O transtorno é complexo e incapacitante, mas há formas eficientes de combatê-lo. E o tratamento não se resume a medicamentos
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SSAO
Como entendê-la e lidar com ela
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Conhecimento e informação a um dique. Na Loja Segmento você tem acesso a conteúdo de qualidade sobre os mais variados assuntos, da gestão de pessoas à matemática no dia a dia, do universo da beleza profissional aos mistérios da mente humana. O que você precisa para ampliar sua visão de mundo está em nossas revistas, livros, DVDs, eventos e cursos.
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A c e s s e
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c o n f i r a .
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carta da editora
Metáforas da dor de existir
E
ntre as figuras fantásticas apresentadas por Joanne K. Rowling na saga do bruxinho Harry Potter estão os dementadores, criaturas malignas que se alimentam da energia vital de suas v í t i mas, tornando-as emocionalmente frágeis, a ponto de se t o r n a r e m ao mesmo tempo alheias ao mundo e "ausentes de si mesmas". A mera aproximação dos macabros devoradores de psiquismos faz com que as pessoas mergulhem num profundo estado de angústia. A metáfora proposta pela autora britânica não poderia ser mais apropriada para ilustrar a depressão.
Não seria exagero pensar nesse quadro como o esg a r ç a m e n t o da trama psíquica que nos proporciona sustentação. Esse processo - em geral causado por uma perda, vivida de forma t r a u m á t i c a - descortina uma fresta que permite entrever a falta de sentido de existir, evocando dores que estavam ali o tempo todo, mas não necessariamente se faziam notar. Como escreveu a psicanalista Maria Rita Kehl, é como se nesse momento deparássemos com "o vazio que nos cerca, ou com o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar". O fato é que, de uma forma ou outra - com variados graus de sucesso e usando diferentes estratégias - , passamos grande parte de nossa existência empenhados em driblar a angústia. Muitos são bem sucedidos nessa empreitada. H á momentos em que é possível enfrentar situações dolorosas e se reinventar. Mas quando o golpe é forte demais (ou engancha em dores antigas que se reeditam de forma assustadora), "a sombra do objeto (perdido) recai sobre o eu", como diz Freud em Luto e melancolia, escrito há um século. Nada parece ser suficientemente bom: o mundo se mostra hostil, o chão se abre sob nossos pés e, sem o esteio do afeto - não necessariamente de hoje, mas na maioria das vezes de outrora - , sem o encanto da proteção que imaginamos que deveríamos ter tido, é como se dementadores sugassem qualquer possibilidade de alegria.
Neste n ú m e r o especial de Mente e Cérebro os artigos selecionados oferecem uma visão ampla e aprofundada do tema, tomando os referenciais da psicologia, da psicanálise e da neurociência para ajudar profissionais e leigos a compreender variados aspectos do fenómeno que se alastra de maneira avassaladora, atingindo milhões de pessoas em todo o planeta. A especificidade de sintomas (nem sempre ó b vios) e seus efeitos a médio e longo prazo, o papel do ódio na configuração do f e n ó m e n o depressivo, o real alcance dos medicamentos, as novidades no t r a tamento, as possibilidades (felizmente eficientes) de psicoterapia, a i m p o r t â n c i a dos relacionamentos na prevenção da depressão e até um enfoque inusitado da depressão, entendida por alguns pesquisadores como uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos são assunto desta edição. Para facilitar a compreensão, os textos escritos por especialistas são agrupados em quatro seções: para entender, para lidar, faces e interfaces. Cada uma delas traz reflexões, pesquisas e casos clínicos que contextualizam a depressão e seus desdobramentos. As várias abordagens não se esgotam em si nem se anulam entre si, mas se complementam e l a n ç a m luz sobre a complexidade da dor de existir transmutada em adoecimento. Boa leitura!
Gláucia Leal Editora-chefe
[email protected]
sumário
Depressão - Como entendê-la e lidar com ela
32 Tão fácil que até deprime
por Kelly Lambert Facilidades da vida moderna podem causar consequências pouco saudáveis: o excesso de comodidade priva nosso cérebro de recompensas, o que concorre para aumentar os índices de depressão
PARA ENTENDER
06 Muito além da tristeza
PARA LIDAR
Nas próximas duas décadas a depressão deverá afetar mais pessoas que o câncer ou as doenças cardíacas e se constituir como a maior causa de afastamentos do trabalho. A combinação de abordagens terapêuticas é a forma mais eficiente de tratar o quadro
40 7 novidades para combater a depressão por Fernanda Teixeira Ribeiro Informações e opções de tratamento recentes aumentam as chances de que cada paciente encontre a estratégia - ou a combinação de várias - mais adequada
10 O eclipse da esperança por Mauro Maldonato Conhecida desde a Antiguidade, a depressão evoca a negatividade de modo aparentemente irremediável, despertando sentimentos de culpa, exclusão e inferioridade
48 O poder da "grupoterapia" por Tegan Cruwys, S. Alexander Haslam e Geneviève A. Dingle Participar de equipes esportivas, de reuniões para cantar, fazer trabalhos manuais, discutir ideias de um autor ou integrar-se a qualquer outra atividade na qual seja necessário se socializar pode ser decisivo para evitar sintomas depressivos - ou sair deles
18 Freud e os caminhos da depressão por Daniel Delouya Alguns anos antes de publicara interpretação dos sonhos, o criador da psicanálise se interessou pelo estudo da depressão, sobretudo porque na época foi acometido por esse estado de ânimo
54 Medicação ou psicoterapia? Talvez os dois
24 O lado luminoso da escuridão por Paul W. Andrews e J . Anderson Thomson, Jr. Especialistas defendem que, em muitos casos, a depressão pode ser uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos
mente c é r e b r o
PRESIDENTE Edimilson Cardial DIRETORIA
Carolina Martinez, Mareio Cardial, Rita Martinez e Rubem Barros
por Steven D. Hollon, Michael E. Thase e John C. Markowitz Fármacos podem ser muito úteis em determinados casos, mas algumas terapias apresentam vantagens sobre o uso isolado de remédios, garantindo a melhora na qualidade dos relacionamentos e redução do risco de volta dos sintomas após o fim do tratamento
Paraná - Marisa Oliveira (41) 3027-8490/9267-2307
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COMUNICAÇÃO E EVENTOS
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Brasília - Sónia Brandão (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304
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I mentecérebro I Depressão
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GERENTE Mariana Monné EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza VENDAS GOVERNO Cláudia Santos VENDASTELEMARKETIN6 ATIVO Cleide Orlandoni
FINANCEIRO
ANALISTA Roseli Santos CONTASAPAGARSimone Melo FATURAMENTO Wes11ey Patrik RECURSOS HUMANOS Cláudia Barbosa PLANEJAMENTO Cinthya Muller CONTAS A RECEBER Viviane Carrapato Mente e Cérebro é uma publicação mensal da Editora Segmento com conteúdo estrangeiro fornecido por publicações sob licença de Scientiflc American.
Gehirn&Geis Spektrum der Wissenschaft Verlagsgesellschaft, Slevogtstr. 3-5 69126 Heidelberg, Alemanha Editor-chefe: Carsten Kõnneker Gerentes editoriais: Hartwig Hanser e Gerhard Trageser Diretores-gerentes: Markus Bossie e Thomas Bleck
6o Antidepressivos: ir enos eficientes do que gf staríí por Robin Marantz Henig Medicamentos disponíveis no mercado deixam a desejar: podem levar semanas para fazer efeito e para muitas pessoas realmente não funcionam FACES
68 Baby blues por Katja Gaschler Para muitas mulheres o nascimento de um filho costuma ser uma vivência feliz, mas em até 2 0 % dos casos a depressão pós-parto pode prejudicar esse momento. A psicoterapia e o apoio do parceiro são fundamentais para afastar a sensação de culpa e conectar-se com o bebe
INTERFACES
86 O peso do passado por Christophe André Não nos arrependemos de nossos atos, o que em alguns casos deflagra sensação de perda e pode ser um gatilho para a depressão. O que mais nos incomoda, porém, não é o que fizemos, mas sim o que deixamos de fazer
74 Homens e mulheres, cada um de um jeito Por Érica Westly Cada vez mais estudos comprovam que o género influencia aspectos dos transtornos psíquicos, desde os sintomas e reações aos medicamentos até a progressão do distúrbio no decorrer da vida. Elas costumam ficar tristes, sensíveis e desanimadas; eles, em geral, se mostram irritados, inquietos e desatentos
82 O neurônio do suicídio por Fernanda Teixeira Ribeiro Cientistas acreditam que pessoas que se matam têm uma diferença anatómica no cérebro: maior concentração de células neurais fusiformes em regiões associadas à empatia e interação social
90 Os domínios do tédio por Lars Svendsen A sensação de estarmos entediados é uma experiência existencial associada à ideia de tempo e surge quando não sabemos o que fazer com as horas livres; o tema tem atraído poetas, escritores e filósofos
98 Nem a Mona Lisa escapa...
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Expressar a angústia é uma forma de pedir auxílio; o rebaixamento do humor nos faz rever atitudes e pode funcionar como mecanismo de autoproteção contra situações desgastantes
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Depressão n 55, abril/ maio 2016 e
ISSN 1807943-1. Distribuição nacional: DINAP S.A. Rua Kenkiti Shimomoto, 1678.
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SHUTTERSTOCK
Muito além da tristeza Não raro, pacientes se referem aos sintomas depressivos recorrendo à metáfora de uma espessa camada de névoa que os envolve e potencializa as dores da existência. Compreensivelmente, muitos anseiam pelas fórmulas prontas para afastar a angústia, mas é a combinação de estratégias, alinhadas caso a caso, que mais parecem surtir efeito
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deverá afetar mais pessoas que o c â n c e r o u as d o e n ç a s c a r d í a c a s e se c o n s t i t u i r
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do trabalho. Segundo e s t i m a t i v a s preocupantes da O r g a n i z a ç ã o Mundial da S a ú d e ( O M S ) , a t u a l m e n t e , algo e m t o r n o de 120 m i l h õ e s s o f r e m c o m o problema e m todo o planeta - 17 m i l h õ e s só no B r a s i l . A l g u m a s pesquisas e s t i m a m que entre 3 0 % e 5 0 % das pessoas j á p r e e n c h e r a m , e m a l g u m m o m e n t o da vida, os c r i t é r i o s d i a g n ó s t i c o s do t r a n s t o r n o depressivo maior. Outros estudos s u g e r e m que u m a e m dez pessoas t e m u m episódio de d e p r e s s ã o pelo m e n o s u m a vez na vida - e m geral desencadeado por u m a s i t u a ç ã o infeliz, por u m a perda importante, pelo estresse c o n s t a n t e o u , e m alguns casos, por u m a d o e n ç a grave. O u t r a s vezes, quando a c a u s a n ã o está e m um agente externo, f a l a m o s e m depressão e n d ó g e n a . De acordo c o m os n e u r o b i ó l o g o s , o d i s t ú r b i o seria c o n s e q u ê n c i a da falta de certos neurotransmissores (monoaminas) no cérebro: dopamina, noradrenalina e, principalmente, a serotonina, que são h o r m ô n i o s reguladores de emoções. Sabemos atualmente que a depressão não traz apenas desconforto, mas pode ter repercussões ainda mais graves, c o m o a d i m i n u i ç ã o de regiões específicas do cérebro. U m estudo realizado com t u paias (pequenos m a m í f e r o s herbívoros, semelhantes a esquilos), coordenado por Eberhard Fuchs, do Centro de Primatas de G õ t t i n g e n , A l e m a n h a , foi o primeiro a apontar nessa direção. Ele mostrou que em animais "deprimidos" - sem iniciat i v a , passivos e que pouco se a l i m e n t a v a m - o hipocampo, que funciona como u m a espécie de centro de controle dos processos de aprendizagem e m e m ó r i a , apresentava t a m a n h o reduzido. C o n t u do, esse processo podia ser detido com o t r a t a m e n t o da depressão. Algo semelhante foi observado em seres humanos pela psiquiatra Yvette Sheline, da U n i versidade de Washington. Ela analisou o hipocampo de 38 mulheres com depressão c r ó n i c a e descobriu que, assim como acontecia com os bichinhos estudados pelos a l e m ã e s , os efeitos n e u r o a n a t ô m i cos existiam e t a m b é m podiam ser revertidos com t r a t a m e n t o adequado. 8
I mentecérebro
Mas algo c h a m a a atenção tanto de leigos quanto de especialistas*, por que os casos de depressão têm aumentado t a n to? As estatísticas cresceram quando as pessoas passaram a desfrutar de comodidades que poupam tempo. Paradoxalmente, gerações anteriores, cuja vida se caracterizava por maiores esforços para a simples sobrevivência, eram mentalmente mais sadias, o que faz pensar que o excesso de facilidades, de alguma forma, nos torne mais vulneráveis à depressão, como mostra o artigo "Tão fácil que até deprime" (veja pág. 34). Nossos ancestrais evoluíram em condições nas quais era necessário trabalho físico duro para prosperar, e esse empenho físico acionava áreas cerebrais, proporcionando sensações de bem-estar. A rede aco/mòens-estriado-cortical (sistema responsável pela conexão entre movimento, e m o ç ã o e pensamento), chamada pela autora "circuito de recompensas impulsionadas pelo esforço", está na base dos sintomas associados à depressão, como perda de prazer, respostas motoras lentas e baixa concentração. Quando a "economia doméstica" dos neurotransmissores sai dos eixos, antidepressivos como fluoxetina e sertralina podem intervir de forma controlada e melhorar o humor. Com certeza os medicamentos trazem alívio, mas infelizmente não oferecem a cura m á g i c a que gostaríamos de obter no balcão da f a r m á c i a . Antidepressivos atuais podem levar semanas para aliviar a depressão. Para certas pessoas nem chegam a funcionar e, se funcionam hoje, isso pode não acontecer a m a n h ã . Agentes de ação mais rápida e com novos mecanismos são necessários, mas a fonte dessas drogas na grande indústria f a r m a c ê u t i c a é limitada. Talvez um dos avanços mais significativos dos ú l t i m o s anos em relação à depressão seja que a percepção de que um ú n i co caminho pode não ser suficiente para toda e qualquer pessoa que apresente o quadro. Psicoterapias são fundamentais e não apenas como tratamentos coadjuvantes, mas em muitos casos como principal estratégia terapêutica. ®
O ódio eo nevoeiro O e s t a d o d e p r e s s i v o serve p a r a e s c o n d e r s e n t i m e n t o s h o s t i s , que na m a i o r parte do t e m p o p e r m a n e c e m i n c o n s c i e n t e s por D é c i o G u r f i n k e l
O
s sinais aparentes da depressão incluem desânimo, falta de energia, cansaço, desinteresse pelas pessoas e atividades em geral. Nesse estado de ânimo, o sujeito tende a ficar passivo e inativo e, nos casos mais graves, prostrado. Pouco se percebe, nfo entanto, que subjacente a essas manifestações se encontra um profundo sentimento de ódio. É claro que, em diversos casos, observamos uma alternância entre estados depressivos e súbitas crises de mau humor, com explosões de raiva. Mas a relação entre depressão e ódio nem sempre é evidente. E o principal motivo disso é que o estado depressivo serve justamente para esconder o ódio, que permanece inconsciente durante a maior parte do tempo. Diversos estudos psicanalíticos jdedicaram-se a elucidar essa relação. Os primeiros trabalhos partiram da semelhança entre a depressão e outro quadro clínico, a neurose obsessiva. Até então, pesquisas sobre a histeria tinham demonstrado o papel central ocupado pela repressão da sexualidade na origem das neuroses. Com a extensão das investigações sobre a neurose obsessiva, foi possível perceber não só o lugar central dos conflitos relacionados à sexualidade, mas também dos impasses entre o amor e o ódio. Em um famoso estudo de caso (O homem dos ratos, de 1909), Freud demonstrou que a |epressão incidia mais sobre os sentimentos hostis que sobre a sexualidade. O paciente nutria um profundo ódio inconsciente por seu pai. O sentimento entrava em conflito com o amor que ele também tinha pela figura paterna e era experimentado no plano consciente. Essa contradição deu origem a um grande número de sintomas obsessivos. Anos depois, percebeu-se uma dinâmica semelhante nos quadros de melancolia, forma grave de depressão. O estado, em geral, é desencadeado por perda marcante: morte de pessoa querida, desilusão amorosa ou projeto pessoal fracassado. São os chamados "objJtos". Sob a forma disfarçada e invertida de violentas autoacusações e autocensura, o sujeito expressa um intenso ódio pelo objeto que foi perdido: o melancólico se sente profundamente traído e abandonado e não consegue superar esses sentimentos. E para onde vai o ódio? Em vez de ser reprimido e deslocado para outros objetos - como no caso da neurose obsessiva - ele é "engolido" pelo sujeito e dirigido para uma parte de
si mesmo que passa a cumprir o papel da pessoa odiada. A autodepreciação serve como álibi que disfarça o profundo ódio e rancor em relação ao outro. Nos quadros de ciclotimia, as fases melancólicas se alternam com as maníacas e é nestas - especialmente quando muito exacerbadas - que o ódio aparece sem disfarces: quem estiver na frente do sujeito impedindo seu caminho é atacado sem piedade. Mesmo quando a depressão não atinge a gravidade de uma melancolia, o ódio também está subjacente, sem necessariamente ser "engolido" da mesma maneira. A psicanálise compreendeu, ainda, que certa dose de depressão faz parte da vida dos homens, e chamou tal fenómeno de depressividade. Como entender isso? Ora, a coexistência entre amor e ódio faz parte de qualquer relacionamento, assim como da vida. Quando a intensidade do ódio aumenta por algum motivo - frustrações, desapontamentos ou situações desfavoráveis - o amor (pelo outro e por si mesmo) fica ameaçado, e faz-se necessário tomar alguma providência a fim de preservar o objeto. É hora de "fechar para balanço". Segundo uma bela imagem proposta pelo psicanalista inglês Donald Winnicott (18961971), é como se durante esses estados o psiquismo fosse tomado por um intenso nevoeiro: todos os movimentos são praticamente interrompidos, até que possamos ver as coisas mais claramente. É o estado depressivo. Após um período de "digestão psíquica" da situação de conflito, atingimos um novo rearranjo interno das forças de amor e ódio; a névoa aos poucos começa a se dissipar e voltamos ao ritmo cotidiano. O processo, parcialmente inconsciente, integra o amadurecimento psíquico de todos nós. Após experiências depressivas, que se repetem diversas vezes ao longo da vida, saímos mais fortalecidos e confiantes, apesar da dor. O problema é que, em alguns casos, paralisamos no meio do caminho e não vemos mais a luz no fim do túnel. Aí a depressividade se torna uma depressão instalada, e um fenómeno humano e universal ganha características patológicas. O "xis" da questão que diversas pesquisas tentam elucidar é: por que algumas pessoas, em determinados momentos, não conseguem ser bem-sucedidas em sua travessia? Bem, é nesses momentos que necessitamos da ajuda do outro.
O AUTOR
DÉCIO GURFINKEL é psicanalista, doutor em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Departamento de Ps canálise do Instituto Sedes Sapientiae.
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PARA ENTENDER
O eclipse da esperança Conhecida desde a Antiguidade sob o nome de melancolia, a depressão toma por inteiro a personalidade acometida, levando-a a experimentar a negatividade da vida de modo irremediável, sob a forma de sentimentos de culpa, exclusão e inferioridade; diante disso, cabe aos profissionais de saúde reconhecer, enfrentar e respeitar as experiências-limite da existência que descortinam o sentido antropológico do sofrer humano por Mauro Maldonato
O
termo "depressão" assume significados diferentes se utilizado na linguagem comum ou na psiquiátrica. Se na primeira indica o estado de tristeza e desânimo da pessoa diante de acontecimento desagradável, decepção ou luto, em âmbito psiquiátrico designa um quadro clínico preciso (distúrbio depressivo), caracterizado por sintomas biológicos e psíquicos espontâneos, aparentemente desproporcionais em intensidade e duração aos acontecimentos que os provocaram. Essa condição se distingue por sintomas como perda de interesse, astenia, incapacidade de sentir prazer, insónia, falta de apetite, diminuição da libido, facilidade em fatigar-se e alterações cognitivas, psicomotoras e neurovegetativas.
OAUTOR
MAURO MALDONATO é psiquiatra, filósofo, ensaísta e professor de psicopatologia da Universidade de Nápoles e de ciências do comportamento da Universidade de Basilicata, ambas na Itália. É autor de A subversão do ser (Fundação Peirópolis), Raízes errantes (Editora 34) e A mente plural: biologia, evolução, cultura (Unimarco). 10
I mentecérebro I Depressão
Esse estado de â n i m o invade por inteiro a personalidade acometida. Um indivíduo deprimido experimenta - às vezes com angústia, outras com gélido desespero - a irremediável negatividade da vida. Mas se em algumas pessoas atinge a existência pessoal (e neste caso podem prevalecer ideias persecutórias, sentimentos de exclusão, inferioridade, indignidade, culpabilidade), outros sentem a própria vida como intolerável. Tudo parece negativo, terrível, irremediável. O mundo se torna um lugar de baixezas e maldades, dominado pela luz sinistra de dor e mal metafísicos. O distúrbio depressivo - que aqui definiremos intencionalmente t a m b é m como melancolia - é conhecido desde a Antiguidade (veja quadro na pág. 13). Nas últimas décadas, os conhecimentos sobre etiologia, nosografia, diagnóstico e terapia das diversas formas de depressão progrediram notavelmente. As ciências de base - da bioquímica à biologia molecular, da neurofisiologia à psicofarmacologia - forneceram novos elementos, úteis para a compreensão dos mecanismos patogenéticos, para a elaboração de modelos sobre a
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A experiência depressiva traz sofrimentos tão intensos que são inimagináveis para os outros; não ser compreendido na própria dor acentua a sensação de estranheza e pena de si
g i n a d o s por q u e m n ã o o s s e n t i u . Para q u e m sofre de d e p r e s s ã o , sentir-se n ã o c o m p r e e n dido n a p r ó p r i a d o r t o r n a m a i s aguda a sens a ç ã o de e s t r a n h e z a e de p e n a de s i . Estím u l o s , c o n s e l h o s , e x o r t a ç õ e s p a r a reagir e fortalecer-se n a d a m a i s f a z e m que a c e n t u a r a desesperada solidão do paciente, sua insustentável responsabilização por alguma c o i s a q u e j á n ã o c o n t r o l a . Ele percebe, c o m penosa intensidade, u m irreprimível empob r e c i m e n t o a f e t i v o e, a o m e s m o t e m p o , a perda i n i m a g i n á v e l
transmissão genética, a identificação das
do contato c o m u m
m u n d o exterior rico e vital.
áreas e dos circuitos nervosos responsáveis
E m b o r a a perda de energia e vitalidade,
pelas diversas manifestações da depressão.
as sensações de c o n f u s ã o , a incapacidade
A l é m d i s s o , o r e n o v a d o i n t e r e s s e pela o b -
de c o n c e n t r a r - s e , f a z e r e s c o l h a s , t r a b a l h a r
s e r v a ç ã o d o p a c i e n t e e pela d e s c r i ç ã o d o s
e a m a r possam t e r intensidades diferentes
s i n t o m a s levou a u m a atenção maior para
de p e s s o a p a r a p e s s o a , s i g n i f i c a m , de t o d o
c o m o diagnóstico e a u m a redefinição dos
m o d o , u m pano de f u n d o constante. A l é m
distúrbios depressivos.
disso, s e n t i m e n t o s de impotência e derrota
Desse m o d o , f o r a m mais b e m especifi-
d o m i n a m o c e n á r i o . A s n o i t e s i n s o n e s , po-
c a d o s o s d i v e r s o s s u b t i p o s d e d e p r e s s ã o e,
v o a d a s p o r m e d o s e m a l - e s t a r , s ã o aguar-
para muitos deles, afinadas
dadas c o m terror. Os dias c o m e ç a m c o m o
modalidades Algumas
pesadelo de novas e intermináveis provas
f o r m a s atenuadas, outrora definidas c o m o
a enfrentar. Até as atividades elementa-
de i n t e r v e n ç õ e s p e r s o n a l i z a d a s .
" n e u r ó t i c a s " e tidas c o m o traços estáveis
r e s , c o m o l e v a n t a r - s e , lavar-se, p a s s e a r e
d a p e r s o n a l i d a d e , s ã o hoje
consideradas
outras tantas, c u s t a m esforços inimaginá-
m a n i f e s t a ç õ e s d e p r e s s i v a s leves e p e r s i s -
veis. Vai g a n h a n d o terreno, para u s a r m o s
tentes, que respondem a terapias.
as palavras do escritor austríaco Hugo v o n
A ria
avaliação familiar
dade mitiu
e
do
caráter,
da adaptação
incluir
algumas
da incidência da
da histó-
H o f m a n n s t h a l (1874-1929), " u m a e x i s t ê n -
personali-
c i a n u a , e x p o s t a à d o r , a t o r m e n t a d a pela
pré-doença
e m seu espectro
formas
bipolares
mistas
per-
A sucessão de dias q u e parecem iguais,
cróni-
s e m m e l h o r a s , revigora a visão pessimis-
cas, cujo quadro é amiúde dominado por
ta do paciente q u a n t o ao próprio f u t u r o .
d e l í r i o s , a l u c i n a ç õ e s e d i s t ú r b i o s d o pen-
A p o s t u r a e m r e l a ç ã o a esse d i s t ú r b i o , t o -
s a m e n t o . N ã o s e pode negar, e n t r e t a n t o ,
davia, m u d a de indivíduo para indivíduo.
que no â m b i t o terapêutico f o r a m obtidos
Há q u e m , s e m u m a adequada consciência
i m p o r t a n t e s progressos. A introdução de
da d o e n ç a , n ã o p e r c e b a t o t a l m e n t e o q u e
novas substâncias para t r a t a m e n t o agudo
está a c o n t e c e n d o . A l g u n s s e n t e m que es-
e preventivo propiciou alcançar, na terapia
tão doentes, m a s recusam ajuda; outros
dos t r a n s t o r n o s do humor, resultados nada
s a b e m q u e estão sofrendo de u m a doen-
inferiores a o s de outros setores da medici-
ça física grave; o u ainda lutam contra ela
n a . E s p e c i a l m e n t e , a s í n t e s e de a n t i d e p r e s -
e p r o c u r a m ajuda, por vezes de m a n e i r a s
sivos c o m ação seletiva sobre os diversos
apelativas e manipuladoras, que causam
sistemas neurotransmissores permitiu que
incompreensão nos que estão ao redor e
fossem dadas respostas às formas clínicas
e q u í v o c o s q u a n t o a real g r a v i d a d e d a s i -
antes não tratáveis.
t u a ç ã o . O u t r o s , p o r fim, c o n s e g u e m dis-
E m g e r a l , a e x p e r i ê n c i a d e p r e s s i v a se
12 I mentecérebro l Depressão
luz, ferida por todo s o m " .
clínico
simular o distúrbio, esconder a inibição e
c a r a c t e r i z a por s o f r i m e n t o s de t a m a n h a i n -
parecer animados,
tensidade que dificilmente podem ser ima-
surpreenderem
até inesperadamente
parentes
e colegas c o m
u m g e s t o s u i c i d a , c o m o u m a e s p é c i e de
E n q u a n t o o p r i m e i r o é a e x p e r i ê n c i a de
ato de libertação de u m sofrimento vivido
quem considera, errónea ou acertadamen-
c o m o incorrigível e desesperançado.
t e , e s t a r c u l p a d o , n o s e g u n d o a c e r t e z a de
N a depressão, o suicídio é m u i t o freq u e n t e . E m 1791, P i n e l (1745-1826) e v i d e n -
que deve s e r punido não deixa espaço para mais nada.
ciou c o m espanto c o m o os autores - tanto
A experiência da culpa, elemento-chave
antigos quanto modernos - que haviam
na patogênese da doença, n u n c a t e r m i n a
descrito todo tipo de " m e l a n c o l i a nervo-
porque o paciente está sempre à procura
sa" tinham
for-
de e l e m e n t o s n u m p a s s a d o " c u l p a d o " . Esse
m a que se caracteriza por u m desgosto
"estar em culpa" remete o deprimido a u m
insuportável pela vida, o u antes, por u m
m o d o p e c u l i a r de e x p e r i m e n t a r a m o r t e . N o
se descuidado "daquela
desejo i r r e s i s t í v e l d e dar-se a m o r t e , s e m
e n t a n t o , s ó a l g u n s m e l a n c ó l i c o s se d e f i n e m
que p o s s a m o s e n c o n t r a r u m a c a u s a " . E m
c u l p a d o s . O s o u t r o s se s e n t e m devedores
Luto e melancolia
pelo n ã o poder, pela i n c a p a c i d a d e de agir.
(1917), F r e u d (1856-1939)
interpretou a tendência ao suicídio do melancólico
como
forma
Decisivos, aqui, n ã o são os conteúdos,
de agressividade
m a s a f o r m a do passado que ocupa toda a
contra o próprio E u , no qual o s e n t i m e n t o
vida psíquica. Nesse sentido, se é verdade
de c u l p a t e m u m p a p e l c e n t r a l . B a s t a - n o s
q u e a i d e n t i d a d e e a e s t a b i l i d a d e d o E u de
s i m p l e s m e n t e n o t a r q u e , d o p o n t o de v i s t a
u m s e r h u m a n o l a n ç a m s u a s r a í z e s n o pas-
psicanalítico, podemos identificar essen-
sado, então podemos compreender como
c i a l m e n t e d o i s t i p o s de c u l p a : u m a per-
MELANCOLIA (1514), de Albrecht Dúrer (1471-1528), obra em que o artista alemão coloca um anjo imóvel, distante e pensativo, para representar esse estado de humor soturno, que já foi atribuído ao planeta Saturno por autores árabes do século IX
s e c u t ó r i a , q u e deriva da pulsão de m o r t e e tende à autorrepreensão e ao receio da p u n i ç ã o ; a o u t r a , f u n ç ã o da p u l s ã o de v i d a , que tende à reparação. Para a l é m das sugestivas e pertinentes hipóteses psicanalíticas, a culpa constitui u m elemento psicopatológico nuclear da d e p r e s s ã o , m o t i v a n d o u m dos m a i s i m p o r tantes fatores de transição do apego à vida ao suicídio. Esse, todavia, n ã o seria voltado a p e n a s a i n t e r r o m p e r a p r ó p r i a v i d a , dolorosa e s e m esperanças, m a s t a m b é m a libertar o m u n d o da própria presença, considerada abjeta e nefasta. A l é m disso, o s o f r i m e n t o se torna ainda mais doloroso pela impossibilidade de s u a aceitação. É t i d o c o m o i n d i g n o e, a t é p o r i s s o , c o m o se f o s s e u m a e s p i r a l i n f i n i t a , n a q u a l o p a c i e n t e é e n v o l v i d o pela c u l p a . Seja c o m r e l a ç ã o a si p r ó p r i o , a o s o u tros, à vida, aos seus desejos, ao próprio corpo ou à sua existência, a culpa constitui um elemento central do mundo melancólico. Convencido, c o m o está, de que tocou o fundo, o paciente acredita que nunca mais p o d e r á l e v a n t a r - s e . É a c u l p a q u e leva o s p a c i e n t e s a f u g i r d o m u n d o e isolar-se e m c a s a , na certeza de não poder superar a punição. N a t u r a l m e n t e , u m a coisa é o sentim e n t o d e c u l p a , o u t r a é o d e l í r i o de c u l p a .
13
o e s q u e c i m e n t o sobre as próprias c u l p a s ,
A a l t e r a ç ã o d a c o n s c i ê n c i a i n t e r n a do
s o b r e a a n g ú s t i a dos r e m o r s o s e a s s a u d a -
t e m p o t e m u m espaço crucial na experiên-
des a s s u m e m para o melancólico o caráter
cia m e l a n c ó l i c a . O paciente assiste impo-
a m e a ç a d o r de u m a s e p a r a ç ã o do p r ó p r i o
t e n t e à p e n o s a d e f o r m a ç ã o de s e u t e m p o
E u , de u m a
p e r d a d e f i n i t i v a da
própria
i d e n t i d a d e . De f a t o , o d e p r i m i d o b u s c a no
i n t e r i o r . S e m a b e r t u r a p a r a o f u t u r o , ele desacelera, até parar, na
impossibilidade
p a s s a d o e s s e s u p o r t e , e s s a e s p é c i e de s e g u -
de r e n o v a ç ã o t e m p o r a l . A u t o r e s c o m o E u -
r a n ç a d i a n t e de u m m u n d o q u e lhe e s c a p a .
gène M i n k o w s k i , E r w i n Straus e Victor von Gebsattel escreveram passagens importan-
D E F O R M A Ç Ã O DO TEMPO
tes s o b r e a d e s a c e l e r a ç ã o e a e s t a g n a ç ã o
Todas as experiências psicológicas h u manas
ADMIRAR um quadro ou outros tipos de obras de arte nos convoca a uma outra temporalidade, ao tempo da consciência interna, que, no caso dos melancólicos, encontra-se deformado, estagnado. Para eles, a articulação dinâmica entre passado, presente e futuro se dissolve e o sentido histórico se perde
são
marcadas
pela
presença
do
do " t e m p o v i v e n c i a d o " c o m o
expressão
c r u c i a l da m e l a n c o l i a .
t e m p o . M a s o t e m p o dos h o m e n s n ã o é
A t e m p o r a l i d a d e - t a l v e z fosse m a i s cor-
a p e n a s a q u e l e do relógio q u e m a r c a as ho-
r e i o f a l a r m o s de " i n t e m p o r a l i d a d e " - é a
r a s e m i g u a l m e d i d a e é e s t r a n h o a t o d a re-
d i m e n s ã o q u e m a i s a p r e e n d e a e s s ê n c i a da
percussão interior. H á t a m b é m u m t e m p o
m e l a n c o l i a . A q u i , o t e m p o do e u , j á n ã o n o
interior, aquele vivido, que m u d a e m cada
m e s m o r i t m o que o do m u n d o , paradoxal-
u m de n ó s , de m o m e n t o e m
m e n t e só pode se s a l v a r a n c o r a n d o - s e n o
momento,
de s i t u a ç ã o e m s i t u a ç ã o . U m t e m p o v i v o ,
passado cinzento, s e m diferenças cromáti-
independente
c a s , a p a r t a d o d o p r e s e n t e e do f u t u r o . Des-
da
marcação
cronológica. Quando
se p a s s a d o se a l i m e n t a o p r e s e n t e , v a z i o e
estamos cansados, tristes ou entediados,
Esse é o t e m p o da c o n s c i ê n c i a .
a n g u s t i a n t e , q u e a s s i m se d e f e n d e do hor-
nossa percepção temporal interior
muda
r o r do v a z i o e d a e x p e r i ê n c i a do n a d a q u e
r a d i c a l m e n t e c o m relação a quando esta-
se c u m p r e m n a i d e i a d a m o r t e . Aí o t e m p o
m o s contentes ou intensamente interessa-
se t o r n a i n s t a n t e i m ó v e l , i m u t á v e l , e t e r n o .
dos e m algo. No primeiro caso, u m a hora
Nesse ponto o devir perde todo significa-
p a r e c e l o n g a e i n t e r m i n á v e l ; no s e g u n d o ,
do positivo. Prevalece,
b r e v e d e m a i s . T u d o isso e s t á f o r t e m e n t e
a n o ç ã o de " m a l " . N u m a v i d a m o r t a , a s
irrevogavelmente,
l i g a d o a o s n o s s o s d i v e r s o s e s t a d o s de â n i -
l e m b r a n ç a s se t o r n a m r e m o r s o s e as a ç õ e s
m o e à s v á r i a s e m o ç õ e s q u e se r e f l e t e m n a
c u m p r i d a s , c u l p a s . J á n ã o p o d e m s e r ins-
percepção subjetiva.
critas n u m projeto, n u m a esperança. Para o m e l a n c ó l i c o , a m o r t a l i d a d e é a perda do o b j e t o de a m o r , do s e r c o m o t a l . Esse c a m i n h a r e m direção ao nada é e x t r e m a m e n t e v i s í v e l n a s í n d r o m e de C o t a r d , na q u a l o p a c i e n t e se s e n t e c o n d e n a d o a o " n ã o exist i r " - u m a m o r t e e m v i d a , m e s m o s e m de fato morrer. Embora sejam
r a r o s , os c a s o s de pa-
c i e n t e s de C o t a r d t e s t e m u n h a m , a t é u m g r a u e x t r e m o , a i m p o s s i b i l i d a d e de m o r rer, e s t a n d o o c o r p o a t a l p o n t o e s v a z i a do, tão inconsistente que a m o r t e não lhes diz r e s p e i t o . E s s a s p e s s o a s , q u e se d e f i n e m m o r t a s - v i v a s , d i z e m s o f r e r de s u a
imor-
t a l i d a d e , d a i m p o s s i b i l i d a d e de m o r r e r , e p e d e m p a r a s e r l i b e r t a d a s de d e s t i n o t ã o a t r o z . A l g u n s c o n s i d e r a m a m o r t e real e c o n c o m i t a n t e m e n t e f a l a m de u m a m o r t e q u e n ã o d e v o r a a e x i s t ê n c i a , m a s q u e se a c o m p a n h a de u m a m i s t e r i o s a s o b r e v i v ê n 14
I mentecérebro I Depressão
PHILLIPPE PINEL (1745-1826) libera os alienados de suas correntes no asilo de Bicêtre, em Paris, no ano de 1793. Nesta tela de Charles Louis Lucien, o artista representa um dos momentos marcantes da história da psiquiatria cia a ponto de t o r n a r a própria morte v ã .
te e m s u a p r ó p r i a e s s ê n c i a . A a r t i c u l a ç ã o
Em o u t r a s m e l a n c o l i a s falta até a esperan-
d i n â m i c a de p a s s a d o , p r e s e n t e e f u t u r o se
ça de poder morrer.
torna v ã mediante u m a radical desistori-
C i t o a s p a l a v r a s do filósofo d i n a m a r q u ê s
c i z a ç ã o . Eis p o r q u e , t ã o f r e q u e n t e m e n t e ,
S 0 r e n K i e r k e g a a r d (1813-1855): "Se quisésse-
terminado o episódio, a experiência melan-
m o s f a l a r de u m a d o e n ç a m o r t a l no s e n t i d o
c ó l i c a é e s q u e c i d a . N ã o p o d e r i a s e r "re-cor-
mais estrito, essa deveria ser u m a doença
d a d a " ( n o s e n t i d o de s e r r e c o n d u z i d a p a r a
c u j o fim s e r i a a m o r t e e a m o r t e s e r i a o fim.
as " i n t e r m i t ê n c i a s
da emoção"),
porque
E essa é precisamente o desespero. Todavia,
n e s s a i n t e m p o r a l i d a d e t u d o s e a n u l a . Todo
n o u t r o s e n t i d o , a i n d a m a i s p r e c i s o , o deses-
gesto se debruça sobre u m vazio a b i s m a l .
pero é a d o e n ç a m o r t a l . De f a t o , é e x t r e m a -
M a s n ã o s e t r a t a de u m v a z i o d e f u t u r o ,
m e n t e improvável que v e n h a m o s a morrer
de p r e s e n t e o u de p a s s a d o . T r a t a - s e de u m
fisicamente
d e s s a d o e n ç a o u que e s s a d o e n -
vazio do passado, do presente, do f u t u r o .
ç a t e r m i n e c o m a m o r t e f í s i c a . Ao c o n t r á r i o ,
Ou seja, do t e m p o , da vida c o m o presença
o t o r m e n t o do desespero é precisamente o
r e d u z i d a a c o r p o d e s p r o v i d o de e s p í r i t o .
de n ã o p o d e r m o r r e r . Por isso m a i s se pare-
Precisamente como a temporalidade, o
ce c o m o e s t a d o do m o r i b u n d o q u a n d o e s t á
p r ó p r i o t e m a d a c o r p o r e i d a d e se i n s c r e v e
a g o n i z a n d o s e m poder m o r r e r .
Portanto,
n o m e l a n c ó l i c o e m u m a d r a m á t i c a que-
c a i r n a d o e n ç a m o r t a l é n ã o poder m o r r e r ,
d a de " d o a ç ã o de s e n t i d o " , n u m e c l i p s e
m a s n ã o c o m o se h o u v e s s e a e s p e r a n ç a d a
da c o n s c i ê n c i a i n t e n c i o n a l . O d e p r i m i d o
v i d a : a a u s ê n c i a de t o d a e s p e r a n ç a s i g n i f i c a
arrasta o próprio corpo,
aqui que não há sequer a última esperança,
inconsciente e plenamente nele: u m corpo
a da m o r t e . Q u a n d o o perigo m a i o r é a mor-
pesado e lento, j á não voltado ao m u n d o ,
identificando-se
t e , espera-se n a v i d a ; m a s , q u a n d o se c o n h e -
mas encerrado dentro dos próprios limi-
ce o perigo a i n d a m a i s t e r r í v e l , espera-se n a
tes. N a experiência melancólica o olhar é
m o r t e . Q u a n d o o perigo é t ã o g r a n d e q u e
radicalmente interiorizado, abstraído das
a m o r t e se t o r n o u e s p e r a n ç a , e n t ã o n a s c e
coisas. As mãos j á não permitem agarrar
o d e s e s p e r o v i n d o a f a l t a r a e s p e r a n ç a de
os o b j e t o s d i s t a n t e s d o c o r p o . O p a c i e n t e
poder m o r r e r " .
é i n c a p a z de c h o r a r , d e e x p r e s s a r t r i s t e z a
A temporalidade da melancolia, portan-
e d e s e s p e r o , a n g ú s t i a e n o s t a l g i a . N o ros-
t o , e s t á f o r a de q u a l q u e r d u r a ç ã o , a u s e n -
to, essa divergência entre os sentimentos
15
c o m o realidades psíquicas e o corpo c o m o
historicidade do h o m e m e de s e u
l u g a r de s u a e x p r e s s i v i d a d e s e t o r n a d i l a c e -
viatoris
r a n t e . A face, perdida, se obscurece, não h á
papel c r u c i a l n o m u n d o m e l a n c ó l i c o . Soli-
signo de choro o u sorriso: está petrificada
cita nosso olhar n ã o para a nossa vida in-
e m s u a i m a g e m corpórea q u e n ã o se lan-
terior, m a s para o q u e é independente da
ça n o m u n d o , m a s se c o n s o m e n a própria
ação: e m especial, da ação sobre nós mes-
imanência.
m o s . A o f a l a r d o " c a r á t e r p r o f é t i c o d a es-
O e s p a ç o d o d e p r i m i d o t e n d e a s e r de-
TEATRO EM CUBA: pacientes encenam peça em projeto do dramaturgo francês Serge Sandor que visa elevar a autoestima dos portadores de transtornos mentais
status
- seja p o u c o c o n s i d e r a d a , e l a t e m
p e r a n ç a " , o filósofo f r a n c ê s G a b r i e l M a r e e i
s e s p e r a d a m e n t e vazio, c h a t o , s e m relevos
(1889-1973) d e f i n i u - a c o m o u m a " m e m ó r i a
nem
perspectivas. As coisas são vividas
do f u t u r o " , u m " d i s p o r - s e n a p e r s p e c t i v a
c o m o isoladas, distantes, inalcançáveis. É
d o a c o n t e c e r " . N o p o l o o p o s t o , o desespe-
u m espaço fechado, enrugado, bloqueado,
ro é f e c h a m e n t o à t e m p o r a l i d a d e , n e g a ç ã o
opressor. Por s u a capacidade de criar rela-
de q u a l q u e r p r o m e s s a d e a m o r pelo f u t u r o .
ções e interrogações, parece u m a d i m e n -
Nesse sentido, se a esperança é busca
s ã o a b e r t a à p o s s i b i l i d a d e de p l a n e j a m e n t o
carregada de c o n f i a n ç a , tendência a ultra-
da e x i s t ê n c i a , u m m o v i m e n t o que se t o r n a
passar passado e presente por u m porvir
comunicação, linguagem, interlocução, in-
de s e n t i d o , o d e s e s p e r o é o t e m p o f e c h a -
v e s t i m e n t o , projeto. Portanto, m a i s que de
do d a c o n s c i ê n c i a , o q u e s t i o n a m e n t o de
e s p a ç o , t e m o s d e f a l a r de e s p a c i a l i z a ç ã o . O
t u d o o q u e de m a i s p r o f u n d o há n a exis-
d e p r i m i d o s e i n s e r e n o s i n t e r s t í c i o s de u m
t ê n c i a . A q u i s e r e v e l a e x t r e m a m e n t e útil a
e s p a ç o q u e n ã o é o s e u , p o r q u e n ã o o pro-
distinção do psicólogo e
filósofo
alemão
d u z i u : o q u e se c o n s o m e é u m a d r a m á t i c a
P h i l i p p L e r s c h (1898-1972) e n t r e d e s e s p e r o
metamorfose,
b i o l ó g i c o e e x i s t e n c i a l : o p r i m e i r o s e refe-
mortificação,
dissolvência
da espacialidade.
re a o s f u n d a m e n t o s v i t a i s d o i n d i v i d u o , o s e g u n d o d i z respeito à f a l ê n c i a dos pró-
ABISMO DE SENTIMENTOS
prios valores existenciais.
E m b o r a n a l i t e r a t u r a p s i q u i á t r i c a e psi-
M a s h á q u e p e r g u n t a r : pode haver n o
co(pato)lógica a esperança - c o m o postu-
m e l a n c ó l i c o u m a "patologia d a e s p e r a n ç a " ,
r a e x i s t e n c i a l d e base e c i f r a e s s e n c i a l d a
u m a d i s t o r ç ã o q u a l i t a t i v a do esperar e, e m casos Uma
extremos,
u m "esperar
delirante"?
m e t a m o r f o s e d a espera parece evi-
dente n a s t e m á t i c a s d o s delírios de c u l p a e d a n a ç ã o , n a s q u a i s o q u e é questionado é a própria possibilidade de a l c a n ç a r os m o d o s transcendentes da esperança; o sentimento de c u l p a afeta p r o f u n d a m e n t e o agir d o h o m e m e s u a v i d a p s i c o l ó g i c a , até que todo motus
spei é n e u t r a l i z a d o e enrijecido n u m
desespero p r o f u n d o e irrevogável. O m e l a n cólico n ã o pode se s u b t r a i r a esse "eclipse d a e s p e r a n ç a " , porque e l a investe todo aspecto m u n d a n o , pessoal e v i t a l . Esse é o m o t i v o que o t o r n a fixo e m s u a gélida i n é r c i a , indiferente a q u a l q u e r espécie de a l e n t o , indisponível a q u a l q u e r e x o r t a ç ã o . O f u t u r o desaparece e, c o m ele, a própria possibilidade de projetar-se, resgatar-se, redimir-se. O êxito é o n i i l i s m o a b s o l u t o , n o qual m e s m o o s a s pectos m a i s p r i m o r d i a i s e v i t a i s são expostos a u m a d e f o r m a ç ã o i n i m a g i n á v e l - e por vezes g r o t e s c a . Nesse a b i s m o d e s e n t i m e n t o s 16 I mentecérebro I Depressão
vitais d e v e m s e r p r o c u r a d o s a l g u h s dos m o tivos do s u i c í d i o , paradoxal e e x t r e m a defesa de u m a a n g ú s t i a i n f i n d á v e l . No entanto, a esperança
permanece
parte e s s e n c i a l da vida do h o m e m , ainda que se a p r e s e n t e de f o r m a c o n t r a p o l a r : c o m o s e n t i m e n t o da falta de s e n t i m e n to, c o m o u m esperar que nada espera. M e s m o diante disso tudo, a esperança s e m p r e t e m u m a d i m e n s ã o criadora. Ela
O espaço do deprimido tende a ser vazio, sem relevos nem perspectivas; as coisas são vividas como isoladas, distantes e inalcançáveis, dentro de um universo fechado e opressor
consegue força no vazio e nas adversidades s e m , t o d a v i a , opor-se a n a d a , s e m
m a n a , que dizem respeito a todos nós: a
s e l a n ç a r e m n e n h u m a t e n s ã o j C r i a , per-
alegria e a tristeza, o tédio e o enfado, a
m a n e c e n d o suspensa a c i m a da realida-
m e l a n c o l i a e a e s p e r a n ç a , a d o r e o deses-
de, s e m ignorá-la; deixa aflorar m u n d o s
pero. U m a psiquiatria que não saiba acei-
inéditos, palavras não ditas. Essa espe-
t a r as fronteiras de s e u n ã o c o n h e c i m e n -
rança pode c r e s c e r t a m b é m no deserto
t o e, s o b r e t u d o , q u e d e l e g a o c o n f r o n t o
da a n g ú s t i a e do desespero, do m a l de
c o m a s c a t e g o r i a s c o n s t i t u t i v a s de t o d a
viver e da fadiga.
experiência
C o m o u m a ponte ela nos a c o m p a n h a
terapêuticos
psicopatológica
a
indiferenciados
métodos
está
fadada
para fora de nossa solidão, colocando-nos
a falir. P a r a a l é m de t o d a " a b s o l u t i z a ç ã o
e m relação c o m os outros. Devolve ao ho-
biológica", o emaranhado
m e m a p o s s i b i l i d a d e de c a m i n h a r s o b r e o s
imanentes ao arquipélago da loucura não
dos conflitos
p r ó p r i o s t u m u l t o s i n t e r i o r e s , de elevar-se
pode a b r i r m ã o d e u m a p r e s e n ç a h u m a n a
a c i m a d o t e m p o q u e p a s s a , de d e v o l v e r à s
que ouça e dê assistência.
l á g r i m a s e à d o r , q u e a s f a z e m Ibrotar, u m
Escreveu,
provocativamente,
o sacer-
i n e s p e r a d o f r a g m e n t o de porvir. N a q u e l a s
dote, escritor e teólogo italiano
lágrimas q u e a l c a n ç a m os olhos v i n d a s dos
G u a r d i n i (1885-1968): "A m e l a n c o l i a é ex-
m a r e s e x t r e m o s d a a l m a , n a q u e l a s lágri-
c e s s i v a m e n t e d o l o r o s a e l a n ç a s u a s raízes
m a s q u e m i l e m i l v e z e s v i m o s eintre i n f i n i -
muito profundamente e m nós para que
tos carrosséis de gestos visíveis e invisíveis,
p o s s a m o s largá-la n a s m ã o s d o s p s i q u i a -
Romano
flutuam inquietudes e sonhos despedaça-
t r a s " . A s c h a v e s de a c e s s o d e u m a u t ê n t i c o
dos, a nostalgia do silêncio e dès palavras
tratamento psiquiátrico - que sempre nos
do s i l ê n c i o . A o v e l a r a v i s ã o , elas d e s v e l a m
expõe a situações e dimensões existenciais
a e s s ê n c i a d o o l h a r , f a z e m s a i r <|o e s q u e c i -
inéditas - estão nos aspectos radicalmen-
m e n t o e m q u e o o l h a r a s g u a r d a v a , a ver-
te e s t r a n h o s a t e c n o l o g i a s , r ó t u l o s , c ó d i -
dade dos o l h o s : o amor, a alegria, a oração
gos, números e estatísticas, tão caros ao
mais do que u m a visão científica.
n a t u r a l i s m o p s i q u i á t r i c o hoje d o m i n a n t e . O q u e r e s t a a fazer, e n t ã o , é i n s c r e v e r t a i s
OUTRAS FRONTEIRAS
experiências
n u m horizonte
de sentido
I Nietzsche
a n t r o p o l ó g i c o : a ú n i c a p o s s i b i l i d a d e é re-
(1844-1900) e s c r e v i a : " N ã o e x i s t e , j u l g a n d o
conhecer, enfrentar e respeitar situações-
Em
Genealogia
da
moral,
rigorosamente, ciência 'sem pressupostos',
limite que colocam e m questão o sentido
o p e n s a m e n t o de u m a ciência desta feita é
e o s i g n i f i c a d o d e n o s s o e x i s t i r e sofrer.
®
impensável, paralógico: u m a filosofia, u m a 'fé' s e m p r e t e m de preexistir para que dela derive u m a direção, u m s e n t i d o j u m limite, u m m é t o d o , u m direito à existência". U m t r a t a m e n t o psiquiátrico autêntico t e m de e n c o n t r a r o p r ó p r i o s e n t i d o n a s questões fundamentais
da coíidição h u -
PARA SABER MAIS In interiore homine. M. Maldonato. Universidade de Passo Fundo, 2 0 0 5 . II tempo vissuto. E. Minkowski. Einaudi, 1993. Psicopatologia geral. K. Jaspers. Atheneu/UFP Editora, 1979. Psicopatologia clínica. K. Schneider. Mestre Jou, 1968.
PARA ENTENDER
Freud e os caminhos da depressão •
Alguns anos antes de publicara interpretação dos sonhos, Freud se interessou pelo estudo da depressão, sobretudo porque na época foi acometido por esse estado de ânimo; no entanto, ele a entendeu como um dos quadros patológicos da melancolia, associando-a tempos depois à perda da libido por Daniel Delouya
A
d e p r e s s ã o , d o r e a n g ú s t i a r e f e r e m - s e a es-
ta-se, e n t ã o , de u m a p a t o l o g i a ? S i m , se c o n s i d e r a r m o s
tados m e n t a i s que parecem tão familiares
e s s a p a l a v r a n ã o n o s e n t i d o m é d i c o , de d o e n ç a , m a s
a p o n t o de m u i t a s p e s s o a s q u e s t i o n a r e m se
c o m o a t r i b u t o da i m p o s s i b i l i d a d e , p o r m a i s passagei-
seria legítimo dizer que c o m p õ e m quadros
ra q u e s e j a , de e x e r c e r o u p o s s u i r a l g o q u e é f u n d a -
psicopatológicos. Ao s e r m o s surpreendidos por esses
estados, não é raro c o l o c a r m o s e m dúvida a possibili-
mental para o viver h u m a n o . O t e r m o " p a t o l o g i a " c o n t é m e m s u a raiz e t i m o l ó -
d a d e de t e r m o s a d q u i r i d o , e m a l g u m a e x p e r i ê n c i a pré-
g i c a páthos,
via, a m í n i m a i m u n i d a d e a esses desconfortos. Essa
do os d i c i o n á r i o s , p a i x ã o , p a s s i v i d a d e , s o f r i m e n t o - e
t r i s t e z a d i f u s a t e m e s t r e i t a l i g a ç ã o c o m a q u i l o pelo
t a m b é m d o e n ç a . N a m e d i d a e m q u e as paixões re-
q u a l nos r e c o n h e c e m o s h u m a n o s : o a f e t o . Pois a de-
p r e s e n t a m os a c o r d e s m a i s a l t o s d a s é r i e dos a f e t o s ,
u m feixe de s i g n i f i c a d o s q u e u n e s e g u n r
p r e s s ã o , a s s i m c o m o a d o r e a a n g ú s t i a , d e n o t a u m es-
r e f l e t e m e m s u a f o r m a a g u ç a d a — t r a z i d a pela rede
tado afetivo particular, que priva a pessoa j u s t a m e n t e
a s s o c i a t i v a c o n t i d a n o grego a n t i g o - a q u i l o q u e de-
d a s q u a l i d a d e s e figuras s i n g u l a r e s q u e a n i m a m . T r a -
t e r m i n a e c o n s t i t u i o c e r n e do a f e t o . S e m p r e d i r i g i d o a o u t r o o u g e r a d o e m r e l a ç ã o a e l e , esse a f e t o ( q u e
O AUTOR
DANIEL DELOUYA é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise e autor dos livros Depressão (Casa do Psicólogo, 2 0 0 0 ) , Entre Moisés e Freud (Via Lettera, 2 0 0 0 ) , Depressão, estação psique (Escuta, 2002), Epistemopatia (Casa do Psicólogo, 2 0 0 3 ) e Torções na razão freudiana (Unimarco, 2 0 0 5 ) . 18
I mentecérebro I Depressão
nos faz h u m a n o s ) nos abre para u m a peculiar disposição para o ser s e m e l h a n t e — u m a f o r m a empática de a p r o x i m a ç ã o — q u e t e m n o s o f r i m e n t o u m p r e s s u posto e u m ingrediente f u n d a m e n t a l . Portanto, c o m o s o f r i m e n t o s da a l m a , a d e p r e s s ã o , a d o r e a a n g ú s t i a talvez não sejam tão s o m e n t e o c e s s a r ou a privação
19
Em 1895, o fenómeno depressivo será visto, quase que exclusivamente, como um quadro patológico da melancolia; a partir de então, sua definição será elaborada em conjunto com o luto
q u e c o n s t i t u e m q u a d r o s d e p r e s s i v o s propriamente ditos, c o m o caracterizados nos m a n u a i s de p s i q u i a t r i a . A
psicanálise,
entretanto,
nunca
se
c o m p r o m e t e u c o m u m a nosografia definid a . Os quadros c l í n i c o s que Freud retoma da p s i q u i a t r i a v i g e n t e e m s e u t e m p o n u n ca foram entendidos c o m o presenças conc r e t a s e c o n s t a t á v e i s de c o m p l e x o s o u organizações psicopatológicas. Serviram-lhe a p e n a s c o m o p o n t o s de s a í d a de u m t r a j e t o p a r a c o m p r e e n d ê - l o s n o c o n t e x t o de u m a i n v e s t i g a ç ã o d i r e c i o n a d a p a r a as e n grenagens do aparelho psíquico. A s s i m , a psicanálise d e m o n s t r a mais afinidade c o m
d o s a f e t o s , m a s s e u s p r o t ó t i p o s de o r i g e m ,
a e s t r a t é g i a , e m p r e e n d i d a pelo c i e n t i s t a ,
s u a s f o r m a s de b a s e .
q u e u t i l i z a a p a t o l o g i a c o m o p o n t o de par-
M a s se a d e p r e s s ã o é u m f e n ó m e n o q u a -
t i d a p a r a e l u c i d a r s e u s m e c a n i s m o s e se
se q u e b a n a l d o v i v e r h u m a n o , c o m o j u s t i f i -
interrogar sobre questões biológicas. Não
c a r s u a i n c l u s ã o e n t r e os q u a d r o s c l í n i c o s ?
manteve, portanto, a relação sistemática e
Se, a s s i m c o m o a d o r e a a n g ú s t i a , se m a n i -
d i r e t a e n t r e a d e f i n i ç ã o n o s o g r á f i c a e o de-
f e s t a de d i f e r e n t e s m o d o s , e m t o d o s os q u a -
s e n h o p s i c o p a t o l o g i a ) , c o m o se c o n s t a t a
d r o s c l í n i c o s c o n s a g r a d o s pela p s i c a n á l i s e
f a c i l m e n t e nos textos-chave da medicina e
c o m o a s n e u r o s e s , as psicoses e as perver-
de s e u s m a n u a i s . T a n t o a d e s c r i ç ã o c o m o a
s õ e s - e m a n a l o g i a à febre e à d o r que c o m -
c o m p r e e n s ã o d o q u a d r o c l í n i c o se f o r m u -
p õ e m , n a patologia f í s i c a , a s i n t o m a t o l o g i a
l a m e m t e r m o s f o r n e c i d o s pelo a r r a z o a d o
de q u a l q u e r d o e n ç a i n f e c c i o s a —, qual s e r i a
r e l a t i v o a o a p a r e l h o p s í q u i c o , de m a n e i r a
o s e n t i d o e/ou a v a n t a g e m de lhe c o n c e d e r
a fundir e assimilar dentro da metapsicolo-
tal importância?
gia f r e u d i a n a a s p a r t e s a n á l o g a s à c l a s s i f i -
E s s a i n d a g a ç ã o n a d a t e m de i m p l i c â n -
cação nosográfica e à psicopatologia.
c i a o u de m e r a p r e o c u p a ç ã o c o m a q u e s -
A h i s t e r i a , p o r e x e m p l o , poderia t e r o
t ã o s u p o s t a m e n t e s e c u n d á r i a de c l a s s i f i -
m e s m o e s t a t u t o d a d o r o u d a a n g ú s t i a ? Evi-
c a ç ã o . Pode-se a l e g a r q u e o p r o b l e m a q u e
d e n t e m e n t e n ã o é esse o c a s o , e a q u e s t ã o
l e v a n t a m o s é de o r d e m t é c n i c a , de d i s t i n -
requer u m a discussão mais aprofundada.
ção e demarcação operativa, u m a vez que
Pois, m e s m o se a p s i c a n á l i s e c o n t i n u a m a n -
é notória a diferença entre estados e m o -
t e n d o e m s u s p e n s o a a d o ç ã o de u m a noso-
mentos depressivos na vida cotidiana, nos
g r a f i a o f i c i a l , e l a n u n c a a b a n d o n o u por i n -
c a s o s de n e u r o s e e p s i c o s e e e m s i t u a ç õ e s
t e i r o os p r e s s u p o s t o s d a m e d i c i n a c l á s s i c a
Estado difusi Os estados depressivos figuram nos diferentes quadros psicopatológicos definidos segundo o conflito ou o jogo de forças psíquicas que os determinam. No entanto, as depressões não são passíveis de definição em termos de certa problemática ou de sentidos próprios ao universo psíquico. Elas estão associadas às condições económicas do psiquismo que possibilitam os espaços em que o mundo psíquico se estrutura, se constitui e se desenrola. São condições manejadas pelo e com o objetivo ao longo do eixo narcísico especular, sob suas diferentes modalidades.
20
I mentecérebro I Depressão
A EVOLUÇÃO DA PSICANÁLISE se entrelaça com o estado depressivo de Freud: ele se queixa em cartas da sensação de impotência e m q u e a a p r e e n s ã o c l í n i c a - de n a t u r e z a
m e n o d e p r e s s i v o e, s e g u n d o , do c o n t e x t o
s e m i o l ó g i c a e s e m i ó t i c a - de c e r t o c o n j u n -
(e n ã o a p e n a s do h i s t ó r i c o ) d a p s i c a n á l i s e
to de s i n t o m a s c o n f i g u r a u m f e n ó t i p o que
e das circunstâncias nas quais a depressão
r e m e t e a u m a inteligibilidade p r ó p r i a de u m
s u r g i u . O m o d o m a c i ç o c o m o e l a se a b a t e
a r r a n j o o u o r g a n i z a ç ã o i n t e r n a da d o e n ç a .
sobre o sujeito e a f o r m a densa e compac-
P o d e m o s p e n s a r q u e a d e r i v a ç ã o de
t a do " a r " d e p r i m i d o c o n t r a s t a m c o m a ex-
um
c o n j u n t o s i n t o m á t i c o que d e f i n e e d e m a r c a
pansão e o desabrochar representativo que
certo quadro clínico, associando-o e reme-
c a r a c t e r i z a m , na t r a n s m i s s ã o intersubjeti-
tendo-o a u m a r a z ã o c o e r e n t e , s e r i a e n t ã o
v a , a n o ç ã o i m e d i a t a q u e a d q u i r i m o s do
u m a prática c o m u m à psicanálise e à me-
â n i m o e do v i v e r no o u t r o . É e s s e " f e c h a -
d i c i n a ? E m t e r m o s , pois a g r a n d e d i f e r e n ç a
m e n t o do t e m p o " do " a m b i e n t e h u m a n o "
é q u e , n a p s i c a n á l i s e , tais q u a d r o s c o n f i g u -
q u e c o n f u n d e : a m o r b i d e z s u s c i t a a ideia
r a m - s e e m t o r n o de e s t r u t u r a s de s e n t i d o ,
de d o e n ç a . J á n a p s i c a n á l i s e , o e n f o q u e so-
i n e r e n t e s ao u n i v e r s o p s í q u i c o . A s s i m , os
bre u m c o n j u n t o p r o p r i a m e n t e d e p r e s s i v o
grupos principais -
aparece e m associação aos
n e u r o s e , p s i c o s e , per-
casos-limite,
v e r s ã o — m a t i z a m - s e e m Freud no c o m -
n o s a n o s 50, c o l o c a n d o e m q u e s t ã o c o m o
plexo de c a s t r a ç ã o e m q u e , grosso
categoria clínica separada u m quadro fron-
modo,
a
p r o b l e m á t i c a s e e n c o n t r a r e c a l c a d a no n e u -
t e i r i ç o (borderline),
r ó t i c o , r e c u s a d a n o perverso e rejeitada ( o u
Preenchendo
e não depressivo. a c a t e g o r i a de
"quadro
forcluída, segundo a psicanálise lacaniana)
clínico", a depressão nunca chegou a
no p s i c ó t i c o .
c a r os pés no c a m p o p s i c a n a l í t i c o .
O q u e p a r e c e d o t a r a d e p r e s s ã o de u m a ambiguidade
quanto
ao
seu estatuto
que ela não
finNão
t i v e s s e s i d o n o t a d a . Ao c o n -
é
t r á r i o , t o m o u grande parte das o c u p a ç õ e s
c o n s e q u ê n c i a , p r i m e i r o , do p r ó p r i o f e n ó -
de F r e u d n o fim do s é c u l o 19, p e r í o d o q u e
21
ao sentido do viver, do representável. É o q u e e x p r e s s a o t e r m o " o r i g i n a l " , do l a t i m , c o m p o s t o de d u a s p a l a v r a s , de ( p a r a baix o ) e premere
(pressionar).
Significando,
p o r t a n t o , q u e o sujeito está c o m o estado de â n i m o p r e s s i o n a d o , r e b a i x a d o . N a s pal a v r a s d o p s i c a n a l i s t a f r a n c ê s Pierre Fedida (1935-2002), o p a c i e n t e q u e i x a - s e de u m a "impotência c o m u m , porém vital, que ens u r d e c e q u a l q u e r t e n t a t i v a de d e n o m i n a r o q u e s e p a s s a n e l e , a d e p r e s s ã o s e n d o evocada c o m o ignorância da existência mesm a de u m a v i d a p s í q u i c a . A d e s i g n a ç ã o do seu estado depressivo
p a r t i c i p a de u m a
s e n s a ç ã o a r e s p e i t o d e si m e s m o ( q u e pod e m o s c h a m a r de 'fisgo'), que reduz toda a v i d a p s í q u i c a n u m p o n t o — o d a observação continuamente acordada e voltada, exclusivamente, para o desaparecimento de s i . . . u m a e c o n o m i a d e m o r t e " . O m o d e l o d a d e p r e s s ã o e m t e r m o s econ ó m i c o s , de e s v a z i a m e n t o o u c o m p r e s s ã o , tendo
como
efeito
a d e s v i t a l i z a ç ã o dos
s e n t i d o s e d a l i n g u a g e m , n o p l a n o repres e n t a t i v o e a f e t i v o , a n d a e m paralelo c o m o c a m i n h o i n v e r s o q u e Freud realiza n o s a n o s e m q u e i n s t a u r a o c a m p o psicanalítiPARA VINCENT VAN GOGH, que sofria de psicose maníacodepressiva, "a tristeza dura para sempre"; na tela Melancolia, de 1833, o artista holandês explora os tons que remetem à solidão e ao vazio existencial
antecede
sua
fundamentação.
Nesses
co. A configuração da psicanálise e m torno
a n o s , e x t r e m a m e n t e f e c u n d o s , e n t r e 1891
do s o n h o , d o desejo e d a l i n g u a g e m - n o
e 1895, F r e u d s e i n t e r e s s o u pelo t e m a , s o -
plano do sentido -
bretudo porque descobriu que era acome-
ocupações c o m os modelos puramente fun-
t i d o , f r e q u e n t e e i r r e m e d i a v e l m e n t e , pela
c i o n a i s e e c o n ó m i c o s d o a p a r e l h o psíquico.
depressão. É possível e n c o n t r a r
material
N ã o h á q u e e s t r a n h a r o f a t o de a depres-
sobre o assunto nas cartas enviadas ao
são p e r d e r o c e n t r o de s u a s a t e n ç õ e s , a s s i m
m é d i c o a l e m ã o W i l h e l m Fliess (1858-1928).
c o m o o u t r o s t e m a s de c u n h o psicopatolo-
Todavia,
g i a ) e associados ao universo económico
esse
interesse
esgota-se,
quase
q u e c o m p l e t a m e n t e , c o m o a v a n ç o de s u a
c o m o a enxaqueca, a letargia, a astenia, a
a u t o a n á l i s e e n o d e c o r r e r d a r e d a ç ã o do l i -
m i a s t e n i a , a n e u r a s t e n i a e d i s t ú r b i o s do
v r o q u e i n a u g u r a a p s i c a n á l i s e , e m 1899, A
f u n c i o n a m e n t o s e x u a l , o u s e j a , toda a clas-
interpretação
se d a s n e u r o s e s a t u a i s , q u e F r e u d c u i d a e m
dos
sonhos.
A evolução da psicanálise se entrelaça
separar e demarcar das psiconeuroses, e m
a s s i m c o m o e s t a d o d e p r e s s i v o de F r e u d ,
que passa a investir todos os seus esforços.
q u e s e a p r e s e n t a de f o r m a a p a r e n t e m e n -
L e m b r a m o s , a esse r e s p e i t o - j á q u e asso-
te b a n a l , c o m o u m a q u e i x a f e i t a a F l i e s s ,
ciamos, implicitamente, a angústia c o m as
para exprimir s u a impotência no plano da
espécies que c o m p õ e m o g r u p o a o q u a l per-
a ç ã o , do s o n h o e do p e n s a m e n t o : " E s t o u
t e n c e a d e p r e s s ã o —, q u e F r e u d foi o p r i m e i -
deprimido,
ro a d e s t a c a r d a n e u r a s t e n i a u m a s í n d r o m e
desanimado;
nada
consigo...
não vejo sentido nas coisas", escreve. A
22
r e t i r a Freud de s u a s
p a r t i c u l a r de " n e u r o s e d e a n g ú s t i a " .
depressão implica aqui u m caráter econó-
P o r é m , j á n ã o e s t a m o s n o t e r r e n o psí-
m i c o que s u p r i m e e c o m p r i m e — ou tal-
q u i c o , pelo m e n o s n ã o n o m o d o c o m o o pai
vez que subtraia e sugue -
da p s i c a n á l i s e o h a v i a c o n c e b i d o naquele
I mentecérebro I Depressão
algo r e l a t i v o
período. O u t r a questão seria a discussão
AVEL.\NCOLICV
a c e r c a d o l u g a r d a s n e u r o s e s a t u a i s (denominadas,
hoje,
doenças
psicossomáticas)
dentro d a psicanálise, e m especial à luz da s e g u n d a t ó p i c a e de s u a s r a m i f i c a ç õ e s n a s o b r a s de a u t o r e s p ó s - f r e u d i a n o s . Trata-se de q u e s t õ e s d i f e r e n t e s , c u j a d i s t i n ç ã o lapid a r se e n c o n t r a c l a r a m e n t e e n u n c i a d a p o r um
dos fundadores
psicossomática
mais
eloquentes da
psicanalítica, Michel
Fain
(1917-2007). Seja c o m o for, é possível e n t r e ver, n e s s e r a s t r e a m e n t o inicial d a d e p r e s s ã o e m F r e u d , o s elos q u e a ligam icom a q u i l o q u e se a p r e s e n t a c o m o a estase s o m á t i c a d a economia psíquica.
ANESTESIA PSÍQUICA Freud j á havia demonstrado, e m u m dos esboços m a i s sofisticados do psiquismo daquele
momento
inicial, q u e esse
tipo de a n e s t e s i a psíquica se deve a u m esvair-se,
a u m a subtração
lAONSKaUCI STvDIWSlí£-EM PEBERRAN1 HAC-GENERIS CELEBRES B^E FVERE VÍRI
da energia
s o m á t i c a sexual q u e teria de se m a n t e r
GRAVURA DO SÉCULO 16, de Virgílio Solis, retrata o humor melancólico que, ao lado do sanguíneo, fleumático e colérico, compõe a teoria humoral - uma das principais correntes do pensamento para explicar a saúde e a doença entre os séculos 4 a.c. e 17
Nostalgia d c perda Pouco tempo após a public ação do ensaio de 1914 sobre o narcisis n o Freud dirige sua atenção, novamenti para a melancolia. No ensaio Luto e nelancolia - escrito em 1915, mas public do apenas em 1917 —, a descrição e as hi óteses a respeito do quadro melancól ICO lançam, de forma indireta, uma luz so re a origem e o caráter da depressão al prjsentes. Freud utiliza a intuição ini c al que obteve em 1895 sobre a melancolia Manuscrito G): a articulação com um 3 "normal" de luto ou, em outras palavras o elo da depressão melancólica com "afrostalgia de algo que foi perdido". Perda do objeto, separação e luto parecem constifu ir um eixo possível para esse tema, suben endendo a interpretação global, mas ne|n sempre explícita, da depressão em1vanos contextos da psicanálise. A maneira c )m que 1 o
desenho freudiano da melancolia arrastou consigo a depressão, confundindo-se com o largo escopo de suas manifestações, suscita várias indagações. Luto e melancolia elaboram, no plano tópico, o que Freud havia esboçado 20 anos antes, nas dimensões económica e dinâmica, Com A interpretação dos sonhos ele con-
solida a concepção da vida psíquica no universo representativo. A obra aprofunda essa linha mestra da psicanálise demonstrando que são as identificações primárias com o objeto que antecedem ou condicionam tais investimentos. Freud descobriu em 1895 a existência de um buraco na malha representativa do eu, pelo qual se esvai a energia libidinal, expressando a impossibilidade de o melancólico se assegurar da presença de seu objeto de amor e dos sedimentos das identificações primárias.
23
A dor existencial e a angústia espelham um estado afetivo particular que retira das pessoas as qualidades e os interesses que as animam
Se n a o b r a A interpretação
dos
sonhos
Freud recua e a b a n d o n a o t e m a da depressão, b e m c o m o o regime económico que a
i m a n t a , isso c e r t a m e n t e
consequência
ocorreu em
de s u a autoanálise.
Seus
biógrafos ressaltam, nesse período, suas tendências depressivas e somatizações. O p s i c a n a l i s t a f r a n c ê s D i d i e u A n z i e u (19231999), q u e e m p r e e n d e u u m e s t u d o f a s c i nante sobre a a u t o a n á l i s e de Freud, utiliz a c o n c e i t o s d e M e l a n i e K l e i n (1882-1960)
à d i s p o s i ç ã o d o " g r u p o p s í q u i c o " . Ele d e -
para concluir que a psicanálise é fruto
r i v o u o m o d e l o de evasão o u d r e n a g e m
"da elaboração d a posição depressiva de
do " c o m b u s t í v e l
F r e u d " . O grande interesse nesse m o m e n -
psíquico" do s e u fasci-
n a n t e e s q u e m a d a s e x u a l i d a d e q u e se e n -
to, entretanto, não é nos debruçarmos
c o n t r a n o M a n u s c r i t o G ( M e l a n c o l i a ) , de
s o b r e a s p e c t o s d a v i d a d o c r i a d o r d a psi-
Este estabelece u m paralelo f o r m i -
canálise, m a s s i m avaliar e m que medida
dável c o m o princípio q u e rege, segundo
a d e p r e s s ã o a b r i g a e m si o t r a b a l h o o u a
o p s i c a n a l i s t a P i e r r e M a r t y (1918-1993), a
p o s s i b i l i d a d e d e u m a e l a b o r a ç ã o , a o ter-
depressão
ou essencial.
m o da qual a l c a n ç a m o s o terreno propria-
P o i s e s t a , e m b o r a s e a p r e s e n t e de f o r m a
m e n t e p s í q u i c o . Se e s s e r o t e i r o se r e f l e t i u
1895.
psicossomática
pouco visível, expressa o s e u m o v i m e n t o
n a t r a j e t ó r i a f r e u d i a n a , n ã o é, o b v i a m e n -
e s s e n c i a l , " o rebaixamento do nível do tô-
te, u m a prova, m a s s i m u m ingrediente
nus libidinal s e m n e n h u m a contrapartida I heurístico económica positiva".
FUZILEIROS NAVAIS INGLESES entrincheirados, durante a Primeira Guerra Mundial: mecanismo de compulsão à repetição e a pulsão de morte ressurgem na obra de Freud em 1920, quando ele se volta para as neuroses traumáticas
3 24
I mentecérebro I Depressão
para pensarmos e tentarmos
compreender o f e n ó m e n o depressivo.
As c i r c u n s t â n c i a s e m q u e a p a r e c e m a d e p r e s s ã o n a o b r a f r e u d i a n a e a rede d a s patologias associadas a elas, apsim c o m o o contexto e c o n ó m i c o e funcional sobre o qual Freud focou seu pensamento naquele m o m e n t o , e s t ã o i n t i m a m e n t e ligadas a o f e n ó m e n o depressivo e à d i n â m i c a psíquica. Na história da psicanálise assistimos a u m m o v i m e n t o , b a s t a n t e fort^, q u e s e m pre b u s c o u h o m o g e n e i z a r o c a m p o
psi-
c a n a l í t i c o n u m d i s c u r s o de s e n t i d o e de l i n g u a g e m . Freud, no e n t a n t o , propôs u m retorno: a segunda tópica valoriza grande p a r t e d o q u e foi d e i x a d o de l a d o , j u n t o c o m a depressão. A descoberta d a compuls ã o à r e p e t i ç ã o , u m p r i n c í p i o mo c e r n e d a p u l s ã o de m o r t e q u e se s i t u a a l é m d o p r a zer e é mais básico, mais prim tivo e mais c o n s e r v a t i v o q u e o ligado à p u l s ã o de v i d a , r e a p a r e c e e m 1920, q u a n d o F r e u d se v o l t a p a r a a s n e u r o s e s t r a u m á t i c a s de g u e r r a . Ele e n t ã o r e t o m a o s a n t i g o s m o d e l o s , energéticos e f u n c i o n a i s do aparelho psíquico ( s e m , n o e n t a n t o , explorá-los a t é o fim). Diante de tudo isso, c o m o não v e r na depressão e na sua fenomenologia o exemplo, a ilustração e a d e m o n s t r a ç ã o dessa m a r c h a f r e u d i a n a ? Pois se a d e p r e s s ã o exp r e s s a o e f e i t o e c o n ó m i c o de s u b t r a ç ã o o u compressão libidinal, ensurdecendo o sentido do viver - s u a m a l h a representativa e a f e t i v a - , e l a n o s i n d i c a q u e ejssa m e s m a dimensão subentende e condiciona aquilo que é psíquico.
1898, r e s p e c t i v a m e n t e ) n ã o é p r e c i s a . J a m e s S t r a c h e y (1887-1967), e d i t o r d a t r a d u ç ã o i n g l e s a d a s o b r a s c o m p l e t a s de F r e u d , nota, c o m razão, que as distinções que ele t e n t a v a e s t a b e l e c e r e n t r e a s d i f e r e n t e s c l a s s e s de d e p r e s s ã o d e s l i z a v a m c o m frequência, confundindo-se c o m o quadro de m e l a n c o l i a . E m 1895, o f e n ó m e n o d e pressivo era visto, quase que exclusiva-
AS HORAS: o filme de 2002, dirigido por Stephen Daldry, faz um relato comovente da depressão psicótica que acometeu a escritora inglesa Virgínia Woolf (1882-1941), interpretada por Nicole Kidman
mente, c o m o u m quadro patológico bem demarcado da melancolia. Sua definição e elucidação serão elaboradas, desde então, em relação ao luto, trazendo à luz, n u m i n t e r v a l o de 20 a n o s , u m a a n á l i s e s i n g e l a , e das mais brilhantes, sobre o luto e a melancolia. Esta ú l t i m a , definida por Freud e m 1923 c o m o n e u r o s e n a r c í s i c a , t e v e , depois da histeria, talvez a m a i o r repercuss ã o n a p s i c a n á l i s e p ó s - f r e u d i a n a . Esse de-
TEORIA DO HUMOR
s e n v o l v i m e n t o foi associado à introdução
A t r a j e t ó r i a v e t o r i a l de F r e u d , d a de-
do n a r c i s i s m o e à t r a n s i ç ã o entre as duas
p r e s s ã o a o p s í q u i c o , e m v i d a e o b r a , cor-
tópicas. No e n t a n t o , Freud anda aqui na
responde e ilustra essa hipótese. A depres-
contracorrente
são nos permite, portanto, reunir aquilo
q u e d o m i n a m a p s i q u i a t r i a de s u a é p o c a
que p e r m a n e c e u separado no arcabouço
em relação à melancolia.
f r e u d i a n o : o s registros
das grandes
tendências ®
tópicos, dinâmicos
e e c o n ó m i c o s . C o n t u d o , o c r i a d o r d a psic a n á l i s e n u n c a v o l t o u a se d e b r u ç a r s o b r e a depressão, e deixou de dirigir ao h u m o r e aos estados depressivos a atenção que tinha dedicado à angústia. A a f i r m a ç ã o de q u e F r e u d l s e i n t e r e s sou e se referiu à depressão s o m e n t e no período que precede s u a autoanálise e no d e c o r r e r d o p r o c e s s o (l892-l$94 e 1895-
PARA SABER MAIS Depressão. Daniel Delouya. Casa do Psicólogo, 2 0 0 0 A pulsão da "destrutividade" e o "pai" do self: o acesso ao real em Winnicott. D. Delouya, em Revista Percurso, vol. 17, págs. 27-34,1997. O desenvolvimento de uma criança. M. Klein, Obras completas, 1. Imago, 1996. Obras completas de S. Freud. Imago, 1969. La dépression essentielle. P. Marty, em Revue França/se de Phychanalyse, vol. 32, n° 3,1968.
PARA ENTENDER
O lado luminoso da escuridão Especialistas defendem que, em muitos casos, a depressão pode ser uma adaptação mental saudável que nos oferece melhores condições para resolver problemas complexos por Paul W. A n d r e w s e J. Anderson T h o m s o n , Jr.
E
raríssimo e n c o n t r a r u m adulto que não co-
u m paradoxo evolutivo. O cérebro desempenha fun-
n h e ç a a l g u é m q u e j á s o f r e u de d e p r e s s ã o o u
ç õ e s c r u c i a i s p a r a a s o b r e v i v ê n c i a e a r e p r o d u ç ã o , por-
tenha proximidade c o m q u e m teve contato
t a n t o , as exigências da e v o l u ç ã o d e v e r i a m ter tornado
com
uma
pessoa c o m esse diagnóstico. A
esse ó r g ã o t ã o c o m p l e x o m a i s r e s i s t e n t e . E, e m g e r a l ,
prevalência incrivelmente alta - e m comparação c o m
os t r a n s t o r n o s m e n t a i s s ã o r a r o s . M a s p o r q u e isso
outros distúrbios mentais que afetam apenas cerca
n ã o se a p l i c a à d e p r e s s ã o ?
de 1 % o u 2 % d a p o p u l a ç ã o , c o m o a e s q u i z o f r e n i a e o
O p a r a d o x o p o d e r i a s e r s o l u c i o n a d o se o p r o b l e m a
transtorno obsessivo compulsivo - parece representar
f o s s e d e c o r r e n t e do e n v e l h e c i m e n t o o u u m a c o n s e q u ê n c i a do e s t i l o de v i d a m o d e r n o . O a v a n ç o da ida-
OS AUTORES
PAUL W. ANDREWS é Ph.D. pela Virgínia Commonwealth University e pesquisador na Universidade McMaster, no Canadá. J. ANDERSON THOMSON, JR., psiquiatra, atua nos Serviços Psicológicos e de Aconselhamento do Centro de Saúde Estudantil da Universidade da Virgínia e no Instituto de Direito, Psiquiatria e Políticas Públicas. 26
I mentecérebro I Depressão
d e , p o r é m , n ã o f u n c i o n a c o m o e x p l i c a ç ã o , pois os prim e i r o s e p i s ó d i o s d e p r e s s i v o s t e n d e m a se m a n i f e s t a r na adolescência ou no início da vida adu\ta. A s s i m , à s e m e l h a n ç a d a o b e s i d a d e , a d e p r e s s ã o t a l v e z seja u m problema que surge devido às e n o r m e s diferenças ent r e as c o n d i ç õ e s d a v i d a m o d e r n a e a s d e n o s s o s a n c e s -
trais. Mas essa justificativa t a m b é m não é satisfatória.
d e s e n c a d e á - l a . Se os p r o f i s s i o n a i s de s a ú d e m e n t a l a
Os s i n t o m a s d a d e p r e s s ã o s ã o e n c o n t r a d o s e m t o d a s
e n x e r g a r e m sob este p r i s m a , e s t a r ã o m a i s b e m pre-
as c u l t u r a s j á e x a m i n a d a s e m p r o f u n d i d a d e , c o m o a
parados para aliviar a dor e o sofrimento que a c o m -
dos A c h é , n o P a r a g u a i , e a dos ! K u n g , no s u l da Á f r i c a ,
panham o quadro.
e m q u e as p e s s o a s v i v e m e m a m b i e n t e s s i m i l a r e s a o s que existiram e m nosso passado evolutivo.
A o l o n g o de s u a h i s t ó r i a , a p s i q u i a t r i a se e s f o r ç o u p o r d e f i n i r o c o n c e i t o de d o e n ç a m e n t a l . E s t a r i a
Existe o u t r a possibilidade: talvez, na m a i o r i a dos
c o r r e t a n o s s a i n t e r p r e t a ç ã o m o d e r n a ? Os c r i t é r i o s
casos, a depressão não deva absolutamente ser con-
d i a g n ó s t i c o s a t u a i s e x i g e m a p r e s e n ç a de " s o f r i m e n -
siderada u m distúrbio. Acreditamos que esta seja, na
to ou i n c a p a c i t a ç ã o c l i n i c a m e n t e s i g n i f i c a n t e " para
verdade, u m a adaptação, u m estado mental que sem
que u m a c o n d i ç ã o psicológica seja v i s t a c o m o
dúvida traz u m ónus real, m a d q u e t a m b é m produz
t r a n s t o r n o . M a s u m t r a ç o s e r i a o b a s t a n t e p a r a re-
b e n e f í c i o s c o n c r e t o s . N a d e p r e s s ã o , a m e n t e se tor-
presentar um distúrbio?
na m a i s a n a l í t i c a e c o n c e n t r a d a - u m a reação útil
Consideremos
o f a t o de q u e u m a
pessoa
um
com
p a r a a r e s o l u ç ã o de p r o b l e m a s c o m p l e x o s q u e p r o -
febre alta parece experimentar s o f r i m e n t o e inca-
v a v e l m e n t e estão na base dos primeiros fatores a
p a c i t a ç ã o . S u a c a p a c i d a d e de t r a b a l h a r e p e n s a r é
27
Antropologia mostra que sintomas depressivos surgem em sociedades nas quais as pessoas ainda vivem em ambientes similares aos de nossos ancestrais
t r a n s t o r n o m e n t a l , a s s i m c o m o os sintomas dolorosos da febre não configuram, p o r si s ó s , u m a d o e n ç a . A i n d a q u e s e j a f a l h a a d e f i n i ç ã o psiquiátrica
dos transtornos
m e n t a i s , po-
r é m , são necessários m a i s elementos para que possamos suspeitar que u m estado m e n t a l t ã o d e b i l i t a n t e seja adaptativo e não d i s f u n c i o n a l . U m a das razões
para
a c r e d i t a r q u e a d e p r e s s ã o pode s e r ú t i l é prejudicada e, m u i t a s vezes, sente fortes
fornecida pelas pesquisas sobre u m a mo-
dores, além
lécula cerebral conhecida como receptor
de mal-estar
generalizado.
Tais sintomas não são, porém, suficien-
5HT1A. E l a s e l i g a a o n e u r o t r a n s m i s s o r
tes p a r a g a r a n t i r que a febre seja conside-
serotonina, outra
rada u m t r a n s t o r n o . Trata-se, é claro, de
profundamente
uma
mos
reação que desenvolvemos
contra
molécula
do cérebro
envolvida nos mecanis-
que desencadeiam
a depressão e
as i n f e c ç õ e s . Ela e n c a m i n h a a s c é l u l a s de
visada pela m a i o r parte dos m e d i c a m e n -
defesa aos tecidos que t ê m maior
risco
tos antidepressivos disponíveis. Roedores
de estar infectados e regula a produção
desprovidos desse receptor exibem me-
de s u b s t â n c i a s n e c e s s á r i a s à ação i m u n e ,
nos s i n t o m a s depressivos e m resposta ao
m a s que poderiam causar graves danos
e s t r e s s e , o q u e i n d i c a q u e o 5HT1A e s t á ,
ao
de a l g u m m o d o , e n v o l v i d o n a o r i g e m d a
organismo
se produzidas
todas ao
depressão. Ao comparar a composição da
mesmo tempo. Essa sofisticada "coordenação" é u m
p a r t e f u n c i o n a l d o r e c e p t o r 5HT1A d o s
forte indício de que a febre é adaptativa:
ratos à dos h o m e n s , notou-se u m a simi-
t r a t a - s e de u m t r a ç o m o l d a d o p e l a s e l e ç ã o
laridade de 9 9 % , indicando que a molé-
natural ao longo do t e m p o para c u m p r i r
cula é t ã o vital que a seleção natural a
u m a f u n ç ã o ú t i l . De f a t o , d i v e r s o s e s t u d o s
p r e s e r v o u p o r m i l h a r e s de anos desde o
envolvendo
t e m p o e m que viveu nosso ancestral co-
humanos
e outros
animais
d e m o n s t r a r a m que s u p r i m i r a febre c o m
m u m . A s s i m , a c a p a c i d a d e de " a c i o n a r " a
aspirina o u outro medicamento tende a
depressão parece s e r algo importante - e
prolongar a doença e que a febre a u m e n -
não mero acidente evolutivo ou o resulta-
ta as c h a n c e s de sobrevivência e m casos
do de u m a d i s f u n ç ã o c e r e b r a l .
d e i n f e c ç õ e s g r a v e s . Esse c r i t é r i o d o " s o frimento e incapacitação" adotado
M a s , a f i n a l , o q u e p o d e r i a h a v e r de t ã o
pela
útil n a depressão? Os deprimidos costu-
psiquiatria leva a conclusões equivocadas
m a m p e n s a r i n t e n s a m e n t e e m seus pro-
sobre os t r a n s t o r n o s - a febre não resulta
blemas. Tais p e n s a m e n t o s são c h a m a d o s
do f u n c i o n a m e n t o deficiente do corpo; o
de
que ocorre é exatamente o contrário.
ideias persistentes q u e t o m a m conta da
Na depressão t a m b é m surgem
sofri-
m e n t o e incapacitação. Trata-se de u m a
ruminações
obsessivas;
trata-se de
m e n t e e t o r n a m difícil raciocinar sobre qualquer outra coisa. Vários estudos j á
c o n d i ç ã o e m o c i o n a l dolorosa e os indiví-
m o s t r a r a m q u e , m u i t a s vezes, esse m o d o
duos d e p r i m i d o s t ê m , c o m f r e q u ê n c i a , di-
de p e n s a r é e x t r e m a m e n t e a n a l í t i c o . N e s -
ficuldade
para exercer suas atividades co-
se e s t a d o , a p e s s o a s e d e b r u ç a s o b r e u m
tidianas. N ã o c o n s e g u e m se c o n c e n t r a r
problema complexo, dividindo-o e m c o m -
no trabalho e nos estudos, c o s t u m a m se
ponentes menores, examinando-os deta-
isolar socialmente,
l h a d a m e n t e , u m de cada vez.
ficam
letárgicos, e,
m u i t a s v e z e s , p e r d e m a c a p a c i d a d e d e extrair prazer de atividades c o m o a alimen-
E s s a m a n e i r a a n a l í t i c a d e p e n s a r pode ser a l t a m e n t e produtiva. Cada u m a das
tação e o sexo. Isto, p o r é m , n ã o signifi-
partes, quando isolada, não oferece tanta
ca q u e u m episódio depressivo seja u m
d i f i c u l d a d e , d e m o d o q u e o p r o b l e m a tor-
28 I mentecérebro I Depressão
n a - s e m a i s m a n e j á v e l . N a v eirás rdade, dian-
forçado. Estudos sobre depressão em ra-
te de u m a s i t u a ç ã o d i f í c i l , e n t r a r e m u m
t o s m o s t r a m q u e o r e c e p t o r 5HT1A e s t á
estado depressivo (ainda que provisoria-
envolvido
no f o r n e c i m e n t o
aos
neuró-
m e n t e ) é, n ã o r a r o , u m a r e a ç ã o q u e a j u -
n i o s do c o m b u s t í v e l n e c e s s á r i o a o f u n -
d a a r e s o l v e r o p r o b l e m a . E m a l g u m a s de
c i o n a m e n t o e à proteção c o n t r a o risco
nossas pesquisas, encontramos
de c o l a p s o . E s s e s p r o c e s s o s p e r m i t e m a
indícios
de q u e , e m t e s t e s de i n t e l i g ê n c i a , a s pes-
continuidade
soas q u e m a i s se d e p r i m e m ao lidar c o m
ç õ e s , m i n i m i z a n d o os d a n o s n e u r o n a i s , o
p r e p o s i ç õ e s c o m p l e x a s são as que o b t ê m
que pode e x p l i c a r a g r a n d e
pontuação mais alta.
evolutiva dessa molécula.
»
O
GASTO DE ENERGL A análise
exige
desejo
ininterrupta
de
isolamento
das
rumina-
importância social,
por
exemplo, ajuda o deprimido a evitar situa-
b o a d o s e de
pensa-
ções que o obrigariam a pensar e m outros
m e n t o ininterrupto e a depressão propi-
a s s u n t o s . Da m e s m a f o r m a , a i n c a p a c i d a -
cia m u i t a s m u d a n ç a s corporais que nos
de de o b t e r p r a z e r c o m o s e x o o u o u t r a s
a j u d a m a avaliar vários aspectos s e m nos
a t i v i d a d e s e v i t a q u e ele se e n v o l v a e m algo
P a r a q u e u m a p e s s o a n ã o se
q u e o d i s t r a i r i a do p r o b l e m a . P e n s a n d o as-
d e s v i e d o o b j e t i v o é p r e c i s o q u e os n e u -
s i m , f a z e m sentido todas as metáforas e
rónios do c ó r t e x pré-frontal v e n t r o l a t e r a l
o b r a s de a r t e q u e r e p r e s e n t a m e s s e q u a d r o
dispersar.
ativados.
c o m o u m a e s p é c i e de p r i s ã o . A t é a p e r d a
Isso, p o r é m , a c a r r e t a grande gasto ener-
de a p e t i t e , c o m u m e n t e o b s e r v a d a n a de-
(CPFVL) sejam
continuamente
gético no c é r e b r o , da m e s m a f o r m a que
p r e s s ã o , pode s e r v i s t a c o m o u m e s t í m u l o
subir u m a m o n t a n h a faz c o m que o mo-
a o s p e n s a m e n t o s o b s e s s i v o s , pois a m a s t i -
t o r de u m a u t o m ó v e l gaste m u i t o c o m -
gação e outras atividades orais interferem
bustível. Além disso, a excitação contínua
n a c a p a c i d a d e do c é r e b r o de p r o c e s s a r i n -
pode levar ao colapso dos neurónios, as-
formações.
s i m c o m o o m o t o r de u m a u t o m ó v e l t e m m a i o r p r o b a b i l i d a d e de q u e b r a r
quando
A r u m i n a ç ã o é t ã o resistente às distrações
que as pessoas d e p r i m i d a s
ge-
ÍNDIOS !KUNG: nem mesmo os integrantes da tribo do sul da África, que vivem em condições similares às dos nossos antepassados, estão livres dos transtornos mentais
Em situações extremas, a excitação pode levar ao colapso dos neurónios, assim como o carro tende a quebrar quando é forçado
essa hipótese estivesse c o r r e t a , as estratégias
para evitá-los
ou interrompê-los
deveriam levar a u m a resolução mais rápida. M a s os fatos n ã o c o n f i r m a m
essa
previsão. Indivíduos que tentam evitaras ruminações,
distraindo-se
ou buscando
fuga no álcool e nas drogas, tendem a ter e p i s ó d i o s d e p r e s s i v o s m a i s l o n g o s . Interv e n ç õ e s q u e e s t i m u l a m a r u m i n a ç ã o , por é m , c o m o a e s c r i t a q u e e x p r e s s e o s pró-
ralmente
t ê m pontuações
menores do
q u e a q u e l a s q u e n ã o se e n c o n t r a m nesse
prios s e n t i m e n t o s c o s t u m a m p r o m o v e r a resolução mais rápida da depressão.
estado e m avaliações cognitivas e testes
Outros dados que a p o n t a m na m e s m a
d e i n t e r p r e t a ç ã o de t e x t o . H á u m a a b u n -
d i r e ç ã o p r o v ê m de d i v e r s o s estudos e m
d â n c i a de dados indicando que elas f a -
que se d e m o n s t r a que pessoas e m estados
z e m m e n o s pontos porque estão pensan-
de â n i m o d e p r e s s i v o s e s a e m m e l h o r n a
do e m outros assuntos, que interferem
s o l u ç ã o d e d i l e m a s s o c i a i s - c o n f l i t o s de
e m s u a c a p a c i d a d e de c o n c e n t r a r - s e n o s
i n t e r e s s e c o m u m p a r c e i r o de c u j a c o o p e -
exercícios propostos. Os deprimidos s i m -
r a ç ã o s e j a m d e p e n d e n t e s , c o m o o pai o u
plesmente t ê m dificuldade
pensar
c o m p a n h e i r o . Essas situações complexas,
e m q u a l q u e r o u t r a c o i s a q u e n ã o os pro-
que envolvem vários elementos - exata-
blemas que desencadearam a depressão.
m e n t e o t i p o d e d e s a f i o q u e exige a n á l i s e
para
Existe i n d í c i o de q u e toda essa r u m i nação faça algum
bem? A maioria dos
clínicos e pesquisadores acredita que os
concentrada -, são t a m b é m relevantes o s u f i c i e n t e p a r a m o t i v a r a e v o l u ç ã o de u m estado mental tão oneroso.
p e n s a m e n t o s obsessivos típicos do rebai-
Pense, por exemplo, e m u m a mulher
x a m e n t o d o h u m o r s e j a m p r e j u d i c i a i s . Se
c o m filhos pequenos que descobre que
Química cerebral Reduções nas atividades dos circuitos que usam serotonina e noradrenalina, aparentemente, contribuem para a depressão. Algumas trajetórias da serotonina são conhecidas (setas).
As células que produzem noradrenalina se projetam do locus ceruleus Gânglio basal
Septo
Fórnix
Giro cingulado
Tálamo Córtex pré-frontal
Hipotálamo Pituitária
30
I mentecérebro I Depressão
Hipocampo
Locus Núcleo da rafe
ceruleus
o marido está tendo um caso. A melhor estratégia seria ignorar o fato ou forçá-lo a e s c o l h e r e n t r e ela e a o u t r a - c o r r e n d o o r i s c o de s e r a b a n d o n a d a ?
Dilemas
complexos exigem pensamento atento e h a b i l i d a d e p o l í t i c a . E x p e r i ê n c i a s de l a b o ratório i n d i c a m que pessoas deprimidas são boas e m resolver esses i m p a s s e s , por a n a l i s a r m e l h o r as vantagens e desvantagens das opções possíveis.
Asjpesquisas
i n d i c a m t a m b é m que tais dilemas são gatilhos n a t u r a i s da depressão - por e x e m plo, conflito c o m o parceiro. C o n s i d e r a n d o q u e a d e p r e s s ã o é despertada por problemas sociais complexos, a r u m i n a ç ã o i n i n t e r r u p t a a j u d a n d o os deprimidos a resolver esses problemas, a cap a c i d a d e a n c e s t r a l do r e c e p t o r 5 H T l A de
palavras seus conflitos internos. Em casos
a t i v a r o r e b a i x a m e n t o do h u m o r e o papel
a s s i m , s ã o m a i o r e s as c h a n c e s de q u e o te-
d e s t e n a g a r a n t i a de q u e os p e n s a m e n t o s
r a p e u t a o u p e s q u i s a d o r pense no episódio
o b s e s s i v o s n ã o s e j a m i n t e r r o m p i d o s , pa-
depressivo não c o m o u m a reação saudável
rece p o u c o p r o v á v e l q u e a d e p r e s s ã o seja
às d i f i c u l d a d e s da v i d a , m a s s i m c o m o c o n -
u m t r a n s t o r n o no qual o cérebro funcione
s e q u ê n c i a de u m a d i s f u n ç ã o .
de m o d o i r r e g u l a r . A o c o n t r á r i o , e s s e e s t a -
A depressão, p o r é m , é a f o r m a que a
do de f a t o se a s s e m e l h a à f e b r e 4 u m c o m -
natureza
plexo e l e m e n t o o r g a n i z a d o de n o s s a biolo-
m o s problemas sociais complexos e que a
gia q u e , a p e s a r de d o l o r o s o , c u m p r e u m a
m e n t e e s t á d e t e r m i n a d a a r e s o l v ê - l o s . Os
função específica. Como já demonstramos
t e r a p e u t a s d e v e r i a m e s t i m u l a r as r u m i n a -
bem mais m i n u c i o s a m e n t e e m artigo pu-
ç õ e s d e p r e s s i v a s e m v e z de t e n t a r inter-
b l i c a d o n a Psychological
encontrou
para dizer que
te-
hipóte-
rompê-las, concentrando-se na tentativa
se de q u e a d e p r e s s ã o é u m a a d a p t a ç ã o é
de a j u d a r as p e s s o a s a s o l u c i o n a r os dile-
c o n f i r m a d a por m u i t o s dados provenien-
mas desencadeadores. Quando o paciente
tes de g e n e s , n e u r o t r a n s m i s s o r e s e s e u s re-
resiste e m falar sobre seus problemas ou
ceptores, neurofisiologia,
ReviewÁa
neuroanatomia,
r u m i n a ç õ e s , o t e r a p e u t a deve t e n t a r iden-
farmacologia, cognição, comportamento e
tificar e q u e b r a r essas barreiras. O reco-
e f i c á c i a dos t r a t a m e n t o s .
PENSAMENTOS DISPERSOS: por terem dificuldade de se manter atentos, alguns deprimidos acabam se saindo mal em testes cognitivos
n h e c i m e n t o da v e r d a d e i r a r a z ã o de s e r da
N ã o r e s t a d ú v i d a de que a d e p r e s s ã o
d e p r e s s ã o a j u d a r i a m i l h õ e s de s o f r e d o r e s
existe c o m o p a t o l o g i a , m a s , tal q u a l se dá
a d e s c o b r i r as r a í z e s de s u a s e m o ç õ e s do-
c o m a e s q u i z o f r e n i a e o t r a n s t o r n o obses-
l o r o s a s e a e n f r e n t a r s e u s p r o b l e m a s de
sivo c o m p u l s i v o , s u a t a x a de
maneira mais proveitosa.
Incidência
®
e s t á p r o v a v e l m e n t e m a i s p r ó x i m a de 1 % o u 2% da p o p u l a ç ã o do q u e de 3 0 % . O n ú m e r o e x a g e r a d o de d i a g n ó s t i c o s pode se d e v e r ao f a t o de q u e as p e s s o a s às v e z e s r e l u t a m e m f a l a r s o b r e os p r o b l e m a s q u e d e s e n c a d e a r a m s e u s episódios d e p r e s s i v o s . As q u e s t õ e s e n v o l v i d a s c o s t u m a m s e r e m b a r a ç o s a s , d e l i c a d a s e, g e r a l m e n t e , doloros a s . A l g u m a s p e s s o a s a c r e d i t a m que d e v e m s e g u i r e m f r e n t e i g n o r a n d o as a n g ú s t i a s , ou s i m p l e s m e n t e não sabem expressar e m
PARA SABER MAIS
Is serotonin an upper or a downer? The evolution of the serotonergic system and its role in depression and the antidepressant response. Paul W. Andrews, Kyuwon R. Lee, Molly Fox e J . Anderson Thomson Jr., em Neuroscience & Biobehavioral Reviews 51:164-188. Fevereiro 2015 The bright side of being blue: depression as an adaptation for analyzing complex problems. Paul W. Andrews e J . Anderson Thomson, Jr., em Psychological Review, vol. 116, n 3, págs. 620-654, julho de 2009. Tão fácil que até deprime. Kelly Lambert. Mente&Cérebro n 190, págs. 3845, novembro de 2008. Bem-estar e consumo. Maria Silvia Bolguese. Mente&Cérebro n 160, págs. 58-63, maio de 2006. q
9
g
PARA ENTENDER
Tão fácil que até deprime Conforto faz bem. Certo? Nem sempre. Facilidades da vida moderna podem causar consequências pouco saudáveis: o excesso de comodidade priva nosso cérebro de recompensas, o que concorre para aumentar os índices de depressão Por Kelly Lambert
• •
á várias décadas, a indústria multibilioná-
a i n f o r t ú n i o s ) e, c o n s e q u e n t e m e n t e , nosso b e m - e s t a r
j ^ ^ l
mm
ria dos a n t i d e p r e s s i v o s a p o n t a os d e s e q u i -
emocional? Para elaborar u m a nova e mais integrada
^ ^ ^ H
líbrios n a s u b s t â n c i a n e u r o q u í m i c a s e r o t o -
t e o r i a da d e p r e s s ã o , p e s q u i s e i n a l i t e r a t u r a os possíveis
JÊm
WÊÊ n i n a c o m o c a u s a da d e p r e s s ã o . C o n t u d o ,
g a t i l h o s e v o l u t i v o s de r e s p o s t a s e m o c i o n a i s .
as pesquisas ainda não e n c o n t r a r a m evidências con-
Reavaliei o que s a b e m o s sobre c o m o o cérebro fun-
v i n c e n t e s de q u e os d e s e q u i l í b r i o s d a s u b s t â n c i a re-
c i o n a s a u d á v e l e i d e n t i f i q u e i f a t o r e s p r i m o r d i a i s de
p r e s e n t a m a c a u s a i n c o n t e s t á v e l - o u ú n i c a - da p a t o -
e s t i l o de v i d a q u e p o d e r i a m c o n t r i b u i r p a r a nos f a z e r
logia e, a p e s a r do n ú m e r o s e m p r e c e d e n t e s de o p ç õ e s
adoecer. C o m e c e i a p e n s a r n o i m p a c t o do e s t i l o de
t e r a p ê u t i c a s e f a r m a c o l ó g i c a s d i s p o n í v e i s , os í n d i c e s
vida c o n t e m p o r â n e o e m nossa saúde mental há mais
de pessoas c o m a d o e n ç a e s t ã o m a i s a l t o s q u e n u n c a .
de dez a n o s , d e p o i s de a s s i s t i r a u m a p a l e s t r a do psicó-
D i a n t e de u m a q u e s t ã o t ã o c o m p l e x a , t a l v e z seja
logo M a r t i n S e l i g m a n , p i o n e i r o d a p s i c o l o g i a p o s i t i v a ,
o c a s o de b u s c a r e s t r a t é g i a s t e r a p ê u t i c a s n ã o f a r m a -
n a é p o c a p r e s i d e n t e d a A s s o c i a ç ã o A m e r i c a n a de Psi-
c o l ó g i c a s que t r a g a m a l í v i o a o c r e s c e n t e n ú m e r o de
cologia. Seligman descreveu dois estudos
pessoas que l u t a m c o n t r a esse t r a n s t o r n o do h u m o r .
n o s a n o s 70, n o s q u a i s p e s s o a s de d i f e r e n t e s f a i x a s e t á -
realizados
A f i n a l , parece e x i s t i r a l g o n o m o d o c o m o v i v e m o s hoje
r i a s r e s p o n d i a m a u m q u e s t i o n á r i o s o b r e a t a q u e s de
que r e a l m e n t e é t ó x i c o p a r a a n o s s a s a ú d e m e n t a l . Se-
d e p r e s s ã o pelos q u a i s t i n h a m p a s s a d o d u r a n t e t o d a a
r i a m as g e r a ç õ e s a n t e r i o r e s de a l g u m m o d o m e n o s s u s -
v i d a . Os p e s q u i s a d o r e s e n t ã o c o m p a r a r a m as respos-
cetíveis a o s s i n t o m a s d e p r e s s i v o s ? E m c a s o a f i r m a t i v o ,
t a s de d i f e r e n t e s g e r a ç õ e s .
o que p o d e m o s a p r e n d e r do m o d o c o m o v i v i a m n o s s o s
Na ocasião, achei que o resultado deveria ser bem
antepassados que nos ajude a r e c o m p o r nossa resiliên-
óbvio e s i m p l e s . Esperava que as pessoas mais velhas
c/a ( c a p a c i d a d e de p r o n t a r e c u p e r a ç ã o o u r e s i s t ê n c i a
r e l a t a s s e m m a i s a t a q u e s de d e p r e s s ã o . A f i n a l , t i n h a m sobrevivido a duas guerras
mundiais,
passado
por
m u i t o m a i s p r i v a ç õ e s e p e r d a s e m v i r t u d e de t e r v i v i d o
AAUTORA
KELLY LAMBERT é neurocientista e psicóloga, professora titular da cadeira de psicologia da Randolph-Macon College. Texto adaptado do livro Lifting depression: a neuroscientisfs handson approach to activatingyour brain's healing power, de Kelly Lambert, não publicado no Brasil. © 2008. Reimpresso por meio de acordo com a Basic Books, integrante do Perseus Books Group (www. perseusbooks.com). Todos os direitos reservados. 32
I mentecérebro I Depressão
mais t e m p o . C o m o seria possível c o m p a r a r a angústia m e n t a l d e l e s c o m a s de p e s s o a s m a i s j o v e n s , c e r c a d a s de m a i s f a c i l i d a d e s e s u b m e t i d a s a e x p e r i ê n c i a s b e m menos traumáticas? P a r a m i n h a s u r p r e s a , S e l i g m a n r e l a t o u que as pessoas mais jovens apresentaram probabilidade muito
CRIANÇAS BRINCANDO remetem a lembranças que nos fazem questionar as formas de prazer da sociedade contemporânea
m a i o r de t e r p a s s a d o p o r u m a d e p r e s s ã o .
cil c o m l i v r o s c o m o o Boa noite,
Um
e u j á t i n h a lido i n c o n t á v e i s v e z e s q u a n d o
dos estudos c o n s t a t o u que
aqueles
Lua,
n a s c i d o s n a s d é c a d a s de 50, 60 e 70 t i n h a m
minhas
p r o b a b i l i d a d e dez v e z e s m a i o r de s o f r e r de
q u a r t o " . . . p r e c i s o a t u a l i z a r a q u e l a s e ç ã o da
depressão grave que aqueles nascidos na
p a l e s t r a de q u a r t a - f e i r a . " B o a n o i t e , estre-
p r i m e i r a p a r t e do s é c u l o . Esses
achados
filhas
e r a m menores. "Boa noite,
l a s " . . . e l e m b r o s o b r e t i r a r o peito de f r a n -
f o r a m m a i s t a r d e c o n f i r m a d o s e m u m se-
go do freezer. " B o a n o i t e , v a c a
g u n d o estudo. O que está por trás dessa
s o b r e a L u a " . . . t e n h o de t e r m i n a r a q u e l a s
s u r p r e e n d e n t e disparidade? Parece inegá-
a n á l i s e s do c é r e b r o de r a t o , no l a b o r a t ó r i o ,
vel que gerações anteriores faziam muito
a m a n h ã . "Boa noite, luz"... preciso assinar
m a i s t r a b a l h o f í s i c o do q u e f a z e m o s hoje.
aquela permissão para minha
Lembrei-me o quanto nossa vida cotidiana
v e l h a ir à e x c u r s ã o d a e s c o l a .
saltando
filha
mais
t i n h a m u d a d o seis a n o s a t r á s . P o r e s t r a -
Mas, naquela noite, a história sobre a
nho que possa parecer comecei a repensar
vida no c a m p o de a l g u m a f o r m a m e ab-
a s p e c t o s de m i n h a v i d a q u a n d o lia u m a
s o r v e u . A c h e i a v i d a a t r i b u l a d a dos perso-
h i s t ó r i a p a r a d o r m i r p a r a m i n h a filha m a i s
nagens tão a b s o r v e n t e que tive realmen-
nova, que estava c o m 3 anos na ocasião.
t e de p r e s t a r a t e n ç ã o ! L a u r a I n g a l l s , a
S k y l a r t i n h a e s c o l h i d o Uma casa
cam-
pequena heroína, descrevia em detalhes
- u m a das m i n h a s
como a família plantava, colhia e caçava
pina
para
aquela
noite
na
preferidas na infância.
o a n o i n t e i r o . A q u i l o fez m i n h a s idas ao
Antes, porém, convém explicar que, en-
s u p e r m e r c a d o e a m e r a leitura das ins-
q u a n t o leio p a r a m i n h a s filhas, a p r o v e i t o o
t r u ç õ e s de a q u e c i m e n t o de b o a p a r t e da
t e m p o p a r a p e n s a r n a m i n h a lista de c o i -
comida
s a s a f a z e r do d i a s e g u i n t e . Esse p u n h a d o
bem medíocres.
de m u l t i t a r e f a s c o g n i t i v a s e r a m u i t o f á -
que eu " p r e p a r a v a "
parecerem
E u s e m p r e r e c l a m a v a p o r t e r de l a v a r roupas, mas meus esforços eram
O bem-estar psíquico causado pelo esforço pode ser considerado uma ferramenta evolutiva que mantém o homem saudável 34
que
I mentecérebro I Depressão
pálidos
c o m p a r a d o s à q u e l e s da M a m ã e I n g a l l s . Ela esfregava cada peça confeccionada
com
suas próprias mãos n u m a tábua e depois a pendurava minhas
filhas
p a r a secar.
Dar banho
em
n ã o e x i g i a co\etar água da
c h u v a o u do poço,- b a s t a v a a b r i r a t o r n e i r a . A f a m í l i a da h i s t ó r i a t i n h a de f a b r i c a r a
maioria dos objetos que eu sirtiplesmente
q u e n o s s o s a n c e s t r a i s se v e s t i a m c o m pe-
comprava - incluindo brinquedos, velas,
les de a n i m a i s . C h a m o e s t a c o m p e n s a ç ã o
s a b ã o e q u e i j o . De r e p e n t e , n a q u e l a n o i t e ,
e m o c i o n a l de " r e c o m p e n s a
p e r c e b i q u e , c o m p a r a d o a o s e s t i l o s de v i d a
pelo e s f o r ç o " .
de u m s é c u l o a t r á s , m e u c o t i d i a n o e r a u m passeio no parque.
impulsionada
Pensemos nas recompensas
impulsio-
n a d a s pelo e m p e n h o c o m o u m a f e r r a m e n -
Obviamente, não estou sugerindo vol-
t a e v o l u t i v a i n t e l i g e n t e , c a p a z de m o t i v a r
tarmos a bater manteiga e a curtir couros.
os s e r e s h u m a n o s p r i m i t i v o s a m a n t e r a
M a s p r e c i s a m o s e x a m i n a r se rjosso e s t i l o
a t i v i d a d e f í s i c a n e c e s s á r i a p a r a o b t e r os
de v i d a c o n t e m p o r â n e o , c ó m o d o e digital
recursos para viver - encontrar comida,
- r e p l e t o de c o n t r o l e s r e m o t o s , i n t e r r u p t o -
se a b r i g a r do f r i o e da c h u v a e p r o c r i a r
r e s , l a p t o p s , c e l u l a r e s , f o r n o s de m i c r o - o n -
para c o n t i n u a r a espécie. As recompensas
d a s , T V s e c a r r o s ligados à i n t e r n e t - pode
i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o n ã o se origi-
c o n t r i b u i r p a r a o a u m e n t o dos í n d i c e s de
n a m , c o n t u d o , a p e n a s da a t i v i d a d e f í s i c a .
depressão nas pessoas nascidas nas últi-
Também envolvem movimento
m a s d é c a d a s d o s é c u l o 20. T e r í a m o s per-
a c o p l a d o a i n t r i c a d o s p r o c e s s o s de pen-
dido algo vital para nossa sadde
samento.
mental
Imaginemos
complexo
m i l h a r e s de a n o s
quando c o m e ç a m o s a apertar botões em
atrás, quando nossos ancestrais
v e z de a r a r os c a m p o s ? De u m p o n t o de
s e g u i n d o o r a s t r o de u m b a n d o de j a v a l i s
vista n e u r o a n a t ô m i c o , a resposta é s i m .
a t r a v é s de u m a f l o r e s t a . J á q u e esses a n i -
estavam
mais são lutadores ferozes, u m a estratégia
EM NOME DO PRAZER Nosso
para
ç o s c o o r d e n a d o s de a l g u n s c a ç a d o r e s , exi-
profundo senso pe satisfa-
gindo c o m u n i c a ç ã o e apoio social eficazes.
cérebro
experimentar
de s u c e s s o g e r a l m e n t e e n v o l v i a os esfor-
é "programado"
ção e bem-estar quando o esforço físico
Eles p r e c i s a v a m s e r a s t u t o s q u a n d o perse-
produz algo t a n g í v e l , visível e significativo
guiam o animal ou o atraíam para a arma-
n a o b t e n ç ã o de r e c u r s o s n e c e s s á r i o s p a r a a s o b r e v i v ê n c i a . De f a t o , n o s s o c é r e b r o foi
d i l h a . T o d o s os s e u s e s f o r ç o s e r a m a l i m e n t a d o s pela e x p e c t a t i v a . De f a t o , e s p e r a r por
e q u i p a d o c o m u m a e s p é c i e de j algo p r a z e r o s o c r i a m a i s a t i v i d a d e no c e n c i r c u i t o fixo p a r a e s t e t i p o de a ç ã o desde | t r o n e u r o l ó g i c o do p r a z e r q u e a c o n s e c u fisicamente
TEMPOS MODERNOS, 1936: ícone das contradições da Revolução Industrial acelera a produção de substâncias neuroquímicas importantes para o equilíbrio emocional
Realizar atividades que consideramos significativas estimulam centros neurais e isso se reflete nos estados de ânimo
Talvez não seja a s s i m tão tranquilo term o s r e m o v i d o s i s t e m a t i c a m e n t e o esforço físico - e toda a c o m p l e x i d a d e de processos físicos e cognitivos i m p l i c a d o s , bem c o m o as r e c o m p e n s a s que v ê m dessas tarefas. Estaria a sociedade c o n t e m p o r â n e a nos destituindo de c e r t a s f o r m a s de p r a z e r tão f u n d a m e n t a i s à n o s s a saúde m e n t a l ? D u r a n t e as ú l t i m a s
ç ã o real do o b j e t i v o . U m a v e z q u e a p a n h a -
décadas,
v a m a p r e s a , os c a ç a d o r e s e r a m i n u n d a d o s
áreas do cérebro a s s o c i a d a s a alguns sinto-
c o m u m s e n s o de r e a l i z a ç ã o e s a t i s f a ç ã o
m a s da depressão. M a s seria possível cor-
enquanto a esfolavam para o jantar. A f i n a l , o que t o d a essa h i s t ó r i a t e m a
os
pesquisadores
identificaram
responder c a d a u m deles - incluindo perda de prazer, s e n t i m e n t o s de a u t o depreciação,
ver c o m nossa vida moderna e depressão?
habilidades m o t o r a s desaceleradas e dificul-
M u i t o , se c o n s i d e r a r m o s que a
dade de c o n c e n t r a ç ã o - a a l g u m a parte espe-
premissa
e s s e n c i a l da t e o r i a das r e c o m p e n s a s i m p e l i -
c í f i c a da a n a t o m i a cerebral?
d a s pelo e s f o r ç o é que a a ç ã o , o " f a z e r " , des e m p e n h a papel c e n t r a l t a n t o e m p r e v e n i r o i n í c i o da d e p r e s s ã o q u a n t o e m c r i a r m a leabilidade c o n t r a essa e o u t r a s patologias.
quisar eventuais
Nosso cérebro tem geralmente o m e s m o
d e p r e s s ã o e r a o n ú c l e o accumbens.
t a m a n h o e t o d o s t e m o s as m e s m a s partes
e s t r u t u r a do t a m a n h o de u m a ervilha é co-
" g a t i l h o s e v o l u t i v o s " da Essa
e a m e s m a c o m p o s i ç ã o q u í m i c a dos seres
n h e c i d a c o m o o c e n t r o de prazer, o u de re-
h u m a n o s m a i s p r i m i t i v o s . M e s m o que o es-
c o m p e n s a s , e nos m a n t é m comprometidos
t i l o de v i d a t e n h a m u d a d o r a d i c a l m e n t e , re-
c o m c o m p o r t a m e n t o s importantes à nossa
t i v e m o s a n e c e s s i d a d e i n a t a de c o n q u i s t a r
s o b r e v i v ê n c i a - a t é m e s m o nos a l i m e n t a r e
r e c o m p e n s a s i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o .
f a z e r s e x o . T e m u m papel c r u c i a l no m o d o
A ALEGRIA DE TRABALHAR com as mãos: atividades como modelagem, costura e tricô influenciam o funcionamento neurológico
36
MOVIMENTO E EMOÇÃO U m l u g a r n a t u r a l p a r a c o m e ç a r a pes-
I mentecérebro I Depressão
como o cérebro funciona, já que determina
i l u m i n a ç ã o q u e exige as d u a s m ã o s . As co-
c o m o reagir a estímulos ambientais c o m o
nexões n e u r a i s s ã o e n t ã o r e f o r ç a d a s e as cé-
u m p e d a ç o de bolo de c h o c o l a t e o u a q u e l e
lulas dessas á r e a s do c é r e b r o p e r m a n e c e m
s u j e i t o c h a r m o s o n a m e s a a o lado.
"ligadas",
secretando
neurotransmissores
C e n t r o de i n t e g r a ç ã o do c é r e b r o , ele re-
c o m o d o p a m i n a e s e r o t o n i n a , envolvidas
cebe dados enviados por m u i t a s áreas neu-
n a d e f l a g r a ç ã o d a s e n s a ç ã o de bem-estar.
rais. M a s , para o t e m a que m e proponho
H á f o r t e s indícios de q u e t o d o esse processo
a tratar, opto por m e concentrar e m sua
e s t i m u l a a n e u r o g ê n e s e ( p r o d u ç ã o de novas
v i n c u l a ç ã o í n t i m a c o m três outras áreas
células cerebrais), u m fator importante na
p r i m á r i a s . O accumbens
recuperação da depressão.
sistema
e s t á p r ó x i m o do
m o t o r do cérebro, o u estriado,
N o s s a s m ã o s t ê m u m papel c r u c i a l . A
que controla nossos m o v i m e n t o s , e c o m o
m a i o r parte do território do córtex motor,
s i s t e m a l í m b i c o , u m a c o l e ç ã o de e s t r u t u -
l o c a l i z a d o n o c ó r t e x s u p e r i o r (a c o b e r t u -
ras e n v o l v i d a s n o p r o c e s s a m e n t o de e m o -
r a e x t e r n a do c é r e b r o ) , se o c u p a d e l a s . Os
ç õ e s e a p r e n d i z a d o . E s s e n c i a l m e n t e , o ac-
gestos m a n u a i s são tão importantes que
cumbens
é fundamental na interface entre
a t i v a m á r e a s m a i o r e s do c é r e b r o q u e a m o -
s e n t i m e n t o s e a ç õ e s . Os s i s t e m a s m o t o r e
v i m e n t a ç ã o de p a r t e s b e m m a i o r e s de nos-
e m o c i o n a l , i n t i m a m e n t e l i g a d o s , se e s t e n -
so c o r p o , c o m o c o s t a s e p e r n a s . L e v a n d o
dem ao córtex pré-frontal, que controla a
e s s a s i n f o r m a ç õ e s e m c o n s i d e r a ç ã o , ques-
c a p a c i d a d e de r e s o l v e r p r o b l e m a s , p l a n e -
t i o n e i se a i n c l u s ã o de t a r e f a s s i m p l e s e m
jar e t o m a r decisões.
n o s s o r e p e r t ó r i o d i á r i o de a t i v i d a d e s pode-
accumbens-estriado-corti-
ria ajudar a m a n t e r a maleabilidade emo-
c a l - r e s p o n s á v e l pela c o n e x ã o e n t r e m o -
cional. Para obter a resposta, havia apenas
vimento,
u m l u g a r a ir: de v o l t a a o l a b o r a t ó r i o .
É essa
rede
emoção
e pensamento
- que
d e n o m i n o c i r c u i t o de r e c o m p e n s a s i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o . Esse s i s t e m a n e u -
EM BUSCA DE BISCOITO
r o a n a t ô m i c o e s t á n a base d o s s i n t o m a s
O c é r e b r o de r a t o t e m t o d a s a s p a r t e s
a s s o c i a d o s à d e p r e s s ã o . De f a t o , é p o s s í v e l
q u e o c é r e b r o h u m a n o t a m b é m possui (é
correlacionar cada sintoma da depressão
apenas m e n o r e menos complexo). Portan-
com
t o , r o e d o r e s s ã o ó t i m o s p o n t o s de p a r t i d a
u m a p a r t e c e r e b r a l desse
circuito.
P e r d a de p r a z e r ? N ú c l e o accumbens. postas mentos
motoras
lentas?
depreciativos?
Estriado.
para pesquisar saúde mental. Colocamos q u a t r o m o n t e s de r e v e s t i m e n t o de gaio-
límbico.
la n o a p a r e l h o de t e s t e e e n t e r r a m o s e m
Falta de c o n c e n t r a ç ã o ? C ó r t e x p r é - f r o n t a l .
c a d a u m deles p e t i s c o b a s t a n t e a p r e c i a d o
As estruturas
Sistema
ResSenti-
motoras que controlam
p o r m e u s r o e d o r e s . T r e i n a m o s os r a t o s a
n o s s o s m o v i m e n t o s estão i n t i m a m e n t e c o n e c t a d a s a o c e n t r o de r e c o m p e n s a s , o n d e r e g i s t r a m o s prazer, e à á r e a c o r t i c a l q u e c o n t r o l a o s p r o c e s s o s de p e n s a m e n t o superior. A l i g a ç ã o d a s á r e a s c e r e b r a i s q u e c o n t r o l a m a ç õ e s , e m o ç ã o e p e n s a m e n t o , e desenvolvem atividades que envolvem vários desses c o m p o n e n t e s , a c i o n a o c i r c u i t o de r e c o m p e n s a s i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o . P a r e c e q u e q u a n t o m a i s o c i r c u i t o de r e c o m p e n s a s i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o é ativado e mantido e m ação, maior o senso de b e m - e s t a r p s i c o l ó g i c o : é c o m o se u m a corrente
elétrica
estivesse
passando por
t o d a a rede. Isso o c o r r e , p o r e x e m p l o , q u a n do a p e s s o a i n s t a l a u m n o v o a c e s s ó r i o de
O centro do p r a z e r no cérebro Núcleo accumbens cria interfa-
ce entre sistemas que controlam movimentos e processos cognitivos. Sintomas depressivos estão relacionados a essa área neural: perda de prazer pode ser atribuída ao accum-
bens; respostas motoras lentas são influenciadas pelo estriado e falta de concentração, pelo córtex pré-frontal
Estriado
JT
Núcleo accumbens
37
Ao encararmos um desafio, o cérebro age como se "tomasse notas dessa situação e se preparasse para estratégias futuras
envolvia ousadia e persistência - características m u i t o úteis e m épocas difíceis. O que descobrimos? Embora tenhamos a s s e g u r a d o q u e os d o i s g r u p o s
11
tivessem
n í v e i s e q u i v a l e n t e s de d i f i c u l d a d e e ansied a d e , a n t e s do i n í c i o do t r e i n o , s u r g i r a m d i f e r e n ç a s n o t á v e i s n a f o r m a c o m o os a n i m a i s a b o r d a v a m o d e s a f i o . Os o p e r á r i o s p e g a v a m a bola n a b o c a e j o g a v a m a c a b e ç a de u m lado a o u t r o , a r r e m e s s a n d o o
p r o c u r a r as g u l o s e i m a s n o s m o n t e s e, a
b r i n q u e d o pela g a i o l a . T a m b é m t e n t a v a m
c a d a d i a , os t r o c á v a m o s de p o s i ç ã o a l e a -
e n f i a r a s p e q u e n a s p a t a s nos o r i f í c i o s p a r a
t o r i a m e n t e . Os a n i m a i s logo a p r e n d e r a m
c o n s e g u i r a r e c o m p e n s a . E m b o r a os r a t o s
q u e c a d a m o n t e n o v o t i n h a u m b i s c o i t o e,
do f u n d o de r e s e r v a e s t i v e s s e m i g u a l m e n -
p o r t a n t o , a s s i m q u e c o n s e g u i a m u m pré-
te m o t i v a d o s p a r a c o n s e g u i r a g u l o s e i m a
m i o , i a m p a r a o m o n t e s e g u i n t e . Dei a e s t a
(os d o i s g r u p o s e s t i v e r a m sob o m e s m o es-
t a r e f a o n o m e de " c o l h e i t a " .
q u e m a de r e s t r i ç ã o de a l i m e n t o ) e t e n h a m
E m p o u c o s d i a s , os r a t o s se a p r o x i m a v a m dos m o n t e s e i m e d i a t a m e n t e c o m e ç a v a m a c a v a r e m b u s c a dos p e d a ç o s de c e r e a l de q u e g o s t a v a m . T r e i n a m o s e s s e s
estratégias
similares,
eles
foram
bem menos persistentes. De f a t o , os o p e r á r i o s g a s t a r a m ximadamente 60%
mais tempo
apro-
tentando
m a m í f e r o s t o d o s os d i a s por c i n c o s e m a -
obter a recompensa, e fizeram 30%
nas para que tivessem muitas oportunida-
t e n t a t i v a s que o g r u p o de c o n t r o l e . À s u a
mais
d e s de f a z e r a s s o c i a ç õ e s e n t r e o e s f o r ç o
m a n e i r a , os o p e r á r i o s m o s t r a r a m que as
f í s i c o e as r e c o m p e n s a s d e s e j a d a s .
sessões a n t e r i o r e s de t r e i n a m e n t o os t o r n a -
Os r a t o s do g r u p o de c o n t r o l e
tam-
b é m e r a m c o l o c a d o s d i a r i a m e n t e no n o v o ambiente.
Mas,
independentemente
esforço físico que exercessem,
r a m m a i s c o n f i a n t e s de que c o n s e g u i r i a m vencer o desafio e obter a recompensa.
do
recebiam
MAIS VULNERÁVEIS
u m a ú n i c a p o r ç ã o de p e t i s c o no c a n t o da
Quando estudava esses achados, lem-
g a i o l a . Os e s t u d a n t e s g o s t a v a m de c h a m a r
b r e i - m e do e s t u d o a m p l a m e n t e c i t a d o , rea-
e s s e s r o e d o r e s de " r a t o s do f u n d o de reser-
lizado há várias décadas por Seligman e seu
v a " e os q u e c a v a v a m , de " o p e r á r i o s " .
c o l e g a , o p s i c ó l o g o S t e v e n F. M a i e r da U n i um
v e r s i d a d e de C o l o r a d o , e m Boulder. N e s s e
e n i g m a q u e as c o b a i a s t i v e r a m de a p r e n d e r
f a m o s o e x p e r i m e n t o , os c ã e s d e s i s t i a m de
Na fase seguinte, desenvolvemos
38
usado
a d e s v e n d a r . Q u e r í a m o s a v a l i a r se os r a t o s
r e a g i r e de r e s o l v e r os p r o b l e m a s depois
do f u n d o de r e s e r v a e os o p e r á r i o s e r a m
q u e p e r c e b i a m q u e n ã o c o n s e g u i r i a m es-
i g u a l m e n t e p e r s i s t e n t e s n a r e s o l u ç ã o de
capar das gaiolas nas quais recebiam cho-
problemas. C o l o c a m o s u m biscoito n u m a
q u e s l e v e s . Os p e s q u i s a d o r e s r e f e r i r a m - s e
b o l a p l á s t i c a de b r i n q u e d o de g a t o ,
a esta desconexão
um
esforço-consequência
novo e s t í m u l o lúdico que seria levemente
como "desamparo aprendido". Poderiam,
a m e a ç a d o r aos a n i m a i s porque tinha u m
então, nossas descobertas serem denomi-
sino. A s s e g u r a m o s que o cobiçado pedaço
nadas "persistência aprendida"?
de c e r e a l n ã o p a s s a s s e pelas a b e r t u r a s . O u
Indubitavelmente, tínhamos evidências
s e j a , i n d e p e n d e n t e m e n t e de q u ã o e s p e r t o
e m p í r i c a s do v a l o r a d a p t a t i v o das r e c o m -
e e m p e n h a d o f o s s e o r a t o , ele n ã o c o n s e -
pensas baseadas e m esforço. O
g u i r i a p e g a r a r e c o m p e n s a no i n t e r v a l o de
comportamento
t r ê s m i n u t o s do t e s t e . N a t u r a l m e n t e , os r a -
r e v e s t i m e n t o e m b u s c a d e b i s c o i t o s de ce-
simples
de c a v a r os m o n t e s
de
t o s n ã o c o n h e c i a m e s t e f a t o r e, p o r t a n t o ,
real t i n h a c o n f e r i d o a o s r a t o s a m o t i v a ç ã o
p u d e m o s a v a l i a r q u a n t o t e m p o eles g a s t a -
e a c o n f i a n ç a para perseverar n u m a tarefa
v a m tentando obter a guloseima. A tarefa
desafiadora inteiramente diferente.
I mentecérebro I Depressão
M e s m o q u e n o s s o s i s t e m a n e r v o s o tenha constituição anatómica e composição q u í m i c a i g u a i s a o de n o s s o s a n c e s t r a i s - o u m e s m o a o de p e s s o a s que v i v e r a m h á apenas u m século -, é bem claro que e s t a m o s u s a n d o n o s s o c é r e b r o e n o s s a s m ã o s de dif e r e n t e s m a n e i r a s . A f r a ç ã o de a g r i c u l t o r e s n a f o r ç a de t r a b a l h o e r a de 3 8 % no i n í c i o do s é c u l o 20, m a s m e n o s de 3 % c e r c a de 90 anos depois. Hoje, há muito mais pessoas que
desenvolvem
trabalhos
intelectuais
que operários dedicados a tarefas físicas. H o u v e g r a n d e a u m e n t o nos e m p r e g o s rel a c i o n a d o s a s e r v i ç o s , de 3 1 %
da f o r ç a de
t r a b a l h o e m 1900 p a r a 7 8 % de t o d o s os t r a balhadores e m
1999.
N a t u r a l m e n t e , podemos ter u m a sensa-
de u m m e d i c a m e n t o i s o l a d o p o d e r i a c o n -
ç ã o de r e a l i z a ç ã o q u a n d o r e p a s s a m o s r a p i -
seguir. Por q u ê ? P o r q u e s ã o r e a l i z a d a s no
d a m e n t e a l i s t a de c o i s a s a fazer. O p r a z e r
c o n t e x t o da v i d a . Q u a n d o e n c a r a m o s u m
e x t r a í d o d a s i m p l e s r a c i o n a l i z a ç ã o de u m
d e s a f i o e e m b a r c a m o s no d i n â m i c o pro-
p r o b l e m a é g r a t i f i c a n t e p o r q u e a t i v a o cór-
c e s s o de t o m a r a d e c i s ã o s o b r e u m a e s t r a -
tex p r é - f r o n t a l . M a s as r e c o m p e n s a s i m p u l -
t é g i a e f i c i e n t e , de d e s e n v o l v e r u m
s i o n a d a s pelo e s f o r ç o a t i v a m n ã o a p e n a s
e de o b s e r v a r o d e s f e c h o final d e s e j á v e l , é
o c ó r t e x p r é - f r o n t a l s o l u c i o n a d o r de pro-
c o m o se o c é r e b r o " t o m a s s e n o t a s " d e s s a s
blemas, m a s t a m b é m o estriado controla-
situações para poder acessar
d o r de m o v i m e n t o s e o c e n t r o
de r e s p o s t a s s i m i l a r e s no f u t u r o .
de
recompensa/motivação,
accumbens
COMUNIDADE AMISH, retratada no f i l m e i testemunha, de 1985: recusa à vida moderna
plano
estratégias
deixando-nos
A s s i m c o m o u m t r i a t l e t a deve e x e r c i t a r
u m a experiência cerebral mais plena, que
os m ú s c u l o s , r e p e t i d a s v e z e s , c o m séries
nos prepara para outros desafios. A m e n o r
s i m p l e s de e x e r c í c i o s , a n t e s de p a r t i c i p a r
ativação cerebral associada a recompensas
de u m a l o n g a p r o v a , q u a l q u e r p e s s o a t a m -
impulsionadas por esforços t a m b é m cada
b é m p r e c i s a e n f r e n t a r e x p e r i ê n c i a s positi-
v e z m e n o r e s p o d e , c o m o p a s s a r do t e m p o ,
vas contínuas com recompensas
d i m i n u i r n o s s a p e r c e p ç ã o de c o n t r o l e do
i m p u l s i o n a d a s pelo e s f o r ç o p a r a e x e c u t a r
ambiente e a u m e n t a r a vulnerabilidade a
a complexa ginástica cerebral que
doenças mentais, c o m o a depressão.
quece a vida psíquica. Qualquer coisa que
simples enri-
O q u e p o d e m o s f a z e r p a r a nos p r o t e g e r
nos p e r m i t a ver u m a clara conexão entre
c o n t r a o início da depressão o u j s u a obsti-
esforço e c o n s e q u ê n c i a - e aquilo que aju-
nada persistência? Ficar absorto c o m u m
de a n o s s e n t i r m o s no c o n t r o l e de u m a
p r o j e t o de c a d e r n o de r e c o r t e s o u t r i c o t a r
s i t u a ç ã o difícil - é u m a e s p é c i e de v i t a m i -
u m suéter são atividades que podem nos
na mental que contribui para a u m e n t a r a
d i s t r a i r d a s t e n s õ e s da v i d a e o G u p a r o cé-
flexibilidade e f u n c i o n a c o m o a m o r t e c e d o r
r e b r o de m a n e i r a s i n t e n s a s e b e n é f i c a s à
contra a depressão.
®
s a ú d e m e n t a l . P a s s e a r n o p a r q u e o u ir à academia para m a l h a r -
particularmente
se v o c ê c o n s i d e r a e s s a s a t i v i d a d e s s i g n i -
PARA SABER MAIS
ficativas
Um mosaico da depressão: dos sujeitos singulares aos transtornos universais. Maria Lopes Facó. Escuta, 2008. Depressão e doença nervosa moderna. Maria Silvia Bolguese. Fapesp/Via Lettera, 2 0 0 4 . Mal-estar na atualidade. Joel Birman. Civilização Brasileira, 1999. Increasing rates of depression. G. L. Klerman e M. M. Weissman, em Journal of the American Medicai Association, vol. 261, n 15, págs. 2229-2235, 21 de abril de 1989.
- t a m b é m pode e s t i m u l a r subs-
tâncias neuroquímicas importantes para o equilíbrio emocional, c o m o a serotonina e as e n d o r f i n a s . O u s o d i z e r q u e t a i s a t i v i d a des p o d e m a l t e r a r o c é r e b r o de u m a m a neira mais significativa que qualquer dose
9
39
PARA LIDAR
7 novidades ri par
3
ç
Informações e opções de tratamento recentes aumentam as chances de que cada paciente encontre a estratégia ou a combinação de várias - mais adequada por Fernanda Teixeira Ribeiro
m^L MÊÊ
depressão assombra c o m u m a estatística
s e n s a ç ã o de v a z i o é p e r m a n e n t e " , diz o p s i q u i a t r a
i n c o m o d a : e l a s e r á o p r o b l e m a de s a ú d e
T e n g C h e i T u n g , c o o r d e n a d o r d o G r u p o de I n t e r c o n -
m a i s c o m u m d o m u n d o e m 2030, s e g u n d o
s u l t a s do I n s t i t u t o de P s i q u i a t r i a d a U n i v e r s i d a d e de
Organização Mundial da Saúde (OMS).
S ã o P a u l o ( I P Q - U S P ) . E s s e e s t a d o e m o c i o n a l pode v i r
mma
No e n t a n t o , ela a i n d a p e r m a n e c e u m quebra-cabeça
acompanhado
p a r a a c i ê n c i a . P o r s e r u m a i n t e r a ç ã o de f a t o r e s g e n é -
b e m c a r a c t e r í s t i c o s : a u s ê n c i a de p r a z e r n a s a t i v i d a -
ticos, experiências e m o c i o n a i s e valores culturais, ad-
des d i á r i a s , p r o b l e m a s de s o n o , c o m o a i n s ó n i a , a l -
quire contornos diferentes e m cada paciente. Seu sin-
t e r a ç õ e s n o a p e t i t e , d i f i c u l d a d e p a r a se c o n c e n t r a r ,
toma proeminente é a tristeza profunda e duradoura.
cansaço físico, lentidão o u , inversamente, agitação
d a p e r s i s t ê n c i a de o u t r o s
sintomas
" É d i f e r e n t e da t r i s t e z a e m s i , q u e é u m a e m o ç ã o c o -
mental e pensamentos pessimistas e depreciativos
m u m , p r i n c i p a l m e n t e e m s i t u a ç õ e s de p e r d a de e n -
e m r e l a ç ã o a si m e s m o e a o f u t u r o . C o n f i r m a d o o
t e s q u e r i d o s , de e m p r e g o o u d i a n t e de f r u s t r a ç õ e s .
diagnóstico, é indispensável o tratamento médico e
Ela t e n d e a d e s a p a r e c e r c o m a r e s o l u ç ã o o u a d a p t a -
psicológico.
ção da pessoa à s i t u a ç ã o . No caso da depressão, essa
As intervenções atuais podem ser m u i t o eficazes para algumas pessoas - e inúteis para outras. O tra-
AAUTORA
FERNANDA TEIXEIRA RIBEIRO é jornalista com especialização em neurociência
40
l mentecérebro l Depressão
t a m e n t o m a i s c o m u m , e de m a i s f á c i l a c e s s o , a i n d a é o f a r m a c o l ó g i c o . Os m e d i c a m e n t o s - p a d r ã o quadro
na pág.
47) c o s t u m a m t r a z e r alívio
para
(veja pa-
c i e n t e s c o m s i n t o m a s m o d e r a d o s o u g r a v e s , q u e ge-
é i n e r e n t e à v i d a , de f o r m a m a i s i n t e l i g e n t e . T a i s m e -
r a l m e n t e a p r e s e n t a m prejuízos no trabalho e na vida
didas ajudam a equilibrar o organismo c o m o u m todo
pessoal. O paciente deve seguir a o r i e n t a ç ã o m é d i c a e
e a a m e n i z a r os i m p a c t o s m e t a b ó l i c o s d a d e p r e s s ã o ,
n ã o a b a n d o n a r p o r c o n t a p r ó p r i a o t r a t a m e n t o logo
que está m a i s r e l a c i o n a d a a o u t r a s d o e n ç a s , c o m o as
q u e os s i n t o m a s c e s s a r e m - a c h a n c e de q u e e l e s sur-
c a r d í a c a s , d o q u e se p e n s a v a .
j a m n o v a m e n t e , se f o r a s s i m , é g r a n d e . E m d e p r e s -
Nas duas últimas décadas, foram publicadas mui-
s õ e s l e v e s , a e f i c i ê n c i a dos a n t l d e p r e s s i v o s é m e n o s
tas pesquisas sobre a depressão. Não h á , e provavel-
nítida: eles t ê m d e s e m p e n h o equivalente ao placebo
m e n t e n ã o h a v e r á , u m a p r o m e s s a de " c u r a " d e f i n i t i v a .
( s u b s t â n c i a n e u t r a , m a s q u e pode d e s e n c a d e a r efei-
No e n t a n t o , u m balanço das descobertas m a i s recen-
t o s p s i c o l ó g i c o s ) . N e s s e s c a s o s , p s i c o t e r a p i a pode s e r
tes r e v e l a n o v a s t e c n o l o g i a s , t é c n i c a s de p s i c o t e r a p i a
a melhor saída.
e substâncias c o m potencial antidepressivo que reno-
O u t r a m e d i d a q u e pode a j u d a r m u i t o - a p a r e n t e -
v a m a s e s p e r a n ç a s de m i l h õ e s de p e s s o a s q u e s o f r e m
m e n t e s i m p l e s , m a s q u e exige u m p o u c o de e s f o r ç o
com o problema. Considerando a complexidade
p a r a s e r c o l o c a d a e m p r á t i c a -1§ a a d o ç ã o de u m es-
d e p r e s s ã o , u m m a i o r leque de i n f o r m a ç õ e s e o p ç õ e s
da
t i l o de v i d a m a i s s a u d á v e l : i n c l u i r a t i v i d a d e f í s i c a n a
de t r a t a m e n t o a u m e n t a as c h a n c e s de q u e u m p a c i e n -
rotina, comprometer-se c o m u m a dieta mais rica e m
te e n c o n t r e a e s t r a t é g i a , o u a c o m b i n a ç ã o de v á r i a s ,
d e t e r m i n a d o s n u t r i e n t e s (veja huadro
mais adequada para si. C o n h e ç a a l g u m a s nas próxi-
na pág. 49)
e,
principalmente, aprender a gerenciar o estresse, que
mas páginas.
41
1
INSÓNIA: MUITO MAIS QUE SINTOMA
depressão s a z o n a l , m a i s frequente e m países
Noites maldormidas e depressão
que t ê m " d i a s m a i s c u r t o s " , isto é, períodos
a n d a m j u n t a s . Até a d é c a d a passada a insó-
de i l u m i n a ç ã o s o l a r m e n o r e s no i n v e r n o . Ao
n i a e r a c o n s i d e r a d a por e s p e c i a l i s t a s u m dos
longo da e v o l u ç ã o , n o s s o r i t m o c i r c a d i a n o -
biente externo na regulação do o r g a n i s m o é a
s i n t o m a s m a i s f r e q u e n t e s da d e p r e s s ã o , de
nosso relógio i n t e r n o , que s i n a l i z a ao corpo
f o r m a que o t r a t a m e n t o era direcionado para
q u a n d o é n e c e s s á r i o d e s c a n s a r e se recu-
o t r a n s t o r n o p s í q u i c o . "O r a c i o c í n i o u s u a l
p e r a r para o dia s e g u i n t e - foi s i n c r o n i z a d o
era que, tratando a depressão, a dificuldade
c o m a i l u m i n a ç ã o solar. N a t u r a l m e n t e , ao
para d o r m i r melhoraria, mas estudos mais
e n t a r d e c e r , c o m e ç a m a ser produzidos hor-
recentes rebatem a ideia de que a insónia seja
m ô n i o s que nos " d e s a c e l e r a m " . No ú l t i m o
a p e n a s s i n t o m a da d e p r e s s ã o . N a v e r d a d e ,
s é c u l o , esse c i c l o s o f r e u u m a i n t e r f e r ê n c i a
pode ser t a n t o c a u s a c o m o c o n s e q u ê n c i a " ,
s e m p r e c e d e n t e s - a da t e c n o l o g i a . "A luz
diz a psicóloga K a r i n a H a d d a d , do I n s t i t u t o
e l é t r i c a inibe a s e c r e ç ã o de m e l a t o n i n a . A luz
do S o n o , c e n t r o de pesquisa ligado à U n i -
do c o m p u t a d o r , da televisão, dos tablets t a m -
v e r s i d a d e Federal de São P a u l o ( U n i f e s p ) .
b é m . A l é m d i s s o , t e m o s à nossa disposição
U m a pesquisa divulgada e m 2006 na Reunião
u m a série de e s t í m u l o s - p r o g r a m a s , f i l m e s ,
A n u a l das S o c i e d a d e s do Sono (APSS), e m
v i d e o g a m e s - q u e r e t a r d a m a m e n s a g e m de
Denver, m o s t r o u que i n s o n e s t ê m risco
que é preciso d o r m i r que o corpo e n v i a . Aos
11
v e z e s m a i o r de desenvolver depressão dentro
p o u c o s , c o m e ç a m o s a ir para a c a m a c a d a
de seis m e s e s . O u seja, a i n s ó n i a é, m a i s pro-
vez m a i s t a r d e " , e x p l i c a K a r i n a . Menos h o r a s
v a v e l m e n t e , u m a c o m o r b i d a d e da depressão,
p a r a d o r m i r r e s t r i n g e m etapas i m p o r t a n t e s
u m t r a n s t o r n o e m si que predispõe à depres-
do s o n o , que se a l t e r n a m e m vários ciclos ao
são e t a m b é m pode ser d e s e n c a d e a d o por
longo da n o i t e , c o m o o s o n o REM (rapid eye
ela. A relação é direta: o neurotransmissor
m o v e m e n t ) , r e l a c i o n a d o à c o n s o l i d a ç ã o da
s e r o t o n i n a - que i n d u z ao b e m - e s t a r e equi-
m e m ó r i a e do a p r e n d i z a d o , e o sono d e l t a ,
líbrio e e n c o n t r a - s e e m níveis m a i s baixos
f a s e e m q u e se e n c o n t r a m a i s p r o f u n d o ,
e m pessoas c o m depressão - é preditor da
a s s o c i a d a à r e g u l a ç ã o dos níveis de c o r t i s o l ,
m e l a t o n i n a , h o r m ô n i o r e g u l a d o r do s o n o .
o h o r m ô n i o do e s t r e s s e , que e m excesso so-
E m o u t r a s p a l a v r a s , se u m a dessas s u b s t â n -
brecarrega o s i s t e m a imunológico e prejudica
cias é produzida em menor quantidade, a
todo o o r g a n i s m o .
o u t r a t a m b é m é.
Os a n t i d e p r e s s i v o s hoje c o m e r c i a l i z a d o s t r a z e m a s e r o t o n i n a p a r a níveis a d e q u a d o s , o que c e r t a m e n t e i n t e r f e r e na qualidade do
Estresse, ansiedade e depressão liberam cortisol na corrente sanguínea; e m excesso, esse h o r m ô n i o prejudica o sono delta, o que e x p l i c a por que pessoas com esses transtornos d o r m e m m a l
s o n o . N ã o é i n c o m u m , e n t r e t a n t o , que pac i e n t e s a p r e s e n t e m m e l h o r a dos s i n t o m a s d e p r e s s i v o s , m a s c o n t i n u e m a ter insónia - o que o b v i a m e n t e a u m e n t a o risco de recaída da d e p r e s s ã o . N ã o por a c a s o , u m dos a n t i depressivos mais modernos, a agomelatina, age sobre os r e c e p t o r e s de m e l a t o n i n a (veja quadro
42
na pág. 47). A s s i m , o t r a t a m e n t o far-
S e r o t o n i n a e m e l a t o n i n a são s i n t e t i z a d a s
macológico integrado, c o m medicamentos
a p a r t i r de u m m e s m o a m i n o á c i d o , o tripto-
específicos para o t r a n s t o r n o psíquico e para
f a n o , e t ê m r e l a ç ã o de a l t e r n â n c i a : q u a n d o
a insónia, e a terapia cognitivo-comporta-
e s t a m o s a c o r d a d o s , a glândula pineal secreta
mental (TCC) direcionada para a insónia
m a i o r e s q u a n t i d a d e s da p r i m e i r a ; d u r a n t e o
p o d e m a u m e n t a r a c h a n c e de s u c e s s o c o n t r a
s o n o , da s e g u n d a . Esse processo está ligado à
a depressão. Segundo Karina, o terapeuta
p r e s e n ç a de luz. D u r a n t e o d i a , há m a i o r pro-
c o n d u z o p a c i e n t e a m u d a r c r e n ç a s sobre
d u ç ã o de s e r o t o n i n a ; à n o i t e , de m e l a t o n i n a .
a p r ó p r i a c a p a c i d a d e de d o r m i r . A n o t a r as
U m e x e m p l o s i m p l e s da i n f l u ê n c i a do a m -
p r e o c u p a ç õ e s que p a i r a m n a m e n t e na hora
V mentecérebro \ Depressão
de d o r m i r e a p r e n d e r a relaxar são a l g u m a s
p o s s a m i n d i c a r s e u uso p a r a esse f i m . A l é m
das e s t r a t é g i a s e n s i n a d a s . "É
inportante
d i s s o , doses a l t a s - q u a n t i d a d e q u e é difícil
estabelecer u m a higiene do s o n o , rjecondicio-
precisar para cada pessoa - podem desen-
nar o corpo a dormir, estipulando horários
c a d e a r p s i c o s e . "A c e t a m i n a foi u t i l i z a d a e m
regulares e e v i t a n d o atividades excitantes nas
pacientes resistentes aos antidepressivos
h o r a s a n t e s de ir para a c a m a " , e x e m p l i f i c a .
t r a d i c i o n a i s . Isso n ã o q u e r d i z e r que ela seja
2
t o d o s os p a c i e n t e s . É p r o v á v e l que a l g u n s
m a i s e f i c i e n t e que esses a n t i d e p r e s s i v o s e m não m e l h o r e m nada e até p i o r e m . Cada
CETAMINA: POTENCIAL E RISCOÍ Quarenta
minutos. É o
pessoa r e s p o n d e de m a n e i r a d i f e r e n t e a u m tempo
m é d i o q u e a c e t a m i n a , o u q u e t a m i n a , leva p a r a a l i v i a r os s i n t o m a s de p e s s o a s c o m dep r e s s ã o c r ó n i c a c o m r e s i s t ê n c i a aos a n t i d e p r e s s i v o s c o m e r c i a l i z a d o s a t u a l m e n t e - que
d e m o r a m , e m m é d i a , m a i s de d u a s s e m a n a s p a r a f a z e r e f e i t o (veja
quadro
na pág.
47).
t r a t a m e n t o " , diz T u n g .
3
ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PROFUNDA (DBS) E x p e r i m e n t a l no B r a s i l , a t é c n i c a
de e s t i m u l a ç ã o c e r e b r a l p r o f u n d a ( D B S , na
C o n h e c i d a d e s d e os a n o s 60, a d r o g a é u m
s i g l a e m i n g l ê s ) c o n s i s t e e m c o l o c a r , por
anestésico intravenoso desenvo vido para
m e i o de n e u r o c i r u r g i a , dois e l e t r o d o s fixos
o p e r a r s o l d a d o s n a G u e r r a do V i e t n ã , u s a d a
no c é r e b r o . Eles são ligados por fios a u m a
t a m b é m de f o r m a i l í c i t a c o m o a l u c i n ó g e n o
b a t e r i a i m p l a n t a d a no t ó r a x , q u e e n v i a a
- o " S p e c i a l K", q u e p r o v o c a a s d n s a ç ã o de
eles i m p u l s o s e l é t r i c o s de f o r m a s i s t e m á t i -
" d e s p r e n d i m e n t o " do c o r p o . S e u p o t e n c i a l
c a . A DBS deve s e r c o n s i d e r a d a u m r e c u r s o
a n t i d e p r e s s i v o t e m sido e s t u d a d o na ú l t i m a
a p e n a s p a r a p a c i e n t e s c o m d e p r e s s ã o grave
d é c a d a . A p r i n c i p a l d i f e r e n ç a dal c e t a m i n a
que não reagem a n e n h u m outro t r a t a m e n -
em relação aos m e d i c a m e n t o s existentes
to. A estimulação elétrica excita o córtex
é q u e ela é a ú n i c a que b l o q u e i a os recep-
cingulado e o núcleo accumbens, com o
t o r e s de g l u t a m a t o , n e u r o t r a n s m i s s o r que
objetivo de p r o v o c a r a l i b e r a ç ã o de n e u r o -
e s t i m u l a o a u m e n t o das s i n a p s e s . E m u m a
t r a n s m i s s o r e s r e l a c i o n a d o s à m e l h o r a do
r e v i s ã o dos e s t u d o s f e i t o s c o m a « r o g a , p u -
h u m o r . U m e s t u d o da U n i v e r s i d a d e E m o r y ,
b l i c a d a n a Science
e m 2012,
pesquisadores
da U n i v e r s i d a d e Y a l e d e m o n s t r a r a m
na Geórgia, m o s t r o u que pacientes c o m
que
s i n t o m a s g r a v e s de d e p r e s s ã o t r a t a d o s c o m
u m a ú n i c a d o s e da d r o g a é a p a r e n t e m e n t e
a DBS a p r e s e n t a r a m m e l h o r a s i g n i f i c a t i v a
c a p a z de r e s t a u r a r c o n e x õ e s s i n á p t i c a s dete-
dos s i n t o m a s , m a n t i d a por longo p r a z o . Os
r i o r a d a s pelo e s t r e s s e c r ó n i c o - dpi o rápido
p a r t i c i p a n t e s r e c e b e r a m a e s t i m u l a ç ã o por
a l í v i o dos s i n t o m a s d e p r e s s i v o s , due p o d e m
q u a t r o s e m a n a s s e m s a b e r se o s i s t e m a DBS
d u r a r a t é dez d i a s . As pesquisas c l m a droga
e s t a v a ligado o u n ã o . Ao avaliá-los dois a n o s
a b r e m , s e m d ú v i d a s , p e r s p e c t i v a s para c r i a r
d e p o i s , os p e s q u i s a d o r e s o b s e r v a r a m que
u m a n o v a g e r a ç ã o de a n t i d e p r e s s i v o s c o m
há r e s p o s t a e m m a i s de 9 0 % dos c a s o s - o u
a ç ã o no g l u t a m a t o , q u e p o s s a m ! r e p l i c a r a
melhora total, ou significativa.
resposta rápida e a a p a r e n t e e f i c á i i a da cetam i n a . Eles r e p r e s e n t a m u m a n o v a e s p e r a n ç a p a r a p e s s o a s c o m d e p r e s s ã o g r a v e que n ã o respondem a n e n h u m a outra intervenção. No e n t a n t o , é preciso c a u t e l a . Ainda não está comprovada sua utilidade
para
t r a t a m e n t o de longo p r a z o n e m se s a b e ao c e r t o se s e u uso é s e g u r o . A p e s a r de sugerida c o m o d r o g a p a r a t r a t a r e m e r g ê n c i a s p s i q u i á t r i c a s , c o m o p a c i e n t e s que t e n t a m s u i c í d i o , n ã o h á e s t u d o s c o n s i s t e n t e s que
Na estimulação cerebral p r o f u n d a (DBS) são colocados dois eletrodos no cérebro, ligados por fios a u m a b a t e r i a i m p l a n t a d a n o tórax, que e n v i a a eles i m p u l s o s elétricos para estimular a produção de n e u r o t r a n s m i s s o r e s
4
ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA T R A N S C R A N I A N A (EMT)
dem ocorrer em alguns poucos casos. Um
R e c o n h e c i d a p a r a t r a t a m e n t o de
de 2012
estudo observacional publicado em junho na D e p r e s s i o n and Anxiety, que
d e p r e s s ã o pelo C o n s e l h o Federal de M e d i c i -
a c o m p a n h o u 307 p a c i e n t e s c o m d e p r e s s ã o
n a ( C F M ) e m 2012, a t é c n i c a de e s t i m u l a ç ã o
grave que não e s t a v a m sendo tratados com
magnética transcraniana (EMT) superficial
a n t i d e p r e s s i v o s , a p o n t a que a EMT é eficaz
consiste e m aplicar ondas eletromagnéticas
para p a c i e n t e s que não r e s p o n d e m aos
s o b r e o c é r e b r o , c o m o objetivo de m o d u l a r
medicamentos: em média, 58% apresenta-
o f u n c i o n a m e n t o de regiões ( d e t e r m i n a d a s
r a m r e d u ç ã o dos s i n t o m a s e 37%,
p o r e x a m e s de n e u r o i m a g e a m e n t o )
( a u s ê n c i a de s i n t o m a s ) .
que
remissão
o p e r a m de f o r m a a l t e r a d a e m pessoas c o m
Atualmente, em u m estudo em anda-
t r a n s t o r n o s n e u r o p s i q u i á t r i c o s . No c a s o da
m e n t o no IPQ-USP, os p e s q u i s a d o r e s estão
d e p r e s s ã o , os e s t í m u l o s , produzidos a 3 c e n -
t e s t a n d o u m a v e r s ã o m a i s p r o f u n d a de
t í m e t r o s de p r o f u n d i d a d e , são d i r e c i o n a d o s
EMT, n a q u a l os e s t í m u l o s e l e t r o m a g n é t i -
p a r a o c ó r t e x dorsolateral pré-frontal esquer-
c o s são a p l i c a d o s c o m u m a p r o f u n d i d a d e
d o , região a s s o c i a d a , e n t r e o u t r a s f u n ç õ e s ,
de 8 c e n t í m e t r o s , e n ã o de 3, c o m o na E M T
ao a u t o c o n t r o l e e à r e s p o s t a a s i t u a ç õ e s es-
s u p e r f i c i a l . O B r a s i l é u m dos poucos países
t r e s s a n t e s , e que se e n c o n t r a h i p o a t i v a ( c o m
no m u n d o q u e f a z e m a p e s q u i s a , a l é m de
a t i v i d a d e a b a i x o do n o r m a l ) e m d e p r e s s i v o s .
Estados Unidos, Israel, Canadá e A l e m a n h a .
As o n d a s e l e t r o m a g n é t i c a s a u m e n t a m o f l u -
Por p r e c i s a r a i n d a de d e f i n i ç ã o de l i m i t e s de
x o s a n g u í n e o na á r e a e, c o n s e q u e n t e m e n t e ,
s e u e m p r e g o e de c r i t é r i o s de s e g u r a n ç a , a E M T p r o f u n d a por e n q u a n t o é u m t r a t a m e n -
sua atividade cerebral.
to a p e n a s e x p e r i m e n t a l .
Na estimulação magnética
de m o d u l a r o f u n c i o n a m e n t o
5
de r e g i õ e s que o p e r a m de
voltados para a relação "mente-coração"
f o r m a alterada e m pessoas c o m
a i n d a s ã o p o u c o s e r e c e n t e s , m a s j á se
transtornos neuropsiquiátricos
s a b e q u e t r a n s t o r n o s de h u m o r d o b r a m
t r a n s c r a n i a n a (EMT), ondas eletromagnéticas são aplicadas sobre o cérebro c o m o objetivo
C U I D E DO SEU CORAÇÃO A saúde psíquica e a cardiovascular
p o d e m t e r r e l a ç õ e s m u i t o p r ó x i m a s . Estudos
as c h a n c e s de u m a p e s s o a s o f r e r a t a q u e s c a r d í a c o s . A h i p ó t e s e m a i s óbvia é que deEmissão eletromagnética
"A á r e a do c é r e b r o a s e r t r a b a l h a d a é
p r i m i d o s c u i d a m m e n o s da p r ó p r i a s a ú d e e
m a r c a d a n u m a touca e o médico direcio-
t e n d e m a t e r e s t i l o de v i d a m a i s s e d e n t á r i o ;
n a os e s t í m u l o s p a r a o l o c a l c o r r e t o . A
a o u t r a p o s s i b i l i d a d e , c o n s i d e r a d a por v á -
E M T pode a j u d a r p a c i e n t e s q u e n ã o res-
rios c i e n t i s t a s , é q u e a c o m o r b i d a d e esteja
p o n d e m ao t r a t a m e n t o
r e l a c i o n a d a a p r o b l e m a s f u n c i o n a i s no m e -
medicamentoso,
a c e l e r a r a r e s p o s t a a ele o u m e s m o s e r
c a n i s m o de r e s p o s t a ao e s t r e s s e . E m
u m a alternativa", explica Marco Marcolin,
c i e n t i s t a s do L a b o r a t ó r i o de T r a n s p o r t e de
c o o r d e n a d o r d o S e r v i ç o de
M e m b r a n a da U n i v e r s i d a d e do Estado do
Estimulação
M a g n é t i c a T r a n s c r a n i a n a do H o s p i t a l d a s
Rio de J a n e i r o ( U e r j ) e s t u d a r a m u m possível
C l í n i c a s da U n i v e r s i d a d e de São
Paulo
m a r c a d o r biológico e m c o m u m para trans-
Cada sessão
tornos psíquicos e doenças cardíacas: baixa
( U S P ) (veja infográfico
acima).
(com
c o n c e n t r a ç ã o do a m i n o á c i d o L-arginina no
i n t e r v a l o s e n t r e as a p l i c a ç õ e s ) e é i n d o l o r ,
sangue. Produzida nos rins e adquirida na
pois o t r a t a m e n t o é não invasivo,
d i e t a , e s s a m o l é c u l a é u s a d a pelas c é l u l a s
d u r a a p r o x i m a d a m e n t e 15 m i n u t o s
44
2012,
isto
é, n ã o h á n e n h u m t i p o de c o r t e n e m é
p a r a s i n t e t i z a r óxido n í t r i c o ( N O ) , gás c o m
preciso anestesia. O efeito colateral mais
efeito v a s o d i l a t a d o r e i n i b i d o r da a g r e g a ç ã o
s i g n i f i c a t i v o s ã o d o r e s de c a b e ç a , q u e po-
p l a q u e t á r i a , isto é, f o r m a ç ã o de c o á g u l o s
I mentecérebro I Depressão
q u e p o d e m o b s t r u i r os v a s o s s a n g u í n e o s e
O exercício físico previne o
e l e v a r a p r e s s ã o a r t e r i a l , o que a u m e n t a a
estresse oxidativo no meio
predisposição para problemas como derra-
intracelular, u m marcador biológico
m e v a s c u l a r e i n f a r t o . U m a das l i n h a s de p e s q u i s a se c o n c e n t r a n a v i a L j a r g i n i n a -
e m c o m u m de d o e n ç a s c a r d i o v a s c u l a r e s
-óxido n í t r i c o - isto é, todos os p r o c e s s o s
e d e t r a n s t o r n o s do h u m o r
e n v o l v i d o s n a p r o d u ç ã o do g á s , d e s d e o t r a n s p o r t e do a m i n o á c i d o p a r a o i n t e r i o r
com
das c é l u l a s a t é s u a s i n t e t i z a ç ã o .
s e n t a m , e m m é d i a , n í v e i s de L - a r g i n i n a no
transtorno
depressivo
maior
apre-
Segundo a psicóloga Monique Oliveira,
sangue 20% menores. "Isso implica maior
p e s q u i s a d o r a da equipe c o o r d e n a d a pela
vulnerabilidade aos problemas cardiovas-
cardiologista
c u l a r e s " , diz a p s i c ó l o g a . O g r u p o t a m b é m
Tatiana
Brunini,
pessoas
ANTIDEPRESSIVOS: QU U S SAO E COMO AGEM A m a i o r i a deles age sobre n e u r o t r a n s m i s s o r e s do tipo m o n o a m i n a . A esse grupo p e r t e n c e m a s e r o t o n i n a , a d o p a m i n a e a n o r a d r e n a l i n a , que t ê m i n f l u ê n c i a i n d i s c u t í v e l sobre o h u m o r . L e v a m ao m e n o s d u a s s e m a n a s para f a z e r efeito e c o s t u m a m f u n c i o n a r para c e r c a de m e t a d e dos p a c i e n t e s .
ANTIDEPRESSIVO
VANTAGEM
DESVANTAGEM
Inibidores MAO
Inibem Uma oxidase específica (daí ver* o "O") - uma enzima que decompõe diversas monoaminas ("MA"). Assim, os neurotransmissores ficam disponíveis por mais tempo nas sinapses das células neurais.
Os inibidores também cruzam o caminho de outras oxidases, que, por exemplo, decompõem componentes nutricionais. As consequências podem ser dores de cabeça e pressão alta.
Tricíclicos
Agem sobre as principais monoaminas e são mais eficazes que os antidepressivos modernos para tratar casos de depressão grave.
Podem causar efeitos colaterais relevantes, como constipação intestinal e ressecamento das mucosas.
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs)
Agem apenas sobre a serotonina, a principal monoamina relacionada ao bem-estar. Têm menos efeitos colaterais se comparados aos antidepressivos mais antigos.
Os efeitos colaterais mais comuns são problemas estomacais, falta de apetite e perda da libido. Alguns estudos os relacionam ao maior risco de suicídio em crianças e jovens.
Inibidor seletivo de recaptação de dopamina e noradrenalina (IRDN)
É o primeiro dos fármacos mais modernos que não age sobre a serotonina. O foco é a dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação, e a noradrenalina, associada à regulação das emoções.
Pode causar insónia e dores de cabeça.
Agomelatina
Age sobre os receptores da melatonina, o hormônio do sono, cujo equilíbrio está intimamente relacionado ao de algumas monoaminas. O interessante é que pede ajudar a tratar a insónia.
Pode causar sonolência e dores de cabeça.
45
e s t u d a os e f e i t o s de e x e r c í c i o s a e r ó b i c o s
Universidade Oxford, consiste em mesclar
n o a u m e n t o da p r o d u ç ã o de ó x i d o n í t r i c o
t é c n i c a s de m e d i t a ç ã o à t e r a p i a c o n v e n c i o -
e m r a t o s . Os p e s q u i s a d o r e s
nal para p r e v e n i r a r e c a í d a e m pacientes que
submeteram
r o e d o r e s s e p a r a d o s da m ã e ao n a s c e r
-
já apresentaram melhora.
u m a s i m u l a ç ã o do e s t a d o d e p r e s s i v o e m
Segundo Segal, o c é r e b r o de pessoas c o m
h u m a n o s - a u m a r o t i n a de e x e r c í c i o s fí-
depressão está " h a b i t u a d o " a processos
s i c o s : os a n i m a i s a p r e s e n t a r a m , a l é m de
c o g n i t i v o s que d e s e n c a d e i a m o p r o b l e m a ,
p e r d a de peso e m e l h o r a do c o n d i c i o n a -
c o m o os p e n s a m e n t o s d e p r e c i a t i v o s sobre
m e n t o f í s i c o , a u m e n t o dos n í v e i s de ó x i d o
si m e s m a s . A m e d i t a ç ã o a j u d a o paciente
n í t r i c o . A d e s c o b e r t a r e f o r ç a a ideia de q u e
a se c o n s c i e n t i z a r de e m o ç õ e s , f a n t a s i a s ,
alternativa
l e m b r a n ç a s e s i t u a ç õ e s que p a s s a m por
a o u s o de m e d i c a m e n t o s p a r a t r a t a r s i n -
s u a m e n t e c o n s c i e n t e , a c e i t a n d o - a s . Ele e
t o m a s " l e v e s " de t r a n s t o r n o s de h u m o r e
s u a e q u i p e a c o m p a n h a r a m 84 p a c i e n t e s
t a m b é m para ajudar a prevenir reincidên-
que s o f r i a m de d e p r e s s ã o e h a v i a m t o m a d o
c i a de e p i s ó d i o s d e p r e s s i v o s . "A a t i v i d a d e
a n t i d e p r e s s i v o s até a r e m i s s ã o dos s i n t o m a s .
física ajuda a reduzir o estresse oxidativo
No f i m d e s s a p r i m e i r a f a s e , u m terço dos
atividades aeróbicas são u m a
no
pacientes c o n t i n u o u o tratamento medi-
m e i o i n t r a c e l u l a r ) , c o n d i ç ã o b i o l ó g i c a as-
c a m e n t o s o , u m t e r ç o recebeu placebo e o
(desequilíbrio
n a p r o d u ç ã o de g a s e s
sociada tanto a doenças vasculares, como
r e s t a n t e p a r t i c i p o u de sessões de MBCT. U m
a aterosclerose, quanto a
a n o e m e i o d e p o i s , 3 0 % dos pacientes q u e
neurológicas",
se d e d i c a r a m à M B C T v o l t a r a m a s o f r e r de
explica Monique.
d e p r e s s ã o - u m n ú m e r o e q u i v a l e n t e a pess o a s do g r u p o t r a t a d o c o m a n t i d e p r e s s i v o s ,
^ m^Êk
enquanto a proporção atingia 70%
PSICOTERAPIA E MEDITAÇÃO A abordagem
entre
a q u e l e s que h a v i a m t o m a d o o placebo. Os
psicológica
mais
t r a d i c i o n a l p a r a t r a t a m e n t o da d e p r e s s ã o é a terapia cognitivo-comportamental (TCC). B a s i c a m e n t e , o terapeuta ajuda o paciente a se c o n s c i e n t i z a r das c r e n ç a s n e g a t i v a s que t e m s o b r e si m e s m o e o m u n d o e c o m o elas se r e f l e t e m e m padrões de c o m p o r t a m e n t o . E m c a s o s de d e p r e s s õ e s m o d e r a d a s e m a i s
pesquisadores c o n c l u í r a m que a prática pode ser tão eficaz q u a n t o os antidepressivos para e v i t a r u m a r e c a í d a . " O s efeitos positivos da m e d i t a ç ã o p a r a a s a ú d e se b a s e i a m e m u m a m o d i f i c a ç ã o da a t i v i d a d e c e r e b r a l . A ideia é que a pessoa c o m e c e a i d e n t i f i c a r seus proc e s s o s a u t o m á t i c o s e, por m e i o da reflexão, p o s s a a l t e r á - l o s " , diz Segal.
graves, a técnica apresenta melhores resultados quando combinada a medicamentos. Mais recentemente, pesquisadores comprov a r a m os e f e i t o s p o s i t i v o s de u m a v a r i a ç ã o da T C C : a t e r a p i a c o g n i t i v o - c o m p o r t a m e n t a l baseada na atenção plena (MBCT, mindfulness-based cognitive therapy).
7
ACIDO FOLICO: A V I T A M I N A DO B E M - E S T A R C o n h e c i d o por c o m p r o v a d a m e n t e
p r e v e n i r p r o b l e m a s c o n g é n i t o s no c é r e b r o
Estudada
e n a c o l u n a v e r t e b r a l , pois p a r t i c i p a da
pelos psicólogos cognitivos Zindel Segal,
f o r m a ç ã o do t u b o n e u r a l do f e t o , o á c i d o
p r o f e s s o r do D e p a r t a m e n t o de P s i q u i a t r i a
f ó l i c o , o u v i t a m i n a B9, t a m b é m pode t e r
da U n i v e r s i d a d e de T o r o n t o , e M a r k W i l l i a -
e f e i t o s a n t i d e p r e s s i v o s . U m a r e v i s ã o de 11
m s , do C e n t r o de E s t u d o s de M e d i t a ç ã o da
e s t u d o s p o r p e s q u i s a d o r e s da U n i v e r s i d a de de Y o r k , no R e i n o U n i d o , e n v o l v e n d o m a i s de 15 m i l p e s s o a s no t o t a l , a p o n t a
H á i n d i c a t i v o s de que pessoas que s o f r e m de d i s t ú r b i o s p s í q u i c o s c o s t u m a m t e r c a r ê n c i a de s u b s t â n c i a s n u t r i t i v a s , c o m o v i t a m i n a s B e ácidos graxos ômega-3 46
que a depressão está associada a níveis m a i s b a i x o s d e s s a s u b s t â n c i a no s a n g u e . Algumas pesquisas sugerem que a combin a ç ã o de s u p l e m e n t o s de á c i d o f ó l i c o ( e m quantidades determinadas pelo
médico,
ALIMENTOS DO BOM Hl
o, © O
MOR
É possível e n r i q u e c e r a dieta cofn s u b s t â n c i a s i m p o r t a n t e s para os p r o c e s s o s n e u r o l ó g i c o s , o que pbde a j u d a r a m e l h o r a r o bem-estar. Vale l e m b r a r que o c o n s u m o excessivo - por m e i o de s u p l e m e n t o s , s e m o r i e n t a ç ã o m é d i c a ou n u t r i c i o n a l - pode prejudicar o o r g a n i s m o
.IMENTOS COM MAIORES QUANTIDADES
Ácido fólico (vitamina B9)
Pesquisas sugerem que a combinação de suplementos de ácido fólico com 0 tratamento medicamentoso pode incrementar a melhora dos sintomas
Tomate, cogumelo, ervilha, brócolis, espinafre e outras verduras de folhas verde-escuras
Ácidos graxos ômega 3
Estudos confirmam efeito positiva de suplementos de ômega 3 em pacientes com depressão. Há indicativos de que pessoas que sofrem distúrbios psíquicds costumam ter carência dessa substância
Peixes, principalmente salmão; avelãs, nozes, gérmen de trigo, linhaça, abóbora
Vitamina B6
Está envolvida na síntese de neurotransmissores. Há indicativos de que a carência dessa substância está relacionada à queda nos níveis de serotonina
Farinha de aveia, batata, arroz integral, levedo de cerveja
Triptofano (aminoácido)
É um anlinoácido essencial utilizad( ) pelo cérebro na produçã 0 de serotonina
Leite, carne vermelha, peixe, castanhas, queijo branco, batata, mel, legumes
1
pois e m e x c e s s o a s u b s t â n c i a pode c a u s a r
c o m o de ô m e g a - 3 , o u t r a s v i t a m i n a s B e
d e f i c i ê n c i a de o u t r a s v i t a m i n a s ) c o m o
a n t i o x i d a n t e s (confira
em quais
tratamento medicamentoso-padrão
encontrá-las
acima),
pode
i n c r e m e n t a r a m e l h o r a dos s i n t o m a s . N o
no quadro
alimentos comprova-
damente benéficos para o humor.
e n t a n t o , a i n g e s t ã o de s u p l e m e n t o s p o r si só n ã o m o s t r a e f e i t o m e l h o r q u e o de p l a c e b o . De a c o r d o c o m e s t u d o p u b l i c a d o no American
Journal
of Epidemiology,
pessoas
c o m depressão c r ó n i c a t ê m u m gene relac i o n a d o ao p r o c e s s a m e n t o m e n o s e f i c i e n t e de á c i d o f ó l i c o , q u e por s u a v e z e s t á r e l a c i o n a d o à p r o d u ç ã o de " s u b s t â n c i a s c e r e b r a i s do b e m - e s t a r " , c o m o a s e r o t o n i n a . S ã o necessários mais estudos para reforçar e esclarecer a relação entre o ácido fólico e a d e p r e s s ã o , m a s n a d a i m p e d e de e n r i q u e cer a dieta c o m a l i m e n t o s que c o n t e n h a m maiores quantidades desse nutriente, bem
PARA SABER MAIS
Synaptic dysfunction in depression: potential therapeutic targets. Ronald S. Duman e George K. Aghajanian, em Science, 5 de outubro de 2012. Transcranial magnetic stimulation (TMS) for major depression: a multisite, naturalistic, observational study of acute treatment outcomes in clinicai practice. Linda Carpenter e outros, em Depression and Anxiety, 11 de junho de 2012. Diga-me o que você come. Stefanie Reinberger, em Mente e Cérebro, n 238, págs. 22-29, novembro de 2012. A trilha do cérebro ao coração. Fernanda Teixeira Ribeiro, em Mente e Cérebro, n 238, págs. 62-65, novembro de 2012. Jeitos de tratar a depressão. Knut Schenell, Henrik Walter e Elisabeth Schramm, em Mente e Cérebro, n- 236, págs. 58-65, setembro de 2012. Antidepressivos são mesmo eficazes? Jochen Paulus, em Mente e Cérebro, n 226, págs. 26-33, novembro de 2011. 2
2
2
47
PARA LIDAR
O poder da "grupoterapia" Participar de equipes esportivas, de reuniões para cantar, fazer trabalhos manuais, discutir ideias de um autor ou integrar-se a qualquer outra atividade na qual seja necessário se socializar pode ser decisivo para evitar sintomas depressivos - ou sair deles por Tegan C r u w y s , S. Alexander Haslam e Geneviève A. Dingle
• • • •
p r o v á v e l q u e v o c ê se l e m b r e de a l g u m a s m a -
m o se e n c o n t r a r c o m u m a p e s s o a p r ó x i m a - a i n d a q u e
^ _
nhãs e m que teve dificuldade para sair da
essas situações possam ajudar a aliviar o sofrimento.
c a m a . E não só porque estava c o m sono ou
A d e p r e s s ã o é hoje a p r i n c i p a l c a u s a de i n c a p a c i -
ÉÈÊÊÊÊm f r i o , m a s t a l v e z p o r q u e levantar-se s i g n i f i c a -
d a d e no m u n d o , s e g u n d o a O r g a n i z a ç ã o M u n d i a l da
va entrar em contato c o m lembranças desagradáveis,
S a ú d e ( O M S ) . De 1 0 % a 2 0 % d a s p e s s o a s p a s s a m por
c o m o da n o t a b a i x a n a p r o v a , da f e s t a p a r a a q u a l n ã o
pelo m e n o s u m e p i s ó d i o d u r a n t e a v i d a . O risco é a i n -
r e c e b e u c o n v i t e , d o t r a b a l h o q u e n ã o c o n s e g u i u o u de
da m a i o r p a r a m u l h e r e s , j o v e n s a d u l t o s e a q u e l e s q u e
a l g u m r e s s e n t i m e n t o g u a r d a d o . P a r a q u e m s o f r e de
v i v e m e m países e m d e s e n v o l v i m e n t o e principalmen-
d e p r e s s ã o , t o d o s os d i a s p o d e m p a r e c e r c a n s a t i v o s de-
te e m c o m u n i d a d e s c a r e n t e s . C o m c o n s e q u ê n c i a s so-
m a i s o u a t é a s s u s t a d o r e s - e s a i r do c o n f o r t o dos len-
ciais e e c o n ó m i c a s , o t r a n s t o r n o não afeta apenas o
ç ó i s , u m a e s p é c i e de p e s a d e l o . N e s s e s m o m e n t o s , a s
p a c i e n t e , m a s t a m b é m os q u e e s t ã o ao redor.
c o i s a s a n t e s p r a z e r o s a s d e i x a m de t e r o m e s m o sabor.
E não é fácil tratá-lo. M e d i c a m e n t o s
F a l t a , por e x e m p l o , v o n t a d e de se e x e r c i t a r , ler o u m e s -
antidepres-
sivos podem provocar efeitos colaterais c o m o sonol ê n c i a , p r o b l e m a s s e x u a i s e g a n h o de p e s o , o q u e leva
OS AUTORES
TEGAN CRUWYS é doutora em psicologia clínica. S. ALEXANDER HASLAM é doutor em psicologia social. GENEVIÈVE A. DINGLE é doutora em psicologia clínica. Os três são professores da Universidade de Queensland, na Austrália. 48
I mentecérebro I Depressão
muitos pacientes a interromper o uso. Quase u m terço não responde ao t r a t a m e n t o inicial. U m e m cada cinc o q u e s e n t e m a l í v i o dos s i n t o m a s v o l t a a a p r e s e n t a r o q u a d r o d e p r e s s i v o m a i s t a r d e . E m m é d i a , os p a c i e n t e s t ê m q u a t r o r e c a í d a s a o l o n g o da v i d a .
49
A solidão funciona como um gatilho para o aparecimento de sintomas físicos e psíquicos; porém, não basta estra perto de outras pessoas, é preciso haver intimidade
N o s ú l t i m o s a n o s , p e s q u i s a d o r e s desc o b r i r a m q u e a s e n s a ç ã o de
isolamento
social, não raro, surge quando
paramos
de p a r t i c i p a r d a s a t i v i d a d e s de que c o s t u m á v a m o s d e s f r u t a r , o q u e pode levar, e m muitos caos, à depressão em um ano. Em u m e s t u d o c o m 229 a d u l t o s c o m m a i s de 60 a n o s e o u t r o s u m p o u c o m a i s v e l h o s , p u b l i c a d o e m 2010, o n e u r o c i e n t i s t a s o c i a l J o h n T. C a c i o p p o e s e u s c o l e g a s da U n i v e r s i d a d e de C h i c a g o o b s e r v a r a m q u e i n d i v í d u o s q u e r e l a t a r a m f i c a r sós ao longo
Por todas essas razões, cada vez mais
de u m p e r í o d o de c i n c o a n o s e r a m m u i t o
p r o f i s s i o n a i s da á r e a da s a ú d e r e c o n h e c e m
m a i s p r o p e n s o s a d e s e n v o l v e r s i n t o m a s de
q u e e m m u i t o s c a s o s o s i m p l e s uso da m e -
d e p r e s s ã o u m a n o d e p o i s do que v o l u n t á -
dicação não é o c a m i n h o mais adequado.
rios q u e p o n t u a r a m baixo e m u m a m e d i d a
A p s i c o t e r a p i a t e m papel f u n d a m e n t a l no
de s o l i d ã o , i n d e p e n d e n t e m e n t e de idade,
t r a t a m e n t o , m a s a i n d a a s s i m p a r e c e ne-
s e x o e g r a v i d a d e i n i c i a l do d i s t ú r b i o .
c e s s á r i o d e s e n v o l v e r n o v a s e s t r a t é g i a s te-
CURA SOCIAL
rapêuticas. Várias evidências sugerem que u m a a b o r d a g e m s i m p l e s e de baixo c u s t o
De f a t o , e m c a s o s g r a v e s , o i s o l a m e n -
pode f a v o r e c e r m u i t o o t r a t a m e n t o : f a z e r
t o pode p r e c e d e r o s u i c í d i o . E m u m e s t u -
p a r t e de u m o u m a i s g r u p o s pode t a n t o
do p u b l i c a d o e m 2012,
prevenir c o m o curar a depressão.
H a n d l e y , e n t ã o d a U n i v e r s i d a d e de N e w -
a psicóloga T o n e l l e
castle, na A u s t r á l i a , coordenou a investi-
GATILHOS PERIGOSOS
g a ç ã o de v á r i o s
A A s s o c i a ç ã o A m e r i c a n a de P s i q u i a t r i a
longitudinais
( r e d e s c o m u n i t á r i a s , a p o i o social e f a t o r e s
(APA, n a s i g l a e m inglês) r e c o m e n d a d o i s
p s i c o l ó g i c o s e f a m i l i a r e s ) de p e n s a m e n t o s
t i p o s de t r a t a m e n t o p a r a a m a i o r i a
s u i c i d a s e m 1.356
dos
p e s s o a s da z o n a r u r a l de
e
N o v a G a l e s do S u l . Os p e s q u i s a d o r e s des-
p s i c o t e r a p i a . E m c a s o s de d e p r e s s ã o l e v e ,
cobriram que pessoas c o m menor acesso
apenas
ao a p o i o s o c i a l e r a m
casos:
medicamentos o
antidepressivos
acompanhamento
psicológico
pode ser suficiente, m a s e m geral a c o m -
mais propensas
a
pensar em tirar a própria vida.
b i n a ç ã o d a s d u a s a b o r d a g e n s é m a i s indi-
Q u a n t o m a i s a p r e n d e m o s sobre a de-
cada. A m b a s podem ser bastante eficazes,
p r e s s ã o , m a i s a s o l i d ã o parece ser u m f a -
seja a l t e r a n d o a q u í m i c a do c é r e b r o , seja
tor-chave e m
m u d a n d o a p e r s p e c t i v a s o b r e os e v e n t o s
é q u e i n t e r a g i r c o m os o u t r o s , p o r t a n t o ,
sua expressão. A
hipótese
de v i d a . De m a n e i r a g e r a l , e s s a s i n t e r v e n -
pode a j u d a r a a f a s t a r a d o e n ç a . M a s isso
ç õ e s p r e s s u p õ e m q u e a d e p r e s s ã o seja u m
só f u n c i o n a
problema interno, inerente ao indivíduo.
sentimento
No entanto, muitas evidências
p a r t e de d e t e r m i n a d o g r u p o . E m o u t r o es-
que o transtorno tem
sugerem
potentes
gatilhos
externos. Ou seja: diante u m a c o n t e c i m e n -
t u d o de 2012,
quando de
desenvolvemos
pertencimento,
de
um fazer
o p s i c ó l o g o social Fabio S a n i
e s e u s c o l e g a s da U n i v e r s i d a d e de D u n d e e ,
t o d e s a g r a d á v e l , a p e s s o a n ã o e n c o n t r a os
na Escócia, investigaram a frequência c o m
recursos
q u e 194 a d u l t o s v i a m o u f a l a v a m c o m os
pessoais
necessários
para
lidar
c o m a m u d a n ç a . E n t r e 6 0 % e 9 0 % dos pacientes s o f r e r a m recentemente a l g u m tipo
m e m b r o s da f a m í l i a i m e d i a t a . P e r g u n t a r a m t a m b é m a eles o q u a n t o
de p e r d a : do e m p r e g o , de u m a m i g o o u d a
consideravam seus parentes como
pessoa a m a d a , por exemplo. A l é m disso, o
i m p o r t a n t e de s u a v i d a . A r e g u l a r i d a d e do
problema atinge
c o n t a t o foi p o u c o r e l a c i o n a d a c o m o de-
principalmente
que v i v e m sozinhos. 50
preditores
I mentecérebro I Depressão
aqueles
senvolvimento
de s i n t o m a s
parte
depressivos,
m a s a i d e n t i f i c a ç ã o c o m a f a m í ia foi u m f a t o r p r o t e t i v o . O s r e s u l t a d o s se) m a n t i v e r a m e m u m t i p o d i f e r e n t e de p i r e n t e s c o : e n t r e 150 m e m b r o s d o e x é r c i t o de u m país do Leste E u r o p e u . A s e n s a ç ã o de í n t i m a c o nexão c o m a unidade a que pertenciam par e c e u m a i s e f i c a z p a r a prevenirJse c o n t r a o distúrbio do que simplesmente passar o tempo c o m outros soldados. Diversos
pesquisadores
repljcaram
o
resultado. A n a l i s a m o s , c o m as psicólogas Catherine H a s l a m e Jolanda Jetteh, da Univ e r s i d a d e de Q u e e n s l a n d , n a Aufctrália, 16 e s t u d o s - c o m m a i s de 2.600 v o l u n t á r i o s - para d e t e r m i n a r a relação entfe depress ã o e i d e n t i f i c a ç ã o s o c i a l . Havia) e n t r e os p a r t i c i p a n t e s d e s d e g r u p o s de a p o i o p a r a p a c i e n t e s e m r e c u p e r a ç ã o de c i r u r g i a car-
EM PERÍODOS DE GUERRA caem drasticamente os números de suicídio: agir coletivamente para derrotar um inimigo comum parece conferir sentido à existência
díaca a a l u n o s do ensino médio.! Observamos u m ponto e m c o m u m nessas pesquisas: quanto m a i o r a identificação grupai, m e n o r a g r a v i d a d e de s i n t o m a s d e p r e s s i -
Parte da turma
vos. Mais do que apenas u m meio para entrar e m c o n t a t o c o m as pessoas! o senso de c o n e x ã o s o c i a l a j u d a a p r o t e g e r a s a ú d e mental. Grupos t a m b é m c o s t u m a m ajudar no t r a t a m e n t o d a p a t o l o g i a . E m 201$, c o l a b o r a m o s c o m C a t h e r i n e e J o l a n d a ç o psicólogo T h o m a s M o r t o n , d a U n i v e r i i d a d e de Exeter, n a I n g l a t e r r a , n o d e s e n v o l v i m e n t o de u m e s t u d o c o m m a i s de 4 mil i n g l e s e s a d u l t o s a c i m a d o s 50 a n o s q u e r e l a c i o n a v a e n v o l v i m e n t o c o m q u e s t õ e s sociais e s i n t o m a s de d e p r e s s ã o . Os r e s u l t a d o s f o r a m
Número de grupos em que se envolveram
r e a n a l i s a d o s v á r i a s v e z e s a o longo de o i t o a n o s . O b s e r v a m o s q u e se s e n t i r p a r t e de algo n ã o s ó a j u d a v a p e s s o a s s a u d á v e i s a
FONTE: "SOCIAL GROUP MEMBERSHIPS PROTECT AGAINST FUTURE DEPRESSION, ALLEVIATE DEPRESSION SYMPTOMS AND
não desenvolver o distúrbio c o m o ! t a m b é m auxiliava
na recuperação
PREVENT DEPRESSION RELAPSE," POR TEGAN CRUWYS ET AL, EM SOCIAL SCIENCE AND MEDICINE, VOL. 98, DEZEMBRO DE 2013
daqudles c o m
o diagnóstico. Pacientes deprimidos que
Aproximadamente um terço dos pacientes deprimidos não res-
c o m e ç a r a m a frequentar u m único grupo
ponde ao tratamento químico inicial. Quatro em cada cinco entre
social do qual s e n t i a m fazer parte reduzi-
aqueles que conseguem se beneficiar com a intervenção médica,
r a m o r i s c o de r e c a í d a de 4 1 % p a r a 3 1 % ; o
sem acompanhamento psicológico, terão recaídas futuras.
n ú m e r o d i m i n u i u a i n d a m a i s (15%) e n t r e
Sentir-se "dentro" do grupo, e não apenas entrar em contato com
a q u e l e s q u e s e e n v o l v e r a m c o m t r ê s redes
as outras pessoas que fazem parte dele, ajuda a proteger a saúde
c o m u n i t á r i a s (veja gráfico
ao lado).
No e n t a n t o , para desfrutar do poder te-
mental. Combinar os efeitos positivos de participar de uma rede comuni-
rapêutico do grupo é fundamental atribuir
tária com outros tratamentos contra a depressão tende a trazer
importância a ele. E m u m estudo publica-
resultados eficazes e de baixo custo.
do n o a n o p a s s a d o , c o m J o l a n d a e o u t r o s 51
Estudo com mais de 4 mil pessoas mostrou que participar de grupos ajuda a reduzir consideravelmente os riscos de recaída da depressão no prazo de seis anos
de q u e f a z i a m p a r t e de u m g r u p o t e r a p ê u t i c o de u m h o s p i t a l p s i q u i á t r i c o e d e s c o b r i m o s q u e a q u e l a s q u e se
reconheciam
n o s i s t e m a de r e l a ç õ e s q u e se e s t a b e l e c e u f o r a m d u a s v e z e s m a i s p r o p e n s a s a se rec u p e r a r e m r e l a ç ã o à s q u e se s e n t i a m p o u co conectadas.
NEM SEMPRE DO BEM G r u p o s e x e r c e m p o d e r o s o s e f e i t o s psic o l ó g i c o s s o b r e n ó s . A ideia b a n a l i z a d a de
colegas, testamos u m a intervenção coleti-
q u e " s o m o s s e r e s s o c i a i s " é a m p a r a d a pelo
v a e m i n d i v í d u o s c o m r i s c o de d e s e n v o l -
f a t o de q u e e v o l u í m o s p a r a agir c o l e t i v a -
v e r depressão e naqueles que já
tinham
m e n t e - e isso i n f l u i n a q u a l i d a d e de n o s s a
e s s e d i a g n o s t i c o . M e d i m o s os s i n t o m a s da
s a ú d e m e n t a l . De f a t o , m u i t o s p e s q u i s a -
d o e n ç a e m 52
pessoas e m
desvantagem
dores d e s t a c a m que apenas pensar sobre
(com alta
probabilidade
os l u g a r e s d o s q u a i s f a z e m o s parte pode
de v i r a ter u m t r a n s t o r n o m e n t a l ) ime-
a j u d a r a d i m i n u i r o r i s c o de a d o e c e r a p ó s
d i a t a m e n t e d e p o i s de se j u n t a r e m a u m
exposição a u m vírus ou amenizar nossa
g r u p o r e c r e a t i v o e, n o v a m e n t e , t r ê s m e s e s
inclinação a reagir violentamente
depois. T a m b é m
q u e m n o s c a u s o u a l g u m d a n o . Da m e s m a
socioeconómica
se r e c o n h e c i a m
52
perguntamos o nele. Apenas
quanto
frequentar
contra
m a n e i r a , v e r f o t o s de pessoas a q u e m es-
reuniões (para jogar futebol, fazer artesa-
tamos
n a t o , c o s t u r a r o u p r a t i c a r ioga) n ã o b a i x o u
torna mais tolerantes à dor física.
emocionalmente
conectados
nos
s i g n i f i c a t i v a m e n t e os e s c o r e s de d e p r e s -
N ã o é de e s t r a n h a r , p o r t a n t o , q u e os
são. A identificação com o grupo, porém,
g r u p o s f a v o r e ç a m a s e n s a ç ã o de p e r t e n c i -
foi a s s o c i a d a a u m d e c l í n i o a c e n t u a d o dos
m e n t o e p o s s a m d a r s e n t i d o à v i d a (algo
s i n t o m a s . T a m b é m a n a l i s a m o s 92 p e s s o a s
q u e p a r e c e se p e r d e r e m pessoas d e p r i -
diagnosticadas c o m depressão ou ansieda-
midas).
I mentecérebro I Depressão
E m p a r t e , isso a c o n t e c e
porque
ROMPER COM CÍRCULOS SOCIAIS em que há consumo de álcool e drogas ajuda a reduzir o risco de recaída entre aqueles que estão em tratamento por abuso dessas substâncias
somos
metas
c a z e s e de baixo c u s t o . O e n v o l v i m e n t o
q u a n d o t r a b a l h a m o s c o m os o u t r o s . P o r
mais
capazes
de a t i n g i r
c o l e t i v o t a m b é m pode s e r v i r de e s t r a t é g i a
i n c r í v e l q u e p a r e ç a , c a s o s de d e p r e s s ã o e
independente para aqueles que não t ê m
suicídio c a e m d r a s t i c a m e n t e e m períodos
r e c u r s o s p a r a p a g a r p o r i n t e r v e n ç õ e s pa-
de g u e r r a ; m e s m o
d r ã o , o u q u a n d o h á e s c a s s e z de p r o f i s s i o -
n o horror, éj p o s s í v e l
e n c o n t r a r solidariedade. Além disso, agir
n a i s de s a ú d e m e n t a l . C o n s i d e r a n d o q u e
coletivamente
a d o e n ç a a f e t a de f o r m a d e s p r o p o r c i o n a l
p a r a d e r r o t a r urri i n i m i g o
parece conferir a l g u m sentido
à existência.
pessoas s o c i o e c o n o m i c a m e n t e desfavore-
Esse e f e i t o é m a i s v i s í v e l q u a n d o (os m e m -
c i d a s , p a r t i c i p a r de t e r a p i a s c o m u n i t á r i a s
bros d a c o m u n i d a d e p o d e m o f e r e c e r a p o i o
q u e a j u d e m a d e s e n v o l v e r e s t r a t é g i a s de
emocional e ajuda prática uns aôs outros
i n t e r v e n ç ã o e q u e s t i o n a m e n t o de p r e c o n -
e m t e m p o s de necessidade.
c e i t o s e e x c l u s ã o pode s e r u m a a r m a i m -
N o e n t a n t o , n e m todos os g r u p o s i n -
portante c o n t r a esse s o f r i m e n t o psíquico.
f l u e n c i a m s e u s m e m b r o s de m a n e i r a posi-
Nesse sentido, grupos não só protegem da
tiva. Algumas pesquisas revelam, por exem-
depressão, mas t a m b é m abalam estigmas
plo, q u e o s a d o l e s c e n t e s s ã o m u i t o
que a a c o m p a n h a m .
mais
®
s u s c e t í v e i s a p r e j u d i c a r a si m e s m o s q u a n do se e n v o l v e m c o m pessoas p o u c o e m p á t i c a s e v i o l e n t a s . N o s s o s t r a b a l h o s confirm a m que romper c o m círculos
saciais
em
que h á c o n s u m o de á l c o o l e drogas a j u d a a r e d u z i r o r i s c o de r e c a í d a e n t r e a q u e l e s que e s t ã o e m t r a t a m e n t o p o r a b u s o dessas s u b s t â n c i a s . E m u m e s t u d o de 2010, d a First Nations
Adults,
d o C a n a d á , a psicóloga A m y
B o m b a y , e n t ã o n a U n i v e r s i d a d e de C a r l e t o n , c o n c l u i u q u e a d o t a r u m a identidade s o c i a l ligada à d i s c r i m i n a ç ã o pode t o r n a r u m a pessoa mais vulnerável à depressão. Em geral,
p o r é m , os grupos são a n -
t í d o t o s p a r a a t r i s t e z a d i f u s a e a f a l t a de esperança.
Combinar
tivos c o m outros
seus
efeitos
tratamentos
depressão c o s t u m a trazer
posi-
contra
resultados
a
efi-
PARA SABER MAIS
Feeling connected again: interventions that increase social identification reduce depression symptoms in community and clinicai settings. Tegan Cruwys, S. Alexander Haslam, Geneviève A. Dingle, Jolanda Jetten, Matthew J . Hornsey, E. M. Desdemona Chong e Tian P. S. Oei, em Journal of Affective Disorders, vol. 159, págs. 139-146; 20 de abril de 2014. Social group memberships protect against future depression, alleviate depression symptoms and prevent depression relapse. Tegan Cruwys, Geneviève A. Dingle, Catherine Haslam, S. Alexander Haslam, Jolanda Jetten e Thomas A. Morton, em Social Science and Medicine, vol. 98, págs. 179-186; dezembro de 2013. The social cure: identity, health and well-being Editado por Jolanda Jetten, Catherine Haslam e S. Alexander Haslam. Psychology Press, 2012. Mental health support groups, stigma, and self-esteem: positive and negative implications of group identification. Jason W. Crabtree, S. Alexander Haslam, Tom Postmes e Catherine Haslam, em Journal of Social Issues, vol. 66, n 3, págs. 553-569; setembro de 2010. Different shades of blue. Érica Westly, em Scientific American Mind; maio/ junho de 2010. The social cure. Jolanda Jetten, Catherine Haslam, S. Alexander Haslam e Nyla R. Branscombe, em Scientific American Mind; setembro/outubro de 2009. 9
53
PARA LIDAR
Medicação ou psicoterapia? Talvez os dois Fármacos podem ser muito úteis em determinados casos, mas algumas terapias apresentam vantagens sobre o uso isolado de remédios, garantindo a melhora na qualidade dos relacionamentos e redução do risco de volta dos sintomas após o fim do tratamento por Steven D. Hollon, Michael E. Thase e John C. M a r k o w i t z
M
uita gente imagina que medicamentos
médicos p a s s a r a m a c o n s i d e r a r a psicoterapia isolada
f u n c i o n e m c o m o u m a e s p é c i e de fór-
i n e f i c a z , o u a p e n a s u m c o a d j u v a n t e no t r a t a m e n t o
m u l a m á g i c a , c a p a z e s de c o m b a t e r a
depressão.
Compreensivelmente,
tan-
to p a c i e n t e s q u a n t o p r o f i s s i o n a i s da s a ú d e c u l t i v a m esse desejo. N o s a n o s 50, e s s e s p r o d u t o s i n a u g u r a r a m u m a e r a de t r a t a m e n t o s s e g u r o s , c o n f i á v e i s e r a z o a -
c o m b i n a d o . M a s n ã o é m a i s o q u e o c o r r e - se é q u e r e a l m e n t e foi v e r d a d e a l g u m d i a . Contrariando o p e n s a m e n t o d o m i n a n t e , pesquisas r e c e n t e s i n d i c a m q u e v á r i a s f o r m a s de p s i c o t e r a p i a p o d e m s e r t ã o e f i c a z e s q u a n t o a m e d i c a ç ã o - e às vez e s a t é m a i s , m e s m o e m a l g u n s c a s o s de d e p r e s s õ e s
v e l m e n t e b a r a t o s , o q u e foi u m g r a n d e a v a n ç o . C o n -
mais graves. Além disso, psicoterapias oferecem mais
f o r m e c r e s c e u a p o p u l a r i d a d e dos c o m p o s t o s , m u i t o s
v a n t a g e n s q u e o u s o i s o l a d o de a n t i d e p r e s s i v o s . De qualquer m o d o , a terapia farmacológica não deve ser d e s c a r t a d a , p r i n c i p a l m e n t e se c o n s i d e r a r m o s q u e no-
OS AUTORES
STEVEN D. HOLLON é professor de psicologia da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, foi presidente da Associação para o Avanço da Terapia Comportamental. MICHAEL E. THASE é professor de psiquiatria na Perelman Escola de Medicina, na Universidade da Pennsylvania. JOHN C. MARKOWITZ é psiquiatra, professor associado da Faculdade de Medicina Weill da Universidade de Cornell e pesquisador do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York. 54
I mentecérebro I Depressão
vas e eficientes opções surgem c o m frequência. É importante analisar essas tendências, já que a depressão c a u s a t a n t o s prejuízos, à sociedade e aos indivíduos. U m dos t r a n s t o r n o s
psiquiátricos
mais
c o m u n s e i m p o r t a n t e f a t o r de i n c a p a c i t a ç ã o no m u n do t o d o , g e r a i m p a c t o s n a q u a l i d a d e de v i d a e n a produtividade e c o n ó m i c a equivalentes ao das doenças
55
O transtorno apresenta duas formas básicas: o tipo unipolar envolve a perda de interesse nas atividades diárias e na forma bipolar os pacientes passam por estados maníacos, com euforia associada a surtos de compras e a aventuras sexuais impulsivas
tos - remédios para reduzir rapidamente a i n t e n s i d a d e de s i n t o m a s a g u d o s e psic o t e r a p i a p a r a a m p l i a r s e u efeito e e v i t a r recaídas - talvez ofereça a melhor opção p a r a u m a r e c u p e r a ç ã o c o m p l e t a , s e m problemas recorrentes. N o s s a s c o n c l u s õ e s se r e f e r e m p r i n c i p a l mente à condição denominada transtorno u n i p o l a r . N a d e p r e s s ã o se a p r e s e n t a a perda de i n t e r e s s e n a s a t i v i d a d e s d i á r i a s . N a f o r m a bipolar, c o n h e c i d a t a m b é m
como
m a n í a c o - d e p r e s s i v a , os p a c i e n t e s p a s s a m p o r e s t a d o s m a n í a c o s que p o d e m i n c l u i r euforia,
sonolência,
imprudência
asso-
c i a d a s a s u r t o s de c o m p r a s e a a v e n t u r a s s e x u a i s i m p u l s i v a s , q u e depois p r o v o c a m arrependimento. cardíacas. A depressão t a m b é m é respon-
O t r a n s t o r n o bipolar está presente e m
s á v e l p o r pelo m e n o s m e t a d e de t o d o s os
a p e n a s 1% a 2% d a p o p u l a ç ã o , e g e r a l -
suicídios.
mente é tratado c o m medicamentos para
A e f i c á c i a dos a n t i d e p r e s s i v o s foi c o m -
outro lado, até 20%
d o s c o m p l a c e b o s . Os m a i s n o v o s s ã o m a i s
dos h o m e n s s o f r e m de d e p r e s s ã o u n i p o l a r
seguros e a p r e s e n t a m m e n o s efeitos cola-
das mulheres e
e m a l g u m m o m e n t o d a v i d a . Nesse ú l t i m o
10%
t e r a i s . C e r c a de 5 0 % dos p a c i e n t e s r e s p o n -
caso, o tratamento costuma avançar em
d e m a t o d o s os m e d i c a m e n t o s desse t i p o ,
t r ê s f a s e s , d e t e r m i n a d a s pela a l t e r a ç ã o n a
e m u i t o s d a q u e l e s q u e n ã o r e s p o n d e m se
i n t e n s i d a d e d o s s i n t o m a s do p a c i e n t e , m e -
b e n e f i c i a m de o u t r o a g e n t e o u de
didos por critérios clínicos c o m o a Escala
uma
de H a m i l t o n p a r a a D e p r e s s ã o . P a c i e n t e s
c o m b i n a ç ã o deles. M a s n e m todo m u n d o
responde
aos
r e m é d i o s , e m u i t o s p r e f e r i r i a m n ã o t e r de
gravemente
deprimidos,
na fase
aguda,
a f i r m a m se s e n t i r d e s a n i m a d o s n a m a i o r
t o m á - l o s . A o l o n g o do t e m p o t ê m s i d o u s a -
p a r t e do t e m p o . P e r d e r a m o i n t e r e s s e e m
das t é c n i c a s psicoterapêuticas que podem
a t i v i d a d e s q u e a n t e s lhes p a r e c i a m praze-
s e r t ã o e f i c i e n t e s q u a n t o os r e m é d i o s n o
rosas e podem ter dificuldade para dormir,
a l í v i o de s i n t o m a s a g u d o s de q u a s e t o d o s
a l t e r a ç õ e s de a p e t i t e e libido d i m i n u í d a . É
os p a c i e n t e s , c o m e x c e ç ã o de v í t i m a s d a s
c o m u m se s e n t i r e m e x a u s t o s o u i n ú t e i s e
f o r m a s e x t r e m a m e n t e s e v e r a s de d e p r e s -
t e r e m p e n s a m e n t o s f r e q u e n t e s sobre mor-
são. E algumas terapias apresentam vanta-
te o u s u i c í d i o . O o b j e t i v o do t r a t a m e n t o é
g e n s s o b r e o u s o i s o l a d o de p s i c o f á r m a c o s ,
a m e n i z a r os s i n t o m a s . A " r e m i s s ã o " é a l -
c o m o a m e l h o r a n a q u a l i d a d e dos r e l a c i o -
c a n ç a d a q u a n d o a p e s s o a se s e n t e c o m p l e -
n a m e n t o s o u a r e d u ç ã o do r i s c o de v o l t a
tamente bem.
d o s s i n t o m a s a p ó s o fim do t r a t a m e n t o . Essa
56
e s t a b i l i z a ç ã o d o h u m o r , c o m o o lítio. Por
p r o v a d a p o r m i l h a r e s de e n s a i o s c o n t r o l a -
revelação
é
Mesmo
em
remissão,
no e n t a n t o ,
o
significati-
r i s c o de r e t o r n o dos s i n t o m a s t e n d e a s e r
v a , p o r q u e m u i t o s dos q u e se r e c u p e r a m
e l e v a d o . C o s t u m a - s e e n c o r a j a r os p a c i e n -
desse t r a n s t o r n o t e n d e m a ter recaídas. A
t e s a m a n t e r a m e d i c a ç ã o p o r pelo m e n o s
doença c o s t u m a ser crónica, comparável
seis m e s e s a p ó s a r e m i s s ã o i n i c i a l . M a s se
à d i a b e t e o u à h i p e r t e n s ã o , e os p a c i e n t e s
a v o l t a dos s i n t o m a s se dá e m p o u c o t e m -
t r a t a d o s só c o m m e d i c a ç ã o e m g e r a l ne-
po d e p o i s d i s s o , e n t ã o se f a l a e m r e c a í d a .
c e s s i t a m t o m á - l a d u r a n t e a n o s , se n ã o p o r
Nesse aspecto, o t r a t a m e n t o da depressão
toda a vida, para evitar o retorno da cri-
c o m r e m é d i o s se a s s e m e l h a a o de
s e . A l é m d i s s o , a a s s o c i a ç ã o de t r a t a m e n -
i n f e c ç ã o c o m o u s o d e a n t i b i ó t i c o s ; o pa-
I mentecérebro I Depressão
última
uma
ciente precisa t o m a r o remédio
mesmo
e s t ã o e n v o l v i d o s n a r e g u l a ç ã o do h u m o r
d e p o i s de j á e s t a r se s e n t i n d o b e m , a f i m
- p r i m e i r a m e n t e ao bloquear a recaptação
de e v i t a r a v o l t a do p r o b l e m a o r i g i n a l . O
desses n e u r o t r a n s m i s s o r e s nos neurónios
esforço para frustrar a recaída se c h a m a
q u e os s e c r e t a m . M a s a a ç ã o n ã o e x p l i c a
tratamento continuado e geralmente dura
c o m p l e t a m e n t e os e f e i t o s , e é b e m p r o v á -
pelo m e n o s de s e i s a n o v e m e s e s a l é m do
vel que seus c o m p o s t o s provoquem
p o n t o de r e m i s s ã o .
cascata
Aqueles que ultrapassam o ponto
no
qual o episódio tratado tem criance
de
de
eventos
bioquímicos
uma
subse-
quentes. Novos
métodos
de
psicoterapia
pro-
voltar são considerados recuperados. Mes-
v a r a m s e r t ã o e f i c i e n t e s q u a n t o os a n t i -
m o a s s i m , a i n d a e x i s t e a p o s s i b i l i d a d e de
depressivos,
embora
ainda
não
tenham
p a s s a r p o r u m n o v o e p i s ó d i o . Peásoas c o m
p a s s a d o p o r t e s t e s a b r a n g e n t e s . Os progra-
h i s t ó r i c o de d e p r e s s ã o s ã o de t r f s a c i n c o
mas incluem a psicoterapia interpessoal,
vezes mais propensas a ter u m episódio
q u e se c o n c e n t r a n o s p r o b l e m a s de rela-
depressivo e m c o m p a r a ç ã o com quem não
c i o n a m e n t o e a j u d a os p a c i e n t e s a se l i v r a r
t e m ocorrências prévias. U m novo episódio
do s e n t i m e n t o de c u l p a c o m u m no q u a -
é c h a m a d o de r e i n c i d ê n c i a . P a r a se prote-
d r o de d e p r e s s ã o . D e s e n v o l v i d a nos a n o s
ger da r e i n c i d ê n c i a , m u i t o s p a c i e n t e s s ã o
7 0 , a p s i c o t e r a p i a i n t e r p e s s o a l t e v e bons
s u b m e t i d o s a t r a t a m e n t o contímjio de m a -
resultados e m ensaios, mas está apenas
nutenção, normalmente com medicação,
c o m e ç a n d o a e n t r a r n a p r á t i c a c l í n i c a . Es-
m a s e m a l g u n s c a s o s c o m p s i c o t e r a p i a . E,
t u d o s m o s t r a m , no e n t a n t o , q u e , q u a n d o a
se p a r a m de t o m a r o r e m é d i o , o f a t o de te-
t é c n i c a é a s s o c i a d a a o s p s i c o f á r m a c o s , os
r e m s i d o t r a t a d o s c o m ele n a d a r e p r e s e n t a
p a c i e n t e s r e c e b e m o m e l h o r dos d o i s m u n -
p a r a a r e d u ç ã o do r i s c o de r e i n c i d ê n c i a .
d o s : os r e s u l t a d o s r á p i d o s da i n t e r v e n ç ã o
E m b o r a h a j a g r a n d e s v a r i a ç õ e s n a de-
farmacêutica e a maior abrangência
na
pressão, existem poucos tratamentos con-
m e l h o r i a da q u a l i d a d e d a s r e l a ç õ e s inter-
s a g r a d o s . Q u a s e t o d o s os p r i n c i p a i s a n t i -
pessoais.
d e p r e s s i v o s se e n c a i x a m e m t r ê s g r a n d e s
Terapias
cognitivas
e
comportamen-
c a t e g o r i a s : i n i b i d o r e s de m o n o a m i n o x i d a -
tais, ( T C C s ) , t a m b é m s u r t e m efeito c o m -
se ( I M A O s ) , t r i c í c l i c o s (ADTs) e i n i b i d o r e s
p a r á v e l a o da m e d i c a ç ã o , e x c e t o n o s c a s o s
A METANÁLISE indica que pacientes de depressão respondem quase igualmente bem à medicação ou à psicoterapia (psicoterapia interpessoal - PI ou terapias cognitivas e comportamentais TCCs)
s e l e t i v o s d a r e c a p t a ç ã o de s e r o t o n i n a (ISR S s ) , c o m o o P r o z a c e o Paxil (Veja co nesta página).
gráfi-
Cada categoria t e m ação
l i g e i r a m e n t e d i f e r e n t e e efeitos C o l a t e r a i s d i s t i n t o s , e a p r e s c r i ç ã o se b a s e i a l n o h i s t ó -
Respostas dos pacientes (em porcentagem)
r i c o do p a c i e n t e , n a p o s s i b i l i d a d e de h a v e r determinadas
complicações
e rio c u s t o .
E m b o r a s e j a m i g u a l m e n t e e f i c a z e s n a população e m geral, alguns
DROGAS
medicamentos
são mais eficientes que outros para tipos específicos
de
depressão.
Em
geral,
os
IMAOs e ADTs, mais antigos, representam m a i o r r i s c o de e f e i t o s c o l a t e r a i s . Ndas os ISRSs n e m s e m p r e f u n c i o n a m , s o b r e t u d o e m pacientes mais gravemente deprimidos, e são mais caros. A p e s a r do u s o d i s s e m i n a d o dos a n t i depressivos,
ainda
não
se
compreende
t o t a l m e n t e s u a a ç ã o . Eles f u n c i o n a m e m p a r t e a f e t a n d o os n e u r o t r a n s m i s s o r e s norepinefrina, s e r o t o n i n a e d o p a m i n a - que
Psicoterapia
Farmacoterapia
m a i s graves - e podem trazer benefício até
e m t e s t e s de c l a s s i f i c a ç ã o r e a l i z a d o s e n -
n e s s a s c o n d i ç õ e s , se f o r e m a d m i n i s t r a d a s
t r e as p r i m e i r a s de q u a t r o a oito s e m a n a s .
por terapeutas experientes. O mais a n i m a -
C e r c a de u m t e r ç o d e l e s se r e c u p e r a to-
dor é que essas terapias parecem ter u m
t a l m e n t e ( r e m i s s ã o ) . N e m toda m e l h o r a ,
efeito m a i s duradouro, reduzindo o risco
p o r é m , deve s e r a t r i b u í d a aos f á r m a c o s .
de r e c a í d a e t a l v e z de r e i n c i d ê n c i a . M e s -
E m e x p e r i m e n t o s c o n t r o l a d o s c o m place-
m o os r e m é d i o s m a i s e f i c a z e s r a r a m e n t e
b o s , as p í l u l a s i n ó c u a s c o n s e g u e m c h e g a r
p r o d u z e m resultados a tão longo prazo. A
a 80%
da t a x a de s u c e s s o da m e d i c a ç ã o
t e r a p i a c o g n i t i v a é p r o v a v e l m e n t e a abor-
ativa,
provavelmente
d a g e m m a i s c o n s o l i d a d a e n t r e as T C C s . Ela
r a n ç a e e x p e c t a t i v a de m u d a n ç a . O efeito
provocar
espe-
propõe que pacientes questionem a valida-
placebo tende a ser m e n o s estável c o m o
de de s u a s c r e n ç a s d e p r e s s i v a s a n ó m a l a s e
t e m p o e t e r m e n o r m a g n i t u d e e m depres-
alterem o modo como processam informa-
sões mais severas o u crónicas. U m grande
ç õ e s s o b r e si m e s m o s . A t e r a p i a c o m p o r t a -
p r o b l e m a c o m a t e r a p i a de fase a g u d a , no
m e n t a l perdeu terreno para a abordagem
e n t a n t o , é q u e m u i t o s p a r a m de t o m a r o
cognitiva, m a s t a m b é m t e m obtido bons
r e m é d i o - p r i n c i p a l m e n t e por c a u s a dos
resultados e m ensaios recentes e está sen-
e f e i t o s c o l a t e r a i s - a n t e s que os t e r a p e u -
do r e a b i l i t a d a .
t a s p o s s a m d i z e r c o m c l a r e z a se os a g e n t e s
Não é possível a p o n t a r s i m p l e s m e n t e o
e s t ã o f u n c i o n a n d o . A s t a x a s de a t r i t o de
que é " m e l h o r " para pacientes deprimidos:
e n s a i o s c l í n i c o s s ã o m u i t a s v e z e s de
medicação ou psicoterapia. Mas
muitos
ou mais para m e d i c a m e n t o s mais antigos
estudos chegaram a conclusões
interes-
s a n t e s sobre as abordagens e m sua aplica-
58
ao
c o m o os A D T s e de c e r c a de 15%
30%
p a r a as
o p ç õ e s m a i s n o v a s , c o m o os ISRSs.
ç ã o n a s t r ê s f a s e s da d o e n ç a : n o s s i n t o m a s
A s n o v a s f o r m a s de p s i c o t e r a p i a pare-
a g u d o s d a c r i s e , n o s m e s e s de t r a t a m e n t o
c e m ser tão eficientes quanto a medicação
continuado para evitar a recaída e na m a -
u t i l i z a d a d u r a n t e a f a s e a g u d a da depres-
n u t e n ç ã o da s a ú d e nos a n o s s e g u i n t e s .
s ã o , e m b o r a o n ú m e r o de e s t u d o s
seja
E n t r e os p a c i e n t e s q u e t o m a m a n t i d e -
m e n o r e as c o n c l u s õ e s n e m sempre con-
p r e s s i v o s d u r a n t e o t r a t a m e n t o dos s i n t o -
sistentes. U m dos estudos típicos c o n c l u i u
m a s a g u d o s , c e r c a de m e t a d e
apresenta
que a psicoterapia interpessoal isolada é
u m a q u e d a de 5 0 % n a e s c a l a dos s i n t o m a s
quase tão eficaz quanto a terapia medica-
I mentecérebro I Depressão
Gravidade da depressão
30 25 20
SÓ PSICOTERAPIA
15
SÓ NEFAZODONA
10
A ASSOCIAÇÃO da medicação (nefazodona) à psicoterapia reduziu por mais tempo a intensidade dos sintomas em pacientes cronicamente deprimidos, segundo estudo realizado em 2000
NEFAZODONA E PSICOTERAPIA
5 0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Semana do estudo
m e n t o s a isolada, e que a associação entre
q u a n t o a m e d i c a ç ã o n a f a s e a g u d a . A exce-
elas é a i n d a s u p e r i o r . E m g e r a l , a m e d i c a -
ç ã o m a i s n o t á v e l - o e s t u d o de 1989 - d e d u -
ç ã o a l i v i o u os s i n t o m a s c o m m a i o r r a p i d e z ,
z i u q u e a t e r a p i a c o g n i t i v a e r a m e n o s efi-
mas a psicoterapia interpessoal
produziu
caz que a medicação e que a psicoterapia
maiores a v a n ç o s na interação social e na
interpessoal ( n e m m e l h o r que o placebo)
qualidade dos relacionamentos. O trata-
no t r a t a m e n t o dos p a c i e n t e s c o m depres-
m e n t o c o m b i n a d o m a n t e v e os b e n e f í c i o s
s ã o m a i s s e v e r a . C o m o o e s t u d o foi e x t e n -
independentes dos dois.
so e r e p r e s e n t o u a p r i m e i r a g r a n d e c o m -
A
psicoterapia
interpessoal
também
p a r a ç ã o a i n c l u i r c o n t r o l e de p l a c e b o , s e u s
t e v e b o m d e s e m p e n h o no P r o g r a m a C o o -
r e s u l t a d o s f o r a m u m balde de á g u a f r i a
p e r a t i v o de P e s q u i s a e m T r a t a m e n t o
sobre o entusiasmo c o m a terapia cogni-
da
D e p r e s s ã o do I n s t i t u t o N a c i o n a l de S a ú d e
tiva, embora n e n h u m outro estudo tenha
M e n t a l d o s E U A , de 1989. O projeto é t a l v e z
obtido resultados tão negativos.
o e s t u d o m a i s i n f l u e n t e a t é hoje a c o m parar medicação e psicoterapia. ensaio,
pacientes
com
grave
H o j e a c o n c l u s ã o p a r e c e t e r s i d o pre-
Naquele
m a t u r a . Estudos recentes m o s t r a r a m que
depressão
as T C C s s ã o s u p e r i o r e s a o s p l a c e b o s e t ã o
r e c e b e r a m a l e a t o r i a m e n t e 16 s e m a n a s de
eficazes
p s i c o t e r a p i a i n t e r p e s s o a l , de t e r a p i a s c o g -
mais severamente
nitivas e c o m p o r t a m e n t a i s ou o ADT imi-
t u d o s i n d i c a m q u e o s u c e s s o da t e r a p i a
pramina, combinados
com
c o g n i t i v a d e p e n d e m u i t o do nível de t r e i -
u m psiquiatra ou c o m u m placebo associa-
n a m e n t o e da e x p e r i ê n c i a do t e r a p e u t a , es-
c o m sessões
quanto
os
nos
pacientes
deprimidos.
ISRSs
Esses es-
do à s r e u n i õ e s . P a c i e n t e s c o m d e p r e s s ã o
pecialmente para pacientes c o m sintomas
m e n o s severa m e l h o r a r a m igualmente sob
m a i s s é r i o s o u c o m p l i c a d o s . Os m e l h o r e s
t o d a s a s c o n d i ç õ e s . E n t r e os m a i s g r a v e -
t r a t a m e n t o s para aliviar a fase aguda
:
mente deprimidos, a imipramina funcion o u m a i s r á p i d o q u e a p s i c o t e r a p i a interp e s s o a l , m a s a m b a s f o r a m c o m p a r á v e i s ao fim do t r a t a m e n t o e a m b a s se m o s t r a r a m superiores ao placebo. Q u a n t o às terapias cognitivas e c o m p o r t a m e n t a i s , a m a i o r i a dos e n s a i o s p u b l i cados c o n c l u i u que elas são tão eficientes
PARA SABER MAIS
Tratamento de depressão no idoso além do cloridrato de fluoxetina. Gabriela Arantes Wagner. Revista de Saúde Pública, v. 49, p. 1-4, 2015. Tratamento da depressão maior à base de venlafaxina. Rodrigo Nicolato e Jussara Mendonça Alvarenga. RBM Rev. Bras. Med. 71.1, n esp (2014). Treatment and prevention of depression. Steven Hollon, Michael Thase e John Markowitz em Psychological Science in the Public Interest, vol. 3, n 2, págs. 39-77, novembro de 2002. 9
9
PARA LIDAR
Antidepressivos: 1 »
es do imos
Medicamentos disponíveis no mercado deixam a desejar: podem levar semanas para fazer efeito e para muitas pessoas realmente não funcionam Por Robin Marantz Henig
J
o a n a c o m p l e t o u 26 a n o s no m ê s p a s s a d o . For-
p a r a P r i s t i q , q u e f a z p a r t e de u m a c l a s s e r e l a c i o n a d a
mada em propaganda e marketing,
prepara-se
de i n i b i d o r e s s e l e t i v o s d a r e c a p t a ç ã o d a s e r o t o n i n a
p a r a i n i c i a r u m c u r s o de p ó s - g r a d u a ç ã o . A m a i o -
e da n o r a d r e n a l i n a ( I S R S N s ) . H o j e , t o m a o u t r o ISRS,
ria d a s p e s s o a s c o m q u e m c o n v i v e n ã o s a b e q u e
o Zoloft, juntamente c o m Wellbutrin (um "parente"
ela t o m a a n t i d e p r e s s i v o s h á t r ê s a n o s , p r i n c i p a l m e n t e
dos I S R S N s , q u e i n f l u i n a a t i v i d a d e d a d o p a m i n a e da
c o n t r a a a n s i e d a d e e a t a q u e s de p â n i c o . Por dez m e s e s
n o r a d r e n a l i n a ) , p a r a c o m p e n s a r os e f e i t o s c o l a t e r a i s
u s o u P a x i l , u m i n i b i d o r s e l e t i v o de r e c a p t a ç ã o de se-
do m e d i c a m e n t o . Só h á p o u c a s s e m a n a s i n i c i o u as
r o t o n i n a ( I S R S ) , m a s a c a b o u d e s i s t i n d o , pois o m e d i -
s e s s õ e s de p s i c o t e r a p i a . " A c h e i q u e r e m é d i o s s e r i a m
c a m e n t o inibiu seu desejo s e x u a l . O psiquiatra t r o c o u
e f i c a z e s , hoje p e n s o q u e d e v e r i a t e r c o m e ç a d o a a n á -
p o r X a n a x , d r o g a a n s i o l í t i c a q u e lhe d e v o l v e u a l i b i d o ,
lise a n t e s . "
m a s à c u s t a de n o v o s s i n t o m a s . P a r a e v i t á - l o s , u s o u
S u a t r a j e t ó r i a r e v e l a a t í p i c a a b o r d a g e m de t e n t a -
Paxil n o v a m e n t e , d e p o i s L e x a p r o ( o u t r o ISRS) e p a s s o u
tiva e erro baseada na prescrição não apenas para a depressão e m si, mas t a m b é m para distúrbios relacio-
A AUTORA ROBIN MARANTZ HENIG é jornalista científica. 60
I mentecérebro I Depressão
n a d o s . O e s c r i t o r A n d r e w S o l o m o n , a u t o r de O nio do meio-dia
demó-
( O b j e t i v a , 2002), n o q u a l r e t r a t a s u a
•
• • • •••• experiência no período e m que esteve mergulhado e m
•• • • s o a s d e p r i m i d a s c o m m a i s de 66 a n o s q u e t o m a m IS-
p r o f u n d a d e p r e s s ã o , e s c r e v e u q u e e s s a t á t i c a dos m é -
RSs, o r i s c o de s u i c í d i o é c i n c o v e z e s m a i o r d u r a n t e o
d i c o s " o f a z se s e n t i r c o m o u m a l v o de d a r d o s " .
p r i m e i r o m ê s de t r a t a m e n t o c o m m e d i c a ç ã o .
E f e i t o s c o l a t e r a i s n ã o s ã o o ú n i c o m o t i v o de preo-
MAIS RÁPIDO, POR FAVOR
c u p a ç ã o . Os ISRSs e I S R S N s q u e d o m i n a m o m e r c a d o de a n t i d e p r e s s i v o s d e s d e s u a i n t r o d u ç ã o , n a s d é c a d a s
Nos
últimos
dois a n o s , gigantes
farmacêuticos
de 8o e 90, n ã o a j u d a m t o d o s os p a c i e n t e s e a c a b a m
c o m o o G l a x o - S m i t h K l i n e a n u n c i a r a m a i n t e n ç ã o de
f r a c a s s a n d o p a r a m a i s de u m t e r ç o dos u s u á r i o s . É
a b a n d o n a r o d e s e n v o l v i m e n t o de d r o g a s p s i q u i á t r i -
p r e c i s o l e v a r e m c o n t a q u e u m c o m p r i m i d o q u e pa-
cas, por considerar o processo m u i t o o n e r o s o , difícil
r e c e f u n c i o n a r hoje pode m u i t o b e m n ã o a j u d a r a m a -
e p o u c o p r e c i s o . C i e n t i s t a s de l a b o r a t ó r i o s e s t a t a i s e
n h ã . A l é m d i s s o , os m e d i c a m e n t o s p o d e m l e v a r v á r i a s
u n i v e r s i t á r i o s de v á r i o s p a í s e s e de p e q u e n a s e m p r e s a s
s e m a n a s até c o m e ç a r a m o s t r a r efeito perceptível - e
t e n t a m preencher a l a c u n a . O fato, no e n t a n t o , é que
s e m a c o m p a n h a m e n t o p s i c o l ó g i c o esse p e r í o d o pode
m i l h õ e s de p a c i e n t e s p e r m a n e c e m s e m a j u d a d e psi-
ser p o t e n c i a l m e n t e perigoso. Segundo u m
relatório
coterapia e medicamentos - e estão desesperados para
e n t r e pes-
experimentar qualquer coisa que alivie a dor psíquica.
p u b l i c a d o n o American
Journal
of Psychiatry,
61
Apenas duas horas apos uma injeção de cetamina, ratos de laboratório começaram a aumentar a produção de proteínas necessárias para construir novas sinapses no córtex pré-frontal
N o s e x p e r i m e n t o s de D u m a n e A g h a j a n i a n q u a n t o m a i s e s p i n h a s m e n o s os a n i m a i s demonstram
comportamento
depressivo
( c o m o a b a n d o n a r a t i v i d a d e s a que n o r m a l m e n t e se d e d i c a r i a m ) . " V á r i o s t r a b a l h o s n o s ú l t i m o s dez a n o s ou mais mostram
que na depressão
há
a t r o f i a e n ã o c r e s c i m e n t o , no c ó r t e x préfrontal e no h i p o c a m p o " , avalia D u m a n , que
dirige
o
Laboratório
de
Psiquiatria
M o l e c u l a r de Y a l e . A c e t a m i n a pode reverter essa atrofia rapidamente e restaurar a Pesquisadores que p r o c u r a m e n c o n t r a r
n o r m a l i d a d e . A r a p i d e z é p o n t o c e n t r a l da
a n t i d e p r e s s i v o s de a ç ã o m a i s r á p i d a t ê m
p e s q u i s a : c i e n t i s t a s e x a m i n a m c é r e b r o s de
e s t u d a d o c o m p o s t o s c o n h e c i d o s c o m o le-
ratos apenas a l g u m a s horas após a injeção
v a n t a d o r e s r e l â m p a g o de h u m o r , n a espe-
de c e t a m i n a p a r a v e r se o a u m e n t o n a s es-
r a n ç a de d e s c o b r i r por q u e eles f u n c i o n a m
pinhas s i n á p t i c a s ocorre ainda antes das
m u i t o m a i s r a p i d a m e n t e q u e os I S R S s , a u -
24 h o r a s .
m e n t a n d o os n í v e i s de s e r o t o n i n a , m o l é cula sinalizadora,
no c é r e b r o . U m d e s s e s
compostos é a cetamina.
c e t a m i n a faz as espinhas sinápticas cres-
Ela é u m a n e s t é s i c o , a n a l g é s i c o ( t a m -
c e r e m : ativando u m a enzima em neurô-
bém usada c o m o droga recreativa) que, en-
nios, conhecida
t r e o u t r a s c o i s a s , pode a f e t a r a c o n s c i ê n c i a
seus
colegas
como
mTOR.
descobriram
essa
Duman
e
conexão
e provocar alucinações. Experimentos com
a d m i n i s t r a n d o aos ratos u m a droga que
roedores
pode s e r t ó x i c a
b l o q u e i a a a ç ã o d a e n z i m a . Depois u s a r a m
mostram
que
p a r a a s c é l u l a s n e u r a i s - m o t i v o q u e a des-
c e t a m i n a e m ratos c o m mTOR bloqueada,
qualifica para u m antidepressivo, m a s ela
N a d a a c o n t e c e u , o q u e i n d i c a que q u a n d o
p r o v o u s e r u m c o m p o s t o f a s c i n a n t e de se
a m T O R é inibida a c e t a m i n a não exerce
e s t u d a r n a p r o c u r a de ideias de c o m o f a z e r
e f e i t o n a p r o l i f e r a ç ã o de e s p i n h a s i n á p t i -
a n t i d e p r e s s i v o s r e d u z i r e m os s i n t o m a s de
c a o u n a r e v e r s ã o de c o m p o r t a m e n t o de-
f o r m a m a i s r á p i d a . C o m o os p e s q u i s a d o -
p r e s s i v o . E m o u t r a s p a l a v r a s , a m T O R deve
res R o n a l d D u m a n e G e o r g e A g h a j a n i a n ,
estar ativada para a c e t a m i n a fazer seu tra-
d a U n i v e r s i d a d e Y a l e , e s e u s c o l e g a s de-
b a l h o de b r o t a ç ã o de e s p i n h a s ,
m o n s t r a r a m , apenas duas horas após u m a
C o n s i d e r a n d o a c e t a m i n a perigosa de-
i n j e ç ã o de c e t a m i n a , r a t o s de l a b o r a t ó r i o
mais para ser usada rotineiramente c o m o
começaram
62
P e s q u i s a a d i c i o n a l e m u m g r u p o difer e n t e de r a t o s d e p r i m i d o s r e v e l o u c o m o a
a a u m e n t a r a p r o d u ç ã o de
remédio, cientistas começaram a buscar
proteínas necessárias para construir novas
o u t r o s a t i v a d o r e s de m T O R . Eles s a b i a m
s i n a p s e s ( p o n t o s de c o n t a t o a t r a v é s dos
q u e a c e t a m i n a e s t i m u l a a e n z i m a preve-
q u a i s os s i n a i s f l u e m e n t r e a s c é l u l a s ner-
nindo o glutamato (principal neurotrans-
v o s a s ) no c ó r t e x p r é - f r o n t a l . E s s a região do
m i s s o r e x c i t a t ó r i o do c é r e b r o ) de agir e m
c é r e b r o , l o c a l i z a d a logo a t r á s dos o l h o s ,
u m a m o l é c u l a de a c o p l a m e n t o
é c o n h e c i d a p o r se c o m p o r t a r de f o r m a
- d e n o m i n a d a r e c e p t o r a N M D A - n a super-
a n o r m a l e m pessoas deprimidas.
f í c i e dos n e u r ó n i o s . E n t ã o , t e s t a r a m o u t r o
A p ó s 24
particular
h o r a s da a p l i c a ç ã o da i n j e ç ã o de c e t a m i n a
b l o q u e a d o r N M D A e d e s c o b r i r a m q u e este
t a m b é m c o m e ç a r a m a brotar nos ratos no-
t a m b é m e l e v o u a a t i v i d a d e da m T O R , r a -
vas "espinhas sinápticas", como cravos em
p i d a m e n t e p r o m o v e u a f o r m a ç ã o de espi-
u m a t o p i á r i a , a o l o n g o dos d e n d r i t o s , q u e
nhãs e produziu efeitos antidepressivos em
s ã o p r o j e ç õ e s de c é l u l a s n e r v o s a s r e c e p t o -
ratos. Agora, D u m a n e seus colegas exami-
r a s de s i n a i s de o u t r o s n e u r ó n i o s . Q u a n t o
n a m o u t r o s c o m p o s t o s q u e b l o q u e i a m re-
mais espinhas, mais rápida a transmissão,
c e p t o r e s N M D A p a r a v e r se a l g u m pode s e r
I mentecérebro I Depressão
p r o m e s s a de a n t i d e p r e s s i v o s s e g u r o s e de ação rápida.
e q u i p e do E x p e r i m e n t a l T h e r a p e u t i c s a n d Pathophysiology B r a n c h , no Instituto Na-
Outro c o m p o s t o eleva o h u m o r rapidamente, mas com outra
finalidade:
c i o n a l de S a ú d e M e n t a l dos E s t a d o s U n i d o s
a esco-
( N I M H , n a sigla e m i n g l ê s ) , e s e u s c o l e g a s
p o l a m i n a , v e n d i d a c o m o a d e s i v o de pele
descobriram que a escopolamina intrave-
para o t r a t a m e n t o da cinetose. A substân-
n o s a a l i v i a s i n t o m a s e m t r ê s d i a s . N a ver-
cia influencia u m circuito cerebral diferen-
dade, conta ela, pacientes
normalmente te d a c e t a m i n a , i m p e d i n d o a l i g a ç ã o do | r e l a t a m a c o r d a r no d i a s e g u i n t e se s e n t i n n e u r o t r a n s m i s s o r a c e t i l c o l i n a - e n v o l v i d o | do m e l h o r N o final do e s t u d o de q u a t r o | na atenção e m e m ó r i a - a moléculas cos e m a n a s , q u a s e dois t e r ç o s dos p a c i e n t e s nhecidas c o m o receptores muscarínicos.
m o s t r a r a m m e l h o r a significativa e m seus
J á n a d é c a d a de 70 p e s q u i s a d o r e s s a -
s i n t o m a s e m e t a d e a l c a n ç o u r e m i s s ã o . Es-
b i a m q u e m a n i p u l a r a a t i v i d a d e da a c e -
ses b e n e f í c i o s d u r a r a m 15 d i a s a p ó s a dose
t i l c o l i n a n o c é r e b r o p o d i a levar à d e p r e s -
final.
s ã o . Q u a n d o p a c i e n t e s b i p o l a r e s , q u e se
o u t r a s 22 p e s s o a s d e p r i m i d a s .
Os e f e i t o s f o r a m r e p r o d u z i d o s
em
alternam entre a euforia e a depressão, e s t a v a m n a f a s e de e u f o r i a e lhes e r a d a d o medicamento que melhora a sinalização de
acetilcolina,
desenvolviam
em
APOSTA NA NEUROGÊNESE O N I M H espera encontrar u m a empre-
uma
sa para e x e c u t a r os testes e e n s a i o s c l í n i c o s
h o r a s i n t o m a s de d e p r e s s ã o , c o m o h u m o r
n e c e s s á r i o s p a r a t r a z e r a e s c o p o l a m i n a ao
rebaixado e letargia. E quando pacientes
m e r c a d o c o m o a n t i d e p r e s s i v o de a ç ã o rápi-
recebiam u m f á r m a c o que a u m e n t a v a o
d a . A a d m i n i s t r a ç ã o da d r o g a , no e n t a n t o ,
nível de a c e t i l c o l i n a n o c é r e b r o , a d e p r e s -
é u m a pedra no c a m i n h o . S u p r i r escopola-
são piorava.
m i n a de f o r m a i n t r a v e n o s a , c o m o é feito
Pode-se c o n c l u i r q u e c i e n t i s t a s p e s q u i -
por a l g y n s ' a n e s t e s i s t a s c o m o parte de u m a
s a r i a m , p o r t a n t o , m a n e i r a s de d e í a t i v a r a
mistura .anestésica,
a c e t i l c o l i n a . N o e n t a n t o , o i n t e r e s s e ini-
adesivo de pele não oferece níveis da dro-
cial foi d e s c a r t a d o pelo n e u r o t r a n s m i s s o r
ga no s a n g u e s u f i c i e n t e m e n t e a l t o s ; c o m a
"estrela" daquela era, a serotonina.
Na
f o r m u l a ç ã o o r a l , a m a i o r parte da escopo-
acreditavam
l a m i n a é e l i m i n a d a pelo s i s t e m a digestivo.
verdade, muitos psiquiatras
é
impraticável.
Um
q u e o q u e t o r n a v a os ISRSs t ã o ú t e i s e r a
N o m o m e n t o , M a u r a b u s c a u m m é t o d o de
e s p e c i f i c a m e n t e o f a t o de q u e eles n ã o t i -
a d m i n i s t r a ç ã o que seja p r á t i c o e e f i c i e n t e .
n h a m c o m o a l v o c i r c u i t o s cerebrais q u e
A l é m do t e m p o q u e l e v a m p a r a s u r t i r
e m p r e g a m a c e t i l c o l i n a ( q u e depois d i s s o
efeito, outra grande desvantagem dos an-
passou a ser ignorada). Prevaleceu então a
t i d e p r e s s i v o s da n o v a g e r a ç ã o é q u e n ã o
ideia de q u e os a n t i g o s antidepresisivos t i -
f u n c i o n a m c o m t o d o s os p a c i e n t e s . P a r a
n h a m t a n t o s efeitos colaterais porque, di-
r e s o l v e r e s s e p r o b l e m a c i e n t i s t a s e s t ã o se
f e r e n t e m e n t e d o s I S R S s , a g i a m no s i s t e m a
concentrando em vários novas e ações.
colinérgico, especificamente
Alguns
sobre os re-
investigam
uma
segunda
classe
ceptores m u s c a r í n i c o s , que c o m p õ e m u m
de r e c e p t o r e s de a c e t i l c o l i n a , c o n h e c i d o s
s u b c o n j u n t o de r e c e p t o r e s de a c e t i l c o l i n a
c o m o receptores nicotínicos (assim cha-
distribuídos por todo o cérebro.
mados por t a m b é m responderem à nicoti-
A s s i m , e s t r a n h a m e n t e , p a r e c e ir c o n t r a
na). Em especial, cientistas da Targacept,
o saber estabelecido investir na pesquisa
pequena
empresa
biofarmacêutica
em
de u m a d r o g a q u e a j a e s p e c i f i c a m e n t e n o s
W i n s t o n - S a l e m , n a C a r o l i n a do N o r t e , es-
receptores m u s c a r í n i c o s - ainda que t e n h a
t u d a m u m a droga experimental c h a m a d a
relativamente poucos efeitos colaterais e
TC-5214 q u e b l o q u e i a u m r e c e p t o r n i c o t í -
seja u m a n t i d e p r e s s i v o de a ç ã o riápida e
nico específico; eles e s p e r a m c o m e r c i a -
e f i c a z . E m u m e s t u d o e n v o l v e n d o 22 pa-
lizar o composto c o m o terapia adicional
cientes
q u a n d o u m ú n i c o a n t i d e p r e s s i v o n ã o re-
diagnosticados
com
depressão,
a c i e n t i s t a M a u r a F u r e y , p e s q u i s a d o r a da
d u z s u f i c i e n t e m e n t e os s i n t o m a s .
E m e n s a i o s a n t e r i o r e s c o m 265 i n d i -
m a s t a m b é m pelo a u m e n t o de n o v a s c é -
a p e n a s a o ISRS c i t a l o p r a m ( C e l e x a ) t i v e -
l u l a s . M a s e s s e c r e s c i m e n t o o c o r r e de for-
r a m TC-5214 o u u m p l a c e b o a d i c i o n a d o s
m a l e n t a e t a l v e z i s s o seja parte d o m o t i v o
a o t r a t a m e n t o . E m 2009 a T a r g a c e p t rela-
pelo q u a l o s b e n e f í c i o s d o s m e d i c a m e n t o s
tou que pessoas que t o m a r a m citalopram
levam tanto tempo
e placebo
p a r a se m a n i f e s t a r .
pontos
Cientistas da pequena empresa farmacêu-
s e g u n d o u m a f e r r a m e n t a de a v a l i a ç ã o p a -
tica N e u r a l s t e m , e m Rockville, Maryland,
d r ã o (a Escala de Depressão de H a m i l t o n ) ,
e s p e r a m t e r descoberto u m modo diferen-
e n q u a n t o os que t o m a r a m citalopram j u n -
te d e e s t i m u l a r a n e u r o g ê n e s e - e de m a n -
to c o m a droga experimental m e l h o r a r a m
tê-la m e s m o d e p o i s d e a d r o g a d e i x a r de
e m 13,75 p o n t o s .
ser administrada.
melhoraram
e m 7,75
Depois, a AstraZeneca assinou contrato
Para e n c o n t r a r s e u estímulo pesquisa-
c o m a Targacept para estudos de eficácia
dores da Neuralstem contaram c o m cultu-
m a i s e x t e n s o s ( e n s a i o s de f a s e I I I ) e m q u e
ras de c é l u l a s - t r o n c o neurais derivadas de
p a c i e n t e s r e c e b e m u m p l a c e b o o u TC-5214
células do h i p o c a m p o h u m a n o - as únicas
a l é m d o a n t i d e p r e s s i v o o r i g i n a l . O s dois
c u l t u r a s a s s i m n o m u n d o , de a c o r d o c o m
p r i m e i r o s e n s a i o s , c o m 614 p e s s o a s , tive-
a e m p r e s a . P r i m e i r o t e s t a r a m o efeito de
ram
c e r c a d e 10 m i l c o m p o s t o s n a s c é l u l a s d o
resultados
decepcionantes:
nenhu-
m a m e l h o r a n a pontuação de depressão,
hipocampo, em cultura.
q u a n d o c o m p a r a d o s ao placebo, após oito
S e g u n d o o dire-
tor científico Karl J o h e , o objetivo e r a ve-
s e m a n a s . M a s as pesquisas não p a r a r a m :
rificar que compostos a u m e n t a m a taxa
a l é m d o e s t u d o de s e g u r a n ç a a longo p r a -
de p r o l i f e r a ç ã o c e l u l a r a p ó s s e t e d i a s . M e -
z o , outros ensaios de eficácia estão plane-
n o s d e 200 p a s s a r a m p e l o t e s t e e d e s s e s a
j a d o s , a g o r a c o m m a i s d e 1.300 p a c i e n t e s
equipe N e u r a l s t e m selecionou meia dúzia
de t o d o o m u n d o . O s c i e n t i s t a s p r e t e n d e m
de c a n d i d a t o s q u e p a r e c i a m m a i s p r o p e n -
apresentar
de droga
sos a e s t i m u l a r a neurogênese do hipo-
n o v a p a r a a TC-5214 n a Food a n d D r u g A d -
c a m p o . E m 2004 c o m e ç a r a m os t e s t e s e m
m i n i s t r a t i o n ( F D A ) e m 2014.
a n i m a i s , c o m a inoculação dos preparos
u m requerimento
C o m u m m e c a n i s m o d e a ç ã o n ã o relac i o n a d o a s e u efeito n a s e r o t o n i n a , o u n a n o r a d r e n a l i n a , o antagonista do receptor nicotínico da Targacept visa atender pacientes deprimidos que não respondem a medicamentos
atualmente
no mercado.
Outra proposta é dar u m a guinada ainda
e m c a m u n d o n g o s s a u d á v e i s . Os m e l h o r e s c o m p o s t o s para p r o v o c a r c r e s c i m e n t o de novas células no hipocampo foram dados a ratos c o m c o m p o r t a m e n t o depressivo e desse protocolo e m e r g i u o mais promissor de todos. Atualmente
a Neuralstem faz testes
mais radical - ao não mirar a sinalização
de s e g u r a n ç a i n i c i a i s ( e n s a i o s c l í n i c o s de
por esse o u aquele receptor e agir sobre u m
f a s e I) d a s u b s t â n c i a NSI-189 e m f o r m a de
processo biológico diferente: a neurogêne-
p í l u l a e m s e r e s h u m a n o s . Se t u d o c o r r e r
se ( o c r e s c i m e n t o de n o v o s n e u r ó n i o s ) , e m
c o n f o r m e o p l a n e j a d o , os e s p e c i a l i s t a s d a
especial no h i p o c a m p o , u m a pequena es-
N e u r a l s t e m e s p e r a m i n i c i a r o s t e s t e s de
t r u t u r a n a base d o c é r e b r o q u e s e a c r e d i t a
eficácia n o s p r ó x i m o s meses. Esses estu-
hoje s e r u m a d a s regiões n o c é r e b r o a d u l t o
dos usarão ressonância m a g n é t i c a
onde a neurogênese ocorre.
d e t e r m i n a r se a droga a u m e n t a a neuro-
para
no hipocampo
gênese e outras medidas para d e t e r m i n a r
v ê m sendo relacionadas à depressão há
se e l a a l i v i a o s s i n t o m a s d a d e p r e s s ã o .
Alterações
64
pela m a n i p u l a ç ã o d e n í v e i s de s e r o t o n i n a ,
víduos, pacientes que não responderam
estruturais
t e m p o s . A u t ó p s i a s de c é r e b r o d e p e s s o a s
M e s m o s e a NSI-189 f u n c i o n a r , e l a n ã o
clinicamente
vezes
terá efeitos rápidos. " N ã o é c o m o u m ata-
m o s t r a m a t r o f i a n e s s a região e s i g n i f i c a -
q u e d e e p i l e p s i a , e m q u e v o c ê d á u m re-
t i v a r e d u ç ã o de v o l u m e . O s ISRSs e I S R S N s
médio para p a r a r a epilepsia instantanea-
já e m uso aliviam a depressão não apenas
mente", compara ]ohe. "Esse tratamento
I mentecérebro I Depressão
deprimidas
muitas
exige m u d a n ç a s n a c é l u l a e m e s c a l a gen é t i c a . " A a t r o f i a do h i p o c a m p o leva anos para ocorrer, acrescenta ele, e "reverter o p r o c e s s o t a m b é m r e q u e r u m l o n g o período". M a s ele espera que o efeito seja de l o n g a d u r a ç ã o , d e m o d o q u e a NSI-189 talvez seja n e c e s s á r i a apenas i n t e r m i t e n t e m e n t e . Essa ideia ainda precisa ser dem o n s t r a d a , m a s é " u m a possibilid ade e m dac polgante", avalia Johe.
CAVANDO MAIS FUNDO Recentemente,
cientistas
perceberam
q u e a i n f l a m a ç ã o c r ó n i c a - q u e j á (foi r e l a c i o n a d a a d o e n ç a s d i v e r s a s comoj c â n c e r , aterosclerose e diabetes - contribui para a d e p r e s s ã o e a d e s c o b e r t a a b r i u mjais u m a l i n h a de a b o r d a g e m . V á r i a s l i n h a s de p e s q u i s a t ê m f e i t o a ligação entre a depressão e a
inflamação,
q u e n o r m a l m e n t e é a r e s p o s t a do o r g a n i s -
UHid. e n o r m e I3.cu.n3. A necessidade de melhores antidepressivos é realçada por dados do ensaio Star*D, que monitorou os efeitos do tratamento com remédios em cerca de 3 mil pacientes. Os resultados, publicados em 2006, mostram que embora medicamentos ajudem muitas pessoas, uma grande proporção dos pacientes não responde completamente, ou tem recaídas, mesmo quando os agentes funcionam por um tempo. Os fármacos também podem levar semanas para atingir o máximo de eficácia. O ensaio foi complexo, mas, no início, pacientes receberam citalopram (Celexa), inibidor seletivo da recaptação da serotonina - a classe de agentes mais prescrita hoje. Aqueles que não sentiram melhoras receberam algum dos vários tratamentos alternativos, geralmente alternando até três vezes no total. Pacientes que melhoraram foram monitorados por um ano enquanto estavam em terapia de manutenção. As informações a seguir se originam da primeira fase de tratamento do ensaio, com citalopram. No total, 6 7 % dos pacientes que passaram por todos os estágios do ensaio alcançaram remissão (pelo menos uma vez), mas a cada fase sucessiva a porcentagem de pacientes que apresentaram melhoras declinou e a probabilidade de reincidência aumentou.
mo a u m invasor observado. Alguns estudos m o s t r a r a m
q u e pessoas
deprimidas
t ê m a l t o s n í v e i s c i r c u l a n t e s de p e q u e n a s proteínas conhecidas como citocipas, que
O melhor caso: resultados da primeira fase de tratamento de Star*D
orquestram os processos inflamatórios; as c i t o c i n a s t ê m n o m e s c o m o interljeucina-6 e T N F - a l f a . A l é m d i s s o , h á c e r c a de u m a década cientistas observaram qu^ quando p a c i e n t e s c o m c â n c e r de pele
ijecebiam
! Clinicamente deprimidos 1
R e s p o n d e r a m , m a s não c o m p l e t a m e n t e E m remissão (sintomas praticamente desapareceram)
|
R e i n c i d e n t e s d u r a n t e t e r a p i a de m a n u t e n ç ã o
citocinas inflamatórias como tratamento, ficavam
deprimidos.
"Entrevistei
u m a dessas
pessoas
no Alguns participantes iniciais não estiveram na fase seguinte do estudo.
p a s s a d o e fiquei s u r p r e s o a o ver] c o m o o e s t a d o q u e a p r e s e n t a v a se p a r e c i a c o m a depressão que eu observava no m e u cons u l t ó r i o c o m o p s i q u i a t r a " , disse A n d r e w M i l l e r , d i r e t o r d e o n c o l o g i a psiquijátrica n o Instituto W i n s h i p Câncer, da Universidade Emory. O execrável das citocinas é que elas interferem c o m a neurogênese
induzida
pelos ISRSs e I S R S N s . " E d e r r u b a r a n e u r o gênese é quase c o m o puxar o tapete sob e s s e s a n t i d e p r e s s i v o s " , c o n s i d e r a Miller. A m e t á f o r a a j u d a a expWcar p o r q u e p e s s o a s d e p r i m i d a s c o m m a i o r nível de i n f l a m a ç ã o c r ó n i c a t a m b é m c o s t u m a m sen as mais d i f í c e i s de a j u d a r . U m g r u p o de c i e n t i s t a s r e l a t o u n o Lancei
que o etanecerpt, medi-
Resposta ao antidepressivo 37% dos pacientes e m tratamento entraram e m remissão ficando a s s i m , e m m é d i a , por 6,3 s e m a n a s . (Os r e i n c i d e n t e s e s t a v a m e n t r e os 4 9 % que " t i v e r a m r e s p o s t a " - seus s i n t o m a s d e c l i n a r a m pelo m e n o s pela metade.)
Taxa de recaída 34% dos pacientes em remissão ao c o m e ç a r a t e r a p i a de manutenção voltaram a apresentar s i n t o m a s e m 12 meses.
c a m e n t o q u e está sendo testado para t r a 65
t a r p s o r í a s e e m 618 p a c i e n t e s , c o s t u m a a l i -
M a i s u m a v e z a l g u n s p e s q u i s a d o r e s se
viar depressão, m e s m o naqueles e m q u e m
voltam para a serotonina, m a s tentam au-
o p r o b l e m a de pele n ã o m e l h o r o u . P a r e c e
m e n t a r s u a a t i v i d a d e de u m a f o r m a n o v a :
que o efeito decorre da neutralização da ci-
i n c r e m e n t a n d o o n ú m e r o de r e c e p t o r e s de
tocina inflamatória TNF-alfa. Ranga Krish-
s e r o t o n i n a disponíveis para responder ao
n a n , q u e hoje i n t e g r a a e q u i p e de Miller,
neurotransmissor e m sinapses. Ainda mais
t r a b a l h o u na Universidade Duke u m teste
r a d i c a l , c i e n t i s t a s p r e t e n d e m a t i n g i r esse
de d e p r e s s ã o de u m a n t a g o n i s t a d a c i t o c i -
efeito por m e i o da terapia gênica - embora
na: Remicade, u m anti-inflamatório j á no
p r o v a v e l m e n t e a l g u n s biólogos r e c e b a m a
mercado para tratar artrite reumatóide e
notícia c o m a l g u m desprezo. M a s , recente-
outras doenças a u t o i m u n e s . Levou
m e n t e , c i e n t i s t a s a n u n c i a r a m s u c e s s o pre-
mais
de c i n c o a n o s , m a s M i l l e r e s e u c o l e g a d a
l i m i n a r c o m terapia gênica para u m trans-
Emory,
t o r n o c e r e b r a l , a d o e n ç a de P a r k i n s o n . E
Charles
seguiram
Raison, finalmente
financiamento
do N I M H
conpara
o e s t u d o . Eles c o m p l e t a r a m u m t e s t e d o
s u r g i u a i d e i a de t e n t a r algo s e m e l h a n t e e m relação à depressão.
R e m i c a d e e m 60 p a c i e n t e s r e s i s t e n t e s a o
O gene c a n d i d a t o para a terapia con-
t r a t a m e n t o e devem divulgar alguns resul-
tra depressão é o p l l , que codifica u m a
tados promissores e m breve.
proteína
necessária
para
mover
certos
O humor melhora, mas há riscos Controle (se m medicamentos)
Ponta do axônio Com CetaminaL a
ÉÉ
Espinhas neuronais
] Sinapse Espinha
Dendrito
De dendritos em neurónios de ratos que receberam cetamina brotam rapidamente novas espinhas (acima) estruturas que captam sinais de outros neurónios (diagrama). A resposta pode explicar por que a substância melhora o humor em pessoas deprimidas algumas horas após a administração. A cetamina é perigosa demais para uso rotineiro, mas cientistas buscam substâncias mais seguras com o mesmo efeito rápido sobre as espinhas.
66
1 mentecérebro 1 Depressão
NEURÔNIO
r e c e p t o r e s d e s e r o t o n i n a à superfície d a
haverá n e n h u m dispositivo". (Na estimu-
permane-
l a ç ã o c e r e b r a l p r o f u n d a n ã o só o eletro-
c e m presos d e n t r o da c é l u l a , torn|ando-as
do f i c a p e r m a n e n t e m e n t e n o l o c a l , c o m o
célula; s e m ele, os receptores
m e n o s c a p a z e s de responder a m e n s a g e n s
t a m b é m o n e u r o e s t i m u l a d o r , a p a r e l h o se-
d a s e r o t o n i n a . E m 2 0 0 6 , Paul G r e c n g a r d e
melhante a u m marca-passo
seus colegas da Universidade
Rockefeller
próximo à clavícula, para gerar impulsos
que roedores c o m c o m -
e l é t r i c o s . ) Ele e s e u s c o l e g a s d e m o n s t r a -
p o r t a m e n t o s e m e l h a n t e ao da depressão
r a m e m s e u t r a b a l h o s o b r e a d o e n ç a de
demonstraram
implantado
(que d e s i s t i a m de atividades a n t e r i o r m e n -
Parkinson que o vetor virai é seguro e que
te p r a z e r o s a s ) t i n h a m b a i x o s n í v e s de p l l ;
o gene c o r r e t o pode s e r c o n d u z i d o p o r u m
e m a u t ó p s i a , foi constatado que seres h u -
c a t e t e r a t é o a l v o c e r e b r a l p r e t e n d i d o , re-
m a n o s d e p r i m i d o s t a m b é m t ê m i íveis i n -
sultando em sintomas melhorados.
feriores aos n o r m a i s .
Atualmente
estão e m a n d a m e n t o
no
Ou seja, c a m u n d o n g o s geneticamente
N I M H , p e s q u i s a s s o b d i r e ç ã o de E l i s a b e t h
m o d i f i c a d o s n o l a b o r a t ó r i o de G r e e n g a r d
A. M u r r a y , do L a b o r a t ó r i o de N e u r o p s i c o -
- e m q u e o g e n e p l l foi s u p r i m i j d o - de-
l o g i a , e P a m N o b l e , d a u n i d a d e de c u i d a -
senvolveram c o m p o r t a m e n t o depressivo.
dos de p r i m a t a s , p a r a t e s t a r a s e g u r a n ç a e
O p a s s o s e g u i n t e f o i v e r i f i c a r se i h r o d u z i r
e f i c á c i a d a t e r a p i a g ê n i c a do p l l e m m a c a -
u m gene p l l f u n c i o n a l e m c a m u n d o n g o s
c o s . C a s o seja b e m - s u c e d i d a , t e r á i n í c i o a
a l i v i a r i a o s s i n t o m a s . O d i r e t o r do L a b o r a -
pesquisa e m seres h u m a n o s .
t ó r i o de N e u r o c i r u r g i a M o l e c u l a r n o W e i l l Cornell Medicai College, Michaej já
desenvolvia
estudos
Kaplitt,
semelhantes
de
Até que p o s s a m beneficiar J o a n a , entretanto, tratamentos
m a i s e f i c a z e s po-
dem demorar. Outras pessoas e m situa-
t e r a p i a g ê n i c a p a r a d o e n ç a de P a r k i n s o n .
ção
Sua equipe c o l o c o u o gene p l l d i r e t a m e n -
" C o m certeza os antidepressivos
te
ram
minha vida", escreveu u m a jovem
u m c e n t r o i m p o r t a n t e no cérebro para a
que
se
recompensa e a satisfação, ond^ a dopa-
topus
m i n a age) de c a m u n d o n g o s
no
núcleo
accumbens
(considerado
similar
provavelmente
identifica
no site
como
Experience
concordam. muda-
BluebwerryocProject, " m a s
deficientes
fico d e s a n i m a d a que t e n h a sido à custa
de p l l e o c o m p o r t a m e n t o d e p r e s s i v o d i -
da m i n h a v i d a s e x u a l . " D e v e r i a h a v e r op-
m i n u i u . A á r e a foi escolhida pofque está
ç õ e s m e l h o r e s . N i n g u é m d e v e r i a t e r de
intimamente conectada a várias
regiões
e s c o l h e r entre a libido e o desespero; nin-
do c é r e b r o r e l a c i o n a d a s à d e p r e s s ã o e u m
g u é m deveria ouvir, após t e n t a r e rejeitar
de s e u s s i n t o m a s m a i s c o m u n s e d e v a s t a -
vários tratamentos
para depressão, que
d o r e s , a a n e d o n i a ( i n c a p a c i d a d e de s e n t i r
n ã o h á m a i s n a d a a t e n t a r . Se a p r o m e s s a
prazer c o m a vida), provavelmente
d a p r ó x i m a g e r a ç ã o de a n t i d e p r e s s i v o s f o r
está
r e l a c i o n a d o à s i n a l i z a ç ã o de d o p a m i n a .
bem-sucedida, talvez u m dia as escolhas
U m terceiro motivo para sua preferência
sejam menos sombrias.
g.
pelo n ú c l e o a c c u m b e n s é q u e e e j á foi o alvo c i r ú r g i c o de o u t r o t r a t a m e n t o exper i m e n t a l p a r a d e p r e s s ã o , u m a t é c n i c a denominada estimulação cerebral profunda (Deep-Brain S t i m u l a t i o n - D B S ) . U m eletrodo é i m p l a n t a d o p e r m a n e n t e m e n t e no núcleo accumbens
e impulsos
elétricos
periódicos são enviados por dele. N a v i s ã o de K a p l i t t a t e r a p i a g ê n i c a realizada d i r e t a m e n t e no cérebro t e r á
mais
s i m p l e s q u e a e s t i m u l a ç ã o c e r e b r a l prof u n d a p o r q u e " e m v e z de u m e l e t r o d o p a r a DBS, coloca-se u m pequeno cateter e não
PARA SABER MAIS
Stuck in a rut: rethinking depression and its treatment. Paul E. Holtzheimer e Helen S. Mayberg, em Trends in Neuroscience, vol. 34, n 1, págs. 1-9, novembro de 2010. Stress, depression, and neuroplasticity: a convergence of mechanisms. Christopher Pittinger e Ronald S. Duman, em Neuropsychopharmacology Reviews, vol. 33, págs. 88-109, 2008. Depression: out of the shadows. Documentário da PBS que foi ao ar em 2008, com um site abrangente em que se pode assistir ao programa e encontrar mais informações: www.pbs.org/wgbh/takeonestep/depression/index.html Sherwin Nuland apresentou uma palestra TED sobre depressão, contado sua experiência com transtorno e a terapia de eletrochoque à qual se submeteu: www.ted.com/talks/lang/eng/sherwin_nuland_on_electroshock_therapy.html O demónio do meio-dia. Andrew Solomon. Objetiva, 2002. 5
67
FACES
Baby blues O nascimento de um filho costuma ser uma vivência feliz, mas para até 20% das mulheres a depressão pós-parto pode prejudicar esse momento. A psicoterapia e o apoio do parceiro são fundamentais para afastar a sensação de culpa e conectar-se com o bebé por Katja Gaschler
gora v o u deixar você brincando u m t e m p i -
o n a d a , c o m o q u e b u s c a n d o u m a ideia sobre o que f a -
nho c o m seu bebê. Daqui a pouco eu vol-
zer naquela situação difícil. Perdida em pensamentos,
t o . " A n t e s de s a i r da s a l a , a p s i c ó l o g a s o r r i
m a s s a g e i a o pé da filha c o m u m a d a s m ã o s . A psicó-
p a r a M . , i n c e n t i v a n d o - a . D u a s c â m e r a s de vídeo f i l m a m o que a c o n t e c e entre a j o v e m m ã e e sua
loga b a t e n a p o r t a e e n t r a n a s a l a ; t e m p o e s g o t a d o , a filmagem
acabou.
f i l h a de 3 m e s e s . N a s a l a a o l a d o , o n d e e s t á a p s i c ó l o -
M. está prestes a chorar, c o m o t e m feito tantas
g a , a i m a g e m q u e a p a r e c e n a t e l a é d i v i d i d a ao m e i o :
v e z e s n a s ú l t i m a s s e m a n a s . S e n s a ç õ e s de e x a u s t ã o
à e s q u e r d a , o r o s t o de m ã e , de 30 a n o s ; à d i r e i t a , a
física
menina em sua cadeirinha.
d e s d e o d i a do p a r t o . S e n t e c o m o se o bebê e s t i v e s s e
No início, M. parece indecisa. Então c o m e ç a
e esvaziamento
emocional
a
acompanham
a
sugando toda sua energia. Quando a menina come-
falar c o m a c r i a n ç a e m voz baixa. Seus m o v i m e n t o s
ça a c h o r a r s e m parar, a v o n t a d e da m ã e , às vezes,
s ã o r í g i d o s , p o u c o n a t u r a i s . O bebê m e x e u m p o u c o
é f e c h a r a porta e desaparecer. As c o i s a s
as p e r n a s e os b r a ç o s , o l h a p a r a a m ã e , m a s logo se
q u a n d o s e u m a r i d o ficou d u a s s e m a n a s f o r a de c a s a ,
d i s t r a i . P o r fim, a m u l h e r se c a l a , o l h a i n s e g u r a p a r a
pioraram
n u m a v i a g e m de t r a b a l h o . C e r t o d i a c h e g o u a p e n s a r , a t e r r o r i z a d a , q u e e s t a v a a p o n t o de f a z e r a l g o de
AAUTORA
KATJA GASCHLER é jornalista, com formação em biologia e especializada em divulgação científica.
68
I mentecérebro I Depressão
m a u para a criança. M. t i n h a dificuldades para f a l a r sobre o que estava acontecendo. Afinal, todos a c u m p r i m e n t a v a m
pela linda m e n i n a , i m a g i n a n d o que ela devia estar
c o n h e c i d a c o m o d e p r e s s ã o p u e r p e r a l , o q u a d r o exige
feliz c o m a e x p e r i ê n c i a da m a t e r n i d a d e . M a s c o n -
i n t e r v e n ç ã o m é d i c a r á p i d a , pois o r i s c o de i n f a n t i c í d i o
atormentada
n ã o é d e s p r e z í v e l . A p r e v a l ê n c i a do t r a n s t o r n o v a r i a
p e l a f a l t a de s o n o e p e l a c u l p a p o r s e n t i r q u e ofe-
e n t r e 10% e 2 0 % dos n a s c i m e n t o s ; a l g u n s e s t u d o s b r a -
r e c i a p o u c o c a r i n h o à filha, a c a b o u se a b r i n d o c o m
s i l e i r o s e s t i m a m esse n ú m e r o e m t o r n o de
f o r m e f o r a m s e p a s s a n d o os r f i e s e s ,
o p e d i a t r a . O m é d i c o p e r c e b e u «]ue M . p r e c i s a v a de ajuda profissional c o m urgência
13%.
As m u l h e r e s afetadas c o s t u m a m ter e m c o m u m a
pois parecia m u i t o
s e n s a ç ã o de i n c o m p e t ê n c i a p a r a l i d a r c o m d e s a f i o s e
abatida, física e psicologicamente. No m e s m o dia,
de t e r e m f a l h a d o c o m o m ã e s . N ã o se s e n t e m f e l i z e s
foi e n c a m i n h a d a a u m a e q u i p e e s p e c i a l i z a d a e m de-
c o m a c h e g a d a do b e b ê , s ã o p e s s i m i s t a s , f a c i l m e n t e
pressão pós-parto da c l í n i c a p s i q u i á t r i c a da Univer-
i r r i t á v e i s , s o f r e m c o m d i s t ú r b i o s de s o n o e d i f i c u l d a d e
s i d a d e de H e i d e l b e r g , n a A l e m a n h a .
de c o n c e n t r a ç ã o . E m a l g u n s c a s o s , o m e d o e s t á a c i m a
A i n s t a b i l i d a d e de h u m o r de q u e m a c a b o u de d a r
de t u d o , e se p r e o c u p a m t a n t o c o m o r e c é m - n a s c i d o
à luz n ã o é r a r a . Pelo m e n o s u m a e m c a d a três m u -
q u e n ã o c o n s e g u e m p e n s a r e m m a i s n a d a . N ã o dor-
lheres se s e n t e e x t r e m a m e n t e i a n s a d a , i r r i t a d a o u
m e m à n o i t e t e m e n d o q u e a c r i a n ç a p a r e de r e s p i r a r ,
t r i s t e , e t e m c r i s e s de c h o r o . Mias, de f o r m a g e r a l ,
e morra repentinamente.
esses s i n t o m a s d e s a p a r e c e m e s p o n t a n e a m e n t e após
E n t r e os s i n t o m a s f í s i c o s , d e s t a c a m - s e d o r d e c a -
a p r o x i m a d a m e n t e sete dias. Em plguns casos, porém,
b e ç a , a p e r t o n o p e i t o , t a q u i c a r d i a e d i f i c u l d a d e de
podem d u r a r s e m a n a s , m e s e s è até a n o s . T a m b é m
r e s p i r a r . A p e n a s e m r a r o s c a s o s , c e r c a de u m a a t r ê s
69
em cada mil apresentam também confu-
c u i d a d a e, a s s i m , a p r o x i m a r - s e do filho e
s ã o m e n t a l e a l u c i n a ç õ e s (veja quadro
e x p e r i m e n t a r r e p e r t ó r i o s e n c o b e r t o s pela
página
na
72).
depressão", explica o psiquiatra
MAMÃE, ESTOU AQUI!
U n i v e r s i d a d e de H e i d e l b e r g .
Thomas
Fuchs, diretor da clínica psiquiátrica
da
Segundo a psicóloga C o r i n n a Reck, que
P a r a r e c o n h e c e r se o bebê j á se " r e s i g -
atende mulheres com depressão ou ansie-
n o u " c o m a " i n d i f e r e n ç a " m a t e r n a , os pes-
d a d e p ó s - p a r t o e s e u s filhos n a c l í n i c a psi-
q u i s a d o r e s p e d e m à m ã e que (depois de
q u i á t r i c a d a U n i v e r s i d a d e de H e i d e l b e r g ,
u m t e m p o c u r t o n o q u a l se r e c o m e n d a q u e
a l é m de c o m b a t e r a d o e n ç a f í s i c a é n e c e s -
e l a b r i n q u e c o m a c r i a n ç a ) fique s e n t a d a
sário acolher a mãe possibilitar a constru-
p o r m a i s d o i s m i n u t o s d i a n t e dela s e m a l -
ç ã o d a r e l a ç ã o e n t r e a m ã e e o bebê. Esse
terar a expressão facial. Quando o vínculo
p o n t o de v i s t a foi c o r r o b o r a d o n u m e s t u -
e n t r e m ã e e filho é i n t e n s o , algo interes-
do publicado este ano por pesquisadores
s a n t e a c o n t e c e : o bebê b a l a n ç a b r a ç o s e
d a U n i v e r s i d a d e de C o n c ó r d i a , no Q u é b e c ,
p e r n a s , s o r r i , r e s m u n g a , faz o possível p a r a
C a n a d á , que investigaram o relacionamen-
atrair a t e n ç ã o . Q u a n d o a reação d e m o r a ,
t o de 60 m ã e s c o m d e p r e s s ã o p ó s - p a r t o e
ele c o m e ç a a " p r o t e s t a r " .
seus bebés. As pacientes tratadas apenas com
antidepressivos,
embora
tenham
apresentado m e l h o r a nos s i n t o m a s ,
não
m u d a r a m a postura em relação à criança.
Os b e b é s de m ã e s d e p r i m i d a s , no e n t a n t o , d e i x a m a o s p o u c o s de t o m a r t a i s i n i c i a t i v a s , c o m o se t i v e s s e m
aprendido
que nada que f a ç a m vai adiantar. Em vez
E m c o m p e n s a ç ã o , os c i e n t i s t a s obser-
de b u s c a r a t e n ç ã o , ficam q u i e t o s , d i s t r a í -
v a r a m c o m p o r t a m e n t o s t í p i c o s e m bebés
d o s c o m os p r ó p r i o s m o v i m e n t o s . Q u a n -
de t r ê s m e s e s , q u a n d o s u a s m ã e s , d e v i d o à
do n ã o t ê m e x p e r i ê n c i a s
d e p r e s s ã o , n ã o e r a m c a p a z e s de se c o m u -
q u e m s ã o e m o c i o n a l m e n t e l i g a d o s , a par-
n i c a r e m o c i o n a l m e n t e c o m e l e s . Eles o l h a -
t i r de a l g u m m o m e n t o n ã o r e a g e m m a i s
positivas
com
v a m m e n o s p a r a elas e m o s t r a v a m m e n o s
à o f e r t a de b r i n c a d e i r a s , n e m q u a n d o e l a
e m o ç õ e s p o s i t i v a s . S e g u n d o os p s i c ó l o g o s ,
v e m de p e s s o a s f o r a de s e u c o n v í v i o h a -
esse é u m c o m p o r t a m e n t o aprendido, já
b i t u a l . " H á c r i a n ç a s q u e , a n t e s de a t i n g i r
que
esse ponto, f a z e m grande esforço
não conseguiram
encontrar
formas
de a t r a i r a a t e n ç ã o m a t e r n a . S e u s o r r i s o
para
'capturar' a mãe, e outras que desistem
e seu balbucio geram muito pouco entro-
mais rápido, refletindo o c o m p o r t a m e n -
s a m e n t o p o r q u e a m ã e n ã o p e r c e b e esses
to depressivo m a t e r n o " , observa C o r i n n a
s i n a i s . " P o r isso é f u n d a m e n t a l
Reck. Essa reação l e m b r a o " d e s a m p a r o
oferecer
e s p a ç o p a r a q u e a m u l h e r p o s s a sentir-se 70 I mentecérebro I Depressão
a p r e n d i d o " d e s c r i t o e m 1967
pelo p s i c ó -
TERAPIA COM MÃE e bebê, na Universidade de Heidelberg: interação é filmada por psicólogos
logo a m e r i c a n o M a r t i n E. P. S e l ign i g m a n , da
mal compreendida. E existem controvérsias
Universidade
base
sobre s u a e x i s t ê n c i a c o m o t r a n s t o r n o in-
e m e x p e r i m e n t o s c o m animais e depois
d e p e n d e n t e da d e p r e s s ã o . M u i t a s vezes o
apresentado c o m o possível modelo
q u a d r o está a s s o c i a d o à v a r i a ç ã o h o r m o n a l
da
Pensilvânia, còm
para
e x t r e m a que o c o r r e no o r g a n i s m o f e m i n i n o
o s u r g i m e n t o da depressão. N ã o c a u s a s u r p r e s a o f a t o de a d e p r e s -
depois do n a s c i m e n t o do bebê. P o u c o antes
são m a t e r n a t r a z e r c o n s e q u ê n c i a s d e longo
do p a r t o , os níveis de e s t r ó g e n o e proges-
p r a z o p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o c o g n i t i v o da
t e r o n a da g e s t a n t e estão a p r o x i m a d a m e n -
c r i a n ç a p e q u e n a . P e s q u i s a d o r e s f a l a m , por
te 5 0 %
exemplo,
U m dia e m e i o d e p o i s , p o r é m , os v a l o r e s
em
comportamentos
atípicos,
m a i s altos que a n t e s da gravidez.
déficits e m o c i o n a i s ou retardo m 0 t o r e lin-
caem
guístico. Esses s i n t o m a s são tão intensos
que s ã o liberadas e m g r a n d e s q u a n t i d a d e s
q u a n t o f o r a d u r a ç ã o da d e p r e s s ã o pós-
outras
-parto,
que
embora
outros
fatores
também
s e j a m i m p o r t a n t e s . Os p s i c ó l o g o s S o p h i e
abruptamente, substâncias,
estimula
a
ao
mesmo
como
produção
a
na
depressão
panharam
f a t o r e s d e s e n c a d e a d o r e s do d i s t ú r b i o são
c r i a n ç a s até o
pós-parto,
que
No
Ludwig-Maximilians, em Munique, acomm a i s de 1.300
hormonal
leite.
significativas
K u r s t j e n s e D i e t e r W o l k e , da U n i v e r s i d a d e
s é t i m o a n o de v i d a . Os r e s u l t a d o s d i v u l g a -
oscilação
prolactina,
de
entanto, não há diferenças
tempo
desenvolve
sugerindo
que
os
de o u t r a n a t u r e z a .
dos m o s t r a r a m q u e os f i l h o s de m ã e s c o m
T u d o leva a c r e r q u e a c a u s a da depres-
d e p r e s s ã o p ó s - p a r t o se d e s e n v o l v e r a m t ã o
s ã o pós-parto seja m u l t i f a t o r i a l , c o m o é o
b e m q u a n t o a s c r i a n ç a s do g r u p o de c o n -
c a s o , a l i á s , de boa p a r t e dos t r a n s t o r n o s
trole - desde que as mulheres estivessem
p s i q u i á t r i c o s . E v i d ê n c i a s s u g e r e m q u e his-
sendo tratadas e não houvesse outros fato-
t ó r i c o de d e p r e s s ã o o u a n s i e d a d e a n t e r i o r
res de r i s c o , c o m o p o u c o a m p a r o do c o m -
à g r a v i d e z é u m f a t o r de r i s c o . " M u i t a s v e -
p a n h e i r o e o u t r o s m e m b r o s da f a m í l i a . Por
z e s os s i n t o m a s s ã o p e r c e p t í v e i s d u r a n t e a
o u t r o l a d o , c r i a n ç a s c u j a s m ã e s s o f r i a m de
g e s t a ç ã o , p o r isso os o b s t e t r a s d e v e m e s t a r
d e p r e s s ã o n ã o t r a t a d a e p e r t e n c i a m a es-
a t e n t o s d u r a n t e o p r é - n a t a l " , e x p l i c a Reck.
tratos sociais m a i s baixos t i v e r a m d e s e m p e n h o v i s i v e l m e n t e pior.
Os p s i q u i a t r a s e p s i c ó l o g o s j á p e r c e b e r a m q u e os t r a t a m e n t o s c o n v e n c i o n a i s para depressão ou ansiedade não são su-
PRIMEIRO E PRECISO SER FILHA A p e s a r de n ã o h a v e r d ú v i d a s sobre a n e c e s s i d a d e de t r a t a m e n t o para a depressão p ó s - p a r t o , s u a etiologia é m u i t a s v e z e s
ficientes.
A n a , de 28 a n o s , é u m e x e m p l o
t í p i c o . Ela s o f r i a de m e d o s t e r r í v e i s
na
p r i m e i r a g r a v i d e z , i m a g i n a v a q u e o bebê n a s c e r i a c o m a l g u m p r o b l e m a , que não
71
d a r i a c o n t a de c u i d a r d e l e , q u e o m a r i d o
o c u p a r o papel de m ã e é n e c e s s á r i o p e r m i -
iria abandoná-la. Essa ansiedade não tra-
tir-se e s t a r no l u g a r de f i l h a - rever a s p e c -
tada evoluiu para depressão grave, c o m
t o s d i f í c e i s de s u a p r ó p r i a i n f â n c i a .
r i s c o de s u i c í d i o . P o r i s s o e l a foi t r a n s f e r i -
Mas
também
são
realizadas
sessões
d a , logo a p ó s o p a r t o , p a r a o s e t o r p s i q u i á -
c o m a c r i a n ç a , nas quais
trico, onde
pede a A n a q u e se s e n t e c o m o bebê n u m
permaneceu
algumas
sema-
Corinna
n a s , l o n g e do bebê. Q u a t r o m e s e s d e p o i s ,
l u g a r o n d e p o s s a m s e r f i l m a d a s , pois q u e r
está bem melhor, mas ainda não superou
e s t u d a r c o m o o r e l a c i o n a m e n t o e n t r e elas
t o t a l m e n t e o q u a d r o d e p r e s s i v o . H o j e , ela
se d e s e n v o l v e u e o q u e a i n d a pode s e r m e -
se c u l p a m u i t o por n ã o t e r f i c a d o p e r t o do
lhorado. Ana fala alto com a filha, mexe
bebê n o s p r i m e i r o s t e m p o s . A s s e s s õ e s de
c o m e l a , e l e v a a s s o b r a n c e l h a s e r i . A pe-
psicoterapia individuais t ê m sido funda-
q u e n a f a z c o n t a t o v i s u a l e c h e g a a sorrir. A
m e n t a i s p a r a q u e ela p o s s a p e r c e b e r q u e ,
m ã e se s e n t e f o r t a l e c i d a , m a s logo depois
m a i s c u i d a d o s o q u e se a t o r m e n t a r
a m e n i n a v i r a a c a b e ç a p a r a o lado, o que a
pelo
q u e n ã o pôde o f e r e c e r é, a n t e s de t u d o ,
i n c o m o d a : " O q u e v o c ê t e m ? Está c h a t e a d a
c u i d a r de si m e s m a . U m a f o r m a de f a z e r
c o m i g o ? A m a m ã e te d e i x o u m u i t o t e m p o
i s s o é p e r m i t i r - s e p e r c e b e r q u e a n t e s de
sozinha?"
Fatores de risco, necessidade de cuidado Estudos indicam que apenas mecanismos biológicos, como a redução abrupta dos níveis hormonais, não são suficientes para explicar a depressão pós-parto. Aspectos psicológicos e sociais, por sua vez, parecem desempenhar papel importante na etiologia do distúrbio. Diversas pesquisas associam o problema a fatores como: pouco apoio do parceiro e da família, gravidez não planejada, ser mãe solteira, nascimento prematuro e problemas de saúde do bebê, dificuldades relacionadas ao retorno ao trabalho e condições socioeconómicas precárias. Primeiro filho e história prévia de doença psiquiátrica da mãe e/ou de pessoas da família também são fatores de risco. Algumas evidências sugerem que experiências traumáticas na infância materna, algumas vezes, podem deflagrar o problema, já que memórias afetivas negativas costumam vir à tona durante a gravidez. A depressão pós-parto pode surgir ao longo do primeiro ano de vida do bebê, e não necessariamente nas primeiras semanas após o nascimento. Outros distúrbios do humor, típicos desse período, são a melancolia da maternidade e as psicoses puerperais. O primeiro quadro se caracteriza por um transtorno transitório que pode acometer até 6 0 % das mulheres entre o terceiro e o quinto dia depois do parto, mas geralmente tem remissão espontânea. Nas psicoses puerperais, porém, os sintomas são mais graves, costumam aparecer nas primeiras duas semanas e exigem tratamento intensivo, quase sempre com internação. Segundo alguns estudos, a incidência é de dois a quatro casos a cada mil partos. Uma antiga hipótese, segundo a qual a depressão pósparto faria mais vítimas em países desenvolvidos,
72
Reck
I mentecérebro I Depressão
mostrou-se incorreta. Estudo feito em nove países indicou que cerca de 50% das mulheres da Guiana, ex-colônia britânica no norte da América do Sul, e de Taiwan, típico país emergente asiático, apresentaram claros sintomas de depressão pós-parto. Na Suécia e na Austrália, esse índice ficou por volta de 14%. Nos Estados Unidos, 37%. Pesquisa realizada por Corinna Reck, na Alemanha, aponta que cerca de 6% das mães têm depressão até três meses depois do parto e 10% sofrem de algum tipo de transtorno de ansiedade. Os números preocupantes e discrepantes podem ser reflexo da falta de escalas diagnosticas adequadas para reconhecer o problema em diversas culturas, alertam os especialistas. Até porque não há evidências de que o risco de depressão nos primeiros 12 meses após o parto seja mais alto que em outras fases da vida.
"Essas
interpretações
são
thicas
Também conhecido como depressão puerperal, o quadro exige intervenção médica rápida; risco de infanticídio não é desprezível
de
m ã e s n a s i t u a ç ã o de A n a " , afirma) a p s i c ó l o g a . O f a t o de a c r i a n ç a se r e t r a i r é a b s o lutamente n o r m a l , mas muitas pacientes s e n t e m isso c o m o a f r o n t a p e s s o i l e b u s c a m a c u l p a e m si m e s m a s . É u n
círculo
v i c i o s o : o c o m p o r t a m e n t o de r e j e i ç ã o da criança deixa a m ã e deprimida, tofnando-a i n s e g u r a e t r i s t e , o q u e , por s u a v e z , t e m e f e i t o n e g a t i v o s o b r e o bebê. De m a n e i r a g e r a l , p o r é m , a c o m u n i c a ç ã o e n t r e A n a e a filha n ã o e s t á tilo m a l . A
da f a m í l i a , p r i n c i p a l m e n t e o pai, e t a m -
p s i c ó l o g a m o s t r a à p a c i e n t e t u d o o q u e ela
b é m os a v ó s q u e p a r t i c i p e m d e s s a s a t i v i -
f a z b e m : os o l h o s b e m a b e r t o s , s i n a l i z a n d o
d a d e s . N ã o se t r a t a a p e n a s de e s t i m u l a r
à c r i a n ç a q u e e s t á a t e n t a , gestos a m p l o s e
a compreensão familiar: outras
pessoas
expressivos, fala melódica e bem definida.
n ã o d e p r i m i d a s c o n s e g u e m a l i v i a r as di-
Além disso, encoraja-a a fazer mais pausas
ficuldades
e a e s p e r a r i n i c i a t i v a s da m e n i n a , às q u a i s
a j u d a n d o n a c o n s t r u ç ã o de u m
deve s e m p r e reagir.
n a m e n t o a f e t i v o c o m o b e b ê . A l é m dis-
m a t e r n a s , oferecendo apoio e relacio-
s o , m u i t o s h o m e n s t a m b é m p r e c i s a m de
UM PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
a p o i o p s i c o l ó g i c o , j á q u e é c o m u m se s e n -
O p s i c ó l o g o G e o r g e D o w n i n g , do H o s p i t a l S a l p ê t r i è r e de P a r i s , c o m p a r a a c o m u n i c a ç ã o e n t r e m ã e e filho a u m a d a n ç a
t i r e m impotentes diante dos
problemas
da parceira. A p ó s o t é r m i n o d a s s e s s õ e s c o m os be-
na qual a m ã e pode v a r i a r a m e l o d i a , m a s
b é s , segue-se o a c o m p a n h a m e n t o .
é a c r i a n ç a q u e m d á o r i t m o . Fo ele t a m -
e t a p a , a c o n t i n u i d a d e d a s s e s s õ e s de psi-
Nessa
bém quem desenvolveu a terapia mediada
coterapia individual t a m b é m é fortemen-
por vídeo, para m e l h o r a r essa interação.
te r e c o m e n d a d a . P a r a l e l a m e n t e , a e q u i p e
O o b j e t i v o é e n s i n a r a m ã e a p e r c e b e r os
c o o r d e n a d a pela p s i c ó l o g a Eva B u s c h m a n n
sinais da c r i a n ç a , assim c o m o possibilitar
v i s i t a as m u l h e r e s c o m r e g u l a r i d a d e - se-
a e x p e r i ê n c i a de p r o d u z i r u m efe t o p o s i t i -
m a n a l m e n t e nos casos m a i s delicados e
v o p o r m e i o d o s p r ó p r i o s a t o s . A g u n s psi-
m e n s a l m e n t e na m a i o r i a deles. A impor-
cólogos c h a m a m
t â n c i a d e s s e a p o i o é c o n f i r m a d a no depoi-
de " a u t o e f i c á c i a "
esta
fonte que frequentemente está esgotada
m e n t o de a n t i g a s p a c i e n t e s . M u i t a s delas
nas pessoas d e p r i m i d a s .
conseguiram
A ê n f a s e d o t r a b a l h o de C o r i nina R e c k é
se r e c u p e r a r e m u d a r
sua
vida completamente; a maioria reestrutu-
o a c o m p a n h a m e n t o p s i c o t e r á p i c o de m ã e
r o u as bases do r e l a c i o n a m e n t o e a l g u m a s
e
se s e p a r a r a m do p a r c e i r o . É c o m u m o u v i r
filho,
m a s c o n s i d e r a ú t i l o uáo de m e -
dicamentos quando a m u l h e r está muito
de m u i t a s q u e o t r a t a m e n t o d e u n o v o s e n -
m a l , s e m â n i m o sequer para c o m e ç a r o
tido à vida.
®
t r a t a m e n t o . M u i t a s v e z e s a s p a c i e n t e s tem e m que a medicação possa prejudicar a criança que está sendo amamerjtada. P a r a os a t e n d i m e n t o s c o m o bebê h á algumas
unidades
especiais.
m ó d u l o s de p s i c o t e r a p i a , s ã o palestras
Além
dos
oferecidas
" e d u c a t i v a s " de s u p d r t e
sobre
os c u i d a d o s b á s i c o s , o q u e i n c l u i t r o c a de f r a l d a s , b a n h o , m a s s a g e n s e g r u p o s de recreação para c r i a n ç a s mais velh is. Sempre
é desejável
outros
membros
PARA SABER MAIS
Depressão pós-parto entre mulheres com gravidez não pretendida. Thália Velho Barreto de Araújo. Rev. Saúde Pública, v. 49, p. 33, 2015. Depressão pós-parto: uma compreensão psicossocial. Bruna Rafaele Milhorini Greinert e Rute Grossi Milani. Psicologia: teoria e prática 17.1 (2015): 26-36. Efeitos da depressão materna no desenvolvimento neurobiológico e psicológico da criança. Maria da Graça Motta, Aldo Bolten Lucion e Gisele Gus Manfro, em Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, vol. 27, n 2, págs. 165-176, 2005. O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Daniela D. S. Schwengber e Cesar A. Piccinini, em Estudos de Psicologia, vol. 8, n- 3, págs. 403-411, 2 0 0 3 . 9
73
FACES
Homens e mulheres. cada um de um jeito 9
Cada vez mais estudos comprovam que o género influencia aspectos dos transtornos psíquicos, desde os sintomas e reações aos medicamentos até a progressão do distúrbio no decorrer da vida. As mulheres ficam tristes, sensíveis e desanimadas; já os homens se mostram irritados, inquietos e desatentos Por Érica Westly
P
ara a escritora Emily Dickinson, era u m a "me-
to ao género. E n t r e t a n t o , a c u m u l a m - s e as evidências
lancolia c o n s t a n t e " . Para o ensaísta George
de q u e , ao d e s c o n s i d e r a r e m o sexo de seus pacientes,
S a n t a y a n a , " u m a f i n a c a m a d a de f ú r i a " . São
m é d i c o s e psicólogos estão lhes prestando u m desser-
e m o ç õ e s d i s t i n t a s , m a s os dois e s c r i t o r e s es-
v i ç o . De f a t o , o a u m e n t o no n ú m e r o de pesquisadores
t a v a m descrevendo u m a m e s m a patologia: a depres-
investigando as d i f e r e n ç a s s e x u a i s na depressão e o u t r o s
s ã o . A d i v e r g ê n c i a n ã o é só u m a q u e s t ã o de e s t i l o li-
p r o b l e m a s m e n t a i s levou à inevitável c o n c l u s ã o de que
t e r á r i o o u p o s i ç ã o f i l o s ó f i c a , m a s t a m b é m u m reflexo
o género i n f l u e n c i a todos os a s p e c t o s desses transtor-
de que u m dos a u t o r e s e r a do s e x o f e m i n i n o e o o u t r o ,
nos - desde os s i n t o m a s e x p e r i m e n t a d o s pelos pacientes
do m a s c u l i n o .
e s u a s reações aos m e d i c a m e n t o s até a progressão do
H á m u i t o t e m p o , e s t u d i o s o s do
comportamento
h u m a n o s a b e m que h o m e n s e m u l h e r e s v i v e n c i a m o
distúrbio no d e c o r r e r da v i d a . A d i f e r e n ç a m a i s e v i d e n t e e n t r e a depressão m a s c u -
s o f r i m e n t o psíquico de m a n e i r a diferente. C o n t u d o , o
lina e a f e m i n i n a é a f r e q u ê n c i a da m a n i f e s t a ç ã o . Estu-
Manual
mentais
dos p o p u l a c i o n a i s i n d i c a m q u e , e m c o m p a r a ç ã o c o m
(DSM), atualmente e m sua quarta versão, adota u m a
os h o m e n s , as m u l h e r e s c o r r e m o dobro de risco de
d e s c r i ç ã o do t r a n s t o r n o p r o p o s i t a l m e n t e n e u t r a q u a n -
s e r e m a c o m e t i d a s . Por e s s a r a z ã o , as p e s q u i s a s sobre
diagnóstico
e estatístico
de transtornos
d e p r e s s ã o e género t ê m , h i s t o r i c a m e n t e , se dedicado a e n t e n d e r por que as m u l h e r e s s ã o m a i s v u l n e r á v e i s
AAUTORA ÉRICA WESTLY é jornalista com especialização em divulgação científica. 74
I mentecérebro I Depressão
ao p r o b l e m a - a i n d a q u e , por r a z õ e s de c o n v e n i ê n c i a , a m a i o r i a dos e s t u d o s c o m d r o g a s a n t i d e p r e s s i v a s seja conduzida e m pacientes masculinos.
Mais recentemente, porém, pesquisadores começa-
as n o r m a s s o c i a i s n ã o p e r m i t e m a e x p r e s s ã o da t r i s t e z a
r a m a e s t u d a r as especificidades significativas. Talvez
m a s c u l i n a , f a z e n d o c o m que eles t e n h a m d i f i c u l d a d e
a m a i s i m p o r t a n t e e i n c o m p r e e n d i d a seja a d i f e r e n ç a
até m e s m o p a r a p e r c e b e r seus s i n t o m a s . " D i z e m ' n ã o
e n t r e os s i n t o m a s . N e l a s , a e m o ç ã o p r e p o n d e r a n t e n a
estou conseguindo produzir muito', ou 'ando irritado,
d e p r e s s ã o é, n a m a i o r i a das v e z e s , a t r i s t e z a . N e l e s , a
s e m p r e brigo c o m m i n h a n a m o r a d a , e m v e z de ' e s t o u
raiva e a irritabilidade são mais c o m u n s e m u i t a s vezes
t r i s t e ' " , o b s e r v a S a m C o c h r a n e , d i r e t o r de a c o n s e l h a -
1
estão associadas à desatenção. Em c o n s e q u ê n c i a , a
m e n t o psicológico da U n i v e r s i d a d e de l o w a e a u t o r de
m a i o r i a d a s p e s s o a s - i n c l u s i v e os h o m e n s d e p r i m i d o s
v á r i o s livros sobre a psicologia m a s c u l i n a . " M a s , q u a n -
- c o n f u n d e a d e p r e s s ã o m a s c u l i n a c o m u m q u a d r o de
do v a m o s a l é m desse p o n t o , os s i n t o m a s n ã o s ã o m u i t o
i n s a t i s f a ç ã o e i n q u i e t u d e d i f u s a s , J s e m se d a r c o n t a de
d i f e r e n t e s dos relatados pelas m u l h e r e s . "
q u e se t r a t a de u m d i s t ú r b i o q u e exige i n t e r v e n ç ã o . O
C o c h r a n e p e r t e n c e ao g r u p o c a d a v e z m e n o r dos
p r o b l e m a é q u e h o m e n s d e p r i m i d o s t ê m m e n o s dis-
que e n f a t i z a m a i m p o r t â n c i a das i n f l u ê n c i a s c u l t u r a i s .
p o s i ç ã o a p r o c u r a r a j u d a do q u e as m u l h e r e s e m a i o r
U m v o l u m e c r e s c e n t e de dados sugere q u e d i s t i n ç õ e s
p r o b a b i l i d a d e de se m a t a r . S e g u n d o d a d o s do C e n t r o
biológicas e n t r e os dois géneros t ê m
p a r a C o n t r o l e e P r e v e n ç ã o de D o e n ç a s ( C D C , n a sigla
importantes para o h u m o r e o c o m p o r t a m e n t o - in-
e m inglês), há quatro suicídios rriasculinos para cada
c l u i n d o a s u s c e t i b i l i d a d e à patologia e o u t r o s d i s t ú r b i o s
feminino. A g r a n d e q u e s t ã o é se as v a r i a ç õ e s são biológicas o u
consequências
p s i c o l ó g i c o s . Tais d i f e r e n ç a s se o r i g i n a m das p r ó p r i a s s u b s t â n c i a s d e f i n i d o r a s do s e x o , os h o r m ô n i o s s e x u a i s .
c u l t u r a i s . A l g u n s p e s q u i s a d o r e s a c r e d i t a m que a q u í m i -
E n t e n d e r os efeitos dessas s u b s t â n c i a s s o b r e o c é r e b r o
c a da d e p r e s s ã o é a m e s m a e m honhens e m u l h e r e s , m a s
pode s e r a ú n i c a m a n e i r a de g a r a n t i r q u e , i n d e p e n d e n -
Sintomas masculinos são difíceis de reconhecer e se somam à relutância dos pacientes em admitir fraquezas, fazendo com que muitos fiquem sem tratamento
m e s m a é p o c a , h o m e n s a t i n g e m u m estado q u e os m é d i c o s c h a m a m a n d r o p a u s a , marc a d a pela d i m i n u i ç ã o n ã o tão a c e n t u a d a n a s e c r e ç ã o de t e s t o s t e r o n a . T a n t o
neles
q u a n t o nelas os p e s q u i s a d o r e s d e s c o b r i r a m a s s o c i a ç ã o e n t r e os níveis h o r m o n a i s reduzidos na t e r c e i r a idade, o declínio cognitivo e a perda de m e m ó r i a . É difícil e s t u d a r a b i o q u í m i c a cerebral dos h o r m ô n i o s s e x u a i s , pois essas s u b s t â n c i a s s ã o de difícil m e n s u r a ç ã o e seus efeitos, m u i t o a m p l o s . H á , p o r é m , sólidos indícios de que e x e r ç a m f u n ç ã o e s s e n c i a l na fisiologia
t e m e n t e do g é n e r o , p a c i e n t e s d e p r i m i d o s
neurológica. O cérebro masculino costuma
recebam o tratamento adequado.
s e r m a i o r do q u e o f e m i n i n o e a m a d u r e c e
Desde o útero m a t e r n o até o f i m
da
m a i s devagar. E m b o r a os c i e n t i s t a s a i n d a
a d o l e s c ê n c i a , os h o r m ô n i o s , e m especial a
n ã o t e n h a m i d e n t i f i c a d o o m e c a n i s m o do
t e s t o s t e r o n a e o estrogênio, d e s e m p e n h a m
atraso,
u m a f u n ç ã o c e n t r a l no d e s e n v o l v i m e n t o ce-
que a t e s t o s t e r o n a a u m e n t a as d i m e n s õ e s
pesquisas
em
animais
revelaram
rebral e, m a i s t a r d e , no h u m o r - não se l i m i -
c e r e b r a i s ao e s t i m u l a r a produção do f a t o r
t a n d o a p r e p a r a r o t e r r e n o para o principal
n e u r o t r ó f i c o d e r i v a d o do cérebro ( F N D C ) ,
i m p e r a t i v o da v i d a : a r e p r o d u ç ã o . H o m e n s e
u m a p r o t e í n a q u e f a v o r e c e o desenvolvi-
m u l h e r e s p r o d u z e m as d u a s s u b s t â n c i a s e m
mento neuronal. O crescimento adicional
q u a n t i d a d e s v a r i á v e i s . A t e s t o s t e r o n a , fabri-
pode s i g n i f i c a r q u e o cérebro
c a d a nos t e s t í c u l o s , e o estrogênio, produzi-
p r e c i s a de m a i s t e m p o para c h e g a r à c o m -
masculino
do nos o v á r i o s , são m a i s ativos no sexo m a s -
pleta m a t u r i d a d e .
culino e feminino, respectivamente, mas o
T a m b é m h á dados sugestivos de u m a re-
h o m e m produz u m a p e q u e n a q u a n t i d a d e de
lação e n t r e os h o r m ô n i o s sexuais e os dis-
e s t r o g ê n i o e a m u l h e r , u m pouco de testos-
túrbios do h u m o r ao longo da vida. Os efei-
t e r o n a nos órgãos sexuais e nas g l â n d u l a s
tos da t e s t o s t e r o n a e do estrogênio sobre os
s u p r a r r e n a i s . Os h o r m ô n i o s do género opos-
n e u r o t r a n s m i s s o r e s são diferentes, especial-
t o e x e r c e m f u n ç ã o vital para o o r g a n i s m o . A
m e n t e no h i p o t á l a m o e na a m í g d a l a , regiões
t e s t o s t e r o n a a j u d a as m u l h e r e s a m a n t e r a
que p a r t i c i p a m no p r o c e s s a m e n t o e m o c i o -
r e g u l a r i d a d e m e n s t r u a l , a densidade óssea e
n a l . Estudos c o n d u z i d o s no Albert Einstein
a libido; o estrogênio auxilia o c o n t r o l e dos
College de M e d i c i n a e m 2001, por e x e m p l o ,
f l u i d o s no t r a t o reprodutivo do h o m e m .
mostraram
q u e , no início do desenvolvi-
m e n t o , a t e s t o s t e r o n a e o estrogênio exer-
QUESTÃO DE TEMPO Os níveis h o r m o n a i s p o d e m m u d a r de u m dia p a r a o o u t r o o u até de u m a h o r a
76
c e m i n f l u ê n c i a o p o s t a sobre o ácido g a m a -aminobutírico (GABA): a primeira estimula a t r a n s m i s s ã o do GABA, o segundo a inibe.
para outra. M a s , e m termos gerais, o volu-
Tais efeitos polarizadores f a v o r e c e m pri-
m e s e c r e t a d o é alto nos p r i m e i r o s a n o s da
m e i r o u m sexo e depois o u t r o . Na i n f â n c i a ,
infância e volta a subir na pré-adolescência,
as d i f e r e n ç a s são m a i s d u r a s para os m e n i -
sob a i n f l u ê n c i a do h i p o t á l a m o e da g l â n d u -
n o s . C o m o o excesso da s u b s t â n c i a está rela-
la p i t u i t á r i a , a n u n c i a n d o o início da puber-
c i o n a d o a episódios c o n v u l s i v o s nos bebés e
d a d e . As q u a n t i d a d e s de h o r m ô n i o s s e x u a i s
nas c r i a n ç a s de até 3 a n o s , é provável que a
d e c a e m p o u c o a p o u c o do final da adoles-
inibição do n e u r o t r a n s m i s s o r pelo estrogê-
c ê n c i a até o início o u m e a d o s da q u i n t a dé-
nio t e n h a efeitos p r o t e t o r e s , s e n d o os garo-
c a d a de v i d a , q u a n d o as m u l h e r e s e n t r a m
tos d u a s vezes m a i s p r o p e n s o s a s o f r e r c o n -
n a m e n o p a u s a , depois da q u a l a p r o d u ç ã o
v u l s õ e s febris do que as g a r o t a s . Nessa f a s e ,
de e s t r o g ê n i o sofre u m a q u e d a b r u s c a . N a
eles t ê m t a m b é m m a i s riscos de d e s e n v o l v e r
I mentecérebro I Depressão
d e p r e s s ã o . O psicólogo S i m o n B a r o n - C o h e n ,
publicado por T r a c y Bale e seus colegas da
d i r e t o r do C e n t r o de Pesquisas e m A u t i s m o
U n i v e r s i d a d e da P e n s i l v â n i a , a a d m i n i s t r a -
da U n i v e r s i d a d e de C a m b r i d g e , s u s t e n t a que
ç ã o - n a a d o l e s c ê n c i a - do h o r m ô n i o m a s -
o excesso de t e s t o s t e r o n a d u r a n t e os pri-
c u l i n o a f ê m e a s de rato p a r e c e u protegê-las
m e i r o s m e s e s do d e s e n v o l v i m e n t o cerebral
de s i n t o m a s depressivos, i n d i c a n d o que é
pode t o r n a r os m e n i n o s m a i s v u l n e r á v e i s ao
i m p o r t a n t e o m o m e n t o e m que o h o r m ô n i o
a u t i s m o e a o u t r o s distúrbios neunopsiquiá-
é produzido pelo o r g a n i s m o .
tricos. O GABA, o FNDC e outras substâncias
Q u a n d o os p a c i e n t e s c h e g a m à idade
q u í m i c a s , t a m b é m e s t i m u l a d a s pela testos-
a d u l t a , os s i n t o m a s d e p r e s s i v o s c o m e ç a m
t e r o n a , p a r e c e m , por razões a i n d a ignora-
a se d i f e r e n c i a r m a i s c l a r a m e n t e de a c o r d o
d a s , e s t a r r e l a c i o n a d a s a esses t r a n s t o r n o s .
c o m o s e x o , e o debate n a t u r e z a versus
O u t r o s p e s q u i s a d o r e s a c r e d i t a m que o hor-
t u r a se t o r n a m a i s i n t r i n c a d o . C o m o as m u -
m ô n i o a t u e de m a n e i r a i n d i r e t a , t o r n a n d o
lheres estão m u i t o m a i s s u j e i t a s a s o f r e r do
cul-
os m e n i n o s m a i s sensíveis a fatores de es-
problema e mais dispostas a procurar tra-
tresse a m b i e n t a l - c o m o baixo nível de oxi-
t a m e n t o , os c r i t é r i o s d i a g n ó s t i c o s p e n d e m
génio no ú t e r o m a t e r n o - que pode p r o v o c a r
f o r t e m e n t e n a d i r e ç ã o das
sintomas psiquiátricos.
f e m i n i n a s da p a t o l o g i a . A raiva e a i n q u i e t u -
manifestações
de, t í p i c a s da d e p r e s s ã o m a s c u l i n a , n ã o se
RAIVA E TENSÃO
encaixam e m absoluto na definição clássica
N a p u b e r d a d e , a s i t u a ç ã o dos sexos se in-
do d i s t ú r b i o ; a s s i m , os testes p o d e m f a l h a r
v e r t e e as g a r o t a s p a s s a m a ser de d u a s a três
p a r a os h o m e n s . A l i á s , a d e p r e s s ã o foge da
vezes m a i s p r o p e n s a s à depressão do que os
ideia t r a d i c i o n a l do que s e r i a u m a d o e n ç a
garotos. Os pesquisadores a f i r m a m que ele-
m a s c u l i n a ; por esse m o t i v o , nos
v a ç õ e s s ú b i t a s da s e c r e ç ã o de estrogênio po-
U n i d o s o I n s t i t u t o N a t i o n a l de Saúde M e n -
d e m t o r n a r as m e n i n a s s u s c e t í v e i s , pois a u -
t a l , ( N I M H , n a sigla e m inglês) p r o m o v e u ,
m e n t a m os níveis de c o r t i s o l , o h o r m ô n i o do
e m 2003, u m a c a m p a n h a de c o n s c i e n t i z a -
estresse, e r e d u z e m a o f e r t a de s e r o t o n i n a ; a
ç ã o c o m o l e m a " H o m e n s de v e r d a d e , de-
falta dessa s u b s t â n c i a nesse período da v i d a
pressão de v e r d a d e " .
Estados
pode p r o v o c a r f a d i g a , a n s i e d a d e e o u t r o s
J u l i e T o t t e n g u a r d a u m a l e m b r a n ç a vívi-
s i n t o m a s de d e p r e s s ã o . J á para os garotos,
da do dia e m que e n t e n d e u que a raiva e a
é possível q u e a t e s t o s t e r o n a passe a exer-
irritabilidade do p a i , de 54 a n o s , p o d i a m ser
c e r u m a f u n ç ã o p r o t e t o r a . E m u m estudo
s i n t o m a s de d e p r e s s ã o . Foi e m 1990,
pouco
GAROTAS são duas ou três vezes mais propensas a manifestar o distúrbio durante a puberdade; meninos têm maior probabilidade de desenvolver a patologia na infância
depois que o i r m ã o se s u i c i d o u . Ela h a v i a ido
Depression
Awareness),
dedicada
a
ajudar
à biblioteca pesquisar possíveis c a u s a s que
as pessoas a r e c o n h e c e r sinais do distúrbio
l e v a r a m o rapaz a t i r a r a própria v i d a e lá
e m parentes e a m i g o s e a tratá-los. U m dos
e n c o n t r o u u m artigo sobre a depressão e m
m a i o r e s g r u p o s de a p o i o dentro da organiza-
h o m e n s . " Q u a n d o estava b e m , m e u pai era
ç ã o é f o r m a d o por m u l h e r e s que d i s c u t e m a
s o c i á v e l e c o m u n i c a t i v o , m a s ele t a m b é m
m e l h o r m a n e i r a de c o n v e n c e r os m a r i d o s a
podia se m o s t r a r m u i t o irritável e s o m b r i o .
procurar ajuda.
Q u a n d o ele e s t a v a a s s i m , t í n h a m o s de a n d a r n a p o n t a dos p é s " , c o n t a . Tratava-se, ao que p a r e c e , de u m caso da " f i n a c a m a d a de f ú r i a " à qual se referia George S a n t a y a n a .
78
CICLO MENSTRUAL De f a t o , para os h o m e n s
deprimidos,
c o n s u l t a r u m m é d i c o o q u a n t o antes pode
J u l i e sabia que não seria nada fácil c o n -
s i g n i f i c a r a d i f e r e n ç a entre a vida e a m o r t e .
v e n c e r o pai a p r o c u r a r u m m é d i c o . O i r m ã o
O u seja: e m g e r a l , m u l h e r e s c o m m e l a n c o -
h a v i a se c o n s u l t a d o c o m s e u clínico geral
lia p r o c u r a m a j u d a , os h o m e n s nas m e s m a s
p o u c o a n t e s de morrer,
queixara-se
c o n d i ç õ e s m o r r e m . A t u a l m e n t e , alguns pes-
a p e n a s de p r o b l e m a s e x t e r n o s , c o m o dores
quisadores d e f e n d e m a adoção de s i s t e m a s
de e s t ô m a g o e perda de peso. No c o n s u l t ó -
classificatórios
rio, t u d o o que recebeu foi o c o n s e l h o para
para os h o m e n s , c o m o a Escala Gotland de
mas
concebidos
especialmente
c o m e r c o m m a i s regularidade. Para que o
Depressão M a s c u l i n a , u m questionário de-
pai tivesse t r a t a m e n t o a d e q u a d o , ela preci-
senvolvido e m 1999, t e n d o e m vista os sin-
s o u r e c o r r e r a u m subterfúgio. Q u a n d o ele
t o m a s m a s c u l i n o s . As perguntas i n c l u e m ,
a c h o u que e s t a v a gripado, a f i l h a o levou
por e x e m p l o , o g r a u de irritação, i n q u i e t u d e ,
ao m é d i c o e c o m b i n o u c o m ele que u m psi-
f r u s t r a ç ã o e agressividade.
q u i a t r a estaria presente d u r a n t e a c o n s u l t a .
Tao i m p o r t a n t e q u a n t o u m diagnóstico
U m a vez d i a g n o s t i c a d a a depressão, foi pres-
c o r r e t o é a g a r a n t i a de que h o m e n s e m u -
c r i t o u m inibidor seletivo da r e c a p t a ç ã o da
lheres r e c e b a m u m t r a t a m e n t o a d e q u a d o .
s e r o t o n i n a (ISRS), que ele c o n t i n u a a t o m a r .
Por m u i t o t e m p o , acreditou-se que os efeitos
Hoje, Julie dirige u m a o r g a n i z a ç ã o , Famílias
das drogas psiquiátricas e r a m os m e s m o s
pela C o n s c i ê n c i a da Depressão (Families
para a m b o s os sexos. H á dez a n o s , p o r é m , a
I mentecérebro I Depressão
for
psiquiatra S u s a n K o r n s t e i n , d a Virgínia C o m -
tomado antidepressivos
m o n w e a l t h U n i v e r s i t y , p u b l i c o u u m estudo
n ã o os e s t a v a m u s a n d o n a q u e l e m o m e n t o .
m o s t r a n d o q u e os pacientes m a s c u l i n o s n ã o
Embora
r e a g i a m t ã o b e m a o s ISRSs, classe de a n t i -
r e d u ç ã o de 2 2 %
depressivos n a qual se i n c l u e m o P r o z a c , o
importantes do cérebro, não havia diferença
mulheres jovens
n o passado m a s exibissem u m a
d a p r o t e í n a e m regiões
Z o l o f t e o Lexapro. Segundo e l a , os testes
e n t r e os p a c i e n t e s h o m e n s e o g r u p o de
c l í n i c o s q u e l e v a r a m à aprovação dessas dro-
controle
gas pela Food a n d D r u g A d m i n i s t r a t i o n (FDA)
c a s o m a s c u l i n o , a d e p r e s s ã o pode n ã o e s t a r
h a v i a m sido feitos a p e n a s e m h o m e n s . " O s
t ã o r e l a c i o n a d a à f a l t a de s e r o t o n i n a .
saudável,
significando
q u e , no
pesquisadores n ã o q u e r i a m lidar c o m as difi-
Tais resultados s ã o c o n f i r m a d o s pela des-
c u l d a d e s c a u s a d a s pelo ciclo m e n s t r u a l , por
c o b e r t a de que as pacientes reagem de f o r m a
isso e x c l u í r a m a s m u l h e r e s e não c o n s i d e r a -
específica aos antidepressivos e m diferentes
r a m q u e elas p u d e s s e m reagir de m a n e i r a
fases da v i d a - o q u e pode a j u d a r a entender
diferente a o s m e d i c a m e n t o s " , a f i r m a Korns-
a razão pela qual s ã o m a i s suscetíveis à de-
t e i n , hoje d i r e t o r a d o Instituto para a Saúde
pressão. Kornstein d e s c o b r i u que, tal qual os
M e n t a l d a M u l h e r d a universidade.
h o m e n s , as m u l h e r e s que j á h a v i a m passado
P o r é m , o t r a b a l h o de K o r n s t e i n e de o u tros p e s q u i s a d o r e s revela u m a v e r d a d e i r a
pela m e n o p a u s a n ã o r e s p o n d i a m t ã o b e m aos ISRSs q u a n t o as m a i s j o v e n s e o b t i n h a m
d i s p a r i d a d e e n t r e os sexos no q u e se refere
resultados m e l h o r e s u s a n d o antidepressivos
à e f i c á c i a d o s ISRSs. V á r i o s e s t u d o s i n d i c a m
c o m a ç ã o sobre a n o r a d r e n a l i n a e a dopa-
que esses m e d i c a m e n t o s prescritos e m larga e s c a l a -17 m i l h õ e s de pessoas r e l a t a r a m h a v e r t o m a d o ISRSs e n t r e 2003 e 2006, seg u n d o o C D C - f u n c i o n a m m e l h o r n a pres e n ç a d o e s t r o g ê n i o . U m e s t u d o de 2008, publicado no periódico
Psychoneuroendocri-
nology c o n c l u i u q u e a s e r t r a l i n a (ZQloft) n ã o fazia efeito e m r a t a s q u e n ã o p r o d u z e m o h o r m ô n i o f e m i n i n o . C o n t u d o , a droga aliv i a v a os s i n t o m a s d e p r e s s i v o s doú a n i m a i s quando acompanhada
de t r a t a m e n t o de
r e p o s i ç ã o h o r m o n a l . N o a n o passtado, Korn s t e i n d e s c o b r i u q u e a s mulherefc t i n h a m m a i s p o s s i b i l i d a d e de r e m i s s ã o dp q u e os h o m e n s d e p o i s de t r a t a d a s c o m l$RSs, a i n da q u e os s i n t o m a s f e m i n i n o s f o á s e m , e m média, mais graves. Por o u t r o
lado, o e s t u d o a n t e r i o r d a
Hormônios dele, hormônios dela Quanto à estrutura molecular, estrogênio e testosterona são bastante parecidos (no modelo abaixo, os átomos de carbono são representados em cinza-escuro, os de hidrogénio em cinza-claro e os de oxigénio, em vermelho). Pequenas diferenças estruturais podem provocar grande impacto. Existem receptores distintos para cada uma dessas substâncias em várias regiões do cérebro, incluindo o hipotálamo e a amígdala - áreas que controlam a memória, as emoções, o sono e o apetite. Atualmente cientistas sabem que hormônios sexuais reagem de maneira diferente com outras moléculas. O estrogênio, por exemplo, pode elevar os níveis do cortisol (hormônio do estresse), o que seria capaz de explicar a alta incidência de depressão entre as mulheres.
p s i q u i a t r a r e v e l o u q u e os h o m e n s r e a g e m melhor a antidepressivos c o m o a imipram i n a (tofranil) e bupropiona (weltbutrin), que
agem
sobre
os
neurotransmissores
d o p a m i n a e a n o r a d r e n a l i n a e n ã o sobre a s e r o t o n i n a . H á a l g u n s a n o s , pesquisadores do N I M H e d a U n i v e r s i d a d e Yale p u blicaram
u m t r a b a l h o q u e pode e x p l i c a r
por q u ê . Os c i e n t i s t a s u s a r a m e x a m e s de t o m o g r a f i a p o r e m i s s ã o de p ó s i t r o n s p a r a m e d i r os n í v e i s d a p r o t e í n a t r a n s p o r t a d o r a de s e r o t o n i n a - v i s a d a pelos ISRSs - e m pac i e n t e s m a s c u l i n o s e f e m i n i n o s que h a v i a m
Testosterona
Estrogênio
m i n a . A l é m disso, os pesquisadores de Yale
o f u n c i o n a m e n t o do cérebro e a reação aos
d e s c o b r i r a m q u e , ao c o n t r á r i o das j o v e n s (e
medicamentos.
à s e m e l h a n ç a dos h o m e n s ) , as m u l h e r e s de-
C o m o m u i t a s m u l h e r e s d e p r i m i d a s , Dé-
p r i m i d a s que j á n ã o m e n s t r u a v a m apresen-
b o r a , de 56 a n o s , c o n h e c e u pela p r i m e i r a
t a v a m níveis inalterados da proteína t r a n s -
v e z o q u e c h a m a de " t r i s t e z a a g o u r e n t a "
p o r t a d o r a . Essas c o n c l u s õ e s se c o a d u n a m
q u a n d o c h e g o u à p u b e r d a d e . Aos 17, j á h a -
c o m os dados das pesquisas e m a n i m a i s que
v i a sido d i a g n o s t i c a d a e h a v i a c o m e ç a d o a
m o s t r a m que os ISRSs f u n c i o n a m m e l h o r n a
t o m a r u m a n t i d e p r e s s i v o t r i c í c l i c o (os ISRSs
p r e s e n ç a do estrogênio e r e v e l a m a i n f l u ê n -
a i n d a n ã o e x i s t i a m ) . A droga não f u n c i o n o u .
c i a do h o r m ô n i o f e m i n i n o sobre a saúde
Depois da p r i m e i r a t e n t a t i v a , ela e v i t o u os
m e n t a l ao longo da v i d a - desde o a u m e n -
a n t i d e p r e s s i v o s a t é p o u c o depois dos
to dos níveis h o r m o n a i s n a a d o l e s c ê n c i a ,
a n o s , q u a n d o u m m é d i c o lhe receitou Pro-
que altera permanentemente
mecanismos
z a c , c o m m e l h o r e s r e s u l t a d o s . Ao c h e g a r à
c e r e b r a i s do estresse, até s u a queda n a m e -
c a s a dos 50, p o r é m , e n t r o u na m e n o p a u s a e
n o p a u s a , que t e m efeitos profundos sobre
os s i n t o m a s se a g r a v a r a m . Ela estava sujeita
Tempos diversos As substâncias químicas que atuam em todos os cérebros humanos são as mesmas, mas homens e mulheres costumam produzi-las em quantidades diferentes - um descompasso que pode ser desvantajoso para um dos sexos. As imagens abaixo foram feitas por pesquisadores canadenses que usaram a técnica de tomografia por emissão de pósitrons para visualizar a produção de serotonina, neurotransmissor que estimula o humor, em 15 homens e mulheres. Na linha inferior, vemos dois pares de cortes cerebrais de dois participantes do estudo - um homem e uma mulher, ambos saudáveis e não deprimidos. A produção de serotonina se mostrou mais rápida no
cérebro masculino. Na linha de baixo, vemos a síntese do neurotransmissor nas mesmas duas pessoas, depois de submetidas a uma dieta de baixa proteína que excluía o aminoácido triptofano. (Encontrado na carne de peru, nos laticínios e em alguns peixes, o triptofano é um dos componentes essenciais da serotonina.) Nessas condições desafiadoras, ambos os cérebros diminuíram o ritmo de produção da serotonina, mas, no homem, o processo ainda era mais rápido. Essa evidente variação sexual na quantidade de serotonina circulante pode ajudar a entender por que antidepressivos, que elevam os níveis desse neurotransmissor, são mais eficazes nas mulheres.
22 Parâmetros normais
Após a depleção do triptofano
80
35
I mentecérebro I Depressão
£3
11
a o s c i l a ç õ e s de h u m o r e t r i s t e z a e x t r e m a - a " m e l a n c o l i a c o n s t a n t e " da qual fali v a E m i l y Dickinson - e t i n h a dificuldade para levant a r da c a m a . P r o v a v e l m e n t e , os r a s u l t a d o s p o d e r i a m t e r sido m e l h o r e s se Débjora h o u v e s s e u s a d o o P r o z a c no início da w d a a d u l t a e, m a i s t a r d e , o t r o c a s s e por u m a droga que a t u a s s e s o b r e a n o r a d r e n a l i n a ! c o m o a
Consultar um profissional pode significar a diferença entre a vida e a morte; em geral as mulheres procuram ajuda, já os homens negam a angústia
v e n f a l a x i n a ( e f f e x o r ) . " P r e c i s a m o s (consider a r t o d a s as f a s e s da v i d a p a r a c o m ) r e e n d e r esses d i s t ú r b i o s e o m e l h o r t r a t a r r e n t o e m c a d a m o m e n t o " , a f i r m a a psicóloga c l í n i -
ç õ e s s e x u a i s e m d e t e r m i n a d a s á r e a s do cé-
c a Jill G o l d s t e i n , do B r i g h a m a n d W o m e n ' s
r e b r o r e l a c i o n a d a s a o h u m o r , c o m o o hi-
Hospital da Universidade Harvard
potálamo e a amígdala. Goldstein suspeita
que es-
t u d o u as d i f e r e n ç a s e n t r e os sexos p a e s q u i -
q u e os e x a m e s de m u l h e r e s
zofrenia e na depressão.
mostrarão
Goldstein está colocando sua teoria e m p r á t i c a , u s a n d o d a d o s do N e w E n é l a n d Fam i l y Study, q u e c o n s e r v o u os
históricos
um
decréscimo
deprimidas
na
atividade
d a s regiões c o r t i c a i s q u e r e g u l a m a r e a ç ã o cerebral ao estresse.
mé-
A medicina, e m especial a psiquiatria,
dicos de m i l h a r e s de c r i a n ç a s naacidas n a
já enfrentou muitos estereótipos sexuais.
região d u r a n t e a d é c a d a de 60. O e s t u d o se
D u r a n t e t o d a a e r a v i t o r i a n a e a t é o iní-
o r i g i n o u do N a t i o n a l C o l l a b o r a t i v é Perina-
c i o do s é c u l o 19, as m u l h e r e s q u e e x i b i a m
tal Project, dos I n s t i t u t o s N a c i o n a i f de S a ú -
s i n t o m a s p s i q u i á t r i c o s r e c e b i a m , c o m fre-
de, q u e d e s d e 1959 v i n h a a c o m p a n h a n d o 66
q u ê n c i a , o d i a g n ó s t i c o de h i s t e r i a , u m "dis-
m i l g r á v i d a s e m 12 c i d a d e s a m e r i c a n a s . Os
túrbio f e m i n i n o " . À medida que abandona-
p e s q u i s a d o r e s a c u m u l a r a m u m rico a c e r v o
v a m t a i s c o n c e p ç õ e s m i s ó g i n a s , p o r é m , os
de m a t e r i a i s , i n c l u i n d o a m o s t r a s d i s a n g u e
médicos assumiam
m a t e r n o e do c o r d ã o u m b i l i c a l , a l é m de
chegando
h i s t ó r i c o s m é d i c o s d e t a l h a d o s dos bebés.
s e x o n o s d i a g n ó s t i c o s e t r a t a m e n t o s . Tais
a posição
contrária,
ao p o n t o de d e s c o n s i d e r a r
o
C o m esse m a t e r i a l , é possível a r e a l i z a ç ã o
p o s t u r a s m a i s r a d i c a i s t a l v e z f o s s e m evi-
de e s t u d o s r e t r o s p e c t i v o s sobre
qualquer
t a d a s se os c i e n t i s t a s c o n s e g u i s s e m r e u n i r
d o e n ç a m a n i f e s t a d a no d e c o r r e r da v i d a
t u d o o q u e e s t ã o d e s c o b r i n d o s o b r e a bio-
dos p a r t i c i p a n t e s . A v e r b a do projeto se es-
logia da d e p r e s s ã o e m h o m e n s e m u l h e -
g o t o u e m 1967, m a s o m a t e r i a l r e u n i d o e s t á
r e s . Esse c o n h e c i m e n t o p o d e r i a a j u d a r os
à d i s p o s i ç ã o dos p e s q u i s a d o r e s ; trata-se de
pacientes a encontrar tratamentos
mais
u m a das m a i o r e s c o l e ç õ e s de a m o i t r a s pré
b e m c a l i b r a d o s p a r a a q u í m i c a de s e u or-
e pós-natais e m t o d o o m u n d o .
g a n i s m o . E, p a r a a l é m d a s c o n s i d e r a ç õ e s
H á alguns a n o s , Goldstein e seus cole-
de o r d e m m é d i c a , u m a c o m p r e e n s ã o m a i s
gas d a s u n i v e r s i d a d e s H a r v a r d e de B r o w n
sutil das n u a n c e s das e m o ç õ e s h u m a n a s -
r e c r u t a r a m c e r c a de m i l v o l u n t á r i o s q u e
a depressão é melancolia para uns e fúria
tiveram seus dados cadastrados, a maio-
para outros - aprofundaria nosso conhe-
ria n a c a s a dos 40, p a r a u m e s t u d o de se-
c i m e n t o dos o u t r o s e de n ó s m e s m o s .
g u i m e n t o s o b r e d e p r e s s ã o . Os
®
cientistas
i n v e s t i g a m o d e s e n v o l v i m e n t o do o r g a n i s m o à p r o c u r a de f a t o r e s r e l a c i o r j a d o s a o d i s t ú r b i o , m u i t o s d o s q u a i s e n v o l v e m as d i f e r e n ç a s e n t r e os s e x o s . C o m i s i o , esperam
revelar m e c a n i s m o s
neuroduímicos
c o n t r o l a d o s p e l o s h o r m ô n i o s . Os c i e n t i s tas estão realizando t a m b é m ressonâncias magnéticas funcionais para avaliar distin-
PARA SABER MAIS
Sex differences in stress response circuitry activation dependent on female hormonal cycle. J . M. Goldstein, M. Jerram, B. Abbs, S. Whitfield-Gabrieli e N. Makris em Journal of Neuroscience, vol. 30, n- 2, págs. 431-438, janeiro de 2010. Sex matters: gonadal steroids and the brain. E. A. Young e J . B. Becker, em Neuropsychopharmacology, vol. 34, págs. 537-538; 2009. Sex diferences in the brain: implications for explaining autism. S. Baron-Cohen, R. C. Knickmeyer e M. K. Belmonte, em Science, vol. 310, págs. 819822, novembro de 2005.
81
INTERFACES
O neurônio do suicídio Cientistas acreditam que pessoas que se matam têm uma diferença anatómica no cérebro: maior concentração de células neurais fusiformes, conhecidas como Von Ecónomo, em regiões associadas à empatia e interação social por Fernanda Teixeira Ribeiro
A
c a d a 40 s e g u n d o s
uma
p e s s o a se
mata.
de f a t o r e s p s í q u i c o s , c u l t u r a i s , s o c i a i s e n e u r o b i o l ó g i -
H á l m i l h ã o de s u i c í d i o s por a n o no m u n -
c o s . U m a p e s q u i s a f e i t a n a D i n a m a r c a m o s t r a que os
do e pelo m e n o s 20 m i l h õ e s de t e n t a t i v a s ,
r i s c o s de u m a p e s s o a se m a t a r s ã o m a i o r e s se h á c a -
s e g u n d o a O r g a n i z a ç ã o M u n d i a l da S a ú d e
sos de s u i c í d i o e n t r e s e u s p a r e n t e s biológicos, m e s m o
( O M S ) . Essa é a t e r c e i r a m a i o r c a u s a de m o r t e n a f a i x a
q u e ela t e n h a sido a d o t a d a q u a n d o r e c é m - n a s c i d a . E m
e t á r i a e n t r e 15 e 35 a n o s , a t r á s a p e n a s de f e r i m e n t o s
u m e s t u d o da U n i v e r s i d a d e Federal de M i n a s G e r a i s
p o r a r m a s de fogo e a c i d e n t e s de t r â n s i t o . N o B r a s i l ,
( U F M G ) , o psiquiatra H u m b e r t o Corrêa observou que
a c a d a 100 m i l m o r t e s , 4,6 s ã o p o r s u i c í d i o , u m a e s t a -
h o m e n s e mulheres c o m depressão e esquizofrenia
t í s t i c a que a u m e n t o u 4 3 , 8 % n a s ú l t i m a s d u a s d é c a d a s .
q u e t e n t a r a m se m a t a r t i n h a m a f u n ç ã o s e r o t o n i n é r -
O c o m p o r t a m e n t o s u i c i d a r e s u l t a da c o m b i n a ç ã o
g i c a d i m i n u í d a , o u s e j a , d e f i c i ê n c i a no p r o c e s s o de s í n t e s e , t r a n s p o r t e e ligação c o m r e c e p t o r e s de s e r o t o n i -
AAUTORA FERNANDA TEIXEIRA RIBEIRO é jornalista com especialização em neurociênda 82
I mentecérebro I Depressão
na. Níveis baixos dessa s u b s t â n c i a n e u r o q u í m i c a estão relacionados a sintomas depressivos, que são fatores de r i s c o p a r a o s u i c í d i o (veja quadro na página 84).
a
U m a d a s h i p ó t e s e s é q u e os n e u r ó n i o s f u s i f o r m e s
a n a l i s a r se a l t e r a ç õ e s e m á r e a s Neurais ligadas à e m -
f o r n e c e m a i n t e r c o n e x ã o e n t r e as á r e a s d o c é r e b r o a t i -
Mais recentemente, pesquisadores c o m e ç a r a m
p a t i a e à i n t e r a ç ã o s o c i a l podiarh e s t a r r e l a c i o n a d a s
v a d a s pelo c o n t a t o s o c i a l . S e g u n d o o n e u r o c i e n t i s t a
ao c o m p o r t a m e n t o s u i c i d a .
com neuroima-
J o h n A l l m a n , do I n s t i t u t o de T e c n o l o g i a d a C a l i f ó r n i a ,
g e a m e n t o m o s t r a r a m que pessoas c o m A l z h e i m e r e
eles p o d e m f u n c i o n a r c o m o r a s t r e a d o r e s de e x p e r i ê n -
a u t i s m o a p r e s e n t a m m e n o r a t i v a ç ã o d a s á r e a s do cór-
c i a s s o c i a i s , p r o p o r c i o n a n d o a base d a a p r e n d i z a g e m
t e x c i n g u l a d o a n t e r i o r e do c ó r t e x f r o n t o i n s u l a r . E s s a s
social intuitiva quando observamos e copiamos
d u a s regiões s ã o a s ú n i c a s o n d e é e n c o n t r a d o u m t i p o
o u t r o s . E s s a s c é l u l a s , a n a l i s a d a s pela p r i m e i r a v e z e m
e s p e c i a l de n e u r ô n i o f u s i f o r m e de f u n ç ã o d e s c o n h e -
1925
c i d a - os n e u r ó n i o s de V o n E c ó n o m o ( V E N s , n a s i g l a
m o , s ã o e n c o n t r a d a s a p e n a s e m e s p é c i e s q u e se s o c i a -
e m i n g l ê s ) . A g o r a , p e s q u i s a d o r e s da U n i v e r s i d a d e de
lizam, c o m o grandes símios, elefantes e baleias. E m
Estados
os
pelo n e u r o l o g i s t a r o m e n o C o n s t a n t i n v o n E c ó n o -
B o c h u m , n a A l e m a n h a , c o n s t a t a r a m q u e o c é r e b r o de
h u m a n o s , e l a s a u m e n t a r a m de q u a n t i d a d e a o l o n g o
p e s s o a s q u e se s u i c i d a r a m t i n h a m a i o r e s q u a n t i d a d e s
d a e v o l u ç ã o . S u a c o n c e n t r a ç ã o se m u l t i p l i c a p o r v o l t a
dessas células neurais.
dos 4 a n o s de i d a d e , período c o n s i d e r a d o p o r e s p e c i a -
l i s t a s u m d i v i s o r de á g u a s n a s h a b i l i d a d e s de i n t u i ç ã o s o c i a l . "A d i f i c u l d a d e dos a u tistas e m distinguir emoções e estabelecer vínculos afetivos coincide c o m a m e n o r q u a n t i d a d e d e s s e s n e u r ó n i o s " , diz A l l m a n . O u t r o s e s t u d o s r e l a c i o n a r a m as h a b i l i d a d e s e m p á t i c a s à s á r e a s do c é r e b r o o n d e h á m a i o r c o n c e n t r a ç ã o de V E N s . S e g u n d o a r t i g o p u b l i c a d o n a Science
e m 2003, pes-
s o a s c o m d e p r e s s ã o e t r a n s t o r n o de estresse p ó s - t r a u m á t i c o ( T E P T ) c o n s e g u e m dist i n g u i r e m o ç õ e s n e g a t i v a s e m rostos c o m mais facilidade e apresentam maior ativaç ã o d e s s a s regiões a o v e r f o t o g r a f i a s q u e e x p r i m a m r a i v a , a m e a ç a o u t r i s t e z a . Por f i m , o e s t u d o d a U n i v e r s i d a d e de B o c h u m , d i v u l g a d o n a r e v i s t a PLoS ONE, a n a l i s o u tec i d o s c e r e b r a i s de p e s s o a s c o m e s q u i z o f r e n i a e t r a n s t o r n o b i p o l a r que se m a t a r a m . Esses dois d i s t ú r b i o s e s t ã o a s s o c i a d o s a a l t o s í n d i c e s de s u i c í d i o - c e r c a de 5 % dos diagnosticados c o m esquizofrenia m o r r e m d e s s a forma,- n o c a s o do t r a n s t o r n o bipo-
O HOLANDÊS VINCENT VAN GOGH atirou no próprio peito depois de passar anos internado em instituições para doentes mentais; crises psicóticas são fator de risco
Problema de saúde pública No Brasil há em média 24 suicídios por dia, o equivalente a 9 mil mortes por ano. Uma estatística alta, já que a aids, por exemplo, é causa de pouco mais de 10 mil óbitos. Ao contrário do que ocorre na maioria dos países, o número de suicídios juvenis supera o de adultos, segundo o relatório Mapa da violência/2011, elaborado pelo Instituto Sangari e pelo Ministério da Justiça; e os índices cresceram 17% nos últimos dez anos. Apesar dos dados, o país não investe em estratégias de prevenção. "Não há campanhas veiculadas na televisão, como as que alertam sobre a transmissão de doenças. O assunto é tido como tabu, e quando uma pessoa é encaminhada ao sistema de saúde público por tentativa de suicídio ela é liberada após se recuperar. Um em cada quatro pacientes tenta se matar outra vez em menos de um ano", diz o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), ressaltando shHMmHHNhMI
84
I mentecérebro I Depressão
que, entre a população indígena, há 20 suicídios para cada 100 mil mortes, o equivalente a quatro vezes a média nacional. Os altos índices de suicídio entre a população economicamente ativa podem ter impactos sociais a longo prazo. Para cada suicídio, cinco a dez pessoas, entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho, desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), o que gera afastamento do trabalho e gastos com medicamentos e favorece os fatores de risco para o comportamento suicida. Suécia, Estados Unidos, Irlanda e Japão, por exemplo, consideram o comportamento suicida urgência médica. No país escandinavo, as mortes foram reduzidas em 39,5% nas últimas duas décadas graças a estratégias como tratamento de pessoas diagnosticadas com depressão e dependentes de álcool, restrição ao acesso dos métodos mais comuns de suicídio, como pesticidas, e, no caso de tentativa, acompanhamento de psicólogos e
lar, a e s t a t í s t i c a é de 19%, s e g u n d o a A s s o c i a ç ã o B r a s i l e i r a de P s i q u i a t r i a (AEÍP). O neurocientista Martin Brune compar o u o c é r e b r o de 9 s u i c i d a s a o d q 30 pess o a s q u e t i n h a m u m d o s dois t r a n s t o r n o s m a s m o r r e r a m de c a u s a s n a t u r a i s . A d e n s i d a d e de n e u r ó n i o s f u s i f o r m e s njo c ó r t e x cingulado anterior e no córtex frontoinsul a r f o i s i g n i f i c a t i v a m e n t e m a i o r nri p r i m e i ro g r u p o . S e g u n d o B r u n e , os n e u r p n i o s de Von E c ó n o m o podem estar envolvidos no p r o c e s s a m e n t o de e x p e r i ê n c i a s s y b j e t i v a s complexas, c o m o culpa excessiva, autodep r e c i a ç ã o e s e n t i m e n t o de r e j e i ç ã i s o c i a l . O c o m p o r t a m e n t o s u i c i d a temj s i d o a s sociado a transtornos mentais pór vários e s t u d o s . A r e l a ç ã o é m a i s e s t r e i t a (entre o s distúrbios
caracterizados
pela
alternân-
c i a e n t r e c r i s e s p s i c ó t i c a s e interjvalos de l u c i d e z . S e g u n d o a r t i g o p u b l i c a d o n o The American
Journal
of Psychiatry,
a donsciên-
cia da própria situação costuma despertar s e n t i m e n t o s d e c u l p a , v e r g o n h a 'e d e s e s -
perança. Entre pessoas c o m esquizofrenia, a p r e v a l ê n c i a de d e p r e s s ã o é de m a i s de 5 0 % , e o r i s c o de s u i c í d i o é 2 0 % m a i o r e m comparação c o m a população e m geral. Em outra pesquisa, o grupo coordenado p o r B r u n e o b s e r v o u q u e e s q u i z o f r ê n i c o s c o m m a i o r c o n c e n t r a ç ã o de n e u r ó n i o s fusiformes direito
no córtex cingulado
obtinham
melhor
anterior
desempenho
CIRCUITO DO SOFRIMENTO: há maior número de neurónios fusiformes em áreas ligadas à percepção de exclusão social e à autodepreciação, como o córtex cingulado anterior e a ínsula anterior
e m testes que avaliavam a consciência da assistentes sociais por meio de telefone e visitas domiciliares. Os sintomas de risco de suicídio fundem com os de transtornos de A comorbidade é de mais de 9 0 % . S< Silva, o principal indício é uma pri tentativa. "Ela geralmente é precedi i outros comportamentos autoiesivo expressão de pensamentos suicidas Estes costumam ser fatores de riscc podem tomar maiores proporções de desemprego, separação conjugal mia (estado de falta de objetivos e tativas). Pesquisadores do Laborató Saúde Mental e Medicina da Univer Estadual de Campinas (LSMM-Uni
p r ó p r i a p s i c o s e . " E s s a p e r c e p ç ã o t e m se r e v e l a d o u m r i s c o p o t e n c i a l p a r a o suicíd i o , p r i n c i p a l m e n t e q u a n d o a q u a l i d a d e de vida é baixa", diz o neurocientista. Seria u m a c o n c l u s ã o limitada estabelec e r r e l a ç ã o de c a u s a l i d a d e e n t r e a d e n s i d a d e de n e u r ó n i o s f u s i f o r m e s e o c o m p o r t a m e n t o suicida. No entanto, as pesquisas c o m essas células podem revelar mecanism o s e n v o l v i d o s n a p e r c e p ç ã o de e m o ç õ e s e n a c o n s c i ê n c i a . A t é a g o r a , os r e s u l t a d o s s u g e r e m q u e elas i n t e g r a m
u m circuito
neural que sustenta faculdades sociocognitivas sofisticadas, esculpidas ao longo da e v o l u ç ã o - e n t r e e l a s , a i n t e n ç ã o de t e r m i nar c o m a própria vida.
®
em parceria com o Ministério da Sa jde, elaboraram uma cartilha de prevenjão direcionada a profissionais da saúd tal, disponível no endereço http://b saude.gov.br/bvs/publicacoes/man toracao.pdf.
PARA SABER MAIS
Neuroanatomical correlates of suicide in psychosis: the role of Von Ecónomo neurons. Martin Brune, em PLoS ONE, 22 de junho de 2011. Por quê? Angústia e suicídio. Carol Ezzel, em Especial Scientific American Em busca da consciência, n 40, págs. 78-81. Suicídio, uma morte evitável. Humberto Corrêa e Sérgio Barrero. Atheneu, 2006. 2
INTERFACES
O peso do
passado Nos arrependemos de nossos atos e, algumas vezes, isso deflagra a sensação de perda, o que pode funcionar como gatilho para a depressão. Em alguns casos, o que mais nos incomoda, porém, não é o que fizemos, mas sim o que deixamos de fazer por Christophe André
Q
u e m c o n s e g u e n ã o se a r r e p e n d e r de n a d a n a
A r r e p e n d e r - s e de q u ê ? P o r q u ê ? E a t é que p o n t o ? Os
v i d a ? A e x i s t ê n c i a n o s i m p õ e i n ú m e r a s opor-
a r r e p e n d i m e n t o s s e r v e m p a r a a l g u m a c o i s a ? Se s i m ,
t u n i d a d e s de e x p e r i m e n t á - l o : c h a n c e s perdi-
p a r a q u ê ? E, e n f i m , p o d e m o s o u d e v e m o s t e n t a r e s c a -
das, julgamentos errados, atos impulsivos, inibições
p a r deles? E s s a s p e r g u n t a s c o m e ç a m a e n c o n t r a r res-
inexplicáveis... U m estudo sobre a expressão cotidia-
postas na psicologia científica.
n a das e m o ç õ e s m o s t r o u q u e os s e n t i m e n t o s de a r r e -
Os d i c i o n á r i o s de f r a n c ê s d e f i n e m regret c o m o " u m
p e n d i m e n t o ("Se e u s o u b e s s e . . . " , " E u n ã o d e v e r i a . . . " )
e s t a d o de c o n s c i ê n c i a p e n o s o , ligado ao p a s s a d o , pelo
v ê m e m segundo lugar nas conversas, depois, é claro,
desaparecimento
de t u d o q u e se r e l a c i o n a a o a m o r e à a f e i ç ã o . S e r á o
t a m o s o fim da i n f â n c i a , das f é r i a s , de u m a m o r . E m
arrependimento u m c o m p a n h e i r o para toda a vida?
s e u Tratado
de m o m e n t o s
das paixões
da alma,
agradáveis":
lamen-
Descartes o descreveu
c o m o u m pesar, u m a " e s p é c i e de t r i s t e z a " d a q u i l o que
OAUTOR CHRISTOPHE ANDRÉ é psiquiatra do Hospital Sainte-Anne e professor da Universidade Paris X. 86
I mentecérebro I Depressão
se p a s s o u b e m . Esse t i p o de s e n t i m e n t o , q u e s e a s s e m e lha à n o s t a l g i a , pode às v e z e s , e p a r a d o x a l m e n t e , c a u s a r c e r t o prazer, pois é a s s o c i a d o à e v o c a ç ã o de m o m e n t o s
a g r a d á v e i s . V i c t o r H u g o , por e x e m p l o , d e f i n i a n o s t a l g i a
Para a psicologia, esse s e n t i m e n t o associa-se a aspectos e m o c i o n a i s ( t r i s t e z a , às vezes r a i v a , v e r g o n h a
e m e l a n c o l i a c o m o " a felicidade dê s e r t r i s t e " . mais difundido, e mais simi-
o u p r e o c u p a ç ã o ) e cognitivos (avaliações de que não
lar ao t e r m o " a r r e p e n d i m e n t o " , e m português, é li-
a g i m o s c o m o d e v e r í a m o s ) . O a r r e p e n d i m e n t o é liga-
gado ao d e s c o n t e n t a m e n t o o u à m á g o a por ter feito
do t a n t o à a ç ã o q u a n t o à a u s ê n c i a d e l a e se d i s t i n g u e
- o u n ã o - a l g u m a c o i s a . T r a t a - s e de u m a s e n s a ç ã o
do r e m o r s o , q u e é o a r r e p e n d i m e n t o p o r a ç õ e s q u e
desagradável, associada a numerosas emoções
prejudicam alguém.
O u t r o u s o de regret,
ne-
gativas: ressentimento, culpa, autocensura etc. Não
Imagine
a seguinte
situação: João
ia v i a j a r
às
n o s c o n t e n t a m o s m a i s e m s o m e n t e e v o c a r o q u e se
I 7 h 3 0 , m a s q u i s t e r m i n a r u m t r a b a l h o e d e c i d i u pe-
foi, mas avaliamos nossa responsabilidade n u m com-
gar o voo das I 9 h 3 0 . O avião das I 9 h 3 0 c a i u . Sua tris-
portamento passado que l a m e n t a m o s e em suas con-
te s o r t e i n s p i r a a i n d a m a i s p e s a r e m s e u s p a r e n t e s e
sequências atuais. Nesse sentido, o arrependimento
a m i g o s p o r ele t e r f e i t o a m u d a n ç a do q u e s e t i v e s s e
não é s o m e n t e a dor do passado, m a s t a m b é m s o f r i m e n t o do p r e s e n t e .
um
previsto desde o início viajar às I 9 h 3 0 (eles p e n s a m : " S e n ã o t i v e s s e m u d a d o de i d e i a a i n d a e s t a r i a v i v o " ) .
87
Os arrependimentos são uma atividade mental importante e inevitável no ser humano, mas cujos efeitos podem ser prejudiciais
o f e z ) . A l é m d i s s o , os p s i c ó l o g o s e v o l u c i o n i s t a s s u p õ e m q u e a f u n ç ã o do a r r e p e n d i m e n t o é j u s t a m e n t e nos permitir aprender c o m nossos fracassos e nos incitar a ser m a i s p r u d e n t e s no f u t u r o , s e m que nos l a n c e m o s de n o v o e m u m a a ç ã o i n c e r t a .
AGIR OU NÃO AGIR? Em sentido oposto, outros estudos ava-
Nesse caso, seria apenas u m a fatalidade.
liaram o m o t i v o dos maiores arrependi-
N o s s o s a r r e p e n d i m e n t o s s ã o , a s s i m , es-
m e n t o s d a s p e s s o a s e c o n s t a t a r a m que os
t r e i t a m e n t e ligados a nossos atos: q u a n t o
m a i s p r o f u n d o s p r o v ê m d a q u i l o que elas
m a i s d e p e n d e n t e da f a t a l i d a d e o u de cir-
não
cunstâncias exteriores u m acontecimento
estudos", "Deveria ter falado mais
parece, m e n o s nos arrependemos dele.
meu
" E u d e v e r i a t e r seguido m e u s
pai e n q u a n t o ele e r a v i v o " .
com Numa
de
p e s q u i s a r e a l i z a d a c o m 77 pessoas de di-
u m a p e s q u i s a de p s i c o l o g i a s o c i a l : P a u l o
v e r s o s m e i o s s o c i a i s , que f o r a m q u e s t i o -
O u t r a situação avaliada ao longo
e P e d r o t ê m a ç õ e s n a s e m p r e s a s A e B. N o
n a d a s s o b r e os p r i n c i p a i s pesares de s u a
a n o passado, Paulo, que havia m u i t o t e m -
v i d a , dos 213 l i s t a d o s , a p e n a s dez r e f e r i a m -
po i n v e s t i r a e m a ç õ e s da A , t e v e v o n t a d e
-se a a c o n t e c i m e n t o s a l h e i o s ao c o n t r o l e
de m u d a r e i n v e s t i r t u d o n a B. M a s a c a b o u
da p e s s o a ( " t e r s o f r i d o p a r a l i s i a i n f a n t i l " ) .
n ã o m u d a n d o e, p o r i s s o , p e r d e u R$ 2 m i l ,
Q u a n t o a o s q u e d e p e n d i a m de u m a d e c i -
pois B rendeu m u i t o s lucros, e n q u a n t o A
são própria, 6 3 %
a u m e n t o u p r e j u í z o s . Pedro t i n h a a ç õ e s d a
a ç ã o n ã o r e a l i z a d a , c o n t r a 3 7 % de a t o s rea-
B, e t e v e a p é s s i m a ideia de t r a n s f e r i r t u d o
lizados (por e x e m p l o , m á s escolhas senti-
p a r a A. D e s s e m o d o , ele t a m b é m
mentais, profissionais ou
perdeu
R$ 2 m i l . Do p o n t o de v i s t a e s t r i t a m e n t e
t i n h a m a ver com
uma
financeiras).
C o m o explicar essa aparente contra-
f i n a n c e i r o , a m b o s t i v e r a m a m e s m a des-
dição?
ventura. Entretanto, quando questionadas
e v o l u i r c o m o p a s s a r do t e m p o : t e m o s a
s o b r e q u a l dos d o i s d e v e r i a s e n t i r m a i s ar-
t e n d ê n c i a i m e d i a t a de n o s a r r e p e n d e r d a s
rependimento, 92%
coisas que
das pessoas
ouvidas
e s t i m a r a m q u e Pedro p r o v a v e l m e n t e t i n h a
Pelo
fato
de
fizemos
o
arrependimento
(quando deram erra-
d o , c l a r o ! ) . E, a l o n g o p r a z o , t e n d e m o s a
arrependimentos mais pungentes: sua má
n o s a r r e p e n d e r m a i s de i n a ç õ e s , de i n t e n -
inspiração ditou-lhe u m
ç õ e s de a ç ã o n ã o c o n c r e t i z a d a s .
comportamento
n e f a s t o . T e r i a s i d o m e l h o r se n a d a t i v e s s e
A l é m d i s s o , p a r e c e q u e o perfil e m o c i o -
f e i t o . J á o a r r e p e n d i m e n t o de P a u l o , v í t i -
n a l d e s s e s d o i s t i p o s de a r r e p e n d i m e n t o
m a d a p r ó p r i a i n a ç ã o , p a r e c e m e n o s pe-
é d i s t i n t o : a r r e p e n d i m e n t o s por a ç õ e s , a
n o s o à s p e s s o a s c o n v i d a d a s a se i d e n t i f i -
c u r t o prazo, são m a i s intensos que aque-
c a r c o m os p e r s o n a g e n s d e s s a h i s t ó r i a . A
les
ação engendra mais arrependimento que
e m o c i o n a l , os p r i m e i r o s s ã o g e r a l m e n t e
a inação?
provocados
por
inação.
No
plano
c h a m a d o s de " q u e n t e s " , e n q u a n t o os ú l -
De m a n e i r a g e r a l , d i v e r s o s e s t u d o s i n -
t i m o s s ã o os " m e l a n c ó l i c o s " . U m e s t u d o
pelo
c o m 79 v o l u n t á r i o s , q u e a v a l i a v a a i n t e n -
fizemos:
sidade das emoções associadas ao m a i o r
a curto prazo, nossos fracassos são mais
a r r e p e n d i m e n t o de c a d a u m n e s s a s d u a s
d o l o r o s o s q u a n d o p r o v ê m de a ç õ e s
que
categorias, m o s t r o u c l a r a m e n t e essa rela-
n ã o t r o u x e r a m os f r u t o s e s p e r a d o s ( c o m o
ção: arrependimentos por ação são mais
n o c a s o de P e d r o , q u e v e n d e u s u a s a ç õ e s
associados
d a e m p r e s a B no m o m e n t o e r r a d o ) q u e
v e r g o n h a , culpa, frustração e t c ) , e arre-
d i c a m que nos arrependemos mais que
88
fizeram:
fizemos
do q u e pelo q u e n ã o
a emoções
intensas
(cólera,
q u a n d o r e s u l t a m de i n a ç õ e s ( c o m o P a u l o ,
pendimentos por inação são mais ligados
q u e p e n s o u e m c o m p r a r a ç õ e s B, m a s n ã o
a e m o ç õ e s discretas (sentir-se
I mentecérebro I Depressão
melancó-
lico, s a u d o s o , d e s e n g a n a d o etc.)l No pri-
p o d e m o s n o s a r r e p e n d e r d a q u i l o de q u e
meiro caso, l a m e n t a m o s u m a realidade e
nos l e m b r a m o s " . Essa frase subentende a
no s e g u n d o , u m a virtualidade.
e x i s t ê n c i a d o r e c a l q u e de m u i t a s d a s l e m -
C o m o e p o r q u e p a s s a m o s d a d o r pelo q u e f i z e m o s a o i n c o m o d o pelo q u e n ã o f i zemos? Muitas explicações são possíveis. A n t e s de t u d o , d i v e r s o s f e n ô m á n o s a t e -
branças desagradáveis.
PERFIL DE PERSONALIDADE Enfim, o arrependimento
por
inação
arrependimentos
é mais m e m o r á v e l que o arrependimen-
l i g a d o s a o s a t o s : e s t e s , à s v e z e s , são r e p a -
to p o r a ç ã o . Esse e f e i t o é c o n h e c i d o e m
n u a m o t o r m e n t o dos
ráveis (por e x e m p l o , desculpar-se e recon-
p s i c o l o g i a s o c i a l d e s d e 1935
c i l i a r - s e d e p o i s de u m a b r i g a ) . A l é m d i s s o ,
Z e i g a r n i k (do n o m e de s e u d e s c o b r i d o r ) e
c o m o efeito
u m t r a b a l h o de c o m p e n s a ç ã o p s i c o l ó g i c a
recebeu n u m e r o s a s c o n f i r m a ç õ e s experi-
f r e q u e n t e m e n t e o f u s c a as c o n s e q u ê n c i a s
m e n t a i s . N u m a p e s q u i s a , v o l u n t á r i o s fo-
n e g a t i v a s de n o s s o s a t o s , not< d a m e n t e
r a m questionados sobre quais e r a m seus
impelindo-nos aspectos nos
a
nos
positivos
lamentáveis
da
concentrar
nos
três maiores arrependimentos
situação
não
e os t r ê s m a i o r e s p o r i n a ç ã o . T r ê s s e m a -
("Não
me
e
n a s d e p o i s , os p e s q u i s a d o r e s t e l e f o n a r a m
são
p a r a c a d a u m d e l e s p a r a s a b e r se eles se
bsse f a t o ,
l e m b r a v a m das respostas dadas. A maio-
ilhos
m a r a v i l h o s o s " ) . Para exprimir
os a n g l o - s a x õ e s t ê m u m prover d í o : has a silver
lining,
ação
com
cisei
u m a pessoa legal, mas meus
cloud
por
Every
ou seja, T o d a nu-
v e m tem u m a borda iluminada".
ria ( 6 4 % ) lembrava-se m a i s dos arrependim e n t o s por inação. O interesse das pesquisas sobre arre-
C o n t r a r i a m e n t e , a inação é mais in-
p e n d i m e n t o n ã o é s o m e n t e t e ó r i c o . Elas
tendem a
p e r m i t e m c o m p r e e n d e r que esses senti-
a m p l i f i c a r a dor do a r r e p e n d i m e n t o c a u -
mentos representam u m a atividade men-
s a d a p o r e l a . A s s i m , se as c o n s e q u ê n c i a s
tal i m p o r t a n t e e inevitável no ser h u m a -
sidiosa, e alguns mecanismos
de u m a a ç ã o l a m e n t á v e l s ã o i d e n t i f i c á v e i s
no, às vezes útil, m a s cujos efeitos podem
e l i m i t a d a s , a s de u m a a ç ã o n ã o r e a l i z a d a
ser prejudiciais para alguns.
são
infinitas.
imaginar
Podemos
múltiplas
sem
cenas
dificuldade decorrentes
ESQUECER PARA EVITAR A DOR: "Só podemos nos arrepender daquilo de que nos lembramos", escreve Proust em sua obra Em busca do tempo perdido
do q u e t e r i a a c o n t e c i d o " s e " t i v é s s e m o s sido m a i s o b s t i n a d o s , m a i s seguros, m a i s a m b i c i o s o s . . . E i s s o v a i a u m e n t a n d o , pois c o m o t e m p o t e n d e m o s a s u >erestimar n o s s a c a p a c i d a d e de a g i r f a v o n v e l m e n t e , u m a v e z q u e a s d i f i c u l d a d e s lig< d a s a u m a s i t u a ç ã o p a s s a d a se d i s t a n c i a r ; i m . A s s i m , c o m o o c o n t e x t o p r e c i s o foi ( e s q u e c i d o , não conseguimos mais explica - a própria inação,
que
nos
"Como
não
tomei
parece a
ind ísculpável:
decisão
que
se
i m p u n h a ? Não posso me perdoar...". No caso dos a r r e p e n d i m e n t o s por ina-
Mareei A
Li
Proust
ivclierche
temps
perdu
ç ã o , o c a m p o das possibilidades não realizadas cresce à medida que a /ida passa. Desse m o d o , não espanta que o arrepen-
RIM» ION álAMMX KT AN BOTE K r*R PIKHflK C LA II AC
d i m e n t o p e l o t e m p o q u e se e s v a i seja u m a f o n t e i m p o r t a n t e de i n s p i r a ç ã o p o é t i c a e l i t e r á r i a . G r a n d e p a r t e d a o b r a Em do tempo
perdido
segundo
seu
busca
• ItlLI l»rilft
é inspirada nesse t e m a ;
autor,
Mareei
>roust,
"só
89
A s s i m , a s p e s s o a s q u e s o f r e m de f o b i a s
opinião
c a , que leva a evitar i n ú m e r a s situações)
l a m e n t a m a m á sorte ("Precisava acertar
o u a a g o r a f o b i a ( m e d o e x c e s s i v o de f r e -
j u s t o e m m i m ? " "Se eu tivesse chegado
q u e n t a r lugares públicos, o que limita a
dez m i n u t o s m a i s tarde não teria acon-
autonomia
tecido nada...") e outros c o m e m o r a m
e
o
deslocamento),
devem
muito
claras
aparecem:
alguns
a
renunciar, devido a seu distúrbio, a mui-
s o r t e , s e m pesar. ("Que sorte, eu poderia
t a s a t i v i d a d e s . Elas s o f r e m de a r r e p e n d i -
t e r m o r r i d o ! " ) Pode-se t i r a r d a í u m c o n -
m e n t o s múltiplos que m u i t a s vezes dão
s e l h o de m u i t a l u c i d e z : d i a n t e dos a c o n -
origem a u m estado depressivo. Todavia,
tecimentos, é fundamental imaginar tudo
os s o f r i m e n t o s ocasionados por arrepen-
que poderia ter a c o n t e c i d o , e não s o m e n -
dimentos
te o que poderia ter sido melhor.
pessoas
n ã o se r e l a c i o n a m com
problemas
apenas
às
psiquiátricos.
O u t r o s t r a b a l h o s m o s t r a r a m c o m o pes-
Cada u m está sujeito a tais sofrimentos
soas perfeccionistas, que buscam sempre
e m g r a u s v a r i á v e i s , m a s c e r t o s t r a ç o s de
a t i n g i r o m e l h o r r e s u l t a d o e f a z e r as m e -
p e r s o n a l i d a d e os f a v o r e c e m . D i v e r s o s es-
l h o r e s e s c o l h a s p o s s í v e i s , são g e r a l m e n t e
t u d o s e x p u s e r a m os f a t o r e s q u e a g r a v a m
m e n o s s a t i s f e i t a s , pois e s t ã o m a i s expos-
ou
assim
t a s a o a r r e p e n d i m e n t o , q u e a q u e l a s que se
c o m o as atitudes que nos p e r m i t e m en-
contentam c o m u m a "escolha aceitável".
aliviam
os
arrependimentos,
frentá-los melhor. Determinados
PARA ALGUNS, PERDER UMA LIQUIDAÇÃO leva a um círculo vicioso: evita-se comprar na oferta seguinte por ter perdido a anterior
V o c ê t e v e s o r t e o u a z a r ? " . D i f e r e n ç a s de
graves, c o m o as sociais (timidez patológi-
U m segundo ponto a ser considerado: é perfis
de
personalida-
i m p o r t a n t e a p r e n d e r , n o s diversos d o m í -
d e p a r e c e m m a i s e x p o s t o s a o s r i s c o s de
n i o s do c o t i d i a n o , a r e n u n c i a r ao ideal e a
u m a r r e p e n d i m e n t o excessivo que outros.
a p r e c i a r r e s u l t a d o s m o d e s t o s . Essa a t i t u d e
A s s i m , a s p e s s o a s q u e t ê m o h á b i t o de
não é aceitação da mediocridade, mas a
c u l t i v a r u m a v i s ã o p o s i t i v a da e x i s t ê n c i a
b u s c a pelo e q u i l í b r i o e pela m e l h o r r e l a ç ã o
têm menos arrependimentos, mesmo em
e n t r e c u s t o e b e n e f í c i o no dia a d i a .
relação a acontecimentos
desfavoráveis.
H á a i n d a o u t r o c a m p o de p e s q u i s a v o l -
N u m a experiência, contou-se aos v o l u n -
t a d o p a r a e n t e n d e r a q u e l a s pessoas q u e
tários a seguinte cena: "Enquanto
você
t ê m v o n t a d e de agir, m a s f r e q u e n t e m e n -
e s p e r a s u a v e z n a fila do b a n c o , a p a r e c e
te d e s i s t e m c o m m e d o do f r a c a s s o e p a r a
u m a s s a l t a n t e q u e , d u r a n t e a f u g a , dá v á -
aquelas que t e n d e m a transferir tudo para
rios tiros e u m deles atinge o seu braço.
o d i a s e g u i n t e , m a n t e n d o o h á b i t o de se s u j e i t a r a s i t u a ç õ e s d e s a g r a d á v e i s , o u pior, de r e n u n c i a r a agir, q u e se t o r n a f a t o r de f r u s t r a ç ã o e a r r e p e n d i m e n t o . Esta a t i t u d e é p r o b l e m á t i c a , j á q u e , m a i s de u m a v e z , foi d e m o n s t r a d o q u e a f a l t a de a ç ã o t e n d e a p r e n d e r a p e s s o a n u m c í r c u l o v i c i o s o . Ass i m , se v o c ê t o m o u u m a a t i t u d e rápido o b a s t a n t e o u se p e r d e u u m a p r i m e i r a oport u n i d a d e de a g i r e t i r a r p r o v e i t o disso ( p o r e x e m p l o , a l i q u i d a ç ã o c o m 5 0 % de d e s c o n t o n u m a loja q u e v o c ê a d o r a ) , q u a n d o se apresentar u m a segunda ocasião, também favorável, e m b o r a m e n o s que a primeira, h á g r a n d e p r o b a b i l i d a d e de v o c ê r e n u n c i a r novamente, para não ter arrependimentos do t i p o : " D e v e r i a t e r a p r o v e i t a d o a p r i m e i ra o p o r t u n i d a d e " . U m a v e z q u e os a r r e p e n d i m e n t o s ligados à i n a ç ã o p a r e c e m i n f i n i t o s , e que a i n a -
90
I mentecérebro I Depressão
A CULPA POR COMER DOCES é um arrependimento cotidiano recorrente
ç ã o leva a m a i s i n a ç ã o , o u t r a p o n d e r a ç ã o
p a p e l i m p o r t a n t e n a c a p a c i d a d e de a d a p -
útil p o d e r i a s e n n a d ú v i d a , a j a . M a s e s t a
tação ao meio e no equilíbrio
terceira sugestão t a m b é m
Eles n o s e n s i n a m a f a z e r u m b a l a n ç o de
n ã o deve s e r
psíquico.
l e v a d a a o pé d a l e t r a . A o c o n t r á r i o , d e v e
nossos atos e a tirar deles lições para o fu-
ser adaptada e personalizada. C o m efeito,
t u r o . Para libertar-se do m e d o do fracasso
p a r a p e s s o a s q u e a g e m c o m f a c i l i d a d e , os
e do a r r e p e n d i m e n t o a n t e c i p a d o , o m a i s
arrependimentos têm menor importância
eficiente não é renunciar à ação, mas au-
e m u m f r a c a s s o ligado à a ç ã o q u e e m u m
m e n t a r a t o l e r â n c i a c o m a s d e r r o t a s . E,
insucesso ligado à inação. C o m pessoas in-
s o b r e t u d o , a p r e n d e r a e n x e r g a r os e n s i -
d e c i s a s dá-se o c o n t r á r i o : o a r r e p e n d i m e n -
n a m e n t o s que elas t r a z e m , para transfor-
t o p o r u m f r a c a s s o ligado à adão é m a i s
m a r a s s i t u a ç õ e s de a r r e p e n d i m e n t o e m
doloroso.
difícil
o p o r t u n i d a d e s de a p r e n d i z a d o , c o m o n o s
n ã o se a r r e p e n d e r de n a d a . A l é m d o m a i s ,
l e m b r a o d i t a d o : " S e p e r d e r , pelo m e n o s
t a l v e z i s s o n e m seja d e s e j á v e l .
não perca a lição". Tentemos contradizer
Decididamente,
parece
La B r u y è r e , q u e , e m s e u Caracteres,
MEDO DO FRACASSO E n t r e d e z e n a s de p e s q u i s a s r e a l i z a d a s sobre
"os maiores
cons-
tatou c o m certo pessimismo o m a u uso
arrependimentos
da
q u e o s e r h u m a n o f a z de s u a s e x p e r i ê n cias: "O a r r e p e n d i m e n t o que s e n t e m os
vida", a maioria constatou que é impos-
h o m e n s por c a u s a do m a u emprego que
s í v e l n ã o se a r r e p e n d e r de a b s o l u t a m e n t e
deram ao tempo que v i v e r a m n e m sem-
n a d a , pois c a d a e s c o l h a se f a z l e m d e t r i -
pre o s l e v a a a p r o v e i t a r m e l h o r o t e m p o
m e n t o de o u t r a . E s c o l h e r u m a o p ç ã o é,
que lhes resta".
-9
implicitamente, eliminar outra. E m v e z de v i s a r o d o m í n i o t o t a l d a s e s c o l h a s i d e a i s (o q u e é i m p o s s í v e l ) o u e v i t á -las t o t a l m e n t e (o q u e é i n e f i c a z ) , p a r e c e m e l h o r a p r e n d e r a l i d a r de m a n e i r a i n t e ligente c o m os a r r e p e n d i m e n t o s .
Como
todas as e m o ç õ e s , esses sentirrientos t ê m
PARA SABER MAIS Vivre heureux: psychologie du bonheur. C. André. Odile Jacob, 2 0 0 3 . The psychology of doing nothing: forms of decision avoidance result from reason and emotion. C. Anderson, em Psychological Bulletin, vol. 129, págs. 139-66, 2003. The inaction effect in the psychology of regret. M. Zeelenberg et al., em Journal of Personality and Social Psychology, vol. 82, págs. 314-27, 2002.
91
INTERFACES
Os domínios
do tédio
A sensação de estarmos entediados é uma experiência existencial associada à ideia de tempo e surge quando não sabemos o que fazer com as horas livres; o tema tem atraído poetas, escritores e filósofos por Lars Svendsen
A
s grandes questões não são necessariamen-
s e r c h a m a d o de " n a t u r e z a h u m a n a " - o q u e m e p a r e c e
te e t e r n a s . O t é d i o , p o r e x e m p l o , só p a s s o u
p r o b l e m á t i c o . A p o s t u l a ç ã o de u m a d a d a f o r m a de s e r
a ser considerado u m f e n ó m e n o
cultural
tende a e n c e r r a r qualquer discussão adicional. Segun-
i m p o r t a n t e h á c e r c a de d o i s s é c u l o s . É i m -
do A r i s t ó t e l e s , d i r i g i m o s n o s s a a t e n ç ã o , e m p r i m e i r o
possível, claro, d e t e r m i n a r e x a t a m e n t e quando surgiu.
lugar, ao q u e é p a s s í v e l de m u d a n ç a . Ao p o s t u l a r u m a
Mas certamente é típico da modernidade. Aparente-
n a t u r e z a , s u s t e n t a m o s q u e e l a n ã o pode ser m u d a d a .
m e n t e , o m u n d o t e m se t o r n a d o m a i s e n t e d i a n t e . N o
É t a m b é m t e n t a d o r a f i r m a r a existência de u m a
p a s s a d o , o s e n t i m e n t o f i c a v a r e s t r i t o a g r u p o s peque-
natureza
nos, como a nobreza e o clero, mas passou a ter amplo
ao
a l c a n c e e hoje pode s e r e n c a r a d o c o m o u m f a t o rele-
e x p e r i m e n t a r t a n t o t r i s t e z a q u a n t o felicidade, t a n t o
v a n t e para p r a t i c a m e n t e t o d o s no m u n d o o c i d e n t a l .
e n t u s i a s m o q u a n t o t é d i o . A e x p l i c a ç ã o para este ú l t i m o
E m g e r a l , o t é d i o é c o n s i d e r a d o a l e a t ó r i o e m rela-
humana
homem
um
completamente potencial
neutra e atribuir
igualmente
deverá ser encontrada exclusivamente
grande
no
para
ambiente
ç ã o à n a t u r e z a h u m a n a - m a s isto se b a s e i a e m s u p o -
social do i n d i v í d u o . N ã o a c r e d i t o , c o n t u d o , que se possa
s i ç õ e s no m í n i m o d u v i d o s a s . S e r i a i g u a l m e n t e possí-
f a z e r u m a d i s t i n ç ã o c l a r a e n t r e a s p e c t o s psicológicos e
vel a f i r m a r q u e e s t á i n c o r p o r a d o a o s e r h u m a n o , m a s ,
s o c i a i s q u a n d o se lida c o m algo c o m o o t é d i o .
p a r a i s s o , é p r e c i s o p r e s s u p o r q u e e x i s t e algo q u e pode
ROMÂNTICOS INVETERADOS OAUTOR
LARS SVENDSEN é professor do departamento de filosofia da Universidade de Bergen, Noruega. É autor de Man, morais and genes: a critique of biologism e The philosophy ofevil, entre outros. Este artigo foi adaptado de seu livro Filosofia do tédio ( 2 0 0 6 ) , com autorização de Jorge Zahar Editor. 92
I mentecérebro I Depressão
Friedrich Nietzsche salientou que "o erro hereditário de t o d o s os f i l ó s o f o s " é basear-se no h o m e m de u m a é p o c a p a r t i c u l a r e d e p o i s t r a n s f o r m a r isso n u m a verdade eterna. A s s i m , vou me contentar e m declarar que o tédio é u m f e n ó m e n o m u i t o sério que afeta
m u i t a g e n t e . A r i s t ó t e l e s insistiiii e m q u e a v i r t u d e n ã o
u m a n é v o a t o d a a e x t e n s ã o do e s p í r i t o , q u e n ã o dei-
é n a t u r a l - m a s t a m p o u c o é a r t i n a t u r a l . O m e s m o se
x a m p e n s a r , q u e n ã o d e i x a m agir, q u e n ã o d e i x a m c l a -
a p l i c a a o t é d i o . A l é m d i s s o , po ie-se l e v a r a c a b o u m a
r a m e n t e ser. C o m o se n ã o t i v é s s e m o s d o r m i d o , s o b r e -
i n v e s t i g a ç ã o s o b r e esse t e m a s^m p r e s s u p o r n e n h u m a
v i v e e m n ó s q u a l q u e r c o i s a de s o n h o , e h á u m t o r p o r
c o n s t a n t e a n t r o p o l ó g i c a , isto i, q u a l q u e r c o i s a d a d a
do sol do d i a a a q u e c e r a s u p e r f í c i e e s t a g n a d a dos s e n -
independentemente
especificamente
t i d o s . É u m a b e b e d e i r a de n ã o s e r n a d a , e a v o n t a d e é
s o c i a l e h i s t ó r i c o . L i d a m o s aqui c o m u m a i n v e s t i g a ç ã o
u m balde d e s p e j a d o p a r a o q u i n t a l p o r u m m o v i m e n t o
do h o m e m n u m a s i t u a ç ã o h i s t ó r i c a p a r t i c u l a r . É s o b r e
i n d o l e n t e do pé à p a s s a g e m " .
de u m e s p a ç o
nós que estou escrevendo, nósjque vivemos à s o m b r a
O t é d i o de P e s s o a é ó b v i o - é d i s t i n t o e m t o d a a
do R o m a n t i s m o , c o m o r o m â r l t i c o s i n v e t e r a d o s , m a s
s u a f a l t a de f o r m a . N o e n t a n t o , p o u c o s s ã o c a p a z e s de
s e m a fé h i p e r b ó l i c a no p o d e r d a i m a g i n a ç ã o
d a r u m a r e s p o s t a i n e q u í v o c a q u a n d o p e r g u n t a d o s se
para
transformar o mundo.
e s t ã o e n t e d i a d o s . E m p r i m e i r o lugar, e s t a d o s de e s p í r i -
Aos leitores que, porventura
nunca tenham
se
t o , de m a n e i r a g e r a l , r a r a m e n t e s ã o o b j e t o s i n t e n c i o -
sentido entediados, posso dizdr que o tédio profundo
n a i s - e s i m algo e m q u e n o s e n c o n t r a m o s , n ã o algo
está relacionado, fenomenolbgicamente,
insónia
q u e o l h a m o s c o n s c i e n t e m e n t e . E m s e g u n d o lugar, o
- , e m que o eu perde s u a identidade na e s c u r i d ã o ,
t é d i o é u m e s t a d o de e s p í r i t o t i p i f i c a d o pela f a l t a de
preso n u m vazio aparentemente infinito. Tentamos
qualidade, o que o torna mais elusivo que outros.
adormecer, d a m o s talvez alguns passos
à
hesitantes,
É p e r f e i t a m e n t e possível estar entediado s e m
ter
m a s n ã o a d o r m e c e m o s e a c a b a m o s n u m a t e r r a de
c o n s c i ê n c i a disso o u sentir-se a s s i m s e m ser c a p a z de
n i n g u é m , e n t r e o e s t a d o de v i g í l i a e o s o n o .
a p o n t a r q u a l q u e r razão o u c a u s a . N ã o é isso o u aquilo
f e r n a n d o Pessoa escre-
que aflige as pessoas, trata-se a n t e s de u m tédio s e m
v e u : " H á s e n s a ç õ e s q u e s ã o sc n o s , q u e o c u p a m c o m o
n o m e , s e m f o r m a , s e m objeto. Isso l e m b r a o que Freud
No Livro
do desassossego,
93
e s c r e v e u a c e r c a da m e l a n c o l i a , e n f a t i z a n d o
É u m f e n ó m e n o a m p l o demais para ser sa-
s u a s e m e l h a n ç a c o m a t r i s t e z a , j á que a m b a s
tisfatoriamente explicado dessa m a n e i r a .
contêm
u m a consciência
de perda. M a s
Não é apenas u m estado mental interior;
e n q u a n t o aquele que está triste t e m s e m p r e
é t a m b é m u m a c a r a c t e r í s t i c a do m u n d o ,
u m objeto de perda específico, o m e l a n c ó l i c o
pois p a r t i c i p a m o s de p r á t i c a s s o c i a i s s a t u -
n ã o sabe e x a t a m e n t e o que perdeu.
r a d a s de t é d i o . P o r v e z e s , t e m - s e q u a s e a i m p r e s s ã o de q u e o m u n d o o c i d e n t a l intei-
HOMEM SOFRE MAIS? Para
Adam
Phillips,
ro t o r n o u - s e B e r g h o f , o s a n a t ó r i o e m q u e
"deveríamos
fa-
d u r a n t e sete a n o s n o r o m a n c e A
própria noção inclui u m a multiplicidade
mágica,
de h u m o r e s e s e n s a ç õ e s q u e r e s i s t e m à
po e n o s e n t e d i a m o s m o r t a l m e n t e . A s s i m ,
a n á l i s e " . A f i r m a - s e q u e c e r c a de 10%
das
pode s e r t e n t a d o r c o n c o r d a r c o m lorde
algum
Byron: " N ã o s o b r o u m u i t o senão ser ente-
p e s s o a s s o f r e m de d e p r e s s ã o e m
m o m e n t o da vida. Qual é a diferença entre PARA NISBET, O TÉDIO ajudou a pôr fim a males como a prática de queimar mulheres acusadas de feitiçaria
o personagem Hans Castorp permaneceu
l a r n ã o de t é d i o , m a s de t é d i o s , p o r q u e a
montanha
de T h o m a s M a n n . M a t a m o s t e m -
diado ou entediar".
tédio profundo e depressão? M e u palpite é
E s t u d o s p s i c o l ó g i c o s s u g e r e m q u e os
que há considerável superposição. Eu diria
h o m e n s s o f r e m m a i s c o m isso que as m u -
t a m b é m que quase a totalidade da popula-
l h e r e s . P a r a N i e t z s c h e , elas n u n c a a p r e n -
ção enfrenta o tédio e m a l g u m m o m e n t o .
deram a "trabalhar propriamente" - uma
O s e n t i m e n t o n ã o pode s e r c o m p r e e n d i d o
explicação m a i s do que duvidosa. Investi-
simplesmente c o m o idiossincrasia pessoal.
gações t a m b é m corroboram a afirmação do f i l ó s o f o A r t h u r S c h o p e n h a u e r de q u e a s e n s a ç ã o de t é d i o d i m i n u i c o m a idade. M a s pode s e r q u e a s m u l h e r e s e x p r e s s e m verbalmente o tédio e m m e n o r medida que os h o m e n s m a s s e j a m i g u a l m e n t e a f e t a d a s por ele. É possível que elas t e n h a m necess i d a d e s e f o n t e s de s i g n i f i c a d o d i f e r e n t e s das dos h o m e n s e s e j a m , por isso, menos a t i n g i d a s pelas v á r i a s m u d a n ç a s c u l t u r a i s que dão origem a esse s e n t i m e n t o . P e n s o q u e o f i l ó s o f o d i n a m a r q u ê s Soren Kierkegaard
exagerou
q u a n d o disse q u e
" o t é d i o é a r a i z de t o d o m a l " , m a s , cert a m e n t e , contribui para muito m a l . Não acredito que u m n ú m e r o assim tão grande de h o m i c í d i o s seja p r o v o c a d o p o r e l e , pois é s a b i d o q u e os a s s a s s i n a t o s
costumam
s e r a t o s de p a i x ã o . N o e n t a n t o , é f r e q u e n t e m e n t e citado c o m o razão para muitos crimes - inclusive o homicídio. Tampouco podemos dizer que as guerras
começam
p o r c a u s a do t é d i o , e m b o r a seja f a t o q u e a d e f l a g r a ç ã o de a l g u m a s d e l a s foi a c o m panhada por u m a alegria manifesta, c o m multidões
eufóricas
enchendo
as
ruas,
c o m o se c e l e b r a n d o o f a t o de q u e a l g u m a c o i s a f i n a l m e n t e q u e b r a r a a m o n o t o n i a da vida c o t i d i a n a . J o n Hellesnes e s c r e v e u : "O problema c o m a g u e r r a é que ela não só é m o r t a l c o m o se t o r n a t a m b é m , e m p o u 94
I mentecérebro I Depressão
co t e m p o , m o r t a l m e n t e e n t e d i a n t e " . E m A montanha
mágica,
é a d e f l a g r a ç ã o d a guer-
ra q u e f i n a l m e n t e d e s p e r t a H a r l s C a s t o r p de s u a m o d o r r a de s e t e a n o s , njias t e m o s todas as razões para acreditar que o tédio logo v o l t a r i a a a f l i g i - l o . N u m a t e n t a t i v a de d i z e r pelo
menos
a l g u m a c o i s a de p o s i t i v o a c e r c a do t é d i o , o sociólogo
Robert
Nisbet a f i r m o u
que
ele n ã o s ó é a r a i z de m u i t o s nfiales, m a s t a m b é m p ô s f i m a m u i t o s m a l e s , pela s i m ples r a z ã o de q u e eles se tornam, p o u c o a pouco, entediantes demais. T e m a como e x e m p l o a p r á t i c a de q u e i m a r ) m u l h e r e s a c u s a d a s de f e i t i ç a r i a , a f i r m a n p o q u e t a l c o s t u m e n ã o se e x t i n g u i u p o r r a z õ e s l e g a i s , morais o u religiosas, m a s simjplesmente p o r q u e se t o r n a r a e n t e d i a n t e d e m a i s , e as pessoas p e n s a r a m : "Quando
você
viu uma
Q u a s e t o d o s os q u e f a l a m s o b r e t é d i o
pessoa sendo q u e i m a d a , v i u todas". Nisbet
o c o n s i d e r a m u m m a l , e m b o r a h a j a cer-
provavelmente t e m razão, e m b o r a dificil-
tas exceções. O escritor J o h a n n Georg Ha-
m e n t e se p o s s a d i z e r q u e o t é d i o é u m a
m a n n d e s c r e v e u - s e c o m o u m liebhaber
força redentora, pois, e m seu a r g u m e n t o ,
langen weile ( u m a p a i x o n a d o pelo m o m e n -
e s t á i m p l í c i t a a ideia de q u e f
i t a m b é m
to d e m o r a d o ) , e q u a n d o s e u s a m i g o s o c r i -
a causa do sacrifício das supostas bruxas.
t i c a v a m por ser u m inútil, respondia que
der
INÚMEROS ESCRITORES, poetas e filósofos refletiram e escreveram sobre sensações tediosas como Thomas Mann (à esquerda) e Theodor Adorno (á direita)
trabalhar é fácil, ao passo que a ociosidade
MOMENTO DEMORADO
g e n u í n a r e a l m e n t e exige m u i t o de u m ho-
O tédio chegou a ser associado a abu-
m e m . O f i l ó s o f o r o m e n o E. M . C i o r a n t e m
distúrbios
u m a v i s ã o s e m e l h a n t e : "Ao a m i g o q u e m e
vandalismo,
diz e s t a r e n t e d i a d o p o r q u e n ã o c o n s e g u e
depressão, agressão, violência, (comporta-
t r a b a l h a r , r e s p o n d o q u e o t é d i o é u m es-
so de d r o g a s , á l c o o l e f u m o , alimentares,
promiscuidade,
m e n t o de r i s c o e a t é s u i c í d i o . | H á f u n d a -
t a d o s u p e r i o r e q u e a s s o c i á - l o à n o ç ã o de
m e n t o s estatísticos para estabelecer essas
trabalho é degradá-lo".
conexões.
Isso n ã o d e v e r i a
surpreender,
pois o s a n t i g o s p a t r i a r c a s d a Ijgreja j á t i -
O
tédio
normalmente
surge
quando
n ã o p o d e m o s f a z e r o q u e q u e r e m o s , o u te-
n h a m plena ciência dessas ligações, con-
m o s de f a z e r o q u e n ã o q u e r e m o s . M a s , e
siderando a a c í d i a , a precursora do tédio,
q u a n d o n ã o t e m o s n e n h u m a ideia do q u e
o p i o r d o s p e c a d o s , j á q u e os d e m a i s d e r i -
q u e r e m o s fazer, q u a n d o p e r d e m o s a c a -
v a v a m d e l e . N ã o pode h a v e r d ú v i d a a l g u -
p a c i d a d e de n o s o r i e n t a r ? E n t ã o p o d e m o s
m a de q u e o t é d i o t e m s é r i a s C o n s e q u ê n -
nos e n c o n t r a r n u m tédio profundo, que
c i a s n ã o s ó p a r a o s i n d i v í d u o s (como p a r a
l e m b r a a f a l t a de f o r ç a de v o n t a d e , p o r q u e
a sociedade.
envolve
não conseguimos nos agarrar a coisa algu-
p e r d a de s i g n i f i c a d o , e isso é g r a v e p a r a a
P a r a os p r i m e i r o s ,
m a . F e r n a n d o P e s s o a d e s c r e v e u esse e s t a -
pessoa afligida. Não acredito que possamos
do c o m o " s o f r e r s e m s o f r i m e n t o , q u e r e r
s a b e r se o m u n d o
sem vontade, pensar sem raciocínio".
parece
sem
sentido
porque e s t a m o s entediados, ou!se f i c a m o s
Ele c a r e c e d o e n c a n t o d a m e l a n c o l i a
entediados porque o m u n d o parece s e m
- associado ao vínculo tradicional
s e n t i d o . H á a q u i u m a r e l a ç ã o Ide c a u s a e
c o m a s a b e d o r i a , a s e n s i b i l i d a d e e a bele-
efeito p r o v a v e l m e n t e
za. Por essa razão, parece menos atraente
nada simples. Mas
desta
t é d i o e p e r d a de s e n t i d o e s t ã o c o n e c t a d o s
p a r a os e s t e t a s . F a l t a - l h e t a m b é m a ó b v i a
de a l g u m a m a n e i r a .
gravidade da depressão, o que o t o r n a
95
m e n o s i n t e r e s s a n t e p a r a p s i c ó l o g o s e psi-
e x c l u s i v i d a d e - e foi u s a d o p a r a e x p l i c a r o u
quiatras.
desculpar m u i t a c o i s a . O h o m e m subter-
C o m p a r a d o à depressão e à melancolia, o tédio
parece s i m p l e s m e n t e
trivial
r â n e o de D o s t o i e v s k i , por e x e m p l o , a f i r m a q u e " t u d o t e v e o r i g e m no t é d i o " .
ou c o m u m demais para merecer investi-
U m a f o r m u l a ç ã o t í p i c a pode s e r e n c o n -
gação aprofundada. É surpreendente, por
t r a d a no c o n t o de G e o r g B u c h n e r , " L e o n -
e x e m p l o , q u e o e s t u d o de 600 p á g i n a s de
c e u n d L e n a " : " O q u e as pessoas n ã o i n -
P e t e r W e s s e l Z a p f f e , Om det tragiske
(Sobre
v e n t a m p o r t é d i o ! Elas e s t u d a m por t é d i o ,
o t r á g i c o ) , de 1941, n ã o c o n t e n h a u m a só
j o g a m p o r t é d i o e f i n a l m e n t e m o r r e m de
d i s c u s s ã o a r e s p e i t o do t é d i o . O a u t o r m e n -
tédio". U m a v e r s ã o ainda mais forte é en-
ciona claramente o fenómeno em vários
c o n t r a d a no t r á g i c o L e n z , de B u c h n e r : "A
p o n t o s , m a s n ã o lhe dá s e u n o m e u s u a l .
m a i o r i a d a s p e s s o a s f a z c o i s a s por p u r o
E n c o n t r a m o s , contudo, discussões sobre o
t é d i o , a l g u m a s se a p a i x o n a m
tédio desenvolvidas por Pascal, Rousseau,
o u t r a s s ã o v i r t u o s a s , o u t r a s , a i n d a , disso-
por t é d i o ,
Kant, Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzs-
lutas. Q u a n t o a m i m , absolutamente nada
c h e , Heidegger, B e n j a m i n e A d o r n o . E, n a
- n ã o t e n h o v o n t a d e s e q u e r de levar m i -
literatura, t e m o s Goethe, Flaubert, Sten-
n h a p r ó p r i a v i d a , é e n t e d i a n t e d e m a i s " . De
dhal, M a n n , Beckett, Buchner, Dostoievski,
m a n e i r a s e m e l h a n t e , Sthendal escreve e m
Tchekhov,
" S o b r e o a m o r " : " O t é d i o nos t i r a t u d o , a t é
Baudelaire,
Leopardi,
Proust,
B y r o n , E l i o t , I b s e n , Valéry, B e r n a n o s e Pessoa, entre outros.
o desejo de t i r a r n o s s a p r ó p r i a v i d a " . O b s e r v a n d o o g r a n d e n ú m e r o de "placebos s o c i a i s " p o d e m o s p e n s a r que nos dias de
SÍMBOLO DE STATUS É de
razoável
tédio
supor
existiram
que
hoje o tédio e s t á , parece, m a i s d i s s e m i n a d o
certas
desde
o
formas dos
significado, deve h a v e r m a i s significado que
decorrente
precisa ser s u b s t i t u í d o . Onde há falta de sub-
de algo específico. O tédio existencial é
jetividade, todas as espécies de diversão t ê m
um
de c r i a r sentidos s u b s t i t u t o s , artificiais.
tempos, como o situacional, fenómeno
da
início
do que n u n c a . Se h á m a i s substitutos para o
modernidade.
há exceções. Tomemos,
Porém,
por exemplo,
c a p í t u l o de a b e r t u r a do E c l e s i a s t e s , contém
a afirmação
" o q u e foi
o
que
tornará
O u t r a s o l u ç ã o é o c u l t o às c e l e b r i d a d e s , e m que
ficamos
c o m p l e t a m e n t e envolvi-
dos n a v i d a d o s o u t r o s , p o r q u e a n o s s a pró-
a ser, o q u e foi f e i t o se f a r á n o v a m e n t e ;
p r i a c a r e c e de s i g n i f i c a d o . Será que n o s s a
não
Não
f a s c i n a ç ã o pelo e s t r a n h o , a l i m e n t a d a dia-
que
r i a m e n t e pelos m e i o s de c o m u n i c a ç ã o de
é
h á n a d a de n o v o sob o s o l " .
despropositado,
contudo,
dizer
S a l o m ã o f a z a q u i m a i s u m a p r o f e c i a que
m a s s a , n ã o é r e s u l t a d o de n o s s a p e r c e p ç ã o
u m d i a g n ó s t i c o de s e u t e m p o . E m
seus
do e n t e d i a n t e ? A c o r r i d a d e s o r d e n a d a às
escritos, Séneca apresenta - possivelmente
d i v e r s õ e s , a o lazer, i n d i c a p r e c i s a m e n t e o
p e l a p r i m e i r a v e z - o c o n c e i t o de
m e d o do v a z i o q u e n o s c e r c a .
tedium
vitae ( c a n s a ç o d a v i d a ) p a r a d e s c r e v e r algo q u e l e m b r a m u i t o o tédio m o d e r n o .
96
AUMENTAR O VOLUME
A o l o n g o da h i s t ó r i a , o f e n ó m e n o pare-
A n e c e s s i d a d e e a f a l t a de s a t i s f a ç ã o es-
c e t e r c r e s c i d o de m a n e i r a e s p e t a c u l a r . A n -
tão inextricavelmente entrelaçadas. Quan-
t e s do R o m a n t i s m o , p a r e c i a s e r u m a m a n i -
t o m a i s a v i d a i n d i v i d u a l se t o r n a o c e n t r o
festação m a r g i n a l , reservada aos monges e
do f o c o , m a i s f o r t e é a i n s i s t ê n c i a no sig-
à n o b r e z a . D u r a n t e m u i t o t e m p o , foi u m
n i f i c a d o e m m e i o às t r i v i a l i d a d e s da v i d a
s í m b o l o de s t a t u s , c o m o p r e r r o g a t i v a dos
c o t i d i a n a . U m a v e z q u e o h o m e m , h á cer-
e s c a l õ e s s u p e r i o r e s da s o c i e d a d e , u m a v e z
c a de d o i s s é c u l o s , c o m e ç o u a se v e r c o m o
q u e e s t e s e r a m os ú n i c o s q u e p o s s u í a m a
u m s e r i n d i v i d u a l q u e d e v e se realizar, a
b a s e m a t e r i a l n e c e s s á r i a p a r a se e n t r e g a r
vida cotidiana parece u m a prisão. O tédio
a e l e . À m e d i d a q u e se e s p a l h o u p o r t o d o s
não está associado a necessidades
os e s t r a t o s s o c i a i s , o f e n ó m e n o p e r d e u s u a
m a s a d e s e j o . E e s s e é u m desejo de estí-
I mentecérebro I Depressão
reais,
mulos sensoriais - a única coisa tealmente "interessante". A e n o r m e ê n f a s e que d a m o s a o r i g i n a lidade e à i n o v a ç ã o revela que < v i d a , e m g r a n d e m e d i d a , é e n f a d o n h a . Hoje parec e n o s m a i s r e l e v a n t e algo s e r " i n t e r e s s a n t e " do q u e t e r a l g u m
"valor'
Considerar
1
a l g u m a c o i s a e x c l u s i v a m e n t e dc p o n t o de v i s t a do " i n t e r e s s e " que gera é c o n s i d e r á - l a de u m a p e r s p e c t i v a p u r a m e n t e estética. O o l h a r e s t é t i c o registra a p e n a s a s u p e r f í c i e , e esta é julgada segundo o interesse ou o tédio q u e d e s p e r t a . E m que m idida u m a c o i s a recai e m u m a o u o u t r a cat< goria s e r á , m u i t a s v e z e s , u m a q u e s t ã o de p o t ê n c i a do efeito: se u m a m ú s i c a parece e n t e d i a n t e , às v e z e s a u m e n t a r o v o l u m e a j u i a . O o l h a r
n a b a n a l ; o existencial,
e s t é t i c o t e m de s e r d e s p e r t a d o pela i n t e n -
s e m c o n t e ú d o e o m u n d o e m p o n t o mor-
sidade a u m e n t a d a o u , preferível n e n t e , por
t o ; e o criativo,
algo n o v o : s u a ideologia é o s u p c r l a t i v i s m o .
por seu conteúdo que por seu resultado -
É preciso e v i t a r o tédio a q u a l u e r p r e ç o .
s e n t i m o - n o s f o r ç a d o s a f a z e r algo de n o v o .
e m que a a l m a está
que é caracterizado menos
A s s i m , a p r i n c i p a l m e r c a d o r i a da m í d i a é a
E s s a s q u a t r o m a n i f e s t a ç õ e s se s u p e r p õ e m ,
" i n f o r m a ç ã o i n t e r e s s a n t e " - s i ç n o s de p u -
m a s h á d i s t i n ç õ e s c l a r a s . J á F l a u b e r t dife-
ros bens de c o n s u m o , n a d a m a i ; .
r e n c i o u o t é d i o c o m u m (ennui
O tédio profundo assemelh^-se a u m a
do t é d i o m o d e r n o (ennui
e s p é c i e de m o r t e , ao passo q^ie a m o r t e
c o r r e s p o n d e m , grosso
a s s u m e a f o r m a do ú n i c o e s t a d o p o s s í v e l
tinção
- u m a r u p t u r a , que tem a ver c )m a
entre
manifestação
commun)
moderne),
modo,
que
à n o s s a dissituacional
e
finitu-
e x i s t e n c i a l . N ã o é m u i t o f á c i l , no e n t a n t o ,
de e c o m o n a d a . É a m o r t e enh v i d a , u m a
d e t e r m i n a r q u a l d e s s e s d o i s t i p o s aflige os
n ã o - v i d a . S e u e x c e s s o d e r i v a d£ r e p e t i ç ã o .
p e r s o n a g e n s c r i a d o s pelo a u t o r .
Fico m u i t a s v e z e s e n t e d i a d o q u a n d o v o u a
Os dois t ê m d i f e r e n t e s m o d o s s i m b ó l i -
m u s e u s e s ó e n c o n t r o pálidas i m i t a ç õ e s de
c o s de e x p r e s s ã o : e n q u a n t o m a n i f e s t a m o s
o b r a s q u e j á vi m u i t a s v e z e s . E n t e d i o - m e
o t é d i o s i t u a c i o n a l p o r m e i o de u m bocejo,
q u a n d o o u ç o u m c o n f e r e n c i s t a pela quar-
r e m e x e n d o - n o s n a c a d e i r a , e s t i c a n d o bra-
ta vez, e quando eu dou u m a conferência
ços e pernas, o existencial profundo
pela q u a r t a v e z . Pode a c o n t e :er de a c e i -
g e r a l é d e s p r o v i d o de e x p r e s s ã o . A l i n g u a -
tarmos incumbências
g e m c o r p o r a l do t é d i o s i t u a c i o n a l p a r e c e
p a r a as q u a i s
não
DURANTE MUITO TEMPO, a "tristeza modorrenta" foi sinal de status, um privilégio daqueles que não precisavam trabalhar
em
estamos realmente qualificadas, simples-
indicar que podemos abandonar a submis-
mente porque v a m o s certamente aprender
são, nos desvencilhar e seguir adiante, já
algo de n o v o n e s s e p r o c e s s o . Misto a s s i m ,
n o s e g u n d o t i p o é c o m o se a f a l t a de a ç ã o
o t é d i o é u m a f o n t e p o s i t i v a de d e s e n v o l -
c o n t i v e s s e a i n t u i ç ã o i m p l í c i t a de q u e ele
v i m e n t o h u m a n o , e m b o r a nãrj n e c e s s a r i a -
n ã o pode s e r s u p e r a d o por n e n h u m a t o de
m e n t e de p r o g r e s s o .
v o n t a d e . Se h á a l g u m a f o r m a c l a r a de expressão para o tédio profundo é por a l g u m
MEXER-SE NA CADEIRA
c o m p o r t a m e n t o r a d i c a l e i n o v a d o r . Real-
M a r t i n D o e h l e m a n n propce u m a tipo-
m e n t e ajuda remexer-se na cadeira duran-
logia q u e d i s t i n g u e q u a t r o t i p o s de t é d i o :
te u m a c o n f e r ê n c i a o u u m a r e u n i ã o ; v i a j a r
o
t a m b é m pode f u n c i o n a r .
situacional,
que
sentimos
ao
esperar
®
a l g u é m , ao ouvir u m a conferência ou ao t o m a r o t r e m ; o da saciedade,
q u a n d o obte-
m o s d e m a i s d a m e s m a c o i s a k t u d o se tor-
PARA SABER MAIS Filosofia do tédio. Lars Svendsen. Jorge Zahar editor, 2 0 0 6 .
97
Nem a Mona Lisa escapa... Expressar a angústia é uma forma de pedir auxílio; o rebaixamento do humor nos faz rever atitudes e pode funcionar como mecanismo de autoproteção contra situações desgastantes
T
risteza i n c o m o d a . M e s m o que n ã o seja a n o s s a .
de t r i s t e z a . U m m a c a c o q u e n ã o faz u m a retirada óbvia
E m u m a sociedade n a qual o prazer é valorizado
e e s t r a t é g i c a depois de perder o s t a t u s no grupo poderá
a c i m a de t u d o - h a j a v i s t a os apelos da publici-
t r a n s m i t i r a i m p r e s s ã o de q u e c o n t i n u a a d e s a f i a r o
dade por t o d a p a r t e - h á p o u c a t o l e r â n c i a para
m a c a c o d o m i n a n t e - e isso p o d e r i a s e r f a t a l . W a k e f i e l d
c o m q u e m m e r g u l h a n a p r ó p r i a dor. A i n d a m a i s nos dias
acredita q u e , na espécie h u m a n a , a tristeza t e m outra f u n -
a t u a i s , e m que h á drogas q u e p r o m e t e m a s e n s a ç ã o de
ç ã o : ajuda as pessoas a a p r e n d e r c o m os próprios e r r o s .
bem-estar. C o m f r e q u ê n c i a , os a n t i d e p r e s s i v o s são re-
" U m a das f u n ç õ e s das e m o ç õ e s negativas intensas talvez
ceitados e v e n d i d o s c o m o p r o d u t o s c a p a z e s de b a n i r a
seja s u s p e n d e r nosso f u n c i o n a m e n t o s a u d á v e l , de f a z e r
a n g ú s t i a - e não a p e n a s p r ó p r i a da m e l a n c o l i a que c o r r ó i
c o m que nos c o n c e n t r e m o s e m a l g u m a o u t r a coisa por
a vida aos poucos e pode s e r c l i n i c a m e n t e d i a g n o s t i c a d a ,
a l g u m t e m p o " , diz ele. Poderia f u n c i o n a r c o m o u m freio
m a s t a m b é m os s e n t i m e n t o s inerentes aos m a u s bocados
psicológico para nos i m p e d i r de c o m e t e r alguns e n g a n o s
pelos quais todos p a s s a m o s e m a l g u m m o m e n t o da v i d a .
e de s e r m o s d e m a s i a d o d i s p l i c e n t e s nos r e l a c i o n a m e n t o s
Psicanalistas, psicólogos e cada vez mais médicos t e m e m que a c r e s c e n t e t e n d ê n c i a de t r a t a r t r i s t e z a "nor-
o u projetos que v a l o r i z a m o s . S e g u n d o o p s i q u i a t r a Paul K e e d w e l l , p r o f e s s o r da
m a l " c o m o se f o s s e d o e n ç a seja u m a m a n e i r a l e v i a n a
U n i v e r s i d a d e de Cardiff, do R e i n o U n i d o , há o u t r o aspec-
de lidar c o m p a r t e s c r u c i a i s t a n t o da biologia q u a n t o do
to m a i s i m p o r t a n t e : m e s m o u m a a u t ê n t i c a depressão
p s i q u i s m o . T r i s t e z a s e r v e a u m p r o p ó s i t o e v o l u t i v o - se
pode n o s s a l v a r dos e f e i t o s do e s t r e s s e de longo p r a z o :
a perdermos, estaremos perdidos. "Presumimos que o
se n ã o n o s d e r m o s a l g u m t e m p o p a r a refletir, podere-
r e b a i x a m e n t o do h u m o r n o s t r a g a a l g u m a v a n t a g e m ,
m o s p e r m a n e c e r e m u m e s t a d o de e s t r e s s e c r ó n i c o até
pois, do c o n t r á r i o , n ã o t e r í a m o s sido o n e r a d o s c o m esse
nos e x a u r i r m o s c o m p l e t a m e n t e - e m o r r e r . K e e d w e l l
f a r d o ; e s t a m o s b r i n c a n d o d e m a i s c o m a parte n e u r o b i o -
t a m b é m a c r e d i t a q u e , ao longo da e v o l u ç ã o , t e n h a m o s
lógica de n o s s a c o n s t i t u i ç ã o " , diz o p e s q u i s a d o r J e r o m e
aprendido a exibir a tristeza para informar a outros
W a k e f i e l d , da U n i v e r s i d a d e de N o v a Y o r k , c o a u t o r de A
m e m b r o s da c o m u n i d a d e q u e p r e c i s a m o s de apoio (veja
tristeza
artigo na pág.50).
perdida:
como a psiquiatria
transformou
a depres-
são em moda ( S u m m u s , 2010).
Talvez fosse r e c o n f o r t a d o r a b a n d o n a r a ideia de que
Talvez esteja n a h o r a de a s s u m i r m o s nosso lado de-
d e v e m o s s e r felizes o t e m p o t o d o . A l i á s , u m dos papéis
pressivo. A i n d a a s s i m , m u i t o s p s i q u i a t r a s i n s i s t e m que
do profissional de s a ú d e m e n t a l é j u s t a m e n t e a j u d a r as
n ã o . Alguns d e f e n d e m q u e a t r i s t e z a t e m a detestável
pessoas a a t e n u a r a n o ç ã o e x a g e r a d a de que n u n c a são
t e n d ê n c i a de se t r a n s f o r m a r e m d e p r e s s ã o , e por isso,
felizes o b a s t a n t e . O psicólogo Ed Diener, p e s q u i s a d o r da
m e s m o q u a n d o as pessoas se s e n t e m c h a t e a d a s por u m
U n i v e r s i d a d e de Illinois e m U r b a n a - C h a m p a i g n , r e c o r d a
m o t i v o c o m p r e e n s í v e l , d e v e r i a m u s a r m e d i c a m e n t o s que
de u m e s t u d o e m q u e u s o u u m s o f t w a r e de r e c o n h e c i -
as f i z e s s e m se s e n t i r m e l h o r . M a s s e r i a a t r i s t e z a algo
m e n t o de e m o ç õ e s p a r a d i s s e c a r os s e n t i m e n t o s que
r e a l m e n t e d i s p e n s á v e l o u u m a parte c r u c i a l da c o n d i ç ã o
M o n a Lisa, de L e o n a r d o da V i n c i , p a r e c i a d e m o n s t r a r .
h u m a n a ? E x i s t e m a l g u m a s hipóteses sobre os benefícios
R e s u l t a d o : ela s e r i a 8 3 % feliz. A p o r c e n t a g e m restante
de nossa p r o p e n s ã o a o r e b a i x a m e n t o do h u m o r . Pode
seria u m a m i s t u r a de e m o ç õ e s c o m o m e d o , ansiedade e
ser, por e x e m p l o , u m a e s t r a t é g i a de a u t o p r o t e ç ã o , c o m o
raiva - o que parece s e r r a z o á v e l , m e s m o para a m a i o r i a
parece s e r o c a s o e n t r e o u t r o s p r i m a t a s que exibem sinais
das pessoas.
98
I mentecérebro I Depressão
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Da psicanálise à filosof a e d a
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sociologia à política, as opiniões e o IIAWAII
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A formação de quem ensina a pensar tem passagem obrigatória por estas páginas. 1 '4*ÊÊÊ*-
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