BARTH, Fredrik. 2000. O Guru, o Iniciador e Outras Variações
Antropológicas Antropológicas (organização de Tomke Lask). Rio de Janeiro: Conra Ca!a Li"raria. 2#$ !!.
%&iane Canarino '*+er
Professora, UFF
A publicação de uma coletânea de textos do antropólogo Fredrik Barth no Brasil em brindar!nos com uma obra instigante, cr"tica dos dogmas e pressupostos teóricos da disciplina, #ue abre noos hori$ontes para a pr%tica da pes#uisa antropológica em outros uniersos sociais e culturais reconhecidamente complexos, diferenciados e sincr&ticos como o nosso' Autor de uma produção internacionalmente consagrada, Barth tem sido lido e diulgado no Brasil, basicamente, atra&s da ()ntrodução( ao liro Grupos Étnicos e suas Fronteiras, Fronteiras, contribuição inestim%el aos pes#uisadores #ue trabalham com sociedades ind"genas e outros grupos &tnicos e minorias' Principalmente, nos casos em #ue a fraca diferenciação cultural desses grupos, imersos em uma estrutura de interação com outros subgrupos de fortes marcadores regionais *como no +ordeste, des#ualifica, do ponto de ista do obserador externo, as identidades &tnicas assumidas como ind"genas ou comunidades co munidades de afro!descendentes #ue reiindicam do -stado brasileiro, na atualidade, o reconhecimento do território #ue ocupam e de um status &tnico status &tnico distinto, de acordo com determinados preceitos constitucionais' .esse modo, a problem%tica da definição de um grupo &tnico, de acordo com as reflex/es de Barth, tem sido largamente empregada pelos antropólogos #ue estão enolidos com
a elaboração de laudos periciais nesse contexto de aplicação dos direitos constitucionais' A edição em portugu0s dessa coletânea permite, igualmente, sua diulgação para um p1blico mais amplo, de estudantes e de especialistas #ue atuam em outras %reas do saber em suas interfaces com a antropologia, como o campo disciplinar do direito' Para os antropólogos profissionais, o t"tulo do liro fa$ 2us a seu autor, mesmo #ue guru e iniciador tenham sido termos originalmente empregados por Barth no contexto de uma reflexão comparatia entre duas grandes regi/es etnogr%ficas, o 3udeste da 4sia e a 5elan&sia, sobre as (noç/es de uma sociologia do conhecimento #ue a2udam a esclarecer o modo pelo #ual as id&ias são moldadas pelo meio social em #ue se desenolem( *6789' As categorias natias de guru einiciador são usadas, respectiamente, para indicar formas distintas de compartilhar id&ias e tradiç/es de conhecimento, atra&s da falação ou do ocultamento, e podem ser pensadas como e#uialentes ao papel assumido por Barth no campo do saber antropológico de (enfrentar noos desafios teóricos( *6:;< e participar do debate a partir do material etnogr%fico coligido nas suas pes#uisas em diferentes regi/es, como a 4sia, =ceania e parte da 4frica, #ue seriram igualmente de ancoragem >s teorias e aos grandes temas da disciplina' +os estudos sobre grupos &tnicos no Brasil, inclusie nas condiç/es de produção do laudo antropológico, priilegiar o trabalho de campo tem permitido romper, a partir da inestigação dos fatos emp"ricos, ao se lear em conta os argumentos e conceitos comuns propostos por Barth, com a (premissa do racioc"nio antropológico de #ue a ariação cultural & descont"nua( *6:?' @ poss"el, igualmente, abandonar a (isão simplista de #ue os isolamentos social e geogr%fico foram os fatores cruciais para a manutenção da diersidade cultural( *6:' +a concepção do autor não se dee
(considerar como caracter"stica prim%ria dos grupos &tnicos seu aspecto de unidades portadoras de cultura( *6:' Para Barth, (ao se enfocar a#uilo #ue & socialmente efetio, os grupos &tnicos passam a ser istos como uma forma de organi$ação social( *697' +esse caso, (a caracter"stica cr"tica( na definição desses grupos passa a ser a atribuição de uma identidade ou (categoria &tnica( *69: determinada por uma origem comum presumida e destinos compartilhados' A organi$adora da coletânea, Comke Dask, na apresentação do liro *6s tomadas de posição de Barth, ao seu empenho pessoal (em promoer o papel do antropólogo na ida p1blica( *67?' 3ugere ainda #ue isso se aplicaria ao papel #ue os antropólogos no Brasil t0m assumido em relação ao reconhecimento dos direitos ind"genas como grupos &tnicos diferenciados' Pode!se considerar igualmente ilustratio, no contexto desta resenha, pensar as implicaç/es teóricas e metodológicas do pensamento de Barth #uando aplicado ao reconhecimento dos direitos constitucionais de outra minoria &tnica, os chamados (remanescentes de #uilombos(, termo de origem 2ur"dica #ue a princ"pio parece mais afeito >s definiç/es historiogr%ficas e comproaç/es ar#ueológicas' Afinal, at& recentemente, o termo quilombo era de uso #uase restrito a historiadores e demais especialistas #ue, atra&s de documentação dispon"el ou in&dita, procuraam construir noas abordagens e interpretaç/es sobre o nosso passado como nação' A partir da Eonstituição de 7,quilombo ad#uire uma significação atuali$ada, ao conferir direitos constitucionais aosremanescentes de quilombos #ue, segundo o texto constitucional, este2am ocupando suas terras' Eomo não se trata de uma expressão erbal #ue denomine indi"duos, grupos ou populaç/es no contexto atual, seu emprego na Eonstituição leanta uma #uestão de fundo6 #uem são os chamados remanescentes de quilombos #ue t0m seus direitos atribu"dos pelo dispositio legalG
Pode parecer paradoxal #ue os antropólogos, 2ustamente eles #ue marcaram suas distâncias e rupturas com a historiografia ao definirem seu campo de estudos por um corte sincrHnico no (presente etnogr%fico(, tenham sido colocados no epicentro dos debates sobre a conceituação de #uilombo e a identificação da#ueles #ualificados como remanescentes de quilombos para fins de aplicação do preceito constitucional' Acontece, por&m, #ue o texto constitucional não eoca apenas uma (identidade histórica( #ue pode ser assumida e acionada na forma da lei' @ preciso, sobretudo, #ue esses su2eitos históricos presum"eis existam no presente' = fato de o pressuposto legal estar referido a um con2unto poss"el de indi"duos ou atores sociais organi$ados segundo sua situação atual, permite conceitu%!los, segundo a teoria antropológica mais recente, como grupos &tnicos #ue existem ou persistem ao longo da história como um (tipo organi$acional(, atra&s de processos de exclusão e inclusão #ue permitem definir os limites entre os considerados de dentro e os de fora' A persist0ncia dos limites entre os grupos deixa de ser colocada por Barth em termos dos conte1dos culturais #ue encerram e definem suas diferenças' +o cap"tulo (Irupos @tnicos e suas Fronteiras( *6:?! <, o problema da contrastiidade cultural passa a não depender mais de um obserador externo, #ue contabili$e as diferenças ditas ob2etias, mas unicamente dos (sinais diacr"ticos(, isto &, as diferenças #ue os próprios atores consideram como significatias' -mbora as diferenças possam mudar, permanece a dicotomia entre (eles( e (nós(, marcada pelos seus crit&rios de pertencimento' Barth enfati$a (#ue grupos &tnicos são categorias atributias e identificadoras empregadas pelos próprios atoresJ conse#Kentemente, t0m como caracter"stica organi$ar as interaç/es entre as pessoas( *6:<'
A centralidade dos conceitos de grupo &tnico e de etnicidade na leitura da obra de Barth, não esgota a noidade de suas contribuiç/es, #ue possibilitam desnaturali$ar o mundo social, mas tamb&m os instrumentos do fa$er antropológico' @ o #ue ocorre com as concepç/es antropológicas conencionais de cultura' +o cap"tulo inicial do liro, emos #ue os pressupostos impl"citos no uso desse conceito são transgredidos na relação de não!correspond0ncia estabelecida por Barth entre os limites sociais das unidades &tnicas e o compartilhamento de uma cultura comum, #ue deixa de ser considerada uma caracter"stica prim%ria e definitia na organi$ação de um grupo' A necessidade para a antropologia de (remodelar suas afirmaç/es( & explicitamente colocada no cap"tulo (A An%lise da Eultura nas 3ociedades Eomplexas( *67; nossa olta, deemos confrontar o #ue & problem%tico e reali$ar a (tradicional tarefa naturalista da antropologia de constituir uma cuidadosa e
meticulosa descrição de uma ampla gama de dados( *6778' A isão da cultura como fluxo e correntes simultâneas de tradições culturais*67:9 defendida por Barth, não recoloca a #uestão das culturas (feitas de retalhos e remendos( do difusionismo' = #ue importa nesse argumento são as interpretações e os es#uemas de significação #ue só podem ser entendidos corretamente #uando relacionados (ao contexto, > pr%xis e > intenção comunicatia( *6797' Ao $igue$aguear entre as seç/es do liro, sem obedecer > ordem de sua exposição, seguimos outra possibilidade de leitura, sugerida pela própria reunião dos textos na coletânea, #ue não pedem para ser compreendidos atra&s de uma disposição linear do menos ao mais inclusio' Crata!se, ao contr%rio, de diferentes e ariados planos de temas e #uest/es #ue se entrecru$am na interseção dos seus argumentos e reflex/es cr"ticas' As possibilidades criatias e os usos inoadores de Barth podem ainda romper fronteiras entre disciplinas e tradiç/es de conhecimento' +o posf%cio *6:9!:89, escrito pelo cientista pol"tico 5arco 5artiniello, a #uestão da etnicidade como problema social a ser enfrentado na atualidade, ao reerter a crença de #ue raça e etnicidade desapareceriam no contexto da moderni$ação e pós!colonialismo, conida os cientistas pol"ticos a colocar a obra de Barth na agenda de sua disciplina' =utras fronteiras internas > antropologia, #ue separam o conhecimento produ$ido de outras formas de saberes aplicados, t0m sido rompidas atra&s da problem%tica proposta por Barth O no Brasil, mediante a noção de uma antropologia da ação em #ue, diferentemente da chamada (antropologia aplicada(, menos comprometida com as populaç/es >s #uais se refere, o antropólogo não perde sua base acad0mica, como portador de sólida formação na disciplina, aaliado e reconhecido pelos seus pares da comunidade cient"fica'
-m entreista publicada na coletânea *6:;7!::, Barth concorda #ue (façamos uso de nossos insights para agir no mundo e transform%!lo( *6:7, mas aderte #ue (deemos deixar de enfati$ar tanto a etnicidade, pois ela pode representar apenas um pe#ueno setor da herança cultural de uma pessoa( *6:7<' Por outro lado, (participamos de outras comunidades de cultura #ue não podem ser descritas como &tnicas( *6:7<' 3obre a politi$ação desmedida das identidades &tnicas, Barth critica os chamados (empreendedores &tnicos(, pois (eles utili$am de maneira inade#uada uma id&ia excessiamente unidimensional de cultura e de identidade adogando!a para seus próprios fins pol"ticos( *6:7'