Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – FAFICH Renan Monteiro Barcellos - 2016040429
Pierre Verger – Mensageiro entre Dois Mundos PIERRE Verger: Mensageiro entre dois mundos. Direção: Lula Buarque de Holanda. Brasil, 1999. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TH24WvibN74. Acesso em: 09/04/17.
O presente documentário trata dos encontros, influências e similaridades culturais encontradas principalmente entre os estados brasileiros da Bahia e do Maranhão e das tradições que vieram da região do Golfo do Benim, atual República do Benim, mas também de regiões hoje compreendidas como território da atual Nigéria. Fruto da Diáspora Negra, processo caracterizado pela vinda de milhões de africanos e africanas para as américas pelo comércio de escravos praticado pelos portugueses, essa influência cultural intercontinental procedeu de maneira muito marcante no Brasil, pelo fato de ter “recebido” um maciço contingente humano destas regiões do continente africano aos citados estados brasileiros, onde muitas manifestações de além mar se mantiveram presente seja no imaginário e na cosmovisão afrodescendente, seja nas práticas da vida cotidiana. Narrado pelo proeminente artista brasileiro Gilberto Gil, o documentário conta também com o depoimento de diversos antropólogos, historiadores, lideranças religiosas e amigos pessoais que ajudam a compor a narrativa do filme ao retratar esse fluxo cultural sob a ótica da história e dos passos de Verger. Pierre Edouard Léopold Verger foi um fotógrafo e etnólogo nascido em 1902 em Paris, na França, e que viveu boa parte de sua vida na cidade de Salvador, na Bahia,
onde veio a falecer, em 19961. Verger empreendeu diversas viagens pelos cinco continentes e realizou um importante trabalho de documentação fotográfica das manifestações culturais da vida cotidiana dos povos ao qual estabeleceu contato. Entretanto, em 1946, Verger chega à cidade de Salvador e se radica na Bahia, onde descobriu o Candomblé e suas ricas manifestações culturais de influência flagrante e forte na vida da cidade e na cultura de negras e negros, também flagrante maioria ali presente. Tendo como pano de fundo o universo das tradições espirituais e religiosas do Candomblé, o filme mostra os passos da caminhada que Pierre Verger traçou entre a tradição da Bahia e a tradição Iorubá, quando recebeu uma oportunidade de conhecer e estudar as tradições rituais e religiosas em território africano através de uma bolsa de estudos. No Brasil, pelo seu trabalho de fotografia e pelo interesse na religião afrobaiana, Verger se tornou versado nessas tradições e íntimo de lideranças importantes como Mãe Senhora, Iyalorixá de um tradicional terreiro de Salvador de nome Ilê Axé Opô Afonjá. Ao viajar ao continente africano, Verger se deparou com a grande similaridade entre as manifestações religiosas presentes tanto no berço da tradição Iorubá, em Kêtu, na República do Benim, quanto na Bahia, inclusive o culto dos Orixás, também presentes em ambos os contextos. Pierre Verger é consagrado pelas autoridades religiosas de Kêtu como babalaô, se aprofundando cada vez mais nas tradições espirituais do Candomblé, sendo rebatizado como Fatumbi, que significa “nascido de novo graças ao Ifá”. Desse processo, como bem relata o filme, Fatumbi se tornou “o mensageiro entre dois mundos” pois, fruto das diversas viagens que fez, tornou-se o mediador entre as duas tradições intercontinentais, centralizadas nas correspondências entre Mãe Senhora e as lideranças religiosas e reais iorubás. Em suma, este documentário se faz como uma importante fonte para se compreender como deste processo da diáspora negra às américas gerou, em especial no estado da Bahia, uma forte ligação entre culturas pela manutenção da tradição religiosa, mas também das artes, culinárias e modos de ser dos negros e negras que aqui chegaram. Uma importante contribuição na figura de Pierre Fatumbi Verger para se atentar e entender uma importante matriz cultural africana inegavelmente presente na identidade brasileira. 1 Disponível em: http://www.pierreverger.org/br/pierre-fatumbiverger/biografia/biografia.html. Acesso em: 09/04/17.
Atlântico Negro – Na rota dos Orixás
ATLÂNTICO Negro: Na rota dos Orixás. Direção: Renato Barbieri. Produção: Victor Leonardi. Brasil, 1998. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=5h55TyNcGiY. Acesso em: 09/04/17.
Este documentário aborda a vinda e a manutenção de padrões culturais e das principais manifestações da espiritualidade de matriz africana, que se estabeleceram no Brasil no decorrer do processo do comércio de seres humanos pelos portugueses, onde a chamada “Costa dos escravos” foi uma das principais fontes fornecedoras para essa demanda humana comercial, situada no que hoje se conhece como República do Benim, antigo reino do Daomé. O filme retrata as origens do culto aos orixás no Brasil, que tem sua origem nessa região e como fonte a matriz cultural Iorubá. Entretanto, mais ênfase é dada na relação mantida entre a tradição espiritual de culto aos Voduns, elevadas entidades espirituais de ancestrais divinizados que são cultuados na região do antigo reino do Daomé, mas também e principalmente no estado do Maranhão, no Brasil, onde essa prática espiritual se mantém viva devido ao contingente da região do Benim trazida às américas pelo tráfico negreiro. A narrativa se desenvolve no diálogo que é estabelecido entre a casa Fanti Ashanti, de São Luís, no estado do Maranhão, uma importante casa de Candomblé e Tambor de Mina, com a fonte dessa tradição em Uidá, Benim. Dialógam Avimonje-
Non, sacerdote do culto aos Voduns, de Uidá, com o babalorixá Euclides Menezes Ferreira, dirigente da casa supracitada no Maranhão. Neste diálogo, o filme consegue demonstrar como a diáspora negra através do comércio de cativos do continente africano foi um processo que gerou, além de outras coisas, a instituição de um “corredor”, uma metáfora utilizando o Oceano Atlântico como base, que manteve forte fluxo cultural que desembocou na sobrevivência e transporte do culto aos orixás e voduns ao território brasileiro, assim como também elementos de cosmovisão, estéticas artísticas, sabores e cores que influencia de maneira intensa boa parte do que compreendemos por identidade brasileira. Ainda tendo em vista a metáfora do “corredor” do atlântico negro, um dos pontos principais destacados pelo documentário é influência da cultura brasileira em manifestações e identidades formadas no continente africano, mais especificamente e novamente na região de Uidá, no Benim, demonstrando ser o Brasil não só um receptáculo cultural, mas também difusor e influenciador cultural, num processo “reverso” de influências. Os Agudá são mulheres e homens que atualmente se reconhecem como descendentes de brasileiros, ou seja, descendentes de negros e negras que retornaram ao continente africano, seja como escravos que conseguiram sua liberdade, seja como participantes diretos do comércio destes, que ao voltarem para África se encontravam numa situação identitária singular e diferenciada das culturas que ali ficaram e evoluíram. Os Agudá, portanto, são a presença viva e marcante desse grande corredor cultural chamado “Atlântico Negro” pois exemplifica de maneira substancial que os fluxos e refluxos, frutos gerados deste processo histórico, é poli direcional, tendo em vista que os descendentes de brasileiros geradores destas culturas negras híbridas na ancestralidade, se comunicam perfeitamente com as tradições já ali presentes. Entretanto, mantém singularidades culturais específicas que demonstram claramente seu caráter “estrangeiro”: na arquitetura, nos nomes, nas danças, músicas, festas, e inclusive voduns, todos vindos do Brasil. Um trabalho documental importante para melhor compreender as idas e vindas deste complexo processo histórico das culturas diaspóricas que, em contrapartida, abre horizontes para que compreendamos melhor nosso próprio situar do Brasil na história.