Editora Letras & Letras, 2000
SUMÁRIO
Equipe de Realização Editor: Carlos José Linardi Supervisão Gráfica: Waldenes Ferreira Japyassú Filho Assistente Editorial: Carlos Alberto Carmignani Linardi Revisão: Antonio Orzari - Peppino D’Ardis Capa: Peppino D’Ardis
Ficha Catalográfica Japiassu, Hilton Nem Tudo é Relativo A Questão da Verdade — São Paulo: Editora Letras & Letras, 2000
Intr Introd oduç ução ão .... ...... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .... 1. A onda onda relati relativis vista ta ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ..... .. 2. O rela relatitivis vismo mo em quest questão ão .... ...... .... .... .... .... .... .... .... .... .... .. 3. A questã questãoo da verd verdade ade ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ... 4. Notas Notas ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ..... Conclus Conclusões ões ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ... 5. Apêndice: Apêndice: Como Como alguns alguns filósofos filósofos conceconceberam beram a verdad verdadee ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ..... 6. Bibliog Bibliograf rafia ia Básica..... Básica........ ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...
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Bibliografia ISBN 85-85387-95-5 1. Filosofia
Letras & Letras Atendimento ao Consumidor: Av. Ceci, 1945 – Planalto Paulista Fone: (0xx11) 577-5746/5581-2183 – Fax: (0xx11) 5594-2111 e-mail:
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INTRODUÇÃO Um dos sintomas da crise intelectual de nosso mundo reside no fato de não pôr-se explícita e luci damente em questão. De um modo geral, os grandes desafios ficam fora de todo fim racional ou razoavelmente discutível. Nessas condições, torna-se um lugar comum se dizer que a atividade do intelectual consiste num trabalho crítico, na medida em que deve quebrar todas as evidências, denunciar tudo o que parece impor-se impor-se como “normal” “normal” ou “natural” e não pode renunciar ao saber sem abandonar o que faz dele um ser livre e autônomo. Diante da incapacidade da sociedade contemporânea de criar novas significações sociais e de pôr-se a si mesma em questão e suas próprias instituições, compete ao filósofo, além de impedir que a questão da liberdade se subordine à do progresso das ciências, tentar criar novos pontos de vista e novas idéias, mesmo a partir de questões bastante antigas, mas ainda atuais e desafiadoras, como a que opõe verdade e relativismo. Historicamente, foi foi assim. Mas uma precisão se impõe. No momento do nascimento da filosofia (na Grécia), é verdade que os primeiros filósofos questionaram as representações coletivas estabelecidas, criticaram as idéias sobre o mundo, sobre os deuses e o bom funcionamento da Cidade (Pólis ). ). Mas logo esta atividade crítica sofre uma degenerescência. A maioria dos pensadores trai seu papel crítico. Muitos se convertem em racionalizadores do que é (do status quo ), ), em justificadores da ordem estabelecida. O exemplo mais eloqüente é o de Hegel, proclamando que “tudo o que é racional é real” e que “tudo o que real é racional”. Ao surgir, a 4
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1. A ONDA RELATIVISTA
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Por “onda relativista”, entendemos todo este modo de pensamento segundo o qual as teorias científicas nada mais são que construções repousando em pressupostos arbitrários arbitrários e constituindo um modo de conhecimento tributário das paixões sociais ou de convicções religiosas. Não há nenhuma lógica capaz de impor-se como absoluto de referência. referên cia. Não somente na ordem do conhecimento, conhecimento , mas nos domínios religioso, moral ou político, tudo o que é proposto como “verdade universal” ou norma geral deve ser considerado como dogmático, autoritário e contrário à tolerância e ao pluralismo. Identificados como pensadores “pós-modernos”, pois pretendem questionar, não somente as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, mas a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, os megarrelatos ou os fundamentos definitivos de explicação, os relativistas atuais formam um movimento “radical” negando a unidade (isto é, a universalidade) da verdade, da razão, da realidade e da ciência. A ciência não pode mais ser entendida como um conhecimento universalmente válido sobre o mundo natural, mas como um construto particular ou “étnico” da sociedade ocidental. Para esse construtivismo social, todas as crenças são igualmente justificadas pelo consenso da comunidade, não havendo nenhuma verdade objetiva sobre o mundo real ou capaz de transcender o contexto social local. Como não existe a verdade correspondendo a uma realidade independente da mente, as alegações de conhecimento devem ser explicadas “simetricamente”, qualquer que seja sua verdade ou falsidade. 22
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o pensamento só só pode existir na discursividade? E por que só é legítimo o uso da razão recorrendo a tal discursividade? Ora, se admitimos que pensar é levantar a questão, para o sujeito, do sentido , não temos o direito de reduzir o pensamento ao cálculo lógico, pois ultrapassa, de muito, o jogo dos conceitos. Ao lembrar-nos que o símbolo nos leva a pensar mais que a razão discursiva, porque não obedece à ordem discursiva, o filósofo Paul Ricoeur (Le Conflit des Interprétations , Seuil, 1969) nos mostra, não somente por razões conceituais, mas éticas e humanas, que não podemos identificar Pensamento e Razão discursiva. Porque não podem ser considerados seres pensantes apenas os que sabem se expressar segundo os cânones da lógica discursiva. Se a quase totalidade da espécie humana não pensa, pois não reduz o pensamento à razão e ao conhecimento, “os homens seriam irresponsáveis por seus atos, e Eichmann não seria culpado” (H. Arendt). A diversidade dos saberes e das culturas não nos obriga a aceitar globalmente as teses relativistas. Mas como possuem, pelo menos um valor de antídoto contra toda espécie de dogmatismo racionalista, talvez possamos sublimá-las a fim de que possam colaborar para se produzir, produzir, sem impostura, violência ou imperialismo, uma Ciência com vocação universal, sem dúvida, mas suscetível de responder às exigência de uma Razão aberta. Porque, numa sociedade concorrencial, competitiva e agressiva como a nossa, precisamos estar conscientes de que a Ciência, ao invés de impor-se como combate , deveria apresentar-se como diálogo . Desde sua origem, entre os gregos, a racionalidade surge como comu- nicação : raciocinar significa “dar razão”, levar em conta e reconhecer a alteridade, a posição do interlocutor. O Logos surgiu na praça pública, nos de76
bates da agorá . Foi aí que rompeu com os mistérios da palavra revelada e dos mitos, desalojando as autoridades tradicionais dos porta-vozes celestes. Contra os segredos dos saberes ancestrais, reivindicou a publicidade e a transparência dos argumentos. Contra o mundo fechado das certezas e da obediência incondicional, contrapôs o mundo aberto das questões e da liberdade. Por isso, desde sua origem, a Razão foi democrática. E a Ciência, sua legítima herdeira, precisa afirmar-se abrindo-se ao confronto e ao afrontamento, fazendo do espaço em que exerce sua atividade, o espaço mesmo da discussão e da tolerância.
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2. O REL R ELATIVIS ATIVIS MO EM QUESTÃO De tudo o que vimos até agora, podemos dizer que, de um modo geral, são consideradas relativistas as teses ou tomadas de posição defendendo que os homens vivem em mundos e culturas bastante diferenciados para que seja possível qualquer definição de normas universais ou universalizáveis do verdadeiro e do justo. Porque os próprios critérios de verdade e justiça também variam variam no tempo e no espaço, não sendo suscetíveis de nenhuma transcendência. Assim resumido, o relativismo esbarra com uma série de dificuldades, não somente fatuais e pragmáticas, mas lógicas e teóricas. teóri cas. Em todo caso, um de seus méritos consiste em permitir-nos romper com o velho racionalismo que, por não perceber a historicidade da Razão, fez dela um absoluto sobre o modelo do tempo e do espaço absolutos da física clássica. O grande defeito do universalismo racionalista consiste em ter pretendido falar do ponto de vista universal, mas confundindo-o com o ponto de vista particular do observador ocidental reduzindo a Razão ao racionalismo e a Ciência ao cientificismo. Mas não podemos relativizar a Razão sem, ao mesmo tempo, racionalizar a relatividade. A partir dos anos 1980, a questão do relativismo é posta de outro modo e ganha outros interlocutores. As discussões propriamente epistemológicas sobre a verdade mudam de rumo com a introdução, na reflexão filosófica, dos dados e resultados analisados pela antropologia filosófica, pela psicologia experimental de cunho behaviorista e pela epistemologia de tipo lógico. Entre as teorias filosóficas da verdade 78
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fornecer à vida humana as bases sem as quais ela perde sentido? Segundo o slogan sempre repetido, sem Deus, não seria tudo permitido? O grande preconceito levando os relativistas a recusarem todo universal consiste em identificá-lo a uma idéia congelada, fria e inflexível, ignorante da rica diversidade dos valores culturais e, por conseguinte, destruidora da humanidade concreta em nome de uma humanidade ideal. Na arena internacional, essa desvalorização se manifesta pela crítica cultural dos direitos do homem: jamais encontramos essa abstração que é o Homem, dizem. O que implica esse abandono do universal? Entre outras coisas, consagra as tradições culturais, tais como são, tais como servem de álibis a projetos perversos, a vontades de poder, a estruturas de opressão veladas e desprezíveis para o homem. Ademais, consagra a tese da comunicação impossível entre homens de culturas diversas. Sem esse pressuposto segundo o qual os homens podem se intercomunicar, não há vida humana comum possível. Aliás, deixa de haver humanidade. Portanto, longe de constituir uma abstração rígida ou de fazer corpo com uma “concepção do homem” inteiramente formada, a idéia de universal precisa ser entendida, antes de tudo, como essa pressuposição segundo a qual os homens pressentem que, apesar de todas as suas diferenças, diferenças , podem e devem ser comunicar. De um modo mais preciso, trata-se de uma idéia devendo ser entendida como uma tarefa, portanto, como um dever que os indi víduos assumem de se compreenderem uns aos outros. Antes de ser um conteúdo ou uma norma, antes de ser um juízo sobre a humanidade em si e para si, essa idéia de universal constitui este a priori segundo o qual o outro não me é tão estranho ou que eu não lhe sou tão estranho. Numa palavra, pala vra, que, entre nós, a comunicação é possível. (20a) 124