Resumo – Português 12º ano Matéria de 12 ano Fernando Pessoa Ortónimo e Heterónimos (Poemas)
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Temáticas:
Teoria do fingimento poético; Intelectualização do sentir; Dor de pensar; A Infância como idade mítica de felicidade; Nostalgia da infância perdida; Fragmentação do Eu; Angústia existencial; Solidão; Sonho / Evasão; Frustração e tédio; Desencanto da vida (náusea de viver); A felicidade é efémera.
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Linguagem e Estilo:
Predomínio da quadra e da quintilha (como a poesia popular portuguesa); Versos curtos (2-7 sílabas); Rimas suaves e utilização de aliterações (musicalidade); Linguagem e sintaxe simples; Metáforas inesperadas e recurso a símbolos (ex.: gato e a ceifeira).
Ortónimo lírico: Depois de uma fase de experimentação poética e a partir do poema ‘’ó sino da minha aldeia’’, Fernando Pessoa inicia uma nova ‘’maneira’’, aquela que melhor o caracteriza. Em poemas, normalmente curtos, muitas vezes em quadras ou quintilhas, transmite com grande musicalidade a nostalgia de um bem perdido (um estado de perfeita harmonia interior), a ideia de tédio e a náusea de viver. Muitas vezes surge, inicialmente, uma imagem-símbolo que desperta a reflexão expressa na segunda parte do poema. É o que acontece quando o poeta deseja ter a ‘’alegra inconsciência’’ da ceifeira que canta, enquanto trabalha no campo, ou inveja a sorte do gato que brinca na rua ‘’como se fosse na cama’’. A ideia de que nunca teve felicidade duradoura é, por sua vez, sugerida pela ave cujo canto ‘’leve, breve, suave’’ pára logo que o poeta se põe a escutar. O sonho é, por vezes, o único caminho que o poeta encontra para fugir a uma realidade hostil. Segundo alguns estudiosos, toda a obra de Pessoa é talvez a nostálgica procura de uma ‘’completude’’ do Eu, de um estado de perfeita harmonia interior, que se perdeu quando terminou a inconsciência própria da infância. Depois, é a dor de pensar e a consequente fragmentação do Eu. Por isso, a infância, como idade mítica de felicidade, surge em vários momentos da obra de Fernando Pessoa. Em suma, no lirismo de Pessoa ortónimo, há a expressão musical do tédio da vida e das inquietações de um ser que se sente dividido e incapaz de encontrar a felicidade.
Resumo – Português 12º ano Fingimento Poético: Em, ‘’Isto’’ e ‘’Autopsicografia’’, Pessoa ortónimo expõem a sua teoria do fingimento poético. ‘’O poeta é um fingidor’’, isto é, é um racionalizador dos sentimentos, das emoções, recusando a Autopsicografia ou o sentimentalismo espontâneo, como defendiam os Românticos. A poesia é, pois, o produto do intelecto, o sentimento subordina-se á razão para poder alcançar a expressão poética. A dor sentida é subordinada pela sor fingida, ou seja, representada no poema. ‘’Exprime -se é dizer o que se não sente’’, a sinceridade imediata é impossível. Não é, por isso, de estranhar que ‘’ o sino da minha aldeia’’, de que Pessoa fala nesse conhecido poema, não seja de aldeia nenhuma já que o poeta nasceu em Lisboa. Quando muito ter-se-á inspirado no sino da Igreja dos Mártires, no Chiado, em pleno coração da capital.
Fingimento poético(2): Fernando Pessoa defende, a partir dos poemas ‘’Isto’’ e ‘’Autopsicografia’’, que fingir não é o mesmo que mentir. Ou seja, Pessoa acredita que não há mentira no ato de criação poética. Segundo a teoria defendida por Pessoa ortónimo, o fingimento poético resulta da racionalização dos sentimentos e da intelectualização do sentir, pelo sujeito poético. Não basta para haver poesia, a expressão espontânea da dor real. Não há poesia, não há arte, sem imaginação, isto é, sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente. Assim, a poesia não está na dor experimentada ou sentida realmente, mas no fingimento (intelectualização) dela. A criação poética assenta na complexa relação entre ‘’coração e razão’’, entre o sentir e pensar.
Infância, idade mítica de felicidade (consciência e inconsciência / dor de pensar): A infância é uma idade feliz porque o ser humano não tem consciência plena de si e do mundo e por isso não tem conflitos, divisões dentro de si. O estado adulto de ser pensante é exactamente o contrário. O pensamento, a consciência leva á divisão do Eu, à sua fragmentação e a unidade desse Eu é um bem que nunca mais se alcança. Como muito bem diz Caeiro, ‘’pensar incomoda como andar á chuva’’ ou, como afirma o ortónimo em poemas como ‘’Ela canta pobre ceifeira’’ ou ‘’Gato que brincas na rua’’, seria bom ter a inconsciência da ceifeira e do gato porque isso seria sinonimo de felicidade. Segundo alguns estudiosos, a obra de Pessoa é toda ela uma nostálgica procura da completude do Eu, ou seja, de um perfeito estado de harmonia interior, cedo perdida e nunca mais encontrada. Por isso a infância, como idade mítica de felicidade, é um tema recorrente, nomeadamente na terceira fase de Álvaro de Campos.
Nostalgia da infância: Do mundo perdido da infância, Pessoa sente nostalgia. Um profundo desencanto e angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da sua efemeridade, isto é, o tempo é para ele um factor de desagregação na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O tempo apaga tudo. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado. Frequentemente, para Fernando Pessoa, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão. Por isso, o constante descrença perante a vida real e de sonho. Daí, também, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de felicidade.
Resumo – Português 12º ano Dor de pensar: (Meus Apontamentos) Fernando Pessoa é um indivíduo absolutamente cerebral, que submete a sensibilidade ao racional. Assim, o excesso de lucidez leva-o a padecer de uma dor de pensar. Obcecado pela auto-análise, meditando sobre a sua angustiada existência, admite que o pensamento corrompe a felicidade de viver. Feliz é aquele que vive numa cândida inconsciência, sendo inexoravelmente infeliz aquele que pensa. Dilacerado pela dor da racionalidade, não consegue fruir instintivamente a vida: “Cansa sentir quando se pensa”. Esta dor surge igualmente no poema “Ela Canta, Pobre Ceifeira”, nomeadamente nos versos “Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!”. Em suma, a dor de pensar traduz grande insatisfação – e mesmo alguma dúvida – sobre a utilidade do pensamento. Ou
Fernando pessoa sente-se condenado a ser consciente, lúcido, a ter de pensar. O ortónimo considera que o pensamento provoca a dor, teoria que alicerça a temática da “dor de pensar”. Na sequência da mesma, o poeta inveja aqueles que são inconscientes e que não se despertam para a actividade de pensar, como uma “pobre ceifeira”, que “canta como se tivesse mais razões para cantar que a vida”, ou como “gato que brinca na rua” e apenas segue o seu instinto. Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta é inatingível para ele, uma vez que é baseada em princípios que sente nunca poder alcançar – a inconsciência, a irracionalidade –, uma vez que o pensamento é uma actividade que se apodera de maneira persistente e implacável de Pessoa, provocando o sofrimento e condicionando a sua felicidade. Impedido de ser feliz, devido à lucidez, procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. O poeta deseja ser inconsciente, mas não abdica da sua consciência, pois ao apelar à ceifeira: “poder ser tu, sendo eu!/ Ter a tua alegre inconsciência/ E a consciência disso!”, manifesta a sua vontade de conciliar ideias inconciliáveis. Em suma, a “dor de pensar” que o autor diz sentir, provém de uma intelectualização das sensações à qual o poeta não pode escapar, como ser consciente e lúcido que é.
O problema da fragmentação do eu e da perda de identidade Para Fernando Pessoa é impossível encontrar a sua identidade e evitar tanto a fragmentação do seu eu como o seu ser plural, caso não cesse a procura da resposta ao enigma do ser, o que o conduz à infelicidade e angústia. Ao procurar desvendar tal enigma, tem de se confrontar com a sua pluralidade e, logo, ao ser vários, não pode ser alguém em concreto e, assim sendo, é ninguém. Através deste simples facto, é possível compreender o porquê de não saber quem é, nem saber se é ele que realmente existe. Por sua vez, ao viver diferentes “personagens” sem saber quantas almas tem, o seu eu encontra-se fragmentado e, consequentemente, não lhe é possível ser a totalidade dos fragmentos em simultâneo. Face a isso, tão pouco lhe é possível voltar a ser a unidade, unidade essa que pode representar a infância ou, em última instância, a felicidade perdida. Conclui-se, então, que o Eu fragmentado de Pessoa e a sua perda de identidade não lhe permitem ser feliz e, embora os argumentos se baseiem nas linhas de pensamento de toda a poesia pessoana, é impossível negar que são eles, em conjunto, que justificam qualquer ponto de vista sobre o poeta
Resumo – Português 12º ano
Génese dos Heterónimos pessoanos (srcem das diferentes personalidades literárias que Fernando Pessoa assume na sua escrita: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) Fernando Pessoa explica, em carta a Adolfo Casais Monteiro, a srcem dos seus heterónimos. A srcem mental desses heterónimos é, segundo diz, a sua tendência para a despersonalização e para a simulação, tendência essa, aliás, que se manifesta, desde a infância, tendo criado aos seis anos o seu “primeiro heterónimo”, um certo Chevalier de Pas. Mais concretamente explica que, em 1914, quis fazer uma partida ao seu amigo Mário de Sá Carneiro, “ criando um poeta bucólico de espécie complicada”. As suas tentativas não tiveram êxito, mas, no dia 8 de Março, o dia triunfal da sua vida, quando estava quase a desistir, escreveu, numa espécie de êxtase, os trinta e tantos poemas de O Guardador de rebanhos , surgindo assim Alberto Caeiro. Sentiu, então, que tinha nascido em si o seu “mestre”. Seguidamente, escreveu, também a fio, os seis poemas da Chuva Oblíqua, como se fosse o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Como Caeiro era o “mestre”, resolveu arranjar-lhe imediatamente uns discípulos: sem interrupção nem emenda escreveu a Ode Triunfal fazendo “nascer” Álvaro de Campos e, do falso paganismo de Caeiro faz ainda surgir Ricardo Reis. Para todos estes heterónimos Pessoa traça uma diferente história de vida. Esses heterónimos são, na verdade, várias personagens dentro de uma só pessoa que deseja “sentir tudo de todas as maneiras”, ver a realidade de diferentes perspectivas. Há, por isso, diversidade mas também unidade neste poeta-drama, figura singular na Literatura portuguesa.
Alberto Caeiro Pastor por metáfora, Alberto Caeiro é o “mestre” de Pessoa e tem ainda como discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Ele “ensina a saber ver” a maravilhosa variedade e beleza das coisas. O rebanho de Caeiro é composto pelos seus pensamentos e os seus pensamentos são todos sensações. Procura o Objectivismo Absoluto, recusa a metafísica, a filosofia, o pensar sobre as coisas porque “o único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum”. “Pensar incomoda como andar à chuva” e Caeiro prefere viver feliz como os rios e as plantas, integrado nas leis do Universo, como um Descobridor das Sensações, ele que se assume como o ”Argonauta das sensações verdadeiras”. Para ele não há passado nem futuro, limita-se a existir. Os seus poemas são, por isso, marcados pela espontaneidade e liberdade formal (irregularidade estrófica e métrica, geralmente sem rima), com predomínio de nomes e verbos, portanto de vocabulário concreto, pouco variado, com repetições frequentes. Encontram-se nos seus versos sobretudo o Modo Indicativo, muitas vezes no Presente, e a Coordenação, forma mais simples de articulação das frases. Recorre muito à comparação com elementos da Natureza (Ex: Como um girassol…) No entanto, é o próprio Ricardo Reis que denuncia a simplicidade de Caeiro como sendo aparente. Na verdade, Caeiro é um pensador que defende uma tese filosófica de recusa da filosofia. Pretende com isso atingir aqueles que estão tão preocupados em procurar a essência das coisas que nem vêem a maravilhosa e sempre variada superfície das coisas. Se relermos a sua poesia à luz desta ideia de Reis, apercebemo-nos como ela é “argumentativa”, procurando convencer para uma nova forma de olhar o que nos cerca. E afinal poderemos concluir que o “ verdadeiro” Caeiro é um civilizado que pretende “aprender a desaprender” para conseguir olhar a realidade novamente com a ingenuidade da infância, com o “pasmo essencial” da criança para quem tudo é novidade e maravilha.
Resumo – Português 12º ano
Ricardo Reis Criado num colégio de Jesuítas, Ricardo Reis é latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria. As suas influências clássicas reflectem-se nas formas poéticas (odes e epigramas), nas referências mitológicas (Saturno, Adónis, Apolo...), nos latinismos e na sintaxe próxima da do Latim. É ainda através do poeta latino Horácio que recebe as ideias de Epicuro, que procura transmitir na sua poesia, revelando-se “um epicurista triste”. Segundo essas ideias, o tempo passa contin uamente, não pára e não volta atrás. A vida é precária e o Destino (força superior aos próprios Deuses) implacável e cego. Resta-nos, por isso, gozar o momento ( carpe diem), sem nos entregarmos a emoções, sejam boas ou más, com a imperturbabilidade ( ataraxia) dos jogadores de xadrez da antiga Pérsia que, embora a guerra devastasse tudo e todos à sua volta, continuavam serenamente o seu jogo. Quer gozemos quer não gozemos, o tempo passa. “Desenlacemos as mãos” ─ diz o poeta a Lídia ─ sabendo que, se quisessem podiam trocar beijos e carícias. É, porém, neste abdicar e voluntariamente escolher a forma de passar a vida efémera, que o Homem consegue ser rei de si próprio. Por isso, também, “tudo o que é sério pouco nos importe”: o poeta prefere rosas e magnólias, em vez de pátria, glória e virtude, coisas que “os humanos acrescentam à vida” e que nada significam perante a fugacidade do tempo. Aprendamos, pois, com Epicuro e com a poesia de Ricardo Reis, a saber viver, vendo “o rio” passar, sossegadamente, e procurando atingir a felicidade relativa feita de resignação e temperado gozo dos prazeres que não comprometem a liberdade interior. O amanhã não existe, gozemos o momento.
Álvaro de Campos Álvaro de Campos é o único heterónimo de Pessoa que apresenta uma evolução: Fase decadentista (Opiário), fase sensacionista e futurista ( Ode Triunfal, por exemplo) e fase de abulia e tédio, a que alguns chamam fase intimista ( Aniversário, Tabacaria, entre outros). Na primeira fase, Campos é um saturado da civilização, desencantado da vida, com saudade de um Oriente que não existe. Na fase sensacionista e futurista, influenciado por Marinetti e Whitmann, canta a civilização moderna num estilo entusiasta, louvando a técnica, a perfeição das máquinas, num desejo de Progresso, de Europa, de cosmopolitismo. Deseja sentir tudo de todas as maneiras, deixandose envolver pela vertigem das sensações. No entanto, completamente diferente é a última fase de Álvaro de Campos, a chamada fase intimista. Desiste das alienações das sensações, manifesta um “supremíssimo cansaço “existencial, uma náusea de viver, tédio e abulia. Por isso ele é “companheiro de psiquismo” de Pessoa Ortónimo. Sente a “dor de ser lúcido”, o que o leva a isolar-se dos outros, a não querer ser da “companhia”, a não querer seguir padrões impostos. É novamente a infância como idade mítica de felicidade que recorda em oposição ao presente, como acontece no poema Aniversário. Perante o real, que é “opaco”, Campo s sente estranheza e perplexidade. Parece não encontrar solução para a angústia que traz há séculos consigo. Por isso não sabe como conduzir-se na vida, sentindo um mal-estar que lhe faz “pregas na alma”. Concluindo, Álvaro de Campos vai mudando a sua forma de sentir e daí as diferentes faces/fases da sua expressão poética. Finalmente, o cansaço desta vida “prática e útil” leva-o a desejar estar sozinho, “enquanto tarda o Abismo e o Silêncio”.
Resumo – Português 12º ano
Muito resumidamente:
Fernando Pessoa “Ser múltiplo sem deixar de ser um” Alberto Caeiro “Mestre” dos outros
Pessoa Ortónimo Pastor
por metáfora instrução Vive o campo Paganista existencial Poeta da Natureza e da simplicidade (deambulismo) Interpreta o mundo a partir dos sentidos – Sensacionismo (Visão) Interessa-lhe a realidade imediata e o real objectivo (palpável) que as sensações lhe oferecem Nega a utilidade do pensamento, é antimetafísico Sem
Tensão Sinceridade/ fingimento Consciência/ Sentir/Pensarinconsciência Intelectualização dos sentimentos Interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade Uma explicação através do ocultismo
Ricardo Reis
Álvaro de Campos
Medico
Forte
culto preparação académica Cultura clássica (deuses – Fado, destino) Epicurismo: carpe diem – aproveitar o momento sem excessos. – E disciplina estóica [estoicismo] – suporta o sofrimento de forma pacífica (sem excessos, sem revolta).
Cidade moderna e industrializada Máquinas Invenções 1- Decadentismo – o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações 2- Futurismo e sensacionismo – exaltação da força, da violência, do excesso; apologia da civilização industrial; intensidade e velocidade (a euforia desmedida) – “Ode Triunfal” 3- Intimismo – depressão, o cansaço e a melancolia perante a incapacidade das realizações; as saudades da infância
Epicurismo: Consiste na filosofia moral de Epicuro (341 – 270 a. C.), que defendia o prazer como caminho da felicidade. Mas para que a satisfação dos desejos seja estável, sem desprezar ou dor, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbação. O poeta romano Horácio seguiu de perto este pensamento de defesa do prazer do momento, ao considerar o "Carpe Diem" ("aproveita o dia", "colhe o momento") como necessário à felicidade. Estoicismo: É uma corrente filosófica que considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e às paixões, que são perturbações da razão. O ideal ético é a apatia, que se define como ausência da paixão e permite a liberdade, mesmo sendo escravo. Ricardo Reis: Apesar deste prazer que Ricardo Reis procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade , ou seja, a ataraxia. Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer, numa verdadeira ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico disciplinado.
Resumo – Português 12º ano A Mensagem – Fernando Pessoa 1- Génese (srcem) Fernando Pessoa define-se a ele próprio como um “nacionalista místico, um sebastianista racional”. Com efeito, já em 1902, na revista “Águia”, afirmara nos artigos sobre “a nova poesia portuguesa” que Portugal havia de encontrar “uma India que não existe no espaço” e que a nossa raça procurará em “naus construídas daquilo que os sonhos são feitos”. Esta mesma ideia perpassa na Mensagem que surge muitos anos depois, em 1934. A Mensagem é uma colectânea de poesias compostas em épocas diferentes embora haja entre elas uma unidade de inspiração: exaltação e incitamento patrióticos. Depois do nascimento (“Brasão”), da realização ou vida (“Mar Português”), a nossa raça chegou á fase de decadência ou morte (“Encoberto”). Mas sairá deste “nevoeiro” para um novo nascimento e alcançará assim o Quinto Império. Portugal irá “cumprir -se” através de um Império feito de valores espirituais, morais e culturais. Portugal será, usando as palavras do próprio Pessoa, “uma potência criadora de civilizações” 2- Estrutura da Obra:
Resumo – Português 12º ano A Mensagem é uma colectânea de poesias, publicada em 1934. Embora escritas em épocas diferentes, essas poesias estão unidas pelo mesmo sentimento de exaltação e incitamento patrióticos: da fase de decadência em que Portugal se encontra, a nossa raça saberá renascer e construir o Quinto Império, isto é, será uma “ potência criadora de civilizações” A obra encontra-se dividida em 3 partes fundamentais o que corresponde á estrutura de um mito – teoria cíclica das Idades. Desta forma, se transfigura a história de uma pátria como nascimento, vida e morte de um mundo. Assim, a primeira parte é o “Brasão” onde se encontram os fundadores; a segunda parte é o “Mar Português” que reflecte a época de realização ou vida, em que, como diz o poema “O Infante”, o mar se cumpriu; a terceira parte é o “Encoberto” que refere a decadência, a desintegração, o fim das energias mas, ao mesmo tempo, transmite a esperança do renascimento pátrio: “Ó Portugal hoje és nevoeiro! É a hora!” 1ª Parte: “Brasão”
Estão, aqui, presentes os construtores do Império, míticos ou reais, que esboçaram a ideia de Imperio, como D. Dinis, através da defesa dos ideais nacionais, apesar do sacrifício que isso impõe aos heróis representados nas Quinas. Assim, a nação vai-se depurando no sentido do destino divino que lhe cabe cumprir. Esta primeira parte abre com a citação latina Bellum sine belli (Guerra sem guerra), uma divisa que remete para o nosso passado guerreiro, mas a guerra que a Mensagem apela faz-se sem armas convencionais; as novas armas são o sonho, a resistência ao imobilismo, a inquietude humana, a ânsia do absoluto, a vontade, a aceitação do destino, associadas ao espirito de missão. O herói desta guerra cumpre-se cumprindo o destino que Deus outorgou para os Portugueses. A primeira parte encontra-se subdividida em cinco partes e está ligada ao estudo heráldico (arte ou ciência que estuda os brasoes) do escudo e brasão portugueses São poemas com referência a heróis míticos – são heróis vencedores nalguns casos, ignorados noutros; mas são a imagem de Portugal erguido á custa do esforço humano, embora com contributo de forças sobrenaturais, pois Portugal está predestinado para grandes feitos.
2ª Parte: “Mar Português”
Nesta parte canta-se o português que desvendou mundos, que venceu o mar e que criou um império que, na sua componente material, deixa adivinhar o seu próprio fim. Permanece, contudo, exemplar a ideia de descoberta, a febre de navegar, a atração pelo longínquo e pelo mistério, a ideia de universalidade e o sonho, ingredientes indispensáveis à procura da unidade perdida. Esta parte abre com a divisa Possessio Maris (Posse do mar). É o ideal de ser português, celebrado na 1ª parte que se realiza com a posse dos mares que a 2ª parte exalta. Com o mar aprendemos a encurtar a distância que nos separa de nos mesmo e do nosso destino, algures perdido nesse porto sempre por achar e que é preciso perseguir. O mar é símbolo da morte, morte que os portugueses sofreram para renascer/ressurgirem das cinzas (“tudo vale a pena”) anunciando um novo ciclo – o Império espiritual Esta parte, que corresponde ao tempo de ação épica d’Os Lusíadas, encontr a-se subdividida em doze poemas, poemas esses dedicados á conquista, á posse dos mares, com destaque para as figuras do Infante, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Colombo, Fernão Magalhães, Vasco da Gama e, de novo, D. Sebastião – personalidades dos descobrimentos ligadas a missão que Portugal tinha a cumprir.
3ª Parte: “Encoberto”
“O Desejado” há-de revelar ao mundo dividido o Santo Graal, quando, sob a forma de Encoberto, regressar para dar vida á nação, instaurando o Quinto Império, império da fraternidade universal. O título desta parte revela um sebastianismo de apelo e de certeza profética. Cumprida a missão terrestre, verifica-se o fim das energias latentes – a morte – mas esta morte permite o ressurgimento das cinzas. Esta ultima parte da Mensagem anuncia o regresso de Portugal á sua missão autentica, reconhecida através dos símbolos do sebastianismo. A divisa Pax in excelsis (Paz nas alturas) abre a terceira e ultima parte, na qual se foca a resignação infeliz de um povo, pois se já se cumpriu o mar, falta cumprir-se Portugal, falta realizar-se o Quinto Imperio e com ele a harmonia universal. Esta parte subdivide-se em três partes com títulos igualmente simbólicos, pois o Portugal que hoje é nevoeiro regenerar-se-á. Um novo Camões virá também para transformar o medíocre em grandioso e guiar a Pátria no caminho da dignidade. Será essa a “Índia que não há”, mas que precisa de ser edificada e só com a loucura e abnegação dos heróis será possível dar vida a esse sonho
Resumo – Português 12º ano 3- Classificação da obra: Podemos caracterizar a Mensagem como: Obra épica Género que visa a exaltação de feitos excepcionais e imortalização dos heróis Camões n’Os Lusíadas, canta o império real e os feitos do passado do povo português, porem… Pessoa canta a heroicidade do ser humano; é a epopeia da era que há-de vir, do sonho feito, da “Índia que não há” – do novo império que está prestes a cumprir-se. Obra Lírica Atitude introspectiva subjectiva expressa de forma lírica Obra Simbólica “Percorrida por uma simbologia que não permite uma interpretação ingénua” dos poemas Obra Mítica
Enaltece a heroicidade do ser humano, através da espiritualidade progressiva, tirando partido do mito sebastianista “Não é tanto o império terreno que ele canta, mas sim a Ideia Condutora, o que não existe no mundo sensível (…) o mito” – Jacinto do Prado Coelho
Fernando Pessoa desejava ser um criador de mitos, mas o que fez foi reelaborar seculares mitos portugueses, repensando-os e adaptando-os ao sei ideal. Um desses mitos é o Quinto Império.
4- Mito do Quinto Império Já tinha sido anunciado por Bandarra e pelo Padre António Vieira Paz e Fraternidade será a imagem do Éden Primordial. Mas este império não é no sentido guerreiro, territorial ou material, mas no sentido de um Imperio de Espirito, da cultura e terá como cantar o SupraCamões (o próprio Fernando Pessoa). Camões foi o cantor do inicio do Imperio, Pessoa do sei fim. Para além disso, o objectivo de Pessoa é perseguir uma “Índia que não há”, pois é importante que Portugal se cumpra depois de desfeito o Imperio real. Portugal será grande em valores espirituais e morais, um Imperio da Língua Portuguesa, do modo de ser português, um império desligado de tempo e espaço reais. Para conseguir chegar ate ele era necessário levantar a moral da nação, abatida pelo complexo de inferioridade em que havíamos caído historicamente – segundo Pessoa só era possível levantar a moral através da construção ou renovação e difusão de um grande mito nacional que, segundo ele, já o tínhamos: o mito sebastianista. 5- O Mito Sebastianista
O desaparecimento de D. Sebastião significou, para o país, a perda da identidade, da independência e, por isso, enraizou-se no espirito nacional como instrumento de ação/ reação em momentos de crise nacional. A figura de D. Sebastião diviniza-se, surgindo na imaginação do povo como um herói salvador que, à semelhança de rei Artur, passa a viver oculto numa ilha para, em momento oportuno, poder libertar a Pátria dos seus inimigos. Este Desejado é comparado a Galaaz, filho de Lancelot (um dos cavaleiros da Távola Redonda do Rei, o melhor cavaleiro, o mais puro), porque a sua missão será também encontrar o Graal, símbolo da verdade, da “Eucaristia Nova”, que neste caso será o Quinto Imperio. O desejado estaria nas ilhas Afortunadas, que simbolizam a solidão e o mistério, á espera que os portugueses acordem para regressar. De acordo com Pessoa, o Desejado é descrito em termos de cavaleiro templário e simbolizado em termos rosa-crucianos (militar + religioso) Rosa: no centro da cruz (lugar do coração de Cristo), representa purificação, ascetismo, o superação dos desejos carnais. o Cruz representa o salvador, a sua sabedoria, o conhecimento perfeito Pessoa viu em Sidónio Pais a figura do Encoberto
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Resumo – Português 12º ano Os Lusíadas - Luís Vaz de Camões 1- A estrutura externa O poema está escrito em versos decassílabos, com predomínio do decassílabo heróico (acentos pa 6ª e 10ª sílabas). É considerado o metro mais adequado á poesia épica, pelo seu ritmo grave e vigoroso. Surgem também alguns raros exemplos de decassílabo sáfico (acentos na 4ª, 8ª e 10ª sílaba). · As estrofes são de oito versos e apresentam o seguinte esquema rimático – “abababcc” ( a este tipo estrófico costuma chamar-se oitava rima, oitava heróica ou oitava italiana) · As estrofes estão distribuídas por 10 cantos. O número de estrofes por canto vario de 87, no canto VII, a 156 no canto X. No seu conjunto, o poema apresenta 1102 estrofes. 2-
A estrutura interna
1. As partes constituintes Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes: · Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3) · Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8) · Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter srcem nas Geórgicas de Virgilio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade) · Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais). 2. Os planos narrativos Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção. Como plano narrativo fuleral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à India. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melindo, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses. 3-
Reflexões do Poeta – Críticas e concelhos aos Portugueses
Canto I Insegurança / fragilidade da vida humana Resumo do Canto: Nestas estancias finais do Canto I, o poeta tece considerações suscitadas pelas ciladas de Baco, que tudo faz para que a viagem á India não tenha sucesso. Ao chegar á Ilha de Moçambique, a armada portuguesa é acolhida pelos mouros com quem trocam presentes. Mas, na verdade, Baco, preparando ardilosamente uma cilada aos portugueses, disfarça-se de uma sábio mouro e instiga o regedor da ilha a destruir a armada. Os lusos apercebem-se da falsidade e da tração que os espera e responde violentamente. É então que surge um piloto mouro que, servindo de garantia de paz, oferece falsamente os seus préstimos para conduzir a armada a porto “seguro”. Este falso piloto, instruído por Baco, conduzirá a armada até Quíloa., onde será destruída, se não fosse a intervenção de Vénus. A deusa, com a ajuda de ventos contrários, afasta a armada de Quíloa, mas o falso piloto, insistente, conduz as naus para a ilha de Mombaça, dizendo que aí encontraram um povo baptizado e amigo Posicionamento do poeta: críticas / conselhos: O poeta interrompe a narração para expor as suas reflexões sobre a fragilidade da vida humana, enquanto sujeita a inúmeros perigos e traições. É próprio da condição humana a precariedade da vida, porém, a ambição do homem leva-o a subestimar as adversidades que se lhe apresentam, julgando-se invencível e eterno. Tanto na história passada como na história presente, esta atitude do homem mantem-se como uma característica imutável no seu comportamento. No início do poema, Camões refere, orgulhosamente, o Homem como sendo capaz de ir além do que «prometia a força humana» (Canto I, 1). Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer.
Resumo – Português 12º ano Canto II Desejo de fama fácil Partindo de alusões mitológicas, o rei de Melinde discorre sobre a oposição entre os que querem obter a celebridade fácil, mesmo cometendo atos condenáveis, e os que ambicionam a perpétua glória por terem praticado “obras tao dignas de memória. O desejo de fama fácil, ainda que efémera, tem sido uma atitude constante no comportamento humano, o que justifica o caracter atemporal desta reflexão de final de canto. Canto IV Condenação explícita da cobiça / vaidade humana Simbolismo do Velho do Restelo Aquando das despedidas de Belém, o ambiente vivido no “porto da ínclita Ulisseia” é de dor e sofrimento, porque mães, esposas, irmãs, velhos e meninos consideram aquela aventura marítima uma imagem sem retorno. Entre esta multidão, ergue-se a voz de um velho, de “aspeto venerando” e “Cum saber só de experiencias feito”, que se insurge contra esta aventura rumo ao desconhecido, pelos motivos que, a seguir, enuncia: a sedução do poder, a cobiça sem sentido, a procura desenfreada da fama, o prazer enganador que se estimula co a avidez da glória. Para além destes motivos que se revestem de uma dimensão crítica atemporal e universal, as palavras do velho apresentam, igualmente, um caracter que se associa às circunstâncias político-sociais subjacentes á primeira viagem marítima para o Oriente. Desta forma, o velho do restelo perspectiva, então, essa procura insana da fama como srcem de abandonos e de adultérios, astuta e inegável devastadora de haveres, de reinos e de impérios, embora sob o nome de ilustre e de sublime, atributos com os quais se ilude o povo ignorante, merecendo, no entanto, ser desprezada, numa orientação oposta á do espirito épico Para fundamentar os seus argumentos, o velho condena o primeiro navegador e apresenta exemplos da mitologia crista e pagã que ilustram os efeitos nefastos da ambição desmedida e da procura falaciosa da fama: Adão, cujo pecado e desobediência às ordens divinas o levaram a ser expulso do paraíso e lançado na “idade de ferro e de armas” Prometeu, cuja ambição desmedida o condena a um sofrimento eterno Faetonte, filho de Apolo, cujo desejo insensato de conduzir o carro que transportava o sol provoca um desastre na terra, queimando-a e fazendo evaporar a água. Ícaro, cuja ambição de voar até ao sol o faz esquecer as recomendações do pai – a proximidade do sol derreteria a cera das asas e fá-lo-ia precipitar-se no mar. Porta-voz do bom senso e da prudência, ou daqueles que defendiam a expansão para o Norte de África, ou condenação explícita da ousadia humana, o discurso do velho do Restelo encerra com palavras que caracterizam a condição humana como “misera e estranha”, porque afronta os seus limites, ignorando fogo, ferro, água, calma e frio. Não será este comportamento o de grande parte da humanidade que, cega pelo desejo de fama e obtenção de lucros e poder, desrespeita os verdadeiros valores subestimando a vulnerabilidade da vida? Canto V Censura do Poeta aos que desprezam as Artes e as Letras Vasco da Gama, que tinha iniciado no Canto III a narração da História de Portugal ao rei de Melinde, conclui, no final do Canto V, a sua longa narrativa, fazendo o relato da viagem da armada portuguesa no atlântico, destacando-se os episódio que sublinham as dificuldades da viagem, embora a rota já fosse conhecida, nomeadamente o fogo de Santelmo, a tromba marítima, a aventura de Fernão Veloso que, numa das aguadas, é atacado pelos indígenas, não perdendo, contudo, o humor e a fanfarronice típicos do perfil português, o encontro com o gigante Adamastor, que dizimou muitos navegadores. Posicionamento do poeta: críticas / conselhos Neste contexto o poeta assinala que as palavras de Vasco da Gama traduzem a importância das navegações da armada portuguesa, porém, não basta cometer tais feitos, é necessário ter o dom de os transmitir, através da arte da escrita, tal como aconteceu com os mais notáveis capitães “Da Lácia, Grega ou Bárbara nação”, a quem não faltou eloquência. A terra portuguesa produz, igualmente, “Cipiões / Césares, Alexandros e (…) Augustos”, mas aos heróis portugueses falta-lhes tais dotes, tornando-os rudes e incultos. Os grandes heróis da Antiguidade, como Octávio, César e Alexandre Magno, interessavam-se pela literatura e pela arte, o que revela que as armas não são incompatíveis com o saber. Isto não acontecendo, desparecerão todos aqueles que perpetuam, através da escrita, a heroicidade e o mérito dos grandes homens; a falta de registo leva consequentemente, ao desaparecimento dos heróis. O poeta, diante destas circunstâncias, conclui que Vasco da Gama deve agradecer às usas portuguesas o intenso amor da pátria que as levou a dar aos seus descendentes fama e nomeada, através do canto épico.
Resumo – Português 12º ano Adverte ainda que, apesar de haver heróis portugueses que possam não ser cantados, tal não acontece por falta de valor, mas sim porque o culto das letras não é valorizado.
Canto VI
O valor da fama e da glória
A voz do poeta assume neste conjunto de estâncias uma dimensão verdadeiramente atemporal, uma vez que se critica o facilitismo, a ociosidade e a valorização da aparência na conquista de uma efémera e falsa glória. O episódio que motiva estas reflexões é a tempestade ocorrida entre Melinde e Calecut e que constitui o ultimo obstáculo da armada portuguesa, antes de alcançar as terras da índia. Os perigos que os portugueses enfrentam suscitam uma serie de reflexões de caracter didático. Partindo de um discurso alicerçado em construções negativas, o poeta condena o caminho fácil da fama e indica o verdadeiro trilho: força, perseverança, resiliência, capacidade de sofrimento e humildade. Defende, pois, um novo conceito de nobreza, espelho de modelo da virtude renascentista. O poeta acrescenta que, assim, se atinge a verdadeira glória, que despreza honras e dinheiro e que eleva os verdadeiros heróis.
Canto VII Crítica á desunião e á violência fratricida entre cristãos O conteúdo da reflexão contida nestas estrofes é suscitado pela chegada dos portugueses á índia. Apesar de ser um povo pouco numeroso consegue dilatar a fé cristã, á imagem da lição evangélica, segundo a qual Cristo sempre ajudou os humildes e pequenos. Para reiterar a importância deste povo fiel aos princípios da santa Cristandade, o poeta enumera os povos europeus e eus líderes que renegaram o espírito do Cristianismo e se envolveram em guerras fratricidas: Os alemães revoltaram-se contra o Papa e criaram uma nova seita religiosa, o protestantismo.~ Os ingleses fundaram o anglicanismo e envolveram-se em guerras religiosas contra os católicos. Os franceses renegaram os princípios dos seus antecessores que sempre lutaram contra os infiéis. Os italianos que, mergulhados em “vícios mil e no vil ócio”, se esqueceram do seu “valor antigo” Após esta enumeração, o poeta chega ao verdadeiro objetivo da sua reflexão – criticar a desunião e a violência fratricida entre os cristãos que impedem de tomar consciência do ideal que os norteia, ou seja, libertar a divina sepultura e lutar contra a invasão muçulmana (espirito de cruzada, época dominada pelo medo da invasão da europa pelos turcos) Ironicamente o poeta acrescenta que se a ambição de possuir grandes domínios se sobrepõe à causa da fé, então os europeus devem deixar-se entusiasmar pela conquista das “auríferas areias da Lídia”, pelos fios de ouro da Assíria e pelas minas de ouro de África. É, pois, clara a crítica do poeta á inversão de valores. Enquanto os povos de Leste da europa se lamentam por os seus filhos terem de aprender o Alcorão, outros povos europeus continuam a guerrear-se entre si, o que causa, igualmente, ima incrédula perplexidade ao poeta, levando-o a exortá-los. A reflexão crítica é concluída pela exaltação desta “pequena casa lusitana” que domina África, Ásia e América “e se mais mundos houvera lá chegara”
Canto VII
Crítica do poeta aos opressores e exploradores do povo
O poeta lamenta não só os infortúnios que o destino o fez viver, os perigos do mar e da guerra, a experiencia da pobreza, a falta de esperança, o naufrágio em que quase perdeu a vida, mas, sobretudo, a falta de reconhecimento e a indiferença dos seus contemporâneos. Recorrendo mais uma vez á ironia, o poeta dirige-se às ninfas, Perante sublinhando que a oindiferença dos senhores do cantará Tejo para os cantaaconstitui exemplo. as musas, poeta assume que apenas osquem que arriscam vida peloum seumau Deus e pelo seu Rei e que, perdendo-a, a aumentaram em fama. Por isso, de forma perentória, o poeta não cantará quem, contrariando as leis divinas e humanas, for egoisticamente ambicioso, apenas desejando satisfazer os seus vícios e torpes desejos, quem for demagogo e populista, quem explorar o povo e quem for desonesto. Escutamos assim, a voz de um homem renascentista, consciente da realidade do seu tempo, mas também com a intuição da falta de valores que impera e que, por isso, recusa o elogio gratuito, apesar dos proveitos que dai podiam advir. Trata-se de uma voz intemporal, pela acuidade da crítica e pela exaltação aos verdadeiros valores.
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Canto VIII Critica ao poder corrupto do ouro e do dinheiro e quem merce ou não ser contado Este episódio é motivo para uma reflexão centrada em torno do poder corrupto do dinheiro. Partindo de episódios da mitologia clássica que ilustram o fascínio pelo ouro e pela riqueza, o poeta faz considerações sobre a fraqueza humana, perante o “vil interesse e sede inimiga / Do dinheiro, a que tudo nos obriga!”. São inúmeras as situações ilustrativas do poder maléfico do vil metal evocadas pelo poeta: as mais inexpugnáveis fortalezas tornam-se vulneráveis, os amigos, traidores, as almas mais nobres cometem vilezas, as traições sucedem-se, as mentes mais puras corrompem-se, as consciências ficam cegas, os sábios depravam-se, as leis são erradamente interpretadas, os decretos são feitos e desfeitos, os perjúrios espalham-se entre os homens e os reis convertem-se em tiranos. Até aos sacerdotes, o ouro corrompe e seduz, embora com a aparência de virtude. Numa época marcada pelo excessivo materialismo, pela supremacia do dinheiro em relação a outros valores, as palavras de Camões revestem-se de uma particular acuidade, transformando-as num implícito apelo á integridade, valor atemporal e universal.
Canto IX
Exortação do poeta a quantos desejarem alcançar a fama
As considerações do final do Canto IX aparecem inseridas no episódio da Ilha dos Amores, considerado o momento culminante da divinização dos heróis, recebidos como deuses pelas ninfas sabiamente instruídas por Vénus. Este processo de divinização dos nautas portugueses é construído ao longo da epopeia e culmina com o premio preparado por Vénus, a eterna protetora dos portugueses. O relacionamento amoroso entre humanos e divinos e as profecias de Tétis sobre os futuros feitos dos portugueses no Oriente. Este momento do poema suscita considerações mais amplas que superam a simples narração de u episódio de cariz amoroso e sensual. Assim, depois de referir que é a Fa ma que transforma os Homens em “Deuses, Semideuses imortais “, o poeta apresenta conselhos para atingir a honra e a plenitude, um percurso alto e fragoso, mas no fim doce, alegre e deleitoso. Que conselhos são esses? Despertar do ócio, refrear a cobiça e a ambição, ser humilde, dar leis justas, equitativas e imparciais, ser valente na luta contra os infiéis e aconselhar adequadamente o rei. Desta forma, independentemente das circunstancias históricas, se construirá uma sociedade mais justa atingindo-se, então, a verdadeira e mercada fama. O poeta não deixa, simultaneamente, de sublinhar a importância da vontade na consecução dos nossos objectivos, porque “quem quis, sempre pôde” Canto X
Lamentação do poeta e exortação a D. Sebastião
O poeta encerra a sua obra, condenando o abandono a que em Portugal se votam as letras e exortando D. Sebastião a continuar a serie de vitórias portuguesas em Marrocos. Injustiçado por ver que está a “Cantar a gente surda e endurecida”, insensível á arte e mergulhada não no amor á Pátria, mas sim “No gosto da cobiça e na rudeza / de uma austera, apagada e vil tristeza”. Neste desencanto, há ainda uma centelha de esperança, quando, ao dirigir-se ao rei, “Senhor de vassalos excelentes”, capazes de tudo enfrentar e tudo suportar, o poeta exorta a fazer renascer a glória portuguesa, através de uma série de inventivas: favorecer todos os súbditos de acordo com a sua aptidão, aliviar o país de leis rigorosas, valorizar o saber dos experientes, ter apreço pelos guerreiros que dilatam a fé e o império. Em suma, a sua mensagem resume-se aos versos – “ Não se aprende, Senhor, na fantasia, / Sonhando, imaginando ou estudando, / Senão vendo, tratando e pelejando”. Perante a indiferença e o esquecimento a que esta votado, Camões não se inibe de apresentar os seus atributos que, em muito poderão contribuir para a exaltação épica do rei e da pátria, e, na atualidade, para a valorização do espirito empreendedor.Com “braços às armas feito” e com “mente às musas dada”, só falta ao poeta ser aceite por D. Sebastião, de modo a que, ao cantar os seus feitos passe a ter o rei português como modelo em vez de invejar a gloria de Aquiles. Estamos, sem dúvida, perante o apelo de alguém que soube intuir um dos traços caracterizadores do temperamento português: não saber viver sem sonho e sem glória, independentemente de se tratar de um período de grande apogeu ou de grande decadência. Dai que, num tempo sem brilho e glória, Camões pressentia o que Pessoa Verbalizava, quatro seculos depois, de uma outra forma.
Resumo – Português 12º ano
Felizmente Há Luar! – Luís de Sttau Monteiro Síntese Global da Obra Felizmente Há Luar! – Luís de Sttau Monteiro A importância que esta obra assume no panorama da literatura dramática portuguesa não se limita ao simples paralelismo entre um passado histórico revisitado e a intenção de intervir na contemporaneidade portuguesa dos anos 60. Sttau monteiro parte dos dados históricos fornecidos por Raul Brandão “A Conspiração de gomes Freire” para construir um texto de apoteose trágica que mantem todo o vigor interpelante perante o leitor/espectador de hoje, embora o objetivo inicial possa ter perdido a eficácia desejada, uma vez que se alteram os referentes históricos. No entanto, os valores intrínsecos á carga dramática e os ideais defendidos pelas personagens são atemporais e eternos. 1.
Os referentes históricos do tempo da história (1817) e do tempo da escrita (1961)
O tempo da história (1817) caracteriza-se pelos seguintes acontecimentos:
A ausência da família real do país O exercício arbitrário do Poder por uma junta governativa (Miguel Forjaz, Beresford, Principal Sousa) A intromissão inglesa (Beresford) A perseguição a todos os liberais O descontentamento generalizado contra o rei, os ingleses e a regência Os permanentes focos de rebelião Os indícios da revolução liberal
Regime Político Organização social Condições sociais
Estruturas de apoio ao regime Estruturas jurídicas
O tempo da escrita (1961) é marcado pelos seguintes acontecimentos: O início da Guerra Colonial em Angola, em 1961 – data de publicação da obra As diversas manifestações de uma contestação crescente a nível interno: greves, vigílias, movimentos estudantis A oposição dos intelectuais ao salazarismo A censura Os movimentos de opinião organizados, de que se destaca o grupo dos católicos progressistas
Século 1817XIX – Século XX – 1961 Monarquia absolutista apoiada pelo clero e Ditadura salazarista apoiada pela igreja e pelas classes pela nobreza favorecidas; regime autoritário e dirigista, exaurido economicamente pela sangria da guerra colonial Três classes sociais distintas – clero, nobreza Igreja, forças militares, alta e média burguesia e povo e povo Clero e nobreza economicamente Povo explorado e oprimido (aumento da emigração para o privilegiados; povo miserável e oprimido, em países europeus); restantes grupos sociais mais favorecidos, virtude do desvio de dinheiros públicos para em virtude de uma orientação económica dirigista, o Brasil protecionista e intervencionista Forças militares e policiais comandadas pelos PIDE-DGS, forças militares que constituem o suporte de um oficiais britânicos; mecanismos de vigilância regime conservador, corporativo e repressivo – denuncias Condenações arbitrárias e sem provas, cujo Tribunais controlados pelo poder politico paradigma é a execução do General Gomes Freire de Andrade
2.
Estrutura dual da peça
Falando de um presente a partir da evocação de um passado, a peça estrutura-se em dois atos: Os dois atos iniciam-se de forma idêntica; o discurso interrogativo de Manuel; A dupla intenção dessas interrogações: evocar a incapacidade de operar a necessária mudança e anunciar o falhanço do projeto revolucionário por falta de politização das massas populares; O primeiro ato apresenta os mecanismos do Poder que controla a vida política portuguesa – o poder político inseguro na sua legitimidade, mas arrogante e maquiavélico na sua atuação;
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3.
Ato I
O segundo ato desloca a ação para o domínio do anti-poder, denunciando e confrontando as maquinações do Poder A ação
O desenvolvimento da peça faz-se em volta da figura sempre ausente do general Gomes Freire de Andrade, mas tornada presente pelas referencias constantes das outras personagens. O assunto da peça é histórico, real, acontecido. Tentativa de uma conspiração contra o poder totalitário absolutista e que foi abafada pelo aparelho repressivo do poder. A ação desenvolve-se do seguinte modo: Ato II Indícios da preparação de uma conspiração A consumação da repressão A prisão e tortura do general Procura do chefe dessa conspiração O julgamento fantoche – “Não lhe permitiram que Incriminação do general Gomes Freire através de uma denúncia infundada e conveniente ao Poder escolhesse um advogado e nomearam-lhe um que já Preparação psicológica dos portugueses e da pátria tem a seu cargo a defesa de 12 presos” A execução do general: enforcado, decepado e para aceitarem a condenação do general Apelo ao “ardor patriótico” queimado na fogueira Anuncio antecipado da condenação de Gomes Freire 4.
Espaço, luz e som (cenário)
Segundo Brecht, o espaço mais propício a revelar o “gesto social” – diálogo constante entre grupos sociais – é o espaço da rua. Na peça o espaço da rua desempenha duas funções diferentes: Acentuar as vivências do povo explorado e pedinte Estabelecer a ligação para o espaço do Poder, o espaço das grandes decisões Este espaço caracteriza-se pelo despojamento, pela quase ausência de elementos cénicos, o que contribui para a concentração do espectador na mensagem dramática e para a construção da atmosfera trágica. Essa ausência de elementos cénicos evidencia a importância e papel de: Luz – o espaço deve estar fortemente iluminado para manter os espectadores despertos e vigilantes. A incidência e/ou ausência de luz sublinham os momentos fulcrais da ação e doa comportamentos mais relevantes das personagens. Som – articulado com a luz, o som – vozes de multidão, rufar de tambores, sinos a tocar a rebate – evidencia, de igual modo, os momentos de intensidade dramática 5.
As personagens
É possível organizar as personagens em diferentes grupos, de acordo com a didascália inicial: As personagens do Poder – “Três conscienciosos governadores do Reino”: O poder politico representado por D. Miguel O poder religioso na figura do principal Sousa O poder militar representado por Beresford Os delatores (= osCorvo denunciadores): Andrade e Morais Sarmento, “dois denunciantes que honram a classe”, cuja
existência histórica se encontra comprovada. Vicente, “um provocador em vias de promoção”
As personagens do antipoder: General Gomes Freire de Andrade, a presença ausente Matilde de Melo, “a companheira de todas as horas” Sousa Falcão, “o inseparável amigo” Frei Diogo, o confessor e amigo do general
Resumo – Português 12º ano O Povo:
Manuel, “o mais consciente dos populares” Rita, “a mulher de Manuel” Os populares, “ o pano de fundo permanente”
Caracterização das personagens:
As personagens do Poder
D. Miguel Pequeno tirano, inseguro e prepotente, revela-se um homem avesso ao progresso e insensível á injustiça e á miséria. O seu discurso preconceituoso e profundamente demagógico constrói-se sobre verdades e convicções falsas. Os argumentos do “ardor patriótico”, da construção de “um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no senhor”, são o eco fiel do discurso político salazarista retrogrado e melífluo. D. Miguel e Principal Sousa são as duas personagens mais execráveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam.
Principal Sousa Além da hipocrisia e da falta de valores éticos, esta personagem deixa transparecer que os interesses particulares suplantam o bem comum. O Principal sousa simboliza, de igual modo, o conluio entre a igreja, enquanto instituição, e o Poder, e a demissão da mesma em relação á denúncia das verdadeiras injustiças. Nas palavras do principal Sousa reconhecer os fundamentos retrógrados da política do “orgulhosamente sós” dos anos 60 – “enquanto a Europa se desfaz, o nosso povo tem de continuar a ver, no céu, a cruz de Ourique”
Beresford Personagem cínica e controversa que, desassombradamente, lidera o processo de Gomes Freire, não como um imperativo nacional ou militar, mas apena motivado por interesses individuais: a manutenção do seu posto e da sua tença anual. A sua posição face toda a trama que envolve Gomes Freire é de distanciamento crítico e irónico. Revela antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa. A sua presença contribui para acentuar as contradições no seio do Poder. Alguns críticos literários consideram Beresford como símbolo do poder económico e dos monopólios estrangeiros do Portugal da década de 60. Parece-nos esta interpretação um pouco exagerada, uma vez que, o interesse económico de Beresford é meramente pessoal e, também porque a economia dos anos 60 não era, de uma fora global, dominada pelo interesse económicos estrangeiros. Será, talvez, mais pertinente interpretar o papel de Beresford como o de uma voz crítica e mesmo distante em relação á atuação decadente de D. Miguel e do P. Sousa.
Os delatores Vicente Elemento do povo, Vicente trai os iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a sua ascensão político-social. A sua atuação evidência dois momentos distintos: num primeiro momento, tenta denegrir junto do povo o prestígio do general, assumindo-se como um provocador e agitador; num segundo momento, assume um papel específico de denunciar o general a D. Miguel a troco da nomeação como intendente da polícia. Apesar da antipatia que as atitudes de Vicente possam provocar no público/leitor, não se lhe pode negar nem lucidez nem acuidade, análise que faz daosua situação adeolhar srcem e da forçade corruptora do poder. Vicente é uma personagem incómoda,natalvez porque leve espectador para dentro si e a rever-se em alguns comportamentos.
Andrade Corvo e Morais Sarmento São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideais, para servir obscuros “propósitos patrióticos”. Dando corpo à visão tentacular do aparelho repressivo do Estado, Morais Sarmento e Andrade Corvo são meros títeres na mão dos poderosos.
Resumo – Português 12º ano As personagens do Antipoder Gomes Freire de Andrade Como o próprio dramaturgo afirma, “está sempre presente, embora nunca apareça”, é a personagem central da peça. A sua presença é, pois, construída através das falas das outras personagens, para as quais se torna uma obsessão. Gomes Freire aparece-nos, então, como um homem instruído, letrado, “um estrangeirado”, epíteto várias vezes repetido ao longo da peça, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça. O povo vê nele o seu herói, o único que será capaz de o libertar do clima de opressão e terror em que vive, depositando nele as derradeiras esperanças de sobrevivência e de regresso a uma sociedade justa e livre do jugo dos ingleses e da tirania da regência. O general é também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder instituído. Assim, quando é necessário encontrar uma vítima que simbolize uma situação de revolta que se avizinha, Gomes Freire é a personagem ideal. Ele é o símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais e daí que a sua presença se torne incomoda para os “reis do Rossio”. A sua morte, duplamente aviltante para um militar, servirá de lição para todos aqueles que ousem afrontar o poder político e também, de certa forma, económico, representado pela tença que Beresford recebe. Há alguns estudiosos que aproximam Gomes Freire do General Humberto Delgado, sobretudo pela força polarizadora dos dois em relação ao povo, pela coragem e pela forma como os dois são assassinados: Gomes Freire através de um processo supostamente isento, Humberto Delgado através de uma cilada. O martírio de Gomes Freire e a sua lição de coragem constituem os principais elementos da construção do carácter épico e trágico desta personagem. Matilde Sousa Companheira de todas as horas de Gomes Freire, é ela quem dá voz à injustiça sofrida pelo seu homem. As suas falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma denúncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja, identificando-se com a ideologia progressista dos anos 60. É uma personagem que evolui ao longo da peça, uma vez que se apresenta inicialmente como uma mulher que apenas quer salvar o seu homem – cf. Pedido e apelo de mulher desesperada, acreditando ingenuamente na “bondade do poder” (inicio do primeiro dialogo com Sousa Falcão, Ato II) – nem que para isso tenha de abdicar de valores que sempre defendeu. Ao tomar consciência da trama maquiavélica que envolve o general, acaba por assumir a luta de Gomes Freire, revelando-se firme e corajosa, mas não deixando de exprimir a sua faceta de mulher apaixonada e nostálgica de um amor intenso. A partir do momento em que a morte do general se lhe afigura inevitável, todas as tiradas de Matilde transmitem uma clara lucidez e uma verdadeira coragem na análise que faz de toda a teia que envolve a prisão e condenação de Gomes Freire. No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do seu homem (e daí o carácter épico da personagem de Gomes Freire) arrasta-a para um delírio final em que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em Paris (símbolo de esperança num futuro diferente), Matilde dialoga, a uma voz, com Gomes Freire vivendo momentos de alucinação intensa e dramática. Estes momentos finais, pelo seu carácter surreal, denunciam o absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem. Sousa Falcão “O inseparável amigo”, “o amigo de todas as horas”, é o amigo fiel em quem se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade e amizade. No entanto, ele próprio tem consciência de que, muitas vezes, não atuou de forma consentânea com os seus ideais, faltando-lhe coragem para passar à ação. Por isso, para ele, o general é mais do que um amigo, é alguém que ele deseja ser. O processo de gomes Freire permite a Sousa Falcão uma reflexão e consciencialização da sua própria existência – “Há homens que obrigam outros homens a reverem -se por dentro”. Frei Diogo Esta personagem é o símbolo do antipoder dentro da Igreja (“Se há santos, Gomes Freire é um deles”). O Povo Representado pela presença de “vários populares”, não tem uma intervenção direta no conflito dramático e contribui para dar colorido social, funcionando como pano de fundo permanente. A sua expressão revela-se através de algumas vozes individuais: Manuel, Rita, 1º Popular, Antigo Soldado – grupo dos deserdados pelo berço e pela sorte, dos que trabalham para sobreviver mal, dos que servem e são explorados, dos que recebem esmolas e são tratados sem respeito e sem dignidade. Símbolos do povo oprimido e esmagado, Manuel e Rita têm consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples joguetes nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação. Vêem em Gomes Freire uma espécie de Messias e daí talvez a sua agressividade em relação a Matilde, apos a prisão do general, quando ela lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem. A prisão de Gomes Freire é uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava. Manuel e Rita acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.
Resumo – Português 12º ano 6.
Aspetos simbólicos
Título “Felizmente Há Luar!” É uma expressão proferida por duas personagens de “mundos” diferentes: D. Miguel Forjaz, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência, no final do Ato II. Tendo em conta esta dualidade, o luar é interpretado de forma diferente por cada uma das personagens. Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira seja visto por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar pela liberdade; para Matilde, o luar sublinha a intensidade do fogo, incitando á ousadia daqueles que acreditam na mudança e na caminhada para a “luz da liberdade” (prenuncio da revolução liberal) Fogueira Segundo José de Oliveira Barata, “o clarão da fogueira confirma, cenicamente, o clima apoteoticamente trágico (e redentor) que o autor assumidamente deseja para esta peça”. Após ser enforcado, Gomes Freire foi queimado. Contudo, o que inicialmente é aviltante para um militar, acaba por assumir um carácter redentor. Na verdade, o fogo simboliza também a purificação, morte da “velha ordem” e oaponto paratriunfarão. um mundo novo e diferente. O clarão da fogueira associado aoa luar reforça a certeza de que justiçade e apartida liberdade Lua De acordo co o dicionário dos símbolos, “a lua é o símbolo da transformação e do crescimento”, reiterando a crença na vida para além da morte – a crença na liberdade. Saia verde Oferecida pelo general a Matilde, como expressão do amor e da felicidade, Matilde escolhe-a para esperar o companheiro após a morte, acabando o verde da saia por simbolizar a esperança de que o marido general seja redentor. Ao vestir a saia verde, Matilde sente-se mais apaziguada e encara o martírio do general como condição necessária á vitória da liberdade. Moeda de cinco reis Segundo José de Oliveira Barata, “a moeda de cinco reis que Matilde pede a Rita assume, assim, um valor simbólico, teatralmente simbólico. Assinala o reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e, por outro, é o penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usará ao peito, como “uma medalha”. 7.
Importância das didascálias
Em Felizmente Há Luar! Há dois tipos de didascálias:
Um acompanha as falas das personagens, aparece em itálico e, por vezes, entre parêntesis, e preenche o papel tradicional deste tipo de texto: indicação dos movimentos das personagens em cena, tom de voz, gestos… O outro aparece ao lado do texto principal, revelando, pela sua extensão e pelo cuidado literário e cénico que encerra, uma análise interpretativa do texto principal. 8.
Temas fulcrais Luta pela liberdade Denuncia das injustiças sociais Condenação da opressão Dimensão do verdadeiro patriotismo Diversas vertentes do amor: Amor à pátria Amor à liberdade Amor-paixão
“Felizmente Há Luar!” – Quadro síntese
Resumo – Português 12º ano Ato I Personagens Manuel
Assuntos Manifesta a sua impotência e o seu descontentamento perante as diferentes forças do Poder a que o País esteve e está sujeito.
Um popular, ironicamente, evidencia a miséria do grupo. Todos manifestam interesse em ouvir o Antigo Soldado falar do regimento a que pertenceu e, particularmente, de Gomes Freire de Andrade que o chefiava. Manuel deixa em suspenso a Vicente, vários sua esperança no General. Vicente aproveita para mostrar que Gomes Freire é um general como todos os outros, e, por isso, populares nunca fez, nem está interessado em fazer, nada por eles. O Antigo Soldado e Manuel tentam rebater mas os seus argumentos são pouco convincentes. Vicente, dois À excepção de Vicente, todas as personagens anteriores se põem em fuga quando se apercebem da aproximação dos polícias polícias. Estes conhecem bem Vicente que lhes “vende”, frequentemente, informações. Desta vez procuram-no por ordem de D. Miguel, Governador do Reino, que quer falar pessoalmente com Vicente. Vicente, D. D. Miguel quer informações sobre seu primo, Gomes Freire de Andrade, e Vicente vai estudando as reacções do Governador Miguel, dois polícias às suas palavras e vai mudando, habilmente, de discurso na tentativa de cair no agrado do seu interlocutor. Vicente, D. O Principal Sousa, eclesiástico, outro dos Governadores do Reino, intervém no diálogo de Vicente com D. Miguel para Miguel, dois polícias, lembrar a Vicente que o poder do rei é de srcem divina e, portanto, incontestável. Ambos os Governadores manifestam a Principal Sousa sua preocupação perante as notícias, cada vez mais inquietantes, de que está em curso uma conspiração para os derrubar. D. Miguel incumbe Vicente de vigiar, diariamente, Gomes Freire. Vicente, dois polícias Vicente ironiza, visivelmente satisfeito, com a missão que lhe foi confiada. Principal Sousa, Os dois Governadores manifestam as suas preocupações pelas mudanças que a D. Miguel Revolução Francesa tem vindo a introduzir no espírito de um número crescente de portugueses. Principal Sousa, O Marechal Beresford, terceiro Governador do Reino, vem preocupado com a conspiração de que tanto se fala em Lisboa, D. Miguel, mostra a necessidade de actuar sem demora e com dureza, e anuncia a chegada próxima de um oficial disposto a colaborar Beresford com a Regência como delator. Andrade Corvo, Andrade Corvo, o oficial anunciado por Beresford, convence o companheiro de armas, Morais Sarmento Morais Sarmento, que as vantagens económicas que lhes advêm desta missão justificam os inconvenientes. Beresford, D. Corvo anuncia ter visto uma proclamação contra o Rei e a Regência, mas, não a tendo conseguido obter, não sabe Miguel, Principal pormenores, nomeadamente quem chefia a conjura. Sousa, Andrade Os oficiais delatores são incumbidos pelos regentes de trazer a proclamação, com a brevidade possível. Manuel, Rita,
Antigo Soldado,
Corvo, Morais Sarmento
Beresford manifesta o seu desprezo por Portugal e recorda com saudade o seu país. Questionado pelos outros dois regentes, revela o que o faz manter-se num cargo de chefia em Portugal – o dinheiro que lhe pagam para isso e que l he permitirá viver Principal Sousa o resto dos seus dias, tranquila e desafogadamente, em Inglaterra. Os outros regentes, embora não gostem do Marechal, sabem que, de momento, precisam muito dos seus serviços. Os mesmos, Vicente Vicente traz os nomes de alguns possíveis conjurados Beresford, D. Miguel, O Principal Sousa finge recear que se condene um inocente e Beresford ironiza com a pretensa preocupação do eclesiástico. Principal Sousa Ninguém cita nomes, mas é evidente que todos têm alguém em mente como possível chefe da conjura. Os mesmos, Corvo Andrade Corvo anuncia que a conjura se alastra pelo país. Beresford, D. Miguel, D. Miguel, com o apoio mais ou menos disfarçado dos outros regentes, pensa nas medidas a tomar para a detenção, Principal Sousa julgamento, sentença e execução dos presumíveis conspiradores. Os mesmos, Morais Sarmento anuncia que a conspiração se destina a implantar o sistema de cortes em Portugal Beresford, D. Miguel,
Morais Sarmento Beresford, D. Miguel, Os regentes mostram-se cada vez mais ansiosos por arranjar um chefe para a conjura, com ou sem provas do seu Principal Sousa
envolvimento.
Os mesmos, Vicente Vicente revela que muitos dos conspiradores são oficiais mas contam com o apoio de civis Os mesmos,
Os delatores revelam o clima geral de rebelião. O Principal Sousa manifesta medo e
Vicente, Corvo Beresford, D.
Beresford exige que descubram imediatamente quem são os chefes da conjura. D. Miguel expressa o seu receio de que o Portugal com que sonhou – humilde, submisso, com c lasses sociais perfeitamente definidas – esteja prestes a desmoronar-se. Refere-se a alguém, que não nomeia, como capaz de liderar a revolta do povo.
Miguel, Principal Sousa Os mesmos, Vicente, Corvo, Morais Sarmento
Os delatores indicam o nome que por todo o lado é referido como sendo o chefe da conjura – o do General Gomes Freire de Andrade. A revelação agrada aos regentes que, por motivos diferentes, nutrem um ódio comum pelo General. D. Miguel, indiferente ao facto de não haver provas que incriminem Gomes Freire, dá ordens para que se prepare, de imediato, um clima emocional propício à prisão e condenação dos conjurados, antes que o país se movimente para os defender – sinos a tocar, paradas nos quartéis, frades aos gritos no púlpito, tambores em fanfarra,bandeiras…
Resumo – Português 12º ano
Manuel
Manuel, Rita,
Ato II Manifesta a sua impotência e o seu desânimo face às diferentes forças do Poder, às esperanças que se desmoronam, à miséria a que a vida o condenou. Medita sobre a prisão de Gomes Freire e procura inteirar-se, junto de outros populares, de mais detalhes. Diferentes Populares contam que foram feitas várias detenções durante a noite, há zonas da cidade cheias de
Antigo Soldado, vários Populares
soldados e os quartéis estão todos de prevenção.
Os mesmos, dois
Os polícias mandam os Populares dispersarem e estes obedecem com visível desalento. Enquanto se afastam, Rita vai contando a Manuel, entre apavorada e revoltada, como ocorreu a prisão do General, a que assistiu quando passava próximo da sua casa. Matilde, sozinha, questiona-se sobre a incoerência de se transmitir aos filhos valores desfasados da sociedade em que estão inseridos. Recorda o filho morto e expõe, com rancor, os princípios em que o teria educado para que pudesse viver bem e morrer tranquilo. Entretanto coloca o uniforme de Gomes Freire sobre uma cadeira e imagina momentos felizes que poderiam continuar a partilhar, se ele fosse igual a tantos outros que se acomodam. Entre a revolta e o desespero, decide que vai lutar pela vida do seu homem. Matilde reconhece que, mais do que nunca, se sente só e, como em tantos outros momentos de dor, não sabe “por onde começar” a agir. Vencendo o desalento procura Beresford. Matilde reconhece que, mais do que nunca, se sente só e, como em tantos outros momentos de dor, não sabe “por onde começar” a agir. Vencendo o desalento procura Beresford. Perante Beresford, Matilde, sumariamente, apresenta o seu percurso de vida antes de se identificar como a mulher de Gomes Freire. Indo contra a sua própria consciência, mas assumindo-se como uma simples mulher que nada mais deseja que ter consigo o seu homem, Matilde pede clemência para o prisioneiro. Esta atitude diverte o Marechal que lhe diz que Gomes Freire, seja ou não inocente no crime da conjura, é culpado pelo simples facto de existir e
soldados Matilde
Matilde, Sousa Falcão Matilde Matilde, Beresford
Matilde, Beresford, um Padre, alguns
defender ideologia aos interesses do Poder. Um padreuma lê uma ordemcontrária do Patriarcado de Lisboa em que, implicitamente, se condena os conjurados e se apela à oração de graças a Deus por ter permitido que fossem descobertos. Matilde revolta-se contra esta condenação da Igreja, antecipando-se ao julgamento.
Populares Matilde, Populares, Rita, Manuel
Os Populares, que se foram juntando conversam agora entre si, ignorando ostensivamente as interpelações de Matilde. Um deles dá a notícia de que Vicente foi promovido a chefe da polícia. Perante a atitude dos Populares, Matilde faz menção de partir mas Manuel chama-a. Em resposta à insinuação que Matilde fizera de que eles, pelas esperanças que depositavam em Gomes Freire, eram co-responsáveis pela sua prisão e, portanto, não podiam alhear-se do que pudesse vir a acontecer-lhe, Manuel fá-la observar com atenção a desgraça, a miséria extrema dos Populares. Acusa-a de se ter dirigido a eles apenas porque estava desesperada. Antes, dava-lhes esmolas, agora pede-lhes, em troca, que eles dêem a vida. Diz a Rita que dê uma moeda a Matilde e a mande embora, mas logo a seguir arrepende-se e pede-lhe desculpa. Reconhece que foi injusto para com a mulher do General, tal como a sociedade tem sido injusta para com ele e os outros Populares. Matilde compreendeu a mensagem e pede a moeda.
Resumo – Português 12º ano
Ato III Matilde, Sousa Falcão
Matilde, Sousa Falcão, um criado de D. Miguel Matilde, Principal Sousa Matilde, Principal Sousa, Feri Diogo
Matilde, Principal Sousa Sousa Falcão, Matilde, Principal
Sousa Falcão relata a forma desumana como têm tratado Gomes Freire em S. Julião. Matilde evoca o passado e, com tristeza, recorda, por contraste, as pequenas atenções com que o mimava, apesar da escassez de dinheiro. Recorda que o General chegou a vender duas medalhas para se poderem sustentar e, num gesto de carinho e gratidão, comprou-lhe uma saia verde para ela vestir quando regressassem a Portugal. Matilde diz que a vestirá quando ele sair da prisão, mas logo a seguir, como que recuperando a lucidez, agradece a Sousa Falcão tudo o que tem feito por eles, nomeadamente não lhe tirando esperança, embora ambos saibam que Gomes não D. sairá vivo da prisão. a energia Matilde decide aprogredir a sua luta em defesa do marido e vaiFreire procurar Miguel, apesar deCom Sousa Falcão possível, a tentar dissuadir. Matilde diz ao criado que ela e Sousa Falcão pedem uma audiência a D. Miguel. O criado traz como resposta que sua Ex.ª não recebe amantes nem amigos de traidores da pátria. Sousa Falcão revolta-se, Matilde chora, mas logo se recupera para interpelar o Principal Sousa. Matilde faz acusações graves ao Principal Sousa que se sente pouco à vontade, sobretudo pela segurança e autoridade com que Matilde lhas dirige Frei Diogo vem do forte onde acaba de ouvir o General em confissão. Manifesta uma enorme admiração por Gomes Freire, dá a Matilde o recado que o marido pedira que lhe transmitisse, procura confortá-la e pede-lhe que não se revolte contra Deus por causa da injustiça dos homens. O Principal Sousa tenta intervir, sem êxito, e a sua fúria contra Frei Diogo é crescente. Matilde acusa o Principal Sousa de ser um traidor de Cristo e, com arrogância, roga-lhe a praga de nunca conseguir aliviar a sua consciência do crime em que está a participar. Quando Sousa Falcão lhe anuncia que os presos vão a caminho dos locais de execução, Matilde implora, ajoelhada, pela vida de Gomes Freire.
Sousa Os mesmos, D.
D. Miguel congratula-se por haver luar, já que as execuções se prolongarão pela noite
Miguel Matilde Matilde, Populares, Sousa Falcão, D. Miguel, Principal
Matilde, diante da cruz, pede ajuda a Deus para si e para o seu homem. Matilde interpela Deus acerca da justiça da condenação do marido e cai desmaiada, tal a intensidade dramática do momento que vive. O Principal Sousa aconselha-a a resignar-se e Sousa Falcão ajuda-a a recompor-se. Antes de se retirar com o amigo, Matilde atira ao cardeal a moeda que Rita lhe dera
Sousa Populares, Manuel, Matilde, Sousa Falcão
Os Populares comentam a crueldade da forma de execução dos conde nados. Matilde veste agora a saia verde e censura Sousa Falcão por vir vestido de luto. Sousa Falcão diz sentir-se de luto por si próprio, por nunca ter tido coragem de lutar pelas suas convicções. Matilde refere que vestiu a saia verde para se despedir de Gomes Freire e a partir de dado momento comporta-se como se o estivesse a ver vir ao seu encontro. Esse último encontro imaginário desenrola-se numa serra donde é possível ver-se, ao longe, o clarão da fogueira que se vai extinguindo. É o fim de Gomes Freire, mas Matilde apercebe-se que este fim é o princípio de uma época nova que necessariamente irá surgir e, por isso, dirigindose aos Populares pede-lhes que não esqueçam este exemplo, que o vejam bem até ao fim até porque felizmente há luar.
Resumo – Português 12º ano
Memorial do Convento – José Saramago Memorial do Convento de José Saramago é um texto fundador de um novo conceito de romance histórico em
Portugal, em que a História é contada, não na óptica oficial, mas sim na visão dos espoliados, sendo, por isso, também possível ser classificado como romance de intervenção social. 1- Ação A acção é constituída por sequências narrativas (acontecimentos) provocadas ou experimentadas pelas personagens, que se situam num espaço e decorrem num tempo, mais ou menos, extenso. A acção é fechada quando se conhece o desenlace da história, ou seja, o final é revelado; e é aberta sempre que se verifica o contrário, normalmente, incitando à reflexão sobre a mesma. Acção principal Consiste nas sequências narrativas com maior relevância dentro da história e que, por isso, detêm um tratamento privilegiado no universo narrativo. Em Memorial do Convento de José Saramago: A edificação do convento de Mafra – desejo e promessa de D. João V. Acção secundária A sua importância depende da acção principal, em relação à qual possui menor relevância. Em Memorial do Convento de José Saramago: A construção da «máquina voadora» – sonho do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão; bem como a história de amor entre Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sóis. 2- Título O título do romance remete para duas dimensões:
Dimensão temporal – o vocábulo “memorial” significa escrito em que relatam factos memoráveis, o que implica necessariamente um movimento de recuo no tempo; Dimensão espacial – referencia a um espaço concreto, um convento.
3- Espaço Espaço Físico Consiste no espaço real (geográfico, interior e exterior) onde os acontecimentos ocorrem. Espaço geográfico – Lisboa e Mafra são os espaços fulcrais, ate porque é aqui que se movimentam as personagens principais. Dentro destes espaços, destacam-se, nomeadamente, o Terreiro do Paço (retrata a vida na corte), o Rossio (onde se realizam os autos de fé), S. Sebastião da Pedreira (onde ocorre a construção da passarola), a “Ilha da Madeira” (vale onde os trabalhadores do convento se alojam). Faz -se ainda referência a Évora, Montemor, Pegões, Aldegalega (locais por onde Baltazar passa ao regressar da guerra); à serra do Barregudo, ao Monte Junto, ao Monte Achique, a Pinheiro de Loures, a Pêro Pinheiro (onde vão buscar a gigantesca pedra), a Cheleiros, Torres Vedras, Leiria, à região do Algarve, Alentejo e Entre-Douro-e-Minho; entre outros espaços. Espaço interior – Por exemplo, o Palácio Real, a abegoaria na quinta do duque de Aveiro, a casa dos pais de Baltasar (Mafra) … Espaço exterior – por exemplo, as ruas/praças, o Terreiro do Paço, o Rossio, Remolares, S. Roque, o morro das Taipas, Valverde, o vale da “Ilha da Madeira”…
Espaço Social Consiste no ambiente social vivido pelas personagens e cujos traços ilustram a atmosfera social em que se movimentam. Os espaços físicos de Lisboa, Mafra e Alentejo ilustram o ambiente e os costumes da época joanina, no início do seculo XVIII. Ao longo da ação, são apresentados diversos ambientes sociais entre os quais se destaca:
Resumo – Português 12º ano
A vida na corte, com a apresentação do séquito real, do vestuário das personagens, das vénias protocolares, do ritual das relações entre o rei e a rainha e todos aqueles que frequentam o paço, sobretudo, o clero. Diversas procissões, nomeadamente a de penitência pela altura da Quaresma, as dos autos de fé, a do Corpo de Deus que atestam a influência da religião na sociedade. O baptizado da princesa Maria Bárbara, filha de D. João V e D. Maria Ana, no dia de Nossa Senhora do Ó. A tourada em lisboa, no Terreiro do Paço Os festejos da inauguração e da bênção da primeira pedra do Convento de Mafra. As lições de música da Infanta Maria Bárbara ministradas por Domenico Scarlatti A epidemia de cólera e febre amarela que dizima o povo O cortejo nupcial que retrata os casamentos da infanta Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando
de Espanha e do príncipe D. José com a infanta espanhola Mariana Vitória. A sagração, em 1730, do convento de Mafra, apesar de ainda não estarem concluídas as obras
Espaço Psicológico
O Sonho A rainha sonha diversas vezes com o infante D. Francisco, seu cunhado. Note-se que, ao longo do romance, são descritos com alguma insistência os sonhos de diversas personagens, dando conta dos seus mais íntimos desejos, ansiedades e inquietações … A Imaginação Por exemplo, na peregrinação em busca de Baltasar, durante nove anos, «Quantas vezes imaginou Blimunda *…+» (Capítulo XXV) … A Memória Quando Baltasar, por exemplo, relembra o momento em que perdeu a sua mão esquerda na guerra (Capítulo VIII) … A Reflexão Nomeadamente a conversa entre a infanta D. Maria Bárbara e sua mãe, a rainha D. Maria Ana Josefa, durante o cortejo nupcial (Capítulo XXII) …
O narrador tem preferência por locais onde se movem grandes aglomerados populares, na medida em que estes permitem evidenciar as disparidades sociais, a exploração e a crueldade a que o povo estava sujeito. Pelo contrário, os ambientes das classes privilegiadas surgem em menor número e, não raro, são apresentados num tom irónico como forma de criticar aspectos políticos, económicos e religiosos de uma sociedade, onde uma minoria tem tudo e a maioria nada tem.
4- Tempo As sequências narrativas ocorrem durante um tempo que pode ser, mais ou menos, extenso e que abarca várias acções. Tempo histórico Consiste na época ou período da História em que se desenrolam as sequências narrativas. Em Memorial do Convento de José Saramago: A acção passa-se no início do século XVIII, abrangendo o período compreendido entre 1711- D. Maria Ana Josefa tinha chegado da Áustria «há mais de dois anos» – e 1739 – ano em que se realiza o auto-de-fé onde são sentenciados, entre outros, António José da silva, um judeu “que fazia comédias de bonifrates”, e Baltasar Mateus. Tempo da diegese Consiste no tempo durante o qual a acção se desenrola, segundo uma ordenação cronológica, e em que surgem marcas objetivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc. Em Memorial do Convento de José Saramago: Em termos cronológicos, a acção decorre entre 1711 e 1739, portanto, durante cerca de28 anos. Ao longo do romance, as referências temporais são escassas e, muitas vezes, apenas deduzidas. O crescimento e/ou envelhecimento das personagens também nos dá conta da passagem do tempo.
Resumo – Português 12º ano Tempo do discurso Consiste no modo como o narrador conta os acontecimentos, podendo elaborar o seu discurso segundo uma frequência, ordem e ritmo temporais diferentes. O tempo do discurso pode não ser igual ao da diegese. Em Memorial do Convento de José Saramago: Embora o narrador siga uma ordem cronológica linear na apresentação dos eventos, há, por vezes, algumas anisocromias, sobretudo, prolepses, mas também analepses e elipses temporais. Tempo psicológico Trata-se de um tempo subjetivo, diretamente relacionado com as emoções, a problemática existencial das personagens, ou seja, a forma como estas sentem a passagem do tempo, vivendo momentos felizes e/ou infelizes. Em Memorial do Convento de José Saramago: No percurso até Espanha, a filha de D. João V vai observando o que a rodeia e, a partir daí, medita sobre vários assuntos, nomeadamente sobre o facto de nunca ter visto o convento erigido em honra do seu nascimento.
5Personagens No romance, há dois tipos de personagens distintos: as históricas e as ficcionais. Saramago pretende evidenciar dicotomicamente dois tipos de vivências humanas: uma, em que os homens se servem dos seus semelhantes para atingir determinados objetivos; outra, em que os homens se servem dos próprios meios para alcançar esses mesmos fins. Tal facto está ao serviço da intenção do autor, que pretende fazer a análise das condições sociais, morais e económicas da corte e do povo. As personagens históricas pertencem a uma classe social privilegiada (nobreza/clero) que vive a seu belo prazer, menosprezando os interesses do povo: D. João V – rei de Portugal. De carácter vaidoso, magnificente e megalómano pretende deixar uma obra que ateste a grandeza da sua riqueza e do seu poder, ainda que para tal se tenha de sacrificar o povo. É um
“marido leviano”, cuja relação com a rainha se pauta, essencialmente, pelo cumprimento de deveres reais e conjugais. A caracterização do rei é feita predominantemente através da descrição das suas acções e dos seus pensamentos – de modo indirecto. D. Maria Ana Josefa – oriunda da Áustria, a rainha revela-se extremamente devota e submissa, cujo papel se resume basicamente a dar herdeiros ao rei… A infanta D. Maria Bárbara – filha primogénita do casal real. Tem cara de lua cheia, é bexigosa e feia, mas boa rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa (XXII). Casa aos 17 anos com o infante D. Fernando de Espanha, pelo que não chega sequer a ver o convento erigido em honra do seu nascimento… O infante D. Francisco – irmão de D. João V. é um homem sem escrúpulos que cobiça o trono e a esposa do rei, bem como se entretém a provar a sua boa pontaria de espingarda nos marinheiros que estão nos barcos ancorados no Tejo… Domenico Scarlatti – músico italiano. É um homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e firme, olhos afastados (XVI). Foi contratado para dar lições de música à infanta D. Maria Bárbara. Também ele partilha o segredo da construção da “passarola”, deslocando-se várias vezes à quinta do duque de Aveiro onde toca cravo para gáudio dos presentes… João Frederico Ludovice – arquitecto alemão, contratado para construir o convento de Mafra que sabe que uma vida, para ser bem sucedida, haverá de ser conciliadora, sobretudo por quem a viva entre os degraus do altar e os degraus do trono (XXI) … O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão – Figura que tem fundamento histórico. Imbuído de um espírito aberto e despreconceituoso, movimenta-se na corte e na academia de Coimbra. Acalenta o sonho de um dia voar, daí o seu projecto da “passarola”, apoiado por el-rei D. João V de quem é amigo. Mantém, do mesmo modo, laços de profunda amizade com Baltasar e Blimunda, que o ajudam na construção da “máquina voadora”, e com quem, segundo as suas palavras, forma uma trindade terrestre, o pai, o filho e o espírito Santo (XVI). Transtornado com a perseguição da Inquisição, refugia-se em Toledo, onde acaba por falecer… caracterização indirecta.
Resumo – Português 12º ano
Note-se que, na caracterização das personagens pertencentes a este grupo, há, quase sempre, um tom depreciativo e, não raro, irónico que marca o distanciamento temporal e, sobretudo, afectivo do narrador. Pelo contrário, a caracterização das personagens ficcionais, a quem o narrador confere maior destaque, reveste-se de um tom francamente positivo e valorativo , tanto mais que pertencem na sua maioria a um grupo social desfavorecido e, muitas vezes, explorado/oprimido pelas classes do poder. Os dois tipos de personagens, as histórias e as ficcionais – cuja caracterização é predominantemente indirecta e psicológica – convivem em simultâneo, sendo a intenção narrador, ao apresentar duas vivências antagónicas, desmascarar injustiças sociais quase sempre negligenciadas pela História ao longo do tempo.
Baltasar Mateus – de alcunha, o sete-sóis, esteve na guerra de sucessão de Espanha, durante quatro
anos, da qual foi dispensado por ter perdido a mão esquerda em combate. De regresso, começa por trabalhar no açougue no Terreiro do Paço, em Lisboa. Num auto-de-fé conhece Blimunda, a quem se liga amorosa e espiritualmente. A convite do padre Bartolomeu Lourenço, ajuda a construir a “passarola”, sonho que passa também a ser seu. Mais tarde, trabalha nas obras do convento de Mafra, primeiro como servente e, depois, como boeiro. Após a morte do padre, zela pela preservação da “máquina voadora” e, um dia, por descuido, é levado ao acaso, acabando por ser queimado 9 anos depois num auto-de-fé pela Inquisição. Trata-se de um homem do povo, analfabeto e humilde, que aceita a vida tal como esta se lhe apresenta. Ao longo da acção, vai-se dando conta do seu envelhecimento (XIII) Blimunda de Jesus – uma mulher do povo, a quem o padre Bartolomeu Lourenço, baptiza de “sete Luas”. Vive um amor apaixonado, franco e leal com Baltasar. Tem o dom de, em jejum, ver o interior das pessoas e das coisas, o que lhe permite recolher as duas mil “vontades” indispensável para a “passarola” voar. Os seus olhos são evidenciados, por diversas vezes, (V). Detentora de grande densidade psicológica e de uma perseverança sem limites, procura “o seu homem” durante nove anos, unindo-se ao mesmo numa comunhão espiritual ao resgatar a sua “vontade” quando finalmente o reencontra num auto-de-fé em que este está a ser queimado no fogo da Inquisição… O nome de Blimunda, estranho e raro tal como a personagem que o veste, teria surgido ao narrador, talvez pela musicalidade que ele encerra ou pela magia das suas três sílabas, símbolo da perfeição. Esta figura representa a força que permite ao povo a sua sobrevivência, assim como contestar o poder e resistir. Sebastiana Maria de Jesus – mãe de Blimunda, um quarto de cristã-nova condenada a ser açoitada em público e ao degredo por ter “visões e revelações” (V). Ao avistar a filha no meio da multidão que assiste à procissão dos sentenciados pelo Santo ofício, de quem também faz parte, interroga-se sobre a identidade do homem “tão alto, que está perto de Blimunda” … Marta Maria – mãe de Baltasar, é quem recebe o “filho pródigo” e Blimunda em sua casa, quando estes vão pela primeira vez juntos a Mafra. João Francisco – pai de Baltasar (X). homem do povo cuja subsistência reside na agricultura… Inês Antónia – irmã de Baltasar, mãe de dois filhos, que sofre a morte do rapaz mais novo, com pouco mais de dois anos… Álvaro Diogo – homem do povo e antigo soldado (IV) com quem Baltasar trava amizade ao chegar a Lisboa… Os trabalhadores do convento – personagem colectiva, cuja “força bruta” e esforço desmedido são explorados de forma desumana. De entre estes, distinguem-se, nomeadamente: Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da Rocha, Manuel Milho, João Anes, Julião Mau-Tempo… O povo em geral – massa anónima tantas vezes subestimada e esquecida pela História – é apresentado como o verdadeiro herói, na medida em que foi à custa do seu sacrifício, e muitas vezes da própria morte, que se tornou possível a edificação do megalómano convento. Saramago (tal como Luís de Sttau Monteiro fez em Felizmente há Luar! se bem que em situações politicas diferentes) sentiu a necessidade de repensar os acontecimentos e as figuras à luz de uma nova realidade criada no presente e que tem implicações na construção de valores sociais futuros.
Resumo – Português 12º ano 6- Narrador e Narratário Em Memorial do Convento é maioritariamente heterodiegético, quanto à presença, e omnisciente, quanto à ciência/focalização. No que respeita à sua posição, não raro profere juízos de valor, opiniões, comentários e divagações pelo que, neste caso, é subjectivo. Há, no entanto, momentos em que o narrador empresta a sua “voz” a diversas personagens , adoptando deste modo o seu ponto de vista (focalização interna): e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus… (V); e, eu, patriarca, debaixo dele … (XIII); E eu, vosso rei, de Portugal, Algarves e o resto… (XIII) O estatuto do narrador assume, por vezes, atitudes aparentemente contraditórias: por um lado, há uma tentativa de aproximação à época retratada não só através da reconstituição do ambiente vivido, mas também do vocabulário usado; e, por outro lado, há um distanciamento do narrador , perceptível no recurso a prolepses, à ironia e a uma actualização ao nível da linguagem. (por exemplo, a narração do cerimonial respeitante aos encontros sexuais entre o rei e a rainha (I), apesar de retratar o ritual próprio da época, reveste-se de extrema ironia, o que evidencia um narrador distanciado do tempo histórico apresentado. No que diz respeito a actualizações ao nível do vocabulário, o narrador não só utiliza termos usado num tempo posterior ao da diegese , como os que se prendem com a aviação; mas também procura explicitar conceitos que, na actualidade, sofreram alterações como é o caso da denominação das refeições: passou a manhã, foi a hora de jantar, que é este o nome da refeição do meio-dia, não esqueçamos (VIII). Trata-se, assim, de um narrador que se movimenta entre o passado, o presente e o futuro; detentor de um vasto conhecimento que lhe permite controlar a acção e as personagens. O narratário surge no interior da narrativa, como entidade fictícia, a quem o narrador se dirige, explícita ou implicitamente. É, portanto, o destinatário da mensagem do narrador. Ao longo do romance, há momentos em que transparece a ideia de que o narrador participa na acção –Já passámos Pintéus, vamos no caminho… (XXII) – e outros em que o narrador envolve igualmente um tu, através do uso da primeira pessoa do plural que ora assume contornos de um eu nacional e/ou colectivo – nem parecemos aquele país civilizado… (X) – ora se trata claramente de uma interpelação a um narratário a quem dirige a sua mensagem – Blimunda não nos ouve, saiu já de casa (XXIV). 7- Visão Crítica da Obra Tendo como pretexto a construção do convento de Mafra, Saramago, adoptando a perspectiva de um narrador distanciado do tempo da diegese, apresenta uma visão crítica da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVIII. É neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de romance histórico, uma vez que não se trata de uma mera reconstituição de um acontecimento histórico, mas é antes um testemunho intemporal e universal do sofrimento de um povo sujeito à tirania de uma sociedade em que só a vontade de el-rei prevalecem o resto é nada (XXII). Logo desde o início do romance é visível o tom irónico e, até mesmo, sarcástico do narrador relativamente à hipotética esterilidade da rainha e à infidelidades do rei. Esta atitude irónica do narrador mantém-se ao longo da obra, denunciando o comportamento leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as promessas megalómanas de que resulta o sofrimento extreo de homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam (XIX).
Resumo – Português 12º ano O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da instauração de um regime repressivo entre os seus seguidores e que constantemente quebra o voto de castidade, também não escapa ao olhar crítico e sarcástico do narrador. A actuação da Inquisição que, à luz da fé cristã, manipula os mais fracos é de igual modo criticada ao longo do romance, nomeadamente, através da apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram os condenados. Assim, são sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado o alvo da crítica do narrador que denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração do povo – evidenciada nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento de Mafra; ao mesmo tempo que denota empatia face aos mais desfavorecidos , cujo esforço elogia e enaltece. A crítica estende-se, ainda: à Justiça portuguesa que castiga os pobres e despenaliza os ricos, ao facto de se preterir os artífices e os produtos nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como ao adultério e À corrupção generalizados. Em suma, Memorial do Convento constitui acima de tudo uma reflexão crítica – ao problematizar temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor – conducente a uma releitura do passado e à correcção da visão que se tem da História. 8- Simbologia Começando pelo nome das personagens principais , há a referir que em ambas (Baltasar SeteSóis e Blimunda Sete-Luas) é-nos transmitida uma ideia de união, de complementaridade e de perfeição, traduzidas pela simbologia no número 7. Ambos os nomes representam, também, perfeição, totalidade e até magia, sugeridas pela extensão trissílaba (e aqui reside a simbologia do número 3, revelador de uma ordem intelectual e espiritual traduzida na união do céu e da terra). Vários mutilados surgem na construção do convento, onde se inclui obviamente Baltasar. Tal situação poderá levar à interpretação simbólica de luta desmedida na construção de algo, como realização de um sonho. Baltasar, após ter perdido a mão esquerda num episódio bélico, empreende outras lutas: na construção da passarola e na colaboração na edificação do convento de Mafra. Simbolicamente, a perda de parte do seu lado esquerdo significou a amputação da sua dimensão mais nefasta, mais masculina, mais passada; ganhou, assim, uma dimensão mais espiritual, marcada pela perseverança, força, luta e sentido de futuro que sairá reforçada na associação com Blimunda. A riqueza interior de Blimunda apresenta-se, simbolicamente, pela força do seu olhar, possuidor de um poder mágico. Metaforicamente, surgem as duas mil “vontades” (símbolo de todos aqueles que contribuem para o progresso do mundo) necessárias para realizar o sonho do padre Bartolomeu . São vontades (nuvens) estão carregadas de um carácter eufórico (positivo); contudo, de difícil acesso. Só uma personagem como Blimunda conseguiria interpenetrar neste mundo não material. Ainda no que concerne à simbologia dos números, o 7 não aparece só associado aos nomes de Baltasar e Blimunda, como também à data e à hora da sagração do convento , aos sete anos vividos em Portugal pelo músico Scarlatti, às sete vezes que Blimunda passa por Lisboa à procura de Baltasar, às sete igrejas visitadas na Páscoa, aos sete bispos que baptizaram D. Maria Bárbara comparados a sete sóis de ouro e prata nos degraus do altar mor. O número nove surge também a simbolizar insistência e determinação quando Blimunda procura o homem amado durante 9 anos . Este número encerra também simbolicamente a ideia de procura pois, o que realmente acontece a Blimunda após os 9 anos de busca é que reencontra finalmente Baltasar, não como um encontro físico, mas místico e completo.
Resumo – Português 12º ano 9- Linguagem e estilo
Utilização de figuras de estilo: Metáfora Ironia É de notar que, em determinados momentos, por exemplo, aquando da descrição do auto-de-fé ou das procissões, a visão crítica do narrador é acompanhada de uma ironia que perpassa todo o relato.
Hipálage Utilização do registo de língua familiar e popular , com sentido irónico e crítico ou como forma de tradução do estatuto social das personagens. Oposições sugeridas por vocabulários antónimos (no exemplo enfatizam-se as oposições entre as classes sociais distintas: os ricos e os pobres)
Formas verbais Utilização do gerúndio (no exemplo, o gerúndio surge como expressão do movimento da multidão e serve a sequencialização da acção, sugerindo a sua duração) Utilização do presente do indicativo – transporta o leitor para o tempo da narrativa Utilização do modo imperativo – utilização do imperativo, por vezes, alia-se à ironia crítica, numa reminiscência da oratória barroca. Construção frásica Frases muito longas – surgem numa aproximação ao discurso oral ou como tradução do monólogo anterior e da celeridade do pensamento Paralelismos de construção Utilização do polissíndeto Utilização do paralelismo de construção e do polissíndeto Enumeração Ausência de sinais gráficos indicadores de diálogo – a fuga às regras gramaticais normativas tradicionais na utilização da pontuação confere ao texto fluidez rítmica, aproximando-o do discurso oral ou do ritmo do pensamento. - É, normalmente, a vírgula que separa as falas das personagens. - Os pontos de exclamação e de interrogação são omitidas, assim como qualquer referência do narrador a estes tipos de entoação, o que, contudo, não impede o leitor de os percepcionar. Hibridismo de tipologias discursivas – o narrador utiliza os discursos directos, indirecto e indirecto livre, sem proceder às demarcações tradicionais ao nível gráfico (dois pontos seguidos de travessão) e lexical (verbos como declarar, perguntar, acrescentar, etc).
10- Estrutura da Obra
A obra é composta por 25 capítulos Para além da sua divisão em capítulos, da obra destacam-se ainda 3 planos: Plano da história Portugal no século XVIII Reinado de D. João V Construção do Convento Inquisição, autos de fé, casamento dos infantes Plano da ficção da História O narrador molda as personagens históricas, transformando-as D. João e D. Ana caricaturados
Resumo – Português 12º ano
Plano do fantástico Construção da Passarola Dom de Blimunda Romance histórico - oferece uma descrição minuciosa da sociedade portuguesa da época. Por outro lado, nesta obra, o ponto de vista do narrador altera o ponto de vista histórico e, como tal, a classificação de Memorial do convento com romance histórico não é consensual. ⇒ Romance social - preocupa-se coma realidade social fazendo sobressair o povo oprimido. ⇒ Romance de intervenção - visa denunciar a história repressiva portuguesa da 1ªmetade do século XX. ⇒ Romance de espaço - traduz não só o ambiente histórico, mas também vários quadros sociais que ⇒
permitem um melhor conhecimento do ser humano.