MERCOSUL: A DIMENSÃO ECONÔMICO-COMERCIAL
KASSIUS DINIZ DA SILVA PONTES
2009
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Kassius Diniz da Silva Pontes, diplomata, é Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília e Mestre em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco. Trabalhou na Divisão do Mercosul do Ministério das Relações Exteriores entre 2005 e 2009. Atualmente é diplomata da Missão do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU).
As opiniões emitidas no presente livro são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião do governo brasileiro.
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SUMÁRIO
Lista de abreviaturas e siglas
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Apresentação
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1) Mercosul: conceito e história
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1.1 Conceitos básicos
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1.2 O Mercosul no contexto dos acordos comerciais multilaterais
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1.3 Primeiras experiências de integração na América do Sul: ALALC e ALADI
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1.4 Antecedentes imediatos do Mercosul
21
1.5 Fases do Mercosul
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1.6 O “velho” e o “novo” regionalismo
29
1.7 Estrutura institucional do Mercosul
32
1.7 O papel da CAMEX
39
2) A Tarifa Externa Comum
41
2.1 O processo de liberalização comercial entre os Estados Partes. Evolução do
41
comércio intrazona 2.2 A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)
47
2.3 Estrutura da TEC
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2.4 Exceções ao comércio intrazona
56
a) O Regime de adequação final à união aduaneira
56
b) O setor automotivo
57
c) O setor açucareiro
59
2.5 Exceções à TEC a) Bens de Capital (BKs) e Bens de Informática e Telecomunicações (BITs)
61 62
a.1) A política brasileira de “Ex-tarifários”
63
a.2) O debate sobre regimes comuns para BKs e BITs
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b) As Listas Nacionais de Exceções à TEC
67
4
2.6 Os Regimes Especiais de Importação
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2.7 O grau de cumprimento da TEC
72
2.8 Áreas Aduaneiras Especiais
76
2.9 Administração da TEC
78
2.10 Medidas Excepcionais no âmbito tarifário
80
2.11 O processo de eliminação da dupla cobrança da TEC
84
3) O Regime de Origem do Mercosul
90
4) A Comissão de Comércio do Mercosul
95
4.1 Os Comitês Técnicos
95
4.2 O Mecanismo de Consultas
99
4.3 O Procedimento Geral para Reclamações perante a Comissão de Comércio do 101 Mercosul 4.4 O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul
5) Defesa Comercial e da Concorrência
104
113
5.1 Defesa Comercial Extrazona
113
5.2 Defesa Comercial Intrazona
118
5.3 Defesa da Concorrência
124
6) Investimentos e Serviços
128
6.1 Investimentos
128
6.2 Serviços
130
7) Outros temas relevantes da agenda do Mercosul 7.1 Tratamento de assimetrias
135 135
7.1.1 Ações pontuais
137
7.2.2 Ações estruturais: FOCEM
139
7.2 Coordenação de políticas macroeconômicas
141
7.3 Compras governamentais
146
7.4 Relacionamento Externo do Mercosul
149
7.5 A adesão da Venezuela ao Mercosul
155
5
Perspectivas para o futuro próximo
158
Bibliografia
162
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACE – Acordo de Complementação Econômica ALADI – Associação Latino-Americana de Integração ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio CAMEX – Câmara de Comércio Exterior CCM – Comissão de Comércio do Mercosul CDC - Comitê de Defesa da Concorrência CDCS - Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas CMC – Conselho do Mercado Comum CT – Comitê Técnico FOCEM - Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio GMC – Grupo Mercado Comum MAC – Mecanismo de Adaptação Competitiva MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul OMC – Organização Mundial do Comércio PARLASUL – Parlamento do Mercosul PCP – Protocolo de Compras Governamentais PDC – Protocolo de Defesa da Concorrência PICE - Programa de Integração e Cooperação Econômica POP – Protocolo de Ouro Preto SAT – Setor de Assessoria Técnica SGT – Subgrupo de Trabalho SM – Secretaria do Mercosul STF – Supremo Tribunal Federal TEC – Tarifa Externa Comum TPR – Tribunal Permanente de Revisão ZFM – Zona Franca de Manaus ZLC – Zona de Livre Comércio
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APRESENTAÇÃO
A presente obra tem o objetivo de oferecer ao leitor, de maneira introdutória e panorâmica, os principais conceitos relacionados à dimensão econômico-comercial do Mercosul. O trabalho gira em torno de três eixos básicos. O primeiro deles é históricoconceitual, voltado para a apresentação dos objetivos e da importância do bloco, de seus antecedentes e de sua relação com o sistema multilateral de comércio. Em seguida discorreremos sobre a Tarifa Externa Comum (TEC), elemento caracterizador da união aduaneira. O terceiro eixo é temático e direcionado para o debate sobre temas específicos, tais como defesa comercial e da concorrência, investimentos, serviços, tratamento de assimetrias e coordenação de políticas macroeconômicas. O primeiro segmento se justifica pela necessidade de interpretarmos o projeto de integração à luz de seus objetivos iniciais e da própria história da região. Como veremos, o Mercosul teve, desde sua gênese, um forte conteúdo político. Isso pode explicar as ambiciosas metas estabelecidas em seu tratado fundacional, as quais não puderam ser atingidas nos prazos estipulados. É necessário salientar, porém, que, a despeito das dificuldades, o bloco também teve êxitos no campo econômicocomercial, especialmente no que diz respeito ao incremento dos fluxos de comércio. Ainda na primeira parte do trabalho, recuperaremos de maneira breve as experiências anteriores de integração no continente – ALALC e ALADI – e como elas prepararam o terreno para a posterior conformação do Mercosul. Nenhuma exposição dos aspectos econômicos e comerciais do Mercosul pode dispensar uma análise mais detida da TEC e da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), objeto da segunda parte do presente trabalho. A TEC é, paradoxalmente, a principal virtude e a mais problemática ferramenta do bloco. Sua virtude é atestar o compromisso dos Estados Partes em levar adiante um processo de integração profunda, em que, por terem a mesma alíquota para o imposto de importação, os países da região terão necessariamente de articular posições comuns em suas
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relações comerciais com terceiros. Por outro lado, são conhecidas as dificuldades existentes na administração da TEC, dadas as discrepâncias entre as estruturas produtivas de cada um dos sócios. Por essa razão, a TEC é, ainda hoje, um “processo” negociador permanente, dotada de diversas exceções (“perfurações”) e principal alvo dos críticos da integração. Nesta segunda parte da obra analisaremos a estrutura, o funcionamento e as exceções à TEC, cuja relativa complexidade nos faz lembrar as complicações envolvidas em sua negociação, haja vista a já referida diversidade de interesses entre os Estados Partes: alguns mais, outros menos protecionistas. Além disso, trataremos do regime de origem do Mercosul e do trabalho desenvolvido por um dos órgãos decisórios da estrutura institucional do bloco, a Comissão de Comércio (CCM), bem como de seus foros subordinados. É no âmbito da CCM que tem lugar o trabalho técnico de aperfeiçoamento das condições para o livre comércio entre os Estados Partes. Compete a ela, ademais, dar encaminhamento, especialmente por meio de um sistema de consultas, aos problemas pontuais nas relações comerciais entre os países do bloco, bem como administrar e atualizar a NCM e a TEC, promovendo ajustes permanentes ou temporários em suas alíquotas. Tendo como pano de fundo a história do bloco e o estágio atual da união aduaneira, apresentaremos em seguida, de maneira genérica, alguns dos temas fundamentais da agenda do Mercosul. A harmonização de políticas em diversos setores é um dos pressupostos para a constituição do mercado comum. Os Estados Partes têm avançado pouco nesse terreno, ao menos no que tange aos temas fundamentais para a consecução dos objetivos traçados no Tratado de Assunção. Os esforços de constituição de sistemas comuns de defesa comercial e da concorrência, para a adoção de um marco jurídico comunitário de promoção e proteção de investimentos, para a liberalização do comércio de serviços e para a coordenação de políticas macroeconômicas não evoluíram de maneira satisfatória, dando corpo à chamada “agenda não cumprida” do Mercosul. Em outras questões, como o tratamento de assimetrias, houve alguns avanços concretos, o mais notável dos quais
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a criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), experiência que revela o compromisso político dos Estados Partes mais desenvolvidos com a redução das disparidades econômicas e sociais na região. Esperamos que, ao final da obra, o leitor possa ter em mente não apenas quais são os obstáculos para o alcance dos objetivos enunciados no Tratado de Assunção, mas também alguns dos benefícios trazidos pelo processo de integração a seus Estados Partes. Aqui cabe um parêntese: o Mercosul extrapolou, há muito, a dimensão estritamente mercantil, irradiando seus efeitos para diferentes áreas. As iniciativas no campo social – saúde, educação, trabalho, cultura, turismo, justiça, imigração, dentre outras – são muitas vezes mais palpáveis aos cidadãos do que os resultados de um aumento das trocas comerciais. Tendo isso em vista, é fundamental reiterar que a pretensão deste trabalho é mais modesta, restringindo-se, como explicado anteriormente, apenas às questões mais prementes da união aduaneira. Por sua história e seus resultados, não seria possível sintetizar de maneira eficaz, nos limites estabelecidos para esta obra, as múltiplas e diferentes facetas do Mercosul.
O autor Brasília, maio de 2009
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CAPÍTULO 1 – Conceito e história do Mercosul 1.1)
Conceitos básicos O Mercado Comum do Sul (Mercosul1) é uma iniciativa de integração
econômica regional que envolveu inicialmente Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e cujo marco jurídico fundamental é o Tratado de Assunção, celebrado em 1991. Como veremos mais adiante, a gênese do bloco remonta a meados dos anos 80, com o início do processo de aproximação entre Argentina e Brasil. No entanto, é apenas no início da década de 90, num contexto histórico particular, que ganham fôlego e acabam por se concretizar as iniciativas de criação de um espaço econômico comum no Cone Sul. O termo “integração” designa, de maneira genérica, a supressão de restrições ao comércio entre os Estados Partes. Diferencia-se, nesse aspecto, de medidas mais simples de cooperação econômica - como a simples concessão de reduções tarifárias ou a adoção de medidas tendentes a reduzir a burocracia nas transações comerciais que envolvem geralmente uma diminuição de barreiras, mas não sua efetiva eliminação. O desejo político de integrar-se denota, por conseguinte, uma vinculação mais robusta entre os países envolvidos, gerando uma interdependência entre suas economias e, conseqüentemente, uma diminuição de sua capacidade de ditar, unilateralmente, medidas de natureza econômico-comercial. Fica evidente, assim, que o envolvimento em projetos de integração implica, em maior ou menor grau, uma perda de autonomia. Estar disposto a ceder parcelas dessa autonomia em troca de benefícios políticos e econômicos é pressuposto necessário para o sucesso de qualquer iniciativa de construção de um bloco comercial. O Mercosul tem como objetivo fundamental a constituição de um mercado comum entre seus integrantes. Trata-se de uma forma bastante avançada de 1
Optamos pela utilização da grafia Mercosul, em letras minúsculas, em lugar da sigla MERCOSUL, a mais correta do ponto de vista formal, por entender que a popularização do termo permite sua utilização como se fosse um substantivo.
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integração, superada apenas por aquelas que prevêem uma a formação de uma união econômica plena, com a adoção de uma moeda comum. Conforme a tipologia clássica sobre a matéria, elaborada por Bela Balassa no início da década de 602, seriam basicamente quatro os estágios de integração econômica, classificados de acordo com o seu grau de aprofundamento:
a) Zona de Livre Comércio (ZLC): numa ZLC temos a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias para os produtos originários dos países que participam do processo de integração. Cada membro preserva, no entanto, sua autonomia para ditar a política comercial com relação a terceiros mercados. Não há, portanto, uma tarifa comum entre os países do bloco. Um exemplo atual de ZLC é o NAFTA, iniciativa que envolve os Estados Unidos, Canadá e México. b) União Aduaneira: numa união aduaneira temos, além do livre comércio, uma política comercial comum em face de terceiros países ou blocos. Desse modo, o que a diferencia de uma ZLC é sobretudo a existência de uma Tarifa Externa Comum (TEC), além da harmonização normativa e coordenação de políticas em diversos setores. c) Mercado Comum: o Mercado Comum, além do livre comércio e da existência de uma tarifa comum, contempla também a livre circulação de pessoas, serviços e capitais. Isto é, temos aqui a livre circulação dos chamados “fatores produtivos”. d) União Econômica: A União Econômica exige uma coordenação das políticas econômicas dos países integrantes e substituição de certas políticas econômicas nacionais por políticas comuns. e) Integração Econômica Total: É possível que os arranjos de integração evoluam para uma união monetária, ocasião em os países adotam uma mesma moeda (como no caso do Euro). Essa unificação das políticas
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Balassa, Bela. Teoria da Integração Econômica. 2ª edição. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1972, p. 13.
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monetárias e fiscais requer a constituição de uma autoridade supranacional (um Banco Central comunitário, por exemplo).
A tabela a seguir apresenta, de maneira esquemática e simplificada (e, portanto, com algum grau de imprecisão), a classificação desenvolvida por Balassa:
Etapas de integração econômica segundo Bela Balassa (1961) Ausência de Tarifa
Livre
Harmonizaçã Unificação
tarifas
ou Externa
circulação
o de políticas de políticas
quotas
Comum
de fatores
econômicas
e instituições econômicas
Área
de X
livre comércio União Aduaneira
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Mercado Comum União econômica Integração econômica
X
total Fonte: Coutinho, M., Hoffmann, A.R. et Kfuri, R. “Raio X da Integração Regional”. In: Estudos e Cenários, OPSA/IUPERJ, maio de 2007, p. 17. Elaborada a partir do estudo de Joseph Nye, “Comparing Common Markets: a revised neofuncionalist model”, In: International Organizations, 24:4, 1970, p. 860.
As definições de Balassa, embora dotadas de caráter ilustrativo, padecem de falhas em razão de seu esquematismo. É o caso, por exemplo, do mercado comum:
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conquanto se diga que sua constituição não depende, a priori, da coordenação de políticas macroeconômicas, o fato é que a ausência dessa coordenação pode vir a oferecer sérios obstáculos para a consecução dos objetivos do processo de integração3. A experiência concreta indica que um determinado projeto pode mesclar diferentes (ou incluir novos) elementos de cada uma das etapas, motivo pelo qual a classificação é positiva do ponto de vista didático e ilustrativo, mas não correspondente a um retrato exato da realidade. Os objetivos fundamentais do Mercosul estão estabelecidos no artigo 1° do Tratado de Assunção. Esse dispositivo, exemplo claro da elevada ambição que movia os países que o negociaram, consagra a vontade dos Estados Partes de constituírem um mercado comum em pouco mais de três anos (até 31 de dezembro de 1994). O mercado comum, na linha da definição acima apresentada, contemplaria a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, por meio da supressão de direitos alfandegários e outras restrições de natureza não-tarifária. Além disso, o documento fundador do Mercosul previu o estabelecimento da TEC, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais (ação que só se faria necessária, segundo a tipologia de Balassa, numa união econômica) e o “compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração”. Quase duas décadas após o estabelecimento do bloco, os países do Mercosul não lograram, ainda, conformar um mercado comum. Embora tenha havido a adoção da TEC e a eliminação de boa parte dos direitos alfandegários e de diversas barreiras não-tarifárias, alguns dos objetivos enunciados no Tratado de Assunção, como a livre
circulação
de
fatores
produtivos
e
a
coordenação
de
políticas
macroeconômicas, ainda não puderam ser atingidos. De todo modo, em 1995 o bloco tornou-se formalmente uma união aduaneira, já que nesse ano entrou a vigência a TEC para seus quatro membros fundadores. Tendo em conta a existência das chamadas “perfurações” da TEC, que examinaremos em ponto específico, é comum a utilização da expressão “união aduaneira imperfeita” para designar o 3
Cf. Conzendey, Carlos M. Mercosul: União Aduaneira ?. Tese apresentada ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2005, p. 51.
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bloco: embora já estabelecida, a tarifa comum não chega a ser aplicada para todo o universo de mercadorias, em virtude da existência de exceções transitórias. A leitura do Tratado de Assunção e uma avaliação do contexto histórico em que foi produzido revelam que inicialmente o Mercosul se apresentou precipuamente como um projeto de natureza econômica e comercial. Seu propósito era o de estimular o comércio entre os Estados Partes e colaborar para sua melhor inserção na economia mundial. No entanto, o processo de integração regional acabou tendo grande impacto nos campos político e social, propiciando a coordenação de políticas em diversos setores: saúde, educação, trabalho, imigração, justiça, energia, meio ambiente, agricultura familiar e outros. No plano institucional houve, ao final de 2006, a instalação do Parlamento do Mercosul (Parlasul), o qual, embora sem competências legislativas (suas funções são consultivas e de acompanhamento das diferentes instâncias do bloco), contribui para o reforço da transparência e da visibilidade do processo de integração. Uma avaliação mais precisa dos resultados do processo de integração demanda, portanto, a consideração dessa multidimensionalidade, embora o foco do presente trabalho seja, como já assinalado, apenas os aspectos de ordem econômicocomercial. Uma correta aferição dos benefícios trazidos pelo Mercosul deve ter em perspectiva, não obstante, a irradiação do projeto de integração para os mais diferentes setores, bem como sua progressiva apropriação por diversos atores sociais, o que contribuirá, direta ou indiretamente, para aproximar as populações e, naturalmente, estimular o alcance do objetivo central de se estabelecer um espaço econômico comum entre os países-membros.
1.2) O Mercosul no contexto dos acordos comerciais multilaterais
Uma melhor compreensão das características e do contexto histórico em que surgiu o Mercosul exige, antes, uma apresentação sumária e introdutória da evolução e de alguns conceitos fundamentais de comércio internacional.
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O pós-Segunda Guerra Mundial é o momento que se revitalizam as ambições de uma maior liberalização, no plano multilateral, das trocas comerciais. Essa pretensão havia sido deixada de lado por nacionalismos de diversos tipos que ganharam terreno especialmente nos anos 30, mas cujo início remonta ao início da primeira Grande Guerra. Já no pós-45 o comércio internacional foi tomado como um dos mais importantes instrumentos na promoção de maior cooperação entre as nações, o que conduziu ao lançamento e à assinatura, em 1947, do Acordo Geral de Tarifas e Comércio, mais conhecido pela sigla em inglês GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). As negociações do GATT 1947 envolveram inicialmente apenas 23 países, dentre os quais o Brasil. Esse acordo contribuiu para promover uma liberalização progressiva do comércio de bens industriais, por meio de reduções tarifárias crescentes. Sua base é a cláusula de nação mais favorecida, segundo a qual toda concessão feita a um membro do acordo deverá ser estendida aos demais países. Essa cláusula é a base do princípio da não-discriminação, consagrado no Artigo I do acordo. Cumpre assinalar que o GATT 1947 é apenas um acordo, e não uma organização comercial. Apenas em 1994 é que os países signatários decidiram, por meio dos acordos assinados em Marrakesh, criar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Com sua instalação em 1995, passamos a ter, pela primeira vez, um foro no qual se discutem todas as questões relacionadas ao comércio internacional. No entanto, devemos sublinhar que o GATT assinado em 1994 não substituiu, mas apenas complementou, o GATT 1947, que continua vigente. Ao buscar evitar concessões comerciais discriminatórias, o GATT 1947 ambicionava criar um ambiente propício à expansão do comércio em bases multilaterais. Assim, sempre que uma das partes contratantes oferecesse a outra uma redução na tarifa de seu imposto de importação, deveria estender esse mesmo benefício aos demais signatários do acordo. Essas reduções no imposto de importação são denominadas preferências tarifárias. Tomemos um exemplo: o imposto de importação de um determinado país para automóveis é de 10%.
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Celebrado um acordo com uma nação vizinha, foi-lhe concedida preferência tarifária de 50% para esse produto. Isso significa que a tarifa de 10% sofrerá, para esse país específico, uma redução de 50%: o imposto a ser cobrado será, por conseguinte, de 5%. As preferências tarifárias podem ser concedidas em qualquer escala, até mesmo de 100%, o que significará, na prática, que nenhum imposto será pago. O princípio da não-discriminação nos leva a um primeiro questionamento. O Mercosul, como veremos, é um acordo de comércio regional, que envolveu, em seu momento inicial, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Esses quatro países comprometeram-se a efetuar uma crescente desgravação tarifária entre si, até se atingir o livre comércio. Ora, essa prática – assim como a prática de todos os demais acordos regionais – não se indisporia com o princípio da não-discriminação e com a cláusula de nação mais favorecida, mostrando-se, por conseguinte, incompatível com o GATT ? Essa incompatibilidade não existe porque o próprio GATT 1947 estabelece uma espécie de exceção ao princípio da não-discriminação, o que permite legitima a celebração de acordos comerciais regionais. Consoante o Artigo XXIV do GATT 1947, a cláusula de nação mais favorecida não poderá constituir um empecilho para a formação de áreas de livre comércio e de uniões aduaneiras. No entanto, certas condições devem ser observadas: a união aduaneira resultante deverá promover a eliminação das barreiras ao comércio para uma parte “substancial de todo o comércio” (substantially all the trade) e os integrantes do acordo deverão manter a mesma política comercial (especialmente a mesma tarifa) com relação a terceiros países e blocos. No caso das áreas de livre comércio, o requisito fundamental é o de que sejam eliminadas as barreiras ao comércio entre os países integrantes, já que, como veremos, numa ALC os integrantes não são obrigado a dotar a mesma política tarifária em face de outros países. Além disso, não podem os países integrantes do acordo regional aproveitar a ocasião para adotar práticas protecionistas que violem acordos já celebrados com outros países, promovendo, por exemplo, a elevação das tarifas anteriormente vigentes.
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Um dos requisitos para a celebração dos acordos regionais é, desse modo, que ele contemple substancialmente todo o comércio entre os países envolvidos. O que significa essa expressão ? Ainda não existe, formalmente, uma definição unívoca acerca da parcela mínima do comércio que deverá se beneficiar do livre comércio entre os integrantes do acordo regional. Em 1994, a fim de tornar mais claros os requisitos que devem atender os acordos regionais para que sejam compatíveis com as regras do GATT, as partes contratantes decidiram adotar o “Entendimento sobre a interpretação do Artigo XXIV”. Esse documento legal tampouco brindou, todavia, um maior esclarecimento acerca da amplitude da expressão “substancialmente todo o comércio”. De acordo com documentos da OMC, duas análises da questão podem ser efetuadas4. A primeira delas é de natureza quantitativa: um patamar mínimo - 85%, 90% ou 95% - do fluxo comercial entre os países deveria se desenrolar sem enfrentar restrições comerciais. A crítica a esse primeiro critério assinala que um setor importante (químico, por exemplo) - que represente, por exemplo, 10% das transações - poderia ser excluído totalmente do livre comércio e ainda assim o bloco atenderia aos requisitos do Artigo XXIV.
A segunda análise é de natureza
qualitativa: nenhum setor deveria ser excluído dos benefícios do livre comércio. Esse critério também é alvo de críticas, já que seria difícil definir o que é um setor e, além disso, poder-se-ia abrir a possibilidade de que, para observar os requisitos estabelecidos pelo GATT, apenas um pequeno número de produtos de um segmento fosse objeto da eliminação de barreiras, sem, no entanto, que parcela significativa das mercadorias tivesse o mesmo tratamento. Ainda que não haja consenso a respeito, o fato é que a existência do Mercosul e de outros acordos similares encontram apoio na exceção contida no Artigo XXIV do GATT, possibilitando que as condições mais favoráveis negociadas entre seus membros não sejam igualmente oferecidas aos demais membros da OMC.
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WTO Secretariat. “Compendium of issues related do regional trade agreements” (Document TR/NL/W/8/Rev. 1). Genebra, 2002, p. 18.
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1.3) Primeiras experiências de integração na América do Sul: ALALC e ALADI
A formação de blocos econômicos regionais tem sua primeira fase no período do pós-Guerra. Na América Latina, a primeira iniciativa foi a formação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), constituída por meio do Tratado de Montevidéu, celebrado em 1960. Seu escopo primordial era o de promover a redução de tarifas no comércio entre os países do hemisfério, fomentando uma maior integração entre seus sistemas produtivos. Participaram do acordo, num primeiro momento, Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, aos quais se somaram, posteriormente, Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela. O Tratado fixava que a zona de livre comércio seria estabelecida num prazo não superior a doze anos. O Protocolo de Caracas, assinado em 1969, estendeu esse prazo para vinte anos. Determinava, ainda, em seu artigo 3°, que as partes contratantes eliminariam gradualmente “os gravames e as restrições de toda ordem que incidam sobre a importação de produtos originários do território de qualquer Parte Contratante”. A intensificação do comércio se daria por meio da elaboração de listas nacionais, em que cada país incluiria produtos para os quais concederia, aos seus sócios, tratamento tarifário preferencial. A ALALC fundamentava-se na aplicação da cláusula de nação mais favorecida, segundo a qual qualquer vantagem concedida a um produto originário de um dos países da Associação seria estendida aos produtos similares dos demais signatários do Tratado de Montevidéu. Além das listas nacionais, as negociações envolviam também a elaboração de listas comuns, que abrangiam produtos não constantes das listas de cada país. As listas comuns eram negociadas multilateralmente a cada três anos. Em sua primeira década a ALALC logrou êxitos, possibilitando um incremento do comércio entre os países-membros. A partir de 1970, porém, houve maior relutância dos Governos nacionais em conceder novas preferências tarifárias5, 5
Amaral Junior, Alberto do. MERCOSUL: características e perspectivas. In: Revista de Informação Legislativa. a. 37, n. 146, abr/jun 2000, p. 292.
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o que significou, em última instância, a derrocada do objetivo de se constituir uma área de livre comércio. A utilização da cláusula de nação mais favorecida acabou revelando-se, portanto, contraproducente para o objetivo de se promover uma maior integração entre os países do continente. Isso porque a obrigatoriedade de estender aos demais países signatários concessões eventualmente feitas a um parceiro considerado prioritário era freqüentemente vista como inconveniente ou contrárias aos interesses nacionais. Como assinala Sebastião do Rego Barros, “a pretensão multilateral minava, neste caso, o lançamento de projetos de integração de alcance mais limitado, como as iniciativas bilaterais e sub-regionais”6. Dois outros fatores, que deitam raízes no contexto histórico dos anos 60 e 70, também explicam o insucesso da ALALC. O primeiro deles diz respeito à aguda instabilidade política que marcou a região, sob o influxo da polaridade ideológica resultante da Guerra Fria. Em conseqüência, o continente testemunhou a implantação de regimes autoritários em diversos países, favorecendo a consolidação de posições nacionalistas. Além disso, o modelo econômico propugnado pelos governos de então calcava-se no processo de substituição de importações, cujos contornos protecionistas – elevação de tarifas de importação e subsídios à produção interna – obstaculizou o progresso dos esquemas de integração regional então em curso. A ALALC, em seus vinte anos de existência, não obteve êxito, assim, no estabelecimento de preferências tarifárias mais amplas no continente. O insucesso da ALALC na constituição de uma área de livre comércio deu lugar ao surgimento de um organismo “sucessor”, a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), cuja criação foi formalizada por intermédio do Tratado de Montevidéu de 1980. Diferentemente da ALALC, a ALADI não se propunha a conduzir o processo de criação de uma área de livre comércio num prazo prefixado. Visava, antes, a fomentar a integração econômica por meio de um sistema multilateral de concessão de preferências comerciais, embora mantivesse o objetivo final de criar uma área de livre comércio na América Latina. 6
Barros Neto, Sebastião do Rego. “Eixos de Integração Sul-Americana”. In: Boletim de Integração LatinoAmericana. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1995, p . 03.
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Na verdade, o Tratado de Montevidéu de 1980 alude, em seu artigo 1°, a um processo de integração pautado pela harmonia e equilíbrio, tendo como propósito maior, no longo prazo (sem indicar datas) e “de forma gradual e progressiva”, o estabelecimento de um “mercado comum latino-americano”7. Além disso, o artigo 3° enuncia os princípios que deverão ser levados em conta na interpretação e aplicação do Tratado, sobressaindo, dentre eles, o princípio da flexibilidade8, o que abriu espaço para que os países negociassem entre si as preferências tarifárias que julgavam capazes de oferecer num determinado momento. O fato de o documento constitutivo da ALADI reportar-se expressamente às idéias de gradualidade, progressividade e flexibilidade, tendo em mira a formação no longo prazo de um mercado comum latino-americano, indica que o estabelecimento de uma área de livre comércio no continente deveria se dar passo a passo, sem a imposição de prazos peremptórios, e tendo em contas as especificidades e sensibilidades de cada uma das economias da região. De acordo com o disposto no capítulo II do Tratado de 1980, a ALADI opera com base na concessão de preferências tarifárias regionais, lançando mão de dois instrumentos: acordos de alcance regional (do qual participam todos os paísesmembros) e acordos de alcance parcial (que contam com a participação de dois ou mais países-membros). A possibilidade de celebrar acordos envolvendo apenas um número limitado de países supriu uma das principais deficiências da ALALC: a cláusula de nação mais favorecida, que, como visto, obstaculizava a formação de blocos ou parcerias estratégicas, ao tornar obrigatório que benefícios acordados entre alguns dos membros fossem estendidos, automaticamente, a todos os demais integrantes da Associação. Cumpre salientar que, como uma das subcategorias dos acordos de alcance parcial, temos os chamados “acordos de complementação econômica”9 (ACE). Diferentemente dos acordos comerciais, que têm como foco exclusivo a promoção
7
In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, p. 104. Ibidem, pp. 104-105. 9 De acordo com o artigo 8° do Tratado de Montevidéu, “os acordos de alcance parcial poderão ser comerciais, de complementação econômica, agropecuários, de promoção do comércio ou adotar outras 8
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do comércio, os acordos de complementação econômica têm, teoriamente, escopo mais amplo, visando a um máximo aproveitamento dos fatores de produção, a condições eqüitativas de concorrência e à facilitação do acesso de produtos regionais no mercado internacional. A base econômica-comercial do Mercosul é justamente um acordo dessa natureza, o ACE n° 18, subscrito em 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A ALADI ofereceu aos seus integrantes os marcos jurídicos necessários à celebração de acordos comerciais de maior ou menos amplitude, amparados pelos princípios da gradualidade e da flexibilidade. O aprofundamento do processo de integração regional dependia, contudo, de outros fatores, tais como a vontade política dos governos e a criação de um cenário econômico mais propício ao desenvolvimento das trocas comerciais, condições que se fizeram presentes de maneira mais clara somente a partir da segunda metade dos anos 80. É importante destacar, à luz do exposto, que a ALADI não consubstancia, por si só, um “bloco” econômico. Trata-se antes de uma instituição que oferece uma arquitetura jurídica para a celebração de acordos comerciais entre seus integrantes, tanto em bases bilaterais quanto multilaterais.
1.4) Antecedentes imediatos do Mercosul
A formação de blocos econômicos regionais depende não apenas de condicionantes econômicos - como a disposição dos governos de abrir suas economias, desmantelando barreiras ao comércio, e abandonar políticas autárquicas, como a de substituição de importações -, mas também da presença de vontade política capaz de impulsionar a intensificação das relações com os países vizinhos. Essas condições favoráveis começaram a surgir, no caso específico do Mercosul, com o processo de aproximação entre os governos da Argentina e do Brasil. A partir dos anos 80 emergiram as condições - o processo de redemocratização e a necessidade de superar o contexto de crise econômica que modalidades”. Essas “outras modalidades” têm como objeto temas como cooperação científica e tecnológica, promoção do turismo e preservação do meio ambiente.
22
afetava a América do Sul - para que as relações entre os dois países evoluíssem gradativamente de uma “cultura da rivalidade” para uma “cultura de amizade”. Como ponderam Russell e Tokatlian, um dos fatores que impulsionaram o estreitamento dos contatos foram as taxas de crescimento diferenciais em favor do Brasil, que estimularam, no país vizinho, o desenvolvimento da percepção de que uma associação bilateral seria fundamental para “consolidar o processo democrático em
ambos
os
países,
resguardar
a
soberania
nacional,
impulsionar
o
desenvolvimento argentino em complementaridade com o brasileiro e reunir massa crítica para ampliar a capacidade de negociação internacional”10. Essa concepção de que uma associação para o desenvolvimento econômico seria mutuamente benéfica, especialmente num cenário em que tanto Argentina quanto o Brasil enfrentavam crises decorrentes da dívida externa e da pouca permeabilidade do mundo desenvolvido às suas demandas, foi decisiva para atenuar as disputas geopolíticas que dificultavam, anteriormente, uma maior aproximação econômica. Alguns movimentos para uma maior integração bilateral já tinham sido, porém, ensaiados em décadas anteriores. Nos anos 40 houve um esboço de aproximação entre os dois países com vistas à constituição de uma união alfandegária, nos moldes, ao menos em tese, do que o Mercosul é hoje. Em 1941 os Chanceleres do Brasil e da Argentina assinaram um tratado comercial que fixava expressamente esse objetivo, tendo, ainda, a pretensão de agregar os países vizinhos. As diferentes posições adotadas pelos dois países durante a II Guerra Mundial acabaram por impedir a concretização desse objetivo11. Mais adiante, no início dos anos 60, os acordos de Uruguaiana, assinados entre os Presidentes Arturo Frondizi e Jânio Quadros, tiveram importância no plano político, ao contemplarem uma maior cooperação entre os dois países em foros internacionais, sem, contudo, prever um aprofundamento da integração econômica bilateral12. 10
Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel. “O lugar do Brasil na Política Externa da Argentina: a visão do outro”. In: Novos Estudos - CEBRAP, n. 65, março de 2003, p. 83. 11 Almeida, Paulo Roberto. MERCOSUL: fundamentos e perspectivas. Brasília, Grande Oriente do Brasil, 1998, p. 11. 12 Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel, op. cit., p. 81.
23
É durante os Governos de José Sarney, no Brasil, e Raul Alfonsín, na Argentina, no período inicial da redemocratização, que passou a se desenvolver de maneira mais intensa uma política de aproximação bilateral. Superadas as divergências relativas à construção da usina de Itaipu e estabelecida uma maior cooperação no campo da energia nuclear, pavimentou-se o caminho para um entendimento entre os dois países sobre possíveis pautas para uma maior integração econômica. Deixados para trás os fatores básicos de desconfiança, podiam os dois governos buscar, com maior desenvoltura, maneiras de aumentar os ganhos econômicos recíprocos. Essa constatação abriu as portas para a adoção de estratégias de integração que deveriam ir além dos esquemas tradicionais adotados ao amparo da ALADI. Tratava-se de perseguir uma integração “profunda”, com vistas não apenas a um aumento dos fluxos de comércio, mas também a uma maior integração produtiva e industrial, de modo a gerar escala, atrair investimentos e maximizar os recursos produtivos13. Em 1985, Sarney e Alfonsín assinaram a “Declaração de Iguaçu”. No documento, os dois mandatários expressaram a “firme vontade política de acelerar o processo de integração bilateral”. Para atingir esse objetivo, decidiram criar uma Comissão Mista de Alto Nível encarregada de apresentar, até junho de 1986, propostas de integração econômica em diferentes setores. Os trabalhos da Comissão Mista resultaram na assinatura, em julho de 1986, da “Ata para a Integração e Cooperação Econômica”14. Esse documento consagrava a pretensão dos dois países de intensificar e diversificar as trocas comerciais. Além disso, estabelecia um Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE) com medidas para a expansão das trocas comerciais bilaterais. É importante chamar a atenção para os princípios que orientavam o PICE: gradualidade (seus objetivos seriam implementados em etapas anuais); flexibilidade (sendo possível realizar ajustes pontuais, quando necessário) e equilíbrio (de maneira simplificada, os dois países deveriam ganhar, evitando-se, da mesma forma, uma excessiva especialização 13
Seixas Corrêa, Luiz Felipe. A Política Externa de José Sarney. Brasília, Senado Federal, 1997, p. 29. In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n. 50. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1986, pp. 94-105.
14
24
em setores específicos). Uma Comissão de Execução foi encarregada de pôr em prática o programa. O PICE contemplava medidas em diferentes áreas. Anexos ao Programa estavam doze protocolos. O primeiro deles referia-se a bens de capital, estabelecendo uma lista de produtos que não estariam mais sujeitos a gravames tarifários. Tal medida visava à promoção de uma maior integração produtiva entre os dois países, num segmento vital para qualquer política de industrialização. Essa lista de produtos deveria ser incrementada pouco a pouco, aumentando-se o número de bens beneficiados pela remoção de barreiras tarifárias e não-tarifárias. Em compasso com a preocupação de se manter o equilíbrio nas trocas bilaterais, o Protocolo sobre Bens de Capital adotava expressamente o conceito de “equilíbrio dinâmico”: o superávit acumulado num determinado quadrimestre não poderia ultrapassar 10% dos valores de referência determinados no próprio programa. A título ilustrativo, em 1990 esse valor de referência seria de US$ 750 milhões, de modo que o superávit de um dos países no comércio dos bens de capital compreendidos no programa não poderia exceder US$ 75 milhões. As medidas previstas para o setor de bens de capital explicitavam que Argentina e Brasil buscavam conectar suas cadeias produtivas de maneira eqüitativa, alavancando o intercâmbio de produtos fundamentais para o setor industrial. Tanto é assim que, ao tempo em que estimulava a redução de obstáculos no comércio bilateral, o programa previa medidas de proteção em face de terceiros mercados. Outro Protocolo relevante do PICE tinha como objeto a previsão, de maneira genérica, de ações para a expansão do comércio. Mais uma vez havia claras referências à necessidade de um incremento equilibrado, “adotando-se mecanismos que resultem mais adequados para estimular principalmente a exportação de produtos originários do país deficitário”15. Esse mesmo Protocolo fixou a necessidade de renegociação do acordo comercial então vigente entre os dois países (Acordo de Complementação Econômica n° 1, celebrado no âmbito da ALADI).
15
Protocolo Número Quatro do PICE.
25
Por derradeiro, o PICE continha protocolos específicos sobre a criação de empresas binacionais, assentando condições propícias para o seu surgimento; sobre cooperação no campo aeronáutico (visando à produção de partes de aviões brasileiros em território argentino) e na área de biotecnologia, energia, comércio de trigo, investimentos e assuntos financeiros. O PICE estabeleceu, por conseguinte, os alicerces para uma efetiva integração econômica bilateral. Representava, na prática, uma passagem à ação, fruto do acordo político consubstanciado na Declaração de Iguaçu. O processo evoluía de maneira célere: num momento em que o Governo Sarney contava 1 ano e 3 meses, os primeiros frutos da aproximação com a Argentina começavam a ser colhidos. Deve-se ter em mente que em 1985 o Brasil era o destino de apenas 5,9% das exportações argentinas. A progressiva redução de barreiras tarifárias decorrente dos acordos bilaterais e, posteriormente, do estabelecimento do Mercosul, estimulou o comércio de tal maneira que menos de uma década depois, já a partir de 1994, o Brasil passou a ser o principal importador de produtos argentinos, absorvendo 22,4% das exportações do país vizinho. Esse fenômeno fez até com que se falasse, na Argentina, no surgimento de uma “Brasildependência”16. Os dois mandatários sublinharam, durante a visita oficial de Sarney à Argentina, que o processo de integração era uma resposta à profunda crise econômica vivida pela região nos anos 80, com a aceleração do processo inflacionário e o crescimento do endividamento externo. A cooperação econômica seria, nesse cenário, uma importante ferramenta para a retomada do crescimento. O presidente Raúl Alfonsín afirmou, com razão, que “nunca na história de nossas nações tivemos objetivos nacionais tão coincidentes”17. Em 1988, Argentina e Brasil assinaram o “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento”18, o qual previa explicitamente que os dois países 16
Vargas, Everton Vieira. “Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a construção do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 40 (1), 1997, p. 60. 17 Discurso do Presidente Raul Alfonsín na chegada do Presidente José Sarney a Buenos Aires, em 28 de julho de 1986. In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n° 50, cit., p. 4. 18 In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, pp. 125-128.
26
conformariam um “espaço econômico comum” no prazo máximo de dez anos. Mais uma vez havia referência expressa aos princípios de gradualismo, flexibilidade, equilíbrio e simetria. O Tratado estabelecia que a construção do mercado comum dar-se-ia em duas etapas. Na primeira os dois países removeriam as barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio de bens e serviços, bem como promoveriam a harmonização de procedimentos aduaneiros e definiriam políticas comuns nos setores agrícola, industrial, de transportes, de comunicações e de ciência e tecnologia. Da mesma forma, e atestando o elevado nível de ambição dos dois mandatários, estabelecia-se como requisito básico para a constituição do mercado comum a coordenação de políticas macroeconômicas. Na segunda etapa seriam harmonizadas, por sua vez, as “demais políticas necessárias à formação do mercado comum”. Como salienta Paulo Vizentini, “o que estava por trás desta cooperação, a par dos fatores já apontados, é a marginalização crescente da América Latina no sistema mundial, a tentativa de formular respostas diplomáticas comuns aos desafios internacionais, a busca de complementaridade comercial, a criação de fluxos de comércio e um esforço conjunto no campo tecnológico e de projetos específicos”19.
1.5) Fases do Mercosul
Com o aprofundamento da aproximação bilateral entre Argentina e Brasil foram estabelecidas as condições básicas para a criação de uma união aduaneira no Cone Sul. Em 6 de julho de 1990, os dois governos assinaram mais um documento relativo à integração: a ata de Buenos Aires, que fixou o prazo de 31 de dezembro de 1994 para o estabelecimento de um mercado comum entre os dois países. Os dois governos decidiram criar, nessa mesma ocasião, o Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo que deveria operacionalizar a consecução dos objetivos previstos na Ata. Pouco depois, em agosto 1990, Paraguai e Uruguai foram convidados a aderir 19
Vizentini, Paulo G.F. “Mercosul: dimensões estratégicas, geopolíticas e geoeconômicas”. In: Lima, Marcos Costa e Medeiros, Marcelo de Almeida. O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos Aires: CLACSO, 2000, p. 30.
27
ao projeto de integração. Um mês depois foi realizada a primeira reunião do GMC no formato quadripartite, tendo se previsto, para Paraguai e Uruguai, ritmos diferenciados de desgravação tarifária no “período de transição” (que se estenderia até a plena formação do mercado comum). A incorporação de Paraguai e Uruguai ao projeto permitiu que o GMC, a partir de outubro de 1990, pudesse se dedicar à negociação do instrumento internacional que marcaria a criação do Mercosul: o Tratado de Assunção. A negociação do texto, concluído em janeiro de 1991, ocorreu em seis reuniões20. O Tratado de Assunção tem metas ambiciosas no plano econômicocomercial. Seu artigo 1° determina que o mercado comum esteja constituído até 31 de dezembro de 1994. Para isso, deveriam ser atingidos os seguintes objetivos:
a) livre circulação de bens, serviços e fatores de produção. Para isso os Estados Partes teriam de abolir as barreiras tarifárias e não-tarifárias existentes; b) estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum e a conseqüente coordenação de posições nos foros econômico-comerciais internacionais; c) coordenação de políticas macroeconômicas; d) harmonização das legislações nacionais em diferentes setores.
O lapso de tempo que vai da assinatura do Tratado até o dia 31 de dezembro de 1994 é conhecido como “período de transição”. Nessa etapa os quatro países deram início a um processo de desgravação tarifária consubstanciado num Programa de Liberalização Comercial. Esse programa consistia em reduções tarifárias progressivas, a fim de que o comércio intrazona pudesse, em sua totalidade, ser realizado sem aplicação de tarifas a partir de 1995. O programa de desgravação seria linear e automático. A primeira desgravação, em 30 de junho de 1991, contemplava uma redução de 47% nas tarifas vigentes à época. A partir daí teria início uma redução percentual à razão de 7% por 20
Vaz, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília, IBRI, 2002, p. 177.
28
semestre (47%, 54%, 61%, 68%, etc.), até se atingir uma desgravação total de 100% em 31 de dezembro de 199421. É no período de transição que tem início, portanto, a promoção do livre comércio entre os Estados Partes do bloco. Em junho de 1992 os Estados Partes aprovaram o “Cronograma de Las Leñas”, que estabelecia uma série de ações e prazos para a consecução dos objetivos enunciados no Tratado de Assunção. Esse documento previa, por exemplo, que entre os anos de 1992 e 1993 os Estados Partes deveriam concluir a negociação de instrumentos indispensáveis à constituição do mercado comum, tais como regulamentos comuns de defesa comercial, harmonização das legislações nacionais em diferentes setores e elaboração de políticas comunitárias em áreas como tecnologia, agricultura e defesa da concorrência. Deveriam, ainda, ser finalizados os trabalhos de estabelecimento da TEC. O cronograma de Las Leñas constitui, por conseguinte, um primeiro inventário do conjunto de medidas que deveriam ser tomadas a fim de que se lograsse, a contento, a formação de um mercado comum a partir de 1995. Como observam Florêncio e Araújo, o cronograma “permitiu visualizar de forma orgânica tudo o que estava por ser feito. Muito mais do que uma simples ferramenta burocrática, o Cronograma constituiu um importante sinal político, uma prova de confiança no processo de integração, ao mesmo tempo que o confirmava como um desafio de grandes proporções”22. É nessa fase que surgem, contudo, as primeiras resistências mais efetivas ao processo em algumas frações do setor privado brasileiro e argentino. No caso brasileiro, os segmentos que se beneficiavam de elevadas tarifas (bens de capital, informática e automotivo, por exemplo), temiam que a instituição da TEC reduzisse suas margens de proteção. No caso argentino, havia preocupação com a concorrência das indústrias brasileiras23. A evolução do comércio e a firme vontade política dos governos envolvidos acabaram, porém, por mitigar (embora sem eliminar) os focos pontuais de oposição ao aprofundamento da integração. 21
Cf. item 2.1, infra. Florêncio, Sérgio A. e L. e Araújo, Ernesto H. F. Mercosul Hoje. São Paulo, Editora Alfa-Ômega/FUNAG, 1995, p. 43. 23 Ibidem, pp. 43-44. 22
29
Em 1993, durante a reunião do Conselho do Mercado Comum realizada na cidade de Colônia, no Uruguai, foram tomadas decisões adicionais acerca da conformação da união aduaneira. Além dos dois Protocolos relativos à promoção e proteção de investimentos, que serão examinados em tópico à parte, foram discutidos os passos necessários para o estabelecimento da TEC. A Decisão CMC n° 13/93, aprovada naquela ocasião, enunciou uma série de tarefas que deveriam ser cumpridas ao longo de 1994, como o estabelecimento da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a definição dos níveis tarifários para setores sensíveis (bens de capital, de informática e telecomunicações e químico) e número de exceções à TEC. Além disso, enumerou as medidas que seriam necessárias para garantir um “funcionamento adequado” da união aduaneira. Os trabalhos para o estabelecimento da TEC prosseguiram ao longo de 1994. Os detalhes serão examinados em capítulo específico24. Ao final desse ano, durante a Cúpula de Ouro Preto, foram tomadas as decisões que viabilizaram a instituição da união aduaneira a partir de janeiro de 1995. Dentre essas decisões merecem destaque, além da própria aprovação da TEC, a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, que deu forma à estrutura institucional e ao sistema de tomada de decisões do bloco.
1.6) O “velho” e o “novo regionalismo” O processo de integração regional não é um fenômeno que se instaura somente a partir do final dos anos 80, ao abrigo do processo de redemocratização dos países da América Latina. No entanto, como vimos no caso da ALALC, as primeiras experiências de liberalização comercial não lograram ser bem sucedidas, tendo perdido parte de seu ímpeto inicial já em seus primórdios, seja em razão de fatores políticos – a instalação de regimes nacionalistas e autoritários –, seja devido a fatores econômicos, especialmente a implementação de políticas estatistas e protecionistas vinculadas a processos de substituição de importações. 24
Cf. capítulo 2.
30
É por essa razão que se que fala da existência de um “velho” e de um “novo” regionalismo, classificação que põe em relevo, além das distintas fases históricas, as diferenças de substância entre os projetos de integração anteriores e posteriores àqueles que se desenrolaram a partir de meados dos anos 80. O “velho” regionalismo na América Latina é aquele que se estende do pósSegunda Guerra até a década de 70, quando encontra seu momento de refluxo. Dentre suas características básicas poderíamos destacar três25:
a) trata-se de um processo, conforme já sublinhado a respeito da ALALC, que se associa a políticas de substituição de importações. Um dos empecilhos para o êxito de uma estratégia de substituição de importações é o tamanho reduzido de mercados domésticos, o que pode vir a desestimular investimentos e a produção interna. A opção estratégica pela integração regional pode vir a contornar tais limitações, estimulando a criação de um “mercado regional” capaz de dar sustentação às políticas industriais de cada um dos países integrantes do processo; b) no “velho regionalismo” os países-membros de um bloco econômico concedem preferências comerciais recíprocas, mas mantêm elevados níveis de proteção vis à vis o mercado externo. O protecionismo continua sendo tomado, portanto, como uma “virtude”; c) no que tange aos objetivos fundamentais do processo de integração, os arranjos realizados sob a égide do “velho regionalismo” mostravam-se menos ambiciosos, buscando essencialmente uma redução das barreiras ao comércio, mas não necessariamente uma integração mais “profunda” (política comercial comum; harmonização de políticas em diferentes setores; criação de instituições comunitárias).
Por outro lado, o “novo regionalismo” se configura de maneira mais nítida a partir dos anos 90. Seu nascimento representa uma espécie de mudança de estratégia 25
Devlin, R. et Estevadeordal, A. What´s new in the New Regionalism in the Americas ? Buenos Aires, INTAL-ITD-STA, 2001, p. 3.
31
dos países da região no que diz respeito a suas políticas de desenvolvimento. Se no passado a presença do Estado na economia era marcante, buscando, como vimos, incentivar a industrialização por meio do protecionismo e da substituição de importações, a séria crise que se abateu sobre a América Latina nos anos 80 tornou necessária a adoção de um novo rumo. Essa crise, conhecida como “crise da dívida” em razão do agudo endividamento externo dos países do continente, tornou o Estado incapaz de continuar se apresentando como investidor. Emergiu com intensidade, nesse contexto, uma ideologia mais voltada para a liberalização dos fluxos de comércio, calcada na abertura das economias nacionais e na progressiva redução do intervencionismo estatal. Como traços básicos do “novo regionalismo” poderíamos apontar os seguintes elementos26:
a) abandono das políticas autárquicas, tendo início uma crescente abertura ao comércio multilateral; b) importância
os
investimentos
estrangeiros
diretos,
considerados
fundamentais para o processo de desenvolvimento. O Estado deixa de ser, assim, a mola propulsora fundamental da economia, passando a exercer o papel de agente regulador das forças de mercado; c) trata-se de uma integração de maior profundidade, como é o caso do próprio Mercosul, cujo objetivo é o de se tornar um mercado comum.
O “novo regionalismo” insere-se no mesmo contexto histórico em que emerge a globalização econômica. A relação entre essas duas forças tem despertado questionamentos: os blocos regionais tendem a facilitar as trocas no plano multilateral ou, ao contrário, acabam por estimular determinadas regiões a que se fechem, dificultando uma maior integração em escala global ? Há divergências a respeito, mas existem evidências empíricas de que tanto o “novo regionalismo” quanto o sistema multilateral de comércio se alimentam mutuamente, contribuindo 26
Averbug, André. Abertura e Integração Comercial Brasileira na Década de 90. Rio de Janeiro, BNDES, 1999, pp. 53-54.
32
para a expansão do comércio internacional27. Os acordos regionais muitas vezes vão além do que prevêem as regras de comércio multilateral, engendrando uma espécie de “minilateralismo” que pode ter conseqüências benéficas para o comércio global em geral28. Em síntese, os acordos regionais constituem, na maior parte das vezes, uma espécie de laboratório capaz de oferecer base adequada para a participação no sistema multilateral de comércio. O Mercosul constitui um dos exemplos desse “novo regionalismo”. Seus dois maiores sócios, Argentina e Brasil, colocaram em prática no início dos anos 90 políticas de abertura comercial e de diminuição da presença do Estado na economia. A crescente integração dos mercados dos Estados Partes poderia reforçar a capacidade de cada um deles de se inserir numa economia mundial cada vez mais integrada e competitiva.
1.7) Estrutura institucional do Mercosul Os
Estados
Partes
do
Mercosul
decidiram
adotar
uma
estrutura
intergovernamental para as instituições do bloco. Desse modo, as deliberações dos órgãos técnicos e decisórios devem contar com a aprovação de todos os Estados Partes. Os delegados que comparecem às reuniões do bloco são, dessa maneira, representantes dos Estados nacionais, e suas instruções emanam de seus governos, não de uma autoridade comunitária29. O papel predominante desempenhado pelos governos nacionais no processo de integração fez com que não se cogitasse, ao menos inicialmente, em estabelecer instituições supranacionais na estrutura do bloco. A construção institucional do Mercosul baseou-se, desse modo, em três princípios básicos:
a) estrutura intergovernamental, e não supranacional;
27
Para uma análise geral dos argumentos nessa direção, cf. Värynen, Raimo. “Regionalism: old and new”. In: International Studies Review, 2003, vol. 5, n.1, pp. 32-33. 28 Siroën, Jean-Marc. “Accords préférentiels, régionalisme et multilatéralisme”. In: Cahiers Français, n. 341. Paris, nov-dez 2007, pp. 30-31.
33
b) tomada de decisões por consenso, e não por maioria; e c) necessidade de que as normas aprovadas no âmbito do Mercosul sejam incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais (ausência de aplicabilidade direta das normas comunitárias).
O estrutura institucional permanente do Mercosul foi estabelecida pelo Protocolo de Ouro Preto (POP), assinado em 1994. Esse Protocolo complementa o Tratado de Assunção, definindo os órgãos que integram o bloco e estabelecendo suas respectivas competências. Parte dos órgãos estabelecidos pelo POP já estavam previstas no Tratado de Assunção, que instituiu, para o período de transição que se estenderia até a conformação do mercado comum, uma estrutura provisória encabeçada por um órgão superior, o Conselho do Mercado Comum (CMC), e um órgão executivo, o Grupo Mercado Comum (GMC). Além de manter o CMC e o GMC, o POP previu a criação de um terceiro órgão decisório: a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM). Por órgãos decisórios entendemos aqueles que têm capacidade de ditar normas de observância obrigatória pelos Estados Partes30. A esses três órgãos decisórios vinculam-se diversos outros foros técnicos. Antes de procedermos à análise das competências de cada um dos órgãos estabelecidos pelo POP, é necessário diferenciar, no ordenamento jurídico do Mercosul, duas categorias de normas. A primeira seria constituída pelos “documentos fundacionais” do bloco: o Tratado de Assunção e respectivos protocolos adicionais (o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias e o próprio POP). Já a segunda seria integrada pelos atos normativos emanados dos órgãos decisórios (atos derivados). Como se vê, no primeiro grupo situam-se os tratados internacionais (acordos celebrados pelos Estados). Pertencem à segunda categoria, na linha da 29
Cançado Trindade, Otávio Augusto D.. O Mercosul no Direito Brasileiro. Belo Horizonte, Del Rey, 2006, p. 46. 30 Nos termos do artigo 42 do POP, “as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos previstos no Artigo 2° deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país”.
34
classificação das fontes tradicionais de Direito Internacional Público, os atos organizações internacionais (decisões tomadas em nome da organização)31. Como dissemos, todas as normas, sejam as fundacionais ou derivadas, têm caráter obrigatório, cabendo ressaltar, no entanto, que sua efetiva entrada em vigência depende, se for o caso32, de sua incorporação ao ordenamento jurídico dos Estados Partes. Em muitos casos, a não-incorporação, mesmo que por apenas um Estado Parte, impede que a norma entre em vigor e possa ser argüida contra o país que não a internalizou. Na prática, portanto, as normas do Mercosul não produzem, por si só (i.e., sem a incorporação), qualquer efeito na esfera jurídica nacional33. O CMC é o órgão decisório máximo do Mercosul. De acordo com o disposto no artigo 3° do Protocolo de Ouro Preto, cabe a ele a “condução política do processo de integração”. É integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia (ou equivalentes). Na prática, porém, têm participado ativamente das reuniões do CMC também os Ministros responsáveis pelo comércio e indústria, a exemplo, no caso brasileiro, do Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior34. O CMC reúne-se ordinariamente uma vez por semestre, em geral na véspera da Cúpula Presidencial do bloco. É possível, porém, que ocorram reuniões extraordinárias para deliberar acerca de assuntos específicos, que demandem um tratamento mais expedito pelos Estados Partes. As normas aprovadas pelo CMC são denominadas “Decisões”. Versam, em geral, sobre temas de maior relevância política ou econômica, constituindo a base fundamental do direito da integração. As decisões devem ser vistas como instrumentos que complementam e buscam dar concretude aos objetivos fixados no Tratado de Assunção.
31
Cançado Trindade, Otávio Augusto D., op. cit., pp. 55-57. Em geral, não necessitam ser incorporadas as normas que digam respeito apenas à estrutura e ao funcionamento do Mercosul. 33 Andrade, Luciano Mazza. “O Fortalecimento Institucional do Mercosul e a Supranacionalidade: considerações sobre as prioridades da agenda institucional desde a perspectiva brasileira”. Tese apresentada ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 77. 34 Em 2008, como decorrência natural da expansão do processo de integração para diferentes setores, formalizou-se a possibilidade, por meio da Decisão da CMC N° 14/08, de realização de uma sessão especial do Conselho envolvendo Ministros de outras áreas, inclusive a social, para discutir temas de sua competência (“CMC ampliado”). 32
35
As competências do CMC estão relacionadas no artigo 8° do Protocolo de Ouro Preto. Dentre elas, destacam-se a capacidade de exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul e o poder de criar os órgãos que julgar necessários para a construção do mercado comum. É esse o caso das Reuniões de Ministros, que constituem o espaço para encontros de alto nível entre as autoridades nacionais responsáveis pela condução de diferentes temas. Em 2008 havia 14 reuniões de ministros em funcionamento (Agricultura; Cultura; Economia e Presidentes de Bancos Centrais; Educação; Indústria; Interior; Justiça; Meio Ambiente; Minas e Energia; Ciência e Tecnologia e Inovação; Desenvolvimento Social; Saúde; Trabalho e Turismo). Ao CMC estão vinculados, ademais, o Foro de Consulta e Concertação Política (FCCP), uma série de grupos de alto nível, a Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul (CRPM) e o Instituto Social do Mercosul. Dada a sua composição, o CMC discute em geral apenas as questões mais sensíveis da esfera econômica-comercial, deixando seu tratamento técnico para outras instâncias do bloco. Solicitações de modificações mais amplas da TEC, por exemplo, podem ser debatidas no CMC, ao passo que demandas de alterações pontuais são normalmente examinadas nos outros dois órgãos decisórios. O GMC é, por sua vez, o órgão executivo do Mercosul. É integrado por funcionários de alto nível dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia (Fazenda, no caso brasileiro) e dos Bancos Centrais. Na prática, porém, e assim como ocorre no caso do CMC, também os Ministérios da Indústria e Comércio costumam ter representantes nas negociações realizadas no âmbito do GMC. Em geral são duas as reuniões do GMC realizadas por semestre. A essas se soma uma reunião extraordinária, em geral ao fim do semestre, com o propósito de finalizar o exame dos projetos de normas que serão elevados à consideração do CMC. As normas aprovadas pelo GMC são denominadas “resoluções”, tratando em geral de aspectos técnicos relacionados ao processo de integração. Cabe ao GMC sobretudo o acompanhamento dos Subgrupos de Trabalho (SGTs), instâncias que tratam de temas específicos. O Anexo V do Tratado de Assunção já previa a
36
existência de 10 (dez) Subgrupos de Trabalho vinculados ao GMC, incumbidos de tratar de temas de natureza eminente comercial, tais como assuntos aduaneiros, normas técnicas, transporte terrestre e marítimo, política agrícola e coordenação de políticas macroeconômicas. Esses Subgrupos foram posteriormente extintos ou absorvidos por outros. Existem, hoje, quatorze foros dessa natureza em funcionamento: telecomunicações (SGT n° 1); assuntos institucionais (SGT n° 2); regulamentos técnicos e avaliação da conformidade (SGT n° 3); assuntos financeiros (SGT n° 4); transportes (SGT n° 5); meio ambiente (SGT n° 6); indústria (SGT n° 7); agricultura (SGT n° 8); energia (SGT n° 9); assuntos laborais (SGT n° 10); saúde (SGT n° 11); investimentos (SGT n° 12); comércio eletrônico (SGT n° 13) e mineração (SGT n° 15). O SGT n° 14, que tratava do acompanhamento da conjuntura econômica e comercial do Mercosul, foi extinto em 2006. Como se pode notar, se nos estágios iniciais do bloco os Subgrupos concentravam-se precipuamente em temas de natureza comercial, pouco a pouco passaram a cuidar igualmente da temática social, como o demonstra a criação de foros dedicados ao meio ambiente, assuntos laborais e saúde. A breve menção aos temas que são da alçada dos subgrupos de trabalho indica o conteúdo das normas produzidas pelo GMC. Boa parte das normas aprovadas versa sobre diferentes tipos de regulamentos técnicos, desde a área de qualidade industrial a questões agrícolas, de saúde, transportes e comunicações. As atividades dos SGTs têm, por essa razão, relevante impacto no campo econômico, ao harmonizar regulamentos atinentes a questões de comércio e facilitar (ou, na ausência de harmonização, dificultar) o trânsito de mercadorias entre os países do bloco. Além dos SGTs, também compete ao GMC o acompanhamento de reuniões especializadas. Essas reuniões foram criadas ainda durante a fase inicial do Mercosul, em 1991, sob a justificativa de que alguns temas não examinados no âmbito de Subgrupos de Trabalhos mereciam tratamento especial. A Decisão CMC N° 09/91, que permitiu a criação de reuniões especializadas no âmbito bloco, assinalou que o debate sobre esses temas especiais requereria “modalidades
37
operacionais” distintas daquelas dos Subgrupos de Trabalho. Na prática, as reuniões especializadas têm produção normativa menos intensa do que aquela verificada nos Subgrupos de Trabalho. Ao dedicar-se ao tratamento de temas específicos, têm como meta coordenar ações e constituir um espaço para a troca de experiências entre os Estados Partes, mesmo que esse trabalho não venha a ser plasmado em normas específicas. O número de reuniões especializadas no âmbito do Mercosul têm crescido paulatinamente ao longo do tempo, à medida em que são incorporados novos atores ao processo de integração. Essas reuniões podem ter como foco seja um tema específico (caso das reuniões especializadas de agricultura familiar, ciência e tecnologia e promoção comercial), seja possibilitar um maior contato entre organismos ou instituições similares dos Estados Partes (têm reuniões próprias, por exemplo,
os
ministérios
públicos,
defensores
públicos
e
autoridades
cinematográficas e audiovisuais). Em dezembro de 2008 o Mercosul contava com 15 (quinze) reuniões especializadas. Também estão vinculados ao GMC uma série de grupos permanentes (caso do Grupo de Serviços e do Grupo de Contratações Públicas); de grupos “ad hoc” (para tratar dos mais diferentes temas, tais como a redação do Código Aduaneiro do Mercosul; relacionamento externo; consulta e coordenação no âmbito da OMC e do SGPC e integração fronteiriça), além de fóruns, comitês, comissões e institutos, encarregados do tratamento de temas específicos de maneira permanente ou temporária. Vale registrar que tanto o GMC quanto a CCM têm “seções nacionais”. Essas seções constituem o espaço de coordenação entre os órgãos de cada país envolvidos nas negociações dos temas que estão na agenda do Mercosul. Previamente à realização de uma reunião do GMC ou da CCM deve haver, portanto, uma reunião da seção nacional desses dois foros, a fim de coordenar a posição do país com respeito aos temas que serão objeto de debate. No caso do Brasil, a última norma a definir a composição da Seção Nacional do GMC foi o Decreto n° 5.080, de 12 de
38
maio de 2004, que atribuiu a coordenação nacional dessa instância ao SubsecretárioGeral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores. O Mercosul conta também com uma Secretaria, órgão ao qual compete prestar o apoio administrativo e técnico necessário aos Estados Partes. O POP atribuiu à Secretaria funções eminentemente operacionais, denominando-a de Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Posteriormente, em 2002, decidiu-se dotar o bloco de um órgão com capacidade de realizar estudos e prestar a assessoria necessária em temas substantivos relevantes para o processo de integração. Por maio da Decisão CMC N° 30/02 a SAM passou a denominar-se simplesmente Secretaria do Mercosul, contando, em seu âmbito, com um Setor de Assessoria Técnica (SAT), integrado por quatro conselheiros, com as funções, dentre outras, de realizar estudos, compilações, avaliar o andamento do processo de integração e verificar a consistência jurídica dos atos e normas emanados dos órgãos decisórios do bloco. Existe um debate corrente sobre uma suposta hipertrofia institucional do Mercosul, com a proliferação de instâncias para tratar dos mais diferentes temas. Mais do que “hipertrofia”, porém, estamos diante de um fenômeno que parece inerente à expansão do processo de integração para os mais diferentes domínios. Uma estrutura mais “enxuta” pareceria adequada no estágio em que o Mercosul se dedicava basicamente a liberalizar o comércio e estabelecer a união aduaneira. Atualmente, porém, a agenda do bloco foi sendo apropriada por diferentes setores do governo e da sociedade civil, o que faz com que pareça irrealista, no presente momento, a objeção à criação de novos foros de diálogo entre os Estados Partes. Parece mais plausível, nesse contexto, questionar o grau de transparência ou de efetividade das decisões do bloco, mas não impugnar, por si só, a expansão da estrutura
institucional
do
agrupamento.
É
certo,
por
outro
lado,
que
aperfeiçoamentos devem ser buscados, sobretudo no que tange ao sistema de incorporação das normas comunitárias, já que a não-internalização de muitas delas pode acabar por afetar a segurança jurídica e a efetividade das decisões tomadas pelos Estados Partes35. 35
Andrade, Luciano Mazza, op. cit., p. 108.
39
1.8) O papel da CAMEX
A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) é um órgão interministerial brasileiro criado em 1995, com o
objetivo central de coordenar e dar maior
eficiência às ações governamentais nessa matéria. Têm assento na CAMEX os Ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a quem cabe a presidência do órgão; da Fazenda; das Relações Exteriores; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Desenvolvimento Agrário, além do Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Outros órgãos da administração federal podem, porém, ser convidados a participar das reuniões, caso haja tema de seu interesse na agenda. O órgão deliberativo superior da CAMEX é o Conselho de Ministros. Já o Comitê Executivo de Gestão (GECEX), integrado em sua maior parte por SecretáriosExecutivos de diferentes pastas, tem como função deliberar de maneira prévia sobre os temas e, eventualmente, tomar decisões ad referendum do Conselho de Ministros. As competências da CAMEX são atualmente definidas pelo Decreto n° 4.372, de 10 de junho de 2003. Sua atribuição fundamental é a de “definir diretrizes e procedimentos relativos à implementação da política de comércio exterior visando à inserção competitiva do Brasil na economia internacional”. Dentre as competências específicas do órgão, podemos sublinhar a fixação das alíquotas dos impostos de importação e exportação, estabelecimento de salvaguardas, direitos antidumping ou compensatórios e a alteração, a partir do que se decide no âmbito do bloco, da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Na prática, isso significa que as diferentes ações do Governo brasileiro no âmbito do Mercosul são previamente debatidas na CAMEX ou no GECEX. Da mesma forma, muitas normas aprovadas no âmbito comunitário, como aquelas relativas à NCM e à TEC, devem ser incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro por intermédio de Resoluções da CAMEX. Havendo uma alteração nas alíquotas da TEC, seja em caráter definitivo, seja em caráter temporário (como no
40
caso das reduções tarifárias em razão de desabastecimento, como visto em tópico anterior), compete à CAMEX editar resolução dando efeito, no Brasil, a essa decisão. Muitas das Resoluções CAMEX versam sobre alterações, no Brasil, nas alíquotas de bens de capital e bens de informática e telecomunicações, em razão do regime de “Ex-tarifários”, que permitem reduções tarifárias para atrair investimentos e incentivar a modernização do parque produtivo do país36. Não existe, em verdade, uma definição rígida e excludente sobre quais os temas que devem ser objeto de decisão no âmbito do GECEX e quais aqueles que devem ser decididos exclusivamente pelo Conselho de Ministros. De todo modo, o fato de o GECEX poder tomar decisões ad referendum do Conselho de Ministros indica que ambas as instâncias tratam correntemente das mesmas questões, cabendo ao Conselho, porém, deliberar sobre as matérias de maior sensibilidade política e de maior impacto na política de comércio exterior do Brasil, bem como aprovar, em definitivo, a edição de Resoluções (as Resoluções aprovadas no GECEX permanecem ad referendum dos Ministros). Eventuais dissensos no âmbito do GECEX também deve ser submetidos à análise do Conselho de Ministros. A importância da CAMEX reside justamente no fato de se tratar de colegiado em que têm assento os diferentes órgãos do governo brasileiro interessados nas negociações internacionais em matéria comercial, o que possibilita uma efetiva coordenação técnica e política sobre os temas em debate. Trata-se, do ponto de vista institucional, de importante avanço na formulação da política de comércio exterior, contribuindo para dar maior uniformidade às ações do governo brasileiro no que tange ao processo de integração.
36
Cf item 2.5.
41
CAPÍTULO 2 – A Tarifa Externa Comum 2.1) O processo de liberalização comercial entre os Estados Partes. Evolução do comércio intrazona. Como assinalado anteriormente, o Mercosul é um projeto de integração profunda, cujo objetivo final é a constituição de um mercado comum. Não se trata, portanto, de um projeto voltado para a mera liberalização do comércio – como seria o caso de uma zona de livre comércio. Em 1995 os Estados Partes conformaram a união aduaneira, etapa imediatamente anterior ao estabelecimento de um mercado comum. Vamos analisar, no presente capítulo, o elemento caracterizador desse tipo de agrupamento: a Tarifa Externa Comum (TEC). No entanto, antes de procedermos à análise dos principais aspectos da TEC, é necessário que discorramos de maneira sucinta sobre a eliminação das barreiras tarifárias ao comércio entre os Estados Partes do bloco. Como vimos em tópico anterior, a constituição de uma união aduaneira só faz sentido num espaço econômico comum, em que já exista o livre comércio. Ao estabelecer o ano de 1995 como momento para a adoção da TEC, os países do bloco se comprometeram também a concluir, até 1994, o processo de eliminação das barreiras tarifárias em seu comércio recíproco. O Tratado de Assunção estabeleceu, em seu Anexo I, um cronograma de desgravação tarifária a ser observado pelos Estados Partes. Por “desgravação” entende-se uma redução progressiva das tarifas de importação, até que se atinja a concessão de preferências tarifárias de 100% (o que significa, na prática, que não se cobra qualquer tarifa). Conforme estabelecido no próprio Tratado, o cronograma de desgravação seria progressivo (as preferências tarifárias seriam crescentes ao longo do tempo), linear (a desgravação aplicar-se-ia a todos os produtos, exceto acordo em contrário) e automático (a desgravação ocorreria nas datas estabelecidas, sem a
42
necessidade de prévio consentimento das partes envolvidas). O art. 3° do Anexo I do Tratado de Assunção estabeleceu o seguinte cronograma de desgravação tarifária: Data / Percentual de Desgravação 30/06/91 31/12/91 30/06/92 31/12/92 30/06/93 31/12/93 30/06/94 31/12/94
47 54 61 68 75 82 89 100
Como se pode notar, a desgravação foi de 7 pontos percentuais a cada seis meses, exceto no último semestre, quando se passou de uma preferência de 89% para 100%. Os Estados Partes já iniciaram o cronograma concedendo-se mutuamente uma preferência de 47%. Os produtos que já contavam com preferência mais elevada, em razão de acordos bilaterais celebrados no âmbito da ALADI, passaram a gozar de preferência ainda maior, de acordo com percentuais de desgravação também estabelecidos art. 4° do Anexo I do Tratado de Assunção. Houve acordo, porém, em se excetuar determinados produtos do cronograma de desgravação. Isso se devia – o que ocorre ainda hoje no bloco, como veremos mais adiante – às diferentes sensibilidades dos Estados Partes e à existência de demandas de proteção de determinados setores econômicos. Por essa razão, o artigo 6° do Anexo I previu a elaboração de “listas de exceções”, fixando, ainda, o número de itens tarifários que cada Estado Parte teria direito de excluir dos cronogramas de desgravação: 394 itens para a Argentina; 324 para o Brasil; 439 para o Paraguai e 960 para o Uruguai. Os produtos incluídos nas listas nacionais não estariam sujeitos ao cronograma de desgravação, mas o número de itens das listas deveria ser reduzido em 20% a cada ano. Uma vez excluído da lista, o produto passaria a contar com a preferência tarifária prevista no cronograma de desgravação. A implementação do programa de liberalização comercial entre os Estados Partes não tardou a surtir efeitos positivos no comércio intrabloco. Os números indicam que em 2008 o comércio entre os países da região foi cerca de oito vezes
43
superior àquele verificado em 1991, quando da assinatura do Tratado de Assunção. Esse crescimento foi interrompido apenas no contexto das crises cambiais enfrentadas pelo Brasil, em 1999, e pela Argentina, entre os anos de 2001 e 2002. Em 2008, a corrente de comércio entre o Brasil e os demais Estados Partes atingiu um nível recorde, superando a barreira dos US$ 36 bilhões.
Evolução da corrente de comércio – Brasil-Mercosul ANO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
CORRENTE DE COMÉRCIO (Soma das exportações e importações) (US$ bilhões) 4,5 6,3 8,7 10,5 12,9 15,6 18,4 18,2 13,4 15,5 13,3 8,9 11,3 15,3 18,7 22,9 28,9 36,6
Fonte: MDIC
Conquanto positivos, e comprobatórios de que o Mercosul desempenhou importante papel na criação de comércio, os números não podem ocultar a persistência de alguns problemas na consolidação da união aduaneira. É o caso das queixas com relação à existência de barreiras não-tarifárias ao comércio. De outra parte, como veremos em detalhes mais adiante, ainda há setores – como o sucroalcooleiro – excluídos do processo de liberalização comercial.
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Em termos qualitativos, a questão que se coloca é se o crescimento do comércio intrazona é apenas um resultado natural da expansão do comércio do Brasil com o mundo ou se possui uma força que lhe é própria. A tabela a seguir situa o intercâmbio comercial do Brasil com o Mercosul dentro do total global do país:
Intercâmbio Comercial do Brasil (US$ bilhões) COM O MERCOSUL Ano
TOTAIS GERAIS
Exportações Importações Exportações Importações
1991
2,3
2,2
31,6
21,0
1995
6,1
6,8
46,5
49,9
2000
7,7
7,7
55,1
55,8
2005
11,7
7,0
118,5
73,6
2006
13,9
8,9
137,8
91,3
2007
17,3
11,6
160,6
120,6
2008
21,7
14,9
197,9
173,1
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MDIC
Como se pode observar, o crescimento do comércio do Brasil com os sócios do Mercosul é parte de um processo de crescimento geral do intercâmbio com o exterior. A corrente de comércio (soma das exportações e importações) com os demais Estados Partes era, em 1991, de US$ 4,5 bilhões, tendo saltado, em 2008, como já assinalamos, para US$ 36,6 bilhões (crescimento da ordem de 813%). Já o comércio com o resto do mundo aumentou, nesse mesmo período, cerca de 695%. A despeito de o intercâmbio com o Mercosul ter sido maior, o fato é que as trocas com outros países e blocos também se expandiram de forma significativa, mesmo sem as condições mais favoráveis propiciadas pela proximidade geográfica e pelas preferências tarifárias que caracterizam a união aduaneira. Por outro lado, a análise da participação do Mercosul no comércio geral do Brasil indica que o bloco, embora seja importante parceiro comercial, mantém a mesma importância relativa da época em que foi criado, em 1991. Em 2008, a
45
corrente de comércio com os outros três Estados Partes representou cerca de 9,8% da corrente de comércio total do país. Em 1991, o comércio com o bloco correspondeu a 8,5% do total. Esse panorama nos remete a um debate subjacente aos processos de integração em geral: os acordos de comércio regional tendem a propiciar uma maior criação ou um maior desvio de comércio ?37 Como vimos anteriormente, num acordo de integração os países signatários reduzem tarifas entre si. Suponhamos que o acordo envolva dois países, X e Y. Quando em vigor o acordo, os produtos de X serão vendidos em Y a preços mais baixos, haja vista que não estarão mais sujeitos à incidência de imposto de importação. Se o país X produz determinada mercadoria digamos que soja - a um custo menor que os produtores de Y, haverá um incremento nas importações desse produto pelo país Y, verificando-se a criação de comércio, uma vez que o intercâmbio entre os dois países aumentará e os consumidores de Y poderão consumir soja a um preço menor, o que melhorará seu bem-estar. No entanto, suponhamos que um terceiro país, Z, apresentava-se como o principal fornecedor do país Y antes do acordo regional deste com X. Essa condição de principal fornecedor decorria do fato de que Z é mais competitivo que X e capaz de produzir a custos menores que seu concorrente. Com a celebração do acordo, a soja produzida em Z continuará sujeita à incidência de tarifa, mas a soja produzida em Y não. Essa circunstância estimulará a que Y importe mais de X, em detrimento de Z. Aqui temos o desvio de comércio: deixa-se de importar de um país mais competitivo para importar de um menos competitivo, o qual, porém, beneficia-se da redução tarifária. Na prática, portanto, o desvio de comércio é constatado quando um produtor mais competitivo de extrazona perde mercado, não porque um dos países-membros do acordo tornou-se mais competitivo, mas apenas porque a incidência de tarifas acaba tornando o produto de extrazona mais caro do que aquele do país-membro competidor.
37
Os conceitos de criação e desvio de comércio estão desenvolvidos em Viner, Jacob. The customs union issue. New York, Carnegie Endowment for International Peace, 1950, p. 43.
46
No caso do Mercosul, é difícil dizer, de maneira peremptória, se prevaleceram os efeitos de criação ou de desvio de comércio. Há estudos sustentando não ter havido criação de comércio, sendo difícil, porém, aferir se houve desvio de comércio38. Afinal, como visto anteriormente, houve aumento do comércio também com países de extrazona. Uma das explicações para isso consistiria na “abertura comercial presenciada pelos países do bloco, na mesma época em que o acordo foi assinado. Aberturas comerciais causam criação de comércio com o mundo todo. Se ocorreu algum desvio, provavelmente ele foi anulado pelos efeitos da abertura”39. O desenvolvimento do comércio do Mercosul com outros países e blocos atesta o caráter de “regionalismo aberto” do acordo40, o que não implica, porém, nenhum tipo de análise de valor sobre possíveis efeitos positivos gerado pelo bloco no bem-estar de seus cidadãos, exercício que se revelaria complexo e inconclusivo para os propósitos do presente trabalho. Outro fato que merece relevo é o importante crescimento da participação de outros países sul-americanos no comércio brasileiro, em decorrência dos acordos celebrados pelo Mercosul no âmbito da ALADI. Em 2008, por exemplo, as exportações do Brasil para os países da ALADI representaram 21,8% do total41 – número alcançado graças, em boa parte, aos acordos realizados pelo Mercosul. A título comparativo, a União Européia absorveu 23,4% de nossas exportações, com uma diferença qualitativa importante: parte substancial dos produtos exportados pelo Brasil para seus parceiros da América Latina são dotados de maior valor agregado. Em 2008, por exemplo, 88% das exportações para países da ALADI eram de produtos manufaturados. No caso do Mercosul, essa cifra era ainda maior, atingindo mais de 90% das exportações brasileiras:
38
Morais, Adriano Giacomini. Criação e Desvio de Comércio no Mercosul e no NAFTA. Dissertação de mestrado. São Paulo, USP, 2005, p. 64. 39 Idem, ibidem. 40 Cozendey, Carlos M., op. cit., p. 57. 41 “Brasil – Comércio Exterior Global: Janeiro-Dezembro 2007-2008”. ALADI/SEC/DI 2210.1, 26 de janeiro de 2009. Disponível em www.aladi.org.
47
Brasil – Exportações por fator agregado (2008) Destino MERCOSUL
Manufaturados Básicos 94,9% 4,9%
ALADI
88,2%
11,6%
EUA
76,8%
22,6%
UE
52,7%
46,7%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do MDIC
A importância do Mercosul para o comércio brasileiro deve ser mensurada, portanto, não apenas pelo volume total das exportações, mas também por sua composição, que beneficia sobretudo os setores industriais, fazendo com que o comércio com os países vizinhos tenha grande qualidade e gere importantes cadeias de valor.
2.2) A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)
Os acordos de comércio têm como objetivo não apenas intensificar o intercâmbio de bens e serviços, mas também agilizar o trânsito de mercadorias, seja por meio da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias, seja pela harmonização de procedimentos aduaneiros. Nesse quadro de simplificação de procedimentos, é de fundamental importância que as partes contratantes de um determinado acordo tenham um “linguajar” comum, isto é, que classifiquem e designem de forma idêntica um determinado produto. Eventuais discordâncias a respeito poderiam representar um óbice ao fluxo normal de mercadorias. Foi com a intenção de evitar esse tipo de obstáculo que se elaborou, no âmbito da Organização Mundial das Aduanas (OMA), o Sistema Harmonizado de Classificação e Designação de Mercadorias. Esse sistema, usualmente conhecido pela sigla SH, estabelece uma nomenclatura e uma descrição comum para os diferentes tipos de bens. O SH é constituído por um código de seis dígitos e pela correspondente descrição do bem. Mais de 5.000
48
mercadorias – o que representa praticamente a totalidade dos bens comercializados no mundo – estão classificados no SH. A NCM está baseada no SH. Isso quer dizer que as mercadorias são classificadas no mesmo código e designadas da mesma maneira. A única diferença existente diz respeito ao número de dígitos. Se no SH são seis os dígitos que integram o código de uma mercadoria, no Mercosul são utilizados oito dígitos. Qual a conseqüência concreta dessa diferença ? Apenas a de que no bloco sul-americano uma mercadoria pode ser descrita com maiores detalhes. O exemplo abaixo ajuda a esclarecer a questão:
Exemplo extraído do Sistema Harmonizado Capítulo 87 Veículos Automóveis, Tratores, Ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios Código 8703
Automóveis
de
Descrição passageiros e outros
veículos
automóveis
principalmente concebidos para transporte de pessoas, incluídos os veículos de uso misto (“station wagons”) e os automóveis de corrida. 8703.22
- De cilindrada superior a 1.000 cm3, mas não superior a 1.500 cm3
Mesmo código na Nomenclatura Comum do Mercosul Automóveis
8703
de
passageiros
e
outros
veículos
automóveis
principalmente concebidos para transporte de pessoas, incluídos os veículos de uso misto (“station wagons”) e os automóveis de corrida. 8703.22 8703.22.10
- De cilindrada superior a 1.000 cm3, mas não superior a 1.500 cm3 - Com capacidade de transporte de pessoas sentadas inferior ou igual a 6, incluindo o condutor
Tanto o SH como a NCM são divididos em capítulos. O exemplo acima se refere ao capítulo 87, que contempla automóveis, tratores e outros tipos de veículos.
49
Como se vê, há uma identidade entre o código e a descrição presentes no SH e na NCM. No entanto, a NCM, por poder lançar mão de oito dígitos, pode apresentar um código mais detalhado. No caso apresentado, além do código 8703.22, concernente a veículos com cilindrada superior a 1000 cm3,
a NCM apresenta o código
8703.22.10, que diz respeito a veículos com cilindrada superior a 1000 cm3 e capacidade de transporte de pessoas sentadas inferior ou igual a 6. Houve, portanto, um detalhamento ainda maior do que aquele existente no SH. Em virtude de avanços tecnológicos e do surgimento de novas mercadorias, o SH sofre revisões periódicas. Esse processo - que pode levar em torno de quatro ou cinco anos - resulta em “emendas” ao SH. Essas emendas, uma vez aprovadas, acabam por provocar também uma revisão da NCM, a fim de que se mantenha a correlação entre esses dois sistemas de classificação e designação de mercadorias. A primeira versão da NCM estava baseada na I Emenda ao SH. Em 1996 e 2002 a NCM foi atualizada para ajustar-se, respectivamente, às II e III Emendas do SH. Por fim, ao longo de 2006 os Estados Trabalhos trabalharam para atualizar a NCM à luz da IV Emenda do Sistema Harmonizado, a qual passou a vigorar a partir de 2007. Caso haja dúvidas acerca da classificação de algum produto, competirá ao Comitê Técnico N° 1 da CCM (cujas competências serão examinadas mais adiante) aprovar um “ditame de classificação tarifária”, que consiste numa definição sobre a posição tarifária em que deverá enquadrar-se a mercadoria em apreço.
2.3 ) Estrutura da TEC
A TEC é, como assinalamos em diferentes oportunidades, o principal elemento caracterizador das uniões aduaneiras. No Mercosul a tarifa comum foi adotada oficialmente em 1° de janeiro de 1995. A implementação da TEC se deu no mesmo contexto em que se verificava uma sensível redução nos níveis de proteção tarifária dos dois principais sócios do bloco, Argentina e Brasil. Em 1990, ano anterior à assinatura do Tratado de Assunção – e momento em que se deu início ao processo de abertura comercial – a
50
alíquota média do imposto de importação brasileiro era de 32,20%. Em 2007, essa cifra havia sido bastante reduzida, situando-se em torno de 10,61%42. A tabela a seguir atesta a crescente abertura comercial do Brasil na esteira da criação do Mercosul: Evolução do imposto de importação no Brasil na fase inicial do MERCOSUL (1991-1995) Ano Média Moda Desvio padrão
1991 25,3 20,0 17,4
1992 20,8 20,0 14,2
1993 16,5 20,0 10,7
1994 14,0 20,0 8,3
1995 12,6 2,0 9,0
Fonte: SECEX/MDIC
Como se vê, os níveis tarifários do Brasil foram submetidos a uma drástica redução a partir da assinatura do Tratado de Assunção. É importante salientar, todavia, que se trata de um processo que antecede a criação do Mercosul: em 1991 as alíquotas de importação já estavam significativamente mais baixas do que cinco anos antes, por exemplo. Em 1985, a alíquota média era de 51,3%, praticamente o dobro daquela existente em 1991. Foi o processo de integração, no entanto, que criou as condições para que esse processo de tornasse irreversível, engendrando um incremento do intercâmbio comercial entre os países da região. Os números indicados na tabela anterior devem ser objeto de uma interpretação qualitativa. Não houve apenas uma redução da alíquota média, mas também das tarifas “modais” – isto é, daquelas que aparecem com maior freqüência. Os números indicam que a tarifa modal sofreu substancial redução após o estabelecimento da união aduaneira, passando de 20% para 2%. Esse crescente grau de abertura pavimentou o caminho para que o Brasil se engajasse no processo de liberalização comercial com seus parceiros do Mercosul. Essa liberalização no comércio entre os sócios e a negociação da TEC foram os dois temas prioritários da agenda do bloco desde a assinatura do Tratado de Assunção. Acordou-se então que a tarifa comum deveria cumprir uma dupla função: 42
Fonte: MDIC/SECEX/DEINT/CGIR. Disponível em
51
incentivar a competitividade externa dos Estados Partes e, por outro lado, conferir preferência ao valor agregado regional43. A adoção desses princípios não deixou, porém, de enfrentar dificuldades, notadamente em razão das diferenças entre as estruturas produtivas das economias do bloco. Mesmo entre os dois sócios maiores havia divergências: se de um lado o Brasil não deixava de buscar uma proteção adequada para sua diversificada indústria, por outro a Argentina almejava compatibilizar a TEC com seus interesses em importar insumos com custo reduzido e modernizar seu parque produtivo44. No caso do tratamento a ser dispensado aos bens de capital, por exemplo, o Brasil defendia um nível de proteção maior para os itens que contassem com produção local, ao passo que a Argentina propugnava por patamares tarifários reduzidos, independentemente da capacidade dos produtores locais em atender à demanda dos países do bloco. Essas discrepâncias de interesses afloraram já no início dos debates sobre a estrutura da TEC. A proposta circulada pelo Brasil aos seus sócios previa sete diferentes níveis tarifários (0%, 5%, 10%, 15%, 20%, 25% e 35%). Quanto maior o valor agregado de um determinado produto, maior seria o seu nível de proteção. A proposta argentina, embora contemplasse seis níveis, previa alíquota máxima de 20% (0%, 4%, 8%, 12%, 16% e 20%), no que se diferenciava de maneira considerável do projeto brasileiro45. Uruguai e Paraguai também defendiam níveis de proteção menores do que aqueles defendidos pelo Brasil. Em dezembro de 1992 acordou-se, como fórmula de consenso, que a TEC teria níveis entre 0% e 20%, podendo, no entanto, contar com nível máximo de 35% para um número limitado de produtos. A TEC apresenta, portanto, uma estrutura escalonada, com alíquotas que vão de 0% a 20%, com algumas exceções acima desse patamar. O aumento das alíquotas se dá de acordo com o grau de elaboração produtiva, o que permite presumir que, em princípio, quanto maior o valor que agrega de um determinado bem, maior será a
http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1386. Consulta em 16 de março de 2008. 43 Vaz, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília, IBRI, 2002, p. 227. 44 Ibidem, p. 227. 45 Ibidem, p. 229-230.
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sua alíquota. Nesse quadro, bens com pouco grau de elaboração, como matérias primas, teriam alíquotas mais baixas, ao passo que produtos finais mais elaborados, como automóveis, teriam alíquotas mais elevadas. Observando-se a estrutura da TEC, podemos perceber três níveis principais. No primeiro deles, relativos a insumos, as alíquotas variam de 0% a 12%. No segundo, referente a bens intermediários e bens de capital, esses patamar varia de 12% a 16%. Por fim, os bens finais têm alíquotas de 16% a 20%. Embora formalmente a alíquota máxima seja de 20%, em alguns casos excepcionais, especialmente em setores considerados sensíveis – seja pelo alto nível de agregação de valor (que movimenta outras cadeias produtivas), seja pelo uso intensivo de mão de obra -, como o automotivo, têxtil, calçadista e de confecções, decidiu-se adotar alíquotas superiores a esse patamar, chegando até o nível de 35%46. Os intervalos entre as alíquotas são de 2%. Assim sendo, são onze os níveis de alíquotas da TEC, partindo de 0% e chegando a 20% (excetuados, como visto, os produtos que cujas alíquotas foram situadas em patamares mais elevados). A tabela a seguir indica a freqüência relativa de cada faixa tarifária em 1995 e 2005:
freqüência (%)
30 25
1-jan-1995
20
31-dez-2005
15 10 5 0 0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
alíquota (%)
Fonte: Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 13.
Pode-se notar que, no geral, houve uma ligeira redução dos níveis da TEC nos dez anos posteriores à conformação da união aduaneira. O percentual de
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produtos com alíquotas mais baixas (0% e 2%) cresceu, ao passo que houve redução nas faixas mais elevadas, sobretudo no que se refere aos produtos com alíquota de 14%. A maior parte dos itens tarifários (91,3%) permaneceu, porém, com a mesma alíquota. O número de códigos que passou por elevação tarifária correspondeu a 1,7% do total, ao passo que 6,7% sofreram redução47. Essa estrutura tarifária com onze níveis, além dos produtos que contam com alíquotas mais elevadas, é considerada por alguns críticos como excessivamente complexa, o que militaria contra a simplificação da administração aduaneira48. Resta claro, porém, que uma das razões para a existência dessa estrutura escalonada foi a necessidade de acomodar interesses distintos dos quatro Estados Partes, tarefa demasiadamente complexa na fase inicial de implementação da união aduaneira. A existência de mais de mais de dez níveis de alíquotas aponta para a existência, no Mercosul, de um elevado grau de dispersão tarifária. A redução dessa dispersão é um dos desafios a serem enfrentados pelos países do bloco. Reduzir o grau de dispersão significa diminuir o número de alíquotas e também – o que veremos logo a seguir – o número de exceções autorizadas à política tarifária comum. Quanto menor a quantidade de níveis tarifários e menor o número de produtos para os quais os Estados Partes podem aplicar alíquotas distintas, mais simples e mais eficiente será o sistema tarifário comum. Como observamos há pouco, parte da complexidade da TEC deriva da dificuldade em se conciliar interesses contrastantes dos sócios. A fim de acomodar as divergências dos Estados Partes, decidiu-se que os países poderiam adotar para um grupo de produtos alíquotas diferentes durante um período de tempo determinado. Assim sendo, conquanto exista formalmente uma tarifa externa comum para todo o universo tarifário, na prática os Estados Partes têm direito a uma série de exceções.
46
Cf. Decisões CMC n° 70/00 e 37/07. Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 14. 48 Kume, Honório e Piani, Guida. “Mercosul: o dilema entre união aduaneira e área de livre comércio”. In: Revista de Economia Política, vol. 25, n° 4 (100). São Paulo, outubro-dezembro 2005, p. 376. 47
54
Cabe ressaltar que essas exceções não constituem práticas unilaterais: os países contam com autorização específica para aplicar alíquotas diferentes. A cada grupo de exceções corresponde, por conseguinte, uma norma comunitária que lhe dá amparo. Com propósitos exclusivamente didáticos, podemos classificar as exceções em dois grandes grupos: as exceções ao comércio intrazona e as exceções à TEC. A primeira exceção ao comércio intrazona foi o “Regime de Adequação Final à União Aduaneira”, que excluía do livre comércio entre os países do bloco um determinado conjunto de produtos, considerados sensíveis pelos Estados Partes. Esse regime permitiu a incidência do imposto de importação no comércio entre os próprios Estados Partes. O regime de adequação, como veremos abaixo, já foi extinto, tendo vigorado de 1995 a 1999. Ainda existem, porém, dois setores que estão excluídos do livre comércio intrazona: o setor automotivo e o setor açucareiro. Existem, igualmente, exceções na aplicação da TEC, possibilitando aos Estados Partes aplicar alíquotas diferentes nas importações efetuadas de terceiros países ou blocos. São duas as principais categorias de exceções à TEC: as listas nacionais de exceções e as exceções setoriais (Bens de Capital e Bens de Informática e Telecomunicações). A tabela a seguir relaciona as exceções atualmente existentes, tanto no que se refere ao comércio intrazona quanto no tocante à TEC. As especificidades de cada um dos itens serão analisadas em seguida.
EXCEÇÕES AO LIVRE COMÉRCIO INTRAZONA
“Regime de Adequação”
País – número de itens Arg: 207 itens Bra: 29 itens Par: 435 itens Uru: 952 itens
Prazo Vigorou até janeiro de 1999 para Argentina e Brasil e até janeiro de 2000 para Paraguai e Uruguai, momento em que foi extinto
55
Junho de 2013, prazo para revisão dos acordos bilaterais ou adoção de nova Política Automotiva Comum do MERCOSUL (PAM)
Setor automotivo -------------
Sem definição
Setor açucareiro
EXCEÇÕES À TEC
Listas Nacionais de Exceções à TEC
País – número de itens Arg: 100 itens Bra: 100 itens Par: 100 Par: 150 Par: 399 Uru: 100 Uru: 125
Prazo 31/12/2010 31/12/2010 31/12/2015 31/12/2010 31/12/2010 31/12/2015 31/12/2010
Decisão CMC n° 59/07 (Listas Adicionais para PAR e URU: Dec. 07/94 e 31/03). Até 31/12/2010 os Estados Partes podem aplicar alíquotas distintas à da TEC.
Bens de capital
Não há número máximo de itens Paraguai e Uruguai poderão manter listas de BKs com alíquotas de 2% até 31/12/10. A Argentina possui “waiver” para BKs com tarifa de 0% até 31/12/08 (Decisão CMC n° 40/05). Para Argentina e Brasil o regime deverá
Não há número Bens de entrar em vigor em 01/01/2011. máximo de itens Informática e Para Paraguai e Uruguai deverá entrar em Telecomunicações vigor em 01/01/2016 Permite-se ao Paraguai importação de Janeiro de 2011. Matérias Primas a matérias primas com alíquota de 2% (art. 1° Decisão CMC n° 32/03). Insumos agropecuários
Permite-se ao Paraguai e Uruguai a importação Janeiro de 2011.
56
de insumos agropecuários com alíquota de 2% (art. 3° Decisão n° CMC 32/03). Áreas Aduaneiras Especiais
Drawback e admissão temporária
------------------
Segundo a Decisão N° 08/94, deveriam ser extintas em 2013. Decisão deverá ser modificada. ZFM já foi prorrogada até 2023.
Admite-se o drawback e a admissão temporária para o Janeiro de 2011. comércio intrazona (Decisão CMC n° 32/03).
2.4) Exceções ao comércio intrazona
a) O Regime de Adequação Final à União Aduaneira
Já durante os debates para a constituição da TEC, em 1994, ficou patente a dificuldade de os Estados Partes aplicarem, no ano seguinte, a mesma alíquota para todo o universo tarifário. Decidiu-se, assim, que uma gama de produtos considerados mais sensíveis teria prazos mais longos de desgravação tarifária. Esses produtos faziam parte do “regime final de adequação à união aduaneira”, que consistia basicamente num mecanismo de adaptação de setores específicos ao novo estágio da integração entre os Estados Partes. O regime de adequação, aprovado por meio da Decisão CMC n° 22/94, previa que os produtos inicialmente excluídos do livre comércio teriam um prazo de cinco anos para atingirem a alíquota de 0%, no caso de Argentina e Brasil (com a data limite de 31/12/1998), e cinco anos no caso de Paraguai e Uruguai (data limite de 31/12/1999). Como se vê, a exceção representada pelo regime de adequação final consistiu numa exceção ao livre comércio intrazona, permitindo que se prosseguisse com a incidência do imposto de importação sobre produtos originários dos Estados Partes.
57
Cada sócio, amparado pelo que dispunha a Decisão CMC n° 22/94 - a qual não estabeleceu uma quantidade máxima de itens, asseverando apenas que o regime se aplicaria a um “número reduzido” de mercadorias - incluiu uma quantidade diferente de produtos em suas listas de adequação49.
b) O Setor Automotivo
O setor automotivo permanece, até o momento, formalmente excluído do livre comércio entre os Estados Partes. Essa exclusão decorre do fato de que ainda não houve consenso para o estabelecimento de uma política automotiva comum dentro do bloco. Trata-se de um dos itens mais importantes da chamada “agenda não cumprida” do Mercosul. Cumpre lembrar que no universo do setor automotivo estão incluídos não apenas veículos, mas também autopeças. É fundamental ter em mente, da mesma forma, o peso que tem o comércio de produtos desse setor na balança comercial bilateral entre Argentina e Brasil. Em 2007, por exemplo, o conjunto de produtos do setor automotivo respondeu por mais de um terço das exportações brasileiras para a Argentina, segundo dados MDIC. A situação do setor automotivo é peculiar: trata-se de um segmento em que o comércio intrazona é administrado. Isso significa que os Estados Partes podem estabelecer acordos bilaterais, definindo como se dará o comércio entre eles. Em geral, são estabelecidas regras que almejam fundamentalmente evitar o desequilíbrio nas trocas comerciais bilaterais. Acordos dessa natureza foram celebrados pelo Brasil com a Argentina e o Uruguai. Cumpre notar que tais acordos, justamente por serem bilaterais, não consubstanciam normas do Mercosul, integrando-se, do ponto de vista jurídico, aos Acordos de Complementação Econômica n° 14 (Argentina – Brasil) e n° 2 (Brasil – Uruguai), e não ao ACE n° 18 (o qual, como visto, constitui a base jurídica das relações econômicas do bloco). Em 2000 foram concluídas as negociações para o estabelecimento de uma Política Automotiva do Mercosul (PAM), por meio da aprovação da Decisão CMC 49
As listas apresentadas pelos Estados Partes contaram com o seguinte número de itens: Argentina – 207; Brasil – 29; Paraguai – 435; Uruguai – 952.
58
n° 70/00. Segundo essa norma, o livre comércio para o setor automotivo teria início em 2005, prazo que acabou não sendo cumprido, sobretudo em função dos problemas econômicos que afetaram a economia argentina a partir do final de 2001. A PAM encontra-se, no momento, em processo de revisão. A Decisão CMC n° 70/00 previa que a alíquota da TEC para a importação de veículos passaria a ser de 35%. Além disso, estabelecia que entre 2001 e 2005 haveria entre Brasil e Argentina um “regime de transição” baseado no comércio regulado50: os produtos do setor automotivo poderiam ser comercializados sem pagamento de tarifa (isto é, com preferência tarifária de 100%), desde que cumpridas certas condições. Essas condições resumem-se essencialmente à existência de um certo equilíbrio entre as importações e exportações de cada país. Esse “equilíbrio” é determinado pelo chamado “coeficiente de flexibilidade” ou “coeficiente de desvio”, conhecido simplesmente como flex. Segundo esse instrumento, quanto mais um país importa do país vizinho, mais terá direito a exportar sem pagar tarifas. Caso o Estado Parte exporte excessivamente, sem em contrapartida importar um número mínimo de produtos de seu parceiro, uma parcela dessas exportações estará sujeita à incidência de tarifa. O flex é determinado por um coeficiente. Suponhamos um flex de 2 (dois). Nesse caso, a cada 1 dólar exportado para a Argentina, o Brasil poderá importar 2 dólares sem pagar tarifa, e vice-versa. Se num determinado período o Brasil exportou US$ 1 milhão, poderá importar até US$ 2 milhões com preferência de 100%. Caso as importações atinjam US$ 3 milhões, por exemplo, o US$ 1 milhão excedente estará sujeito ao pagamento de tarifa, a qual, segundo o acordado na Decisão CMC n° 70/00, corresponde a 70% da TEC no caso dos veículos e 75% da TEC no caso de autopeças. O flex estabelece, como se vê, uma “margem controlada” de desequilíbrio. O acordo automotivo atualmente vigente entre Brasil e Argentina51 prevê um flex assimétrico (de 1,95 para a Argentina e de 2,5 para o Brasil), de modo a possibilitar uma maior equilíbrio no comércio entre os dois países (a Argentina 50 51
“Informe MERCOSUR” n° 10. Buenos Aires, BID-INTAL, 2006, p. 64. 38° Protocolo Adicional ao ACE-18.
59
poderá, em tese, exportar mais produtos com tarifa de 0% ad valorem). O acordo mantém a determinação de que os dois países dotem uma política tarifária comum para a importação de autopeças de terceiros países. A TEC para partes e peças oscila entre 8% e 16%, mas o próprio acordo automotivo bilateral prevê a concessão de reduções tarifárias a 2% para a importação desses itens, quando destinados à produção. Por fim, cabe lembrar que os países deverão pôr-se de acordo com relação ao conteúdo regional mínimo de partes e peças para que os veículos comercializados no âmbito do bloco se beneficiem do livre comércio. O acordo bilateral, assinado em junho de 2008, terá validade até 30 de junho de 2014, na expectativa de que até essa data os Estados Partes já terão acordado uma política automotiva comum. O atual acordo bilateral com o Uruguai foi assinado em julho de 200852, também com vigência prevista até 2014, e mantém a existência de quotas para o comércio de produtos do setor. Dentro das quantidades estipuladas, os produtos comercializados contarão com preferência tarifária de 100%. Mais de quinze anos após a constituição do bloco ainda prosseguem, desse modo, as conversações para a efetiva inclusão do setor automotivo na união aduaneira. Cumpre lembrar que, apesar de não haver propriamente livre comércio nesse segmento, parte do intercâmbio comercial se dá, como visto, sem o pagamento de tarifa, haja vista os acordos bilaterais celebrados entre os países do bloco, com exceção do Paraguai.
c) O setor açucareiro
O setor açucareiro também está excluído do livre comércio desde a constituição do Mercosul. Trata-se de um produto sensível para os países vizinhos, especialmente para a Argentina (cuja produção concentra-se no norte do país, especialmente nas províncias de Tucumán, Salta e Jujuy), havendo grandes receios com relação à possível competição com o Brasil. Por essa razão ainda persiste, nos 52
68° Protocolo Adicional ao ACE-2.
60
países vizinhos, um elevado grau de proteção tarifária para o açúcar e seus derivados. Ainda em 1994, na fase final dos debates para o estabelecimento da união aduaneira, os Estados Partes decidiram aprovar a Decisão CMC n° 19/94. Essa decisão incumbia um Grupo “Ad Hoc” de apresentar proposta para a inclusão do setor açucareiro na união aduaneira, tendo presente basicamente dois elementos: a) a liberalização gradual do comércio intrazona e b) a “neutralização de distorções que possam resultar de assimetrias entre as políticas nacionais para o setor açucareiro”. Trata-se, em verdade, de dois pontos correlatos: a efetiva liberação do comércio dos produtos do setor açucareiro estaria vinculada à redução de possíveis efeitos deletérios das políticas estatais de incentivo (como concessão de benefícios fiscais) pelos Estados Partes do bloco. A efetiva inclusão do setor açucareiro na união aduaneira deveria dar-se “até 2001”, no contexto da eliminação de todas as demais exceções ao livre comércio e à TEC. Essa mesma Decisão autorizava os Estados Partes a manterem suas políticas tarifárias nacionais, assinalando, porém, que o tratamento dado às importações dos sócios não poderia ser mais gravoso que aquele aplicado às importações de terceiros países. As negociações levadas a cabo no âmbito do Grupo “Ad Hoc” não avançaram, tendo em vista fundamentalmente as divergências entre Brasil e Argentina sobre o tratamento a ser dispensado à matéria. O Governo argentino ponderou, em síntese, considerar não existirem condições para uma competição eqüitativa no âmbito do bloco, razão porque os Estados Partes deveriam preservar sua liberdade para manter barreiras tarifárias ao comércio intrazona. Desde os anos 90 o Governo argentino impõe uma tarifa móvel às importações do açúcar, cujo piso é de 20%, podendo atingir patamares mais elevados de acordo com a cotação do produto no mercado internacional. De maneira similar ao que acontece com o setor automotivo, é possível, portanto, distinguir a existência de um interesse ofensivo do Brasil nesse tema, propugnando pela implementação do livre comércio, e, de outro lado, um interesse
61
defensivo da Argentina (e, em menor escala, também dos demais sócios), baseado na proteção de sua produção doméstica. No final de 1999, o Brasil apresentou reclamação à Comissão de Comércio do Mercosul contra a edição, pela Argentina, da Lei n° 24.822/97, que vedava a redução de tarifas no comércio intrazona enquanto perdurassem as supostas distorções resultantes das ajudas estatais brasileiras ao setor sucro-alcooleiro. Não houve consenso dos dois Estados Partes com relação à revogação da medida, tendo a Argentina manifestado novamente seu entendimento de que existem assimetrias de políticas relativas ao setor que inviabilizariam sua efetiva incorporação à união aduaneira. Em 2000, no marco do “relançamento” do Mercosul, os Estados Partes renovaram a ambição de promover a inclusão do setor sucro-alcooleiro na união aduaneira. O Brasil chegou a apresentar proposta no âmbito do Grupo “Ad Hoc”, segundo a qual teria início ainda em 2000 um cronograma de desgravação tarifária, até o estabelecimento final do livre comércio em 2002. Os Estados Partes teriam, a partir desse ano, uma tarifa externa comum de 16% para o setor. A Argentina e o Paraguai acabaram explicitando discordâncias com relação à proposta brasileira53. As negociações entre os países do bloco não evoluíram desde então. A incorporação do açúcar à união aduaneira é particularmente importante para o Brasil em virtude de sua tradicional demanda, em âmbito multilateral, pela liberalização do comércio de produtos agrícolas. A exclusão desse importante segmento do Mercosul pode ser vista, desse ponto de vista, como antagônico com os objetivos brasileiros mais amplos no cenário das negociações econômicas multilaterais.
2.5) Exceções à TEC
53
“Informe Mercosul” n° 6. Buenos Aires, BID-Intal, 2000, p.56.
62
As exceções à TEC permitem que os Estados Partes apliquem alíquotas do imposto
de
importação
diferentes
daquelas
formalmente
acordadas
e
consubstanciadas nas normas do bloco. É importante salientar que no Mercosul todas as exceções autorizadas são temporárias, no contexto do esforço de se eliminar as chamadas “perfurações” às disciplinas da união aduaneira.
a) Bens de Capital e Bens de Informática e Telecomunicações
Além do regime de adequação final à união aduaneira, que permitia a exclusão, durante um período de tempo limitado, de determinados produtos do processo de liberalização do comércio, permitiu-se aos Estados Partes adotarem alíquotas diferentes na TEC – situação que persiste até hoje, como veremos em tópico posterior – para dois setores específicos: o de Bens de Capital (BKs) e o de Bens de Informática e Telecomunicações (BITs). Nesses dois segmentos, a grande diferença de interesses entre os Estados Partes impediu, inicialmente, a aplicação de uma tarifa comum. Esse contraste de interesses radica no fato de que a produção dessas duas categorias de bens está concentrada no Brasil, levando-o a postular a adoção alíquotas mais elevadas com o objetivo de aumentar a proteção à indústria doméstica. Os demais sócios demandam, por sua vez, alíquotas mais reduzidas. Essas divergências se explicitaram já durante a negociação inicial dos níveis da TEC. Acordou-se, então, que inicialmente os Estados Partes poderiam aplicar tarifas diferentes, tendo que dar início, a partir de 1995, a um processo de convergência de alíquotas, até que se atingisse, em 2001, uma tarifa comum de 14% para o setor de BKs, e, em 2006, uma tarifa comum de 16% para o setor de BITs. Esses prazos não foram cumpridos, tendo sido sucessivamente prorrogados, o que
63
significa, concretamente, que cada um dos membros do bloco está autorizado a aplicar tarifas diferentes para produtos desses dois setores54.
a.1) A política brasileira de “Ex-tarifários”
Tendo em vista a possibilidade de que os Estados Partes pratiquem tarifas distintas para BKs e BITs, o Brasil decidiu lançar mão de um mecanismo específico, a política de “Ex-tarifários”55, a fim de reduzir as alíquotas - em geral a 2% incidentes sobre produtos desses setores que não são produzidos no país. Trata-se de uma forma de estimular investimentos privados em seu parque produtivo. Na hipótese de uma empresa apresentar projeto de investimento que exija a importação de BKs ou BITs não produzidos no Brasil, a CAMEX, caso aprove o pleito, cria um “Ex”, espécie de “destaque” no código da NCM que conta com uma descrição específica. O “Ex” é na verdade uma “exceção” à tarifa vigente para determinado código. Essa “exceção” aplica-se apenas para um produto específico, com especificações técnicas bem detalhadas. Isso deve à circunstância de que um código da NCM pode ser bem genérico -como, por exemplo, o código 8408, que se refere a “motores de pistão, de ignição por compressão”. Dentro dessa descrição enquadramse diferentes tipos de motores, cada um com características técnicas próprias. Mais importante: nessa descrição podemos ter, a depender das especificações técnicas, produtos fabricados e não fabricados no país. Para aqueles que contam com produção nacional, o lógico é que seja observada a alíquota prevista na TEC (em geral de 14%). Para os bens não produzidos (sem similar nacional) – e que sejam importantes para a indústria nacional – é possível que se conceda, por meio de um “ex” (exceção), uma redução tarifária. O mecanismo de “Ex-tarifários” foi estabelecido em 1990, tendo aumentado progressivamente de importância desde então. Durante um breve lapso de tempo, em 54
Em dezembro de 2008, o Conselho do Mercado Comum decidiu, por meio da Decisão n° 58/08, prorrogar até 31 de dezembro de 2010 a autorização para que os Estados Partes pratiquem tarifas distintas para os setores de BKs e BITs. 55 Atualmente regulamentada pela Resolução CAMEX N° 35, de 22 de novembro de 2006.
64
1997, foram revogadas os benefícios tarifários concedidos, tendo sido reintroduzidos logo depois56. Dentre os critérios que norteiam a análise técnica dos pedidos de “Extarifário”, destacam-se a relevância do investimento a ser feito para o incremento da competitividade e da infra-estrutura da economia e para o aumento das exportações brasileiras. Antes de ser submetida à aprovação da CAMEX, essa análise técnica é levada a cabo no Comitê de Análise de “Ex-tarifários” (CAEX), que funciona no âmbito do MDIC. No exemplo abaixo, temos um exemplo de “Ex-tarifário” criado na NCM 8427.90.00, relativa ao BK “outros tipos de empilhadeiras; veículos para movimentação de carga e semelhantes, equipados com dispositivos de elevação”. A descrição desse código é ampla, contemplando uma grande diversidade de produtos. O “Ex-tarifário” conta com uma descrição bem mais específica, explicitando as especificações do equipamento (como sua altura, alcance e capacidade de carga) e suas funções:
Exemplo de “Ex-tarifário” 842790 00
- Outros (“empilhadeiras, veículos para movimentação de carga e 14% semelhantes, equipados com dispositivos de elevação”) 2% 30/6/2009 Plataformas de elevação para trabalhos aéreos, Ex autopropulsadas, sobre esteiras de borracha, dotadas de 001 braço telescópico com rotação de 360º, com altura máxima de trabalho compreendida entre 12,25 e 13,90m, alcance horizontal máximo de trabalho entre 5,42 e 6,76m e capacidade de carga sobre a plataforma de trabalho compreendida entre 120 e 200kg
Em geral, os “Ex tarifários” contam com alíquotas de 2%, que é aquela aplicável, de maneira geral, a bens não produzidos. Alguns poucos – considerados “Ex tarifários” especiais – contam com alíquota de 0% (é o caso, por exemplo, de BKs relacionados ao setor de saúde ou de BITs relevantes para o setor de TV digital). 56
Piani, Guida e Miranda, Pedro. “Regimes Especiais de importação e “Ex-tarifários”: o caso do Brasil”. Rio de Janeiro, IPEA, texto para discussão n° 1249, 2006.
65
Em 2009, havia no Brasil mais de 2000 “Ex-tarifários” vigentes. É importante ressaltar que esse número não se refere à quantidade de NCMs, dado que um mesmo código NCM pode conter diversos “Ex”. Além dos chamados “Ex-tarifários” simples, que se referem a um BK ou BIT, existem também os “Sistemas Integrados”, que consistem num conjunto de BKs e BITs que funcionam em conjunto, como se constituíssem um único equipamento. A partir do que foi exposto, podemos sintetizar as características principais desse instrumento:
Ex-tarifários: características a) seu objetivo é o de promover reduções de alíquotas da TEC, geralmente a 2%, o que estimula importações Bens de Capital (BKs) e Bens de Informática e Telecomunicações (BITs) não produzidos localmente e associados a projetos de investimento que modernizam o parque produtivo nacional; b) essa redução tarifária por meio de uma política nacional só é possível em virtude do fato de que ainda não existe, no Mercosul, um regime tarifário comum para BKs e BITs; c) consistem num “destaque” da NCM, com uma descrição mais detalhada; d) a instituição de “Ex tarifários” ocorre por meio de Resolução da CAMEX e toma em consideração critérios como a contribuição das importações para a competividade do setor, para o aumento das exportações nacionais e para a melhoria da infra-estrutura da economia; e) seu prazo de vigência é normalmente de 2 (dois) anos.
Se de um lado o Brasil lança mão de sua política de “Ex-Tarifários”, por outro os demais Estados Partes contam com uma gama de benefícios que lhes permitem importar BKs e BITs com custo reduzido. A Argentina usufrui, desde 200157, de um “waiver” para a importação de uma série (cerca de 700 linhas tarifárias) de BKs. Esse benefício lhe foi concedido na esteira da crise econômica 57
Cf. Decisão CMC N° 01/01.
66
que se abateu sobre o país no início da década e procurava atender às necessidades do país de manter a competitividade de sua economia. Embora sua validade devesse se estender apenas até o final de 2002, e foi sucessivamente prorrogado. A última prorrogação, até o final de 2010, ocorreu em dezembro de 200858. Já Paraguai e Uruguai também estão autorizados a praticar alíquotas reduzidas, inclusive de 0%, para BKs, BITs e insumos agropecuários59. Essas diferentes políticas nacionais para BKs e BITs são, à luz do que dispõem as normas do Mercosul, temporárias. Espera-se, como veremos a seguir, que haja uma harmonização de tarifas nesses segmentos. Caso esse objetivo se concretize, a política brasileira de “Ex-tarifários” deverá ser substituída por um mecanismo comunitário que permita redução de alíquotas para bens não produzidos pelos países do bloco.
a.2) O debate sobre regimes comuns para BKs e BITs A aplicação pelos Estados Partes de tarifas distintas para os setores de BKs e BITs constitui, desde a criação do Mercosul, um dos principais obstáculos para a consolidação da TEC. A despeito das dificuldades, os Estados Partes seguem discutindo alternativas para o estabelecimento de regimes comuns nesses dois segmentos. As discussões tiveram lugar, a partir de 2001, no âmbito do “Grupo de Alto Nível para Examinar a Consistência e Dispersão da TEC” (GANTEC). Esse Grupo, criado por meio da Decisão CMC N° 05/01, tinha o mandato de rever a estrutura tarifária, inclusive com vistas à redução dos “níveis de proteção” (ou seja, diminuição de alíquotas), para BKs e BITs. A força motriz para a criação desse foro foi a possibilidade de se atingir um consenso entre os Estados Partes a respeito a redução, ainda que não substancial, da TEC para esses dois setores, o que poderia levar a um acordo entre o Brasil, de um lado, e os três demais sócios, do outro. Tendo se reunido poucas vezes desde aquele ano, o GANTEC acabou sendo, na 58 59
Cf. Decisão CMC N° 58/08. Cf. Decisões CMC N° 32/03 e N° 58/05.
67
prática, desativado, já que em dezembro de 2008, por meio da Decisão CMC N° 58/08, foi criada nova instância - o Grupo “Ad Hoc” para os setores de Bens de Capital e de Bens de Informática e Telecomunicações (GAH BK/BIT) - , com mandato idêntico ao do GANTEC. Tanto o GANTEC quanto o novo Grupo “Ad Hoc” têm como desafio debruçar-se sobre duas questões que guardam estrita relação entre si: a) rever a estrutura tarifária para BKs (cuja alíquota modal, tal como definida pela TEC de 1995, é de 14%) e para BITs (alíquota modal de 16%) e b) estabelecer regimes comuns para a importação de bens desses dois setores. No que se refere à primeira questão, os Estados Partes lograram aprovar, em 2003, um regime comum para a importação de bens de capital não produzidos no âmbito do Mercosul (Decisão CMC N° 34/03). Esse regime previa a elaboração de uma lista comum de produtos que não contam com produção em nenhum dos países do bloco. Os BKs constantes dessa lista teriam alíquotas de 0%. Não havendo consenso para a inclusão de determinado produto na lista, o país solicitante poderá mantê-lo numa lista nacional de BKs não produzidos, com alíquota de 2%. Essa lista nacional terá, em princípio, uma validade de apenas 2 (dois) anos. Decorrido esse período, só poderão ser importados com redução tarifária os bens constantes das listas nacionais. O regime comum para BKs não produzidos deveria estar operacional em 2006, mas sua entrada em vigência foi postergada por duas vezes, estando prevista atualmente para 1° de janeiro de 201160.
b) As Listas Nacionais de Exceções à TEC
As Listas Nacionais de Exceções constituem uma “perfuração” autorizada da TEC. Cada Estado Parte tem a liberdade de estabelecer, para um número determinado de produtos, alíquotas superiores ou inferiores à da tarifa comum. O número de produtos que podem ser incluídos tem variado desde a criação do
60
Decisão CMC N° 59/08.
68
Mercosul. De 1995 a 2001 cada Estado Parte teve direito de manter listas com até 300 itens. A partir de então esse total foi reduzido para 100 itens. É importante frisar que essas cifras se referem à chamada lista “comum”, a que todos Estados Parte têm direito. Em virtude do tamanho de sua economia e das características de seu setor produtivo, Paraguai e Uruguai têm direito a um número adicional de exceções à TEC, além dos 100 itens comuns. Ao Paraguai foram concedidos 399 itens adicionais, em virtude da Decisão CMC n° 07/94, e a outros 150 itens em decorrência da Decisão CMC n° 31/03. Já o Uruguai pode manter 125 itens adicionais, também em função do disposto na Decisão CMC n° 31/03. Essas exceções adicionais são válidas atualmente até 31 de dezembro de 2010. Como se verá em tópico à parte, as exceções adicionais atribuídas a Paraguai e Uruguai têm como objetivo fundamental dar maior flexibilidade às duas economias menores do bloco, permitindo-lhes atender às demandas de setores específicos de seu parque produtivo. As listas nacionais de exceções consubstanciam, na verdade, uma espécie de “válvula de escape” para acomodar interesses conflitantes dos Estados Partes. Além disso, há casos em que situações nacionais específicas tornam conveniente uma redução ou elevação temporária do imposto de importação para produtos específicos. Essa conjuntura especial, que não justifica uma modificação definitiva da TEC por se referir às particularidades de apenas um Estado Parte, é atendida normalmente pela lista de exceções. Embora a inclusão ou exclusão de produtos seja atribuição exclusiva dos Estados Partes, é fundamental ter em mente, no entanto, que as modificações nas listas nacionais devem atender a duas regras fundamentais:
a) as listas devem ser modificadas uma vez por semestre, nos meses de janeiro e julho. Desse modo, dá-se maior previsibilidade e transparência ao processo. Além disso, evita-se que os órgãos de governo responsáveis pela questão estejam constantemente recebendo solicitações relativas à inclusão e/ou exclusão de produtos;
69
b) as alterações semestrais devem observar um limite quantitativo: são permitidas no máximo 20 modificações por semestre.
No caso do Mercosul, as Listas Nacionais de Exceções foram concebidas como um instrumento temporário. Como se assinalou anteriormente, previa-se sua extinção no ano de 2001, momento em que se esperava a eliminação de todas as “perfurações” à TEC. Desde então houve prorrogações sucessivas. Consoante a última norma aprovada sobre o tema - Decisão CMC n° 59/07 -, as listas de Argentina e Brasil terão validade até 31 de dezembro de 2010. No entanto, deveria ter início em 1° de fevereiro de 2009 um cronograma de redução do número itens (93 itens a partir dessa data; 80 itens a partir de 1° de fevereiro de 2010 e 50 itens a partir de 1° de agosto de 2010). Já Paraguai e Uruguai, na esteira das flexibilidades já indicadas, poderão manter 100 itens até 31 de dezembro de 2015. No Brasil a lista de exceções é confeccionada no âmbito de Grupo Técnico Interministerial, cabendo a decisão final à CAMEX. O Grupo Técnico normalmente recebe pleitos apresentados pelos setor privado ou por órgãos de governo e avalia a sua pertinência. A lista final é publicada por meio de Resolução da CAMEX.
2.6) Os Regimes Especiais de Importação
Os regimes especiais de importação permitem que sejam realizadas importações com isenção ou redução da TEC, desde que os produtos sejam destinados a uma determinada categoria de beneficiários ou estejam vinculados a uma finalidade específica. No primeiro caso se enquadram, a título de ilustração, as isenções de imposto de importação para agentes diplomáticos. No segundo estão, por exemplo, as isenções concedidas, no Brasil, à importação de equipamentos destinados ao treinamento de atletas. Os regimes especiais de importação constituem, desse modo, uma modalidade de “perfuração” da TEC. É necessário, por essa razão, que haja uma harmonização do tratamento do tema no âmbito do Mercosul, especialmente em face
70
da circunstância de que os regimes hoje existentes nos países do bloco são estritamente nacionais, tendo sido estabelecidos por meio de ato legislativo interno de cada um dos Estados Partes. Isso significa, na prática, que os países criaram, por meio de legislações nacionais, “perfurações” à TEC, não havendo um controle comunitário sobre esse processo. Harmonizar os regimes de importação ou eliminar aqueles estabelecidos unilateralmente fortaleceria a união aduaneira ao tornar iguais as condições de competição entre as empresas de cada um dos Estados Partes. O fato de qualquer dos países poder contar com uma gama maior de regimes especiais, concedendo isenções tarifárias para determinadas atividades, acaba por desequilibrar as condições de concorrência intrazona, fazendo com que bens importados (especialmente insumos) tenham custos diferentes em cada um dos países do bloco. Em segundo lugar, mas não menos importante, a existência dos regimes nacionais fragiliza a observância da TEC, gerando uma série de “perfurações” e erodindo as preferências que deveriam gozar os produtos de intrazona em face daqueles importados de terceiros países ou blocos. O fato de que os regimes especiais de importação contribuem para fragilizar a TEC levou os Estados Partes a iniciarem discussões para sua progressiva eliminação e/ou harmonização. Em 2000, no contexto da “agenda de relançamento” do Mercosul, o CMC aprovou a Decisão N° 69/00, norma que se tornou referência na matéria, determinando a eliminação, a partir de 1° de janeiro de 2006, de todos os regimes especiais de importação adotados unilateralmente. Esse prazo não foi cumprido, tendo sido sucessivamente prorrogado. A última norma aprovada sobre o tema, a Decisão CMC N° 57/08, não dispõe que os Estados Partes deverão eliminar os regimes unilaterais, mas apenas que o GMC deverá definir, até 31 de dezembro de 2010, o tratamento a ser dado a eles. Cabe registrar que a referência à eliminação se refere apenas aos regimes unilaterais que não são expressamente tolerados. Em 2006, os Estados Partes acordaram uma lista de regimes nacionais que, por sua pequena materialidade econômica ou finalidade social, poderiam ser mantidos. Esse é o caso, que citamos
71
apenas para ilustrar, do regime brasileiro que isenta de tributação a importação de bens destinados a urnas eletrônicas. A lista de regimes tolerados consta do anexo da Decisão CMC N° 03/06 e pode ser modificada por meio de Diretriz da CCM. Além da eliminação de regimes nacionais, as normas do Mercosul têm previsto também a necessidade de harmonização desses mecanismos por meio da criação de regimes comuns. A Decisão CMC N° 02/06 estabeleceu sete setores nos quais os Estados Partes deveriam trabalhar para criar regimes comuns: naval, aeronáutico, ciência e tecnologia, saúde, educação, bens integrantes de projetos de investimento e comércio transfronteiriço terrestre. Até o final de 2008 apenas o regime comum de ciência e tecnologia havia sido aprovado61. Os demais ainda se encontravam em fase de discussão no âmbito da CCM.
Admissão temporária e Drawback
Outra espécie de regime especial de exportação ainda é aceita no Mercosul é o regime de admissão temporária e, no Brasil, o chamado “drawback”. Ambas modalidades de regimes continuarão sendo aceitas no Mercosul até 2010, nos termos do que dispôs a Decisão CMC N° 32/03. Os regimes de admissão temporária permitem a entrada, por um prazo específico, de mercadorias que venham a cumprir uma finalidade determinada. Há, nesse caso, suspensão total ou parcial de tributos aduaneiros incidentes na sua importação, desde que observado o compromisso de que serão reexportadas no prazo fixado pela legislação aplicável62. Dentre os regimes de admissão temporária hoje vigentes no Brasil, caberia destacar, a título de ilustração, os referentes a bens destinados a eventos culturais e científicos; à utilização em feiras, exposições, congressos ou eventos de promoção comercial;
de máquinas ou equipamentos
arrendados para utilização em linhas de produção e de bens necessários ao exercício temporário de atividade profissional de não residente.
61 62
Decisão CMC N° 40/08. Em geral de um ano, com possibilidade de prorrogação por igual período.
72
Já o “drawback” existente no Brasil constitui mecanismo que isenta ou suspende a incidência de uma série de tributos (tais como o imposto de importação, IPI e ICMS) sobre insumos de mercadorias que serão exportadas. Dessa forma, as empresas estabelecidas na região podem, até o prazo estipulado, exportar para seus sócios no bloco mercadorias cujos insumos contaram com isenção ou suspensão de impostos. Na prática, o mecanismo brasileiro de “drawback” é denominado nos demais países do Mercosul de “regime de admissão temporária”. A diferença terminológica não nos impede de afirmar, porém, que os dois regimes permitem a suspensão de impostos incidentes sobre mercadorias que têm prazo de permanência definido no país. Desse modo, as empresas voltadas para a exportação têm a possibilidade de importar insumos e matérias-primas sem o pagamento de tarifas e outros tributos, desde que se comprometam, num prazo determinado, a vender o bem final no mercado externo63. Dentre os principais produtos importados ao abrigo dos regimes de admissão temporária e “drawback”, podemos destacar materiais de transporte, máquinas e equipamentos (sobretudo nos dois países mais industrializados, Argentina e Brasil), material plástico e produtos químicos. O “drawback” é considerado ferramenta importante para a competitividade da indústria nacional, ao propiciar redução de custos dos produtos, especialmente os de maior agregado, que integram a pauta exportadora brasileira.
2.7) O grau de cumprimento da TEC
Como se vê, embora o Mercosul conte formalmente com uma TEC que abarca todo o universo tarifário, ainda existem discrepâncias entre a TEC vigente e a TEC efetivamente aplicada, diferença essa decorrente da autorização que têm os
63
Berlinski, Julio e Kume, Honorio. Regímenes Especiales de Importación en el Mercosur: evaluación y recomendaciones. Montevideo, Estudio n° 007/06 CE ES (a), Sector de Asesoría Técnica, Secretaria del Mercosur, mimeo., 2006, p. 5.
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Estados Partes para lançar mão, em alguns casos (BKs, BITs e LETEC, além dos regimes especiais de importação), de alíquotas distintas. Essa situação traz à tona o debate acerca do grau de cumprimento da TEC. Dados de 2004 da Secretaria do Mercosul e das autoridades nacionais dos Estados Partes indicam que naquele ano cerca de 76% dos itens tarifários cumpriam com a TEC. Esses itens correspondiam, à época, a aproximadamente 55% do valor total das importações do Mercosul64.
Todos os bens
Grau de cumprimento da TEC (Número de itens-2004) Bens de Bens de Listas Capital Informátic Nacionais ae de Telecomuni Exceções ca-ções
Outras fontes
-
+
-
+
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+
-
+
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+
1010
57
708
0
169
48
95
4
38
5
91
314
1
3
19
284
68
27
3
0
Paraguai
1814
65
917
0
269
3
451
62
177
0
Uruguai
1262
15
899
3
259
1
86
10
18
1
Argentina Brasil
Fonte: Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2004”. Documento de Trabalho n° 05/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., abril de 2006, p. 12.
A tabela acima indica o número de linhas tarifárias em que cada país do bloco se afasta da TEC. Os números constituem uma espécie de fotografia que explicita os diferentes interesses dos Estados Partes em proteger sua indústria (elevando os níveis da TEC) ou aumentar a competitividade de sua economia por meio da redução de custos de produtos e insumos importados (redução dos níveis da TEC). Dos países do bloco o Paraguai é o que mais se desvia da TEC, em geral de forma negativa (redução), o que significa que as alíquotas fixadas no âmbito comunitário são consideradas elevadas do seu ponto de vista. Por outro lado, o 64
Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2004”. SAT/SM, Documento de Trabalho n° 05/06. Montevidéu, mimeo., abril de 2006, p. 14.
74
Brasil é o país com o menor desvio, e, quando ocorrem diferenças, essas são em geral positivas (alíquotas acima da TEC), o que permite concluir que em alguns setores a proteção oferecida pela tarifa comum é considerada insuficiente. Já Argentina e Uruguai constituiriam casos “intermediários”, apresentando desvio negativo, embora não na mesma proporção que o verificado no caso paraguaio65. Ilustrando essa situação com números, em 2004 o Paraguai apresentava apenas 65 itens tarifários com alíquotas acima à da TEC, contando, por outro lado, com 1814 produtos com alíquotas inferiores. No outro extremo estaria o Brasil, com apenas 91 itens com desvio negativo e, no entanto, 314 itens com alíquotas superiores66. Além disso, os dados indicam que o setor em que se concentram o maior número de exceções e desvios à TEC é o de Bens de Capital (BKs), representando 39% do total de itens, seguido pelas listas nacionais de exceções (35%) e pelo setor de Bens de Informática e Telecomunicações (15%)67. No entanto, é necessário notar que o volume total de importações referentes ao setor de BKs é elevado, o que contribui para que sua categorização como “principal exceção” decorra não apenas no número de itens, mas também de sua participação no volume total de importações. No segmento de BKs, apenas o Brasil cumpre estritamente as alíquotas acordadas (4 exceções no total), havendo grande desvio – negativo – nos demais Estados Partes. Por outro lado, no caso de BITs o Brasil é o país que mais se desvia das alíquotas estabelecidas (303 exceções, sendo que 284 delas para estabelecer alíquotas superiores à da TEC)68. Um levantamento mais atualizado e preciso do grau de cumprimento da TEC esbarra em alguns obstáculos, como a inexistência de intercâmbio permanente de dados estatísticos de todos os Estados Partes. Essa troca de informações tende ocorrer esporadicamente e em resposta a situações específicas, dependendo, ademais, de que cada um dos membros do bloco forneça os dados relativos ao seu 65
Ibidem, pp. 9-13. Ibidem, p. 12. 67 Ibidem, p. 17. 68 Ibidem, p. 12. 66
75
conjunto de exceções. A existência de regimes especiais de importação de caráter estritamente nacional, os quais em geral engendram diversas “perfurações” à TEC, também obstaculizam um levantamento estatístico mais fidedigno. No entanto, estudo realizado pela Secretaria do Mercosul em 2005 permite que efetuemos uma aproximação panorâmica do grau de cumprimento global da TEC no âmbito do bloco no período de 2003 a 2005:
Grau de cumprimento da TEC (2003-2005) (número de itens) 2003 2004 Universo NCM Todos Cumpre Grau de cumprimento (%)
2005
9590 6840
9750 7259
9797 7462
71,3%
74,5%
76,2%
Fonte: In: Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2005”. Documento de Trabalho n° 22/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., novembro de 2006, p. 17.
Como vimos, as principais fontes de desvio do cumprimento da TEC são as chamadas “exceções setoriais” (bens de capital e bens de informática e telecomunicações) e as listas nacionais de exceções. Caso não incluíssemos essas fontes de desvio no cálculo, o grau de cumprimento do Mercosul atingiria, em 2005, 99,6%69. Os Estados Partes do Mercosul sempre reconheceram a necessidade de se aproximarem, o máximo possível, dos patamares estabelecidos na TEC. É por essa razão que não existem, no agrupamento, “exceções permanentes”: todas elas são consideradas temporárias e excepcionais e contam com data de extinção. A curta história do bloco tem demonstrado, no entanto, que algumas dessas exceções – especialmente aquelas relativas aos setores de BITs e BKs – tendem a persistir ao longo do tempo, haja vista o evidente desequilíbrio de interesses dos Estados Partes. Uma projeção realista indica, portanto, que no futuro próximo talvez algumas exceções sejam reduzidas ou eliminadas - o caso mais provável diz respeito às listas 69
Cf. Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2005”. Documento de Trabalho n° 22/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., novembro de 2006, p. 17.
76
nacionais de exceções -, mas outras deverão ter continuidade, a fim de acomodar interesses conflitantes dos países do bloco.
2.8) Áreas Aduaneiras Especiais
O termo “áreas aduaneiras especiais” designa um conjunto de regimes aduaneiros que objetivam fomentar o desenvolvimento econômico e industrial de algumas das regiões de determinado país. Nesse conceito estão incluídas, por exemplo, as Zonas Francas (ZFs) e as Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs). No Mercosul, o tema foi tratado por meio da Decisão CMC n° 08/94. Essa norma estabeleceu que os produtos provenientes de ZFs (comerciais e industriais), ZPEs e demais áreas aduaneiras especiais sofrerão a incidência da TEC. Dessa maneira, as mercadorias produzidas em áreas aduaneiras especiais não poderão, salvo entendimento em contrário dos Estados Partes, usufruir dos benefícios do livre comércio. Isso se deve à natureza particular dessas áreas: a fim de atrair investimentos produtivos, as empresas ali instaladas usufruem de uma série de benefícios fiscais. Existem três grandes zonas francas no âmbito do Mercosul: a de Manaus, no Brasil; a da Terra do Fogo, na Argentina, e a de Colônia, no Uruguai. A Zona Franca de Manaus (ZFM) oferece um conjunto de incentivos fiscais para as empresas ali instaladas, tais como redução do Imposto de Importação (II), isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), redução do Imposto de Renda e tratamento especial no que diz respeito às contribuições sociais (PIS e COFINS). Na órbita estadual, são oferecidos créditos relativos ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Amplos benefícios fiscais também são aplicados nas Zonas Francas da Terra do Fogo e de Colônia. A fim de evitar que os produtos fabricados nas áreas aduaneiras especiais provocassem algum tipo de distorção no comércio, a solução contida na Decisão CMC n° 08/94 – incidência da TEC, como se estivéssemos diante de uma
77
mercadoria de extrazona – foi a que se apresentou mais factível às vésperas do estabelecimento da união aduaneira. Essa norma admitiu, porém, a possibilidade de que os Estados Partes pudessem celebrar acordos bilaterais concedendo isenção da TEC para produtos de suas áreas aduaneiras especiais. O Brasil possui, hoje, acordos com a Argentina e com o Uruguai. No caso do acordo com a Argentina, negociou-se, no âmbito do ACE n° 14, a isenção do pagamento da TEC para os produtos originários da ZFM e da Terra do Fogo, desde que ostentem selo ou marca de identificação de seu local de produção. No caso do Uruguai, existe, igualmente, acordo bilateral celebrado no âmbito do ACE n° 1870, os quais beneficiam uma lista de produtos da ZFM e das ZFs de Colônia e Nova Palmira. Os produtos deverão cumprir com o Regime de Origem do Mercosul e ostentar, também, selo identificador de seu local de produção. Como se vê, o tratamento da matéria no Mercosul ainda é assistemático. A despeito da previsão contida na Decisão CMC n° 08/94, os Estados Partes têm negociado, em bases bilaterais, acordos que permitem o não-pagamento da TEC. O Paraguai tem-se mantido à margem desses entendimentos. O acordo celebrado com a Argentina, por sua vez, é estritamente bilateral, não tendo relação com o acervo normativo do Mercosul, já que não foi tratado em nenhum dos órgãos decisórios do bloco. Cabe ressaltar que foram celebrados acordos também entre Argentina e Uruguai, envolvendo as ZFs da Terra do Fogo e de Colônia71. Esse tratamento fragmentário dificulta, inclusive, que se busque uma harmonização desses regimes no âmbito comunitário. Cabe ressaltar que a Decisão CMC n° 08/94 estabelecia que a ZFM poderia funcionar até 2013, prazo previsto à época na Constituição brasileira, mas que veio a ser posteriormente prorrogado até 2023. Seria conveniente, portanto, uma revisão da norma Mercosul sobre a matéria, a fim de ajustá-la à realidade do comércio intrazona. Trata-se, porém, de tarefa politicamente sensível, haja vista a resistência dos Estados Partes, sobretudo 70
Cf. Decisão CMC N° 60/07. Cf. Decisão CMC N° 09/01. Essa decisão permite que o Uruguai venda à Argentina quota de 2.000 toneladas do produto “xarope”. A Argentina, por sua vez, poderá exportar até US$ 20 milhões de produtos originários da Área Especial da Terra do Fogo. 71
78
Paraguai e Uruguai, em aceitar condições de acesso diferentes para produtos fabricados nas duas maiores ZFs do bloco, Manaus e Terra do Fogo. Um dos aspectos centrais da questão não é exatamente as exportações de produtos das ZFs para os países vizinhos, a qual não chega a ser representativa (as exportações de Manaus para o bloco representaram 4% do total em 200572), mas sobretudo o fato de que essas áreas especiais abastecem também o mercado interno dos países, o que pode gerar impactos na concorrência, ademais de levar à persistência de “perfurações” à TEC. Num cenário ideal, os Estados Partes deveriam negociar um acordo quadrilateral estabelecendo novas condições de acesso para os produtos fabricados nas áreas aduaneiras especiais, vinculando-se, por exemplo, a isenção de pagamento da TEC ao cumprimento do regime de origem do Mercosul. Embora propostas como essa já tenham sido discutidas entre os Estados Partes, ainda não se esboçou um consenso para a modificação das condições de acesso de produtos provenientes das ZFs e demais áreas aduaneiras especiais. Eventual harmonização da legislação aplicável à criação e ao funcionamento desses regimes ainda parece ser trabalho de longo prazo, dada a relação direta que mantêm com questões tributárias igualmente pendentes de harmonização no âmbito do bloco.
2.9) Administração da TEC Após a adoção da TEC, os Estados Partes do Mercosul perderam o direito de efetuar modificações unilaterais em suas alíquotas de imposto de importação. As políticas tarifárias nacionais deixaram de existir, dando lugar a uma política tarifária comum, negociada com os demais sócios do bloco. Essa foi uma das mais substanciais transformações produzidas pelo processo de integração. Como ponderamos anteriormente, a TEC não é estática. As freqüentes mudanças na conjuntura econômica e no setor produtivo tornam necessárias modificações mais ou menos amplas em sua estrutura. As alterações podem ser 72
Palhares, Gustavo Horta. “Las Zonas Francas del Mercosur: Manaos, Tierra del Fuego y Colonia”. Documento de Trabalho n° 020/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., 2006, p. 3.
79
“pontuais” – assim chamadas por se referirem a um único ou a um pequeno grupo de produtos – ou mais extensas, podendo, em algumas hipóteses, contemplar capítulos inteiros da NCM. No caso de alterações mais significativas, não é incomum que o tema seja, por sua sensibilidade política, tratado diretamente no âmbito do CMC73. Em termos formais - e segundo disposto no Tratado de Assunção -, é o próprio CMC que tem a competência para deliberar acerca de modificações na TEC. No entanto, por intermédio da Decisão CMC n° 07/94 essa competência foi delegada para o GMC (GMC). De acordo com a prática estabelecida no bloco, cabe à CCM discutir apenas aspectos técnicos relacionados a modificações pontuais da TEC, não tendo esse órgão poder decisório nessa matéria. A alteração final, no caso dessas modificações pontuais, deve ser aprovada por meio de Resolução do GMC, e, como dissemos, em hipóteses excepcionais, a depender da amplitude das mudanças e de sua relevância política, algumas alterações podem ter lugar no âmbito do próprio CMC. As propostas de modificações pontuais na TEC são corriqueiras. Seu locus inicial de exame é o Comitê Técnico N° 1 (CT N° 1), órgão subordinado à CCM cujas competências serão descritas em capítulo à parte. O CT N° 1 discute não só mudanças de alíquotas - tendo como critério norteador básico (embora não formalizado oficialmente) a existência ou não de produção regional da mercadoria -, mas também a abertura de novos códigos na NCM. O fato é que ainda não existem, no Mercosul, critérios oficiais para apreciar os pedidos de modificação tarifária muitas vezes dificulta as discussões, já que cada país utiliza argumentos ad hoc para rechaçar ou acolher solicitações dos países vizinhos. A simples existência ou não de produção local é critério genérico e sem força vinculante, uma vez que, em algumas situações, pode-se alegar que o início da produção em outro país não seria motivo suficiente para se acatar pleito de elevação tarifária, seja porque essa produção supostamente não atende a determinadas especificações técnicas, seja porque sua escala não seria capaz de satisfazer toda a demanda regional. Por trás desses argumentos pode estar, ainda, o entendimento de que a aquisição do produto de 73
A elevação da TEC para produtos têxteis, calçados e confecções realizada em 2007 foi formalizada por intermédio de Decisão do CMC (N° 37/07).
80
empresa da região pode acarretar elevação de custos, uma vez que o fornecedor de extrazona pode ser capaz de vendê-lo a preços menores. A administração da TEC pode ser, portanto, um exercício difícil também no plano técnico. Alguns ensaios foram realizados nos últimos anos para se definir critérios comuns para análise de pedidos de modificação tarifária. Para redução tarifária, por exemplo, exigir-se-ia a inexistência de produção regional e um impacto positivo para o consumidor ou para redução de custos na produção de outros bens. Já para elevação tarifária exigir-se-ia o início efetivo de produção regional, bem como a comprovação de que a empresa local tem capacidade de atender a um nível mínimo do consumo dos Estados Partes. O debate para o estabelecimento desses critérios acabou não prosperando no âmbito da CCM, haja vista as divergências de visões entre os países do bloco. Nos dez primeiros anos da união aduaneira foram efetuadas 766 modificações nas alíquotas da TEC (585 reduções; 151 elevações e 30 modificações “ambíguas”74). A maior parte dos itens da NCM não foi submetida a nenhum tipo de mudança. Uma primeira e superficial leitura dos números indica ser mais difícil haver uma elevação dos níveis tarifários, sobretudo pela dificuldade de se alcançar consenso entre os Estados Partes, uma vez que Paraguai e Uruguai, as duas economias menores, têm certa resistência a elevar ainda mais os patamares da TEC hoje existentes, tendo em conta seus eventuais impactos na competitividade da indústria local (especialmente daquelas que dependem de insumos importados).
2.10) Medidas Excepcionais no Âmbito Tarifário
Ademais das listas nacionais de exceções - cuja função central é, como visto, oferecer aos Estados Partes a possibilidade de acomodar interesses nacionais em matéria tarifária -, os Estados Partes do Mercosul também acordaram, em 1996, criar 74
Em alguns casos, um item da NCM pode passar por alterações para dar origem a dois ou mais novos itens, com alíquotas menores ou superiores ao original. Quando os novos itens têm tanto alíquotas superiores quanto inferiores, diz-se que a alteração foi ambígua. Os dados em tela foram extraídos de Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 14.
81
um mecanismo para possibilitar reduções tarifárias temporárias especificamente para casos de desabastecimento. A partir de 2000 o tema veio a ser disciplinado pela Resolução GMC n° 69/00. Essa norma estabelecia que as medidas pontuais deveriam ser adotadas num contexto de “impossibilidade de abastecimento normal e fluido na região, decorrentes de desequilíbrios de oferta e de demanda”75. Configurando-se a situação de desabastecimento, pode o Estado Parte afetado pleitear a redução tarifária temporária para o produto correspondente. Em 2008 foi aprovada nova norma, a Resolução GMC n° 08/08, que ampliou as hipóteses em que se poderá pleitear redução tarifária em razão de desabastecimento. Essa norma reflete a experiência dos Estados Partes na matéria, segundo a qual em diferentes circunstâncias a redução tarifária temporária é cabível, mesmo que não se enquadre em casos clássicos de desabastecimento. Atendendo a essas necessidades, a Resolução n° 08/08 passou a prever, além do desequilíbrio entre oferta e demanda, que o benefício também poderá ser concedido nos casos em que há produção regional do bem, mas este não atende às especificações técnicas exigidas pelas empresas país demandante, ou, ainda, a sua produção é pequena e a quantidade demandada não é capaz de justificar um incremento da quantidade ofertada. Nesses casos, mesmo havendo produção regional poderá o Estado Parte afetado solicitar a redução tarifária por tempo determinado. O artigo 2° da Resolução n° 08/08 indica as cinco circunstâncias que podem embasar a apresentação de pedido de redução tarifária temporária:
“1. Impossibilidade de abastecimento normal e fluido na região, decorrentes de desequilíbrios de oferta e de demanda. 2. Existência de produção regional do bem, mas as características do processo produtivo e/ou as quantidades solicitadas não justificam economicamente a ampliação da produção.
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Artigo 2°, item 1, da Resolução GMC n° 69/00.
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3. Existência de produção regional do bem, mas o Estado Parte produtor não conta com excedentes exportáveis suficientes para atender às necessidades demandadas. 4. Existência de produção regional de um bem similar, mas o mesmo não possui as características exigidas pelo processo produtivo da indústria do país solicitante. 5. Desabastecimento de produção regional de uma matéria-prima para determinado insumo, ainda que exista produção regional de outra matéria-prima para insumo similar mediante uma linha de produção alternativa.”
Os pedidos apresentados com fundamento na existência de desabastecimento temporário devem ser analisados no âmbito da CCM. Diferentemente do que ocorre com as modificações tarifárias definitivas, cuja aprovação compete ao GMC e se aplicam, salvo entendimento em contrário, a todos os países-membros, as modificações temporárias realizadas ao amparo da Resolução GMC n° 08/08 são aprovadas por intermédio de Diretriz da própria CCM e terão validade apenas para o Estado Parte que a solicitou. A redução tarifária será a 2%, e, em casos excepcionais, admitir-se-á redução a 0%. No entanto, em observância à sua condição de país de menor desenvolvimento relativo, aos pedidos do Paraguai será concedida sempre redução a 0% (inovação também introduzida pela Resolução GMC N° 08/08). Uma vez apresentado e aprovado no âmbito da CCM, o pedido de redução tarifária que se baseia na existência de desequilíbrio entre oferta e demanda (hipótese 1 indicada acima) terá validade de no máximo 12 (doze) meses. É possível uma única renovação, de modo que o período total de vigência da medida não ultrapasse 24 (vinte e quatro) meses consecutivos. Caso persistam as condições que justificaram a redução tarifária, o Estado Parte afetado poderá solicitar a modificação tarifária definitiva para o produto em tela.
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Caso o pleito se enquadre nas outras quatro hipóteses previstas no artigo 2° da Resolução n° 08/08, a medida poderá ser aplicada inicialmente por 24 meses, com a possibilidade de prorrogação por 12 meses adicionais. Vale destacar que cada Estado Parte não poderá ter mais do que 15 (quinze) produtos enquadrados na hipótese 1 (desequilíbrio entre oferta e demanda) e 30 outros produtos enquadrados nas 4 outras hipóteses indicadas no artigo 2° da Resolução GMC n° 08/08. Além disso, deve-se ter em conta que a redução é válida para uma quota, estabelecida segundo as necessidades do Estado solicitante. A redução tarifária beneficiará, portanto, apenas um quantum determinado, a não ser que haja a aprovação de uma ampliação da quota por fatores supervenientes. No caso brasileiro, o segmento do setor privado que se sentir afetado por problemas de desabastecimento temporário deve apresentar sua demanda ao Grupo Técnico Interministerial de Acompanhamento da Resolução GMC n° 69/00 (ou 08/08, assim que a nova norma entrar em vigor) (GTAR). Compete a esse Grupo – cuja Presidência é exercida pela Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) – analisar, em nível técnico, os pedidos e avaliar a conveniência de sua apresentação ou não à CCM. O GTAR foi criado pela Resolução CAMEX n° 09/2002. Os pedidos apresentados à apreciação do GTAR devem estar fundamentados e indicar com precisão o produto e as circunstâncias que caracterizam a ocorrência de desabastecimento temporário. Caso o pedido conte com parecer favorável do GTAR, seu encaminhamento aos demais Estados Partes dependerá de prévia aprovação do Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (GECEX). Além de analisar os pedidos do setor privado brasileiro, cabe ao GTAR pronunciar-se sobre os pleitos encaminhados pelos demais Estados Partes. Suas análises levam em conta fundamentalmente a existência ou não de produção nacional capaz de fazer face à situação de desabastecimento na região. Assim sendo, antes de emitir juízo sobre os pedidos de um outro Estado Parte, o GTAR realiza consultas às empresas nacionais do setor, a fim de que comuniquem a possibilidade
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ou não de atender à demanda. Caso um produtor nacional se declare capaz de ofertar a mercadoria, em geral são estabelecidos contatos diretos entre as empresas envolvidas. É importante frisar que os pedidos de redução tarifária por desabastecimento devem contar com a aprovação dos demais Estados Partes do Mercosul. Requerem, por conseguinte, um importante exercício de negociação no âmbito da CCM, que envolve a consulta aos setores privados (a fim de verificar se há ou não produção nacional do bem) e uma avaliação da razoabilidade dos termos do pedido (prazo e quantidades solicitadas). Por possuírem o parque industrial mais diversificado, Brasil e Argentina são os países que mais têm recorrido ao mecanismo de redução tarifária temporária. A quase totalidade dos pleitos se referem a insumos e matérias-primas (tais como produtos químicos e siderúrgicos) essenciais a determinadas cadeias produtivas. Entre 2003 e 2008, por exemplo, a Argentina teve 21 pleitos aprovados, e o Brasil, 34. O ano em que mais pedidos foram aprovados foi 2008 (9 argentinos e 18 brasileiros). A última vez em que um pleito de um dos outros dois Estados Partes foi aprovado foi 1999, quando foi aprovado um pedido uruguaio.
2.11) O processo de eliminação da dupla cobrança da TEC
Numa união aduaneira, a simples existência de um mesmo imposto de importação implica, em tese, que um produto originário de um terceiro país, após sofrer a incidência da TEC, poderá transitar entre os países do bloco sem ser objeto de novo gravame tarifário. Mesmo após 1995, no entanto, persistiu no Mercosul a possibilidade de cada Estado Parte cobrar a TEC em sua fronteira, mesmo daqueles produtos que já pagaram esse imposto em outro integrante do bloco. Essa “dupla cobrança” contraria os princípios básicos de qualquer união aduaneira e constitui um obstáculo adicional a uma integração mais profunda, quando menos pelas seguintes razões:
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a) trata-se de elemento nocivo para o relacionamento externo do Mercosul. Isso porque outros países e agrupamentos podem contestar a possibilidade de que suas mercadorias, mesmo pagando a TEC uma vez, sejam obrigadas a fazê-lo novamente ao circularem de um país do bloco para outro. Trata-se de um tema importante, por exemplo, nos debates sobre um possível acordo comercial com a União Européia (que possui um território aduaneiro único); b) a dupla cobrança da TEC dificulta, igualmente, uma maior cooperação entre as autoridades aduaneiras nacionais. Sua eliminação poderá, pelo contrário, estimular a troca de informações e o estreitamento das relações nesse setor; c) a dupla cobrança é, igualmente, um empecilho para uma efetiva integração produtiva entre os países da região. Isso porque a possibilidade de pagar múltiplas vezes a TEC pode desestimular uma empresa a desconcentrar sua cadeia produtiva, estendendo suas atividades a dois ou mais Estados Partes.
Foi apenas em 2004 que os Estados Partes do bloco decidiram formalmente eliminar essa distorção, por meio da aprovação da Decisão CMC n° 54/04. Segundo essa norma, todos os bens que cumpram com chamada “política tarifária comum” terão livre circulação no âmbito do Mercosul, não sendo obrigados a pagar a TEC mais de uma vez. Mas no que consiste o cumprimento da política tarifária comum ? Trata-se do pagamento da TEC ou da alíquota resultante da aplicação, por todos os Estados Partes, da mesma preferência tarifária, ou, ainda, da aplicação de medidas comuns de defesa comercial76. Tomemos um exemplo concreto para ilustrar no que consistiria o cumprimento da política tarifária comum. Suponhamos que determinada empresa 76
“Entende-se por cumprimento da política tarifária comum, o pagamento da TEC, por ocasião da importação definitiva ou, quando for o caso, da tarifa resultante da aplicação da mesma preferência tarifária sobre a TEC, por todos os Estados Partes do Mercosul, em função dos acordos comerciais assinados com terceiros países, ou das medidas comuns resultantes da aplicação de instrumentos de defesa comercial” (Artigo 1° da Decisão CMC N° 54/04).
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instalada no Brasil utilize o produto “verniz” em seu processo produtivo. Suponhamos, ainda, que por alguma razão essa mesma empresa opte por trazer esse produto do mercado externo. No entanto, o Governo brasileiro, no uso de um direito que lhe é dado pelas normas comunitárias, optou por incluir a mercadoria “vernizes” em sua lista nacional de exceções. Em vez de pagar a alíquota da TEC, que é de 14%, essa linha tarifária passou a sofrer a incidência de um imposto de importação de apenas 2%. O produto em tela, pagando a alíquota de 2%, não terá cumprido a política tarifária comum. Isso porque a alíquota brasileira, em razão da utilização da lista de exceções, é diferente daquela aplicada pelos demais Estados Partes. Inexiste, portanto, uma política tarifária comum efetiva com relação a esse produto específico. Como conseqüência prática, a empresa que utilizar o verniz importado num de seus produtos não poderá contabilizar esse insumo para efeitos do cumprimento do regime de origem. Para todos efeitos, tratar-se-á de um insumo importado, incapaz de contribuir para o atendimento das regras de origem do Mercosul. No entanto, caso o produto não constasse da lista de exceções brasileira e a empresa tivesse efetivamente recolhido a TEC, na alíquota de 14%, o item “verniz” seria considerado originário. Essa é um das principais conseqüências do disposto na Decisão CMC n° 54/04: os produtos que cumprirem com a política tarifária comum (pagamento da TEC ou da preferência tarifária concedida pelos quatro Estados Partes) passarão a ser considerados como se fossem produtos originários do bloco, podendo transitar livremente na região. A Decisão CMC n° 54/04 também determinou que o fim da dupla cobrança deveria ocorrer em duas etapas. A primeira, cujo início se deu em janeiro de 2006 e foi regulamentada pela Decisão CMC N° 37/05, contemplaria apenas dois grupos específicos de bens: aqueles cuja alíquota na TEC é de 0% e aqueles que gozam de uma preferência tarifária de 100%. Estamos diante, por conseguinte, de mercadorias que não geram renda aduaneira. Na prática, os países do bloco nada arrecadam com a importação desses produtos. O objetivo dessa primeira etapa foi fundamentalmente o de estabelecer as bases para uma maior troca de informações entre as autoridades aduaneiras
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nacionais. Desde 2006, cabe a elas outorgar apenas a esses dois grupos de bens os certificados que atestam o chamado “cumprimento da política tarifária comum”. Trata-se de operação simples, uma vez que, como vimos, não há imposto a ser recolhido. A Decisão CMC N° 37/05 previu a criação de dois documentos comprobatórios de que o produto pode circular sem que esteja sujeito à nova incidência da TEC:
a) Certificado de Cumprimento da Política Tarifária Comum (CCPTC): esse certificado atesta que houve o recolhimento do imposto devido (TEC; alíquota resultante da concessão de preferência tarifária comum ou da aplicação, pelos quatro Estados Partes, de medidas de defesa comercial); b) Certificado de Cumprimento do Regime de Origem do Mercosul (CCROM): esse certificado é concedido aos bens dos Estados Partes que cumprem com o Regime de Origem do Mercosul.
Esses dois certificados já são emitidos para os produtos incluídos na primeira fase da eliminação da dupla cobrança. As Aduanas nacionais podem consultar, por meio do sistema informático INDIRA (“Intercâmbio de Informações de Registro Aduaneiro”), a veracidade das informações neles contidas. Em sua segunda etapa, a eliminação da dupla cobrança beneficiará todo o universo tarifário. Por envolver produtos que pagam imposto, sua implementação exige o atendimento de três requisitos fundamentais, que estão relacionados no artigo 4° da Decisão CMC n° 54/04. O primeiro deles é de natureza operacional: a interconexão informática entre as Aduanas nacionais. Trata-se de exigência fundamentalmente técnica, relacionada ao fato de que cada país deverá ter condições, quando um produto chegar à sua fronteira, de consultar se houve ou não o cumprimento da política tarifária comum (isto é, o pagamento do imposto em outro dos países do bloco), por meio da verificação das informações contidas nos certificados pertinentes (CCPAC e CCROM). Nesse caso, o sistema INDIRA, por meio do qual é possível realizar apenas consultas pontuais, deverá ser reformulado
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ou substituído por outro com capacidade de processar e analisar informações em volume maior. O segundo requisito diz respeito à elaboração de um Código Aduaneiro do Mercosul, que contenha as regras fundamentais – ainda que na forma de um “marco” legal geral – necessárias à uma maior harmonização da legislação de cada um dos Estados Partes. Cabe registrar que o Código aprovado em 1994 pelos Estados Partes não chegou a entrar em vigor, razão por que os Estados Partes decidiram proceder à sua revisão, trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2006. O último dos requisitos é mais complexo, dada a sua sensibilidade política. Trata-se do estabelecimento de um mecanismo de distribuição da renda aduaneira. Esse mecanismo é imprescindível para a plena eliminação da dupla cobrança da TEC. Uma vez eliminada a possibilidade de um Estado Parte cobrar o imposto sempre que um produto chegar às suas fronteiras, haverá, em algum grau, renúncia a recursos fiscais que antes podiam ser auferidos. Essa perda deverá ser compensada de alguma forma, especialmente no que diz respeito ao Paraguai, país sem litoral marítimo e no qual os ingressos decorrentes do pagamento da TEC têm grande importância na arrecadação fiscal total. Os debates relativos à implementação de um mecanismo de redistribuição da renda aduaneira são particularmente complexos. Dentre as questões que devem ser respondidas, três revestem-se de maior importância. A primeira delas diz respeito ao montante que deverá ser objeto de redistribuição. Em princípio, apenas os recursos arrecadados com os produtos que cumprem a política tarifária comum é que deverão ser objeto de redistribuição. Mas há nuances que devem ser consideradas, relacionadas especialmente à existência de exceções à TEC. A consideração dessas nuances é fundamental para a definição do alcance da Decisão CMC N° 54/04, já que, em situações específicas, torna-se difícil determinar o que é o cumprimento da política tarifária comum. Um determinado produto – ou, para utilizarmos o jargão técnico, um determinado item da NCM – pode, por exemplo, estar sujeito à cobrança da TEC em determinadas situações e em outras não (em virtude, suponhamos, da existência de um regime especial de importação). Nesse caso, será necessário
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estabelecer com precisão se há, nesse caso, cumprimento da política tarifária comum. A segunda questão diz respeito aos critérios de redistribuição. Quais parâmetros serão utilizados para se definir a parcela a que cada Estado Parte teria direito ? Deverá ser acordada uma fórmula matemática que contemple variáveis como o Produto Interno Bruto de cada país e sua participação no comércio intra e extrazona ? Por fim, deverá ser definido o formato da administração dos recursos que serão redistribuídos, em especial se haverá a criação, na estrutura institucional do Mercosul, de um organismo encarregado especificamente dessa tarefa. Essas questões estão sendo debatidas no âmbito do bloco, em diferentes instâncias, desde a aprovação da Decisão CMC n° 54/04. Embora essa Decisão tenha previsto a eliminação da dupla cobrança para todo o universo tarifário a partir de 2009, a falta de consenso sobre aspectos fundamentais para a sua operacionalização fez com que esse prazo fosse postergado.
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CAPÍTULO 3 - O Regime de Origem do Mercosul Além de uma nomenclatura comum, é fundamental que os países integrantes de uma zona de livre comércio – e também, por razões que explicaremos a seguir, de uma união aduaneira como o Mercosul – tenham as mesmas “regras de origem”. Essas regras têm como objetivo estabelecer as condições em que um determinado produto poderá ser considerado como sendo um produto “Mercosul”, fabricado substancialmente com insumos e processos produtivos da região. Comprovado esse caráter de bem “originário”, a mercadoria poderá circular sem pagamento de tarifas no âmbito do bloco. Tomemos um exemplo para ilustrar o caso do Mercosul. Quando um produto fabricado no Uruguai preenche as condições estabelecidas nas regras de origem, poderá ser vendido para a Argentina, Brasil ou Paraguai sem pagar o imposto de importação – ele é considerado como se fosse um produto argentino, brasileiro ou paraguaio. As regras de origem, ao outorgarem o benefício da livre circulação apenas aos bens que atendam a requisitos básicos, acabam por resguardar a indústria regional, estimulando o comércio e a integração produtiva entre os próprios países integrantes do agrupamento. No entanto, é importante salientar que a existência de regras de origem se deve apenas ao fato de que ainda persistem, no Mercosul, as chamadas “exceções” ou “perfurações” à TEC. Essas perfurações permitem que alguns produtos ingressem em um ou mais Estados Partes sem pagar a alíquota que para eles foi definida. Um determinado país poderá, valendo-se dessas exceções, importar matérias-primas ou componentes
com
custo
reduzido,
obtendo,
assim,
um
diferencial
de
competitividade em seu favor. Para evitar que os países limitem-se a importar insumos de extrazona, sem submetê-los a transformação substancial,
torna-se
imprescindível, assim, que se exija dos bens que circulam no âmbito do bloco a comprovação de que uma parcela mínima de seus insumos foram aqui produzidos,
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ou, pelo menos, de que os insumos importados tenham passado por um processo de transformação significativo. Além disso, caso não fossem observadas as regras de origem, as perfurações à TEC permitiriam que um produto adquirido fora da região, sem o pagamento da correspondente TEC, pudesse ser reexportado do país que o importou para outros da região (“triangulação”), em detrimento da indústria local. O Regime de Origem do Mercosul é atualmente disciplinado pela Decisão CMC n° 01/04. De acordo com o art. 3° dessa norma, serão considerados originários os produtos totalmente obtidos, como os produtos do reino vegetal colhidos no território dos países do bloco, os animais vivos aqui nascidos e criados, produtos obtidos de animais vivos, mercadorias obtidas da caça, minerais, peixes e outras espécies marinhas, mercadorias produzidas a bordo de barcos fábrica, etc. Além dos produtos totalmente obtidos, serão considerados originários os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um dos Estados Partes, quando em sua produção forem utilizados, única e exclusivamente, materiais (matéria-prima, peças, partes, componentes) originários dos Estados Partes. Nos dois casos indicados acima não há dúvida quanto ao caráter originário dos bens fabricados, uma vez que não houve, em nenhum grau, a utilização de materiais importados. Ou os produtos foram totalmente obtidos, ou foram fabricados a partir de matérias-primas da própria região. Já no caso dos produtos que não são “totalmente obtidos” na região, são duas as regras principais utilizadas para classificar um produto como sendo originário ou não. A primeira delas é o chamado índice de valor agregado regional. De acordo com esse critério, uma mercadoria será considerada originária se utilizar pelo menos 60% de insumos (matérias-primas) de um ou mais Estados Partes do bloco. Como se vê, o objetivo primordial dessa regra é o de estimular que as indústrias se abasteçam sobretudo de insumos locais. Os 60% são calculados sobre o valor total do bem final (valor FOB77).
77
“Free on board”: sem considerar o valor do frete.
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O segundo critério fundamental é a chamada mudança de posição tarifária ou salto tarifário. Nesse caso, quando um insumo sofre um processo de transformação que permita que ele “salte” de sua NCM original e passe a ser classificado em outra posição tarifária, considerar-se-á cumprido o regime de origem. Por se tratar de uma mudança de posição tarifária, basta que ele haja mudança num dos quatro primeiros dígitos da NCM para que esteja caracterizado o cumprimento do regime de origem. Em síntese, “o produto acabado deverá estar classificado numa posição (quatro primeiros dígitos do Sistema Harmonizado de Classificação e Designação de Mercadorias – SH) diferente da posição em que se classificam todos os insumos, matérias-primas, partes ou peças não originários utilizados em sua fabricação”78. Além dessas duas regras ditas “gerais”, por se aplicarem à maior parte das mercadorias, existem também regras específicas cujo foco são determinadas categorias de produtos. Esse é o caso do processo produtivo. Para algumas mercadorias – no caso do Mercosul, especialmente aquelas relacionadas à indústria de tecnologia, como bens de informática e telecomunicações – exige-se a observância de certos procedimentos na cadeia de produção, sem os quais o bem não poderá ser considerado originário. O exemplo abaixo, extraído do capítulo 84 da NCM (“Reatores Nucleares, Caldeiras, Máquinas, Aparelhos e Instrumentos Mecânicos e suas partes”) ilustra esse requisito:
Exemplo: processo produtivo 8470.50. REQUISITO: Cumprir com o processo produtivo abaixo: 11 A. Montagem e soldagem de todos os componentes nas placas de circuito impresso; B. Montagem das partes elétricas e mecânicas, totalmente desagregadas, em nível básico de componentes; e C. Integração das placas de circuito impresso e das partes elétricas e mecânicas na formação do produto final de acordo com os itens “A” e “B” anteriores. Ficam dispensados da montagem os seguintes módulos ou subconjuntos: 78
“Manual de Certificação de Origem”. 2ª ed. Exterior. Brasília, 2003, p. 6.
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
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1) Mecanismos do item 8473.30.22 para impressoras das subposições 8471.49.3 e 8471.60.2; 2) Mecanismos do item 8517.90.91 para aparelhos de "fac-símile" dos itens 8517.21.10 e 8517.21.20; e 3) Banco de martelos dos subitens 8473.30.23 e 8473.50.31 para impressoras de linha dos itens 8471.49.21 e 8471.60.11. Será admitida a utilização de subconjuntos montados nos Estados Partes por terceiros, sempre que a produção dos mesmos atenda o estabelecida nos itens “A” e “B”. Não descaracteriza o comprimento do regime de origem definido, a inclusão em um mesmo corpo ou gabinete de unidades de discos magnéticos, ópticos e fonte de alimentação. Assim sendo, para o produto da NCM 8470.50.11 – “caixas registradores eletrônicas com capacidade de comunicação bidirecional com computadores ou outras máquinas digitais” – requer-se a observância de um processo produtivo específico. A utilização de outros procedimentos impedirá que a mercadoria seja considerada originária. Para outros produtos também se pode exigir uma combinação dos requisitos já indicados, como um mínimo de 60% de valor agregado regional mais salto tarifário. Além dos critérios acima mencionados, vale lembrar que a partir de 2007 adotou-se no Mercosul o de minimis, também conhecido como “regra de tolerância”. O de minimis
aplica-se aos produtos que devem, para serem considerados
originários, cumprir com o requisito de salto tarifário. O de minimis permite que uma parcela dos insumos utilizados não passe pelo processo de mudança tarifária. No caso do Mercosul, o de minimis é autorizado desde que o valor CIF79 do(s) insumo(s) que não sofreu o salto não corresponda a mais de 10% do valor FOB do produto final, conforme estabelecido no artigo 1° da Decisão CMC N° 16/07: “(...) considerar-se-á que um produto cumpre com o requisito de salto tarifário se o valor CIF de todos os materiais não originários dos Estados Partes utilizados em sua produção que não estejam classificados em uma posição tarifária diferente à do produto não excede 10% do valor FOB do produto exportado”. O “de minimis” foi estabelecido para beneficiar sobretudo Paraguai e Uruguai, países que já contavam com certas flexibilidades no cumprimento do
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regime de origem comunitário. Essas flexibilidades, concedidas no contexto das políticas de tratamento de assimetrias na região, permitem que essas duas economias observem um índice de valor agregado regional inferior aos 60% da regra geral do bloco (40% no caso do Paraguai, em virtude das Decisões CMC N° 29/03 e N° 16/07, e 50% no caso do Uruguai, em função da Decisão CMC N° 37/04)80.
79 80
“Cost, Insurance and Freight”: valor que inclui despesas de seguro e frete. Cf. item 7.1.1., infra.
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CAPÍTULO 4 - A Comissão de Comércio do Mercosul A CCM é o órgão encarregado de administrar a política tarifária e comercial do Mercosul. Como assinalado anteriormente, o Tratado de Assunção não previu sua criação, que veio a acontecer apenas com a assinatura do POP, em 1994. Sua primeira reunião foi realizada em outubro de 1994, no Rio de Janeiro. As competências da CCM estão dispostas, de forma ampla, no artigo 16 do POP, segundo o qual caberá ao órgão “velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países”. Já o artigo 19 do POP relaciona de maneira mais específica as atribuições da CCM. Pretendemos apresentar essas atribuições por meio da análise das competências dos órgãos técnicos subordinados à CCM. Dessa apresentação poderemos depreender de maneira panorâmica a natureza dos temas que serão discutidos nesse órgão decisório do Mercosul.
4.1) Os Comitês Técnicos
Os foros subordinados à CCM denominam-se “Comitês Técnicos” (CTs), sendo responsáveis pelo tratamento de diferentes temas relacionados à gestão da política comercial e tarifária do Mercosul. Dada a natureza das discussões ali realizadas, participam de suas reuniões especialistas de cada um dos Estados Partes. As decisões dos Comitês, na linha do que sucede com os órgãos decisórios do bloco, são tomadas por consenso. Havendo dissensos, a questão deverá ser elevada, em princípio, à apreciação da CCM. Os CTs podem apresentar à CCM Projetos de Diretriz ou Projetos de Resolução sobre os temas de sua competência.
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O Comitê Técnico n° 1 é responsável pelos temas de nomenclatura e tarifa. Cabe a ele, portanto, deliberar sobre modificações na NCM e na TEC, tais como a alterações nos códigos e descrição de produtos ou modificações nas alíquotas da TEC. No caso de modificações de alíquotas da TEC, o CT-1 toma suas decisões tendo como base, de maneira geral, critérios como a existência ou não de produção regional, tal como visto no item relativo à administração da TEC. A atualização da NCM à luz da evolução do Sistema Harmonizado é realizada, por exemplo, nesse CT. A Coordenação Nacional do Brasil no CT-1 tem sido tradicionalmente exercida por representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O Comitê Técnico n° 2 é responsável pelo tratamento de assuntos aduaneiros. Dedica-se, dentre outros temas, a harmonizar os procedimentos aduaneiros entre os países do bloco, de modo a facilitar o trânsito de mercadorias e evitar o surgimento de barreiras não-tarifárias ao comércio. Discute, nesse contexto, a uniformização de normas relacionadas a valoração aduaneira, ilícitos aduaneiros, bagagens e outros. Um dos temas mais recorrentes na pauta recente do CT-2 tem sido a adoção de sistemas informáticos que permitam uma melhor comunicação entre as Aduanas e, conseqüentemente, um maior controle sobre as mercadorias em trânsito. Já está em funcionamento entre os Estados Partes, por exemplo, o sistema INDIRA (“Intercâmbio de Informações de Registro Aduaneiro”), o qual permite que as Aduanas nacionais compartilhem informações sobre operações de importação e exportação e verifiquem se as informações prestadas por um importador se coadunam com aquelas registradas pelo exportador do produto. A Coordenação Nacional do Brasil no CT-2 compete à Secretaria da Receita Federal. O Comitê Técnico n° 3 tem a incumbência de tratar de normas e disciplinas comerciais. Em outras palavras, compete a esse órgão deliberar sobre temas vinculados ao Regime de Origem do Mercosul. Eventuais modificações nas regras de origem – que, como vimos no capítulo 3, têm o objetivo de determinar que produtos poderão ser considerados “produtos Mercosul” e, por esse motivo, circular sem pagamento de tarifa – são discutidas tecnicamente no âmbito desse CT. O MDIC também tem se ocupado da coordenação nacional do Brasil no CT-3.
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O Comitê Técnico n° 4 foi criado para estudar medidas para disciplinar as políticas que distorcem a concorrência (tais como incentivos fiscais). Embora não se reúna, por razões políticas, há diversos anos, não chegou a ser formalmente extinto em função do interesse de alguns dos Estados Partes em manter o tema na agenda de discussões do Mercosul. O Comitê Técnico n° 5 trata dos assuntos relacionados à defesa da concorrência. Como veremos em tópico à parte, o estabelecimento de normas comuns de defesa da concorrência é fundamental para o bom funcionamento da união aduaneira, uma vez que permitirá que práticas lesivas como a formação de cartéis sejam combatidas em nível regional. A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, o CADE e a Secretaria de Acompanhamento do Ministério da Fazenda têm coordenado, no lado brasileiro, as negociações na esfera do CT-5. O Comitê Técnico n° 6 é a instância responsável por estatísticas de comércio exterior. Criado por intermédio da Decisão CMC n° 31/06, esse Comitê tem como tarefa fundamental a criação de condições necessárias (sobretudo a elaboração de metodologia para coleta de dados) para a elaboração de uma base de estatísticas de comércio do Mercosul. Ao longo de 2007, o CT reuniu-se e elaborou proposta de harmonização de unidades de medida empregadas nos registros de comércio exterior e sugeriu a estrutura básica da Unidade Técnica de Estatísticas (UTECE) que deverá funcionar no âmbito da Secretaria do Mercosul. O Comitê Técnico n° 7 é o responsável pelo tratamento de temas de defesa do consumidor no âmbito do bloco. Esse foro reúne-se desde 1995 e tem envidado esforços para a harmonização das normas de proteção ao consumidor nos Estados Partes. As diferenças entre as legislações dos Estados Partes dificultou, nos últimos anos, que se lograsse maiores avanços nesse campo. Os projetos de elaboração de um regulamento comum de defesa do consumidor, impulsionadas sobretudo em meados dos anos 90, não evoluíram81 e deram lugar à proposta, ainda em debate, de 81
Em 1997, o CT-7 elaborou Projeto de Protocolo sobre defesa do consumidor e o elevou à CCM. A delegação brasileira nesse foro acabou resistindo à aprovação do documento, por entender que ele reduziria os níveis de proteção ao consumidor no país, ao revogar dispositivos presentes no Código de Defesa do Consumidor. Cf. Leopardi, Maria Tereza. “A integração pela harmonização regulatória: defesa da regulação da concorrência”. In: Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance
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aprovação de “cláusula de harmonização normativa”, consoante a qual os Estados Partes estariam livres para adotar normas mais rigorosas do que aquelas aprovadas no âmbito do Mercosul (o que impediria, sobretudo do ponto de vista brasileiro, retrocessos já obtidos nas legislações nacionais mais avançadas). Em 2000 foi aprovada a “Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul”, que contém uma lista não exaustiva de direitos do consumidor que devem ser observados pelos Estados Partes. Os trabalhos do CT-7 têm permitido mais recentemente um maior intercâmbio e cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela defesa dos direitos do consumidor. Além dos sete Comitê Técnicos acima indicados, também está subordinado à CCM o Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas (CDCS). Esse órgão foi criado pela Decisão CMC n° 17/96 e suas competências vieram a ser estabelecidas pela Diretriz CCM n° 13/98, segundo a qual cabe ao CDCS “assistir a CCM em matéria de política de defesa contra práticas desleais de comércio e salvaguardas em relação a terceiros países”. O CDCS desenvolveu trabalhos com vistas à adoção pelos Estados Partes de regulamentos comuns em matéria de defesa comercial. Dada a sensibilidade política do tema, seus trabalhos, porém, encontraram dificuldades em prosseguir a partir de 2005. A partir de 2006 os trabalhos desse foro foram virtualmente paralisados. Como se vê, o leque de temas tratados no âmbito da CCM é diversificado, tendo como nota característica o exame de matérias relacionadas à política comercial comum do bloco. Embora não haja dúvida de que o trabalho central desse órgão decisório diga respeito à administração da TEC e do regime de origem do Mercosul, também cabe à CCM deliberar sobre questões relacionadas a assuntos aduaneiros, estatísticas de comércio exterior, política de concorrência, defesa comercial e defesa do consumidor. Uma simples consulta ao conjunto de normas emanadas da CCM – que, como vimos, denominam-se “Diretrizes” – revela que a maior parte delas diz respeito à regulamentação de Decisões ou Resoluções de conteúdo econômico-comercial. y perspectivas del Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 125.
99
Trata-se de um corolário do fato de que as alterações pontuais na NCM e nas alíquotas da TEC são aprovadas por intermédio de Resoluções do GMC, e não de Diretrizes. As Diretrizes podem versar, por outro lado, sobre “medidas excepcionais no âmbito tarifário” - caso da reduções temporárias da TEC em virtude de desabastecimento -, sobre a regulamentação de procedimentos aduaneiros ou sobre o controle de origem das mercadorias que circulam no bloco. Cabe registrar, finalmente, que, nos termos do artigo 19, IX, do POP, a CCM tem autonomia para criar ou extinguir os órgãos a ela subordinados. Todavia, o CT estabelecido mais recentemente – CT N° 6, em dezembro de 2006 – foi criado por meio de Decisão do CMC82, uma vez que o teor da norma continha previsões que extrapolavam as competências estritas da CCM, ao prever, conforme observamos anteriormente, a criação de uma Unidade Técnica de Estatísticas de Comércio Exterior (UTECE) no âmbito da Secretaria do Mercosul e extinguir um dos Subgrupos de Trabalho do GMC (SGT n° 14).
4.2) O Mecanismo de Consultas
No âmbito da CCM os Estados Partes podem apresentar consultas relacionadas a questões de ordem econômico-comercial. Trata-se de um mecanismo não-judicial que objetiva dar encaminhamento a temas pontuais, estimulando uma solução conciliatória entre as partes envolvidas. Sua criação remonta a 199583. O mecanismo de consultas é regulamentado pela Diretriz CCM n° 17/99. O Estado Parte interessado deve apresentar a consulta por escrito, indicando a medida impugnada e expondo as questões e dúvidas que julgar pertinentes. Já o Estado Parte reclamado deve apresentar sua resposta até a segunda reunião da CCM posterior à apresentação da consulta ou no prazo máximo de 60 (sessenta) dias. A partir daí, podem os Estados Partes seguir apresentando argumentos por meio de “Notas Técnicas”. A discussão se estenderá até que o Estado Parte que apresentou a consulta decida dar por concluído o processo de forma satisfatória ou insatisfatória. 82 83
Decisão CMC N° 31/06. Já na II CCM, em fevereiro de 1995, foram apresentadas 9 consultas pelos Estados Partes.
100
O art. 8° Diretriz CCM n° 17/99 prevê ainda que a consulta será considerada concluída – uma espécie de “extinção” por decurso de prazo – caso, após sua apresentação, permaneça na agenda da CCM, sem solução, por quatro reuniões consecutivas, salvo se os Estados Partes envolvidos decidirem mantê-la na agenda à espera de novos desdobramentos.
Mecanismo de consultas Apresentação da consulta
Em qualquer momento, inclusive durante a própria reunião da CCM. Até a segunda reunião da CCM posterior
Resposta
à apresentação da Consulta ou em até 60 (sessenta) dias, caso a segunda reunião seja realizada após esse prazo.
Nota Técnica
O processo de consulta pode prosseguir, após a apresentação da resposta, por meio do intercâmbio de Notas Técnicas. Apenas o Estado Parte que apresentou a
Conclusão
consulta pode concluir o processo, de forma satisfatória ou insatisfatória.
Como salientado anteriormente, o mecanismo de consultas é um instrumento de conciliação de caráter não-judicial. Sua eventual utilização não impede, por conseguinte, que uma das partes recorra posteriormente ao mecanismo de solução de controvérsias (tratando-se de duas formas distintas de resolver pendências, a apresentação de consultas não é um requisito prévio para o acionamento do sistema de solução de controvérsias). Os Estados Partes têm se valido com regularidade do mecanismo de consultas para sanar eventuais pendências comerciais. O tabela a seguir indica o número de consultas apresentadas anualmente, de 1995 a 2008:
101
Consultas apresentadas no âmbito da CCM (1995-2008) 1995
61
2002
17
1996
84
2003
21
1997
71
2004
11
1998
27
2005
13
1999
39
2006
13
2000
54
2007
11
2001
36
2008
06
Fonte: Elaboração própria, com base nas atas da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM).
Como os números indicam, o período de maior utilização do sistema de consultas ocorreu durante a fase de consolidação da união aduaneira, entre os anos de 1995 e 1997. Esse fenômeno refletia, em parte, o desconhecimento recíproco das respectivas legislações nacionais. A paulatina adaptação dos Estados Partes aos procedimentos exigidos por cada país e a crescente harmonização normativa no âmbito do Mercosul acabaram por colaborar para a redução da quantidade de consultas apresentadas na CCM. No entanto, há outras interpretações possíveis para esse fenômeno. Uma delas tem relação com a criação de instâncias alternativas para a discussão de temas comerciais, como as Comissões de Monitoramento do Comércio Bilateral (que não fazem parte da estrutura institucional do bloco).
4.3) O Procedimento Geral para Reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul Além do mecanismo de consultas, também compete à CCM pronunciar-se sobre reclamações apresentadas pelos Estados Partes ou por particulares. Esse procedimento está previsto no anexo do POP e veio a ser regulamentado pela Decisão CMC n° 18/02. Cumpre assinalar, inicialmente, que a referência que o POP faz a particulares não significa que o setor privado poderá ter acesso ao procedimento de reclamações.
102
Na mesma linha do que acontece com o processo de consultas, eventuais problemas enfrentados pelo setor privado deverão ser apresentados primeiramente à Seção Nacional da CCM. Caberá a essa instância – integrada por diferentes órgãos da administração federal – dar ou não prosseguimento à queixa. Caso as ponderações sejam consideradas plausíveis, a reclamação será apresentada, sempre pelos canais governamentais, aos demais Estados Partes. Diferentemente do processo de consultas, em que as partes envolvidas buscam um entendimento mútuo por meio da troca de informações, o procedimento geral de reclamações previsto no POP prevê que o Estado Parte apresente sua reclamação à CCM, que deverá deliberar sobre o tema. A CCM está autorizada a, se julgar conveniente, encaminhar o tema à análise de um Comitê Técnico (CT) constituído por peritos governamentais de todos os Estados Partes. Esse Comitê não se confunde com aqueles que integram a estrutura da CCM. Caberá ao Comitê Técnico encaminhar à CCM um parecer sobre a questão, dentro do prazo de 30 (trinta) dias. Segundo o art. 7° da Decisão CMC n° 18/02, o CT poderá, a pedido de um dos Estados Partes envolvidos no procedimento, ouvir os representantes do setor privado que tenham interesse na reclamação. Caso não haja consenso no âmbito do CT quanto à elaboração do parecer, serão encaminhados à CCM os diferentes relatórios dos especialistas que participaram dos debates. A CCM deverá pronunciar-se sobre reclamação na primeira reunião seguinte ao recebimento do parecer ou do relatório dos especialistas. Não havendo consenso no âmbito da CCM, o tema será elevado à consideração do GMC, que terá 30 (trinta) dias para apresentar sua decisão. Tanto a CCM quanto o GMC poderão, se julgarem procedente a reclamação, determinar as “medidas corretivas” que deverão ser adotadas pelo Estado reclamado, estabelecendo um prazo razoável para tanto. No caso de não haver consenso quanto à procedência da reclamação ou na hipótese de o Estado reclamado não adotar as medidas eventualmente acordadas, caberá ao Estado reclamante recorrer ao mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul.
103
Como se vê, existem claras diferenças de procedimento entre o mecanismo de consultas e o procedimento de reclamações. O quadro a seguir objetiva sintetizar, comparativamente, os traços característicos principais desses dois instrumentos:
Consultas
Reclamações
Os Estados Partes envolvidos deliberam
Cabe à Comissão de Comércio
entre si
reconhecer ou não a procedência da
sobre a questão.
reclamação.
Não há parecer técnico ou relatório de
Pode ser encomendado a um Comitês
especialistas.
Técnico a elaboração de parecer.
As discussões se esgotam no âmbito da
O tema pode ser levado à consideração
CCM.
do GMC, caso não haja consenso na CCM.
O intercâmbio de informações entre os envolvidos pode prosseguir ao longo de
A CCM e/ou o GMC têm prazo definido
meses, por meio do intercâmbio de Notas
para decidir a questão.
Técnicas, caso haja concordância dos Estados Partes em manter o tema na agenda. Não são ouvidos particulares.
Há a possibilidade, por solicitação de um dos Estados Partes, de que o CT ouça os particulares interessados.
Cumpre notar que, em ambos os procedimentos, o Estado Parte que apresenta a consulta ou a reclamação mantém seu direito de recorrer ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul, caso entenda que a pendência não encontrou solução satisfatória. O procedimento geral de reclamações perante a CCM não tem sido utilizado com freqüência no passado recente. Isso se deve, como podemos depreender das
104
diferenças anteriormente indicadas, de suas características intrínsecas: não se trata de um recurso voltado precipuamente para a conciliação das partes, mas de um sistema “quase-judicial”, em que um dos órgãos decisórios do Mercosul (CCM ou GMC) deve buscar proferir uma decisão de consenso sobre a questão. A maneira como foi configurado o procedimento de reclamações faz com que esteja no meio do caminho entre os instrumentos precipuamente conciliatórios, como as consultas, e o mecanismo judicial de solução de controvérsias. Por estar no “meio do caminho”, não conta nem com a flexibilidade do primeiro (mais apto a lidar com pendências pontuais, de menor impacto), nem com o formalismo e maior grau de eficácia do segundo, capaz de ditar medidas de observância obrigatória pelos Estados Partes. Constitui, na verdade, “uma segunda via para a arbitragem, de tramitação mais lenta, pois prevê uma pré-avaliação do contencioso realizada por peritos governamentais em representação dos quatro sócios, e não apenas das partes”84. A última vez em que um Estado lançou mão do procedimento de reclamações remonta a 200285. Até esse ano, 15 (quinze) reclamações haviam sido apresentadas, das quais oito pela Argentina, três pelo Brasil, uma pelo Paraguai e três pelo Uruguai. Dessas, 10 (dez) já haviam sido objeto de consultas no âmbito da CCM e três foram levadas à fase arbitral do sistema de soluções de controvérsias86. A existência do mecanismo de consultas no âmbito da CCM, sem prazos rígidos e sem a intervenção do GMC, é uma possível explicação para o baixo recurso a esse instrumento.
4.4) O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul
84
Chagas, Liliam. “A consolidação da Arbitragem no Mercosul: o Sistema de Solução de Controvérsias após oito laudos arbitrais”. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p. 91. 85 Em 2002, o GMC examinou reclamação do Uruguai contra o Brasil sobre “Medidas restritivas ao acesso a mercado no setor de cigarros”. Não houve, naquela ocasião, acordo entre as partes. O mesmo aconteceu em 2000, quando o GMC apreciou as reclamações sobre “Adequação do Setor Açucareiro à União Aduaneira do MERCOSUL” (apresentada pelo Brasil à Argentina) e sobre “Direitos de Importação Específicos Mínimos no comércio intrazona” (apresentada pelo Brasil ao Paraguai). 86 Chagas, Liliam, op. cit., p. 90.
105
As divergências entre os Estados Partes no campo econômico-comercial podem desaguar no acionamento do sistema de solução de controvérsias do Mercosul. Para isso não é necessário que sejam observados passos prévios, tais como a apresentação de consultas ou utilização do procedimentos de reclamações no âmbito da CCM. Cabe apenas à parte interessada, portanto, o juízo sobre a conveniência de abrir mão da utilização dos mecanismos extrajudiciais para solução da pendência. Essa possibilidade de se passar diretamente à fase arbitral, sem que seja indispensável a observância de passos prévios, confere aos Estados Partes do Mercosul maior flexibilidade para dirimir suas divergências, oferecendo-lhes duas opções distintas: a político-diplomática, que pode ser levada a cabo nas instâncias decisórias do bloco (CCM e GMC), e a judicial, a ser levada adiante por meio do sistema comunitário de solução de controvérsias. O sistema de solução de controvérsias hoje existente no Mercosul foi estabelecido pelo Protocolo de Olivos, aprovado em 2002 e em vigor desde 2004. Essa norma veio a substituir o Protocolo de Brasília, assinado pelos Estados Partes ainda na fase inicial de constituição do Mercosul, em 1991. O texto de Olivos não chega, porém, a trazer alterações fundamentais na sistemática adotada pelo Protocolo de Brasília, preservando algumas de suas características basilares, tais como as etapas procedimentais (negociações diretas, mediação e, por fim, arbitragem) e o fato de a apresentação de demandas por particulares ainda depender de aprovação prévia por parte dos governos nacionais87. Sua principal inovação é a criação do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR), que funciona como uma instância recursal, com poderes para reexaminar as decisões proferida pelos Tribunais Arbitrais “Ad Hoc”. Além disso, o Protocolo de Olivos abriu a possibilidade de que os tribunais nacionais apresentem ao TPR “opiniões consultivas” sobre temas relacionados ao acervo normativo do Mercosul88. 87
Barral, Welber. “As inovações processuais do Protocolo de Olivos”. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p. 233. 88 A apresentação de opiniões consultivas veio a ser regulamentada pela Decisão CMC n° 02/07. Segundo essa norma, os tribunais nacionais podem apresentar ao TPR consultas sobre a interpretação jurídica do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado
106
A despeito das inovações propiciadas pelo Protocolo de Olivos, o sistema por ele estabelecido, assim como já acontecera com o Protocolo de Brasília, possui caráter provisório. Seu artigo 53 estabelece que antes de “culminar o processo de convergência da tarifa externa comum” os Estados Partes deverão negociar o estabelecimento de um sistema permanente de solução de controvérsias. É difícil antecipar, hoje, o formato que assumiria um sistema permanente, em substituição aos tribunais “ad hoc” atualmente estabelecidos para se pronunciar acerca das controvérsias apresentadas pelos Estados Partes. Trata-se de debate que remonta aos primórdios do Mercosul, antagonizando os que defendem uma posição mais “institucionalista”, com a eventual criação de tribunais supranacionais, e os que propugnam pela manutenção do “pragmatismo” atual, de acordo com os quais uma estrutura judicial permanente poderia afetar a flexibilidade hoje existente para a solução de litígios entre os Estados Partes89.
Procedimentos
De acordo com o Protocolo de Olivos, uma vez iniciada a controvérsia por solicitação de um dos Estados Partes, têm início negociações diretas entre os países envolvidos. Essas negociações devem ser realizadas ao longo de 15 (quinze) dias, podendo ser estendidas indefinidamente por decisão das partes. Não havendo êxito nas negociações diretas, qualquer das partes poderá apresentar, opcionalmente, recurso ao GMC, que convocará especialistas para examinar o diferendo e apresentar suas conclusões. A intervenção opcional ao GMC consubstancia, na verdade, um processo de mediação, último esforço para evitar que se passe à fase de arbitragem. Não havendo consenso acerca do parecer apresentado no âmbito do GMC, poder-se-á dar início à fase propriamente arbitral da controvérsia, com a constituição de um Tribunal “Ad Hoc”.
de Assunção, das Decisões do CMC, das Resoluções do GMC e das Diretrizes da CCM. As opiniões devem ter como base um caso em apreciação no Poder Judiciário nacional. 89 Para uma análise dos diferentes argumentos, cf. Barral, Welber, op. cit, pp. 236-237.
107
O laudo proferido pelo Tribunal Arbitral estará sujeito à apresentação de dois tipos de recursos: recurso de esclarecimento, caso uma das partes tenha dúvidas sobre a decisão ou entenda que esta padece de alguma obscuridade ou omissão, e recurso de revisão, por meio do qual se solicita o reexame do laudo por uma instância superior (TPR). O recurso de revisão deve ser apresentado ao TPR em até 15 (quinze) dias após o recebimento da notificação do laudo do Tribunal “Ad Hoc” . Na hipótese de não ser apresentado recurso de revisão, a parte perdedora deverá anunciar, em até 15 dias após a notificação, as medidas que adotará para cumprir com as determinações. Caso a parte beneficiada entenda que as medidas adotadas pela parte perdedora são insuficientes, poderá manifestar-se em até 30 (trinta) dias (prazo contado a partir da adoção das medidas), cabendo ao Tribunal Arbitral pronunciar-se a respeito. Por fim, se a parte perdedora não cumprir total ou parcialmente o laudo, a outra parte na controvérsia poderá, dentro do prazo de 1 (um) ano, aplicar “medidas compensatórias”, suspendendo concessões ou outras obrigações equivalentes, de preferência no mesmo setor ou setores afetados.
Solução de Controvérsias – Procedimentos Recurso de esclarecimento
Cumprimento do laudo ou divergência sobre o cumprimento do laudo Aplicação de medidas compensatórias
Negociações Diretas
Intervenção do GMC (opcional)
Parecer do grupo de especialistas
Reclamações de particulares
Tribunal Arbitral “Ad Hoc”
Tribunal Permanente de Revisão
Recurso de revisão
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O Protocolo de Olivos manteve uma das inovações do Protocolo de Brasília: a existência de procedimento específico para a apresentação de reclamações de particulares, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Essas reclamações devem ter como base medidas legais ou administrativas que violem o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e demais normas do Mercosul. A possibilidade de que particulares contestem medidas que afetem os objetivos previstos nas normas do Mercosul é vista como um instrumento a mais para assegurar a liberalização do comércio. Há até mesmo acordos comerciais, como o NAFTA, que outorgam aos particulares a possibilidade de apresentar reclamações diretas90, sem a necessidade de que sejam submetidas ao crivo prévio dos governos nacionais, como ocorre, como veremos abaixo, no Mercosul. A reclamação apresentada por um particular que se julgar afetado por tais medidas deverão ser inicialmente apresentadas à Seção Nacional do GMC do Estado Parte em que tem residência. Caberá à Seção Nacional avaliar os argumentos apresentados e verificar a existência ou não de eventual prejuízo. Constatando-se a pertinência dos argumentos apresentados, deverão ter início consultas entre os Estados Partes envolvidos. Não havendo consenso, o tema será levado à consideração do GMC, que poderá, caso admita a reclamação, convocar um grupo de especialistas, composto por 3 (três) membros (dos quais 1 não poderá ser nacional dos Estados Partes envolvidos), para emitir um parecer no prazo de 30 (trinta) dias. Os especialistas serão escolhidos a partir de listas indicadas por cada Estado Parte. O grupo de especialistas deverá pronunciar-se, por meio de parecer fundamentado, sobre a procedência da reclamação. O Estado Parte afetado poderá, então, solicitar medidas corretivas à outra parte. Caso os especialistas considerem improcedente a reclamação ou caso não haja unanimidade a respeito, o GMC a dará por concluída em seu âmbito. Em qualquer das duas hipóteses (procedência ou improcedência da reclamação), poderá o Estado Parte interessado dar início a uma
90
Barral, Welber, op. cit., pp. 237-238.
109
controvérsia propriamente dita, com o início de negociações diretas e eventual constituição de um Tribunal Arbitral “Ad Hoc”.
Laudos arbitrais
Durante a vigência do Protocolo de Brasília foram 22 (vinte e duas) as controvérsias iniciadas pelos Estados Partes. Dessas, três foram originadas em reclamações de particulares, todas apresentadas pelo Uruguai. Alguns dados ilustrarão melhor a evolução do sistema sob a égide do Protocolo de Brasília91:
• 10 (dez) controvérsias resultaram na emissão de laudos por parte de Tribunais “Ad Hoc”. As demais foram concluídas após intervenção do GMC, durante as negociações diretas ou chegaram à fase arbitral, mas o Tribunal “Ad Hoc” não foi constituído, porquanto os Estados Partes não indicaram os árbitros. • A Argentina foi o país que mais acionou o sistema, tendo dado início a 10 controvérsias, seguida pelo Uruguai (6), Brasil (4) e Paraguai (2). Nem todas essas controvérsias chegaram à fase arbitral. • O Brasil foi o país mais demandado (10 controvérsias), seguido pela Argentina (6), Uruguai (4) e Paraguai (2).
Todas as controvérsias iniciadas ao amparo do Protocolo de Brasília versaram sobre temas de natureza econômico-comercial, sobretudo medidas de restrição ao comércio. A primeira delas foi apresentada em 1998 e a última em 200492, ano em que entrou em vigência o Protocolo de Olivos:
Laudos emitidos durante a vigência do Protocolo de Brasília (1993 a 2004) Objeto da controvérsia 1) 91
Licenciamento
Partes de Argentina x Brasil
Período Novembro de 1998 a Abril
Para dados até 2002, cf. Chagas, Liliam, op. cit., p. 92. Os oito primeiros laudos emitidos por Tribunais “Ad Hoc” durante a vigência do Protocolo de Brasília podem ser consultados em Valinotti, Inés Martínez. Laudos arbitrales de los Tribunales Ad Hoc del Mercosur. Asunción, MRE/BID, 2003. 92
110
Importações:
Comunicado
de 1999
DECEX 37/97 e 7/98 2) Subsídios à produção e Argentina x Brasil
Julho de 1998 a Setembro de
exportação de carne de porco
1999
3) Salvaguardas a produtos Brasil x Argentina
Outubro de 1999 a março de
têxteis
2000
4) Imposição de direitos Brasil x Argentina
Janeiro a Maio de 2001
contra
antidumping importações
de
frangos
inteiros do Brasil 5) Restrições às importações Uruguai x Argentina
Maio a Setembro de 2001
de bicicletas uruguaias 6) Obstáculos ao ingresso de Argentina x Brasil
Novembro de 2001 a Abril
produtos fitossanitários no
de 2002
mercado brasileiro 7) Proibição de importação Uruguai x Brasil
Agosto de 2001 a Janeiro de
de pneus remoldados
2002
8) Aplicação do Imposto Paraguai x Uruguai
Novembro de 2001 a Maio
Específico Interno (IMESI) à
de 2002
comercialização de cigarros 9) Incentivos uruguaios à Argentina x Uruguai
Abril de 2002 a Abril de
industrialização de lã
2003
10) Medidas restritivas e Uruguai x Brasil
Dezembro de 2004 a Agosto
discriminatórias ao comércio
de 2005
de
tabaco
e
produtos
derivados do tabaco
Durante a vigência do Protocolo de Olivos, foram emitidos, de 2004 a 2008, dois laudos arbitrais por Tribunais “Ad Hoc” e um laudo por parte do Tribunal Permanente de Revisão:
Laudos emitidos durante a vigência do Protocolo de Olivos (2004 a 2008)
111
Objeto da controvérsia
Partes
1) Proibição de importação Uruguai x Argentina de
pneus
Período Julho a outubro de 2005
remoldados
(descumprimento do laudo arbitral VII) 2) Omissão da Argentina em Uruguai x Argentina adotar medidas para prevenir e/ou fazer parar os impedimentos impostos à livre circulação pelas barreiras em território argentino de vias de acesso às pontes internacionais que unem a Argentina com o Uruguai
Junho a Setembro de 2006
Laudo emitido pelo Tribunal Permanente de Revisão (2004 a 2008) Objeto da controvérsia
Partes
1) Solicitação de Argentina x Uruguai pronunciamento sobre excesso na aplicação de medidas compensatórias controvérsia entre Uruguai e Argentina sobre proibição de importação de pneus remoldados procedentes do Uruguai.
Período Julho a outubro de 2005
Os laudos dos diferentes Tribunais “Ad Hoc” contribuíram para o fenômeno da “construção jurídica” do Mercosul, enunciando uma “série de princípios e interpretações relativos aos compromissos assumidos pelos Estados Partes no âmbito do processo de integração”93. Essa gama de interpretações desempenhou importante papel na consolidação de um espaço econômico comum. Analisando o alcance do princípio do livre comércio estabelecido no Tratado de Assunção, por 93
Cozendey, C.M. e Benjamin, D.A. Laudos arbitrais no marco do Protocolo de Brasília: a construção jurídica do processo de integração. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p. 37.
112
exemplo, diferentes laudos arbitrais destacaram a proibição de se impor restrições às trocas comerciais, seja no plano tarifário, seja no campo de barreiras não-tarifárias. Da mesma forma, os laudos contribuíram para uma melhor definição, à luz dos compromissos assumidos pelos Estados Partes, sobre temas como subsídios, defesa comercial, licenciamentos automáticos e não-automáticos, regime de origem e princípio do tratamento nacional94. O sistema de solução de controvérsias do Mercosul tem sido, por outro lado, pouco acionado pelos Estados Partes, o que indica sua preferência pela resolução dos atritos pelos canais políticos. Tendo sido emitidos 12 (doze) laudos “ad hoc” e 1 (um) laudo pelo TPR desde a entrada em vigor do Protocolo de Brasília, em 1993, resta claro que há uma opção em se privilegiar mecanismos não-judiciais. Como já dissemos, além do mecanismo de consultas em funcionamento do âmbito da CCM, foram criadas, nos anos recentes, Comissões de Monitoramento do Comércio Bilateral entre os diferentes Estados Partes (alheias à estrutura institucional do Mercosul), as quais constituem mais uma esfera para a discussão de problemas que afetam o intercâmbio comercial intrabloco.
94
Para uma análise da orientação estabelecida pelos laudos para cada um desses temas, cf. Cozendey, C.M e Benjamin, D.A., op. cit., pp.38-48.
113
CAPÍTULO 5 – DEFESA COMERCIAL E DA CONCORRÊNCIA 5.1) Defesa Comercial Extrazona
As medidas de defesa comercial têm como objetivo primordial coibir práticas desleais de comércio. Numa união aduaneira é fundamental que haja uma coordenação dos Estados Partes com relação à matéria, de modo a evitar eventuais distorções na circulação de mercadorias no mercado ampliado95. O artigo 4° Tratado de Assunção estabeleceu as diretrizes fundamentais para o tratamento da questão no âmbito do MERCOSUL, ao dispor que “nas relações com terceiros países, os Estados Partes assegurarão condições equivalentes de comércio”. Para isso, deveriam, inicialmente, aplicar medidas de defesa comercial com base em suas próprias legislações. Paralelamente, deveriam elaborar normas comuns sobre a matéria. São três as principais medidas de defesa comercial: direitos antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas. Os direitos antidumping incidem sobre produtos cujo preço de exportação é inferior àquele praticado no mercado doméstico do próprio país exportador (preços artificialmente baixos). Essa é a definição dada no artigo 2° do Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do GATT 199496. As investigações devem comprovar a ocorrência de dano à indústria nacional. Já os direitos compensatórios têm por objeto mercadorias produzidas com o auxílio estatal, por meio, por exemplo, da concessão de subsídios97. Por fim, as salvaguardas são medidas adotadas com o objetivo de conter um súbito crescimento das importações capaz de provocar prejuízos aos produtores domésticos. São
95
A principal distorção consistiria na possibilidade de um produto que é objeto de medida de defesa comercial em apenas um dos Estados Partes ingressar nesse mesmo país por intermédio de um dos sócios (“triangulação”), uma vez que produtos provenientes de um outro Estado Parte não podem, ao menos numa união aduaneira perfeita (sem exceções), estar sujeitos a medidas de defesa comercial. 96 “Agreement on Implementation of Article VI of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994”. In: The Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations – The Legal Texts. Geneve, WTO, 1995, p. 168.
114
consideradas medidas excepcionais, temporárias e decrescentes ao longo do tempo, tendo como objetivo permitir que a indústria nacional se ajuste às novas condições de competição98. No caso de uma união aduaneira, é fundamental que haja uma harmonização normativa entre os Estados Partes e a criação de uma instância capaz de decidir acerca da aplicação ou não dessas medidas, uma vez que a imposição de uma medida de defesa comercial constitui, na prática, uma “perfuração” da TEC99. O objetivo de elaborar uma política de defesa comercial comum frente a terceiros mercados não foi atingido até o momento, a despeito dos trabalhos desenvolvidos sobretudo na fase de criação e consolidação do Mercosul. Esperavase que uma vez superada a “fase de transição”, que ia da assinatura do Tratado de Assunção até a constituição da união aduaneira, em 1995, os Estados Partes pudessem aplicar medidas de defesa comercial de forma conjunta. No entanto, as dificuldades encontradas para o estabelecimento de normas e instituições comuns acabaram fazendo com que, ainda hoje, o tema seja tratado de maneira individual por cada um dos países do bloco.
Salvaguardas
Em meados dos anos 90 foram realizados os movimentos mais significativos em matéria de defesa comercial. Em 1996, foi aprovado o “Regulamento relativo à Aplicação de Medidas de Salvaguarda às Importações Provenientes de Países NãoMembros do Mercosul” (Decisão CMC n° 17/96). Esse regulamento previa a adoção de medidas de salvaguarda pelo bloco (e não individualmente pelos Estados Partes), desde que caracterizado prejuízo ou ameaça de prejuízo à “produção doméstica do Mercosul ou de um de seus Estados Partes”, entendida como o “conjunto dos 97
De acordo com o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, são considerados subsídios tanto a contribuição financeira dada por um governo ou entidade pública quanto a existência de políticas de sustentação de preços ou de renda. 98 Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma avaliação Institucional. Montevidéu, Red Mercosur, 2007, p. 7. 99 Ao acarretar um acréscimo da tarifa incidente sobre determinado produto, uma medida de defesa comercial acaba por representar um “desvio” da TEC acordada entre os Estados Partes.
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produtores de produtos similares ou diretamente concorrentes que operem no Mercosul ou em um de seus Estados Partes, ou aqueles cuja produção conjunta de produtos similares ou diretamente concorrentes constitua uma proporção importante da produção total de tais produtos no Mercosul ou em um de seus Estados Partes”. Uma das inovações do Regulamento Comum para a aplicação de medidas de Salvaguardas foi a criação do “Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas” (CDCS) do bloco, instituição a quem competiria conduzir as investigações para confirmar a ocorrência de um súbito aumento das importações e o conseqüente prejuízo aos produtores do bloco. O CDCS não possui, todavia, poderes de decisão. Suas competências são de natureza eminentemente técnica, competindo a ele submeter os pareceres sobre as investigações à CCM. Caberia à CCM, por sua vez, decidir pela abertura e encerramento das investigações e pela adoção ou não das medidas cabíveis. Havendo consenso, no âmbito da CCM, com relação à necessidade de se aplicar uma medida de salvaguarda (consistente numa alíquota ad valorem, numa alíquota específica ou uma combinação de ambas), deverá ser aprovada Diretriz nesse sentido, a ser incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes. A norma previu, ainda, um período de transição, que iria até 31 de dezembro 1998, no qual os Estados Partes poderiam aplicar medidas de salvaguardas de maneira individual, com a observância da legislação nacional. O Regulamento Comum para a Aplicação de Medidas de Salvaguarda nunca chegou a entrar em vigor, por não haver sido incorporado ao ordenamento jurídico da Argentina100.
Antidumping e Medidas Compensatórias
Em 1997 houve novo esforço dos Estados Partes no sentido de se aprovar um regulamento comum, desta vez relativo à aplicação de medidas antidumping. Diversamente do que ocorreu com as medidas de salvaguarda, porém, não houve 100
No Brasil o regulamento comum foi incorporado por meio do Decreto n° 2.667/98.
116
consenso a respeito de sua aprovação como um “regulamento”, notadamente em razão de indefinições sobre a criação ou não de órgão comunitário para aplicação de medidas. Acabou-se por aprovar, dessa forma, apenas um “Marco Normativo” (Decisão CMC n° 11/97). Caberia aos Estados Partes continuar aplicando as medidas antidumping de acordo com suas legislações nacionais. Além disso, essas mesmas legislações deveriam, se necessário, passar pelos ajustes necessários para estar em harmonia com o Marco Normativo. As dificuldades para a elaboração de um regulamento comum naquele momento se deviam essencialmente às diferentes experiências dos Estados Partes em matéria de defesa comercial. Se de um lado Argentina e Brasil já contavam com órgãos e legislação para tratar da matéria, o mesmo não acontecia com Paraguai e Uruguai. Daí a decisão de se elaborar, numa primeira etapa, apenas um marco normativo que consagrasse o entendimento comum dos países do bloco sobre questões envolvendo antidumping e subsídios101. O marco normativo para a aplicação de medidas antidumping estabelece regras comuns sobre o tema, adotando, assim como o regulamento sobre salvaguardas, o conceito de “indústria doméstica do Mercosul” (“conjunto de produtores regionais de produtos similares, ou aqueles dentre eles cuja produção constitua uma proporção importante da produção total de referidos produtos no Mercosul”). Uma vez caracterizado o dumping e a existência de dano aos produtores da região, caberia aos Estados Partes aplicar as medidas cabíveis, na forma de direitos ad valorem, específicos ou numa combinação de ambos. Se o regulamento sobre salvaguardas foi mais claro ao estabelecer os contornos institucionais necessários para sua aplicação - criando o CDCS e atribuindo à CCM o poder de decisão para a aplicação de medidas -, o marco normativo sobre medidas antidumping deixou um grande vazio. Seu texto alude, genericamente, à existência de uma “instância técnica”, à qual competiria conduzir as investigações, e à uma “instância política”, à qual caberia decidir sobre a 101
Naidin, L. C. et alii. “Defesa comercial e medidas de salvaguarda no Mercosul: uma avaliação institucional”. In: Kume, Honório (org.). Crecimiento económico, instituciones, política comercial y defensa de la competencia en el Mercosur. Montevideo, Red Mercosur, 2008, p. 311.
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aplicação ou não das medidas. Não há, porém, qualquer indicação dos órgãos que desempenhariam tais funções. Caberia à CCM negociar o preenchimento dessa lacuna posteriormente, por meio da elaboração de um regulamento comum com base no marco normativo. Em 2000 foi aprovado marco normativo similar para medidas compensatórias (Decisão CMC n° 29/00), também sem nenhum tipo de definição acerca dos aspectos
institucionais
necessários.
Nesse
mesmo
ano,
no
contexto
do
“relançamento do Mercosul”, os Estados Partes reiteraram o compromisso de elaborar regulamentos comuns sobre antidumping e medidas compensatórias. O tema voltou a ser debatido, sem maiores resultados, no âmbito do CDCS, persistindo as divergências sobre diferentes aspectos técnicos (relacionados, em sua maioria, a prazos e procedimentos), não havendo, tampouco, qualquer definição no tocante a aspectos de ordem institucional. Em junho de 2006, o CDCS considerou seus trabalhos concluídos e decidiu elevar as questões pendentes à consideração dos órgãos decisórios do Mercosul. De 2006 até o presente não se verificou nenhum avanço nas discussões sobre a matéria. Como se pode verificar do exposto, um dos principais óbices para que as negociações relativas aos regulamentos comuns em matéria de defesa comercial dêem resultado são as divergências em torno de questões institucionais. A efetiva implementação dos regulamentos dependeria de uma série de decisões conjuntas, desde a abertura de investigações até a tomada de decisões sobre os casos em exame. Torna-se difícil, assim, concluir as negociações se há divergências sobre quais seriam as competências das autoridades nacionais e sobre até onde poderiam ir os órgãos comunitários. Da mesma forma, a necessidade de haja consenso dos quatro países para a aplicação de medidas poderá, em alguns casos, inviabilizar a implementação das normas do bloco. A definição de aspectos institucionais relevantes do Mercosul – especialmente se haverá, em algum momento, a evolução do sistema intergovernamental para uma estrutura com elementos, ainda que
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atenuados, de supranacionalidade – é questão importante para a futura definição das políticas comuns em matéria de defesa comercial102.
5.2) Defesa Comercial Intrazona
Em projetos de integração profunda, a possibilidade de aplicação de instrumentos de defesa comercial entre os Estados Partes é tema controverso. No caso específico do Mercosul, tem-se buscado, desde a assinatura do Tratado de Assunção, eliminar essa prática no comércio intrazona, por atentar contra o princípio basilar da união aduaneira: o desmantelamento de barreiras ao comércio. Nesse quadro, eventuais práticas desleais de comércio deveriam ser combatidas não por meio da aplicação unilateral de medidas antidumping, compensatórias ou de salvaguardas, mas sim por intermédio da adoção de políticas comuns que disciplinem o ambiente concorrencial na região (substituição de medidas de defesa comercial por medidas de defesa da concorrência). Desse modo, e tratando da questão de um ponto de vista teórico, a expectativa é que numa união aduaneira sejam observados, na relação comercial entre os Estados Partes, os seguintes passos103:
(a) substituição dos instrumentos antidumping por uma política de defesa concorrência capaz de assegurar uma competição justa entre as empresas da região; (b) eliminação da aplicação de medidas compensatórias por meio de um efetivo disciplinamento das chamadas “ajudas de Estado” (como incentivos fiscais); (c) adoção de políticas de reconversão estrutural capazes de tornar mais competitivos determinados setores econômicos sensíveis, o que permitiria eliminar a aplicação de medidas de salvaguarda.
102 103
Cf. Andrade, Luciano Mazza, op. cit., pp. 138-142. Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.), op. cit., p. 11.
119
O Mercosul ainda não logrou atingir os objetivos indicados. A aplicação de instrumentos de defesa comercial no comércio intrazona continua sendo uma das principais imperfeições da união aduaneira. Embora formalmente não sejam aplicadas salvaguardas104 - substituídas, na prática, por restrições voluntárias ao comércio105, especialmente entre Argentina e Brasil -, os Estados Partes ainda lançam mão de investigações antidumping, o que em alguns casos pode conduzir a controvérsias no âmbito da OMC, como a que envolveu os dois maiores países do bloco, em 2007, em virtude da aplicação, pelo Brasil, de medidas de defesa comercial contra as importações de certas resinas PET da Argentina106.
Antidumping e Medidas Compensatórias
Não há menção explícita no Tratado de Assunção à eliminação do antidumping e de medidas compensatórias intrazona. Não obstante, como já sublinhamos, depreende-se que numa união aduaneira esse instrumento deve ser abolido ao lado de todas as demais barreiras não-tarifárias. O Mercosul ainda não conta com nenhuma norma comum que harmonize os procedimentos de investigação antidumping e preveja sua eliminação, em conjunto com os direitos compensatórios, no comércio intrazona. Os diferentes prazos previstos para se atingir esse objetivo – como o ano de 2000 – não foram observados. A Decisão CMC n° 64/00, que contemplava regras específicas para as investigações entre países do agrupamento (facilitando o acesso à informação e estabelecendo prazos e procedimentos comuns) e reiterava a necessidade de os Estados Partes negociarem propostas com vistas à eliminação gradual da aplicação de medidas antidumping entre os sócios, nunca entrou em vigor por não haver sido incorporada ao ordenamento jurídico de todos os países do bloco.
104
Exceto para produtos originários de Zonas Francas, os quais recebem, como veremos em ponto específico, o mesmo tratamento dispensado a produtos de extrazona. 105 Na forma de acordos voluntários entre os setores privados. Não se trata, portanto, de medidas adotadas a partir de negociações entre os governos. 106 Por solicitação da Argentina, e em virtude de acordo entre os dois países, a controvérsia foi suspensa no final de janeiro de 2008.
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A Argentina suscitou, posteriormente, obstáculos para a efetiva incorporação e aplicação da Decisão CMC N° 64/00. Sua principal alegação era a de que a adoção da norma poderia ser interpretada como uma substituição, no acervo normativo do Mercosul, das normas pertinentes da OMC sobre antidumping e medidas compensatórias, o que impediria, por exemplo, que, nas controvérsias entre si, os Estados Partes pudessem recorrer ao órgão de solução de controvérsias daquela organização107. Esse questionamento acabou por ser superado em julho de 2002, com a aprovação das Decisões CMC N° 13/02 e N° 14/02, que incorporavam ao acervo normativo comunitário, respectivamente, o Acordo Antidumping e o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Essas normas haviam sido internalizadas individualmente pelos Estados Partes, mas formalmente não faziam parte do ordenamento jurídico do Mercosul. Embora a incorporação ao acervo normativo do Mercosul tenha sido um importante passo para o tratamento da matéria, não era o suficiente, já que os Estados Partes deveriam continuar trabalhando para eliminar a aplicação de medidas de defesa comercial no comércio intrazona. Tendo em vista o impasse com relação à incorporação da Decisão CMC N° 64/00, que estabelecia as disciplinas para a investigação entre os sócios, aprovou-se nova Decisão, de N° 22/02, também aplicável aos processos de defesa comercial intrazona. Na prática, essa norma vinha a complementar, no plano das relações entre os países-membros, as normas multilaterais da OMC108. Essa norma tampouco chegou a entrar em vigor, tendo sido travadas discussões sobre ajustes já nos anos de 2005 e 2006, momento em que o Brasil chegou a defender, sem sucesso, que se adotasse o prazo de 2010 para a eliminação de medidas antidumping e compensatórias no comércio intrazona. Não houve progressos nos debates realizados desde então. Uma das razões que contribuíram para solapar os esforços negociadores realizados desde o estabelecimento do Mercosul é a vinculação desse tema com outros fundamentais para a consolidação da união aduaneira, tais como a concessão 107 108
Naidin, L.C. et alii, op. cit., p. 315. Ibidem, p. 316.
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de incentivos (“ajudas de Estado”) e adoção de uma política comum de defesa comercial. O impasse na discussão de um dos temas acaba por impedir progressos na negociação das matérias correlatas. Desse modo, os debates sobre o tema não evoluíram sequer no âmbito técnico, especialmente na CCM e foros vinculados. No período 1995-2005 a Argentina foi o país que mais lançou mão de medidas antidumping no comércio intrazona. Das 36 investigações iniciadas contra o Brasil, 20 resultaram na aplicação de medidas. Já o Brasil iniciou 7 investigações contra a Argentina, das quais 4 resultaram na aplicação de medidas. Nesse mesmo período, o Uruguai aplicou 3 medidas antidumping contra a Argentina e o Paraguai aplicou 1 medida contra a Argentina e 1 contra o Brasil109. Na falta de um instrumento comum para regulamentar a investigação e a aplicação de direitos antidumping, os Estados Partes devem observar os acordos pertinentes da OMC, incorporados ao acervo normativo do bloco por meio das já referidas Decisões CMC N° 13/02 e N° 14/02.
Salvaguardas
A eliminação das salvaguardas no comércio intrazona é passo fundamental para a consolidação da união aduaneira. O Anexo IV do Tratado de Assunção estabeleceu que os Estados Partes só poderiam lançar mão desse instrumento no comércio recíproco até 31 de dezembro de 1994. Assinalou, ainda, que somente deveriam recorrer à prática de salvaguardas em “casos excepcionais” e após a realização de consultas prévias. As salvaguardas deveriam ser aplicadas uma única vez para cada produto e seu prazo não poderia exceder um ano. No entanto, a Decisão CMC n° 05/94, que estabeleceu o “Regime de Adequação Final à União Aduaneira”, fixou um prazo mais dilatado para a abolição desse mecanismo no comércio intrazona. Em seu artigo 3°, alínea “b”, essa norma determina que os produtos sujeitos ao regime de salvaguardas poderiam gozar de um 109
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma avaliação Institucional. In: Kume, Honorio. Crecimiento económico, instituciones, política comercial y defensa de la competencia en el Mercosur. Montevidéu, Red Mercosur, 2008, p. 293.
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prazo final de desgravação de quatro anos, “contados a partir de 1° de janeiro de 1995”. Isso significou, na prática, a persistência de salvaguardas até o dia 1° de janeiro de 1999. A conjuntura econômica da época dificultou, porém, o abandono completo dos debates sobre a manutenção de salvaguardas no bloco. Ainda em janeiro de 1999, a desvalorização do real tornou os produtos brasileiros mais competitivos, o que despertou reações no setor privado argentino, que passou a demandar de seu governo a adoção de medidas de restrição ao comércio. Nesse mesmo ano o governo argentino manifestou a intenção de regulamentar um sistema de salvaguardas com base na Resolução CR 70 da ALADI. Esse projeto foi posteriormente abandonado110. Do ponto de vista legal, no entanto, a aplicação de salvaguardas já não encontra mais respaldo nas normas comunitárias. Na prática, as salvaguardas têm sido aplicadas, especialmente pela Argentina, apenas contra produtos originários de Zonas Francas, os quais, de acordo com o Decisão CMC N° 8/94, devem receber tratamento de produtos de extrazona, salvo acordo em contrário entre os Estados Partes. Como “solução de compromisso” para o tema, Argentina e Brasil criaram, em 2003, a Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral. Esse foro constitui um canal de negociação para diferentes temas, inclusive daqueles relativos a restrições quantitativas ao comércio em setores considerados assimétricos111. É no âmbito da Comissão que têm sido celebrados acordos, inclusive de restrição voluntária de exportações, entre os setores privados dos dois países. No final de 2005 e início de 2006 os Governos da Argentina e Brasil negociaram um instrumento destinado a disciplinar, ainda que de forma imperfeita, a aplicação de medidas de defesa comercial pelos dois países. As negociações resultaram na adoção do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). É importante ressaltar que o MAC é um acordo bilateral, não fazendo parte, por conseguinte, do acervo normativo do Mercosul. 110 111
“Informe MERCOSUR” n° 11. Buenos Aires, BID-INTAL, janeiro de 2007, pp. 56-57. Ibid., p. 57.
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O MAC prevê, na prática, a possibilidade de adoção de salvaguardas – embora esse termo não seja utilizado no texto do acordo, plasmado no 34° Protocolo Adicional ao ACE N° 14 – caso as importações originárias de um dos países tenham um “aumento substancial” e possam, por essa razão, representar uma ameaça de dano à indústria do país vizinho. A aplicação do MAC deve necessariamente ser antecedida de negociações entre os setores privados dos dois países. Apenas na hipótese de não haver acordo é que o Governo do país que se julgar afetado poderá, se constatar a existência de “dano importante” (ou ameaça de dano) e a relação de causalidade com o surto de importações, aplicar as medidas correspondentes. Tais medidas consistirão no estabelecimento de um limite quantitativo para as importações do produto em questão com preferência tarifária plena. As mercadorias que ultrapassarem o limite fixado deverão pagar a TEC como se fossem produtos originários de extrazona, usufruindo, porém, de uma pequena margem de preferência de 10%. As medidas aplicadas sob a égide do MAC terão, em princípio, duração de 3 anos, prorrogáveis por um ano adicional. O MAC deverá se fazer acompanhar por um Programa de Adaptação Competitiva (PAC). O PAC tem como função primordial modernizar e dar melhores condições de competitividade para o setor afetado pelo aumento de importações, de modo a capacitá-lo a enfrentar a concorrência externa uma vez encerrada a aplicação das medidas de proteção. Para isso, o setor deverá comprometer-se a realizar investimentos e implementar ações de desenvolvimento científico e tecnológico. Do ponto de vista político, a adoção do MAC representou uma resposta às preocupações do governo argentino com o alegado risco à indústria doméstica provocado pelo crescimento das exportações de produtos brasileiros. Um dos argumentos utilizados para defender o mecanismo é o de que constituiu um disciplinamento para medidas até então implementadas de forma assistemática e de maneira unilateral pelos governos nacionais. O fato de o MAC, cujo texto foi acordado no início de 2006, não haver entrado em vigência até o início de 2009112 indica não ter havido, pelo menos nesse 112
O Protocolo Adicional ao ACE n° 14 correspondente ao MAC foi internalizado pela Argentina apenas em outubro de 2008, na esteira dos efeitos gerados pela crise financeira mundial e num momento em que o
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período, um interesse concreto de Argentina e Brasil em adotar medidas sob sua égide. É importante notar que a negociação do instrumento foi objeto de críticas por parte de Paraguai e Uruguai, que contestavam a negociação, em bases bilaterais, de medidas que supostamente representariam, na prática, travas ao comércio intrazona.
5.3) Defesa da Concorrência A adoção de normas e políticas comuns de defesa da concorrência também é requisito fundamental para o estabelecimento de um mercado comum. Num contexto de crescente integração das economias dos Estados Partes, é provável que se tornem mais freqüentes as práticas lesivas à concorrência, como a formação de cartéis. Com o estabelecimento de um mercado ampliado, torna-se indispensável que eventuais sanções a grupos econômicos tenham escala regional, uma vez que uma ação praticada em determinado país poderá, não raras vezes, afetar empresas nos países vizinhos. A elaboração de um Protocolo de Defesa da Concorrência tornouse, por isso, um dos pontos fundamentais da agenda do Mercosul no terreno econômico-comercial. O trabalho conjunto das autoridades dos quatro Estados Partes resultou na aprovação, em 1996, do Protocolo de Defesa da Concorrência (PDC), por meio da Decisão CMC n° 18/96 (“Protocolo de Fortaleza”). O PDC entrou em vigor em 2000 apenas para Brasil e Paraguai, os dois únicos países a procederem à sua internalização. Não chegou, por essa razão, a ser aplicado como um instrumento comunitário. Contribuiu para isso o fato de apenas Brasil e Argentina possuírem órgãos nacionais de defesa da concorrência efetivamente estruturados - como veremos a seguir, a aplicação do Protocolo dependia em grande parte da existência de instituições nacionais aptas a lidar com questões concorrenciais. Araújo Júnior assinala que o fato de o PDC haver sido aprovado sem que todos os países do bloco contassem com instituições capazes de aplicá-lo de maneira eficaz revelou a inexistência de preocupação de seus negociadores com o estado das governo do país vizinho encontrava-se pressionado pelo setor privado a adotar medidas protecionistas. No início de 2009 o Brasil ainda não havia incorporado o instrumento ao seu ordenamento jurídico.
125
instituições antitruste da região. As inconsistências do Protocolo de Fortaleza decorreriam justamente dessa dicotomia entre seu escopo normativo e o estado das instituições
nacionais,
indispensáveis
para
a
correta
aplicação
de
seus
dispositivos113. O PDC foi concebido para ser aplicado a atos praticados por pessoas físicas e jurídicas que tenham impacto no ambiente concorrencial e no comércio de bens e serviços entre os Estados Partes do Mercosul. Ficaram excluídos de seu âmbito de aplicação, portanto, aqueles atos cujas conseqüências restrinjam-se ao território de apenas um dos Estados Partes. Vale destacar também que o Protocolo versou apenas sobre condutas anticompetitivas, relacionadas em seu capítulo II, deixando para uma etapa posterior a elaboração de normas comunitárias sobre atos de concentração que “possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços”. O Protocolo cria o Comitê de Defesa da Concorrência (CDC), órgão intergovernamental integrado pelos representantes de cada Estado Parte. Por se tratar se uma instituição intergovernamental - e não supranacional, o que faz com que suas decisões dependam necessariamente da anuência de todos os Estados Partes -, o CDC teria, segundo alguns de seus críticos, atribuições limitadas. Isso porque caberia aos órgãos nacionais efetuar as investigações sobre os atos que alegadamente atentem contra a livre concorrência. Uma vez concluído o processo investigatório levado a cabo pelas autoridades nacionais, as conclusões seriam então remetidas ao CDC, cuja competência restringir-se-ia a definir as sanções (basicamente multas) cabíveis e demais medidas aplicáveis. Além disso, e ainda consoante o PDC, as decisões do CDC teriam necessariamente de ser aprovadas pela CCM, à qual competiria pronunciar-se favorável ou contrariamente à adoção de sanções, por meio de Diretriz. Eventuais sanções seriam, da mesma forma, aplicadas pelas autoridades nacionais do Estado Parte em que estiver domiciliada a parte infratora. 113
Araujo Jr., José Tavares. “Política de Concorrência no MERCOSUL: uma agenda mínima”. In: Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 153.
126
O fato de as sanções estabelecidas pelo CDC terem de ser aprovadas pela CCM faria com que o órgão, segundo os críticos do Protocolo, assumisse a posição de simples “conselheiro” daquela instância decisória, ademais de fazer com o que os conflitos de natureza concorrencial fossem tratados a partir de um enfoque meramente “mercantilista”114. Num esquema de integração intergovernamental como o Mercosul esse foi o arranjo institucional possível de se alcançar à época da negociação do PDC. A possibilidade de se atribuir maiores poderes ao CDC não se afigurou possível naquele momento, tendo em vista especialmente o fato de que se trata de um órgão sobretudo técnico, que poderia eventualmente não tomar em conta eventuais sensibilidades políticas dos Estados Partes – daí a necessidade de que suas decisões viessem a ser submetidas ao crivo da CCM. Outro problema que gera óbices para a adoção de uma política comum de defesa da concorrência no Mercosul é a vinculação desse tema à questão das ajudas de Estado (basicamente incentivos fiscais), representadas por medidas dos Governos nacionais que visam a atrair e facilitar investimentos. A inexistência de uma disciplina comum para a concessão de incentivos pelos países do bloco é muitas vezes apresentada como um argumento para que não se adote uma política comum de defesa concorrência, a partir do raciocínio de que apenas quando “equalizadas” as condições de outorga desses benefícios a empresas privadas é que o Mercosul terá um ambiente concorrencial mais equilibrado, sem distorções engendradas por ações do Estado. A preocupação com as ajudas de Estado esteve presente no PDC. Seu artigo 32 estabelece que “os Estados Partes comprometem-se, dentro do prazo de dois anos a contar da entrada em vigência do presente Protocolo, e para fins de incorporação a este instrumento, a elaborar normas e instrumentos comuns que disciplinem as ajudas de Estado que possam limitar, restringir, falsear ou distorcer a concorrência e sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados Partes”. Todavia, a discussão sobre o disciplinamento da concessão de incentivos não avançou no nível 114
Ibidem, p. 153.
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comunitário, o que também acabou afetando os trabalhos de implementação da política de defesa da concorrência comum no âmbito do Mercosul. A questão das ajudas de Estado (incentivos) é complexa e marcada por diferenças de visões entre os países-membros do Mercosul. O primeiro passo a ser tomado pelos Estados Partes seria o de definir quais incentivos estatais deveriam ser permitidos, uma vez que se reconhece que nem toda ajuda deve ser proibida115. Vale ressaltar que a adoção de instrumentos de defesa da concorrência é importante ferramenta para a eliminação de outras distorções da união aduaneira, como a aplicação de medidas antidumping, as quais são muitas vezes utilizadas como forma de oferecer proteção temporária para setores que enfrentam a concorrência de produtos importados116. Ao estabelecer as bases para uma concorrência saudável entre as empresas, a cooperação comunitária entre as autoridades antitruste pode ser elemento fundamental para a futura abolição da aplicação de medidas de defesa comercial entre os Estados Partes. A não-internalização do PDC levou os Estados Partes a darem início à sua revisão. As discussões, porém, não têm evoluído de forma satisfatória, não sendo possível vislumbrar, ainda, em que momento poderá ser adotada uma nova versão do Protocolo. As questões de defesa da concorrência no MERCOSUL têm sido tratadas, em nível técnico, pelo Comitê Técnico n° 5, vinculado à CCM. Também é no âmbito desse CT, conforme visto anteriormente, que têm tido lugar o intercâmbio de experiências entre as autoridades nacionais de defesa da concorrência.
115 116
Leopardi, Maria Tereza, op. cit., p. 131. Araújo Júnior, José Tavares, op. cit., p. 154.
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CAPÍTULO 6 – INVESTIMENTOS E SERVIÇOS
6.1) Investimentos
A negociação de um marco jurídico comum em matéria de investimentos fez parte da agenda de construção do Mercosul. Já nos primeiros anos do bloco foram aprovadas as primeiras normas comunitárias sobre o tema. São dois os instrumento jurídicos negociados pelos Estados Partes. O primeiro é o Protocolo de Colônia para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos no Mercosul (Decisão CMC n° 11/93). Esse Protocolo assegura aos investidores dos Estados Partes tratamento “não menos favorável” àquele dispensado aos investidores nacionais. Estabelece, desse modo, um quadro jurídico de proteção mínima à propriedade, ações e demais direitos econômicos dos investidores da região, limitando as hipóteses de desapropriação a razões de utilidade pública e ao pagamento de compensação “prévia, adequada e efetiva”. O Protocolo de Colônia também determina que o surgimento de controvérsias entre um investidor e um dos Estados Partes deverá ser dirimida por meio de recurso aos tribunais do país em que se realizou o investimento, à arbitragem internacional ou, eventualmente, ao sistema de solução de controvérsias do bloco. Essa norma nunca entrou em vigor entre os Estados Partes, uma vez que apenas a Argentina a incorporou ao seu ordenamento jurídico, em 1997. Embora tenha havido a determinação de efetuar uma revisão de seu texto, já que o Protocolo foi negociado em 1993, antes mesmo da assinatura do Protocolo de Ouro Preto e da implementação da união aduaneira, os trabalhos nesse sentido não têm evoluído nos últimos anos. Além do Protocolo de Colônia, os Estados Partes aprovaram também o “Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados não-membros do Mercosul” (Decisão CMC N° 11/94), também conhecido como Protocolo de Buenos Aires. Esse instrumento objetivava harmonizar, dentro o bloco, o tratamento concedido por cada Estado Parte aos investimentos provenientes de
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terceiros países. Seu artigo primeiro estabelece uma espécie de “cláusula de harmonização mínima”, segundo a qual os Estados Partes comprometer-se-iam a conceder a investidores estrangeiros um tratamento “não mais favorável” àquele estabelecido nas disposições do Protocolo. Estaria resguardada, assim, a liberdade de adoção de medidas mais restritivas. No mais, o Protocolo de Buenos Aires prevê que os Estados Partes, uma vez admitido o investimento estrangeiro, garantirão “tratamento justo e eqüitativo”, sem assegurar, no entanto, tratamento idêntico àquele conferido aos investidores nacionais e originários do Mercosul. Assim como o Protocolo de Colônia, permite nacionalizações ou desapropriações apenas quando assim o exija o interesse público ou social, após o pagamento de indenização “justa, adequada, imediata ou oportuna”. Da mesma forma, eventuais controvérsias entre um investidor estrangeiro e um dos Estados Partes deverão ser resolvidas ou nos tribunais nacionais do território em que foi realizado o investimento ou mediante recurso à arbitragem internacional. O Protocolo de Buenos também não entrou em vigor, por não haver sido internalizado no Brasil. Por determinação do CMC, ambos os documentos encontram-se, desde 2004, em processo de revisão no âmbito do Subgrupo de Trabalho N° 12 “Investimentos”. No caso brasileiro, a discussão sobre a proteção e promoção de investimentos intra e extrazona insere-se no quadro mais amplo do debate sobre os chamados “Acordos de Proteção e Promoção de Investimentos” (APPIs), negociados bilateralmente entre diversos países. O Governo brasileiro tem adotado o entendimento de que tais acordos trazem dispositivos nocivos à soberania nacional, inclusive por propiciar aos investidores estrangeiros tratamento, em alguns casos, mais favorável do que aquele oferecido aos investidores locais. A possibilidade de que haja recurso à arbitragem internacional sem que antes sejam esgotados os recursos internos – previsão que está presente tanto no Protocolo de Colônia (art. 9°) quanto no Protocolo de Buenos Aires (art. 2°, item “h”) também é considerada problemática e contrária à Constituição brasileira.
130
Outro elemento que torna imperiosa a revisão dos textos dos dois Protocolos é a circunstância que outros Estados Partes, como Argentina e Paraguai, assinaram APPIs com outros países, o que gera obstáculos adicionais para a harmonização de políticas de investimentos no Mercosul.
6.2) Serviços O “Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços no Mercosul”, aprovado em 1997, é a norma que estabelece os parâmetros básicos para a liberalização desse setor entre os Estados Partes. O comércio de serviços possui características próprias que o diferenciam do comércio de bens, tratando-se de um segmento em que a abertura dos mercados é mais lenta, por envolver regulamentações e interesses nacionais de diferentes tipos. Embora não exista uma definição unívoca de serviços, podemos dizer que, diversamente do que ocorre com o comércio de mercadorias, sua característica básica é a intangibilidade117. Fazem parte do universo de prestação de serviços, dentre outros, setores como o de turismo, telecomunicações, informática, transportes, serviços financeiros (seguros, por exemplo), atividades culturais e serviços prestados por profissionais liberais. O comércio de serviços têm adquirido crescente importância no cenário internacional. No caso brasileiro, por exemplo, esse segmento respondeu, em 2007, por 14% das exportações totais do país, segundo dados do MDIC. Esse número deve ser interpretado à luz do fato de que as exportações brasileiras de serviços, embora ainda inferiores às importações, têm aumentado a um ritmo superior ao da exportação de bens, mantendo crescimento anual superior a 20% (em 2007, atingiram o patamar de US$ 22,5 bilhões)118. O Protocolo de Montevidéu entrou em vigor em dezembro de 2005, depois da terceira ratificação, que foi efetuada pelo Brasil. Até o momento, o Paraguai é o único país que ainda não incorporou o texto ao seu ordenamento jurídico. A partir da 117
WTO. Manual on Statistics of International Trade in Services. Geneva, 2002, p. 7. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “Panorama do Comércio Internacional de Serviços 2007 – Dados consolidados”. Ano 3, n.1. Brasília, 2008, p. 7.
118
131
entrada em vigor do instrumento teve início a contagem do prazo de 10 (dez) anos para a conclusão do processo de liberalização do comércio de serviços no âmbito do Mercosul. Nos termos do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços da OMC (AGCS), e conforme estabelecido no artigo 2 do Protocolo de Montevidéu, a prestação de serviços pode ser realizada por meio de quatro diferentes modalidades:
(i)
modo 1 (serviços transfronteiriços): prestação de um serviço do território de um Estado Parte ao território de outro Estado Parte. Não há, nesse caso, necessidade de que o prestador de serviços se desloque ou se instale no país importador. Um exemplo seria o de uma empresa de consultoria que elabora um estudo e o remete, pelos correios ou por meio eletrônico, para o cliente domiciliado no exterior;
(ii)
modo 2 (consumo no exterior): prestação de um serviço no território de um Estado Parte a um consumidor de serviços de qualquer outro Estado Parte. É o caso de turistas que consomem serviços no país que estão visitando;
(iii)
modo 3 (presença comercial): prestação de um serviço de um Estado Parte por meio da presença comercial no território de qualquer outro Estado Parte. Um exemplo desse modo de prestação seria o de um escritório de advocacia brasileiro que se instala em outro país a fim de prestar consultoria sobre negócios no Brasil;
(iv)
modo 4 (movimento temporário de pessoas físicas prestadoras de serviços): prestação de um serviço por meio da presença de pessoas físicas de um Estado Parte no território de qualquer outro Estado Parte.
A maior parte do comércio de serviços concentra-se nos modos 1 e 3. O modo 4 responde por parcela pouco significativa do total. Quando da assinatura do Protocolo de Montevidéu os Estados Partes apresentaram suas listas de compromissos específicos iniciais. Essas listas iniciais são progressivamente incrementadas por meio de rodadas negociadoras, nas quais os
132
países do bloco assumem novos compromissos de abertura de seus mercados em diferentes setores. Desde a assinatura do Protocolo foram realizadas, até 2007, seis rodadas negociadoras. A Decisão CMC n° 01/06, que aprova as listas de compromissos resultantes da sexta rodada negociadora, consolida todos os compromissos de abertura negociados anteriormente. Dentre os setores que se beneficiaram com a liberalização, podemos mencionar os de telecomunicações, serviços profissionais, financeiros, de educação, saúde, turismo e transportes. Na linha do que estabelece o AGCS, um dos pilares do Protocolo de Montevidéu é o chamado “tratamento nacional”. Segundo esse princípio, os Estados Partes outorgarão aos serviços e aos prestadores de serviços dos países do bloco tratamento não menos favorável do que aquele concedido a seus próprios serviços ou prestadores de serviços similares. No entanto, ao longo das negociações podem ser negociadas limitações expressas a esse princípio. No caso de serviços jurídicos, por exemplo, a lista de compromissos do Brasil prevê, como limitação ao princípio do tratamento nacional no que diz respeito ao modo 3 (presença comercial, como a instalação de um escritório no país vizinho), que a sociedade de advogados estrangeira “apenas poderá prestar consultoria em direito estrangeiro”. Além das limitações ao princípio do tratamento nacional podem ser previstas também limitações ao acesso a mercados. Essas limitações consistem na imposição de regulamentos que devem ser observados pelo prestador de serviço. Podem referirse à limitação do número de prestadores de serviços (quota) ou à imposição de restrições específicas para sua operação. Retomando o exemplo utilizado anteriormente, no caso de serviços jurídicos no modo 3, o Brasil estabeleceu, em sua lista de compromissos, que “toda sociedade de advogados deve constituir-se sob a forma de Sociedade Civil”, acrescentando que “fica expressamente vedado o exercício do procuratório judicial por estrangeiros”. É importante ressaltar que os Estados Partes podem assumir compromissos adicionais, que versam normalmente sobre temas de natureza regulatória (como a edição de normas nacionais sobre o setor objeto de liberalização). No caso de
133
serviços de seguro de saúde, a lista brasileira prevê, como compromisso adicional, que “o Brasil se compromete a permitir o acesso a investidores estrangeiros de acordo com regulamentação futura”. As listas dos países do Mercosul apresentam também “compromissos horizontais”, assim denominados por dizerem a respeito a todos os setores. No caso brasileiro, por exemplo, exige-se, para toda empresa estrangeira que decidir prestar serviços no território nacional, organização “sob uma das formas societárias previstas em lei no Brasil”, inclusive com o respectivo registro do contrato social junto ao registro público competente. É facultado aos países não assumir compromissos num dos modos específicos de prestação de serviços. O jargão técnico “não consolidado” é utilizado para indicar que o país se escusa de assumir compromissos de abertura num determinado modo de prestação. As listas de compromissos dos Estados Partes do Mercosul são organizadas em forma de colunas. A primeira coluna indica o setor ou sub-setor em que se assume um compromisso. No exemplo dado a seguir, o setor é o de “serviços prestados às empresas”. A segunda coluna aponta as limitações de acesso a mercados e a terceira as limitações ao tratamento nacional. A última coluna é reservada para os compromissos adicionais:
Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços Brasil – VI Rodada de Negociações Modos de prestação: 1) Prestação Transfronteiriça 2) Consumo no Exterior 3) Presença Comercial 4) Presença de Pessoas Físicas SETOR UM SUB- LIMITAÇÕES AO LIMITAÇÕES SETOR
AO COMPROMISS OS
A TRATAMENTO
ACESSO MERCADOS
ADICIONAIS
NACIONAL
II. COMPROMISSOS SETORIAIS 1. SERVIÇOS PRESTADOS
1) Nenhuma
1) Nenhuma
2) Nenhuma
2) Nenhuma
ÀS EMPRESAS 3) Toda
sociedade 3) A
sociedade
de
134
A. Serviços profissionais a. Serviços Jurídicos (CPC 861)
advogados
advogados
deve constituir-se
estrangeira
apenas
sob a forma de
poderá
prestar
Sociedade Civil.
consultoria
Fica
direito estrangeiro
de
4) Não
expressamente vedado exercício
o do
em
consolidado,
exceto pelo indicado na seção horizontal
procuratório judicial
por
estrangeiros. 4) Não consolidado, exceto
pelo
indicado na seção horizontal.
Como se vê, as limitações ao acesso a mercados e ao tratamento nacional são indicadas de acordo com o modo de prestação do serviço. No exemplo acima, relativo a serviços jurídicos, não existem limitações de nenhum tipo para os modos 1 e 2. Já para o modo 3 (presença comercial) são impostas limitações tanto de acesso a mercados quanto de tratamento nacional. Por fim, o modo 4 (movimento temporário de pessoas físicas prestadoras de serviços) não foi consolidado, o que significa, como vimos, que não se assumiu nenhum compromisso de liberalização.
135
CAPÍTULO 7 – OUTROS TEMAS RELEVANTES DA AGENDA DO MERCOSUL 7. 1) Tratamento de Assimetrias O tratamento de assimetrias entre os Estados Partes do Mercosul é um dos principais temas da agenda mais recente do bloco. Embora desde o início as normas comunitárias tenham previsto políticas diferenciadas para as duas economias menores, tais como a adoção de prazos mais elásticos para a implementação da TEC para algumas categorias de produtos e a manutenção de um número maior de itens em listas de exceções, apenas mais recentemente surgiram iniciativas no sentido de se elaborar estratégias mais amplas visando à atenuação das diferenças nos níveis de desenvolvimento entre os países da região. O Tratado de Assunção, sensível aos contrastes existentes, estabeleceu, em seu artigo 6°, que os “Estados Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai”. No entanto, no caso específico do TA, essas “diferenças de ritmo” permitiam apenas que os dois países menores pudessem excluir, por mais tempo, produtos do cronograma de desgravação tarifária, de forma a proteger setores mais sensíveis de suas economias. O fato é que não havia, no documento que estabeleceu o Mercosul, preocupação explícita com as disparidades entre os Estados Partes. Como assinala Salgado, “o texto de Assunção não coloca explicitamente a redução de desequilíbrios entre as preocupações centrais do processo de integração, reconhecendo apenas de forma implícita a existência de assimetrias, através das referidas disposições temporárias que beneficiavam os sócios menores”119. As razões para que o Mercosul iniciasse sua trajetória sem atentar para a criação de dispositivos que minorassem os efeitos das assimetrias entre seus participantes é fruto do contexto político vivido pelos países da região no início da década de 90. A circunstância de que os dois maiores países do bloco, Argentina e
136
Brasil, estavam implementando políticas de corte liberal, com acelerada abertura de suas economias, deixava pouco espaço para a discussão do tema120, especialmente em função da crença de que a liberalização das trocas poderia, por si só, ter efeito positivo na redução das desigualdades entre os Estados Partes. O decorrer dos anos acabou por impor a visão, mais realista, de que o enfrentamento de assimetrias é requisito indispensável para o aprofundamento do processo de integração. A manutenção de desequilíbrios entre as partes envolvidas poderia gerar um sério obstáculo à manutenção do projeto integracionista: o desnível de benefícios121. A percepção de que a integração não traz os resultados esperados é fenômeno capaz de afetar diretamente o engajamento e a disposição em seguir os objetivos previamente estabelecidos. Essa interpretação de que o Mercosul tardava em gerar resultados positivos levou Paraguai e Uruguai a pleitearem, sobretudo a partir de 2003, a concepção de políticas específicas para as economias menores. As assimetrias são geralmente classificadas em duas espécies122: estruturais e de políticas. No primeiro caso agrupam-se diferenças de tamanho entre as economias, dotação de fatores, grau de desenvolvimento e níveis de pobreza e exclusão social. Já as assimetrias de políticas dizem respeito a diferenças existentes entre as políticas públicas dos Estados Partes e em sua capacidade de intervir na economia por meio, por exemplo, de estímulos para a atração de investimentos. Em função de sua natureza, a correção de assimetrias estruturais tende a se revelar mais difícil, ao passo que, em tese, as assimetrias de políticas podem ser objeto de tratamento específico, por meio de sua paulatina harmonização. O exame das assimetrias existentes no âmbito do Mercosul é, porém, complexa. Embora o Brasil seja a maior economia da região, é apenas o terceiro país em termos de PIB per capita, situando-se à frente apenas do Paraguai. Já Argentina 119
Salgado, Reinaldo J. A.. “Fundos Estruturais para o MERCOSUL: Lições da Experiência Européia”. Tese apresentada ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 134. 120 Ibidem, p. 135. 121 Arriola, Salvador. “Economia e Política Externa na América Latina, Política Externa e processos de integração. As assimetrias e a integração: o começo de uma resposta”. In: Política Externa, vol. 11, n° 2, setdez 2002, p. 105. 122 Cf. Terra , Maria Inés. Asimetrías en el Mercosur: ¿ Un obstáculo para el crecimiento ?. In: Massi, F. e Terra, M.I. (orgs.). Asimetrías en el Mercosur: ¿impedimento para el crecimiento? Montevideo, Red Mercosur de Investigaciones Económicas, 2008, p. 6.
137
e Uruguai, cujas economias são menores que a brasileira, possuem indicadores sociais melhores123. Qualquer enfoque a ser dado ao tema, portanto, deve ter a cautela de considerar que as assimetrias estruturais podem ser analisadas a partir de diferentes ângulos. Além disso, regiões de um mesmo país podem apresentar distintos níveis de desenvolvimento, o que caracterizaria, para além da assimetrias entre países, a existência de assimetrias internas. O tratamento de assimetrias no Mercosul têm se desdobrado em ações de dois tipos: implementação de medidas pontuais e temporárias e a concepção de políticas mais amplas e estruturais.
7.1.1) Ações pontuais
Na primeira categoria enquadram-se as flexibilidades outorgadas a Paraguai e Uruguai no cumprimento de normas comerciais do bloco, especialmente no que diz respeito à observância da TEC e do Regime de Origem do Mercosul. Por “flexibilidades” devemos entender a autorização para que esses dois países não observem, dentro de certos limites, as disciplinas comuns. A idéia é a de que tenham uma margem de liberdade para acomodar seus interesses mais sensíveis e aumentar a competitividade de suas economias. Essas flexibilidades foram concedidas desde a implementação da união aduaneira, consistindo, como já assinalamos anteriormente, em prazos mais dilatados para a adoção da TEC e na possibilidade de manter listas de exceções adicionais. No entanto, é a partir de 2003 que as duas economias menores passaram a demandar mais ativamente maiores flexibilidades no cumprimento das regras comunitárias. Nesse ano foi aprovada a Decisão CMC n° 31/03, a qual se outorgou ao Paraguai 150 itens adicionais em suas listas de exceções (sem prejuízo de lista anterior, de 399 itens, que lhe foi concedida por meio da Decisão CMC n° 07/94, bem como dos 100 itens a que têm direito todos os Estados Partes). O Uruguai passou a usufruir de benefício similar, passando a contar com nova lista de 123
Uma ampla análise das assimetrias no Mercosul a partir de diferentes indicadores pode ser consultada em Salgado, Reinaldo, op. cit., pp. 115-132.
138
exceções, composta por 125 itens adicionais. Além disso, a Decisão CMC n° 32/03 concedeu ao Paraguai a possibilidade de importar com alíquota reduzida de 2% uma série de matérias-primas. A mesma norma deu a Paraguai e Uruguai o direito de importar, também com alíquota de 2%, insumos agropecuários. Todos esses benefícios aprovados em 2003 são válidos até 2010, ressalvada a possibilidade de nova decisão dos Estados Partes estendendo esse prazo. Ademais, Paraguai e Uruguai poderão manter suas listas de exceções de 100 itens até 2015, ao passo que as listas brasileiras são válidas apenas até 2011, conforme a norma atualmente vigente (Decisão CMC n° 59/07). Como se pode observar, as duas economias menores do bloco estão autorizadas a praticarem tarifas diferentes para uma gama maior de produtos e em prazos mais amplos que aqueles concedidos a Argentina e Brasil. Também em 2003 Paraguai e Uruguai passaram a gozar de benefícios no cumprimento das regras de origem do Mercosul. A partir desse ano o índice de conteúdo regional exigido dos produtos paraguaios passou a ser de 40%, flexibilidade que foi estendida, por meio da Decisão CMC n° 16/07, até 2022. Já os produtos uruguaios passaram, a partir da aprovação da Resolução GMC n° 37/04, a ter de observar um índice de conteúdo regional de 50% (o mesmo concedido pelo Mercosul em seu acordo com os países andinos), lembrando que a regra geral do bloco, aplicável a Argentina e Brasil, é de 60%. Em tese, as medidas pontuais mencionadas têm como objetivo principal permitir que Paraguai e Uruguai possam manter e incrementar a competitividade de suas economias por meio da importação de insumos com custo reduzido, abastecendo-se, quando julgarem conveniente, de produtos de fora do bloco. Da mesma forma, a maior flexibilidade no cumprimento do regime de origem poderia incitar o surgimento de unidades produtivas nesses dois países, porquanto os empresários que ali se instalem poderão, ao menos numa fase inicial, ter maior liberdade na escolha de seus fornecedores de matérias-primas. As
flexibilidades
mencionadas
consubstanciam,
no
entanto,
novas
perfurações à TEC. Devem ser vistas, por essa razão, como medidas excepcionais. A
139
realidade tem apontado, porém, as dificuldades dos Estados Partes em abandonar esse tratamento excepcional, como revela a sucessiva prorrogação dos prazos de vigência dos benefícios (inclusive daqueles que beneficiam também as economias maiores). Como indicamos há pouco, existem listas de exceções com validade pelo menos até 2015. Da mesma forma, existem flexibilidades na observância das regras de origem asseguradas até 2022. Se por um lado essas medidas podem ser vistas como contraproducentes no esforço de consolidação da união aduaneira, deve-se ter em conta, por outro, que são necessárias para responder a demandas específicas dos sócios, resultando da conciliação política de diferentes interesses dos Estados Partes.
7.1.2) Ações estruturais: FOCEM
O Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) é a mais relevante ferramenta hoje existente no bloco para tratar as assimetrias de uma maneira mais sistemática124. Em funcionamento desde 2006, esse Fundo (cujo funcionamento deverá ser reavaliado pelos Estados Partes após 10 anos) tem o objetivo de financiar projetos que dêem suporte e aprofundem o processo de integração. De acordo com o disposto na Decisão CMC n° 18/05, que versa sobre a integração e o funcionamento do FOCEM, são quatro as vertentes principais desse instrumento:
(i)
convergência estrutural: as ações relativas à convergência estrutural devem enfatizar a infra-estrutura de integração física e os sistemas de comunicações entre os Estados Partes;
(ii)
desenvolvimento da competitividade dos Estados Partes: tem por objeto ações que propiciem a criação de comércio intra-Mercosul, incentivando, ademais, projetos de integração produtiva e de fortalecimento da qualidade
124
Todavia, como assinala Reinaldo Salgado, a própria Decisão que instituiu o Fundo foi cautelosa ao “evitar uma formulação que explicitasse uma caracterização do FOCEM como principal instrumento” para o tratamento de assimetrias. Resta implícito, no texto, que o FOCEM existe para “contribuir”, “promover” ou “desenvolver” esses objetivos, que deveriam ser igualmente buscados por outros meios. A cautela seria
140
da produção, bem como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos; (iii)
promoção da coesão social (especialmente nas economias menores e regiões menos desenvolvidas): os projetos dessa vertente devem colaborar para o desenvolvimento social, notadamente em regiões de fronteira, incluindo ações no campo da saúde humana, redução da pobreza e combate ao desemprego.
(iv)
fortalecimento da estrutura institucional do bloco: nesta vertente deverão ser financiados projetos de aperfeiçoamento da estrutura institucional do Mercosul.
O FOCEM é integrado por contribuições não-reembolsáveis dos Estados Partes. Seu orçamento anual é de US$ 100 milhões e as contribuições são diferenciadas, em montantes estabelecidos de acordo com a média histórica do PIB de cada um dos países. O Brasil aporta 70% dos recursos; a Argentina, 27%; o Uruguai, 2% e o Paraguai, 1%. Tendo em vista o propósito de minorar as assimetrias entre os Estados Partes, a distribuição dos recursos foi definida de maneira a beneficiar sobretudo as economias menores. Dessa forma, o total de US$ 100 milhões deverá financiar projetos na seguinte proporção: Paraguai, 48%; Uruguai, 32%; Argentina, 10% e Brasil, 10%. Embora os US$ 100 milhões possam à primeira vista parecer um montante insuficiente para redução de disparidades, é importante notar que os recursos alocados ao Paraguai representam, por si só, 0,85% do PIB daquele país em 2003, quantia significativa quando se considera que se trata de financiamento a fundo perdido125. Os projetos apresentados pelos Estados Partes devem passar por uma avaliação técnica antes de sua aprovação final pelo CMC. Essa análise técnica é efetuada por duas instâncias distintas: num primeiro momento o projeto deve ser
justificada pelo fato de que “objetivos excessivamente ambiciosos são freqüentemente receita certa para a frustração das expectativas e para perda de credibilidade”. Cf. Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157. 125 Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157.
141
submetido, no próprio país que tenciona apresentá-lo, à Unidade Técnica Nacional FOCEM (UTNF) e, numa segunda etapa, pela Unidade Técnica FOCEM estabelecida no âmbito da Secretaria do Mercosul (UTF/SM). O procedimento para a apresentação de projetos é estabelecido no Regulamento do FOCEM, aprovado por meio da Decisão CMC n° 24/05. Os primeiros projetos financiados com recursos do FOCEM foram aprovados a partir de janeiro de 2007, permitindo ações em diferentes áreas, como habitação, questões sanitárias, transportes e biossegurança. Como já assinalado, todos os projetos devem ser aprovados por meio de Decisão do CMC. Embora ainda esteja em sua fase inicial de implementação, os Estados Partes, em especial o Brasil, já manifestaram seu propósito de fortalecer o FOCEM e incrementar os seus recursos, de maneira a ampliar seu impacto no processo de integração. O Fundo é uma experiência pioneira em processos de integração envolvendo apenas países em desenvolvimento. Do ponto de vista político, explicita o claro compromisso das economias maiores do bloco com a atenuação das assimetrias. O Mercosul pode, porém, ir além, adotando ações e políticas de maior impacto ao longo do tempo. Algumas iniciativas nesse sentido - algumas das quais já estão presentes, ainda que de forma embrionária, no âmbito do bloco - poderiam ser mencionadas: ampliação de financiamentos para infra-estrutura; estabelecimento de canais de financiamento para estimular exportações para os países mais desenvolvidos; realização de estudos de oferta exportável; cooperação técnica para reconversão industrial e melhoria da qualidade da produção126. Parte dessas ações pode ser contemplada com recursos do próprio FOCEM.
7.2) Coordenação de políticas macroeconômicas
A coordenação de políticas macroeconômicas é um dos requisitos fundamentais para a constituição do mercado comum, tal como enunciado no artigo 1° do Tratado de Assunção. Os resultados concretos nessa matéria ainda se revelam 126
Arriola, Salvador, op. cit., pp. 105-109.
142
tímidos, embora, sobretudo na primeira década do bloco, tenham sido apresentadas declarações e cartas de intenções relativamente ambiciosas. Esse nível de ambição inicial era uma decorrência natural do fato de que o estabelecimento e o posterior bom funcionamento do espaço econômico comum dependem da estabilidade das políticas econômicas de cada um dos sócios. Afinal, a instabilidade de um dos parceiros é claramente nociva ao processo de integração (por afetar negativamente os fluxos de comércio e a capacidade de atrair investimentos), além do que a maior interdependência engendrada pela integração faz com que os problemas macroeconômicos enfrentados por um dos integrantes se estenda aos demais (efeito de “derrame”)127. A coordenação de políticas macroeconômicas exige que os países do bloco concertem posições em matéria de câmbio, política monetária e política fiscal. Além disso, como trabalho de base, deverá haver uma harmonização de indicadores estatísticos, a fim de se evitar discrepâncias nas mensurações de dados relevantes para a convergência macroeconômica. Em seguida, é importante que os Estados Partes tenham metas comuns de dívida pública e inflação e, numa última e mais difícil etapa, estabeleçam as condições necessárias, se assim o desejarem, para a adoção de uma moeda comum. Nos anos 90, a implementação pela Argentina do regime de conversibilidade (currency board) e sua manutenção ao longo daquela década veio a constituir “obstáculo quase intransponível”128 a uma maior coordenação de políticas macroeconômicas no âmbito do Mercosul. Conquanto o Brasil tenha, a partir da implementação do Real, em 1994, observado uma política artificial de valorização da moeda nacional frente ao dólar (com a adoção de um sistema de “bandas cambiais” que estabeleciam os patamares de oscilação do dólar), a situação tornouse insustentável em 1999, ano em que se passou ao regime de câmbio flutuante. A abrupta desvalorização do real daí decorrente acabou desencadeando problemas no
127
Fanelli, José María. “Coordinación macroeconómica en el Mercosur: balance y perspectivas”. In: Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 3.
143
relacionamento comercial com os demais países do bloco, já que a depreciação da moeda brasileira reduziu o valor dos produtos locais e impulsionou, por outro lado, as exportações brasileiras. Essa conjuntura acarretou, na prática, dificuldades para qualquer negociação mais ambiciosa com vistas a uma maior harmonização das políticas econômicas, já que os dois principais sócios do Mercosul, Argentina e Brasil, passaram a ter regimes cambiais distintos: a “semelhança das respostas macroeconômicas de Brasil e Argentina aos choques externos – que já não era grande sob o regime de bandas cambiais brasileiro – tornou-se nula após 1999”129. Às instabilidades enfrentadas pelos dos maiores países do bloco em meados dos anos 90 somaram-se as crescentes reticências com relação aos custos que resultariam da decisão de se promover, de maneira concreta, maior coordenação macroeconômica. Essa decisão requereria não apenas uma perda de parte da autonomia dos Estados nacionais no campo econômico, mas também a concepção de instituições comunitárias que gerissem sua efetiva observância, inclusive com mecanismos de incentivo e de enforcement. Renunciar a essa autonomia e conceber instituições comuns tornaram-se, na prática, objetivos difíceis de se atingir na década inicial do Mercosul, seja porque os países da região se caracterizavam por uma marcada discricionariedade econômica, seja pela volatidade e vulnerabilidade enfrentadas em face de choques externos130. Paradoxalmente, em julho de 1998, poucos meses antes da crise cambial que comprometeria, a partir do início de 1999, os diferentes esforços de coordenação macroeconômica, os Presidentes dos Estados Partes reafirmaram, em Ushuaia, a necessidade de iniciativas que permitissem estabelecer disciplinas comuns em matéria fiscal e de investimentos, de modo a avançar na harmonização de políticas macroeconômicas e facilitar “o futuro estabelecimento de uma moeda única no Mercosul”131.
128
Enge, Leonardo A. C. A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: Regimes Alternativos e Fragilidade Externa. Brasília, IRBr/FUNAG, 2004, p. 108. 129 Ibidem, p. 109. 130 Cf. Fanelli, op. cit., p. 7. 131 Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul. Ushuaia, 24 de julho de 1998.
144
Os empecilhos que surgiram para uma efetiva coordenação explicam por que o principal ponto da agenda de “relançamento” do Mercosul em 2000 na matéria dizia respeito à harmonização de indicadores macroeconômicos, ação que é considerada apenas um passo prévio, embora fundamental, para avanços futuros em questões macroeconômicas. O estabelecimento e publicação de indicadores estatísticos comuns é visto como ferramenta indispensável para que os Estados Partes possam vir a dialogar sobre suas políticas econômicas. É por essa razão que se decidiu, em junho de 2000, criar, no âmbito da Reunião de Ministros da Economia e Presidentes dos Bancos Centrais, o Grupo de Monitoramento Macroeconômico (GMM), órgão responsável por avançar nas discussões sobre a harmonização de indicadores. Em dezembro de 2000 os Estados Partes aprovaram a “Declaração Presidencial sobre Convergência Macroeconômica”. Trata-se do último documento em que os países do bloco manifestam, em alto nível, o compromisso de atingir metas específicas comuns em matéria macroeconômica. A Declaração indicou 2001 como “ano de transição”, no qual os Estados Partes anunciariam seus objetivos específicos de inflação e de dívida do setor público. Já a partir de 2002 deveriam ser buscadas metas comuns para os seguintes indicadores: inflação (máximo de 5% nos anos de 2002 a 2005, exceto para o Brasil, em 2002, e para o Paraguai); variável de fluxo fiscal (3% em 2002 e 3,5% em 2003 e 2004); dívida pública (40% do PIB a partir de 2010). O país que se desviasse das metas deveria apontar ao GMM as medidas corretivas pertinentes. Não houve, na prática, preocupação em se observar ou revisar as metas estabelecidas. Os anos recentes indicam uma diminuição do nível de ambição dos Estados Partes em matéria de coordenação de políticas macroeconômicas. Desde a Declaração Presidencial de 2000 que os países do bloco não ousam falar em metas comuns. Esse afastamento dos projetos iniciais demonstra a conveniência de se adotar, inicialmente, objetivos mais modestos. Como observa Martín Redrado, entre uma postura minimalista, voltada para a manutenção do “status quo”, e uma
145
maximalista, como a que defende a adoção de uma moeda comum, os Estados Partes têm amplo espaço para cooperar132. Como visto, superada a fase em que os Estados Partes buscavam objetivos “maximalistas” - tendo se aventado até mesmo a adoção de uma moeda comum -, existe atualmente uma maior cautela no estabelecimento de objetivos de coordenação macroeconômica. Isso explica a quase que exclusiva concentração em tarefas básicas como a harmonização de indicadores macroeconômicos, em detrimento da precoce indicação de metas a serem cumpridas pelos países do bloco. Alguns estudiosos da questão ponderam mesmo que a coordenação de políticas macroeconômicas constituiria um esforço político desnecessário, não justificado seja pelo peso do comércio intrazona na atividade econômica geral dos países do bloco, seja pelas assimetrias entre os seus integrantes133. Por outro lado, os que defendem uma coordenação macroeconômica mais profunda sublinham alguns fatores que poderiam contrabalançar os custos políticos envolvidos, tais como a geração de economias de escala, decorrentes da inexistência de incertezas decorrentes de oscilações cambiais, e a diminuição dos riscos de retrocessos no processo de integração, haja vista o fortalecimento de interdependência dos países do bloco134. Na verdade, a coordenação de políticas macroeconômicas é um instrumento importante em qualquer projeto de integração mais profunda, como a união aduaneira ou o mercado comum. A experiência recente tem demonstrado que as diferenças entre os modelos cambiais podem ter, em cenários de crise internacional, considerável impacto no comércio intrazona. Não obstante, é possível, no atual estágio do processo de integração - em que os objetivos originalmente enunciados no Tratado de Assunção são tomados como projetos de longo prazo -, buscar, ao menos por ora, apenas um maior diálogo entre as autoridades econômicas de cada 132
Redrado, Martin. “La cooperación macroeconómica como requisito de la integración”. In: Hugueney, C. e Cardim, C.H. Grupo de Reflexão Prospectiva sobre o Mercosul. Brasília, IPRI/FUNAG/SGIE/BID, 2003, p. 10. 133 Guimarães, Samuel Pinheiro. “Aspectos econômicos do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 39, n° 1, 1996, p. 30. 134 Giambiagi, Fábio. Moeda única do Mercosul: notas para o debate. In: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 41, n° 1, 1998, pp. 34-36.
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um dos países, de forma a que se adotem progressivamente medidas de integração financeira, por exemplo. Um dos exemplos desse enfoque foi dado recentemente pela decisão dos Bancos Centrais da região de implementar o Sistema de Pagamentos em Moedas Locais (SML). Esse mecanismo, que entrou em vigor em outubro de 2008 inicialmente apenas entre Argentina e Brasil, permite a realização de transações comerciais em moeda local (real ou peso). Ao dispensar a utilização do dólar, acaba diminuindo os custos das operações, propiciando, além disso, uma maior integração entre os mercados financeiros dos dois países. Muito embora os mais otimistas tenham mencionado que o sistema poderia constituir um “embrião” para a posterior adoção de uma moeda única, o fato é que seus objetivos são menos ambiciosos, visando primordialmente a reduzir custos e a facilitar as operações comerciais entre empresas do bloco. Apesar de estar em funcionamento apenas entre Argentina e Brasil, o SML é um formalmente um instrumento comunitário, porquanto aprovado por meio de normas do Mercosul135. A decisão de Paraguai e Uruguai de não participar do sistema não foi definitiva, já estando em curso entendimentos com autoridades desses dois países para a adoção do mecanismo. A operacionalização do SML depende, porém, do cumprimento de algumas exigências técnicas e do estabelecimento de convênios entre os Bancos Centrais participantes.
7.3) Compras Governamentais
O Protocolo de Compras Governamentais do Mercosul (PCP), aprovado por meio da Decisão CMC N° 23/06, tem como objetivo central possibilitar aos fornecedores de bens e prestadores de serviços estabelecidos da região acesso às compras realizadas pelas entidades públicas dos Estados Partes. O mercado de compras públicas pode desempenhar relevante papel no processo de integração. Ao lado do aspecto simbólico, concernente à progressiva 135
Cf. Decisões CMC N° 38/06 e N° 25/07.
147
redução da discriminação entre as empresas nacionais e aquelas dos países vizinhos, um sistema de compras de abrangência regional poderá colaborar para uma maior concorrência e uma melhor eficiência nas aquisições realizadas pelas entidades públicas. Ao longo da Rodada Uruguai foi negociado o Acordo sobre Contratações Públicas (ACP), assinado em 1994 e em vigor desde 1996. Trata-se de um acordo plurilateral, o que significa que apenas os membros da OMC que assim o desejarem estarão a ele vinculados. Esse acordo incorpora princípios que vieram a ser posteriormente consagrados também no Protocolo de Compras Governamentais do Mercosul, tais como o de tratamento nacional136, não-discriminação e transparência nas informações e procedimentos relativos às contratações. A cobertura do Protocolo não é, porém, irrestrita, podendo os Estados Partes restringirem o acesso a seu mercado de diversas maneiras, excluindo do alcance do acordo entidades públicas, bens, serviços e obras. Essas exceções figuram nos anexos do PCP, os quais apresentam:
•
lista positiva de entidades públicas;
•
lista negativa de bens;
•
lista positiva de serviços;
•
lista positiva de obras públicas;
•
patamares (valores acima dos quais as contratações públicas estarão
sujeitas às disciplinas do Protocolo).
O Protocolo aplica-se, em princípio, às contratações públicas de entidades de todos os níveis de governo (federais e subfederais). No entanto, como assinalado, podem os Estados Partes, em suas listas positivas de ofertas, excluir as entidades de algum dos níveis de Governo. Este é o caso do Brasil, que inseriu em sua lista apenas entidades vinculadas ao Governo Federal, incluindo a maior parte dos
136
Artigo 5° do Protocolo: “Com relação a todas as leis, regulamentos, medidas e práticas que afetem as contratações públicas cobertas por este Protocolo, cada Estado Parte outorgará aos bens e serviços e obras
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Ministérios e órgãos como a Advocacia Geral da União, o Ministério Público da União e diferentes instâncias do Poder Judiciário. Cumpre notar que a retirada de uma entidade da lista positiva poderá engendrar pedido de compensações por parte do Estado Parte interessado. Além disso, o Protocolo estabelece “patamares” para o regime de contratações públicas do Mercosul. Os patamares (constantes do Anexo V do Protocolo) definem o valor acima do qual as empresas de outros Estados Partes poderão participar do processo de compras governamentais. O patamar do Brasil tanto para bens quanto para serviços é de US$ 75.000, inferior ao dos demais Estados Partes (US$ 200.000 para Paraguai e Uruguai e US$ 150.000 para a Argentina) e de US$ 3 milhões para obras públicas (o patamar dos demais Estados Partes para obras públicas será objeto de negociação futura). Isso significa, em consonância com o reconhecimento das assimetrias entre os Estados Partes, que há maior possibilidade de que uma empresa de Paraguai e Uruguai participem de uma contratação pública no Brasil do que o oposto. Esses valores deverão ser reajustados anualmente pela CCM, em sua primeira reunião ordinária do ano. O Anexo II apresenta a lista de bens que não estarão sujeitos às disposições do Protocolo (lista negativa). O Brasil foi o único país que não apresentou nenhum tipo de restrição. O Anexo III apresenta a lista positiva de serviços que se beneficiam dos dispositivos do Protocolo. A lista brasileira contempla, por exemplo, abertura na área de comunicações, distribuição, turismo e educação. Por fim, o Anexo IV contém a lista positiva de obras públicas cobertas pela norma. O Brasil foi o único país que indicou sua lista, contemplando serviços de construção e serviços relacionados à engenharia. Os demais Estados Partes comprometeram-se a negociar suas listas futuramente. O PCP ainda não está em vigor, por depender de aprovação parlamentar nos Estados Partes. Sua entrada em vigência ocorrerá assim que pelos menos dois países concluírem os procedimentos de internalização. Os trâmites para a incorporação dessa norma aos ordenamentos jurídicos nacionais vêm se desenrolando desde 2006. públicas e aos fornecedores e prestadores de qualquer Estado Parte (...) um tratamento não menos favorável do que o que outorgue aos seus próprios bens, serviços, obras públicas, fornecedores e prestadores (...)”.
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Uma vez em vigor, os Estados Partes deverão dar início a negociações para completar a liberalização do mercado de contratações públicas do bloco, reduzindo, progressivamente, as restrições impostas pelas listas e patamares. As rodadas de negociações deverão ser realizadas pelo menos a cada dois anos, a fim de aumentar de maneira paulatina a cobertura do Protocolo. O PCP poderá, quando estiver em vigor, representar mais um importante instrumento para o fortalecimento do Mercosul, contribuindo para o incremento das trocas comerciais entre os Estados Partes e para a consolidação do espaço econômico comum. Poderá exercer, além disso, importante papel na atenuação das assimetrias, o que justifica, por exemplo, o fato de a oferta brasileira ser mais ampla do que aquela dos demais Estados Partes, abrindo um vasto leque de oportunidades para empresas dos países vizinhos. A paulatina liberalização do mercado de compras públicas – pode-se cogitar, no caso brasileiro, da futura incorporação de governos subnacionais, o que beneficiará diretamente regiões de fronteira – terá efeito salutar também para o Poder Público, permitindo, como salientamos anteriormente, uma redução de custos resultante da crescente competição entre empresas da região.
7.4) Relacionamento Externo do Mercosul
O Mercosul tem procurado obter acesso a novos mercados e diversificar o destino de suas exportações, consolidando-se como um importante ator internacional. Para isso, estabeleceu, desde sua gênese, uma ambiciosa agenda de negociações com outros países e blocos. Essa atuação externa do bloco teve início quase que simultaneamente à sua criação137: em abril de 1991 realizou-se a primeira reunião de Chanceleres Mercosul-União Européia e em junho de 1991 foi assinado com os Estados Unidos o Rose Garden Agreement, ou Acordo 4+1, com o objetivo de incrementar o comércio entre as duas partes. Os entendimentos com dois dos principais pólos do comércio internacional não ocorreu por acaso. Para o Mercosul, o estreitamento do relacionamento 137
Araújo, Ernesto H. F. O Mercosul: negociações extra-regionais. Brasília, FUNAG, 2007, p. 39.
150
comercial com a UE contribuía para contrabalançar o peso dos EUA no hemisfério. Almejava-se, dessa forma, “um equilíbrio com seus dois principais parceiros”, estratégia similar àquela tradicionalmente adotada pela diplomacia brasileira, motivo pelo qual o relacionamento externo do bloco consubstanciava-se, à época, “em torno de um raciocínio de natureza muito mais política e estratégica do que propriamente comercial”138. Em se tratando de uma união aduaneira, dotada de uma tarifa comum, é natural que as negociações externas sejam levadas a cabo pelo bloco como um todo, e não pelos países-membros individualmente. Caso um dos Estados Partes negociasse, isoladamente, preferências tarifárias com parceiros de outras regiões, acabaria por criar, na prática, diversas “perfurações” na TEC. Além disso, a negociação em bloco confere, ao menos em tese, maior peso negociador a cada um dos membros, que poderão, assim, ter maior influência no rumo das conversações. Em contrapartida, não se pode esquecer que a exigência de coordenação impõe dificuldades relacionadas à conciliação dos diferentes interesses e visões dos integrantes do bloco. Para além do aspecto propriamente econômico, as negociações em conjunto são corolário da própria personalidade jurídica de direito internacional do Mercosul, consagrada no POP. O Tratado de Assunção já deixava evidente a necessidade de que o Mercosul atuasse, em matéria comercial, como um ator único, ao referir-se, em seu artigo 1°, ao estabelecimento da TEC e à “adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados”. A partir de Ouro Preto, o CMC adquiriu a competência para assinar acordos em nome do bloco, em substituição de cada um dos membros individualmente. Em síntese, o fato de o Mercosul ter-se estabelecido, a partir de 1995, como uma união aduaneira, tornou imprescindível que suas negociações externas fossem empreendidas pelo bloco como um todo, e não por suas partes individualmente. Esse
138
Ibidem, p. 40.
151
“status” de união aduaneira dotou o Mercosul da unicidade necessária para se manifestar, no plano comercial, como um sujeito de Direito Internacional Público139. Em 2000, por meio da Decisão CMC N° 32/00, o Mercosul reiterou a obrigatoriedade de que os Estados Partes negociem em conjunto acordos com terceiros países ou blocos de países em que se outorguem preferências tarifárias. Essa norma contém duas determinações básicas. A primeira delas diz respeito ao fato de que os Estados Partes “reafirmam” seu compromisso de negociar acordos comerciais com terceiros países ou blocos apenas de forma integrada. Temos uma “reafirmação” porque o compromisso de negociar conjunto antecede, na verdade, a própria Decisão CMC N° 32/00, remontando à constituição da união aduaneira: com a TEC, tornava-se inviável negociar concessões tarifárias de maneira unilateral. A segunda determinação diz respeito à esfera das negociações comerciais regionais, no âmbito da ALADI. O art. 2° da Decisão n° 32/00 prescreve que os acordos celebrados bilateralmente com outros parceiros no âmbito da ALADI antes do estabelecimento da união aduaneira continuariam válidos. No entanto, a partir de 30 de junho de 2001 novos acordos no âmbito da ALADI que envolvessem concessões comerciais só poderiam ser celebrados de maneira conjunta. Dessa forma, ficou claro que tanto negociações regionais quanto extra-regionais só poderiam ser levadas a cabo pelo bloco como um todo, e não por seus integrantes individualmente. À luz do que consta da Decisão CMC N° 32/00, podemos, por conseguinte, distinguir duas categorias de parceiros. Na primeira estão incluídos os países do âmbito da ALADI. Esse organismo, como vimos no início do presente trabalho, oferece um “guarda-chuva” para uma série de acordos comerciais entre diferentes países da América Latina. Por este motivo e também pela proximidade geográfica, é natural que os parceiros privilegiados do Mercosul sejam os membros da ALADI, com os quais os países do bloco já tinham, antes mesmo de se associarem, diferentes acordos comerciais. Foi no marco da ALADI que o Mercosul estabeleceu seus
139
Silva, Marcos Rector Toledo. Mercosul e Personalidade Jurídica Internacional: as Relações Externas do Bloco Sub-Regional Pós-Ouro Preto. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1999, pp. 54-55.
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primeiros acordos na condição de bloco econômico. Em ordem cronológica, foram celebrados acordos com os seguintes países:
a) Chile: em 1996 o Mercosul celebrou acordo de livre comércio com o Chile. Trata-se do Acordo de Complementação Econômica n° 35 (ACE35). O acordo previu que se estabeleceria uma área de livre comércio entre as partes no prazo de 10 (dez) anos, por meio de um cronograma de desgravação tarifária progressiva. Por essa razão, desde 2006 praticamente todo o universo tarifário já se beneficia do livre comércio (a exceção são alguns produtos considerados “sensíveis”). O acordo com o Chile tem avançado progressivamente para diversos setores, incluindo o comércio de serviços e de produtos originários de zonas francas. b) Bolívia: Foi o segundo país da região a celebrar um ALC com o Mercosul, também em 1996 (ACE-36). A exemplo do acordo com o Chile, previu a conformação de uma ALC no prazo de dez anos. Desde 2006, apenas alguns poucos produtos de maior sensibilidade para as partes ainda não contam com 100% de margem de preferência. c) Países Andinos (Colômbia, Equador e Venezuela): Em 2004, os Estados Partes do Mercosul assinaram com Colômbia, Equador e Venezuela (integrantes da “Comunidade Andina de Nações” - CAN) o ACE-59, acordo de livre comércio que prevê cronograma de desgravação diferenciado, em benefício dos países andinos e das duas economias menores do bloco, Paraguai e Uruguai. O cronograma geral prevê desgravações em até 12 anos. d) Peru: Assinou ALC com o Mercosul em 2005, por meio da aprovação do ACE-58. Os produtos exportados pelo Peru para Argentina e Brasil terão desgravação total até 2012. Já os produtos exportados do Mercosul para o Peru terão prazos de desgravação mais amplos, alongando-se até 2014. Prevê-se também listas de produtos sensíveis, cujas tabelas de desgravação vão além dos prazos indicados.
153
O êxito do Mercosul em negociar acordos comerciais com quase todos os países da América do Sul permitiu que houvesse uma “multilateralização” de acordos que antes se delimitavam ao plano bilateral. O bloco acabou, desse modo, absorvendo
compromissos
que
cada
um
dos
Estados
Partes
mantinha
individualmente com diferentes parceiros do continente. Além
dos
indicados,
o
Mercosul
também
mantém
acordos
de
complementação econômica com o México e Cuba, sem, porém, a mesma cobertura daqueles mantidos com países sul-americanos. Neste caso, trata-se de “acordosquadro”, com marcos normativos gerais para a expansão das trocas bilaterais e com a previsão de que as partes negociem, periodicamente, o aprofundamento de preferências tarifárias recíprocas, a fim de que se alcance, no futuro, o livre comércio. Na prática, isso resulta num processo de liberalização comercial menos célere. No caso do México, além de um acordo-quadro propriamente dito (ACE-54), há acordo específico (ACE-55) exclusivo para o setor automotivo, estabelecido com o objetivo de que se atinja, até 30 de junho de 2011, o livre comércio para esse segmento. Ambos foram assinados em 2002. Como o México é integrante do NAFTA, o encaminhamento de um acordo de livre comércio com o Mercosul envolve complicações adicionais, razão por que o aprofundamento das preferências tarifárias é mais lento. Com Cuba o Mercosul tem apenas um acordo-quadro (ACE62), cujo objetivo é o de impulsionar o comércio entre as partes por meio da redução ou eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias. O acordo contém um programa de liberalização comercial com um cronograma de desgravações tarifárias recíprocas. Ademais dos acordos no âmbito regional, isto é, daqueles envolvendo paísesmembros da ALADI, o Mercosul possui vasta agenda negociadora com países e blocos de outras regiões do globo. No entanto, até 2009 apenas três acordos de maior amplitude foram assinados. O primeiro deles foi celebrado com a Índia, em janeiro de 2004. Trata-se de um Acordo de Comércio Preferencial (ACP), espécie de
154
passo intermediário entre um Acordo-Quadro e um Acordo de Livre Comércio. O ACP contempla apenas cerca de 10% das linhas tarifárias, distribuídas em setores específicos. Acordaram-se, ademais, normas comuns sobre diferentes temas, tais como defesa comercial, barreiras técnicas, solução de controvérsias e medidas sanitárias e fitossanitárias. O segundo – e mais relevante do ponto de vista simbólico, por se tratar de um Acordo de Livre Comércio – foi assinado com Israel, em dezembro de 2007, após dois anos de negociações. O acordo prevê “cestas de desgravação” em diferentes categorias. Há produtos para os quais houve concessão de desgravação imediata e outros para os quais a desgravação de prolongará durante até 10 anos. Para algumas categorias de produto prevê-se, inclusive, a existência de quotas. Em junho de 2008 o Mercosul já assinou Acordo-Quadro com a Turquia. No documento, ambas as partes manifestam o interesse em encetar o diálogo, por meio da criação de um Comitê Negociador encarregado de discutir o estabelecimento de uma área de livre comércio. Por fim, o Mercosul logrou assinar, em dezembro de 2008, ACP com a União Aduaneira da África Austral (SACU), bloco que reúne África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. A idéia é que este acordo sirva de base para o gradativo aprofundamento da relação entre os blocos (seu artigo 2° estabelece que as partes “acordam estabelecer margens de preferências tarifárias fixas como um primeiro passo para a criação de uma Área de Livre Comércio”) ou, ainda, para a celebração de acordo trilateral entre Mercosul, SACU e Índia. A exemplo do acordo com a Índia, o ACP com a SACU contempla, além de preferências tarifárias fixas, disciplinas sobre diferentes matérias comerciais, tais como regras de origem, salvaguardas, valoração aduaneira e barreiras técnicas ao comércio. Afora os acordos já concluídos, o Mercosul têm empreendido negociações, que ainda estão em curso, com diversos outros países e blocos, tais como com a União Européia (com a qual o Mercosul tem negociado, desde 1995, um “Acordo de Associação”), Conselho de Cooperação do Golfo, Marrocos, Rússia, Paquistão e Egito.
155
7.5) A adesão da Venezuela ao Mercosul
Em julho de 2006 foi assinado o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul. A iniciativa foi saudada pelos governos dos países envolvidos como um importante passo tanto para o fortalecimento do bloco quanto para a progressiva constituição de uma área de livre comércio no âmbito da América do Sul. A adesão da Venezuela representou um desafio inédito. Uma vez manifestado, no segundo semestre de 2005, o interesse do país vizinho em deixar o “status” de Estado Associado para tornar-se membro pleno, tiveram início as negociações sobre os procedimentos necessários para a aquisição da nova condição. Em dezembro de 2005, durante a reunião do CMC realizada em Montevidéu, foi aprovada, especificamente em resposta à solicitação venezuelana, a Decisão CMC N° 28/05, que regulamenta o artigo 20 do Tratado de Assunção. Esse dispositivo é genérico, limitando-se a estabelecer que o Mercosul está aberto à adesão dos demais membros da ALADI. Sua regulamentação consubstanciava passo necessário para o desenvolvimento do processo de adesão. A Decisão CMC N° 28/05 determina que as solicitações de adesão ao Tratado de Assunção devem ser aprovadas por meio de Decisão do CMC. Caso sejam aprovadas, os procedimentos específicos serão negociados no âmbito de um Grupo “Ad Hoc”, sendo necessário o atendimento de seis requisitos básicos:
a) adesão aos três instrumentos jurídicos fundamentais do Mercosul: Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto e Protocolo de Olivos para Solução de Controvérsias; b) adoção da TEC, por meio da definição de um cronograma de convergência; c) adesão ao ACE Nº 18 e seus Protocolos Adicionais, por meio da negociação de um programa de liberalização comercial;
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d) adoção do acervo normativo do Mercosul, inclusive das normas em processo de incorporação; e) adoção dos instrumentos internacionais celebrados no marco do Tratado de Assunção; e f) negociação da incorporação aos acordos celebrados no âmbito do Mercosul com terceiros países ou grupos de países.
O Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul estabeleceu o prazo de 4 (quatro) anos para a incorporação do acervo normativo do Mercosul, da NCM e da TEC, a contar a partir de sua entrada em vigência. O Protocolo estabeleceu, ademais, prazos para a liberalização do comércio entre a Venezuela e os Estados Partes do bloco. A Venezuela deixaria de gravar as importações dos países do Mercosul até 2012. Por outro lado, Argentina e Brasil deixariam de cobrar o imposto de importação dos produtos venezuelanos a partir de 2010. Paraguai e Uruguai o fariam a partir de 2013. Embora tenha havido progressos na negociação de cronogramas para a incorporação do acervo normativo do bloco, da NCM e da TEC, permaneciam, até o início de 2009, pendências na negociação do programa de liberalização comercial uma das condições, como vimos, para a conclusão do processo de adesão - do Brasil e da Argentina com a Venezuela. A principal delas referia-se a divergências em torno da elaboração, pelo lado venezuelano, de listas de “produtos sensíveis” que estariam excluídos do livre comércio. De todo modo, o Protocolo de Adesão ainda não havia, até a data indicada, entrado em vigor, por ainda aguardar aprovação parlamentar no Brasil e no Paraguai, razão por que a contagem dos prazos nele estabelecidos ainda não fora iniciada. Ademais do interesse político em torno da incorporação de um novo membro ao Mercosul, há um evidente interesse econômico nas negociações entre as partes. O comércio bilateral com a Venezuela passou a representar, nos últimos anos, parcela crescente do superávit comercial brasileiro. Segundo dados do MDIC, em 2008 o saldo comercial brasileiro com o país vizinho atingiu a cifra de US$ 4,6 bilhões,
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superior, por exemplo, àquele obtido com a Argentina. O comércio bilateral cresceu, entre 2002 e 2008, mais de 297%. Esses números explicam o grande interesse de parte do setor privado brasileiro em concretizar a adesão da Venezuela ao bloco, o que poderá aumentar os fluxos de trocas por meio da redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias. Acresça-se a isso o argumento de que a incorporação de um país da porção setentrional do continente poderia ter efeitos positivos no comércio com a região Norte do Brasil. O setor empresarial de estados como o Amazonas (especialmente em função da Zona Franca de Manaus, cujo “status” no comércio com a Venezuela deverá ser discutido) e Roraima têm grande interesse em integrar suas cadeias produtivas à do país vizinho. Enquanto prosseguem as discussões técnicas para a incorporação da Venezuela ao bloco, esse país têm participado das reuniões dos diferentes foros do Mercosul com direito a voz (mas não a voto), na condição de “Estado em processo de adesão”.
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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO PRÓXIMO
As dificuldades encontradas pelo Mercosul no plano econômico-comercial são hoje bastante conhecidas e objeto de discussão pública. As assimetrias entre as economias dos Estados Partes se mostram determinantes para a persistência das chamadas “exceções” à TEC, para a exclusão de importantes setores, como o automobilístico, do livre comércio, e para a estagnação das discussões em torno da adoção de políticas comuns em diferentes setores, especialmente em matéria de defesa comercial, da concorrência e coordenação de políticas macroeconômicas. Consideradas as vicissitudes do bloco, podemos fazer um balanço a partir de duas perspectivas distintas. Do ponto de vista dos ambiciosos objetivos traçados no Tratado de Assunção, o Mercosul teve um êxito apenas parcial e ainda corre riscos de retrocesso, tais as dificuldades existentes na administração de suas mais importantes ferramentas, como a TEC. Por outro lado, e deixando de lado uma leitura estrita dos objetivos e prazos iniciais fixados no tratado que institui o bloco, não foram poucas as conquistas obtidas nesse período. Além da expansão do comércio, que oscilou de acordo com as instabilidades econômicas enfrentadas pelos países do bloco, notadamente no final dos anos 90 e início da presente década, foram criados também diferentes mecanismos de encaminhamento para as pendências entre os países do bloco. Embora ainda haja espaço para avançar, pôde-se obter, igualmente, uma crescente harmonização de normas e regulamentos técnicos, o que contribuiu, a despeito das dificuldades ainda existentes, para facilitar o comércio. Para além de questionar os resultados do bloco, seria o caso de indagar em que ponto estaríamos sem ele. Contabilizados os problemas, fica claro que o Mercosul engendrou a criação de uma institucionalidade que é útil na resolução de problemas concretos e propiciou, ademais, uma aproximação jamais vista entre seus Estados Partes. Cabe aqui retomar a idéia de parceria estratégica: o cálculo que se deve fazer é não apenas mercantilista, mas também político. No longo prazo, a crescente interdependência entre as economias do Cone Sul trará também dividendos positivos – o principal deles é a apropriação, pela sociedade civil, de
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parte da agenda do bloco. Existe hoje um diálogo e um conhecimento entre as autoridades de cada um dos países que não seria possível caso não existisse o Mercosul. A cooperação em distintos setores, que vão da previdência social até a agricultura familiar, não pode ser menosprezada, tendo repercussões positivas também no domínio econômico-comercial. Passados 18 anos, os dois problemas centrais que se colocam para os Estados Partes ainda fazem parte da agenda inicial do bloco: a consolidação do livre comércio e a integridade da TEC. No primeiro caso, a existência de algumas barreiras não-tarifárias, justificadas ou não, acaba gerando ceticismo nos operadores econômicos com relação à efetiva capacidade do Mercosul de liberalizar as trocas. As crises econômicas internacionais (final de década de 90, e, mais recentemente, a partir de 2008) têm contribuído, periodicamente, para afetar o livre comércio intrazona. Ainda há um trabalho a se fazer nesse terreno, o que depende, sobretudo, de uma maior cooperação entre os Estados Partes no sentido de aperfeiçoar a qualidade da produção e gerar uma maior sinergia entre as entidades nacionais responsáveis pela regulamentação técnica e por controles de natureza sanitária e fitossanitária, por exemplo. Uma maior integração produtiva e associação entre as empresas da região é elemento fundamental nessa estratégia. Como vimos no início deste trabalho, o interesse em cooperar em setores estratégicos e de elevado valor agregado – como o de bens de capital ou naval, para mencionar dois exemplos – foi uma das forças que impulsionaram a constituição do Mercosul. Mais uma vez, as crises econômicas enfrentadas pelos países do bloco nos anos 90 acabaram por debilitar esse projeto. Esse objetivo não pode, porém ser abandonado. Afinal, o estabelecimento de um espaço econômico comum sempre foi visto como um meio para aumentar a competitividade das empresas da região no cenário internacional – e o aproveitamento de complementaridades é instrumento indispensável para a consecução desse objetivo. A maior integração entre os setores privados é fundamental não apenas para alavancar o comércio intra-Mercosul, mas também
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para criar melhores condições de inserção dos países do bloco no cenário internacional. O cenário de curto e médio prazo de administração da TEC continuará provavelmente oferecendo dificuldades. O caso mais complexo é aquele relativo aos setores de bens de capital e de bens de informática e telecomunicações. Como vimos, os interesses brasileiros em proteger sua indústria doméstica chocam-se, desde o início do bloco, com a aspiração dos demais países em reduzir os custos de importação de máquinas e equipamentos necessários para suas economias. Os diversos cronogramas de convergência tarifária para esses segmentos não foram cumpridos, não se verificando indícios consistentes de que isso venha a ocorrer em futuro próximo, muito embora tenha sido criado, em dezembro de 2008, um Grupo “Ad Hoc” específico para tratar do tema e discutir o estabelecimento de um cronograma de convergência tarifária entre os Estados Partes. O fortalecimento institucional do bloco também é passo importante para que se avance na consolidação da união aduaneira. Ferramentas básicas para um processo de integração – como a criação de uma base de dados comum com estatísticas de comércio – ainda não estão disponíveis no âmbito do Mercosul, o que resulta em pouca transparência e menor conhecimento recíproco. Essas deficiências pontuais acabam dificultando, por outro lado, avanços na concepção de políticas comuns sem setores fundamentais, tais como no campo da defesa comercial e da concorrência. Não se pode deixar de ter em conta, além disso, que o sucesso ou insucesso de qualquer projeto de integração econômica dependem de fatores de ordem política. A vontade dos governos de ir adiante, ainda que isso acarrete algum tipo de ônus junto a setores internos, é indispensável para evitar paralisia e impasses nas negociações. É natural, portanto, que em determindas conjunturas haja, conforme o grau de afinidade política dos governos da região, maior ou menor entusiasmo com as políticas de integração, Como já pudemos observar, o Mercosul ainda tem um longo caminho a ser percorrer. Não é possível estimar em que prazo e condições poderá ele atingir seus
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objetivos iniciais. Os desafios existentes devem ser vistos, contudo, como um estímulo adicional para que os Estados Partes continuem trabalhando para o fortalecimento do bloco e de sua institucionalidade, a partir do pressuposto de que a integração gera benefícios permanentes não apenas no terreno econômico, mas também em diversos outros campos, ao aproximar, de maneira irreversível, as sociedades dos países da região.
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