A presente resenha analisará a obra " Para Quando África ? ", que é fruto de uma série de entrevistas que o historiador René Holestein realizou com o também historiador, Joseph Ki-Zerbo, natural de Burkina Faso, entre 2000 e 2002. Ki-Zerbo é um dos mais renomados acadêmicos do continente africano, e foi personagem importante também na luta política do seu país, e da África inteira. O trabalho tratará das opiniões de Joseph Ki-Zerbo acerca de questões como panafricanismo, Estado-Nação, escravidão, colonialismo, globalização, conflitos étnicos e diferenças entre anglófonos e francófonos.
Estado-Nação
A formação dos Estados na África é bastante recente, há menos de 100 anos que os países se tornaram independentes das metrópoles europeias e começaram a se organizar. Segundo Ki-Zerbo os Estados africanos são Estados Patrimoniais. Os dirigentes políticos africanos apenas se servem do Estado para acumulação de bens, de todos os tipos. O autor mostra que após as independências, com a industrialização, a concentração de renda aumentou, devido a modificação estrutural da sociedade e a gestão gestão das indústrias de forma corrupta. corrupta. Com a globalização, vem vem a influência do Banco Mundial e das multinacionais (que trazem por detrás os interesses das potências europeias), que exige cada vez vez menos Estado, afundando afundando o continente no neoliberalismo. neoliberalismo. Como afirma o autor: “O Estado neocolonial foi substituído pelo privado. Mas como o privado africano não está solidamente implantado, a supressão do Estado em África deixou um vazio considerável “ (KI ZERBO, 2005, p.64). E quem se aproveita deste vazio são os mais ricos e os que ascendem ao poder.O Estado Estado africano não é nada mais que uma sequela do sistema colonial. colonial.
Pan Africanismo
Para Joseph Ki-Zerbo a solução é a integração do continente na luta por uma verdadeira independência e autonomia, é o que denomina de pan- africanismo. Para ele “ a libertação da África será pan-africana pan-africana ou não será “ (KI-ZERBO, (KI -ZERBO, 2005, p.36). Todas as tentativas de libertação até então foram micronacionais, como em Gana e no seu próprio país, Burkina Faso, e por isso falharam. O Estado pan-africano deve ser um Estado federal, descentralizado, democrático, dividido em espaços regionais bastante autônomos, com um sistema piramidal de cidadania: a cidadania local, a cidadania federal e a cidadania regional. Deve haver uma grande federação, para reger os negócios, as finanças e as forças armadas, e uma autoridade média que representaria os interesses e a cultura
das diferentes entidades da base. Deve ser livre das fronteiras impostas pelos colonizadores, e estas devem ser transformadas em fontes de prosperidade e novas configurações e não em muros ou estruturas belígeras. As línguas maternas tem de fazerem parte do ensino, para impedir o domínio cultural das potências europeias. A África precisa descobrir sua identidade e assumir o seu verdadeiro papel no mundo para não se tornar instrumento do resto.
Globalização
Ki-Zerbo aponta: “Do ponto de vista africano a globalização é o culminar lógico do sistema capitalista de produção” (KI-ZERBO, 2005, p.21). O autor divide os atores do processo da globalização em globalizadores e globalizados. O papel do continente africano é de globalizado, um instrumento do das potências mundiais. Os países africanos são os grandes perdedores da globalização, em grande parte, por dois motivos: ambientais e econômicos. Do ponto de vista ambiental a exploração do território africano tem causados terríveis danos, como a destruição das florestas, ocasionando o avanço para a desertificação. Dando o exemplo da Costa do Marfim, que hoje possui apenas um terço de suas florestas. Além disso o continente tem sido infestado pela propagação de resíduos tóxicos altamente prejudiciais. No plano econômico a África vem sofrendo com a diminuição de exportação de matéria-prima. No passado colonial o continente servia sua metrópole, como fonte de materiais como cobre, zinco, e etc. Hoje devido ao avanço da tecnologia, esses materiais tem sido substituídos. Um exemplo é a substituição de cobre pelas fibras óticas, que arruinou Zâmbia. A consequência disso é a balança comercial desfavorável, a insegurança ambiental e o deficit alimentar.
Colonialismo e Escravidão
Para o autor, a invasão dos europeus ao continente e o tráfico negreiro foi o ponto de partida para a desaceleração da evolução africana. A África pré-colonial apresentava traços de desenvolvimento, até maiores do que da Europa, que foram freados com a exploração europeia no continente. O colonialismo foi o aprisionamento da África, com a imposição do fornecimento de matérias-primas através do pacto colonial. E segundo Joseph Ki-Zerbo, esse pacto colonial dura até hoje, pois apesar de ter sofrido queda atualmente, as exportações de matérias-primas ainda
predominam analisando as balanças comerciais dos países africanos. Além das questões econômicas, o colonialismo também deixou resquícios nas questões políticas africanas. Ki-Zerbo mostra como foi prejudicial para a democracia a herança colonial na África. O regime do colonialismo era paternalista e autoritário, e os europeus serviram-se das estruturas hierárquicas já instaladas no continente para implantar seu poder. Portanto os africanos utilizados como funcionários do sistema colonial aprenderam a se comportar não como representantes do povo, mas como homens de poder. E isso refletiu nos processos políticos da África contemporânea, repleta de autoritarismo e falta de democracia. Para o autor, apenas após a queda do muro de Berlim é que certos princípios democráticos começaram a aparecer no continente.
Diferenças entre anglófonos e francófonos
Ki-Zerbo aponta algumas das diferenças acerca da recomposição dos países africanos após os processos de independência. Os países anglófonos,de colonização britânica, se tornaram mais adaptados ao capitalismo e o liberalismo ao se constituírem independentes, pois já tinham certa autonomia na época colonial e dispunham de um pequeno número de indústrias. Já os países francófonos, ou seja de colonização francesa, sofreram uma maior proteção da metrópole enquanto colônias, uma dominação mais forte, e com as independências e abertura dos mercados, tiverem mais dificuldades de se inserirem neste contexto.
Conflitos étnicos
Para Ki-Zerbo, os conflitos étnicos são conflitos sociais e decorrentes do colonialismo. A partir da colonização, as etnias foram hierarquizadas ( assim com as raças ). Muitas vezes essas etnias ou grupos fazem parte do mesmo povo, da mesma cultura, e falam a mesma língua, e o que os separa são as diferença sociais. Como exemplo ele aborda a questão do conflito entre os hutus e tutsis no Burundi. Os hutus e tutsis eram unidos de acordo com a nação e durante a colonização que começaram a se separar internamente. Os tutsis passarem a ter os cargos mais privilegiados, no alto clero, na administração pública e no exército, de forma que se tornavam socialmente diferente dos tutsis, mudando a configuração histórica já estabelecida. Com as independências dos países africanos e estas diferenças já estabelecidas, cada um tentou trazer pra si o papel de liderança, de ter o poder ,daí o acirramento das tensões. Ele cita também o exemplo dos peuls e bobos na Burkina
Faso, que se confrontam também por questões sociais e não culturais, pois uns são criadores de gado e os outros agricultores. A saída para fim desta guerra deve ser inventar uma nova formação social, igualitária, equilibrada e democrática. Para Joseph Ki-Zerbo, a superação destes conflitos deve transcender as etnias, isto é, a superação dessas pequenas diferenças sociais em nome da integração africana, que vai além do nível nacional. A resolução dos conflitos tem que ser interna, através do panafricanismo, pois as potências estrangeiras possuem interesses, mesmo quando demonstram estar interessadas na paz. As principais potências dentro da África, como Nigéria, Gana, Argélia, tem um papel importante na contenção desses conflitos, mas não podem descampar para um microimperialismo entre os africanos.
Bibliografia
KI-ZERBO, Joseph. Para Quando África ? Entrevista com René Holestein.Porto. Campo das Letras. 2005