Uma revista contra a corrente
nº1 - janeiro de 2017
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carta ao LEITOR
Sangue e suor Apesar de muitas dificuldades, hoje podemos entregar esta segunda edição de nossa revista virtual, mas sempre com extremados agradecimentos a nossos leitores e patronos, os responsáveis por podermos prosseguir com este trabalho. Nos tempos que correm, de “pós-verdade” e de “fake news”, sites pequenos estão sob fogo pesado da grande e velha mídia, preocupada com o descrédito de suas narrativas e assistinassisti ndo seu poder de influência se minar dia após dia. Podemos pesquisar mais, estudar mais e revelar verdades, mas enquanto não forem chancelados por um grande órgão, seremos tratados como meros “boatos” e “palpites”. Entretanto, nós, do SensoIncomum.org, temos orgulho de termos apostado em nossos próprios estudos, mesmo quando discordavam das redações e estúdios dos grandes jornais. Como resultado, terminamos 2016 sendo lembrados como um dos raríssimos sites no Brasil a fazer previsões a acertá-las todas, uma a uma, sem precisar depois inventar desculpas chiques, com roupagem intelectual. É neste espírito que entregamos um novo material a nossos patronos, aqueles que confiam em nosso trabalho e percebem que têm,
em nosso site, informações muito mais importantes do que aquelas veiculadas pelos grandes e velhos órgãos de imprensa. Para se ter uma idéia, uma análise apenas da geopolítica provável do governo Trump feita pelo think tank Stratfor , com meras 60 páginas, é vendida por US$ 299, valor que chega perto de mil reais. Estamos oferecendo um material de meses e meses de pesquisa, obviamente sem querermos nos comparar a um instituto que tanto acertou contra a mesma mídia no passado, a um preço que se inicia com um único dólar. dólar. Ainda estamos buscando financiamento, tal como parcerias. Por conta disso, pedimos desculpa pelos atrasos – é quase impossível organizar o site inteiro com poucas mãos. Mas esperamos contar com sua ajuda para divulgar nosso conteúdo – afinal, é contando verdades que não vemos na imprensa tradicional que podemos fazer este trabalho, que vocês, nossos patronos já admiram. Portanto pedimos que nossos patronos recomendem aos amigos as vantagens deste conteúdo exclusivo, para que também façam a assinatura em nosso Patreon e conheçam o Senso Incomum. Até mesmo para o marketing, não possuímos nada mais precioso do que nossos leitores.
Flavio Morgenstern
Editor-chefe
PREVISÕES 2017
UM BRASIL SEM PMDB?
PÓS-VERDADE DA PÓS-MÍDIA
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ARTIGO EXCLUSIVO
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Em 2016, acertamos nossas previsões seguidamente, e até fizemos parte de mudanças significativas para o Brasil. Hora de trabalhar o ano que se iniciou.
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ano surpreendente de 2016 poderia surpreender menos com conceitos mais profundos e menos escorregadios por parte dos analistas políticos mundiais. É com uma visão que permite mais detalhes e menos equívocos – o que os ingleses chamam de misconception, quando se tenta definir uma coisa, mas a definição não bate com a coisa – que podemos apresentar alguns prognósticos possíveis para 2017. Algo muito mais sólido do que os palpites gourmet da grande e velha mídia. SENSO INCOMUM
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TERRORISMO O Estado Islâmico volta para casa
O maior derrotado de 2016, além de Hillary Clinton e Dilma Rousseff, foi o Daesh, o Estado Islâmico da Síria e do Iraque. Antes de 2016 um forte de resistência que tinha sob seu poder uma área equi valente à da Inglaterra, a partir do momento em que Vladimir Putin une forças ao exército oficial sírio para combater os grupos insurgentes, sob comando do ditador Bashar al-Assad, o Estado Islâmico 4
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começa a enfrentar um inimigo realmente poderoso. No fim de 2016, o outrora perigosíssimo ISIS estava reduzido a uma espécie de arquipélago, com vários buracos que impediam a comunicação entre suas lideranças. Comentamos sobretudo em dois episódios de nosso podcast (“Putin Contra o Mundo” e “Terceira Guerra Mundial”), como a situação na Síria deixou a América de Barack Obama, tendo Hillary Clinton como Secretária de Estado, em rota de colisão com Vladimir Putin. O ditador russo via o ditador sírio como um aliado, e observou, rapidamente, que a inédita fraqueza americana para guiar o mundo e combater o terrorismo poderia lhe conferir um novo posto como líder global (posição esta que efetivamente conquistou em diversos corações no Ocidente). Putin, efetivamente, foi o principal responsável pelas derrotas seguidas do Estado Islâmico, que culminaram na retomada de Mosul, no norte do Iraque, uma das cidades mais ricas do país, a partir de outubro de 2016, na ofensiva “We Are Coming, Nineveh” . A América de Hillary Clinton ficou do lado oposto: entusiasmados com a Primavera Árabe, que derrubou diversos ditadores da região a partir da Tunísia, em 2010, a geopolítica de Hillary-Obama preferiu armar os grupos rebeldes que tentavam derrubar Bashar al-Assad.
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Entre estes rebeldes, havia de saudistas, salafistas-wahhabistas (o “islamismo puro” mais rejeitado na Rússia), qatares, turcos e membros da al Qaeda e do próprio Estado Islâmico. Sem uma definição clara de quem fazia parte do quê, o dinheiro do pagador de impostos americano, sob a diplomacia Hillary-Obama, acabou por financiar grupos que podem fazer parte do Estado Islâmico. Se a Guerra Fria nunca colocou a União Soviética e a América em choque direto, uma guerra na Síria, afastada dos dois países, poderia finalmente transformar a segunda metade do século XX em um mero ensaio. O caso foi brilhantemente resumido pelo ensaísta líbano-americano Nassim Nicholas Taleb no artigo The Syrian War Condensed: A more Rigorous Way to Look at the Conflict
[https://medium.com/opacity/the-syrian-war-condensed-a-more-rigorous-way-to-look-at-the-conflict-f841404c3b1d#. fzoaph8s3]. Em 2017, Donald Trump assume criticando imediatamente a política intervencionista americana dos neoconservadores como os dois Bush, além do intervencionismo desastroso de Hillary-Obama, que defende lados de países em guerra sem nem saber de fato o que está fazendo. Chamado de “fantoche” de Putin por sua preferência em negociar, ao invés de guerrear, o livro América Debilitada de Trump critica Putin já em sua segunda página, justamente
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são quase invertida da realidade, crendo que Donald Trump significa guerra e que é apenas um cachorrinho de Vladimir Putin. No campo de batalha, Trump não parece favorecer mais guerrilheiros rebeldes na Síria no Oriente Médio, usando dinheiro e vidas americanas para ajudar grupos incertos que, no restante do Oriente Médio pós-Primavera Árabe, apenas se mostraram ainda mais perigosos que os ditadores brutais que derrubaram – e o exemplo do Afeganistão na Guerra Fria e o surgimento dos talibãs e da al Qaeda fala por si, quando o assunto são estratégias geopolíticas com tiros de fuzil que saem pela culatra.
por Obama ter permitido que ele despontasse como um líder poderosíssimo para a região. Israel, o principal aliado americano, até 2016 parecia poder confiar mais nos russos do que nos americanos, ao passo que Putin surgiu como o homem mais poderoso do mundo, à frente do próprio Barack Obama. É um fato que, sozinho, mostra como toda a mídia tem uma viSENSO INCOMUM
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É uma curiosa cartada geopolítica modelo win/win: Putin ganha poder e destaque regional tendo combatido o Estado Islâmico, a al Qaeda, fortalecendo o governo que quase não existiu de seu aliado Bashar al-Assad, enquanto Trump também ganha destaque no Ocidente pela diminuição do poder do Estado Islâmico e, numa jogada que poucos notaram que pode agradar a Democratas e Republicanos, vai diminuir os gastos militares americanos, a um só tempo em que diminui 6
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a ameaça do terrorismo islâmico. As negociações feitas pelo autor de A Arte da Negociação em relação a Putin ainda são incertas, mas seguindo tal rumo, a América irá abdicar de coisas bem pouco valiosas que Hillary-Obama deixaram na geopolítica do Oriente Médio. Não é difícil negociar bem em tais circunstâncias. Já em casa, como terrorismo não é uma guerra com rosto, o Estado Islâmico estará furioso. Boa parte de seus combatentes jihadistas são europeus, americanos e ocidentais encantados com a possibilidade de glória barata e um Paraíso muçulmano de sexo garantido, atraindo muitos jovens desajustados e sem muita noção de identidade com a cultura onde moram. Muitos foram mortos, mas com o esfarelamento do terreno do ISIS, vários sentiram o medo da guerra e estão voltando para casa, com uma possibilidade de atenção midiática muito maior. De acordo com o Comissário de Segurança da UE, cerca de 2.500 europeus estão em território controlado pelo ISIS. Apenas entre ingleses, cerca de 850 já frequentaram o Estado Islâmico, e por volta de 450 permanecem. Até agora: após Mosul, vários voltarão para casa. A estudiosa do terrorismo islâmico Jenan Moussa já notou como o ISIS reclama para si atentados terroristas cada vez mais discutíveis – seu canal já comemorou atentados come-
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tidos até por grupos com certa rivalidade – enquanto a jihad no Ocidente também troca de métodos. Antes cinematográfico em sua violência pornograficamente gore, o ISIS não pode mais gastar tanto dinheiro, após tantas derrotas militares (e a perda do controle de tanto petróleo), com execuções que avançaram na “criatividade” para a morte de infiéis. Os atentados de 2016 já mudaram de figura: são mais, abusando do termo desumano, “baratos”. Caminhões, por exemplo, ao invés do estudo logístico para um massacre com fuzis. De ataques que pareciam arrogantes na sua mostra de controle, hoje todos parecem desesperados. Até a idade média dos jihadistas diminuiu consideravelmente. Isto, infelizmente, não significa que o mundo estará mais seguro em 2017. Tais combatentes voltam para casa com mais raiva ainda do Ocidente, muitas vezes seu próprio berço cultural. Mas o ISIS perde muito de sua capacidade de oferecer suporte logístico-estratégico para os novos atentados. Muito provavelmente tentarão uma ou outra ação realmente espetacular e, possivelmente, nova, como foi o massacre no Bataclan que vitimou 90 pessoas em Paris. Mas sua habilidade para se manter no noticiário diminuiu consideravelmente, provavelmente se diluindo para vários pequenos atentados com um número me-
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nor de vítimas, como o ataque na estação de trem de Grafing, em Munique, em que um homem de 27 anos esfaqueou quatro pessoas e assassinou uma delas (vide nosso artigo “O terrorismo e a síndrome de ‘Allahu akbar!’ ”).
conhecido como ator. Mas Donald Trump também é um empresário e homem de negócios – bem ao contrário de George Soros, sua principal especialidade é criar negócios e obter acordos vantajosos, e não a mera especulação. Reagan trabalhou como uma espécie de Relações Públicas, e também aprendeu algo sobre o mundo dos negócios com tal experiência.
GEOPOLÍTICA O cérebro de Donald Trump
Falando em Vladimir Putin, será ainda ele que causará outro spin turn na percepção mundial sobre os próximos anos de Donald Trump na presidência. As comparações entre Trump e Reagan parecem razoavelmente fáceis de serem feitas: Reagan soube aproveitar o melhor da maior mídia de sua época, a TV, enquanto Trump sabe explorar muito melhor do que seus adversários a internet. Ambos falaram sem meias palavras sobre quais eram os principais inimigos de sua época: o comunismo, no caso de Reagan (que também era abafado e eufemizado pela intelectualidade ocidental nos anos 80), e o islamismo, que precisa ser marcado como “radical”, no caso de Trump. Mas há outra prática distante dos olhos do público – e, obviamente, dos jornalistas e analistas. Donald Trump é conhecido do público como o showman de O Aprendiz e do Miss Universo, tal como Reagan era SENSO INCOMUM
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Em 2017, a maior diferença a ser sentida por Vladimir Putin, e também por outras lideranças de gosto duvidoso fora do mundo livre, será encarar não um Trump de retórica e de um plano de governo americano, mas de negociação. A partir do Oriente Médio, sempre o berço do drama humano, Putin, e ditadores como Erdoğan, el-Sisi e mesmo a Palestina do Hamas, terão uma visão sobre Trump que nada tem a ver com o noticiário do dia-a-dia das conversas de bar – algo soi-distant das discussões de quem realmente move o mundo. Trump foi preferido por Putin por evitar uma guerra, mas não é visto como um homem de gênio, ou com uma antevisão minimamente capaz de ombrear com a de Putin, o mestre das cartas na geopolítica hoje. A Síria, o ponto de imbróglio atual, mostrará um Trump capaz de também tirar vantagens de negociações: o exato oposto do que não apenas Obama, mas também George W. Bush, Bill Clinton e 8
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também George Bush pai conseguiram em suas aventuras pelo mundo. A América, há décadas presa pela mesma geopolítica, terá agora um líder a ser encarado como alguém com cartas na manga, e com capacidade de enxergar em tratados, negociações e duelos de força uma oportunidade para se atingir objetivos americanos.
ele chegue a um acordo com Putin. O que querem mesmo é usar frases incoerentes para dizer que não gostam de alguém que não seja Hillary Clinton na Casa Branca.
BREXIT Theresa Maybe
Trump está longe de ser visto por qualquer outro líder mundial desta forma no momento – mas deve-se ter em vista que políticos entendem de política, e não de business. A América e o mundo livre, que tanto defende a “globalização” crendo que Trump a ataca, pode reaprender com o presidente a velha lição de Frédéric Bastiat: por onde não passam mercadorias, passam exércitos. Com uma diferença: no mundo de hoje, nem tudo são mercadorias. Às vezes se negocia zonas de poder e influência. É curioso notar como isto está sumarizado para a mente mais simples no lema “America first!” , que nem de longe se parece com “America only” . Justamente os mesmos analistas que criticam o suposto “protecionismo” de Donald Trump, crêem que sua visão sobre Putin e a OTAN irá enfraquecer a América. Bem, o que querem, senão America first ? Também são os mesmos que criticam Trump por aparentemente querer levar o país para uma guerra (com base no fato de “não gostarem de Trump”), mas também não querem que SENSO INCOMUM
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O complexíssimo sistema político-judicial britânico ainda será capaz de trazer vários espantosos desdobramentos em 2017. O Brexit, a saída da Grã-Bretanha da União Européia, sofreu um revés na Suprema Corte, que exigiu que Theresa May, a nova primeira-ministra, tenha apoio do Parlamento para levar o processo adiante. O resultado era óbvio desde pelo menos dezembro. Muitos apostam que é o fim do Brexit, baseando-se sobretudo em pesquisas de opinião que garantem que o resultado das urnas não se repetiria poucos dias após o pleito. Há muita confusão: o Brexit certamente ocorrerá, embora com uma burocracia muito mais lenta do que o otimismo inicial previa. Lenta mesmo: pro vavelmente o fim do processo dure mais do que os 2 anos iniciais pedidos pelo Tratado de Lisboa. É o que fará diversos veículos de mídia anunciarem por anos que quem morreu foi o Brexit. Como já comentamos em nosso SensoIncomum.org a respeito de Donald 9
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Trump ter tirado a América do TPP, o Brexit significa sair da União Européia, podendo ainda fazer tratados bilaterais com a Europa. Note-se a confusão quando jornalistas usam o termo “eurocéticos”. Isto significa que, doravante, a Grã-Bretanha poderá celebrar acordos com cada país atualmente na UE, sem o desagravo de ter de concordar com toda a leviatânica burocracia do bloco para tal – incluindo, é claro, doces agonias como aceitação imediata de “refugiados. Agora, cada país tem concorrentes vizinhos para fazer acordos com a Terra de Sua Majestade. A Inglaterra, com a Alemanha indo água abaixo com sua até há pouco potente economia, corre o risco de se tornar a maior economia da Europa ocidental em pouco tempo. E agora com um novo parceiro à vista, do outro lado: a América de Donald Trump. Inglaterra e América não foram parceiros tão sérios nos últimos anos, apesar dos óbvios laços culturais, devido à União Européia. O volume de comércio entre os dois países não tem outro destino senão aumentar sensivelmente. Isto, sim, é um acordo bilateral, e não algo definido por burocratas desconhecidos das duas partes envolvidas. No cenário interno inglês, the pomp and circumstance já são mais confusas. O maior perdedor é, definitivamente, o Partido SENSO INCOMUM
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Trabalhista, que parece incapaz de ganhar mais votos em uma eleição do que na anterior, e hoje se esforça não para ganhar uma eleição com a fraquíssima liderança de Jeremy Corbyn, mas para evitar chegar em terceiro lugar. A Inglaterra há tempos é um país tripartidário (Tory, ou Conser vador, Trabalhista e Verde), mas a ascensão do UKIP, o partido contrário à União Européia (e, por isso, chamado de “nacionalista” ou de “extrema-direita”), chegou para ficar e marcar os pleitos do país entre quatro grandes players. Nigel Farage, com o Brexit, abandonou a liderança do UKIP, provando que não tem mesmo grandes ambições “populistas”, como se costuma denegrir hoje em dia, crendo que seu trabalho já estava feito. É a única chance real de os Trabalhistas continuarem na segunda posição e não serem esquecidos. A crise do partido é tão grande que a Spectator já chegou a aventar a morte da esquerda britânica – barulhenta nas artes, quase irrele vante na vida política e prática. Theresa May, contudo, não conseguiu ainda marcar sua posição, mesmo tendo um cenário tão favorável. Não tendo sido eleita, a Primeira Ministra Tory que substituiu David Cameron não conseguiu firmar sua posição, resumida no momento na frase “Brexit means Brexit” , além da posição de alguém que vai cumprir o que o povo demandou. Graças a sua falta de pulso, os tablóides já a apelidam de “Theresa 10
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Maybe”. May entrou para o Partido Tory antes do período Thatcher, e não parece compreender o simbolismo forte de uma liderança sem medo de palavras duras e ações ainda mais duras para confirmá-las. Neste cenário, vale lembrar um famoso dito da Dama de Ferro, curiosamente ainda mais atual hoje: “Ser poderoso é como ser uma dama: se você precisa provar que é, você não é.”
TURQUIA Turquexit
Entre os que também abandonam a União Européia está um país que mereceu muito menos discussão, a não ser por suas estripulias envolvendo assassinatos: a Turquia do ditador Recep Erdoğan. Ou melhor: a Turquia nem entrou. Erdoğan parece simplesmente ter abandonado os sonhos de fazer parte do bloco. Para quem sabe a diferença entre globalização e globalismo, o exemplo turco se torna um curioso estudo de caso.
A atual Primeira-Ministra é uma consubstanciação do atual estado de seu partido. Os conservadores não conseguem mais uma liderança marcante (e, como sói A Turquia fica no maior entreposto do a conservadores marcantes, sobretudo ingleses, polêmica). David Cameron embar- gobo: a rota de ligação entre três continencou no sonho da União Européia. O ex- tes, de certa forma fazendo parte de dois, -prefeito de Londres, Boris Johnson, um sendo o país modelo do que podemos chados maiores intelectuais de direita que está mar de Eurásia. Erdoğan tem como prinna vida política no mundo, não tem uma cipal parceiro comercial no momento a personalidade que indique uma forte lide- Rússia de Vladimir Putin. Por outro lado, rança capaz de enfrentar a imprensa mar- namorava com afinco a idéia de se filiar rom. Isso significa que a direita cresce – à União Européia: poderia ser lembrado nem sempre concretizada claramente nos como o típico “ditador modernizador” Tories, já que o UKIP também cresceu da região, tendo de abdicar de seus plemuito e ganhou vários nomes importantes nos poderes na prática, enquanto mantém do seu irmão mais velho –, mas os polí- uma espécie de “democracia semi-laica” na ticos de direita individualmente perdem. teoria turca. Para qual conglomerado conGanham no todo, mas não é de se esperar vergir foi sempre o “Ser ou não ser” de pelo despontamento de lideranças inglesas Erdoğan. promissoras (como foi Trump, ou, mais Apesar de completamente lunáticos em localmente, Doria). sua visão muçulmana para muita coisa (como ver tentáculos do Ocidente no auSENSO INCOMUM
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to-golpe praticado), uma visão de fora do que produz a mídia ocidental permitiu uma antevisão a Erdoğan: a União Européia está fraca, enquanto Putin se engrandeceu. Não há ditador sem laços com o Ocidente que seja incapaz de perceber o óbvio. A Rússia ainda permite uma vantagem clara: não está preocupada com coisas como direitos humanos ou o que chamam de democracia no Ocidente. A bem da verdade, no xadrez geopolítico, a União Européia perde de novo: é incapaz de influenciar a Turquia, país por onde passa a maioria dos “refugiados” e com longo histórico com a Alemanha, e ainda se torna menos atrati va. Ou seja, mais insignificante. Algo bem ruim para Bruxelas, em um momento em que praticamente todos os países da União Européia começam a repensar se o bloco possui mesmo vantagens. Erdoğan em troca deverá mudar muitas de suas posições na Síria, já que se mostra mais “em dívida” com Putin do que mafiosos de filmes de James Bond. Mais uma notícia estranha ao mundo árabe: novamente um ditador ganhando poder, chutando qualquer possível restrição à sua ditadora plenipotenciária, vai garantir alguma paz, ao menos no que se refere a combater o Estado Islâmico. O custo sai baixo. Seu financiamento ao terrorismo, contudo, pode ser ainda mais denso. A Europa não é o alvo de Erdoğan nem mesmo para ataque. A disputa de poder para o ditador turco tamSENSO INCOMUM
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bém passa a mirar a vizinhança, e quem sofrerão as consequências serão sobretudo iraquianos, curdos e yázidis que já ficaram em seu caminho. E, claro, o maior inimigo de todos os ditadores islâmicos: Israel.
ISRAEL Terra Prometida
Quem ganhou as eleições americanas foi Israel. Como o único Estado nação a se manter íntegro por suas tradições no mundo desde a mais antiga Antigüidade, é sempre visado pelo novo modelo de go vernança, que pretende trocar o conceito de “soberania” pela atividade de entidades supra-nacionais, como a ONU. Se o Estado Islâmico se enfraquece, a “causa Palestina”, a crença de que a região de Israel invadida por muçulmanos é um “país” autônomo, começa a ser questionada. Na verdade, o mundo inteiro se curvou à chamada solução de “dois Estados”, que quer o reconhecimento da Palestina como um Estado independente e de Israel. A solução não faz sentido histórico, embora negociações de paz infindáveis no século XX tenham cedido pedaços e mais pedaços de Israel a grupos terroristas da Palestina. Quem a promoveu no Ocidente, que hoje a trata como única solução cabível, foram duas curiosas entidades. A primeira, 12
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o próprio movimento “anti-colonialista” criado por palestinos. Contra o “imperialismo” inglês, a esquerda mundial acatou a cartilha, ensinando os males do “colonialismo”, ou seja, de trazer costumes como representatividade política e acabar com métodos de comportamento como apedrejamentos e estupros naquelas bandas. Seu auge foi com a Alemanha nazista, para a qual, sem grande surpresa, o líder do nacionalismo palestino, Hassan al-Banna, entregou soldados. Não é de hoje que o anti-semitismo palestino promove matança de judeus, afinal. O segundo momento foi com a educação globalista: não à toa, um dos grandes focos da ONU é a educação, que, na mentalidade moderna, seria uma “solução” para todos os nossos problemas, como se semi-analfabetos no Arkansas não se virassem melhor do que gente com doutorado em Antropologia. Com uma educação que incluiu a crítica à “colonização” como um dos seus principais enfoques (alguém aí ouviu algo bom na escola a respeito da colonização que le vou a Common Law e direitos naturais a quem antes resolvia tudo no tacape? nem eu), Israel hoje é acusado de todos os crimes horrendos que são cometidos... contra Israel. Sem ajuda da ONU, com o corte de verbas americanas à entidade, a Palestina fica com os apoiadores fanáticos de sempre, como os black blockers do Occupy
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Wall Street e Meryl Streep, que se refere ao lugar de nascimento de Natalie Portman como “Jerusalem”, sem falar o nome do país, como fez com outras pessoas. A propaganda palestina ganhará força, mas não a força “oficial” da ONU. Sem a cabeça, o gigante está sempre perdido. Como ficará uma propaganda fanaticamente fa vorável a um local que nem sabem apontar no mapa, se a propaganda funcional serão repetidos ataques terroristas palestinos? É difícil convencer o público de todo este bom-mocismo, mesmo escondendo a história nazista da Paletina. A mídia pode tentar encobri-los o quanto quiser: a cada ano, uma nova geração de pessoas percebe o “problema palestino”: todos já fomos contaminados pela sua propaganda, e a “anti-política” de 2016 mostrou que a narrativa de professores de história com colaboração da mídia é porosa. Como ficará sem a cabeça? Não é uma boa notícia para israelenses, enfrentando um inimigo desesperado e cuja modalidade de honra e moral são ataques suicidas, ainda com financiamento de personagens como Erdoğan. É uma das primeiras notícias, senão a primeira notícia em muitas décadas, a indicar o começo do fim do totalitarismo palestino.
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Germanistão
Israel, Turquia, terrorismo, imigração e União Européia são todos temas que apontam para o mesmo país: a Alemanha de Angela Merkel. Pela primeira vez, a Chanceler alemã corre o risco de não ser reeleita. Sua plataforma política é o que se pode chamar de “direita mamão com açúcar”: abriu tantas concessões á UE em seus mandatos que, hoje, na Europa, parece mais empenhada em ser uma presidente da UE do que da Alemanha. Aliás, quem se surpreenderá se este for seu futuro após sair do cargo? Frauke Petry, a líder da AfD (Alternative für Deutschland), ao contrário de Marine Le Pen, não parece obter favoritismo. Contudo, os dias de Merkel parecem correr por uma ampulheta com areia síria. É na Alemanha que mais um projeto de mudanças de soberanias pode entrar em curso ainda em 2017. A rainha do projeto “Refugees welcome” criou tantas áreas islâmicas na Alemanha, e é tão guiadora de um projeto de governança global (ao contrário de um esquerdista da velha guarda como François Hollande) que permitiu uma verdadeira matança da identidade alemã (a França, desde a Revolução, já con vivia com a idéia). Com tantos refugiados em um “espaço próprio”, chegará em breve a hora do segundo momento da Hégira, a conquista pela imigração islâmica: reivin-
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dicar um território. A proposta tem de vir de baixo, provavelmente de grupos islâmicos, em jornais como o Islamische Zeitung ou publicações ainda menos influentes. Merkel, que logo poderá estar na presidência de alguma comissão da União Européia, não se incomodaria em ser cotada a porta-voz sem burqa, “western-friendly” , da proposta da criação de um país islâmico na Europa. E, claro, perto da Alemanha, mas não nela. Como a principal questão de entidades como a ONU é diminuir a soberania de Estados, uma proposta como essa seria encapada rapidamente por órgãos como a ONU e o Banco Mundial, atualmente no controle da educação do planeta. Suas primeiras idéias incipientes poderão vir à público ainda em 2017.
FRANÇA Le Pen for the win
Há pouco a se conjeturar sobre a França em 2017: Marine Le Pen aparecia como uma derrotada sem chance, alguém com chance de ombrear seu lugar ao sol, alguém certamente em segundo lugar, mas sem a mínima possibilidade de vitória, alguém que arriscava causar surpresas e, mas que surpresa de verdade, alguém que aparece em primeiro lugar já na primeira pesquisa.
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Se não cometer nenhum erro, a presidência é obviamente sua. Os motivos da derrota dos outros são conhecidos, nem é preciso ler Michel Houellebecq. Os motivos da sua vitória pessoal é que são mais interessantes. Hollande nem sequer tentará uma reeleição, sabendo que sua presidência foi a mais desastrosa de toda a história recente de um país com uma curiosa “tradição revolucionária”. Mas como Le Pen conquistou a liderança? Seu charme e olhos azuis não explicam nada. Marine Le Pen tem algo do que Nassim Nicholas Taleb chama de “anti-fragilidade”, a qualidade de se tornar mais forte a cada vez que se é colocado em uma situação adversa: o mundo e a mídia julgam-na por seu sobrenome. Poucos erros de análise na política mundial hoje podem ser mais desbaratos. Jean-Marie Le Pen foi um político da típica direita atrapalhada européia: estomacal, instintivo, desbocado e com uma vida privada e valores morais padrão Casa da Dinda. Enquanto a mídia a trata como uma eterna Le Penzinha, ignorará que ela expulsou o próprio pai do partido. Que fez uma limpa no Fronte Nacional, tirando todos os anti-semitas mais amalucados do partido. Que, como todos os analistas que acertaram no último ano, entendeu o risco que é a infinita burocracia de Bruxelas, a SENSO INCOMUM
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importação desordenada de muçulmanos, o “livre comércio” entre países favorecendo mecanismos de regulamentação, investigação, controle e resolução de conflitos internacionais. Le Pen, é claro, está longe de ser um Trump francês: o que se pode averiguar até agora é que toda a mídia, incluindo veículos como Le Figaro, errará tanto sobre ela quanto errou sobre o presidente americano. Um jornal não lido por ninguém no mundo sério, como o Le Monde Diplomatique , ora a tratará como a Besta do Apocalipse, ora como alguém a ser derrotado com os mesmos argumentos que derrotariam seu pai. Jean-Marie Le Pen foi derrotado pela própria direita francesa, indisposta com alguém sem auto-controle e com tanto apreço pelo povo quanto um Paulo Maluf. O que funcionou para o seu pai só a fortalece como alguém que foi contra o próprio mentor político – e o próprio genitor – em busca de princípios mais elevados. Pergunte instintivamente a uma Europa em frangalhos do que ela precisa e em quem depositará suas esperanças, e qualquer pessoa que represente princípios mais elevados do que os de Merkel, Hollande, Renzi e apaniguados terá tudo nas mãos. Flávio Morgenstern 15
ARTIGO EXCLUSIVO
Um Brasil sem PMDB? Não há grandes esperanças no horizonte brasileiro. Mas uma mudança se faz sentir: o ocaso de seu maior partido.
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lguns leitores nos pedem artigos so bre o Brasil, após nossos olhos se voltarem para a América e a Europa no fim do ano. Pouco há a ser dito sobre o país em termos de análise: ele continua como sem pre foi. As notícias chamam atenção temporá ria: logo se lembra que, entre bilhões e bilhões, a descoberta de novos bilhões afanados não produz senão um incômodo passageiro. Por isso a análise fica comprometida: pouco há a ser dito, além de acompanhar o noticiário. Mas, mirando 2017, podemos traçar já alguns pa noramas.
pós-impeachment e pré-2018. Este confuso período Temer será o vácuo de explicação que deixará nossa historiografia ainda mais violentamente manipulada por pessoas falando em “golpe” ou jurando de pés juntos que o impeachment foi arquitetado pessoalmente por Michel Temer (a narrati va “Eduardo Cunha”, usada até 1 minuto antes de sua prisão, teve de sair de moda às pressas, talvez tendo até deixado rastro em alguns dos vários livros sobre “golpe” já publicados).
Há três chaves de leitura para o Brasil
A primeira diz respeito a uma psicolo-
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Um Brasil sem PMDB?
gia do estado geral da nação. Com o impeachment de Dilma Rousseff, uma presidente e um partido que parecia incapaz de largar o osso do poder caíam, à força da lei e do povo (um fato e um simbolismo que a impugnação da candidatura de Dilma, embora pudesse apagar Temer junto, não conseguiria reproduzir). O Brasil escapava da rota da venezuelização, ou de reproduzir a política mexicana, há quase 90 anos com o mesmo partido no poder. Com isto, as pessoas passaram a acreditar, finalmente, que o país tinha jeito. Que a lei seria cumprida. Que a Constituição de 88, afinal, era bela e moral. O motivo para a necessidade de esperança é óbvio – todavia sua veracidade já é bastante discutível. Afinal, seria mesmo o impeachment “apenas o começo”? É difícil crer que sim. Muito mais provavelmente, apenas conseguimos nos livrar do PT – e voltar à “estaca zero” do que o país era antes de Lula em 2003. O que temos, afinal, de “avanço” além disso? Que motivos temos para esperança em uma grande renovação brasileira? A bem da verdade, o impeachment le vado a cabo por nossa primeira colunista, Janaína Paschoal, colocou o Brasil em seu auge: quando você está no auge, dali para a frente você só vai para baixo. Quem espera por prisão de Renan (possível, nem tão provável), por um grande revés no SENSO INCOMUM
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governo Temer (que teve faca, queijo e até acidentes para adiar investigações nas mãos) ou grandes avanços provavelmente se decepcionará. A tentativa de aceitar “medidas contra corrupção” partindo de Janot e lacaios internos do governo (o que os americanos chamam de astroturfing, termo bem explicado por um artigo de Cedê Silva no artigo 5 Termos muito úteis que os petistas não querem que você conheça, no Senso Incomum) só adiou ainda mais alguma movimentação do Judiciário, que não pode atuar tão bem enquanto o país discute o que é corrupção e o que não é. Para não falar que as propostas eram criteriosamente a favor de vários modos de corrupção... A prisão de Lula? Estaria mais próxima exatamente sem as tais medidas. A discussão empaca o processo. Num país de delações, e em que elas determinam as capas de revistas, e em que um acidente aéreo mata um juiz razoavelmente técnico que as analisava, haverá ainda lacunas a fechar que podem postergar a prisão do ex-presidente. Como Sérgio Moro trabalha pensando também em narrativas (tanto que não prende jornalistas, como Breno Altman), ficará de olho também no emocional: o povo dificilmente aceitará a prisão de Lula em caso de agravamento da saúde de Marisa Letícia. Uma super-delação pode complicar a vida de Lula, mas todos os fatores ainda indicam uma possibilida17
Um Brasil sem PMDB?
de última de adiamento. O otimismo brasileiro, infelizmente, cega-o para a realidade. Não há muito que comemorar no Brasil, se o impeachment já foi aquele parto. Janaina Paschoal nos colocou no melhor momento brasileiro. Será difícil chegar até mesmo àquele nível novamente. As eleições, com este cenário, é que geram outras duas chaves de leitura para evitar surpresas em 2017. O entendimento dos políticos, e dos marqueteiros políticos eficientes, é simples: o público, em uma eleição federal (bem diferente de eleições locais onde os problemas são pequenos, e os partidos idem), votará olhando para o impeachment. Bastará olhar para as imagens de lugares como a Avenida Paulista lotada de pessoas de verde e amarelo, o que até nossos moradores de rua viram e lembram, cotejar com as marchas pelo PT de chorosos vestidos de vermelho, e apresentar um candidato à presidência à população. Afinal, de que lado ele está? Não há possibilidade de muro nessa escolha. A esquerda manterá seu curral e coeficiente garantido. Personalidades como Jean Wyllys e Marcelo Freixo, sem chance de crescer entre a população normal, vivem e sobrevivem desse coeficiente garantido, SENSO INCOMUM
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verdadeira reserva de mercado de votos. Mas, em nível federal, como esperar que a fórmula funcione? O PT pode ainda contar com uma nova aprovação, ainda mais com a campanha da mídia contra figuras anti-petistas. Mas dificilmente esse número será alto, a ponto de ser eleitoralmente relevante. Apenas um mártir petista pode reverter o caso. Ou ocaso. Por fim, uma terceira chave talvez seja o diferencial no modelo partidário nas pró ximas eleições – e, em um país em que políticos apenas estão preocupados em não serem presos, sem nenhuma proposta política, nem mesmo ideológica, sendo ruminada no horizonte, tudo o que se faz em 2017 é apenas trabalhar para 2018. Trata-se do maior efeito secundário que o vácuo de poder do PT legou, com pitadas de Lava Jato: o PMDB pode deixar de ser a força dominante de votos no país. Desde a redemocratização, nenhum presidente parece ter grandes chances de se eleger sem o maior partido do Brasil, famoso por ter sido o partido “de oposição” à ditadura, e sem ter nenhuma razão de ser, existir ou perdurar após isso. O PMDB já conseguiu emplacar 3 presidentes sem nem concorrer ao cargo – ganhou de PT e PSDB. Parecia a praga brasileira, a erva daninha que sempre verdejará pelo país. O PMDB é uma jaboticaba a ser expli18
cada: é o partido mais poderoso do país, sem ter nenhuma ideologia, nenhum nome nacionalmente forte (mesmo lideranças como Eduardo Cunha não ultrapassavam currais eleitorais regionais). Mas era fazendo escambo com o PMDB que se ganhava ou perdia toda eleição no país. A Lava Jato mudou o esquema de poder partidário, exatamente quando o PMDB está no poder que foi disputado pelos dois adversários, eternamente também disputando seu apoio eleitoral (o PMDB hoje é rachado até para o bloco de alianças federais). Exatamente quando Michel Temer está no poder, e Eduardo Cunha está preso, o apoio do PMDB passa a ser mais um veneno do que uma vacina amarga. Hoje, lembrando-se da chave de entendimento 2, é mais seguro tentar vencer uma eleição federal explicando ao povo que esteve contra Dilma e Temer do que buscando apoio de Temer, Cunha e apaniguados. Novamente, como no caso Le Pen, apenas a esquerda menos atualizada crê que o povo ainda tenha o mesmo discurso do que seus cupinchas na mídia. Flávio Morgenstern
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ARTIGO EXCLUSIVO
Pós-mídia na pós-verdade A mídia não é mais entendida como amiga do povo, e sim de políticos. É um efeito tardio de algo que se iniciou ainda na Revolução Francesa.
P
ost truth foi
considerada expressão do ano da língua inglesa pelos organizadores do dicionário Oxford. Como toda entrada de dicionário, é uma escolha ideológica: tenta-se da chancela a uma visão de mundo que cria palavras, por tal visão de mundo ser trabalhada por especialistas em comunicação. Um dicionário dificilmente daria atenção a palavras como
astroturfing, dog-whistle, spin doctor, empty suit ou newspeak (para ver seus significados, leiam o artigo 5 Termos muito úteis que os petistas não querem que você conheça, de Cedê Silva, no site do Senso Incomum).
Com toda a facilidade, falam de pós-verdade, de empoderamento, de mansplaning, de sororidade e de micro-agressão. Ou, no Brasil, tentam dar uma carga de “uso normal” para o termo “presidenta”, como se tivesse sido sempre usado da forma como se referem a Dilma Rousseff. A tal “pós-verdade” seria um clima em que a verdade não conta mais, e sim boatos de internet. Contudo, “verdade”, para usuários de tal termo e outras drogas, seria o SENSO INCOMUM
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que está no New York Times, na CNN, na Folha e na Globo News. Eles, como disse Brian Stelter, da CNN, praticam “jornalismo objetivo”. Fatos, apenas fatos, e nada mais. Mesmo que, misteriosamente, tudo o que digam seja desconfirmado pela realidade logo depois. A explicação? O mundo não vive mais a verdade que só existe na cabeça da CNN, mas a “pós-verdade”, que são... os fatos fora de sua redação. Como sempre, entender como a mídia funciona diante da realidade é muito simples: basta multiplicar suas declarações por -1. O funcionamento é óbvio: a função da mídia é funcionar como o quarto poder, uma “moderação” ou observância que dedure ao público, alheio aos trâmites de uma política cada vez mais complexa (até mesmo em tecnologia), o que é que os políticos estão fazendo. Para tal intento, ela deve ser um poder razoavelmente isento: não no sentido de não ter preferências ou ser “imparcial”, 20
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uma impossibilidade lógica, mas de não ser dependente de uma das partes. Em outras palavras, pode torcer, tentar influenciar. Mas deve fazer isso informando, mostrando fatos que, de outra forma, o público não conheceria. Como corolário, a mídia deve ser um poder que não é exatamente percebido como um poder: ela não pode ser algo como um partido, ou alguém em disputa. Seu papel, até mesmo quando se trata de um jornal ruim, deve ser o de “fora” do esquema político-partidário: um jornal ruim informaria mal, não seria um player, alguém com interesses, um outro partido além dos oficiais. O que acontece ao jornalismo hoje é que a mídia deixou de ser invisível: não é mais o repositório das críticas da população aos políticos, de uma ética que não se encontra espelhada no ordenamento institucional e partidário, não é mais nem mesmo aquela imprensa chata e implicante que azucrina va políticos até mesmo por palavras fora de ordem. Pelo contrário, ela agora é um player : ela é “vista”. A imprensa deixou de ser uma força de fora do establishment, para se tornar mais uma instituição oficial. O quarto poder, na jogada, não é mais sequer um poder independente: virou tão somente o setor de relações públicas do Poder Executivo. Como são governos de esquerda que utilizam o poder estatal para criar “contratos” SENSO INCOMUM
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de mídia e buscam desenhar uma ideologia na população que inverta seu comportamento normal, ao invés de uma mídia que apenas reflita as tradições e aspirações naturais do povo, o caminho óbvio é que a mídia, nessa aproximação, penda cada vez mais à esquerda. Adicione-se a isso o financiamento massivo de “estudos” e notícias forjadas de grandes entidades globalistas para reverter idéias de organização social, comportamento e valores e teremos o caldo cultural perfeito para uma mídia que, quando não é manipuladora, é definitivamente revolucionária. A esquerda, que faz parte do establishment , não consegue perceber quem puxa as cordas de dentro. Acredita, até hoje, que a mídia inteira é contra o seu poder, tão somente porque mesmo os jornais mais isentos, ou mesmo alguns de esquerda durante a Guerra Fria, eram contra a implantação imediata da revolução comunista. Ainda crê que pode agir como um poder “invisível”, como uma instituição garantidora da liberdade “duramente conquistada”, mas hoje é vista como algo do qual as pessoas desconfiam tanto, ou mais, do que os próprios políticos. É mais fácil alguém acreditar na inocência de testes de paternidade de jogadores de futebol do que na mídia. No Brasil, a esquerda ainda acredita que a Rede Globo é de direita (tal como 21
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o PSDB), por não ter apoiado os comunistas durante a ditadura, sem saber que os apóia de armas em punho hoje em dia. Qualquer intelectual de esquerda começa seus circunlóquios criticando a Rede Globo, sem fazer idéia de que qualquer novela da Globo está preocupada em agenda feminista, em combater a “transfobia” e com um discurso sobre racismo mais rasteiro do que folheto do PSTU. Para entender o fenômeno a nível global, basta lembrar que, desde a Revolução Francesa, a revolução da imprensa, o destino político é definido pelo que pensa l’opinion publique, termo que foi rapidamente traduzido para todas as línguas européias. Nada nunca foi mais privatizado do que a opinião pública: desde os jornaizinhos de Voltaire e companhia até a grande mídia de massa hoje, se repetindo e dominada por uns poucos conglomerados, que são donos da maior parte dos grandes veículos de comunicação do mundo. Os ventos revolucionários democráticos de 1789 espalham a idéia de que a monarquia é ruim por não ouvir a vontade do povo. A “opinião pública” é que deveria ser representada nas instituições – idéia que separa radicalmente a democracia francesa da república americana. O primeiro grande problema no experimento é que a opinião de um país não SENSO INCOMUM
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funciona como a opinião de uma pessoa. A tentativa de tratar um país como uma opinião corrente de várias que pensam diferentemente exige reduções, adequações, achatamentos, ignorar boa parte das pessoas. É fácil entender o avanço técnico da monarquia frente a este problema óbvio. O segundo é o que atingiu um novo ápice no século XXI. Se o Estado moderno “representa” a vontade do povo na forma de um achatamento (por exemplo, tem como pressuposto básico de que um país que legalizou o aborto tem 100% das pessoas concordando que o aborto deve ser legalizado, e assim por diante), nada mais natural do que toda a discussão política, ou melhor, toda a discussão pública ser uma tentativa não de mudar uma política por sua eficiência, mas de mudar a opinião pública para que possa “representar” o público com tal ou qual mudança política, que é na verdade de interesse próprio. Novamente, a opinião pública é extremamente privatizada. Perguntados ao acaso, jovens adultos modernos crêem piamente que estão mudando o mundo ao apoiarem causas como o casamento gay, por exemplo, contra o obscurantismo medieval da Idade Média. Logo acabam caindo na mais gritante das contradições, ao citarem estudos de órgãos como ONU ou manchetes da Rede Globo para balizarem suas opiniões. Logo, tam22
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bém garantirão que os tempos mudaram, que hoje a discussão sobre casamento gay, ou qualquer pauta moderna que seja, já está sendo discutida “na sociedade”, tendo como prova que alguns políticos já a forçam abertamente no estamento jurídico-institucional. Será mesmo que políticos são tão bondosos a ponto de estarem preocupados com os direitos dos gays, que não compõem 5% dos votos? Será que só temos direitos graças, justamente, a políticos, a quem devemos tanto? É fácil notar como a opinião pública é feita como a moda: para ser efêmera e para ser obedecida, sem questionamento. O argumento de 99% das causas modernas e progressistas é, justamente, de que elas são modernas e progressistas, e qualquer crítica a elas é obscurantismo atrasado, relegado ao reino da mera crença que atrapalha o puro instinto sem freios da sociedade atual. O que políticos ganham com isso? Votos fáceis, mas algo muito mais importante do que tentativas de reeleição. Cada direito que não advenha do Direito natural (por exemplo, o direito de continuar vivo), para existir e ser “reconhecido”, precisa de um político que o garanta. É por isso que a república americana é baseada em “leis e costumes”, como sumarizado SENSO INCOMUM
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por Tocqueville, enquanto o espírito democrático europeu (e brasileiro) é baseado em “direitos” e maiorias. É um efeito na política da distinção entre democracia e república (ver nosso artigo A América não é uma democracia, no Senso Incomum). Se um direito precisa de um político, este político tem um poder não só institucional, mas de mando, de narrativa, de carisma garantido eternamente para qualquer outra política sua. Aqueles que falam tanto em “populismo” ao criticar justamente políticos que olham para os costumes do povo deveriam refletir sobre isso: quão populistas são aqueles que garantem “direitos” dados a “minorias” e outras massas de manobra típicas (sabendo que não terão apenas os votos daquelas maiorias), se por uma estranha coincidência são aqueles que sempre votam a favor de um aumento do poder do Estado sobre a família (este impedimento natural do Estado) e do indi víduo? Por que a mera coincidência, se é tão facilmente explicável por políticos ganhando cada vez mais poder sobre as leis, sempre exigindo novos “direitos”, e não abaixo das leis, onde devem permanecer, caso vivêssemos em uma república, e não em uma democracia? É exatamente este poder que a imprensa possui, de ser porta-voz, senão de políticos, de políticas, que foi instintivamente 23
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percebido pela população no mundo, ainda que ela não consiga expor em palavras e conceitos. A imprensa, se antes era de fato oposição a políticos, vigiando suas atitudes e se ultrapassavam as fronteiras do parco poder que o povo poderia lhes delegar, hoje só fala em “direitos”, em “minorias” e dá a desculpa do espírito dos tempos contra qualquer restrição a toda forma de comportamento público que trate o homem como pura vontade e puros hormônios. É a famosa “Janela de Overton”, que calcula a mudança da opinião pública. A única esperança que o povo deu ao mundo em 2016 foi ter consciência de que a imprensa tem uma agenda. Não uma torcida por um partido específico, como comumente se diz, mas sim pela mudança da mentalidade da população para impor políticas determinadas. A democracia, na sua crença de representar “a opinião pública”, é o regime perfeito para que poucos entes privados dominem e não cansem de tentar influenciar, dia e noite, justamente a mudança dessa opinião pública para seus interesses particulares, escondidos sob toda sorte de “direitos” e bom-mocismos para inglês ver.
restrito, e órgãos como CNN e New York Times amargam um descrédito gigantesco da população. Baseando-se em costumes, tradições e o common sense do poder minúsculo do Estado e da resolução de conflitos localmente, sem delegações de poder gigantesco sobre grandes territórios, é natural que o americano prefira já se informar por pequenos sites, mesmo sob ataque feroz da grande e velha mídia retratando-os como “fake news”, ou de “extrema-direita” ou “populistas” ou “fascistas”, do que por grandes órgãos de donos com agendas políticas claras. É o que pode começar a acontecer no Brasil, como tentamos com este Senso Incomum. Flavio Morgenstern
Exatamente por isso, em um país mais avançado, e talvez a única república de fato do mundo hoje, como a América, o poder de grandes conglomerados de mídia de influenciar a opinião pública é cada vez mais
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