Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIISIE Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanza a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas
correntes
filosóficas
e
religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
3
MARZO 7958
ERGUNTE Responderemos ANO
ÍNDICE
I.
FILOSOFÍA
E
RELIGIAO
1)
"Porque dizem que o católico nao pode ser comunista?" . .
$7
2)
"Sobre a telepatía, que. se pode afirmar de certo ?"
92
fl)
"Que é a Antroposofia. e em que se distancia do Catoli
cismo ?"
p?
II. i)
DOGMÁTICA
"Se a Misxa tem valor infinito, porque te celebra maús de
u'a Missa por determinada intencao ?"
Ci)
100
"O culto dos santos nao será paganismo que corrompe o
Evangelho ? Em particular, a devocao a María parece derrogar d excelencia de Cristo, o -único Mediador entre Deus e os homens (cf. 1
Tim
2,5)"
ti)
IOS
"Quais os argumentos bíblicos e
teológicos aplicáveis na
controversia com os batistas sobre a doutrina da gra$u ? A maveira como covccbem
III. ?)
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"Qual a dala érala do naacimento de A'o.vso Sevhor Jesús
Cristo ?" 9)
1U "A
estréla que unión ox magos ao presepio nao constituí
fenómeno milagroso ?"
10)
llt!
"Qual o significado auténtico da frase de Cristo: 'Se al-
guém te bater na face direita, apresmita-lhe a outra' (Mt 5,3!))?" ..
IV.
11)
118
MORAL
"Nao será injusta a rampanha movida contra a chamada
I.
>'. Boi' Voníatlc ?"
V. 1S)
lOfí
119
HISTORIA
DO
CRISTIANISMO
"Houve inesmo ti: serie dos Papas uniu Papisa t"
COItRESPONDSSCJA
COM
Mll.DA
APROVACAO
l£.'i iSfi
ECLESIÁSTICA
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS >
N? 3 — Marco de 1958
I.
FILOSOFÍA
E
RELIGIÁO
PEDRO JUÁREZ (Rio de Janeiro): 1) nista ?» 1.
«Porque dizeni
que o
católico
nao
pode ser comu
O comunismo hoje muito apregoado, ou seja, o mar
xismo (doutrina de Karl Marx, 1818-1883), vem a ser o sistema que propugna tornar comuns, de maneira radical e mais ou menos violenta, nao sómente os fundos produtivos (o capital e as térras), mas também os bens produzidos; preconiza assim a aboligáo da propriedade particular e a rigorosa igualdade social entre os homens.
O marxismo económico e sociológico se enquadra dentro de uma concepgáo geral da vida ou dentro de uma filosofía, da qual é inseparável. Esta filosofía, porém, é muitas vézes igno rada por aqueles a quem certos aspectos laterais do comunismo conseguem atrair. Percorramos, portanto, rápidamente os tragos dessa ideología.
Primeiramente, o marxismo professa o materialismo, e ma terialismo dialético; o que quer dizer: a única realidade exis tente é a materia, e a materia posta em continua evolugáo, devida ao choque de fórgas antagónicas. Em conseqüéncia, toda a historia se tece de conflitos entre os elementos contrarios da materia. Táo longo processo, porém, tende ao equilibrio e á harmonía fináis. Vé-se desde já que o marxismo incute uma visáo dinámica (que os seus mentores chamam de «dialética»), em oposigáo a qualquer concepgáo estática (ou «metafísica», diriam os marxistas) do mundo. A materia é eterna; está em movimento desde todo o sempre, nem pode ser concebida sem movimento. Na ideología marxista, portanto, nao há necessidade de um Motor Imóvel, Causa última- de todas as causas (segundo a filosofía de Aristó teles), nem de um Criador ou Deus. A fé em um Ser todo-pode— 87 —
-PEKGUNTE
K
RESPONDEREMOS.
3/1 !)!>*,
()u.
1
roso proviria da incapacidade de explicar os fenómenos naturais ressentida pelo homem primitivo.
Aplicados mais próximamente á sociologia, estes princi
pios significam que o género humano até a época contemporánea viveu cm constante luta de classes : o capitalista é o explorador e opressor; o operario, o oprimido : «A historia da humanidade registrada até hoje é historia da luta de classes», reza o mani festó de Karl Marx publicado em 1848. O fator que condiciona a luta e explica todas as atividades humanas, vem a ser a econo mía : «A oeonomia o a produlividade da vida material condicionam os fenómenos sociais, políticos o ospirituais da vida em geral. Nao é a consciéncia do homem que determina o modo de ser da sociedade, mas, ao contrario, é a vida dos homens na sociedade que determina a consciéncia dos mesmos» (Marx, Zur Kritik der politischen Oekonomie, Vorrede 1859). Em outros termos : Direito, Filosofía, Moral, Arte, Reiigiáo sao considerados «ideologías» ou «super-estruturas» da produeáo material; a classe dominante na sociedade costuma impor as domáis as suas concepcóes filosóficas e religiosas. O feudalismo medieval e o capitalismo falavam de principios éticos absolutos; o marxismo, ao contrario, nega a existencia de normas moráis imutáveis : «A nossa moral é, em tudo e por tudo, subordinarla aos interésses da hita do classe do proleta riado» (Lenin, Obras, 3* edigao XXV. Moscou 1933, 391). A primeira lei da ética marxista é a luta pela instauracáo universal da ordem de coisas comunista : nao há, pois, direitos absolutos, mas a fórga o a violencia em vista do objetivo proposto vém a ser os ditames supremos da vida social. As artes e as ciencias no marxismo devem igualm&nte exprimir o pensamento da classo operaría, isto é, háo de ser cultivadas em funcáo do Partido Co munista; alias, toda a cultura comunista vem a ser «cultura do Partido», portadora de carálcr popular socialista, patriotismo soviético, otimismo, etc. Proposto ao mundo nos séc. XIX e XX, o marxismo apre-
goa a revolugáo social, da qual devem resultar a total extincáo de classes e até mesmo a supressáo do Estado; é a propriedade particular que divide a sociedade em classes. Para conseguir a sua meta final, o marxismo visa, em primeiro lugar, instaurar a
chamada «ditadura do proletariado». Mediante a aboligáo do Estado burgués, os trabalhadores oprimidos procuraráo aniqui lar os seus opressores atuais, sendo-lhes lícito, para isto, o re— 88 —
CATÓLICO E
MARXISTA ?
curso a qualquer meio coibitivo (em verdade, no Estado marxista, é um so homem, o ditador, quem aplica ésses meios «em
nome do proletariado» ou também contra o proletariado). Na fase definitiva do processo comunista, já nao haverá autoridade
de Estado, mas todos os homens, livres da escravidáo capitalista e dos numerosos preconceitos que esta acarreta, viveráo sem leis, movidos únicamente pelo entusiasmo do trabalho desinteressado, trabalho espontáneamente executado para o bem da coletividade; desapareceráo as injusticas e a miseria! — É, pois, urna verdadeira Redengáo, é um autentico messianismo encaminhado para um paraíso terrestre, que o marxismo propóe ao mundo.
Ncste quadro é claro que nenhuma das tradicionais for mas de religiáo tem cabimento : «O marxismo é um materia lismo. Como tal, é inimigo implacável da religiáo.. Devemos combater a religiáo. Éste é o abe de todo materialismo, por conseguinte também do marxismo» (Lenin. Obras XIV 70). «O Par tido nao pode ser neutro frente á religiáo... porque ele é favorável ia ciencia, ao passo que os preconceitos religiosos sao con trarios a esta» (Stalin. Obras X 132). Nao é menos verdade, porém, que a ideología marxista com a sua mística, ou soja, com a sua fé entusiástica na consecuc.áo da felicidade integral, se torna urna religiáo, exigindo para as instituicóes e os repre sentantes do comunismo a adesáo que sempre foi tributada a
Dous. Já Dostoevskij (f 1881) dizia muito bem, como qup carac
terizando anlecipadamente os comunistas contemporáneos : «Os homens nao se tornam ateus apenas, mas créem no ateísmo
como em urna religiáo». Tem-se observado repetidas vézes que o
marxismo se aprésenla como um catolicismo as avessas; muitos sao os pontos de contato de ambos, trazendo apenas sinais in versos de valorizagáo (positivo, negativo; á direita, á esquerda).
2.
Qual o juizo a, proferir sobre tais teorías?
Nao se pode negar que a ideología marxisla encona um núcleo de verdade : o mal-estar da sociedade provém nao raro do predominio injusto de urna classe sobre as outras ou da defeituosa distribuigáo dos bens produtivos. Desta verificacáo, porém, nao se segué que a solucáo consista em suprimir a pro-
priedade privada e as classes sociais. Com efeilo
a) nao se podem reduzir todos os problemas humanos á questáo económica, como se o homem por sua natureza fósse — 89 —
^K jajyTONj^REMOg»_3/195S. qu, 1
destinado a ser mero produtor e consumidor de bens materiais
ficando as suas demais aspiragóes dependentes da satisfagáó desta primeira. Haja vista a familia : nao sao as necessidades
económicas que dáo origem á familia, mas, ao contrario, é a familia que funda a economía (o termo grego oikonomia o diz muito bem : oikos, casa; nomia, dispensagáo, legislagáo). É o desejo de se perpetuar e de certo modo imortalizar que leva o homem a constituir um lar e a procurar conseqüentemente, me diante a sua industria (caga, pesca, agricultura), os meiós de
subsistencia para os seus familiares.
Tambóm ó váo dizer que a Filosofía, a Moral, a Rcligián sao fungóes da produgáo material, embora possam sofrer a in fluencia desta; existem, sem dúvida, verdades especulativas e normas éticas objetivas, imutáveis : que a soma dos ángulos de um triángulo seja igual a dois retos, é proposigáo que nenhum sistema económico jamáis poderá alterar. Em particular no tocante á religiáo, é absurdo apresentá-la como expressáo do homem covarde ou atrasado : o testemunho dos povos, os docu
mentos da civilizagáo ai estáo a dizer o contrario. A religiáo sempre foi o fator que estimulou a civilizagáo e a industria dos
diversos povos: a construgáo da habitagáo humana, a fundacáo de cidades, a abertura de estradas, a eregáo de pontes, a domesticagáo de animáis, o cultivo de plantas, a contabilidade baíioária sao realizacóes inspiradas inicialmente por motivos religiosos; a religiáo, long<; de coibir, sompro fomnntou o oxer-
cicio das faculdades superiores do homem (inteligencia c vontade); a historia da ciencia e a civilizagáo sao, em grande parte, tributarias das aspiracóes religiosas que constantemente moveram os homens a novos empreendimentos. Veja-se a propósito a abundante documentagáo citada por P. Deffontaines, Géographie et Religions. París 1948; outrossim «P. R.» 19/1959, qu. 1. b) A tesé da etemidade da materia está em contradigáo com a da evolugáo ascensional da mesma materia; carencia de inicio e evolugáo sao termos inconciliáveis entre si, pois toda evolugáo supóe necessáriamente um ponto inicial e outro final. A hjpótese da etemidade do mundo está também em desacordó com a ciencia moderna, que nao sómente requer um ponto de
partida para o processo evolutivo do universo, mas também fala de relativa «juventude» do cosmos (cérea de dez bilhóes de
anos).
c) Entre os homens existe, sim, igualdade básica de natureza (todos sao animáis racionáis), diferenciada, porém, por — 90 —
CATÓLICO
E
MARXISTA ?
características acidentais, pessoais; dotados de diversa capacidade intelectual e variada energía de vontade, os individuos
tendem pelas suas atividades a se dispor em hierarquia, devida
ao uso e ao abuso que cada um faz de suas qualidades. As desigualdades económicas, portanto, provém em grande parte das desigualdades naturais que intercedem entre os individuos; por isto é que nao sao condenáveis, desde que se mantenham dentro de certos limites e nao impecam a colaboragáo de todos para o bem comum. O nivelamento dos individuos mediante a extingáo da propriedade particular é contraditório á própria natureza humana, como o comprova a experiencia da Rússia mesma : a sociedade soviética conhece hoje de novo as suas classes, os seus individuos e grupos privilegiados, embora os nomes e títulos sejam diferentes dos que estavam em voga no regime imperial. Donde se vé que a igualdade entre os homens nao poderá ser aritmética, mas há de ser proporcional: todo individuo na so ciedade há de gozar de direitos particulares, correlativos as suas aptidóes naturais e á contribuicáo que ele possa prestar ou haja prestado ao bem comum.
De resto, fraternidade entre os homens sem crenca em Deus é impossível; se nao se reconhece um Pai comum nos céus, com que direito se exigirá que os homens se reconhecam uns aos outros como irmáos sobre a térra ? Cedo ou tarde, mostra-nos a historia que as tendencias egoístas se atuam,
corroendo a filantropía dos atcus. Muito menos se pode espe rar que, sem Deus, os homens instaurem o paraíso sobre a térra, vivendo sem leis, em espontánea concordia. Tal expectativa ignora totalmente a realidade histórica : a natureza humana e, com ela, o mundo visível estáo sujeitos a desordem que o pe cado inicial introduziu (pecado de que falam as reminiscencias mesmas dos povos primitivos); e sómente pela reconciliagáo do homem com Deus é que se poderáo obter harmonía e bem-estar neste mundo. — Á luz destas consideragóes, o marxismo aparece claramente como urna religiáo desviada do seu verdadeiro objetivo. Alias, já dizia muito a propósito Donoso Cortés,
o famoso estadista (f 1853): «Toda civilizagáo é sempre o reflexo de urna Teología» (Ensayo sobre el catolicismo, el libera lismo y el socialismo 1851).
Vé-se, por fim, que nao há compatibilidade entre catoli cismo e marxismo plenamente entendidos. Isto nao excluí que certas teses marxistas referentes á economia ou á administragáo pública possam ser incorporadas á ideología crista. Segundo as declaragóes dos próprios comunistas, o marxismo nao pode — 91 —
-PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
3/1958,
qu.
2
nem quer ser concebido independentemente do quadro filosófico ou do materialismo dialético que inspirou a Marx; qualquer ten tativa, como a da II Internacional, de edificar o comunismo sobre outro fundamento filosófico é rejeitada pelo bloco marxista preponderante qual deviacáo ou heresia (sabe-se que a II Internacional, de 1880 ao finí da primeira guerra mundial, foi tida por Lenin, Trotzkij como Internacional dos social-patriotas e dos traidores). A prática do marxismo é indissolúvel da respectiva leoria; por isto também tudo que o marxista realiza na vida pública, ele o realiza no espirito do partido. Diz Lenin : «O materialismo implica, por assim dizer, o espirito de parí ido, enquanio nos obliga, em todo juí/o quo formulemos
sobre um acontecimenlo, a colocar-nos dirota e abcrtumcnle do ponto de vista de certo grupo social» (Obras I 380s).
WALTER (Matías Barbosa, MG):
2)
«Sobre a telepatía, que se pode afirmar de certo?»
A telepatía (do grego tele, longe, e pathos, padecimento) é, em sentido lato, a faculdade de conhecer pessoas ou acontecimentos postos em distancias ou circunstancias que nao sao normalmente apreendidas pelos sentidos humanos. A tal fenó meno se dáo igualmente os nomes de telestesía (percepcáo a. distancia), criptestesia (percepgáo por via oculta) e clarividen cia. Trata-se de um modo de conhecer que nao é própriamente doentio, mas também nao é normal, e, sim, paranormal, ou seja, verificado ao lado das vias normáis; seria o caso, por exemplo,
de quem lé um documento tendo os olhos vendados, ou refere a morte de um párente no momento mesmo em que eia ocorre
a grande distancia. Nao se pode negar a existencia de tais fenómenos, nem atribui-los todos á intervengáo milagrosa de Deus, nem, de outro lado, reduzí-los simplesmente a coincidencias casuais. Ésses fe nómenos podem ser, e tém sido, provocados em laboratorios segundo leis estatisticas; hoje em dia mais c mais se cultiva a
ciencia da telepatía (ramo da metapsíquica), procurando-se des vendar as normas misteriosas que a regem. Entre 1880 e nossos tempos foram realizados cérea de cinco milhóes de experiencias
QUE
DIZER
DA
TELEPATÍA ?
telepáticas, na base das quais se distinguem atualmente 150 cate gorías de fenómenos de telepatía. Note-se, por conseguinte, que tais fenómenos nao sao ex
clusivos do dominio do espiritismo; verificam-se independen lemente déle. Na verdade, o espiritismo nao passa de urna interpretagáo entre as muitas dadas aos fenómenos telepáticos, interpretagáo que abusivamente envolve crengas religiosas em um setor que de per si pertence á algada da medicina, da psicología,
ficando abaixo das altas esferas da filosofía e da religiáo. 2. O ostudo da metapsiquica o da telepatía ('■ rolativamenle récenle; polo que aínda navega em meio a maros obscuros. A
complexidade dos seus fenómenos é tal que se torna difícil gene ralizar as explicagóes; varios sao os fatores aos quais, segundo a configuragáo de cada caso, se poderá recorrer para dar conta do ocorrido. Tres teorías explicativas estáo mais em voga : a)
alguns
estudiosos^ admitem
no
homem
um
«sexto
sentido» ou urna faculda'de especial de conhecer por vias
ocultas. Estas faculdade nao seria privilegio, mas propriedade comum da natureza humana, propriedade ora mais, ora me nos aguda, susceptivel de ser desenvolvida e educada (todo indi viduo, por conseguinte, seria capaz, até certo grau, de se tornar «médium»). Tal é a conclusáo a que chegaram os cientistas ame ricanos da «Duke University» de Durham, da «Colombia Universily» do Nova Iorque, do «Hunter College>\ etc.; ci". J. A. Greenwood, Extra-Sensory Perception after Sixty Year.s. New
York 1940; também «P. R.*» 13/1959, qu. 8.
b) Outros autores admitem que os sentidos possam ultrapassar os limites normáis de suas percepeóes, intensificando-se e abrangendo lugares remotos. Sendo a alma humana indepen-
dente do espago (por ser espiritual), ela poderia estender a sua atividadc para além das fronteiras que lhe impóe o corno; conheceria entáo instantáneamente objetos e aconlecimentos existen tes a longa distancia. Mesmo os acóntecimentos futuros estáo contidos germinalmente em suas causas; através destas (con temporáneas ao sujeito que conhece), poderiam ser previstos com exatidáo.
c)
Ató os últimos anos julgava-se outrossim que tanto o
sujeito humano como os seres infra-humanos ernitem radiales especiáis, as quais impregnam o ambiente em que se encontré
-PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
3/1958,
qu.
2
tal pessoa ou objeto e podem ser subseqüentemente captadas por individuos que tenham a sensibilidade apurada; denunciar-se-iam assim as pessoas que posteriormente penetran nésse ambiente. É o que se chama «a Psicometria», estudada por Fechner, Buchanan, Danton, Myers, de Rochas, Bozzano. — Esta tese, porém, sofre hoje contestacáo; os melhores autores sao reserva dos no toca.nte ao magnetismo animal ou a fluidos e ondas que sairiam do corpo humano.
3. Embora as pesquisas da ciencia ainda nao permitam elucidar positivamente todos os fenómenos telepáticos, elas sao suficientes para demonstrar quáo vá é a explicagáo que dos
mesmos dá o espiritismo; conforme éste, um espirito do Além (como o de Napoleáo, o de Maria Antonieta, o de Bossuet, Lincoln, etc.) baixaria sobre a térra e revelaría ao vidente nogóes que ele ignorava; seria o espirito «guia», em nome do
qual o «médium» falaria.
Contudo o aparecimento de personalidade nova num indi viduo posto em estado de transe ou hipnose expíica-se perfeitamente por dados seguros da Psicología, sem recurso a intervencáo do Alcm.
Com efeito. Recordemos a maneira como cada individuo
humano conhece a sua própria pessoa.
Ninguém aprccndc o próprio cu senáo através de fenó menos psíquicos que déle se originam e déle dependem como de um sujeito. Ésses fenómenos psíquicos sao múltiplos, compreendendo as variadas atividades, como também as esperangas, os desengaños, as emocóes da infancia, da adolescencia, da vida de adulto do respectivo individuo. Táo numerosos dados na mente
do sujeito aos poucos se dispóem em uma sintese harmoniosa,
hierarquizada,Pcom a qual o individuo em condicóes normáis se identifica; é por esta sintese que ele se define a si mesmo, como sendo o mesmo sujeito existente através dos anos. Admita-se, porém, que a pessoa venha a sofrer um cho que psíquico, seja em virtude de um estado patológico (funcionamento irregular do cerebro ou de glándulas), seja em virtude de influencia alheia (por hipnotizacáo) ou de auto-sugestáo (o que se dá geralmente com os «médiuns»). Em tal estado anormal, a fungáo de sintese da qual resultam a defi-
nicáo do próprio eu e seu comportamento conseqüente, passa
por alteracóes; é desagregada e refaz-se, desviada em determi nado sentido, de acordó com o caráter da pessoa ou com as su— 94 —
QUE DIZER DA TELEPATÍA ?
gestóos evocadas nesta : certas recordacóes sao entáo como que canceladas da memoria; pode dar-se que subam á tona da
consciéncia exclusivamente impressóes colhidas na infancia (a
pessoa coíiseqüentemente parece retroceder no tempo e se com porta como crianga) ou adquiridas em leituras e conversas refe
rentes a urna personalidade histórica do passado ou urna figura lendária, etc. (o individuo entáo comporta-se como Maria Anto-
nieta, Napoleño, Humberto de Campos, etc.). Enlrementes a
personalidade normal do individuo ou deixa de se manifestar como tal ou ainda se afirma ao lado da nova personalidade. Em
tais casos, dizem os espiritas que o sujeito ou o «médium» está possuido polo «espírito-guia» proveniente do Alérn ou que está revivendo fatos de urna vida anterior á encarnaeáo atual (a tese
da reencarnagáo entra entáo em voga. ..).
A psicografia ou escrita automática .nao é senao um siria! particular dessas desagregacóes da personalidade : no «médium» combinam-se, de maneira mais ou menos arbitraria e imprevisíve!, diversas reminiscencias da pessoa ou das obras de tal ou tal escritor, á semelhanca do que se dá num sonho (em que diversas impressóes adquiridas na vida cotidiana se associam ontre si, dando ao sonhador a sensaoáo do viver urna roalidadc diferente da comum). O «médium» impressionado pela sugostáo de que é ésse escritor (que ele, sem dúvida, já conhece), passa a escrever no estilo do mesmo. Fenómeno tal nao depende em absoluto da ovoearáo rio ospírilos, pois ooonv i
ser obtido em individuos normáis suficientemontü sensíveis ou impressionáveis. Para que nao fique dúvida sobre esta afirmacáo, note-se bem que as obras psicografadas nao transcendem os conhecimentos anteriormente adquiridos pelo respectivo «mé dium», nem mesmo no caso tño citado de Francisco Cándido Xavier (Minas); como ainda recentemente se averigüou. éste nao é um ignorante, mas, desde a sua juventude, so (em dedicado a leitura de clássicos, tanto nacionais como estrangriro;-;. De maneira geral, as mensagens espiritas comumentc divul gadas nada aíiunciam quo nao estivesse previamente contido na consciéncia ou no subconsciente do respectivo «médium» ou dos sous interlocutores ou de possoas eslreitamente unidas a éstos. Em conseqüéncia disto, certas noticias atribuidas pelos espiritas á alma de um genio desencarnada (Ampére, Sto. Agosíinho, Bossuet.. .) surpreendem pela pobreza e a banalidade de seu conteúdo; dir-se-ia que os espíritus desencarnados so depauperam tremendamente... Para evidenciar que ñas mensagens espiritas — 95 —
^PERGUNTE
K_ RESPONDEREMOS
.V195S.
qu.
2
nao há revelagóes, mas se transmitem os conhecimentos que o «médium» consegue captar por si ou por uma «corrente simpá tica», vem a propósito famoso caso : «O Dr. G. era ilustrado médico militar. O General da Regiáo Z., onde prestava os seus servicos, era afeicoado ás práticas do espiritismo, ás quais se dedicavam também nao poucos chefes e oficiáis da guar niere Nada crédulo e inteiramente contrario ás balelas dos espiritas, o Dr. G. teve de assistir, por compromisso, a uma sessáo em que o «'médium» pretendía por os circunstantes em comunicacáo com o es pirito do célebre fisiologista francés Bichat, já falecido. O Dr. G. manifestou ao ■¿médium-- desojar perguntar ao espirito de Bichat se o ñervo dinamnclassi-r linha fungóos sensitivas ou fungues motoras. O
«.médium'» naturalmente sentiu-sc embaragadu tom
tal consulta, qut;
iiivcntiii'.'i
<>xporiónoi¡i.
se vé nao estava dentro da esfera dos seus conhecimentos; e rogou ao sen interlocutor quisesse precisar mais os termos da pergunta. — Ora, senhor, respondeu o Dr. G., nao sei que maior precisáo se possa desejar. — Todavía acrescentou que, havendo no organismo humano uns ñervos com fungSo sensitiva e outros com fungáo motora, o que interessava saber do espirito de Bichat era a qual das duas classes de ñervos pertencia o ñervo dinamoclasser. A isto, após varias hesitagoes, ante as quais o consulente se manteve impassível, o pretenso espirito do célebre fisiólogo Bichat respondeu por voz do «médium», com grande aprumo, que, «embora o ñervo dinnmoclasscr geralmente tivesse funcóes sensitivas, em eompensacáo outras vézes as tinha tamhém motoras-. Excusado ó dizor que o Dr. G. nao pode conter o riso. O frarasso tinlia sido rompido. Os rimuistantos porgunlavam ao Dr. G. se porventura o espirito responderá acertadamente. O Dr. G. leve do Ihes dizor que o ñervo riinumorUisscr nem era sensitivo nem era molfir, |K>ri|iic ucm soijiioi- vva norvn, o, sim, um nomo fingido que ólo fj.ii.i
jinr
tuv oía convir cin
falava por boca do
i'in
<|iio
cvi'lcnci.i
o cspirilo
:i
rr;iiiilnli'Mii°i;i
do
liiolial,
médium-, decaira "muito
so
il.i
roalnu'iilo
Mis
i> ciui*
i transcrito da obra de
F.M. Palmes, Metapsíquica e Espiritismo. Petrópolis 1957, 220).
Citar-so-áo, poróm, casos em que ;:s mensagens parocem transcender de modo absoluto todas a-; possibilidades naturais do «médium». . . Pois bem; os mais famosos désses casos aduzidos pelos' espiritas (os de Helena Smith, Eleonora Piper, llodgson, etc.) tém sido sujeitos a análise rigorosa, a qual leva hoje os estudiosos a dizer que ainda se tratava de eiup;.óes do subconsciente, independentes da intervenc.áo dos «dese,ncarnados». —!■ Nao se nega, com isto, que Deus possa, por Si ou por um espirito criado (anjo bom, alma humana ou demonio), reve lar aos homens algo de totalmente novo; nao é, porém, o que se dá no comum das revelacóes espiritas. Os médicos contemporáneos insistem em afirmar que as funcoes de «médium» supóem uma personalidade um tanto lábil, já por si tendente ao desequilibrio e a estados patológicos. Além
— 96 —
ANTROPOSOFIA E CRISTIANISMO
disto, verificam que grande número de «médiuns» e de clientes déstes contraem realmente doencas mentáis graves, de sorte que
os interésses da saúde pública desaconselham seriamente a prática da mediunidade.
M. A. P. M. (Piracicaba): 3)
licismo?»
«Que é a Antroposofia e em que se distancia do Cato
1. A Antroposofia constituí urna Escola filosófica fundada por Rudolf Steiner (1861-1925). Éste pensador ató 1013 era o chefe da seccáo alema da Sociedadc Tcosófica, entáo recém-fundada. Desentendeu-se, porém, com a Presidente desta, a Sra. Annie Besant, por causa das pretensóes que Me. Besant nutria, de apresentar ao mundo o novo Messias na pessoa de um jovem hindú, Krishnamurti, o qual já estaría na sua trigésima encarnacáo... Steiner, julgando que Mme. Besant abusava da credulidade de seus discípulos, resolveu separar-se da Sociedade Teosófica para ensinar urna Teosofía remodelada, a qual foi dado o nome de Antroposofia. A respeito da Teosofía veja «P. R.» 17/1959, qu. 8. 2.
Quais as principáis doutriñas desta Escola?
O termo sofia (sabedoria, em prego) indica tratar-se de conlM'einu'niMs sapi^nciais, islo ó, adquiridos nfio piópriamente pela experiencia dos sentidos e pelo raciocinio da inteligencia
(de que se serve, por exemplo, a Teología), mas, sim, por urna
intuicáo superior mística devida a facuídades especialmente
apuradas de certns individuos. A fonte dessa sabedoria seriam tradigóes ocultas, oriundas da Atlántida (famoso continente que teria desaparecido) ou de arquivos e bibliotecas antiqüissimas pertencentes ao Egito e ao Oriente. Essa sabedoria primordial haveria deixado de ser patrimonio comum dos povos, que em seu lugar foram criando as diversas formas de rcligiáo hoj-% conhecidas, todas inferiores á explicacáo do mundo dada petes concepQóes antigás... Ora a Teosofía, recorrendo no sáculo passado aos Mestres (Mahatmas) da India, do Tibe, da Caldéia, do Egito, propunha-se cultivar de novo essa sabedoria primordial, fazendo convergir a sua atencáo para Deus (Theós); Steiner, ao separar-se do teosofismo, nao abandonou as grandes teses doutrinárias déste, mas preferiu explorar o que na ideología primordial dizia respeito ao homem (donde Antroposofia, de anthropos, homem).
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PERGUNTE E
RESPONDEREMOS-»
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qu.
3
Steiner julgava que a Teosofía fazia perder ao homem um pouco de seu equilibrio e o desviava dos respectivos deveres sociais; a Teosofía incutiria urna atitude passiva, prometendo a intervengáo de misterioso poder do alto. Por isto, o fundador do antroposofismo quis despertar nos seus discípulos o amor de um método, de urna disciplina imposta as faculdades superio res do homem, a fim de ampliar o raio de alcance do espirito. As teses, porém, que Steiner ensinava como resultantes dessa
disciplina, sao em grande parte as mesmas que as da Teosofía,
a saber:
1.) O Panteísmo ou monismo. Deus seria a única realidade existente, da qual o mundo, espiritual e material, se originou por emanacáo; a substancia divina seria impessoal, neutra, sempre em via de evolucáo no decorrer da historia; em cada individuo humano ela estaña paulatinamente tomando consciéncia de si mesma, até chegar á plenitude ou á perfeicio : o homem é destarte u'a manifestagáo de Deus, manifestacáo identificada com a Divindade.
2) A alma humana é um agregado de muitas partes, unidas entre si por relar;óes assaz frouxas. Está claro que nao ¡no é imposta urna lei moral extrínseca, divina, pois alma e Divin dade vem a coincidir entre si; toca a cada individuo descobrir dentro de si as normas de sua conduta prática (o que dá margeni, sem dúvida, a muita liberdade e arbitrariedade no plano moral).
3) O currículo de vida do homem nesta térra é condicio nado pelas obras que o individuo tenha realizado em urna vida ou encarnacáo anterior. É esta a inexorável lei do Karma; tudo que ccorre ao homom neste mundo c efeito e, ao mesmo ternpo, causa : efeito em relacáo á encarnagáo passada, causa em relacáo á futura. Mediante sucessivas descidas ao corpo, ou seja, através de longo período de tempo, a alma humana se purifica, passando aos poucos da sua animalidade inicial á plena consciéncia da sua identidade com a substancia única, divina, do uni verso. Tendo atingido esta consciéncia, o homem perde natu ralmente a sua personalidade, que o singulariza, e mergulha-se no único grande Todo (estado do nirvana, que os conceitos comuns da nossa experiencia nao poderiam em absoluto descrever).
Em suma, o panteísmo ou monismo e a lei da reencarnagáo, eis as duas pilastras sobre as quais repousam tanto a ideología teosofista com a antroposofista. Esta verificacáo é suficiente para incutir as diferencas radicáis que Lntercedem entre Cris-
— 98 —
ANTROPOSOFIA E CRISTIANISMO
tianismo e Antroposofia. Sobre o Panteísmo, veja-se «Pergunte e Responderemos» fase. 7 de 1957, qu. 1; a respeito da reencarnacáo, fase. 3 de 1957, qu. 8. No tocante á Antroposofia em par ticular, as potencias ocultas de intuigáo mediante as quais o homem poderia transcender o conhecimento racional, sao antes produto da fantasía de Steiner do que objeto de conclusóes cien tíficamente firmadas (nao se negam os fenómenos metapsíquicos, de que fala a resposta n" 2 déste fascículo; nao era, porém, a éles que Steiner se referia).
Verdade ó que o pensador alemao, visando o público europou, ao qual se dirigía, quis apoiar suas concopcócs em fontes e tradieoes oeidentais, cristas, distanciándose um pouco das fontes orientáis para as quais apela a Teosofía. Nao foi feliz, porém, porque, para ficar dentro dos quadros do pensamento do ocultismo, teve que negar a Divindade de Cristo; desojando neo abater ídolo algum, apresentou Jesús como reencarnacáo e síntese de Mitra (divindade persa) e Dionisio (divindade grega)!
3. A Antroposofia logrou sucesso logo nos seus primei ros anos (como, alias, também a Teosofía). Esta boa aceitagáo se explica por fatores diversos : a)
o materialismo o o racionalismo que imperaiam no
século passado, parecem ter cansado as mentes e despertado de novo em muitos pensadores sinceros a sede do misterio, do
conhecimento irísüco, ou soja, do conhecimento adquirido nao por via moramente humana, mas por unía pretensa iluminagáo divina;
b) as grandes ruinas, materiais e moráis, que o mundo ocidental sofreu nos primeiros decenios do séc. XX concorreram para que nao poucos filósofos voltassem sua atene.áo para o Oriente; éste sempre impressionou os ocidentais por parecer muito mais voltado para o transcendente e o eterno; pelo seu caráter conservador, tradicionalista, toma o aspecto de urna arca de paz. É o que explica que Teosofistas o Antroposofislas tonham ido pedir inspiracüo aos pensadores orientáis o hajam encon trado eco satisfatório no Ocidente; c) é imponente e sedutor o título de «manancial donde todas as religióes tiraram urna parcela de verdade», titulo que a Teosofía e Antroposofia reivindicam para sua ideología. Éste título é gratuito; nenhum estudioso o pode jamáis comprovar (alias, por definicáo, nem seria possível apresentar provas em favor do mesmo. pois se pressupóem tradieóes e arquivos ocultos ao público — o que realmente constituí bela evasiva!). Nao — 99 —
-PKRGUNTL:
E
RESPONDEREMOS*
3/195S,
qu.
4
obstante, a fórmula com que a Antroposofia se apresenta ao mundo, é muito apta a bajular o orgulho do homem; aderindo á Teosofía ou á Antroposofia, éste po'derá dar-se por mais escla recido e inteligente do que seus semelhantes que fiquem presos 'as formas tradicionais de religiáo... O teosofista e o antroposofista nao negam a existencia de Deus, mas conseguiram fazer do Soberano Senhor urna entidade impessoal e neutra que na prática nao «incomoda» o homem. Embora Rudolf Steiner nao se quisesse diretamente incompatibilizar com o Cristianismo nem com alguma forma de religiáo, ele propóe um conceito de Deus o das relacóos do homom com Deus que cedo ou tarde tende a remover nos seus adeptos qualquer dos credos religiosos tra
dicionais. II.
DOGMÁTICA
OSVALDO (Lorena): 4)
«Se a Missa tem valor infinito, porque se celebra mais
de u'a Missa por determinada intenc&o?» 1. Na clucidagao dosta questáo, faz-sc mister recordar primeiramente o que é a S. Missa. Em poucas palavras, a Missa é o sacrificio mesmo do Cal vario tornado presente sobre os nossos altares para que déle participemos. O que quer dizer : a) nao é mero rito simbólico, imagem destituida de conteúdo, cuja fungáo seria únicamente evocar na memoria dos assistentes um feito passado;
b) doutro lado, porém, nao é novo sacrificio de Cristo, posterior ao do Calvario, como se Jesús continuasse a sofrer e morrer após a sua gloriosa ressurreigáo.
Positivamente, pois, a Missa é a própria imolacáo de Cristo (outrora oferecida cruentamente na cruz) que a Onipoténcia Divina torna presente de maneira incruenta sobre os altares, sem que multiplique tal imolagáo, mas sem que por isto Ihe diminua algo de sua plena realidade. A mesma oblagáo de Cristo, numéricamente a mesma, realizada no pretérito deixa de per-
tencer ao pretérito e se faz presente — «Misterio da íé», diz a
fórmula de consagracáo eucarística.
E porque quis Jesús Cristo instituir tal rito? Ele o quis em vista de seus fiéis, ou seja, a fim de associar ao sacrificio da Cruz a sua Igreja. Com efeito, outrora no
— 100 —
MUITAS
MISSAS POR
UMA
INTENQAO ?
Calvario Jesús como Sacerdote se ofereceu ao Pai qual Vítima pelos pecados do mundo. Atualmente na S. Missa Jesús oferece com a Igreja, que participa do Sacerdocio de Cristo; e oferece-se com a Igreja, que participa da qualidade de Cristo Hostia. Ora lembremo-nos de que a Igreja nao é apenas o clero, mas é « Corpo Místico de Cristo, Corpo Místico do qual todo cristáo é um membro ou uma célula viva. É, pois, em cada fiel batizado que a Igreja repousa, vive e age.
2.
Déste fato decorre importante conseqüéncia referente
aos frutos da S. Missa.
Sendo a Missa o próprio sacrificio da Cruz celebrado do maneira incruenta, compreende-se que cada S. Missa tem em si valor infinito; com efeito, qualquer dos atos de Cristo possui tal valor, já que procede de urna Pessoa Divina. Por conseguinte, uma só Missa por si seria suficiente para dar a Deus todo o louvor que as criaturas lhe devem, suficiente também para apagar as culpas de todos os homens, perdoar todas as penas satisfatórias, obter todas as gragas, espirituais e temporais, necessárias á
salvagáo, etc.
Na realidade, porém, o valor infinito da Missa nao é apli cado aos homens em grau infinito; os frutos da S. Missa, para as criaturas, sao sempre limitados. Porque ?
Porque a Missa nao é sómente oferecida por Cristo. Enquanlo, sim, é oferecida por Cristo, toda Missa indubitávelmente produz frutos para o género humano. Na medida, porém, em que os membros do Cristo, os cristáos, sao associados ao oferecimento, ésses frutos sao restritos. Com efeito, o Corpo Místico, com o qual Jesús compartilha o seu ato de oblacáo, consta de u'a multidáo de homens portadores das conseqüéncias
do pecado, por isto coibidos em seu espirito de imolagáo, de entrega total ao Pai. A parte de devotamento pvóprio que cada erisláo associa á oblacáo do Cristo, está sujcita as ros1.rií;óes que o egoísmo c a covardia ocasionam. Éstos empecí Ihos, como se compreende, tornam os fiéis menos aptos a usufruir os benefi cios da Redengáo e conseqüentemente limitam a aplicacáo dos frutos da S. Missa.
Em termos positivos, poder-se-ia dizer com as palavras do Canon da Missa (oragáo «Te igitur»): é a fé e a devofáo (espi rito de entrega e de amor) dos cristáos, em uns mais intensa, em outros menos vivida, que os torna capazes de impetrar em seu
favor e em favor de outrem, as gragas decorrentes do sacrificio eucarístico. — 101 —
-PERGUNTE
K
RESPONDEREMOS^.!'1958^ qu._£
3. Enunciados osles principios gerais, deseamos a porme nores da doutrina.
Costumam-se distinguir tres tipos de frutos decorrentes de cada celebracáo da S. Missa : a)
frutos gerais, isto é, grasas que redundam em bene
ficio de toda a S. Igreja e de cada um de seus membros diretamente; indiretamente, beneficiam também todos os homens que nao pertencem á Igreja, visto que a santificacáo dos cristáos implica a santificagáo do mundo;
b) frutos especiáis : sao gracas quo tocam ao celebrante, aos seus ministros e a todos os quo assistem físicamente ao sacri ficio, néle tomando alguma parte;
c) frutos especialíssimos : sao gragas cuja aplicagáo a Misericordia Divina deixa á livre escolha dos fiéis. Pode-se-lhes, portanto, assinalar um destino particular; é o que os fiéis fazem quando pedem seja a S. Missa celebrada por tal ou tal de suas
ir.tengóes propinas (por um defunto, em acáo de gracas, etc.). — A intencáo formulada será mais ou menos beneficiada na medida da fé e da devocáo dos cristáos considerados na seguinte hierarquia : 1") o sacerdote quo celebra a S. Missa, pois éste será o representante imediato da S. Igreja em tal ato litúrgico;
2?) os fiéis que tiverem ocasionado a celebracáo da Missa formulmido a rospooliva i.ntrncño, pois osles sorño, logo a pos o celebrante, os oferentes m:iis diiclos, |ior eonseyuinle (is mais
próximos representantes da Igreja; 3")
os fiéis que estiverem presentes á celebracáo do sacri
ficio, rezando com o celebrante; 4") os fiéis da quos), pois todos es Igreja; sao éles que mana da Esposa de
Igreja universal (mosmo ausentes c longincristáos sao envolvidos nos atos oficiáis da constituem de maneira concreta a face hu Cristo. Disto tudo se depreende a importancia que tém as disposicóes de piedade com que os fiéis assistem a S. Missa. Compreende-se também que mais de urna S. Missa seja aplicada por urna só intengáo : já que nunca se podem avaliar com precisáo os efeitos produzidos por urna celebracáo eucarística, é obvio que se repita a aplicagáo da S. Missa pela mesma intengáo, a fim de finalmente se atingirem todos os beneficios colimados por esta intengáo. — Caso nao fósse mais necessária a celebragáo em vista de tal fim, os frutos respectivos redundariam em proveito das intengóes gerais da S. Igreja. — 102 —
CULTO
DOS
SANTOS
E
PAGANISMO
CAKMEN (S. Joño de Mcriti) :
5)
«O culto dos Santos nao será paganismo, que corrompe
1.
Embora o culto dos santos seja por vézes exagerado
o Evangelho? Eni particular, a devocáo a María parece derrogar á excelencia de. Cristo, o Único Mediador entre Deus e os homens (cf. 1 Tim 2,5)».
por parte de devotos pouco esclarecido?, ele possui um sentido
profundamente cristáo; dir-se-á mesmo :.. . um sentido esseneialmenie teocéntrico e eristocéntrico. Com efeito. Quem sao os sanios, que a piedad'1 ciisiá lem em vista?
Sao membros do Corpo Místico de Cristo nos quais a Redencáo deu a plenitude de seus frutos; terminaran: a sua peregrinacáo terrestre totalmente penetrados pelo amor de Cristo, fielmente configurados a Ele, e gozam atualmente da visáo de Deus face a face. Conscientes disto, os cristáos, desde os primeiros sáculos, voltaram sua atencáo para os santos (em primeiro lugar, para os mártires, que sao os mais belos frutos da obra do Redentor) a fim de os envolver na sua piedade. Anualmente no dia aniver sario da morte (chamado com muito acertó «o dia natalicio») de tal mártir ou tal justo famoso, os fiéis se reuniam e se reunem, para celebrar a Liturgia votiva do santo. K mial i) sentido pivciso dessa colebra^ao? Nao desvia ola a atencáo dos orantes, que deve estar toda voltada para Deus?
Nao. A genuína piedade para com os santos é — repitamo-lo — teocéntrica; nem querem éles ser cultuados em detrimento da nossa uniño com Deus; muito ao contrario, só desejam que esta se intensifique. Na verdade, os santos, em primeiro lugar, constituem mo tivo especial para que os cristáos adorem, louvem c agratteeam a Dcus. Com efeito, todo santo é do seu modo um artefalo esme rado do Criador e do Redentor (cf. SI 4,4); é urna expressáo enfática da sabedoria de Cristo e da sua vitória, que néle se desdobra com matizes particulares e traeos minuciosos muito vivos. E ó essa magnificencia divina que, antes do mais, os fiéis reconhecem e agradecem ao considerar os santos. O culto pres
tado a estes, portante, é sempre relativo; é o culto indireto do Criador, do Redentor e de sua Bondade (está claro que o cristáo nao pensa em adorar os santos, muito menos aínda adorar urna estatua de santo). — 103 —
"PERGUNTK
E
RESPONDEREMOS:
3/195S,
qu. 5
Após evocar á nossa memoria Deus e suas obras, a figura
do Santo cultuado nao pode deixar de despertar nos fiéis que ainda peregrinam nesta térra, o desejo de chegarem também éles ao termo consumado ou a Jerusalém celeste em que se encontram os bem-aventurados. Por isto o culto dos santos implica, em segundo lugar, urna prece, geralmente dirigida a Deus Pai, a fim de que, por intercessáo de tal ou tal membro da corte celeste, nos queira outorgar «o pao nosso de cada dia», as gracas, tanto
espirituais como sensíveis, de que necessitamos para conseguir a plenitude da Redengáo, para ser imagem perfeita do Cristo Jesús (cf. Rom 8,29). O santo, em tal caso, ó considerado como o amigo que, em virludo de sua caridade, nao pode deixar de orar pelo amigo que déle precisa; as preces dos justos consuma dos sao, sem dúvida, particularmente agradáveis ao Pai do céu (cf. Gen 18,22-32). Mais ainda : quando oramos a Deus apresentando-lhe a obra grandiosa que Ele realizou em seus santos,
valemo-nos déles como que de penhorcs da nossa consumagáo; é-nos lícito apoiar-nos sobre o que Deus já fez em seus justos para pedir faca algo de semelhante em nos.
A Sagrada Escritura mesma dá-nos a saber que o Ssnhor
do céu manifesta aos seus justos o que nos concerne na térra, mórmente as nossas necessidades; mostra-nos também como, em conseqüéncia, oram por nos (alias, como se poderia admitir o contrario, desde que constituímos urna grande familia, um Corpo
Místico, a Comunháo dos Santos?). Tenha-se em vista, por exemplo, o texto de 2 Mac 15, 11-14, segundo o qual Judas Macabeu contemplou no céu Onias, o antigo Sumo Sacerdote, de «aspecto modesto e costumes brandos... entregue desde a infan cia a todas as práticas da virtude, o qual estendia as máos e orava por toda a nacáo dos judeus». Viu também Jeremías, «notável por sua dignidade, revestido de prodigiosa e soberana majestade», a respeito do qual lhe foi dito : «Éste é o amigo de seus
irmáos, aquéle'que muito ora pelo povo e por toda a Cidade Santa, Jeremías, o profeta de Deus».
Pode-se lembrar outrossim que no Apocalipse o vidente des-
creve um anjo a fazer subir até o trono de Deus as preces profe ridas pelos justos na térra (8,3s).
2. As oragóes clássicas que a Liturgia formula no culto dos santos geralmente se dirigem a Deus Pai, para O louvar e suplicar mencionando os méritos tal ou tal justo. Contudo, após o que foi dito, vé-se nao ser erróneo interpelar diretamente os santos; é mesmo éste o modo mais comum como o povo cristáo — 104 —
CULTO
DOS
SANTOS
E
PAGANISMO
os cultua. Isto nao quer dizer que sejam considerados fontes de grabas e doadores da Redengáo. Ao contrario, todo fiel sabe perfeitamente que os santos sao grandes únicamente por causa do Sumo Sacerdote, cujos méritos frutificaram néles;... sabe que o Cristo é o único Dispensador da salvagáo. A esta verdade, porém, nao inflige derrogacáo nenhuma quando pede aos santos unam suas preces as nossas no intuito de nos obter os beneficios do Redentor; se se tornam intercessores nossos, a sua mediagáo nao se coloca ao lado da de Cristo, encobrindo o papel do Salva
dor, mas, ao contrario, fica toda sujeita a Jesús; é mesmo urna
afirmacáo nova, por vézes esplendorosa, da mcdiac.no do Re dentor.
É neste sentido que a Igreja entende a piedade para com os santos.
3.
Tais idéias se aplicam de maneira especial á devocáo a
Maria Santíssima. Além de ser, dentre as criaturas, a que mais agradou a Deus, Cristo quis torná-la Máe dos homens (cf. Jo 19,26s); o que quer dizer : associou-a particularmente a nos por caridade, e confiou-nos de modo especial á sua protegáo. Cons cientes disto, é que os cristáos recorrem com ternura filial as preces da Máe do céu; sabem que é esta a criatura na qual Cristo com mas abundancia quis derramar os beneficios da Redengáo, unindo-a muito intimamente a Si em toda a sua obra salvadora: foi por Maria que Cristo veio ao mundo; a carne de Maria e a carne de Jesús eram «urna só carne» (como se diz clássicamente). O próprio Senhor se dignou mostrar quanto lhe agradava a intercessáo de Maria : por ocasiáo das bodas de Cana, rogado por sua Máe Santíssima, insinuou-lhe primeiramente que ela desejava algo de muito grande (quase a «antecipagáo da sua hora»), mas nao deixou de fazer o seu primeiro milagre justa mente a pedido de Maria (cf. Jo 2,1-11). Éste episodio tem certamente
profundo
significado
para
se
avaliar
a
devocáo
a
Maria Ssma.
Note-se ainda que esta em absoluto nao derroga á media gáo de Cristo; foi mesmo por causa da Jesús, para mais O por em realce, que a atengáo dos fiéis pela primeira vez se voltou para Maria de modo solene : no séc. V, a fim de defender o ge nuino conceito da Encarnagáo do Filho de Deus, os bispos e teólogos reunidos no concilio de Éfeso (431) definiram convir a Maria verdaderamente o título de «Máe de Deus» (Theotókos); dizendo isto, queriam proclamar, contra o Nestorianismo, haver em Cristo urna só Pessoa — a Divina (cf. «Pergunte c — 105 —
^PERGUNTE
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RESPONDEREMOS^
3/1958,
qu.
6
Responderemos» fase. 6 de 1957, qu. 3). Assim a primeira afir magáo mañana da teología católica foi, em última análise, urna afirmagáo cristológica; e foi sempre em fungáo de Cristo, subor dinadamente a Jesús, que a genuína piedade crista cultuou a Santa Máe de Deus. 4. Alias, entre os protestantes contemporáneos nota-se uma renovagáo da estima a Maria : apareceu recentemente um
folheto protestante na Suiga, onde se lamenta que a Reforma
tenha ido táo longe ñas suas derrogagóes ao culto de Maria e se afirma que o Protestantismo terá de reparar as injustieas comelidas para rom a iVlfu» do Salvador, que ó lainbñn a Mfu* da crislandade tuda, visto que, .sendo pela le híñaos de Jesús, have-
mos também de ser filhos de Maria. Em Taizé-Cluny (Franga)
existe uma comunidade de religiosos reformados (como que monges protestantes) que, dedicando-se á Liturgia, editaram para seu uso um livro de Oficio Divino para cada dia do ano (especie de Breviario); nesta obra estáo assinaladas as festas da Anunciagáo e da Purificagáo de Nossa Senhora, assim como uma festa mañana para 15 de agosto. Max Thurian, o pastor dirigente dessa comunidade, observou que, se a invocagáo dos santos nao é disciplinarmente legítima na Reforma, ela parece ao menos lícita. Semelhante afirmagáo foi proferida pelo pastor
Vidal, secretario da Federagáo Reformada de Franca. É muito interessante também o testemunho de Karl Barth, o mai.s importante teólogo protestante do nossos días : «No séc. XVI importava dizer que os santos da Igreja, os defuntos, nao tém a possibilidade de nos ajudar. Contudo, talvez íósse lícito acrescentar um ponto de interrogacáo a aíirmaciío táo categórica. Nao estou tüo certo de que os santos da Igreja nao nos podem ajudar: os Reformadores, por exemplo, e os santos que estüo sobre a térra. Vi vemos em comunhSo com a Igreja do passado e déla recebemos um auxilio. Um fato, porém, é certo : nem os homens vivos, nem os que já morreram, podem-se tornar para nos o que Deus é para nos — um socorro na grando oprossao que ó a nossa diante do Evangelho e da Lci» (La priero d'apres les cntéchismi's di- la Réíormation. Neuchátel/Paris 1949, 33).
NAZARETH (Rio de Janeiro) :
6) «Quais os argumentos bíblicos e teológicos aplicáveis na controversia com os batistas, sobre a doutrina da graca? A maneira como concebem a salvacáo parece bem diferente da católica». 1. Antes do mais, convém lembrar os tragos das mencionadas doutrinas batistas. — 106 —
principáis
A TEOLOGÍA DOS BATISTAS
Para os batistas, «a salvagáo do crente é eterna», o que quer dizer : todo homem que sincera e firmemente confie em
Cristo, pode considerar-se filho de Deus, destinado infalivelmente a conseguir a bem-aventuranga eterna; nada absoluta
mente (nem tentagóes, nem infidelidades passageiras) lhe poderá arrebatar o galardáo celeste; Deus, que é rico em meios para auxiliar os seus fiéis, saberá sempre fazer prevalecer a virtude e a causa do bem em tal alma. Donde se segué que as obras (sejam virtuosas, sejam pecaminosas) nao influem deci sivamente sobre a salvacáo eterna : tudo depende de crer, ou molhor, confiar em Cristo. Quanto aos f|iio so porclom no inICnio, se i "'i preciso di/.or <|Uf om vonlado tmtic;i livrram a ki"m."' de Deus, pois esta, urna vez possuida, leva iní'ulivelmcMite o seu possessor á gloria celeste. Os textos bíblicos sobre os quais se funda tal doutrina, seriam aqueles em que Jesús ou os Apostólos afirmam terem
os fiéis recebido a vida eterna; cf. Jo 3,15.36; 5,24; 6,40.47. Ao passo que estas passagens gozam de alto apréco e.ntre os batistas, é menos estimado o sermáo de Jesús sobre a montanha (Mt 5-7), trecho em que o Senhor recomenda aos fiéis urna conduta de vida aparentemente legalista, cumplidora de obras. Urna sintese da soteriologia batista se encontra no livrinho
de William Taylor, A salvacáo do crente é eterna, ao qual havemos de nos referir mais de urna
vez ñas consideracóes
abaixo.
2.
Que dizer de tais idéias?
Em primeiro lugar, reconheca-se que
«vida
eterna», se
gundo as Escrituras, é realmente vida imortal ou sem fim (Taylor, no seu opúsculo, muito se empenha por demonstrar filológica e etimológicamente que o «eterno quer dizer eterno mesmo»; cf. pág. 13 da ob. cit.). Nao resta dúvida, pois, de que a vida que Deus da ao homem em Cristo, do per si, carece
de finí (tem como qualidade inerente a si a imortalidade). Disto, porém, seguir-se-á que vida eterna ó também inamissivel, quando dada de presente a urna criatura? Nao. A ilacáo nao seria lógica nem é recomendada pelas Escrituras.
3. Nao seria lógica. .. Algo de eterno nao é necessáriamente algo que nao possa ser perdido pelo seu possuidor (sem deixar de ser por si mesmo eterno). Posso possuir uin tesouro em si duradouro ou perene: se eu o guardar fielmente, ele será — 107 —
-PERPUNTE
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RESPONDEREMOS»
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6
duradouro em meu proveito; se o negligencia r, perdé-lo-ei, isto é, o tesouro continuará a ser perene, nao, porém, em meu favor. O adjetivo «eterno», portante, designa a índole do dom que Deus outorga aos homens, quando se considera éste dom da parte de Deus e em si mesnio. Para que éste dom se torne per manente ou sem fim no cristáo, nao se excluí (ao contrario, a Escritura a requer) a livre colaboracáo déste, ou seja, a livre accilagíio da grncu c tl continua entrega do discípulo a esta; pois Deus, que nos fez sem nos, nao nos salva sem nos, como diz S. Agostinho. O Senhor, sem dúvida, é fiel as suas promessas e aos scus dons (cf. Rom 8; 1 Cor 1,9); nao retira por ini
ciativa própria o quo filo conivdou, mas lambérn nao forca o homom nom a aechar nom a guardar o dom divino; justa
mente, se o Criador fez o homem livre, fé-lo para que éste, á diferenca das criaturas inferiores, se encaminhasse para Deus usando do seu livre arbitrio.
Entende-se, porém, porque nossos irmáos batistas identifiquem vida eterna e vida inamissível. Nao reconhecem o valor do livre arbitrio e da colaboracáo humana com a graga de Deus; e nao o reconhecem, por causa das premissas luteranas e calvinistas que éles abracam : os batistas constituem urna confissáo fundada no séc. XVIII por John Smyth, ministro anglicano (cf. «Pergunte e Responderemos», fase. 7 de 1957, qu. 17), o qual se inspirou preponderantemente de idéias calvinistas. Em nistas?
quo
consistem,
poLs,
cssas
premissas
luterano-calvi
Lutero no séc. XVI deu inicio ao movimento da Pseudo-Refcrma, afirmando, entre outras coisas, que o pecado origi nal destruiu o livre arbitrio no homem, de sorte que éste é inca paz de fazer o bem (praticar obras boas) de acordó com as decisóes de sua vontade. Em compensagáo, Lutero ensinava que seus discípulos podiam ter certeza da sua justificacáo (ou de possuirem a amizade de Deus nesta vida) na medida em que tivessem fé ou confianga inabalável em Cristo. Calvino relomou estas idéias e as desenvolveu; ensinou que a fé ou confianca no Redentor dá ao crente certeza infalível nao só da sua justificagáo momentánea (na vida presente), mas também da sua salvagáo eterna (na vida futura); a vontade humana nao entra em conta no processo de salvagáo eterna; destarte Calvino que-
ria enfáticamente exaltar que Deus é tudo, e o homem nada. A honra de Deus Ihe parecia exigir tais afirmagóes. Note-se que os mesmos principios levaram Calvino a dizer outrossim que existe urna predestinagáo que é absoluta da parte de Deus :
— 108 —
A TEOLOGÍA DOS BATISTAS
desde toda a eternidade, o Todo-Poderoso decretou que tais e tais individuos se salvaráo no céu, ao passo que tais e tais outros se perderáo .no inferno; ésse decreto de predestinagáo é de todo inalterável; o homem nada pode fazer contra ele, de modo que o predestinado para a gloria recebe a graga de Deus e, ainda que peque, nao fica no pecado; o predestinado para o inferno nunca recebe a graga de Deus e, ainda que pratique atos bous, nao doixa do sin1 viciado ou man. Estas ¡drir.s 'vporcutiram, sem dúvida, na formagáo do credo batisla. Nos seus inicios (séc. XVII) os batistas se dividiam em «Batistas gerais» (professando que Cristo por sua cruz salvou todos os érenles) e «Balistas particulares!* (professando que salvou apenas os predestinados). No docorrcr do .sóc. XVII, na Inglaterra, foram prevalecendo os Batistas particulares, enquanto declinavam os Batistas gerais. No séc. XVIII, quando as comunidades batistas corriam o perigo de certo entorpecimento,
foram
provocadas
a
novo
fervor
por
John
Wesley
(t 1791), fundador de urna seita á parte, o Metodismo, que propugnava urna espiritualidade mais metódica. Os batistas, por seu turno, comecaram entáo um movimento de .evangelizagáo
popular, tendo como um dos seus pioneiros no inicio do séc. XIX
William Carey Taylor; éste fundou a «Sociedade dos particulares para a propagagáo do Evangelho entre os e partiu para as indias. Foi éste movimento que deu as rísticas próprias á vida batista na Inglaterra e nos Unidos.
Batistas pagaos» caracte Estados
4. Mas será que a S. Escritura mesma nao sugere a identificagáo de vida eterna e vida inamissível? Nao. É bem evidente que ela acautela os fiéis contra o perigo de por sua própria culpa perderem a graga de Deus e conseqüentemente a vida eterna. É, por exemplo, o que S. Paulo inculca aos Filipenses : «Assim como sempre obedecestes..., assim também operai a vossa salvagáo com temor e tremor» (2,12). O mesmo Apostólo diz que procura tornar-se conforme á morte de Cristo, «para ver se de alguma maneira
posso chegar á ressurreigáo dos mortos. Nao que já a tenha
alcangado ou que seja perfeito, mas prossigo para abragar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesús. Irmáos, quanto a mim, nao julgo que naja alcangado; mas urna coisa fago,
e é
que,
esquecendo-me
das
coisas que atrás ficam,
e
avangando para as que estáo diante de mim, prossigo para o alvo, pelo premio da soberana vocagáo de Deus em Cristo Jesús» (3,10-14; tradugáo de Ferreira de Almeida).
— 109 —
-PERGUNTE
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6
Aos Corintios o Apostólo afirma exercer a mesma solicitude para conseguir a salvagáo : «Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E faco isto por causa do Evangelho, para ser também partici pante déle. Nao sabéis vos que os que correm no estadio, todos na verdade correm, mas um só leva o premio? Correi de tal maneira que o alcancéis. E todo aquélc que luta, de tudo se abstém; éles o íazem. para alcancar uma coroa corruptível, nos, porém, uma incorruptivel. Pois eu assim corro, nao como a coisa incerta; assim combato, nao como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo á servidáo, para que, pregando aos outros, eu mesmo nao venlia de alguma maneira a ficar rpprovnrto* (1 Cor í),22-27>.
W.C. Taylor, anulisando esta passagem lao significativa, julga que o apostólo nao se refere á consecucáo da salvagáo eterna, mas apenas a obtencáo de um galardao independente
da salvagáo; Paulo teria tido a certeza de ser salvo, nao, porém,
a de conseguir uma coroa de vitória no céu (como os atletas podem hesitar a respeito de sua vitória ou da aquisigáo de uma coroa no estadio). Ora esta distingáo do comentador inglés é totalmente estranha á Biblia; vida eterna e galardao (ou coroa) da vida eterna se identificam plenamente na Escritura Sa grada; o dom que Deus dá definitivamente ao homem no céu é um só, é simplesmcnte a vida eterna; nao há vida eterna com galardao (ou com coroa) nem vida eterna som galardao (ou sem coroa) : licm;ivi-iil in .ni')
o
v.ilao
<|Uc
sofiv
;■
IciiIíc ai>.
]hmí|Ui\
(¡liando
fór provado, receberá a corou da vida, a qual o Senhor tum prometielo
aos que O amam» (Tg 1, 12). «Quando aparecer o Sumo Pastor, alcancarcis a. incorruptivel coroa de Kh'ir'r.Dn (I Pdr ñ,4). "Sé fiel ató a morto, c cu t<; darci ;i coroa da viil:i... Guarda o que tons p;ira quo ninguém lome a lna coroa», diz o Senhor no Apocalipse (2,10; 3,111.
Alias toda a^ epístola de Sao Tiago (que Lutero rejeitava, mas que CalvLno e os protestantes modernos reconhecem como canónica) inculca fortemente a necessidade de obras boas para que o cristáo nao venha a perder a vida eterna. «Meus irmáos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e nao tiver as obras? Porventiira a fó pode salvá-lo?... A fé, se nao tiver as obras, é morta em si mesma... Tu crés que há um só Deus; fazes bem. Também os demonios o créiun e cstrcmec.em. Porventura o nosso pai Abraáo nao foi justificado pelas obras, quando oferecia sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vés que a fé coopera com as suas obras e que pelas obras a fé foi aperfeicoada... Vés entao que o homem é justificado pelas obras, e nao simiente pela fé. .. Porque, assim como o corpo sem o espirito está morto, assim também a fé sem obras é morta> (Tg 2,14.17.19.2Js.24.261.
— 110 —
A TEOLOGÍA DOS BATISTAS
Se, de outro lado, Sao Paulo tanto acentúa o valor da fé (principalmente em Rom e Gal), parecendo excluir o das obras, isto se deve ao fato de que Sao Paulo tem em vista o inicio da justificagáo; combatendo a mentalidade legalista de certos judeus, quer afirmar nao haver méritos previos do homem que lhe possam merecer o dom da fé sobrenatural; esta é concedida por Deus de modo totalmente gratuito, sem que em absoluto o homem a possa atrair a titulo de justiga ou em recompensa; é, sim, crendo dócilmente na Palavra de Deus com ánimo contrito que o pecador comeca a ser amigo
do Deus o recebe o gormen da graea santificante ou da vida eterna; depois desta prime-ira conversao o justif ¡carao é que poderá, com o auxilio de Deus, realizar obras meritorias. — Sao Tiago nao contradiz a Sao Paulo porque visa queslüo di ferente : considera nao o ingresso no estado de graca, mas a couservacao desta última; assegura entáo que impossivel é perseverar na amizade de Deus únicamente mediante a fé; as obras boas se tornam imprescindíveis para que alguém nao se torne como os demonios, os quais acreditam, sim, mas, nao obstante, estáo condenados por nao terem as obras da caridade.
Quem
considera
as
perspectivas
próprias
visadas
por
S. Paulo e S. Tiago, nao dará valor absoluto a afirmacóes de um ou de outro separadas do seu contexto, e saberá estimar a necessidade das boas obras para que alguém nao se perca. MiMver atencao o falo do que a S. Escritura oxigi* categóri camente as obras boas de todo o quulquer cristáo, sem distin guir entre predestinados e nao predestinados; nao fala de homens que, aparentemente apenas, se perderáo pelas suas más obras, o homens, que realmente so perdorao polas suas más obras. É Sao Paulo quem assim escreve : vida
«Deus recompensará cada um segundo as suas obras, a sabor : a eterna
aos
que,
com
perseveranca
cm
fazer
o
bem,
procuram
gloria e honra e incorrupto; mas a indignaciio e a ira aos que sao contenciosos o desobedientes á verdade e obedientes á iniqüidade; tribulacáo c angustia sobre toda alma do homem que obra o mal, primeiramente do judeu, e lambém do grego; gloria, porém, c honra e paz a qualquer que obra o bem, primeramente ao judeu, e também ao grego* (Rom 2.6-10).
Vé-se nesta passagem como S. Paulo mesnio ¡issocia estritamente a sorte eterna á prática de obras. Contudo está claro que as boas obras do justo nao constituem urna fonte de salvagáo independente dos méritos de Cristo; sao produzidas com o auxilio da graca do Redentor, — 111 —
«PERGUNTE
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RESPONDEREMOS»
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que nelas frutifica. Seria impossível, porém, nao as levar em conta no processo da nossa justificagáo; haja vista o relevo enorme que Cristo lhes deu no seu sermáo sobre a montanha, o qual, segundo Sao Mateus, proferido logo no limiar da vida pública de Jesús, constituí a Magna Carta do Reino de Deus. Nenhum comentador de autoridade, cristáo ou náo-cristáo, ousaria afirmar que o «sermáo do monte em geral só ensina indiretamente o Evangelho... a própria linguagem do Evangelho está ausente de Mateus 5 a 7» (cf. Taylor, ob. cit. 79). Ao contrario, os estudiosos o os homons do Dous somprc roconheceram no sermáo sobre a montanha urna das exprcssóes mais típicas da mensagem de Jesús ao mundo. Por último, será preciso reconhecer (fazendo eco á S. Es critura e aos nossos irmáos batistas) que a grasa santificante possuida nesta vida é realmente o germen ou a sementé da gloria celeste; náó há soluqáo de continuidade entre o dom de Deus que os justos trazem nesta peregrinagáo terrestre e
o dom que renova a alma e o corpo dos santos no céu; a dife-
renc.a é apenas a que intercede entre a sementé e a planta ple namente desenvolvida. Neste sentido pode-se e deve-se dizer que eterno é o dom de Deus; isto, porém, nao significa que o
homem nao o possa recusar livremente no decorrer desta vida, mesmo depois de o haver aceito. Nao levar em conta a liberdade da criatura seria indiuno do Dous, quo justamente quer ser louvado nao apenas por autómatas, mas por seres a quem
Ele deu urna livre vontade como expressáo de maior perfeicáo ontológica. III.
SAGRADA
ESCRITURA
JOSUÉ (Rio, de Janeiro) :
7)
«Em quo lugar da térra ficava o paraíso onde vive-
ram Adao c Eva ?»
Baseando-se ñas sobrias e obscui*as indicagóes de Gen 2,8-14, os autores, desde remota antigüidade, tém-se esforzado
por indicar a situagáo geográfica do paraíso dos primeiros pais.
Hoje em dia contam-se cérea de oitenta teorías concernentes ao assunto; o paraíso terrestre tem sido colocado na Mesopotámia, na Armenia, na Arabia, na india, na China, mesmo .no Polo Norte, na África Ocidental, na Alemanha Setentrional, ñas ilhas Canarias, no Perú.. . Por ocasiáo das Cruzadas, ou seja, em 1165 aproximadamente, o Imperador bizantino o o Papa — 112 —
ONDE FICAVA O PARAÍSO TERRESTRE ?
receberam cartas de um pretenso rei da India, que lhes notificava estar o paraíso situado a tres dias de viagem apenas do seu reino... Sabe-se ainda que, no fim do séc. XV quando Cristóváo Colombo descobriu a foz do Orenoco, julgou que éste rio imenso devia sair do paraíso terrestre! Ao lado destas teorías, convém notar a opiniáo de algunsjudeus e cristáos que, movidos de respeito sagrado, localizavam o paraíso fora dó mundo terrestre ou ao menos acreditavam ter sido transferido para fora do mundo, já que éste se lhe tornou inóspito após o pecado. Outros cristáos, ao contrario, afirmaram que existe na torra, mas 6 inacessívol, coreado quo esfú de montes, agua e fogo.. .
Os criterios para os quais.geralmente apelam os autores de hipóteses, sao os nomes dos quatro ríos que, conforme Gen 2,
irrigavam o paraíso : Fison, Gehon, Tigre e Eufrates. Ao passo que os dois últimos sao bem conhecidos, muito se discute a identidade dos dois primeiros; prevaleceu durante muito tempo a tese de que sao respectivamente o Ganges (na Asia Oriental) e o Nilo ou um de seus afluentes (na África); ora, dada a dis
tancia a que se encontram essas caudais urnas das outras, en-
tende-se que muito variadas hajam sido as sentengas referentes ao local do paraíso terrestre. Em conseqüéncia, nao poucos autores julgam insolúvel esta questáo geográfica.
IIojo em día, porém, com o ranhecimento niais oxato dos géneros literarios ou do expressionismo dos antigos, percebe-se que o problema está mal posto : o autor bíblico nao quería em absoluto indicar a situacao topográfica do jardim primitivo,
mas, consoante a intengáo geral dos hagiógrafos, visava ircutir
urna verdade religiosa: com efeito, ensina o Génesis que o Cria dor elevou o primeiro casal a grande dignidade sobrenatural, concedendo-lhe a graga santificante e os dons do estado de ino cencia; ora o escritor sagrado nao quis senáo ilustrar a digni
dade interior do homem, quando apresentou a mansáo dos pri meiros pais como lugar ameno e encantador; segundo a sua
mentalidade, o «habitat» do homem agraciado por Deus devia ser também um lugar «agraciado» ou gracioso. E, para o orien tal, um lugar ameno é naturalmente um parque irrigado por quatro rios :
O rio é sempre fator e símbolo de fecundidade, vida e civi-
lizacáo;
quatro era o número que, conforme os antigos, simbolizava a totalidade das coisas déste mundo; — 113 —
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por conseguinte, quatro rios significavam, em Gen 2, toda a fecundidade, todos os beneficios que as aguas fluentes podem trazer a uma regiáo.
E, para mais inculcar a sua tese, o autor quis dar aos qua tro rios simbólicos os nomes de quatro imponentes caudais : tais eram certamente, para o oriental, o Tigre e o Eufrates; o valor benéfico do Fison é indicado por correr éste rio em torno de uma térra rica em substancias preciosas (ouro ótimo, pedra de ónix, resina aromática; cf. 2,lls); quanto ao Gehon, bastava dizer que tocava a Mesopotámia, de um lado, e a Etiopia (Cuche), dt> oufro lado, para indicar a sua pujanca (cC Gen 2.13).
Por cc.nseguinte, o leitor da Biblia interpretará os quatro rios paradisíacos como expressáo figurada da riqueza e dos en cantos que ornavam a primeira mansáo do homem. Quanto á situacáo topográfica desta, o texto bíblico nada diz; o autor sagrado a devia ignorar (dado o longo intervalo de tempo que o separava de Adáo e Eva) e o Espirito Santo nao julgou neces-
sário revelar-lhe éste dado de ordem meramente geográfica (já que religiosa ó a finalidade da Biblia). Nao lia, pois, diriouklado em so admitir, como opinam geó logos recentes, que o berco do género humano tenha sido nao
a Asia, mas a África, mais precisamente a África do Sul. Jl'JKÓNI'VIO «¿uiiraliba):
8) «Qual a data cxata do nascimento de Nosso Senhor Jesús Cristo ?» 1. Quanto ao dia e ao mes em que nasceu Jesús, desde o séc. III os cristáos carecem de indicagóes seguras. O escritor
Clemente de Alexandria (!• antes de 215), por exemplo, apontava o dia 25 Pachón (20 de maio) ou o 15 Tybri (10 de Janeiro) ou o 11 Tybri (6 de Janeiro), sendo esta última a data mais comumente aceita, conforme Clemente. Outro escri tor, autor do «De pascha computus» (falsamente atribuido a S. Cipriano, y 258), indica a data de 29 de margo. S. Hipólito de Roma (v 235) falava do dia 2 de abril do ano de 5500 após a criacáo do mundo Prevaleceu, porém, no uso cristáo a data
de 25 de dezembro. Porque ? A data de 21 de margo, equinócio da primavera, era tida, segundo as concepcóes dos antigos, como data inicial da cria— 114 —
__
A
DATA
DO
NASCIMENTO
DE
CRISTO
gao do mundo; foi, por coiiseguinte, considerada outrossim como data provável da Encarnagáo do Criador. Mais ainda : o profeta Malaquias (4,2) apresenta o Messias qual Sol de Justica; por sua vez, Jesús se chama «a luz do mundo» (cf. Jo 8,12). Em conseqüéncia, os cristáos escolheram o quarto dia (conforme Gen 1,14-19 no quarto dia Deus fez o sol, a lúa e as estrélas) da semana que comega a 21 de margo, ou seja, o dia 25 de margo, para comemorar a conceigáo do Salvador no seio de María Virgem. Daí decorria que o nasci mentó de Jesús havia de ser celebrado nove meses depois, isto é, aos 25 de dezembro. Foi talvez em meados do séc. IV que se implanlou defi nitivamente a observancia tiesta data em Roma.
É possivel que sobre a escolha da data litúrgica ten'su exercido influencia o calendario civil de Roma. O Imperador Aureliano em 274 introduziu a 25 de dezembro a celebragáo do Sol Invictus ou do deus Mitra. Em 362 o Imperador Juliano o Apóstata (i 363) escreveu o opúsculo «De Solé Rege» (Sobre o Rei Sol) a ser lido em Roma .no dia 25 de dezembro, a fim de celebrar o sol. Ora sabe-se que as autoridades da Igreja nao raro procuravam santificar datas ou costumes famosos do culto pagáo mediante urna celebragáo crista; assim a fim de inculcar tjue Cristo ó realmente o Sol de justiga Invicto, único capaz de corresponder as aspiragóes dos homens, teriam •escolhido o dia 25 de dezembro para a celebragáo litúrgica de Natal; os bispos costumavam nao simplesmente extirpar os usos pagaos, mas, na medida do possivel, os cristianizavam, servindo-se déles como de instrumentos pedagógicos que levassem o povo a compreender melhor o significado de Cristo. 2. Quanto ao ano do nascimento do Senhor, tém-se dados mais explícitos. Nos primeiros séculos do Cristianismo, contavam-se os anos a partir de diversos acontecimentos famosos da
antiguidade : havia, por exemplo, a era das Olimpíadas, a era da fundaeño de Roma, a era de Diocleciano, a era bizantina. Aconteceu,
porém,
que no
séc.
VI
o
monge Dionisio
o
Exiguo ou Pequeño (v 556), desejoso de calcular a data de Páscoa para os anos subseqüentes, resolveu tomar como ponto de referencia ou inicio de nova era o nascimento do Redentor, acontecimento de importancia máxima na historia. Pós-se entáo a conjeturar a data dóste a partiv de indieaeócs fornea das pelos S. Evangelhos : Le 3,1 refere que Joáo Batista come-
cou a pregar no ano 15" do reinado de Tiberio: no ano seguinte a éste, Jesús foi batizado, tendo aproximadamente trinta anos
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(cf. Le 3,23); por conseguinte, Dionisio recuou trinta anos a partir do 15" de Tiberio, e chegou ao ano 754 da fundagáo de Roma, ano que ele indicou como sendo o do nascimento de Cristo e o inicio da era crista, ainda hoje em voga. Dionisio, porém, enganou-se.
a) Com relacáo a Le 3,1, nao considerou que o ano 15" de Tiberio se contava provávelmente a partir nao da morte de Augusto, mas da elevacáo de Tiberio ao trono na qualidade de «socius» ou compnnheiro de govérno de Augusto (elevacáo que se don dois anos anlos da morte de Augusto). Já a ésto título terá cometido um erro de 2 anos na sua computagáo cro nológica. — Ademáis, Dionisio parece ter entendido com de
masiado rigor a fórmula «cérea de trinta anos», que indicaría a idade de Jesús. Já que, segundo o costume judaico, ninguém podia entrar na vida pública antes dos trinta anos, pode ser que o Evangelista tenha desejado indicar* apenas que Cristo, ao comecar seu ministerio público, já tinha idade legal. b) Dionisio nao levou em conta a noticia consignada por Mt 2,1: Jesús nasceu antes do falecimento do rei Herodes, o qual se verificou no ano de 750, ou seja, no ano A* antes da era crista. Ora Herodes passou doente os últimos meses de sua vida em Jericó, ao passo que os magos ainda o encontraram em
Jorusalóm (cf. Mt 2,3); disto so concluí que a visita déstes personagens a curte de Ilerodcs se deve ter dado, pelo menos, por volta do ano 5" a.C. — Note-se outrossim que Herodes mandou matar todos os meninos que tivessenu até dois anos de
idade : supunha, portanto, que Jesús pudesse ter nascido havia dois anos. Admitindo que o monarca haja fcito um cálculo largo, teremos que recuar um ano ou mais para além do ano 5* a. C., a fim de chegar ao ano em que Cristo nasceu. É o que leva os melhore§ exegetas a admitir que Jesús tenha vindo ao mundo por volta do ano 6" antes da era crista, ou seja, cérea de 748 da era de Roma. Estas indicacóes se completaráo na resposta seguinte. 9) «A estréla que nuion os magos ao presepio nao cons tituí um fenómeno milagroso ?»
1.
Primeiramente, alguns dados sobre os magos de Mt 2.
O nome «mago» vem do sánscrito mahat, grande, dando em Pehlvi a forma mogh, sacerdote. Conforme Heródoto e Xenofonte, os magos constituiam entre os medos e persas urna casta — 116 —
A
ESTRÉLA
QUE
GUIOU
OS MAGOS
sacerdotal muito conceituada, que se ocupava principalmente com adivinhagáo, astrologia e medicina. É bem possível que os magos dos quais fala o Evangelho, fóssem realmente sabios sacerdotes da Pérsia (alguns exegetas preferem a Caldéia, por ser esta a térra clássica dos astrólogos e matemáticos; outros, a Arabia, visto que a palavra «Oriente», empregada pelo Evan gelista, costumava, na geografía palestinense da época, desig nar a Arabia).
Os magos teráo tido conhecimento da expectativa dos judeus referente á vinda de um grande Rei ou do Messias, já que os israelitas após o exilio (séc. VI a.C.) haviam espalhado por todo o Oriente a sua fé no Salvador vindouro; é.sso Salvador era mesmo simbolizado por urna estréla, conforme a profecía de Balaáo:
«Urna estréla que sai de Jaco, torna-se Chefe; Um cetro se levanta, procedente de Israel». (Núm 24,17)
Táo difusa era a expectativa israelita que Tácito (v 120) chegou a escrever, apesar de todo o seu garbo romano : «Os homens estavam geralmente persuadidos, á luz da fó de antigos profetas, de que o Oriente ia tomar a vanguarda, e, dentro em breve, se veriam sair da Judéia aqueles que governariam o universo» (Hist. V 23). Compreende-so, a luz déstes precedentes, que sabios pa caos orientáis tcnhntn reconhocido, no nparecimento de um novo sinal luminoso no céu, a vinda de grande Personagem aguardado como Renovador do mundo.
2.
Pergunta-se agora em que consistía precisamente ésse
sinal luminoso.
O termo grego áster de Mt 2,2 podendo significar tanto estréla como astro, como também fenómeno astronómico, os exegetas tém proposto as mais variadas opinióes para o in terpretar :
a) durante muito tempo estove em voga a scnteng; de Kepler (i 1630), que explicava o sinal luminoso como sendo o resultado da conjuncáo dos planetas Júpiter e Saturno no signo zodiacal dos Peixes; esta conjuncíio se deu de fato no ano 747 de Roma (7 a.C). Tal sentenga levaría a recuar o nascimento de Jesús até o ano 8" a.C. (746 de Roma). A hipótese,
porém, está hoje muito desprestigiada, pois se vé que nao cor responde suficientemente aos dados do texto evangélico (o fe nómeno de conjuncáo de astros por si nao indica rotciro sobre — 117 —
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a térra; nao teria, pois, apontado aos magos o caminho de Belém). b) Outros autores apelam para o aparecimento de um cometa; assim Orígenes, já no séc. III, e em nossa época o famoso Pe. Lagrange. A passagem do cometa de Halley, que em 1910 foi visivel em sua rota do Oriente para o Ocidente, corroborou em muitos estudiosos a opiniáo de Orígenes. Sabe-se, porém, que o cometa de Halley passou sobre as térras do Oriente e do Ocidente no ano 12 a. C., e nao em 6 a. C.: os chineses assinalam, sim, o aparecimento de outros cometas em 1 o 3 n.C, os quais, poróm, paroccm nao ter sido obser vados no Ocidente. Além disto, objcta-sc que os cometas só podem ser observados á noite e, por seu roteiro muito longinquo no firmamento, nao indicam senáo vaga direcáo, insuficiente para se localizar tal pontinho preciso que é urna casa sobre a térra.
c)
Nao resta, portante, senáo a opiniáo que realmente
parece corresponder á mente do Evangelista e á dos antigos Padres da Igreja: trata-se em Mt de um fenómeno milagroso (quanto ao modo como foi produzido), ou seja, de um meteoro que Deus quis servisse especialmente aos magos de pioneiro e guia para a viaj*em que doviam ompreender, a. semelhanca da coluna luminosa que precedía os israelitas na travcssia do de serto (cf. Éx 13,21) : o astro, por disposicáo divina, mostrou-se aos magos o desaparecou <;st lilamente segundo as exigencias do caso. Váo, por conseguinte, se torna procurar explicacao mera
mente natural para o fenómeno. — É esta a sentenga dos melhores comentadores católicos contemporáneos (Benoit, Buzy, Ricciotti...).
ARIEL (Rio de Janeiro) :
]())
«QuaF o
'Se sil«;uéiii
fe
significado auténtico
da frase de Cristo:
linter na face direita, apresenta-lhe
a oiitra'
(Mt 5,39)?» De maneira geral, chama a nossa atengáo o estilo do fa
moso sermáo de Jesús sobre a montanha (Mt 5-7): é muito vivo, visando penetrar e calar fundo na mente dos leitores me diante as suas imagens, os seus contrastes e aparentes para-
doxos. Assim é que Jesús fala aos seus ouvintes de arrancar o próprio ólho (5,29), amputar a máo direita (5,30), só dizer «Sim, sim; Nao, nao», pois seriam inspiradas pelo Maligno (5,36),
— 118 —
ulteriores palavras
DAR A OUTRA FACE A QUEM ESBOFETEIA
entregar o manto a quem queira tirar a túnica (5,40), dar dois mil passos quando nos angariam para mil apenas (5,41), e apresentar a face esquerda a quem bata na direita (5,39).
O entendimento literal destas expressóes tena feito dos discípulos de Jesús, logo no inicio do Cristianismo, um reba-
nho simplório, posto á mercé de todo aventureiro ou explo rador; urna tal «prática do Evangelho» só faria promover o mal no mundo, dando ocasiáo a que impíos e criminosos acabassem por sufocar a causa do direito, do amor e da verdade. As geragóes cristas, desde o inicio da nossa era, bem entende-
ram o sentido metafórico e hiperbólico das citadas frases de Mt 5-7; nunca se julgaram obrigadas, por fidelidade ao Evan gelho, a se arrancar um ólho, amputar a máo direita, entregar manto e túnica em máos do ladráo, nem a apresentar a face esquerda a quem batesse na direita. Jesús mesmo deu a inter-
pretacáo auténtica de suas palavras quando foi esbofeteado por um dos guardas da corte do Sumo Sacerdote judeu: nao julgou necessário, nem mesmo conveniente, fazer-se espancar de novo, mas, mediante palavras serenas, procurou promover o bem do
injusto agressor, pedindo-lhe tomasse consciéncia exata do mo tivo por que havia agido : «Se falei mal, dá testemunho disto; mas, se falei bem,
porque assim me bates ?» (Jo 18,23). Assim procedendo, o Senhor incutia o direito que toca a quem é injustamente acusado, de defender a sua causa e por
as claras a verdade, a fim de que nao seja deturpado o bem comum : «A resposta de Jesús deve servir de garantía aos acusados; é preciso que se lhes reconhega o direito de se defenderem e de responderem livremente» (M.-J. Lagrange, Evangile selon St. Jean. París 1936, 467). Voltando ao
texto
de Mt 5,39, Braun assim
comenta a
atitude do Senhor: «Responder táo tranquilamente, mas com tal firmeza, a um homem irado, diante do qual Jesús estava desarmado, isto era, na ver
dade, apresentar-lhe a outra face» (Evangile selon St. Jean, em «La Sainte Bible» de Pirot-Clamer X. Paris 1946, 458).
IV.
MORAL
OBSERVADOR (Rio de Janeiro):
11)
«Nao será injusta a campanha movida contra a cha
mada Legiáo da Boa Yontade ?» — 119 —
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11
Independientemente de quanto se diga sobre a pessoa do
Sr. Alziro Zarur, interessa-nos aqui analisar á luz do Cristia
nismo (ao qual o Sr. Zarur quer satisfazer) o significado do movimento que ele chefia. Urna das teses mais apregoadas pela LBV é a prática da caridade. O convite, em si atraente, nao podia deixar de pro vocar a adesáo de muitas pessoas bem intencionadas.
Eis, porém, que, ao se praticar a caridade, cedo ou tarde se verifica ser impossível prescindir da questáo religiosa. Caridado implica sacrificio o abncgacáo da parte de quem a excrce; implica o reconhecimento de uní valor (natural ou sobreñatu-
ral) na pessoa do próximo; implica um juízo sobre os bens e a felicidade desta vida. Ora. estes sao pontos que inevitávelmente se relacionam com a idéia de Deus, do sentido que tem a exis tencia humana sobre a térra, ou seja, com a religiáo. Por seu lado, nem o Sr. Zarur quer abstrair da religiáo na sua campanha; muito ao contrario — e ai comeca o mal da historia — a fim de mais estimular os ouvintes a seguir as suas instrugóes, apela para o sentimento religioso da nossa sociedade, e, sendo a grande maioria dos brasileiros crista, é com o Evangelho ñas máos que ele os quer aliciar. Nesta altura, porém, é preciso observar que, embora seja ótima obra divulgar o Evangelho, a ninguém é licito fazé-lo a seu bel-prazer. Só há urna face do Cristo auténtica, como só há um rebanho e um aprisco do Cristo, e é sómentc em meio a éste que Ele se encontra (como Ele mesmo o declarava, se gundo Jo 10,16). A ninguém, portanto, será licito dizer que está em contato com o Cristo pelo fato de abrir o Evangelho e de se unir em espirito, numa linha vertical, ao Cristo que está no céu. Cristo está muito mais próximo de nos : está na térra; foi-se ao Pai, mas voltou ao mundo e permanece conosco, como pro-
meteu (cf. Jo 14,18s); é preciso, por isto, procurá-Lo primeira-
mente em linha horizontal, ou seja, através das geragóes que
ininterruptamente retroceden! a partir dos nossos tempos até atingir o Cristo histórico no limiar da era crista. É nessa linha horizontal (que se chama a Tradicáo crista), e sómente nela,
que o Cristo se encontra vivo; foi nessa linha horizontal que os Evangelhos foram concebidos, escritos e transmitidos continua mente através de dezenove séculos. Se alguém quer separar dessa linha ou dessa Tradigáo crista o Evangelho, separa do Cristo o Evangelho, o que simplesmente quer dizer : já nao prega o Cristo. Pergunta-se, pois, ao Sr. Zarur : como está unido ao Cristo a fim de pregar auténticamente o Evangelho ? — 120 —
A LEG1AO DA BOA VONTADE
O Presidente da LBV repetir-nos-ia que do alto Jesús se lhe comunica diretamente. — Isto, porém, já o afirmaran! muitos, posteriormente comprovados como falsos arautos do Senhor. A via das revelacóes é muito suspeita, porque demais explorada; nem é o caminho usual pelo qual o Senhor se comu nica aos homens. Jesús mandou que nos acautelássemos contra profetas e Messias (cf. Mt 24,23s). Estaña entáo o Sr. Zarur unido ao Cristo na linha hori zontal? Ou em linguagem mais simples : estaría unido á familia sobrenatural do Cristo, á linha de 55 geracoes (aproximada
mente) que modeinm entro Cristo o nos ? Nao; precisamente nao. A sua campanhu dá a entender, em última análise, que nao há urna familia tradicional do Cristo a prolongá-Lo desde o sáculo 1" da nossa era, mas que, a famiiia espiritual do Cristo, é o Sr. Zarur mesmo quem a faz, lendo e revelando, «redescobrindo» o Evangelho para o mundo. A fim de suprir o vazio e a incoeréncia de suas idéias, o Presidente da LBV serve-se muitas vézes de um tom de voz mística, que impressiona o público pouco dado ao raciocinio; assim ele «mis tifica» realmente, inebriando a alma religiosa do povo brasi-
leiro, que inconscientemente se vai afastando do Cristo, Filho de Deus feito homem, para seguir o Sr. Zarur, novo Messias, e um ideal de filantropía meramente humana. Tal ostentacáo,
tal aparato, com que o Presidente da LBV tenta angariar legio
narios, sao de todo condenáveis, nao sómente aos olhos do Cris tianismo, mas também aos da honestidade humana. Se, nao obstante as suas falhas radicáis, a LBV encantrou adeptos e ainda conta com defensores, duas pareceni-nos ser as causas do fenómeno : 1) o sentimentalismo pouco esclarecido da nossa boa gente. Basta falar em miseria para que muitas pessoas se emocionem e fagam alarde (o que nao quer dizer que respondam como deveriam responder). Um dos casos mais típicos de exploracáo do sentimentalismo, exploracáo superficial que nao leva em conta o raciocinio, é o amor a Satanaz, «meu irmáo», apregoado pelo Sr. Zarur...
Com efeito. Refutamos um pouco sobre o que isto significa. Satanaz é um anjo que Deus criou dotado de inteligencia penetrante, mas que abusou da liberdade de arbitrio para se tornar avésso ao Criador; optou conscientemente pela auto-
-satisfacáo em vez de seguir o plano de Deus; e a sua opgáo é irrevogável, dada a perfeicáo da natureza angélica (no homem,
enquanto consta de alma unida ao corpo, ou seja, durante esta — 121 —
K
RESPONDEREMOS*
3/I95X,
qu.
11
vida, as opcóes sao revogáveis, porque o corpo obscurece a perspicacia da inteligencia, a qual conseqüentemente pode re considerar os seus atos e reformá-los). Satanaz, portante, nao quer em absoluto amar nem a Deus nem aos homens (o seu tormento é justamente viver odiando); e ele tudo faz para atrair ao seu odio e á sua desgraga outros parceiros, ou seja, os homens. Sendo assim, que posigáo pode o cristáo tomar diante de Satanaz ? — Enquanto Satanaz é um ser, urna criatura inteligente, ele é uní bem, que do seu modo (por sua existencia mesma)
glorifica a Deus. Mas Satanaz nao ó um mero ser... Em última análise, ó um ser livre, sujeito íi ordem moral; enquanto tal, ele é o contrario do bem, é um mal, e um mal irreformável. Ora o mal como tal nunca pode ser objeto de amor; é a Psico logía, nao sómente a Religiáo, que o ensina (conceber Satanaz de outro modo para poder amá-lo seria conceber um Satanaz que nao existe). Donde se vé que nao tem cabimento, á luz da inteligen cia, falar de «amor a Satanaz»; é contradicáo apta para em briagar os simplórios. O fato, porém, é que quem apregoa ésse absurdo passa talvez por mais caridoso do que os caridosos, mais santo do que os santos; parece mais próximo de Jesús do que qualquer dos anteriores arautos do Evangelho. 2) Tocamos aqui o segundo fator que, a nosso ver, dá voga á LBV; muitos talvez lhe prestem adesao por motivo de orgulho (consciente ou, em nao poucos casos, inconsciente). Ocasióes para praticar a caridade nao faltam em instituigóes já vigentes, principalmente na Igreja Católica; mas na LBV a pessoa socorre os indigentes sem professar a Dogmática do Cristianismo e sem se obrigar a observar as leis da religiáo e do culto de Cristo; na LBV cré-se na existencia de um «Deus» e de um «Jesús»; mas nao se abraga oficialmente nenhum credo religioso; é cada um quem faz a sua religiáo (caso a queira), escolhendo os seus dogmas e obedecendo as normas que agradem ao seu bom senso subjetivo. Ora a nao poucos atrai (talvez sem que o saibam) a perspectiva de nao estar sujeito a alguma obrigagáo religiosa, sem, porém, passar por ateu ou impio aos olhos da sociedade! Quantos nao gostam de por Deus no bolso e tirá-Lo, ostentá-lo, quando isto lhes convém! O que acaba de ser dito, visa apenas incitar a urna reflexáo e abrir caminho á verdade. Em vista disto, foi preciso falar contra
o
procedimento
do
Sr.
Zarur;
mas
note-se
bem:
— contra o procedimento. Quanto á sua pessoa, ela é muito cara a todo cristáo : o discípulo de Cristo, enquanto repudia — 122 —
A
PAPISA
.1OANA
o erro, quer bem ao homem que erra, pois sabe que por ele Jesús derramou a última gota de seu sangue.
Já que o Sr. Zarur tanto estima o Evangelho, entre final mente na familia sobrenatural do Redentor! A Igreja de Cristo ama sinceramente a pessoa do Presidente da Legiáo da Boa Vontade.
V.
HISTORIA
DO
CRISTIANISMO
MIRO SANTOS (Rio
12)
1.
«Hohvíí raesmo na serie dos Papas urna Papisa?»
Duas sao as versees da historia, ou melhor (como se
depreenderá abaixo), da lenda da Papisa Joana. A mais divulgada refere que urna jovem de Mogúncia
(Alemanha), vestida de homem, foi por seu amante levada a
Atenas, onde granjeou grande erudicio : transferiu-se para Roma, ai exerceu o magisterio, chegando finalmente a se tornar
Papa com o nome de Joáo Ánglico, logo depois de Leáo IV (falecido em 855). Aconteceu, porém, que um día, caminhando de Sao Pedro para a Basílica do Latráo, deu a luz e morreu... Teria governado a Igreja durante dois anos e meio. Eis outra forma da mesma lenda, também consignada
nos manuscritos medievais : u'a mulher, cujo nome nao é indi cado, ter-se-ia apresentado em público como varáo, tornando-se sucessivamente escriváo da Curia Romana, Cardeal e Papa.
Um dia, porém, quando andava a cávalo, teria dado a luz, morrendo entáo apedrejada pelo povo. A data déste «pontificado»
é diversamente indicada pelos manuscritos : depois de Ur bano II (falecido em 1099), dizem uns; depois de Sergio III (falecido em 914), referem outros.
Nos séculos XIV e XV a historia gozava de crédito mais ou menos geral : no domo de Sena, por exemplo, em cérea de 1400, foram erguidos os bustos dos Papas, entre os quais o da Papisa Joana. No Concilio de Constanca (1414-1418), o hereje
Joáo Hus citou a Papisa Joana sem sofrer contestagáo alguma. Humanistas e adversarios da Igreja muito explora ram a nar rativa.
2.
Apesar de ligeiras dúvidas sobre a veracidade dessa
historia proferidas desde o século XIII, sómente a partir de meados do século XVI se reconheceu o caráter lendário da mesma,
devendo-se
citar,
entre os — 123 —
que a
desmascararam e
PEPvGi;NTE__E
RESPONDEREMOS
denunciaram, o autor protestante D.
3/13)3,
Blando!
qu.
12
(«Familier es-
claircissement de la question, si une femme a esté assise au siége papal de Rome entre Léon IV et Benoit III*. Amsterdam 1647) e o erudito Ignaz von Dellinger («Die Papstfabeln des Mittelalters». Stuttgart 1890), o qual nao era muito amigo do Papado, pois se separou de Roma por nao querer reconhecer a Infalibilidade pontificia definida em 1870. As razóes por que nao se admite mais a «historia» da Papisa Joana sao :
a)
as incertezas o vacilacóes das diversas versóes, princi
palmente ao assinnlarem a dala do pretenso episodio;
b) o fato de que até meados do sóculo XIII a extraordi naria e interessante historia da Papisa Joana (que teria vivido no período dos séculos IX, X, XI) é totalmente ignorada pelos cronistas medievais. Os primeiros que a referem, sao o domini cano Joáo de Mailly, na sua «Chronica universalis Mettensis» redigida por volta de 1250, e seu confrade Martinho Polono (v 1279), autor de «Chronicon pontificum et imperatorum». Averigüou-se que os relatos da lenda encontrados em documen
tos mais antigos do que estes foram interpolados depois do
século XIII;
c)
a serie dos Papas, como hoje é conhecida, nao admite
interrupcáo entre Leáo IV e Bento III (séc. IX), como táo pouco a admite entre Pontífices dos séculos X/XI.
3.
Como entáo se explica o surto e a propagacáo da lenda
de Joana?
Julga-se que a historieta é urna alusáo as tristes condieóes em que se achava o Papado no século X : varios pontífices cairam entáo sob a influencia de tres mulheres prepotentes em
Roma — Teodora, esposa de Teofilacto, e suas filhas Teodora e Marócia. Na mesma época houve sete Papas com o nome de Joáo: Joáo IX (898-900), Joáo X (914-929). Joáo XI (931935), Joáo XII (955-964), Joáo XIII (965-972), Joáo XIV
(983-984), Joáo XV (985-996), sendo que a respeito de Joáo XI escreveu um cronista seu contemporáneo : «Foi subjugado em Roma pela prepotencia de u'a mulher» (Bento de S. André de Sorate, Chronicon, em «Monumenta Germaniae Histórica» III 714). Tal fase difícil da historia do Papado terá sido ilus trada de maneira muito eloqüente pela narrativa ficticia de que u'a mulher chegou a subir ao trono pontificio. . .
A lenda foi reforcada pela existencia de urna estatua de
mulher com urna crianca ñas máos, que na Idade Media se achava junto á igreja de Sao Clemente em Roma. Essa estatua — 124 —
A
PAPISA
JOANA
seria, conforme os cronistas medievais, a da Papisa Joana; esta ría acompanhada de urna inscrigáo, da qual quatro variantes
nos sao referidas pelos historiadores da Idade Media : «Parce pater patrum papissae prodito partum». «Parce pater patrum papissae prodere partum». «Papa pater patrum papissae pandito partum». «Papa pater patrum peperit papissa papellurn».
Ora os arqueólogos admitem seja a estatua mencionada a quo so enconini hoje no Museu Chiaramoni.i do Roma; seria unía estatua de origem paga a roprosont.ir l;i!vo/. Juno que amaínenla Hércules. As diversas formas da inscricáo ácima parecem nao ser mais do que tentativas medievais para reconstituir urna frase fragmentaria assim encontrada : P. . .
PATER PATRUM P P P.
Sabe-se que Pater Patrum era título característico dos sacerdotes de Mitra (justamente debaixo da igreja de Sao Cle mente foi encontrado grandioso santuario de Mitra). Mais ainda : sabe-se que a abreviacáo P P P ó freqüente na epigrafía latina, significando muitas vézes propria pecunia posuit, ou seja, construiu a cusía própria. Donde se concluí com verossimilhaiiga que a «estatua da Papisa Joana» nao v senAo urna
efigie em uso no culto de Mitra, custeada e colocada no san tuario respectivo pelo sacerdote pagáo P. .. (talvez Papirus) em inicios da era crista. A inscrigáo abreviada e mutilada pela injuria dos tempos, prestando-se a interprétaseos diversas, teria dado lugar as conjeturas dos poetas medievais que corroboravam a lenda da Papisa Joana.
CORRESPONDENCIA
MWDA
Aos nossos leitores acs quais por falta de espago nao foi
possivel responder no presente fascículo, comunicamos nosso desejo de lhes satisfazer no próximo número. AFLITO (Rio de Janeiro): Oxalá tivéssemos seu enderego! Nao ha motivo para se perturbar com a mensagem de Fálima. Os «profetas» tém explorado indevidamenle o nssunto. As autoridades da Igreja, porém, estáo conscientes do caso, e Cristo prometeu assistir-lhes para que nos orientem (cf. Mt 28,20).
— 125 —
-rPERGUNTE
E
RESPONDEREMOS*
3/1958
UM ESTUDIOSO (Rio de Janeiro) : No fascículo de Ja neiro de 1958 qu. 1, a intengáo do redator era a de afirmar
que a habitagáo de outros planetas e a possibilidade de comu-
nicagóes inter-siderais sao teses que se podem afirmar fora do espiritismo, ou seja, independentemente de qualquer profissáo de fé espirita. Nao há dúvida, porém, de que Kardec incorporou essas tesos ao seu sistema.
D. Estevao Bettencourt O.S.B.
— 126 —
Pergunte e Responderemos Caro amigo, nao há qnem se ponha a pensar e nAo conceba sem demora Importantes problemas («Afinal que faco neste mumlo? Qiial o sentido da vida presente? Que se Ihc >efriilra?»>. Nao
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PAULO
(Capital) :
ISdicflcg rnulinas — .MINAS
Praca
da Sé,
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(¡ERAIS :
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73 --
Juiz dt
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«PERGÜNTE REDA£AO
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RESPONDEREMOS» ADMINISTRACAO
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