UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação Profa. Dra. Doris Accioly e Silva
DANIEL SILVEIRA BUENO USP 8973567
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Acorrentados
São Paulo 2016
INTRODUÇÃO Este relatório tratará das minhas observações sobre o funcionamento da Escola Estadual Professor Carlos de Laet, localizada na zona norte da cidade de São Paulo, entre os meses de setembro e dezembro de 2016. Além disso, também serão tratadas as relações entre alunos e funcionários nessa escola a partir do tema “Relações de poder na escola”.
Esse tema foi definido após as primeiras visitas à escola, nas quais pude verificar situações e métodos de contenção que contrariavam aquilo que é prescrito nas pesquisas atuais sobre educação emancipadora como representativos de um ambiente propício ao desenvolvimento humano. Assim, este relatório apontará as razões que levam a essa conclusão. As atividades de estágio consistiram na observação da infraestrutura e do funcionamento da escola e em conversas informais (não gravadas) com funcionários, além de uma única entrevista gravada cedida por uma inspetora de alunos. Desse modo, pude obter o máximo de espontaneidade possível dos entrevistados na qual ouvi, entre outras coisas, os alunos serem referidos como “elementos”, “animaizinhos” e “insetos”.
Em ambos os casos necessitando ser controlados ou, em última instância, eliminados para que se estabelecesse estabelecesse a manutenção da ordem a da lei do mínimo esforço praticada pr aticada pelos funcionários funcionários dessa escola. escola.
A ESCOLA E O BAIRRO Situada no distrito do Mandaqui, em uma área de alta densidade populacional e pouca oferta de transporte público, é servida por apenas uma linha de micro-ônibus. As vias mais próximas da escola, onde se dispõe de mais opções de linhas ônibus, localizam-se a 800 metros de distância (aprox. 12 minutos a pé 1 ), 1,2 quilômetros (aprox. 16 minutos a pé 2), e 1,3 quilômetros (aprox. 18 minutos a pé 3). A estação de metrô mais próxima fica a uma distância aproximada de 2,5 quilômetros (aprox. 31 minutos a pé ou 8 minutos de carro 4). Cabe ressaltar que nenhum dos quatro caminhos é totalmente plano, dado que a própria escola se localiza no alto de um morro, assim não é possível acessá-la sem que se tenha de ultrapassar uma ladeira. Eu obtive a informação de que o transporte escolar privado é oferecido mediante uma mensalidade que variava, na época, entre R$ 180 e R$ 250. Também cabe ressaltar que a grande maioria (mais de 80%) dos alunos que frequentam essa escola reside no próprio bairro, em uma comunidade que também serve de base para o tráfico de drogas local. Apenas uma minoria (menos de 5%) dos alunos mora a uma distância que supere uma hora de deslocamento sobre rodas, a partir de suas residências. Foi-me dito, que esses alunos que moram longe, não estudam nas escolas mais próximas às suas residências, pois seus pais temem que o contato com as crianças de seu bairro de origem seja prejudicial a sua formação. A referida comunidade se concentra a uma distância máxima de 250 metros da escola e, em seu redor, distribuem-se residências de classe média de tamanhos variáveis, além de condomínios fechados de médio porte, nas quais residem r esidem famílias com razoável poder aquisitivo. Normalmente Normalmente são famílias que já residem residem no bairro há muitas gerações, gerações, ou se valem de altos muros, grades e sistemas de proteção eletrônica e monitoramento para garantir a inviolabilidade de suas propriedades. Obviamente essas famílias não utilizam os serviços da escola ou do transporte públicos e mantêm contato mínimo com seus vizinhos. 1
Segundo cálculos estimados pelo Google Maps. Ibidem. 3 Ibidem. 4 Ibidem. 2
EU E A ESCOLA Meu acesso à escola se deu de maneira muito descomplicada e desburocratizada. Após conseguir o número telefônico via internet, liguei para lá e marquei uma reunião, para o dia seguinte, com a diretora. Chegando à escola, esperei até que a diretora estivesse disponível. Assim que iniciamos nossa conversa, ela solicitou meus documentos e pediu que eu preenchesse um livro de registros de atividades de estágio com meu nome, curso etc, além de anexar o requerimento de estágio devidamente assinado pelo meu professor/orientador e por ela mesma. Foi-me dada total liberdade de horários e acesso irrestrito às dependências escolares ou, melhor dizendo, não me foi feita nenhuma recomendação proibitiva explícita, nem foram impostas quaisquer condições para a realização do meu estágio naquela escola. Inicialmente eu não sabia bem como me comportar, ou com quem poderia falar, que espaços eu poderia ocupar de modo a interferir o mínimo possível na rotina diária. Normalmente eu ficava na sala dos professores lendo ou trabalhando em alguma tarefa da graduação. Às vezes, eu ficava na copa observando o comportamento dos professores e suas conversas durante o intervalo entre as aulas. Nesses momentos eu interagia com eles, nos apresentávamos eu iniciava meu processo de sondagem das atividades escolares. Pouco a pouco eu comecei a também participar da rotina escolar, como na confraternização pelo Dia do Professor, nas demandas da coordenadora educacional relacionadas ao uso do computador e da impressora, pedidos de material dos professores e dos alunos, entre outras coisas. Além disso, sempre que eu tinha tempo ocioso, eu acompanhava uma das inspetoras de alunos que ficava sozinha no segundo andar do prédio e, nesses momentos, discutíamos sobre a escola e os alunos. Foi com esta inspetora que eu fiz o tour pela pela escola para visitar todas as suas dependências. Porém o espaço que eu mais utilizei foi mesmo a sala dos professores. Quase sempre quem também utilizava aquele espaço era a coordenadora, muito provavelmente devido ao seu método de trabalhar em um “caos organizado”. A sala dos professores
é
mais bem iluminada e arejada que a sala da coordenação e conta com uma grande mesa de reuniões de, aproximadamente, 2x2 metros quadrados, assim, talvez ela se sentisse
mais a vontade para espalhar seus documentos, relatórios, pastas, telefone celular, além de lhe servir como um meio caminho de acesso às várias demandas de alunos e pais de alunos, da direção, dos professores, da secretaria... Nesse sentido, cabe mencionar que a coordenadora também é uma professora readaptada e, pelo que pude observar, sem a qualificação necessária para o exercício deste cargo, além daquela que deriva diretamente do seu próprio contato com outros coordenadores coordenadores pedagógicos em sua carreira no magistério.
INFRAESTRUTURA Oficialmente a escola descreve seu inventário desta forma: Infraestrutura Água filtrada Água da rede pública Energia da rede pública Esgoto da rede pública Lixo destinado à coleta periódica Acesso à Internet* Banda larga
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Dependências e vias adequadas aos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida Sala de secretaria Despensa Almoxarifado Área verde*
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Dependências 17 salas de aula 69 funcionários Sala de diretoria Sala de professores Laboratório de informática* Laboratório de ciências* Quadra de esportes coberta Alimentação escolar para os alunos Cozinha Sala de leitura* Banheiro dentro do prédio Banheiro adequado aos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida
Equipamentos Computadores administrativos Computadores para alunos* Copiadora* Equipamento de som Impressora Equipamentos de multimídia TV DVD Retroprojetor Impressora Aparelho de som Projetor multimídia (data show) Fax Câmera fotográfica/filmadora* fotográfica/filmadora*
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O estado geral de conservação da escola é ruim. Tetos e paredes apresentam sinais de infiltração como manchas escuras, bolhas e tinta descascando. Durante o período em que durou o estágio, ocorreram algumas chuvas mais fortes, então foi possível ver a água acumulada acumulada no chão ou escorrendo pelo pelo teto. As salas de aula são bem ventiladas e iluminadas, entretanto as janelas ficam separadas por uma grade metálica. Não há cortinas. Escrivaninhas e cadeiras tem
estrutura metálica e tampo/assento de madeira ou plástico e apresentam sinais de pichação, rachaduras rachaduras e quebras. quebras. Quanto aos itens do inventário marcados com asterisco é preciso fazer comentários: Acesso à internet : não me foi oferecida senha da rede sem fio, e também nunca
foi mencionado se os alunos teriam direito ao acesso a rede wireless. Laboratório de informática : é uma sala bem equipada com máquinas novas,
recém-adquiridas, entretanto, a sala em questão é a que mais sofre com as consequências das infiltrações da água das chuvas. Os equipamentos foram inutilizados sem nunca terem sido usados. Laboratório de ciências : na verdade, existe uma sala onde são armazenados
equipamentos de laboratório (louças, microscópios etc) e espécimes animais conservados em formol, além de espécimes vegetais e minerais. Mas não existe de fato um laboratório que permitisse aos alunos manipularem com segurança esses materiais. Sala de leitura : esse ambiente eu não cheguei a observar, mas me foi dito que
possui mesas e cadeiras que proporcionariam uma experiência de leitura relaxante, entretanto, a distância física entre esta sala e a biblioteca impede seu aproveitamento. Área verde: provavelmente se refere ao espaço compreendido entre o prédio da
escola e a quadra esportiva. Não é arborizado e nem oferece muita segurança por ser em declive, mas também não tem acesso liberado. Computadores para os alunos : a sua existência física pode ser comprovada no
laboratório de informática, mas, como foi dito esses equipamentos foram perdidos em consequência da chuva. Copiadora: a máquina de xerox não está em uso por falta de toner ; esse tópico
será detalhado mais adiante. Câmera fotográfica/filmadora : não pude verificar sua existência.
Em uma ocasião foi-me oferecida a chave que tranca a biblioteca para que eu fosse ali, pois se considerou que minha visita àquele espaço seria importante para minha experiência de estágio. Como eu já tinha esta intenção, não me opus. Depois de pedir que se abrisse o cadeado dos portões que dão para o refeitório dos alunos, pois a biblioteca só pode ser acessada por esse caminho, entrei em uma sala de aproximadamente 6x4 metros quadrados em que, literalmente, os livros estavam
estocados. A escola não designou uma pessoa para fazer a organização, catalogação e conservação do acervo, muito menos existe a possibilidade do empréstimo daqueles livros pelos alunos. Sobre a falta de organização do acervo, um grupo de alunas ofereceu-se para a tarefa, entretanto, não dispunha das ferramentas ou da expertise necessárias para realizála de maneira adequada. Mesmo assim foi dada a elas total liberdade para que procederem como achassem melhor, porém, sem a colaboração colaboração de nenhum adulto. Assim o sistema que desenvolveram era bastante rústico, através de etiquetas de papel estampado, provavelmente papel de presente, em diferentes padrões, colados na lombada dos livros com fita adesiva transparente. Contudo, esses livros não eram catalogados, ou seja, numerados e ordenados de uma maneira que pudessem ser localizados nas estantes, a partir de seus dados bibliográficos. Os livros eram simplesmente separados em categorias genéricas, normalmente relacionadas às áreas do conhecimento, então, matemática, história etc, ou com algum nível de especificidade como poesia, mitologia etc, cada qual designada por uma etiqueta colorida. O maior proveito que se pôde obter com a iniciativa daquelas alunas foi o fato de que os livros saíram de um estado prévio de má conservação, já que se encontravam espalhados e amontoados pelos cantos, para outro que prolongará sua vida útil, enfileirados nas estantes. Ainda assim, mesmo que sua intenção fosse a mais nobre ou mesmo que tivessem êxito em seu projeto, não haveria um funcionário disponível para realizar o controle de acesso dos alunos àquele espaço nem o controle de entrada e saída dos volumes, em caso de empréstimo. O que é uma pena, porque, após uma observação atenta, pude identificar várias obras de referência de nível superior, especialmente, das áreas de humanidades e de pedagogia.
LINHAS DE COMANDO Em minhas observações, pude verificar que naquela escola havia duas linhas de comando, cada qual com atribuições específicas, ambas seguindo uma ordem hierárquica que convergia apenas para subordinar o corpo docente e, em seguida, os alunos. A primeira linha de comando, eu passo a identificar aqui como “administrativa”. A outra linha de comando será identificada como “pedagógica” .
Um
terceiro poder é representado pelas delegacias de ensino que não participam diretamente das decisões tomadas pelos gestores escolares, mas possuem “poder de veto”, ou seja, podem tornar nulas nulas as decisões da escola. Neste sentido, percebi uma relação entre esse modelo de gestão e os três poderes que constituem o Estado democrático moderno. Assim, a linha de comando “administrativa” representaria o poder legislativo. “propor leis”,
Embora sua função não seja a de
o fato de intermediar o acesso do aluno à escola e também intermediar a
burocracia do fluxo de informações relacionadas aos alunos e a Secretaria da Educação (matrículas, frequência, notas, etc) isso é feito mediante um conjunto de regras e metodologias impostas. Dessa forma a escola se constitui num observatório político, um aparelho que permite o conhecimento e controle perpétuo de sua população através da burocracia escolar, do orientador educacional, do psicólogo educacional, do professor ou até dos próprios alunos. É a estrutura escolar que legitima o poder de punir, que passa a ser visto como natural. Ela faz com que as pessoas aceitem tal situação. É dentro dessa estrutura que se relacionam os professores, os funcionários técnicos e administrativos e o diretor. (TRAGTENBERG, 1985) A linha de comando “pedagógica” tomaria o papel do poder executivo. Sendo,
portanto, responsável pelos processos de formação (aplicação de currículos) e civilização (controle disciplinar) dos alunos e pela manutenção da infraestrutura da escola. O terceiro poder, judiciário, seria representado pelas delegacias de ensino e tem o papel de julgar as divergências que venham ocorrer entre os alunos e a escola. Normalmente, suas decisões tem efeito imediato e se dão na base do “cumpra -se!” ao qual a escola (o executivo) consente mesmo que contrariada. c ontrariada. Finalmente, subordinados a todos os três poderes e ocupando o nível mais inferior, em quaisquer das linhas de comando, estão os alunos.
SECRETARIA DE SECRETARIA EDUCAÇÃO
DELEGACIA DE ENSINO
ADMINISTRATIVO
PEDAGÓGICO
GERENTE ESCOLAR
DIRETOR
ASSISTENTE
COORDENADOR DE ENSINO
INSPETOR DE ALUNOS
CORPO DOCENTE
ALUNOS
Figura 1 - Linha de comando vertical
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DELEGACIA DE ENSINO ADMINISTRATIVO
GERENTE ESCOLAR
ASSISTENTE INSPETOR DE ALUNOS
PEDAGÓGICO
DIRETOR
CORPO DOCENTE
COORDENADOR
ALUNOS
Figura 2 - Horizontalização da cadeia de comando
Essas linhas de comando estão dispostas verticalmente por ordem de subordinação, entretanto, nessa escola, muitos destes cargos foram preenchidos por professores readaptados readaptados que saíram da sala de aula para trabalhar em funções de gestão. De certo modo, esses professores entendem que foram “ promovidos” promovidos” e ocupam seus novos postos com o prazer de deixar a rotina da sala de aula, pois suas carreiras no magistério não lhes são atrativas, como afirma Maurício Tragtenberg (1985): O professor é submetido a uma hierarquia administrativa e pedagógica que o controla. [...] O professor subordina-se às autoridades superiores, essa submissão leva-o a acentuar uma dominação compensadora. Delegado dessa ordem hierárquica junto aos estudantes, ele é símbolo vivo dessa subordinação, o instrumento da submissão. Seu papel é impor a obediência.
Nem sempre esses professores têm as qualificações necessárias para execução das novas tarefas que lhes são atribuídas, por isso é comum que compartilhem tarefas ou as façam em conjunto, ou ainda, peçam que os outros corrijam seus erros. Assim, este movimento de ascensão hierárquica, somado ao enfraquecimento dos níveis de subordinação subordinação dos cargos e funções, leva a horizontalização das linhas de comando. A consequência direta dessa nova disposição hierárquica, nessa escola, são as
Essas linhas de comando estão dispostas verticalmente por ordem de subordinação, entretanto, nessa escola, muitos destes cargos foram preenchidos por professores readaptados readaptados que saíram da sala de aula para trabalhar em funções de gestão. De certo modo, esses professores entendem que foram “ promovidos” promovidos” e ocupam seus novos postos com o prazer de deixar a rotina da sala de aula, pois suas carreiras no magistério não lhes são atrativas, como afirma Maurício Tragtenberg (1985): O professor é submetido a uma hierarquia administrativa e pedagógica que o controla. [...] O professor subordina-se às autoridades superiores, essa submissão leva-o a acentuar uma dominação compensadora. Delegado dessa ordem hierárquica junto aos estudantes, ele é símbolo vivo dessa subordinação, o instrumento da submissão. Seu papel é impor a obediência.
Nem sempre esses professores têm as qualificações necessárias para execução das novas tarefas que lhes são atribuídas, por isso é comum que compartilhem tarefas ou as façam em conjunto, ou ainda, peçam que os outros corrijam seus erros. Assim, este movimento de ascensão hierárquica, somado ao enfraquecimento dos níveis de subordinação subordinação dos cargos e funções, leva a horizontalização das linhas de comando. A consequência direta dessa nova disposição hierárquica, nessa escola, são as medidas de contenção dos alunos que visam, não a sua proteção ou sua permanência escolar, mas sim um recurso para a redução de danos que levem a intervenção das delegacias de ensino no quadro de funcionários da escola. FALTA DE RECURSOS E DE INTERESSE DA COMUNIDADE
Em outra ocasião, tive a oportunidade de acompanhar acompanhar uma reunião do conselho escolar. Neste dia, a diretora, acompanhada pelo vice-diretor, tratou de algumas questões burocráticas como a prestação de contas sobre uma verba especial cedida pelo governo e para o qual havia sido feita uma consulta pública entre funcionários e corpo docente sobre qual a melhor forma de aplicá-la. Neste caso específico, a equipe teria decidido pela substituição da geladeira e do forno micro-ondas, além da aquisição de uma nova impressora a jato de tinta. A diretora gabava-se de sua capacidade de barganha, pois a regra para liberação da verba dizia que o seu valor exato deveria ser gasto integralmente em uma única compra, ou seja, não poderia faltar dinheiro (assim, a escola arcando com a diferença) nem sobrar
dinheiro (em uma situação em que o valor total da compra fosse inferior ao valor da verba), sob o risco no benefício ser cancelado. Por isso a diretora precisou barganhar com lojistas para conseguir atender as exigências do governo. Cabe salientar, aqui, que a máquina de xerox não está em funcionamento devido a falta de toner (o (o pigmento em pó utilizado na impressão) pois a burocracia envolvida no caminho entre a escola e a Secretaria da Educação, que é encarregada por esse tipo de manutenção e a qual a escola deveria poder contar sempre que fosse preciso, é o principal impedimento para a melhoria do funcionamento da própria escola. Eu cito este fato, pois reconheço que uma grande parte dos alunos, bem como suas famílias, nem sempre tem recursos para arcar com os custos de uma simples xerox e, de fato, durante o período de matrículas dos alunos, são exigidas cópias de um sem número de documentos e a simples existência de uma máquina de xerox acabaria tendo um papel social facilitador do acesso e inclusão dos alunos de baixa renda na escola. Naquela mesma reunião também foram tratadas a prestação de contas do Festival da Primavera que ocorreu em outubro e onde foram vendidos doces, salgados e bebidas não alcoólicas, em um evento aberto ao público, das 8h ao meio-dia. meio-di a. A diretora também anunciou a soma de doações da Associação Associação de Pais e Mestres (APM) ( APM) da escola: R$ 12,00, sendo que apenas duas mães contribuíram com R$ 10,00 e R$ 2,00, respectivamente. Nesse momento iniciou-se uma discussão entre os presentes que se queixaram da pouca participação e do pouco interesse dos pais em contribuir com as benfeitorias da escola de seus filhos. Muitos mencionarem que, em seus tempos de estudante, não recebiam gratuitamente o material escolar, nem uniforme ou merenda e, mesmo assim, suas famílias faziam questão de contribuir, ou tinham a preocupação de contribuir, para as benfeitorias da escola e, hoje, com tantos benefícios e tantos incentivos à permanência escolar, as famílias viam com descaso a necessidade necessidade de participar de sua rotina.
O CASO ÂNGELA
Antes disso, eu testemunhei uma outra reunião de conselho estudantil relacionado ao tratamento adequado para o problema do furto de um molho de chaves da escola por uma aluna considerada problemática. As suspeitas se iniciaram no momento em que se percebeu que a aluna tinha livre acesso às salas de aula (que normalmente ficam trancadas), ou seja, se ela quisesse entrar em uma sala fechada, deveria, necessariamente, ter seu acesso liberado por quem estivesse dentro e de posse da chave. Quando questionada se a chave estaria em seu poder, a aluna negou. No terceiro dia do sumiço do molho de chaves, a diretora verificou as gravações das câmeras do circuito interno de segurança, nas quais se pôde confirmar o furto do molho de chaves na secretaria da escola, bem como o autor do furto. Confrontada com as imagens e sob ameaça de intervenção da autoridade policial, a aluna admitiu o furto e devolveu uma das chaves do molho que estava com ela naquele momento. Isso despertou nova preocupação dos gestores escolares, pois se questionou a possibilidade de que a aluna pudesse ter feito cópias das chaves, ou que pudesse tê-las tê-las entregado a terceiros, terceiros, e uma série série de outras consequências consequências negativas. A aluna, identificada por Ângela, tem um histórico de mau comportamento e mais de uma vez sua mãe teve que comparecer à escola, ocasião em que se recusou a aceitar as ações da filha, dando a entender que sua filha estaria sendo perseguida. Mais de uma vez, a mãe da aluna Ângela recorreu à delegacia de ensino para revogar ações disciplinares da escola contra sua filha. Em outro episódio grave, essa mesma aluna participou indiretamente em um caso de tentativa de agressão. Seu namorado, tomado pelo ciúme, ameaçou um aluno com uma barra de ferro e arma de fogo. Ângela é conhecida como uma pessoa manipuladora que usa a própria beleza como arma de sedução, além de sua habilidade comunicativa, para fazer amizades com ambos os sexos. As meninas tornam-se suas aliadas, os meninos, seus admiradores e prestadores de favores. Nesse último episódio, o que se deu foi que um dos meninos que ela tentou atrair, repetidamente rejeitava seus avanços, após muita insistência o menino consentiu
em lhe dar um beijo nos lábios (“selinho”). O que ele não sabia é que Ângela já havia combinado com suas amigas que estas tirassem uma foto no momento do beijo. Esta foto comprometedora foi, então, publicada em uma rede social a que seu namorado também tinha acesso. Ângela, supõe-se, não havia cogitado a hipótese de seu namorado ver uma “prova de traição” e para se defender, acusou seu colega de tê -la forçado a beijá-lo. Esse episódio de violência causou grande comoção na escola, pois foram disparados tiros nas imediações da escola e foi preciso que a polícia interviesse. Além disso, o aluno que aparece na foto foi obrigado a alterar sua rotina diária e não pôde mais ir à escola desacompanhado. Vale a pena esclarecer que o namorado de Ângela é um homem adulto, com mais de 21 anos completos, enquanto Ângela e seus colegas de escola têm todos entre 15 e 17 anos de idade. Também é válido esclarecer que foi esse último episódio que despertou a preocupação com as consequências que o furto das chaves da escola acarretaria. Durante a reunião do conselho que deliberou a punição adequada para os atos da aluna Ângela, a decisão unânime foi pela expulsão. E mais uma vez, sua mãe conseguiu que a decisão fosse revertida junto a delegacia de ensino.
IMPRESSÕES E CONCLUSÕES
O que mais me impressionou foi o posicionamento da escola em relação à forma de contenção dos alunos, não com intenções de evitar sua evasão ou com vistas ao seu desenvolvimento como cidadãos através da permanência compulsória no ambiente escolar, mas sempre como um modo de se eximir da responsabilidade pelo que lhes possa acontecer de pernicioso uma vez que, tendo saído de suas residências com destino a escola, de lá não saiam sem consentimento e conhecimento de seus pais e da direção da escola. As salas de aula são trancadas a chave, as portas não têm maçanetas, só os professores e inspetores de alunos têm cópias das chaves. Uma vez que os alunos entram na sala de aula, esta é trancada; o aluno que precisar sair, necessariamente, deve
solicitar autorização do professor e este tem poder de, se quiser, manter os alunos em cativeiro. Além das salas de aulas, os acessos ao pátio, à quadra esportiva e ao refeitório também são fechados com grades, inclusive, o principal acesso ao pátio conta, ainda, com uma porta de enrolar em aço, iguais àquelas que guardam estabelecimentos comerciais. Na hora do intervalo do lanche, esta porta é fechada para evitar acesso de alunos desacompanhados às salas de aula. Este procedimento da escola gera um duplo movimento: ao mesmo tempo em que permite que os alunos deixem seus pertences protegidos de furto e vandalismo na sala de aula, impede que seus proprietários os acessem sempre que quiserem. Isto resulta no fato de muitos alunos não deixarem suas coisas na sala de aula, ficando sempre com a mochila às costas. Como já afirmava o senso comum, a escola é responsável pela integridade física e psicológica dos alunos dentro de seus muros, bem como em um raio de 100 metros do seu entorno. Esse consenso, entretanto, passou a ser regulamentado pela lei municipal 14.492/07, que estabelece a Área Escolar de Segurança que inclui como responsáveis pela segurança dos alunos, além da própria escola, as associações civis, as associações associações comerciais e o poder público representado r epresentado pelos órgãos municipais. Entretanto, isso não impede que a escola seja responsabilizada judicialmente caso os alunos sofram lesões físicas ou psicológicas nas áreas do seu entorno, ou durante o deslocamento desses alunos de suas casas até escola. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal, a educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, é direito de todos e dever do Estado e da família podendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Além disso, o art. 927 do Código Civil determina que “aquele que por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo”, o art. 932 prossegue: “são “são também responsáveis responsáveis pela reparação reparação civil: […] IV – os os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos pel os seus hóspedes, moradores e educandos” e, por fim, o art. 933 conclui: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderã r esponderãoo pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.
O art. 144 do Código C ódigo de Defesa do Consumidor corrobora definindo que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Assim, entende-se que a quebra do acordo expresso entre a escola e os pais dos alunos pode gerar consequências para a escola perante as delegacias de ensino, além de instâncias jurídicas civis e penais, que se refletirão na perda das bonificações de fim de ano, por exemplo, ou no remanejamento dos funcionários para outras unidades escolares ou para outras funções dentro da própria escola que ofereçam menores benefícios se se levar em conta que muitos dos funcionários encarregados da gestão escolar são professores readaptados. readaptados. Como resultado, crianças e adolescentes são levados a uma situação de cárcere que, somado aos problemas curriculares e de formação dos professores, bem como da própria infraestrutura da escola não garantem seu pleno desenvolvimento físico e intelectual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988 . Promulgada em 05 de outubro de 1988. Art. 205. BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor . Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. SÃO PAULO (Cidade). Lei 14.492 de 31 de julho de 2007. Estabelece a área escolar de segurança como espaço de prioridade especial do Poder Público Municipal.
TRAGTENBERG, Maurício. (1985) “Relações de poder na escola”. Lua Nova, São Paulo, v. 1, n. 4, p. 68-72, mar. 1985. Disponível em:
. nrm=iso>. Acesso em 20 out. 2016.
ANEXO
A única entrevista que eu obtive, dentro do período em que durou o estágio, foi com uma inspetora de alunos que atua no turno da tarde, mas eventualmente precisa cobrir os turnos da manhã. Seu posto é no segundo andar do prédio, onde ficam as salas de aula. Normalmente fica sozinha. Seus colegas costumam chamá-la de pitbull devido a forma com que impõe autoridade perante os alunos. A partir de sua rotina e das funções “extras” que lhe são atribuídas , é possível verificar, em parte, o processo de horizontalização das linhas de comando que ocorrem nessa escola.
A.R.C., 45, ensino médio completo, mora a 100 metros de distância da escola. Qual o seu cargo? A.R.C.: Agente de organização escolar. Há quanto tempo você atua nessa função?...
Cinco anos e dois meses. ...e nesta escola, especificamente? especificamente?
Cinco anos e dois meses [risos]. Concursada?
Sim, concursada efetiva. O seu cargo é diretamente subordinado a quem?
[É subordinado] à gerente escolar. Mas só ela que pode te dar ordens, ordens, solicitar coisas... coisas...
O correto seria ela... ...ou você acaba atendendo a demanda demanda de outros?
Sim, a direção e da coordenação também. O correto é só ela [a gerente], mas... sempre tem uma exceção, né? Quer dizer que você é uma inspetora de alunos...
Isso. ...então, teoricamente, você teria que encaminhar os alunos até as salas, ou...
Tirar do pátio; ficar com eles no pátio, quando estão com aula vaga; levá-los até a direção, caso aprontem alguma coisa; e, se faltar professor, extraordinariamente, eu fico na sala, entre 15-20 minutos, com eles... Fico na porta, não fico dentro [da sala] porque, como eu não sou formada [em nível superior], eu não posso ficar com alunos.
Eu vejo, também, você fazer esse remanejamento de professores; ver quem pode cuidar dos alunos, em caso de ausência dos professores. Essa atribuição não deveria ser da coordenadora de ensino?
É da coordenadora, mas, desde que eu entrei aqui me colocaram para fazer isso. Ah, porque você é mais rápida, você é mais espertinha, você conhece não sei quem, você conhece os professores ... Aí, deram esse jeitinho e nunca mais fiquei sem fazer isso. “
”
Eu vejo que você também faz o ponto...
Isso, as ausências dos professores, eu também tenho que marcar. Quem deveria cuidar do livro de ponto?
As ausências dos professores, professores , seria a gerente. O livro de ponto em si é feito com a gerente e uma professora readaptada. Mas marcar as faltas, o certo, seria a gerente mesmo. Você tem algum contato com os pais de alunos?
Só quando eu tenho que ligar para falar que [o aluno] está passando mal, ou para vir buscar [o aluno], ou quando a direção pede para convocar [os pais], aí, eu ligo para os pais, senão eu não preciso ter contato com eles. Os pais dos alunos representam algum tipo de dificuldade para você realizar o seu trabalho?
Não, nenhuma. Tem dois pais aí, que já vêm de longas datas, de outras gestões, que têm um monte de filho aqui dentro, e eles levam todos, assim, a ferro e a fogo mesmo. Ninguém que fale dos filhos deles, eles não toleram, né. Mas, fora isso, os pais são tranquilos, não tem problema, não.