Reabilitação do ombro
ARTIGO DE REVISÃO E ATUALIZAÇÃO
Reabilitação do ombro
Júlia Maria D’Andrea Greve1
Descritores – Ombro. Ombro. Reabil Reabilitaç itação. ão. Key words – Shoulder. Rehabilitation. Rehabilitation.
TRAUMATISMO Alguns princípios básicos devem ser seguidos na reabilitação dos traumatismos do ombro, quais sejam: reconhecimento adequado das alterações fisiopatológicas do traumatismo; prevenção das alterações secundárias à imobilização; respeito à biomecânica articular na instituição da cinesioterapia.
Agentes físicos Calor O uso de agentes físicos que promovam o aquecimento é fator coadjuvante na reabilitação dos traumatismos do ombro, principalmente quando aplicados previamente aos exercícios. Ultra-som: o ultra-som é um agente físico classificado classificado como calor profundo, mas na verdade seu efeito é térmico e mecânico, através das vibrações t ransmitidas aos tecidos. Tem bom efeito nas síndromes pós-imobilização, por sua ação específica sobre o tecido colágeno fibrótico e não fibrótico, aumentando sua distensibilidade em aproximadamente 20% logo após a aplicação, facilitando os exercícios de estiramento. Este efeito fisiológico é específico do ultra-som. Recomenda-se aplicações de 10-12 minutos por toda superfície articular do ombro, em doses de 1,0 a 1,5 watts/centímetro quadrado. Não está contra-indicado na presença de sínteses metálicas, pois uma onda mecânica sonora não aquece seletivamente estruturas metálicas. Ondas curtas e microondas: são agentes de aquecimento profundo, conseguido através da aplicação de ondas eletromagnéticas. Sua indicação é restrita a traumatismo, pois o principal efeito fisiológico conseguido com estes agentes é analgésico. Perdem em eficácia para o ultra-som. Estão contra-indicados na presença de sínteses metálicas. Calor superficial e hidroterapia: promovem relaxamento muscular e sedação com mais eficácia que os agentes de aquecimento profundo (ondas curtas e microondas). Os recursos utilizados são: turbilhão e tanque de Hubbard.
1. Médica Fisiatra Fisiatra do Serviço de Medicina Medicina Física e Reabilitação Reabilitação do Instituto Instituto de Ortopedia e Traumatologia, HC-FMUSP. ACTA ORTOP BRAS 3(4) - OUT/DEZ, 1995
Estes agentes permitem a realização de cinesioterapia subaquática, muito úteis em recuperação pós-traumatismo.
Cinesioterapia A articulação do ombro, por sua grande amplitude articular, conseqüente, entre outros fatores, também da frouxidão capsular relativa, sofre muito precocemente as conseqüências das imobilizações. Na articulação do ombro, duas semanas de imobilização, por exemplo, já são um período prolongado, que causa perda considerável na amplitude articular. As principais limitações são: rotação externa e flexo pela retração da cápsula anterior e ligamentos glenumerais. O início precoce da mobilização passiva articular póstrauma é um dos principais fatores de sucesso nos programas de reabilitação, pois evita as grandes retrações capsulares, que muitas vezes não são passíveis de serem vencidas com cinesioterapia convencional. O tempo de início do programa de exercícios depende do tipo de trauma e do tratamento realizado, podendo variar de 24 horas (artroplastias) a três semanas. Qualquer tratamento cirúrgico deve permitir a mobilização precoce. A imobilização total por períodos mais prolongados compromete o resultado funcional final. Os principais objetivos da cinesioterapia são: prevenir a retração capsular, auxiliar na cicatrização das partes moles através da organização das fibras colágenas, reeducação dos movimentos ativos, fortalecimento muscular e recuperação funcional. Fase 1 – Prevenção da retração capsular Exercícios pendulares – Podem ser realizados desde a fase inicial, respeitando o limite doloroso do paciente. A realização dos exercícios pendulares, segurando um peso de 0,5-1kg, pode ser útil para se conseguir maior alongamento das estruturas capsulares. Exercícios passivos – Devem ser iniciados pela flexão, seguida pela abdução no plano escapular, abdução no plano do ombro, extensão. Não se recomenda a execução dos movimentos de rotação, pois podem ocorrer rupturas indesejáveis dos tendões do manguito rotador. Os exercícios autopassivos para estiramento anterior, realizados com ajuda de um bastão,
1
Reabilitação do ombro
também devem ser iniciados precocemente. Os exercícios passivos devem ser realizados com o paciente deitado e em pé, de maneira lenta e cuidadosa, respeitando-se o limite doloroso do paciente. A associação de períodos de exercícios e repouso (uso de tipóia) pode ser necessária nesta fase inicial. Esta fase dura três semanas. Fase 2 – Cicatrização e reeducação da movimentação Exercícios isométricos – A contração isométrica de resistência do deltóide anterior, médio e posterior pode ser iniciada precocemente, em média na segunda semana pós-trauma ou cirurgia. A realização dos exercícios, na posição deitada, em supino, é recomendada. Exercícios isotônicos sem resistência – Devem ser iniciados precocemente, em média, na terceira semana. Os principais músculos trabalhados são: deltóide anterior e médio, em posição de decúbito dorsal, mantendo o cotovelo fletido, na realização de flexão e abdução, com auxílio do terapeuta, se necessário. Outros grupos musculares que devem ser trabalhados são: peitoral maior através da adução do ombro e o trapézio através da elevação do ombro. Pode-se iniciar os movimentos de rotação interna (subescapular) e externa (infra-espinhal e redondo menor), ainda na posição deitada, em supino. Esta fase deve ser mantida por aproximadamente três semanas, buscando-se o ganho progressivo de amplitude articular e restabelecimento do ritmo escapulumeral. Fase 3 – Fortalecimento muscular Esta fase só deve se iniciar quando se conseguir flexão de 90 graus e restabelecimento do ritmo escapulumeral. Exercícios isotônicos concêntricos – Nesta fase, todos os movimentos estão permitidos e devem ser executados na amplitude total conseguida. Os grupos musculares a serem trabalhados são: deltóide (três porções), supra-espinhal, rotadores internos (subescapular), rotadores externos (infraespinhal e redondo menor), peitoral maior, grande dorsal, trapézio e serrátil anterior. Exercícios isotônicos concêntricos com extensores elásticos – Podem ser introduzidos, para se promover treinamento mais específico da atividade muscular. Os exercícios devem ser feitos com o paciente em pé. Recomenda-se que as rotações sejam executadas sem elevação do ombro (flexão e abdução), mantendo-se o cotovelo na linha da cintura, realizando-se assim a rotação interna e externa do ombro. A amplitude do movimento de rotação, principalmente a interna, é menor, mas a eficiência mecânica do movimento, em termos de fadiga e impacto do manguito rotador, é menor. Fase 4 – Recuperação funcional Para a volta do paciente às suas atividades diárias normais, pode ser necessário treinamento específico, para que se melhore sua resistência muscular ( endurance ). O treinamento deve ser feito através da própria atividade, que deve ser exe ACTA ORTOP BRAS 3(4) - OUT/DEZ, 1995
cutada por períodos progressivamente maiores, até que se atinja o nível necessário. Esta orientação é particularmente necessária para as atividades domésticas. Roteiro de tratamento de reabilitação 1. 2. 3. 4. 5. 6.
Início pós-operatório imediato 24-48 horas após Exercícios pendulares de amplitude articular 1ª semana Alongamentos ativos/autopassivos 1ª semana Reeducação muscular 2ª semana Início fortalecimento 3ª semana Recuperação funcional 4ª semana
INSTABILIDADES Instabilidades anteriores As instabilidades anteriores do ombro são as mais comuns da clínica diária. Incidem preferencialmente em pacientes jovens, com atividade esportiva variável e são, na maioria dos casos, de indicação cirúrgica, pois há perda dos mecanismos estabilizadores do ombro e o tratamento conservador não produz bons resultados. Os músculos que devem ser treinados são: rot adores internos (subescapular) e adutores do ombro (grande dorsal e peitoral maior) e supra-espinhal (abdução), além de se evitar a rotação externa e abdução. Dentre as cirurgias indicadas para correção deste problema, duas se destacam: artrorise anterior (Bristow-Latarjet) e capsuloplastia anterior. Os procedimentos de reabilitação no pós-operat ório devem seguir uma rotina: manter e melhorar a amplitude de movimentos da articulação, fortalecer os músculos rotadores internos e adutores, ao mesmo tempo que se aguarda a cicatrização do local operado. Roteiro de reabilitação cirurgia de Bristow-Latarjet 1ª 1. 2. 3. 4.
semana Analgesia Exercícios de amplitude articular/ativos Proibir: abdução/rotação externa Não realizar alongamentos passivos
2ª semana 1. Exercícios de amplitude articular/ativos 2. Exercícios ativos exceção rotação externa (realizar exercícios meia amplitude) 3ª semana 1. Manter exercícios anteriores 2. Iniciar fortalecimento cargas progressivas Duração: três semanas 6ª semana 1. Iniciar rotação externa 2. Manter exercícios de fortalecimento 8ª semana 1. Iniciar atividade esportiva com oito semanas
2
Reabilitação do ombro
Roteiro para reabilitação das capsuloplastias 1ª semana 1. Exercícios de amplitude articular (ativos) 2. Exercícios isométricos 3. Proibir rotação externa/alongamentos Duração: três semanas 3ª semana 1. Manter exercícios anteriores 2. Fortalecimento progressivo exceto rotação externa (exercícios realizados meia amplitude) Duração: três semanas 6ª semana 1. Manter programa de fortalecimento progressivo Exercícios concêntricos, excêntricos, isométricos Duração: seis semanas 12ª semana 1. Iniciar rotação externa 2. Programa de fortalecimento progressivo Carga máxima: 10% peso corporal Duração: quatro semanas 16ª semana 1. Início da atividade esportiva
Instabilidades posteriores Os músculos que devem ser treinados nas instabilidades posteriores são: rotadores externos (infra-espinhal e redondo menor) e abdutores (supra-espinhal e deltóide). A rotação interna e adução do ombro devem ser evitadas.
Instabilidades inferiores Os músculos que devem ser treinados são: deltóide e todos os componentes do manguito rotador, particularmente o supraespinhal, e os estiramentos estão proscritos.
Instabilidades multidirecionais São de difícil tratamento, principalmente as luxações voluntárias. O tratamento indicado busca realizar o fortalecimento dos músculos do manguito rotador, associados com movimentos espaciais que busquem o treinamento proprioceptivo da articulação e exercícios com retroalimentação positiva (biofeed-back ), que também busca treinar a propriocepção.
das condições articulares; conhecer a origem da dor; conhecimento das sinergias musculares e evitar os traumatismos de repetição.
Agentes físicos Crioterapia O uso do frio corretamente como agente terapêutico analgésico e “antiinflamatório” na fase aguda do processo doloroso da síndrome do impacto pode ser de grande valia. A crioterapia é mais analgésica que o calor e muito eficiente no tratamento da dor noturna presente na síndrome do impacto e lesão do manguito rotador. Bolsa de gelo – Recomenda-se o uso de bolsas ou compressas de gelo, que melhor se adaptam à forma do ombro. O tempo de utilização varia de 8 a 20 minutos, dependendo da tolerância do paciente. “Sprays” congelantes – Gás liquefeito fluorimetano, que deve ser utilizado nas áreas de pontos-gatilho do músculo, nas síndromes miofasciais secundárias, na fase aguda do processo. A técnica de aplicação manda que o tubo se mantenha a 15 centímetros de distância do ponto doloroso e perpendicular à região tratada. Calor Ultra-som – O agente de escolha para o aquecimento do ombro, por suas características biofísicas e de aplicação. O tempo de aplicação é de 10 minutos e a dose, de 1,0 a 1,5 watts/cm2. Contra-indicado na fase aguda do processo. Ondas curtas e microondas – Podem ser utilizados no ombro, embora menos específicos para a patologia tendinosa. São úteis nas síndromes miofasciais secundárias. O tempo de aplicação varia de 10 minutos (microondas) a 20 minutos (ondas curtas). Contra-indicados na fase aguda do processo.
Terapia contra-irritativa
OMBRO DOLOROSO – SÍNDROME DO IMPACTO
TENS – O uso de estimulação elétrica transcutânea analgésica de baixa freqüência pode ser eficiente nos processos dolorosos do ombro como método coadjuvante. Deve ser associada com ultra-som ou gelo, principalmente em processos dolorosos crônicos. Recomenda-se aplicações de 30 minutos, uma a três vezes/dia. Eletroacupuntura – Método analgésico contra-irritativo similar à TENS, podendo também ser utilizada associada com outros recursos.
A síndrome do impacto é a principal causa de dor no ombro e seu tratamento inicial deve ser sempre clínico, através de exercícios que buscam restabelecer a mecânica normal da articulação. Mesmo na presença de rupturas tendinosas grandes, o tratamento de reabilitação deve ser feito como primeira alternativa. Em pacientes com idade acima de 65 anos, em que a indicação cirúrgica é restrita, o tratamento de reabilitação deve ser mais prolongado. Os princípios fundamentais que regem o tratamento de reabilitação do ombro na síndrome do impacto são: conhecer a mecânica articular e suas alterações; diagnóstico preciso
Fase 1 – Exercícios de amplitude articular Exercícios pendulares – Devem ser executados com o peso de 1kg e em todas as direções, 20 a 30 repetições. Estiramento em flexão – Pode ser realizado com a ajuda do membro oposto ou com o bastão, em posição de decúbito dorsal e em pé. Estiramento em rotação interna – Pedir ao paciente para colocar o polegar sobre a apófise espinhosa do corpo vertebral mais alta que conseguir do lado afetado. Para realizar o alongamento, interpor entre o braço comprometido e o contralateral uma toalha. O braço contralateral se posiciona em
ACTA ORTOP BRAS 3(4) - OUT/DEZ, 1995
Cinesioterapia
3
Reabilitação do ombro
rotação externa e abdução e realiza o movimento de alongamento tracionando o membro afetado. Estiramento em adução – Realizar o movimento máximo de adução com o membro comprometido na linha do ombro, estirando com o membro oposto. Fase 2 – Fortalecimento muscular São utilizados exercícios isométricos e isotônicos de contração concêntrica com halteres e excêntrica com extensores elásticos. Os exercícios isocinéticos podem ser utilizados, embora sua aplicabilidade prática seja comprometida no ombr o pelas dificuldades de montar o aparelho, manter o paciente na posição desejada e conseguir realizar adequadamente os exercícios. A avaliação isocinética buscando quantificar o nível de atividade física que pode ser executado pelo paciente é mais utilizada. O treinamento isocinético é mais útil em pacientes jovens e atletas. Deltóide – Deve ser treinado nas posições deitada e em pé. Iniciar em decúbito dorsal mantendo a flexão de cotovelo e aumentar gradativamente a carga e a amplitude de movimento. Peitoral maior e trapézio, grande dorsal e ser rátil anterior – Devem ser trabalhados desde o início do programa, para melhorar a movimentação da articulação do ombro e ritmo escapulumeral. Supra-espinhal – Deve ser treinado nos movimentos de abdução no plano da escápula e abdução a 90 graus. O treinamento isotônico excêntrico é essencial nos músculos do manguito rotador. Infra-espinhal e redondo menor – Treinamento em rotação externa no plano da cintura. Não treinar em abdução, para evitar o impacto. O treinamento excêntrico é essencial. Subescapular – Treinamento em rotação interna no plano da cintura. Também não deve ser treinado em abdução, para evitar o impacto. O treinamento excêntrico é essencial. Fase 3 – Recuperação funcional Para a volta do paciente às suas atividades diárias normais, pode ser necessário um treinamento específico, para que se melhore sua resistência muscular ( endurance ). O treinamento deve ser feito através da própria atividade, que deve ser executada por períodos progressivamente maiores, até que se atinja o nível necessário. Esta orientação é particularmente necessária para as atividades domésticas.
ACTA ORTOP BRAS 3(4) - OUT/DEZ, 1995
Roteiro para tratamento clínico da síndrome do impacto Fase aguda 1. Repouso articular 2. Antiinflamatórios não hormonais 3. Crioterapia 4. Terapia contra-irritativa Fase de reabilitação 1. Analgesia ultra-som/eletroterapia 2. Exercícios amplitude articular 3. Exercícios fortalecimento muscular 4. Reeducação funcional
Roteiro para tratamento reabilitação: descompressão subacromial 1ª 1. 2. 3.
semana Analgesia Ultra-som/ondas curtas/eletroterapia Recuperação amplitude articular Exercícios de reeducação muscular
2ª semana Exercícios de fortalecimento muscular Isométricos/isotônicos Carga máxima: 5% peso Duração: 6/8 semanas
Roteiro para tratamento reabilitação reparação manguito rotador 1ª semana 1. Analgesia: ultra-som 2. Recuperação amplitude articular 3. Reeducação muscular movimentação ativa 4. Exercícios isométricos 5. Evitar abdução ativa lesões extensas Duração: três semanas 4ª semana 1. Manter conduta anterior 2. Iniciar fortalecimento exercícios concêntricos 3. Reeducação muscular Duração: três semanas 7ª semana 1. Manter conduta anterior 2. Iniciar fortalecimento abdutores 3. Exercícios de fortalecimento excêntricos Duração: cinco semanas
4