo aos quais se estendeu o dominio persa; os quatro chifres sao quatro reis da
Pérsia, os únicos (dentre nove) que o autor sagrado parecía conhecer (Ciro, Cambises, Darío I e Xerxes I; cf. 11,2). A quarta fera finalmente nao se assemelha a algum dos animáis da térra : tinha dez chifres, entre os quais surgiu repen tinamente outro pequeño chifre, que arrancou tres dos anterio
res. É, de acordó com Dan 2,40; 8,5.21; 11,3, o símbolo do imperio macedónio de Alexandre Magno (336-323 a.C.). Os dez chifres sao os tres generáis e os sete reis que se sucederam a Alexandre no govérno da Siria; a estes seguiu-se Antioco IV Epifanes (175-163), o pequeño chifre, que só obteve prestigio
depois de haver eliminado alguns de seus rivais (designados
pelos tres chifres arrancados, em 7,8).
Antioco IV é o perseguidor do povo judaico que provocou
a heroica resistencia dos Macabeus. Os tragos com que é des crito em 7,7s e 7,23-25 coincidem com os que o caracterizan! em 8,9-14. 23-25; 11,21-45; estes trechos posteriores ajudam a compreender o c. 7. Vé-se que Antioco Epifanes era tido como figura do Anticristo; Sao Paulo mesmo, em 2 Tes 2, 3-10, descreve o Anticristo aludindo aos dizeres de Daniel. Conforme Dan 7,25, o perseguidor sirio (o pequeño chifre) procurou mu
dar os tempos e a lei, porque quis proibir aos judeus a observan cia do calendario sagrado (cf. 1 Mac l,41s.43-52); oprimiu o povo eleito durante «um lempo, tempos e meio-tempo», isto é, — 56 —
EDUCACAO
SEXUAL
durante tres anos e meio (desde a missáo de Apolónio em Jerusalém no mes de junho de 168 até a nova dedicacáo do Templo em dezembro de 165); cf. Dan 4,13; 8,14; 9,27; 12,7. O número «tres e meio», metade de «sete» (que é o símbolo da perfeigáo, segundo a mentalidade antiga), designa na Escritura a calamidade, calamidade, porém, que nao chega a devastar tudo, pois é oportunamente detida por Deus. Justamente durante a perseguicáo de Antíoco Epifanes (entre 168 e 165) parece ter sido redigido o c. 7 do livro de Da niel. O hagiógrafo visava corroborar o ánimo dos judeus opri midos, fazcndo-lhes ver como a historia, desdo os lompos de Nabucodonosor, so desenrolava sob as disposigóes da Providen cia Divina. Curta e frustrada, queria ele dizer, seria a perseguigáo movida por Antíoco (era caracterizada pelo número 3,5); a ela se seguiría o reino messiánico, o reino do Filho do Homem e dos santos, cuja instauracáo é solenemente descrita em 7,9-14;
tal reino seria eterno, jamáis sujeito á destruigáo. Que se avivasse, pois, a esperanca dos leitores judeus, acabrunhados pela luta religiosa!
Como se vé, ao redigir o c. 7 de Daniel, o hagiógrafo, por volta de 165 a. C, tinha em vista a historia pretérita e as cir cunstancias em que se achava o povo de Israel; era a tais ele mentos que ele queria aludir mediante os seus símbolos, parti cularmente mediante a figura dos quatro animáis poderosos Se ria erróneo, portanto, procurar a interpretado do quarto ani mal na historia posterior ou na época do Cristianismo; neste caso
quebrar-se-ia a linha de pensamento do hagiógrafo; o livro de Daniel perdería sua estrutura e deixaria de significar algo para os seus leitores. Quando o hagiógrafo alude ao futuro (o que se dá depois de haver introduzido as quatro feras), descreve-o
com todo o otimismo : é a viuda do Filho do Homem e a obra
déste, a Igreja, que ele propóe como farol de esperanga aos seus
leitores; de modo nenhum visa incriminar o advento de Cristo no limiar da era crista nem a Igreja em que Jesús vive e reina através dos séculos.
Percebe-se assim, após urna reflexáo serena, quáo desca bido é identificar o quarto animal de Dan 7 com a Igreja Cató lica.
IV.
MORAL
PEDRO J. (Rio de Janeiro):
6) «Se pessoas autorizadas afirmam que indispensável é a educagáo sexual, porque c que otitras aínda a proibem c condenam?»
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Há quem diga que a excitagáo febril e a depravagáo moral da juventude moderna provém de insuficiencia de ensinamento referente á questáo sexual. Em conseqüéncia, propugnam um tipo de educagáo sexual que, sem observar limites, desvenda ao
discípulo tudo que concerne ao assunto, nao levando em conta
idade, temperamento, reagóes do adolescente, etc.
Esta tese moderna, por muito capciosa que seja á primeira vista, na prática mostra-se extremamente nociva. A Moral crista nao desaprova a educagáo sexual; chega a recomendá-la a fim de se contrabalangarem ou impedirem in fluencias daninhas sobre o adolescente. Requer, poróm, seja feita dentro de certas cláusulas :
1) toca aos pais, tutores ou mestres honestos falar aos jovens sobre a vida sexual; fagam-no antes que colegas, empregados ou estranhos o empreendam. Distingam, porém, entre edu cagáo e iniciacJLo sexual: ao passo que a iniciagáo visa apenas a fisiología, a educagáo se dirige ao homem todo (incutindo a dis ciplina das paixóes e a formagáo da vontade).
2) A educagáo sexual nao deve ser feita em público, á guisa de aula na escola, e de maneira igual para todos os ouvintes. Ao contrario, será levada a efeito em caráter particular, e graduada de acordó com as necessidades e a receptividade de cada jovem de per si, a fim de nao se despertarem prematura mente a atcngfio e o instinto sexuais — o quo criaría proble
mas serios tanto de ordem psíquica como de ordem fisiológica. Na escola, o mestre se limitará a afirmagóes gerais de biología e a ética ou formagáo do caráter para a vida sexual. 3)
Ao mesmo tempo que se vai desvendando ao jovem o
que concerne á fisiología, é indispensável procurar educar a sua vontade, dando-lhe sadia concepeáo geral da vida e mostrando-lhe a fhralidade das tendencias espontáneas do homem.
Assim o educador fornece ao adolescente os meios de dominar (sustentado, sim, pela graga de Deus) os movimentos que a ini ciagáo fisiológica néle pode desencadear.
É a negligencia na formagáo do caráter que constituí urna das grandes Iacunas dos métodos modernos de educagáo sexual. Apenas consideram o aspecto material, fisiológico, do problema; e se dirigem táo sómente á inteligencia, descuidando-se de pre parar e enriquecer a vontade. Tal proceder nao pode deixar de acarretar desequilibrios no funcionamento psico-físico do ado
lescente. É preciso, pois, que o educador sexual fornega outrossim urna educagáo geral sadia : seja um pedagogo completo, capaz de se servir de todos os recursos da pedagogía a fim de
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EDUCACAO
SEXUAL
garantir a preservagáo sexual; em caso contrario ele dá á sociedade uns gozadores mórbidos, viciados, nao os construtores
do mundo de amanhá. Diz-se com razáo que as atitudes sexuais de um adolescente vém a ser o produto e a pedra de toque de sua educagáo geral.
A razáo de ser das restricóes ácima, ditadas pela Moral crista, nao é de modo nenhum a falsa crenca de que os atos da sexualidade sejam por si pecaminosos ou de que o primeiro
pecado (a culpa de Adáo e Eva no paraíso) tenha sido pecado sexual. Sao exclusivamente inspiradas pela consciéncia de que a desmedida reflexáo sobre a fisiología humana e, em parti cular, sobre a fisiología do sexo ó, tanto do ponto do vista fí sico como do ponto de vista moral, nociva ao individuo; assim como a excessiva análise do funcionamento do coragáo ou do aparelho digestivo pode perturbar gravemente o funcionamento do organismo, assim também a consideracáo indiscreta da se
xualidade e de seus movimentos profundos é capaz de produzir desajústamenos. A natureza quer ser respeitada; quer que
suas funcóes decisivas fiquem até certo ponto recobertas^ pelo véu do inconsciente (é nesse inconsciente, alias, que está im portante fator de auto-defesa da natureza).
O Santo Padre o Papa Pió XII, repetindo normas de seus
antecessores, lembrou mais de urna vez ao mundo a necessidade de recato no tocante a educagáo sexual:
día um toiTotln no qual a oilueacfio íla opiniao pública, a sua rotiíiciicáo, se impóem com urgencia trágica... Queremos íalar aqui de escritos, livros e artigos acerca da ini-
ciacáo sexual, os quais muitas vézes obtém hoje enormes éxitos de livraria e inundam o mundo inteiro, invadindo a infancia, submergmdo
a gcracáo que sobe para a vida, perturbando noivos e jovcns casáis. Essa literatura... parece nao levar em conta a experiencia
geraide ontem, hoie e sempre, a qual, fundada na natureza, atesta que na educacao moral, nem a iniciagáo nem a instrucáo apresentam de si qualquer vantagem e que pelo contrario sao gravemente malsas e prejudiciais., se nao váo fortemente unidas a urna constante disci plina a vigoroso dominio de si mesmo e sobretudo ao uso das torcas sobrenatural da oragáo e dos sacramentos» (Discurso aos País de íamilia franceses, proferido aos 16 de setembro de 1951; transcrito da «Revista Eclesiástica Brasileira» XI [1951] 965s). «Referimo-nos á iniciacáo sexual completa, que nada quer ocul tar nem deixar na escuridüo. Nao há nisso urna excessiva e perni ciosa estima do saber? Existe também urna educacao sexual eficaz, que com toda a seguranca ensina na calma e objetividade o que o jovem deve saber para se guiar a si mesmo e tratar com o seu meio.
De resto, há de se insistir, na educacao sexual, como alias em toda a educacao, sobre o dominio de si mesmo e a formacáo religiosa» (Dis curso aos Psicoterapeutas, proferido aos 13 de abril de 1953; transcrito da «Revista Eclesiástica Brasileira» XIII [1953] 484).
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SILVIO (Rio de Janeiro) :
7) «A consciéncia moral é uní produto artificial da educacao; nada tem de perene. Basta lembrar o que se dá com enancas que crescem entre animáis selvagens». Primeiramente vejamos o que se entende por consciéncia moral. Esta expressáo designa o ditame que espontáneamente se
afirma ao homem, indicando-lhe normas para o consecugáo do seu Finí Supremo ou da perfrie.no de sua personalidade (perso-
nalidadc que tem por característica a sede do conhecer a Verdade e amar o Bem); ésse mesmo ditame que antecede os atos do individuo, faz ouvir o seu juízo, de aprovagáo ou condenagáo, após cada um déstes.
1. Pergunta-se agora, diante de recentes descobertas da medicina e da sociología, se a consciéncia moral nao é produto de preconceitos e convengóes. A Psicología, tanto racional como empírica, responde que nao. Em toda criatura humana existe um imperativo muito simples, anterior a qualquer deliberagáo : «Faze o bem, evita o mal»; a conduta dos homens de todas as épocas e regióes pressupóe a consciéncia dessa norma, que vem a ser a conscién cia da moralidade ou a consciéncia moral. Percebendo tal nor ma, o homt;m percebe que sua natureza tem um Autor, o qual a dolou de tal faculdude reguladora, Autor
(Deus)
que, me
diante ésse mesmo ditame interno, o está continuamente a cha mar para voltar ao Principio do qual procedeu. O preceito básico «Faze o bem, evita o mal» em cada individuo se explí cita em prescrigóes mais minuciosas, aplicadas á realidade coti diana. Por exemplo, o homem perceberá que «fazer o bem»
implica «cultuar devidamente a Deus, honrar pai e máe, respeitar a fama e á dignidade do próximo, etc.»;. . . «evitar o mal» quer dizer «nao malar, nao roubar, nao abusar dos prazeres, etc.».
A explicitagáo da norma fundamental admite graus diver sos. Há, sim, urna consciéncia simples, primitiva, como a da crianga, a dos selvagens, a dos justos do Antigo Testamento, que nao véem (ou nao viam) plenamente o alcance de seus atos
e, por isto, nao percebem (ou percebiam) o mal moral néles
contido; tais individuos, embora dotados de boa fé subjetiva, nos
podem parecer laxos na sua maneira de se trajar, de julgar a mentira, a poligamia, etc.; Deus só os julga na medida em que
tém consciéncia do dever, ou na medida em que o ditame inte— 60 —
CONSCISNCIA.
MERO
PRODUTO DO AMBIENTE?
rior Ihes fala. Há também a consciéncia plenamente desenvol vida, que é a do cristáo bem formado; éste percebe que «praticar o bem» significa nao apenas «pagar o bem com o bem», mas também «pagar o mal com o bem» e «fazer ao próximo
tudo aquilo que quiséramos fósse feito a nos mesmos» (cf. Mt 5,44s; 7,12). Há, além disto, consciéncias cauterizadas, ou seja, consciéncias cuja voz nao se faz ouvir (ao menos em tal ou tal ponto particular), porque inveterados hábitos maus do individuo ou da sociedade as sufocaram; véem-se, em tais casos, homens cometer graves aberragóes com aparéncia tranquila, nao porque nao tenham nogáo de moralidadc, mas porque se habituaram a resistir aos protestos da mesma.
Embora o desenvolvimento da consciéncia moral varié de individuo a individuo, ele se processa segundo a mesma diregáo
em todos os homens e em todas as épocas. Em outros termos : a consciéncia é imutável, como imutável é a natureza humana;
por conseguinte, matar, roubar, abusar dos prazeres e os demais atos vedados espontáneamente pela consciéncia, assim como nos «velhos tempos» eram abomináveis, sao também na época mo
derna agóes indignas do homem. As normas capitais da Ética, portanto, nao estáo sujeitas a mudancas «existencialistas», isto
é, a derrogagóes ditadas pela situagáo contingente em que se
ache o individuo. Váo c destarte o «existencialismo ético», que,
negando valores perenes, adota como único criterio da morali dadc a conseciis'áo do bem-estar que o individuo julga dever al
canzar na situacáo em que se encontré. A inuilabihdade da
consciéncia se deriva do fato de nao ser ela senáo um reflexo da santidade de Deus; é o Deus Santo que, por meio da cons ciéncia, chama o homem a ser santo ou a imitá-Lo. Ora, assim como Deus nao sofre alteragáo (por ser a propna e infinita Perfeigáo), assim também sua voz espontánea em nos nao
conhece mudanca (ao contrario, podem ser alteradas pelo próprio Deus as leis divinas positivas, isto é, as leis que o Criador nao exprime diretamente pela natureza humana).
Na explicitagáo da consciéncia humana tres falóres decisi
vamente combinam entre si a sua agáo; tais sao :
1) o desenvolvimento de certos órgáos do corpo, entre os quais tem importancia máxima o cerebro (sede da fantasía, do senso comum);
2)
órgáos;
3)
os hormónios, que ativam o funcionamento de tais a educagáo, ou seja, a devida intervengáo dos adultos
no desabrochar das faculdades latentes da manca. — 61 —
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A influencia dos elementos 1) e 2) se deve ao fato de que a personalidade humana nao reside apenas na alma ou .na parte espiritual do homem; ao contrario, éste é essencialmente um composto de alma e corpo, de tal sorte que só pode atingir a sua perfeicáo mediante a colaboracáo harmoniosa dos dois componentes; por conseguinte, se o corpo nao fornece a sua contribuigáo (em virtude de lesáo cerebral, por exemplo, ou de deficiente metabolismo), a alma nao pode expandir as perfeigóes que o Criador lhe deu. — A necessidade de educagáo se deriva também da natureza humana, que é social, incapaz de atingir isoladamente a sua eonsumagáo em qualquer setor que
seja (económico, científico, técnico e também moral). As falhas de um ou mais dos elementos ácima produzem as taras e os individuos tarados. 2. É á luz destas verdades que se deve considerar o caso das chamadas «criangas selvagens».
O Professor Zingg, da Universidade de Denver (U.S.A.), em 1940 publicou a descrigáo de vinte e cinco casos de criangas que, adotadas por animáis, cresceram ñas selvas, levando vida inteiramente selvagem. Gesell cansagrou recentemente um estudo as gémeas de Midnapor — Amala e Kamala —, as quais viveram entre lobos durante varios anos, sendo, a seguir, reco-
lhidas por um pastor hindú, que as observ.ou minuciosamente. Essas criangas, quando descobertas, caminhavam sobre as máos e os joclhos («a quatro patas») e com tanta rapidez que um homem adulto difícilmente as podía acompanhar;
iam á caga com os lobos, participando das peripecias déstes e dilacerando com os dentes os animáis captados, sem se servir das máos. Quando os homens mataram os lobos nos antros dos quais viviam as criangas, estas se defenderam com garras e
dentes, á semelhanga das feras. Nao falavam, mas apenas emitiam os gritos Jhabituais dos lobos, imitados á perfeigáo. Até o fim da vida, *as meninas preferiram a companhia das feras á dos homens; os lobos capturados nao se espantavam quando
se Ihes aproximava Kamala como se espantavam quando um
ser humano normal se Ihes chegava perto. Amala, a mais jovem, morreu em breve. Com dificuldades as duas criangas aprenderam a caminhar sobre os pés apenas e a pronunciar algumas frases simples de linguagem humana. Que dizer de tal fenómeno?
Zingg rejeitou peremptóriamente a hipótese segundo a qual as criangas selvagens seriam idiotas; Kamala, na educagáo que
recebeu posteriormente, compreendia sem demora o que déla se desejava, e deu provas de urna inteligencia prática ou técnica — 62 —
CONSCIfiNCIA,
MERO
PRODUTO DO
AMBIENTE?
assaz aguda. Embora o semblante das meninas fósse desti tuido das expressóes ou dos sinais habituáis da mímica humana, Kamala derramou uma lágrima quando morreu Amala, sua
companheira. Tais manifestagóes, embora sobrias, dáo a ver
que as mencionadas criangas possuiam em germen as faculdades características do ser humano (eram auténticas criaturas humanas); essas facuidades, porém, nunca haviam saído do seu estado latente ou virtual, por falta de educagáo; tendo vi vido num ambiente de feras, as quais falta totalmente a cons
ciéncia moral (ou seja, a apreciagáo do bem e do mal moral, assim como de um Legislador Supremo), as duas meninas nunca tiveram ocasiáo de despertar e exercer a sua consciéncia moral; esta, porém, existia nelas e transpareceu quando colocadas em
ambiente própriamente humano. Désse fenómeno, portante, concluir-se-á o seguinte: assim como nao é normal ao homem
engatinhar, assim também nao lhe é normal carecer de vida moral; contudo, assim como por carencia de educagáo ou por defeito do ambiente ele pode viver á semelhanga de uma fera (sem deixar de ter verdadeira natureza humana), assim tam bém pode viver sem mostrar consciéncia moral (embora a possua sempre latente). Tais casos, porém, sao anómalos (como os dos individuos tarados), e nao podem servir de padráo para se julgar o auténtico psiquismo humano.
Para corroborar a afirmagáo de que a consciéncia moral nao é mero artificio incutido ao homem pelo ambiente, deve-se
notar o fenómeno inverso ao das criangas selvagens : o prog~esso
moral da humanidade se deve, em grande parte, a individuos que experimentaram em seu íntimo o desejo imperioso de reagir
contra os costumes da sociedade que os cercava e tendía ao
conservativismo e a degenerescencia. A vida moral assim mostra
ser nao o efeito de pressáo sobre o homem, mas uma exigencia
do ser humano como tal, exigencia que se manifesta periódica mente nos surtos de individuos e grupos que procuram ultrapassar moralmente a si mesmos.
Convém notar outrossim que a consciéncia moral nao é, em última análise, senáo u'a manifestagáo do sentimento religioso;
sim, pela consciéncia o homem apreende a existencia de uma
lei e de um Legislador (Deus) aos quais ele está sujeito independentemente da sua vontade (é absurdo falar de u'a Mo ral leiga; a Moral só se pode basear em Deus). Ora o senti mento religioso, longe de ser um artificio de educagáo, é, antes,
um característico da natureza humana; como o comprovam as
mais recentes pesquisas etnológicas entre os indios da Térra do
Fogo, os pigmeus, os esquimos, etc., nao há povo que nao o
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«PERGUNTE
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qu. 8
possua, ao passo que nenhum animal irracional manifesta (nem mesmo em esbógo) o mínimo sentimento religioso. Isto é tanto mais significativo quanto se sabe que certas formas inferiores de religiosidade, como a superstigáo, a magia, muito conviriam ao animal desejoso de conjurar a sorte e conciliar-se as boas gracas désse «semi-deus» que é o homem. Vercors, no seu livro recente «Les animaux dénaturés», ao mesmo tempo que faz afirmagóes tendenciosas, insinúa ser o fetichismo (infelizmente, forma de religiáo aberrante) o criterio mais nítido que diferen cia a natureza do homem da do irracional. V.
HISTORIA DO
CRISTIANISMO
DELICADA (Ribeirao Preto) :
8) «Porque a riqueza do Vaticano? Se o Papa é o repre sentante de Cristo na térra, porque nao O segué cm sua pobreza, humildade e simplicidade ?»
A respeito da «riqueza do Vaticano» propagam-se ditos notoriamente exagerados. Procuremos perceber qual o seu fun damento e qual a razáo de ser do poder temporal do Papa, re presentante de Jesús Cristo sobre a térra.
Quem considera a historia, verifica que a soberanía terri torial dos Papas nao se deve a urna pretensa ambigáo dos Pontí fices, nem é o resultado de plano premeditado, mas constitui a afirmagáo espontánea da fé do povo cristio.
1.
A origcm da ascendencia temporal dos Papas se acha
nos primordios da historia da Igreja. Em 330 o Imperador Constantino transferiu a capital do Imperio Romano para Bizáncio no Oriente, o que representa
um verdadeiro desvio no curso da historia : Roma .no Ocidente ficou entregue a "administragáo de um conselho municipal, que
tinha o nome de Sonado, e de funcionarios cncarregados de
julgar as causas judiciárias e cobrar os impostos. Bizáncio
mais e mais se esquecia de Roma, descuidando-se do seu reabastecimento e da conservagáo de seus monumentos; as incur-
sóes dos bárbaros na península itálica tornavam as condigóes de vida da populagáo cada vez mais precarias e dolorosas. Eis, porém, que, em meio 'á anarquía, urna figura ia ganhando es
pontánea veneragáo : a do bispo de Roma, considerado pela populagáo crista como o pai comum, no qual todos depositavam
canfianga. Correspondendo a éste afeto filial, os Pontifices Romanos foram-se tornando os tutores do bem público nao sómente no plano espiritual, mas também no temporal e social : — 64 —
A «RIQUEZA» DO VATICANO
em 452, por exemplo, o Papa Sao Leáo Magno dirigiu-se ao en contró de Átila e do exército huno, que se aprestavam para de vastar Roma e a Italia meridional, conseguindo deté-los em Mantua.
Nos séc. VI-VII acontecía nao raro que principes e nobres, ao entrar no mosteiro ou ao morrer, doavam seus bens ao Papa, em testemunho de piedade filial; foi-se assim formando o cha mado «Patrimonio de Sao Pedro» na península itálica e ñas ilhas adjacentes. Ésses latifundios, de extensáo cada vez maior, permitiam ao Pontificc Romano uma posicáo de certa indepen
dencia frente ao Imperador bizantino e colocavam sob a sua jurisdiejio, religiosa e civil, grande número de cidadáos, que trabalhavam nos territorios papáis ou déstes se beneficiavam.
Enquanto o Papa se tornava cada vez mais o amparo das po-
pulagdes infelizes do Ocidente, os Imperadores bizantinos e
seus exarcas (representantes estabelecidos em Ravena) se mos-
travam impotentes ou indiferentes diante das calamidades que as afetavam.
No séc. VIII os acontecimentos se precipitaram.
O Papado se viu premido entre duas potencias hostis : no
Oriente, os bizantinos favoreciam as heresias (a respeito de Cristo e do culto das imagens), os Imperadores subtraiam tér ras á jurisdigáo eclesiástica dos Papas; no norte da Italia, os lombardos, pagaos ou arianos (heréticos), ameacavam constan
temente saquear Roma e os territorios meridionais, constituin-
do um perigo nao sómente civil, mas também religioso. Nessas
circunstancias, os Pontífices Romanos se lembraram de recor rer ao auxilio de um dos novos povos do cenário europeu : os
francos, que, desde o batismo de seu reí Clóvis em 496, constituiam uma nacáo crista de crescente valor cultural; em 732,
seu mordomo, Carlos Martelo, tinha conjurado o perigo muculmano vencendo os árabes cm Poiüers. Os francos conser-
vavam fidelidade á reta fé e possuiam energías novas, enquanto Bizáncio já significava um mundo velho, vítima tanto das su tilezas de seu genio («bizantinismo» na arte, na filosofía, na teología ) como dos exércitos estrangeiros (principalmente dos persas); o verdadeiro esteio da cristandade já nao estava no Oriente (onde as sutis discussoes teológicas debilitavam a fé) mas no Ocidente, em particular no reino dos francos onde a fé era empreendedora. Porque entáo nao apelariam os Papas
para estes filhos da Santa Igreja, a fim de impor uma ordem de coisas crista aos povos cristáos?
— 65 —
«PERGUNTE
E RESPONDEREMOS»
2/1958,
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8
Foi o que Estéváo II resolveu fazer, dirigindo ao mordomo franco um pedido de auxilio diante das ameagas dos lombar dos. Pepino o Breve atendeu-o em 756, movido por amor á fé e aos interésses da Igreja : em duas expedicóes venceu os lombardos e confirmou o Papa na posse do Patrimonio de Sao Pedro. Estava assim fundado, por magnificencia da piedade crista (dos nobres da Italia e dos francos), o Estado Pontificio independente de Bizáncio. Em compensagáo, Pepino foi sagra do rei dos francos pelo Papa Estéváo II, e seu filho Carlos Magno recebeu do Pontífice Leáo III, em 800, a coroa de Imperador do Imperio Romano, restaurado no Ocidente corn o título de Imperio sacro ou cristiío. Ésses fatos tém sido calorosamente comentados pelos his toriadores. Pergunta-se se nao houve nisso tudo usurpagáo de direitos, jógo de interésses políticos dos Papas e dos francos. Após urna reflexáo serena, responder-se-á que nao. Os acontecimentos mencionados nao foram senáo a «oficializagáo» de urna situagáo que de fato já existia : o Papa já exercia as fungóes de soberano no Patrimonio de Sao Pedro, sem possuir o título respectivo; os mordomos francos, do seu lado, já go-
vernavam o reino (sob a dinastía dos reís merovioigios ditos «fainéants», indolentes), embora nao trouxcsscm as insignias de monarcas; Pepino o Breve e Estéváo II, Carlos Magno e Leáo III só fizeram tornar a situacáo definida e patente aos olhos do mundo. A restauragáo do Imperio Romano no Oci dente nao pode ser tida como violencia cometida contra Bizán cio, nem foi um gesto surpreendente e brusco, mas o remate orgánico de um processo histórico iniciado em 330 e lentamente amadurecido no decorrer de mais de quatrocentos anos (até 756, ou melhor, até 800).
2. O Estado Pontificio, fundado em 756, perdurou ininterruptamente até 1870, quando cedeu ao movimento de unificagáo da península itálica. Registraram-se, no decorrer désses muitos séculos, obras grandiosas, que a soberanía temporal dos Papas possibilitou; mas verificaram-se outrossim certos abusos, gestos de prepotencia política e de luxo mundano, prin cipalmente no período da Renascenga. A Santa Igreja, guiada pelo Espirito Santo, é a primeira a reconhecer e condenar tais desvíos; ela nao se identifica irrestritamente com nenhum de
seus membros, mas, na qualidade de Esposa de Cristo, trans-
cende a todos, até mesmo aos mais altamente colocados (pois cada um traz até certo ponto o lastro do pecado); também .nao se surpreende ao verificar os abusos de seus filhos; estáo bem na linha da parábola evangélica do joio e do trigo...
— 66 —
A «RIQUEZAS DO VATICANO
Etn 1870, tendo caído o poder temporal dos Papas, foram amplamente debatidas as vantagens e os inconvenientes da conservacáo do Estado Pontificio (tratava-se da «Questáo Ro mana»)- Apesar de toda a pressáo adversaria, Pió IX, Leáo XIH, Sao Pió X, Bento XV e Pió XI julgaram nao poder abrir máo dos seus antigos direitos; conscientemente, pois, tomaram essa posigáo. E qual o motivo que levava os Pontífices a proce der désse modo?
Pió XI o explicou com a máxima clareza por ocasiáo do tratado do Latráo ou da restauragáo do Estado Pontificio, aos 11 de fevereiro de 1929 : «Podemos dizer que nao há urna linha, urna exprcssáo do tra tado (do Latráo) que nao tenham sido, ao menos durante uns trinta meses, objeto particular de nossos estudos, de nossas meditag5es e, mais aínda, de nossas oracees, oracóes que pedimos outrossim a grande número de almas santas e mais amadas por Deus. Quanto a Nos, sabíamos de antemáo que nao conseguiríamos contentar a todos, coisa que geralmente nem o próprio Deus consegué...
... Alguns talvez achem exiguo demais o territorio temporal. Podemos responder, sem entrar em pormenores e precisóes pouco oportunas, que é realmente pouco, muito pouco; foi deliberadamente que pedimos o menos possivcl nessa materia, depois de ter refletido, meditado o orado bastante. E isso, por varios motivos, que; nos parccem válidos e serios. Antes do mais, quisemos mostrar que somos sempre o Pai que trata com seus íilhos; cm outros termos: quisemos manifestar nossa intencSo de nao tornar as coisas mais complicadas e, sim, mais sim ples e mais facéis.
Além disto, queríamos acalmar e dissipar toda especie de inquietagao; queríamos tornar totalmente injusta, absolutamente infundada, qualquor roeriminnefio levantada ou a sor levantada em nomo de... iríamos dizer: urna supersticfto de integridade territorial do país (Italia).
Em tercelro lugar, quisemos demonstrar de modo peremptorio que
especie nenhiuna de ambiguo terrestre Inspira o Vigário de Jesús Cristo, mas únicamente a consciéncia de que n&o é possível nao pedir, pois
urna cert» soberanía territorial é a condicáo umversalmente reconhecida como indispensável a todo auténtico poder de jurisdicao. Por conseguinte, um mínimo do territorio que baste para o exer-
cicio da jurisdigáo, o territorio sem o qual esta nao poderia subsis tir... Parece-nos, em suma, ver as coisas tais como elas se realizavam na pessoa de Sao Francisco : éste tinha apenas o corpo estritamente necessário para poder deter a alma unida a si. O mesmo se deu com outros santos: seu corpo estava reduzido ao estrito necessário
para servir á alma, para continuar a vida humana e, com a vida,
sua atividade benfazeja. Tomar-se-á claro a todos, esperamo-lo, que o Sumo Pontífice nao possui como territorio material senao o que lhe é indispensável para o exercício de um poder espiritual confiado a homens em proveito de homens. Nao hesitamos em dizer que Nos comprazemos
neste
estado
de
coisas;
comprazemo-Nos
por
ver
o
dominio material reduzido a limites táo restritos que... os homens
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tPERGUNTE
E
RESPONDEREMOS.)
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o devem considerar como que espiritualizado pela missáo espiritual ¡mensa, sublime e realmente divina que ele é destinado a sustentar e favorecer» (trecho da alocucao publicada pelo «Osservatore Romano» de 13 de íevereiro de 1929).
3.
As palavras ácima definem bem a mente da Igreja a
respeito do poder temporal, de que nao quis abrir máo durante os sessenta anos em que déle estéve despojada. Em última análise, vé-se que o Papa considera a sua soberanía territorial como o corpo Ímprescindivel ao exercício das atividades de urna alma ou como condiráo indispensávol para o cumplimento de sua missáo religiosa; assim como a alma noslo mundo nao age • normalmente sem corpo, assim a tárela espiritual da Igreja seria impedida, caso lhe faltasse tal suporte temporal. A comparacáo ilustra fielmente a verdade. Tenha-se em vista que a Igreja, por definicáo, exerce autoridade nao ape nas sobre os corpos e o comportamento exterior dos homens, mas também sobre o setor mais íntimo e importante dos indi viduos : sobre as almas; e exerce-a independentemente de fronteiras nacionais, abrangendo centenas de milhóes de fiéis do mundo inteiro : onde quer que esteja comprometido o espirito do homem, mesmo nos planos aparentemente mais indiferentes á religiáo, como o esporte, o cinema, a medicina, o comercio, a Igreja tem que estar ai presente, a fim de orientar a conduta das almas que assim entram em contato com o mundo material. T.il autorklado <'• roa I monto colossal. Em conseqüéncia, os filhos da Igreja e os homens que eompreendem o que essa au toridade significa, nao podem deixar de desejar que tanto poder nao sofra influencia de alguma fórca estranha, nao se torne jeguéte ñas máos de soberanos políticos, mais ou menos arbitrarios. Por isto, cedo ou tarde havia de aflorar á consciéncia dos cristáos a idéia de que o govérno e o Chefe Supremo da
Igreja devem ser independentes de qualquer soberano político nacional, devem enfim ser táo livres quanto qualquer govérno
déste mundo. Em caso contrario, estaría frustrada a sua missáo. Esta última conclusáo, a historia se encarregou de a comprovar. Com efeito, nao faltaram no decurso dos séculos tenta tivas das autoridades civis que visavam submeter o soberano
Pontífice á jurisdigáo do monarca de tal ou tal país (que ótimo jógo nao seria utilizar a autoridade moral dos Papas em favor de interésses nacionais!). Quando o conseguiram, a tarefa reli giosa da Igreja se viu enormemente prejudicada. Foi o que se deu, por exemplo, durante o chamado «Exilio de Avinháo» : de 1309 e 1376, os monarcas franceses obtiveram que os Papas residissem em Avinháo (Franca), onde, carecendo de soberanía — 68 —
A «RIQUEZA» DO VATICANO
temporal, ficaram sujeitos á influencia do govérno civil. Nesse período, os Pontífices foram perdendo parte da sua autoridade perante a opiniáo pública internacional; os cristáos de fé (o rei Carlos IV da Alemanha, o poeta Petrarca, Sta. Brígida, nobre viúva sueca, Sta. Catarina de Sena) se alarmavam, percebendo que, se a situacáo se prolongasse por muito tempo, o Papado deixaria de ter o prestigio sobrenatural e católico (uni versal) que deve ter. Basta recordar que o Pontífice Joáo XXII (1316-1334) entrou em confuto com o rei Luís IV da Baviera, animado de pretensóes cesaropapistas; excomungado pelo Papa, o monarca responden que Joño XXII servia aos interésses dos
Valois de Franca; por isto nao hcsilou cm criar um antipapa (Nicolau V), alegando que a Franga tinha «seu» Papa.
Tais idéias e fatos evidenciam quáo necessária á missáo religiosa da Igreja é a soberanía política (por muito limitada que seja) de que os Pontífices tém tradicionalmente usufruido e que ainda recentemente reivindicaram (diga-se mesmo sem te
mor de exagero : o interésse comum dos fiéis jamáis permitiría abrissem máo de tal direito).
4.
Mas que dizer do cerimonial de que o Papa se cerca?
Note-se logo que o fato de ser o Pontífice soberano de um pequeño territorio acarreta certo aparato em torno de sua pessoa. Tal cerimonial, porém, é concebido como homenagem de ferida nao a pessoa do Pontífice como tal, mas a autoridade que a pessoa representa. Aos olhos da fé, nao ha dúvida, o Chefe visível da Igreja significa algo de muito grande (é o Vigário de Jesús Cristo); quem o compreende, nao pode deixar
de querer exprimir essa consciéncia por gestos de aprégo. Muitas das demonstracóes de reverencia em uso na corte pontificia devem ter surgido do espontáneo afeto dos cristáos; os cató licos as entendem como profissáo de fé no Cristo e na Igreja. Por éste motivo mesmo, pode-se dizer que os Papas, nem a título
de humildade, tém o direito de se lhes furtar de todo. O próprio Jesús, que habitualmente nao tinha onde repousar a caoega (cf. Le 9,58), nao recusou as homenagens dos que O aclamavam quando entrou em Jerusalém, poucos dias antes de morrer:
permitiu que tecessem de vestes e ramos a via pela qual pas-
sava, montado em um jumentinho; permitiu que, com cantos nos
labios, os hebreus O aclamassem Rei e Filho de Davi, profes-
sando seu entusiasmo pelo Messias (cf. Mt 21,1-11).
O cerimonial de que foi alvo Jesús, como o cerimonial pon
tificio, nao impede simplicidade interior e desapego de espi rito. Se houve Papas que deram importancia pessoal e excessiva — 69 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958,
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a ésse aparato, constituem casos contingentes, que nao derrogam á legitimidade do principio geral. 5. Quanto 'ás propaladas «riquezas» do Vaticano, é pre ciso dizer que os rumores a seu respeito ultrapassam de muito a realidade.
A Cidade do Vaticano é, do ponto de vista territorial, a mínima do mundo. Quando após 1870 se discutía a «Questáo Romana», diziam muitos que, em caso de restauragáo da sobe ranía temporal, um Estado do tamanho da República de Sao Marinho (60,57 km2) seria suficiente para os Fontífices; ora o Estado Pontificio ressurgiu com 0,44 km- apenas — o que no século passado parecía incrível! Kssc Estado constituí a sim
ples carcassa de urna alma e tem por exclusiva fungáo possibilitar o exercício das atividades da respectiva alma ou da Igreja.
As obras de arte que se encontram no Vaticano, sao, em grande parte, a expressáo da fé de pintores e arquitetos cristáos,
que quiseram glorificar a Deus mediante o seu talento. Os Papas — alguns com prodigalidade talvez excessiva — os in-
centivaram, porque a Igreja só pode favorecer as artes que contribuam para a exaltagáo do Criador (veja-se a resposta
n° 9 déste fascículo).
Os objetos contidos nos Museus do Vaticano foram, em grande parte, doados aos Pontífices por cristáos sinceros (reis, cruzados, viajantos, exploradores, etc.), em testemunho de fé. Pertencem ao patrimonio do genero humano; os Papas nao
véem motivo para nao os conservar para o bem da cultura uni versal. O famoso telefone de ouro do Vaticano (se é que ainda
existe) foi doado por urna firma comercial.. . Nao há razáo, pois, para que o mundo se detenha cobigosamente sobre as apregoadas riquezas materiais do Vaticano. Volte, antes, a sua atengáo para os imensos tesouros espirituais que daquele recanto territorial emanam para o género humano. Queiram-no ou nao os homens, ó ainda do Vaticano
que se faz ouvir a palavra da Verdade e da Vida em meios ás teorías mórbidas e a confusáo ideológica de nossos tempos.
9) «Porque é que a Igreja no seu culto usa de metáis pre ciosos e vestes solenes? Será que ela precisa disto .para impressionar o povo?»
O mobiliario e o vestiario do culto sagrado nao visam hon rar os homens (nem os ministros do culto nem os fiéis) nem impressionar a massa, mas dirigem-se primariamente a Deus. — 70 —
A
«RIQUEZA»
DO
CULTO
CATÓLICO
O homem, rei da criagáo, foi incumbido pelo Criador de estabelecer ordem no mundo (cf. Gen 1,28); toca-lhe, portanto, o dever de fazer que as criaturas inferiores, inanimadas, concorram do seu modo para proclamar a grandeza de Deus; é esta a sua fungáo quando utilizadas na arquitetura, na pintura das igrejas ou na confeccáo de objetos atinentes á Liturgia sagrada. Se os templos católicos fóssem apenas lugares de reuniáo do povo fiel ou meras salas de oragáo e pregacáo, compreende-se que estivessem destituidos de todo ornamento. Na concepcáo
católica, porém, a igreja é, antes do mais, a Casa de Deus, onde o Senhor se torna de modo especial presente na Santa Eucaristía. K a consciéneia disto que sompro movcu o ainda niovc os fi'Jis a consagraren! ao decoro da Casa de Deus o que possuem de melhor, tanto do ponto de vista material como do ponto de vista estético ou artístico.
De resto, o próprio Deus no Antigo Testamento se dignou legislar minuciosa e carinhosamente sobre a arquitetura, o mo biliario e os utensilios da liturgia israelita. Se nao fósse a concepgáo de que a natureza inteira deve testemunhar a gran deza do Criador, nao se entendería urna passagem como a seguinte : «•Moisés disse a toda a assembléia dos filhos de Israel :
quo prescreveu o Senhor :
"Eis o
oferoeci dos vossos bons urna parle para
o Senhor. Que lodos os varóos generosos levem essa contribuicao voluntaria ao Senhor : ouro, prata, bronze, púrpura violeta c escar íalo, rarmozim. linho fino o polo (lo cabra, polos
perfumos para o crisma e incensó fino aromático, podras do cornalina c pedrarias para incrustar no eíode e no peitoral. Todos os mais habéis
artesáos dentre vos venham executar tudo que Javé prescreveu : a
Morada, sua tenda e sua cobertura,
suas argolas e seus quadros,
suas travessas, suas colunas, seus pedestais,... as vestes de aparato
para oficiar no santuario, as vestes sagradas destinadas ao sacerdote Aaráo e as que seus filhos revestiráo no exercicio do sacerdocio» (Éx 35, 4-11.19).
Veja-sc ainda o que se segué a esta passagem, om Kx 36-40. Muito mais rico de pedras e metáis preciosos era o Templo cons truido em Jerusalém por Salomáo, sob a mspiracáo do mesmo Senhor; cf. 3 Rs 5,11-8,66.
Tenha-se em vista outrossim Éx 31, 1-5 : «O Senhor falou a Moisés, dizendo : 'Eis quo chame! pelo nomo a Beselel... Enchi-o do Espirito de Deus, de sabedoria. de inteligencia e de ciencia para toda qualidade de obras, para inventar o que se pode íazer com ouro, prata, cobre, mármore, para talhar madeira e executar toda especie de obras'» i».
— 71 —
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
2/1958,
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No Novo Testamento, lé-se que Cristo nao recusou a libra de perfume muito precioso com que O ungiu Maria, irmá de Lázaro e Marta. A Judas, que se escandalizava pelo acontecimento, lembrando que o ungüento podia ter sido vendido em beneficio dos pobres, o Senhor respondeu que a mulher fizera ótima obra, pois honrara a sua Divina Pessoa enquanto isto lhe era facultado (cf. Jo 12,1-8; Mt 26,6-13). De resto, o Evange lista nota que Judas, aparentemente táo zeloso dos pobres e da caridade, era, na verdade, movido pela avareza e a cupidez, quando protestava contra o «desperdicio» de perfume (cf. Jo 12,6). A historia, por sua voz, atesta quo níio poucos daqueles que despojaram os templos e o culto sagrados em nomo da fi
lantropía, só o fizeram para servir a seus interésses pessoais; através dos sáculos foram muitas vézes os grandes, e nao os pequeninos, que se enriqueceram com os bens seqüestrados á Igreja. Ora nao merece atencáo o fato de que o primeiro a protestar contra o «esbanjamento de valores preciosos» no culto do Senhor foi um avarento e traidor?
Nao seria lícito, porém, ao cristáo esquecer os pobres sob o pretexto de atender <á dignidade da sagrada Liturgia. O erario eclesiástico é, na verdade, distribuido de modo a servir a Deus tanto no culto como na pessoa dos indigentes; a Igreja, ao lado de seus templos, tem suas obras de assisténcia social, assim como seus Religiosos e Religiosas que se dedicam ao servigo dos doeni.os, órlaos, andaos, ote. Em lempos de calamidades públicas, os bispos nao tém hesitado em vender utensilios do culto a fim de aliviar os males da sociedade.
Tal venda, porém, só é indicada em casos extraordinarios, pois ñas circunstancias habituáis da vida pública o despojamento das igrejas nao seria compensado por real alivio da mi seria comum : se se fundisse o metal precioso e se vendesse a pedraria dos utensilios de culto, para distribuir dinheiro aos pobres, nao há dúvida de que exigua seria a porcentagem dos beneficiados; os milhóes de almas de um povo quase nao experimentariam beneficio material, mas por certo sentiriam a
imensa lacuna espiritual acarretada por um culto destituido
de suas belas expressóes sensíveis. Note-se, alias, que o que
dá valor aos utensilios sagrados muitas vézes nao é a quantidade de material precioso que entra em sua composicao, mas,
sim, a finura estética e o gósto de suas linhas. Talvez se diga por fim : Jesús apregoou o culto «em espi rito e verdade» (cf. Jo 4, 23), parecendo com isto excluir todo o aparato sensível da Liturgia. — 72 —
ESPÓRTULAS OU COMERCIO?
A esta observacáo responder-se-á que Jesús com aquelas
palavras entende suscitar nos seus fiéis um culto vivido e ce lebrado primariamente no intimo da alma de cada um; sendo o homem composto de espirito e materia, é no seu espirito, na sua parte mais nobre, que ele tem, antes do mais, de glorifi car a Deus (nao necessáriamente em Jerusalém, nem no monte
Garizim, como pensavam respectivamente os judeus e os sa-
maritanos mencionados no contexto de Jo 4); se nao provém da inteligencia e do amor da alma sinceramente unida ao seu Senhor, vá é qualquer demanstracáo externa de culto. Urna vez,
poróm, que o cristáo no seu intimo reverencie a Deus, nao lhe
seria lícito furtar-se á exigencia de o manifestar por atos sen-
síveis; é a sua constituigáo natural, psico-somática, que lho impóe, fazendo que ele seja naturalmente levado as realidades invisíveis mediante as visíveis. Entende-se bem que, do seu lado, Deus, tendo-nos constituido em alma e corpo, queira que também esta sua criatura, o corpo humano, O glorifique na
medida do possível, ou seja, como expressáo de um espirito cheio de fé e amor.
10)
«Jesús disse : 'Recebestes gratuitamente; dai gratuita
mente' (Mt 10,8). Ora a praxe das espórtulas parece contradizer a éste preceito do Mestre».
A atual praxe das espórtulas tem seus precedentes, que nao poderiamos deixai1 de levar em conla.
1.
A Religiáo,
desde
que se afirmou em suas
formas
principáis na antigüidade, professou, como norma, que os fiéis devem
contribuir materialmente para a celebracáo
do culto
sagrado; sabe-se, por exemplo, que no Egito, em virtude das doagóes feitas pelos faraós e os ricos, os templos dos deuses eram possuidores de urna terca parte dos bens do país; em
Roma C'cero (De natura deorum 13 fim) se referia a semelhante costume de beneficiar o culto divino. Entre os romanos,
alias, estava em vigor o principio seguinte, enunciado pelo Direito público : os servigos prestados pelas profissóes liberáis
(medicina, advocacia, magisterio, etc.) nao podiam ser objeto de salario própriamente dito; mas quem os recebia era con vidado a reconhecer o beneficio ou munus, remunerando o benfeitor (o médico, o advogado, o mestre, etc.); a remuneracáo era feita pela entrega de um honos ou honorarium (testemunho da
honra devida ou de reverencia); éste a principio era espontá neo, depois tornou-se obrigatório (dever de justiea). Ora o culto religioso era pelos romanos aproximado das artes liberáis; — 73 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, qu. 10
merece atengáo, por exemplo, o fato de que Ulpiano (t 228 d.
C.) enumerava as artes liberáis entre as coisas sagradas (res religiosa*; cf. Dig. l.IV, tit. XIV, lex 1,4,5). 2.
No povo de Israel, a Revelagáo sancionou a praxe vi
gente entre as nagóes orientáis; introduziu-se a lei do dízimo obrigatório em favor do culto e dos indigentes (cf. Lev 27,30-33;
Núm 18,21-32; Dt 14,22-29); o costume estava em vigor ainda nos tempos de Jesús (cf. Mt 23, 2s). No Novo Testamento, Cristo corroborou o dever que in
cumbe nos Fiéis do susleniar o servieo religioso; lembrava, por exemplo, que «o operario moroco o sou salario»; por isto os
pregadores do Evangelho poderiam entrar ñas casas dos fiéis e comer o que Ibes fósse oferecido (cf. Le 10,7; Mt 10,10). Sao Paulo repetiu o mesmo principio em 1 Cor 9,13. Nos Atos dos Apostólos lé-se que os primeiros cristáos punham espontá neamente os seus haveres á disposicáo dos irmáos, possuindo tudo em comum (cf. At 4,32). Estes precedentes da religiáo natural e da Revelagáo so brenatural mostram suficientemente que o costume de se sus tentar o servieo religioso mediante contribuigóes dos fiéis é plenamente legítimo; dir-se-ia mesmo : obrigatório. 3. No Cristianismo variou através dos séculos o modo de observar tal norma. Nos primeiros lempos as ofertas geralmonlo nao oram laxadas ncm impostas por loi positiva da auloridade eclesiástica; os documcnlos, porém, dos séc. III-1V, ao mesmo tempo que as recomendavam, atestam a genorosidade dos fiéis. Aos poucos, os bispos e concilios, seguindo o exemplo da legislacáo do Antigo Testamento, resolveram estabelecer como quota obrigatória o dizimo ou a décima parte dos rendimentos
naturais dos fiéfs; no fim do séc. VI parece que tal lei já era vigente na Gália; tornou-se geral em todos os países cristáos. O poder civil, a partir do séc. VIII, na Franga corroborou a injungáo eclesiástica, a qual ficou em vigor entre os franceses até a Revolugáo de 1789; por esta ocasiáo foi oficialmente ab-rogada na maioria das nagóes católicas, permanecendo contudo em uso em algumas regióes. No decorrer dos tempos, implantara-se entre os cristáos outra praxe mediante a qual atendiam as necessidades do culto e das respectivas paróquias : nos primeiros séculos, os fiéis, por ocasiáo da Liturgia eucarística, levavam ao altar oferendas de dons naturais (pao, vinho, leite, mel, azeite, frutas...), dos quais urna parte de pao o vinho era destinada a ser consagrada na S. Missa, devendo o resto reverter em beneficio do culto, — 74 —
ESPÓRTULAS OU COMERCIO ?
do clero e dos irmáos pobres. Aconteceu, porém, que o rito de celebragáo da S. Missa, por razóes diversas, foi sendo simplifi cado; entre os meios de simplificado, estava certamente a substituigáó das dádivas naturais por dinheiro; sendo assim, já no séc. V levava-se ao altar dinheiro (junto com outras dádivas ou sem estas) por ocasiáo do ofertorio da Missa (é o que S. Agostinho atesta na epist. 22,1,6). Esta praxo, porém, nao se sustentou diante da necessidade de simplificar mais ainda a Liturgia eucarística; em canseqüéncia, o dinheiro, expressáo de urna entrega interior e do desejo do doador de participar mais intimamente dos frutos da Missa, comecjou a ser entre
gue ao sacerdote fora da Missa o fora da ¡groja, como hoje ainda se faz (sobre a possibilidade de se aplicarem os frutos da Missa em favor de urna intengáo especial, veja-se «P.R.» 3/1958, qu. 4). Já S. Beda, por volta de 679, narra que os fiéis, fora da Missa,
davam aos sacerdotes dinheiro para que celebrassem a S. Missa por
alguma intencao dos doadores (Historia Anglorum IV 22K No séc. XI,
o costume já estava muito propagado, pois até as criancas o praticavam; Sao Pedro Damiáo, por exemplo, quando crianca, encon-
trou u'a moeda que ele se apressou por levar a um sacerdote a fim de que oferecesse a S. Missa pelo repouso da alma de sou faloeido pai (Vita, ed. Migne lat. 144,117).
A Igreja no séc. XVI reconheceu definitivamente a legitimidade dessa. praxe que chamamos a «praxe das esportillas» (leita apenas a ressalvn de so so aceitar urna esmola por Missa),
c passou a fixar o valor das espórtulas de Missa, assim como as quotas correspondentes a outros atos do culto (batizados, casamentos, cnterros...). Compreende-se esta atitude da Igreja : o culto e as obras paroquiais exigem despesas, as quais, sem essas
contribuigóes dos fiéis, nao poderiam ser devidamente cobertas.
Depois que os dízimos caíram em desuso, sao as espórtulas da das por ocasiáo do servigo religioso que constituem a fonte mais
comum de sustento do culto, dos sacerdotes e dos empreendimentos de apostolado.
Note-se bem que tais taxas nao sao, em absoluto, conside
radas como a paga dos dons sobrenaturais — o que seria simonia, contraria ao texto de Mt 10,8. Pió VI em 1794 rejeitou peremptóriamente esta interpretagáo propalada pelo sínodo de Pistoia em 1786 (veja-se também Sao Tomaz, Suma Teol. IL/U
100, 2 ad 2). As espórtulas nao sao, em absoluto, condigáo para que os sacramentos sejam administrados; a Igreja nao os denega a quem nao possa contribuir. Positivamente, a praxe das espórtulas nao é senáo a modalidade com que hoje em dia se pratica um costume tradicional no povo de Deus, costume — 75 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1953, qu. 10
sancionado pela autoridade da Revelagáo. Esta modalidade se originou orgánicamente entre os fiéis, significando a prontidáo dos cristáos a unir o seu sacrificio com o de Cristo ou, aínda, traduzindo um desejo de participar mais intimamente do sa crificio do altar e, conseqüentemente, colhér do mesmo mais abundantes gragas (toda S. Missa produz frutos aplicáveis a tal ou tal intengáo particular; sao estes frutos que os fiéis, por sua devogáo especial expressa na esmola, procuram granjear). Distinga-se, pois, de qualquer tipo de comercio a praxe das es-
pórtulas; esta é urna instituicáo estritamente religiosa, que há de sor observada como verdadoiro ato de culio (hoje em dia des membrado do rito de celebracáo da Missa); os nomos honos,
honorarium (em francés honoraire) dizem tratar-se de urna expressáo de reverencia e religiosidade sadias, nao de urna compra. Sao as espórtulas que permitem aos sacerdotes con sagrar toda a sua vida ao servigo do próximo, tomando-se benfeitores por profissáo, nao por ocasiáo ou por acídente apenas.
4. É inegável, porém, que o sistema de emolumentos hoje vigente se presta a mal-entendidos, ocasionando seus dissabo res. Em vista disto, delineia-se entro bispos a sacerdotes a ten dencia a abolir as taxas anexas ao culto e voltar ao antigo costume dos dízimos ou simplesmente confiar na caridade generosa e espontánea dos fiéis. Experiencias tém sido feitas em tal sen tido com resultados muito benéficos (naja vista principalmente a paróquia de St. Alban, perlo de Liáo, Franga). Assaz signi ficativas a éste respeito sao as conclusóes do II Congresso Na cional de Vocagóes Sacerdotais, realizado em Sao Paulo de 4 a 9 de novembro de 1956 : «a) Seria desejável a abolicáo das taxas c emolumentos por oca siáo dos atos litúrgicos. Para tanto caberiam as medidas ¡mediatas de
b) constituicáo de um patrimonio paroquial, do qual retirassem os sacerdotes os meios de sustento, estabelecendo-se um ordenado íixo para párocos e cooperadores, c) educar o povo no despesas da paróquia, d)
formacüo de um
sentido de contribuir livremente
patrimonio diocesano,
para as
destinado a amparar
as paróquias desprovidas de meios suficientes» (transcrito da «Revista Eclesiástica Brasileira» XVII [1957] 111).
Assim se vé que as modalidades das espórtulas, que em si sao plenamente justificadas, estáo talvez fadadas a desaparecer num futuro próximo.
— 76 —
MOTIVOS
DA
REFORMA LUTERANA
SANTOS (Rio de Janeiro) e DEODATO (Sao Paulo) : 11)
«Quais os motivos que levaram Lutero a querer refor
mar a Igreja? Quais eram as indulgencias contra as quais reagiu ?»
Para entender o gesto de Lutero (1483-1546), torna-se imprescindivel reconstituir tanto o cenário histórico em que viveu, como o problema próprio que atormentou o dito «Reformador».
1.
O cenário histórico
Os sóculos XIV c XV foram períodos de grandes provacóes, de transformagóes sociais, assim como de declinio no setor da cultura em geral. a) Em política, manifestavam-se tendencias particularis tas, nacionalistas (na Franca, com Filipe IV o Belo; na Alemanha, com Luís TV da Baviera; na Espanha, .na Inglaterra, ñas cidades da península itálica), que contradiziam á unidade do Sacro Imperio e acarretavam detrimento para os interésses comuns dos povos.
b) Na vida social, os camponeses e os cavaleiros, que haviam sustentado os grandes feitos da historia medieval, eram ridicularizados por urna classe ascendente : a dos habitantes das ciclados, os burgueses. Propalavnm-se novas teorías c reivindicacóes sociais (por vézes, utn certo socialismo ou comunismo) contrarias as instituigóes vigentes. c) A Filosofía e a mentalidade dos homens também passavam por crise. Parece que os doutos se haviam cansado de fazer uso da razáo e seguir as normas da lógica ou do intelecto; davam primado cada vez mais acentuado á vontade («volunta rismo»), ensinando nao haver verdade nem bem absolutos; se Deus o quisesse, os mais hediondos vicios, até mesmo o odio ao Criador, poderiam ser atos meritorios. Ésse voluntarismo acarretava conseqüéncias funestas : relativismo, indiferentismo, frente á verdade; excessiva estima das representagóes da fantasía, conseqüente ao descrédito em que caira o raciocinio; cultivava-se a dialética vazia, a ginástica da mente para provar as teses que menos prováveis parecessem (assim Guilherme de Occam, t 1349, abusando dos termos e quase zom-
bando da lógica, quería demonstrar proposicóes como : «A cabega de Cristo é o pé de Cristo»; «O ólho de Cristo é a máo de Cristo»).
— 77 —
->PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, qu. 11
d) Mesmo os que estudavam as ciencias positivas, envolviam-nas em um sistema pouco racional, de sabedoria oculta. Certo Agripa de Nettesheim (t 1535), seguindo tendencias an teriores, fundou em París urna fraternidade secreta que, culti
vando a Alquimia, se propunha descobrir a pedra filosofal, a qual operaría a transmutagáo dos metáis em ouro; Joáo Reuchlin (t 1552), bom conhecedor do hebraico e do grego, continuan
do a cabala, ensinava que cada letra do alfabeto hebraico encerra um poder próprio de ar;áo...
o)
Em t;il nmlm\nti\ o aulonlioo sonso religioso dos c.ris-
táos nao podía doixar do so rossonlir. Nao ha dúvida, oxlslia
fervor notávcl no sea XV. Contudo essa piedade era poueo esclarecida, tendendo, por iste, a cair no sentimentalismo super ficial, no subjetivismo. Eis, por exemplo, como pregava Geyler von Kayserberg, famoso orador do séc. XV : ^Cristo é o nosso páode-ló, o qual consta da farinha de lentilhas da Divindade, da velha íarinha de centeio do corpo e da farinha de
trigo da alma. Acompanha-0 o mol da misericordia».
Crencas mais ou menos supersticiosas se mesclavam a cer
tas afirmncóes religiosas do povo; assim se mulliplicavam as historias de bruxas, ou seja, de mulheres que tinham pacto ou comercio carnal com os demonios; dava-se voga á astrologia, como se o curso da historia dependesse dos anjos que dirigem os planetas no firmamento. Com ou sem propósito, os homens falavam de monslros, cómelas e outros sinais exóticos! Da parte dos homens da Igreja (alto e baixo clero), varios sences eram ocasiáo de mau exemplo e descontentamente pú blico : o chamado «exilio dos Papas em Avinháo», de 1309 a 1376, e o grande cisma do Ocidenle (1378-1417), durante o qual dois e mesmo tres caberas visíveis (um Papa legitimo e dois an tipapas) eram piopostos a cristandade, acarretaram notável detrimento para a vida crista. f)
As calamidades (peste e fome) decorrentes das guerras
e das desordens sociais despertavam ñas massas um sentimento de médo; muitos julgavam que o Anticristo e o fim do mundo estavam próximos. Qucriam premunir-se conira os castigos, multiplicando as peregrinagóes, o culto das reliquias, as devogóes aos sa.ntos, dos quais esperavam milagres, aparigoes, etc. Certos grupos de penitentes, chamados «Flagelantes», percor-
riam a Europa, professando idéias religiosas fanáticas, revolu cionarias. A autoridade da Igreja nao deixava de reprimir as aberragóes, mas com exiguo resultado (notável, por exemplo, — 78 —
MOTIVOS
DA
REFORMA
LUTERANA
é a bula de Inocencio VIII «Summis desiderantes», de 5 de dezembro de 1484).
Estes pbucos tragos já dáo a ver que a mentalidade do
séc. XV era assaz irrequieta; pairava no ar a expectativa de urna novidade, a qual jorrava da consciéncia de que era preciso reformar o estado de coisas vigente, reformar até mesmo certos costumes da vida crista. A insatisfacáo geral fácilmente explodiria, bastando para isto urna centelhazinha, um brado forte que soubesse interpretar e explorar o sentimento das massas.
Nao se poderia deixar de mencionar ainda o movimento ronascentista ou humanista, que muito marcou a segunda me-
ladc do sóc. XV c o inicio do scc. XVI. A Renascenca já era de
certo modo urna resposta ao desejo comum de renovacáo, res-
posta, porém, que, junto com grandes méritos, teve o demérito de muitas vézes acentuar o individualismo, o relativismo já vi gentes; varios humanistas queriam até certo grau experimentar e viver a mentalidade dos antigos pagaos; tentavam combinar a ideología crista com os modos de falar e pensar dos clássicos
greco-romanos. Tais autores (dos quais o principal foi Erasmo de Rotterdam, f 1536) contribuiam para diluir elegante e sorra-
teiramente o vigor da fé crista, assim como a integridade do
dogma.
2.
O problema pessoal de Lutero
Foi dentro de tal quadro histórico que viveu Martinho Lutero (1483-1546). Educado em ambiente de familia assaz severo, Lutero em 1505 resolveu entrar para o convento dos Agostinianos de Er-
furt (Alemanha); dava éste passo, movido nao própriamente pelo amor de Deus (ele o tinha, nao há dúvida) e o ideal da vida claustral, mas principalmente pela impressáo de temor que experimentara quinze dias antes, ao ser colhido por urna tempestade em viagem : «Sant'Ana, exclamara entáo, vinde em meu auxilio, e tornar-me-ei monge!».
No convenio, Lutero procurou ser fiel a sua fíegra, mas
ressentiu-se continuamente de angustia e tristeza; além de nao ter genuína vocagáo, era, por seu temperamento melancólico, levado a pensar obsessivamente no juízo de Deus e na predestinacáo, o que lhe causava apreensóes, nao compensadas por
filial abandono á Providencia Divina : «Estás louco, dizia-lhe o seu confessor, caracterizando o seu estado de alma; nao é Deus que está irado contra ti, mas és tu que te achas encole rizado contra Ele» (Tischreden t. II n. 122).
Aos poucos, Lutero foi concebendo a «solugáo» para o seu
caso; julgando-se impotente para vencer a natureza desregrada, — 79 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, qu. 11
resolveu desistir do combate angustioso; a fim de se emanci par da inquietude que o atormentava, propós-se a questáo : quem sabe se a fé em Cristo por si só nao basta para a salvagáo eterna, independentemente de quaisquer boas obras? Para afir mar isto, Lutero teria que reformar toda a Teología crista; va rias proposigóes dogmáticas seriam entendidas de novo modo ou simplesmente rejeitadas. Nao hesitou, porérri. Veio a ensinar
que, desde que alguém tenha confiahga nos méritos do Salva
dor, estes lhe sao imputados, sem que a concupiscencia e o pe cado sejam extirpados; a justificagáo ou santificagáo é mera mente jurídica, ela nao reforma o íntimo do cristáo. Por conseguinte, embora o pecado permanega no individuo, este nao se deve perturbar, pois a natureza humana foi irremediávelmente viciada pela culpa de Adáo; que o erente confie aínda mais fortemente em Jesús, e Éste o recobrirá, dando-lhe urna filiagáo divina nominal, nao real nem ontológica (a graga é
mero título). Impulsivo como era, Lutero julgava que nenhum
homem possui liberdade de arbitrio para resistir as paixóes e praticar o bem. — Estas sao as proposigóes centráis do lutera-
nismo, das quais outras decorrem lógicamente (a rejeigáo do santo Sacrificio da Missa, do sacerdocio hierárquico, do purga torio, das indulgencias, das obras de penitencia, etc.).
A explosáo do drama íntimo de Lutero se deu em 1517. Naquela época, pregadores percorriam a Alemanha incitando os fiéis a contribuir com esmolas indulgenciadas para a recons-
trugáo da basílica de Sao Pedro em Roma; o modo exagerado como o faziam (tornou-se famoso neste particular Joáo Tetzel) deu ocasiáo a que o frade agostiniano langasse o seu brado de protesto; segundo ele, a vida crista devia ser reformada, e ele a reformaría de acordó com a sua compreensáo pessoal, eman cipado de qualquer escola ou tradigáo. A «solugáo luminosa»
que ele concebirá para o seu problema pessoal, ele a formulou nos termos teológicos ácima enunciados e a propós ao mundo como novo modo de entender o Cristianismo; Lutero assim projetou a sua individualidade, fazendo do seu «caso» pessoal um «caso» comum, ao qual «em nome de Deus» ele quis dar a sua solugáo subjetiva.
Nao é necessário descrever o andamento da revolugao lu
terana. O fato é que ela encontrou o terreno preparado, dado o descontentamento religioso e social vigente na Europa.
Eis agora, em sintese, os fatóres que explicam d surto e o progresso do luteranismo :
1)
o subjetivismo, o individualismo, que se alastravam
nos diversos setores do pensamento e da atividade dos homens — 80 ~
•
MOTIVOS
DA
REFORMA LUTERANA
desde o séc. XIV. «Eu e a minha Biblia, que julgo ser a Palavra de Deus», eis a posigáo que Lutero toma para reformar a Religiáo. E qual o criterio para interpretar essa Palavra de
Deus? Nao é um magisterio extrínseco ao individuo, mas a experiencia subjetiva, o sentimento (ou o sentimentalismo) do crente.
Lutero se atribuía (com que direito objetivo?) u'a missáo recebida do Deus para reformar a Igreja («Deus me revelou esta doutrina», eis urna afirmacáo freqüente em seus escritos). Ora, bem poderia dizer qualquer discípulo do Reformador: se admito como válida a posicáo de Lutero, nao vejo porque nao possa tambóm eu ser um Iluminado, que Deus chama a «redescobrir» o Evangelho. Foi isto o que de fato pensaram cen tenas de «reformadores» subseqüentes a Lutero, os quais, to
mando a Biblia em máos, passaram a interpretá-la do seu modo, fundando novas e novas seitas protestantes, fazendo as reformas da reforma... Porque acreditariam mais em Lutero do que no seu próprio sentimento de piedade? Donde se vé o dilema:
ou aceitar os ensinamentos da tradigáo que sempre iluminaram a Biblia .no decorrer dos séculos, ou simplesmente abrir máo de toda norma de fé, renunciar á própria Biblia.
2)
A Filosofía decadente do séc. XV. O Nominalismo
tendía a negar conteúdo ontológico aos nomes; os títulos (jus-
tificagáo, graga) seriam meras fórmulas, que nada supóem no sujoito. A demasiada estima atribuida á vontade (o volunta
rismo), em detrimento da lógica, dava a Lutero a impressáo de estar diante de um Deus caprichoso, «voluntarista», que ele, apesar de todo o seu esfórgo ascético, jamáis podia ter certeza de haver contentado.
3)
A mentalidade humanista, que, em alguns de seus ex-
poentes, era paganizante; diluía o significado de certas verdades cristas.
4)
Os costumes abusivos vigentes na sociedade, sem ex-
cegáo do clero; luxo, tendencias mundanas haviam penetrado no espirito dos mais altos dignitários da Igreja. A piedade do povo, em conseqüéncia, era superficial, necessitando de ser reestruturada no dogma e na Sagrada Escritura. Entre outros males, deve-se reconhecer a leviandade com que se tratavam as indulgencias, dando a impressáo de mercantilismo religioso.
5) A isso tudo sobreveio a personalidade de Lutero. Tri buno, escritor popular, que se deixara levar pela paixáo mais do que pelo raciocinio objetivo e sobrio (gostava do bom vinho e da boa mesa), Lutero apresentou-se ao povo alemáo como — 81 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2/1958, gu. 11
«o homem do momento»; soube explorar nao sómente os quei-
xumes religiosos contra a suprema autoridade da Igreja, mas
também urna inveterada animosidade política que distanciava de Roma e da Italia a populagáo da Alemanha; fazia questáo de se dizer o Enviado de Deus á nagáo (haja vista o seu livri-
nho intitulado «Á nobreza crista da nagáo alema»).
Em conclusáo, dever-se-á reconhecer que Lutero tinha urna alma profundamente religiosa, capaz de intuigóes e gestos no-
táveis. Foi, porém, vitima da mentalidade de seu tempo, á qual
deu expressáo muito concreta no seu cisma religioso. Lutero quis reformar a Igreja e a tradigáo, arvorando o próprio Eu
como arbitro posto ácima de qualquer outror criterio. Isto equi-
valia a negar o caráter transcendente da Religiáo e cair no antropocentrismo ou no egocentrismo. Na verdade, nao era a Igreja, em seu dogma e em sua estrutura essencial, que necessitava de reforma, mas eram os homens (clérigos e leigos) que faziam parte da Igreja; esta (como está dito na resposta 8 déste fascículo) nao se identifica plenamente com nenhum de seus membros, mas transcende a todos, porque, na qualidade de Es posa de Cristo, é indefectível; mesmo quando os cristáos pe-
cam, a Igreja nao peca, mas é a primeira a denunciar as falhas
e também a lhes propor o remedio salutar. Por isto nunca se
poderá falar de necessidnde de reforma da Igreja, mas, sim,
de necessidade de reforma na I«reja. Oxalá o Ps.-Rcformador tivesse compreendido isto!
Sendo assim, o prestigio que Lutero obteve no setor reli gioso, foi decaíndo; no decorrer dos tempos apareceram «re
formadores da reforma luterana». A outro título, porém, Lu tero é profundamente estimado pelos nossos contemporáneos :
quando nos anos de 1917/1919 se celebrou em Worms o quarto centenario da Reforma, o que se exaltou nao foi tanto o seu papel de mestre religioso, mas o de herói nacional, benemérito peía sua monumental tradugáo alema da Biblia e principalmen
te pelo seu ardoroso patriotismo. Como religiáo, o luteranismo é a expressáo de urna época e de sua mentalidade depauperada. D. Estcvao Bettencourt O.S.B.
ERRATA
Fascículo 8 de 1957 (dezembro) :
á pág. 36, linha 37, leia-se «nao é ilícita», em vez de «.. .licita» a pág. 37, linha 15, leia-se «qu. 9», em vez de «.. .97».
— 82 —
Pergunte e Responderemos Caro
sem
amigo, nao ha quem so ponha a pensar o nao
demora
Importantes
problemas
(ocAflnal
que
conceba
faco
neste
mundo? Qiial o sentido da vida presente? Que se lhe seguirá?»). Nao
sufoque
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despreze
essas
questScs.
Sem
luz
Bobre
tais
assuntos ninguém so pode sentir plenamente tranquilo e feliz. 1'nrii o ujildar na procura lias hiiIiicArh V.
S.
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lima Caixa
qtlft lile
Postal
e
IntereMNiim,
lim
fascículo
mensal de 40 paginas publicado sob os cuidados de D. EstSvño Bettcncourt O. S. B. rodera propor qucstScs filosóficas, moráis e religiosas ao seguinte cntlcrcco:
«PERGUNTE
D
Caixa
RESPONDEREMOS» Postal
2660
Rio do Janeiro A resposta lmpresso.
será enviada gratuitamente
Queirn,
pois,
A colecüo dos
indicar enderOco
fascículos
-no obter tumliém por
e
a V. S. em fascículo pseudónimo.
«Fergunte o Responderemos»
assinatura
(a sirle
se
Inlolou
pode-
em mure»
de 1057). l'rcco da assinaturai anual: Cr$ 400,00. Número avulso : CrS 40,00. Pedidos a Rúa Real Grandeza, 108, Botafoc» — Rio d« .laniiiro N.
B.: — Tudo
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se refere
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