Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
MEMORIAL DE QUALIFICAÇÃO PARA MESTRADO
Pesquisa Formação Profissional na Construção Civil: diálogos entre obra e projeto Orientador Reginaldo Luis Nunes Ronconi Mestrando Francisco Toledo Barros 1
Índice
1. Apresentação ................................................. ........................................................................ .............................................. .............................3 ......3 2. Introdução............................................ ................................................................... .............................................. ........................................3 .................3 2.1. Pertinência da pesquisa & Trajetória do pesquisador..............................3 2.2. A pesquisa......................................... ................................................................ .............................................. ....................................10 .............10 3. O processo de trabalho............................................ ................................................................... ........................................13 .................13 3.1. Os projetos de pesquisa iniciais.......................................... ................................................................. .......................13 13 3.2. Alterações no projeto de pesquisa com a hipótese das atividades dialógicas de formação profissional junto de três novos estudos de casos aplicados........................................... .................................................................. .............................................. ...........................................16 ....................16 3.3. Trabalhos programados realizados........................................... ...........................................................22 ................22 3.3.1. Breve revisão bibliográfica..........................................................22 3.3.2. Estudos de Casos Aplicados na formação profissional da construção civil: Três espaços de formação para o diálogo entre obra e projeto............................................... ...................................................................... .............................................. ............................23 .....23 4. Disciplinas cursadas.......................................... ................................................................. .............................................. ........................24 .24 5. Redação inicial do capitulo primeiro da dissertação....................................26 6. Estrutura geral da dissertação............................................... ...................................................................... .........................35 ..35 7. Cronograma das atividades de pesquisa........................................ ........................................................42 ................42
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1. Apresentação “(...) a hierarquia [do trabalho na construção civil] deve mudar de sentido e tornar-se apenas relação de formação , de transmissão dos saberes e do saber fazer, os quais, apesar de sua complementaridade, estão claramente separados hoje. O saber é guardado pelo poder como arma e argumento, como trunfo e justificativa – e deteriora-se por sua distância em relação ao saber fazer correspondente. Evidentemente, uma outra prática deve reverter tal situação, disseminar o saber entre as equipes, aperfeiçoar o saber aproximando-o de suas raízes experimentais etc. , etc.” (FERRO, Sérgio. 2006, p.403)
O presente memorial de qualificação da pesquisa de mestrado intitulada ‘Formação Profissional na Construção Civil: diálogos entre obra e projeto’ tem por objetivo organizar e
avaliar a pesquisa em andamento de modo a ajustá-la a seus devidos fins por pares da universidade junto a orientador e orientando. A pesquisa teve início formal em março de 2009, com a entrada no programa de pósgraduação da FAU USP na área de concentração “Tecnologia da Arquitetura”, tendo recebido apoio, por meio de bolsa de mestrado CAPES, para sua realização em caráter de dedicação integral apenas em maio de 2011.
2. Introdução 2.1. Pertinência da pesquisa & trajetória do pesquisador Não é de hoje que pesquisadores da área da construção civil se debruçam sobre um problema presente em nossa sociedade, não apenas no campo específico da produção do espaço, mas sobre o todo da produção econômica. Trata-se de uma questão estrutural, que tudo atravessa e atinge a todos. Estamos nos referindo à alienação1. Que, no presente estágio do capitalismo, capitalismo, o financeiro, chega a proporções incompreensíveis para qualquer ser humano. Dentre pesquisadores que abordam o tema tomamos como exemplo estudos de Jorge Oseki2 e Sérgio Ferro3, por tratarem da alienação inserida nos debates da produção do espaço, 1
A definição de alienação que nos referenciamos para nossos estudos tem base naquela cunhada por Marx, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, escritos em 1844, no primeiro manuscrito, intitulado Trabalho Alienado. Neste texto Marx enuncia três níveis, ou tipos gerais de alienação, a referente ao objeto produzido, ao processo produtivo e à vida social, todos eles referenciados estruturalmente à propriedade privada expropriada da classe trabalhadora (Boitempo Editorial, 2004). 2 Oseki, em sua dissertação de mestrado caracteriza, de modo didático, como um todo, as questões relevantes que compõe o universo da construção civil. Ele se imbui dessa tarefa com o objetivo de contribuir com a compreensão de
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especificamente na forma da divisão social do trabalho para a realização das diferentes atividades da cadeia produtiva. Trata-se da separação, no tempo, e no espaço social, das atividades produtivas divididas entre os executores das obras, os operários da construção, que as edificam na prática, com suas próprias mãos ou instrumentos e máquinas, e os organizadores das obras, os planejadores, que projetam e as controlam como um todo com uso de instrumentos outros. É de se notar que a alienação gera impactos negativos na cadeia produtiva da construção civil, não apenas pela má qualidade dos produtos, os edifícios em si, mas também pelo incremento dos custos com a ampliação do tempo perdido entre as etapas de projeto e obra; pelos desperdícios de materiais e outros insumos devido a erros de execução e de projeto; pela exploração da força de trabalho dos operários; bem como pela falta do sentido de satisfação e realização profissional dos projetistas, ou seja, pela infelicidade tanto dos executores como dos organizadores da produção do espaço.
Agora, como enfrentar a questão da alienação na construção civil? Há pesquisadores que se debruçaram sobre a questão, tomando como exemplo, Antonio Gramsci4 e Paulo Freire5, e verificaram a existência de relações do sistema educacional com o que a construção civil também pode ser entendida como um campo específico do conhecimento, a ponto de ser considerada também uma ‘questão’, assim como a ‘questão do alojamento’ por Engels, ou ‘a questão’ urbana, por Castells. É nesta formulação que Oseki aufere importância à alienação do trabalho através da idéia de heteronomia na construção civil, por meio de citações de Sérgio Ferro. 3 Em ‘O Canteiro e o Desenho”, Ferro assim caracteriza a heteronomia forma de alienação na construção civil: “ Heteronomia: ‘condição de pessoa ou de grupo que receba de um elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho à razão, a lei a que se deve submeter’.3 Não inclui lei escolhida e assumida, razão própria: é determinado por ausentes que, de algum ponto da seqüência de heteronomias, impõem a cada um o movimento separado. Diminuída a distância, perdida a imagem de concatenação endógena, o movimento mostra que é movimento de quase ensimesmados teleguiados, desenha uma espiral cujo nó interior é a solidão pendurada a uma vontade distante. Incoerentemente, ainda dessa distância menor, a ação conta passividade. O objeto à procura de corpo, o modo e a cadência de sua incorporação são dados como que celestes, despejados das alturas dos artistas, dos proprietários, dos sábios. Como barra, interpõe-se entre operário e operário, entre equipe e equipe, entre sujeito e sua força de trabalho. Como cadeia, ceifam o impulso nem bem esboçado ou já desistido de nascer, retendo somente o programado ato – assim falho”. (FERRO, Sérgio. O Canteiro e o desenho, 1976, In:2006, p.117). 4 Gramsci, em seus escritos trabalha com a idéia de hegemonia de uma classe social que domina o restante da sociedade. Ele relaciona essa dominação com o conhecimento dos intelectuais, com função de direção, do seguinte , isto é: na modo: “O aspecto essencial da hegemonia da classe dirigente reside em seu monopólio intelectual atração que seus próprios representantes suscitam nas demais camadas intelectuais: ‘Os intelectuais da classe historicamente (e de um ponto de vista realista) progressista, em determinadas condições, exercem tal poder de atração que terminam, em última análise, subordinando a si os intelectuais dos outros grupos sociais, criando conseqüentemente, um sistema de solidariedade entre todos os intelectuais, com laços de ordem psicológica (vaidade etc.), e freqüentemente de casta (técnico-jurídico, corporativo etc.)’. Essa atração leva à criação de um “bloco ideológico” – ou intelectual – que vincula as camadas de intelectuais aos representantes da classe dirigente.(...) [para tanto, faz-se necessário um] (...) programa escolar, um princípio educativo e pedagógico original que interessem e proporcionem atividade própria, no domínio técnico, a essa fração dos intelectuais, que é mais homogênea e numerosa (os educadores, do mestre escola aos professores universitários)”. PORTELLI, Huges. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.66.. 5 “Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepção oposta, o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade. Nesse terreno em que ele analisa as possibilidades a as limitações da
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sistema produtivo. Para estes autores (de modo simplificado), pode-se dizer que o ensino possui um duplo caráter, podendo ser reprodutor, cristalizador e potencializador da forma de produção hegemônica6, ou ser processo de crítica ao seu próprio funcionamento, como espaço de fomento, de experimentação de novas formas de produção, e criação de alternativas contrahegemônicas. Ou seja, trata-se de um campo em disputa, onde o fazer pedagógico é diverso, daí, sua apropriação pelos diferentes representantes dos grupos sociais antagônicos em luta pela hegemonia na sociedade. Exemplo disso é a presença do tema nas manchetes que tem tomado conta dos meios de comunicação nos últimos dois anos, bem nos debates e “promessas” da última campanha presidencial. De um lado roga-se a ampliação das vagas e mais investimentos para “qualificação da mão-de-obra”, diante do então chamado “apagão de mão de obra” 7, com fins a continuidade do crescimento da economia, enquanto que de outro lado, há uma série de movimentos também pela ampliação de vagas e investimentos em educação, mas com a finalidade da formação humana, enquanto direito de acesso aos a os conhecimentos produzidos pela humanidade. A questão da alienação na construção civil e no ensino, como já mencionado, tema já muito debatido na academia, começa a fazer algum sentido, enquanto percepção e conseqüente busca de intervenção, para o coletivo de estudantes e professores onde nos inserimos, em 1997, no Laboratório de Habitação do Grêmio dos estudantes da FAU USP8. Desde então esta problemática tem se mostrado recorrente na trajetória deste coletivo, desdobrando-se em diversos caminhos, que aqui recordamos de forma breve. Na primeira atividade de projeto e obra do Lab. Hab. Gfau, nos foi possível o contato com a execução de uma obra em regime de mutirão para construção de um banheiro e uma escada na associação de moradores do Jardim São Remo9, nas proximidades da USP. ‘Virou-se massa, cavaram-se brocas e baldrames, concretaram juntos pedreiros da comunidade e estudantes de arquitetura’. Ali apareceram as primeiras marcas da alienação, ao descobrirmos educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e todo profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade classista”. (GADOTTI, M. prefácio de Educação e Mudança, FREIRE, 1979, p.10) 6 Para Gramsci, toda relação de hegemonia é uma relação pedagógica. 7 O jornal Folha de São Paulo editou diversas matérias com manchetes se referenciando ao “apagão de mão de obra”. Citamos aqui um exemplo: "Apagão" de mão de obra é conseqüência de mau ensino médio. Para ex-secretária de Assistência Social de FHC, ensino médio avança pouco no país.” por Antônio Góis, edição de 06.07.2010. Nota-se que este logismo tornou-se senso comum tendo como referência à falta de investimentos do poder publico em um determinado setor, beirando a negligência, em alusão ao “apagão” de 1997 no governo de Fernando Henrique Cardozo que resultou em um racionamento nacional de energia. 8 O Lab hab Gfau, como era chamado durou de 1997 a 2003, tendo por lá passados dezenas de estudantes e professores a contribuir com suas próprias formações e com a sociedade a partir de uma relação mediada com esta. Para mais informações, ver: POMPÉIA, Roberto. Os Laboratórios de habitação no ensino de arquitetura: Uma contribuição ao processo de Formação do Arquiteto. São Paulo, Doutorado, FAU USP, 2006. 9 Esta experiência específica, de mutirão no “Jardim São Remo” foi objeto de artigo na revista Caramelo X, revista dos estudantes de arquitetura, 1998.
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não saber o empunhar de uma enxada, e o não saber dos operários construtores de desenhar em um papel o registro de suas necessidades, interesses e desejos. Anos depois, em estágio na assessoria técnica Usina – centro de trabalhos para o ambiente habitado10 foi realizado junto das famílias de assentamento de reforma agrária11 um “curso de construção e desenho do ambiente” 12 com 12 jovens, como atividade de formação junto às obras de construção de 60 casas em regime de autogestão. Nos objetivos do curso incluíam-se atividades de formação que contribuíam para o exercício do diálogo entre obra e projeto. É neste momento que tomamos contato com o método científico da pesquisa-ação, “um tipo de pesquisa centrada na questão do agir”. 13
Como trabalho final de graduação com orientação de Reginaldo Ronconi realizamos o projeto de um espaço de formação que buscava unificar as práticas de obra e projeto como contribuição à formação de um ‘profissional ‘ profissional autônomo’ autônomo’ da construção civil14. Como atividade seguinte à graduação participamos da criação de uma cooperativa de construção chamada “canteiro” 15, que tinha por método de trabalho a decisão coletiva de todas 10
“A Usina foi constituída em 1990 por profissionais de diversos campos de atuação como um coletivo de arquitetura autogestionário. Nesses 20 anos, a Usina atua principalmente junto aos movimentos sociais objetivando a construção de experiências territoriais de outra ordem, que envolvam a capacidade de planejar, projetar e construir pelos próprios trabalhadores, mobilizando fundos públicos em um contexto de luta social e reforma urbana. A equipe da Usina tem intenção de superar a produção autoral e estritamente comercial da arquitetura e do saber, para tanto, busca integrar e engendrar processos que possivelmente subvertam a lógica do capital através da experiência espacial, social, técnica e estética contra-hegemônicas”. (site da entidade: www.usinactah.org.br) 11 Estas atividades fazem parte do Projeto Inova Rural: Habitação Rural com inovações no processo, gestão e produto: participação, geração de renda e sistemas construtivos com recursos naturais renováveis. Realizado pelo Habis – Grupo de Pesquisa em habitação e Sustentabilidade – EESC-USP, ESALQ, UNESP e Usina – centro de trabalhos para o ambiente habitado. As atividades de formação se deram em parceria com a Arquiteta Andréia Arruda. 12 Esta experiência de ‘curso de construção e desenho do ambiente’ encontra-se relatada, como atividade de pesquisa aplicada integrante ao TFG - trabalho final de graduação apresentado à FAU USP em 2004, intitulado “Construção e desenho do Ambiente: um espaço de (re)união”. 13 Segundo Michel Thiollent, a pesquisa-ação é “uma alternativa metodológica diferente das convencionais técnicas de pesquisa e a ser cientificamente controlada, mesmo dentro de uma concepção geral da cientificidade que seja diferente do padrão positivista”, e “ A pesquisa-ação não nos parece menos exigente do que outros procedimentos e, sem dúvida, exige muito mais disciplina intelectual do que pacotes de perguntas da comum pesquisa de opinião. Para seu próprio fortalecimento, a pesquisa-ação deveria ser objeto de muitas experiências práticas como também de um amplo programa de pesquisa metodológica e de crítica de eventuais desvios ideológicos”. (THIOLLENT, M. Notas para o debate da pesquisa-ação. In: Repensando a Pesquisa Participante. BRANDÃO, Carlos Rodrigues - Org. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, pág. 87). 14 O espaço consistia na integração de atividades de formação de arquitetos e urbanistas à de trabalhadores da construção, onde após sete anos de curso (cinco internos e dois de residência) formava-se ‘construtor-desenhista’, com a formação integral, de modo a recompor o “homem-autônomo”. Sua primeira sede ficava localizada na Cidade Tiradentes. Foi realizado para tanto os projetos de arquitetura do espaço (escola) e do Plano Político Pedagógico do ‘espaço de (re)encontro”. 15 O Trabalho Final de Graduação de Daniel Costa apresentado à FAU USP em 2007 relata a experiência da Cooperativa Canteiro: “Aqui Jazz canteiro”, onde há entrevistas dos cooperados que compuseram a cooperativa e relatos dos trabalhos executados; Há ainda texto publicado na edição de comemoração de 10 anos do canteiro experimental da FAU USP que aborda a relação do Canteiro Cooperativa de Construção com disciplina ministrada no Canteiro Experimental da FAU USP , a AUT-131 Técnicas Alternativas de Construção, estudo de caso aplicado da presente pesquisa de mestrado.
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as matérias inerentes ao trabalho através da assembléia geral, onde cada profissional cooperado, fosse ele executor ou organizador das obras, tinha mesmo peso (um voto) nas deliberações. Três anos após, com a dissolução da cooperativa participamos da criação de uma empresa que realizava trabalhos de construção, marcenaria e projeto, chamada Junta! Construção Marcenaria e Projeto16, cujo foco era a realização de projetos e obras por um coletivo de profissionais, tendo aí enfrentado os limites à superação da alienação na cadeia produtiva em sua mais dura face. Posteriormente, em trabalhos junto à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Município de Taboão da Serra, buscamos a criação de cooperativas de construção junto ao programa de autogestão na construção de unidades habitacionais pelos movimentos de luta por terra e moradia, bem como junto ao programa de intervenções em áreas de favelas. Estas iniciativas não avançaram devido ao desinteresse da administração diante das limitações orçamentárias, da situação de calamidade habitacional que se encontra o município, e uma prefeitura com pessoal e recursos insuficientes para cumprir sua função social, bem como pela forma em que se encontra organizada a cadeia produtiva, calcada em empreiteiras. empreiteiras. As primeiras linhas do presente mestrado começam a se definir com o ouvido atento à intervenção da Professora da Faculdade de Educação, Sônia Kruppa, em banca de mestrado de José Baravelli17, na FAU USP, em 2006. Na ocasião a professora debatia as dificuldades que nossa sociedade enfrenta para a prática do trabalho autônomo, livre e cooperado na formação de cooperativas de construção. Sônia endereçou parte dos limites a estas ações à cultura do capital, hegemônica em nossa sociedade, tendo como importante espaço de difusão a formação profissional, nas universidades, escolas técnicas, escolas profissionalizantes, profissionalizantes, ou seja, no próprio desenho ‘dual’18 do sistema educacional. De certa forma, a ponderação de Kruppa coadunava com assertivas presentes no Trabalho Final de Graduação apresentado à FAU USP em 2003, onde se afirmava a necessidade de ações no campo da formação, como um dos caminhos necessários para a contribuição da retomada de práticas dialógicas na construção civil. Diante de tais questões é que o tema da presente pesquisa toma forma: a formação profissional na construção civil. Por não se tratar de um tema novo, o retomamos aqui a partir 16
Esta empresa tinha como objetivo reconstituir alternativas cooperadas de trabalho a partir de atividades de produção coordenadas pelo mestre de obras e marceneiro José Carlos e o arquiteto Francisco Barros, mas que teve apenas um ano de existência, sendo fechada devido a erros de estratégia de abordagem do trabalho cooperado sob a responsabilidade civil de apenas dois integrantes de um grupo: a alienação do trabalho, mais especificamente a sua forma segunda, em Marx, como antes vimos, a relacionada ao processo de produção. 17 O mestrado em questão tem título: “O cooperativismo Uruguaio na Habitação Social de São Paulo: das cooperativas FUCVAM à associação de moradia Unidos da Vila Nova Cachoeirinha”. 18 A ‘escola dual’ é a característica estrutural do sistema educacional brasileiro que permite haver dois sistemas de formação, um voltado aos trabalhadores e outro às elites econômicas. Ver: A Qualidade do Ensino na Escola Publica, de BEISIEGEL, Celso de Rui. Brasília: Liber Livro, 2005.
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de diversos autores, com extensos trabalhos, tarefa que buscamos aqui realizar com o necessário rigor acadêmico e científico. Desta forma, esperamos avançar no tratamento da questão, por meio do franco debate entre parte dos conhecimentos existentes e as experiências em realização. Há ainda a necessidade de uma ponderação, que trata de reconhecer o caráter de resistência experimental não hegemônica da presente pesquisa, e das dificuldades para sua pauta. Abordar tal tema é ter consciência de que as necessárias mudanças sociais, no sentido da socialização da vida, o que seria sua desalienação, só pode se efetivar junto de um movimento mais geral de retomada da razão sobre o governo de mulheres e homens. E que, sem ele, as práticas aqui debatidas adentram o mesmo campo das ‘experiências não universalizáveis’, universalizáveis’, como assim caracterizou Chico de Oliveira19 as experiências de autogestão de construção de conjuntos habitacionais pelos movimentos movimentos populares de luta por terra e moradia. Diante da breve colocação do problema da alienação na cadeia produtiva da construção civil, e de suas relações com o campo da formação profissional, resta-nos atentar para uma especificidade da presente pesquisa. Trata-se da abordagem do binômio alienação x autonomia observando-o ‘em atuação’ na formação profissional de executores e organizadores da cadeia produtiva. Assim procedemos por compreender que a construção de um simples edifício necessariamente congrega um coletivo de profissionais, e que estes deverão interagir de modo sistêmico como um corpo único de ação em prol do mesmo objetivo da edificação de um especifico objeto. A ação é composta por diversos movimentos, de variados profissionais, mas todos a contribuir para a realização de um mesmo e único produto: uma escola, por exemplo. Daí, para a critica da formação de profissionais que tem como característica o trabalho coletivo sistêmico sobre um objeto único, tomamos como pressuposto a premissa de que pode ser frutífera a abordagem sistêmica dos envolvidos nesse processo único. Se a divisão social do trabalho ‘separou’ arquitetos e pedreiros nada nos obriga a contribuir para isso. É esta compreensão que nos faz aqui tratar da formação de profissionais que atuem nos planos de ação20 de organização e execução da produção de modo sistêmico. Desta forma, é que ao abordarmos questões presentes na formação de operários, percebemos muitas vezes que estas encontram reflexo na formação de arquitetos, e que ao 19
Exposição impactante esta, intitulada “Papel da Autoconstrução para a Acumulação Capitalista no Brasil”, de Francisco de Oliveira (CENEDIC/FFLCHUSP), para todo o coletivo de arquitetos progressistas que trabalham ou trabalhavam nos mutirões autogeridos junto aos Movimentos Populares de Luta por Terra e Moradia. Realizada no Seminário de Pesquisa: “Políticas habitacionais, produção de moradia por mutirão e processos autogestionários: balanço crítico de experiências em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza”. Realizado na FAU USP, em 2004, com organização do NAPPLAC-FAU/USP, CENEDIC/FFLCHUSP e Usina-ctah. Sua transcrição foi texto base de debate para a “Jornada de estudos sobre construção civil brasileira” realizada na FAU USP em 2005, com organização de Prof. Dr. Paulo Cesar Xavier Pereira, Profa. Dra. Yvonne M. M. Mautner, Prof. Dr. Jorge Hajime Oseki, Prof. Dr. João S. Whitaker Ferreira e Prof. Dr. Reginaldo L. N. Ronconi. 20 Para a presente pesquisa as atividades que envolvem a cadeia produtiva da construção civil são compostas de dois ‘planos de ação’: os profissionais da execução e os profissionais da organização da produção, seu detalhamento se encontra no Trabalho Programado
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mesmo tempo, ao abordarmos problemas na formação de arquitetos estes encontram relação com a formação de operários. Temos assim uma espécie de ‘reflexo’ de caráter sistêmico na relação das formações. Avançando um pouco mais no sentido do anuncio justificado da pesquisa em andamento, pontuamos ainda que além da abordagem sistêmica da formação, observando a formação de arquitetos e ao mesmo tempo a de operários, abordamos a formação de profissionais da construção civil em um terceiro termo, anti-sistêmico. O fazemos ainda de modo a verificar como se dão atividades de formação de profissionais da construção civil que operam como executores e organizadores, em um ambiente onde a divisão social do trabalho alienada pelo capital esteja colocada em outro plano. Isto pelo fato de serem espaços ‘liberados socialmente’21 o que permite a experimentação de formas alternativas de trabalho, como comentado por Pedro Arantes sobre considerações de Sérgio Ferro, na apresentação do título “Arquitetura e Trabalho Livre”. Nestes locais é possível a pesquisa acerca da viabilidade de um trabalho menos alienado, ou quiçá desalienado, nos permitindo, a depender de suas características, endereçar ao futuro sinais de que não estamos, enquanto profissionais do campo da produção do espaço, fadados a produzir desta forma, alienada, até o final de nossos dias. Por último, faz-se necessária menção do método da presente pesquisa buscar coerência com o desejo da desalienação das atividades humanas. Isso torna necessária a elaboração destes raciocínios críticos de pesquisa de modo inserido22 do mundo em que se vive, pela práxis23, de 21
“Para Sérgio o principal campo de experimentação (aqui retomo também outros textos e intervenções) não está no interior da produção dita convencional, das empreiteiras – interessadas sobretudo na ampliação da produtividade do trabalho – mas em territórios “liberados socialmente” pelas pelas organizações populares (como os assentamentos de reforma agrária ou as zonas de habitação popular nos grandes centros urbanos). Os envolvidos na produção social do espaço nessas áreas enfrentam, paradoxalmente, uma situação de duplo atraso que, não obstante, surge como favorável à invenção de novas práticas: primeiro, a possibilidade de tirar partido da forma de produção relativamente elementar da arquitetura (ela guarda o sentido experimental da autonomia produtiva melhor do que outros setores da economia); segundo, a grande maleabilidade dessas áreas “liberadas”, uma vez que o capital pouco se interessa por elas. Se sua condição de não inclusão ou ligação frágil com os circuitos de acumulação é, evidentemente, parte do fim de linha a que chegou a sociedade contemporânea, ela é também a chance para a invenção de novas formas de organização social e do espaço. É, assim, contraditoriamente, a partir do reconhecimento desse duplo atraso como força para o surgimento do novo que Sérgio vislumbra o campo onde deve se dar a aliança entre arquitetura e trabalho livre. Como afirma, ‘o outro já germina no seu contrário e pode ser prefigurado sob forma de sua negação determinada.’ Tarefa para as novas gerações – é o que ele responde.” (ARANTES, P. 2006, p. 30). 22 Aqui valemo-nos de caracterização de Paulo Freire para a palavra inserção: “ Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade”. (FREIRE, P. 2004, p. 80). 23 Novamente tomamos aqui de Paulo Freire a conceituação de práxis, como ‘método em busca’ para nossa pesquisa. Para Freire a práxis é constituída pelos inseparáveis ‘ação’ e ‘reflexão’ sobre a realidade. Essa forma de operar é humana e se, for humana, daí, são todas as relações, dado que somos seres reflexivos, a ausência disso é forma animal de operar o mundo. Somos daí, também, ao mesmo tempo, seres ativos sobre o mundo, quem faz o mundo são os seres humanos. Mas, como avançar se se diz da realidade que ela impede o ser humano de avançar? Pois há
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forma mediada24. Desta forma, como veremos adiante, baseamo-nos em questões emanadas do mundo, e de nossa presença nele, como seres presentes e sujeitos nele atuantes, a intervir, questionar, modificar o mundo, com o mundo. Trata-se, portanto de uma pesquisa que tem como caminho a experimentação prática das questões em debate, além do debate, necessariamente ter de ser realizado de forma publica, coletiva, pois o pensamento, é coletivo, publico.
2.2. A Pesquisa Os objetos da presente pesquisa de mestrado são as práticas pedagógicas dialógicas25 de
obra e projeto na formação profissional da construção civil, inseridas nos ‘estudos de caso aplicado’ em três escolas portadoras de funções sociais complementares e antagônicas: o Canteiro Experimental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, as atividades de Formação Integral do Ser na Escola Municipal de Ensino Profissional de Trabalhadores da Construção Civil Madre Celina Polci e a Brigada de Construção da Escola Nacional Florestan Fernandes. Os objetivos de nossos estudos são verificar como se dão as práticas pedagógicas
dialógicas, e debater sua contribuição para a ampliação da percepção da necessidade da
obstáculos que aparentemente, inicialmente encontram-se ‘invisíveis’, e, segundo Freire, o modo de visualizá-los é na ação e na ação impedida de se realizar, na negação da ação. (FREIRE, P. 1979, p.17 e 18). Outra conceituação de interesse é a de Gramsci, com a filosofia da práxis, que pode ser visitada na pág. 101 da publicação Cadernos do Cárcere, Vol.1. por Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2004. 24 Aqui fazemos uso dessa palavra com um sentido já bastante difundido nos debates acerca das formas de relação do ensino, pesquisa e extensão com a realidade social, em oposição à relação imediata, que pode hora resultar em assistencialismo, não critico e transformador ou, por outro lado (mesmo), resultar em mercantilização da relação, aderindo às formas de mercado. Desta forma, defende-se uma relação critica, de problematização das questões reais (sem aderência), com a desejada autonomia universitária, mas compromissada com a realidade. 25 Aqui as práticas pedagógicas dialógicas são realizadas internamente às três escolas em estudo, em referencia à importante concepção de Gadotti sobre pensamentos de Paulo Freire, que temos de ter atenção: “Há igualmente limites para o ‘diálogo’, há apenas um pseudo diálogo, utopia romântica quando parte do oprimido e ardil astuto quando parte do opressor. Numa sociedade dividida em classes antagônicas não há condições para uma pedagogia dialogal . O diálogo pode estabelecer-se talvez no interior da escola, da sala de aula, em pequenos grupos, mas nunca na sociedade global. Dentro de uma visão macro-educacional, onde a ação pedagógica não se limita à escola, a organização da sociedade é também tarefa do educador. E, para isso, o seu método, a sua estratégia é muito mais a desobediência, o conflito, a suspeita do que o diálogo. A transparência do diálogo é substituída pela suspeita crítica. O papel do educador de um novo tempo, do tempo do acirramento das contradições e do antagonismo de classe, o educador da passagem, do Transito, é mais a organização do conflito, do confronto do confronto do que a ação dialógica”. (GADOTI, M. prefácio Educação e mudança, FREIRE,P. 1979, p.12). As ‘praticas pedagógicas dialógicas’ para nossos estudos podem ser conhecidas pelos parâmetros de sua aferição nos estudos de casos aplicados, inseridas daí como método da pesquisa. Estes se encontram detalhados no item 6. Estrutura Geral da Dissertação, Capítulo 3: Parâmetros de análise da presença do diálogo.
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autonomia26 e da liberdade27 na prática profissional, e conseqüente desalienação dos
educandos, potencializando sua inserção28 transformadora na prática social da produção do espaço. A hipótese lançada é de que as práticas pedagógicas dialógicas abordadas sim contribuem para a ampliação da percepção dessa necessidade, potencializando inserções transformadoras dos educandos egressos. O método de pesquisa, em relação mediada com a realidade, se dá:
- primeiro, pela observação das questões reais referentes à construção civil para elaboração de estratégias científicas e acadêmicas de ação, ou seja, a própria pesquisa, com a delimitação do tema, objeto (recorte dos estudos de caso), objetivos (hipóteses) e método de ação; - segundo, pela abordagem e organização das idéias e conceitos de autores presentes em obras da bibliografia fundamental sobre o tema da formação profissional na construção civil;
- terceiro, pela elaboração de parâmetros29 para análise das práticas pedagógicas dialógicas através da conceituação do ‘capital instrumental’30, e da prévia identificação de diferentes ‘formas de práticas pedagógicas dialógicas’ que objetivam a integração entre os agentes portadores dos diferentes ‘capitais instrumentais’ de obra e projeto e suas práticas nas atividades dialógicas de formação profissional; - quarto, pelas intervenções e registro documental junto aos três ‘estudos de caso aplicado’ como contribuição às atividades pedagógicas dialógicas através de método variante da
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Como referência, trabalhamos com aproximação do sentido de autonomia caracterizada por Sergio Ferro: “Pela milésima vez: arte é manifestação de alegria no trabalho. Para que esta alegria seja autêntica, o trabalho tem que ser livre. Se for realmente livre, autônomo , o trabalho terá em si mesmo todas as razões para ser o que é, sem depender de nada exterior, é o necessário”.(FERRO, Sérgio. 2006, p.429). 27 Aqui trabalhamos com o conceito de liberdade aplicada à construção civil, a partir da idéia do ‘trabalho livre’, desalienado, por Sergio Ferro: “E o que é o trabalho livre? Nada a ver com arbitrariedade, improvisação ou preguiça. O trabalho é livre quando realiza o melhor possível em dada situação, o melhor do ofício, o melhor objetivamente escrito no material, o melhor projeto social. A liberdade, ensina Hegel, não se opõe à necessidade: ambas consistem em ter todas as razões para serem o que são em si mesmas. A verdadeira autonomia é intrinsecamente racional” (FERRO, Sérgio. 2006, contracapa). O conceito aproxima-se ainda de atividade livre, a partir de Marx: “ A vida produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a atividade livre , consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida assemelha-se somente a um meio de vida”. (MARX, C. Manuscritos Econômico – Filosóficos) 28 Aqui, novamente, segundo o conceito de inserção de Paulo Freire. Ver nota nº 22. 29 Os parâmetros aqui indicados encontram-se detalhados na estrutura proposta da Dissertação, neste Memorial descritivo: item 6, capítulo 3. 30 O capital instrumental é uma proposta de conceituação e medida da função dos instrumentos de trabalho e seu uso enquanto posicionamento da cadeia produtiva da construção civil. Por exemplo: o arquiteto possui alto capital instrumental pois tem como habilidade o uso da ferramenta auto-cad, ou o pedreiro possui baixo capital instrumental pois tem como habilidade o uso da ferramenta colher de pedreiro.
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‘pesquisa ação’, onde o pesquisador intervém no objeto, como mais um agente, dotado de
intenção específica, compartilhada com os demais participantes;
- quinto, pela realização de entrevistas com os educandos egressos dos três estudos de caso aplicado, para verificação da contribuição das atividades dialógicas de formação na compreensão de sua prática profissional, se imbuídas de caráter mais ou menos autônoma/alienada, bem como a verificação de possíveis repercussões de maior ou menor autonomia/alienação nas novas práticas profissionais após as experiências de formação
profissional cursadas; - sexto, pelo debate de avaliação dos estudos de caso à luz da bibliografia fundamental e dos resultados da aplicação dos parâmetros de verificação das atividades pedagógicas dialógicas de obra e projeto calcados no aprendizado dos diferentes ‘capitais instrumentais’ 31, bem como pelas entrevistas realizadas com informações sobre a contribuição ou não para a compreensão da autonomia e liberdade de ação, bem como sobre os impactos nas atuações profissionais; profissionais; - sétimo, pela elaboração de conclusões acerca da hipótese inicialmente lançada e abertura de novas frentes de investigação. Dos três estudos de caso aplicado, os dois primeiros, a FAU e EMEP trabalham de modo inverso entre si, e o terceiro, a ENFF, trabalha de modo alternativo dialético32 com os dois
primeiros estudos; podem ser compreendidos segundo as seguintes características: O primeiro deles se dá em escola de formação de profissionais com a função de organizadores da construção civil, os arquitetos e urbanistas, mas em um espaço que tem como
objetivo contribuir para o desenvolvimento da faculdade de executar a construção, o Canteiro
Experimental da FAU USP. O segundo estudo de caso se dá em escola de formação de profissionais com a função de executores da construção civil, os operários da construção, mas em um espaço que tem como
objetivo contribuir para o desenvolvimento da faculdade de organizar a construção, as atividades de Formação Integral do Ser da EMEP Madre Celina Polci. 31
De modo a exemplificar, podemos chamar a luz dois portadores de ‘capital instrumental’ considerados ‘clássicos’ por nossa escola nas funções de planejar , o arquiteto, e de executar, o pedreiro: há contribuição ao diálogo entre obra e projeto em uma atividade pedagógica de formação de pedreiro alicerçada em um exercício de criação de alternativas de desenho segundo diferentes formas de amarração de tijolos em uma parede de tijolos aparentes? Ou ainda, há contribuição ao diálogo entre obra e projeto em uma atividade pedagógica de formação de arquiteto que tenha como objetivo experimentar a execução de diferentes idéias de desenhos para a amarração de vigas de madeira sem o uso de parafusos? 32 Dialético pois parte de uma negação dessa negação (considerando que os dois primeiros se negam ao negarem ambos a natureza de sua unidade), ou também como um caminho posterior, oposto, em espiral aos dois primeiros. E Alternativo pois é um outro termo, novo, que aparece a partir dos outros dois.
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Ou seja, estes dois primeiros estudos de caso aplicado abordam espaços de formação que buscam fomentar dentro de cada escola aquilo que lhes faltaria saber fazer: os arquitetos 33 a executar e os pedreiros34 a organizar a construção civil. Desta forma, caracterizam-se estes
espaços como lugares de resistência em favor da desalienação das práticas profissionais. profissionais. Já o terceiro estudo de caso aplicado busca trabalhar o diálogo necessário entre as faculdades de organizar e executar a construção de um espaço através de práticas pedagógicas dialógicas ‘unitárias’, que contribuem para a desalienação destas atividades. Trata-se das atividades de formação de obra e projeto internas a Brigada de Construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, espaço de formação de camponeses com a finalidade de atuação profissional como organizadores e executores das edificações em assentamentos de reforma agrária35.
3. O Processo de trabalho 3.1. Projetos de pesquisa iniciais A presente pesquisa de mestrado tem início com a elaboração de um primeiro projeto, em 2008, com a orientação do Prof. Jorge Oseki, intitulado Formação profissional na Construção Civil, que, à época dizia: “a hipótese que lançamos é a de que uma abordagem da formação dos profissionais da construção civil pode nos abrir um amplo campo de estudo nos revelando importantes características acerca do meio de trabalho do arquiteto e urbanista e sua inserção / função social”.
O método de trabalho consistia: a partir da escolha de um edifício em obras, com características para tanto, seriam abordados os profissionais que participavam da construção. A idéia era entrevistar de arquitetos a engenheiros, e ngenheiros, de pintores a seguranças, de mestres de obras a proprietários da construtora com o interesse de investigar a trajetória de formação de cada 33
Como método redutor de análise faz-se necessária a realização de um recorte nos profissionais do planejamento da construção, elencando como representante deste grupo, o arquiteto e urbanista, mas sabe-se que, de fato, é formado por engenheiros, técnicos de edificação, calculistas, desenhistas, mestres de obra, administradores, compradores, apontadores... 34 Também como método redutor de análise faz-se necessária a realização de um recorte nos profissionais da execução da construção, elencando como representante deste grupo, o pedreiro, apesar de se saber formado por pintores, armadores, eletricistas, encanadores, serventes, carregadores, marceneiros, tratoristas, carpinteiros, azulejistas, gesseiros... 35 Há ainda outra especificidade deste estudo de caso que será apresentado mais adiante. É a característica dos educandos, que são camponeses e ainda ao construírem as edificações o fazem sem produzir mercadorias (nos termos marxistas), pois são eles mesmos proprietários dos meios de produção, daí, a alienação destes termos é também trabalhada de forma diversa.
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um. Por exemplo, esperava-se (segundo hipóteses de um senso comum) ouvir de um engenheiro que teria estudado em escolas particulares em toda sua vida, e chegado à universidade pública e que ali teria aprendido a calcular, quantificar, realizar cronogramas de obra, mas não teria aprendido a guiar uma grua. Ou ainda, um mestre de obras que teria estudado por toda sua vida em escolas públicas, originalmente nascido em outro estado e teria estudado no SENAI após quinze anos de prática na construção civil, tendo trabalhado em diversas empresas, e não tem conhecimentos para manejo de uma planilha de materiais em um computador. Procurava à época registrar os caminhos de alguns profissionais, a buscar compreender melhor os processos de formação que levavam às práticas alienadas dos profissionais, apartadas pelo trabalho sob o capital para a produção de mercadorias. Ainda, por último, pretendia encontrar formas alternativas de formação profissional que buscassem caminhos outros que a forma hegemonizada pelo capital. Com o falecimento de Jorge, Reginaldo Ronconi toma o lado da orientação dos estudos, sendo daí elaborado um novo projeto, intitulado “Limites ao ‘Trabalho Livre’ na Arquitetura: O papel da formação no processo de alienação dos profissionais da construção civil”. Sendo
que tinha como objetivos: - “Verificar de modo objetivo quais são as dificuldades, problemas e limites existentes nos processos de construção de espaços onde há fomento ao “trabalho livre” para a produção arquitetônica no que se refere à formação dos profissionais da cadeia produtiva da construção civil”.
- “ Melhor compreender a relação do capital e do trabalho na cadeia produtiva da construção civil verificando sua revelação por meio da observação crítica dos processos de apropriação/aprendizado do saber fazer profissional - seja ele formal ou informal – na manutenção/perpetuação da produção e reprodução do espaço-mercadoria”.
- “ Aprofundar o entendimento acerca das estratégias de ensino formal empregados no processo de apropriação/aprendizado da técnica, seja voltado à formação de profissionais de nível superior, como engenheiros e arquitetos; de nível técnico, como mestres de obra ou operadores de maquinário em obras civis; ou de qualificação básica como pedreiros, serralheiros, carpinteiros, armadores, pintores, azulejistas, dentre outros”; - “Buscar melhor compreender como se dá a apropriação de um “saber fazer” da cadeia produtiva da construção civil nos espaços externos às instituições diretamente voltadas ao fim social estrito do ensino profissionalizante. Ou seja, abordar as formas e meios de disseminação da cultura do trabalho para a produção do espaço-mercadoria” e spaço-mercadoria”;;
-“Identificar questões que envolvam a divisão social do trabalho entre dirigentes (desenho) e operadores (canteiro), bem como entre as camadas sociais que compõe a cadeia produtiva, verificando se há “questões de classe” a interferir no processo de construção”;
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-“Verificar a existência de formas alternativas de formação profissional que apontem para a geração de caminhos de superação da oposição capital e trabalho na cadeia produtiva da construção civil.” - “Finalmente, pretendemos com tais estudos melhor compreender o resultado do produto arquitetônico, a cidade, observando os caminhos percorridos pelos que a materializam”.
O método de trabalho à época buscava compreender as questões elencadas por meio de dois ‘estudos de conceito’ e dois ‘estudos de caso’. Os ‘estudos de conceito’ seriam uma abordagem teórica daquilo que compreendíamos como ‘duas formas de produção’, buscando configurar um campo distinto para cada qual, um focado nas construções ‘de mercado’, e outro nas chamadas obras ‘alternativas’ em implementação por movimentos populares através de processos autogestionários. Em cada campo seriam abordados os processos produtivos e espaços de formação específicos, antes da realização das obras e no durante, nos próprios espaços de trabalho. Os estudos de caso abordariam duas obras de construção de conjuntos habitacionais de interesse social em andamento, uma delas ‘de mercado’, operada de forma ‘tradicional’ ‘tradicional’ por uma empreiteira de grande porte, e outra ‘alternativa’, em operação de forma autogestionária, por um movimento popular de luta por moradia. A idéia era de se verificar diferenças entre os percursos de formação profissional pela abordagem dos profissionais atuantes nas duas obras, bem como a formação interna durante os processos de trabalho. De certa forma, o objetivo inicialmente proposto no primeiro projeto, de que “ uma abordagem da formação dos profissionais da construção civil pode nos abrir um amplo campo de estudo nos revelando importantes características acerca do meio de trabalho do arquiteto e urbanista e sua inserção / função social ” foi cumprido durante a realização dos dois primeiros
trabalhos programados (breve revisão bibliográfica e relatos em eventos acadêmicos sobre o tema) e pelo curso das disciplinas na faculdade de arquitetura e urbanismo e na faculdade de educação. No decorrer destas atividades nos foi possível melhor conhecer o tema da formação profissional na construção civil, identificar o problema da alienação mais a fundo e reconhecer sua característica estrutural relacionada à formação profissional. Somente após estas atividades é que se tornou possível a delimitação do foco de pesquisa e a circunscrição da hipótese lançada junto aos três estudos de caso aplicado em trabalho. Os objetivos propostos no segundo projeto, em sua maioria não puderam ser cumpridos pois foram alvo da mudança de foco da pesquisa para junto dos três estudos de caso aplicados. Após o contato com a bibliografia e outras atividades iniciais, como acima mencionado, foi possível concluir que as intenções de estudo eram muito amplas e dispersas. 15
A investigação da formação nos espaços de trabalho através dos dois estudos de caso ‘de mercado’ e ‘alternativo’ mostraram-se sem lastro de aplicação, pois se notou a necessidade de realizar estudos sobre a formação antes da entrada no mundo trabalho, em sua gênese, nas escolas, como viemos mais tarde a perceber e agora estamos a trabalhar. Já a realização do objetivo penúltimo, de “verificar a existência de formas alternativas de formação profissional que apontem para a geração de caminhos de superação da oposição
capital e trabalho na cadeia produtiva da construção civil”, é que nos trouxe para a focalização
da pesquisa em seu estágio atual. Ou seja, a realização deste objetivo se demonstra aplicado na atual fase de pesquisa, tendo nos permitido lançar a busca de verificação da atual hipótese em trabalho: que as práticas pedagógicas dialógicas abordadas contribuem para a ampliação da autonomia, liberdade e conseqüente desalienação dos educandos, potencializando sua inserção
transformadora na prática social da construção do espaço.
3.2. Alterações no projeto de pesquisa com a hipótese das atividades dialógicas de formação profissional junto dos três novos ‘estudos de caso aplicados’ Como direta decorrência das avaliações apresentadas, de critica aplicada aos objetivos inicialmente propostos, soma-se a isso o desdobramento de atividades realizadas no decorrer da pesquisa, que a cada empreita mostrou-se profícua ao redesenho dos estudos de caso e à focalização na hipótese em debate. No decorrer das atividades de pesquisa, três trabalhos em realização junto a espaços de formação profissional mostraram-se coerentes aos estudos de mestrado, sendo após longa análise, inseridos como ‘estudos de caso aplicados’ a plicados’ da pesquisa. O primeiro ‘estudo de caso aplicado’ a plicado’ inserido em nossa pesquisa foi àquele decorrente de um convite a contribuição com a formação de uma “brigada de construtores” a realizar projetos e obras na Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada a 75 km de São Paulo. Ali há a possibilidade da experimentação prática de atividades de formação que integram no próprio trabalho produtivo as ações de obra e projeto. A primeira obra executada, entre maio e dezembro de 2010 foi a reforma de uma antiga casa. Como se tratava de uma nova proposta de forma de trabalho, e por ser um espaço escolar, as atividades, consideradas ‘novas’ passaram a serem concebidas como atividades pedagógicas de formação junto aos educandos envolvidos, ou seja aqueles que se tornaram ao mesmo tempo os projetistas e construtores. Uma vez constituída a brigada, formou-se um coletivo de trabalho, composto por aproximadamente dez pessoas, cada qual com experiências diferentes na cadeia 16
produtiva, o que permitiu a integração horizontal e a troca dos conhecimentos nas atividades de obra e projeto. Fazem parte do coletivo que integrou as atividades da brigada de construção estudantes de graduação e pós-graduação da FAU USP, participantes do projeto de extensão universitária “Formação, Autogestão e Construção no Campo: Diálogos entre a ENFF e FAU USP” 36, com orientação dos professores Érica Yokiko e Reginaldo Ronconi, pelo Laboratório de Culturas Construtivas da FAU USP. No decorrer das atividades de reforma da ‘casa do teto verde’ é que se configurou a possibilidade de sua consideração como um ‘estudo de caso aplicado’, pois coadunava com os princípios da pesquisa a contribuir com questões extremamente interessantes ao tema em trabalho, como se poderá verificar no trabalho programado n°3, onde a experiência é descrita em maiores detalhes. O segundo ‘estudo de caso aplicado’, o Canteiro Experimental da FAU USP, mostrou-se espaço profícuo à pesquisa no decorrer das atividades de ‘estagiário PAE – Programa de Aperfeiçoamento do Ensino’ junto à disciplina AUT-131 Técnicas Alternativas de Construção, ministrada pelos professores Reginaldo Ronconi e Érica Yukiko e contribuição da também mestranda Paula Nóia. O Canteiro Experimental tem como “um dos seus mais significativos objetivos ajudar a (re)encontrar para a formação do arquiteto as importantes ligações entre a idealização e a prática construtiva. Através dos exercícios e da pesquisa, ampliar o conhecimento na área da construção voltado especificamente para os interesses do ensino da arquitetura”.37
Dentre as disciplinas ali ministradas destaca-se a AUT-131, pois é voltada a estudantes em final de curso, e tem como objetivo permitir ao estudante ampliar seus conhecimentos de projeto e execução arquitetônica, conforme se vê em trecho da ementa da disciplina: “São esboçados alguns projetos apoiados na reflexão ocorrida durante as aulas expositivas e dentre eles é feita uma eleição definindo o objeto para desenvolvimento e construção em escala 1:1 no Canteiro Experimental. A técnica construtiva escolhida deve atender as exigências decorrentes do uso da curva e explicitar o vínculo entre a parte teórica e prática da disciplina.Podem ser utilizados materiais como, por exemplo: tijolos de barro, blocos cerâmicos, solos estabilizados, ferro cimento, etc. Há nesse processo a possibilidade de exercitar as técnicas básicas de organização”.38
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O projeto atualmente conta com apoio do fundo de cultura e extensão da USP, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da FUPAM, Fundação para a pesquisa ambiental. 37 Página do canteiro experimental no sitio da FAU USP: http://www.usp.br/fau/cante/index.html 38 Ementa da Disciplina da AUT-131 Técnicas Alternativas de Construção, publicada na página da FAU USP na internet: http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/ementas_aut/index.html
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Com tal forma de trabalho foi possível identificar nas atividades pedagógicas demonstrações de processos de construção do conhecimento que indicam contribuição a uma concepção de prática profissional menos alienada, ao que se refere à materialização do projeto idealizado. Nesta disciplina específica houve a participação de três grupos de sete estudantes, dois professores, um estagiário em arquitetura e urbanismo, técnicos em construção e apoio de uma doutoranda da POLI USP. Os trabalhos tiveram início com a exposição de aulas teóricas sobre processos de solução de problemas, planejamento, pesquisa tecnológica e projeto para posterior ida ao canteiro experimental e a execução dos projetos coletivos. Os objetos e técnicas de trabalho experimental foram: parede de taipa de pilão, piso de argamassa armada e cobertura de ETFE39 sobre arco de madeira laminada pregada. Mostrou-se ainda de extrema importância ao ‘estudo de caso aplicado’ a relação estabelecida entre os estudantes e os técnicos do laboratório, mais especificamente Romerito Ferraz, pedreiro e José Rocha, marceneiro, conhecedores da execução das atividades construtivas. Da mesma forma, o ‘estudo de caso aplicado’ se encontra descrito no trabalho programado nº 3, em anexo. O terceiro ‘estudo de caso aplicado’ a fazer parte da pesquisa se realiza com o convite da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo, através do CEEP – Centro de Educação, Estudos e Pesquisas40 a contribuirmos com a assessoria pedagógica às ações de alteração do Plano Político Pedagógico da escola e das atividades de formação junto aos cursos de alvenaria, hidráulica, pintura, elétrica e decoração de interiores da Escola Municipal de Formação Profissional Madre Celina Polci. As intenções da Secretaria de Educação através da direção e coordenação pedagógica da escola são de modificar os cursos buscando dar-lhes ênfase em ações pedagógicas que contribuam para a formação dos trabalhadores em sua plenitude, não apenas nas práticas específicas de assentamento de tijolos, ou pintura de parede, por exemplo. Por meio das 39
Material novo, utilizado como cobertura, em substituição ao vidro, nunca antes utilizado no Brasil. ETFE: EtlienoTetraFluorEtleno. 40 “O CEEP é uma escola construída co nstruída por trabalhadores com o objetivo de oferecer educação aos próprios trabalhadores. Surgiu Su rgiu vinculado a luta operária, no final dos anos 70, com o objetivo de oferecer uma educação libertadora, contrapondo-se ao modelo de educação para o trabalho predominante no Brasil, que atendia somente ao interesse de empresários. empresários. Seu eixo norteador é educar para o trabalho sem desvincular o conhecimento da ação, oferecendo ao trabalhador uma formação que integra conhecimento técnico, cultura, autonomia e consciência de classe. O CEEP trabalha trabalha em parceria com movimentos sociais e com o poder público público coordenando e executando formações profissionalizantes, de requalificação profissional e de elevação de escolaridade. São ações diversificadas, que atendem a demandas específicas de cada localidade, mas que intentam, de forma geral, uma melhor inserção do trabalhador no mercado de trabalho e na sociedade. Seus projetos atuam não somente na capacitação técnica e na escolarização dos trabalhadores, mas também em sua politização, no conhecimento de seus direitos e na sua possibilidade de mobilização como classe organizada”. (pagina na internet da entidade: www.ceep.org.br)
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atividades de ‘Formação Integral do Ser’ que tem com objetivo geral “ Propiciar a formação integral do indivíduo, através da ampliação de conhecimentos, favorecendo o aprimoramento e/ou desenvolvimento para a conquista da autonomia, promovendo hábitos saudáveis para a vida pessoal, social, cultural e profissional, visando o exercício crítico e ativo ativ o da cidadania”.41
Outras atividades em estudo de realização junto aos educandos é a prática do desenho, que se daria com o objetivo de contribuir para a realização de planos e projetos de arquitetura, não apenas com intenção de contribuir com noções de leitura de plantas, mas principalmente de sua elaboração, com sentido de uma “alfabetização do desenho”. Ao que nos indica atividade que também contribui para a noção de ‘autonomia’ e ‘liberdade’ no trabalho junto aos educandos, e sua desalienação nas práticas profissionais de execução de obras. Outra característica deste ‘estudo de caso aplicado’ que contribui para a pesquisa é a diversidade de cursos que a EMEP Madre Celina Polci oferece, todos de construção civil, o que nos permite verificar o andamento e impacto das novas políticas públicas de formação profissional que tivemos contato no “1° Congresso Internacional de Educação Tecnológica” realizado em Brasília, em dezembro de 2009, objeto do trabalho programado n°2. São ‘cursos livres’, com acesso a qualquer cidadão interessado, apenas cumprindo exigência de se ter cumprido o ensino básico; cursos de formação profissional junto da ‘elevação de escolaridade’, o Proeja Fic42, o Mova e cursos voltados a servidores municipais. Mais detalhes sobre o ‘estudo de caso aplicado’ podem ser observados no trabalho programado n°3, em anexo. No momento em que percebemo-nos intervindo em três processos de formação que contribuíam, cada qual com importante posição no ‘campo da formação profissional da construção civil’, ao fomento de atividades pedagógicas dialógicas, tivemos impressão de que sua apropriação seria mais frutífera que a realização dos estudos de caso propostos no segundo projeto de pesquisa apresentado à FAU USP em 2008. Como já apresentado ao início do presente memorial, os ‘estudos de caso aplicado’ nas escolas de arquitetura e de operários trabalham como ‘espelhos de ação’ inseridos na formação de profissionais que tem como objetivo inicial trabalhar no mercado de produção do espaço. Podemos assim dizer que são ações de resistência, cada qual em um espaço social, com capacidade de contribuição pontual frente à formação hegemônica das escolas. Já o estudo terceiro, na Escola Nacional Florestan Fernandes contribui aos estudos como ‘via de escape alternativa’, onde ações consideradas utópicas na formação profissional hegemônica podem ser experimentadas, pois a escola contribui com a formação de camponeses 41
Plano de Curso, conforme publicado pela Secretaria de Educação do Município de São Bernardo do Campo. Proeja Fic é o “Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e continuada com ensino fundamental que tem por objetivo oferecer educação profissional a jovens e adultos que não tiveram acesso ao ensino fundamental na idade regular”, segundo a página eletrônica do Ministério da Educação. 42
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moradores de assentamentos de reforma agrária. Esta condição também permite o exercício da ação de obra e projeto integrados, em diálogo, mas também sob menores efeitos da alienação resultante da propriedade dos meios de produção, dado que a posse das edificações e benfeitorias nos assentamentos é dos próprios camponeses. Notamos que esta característica presente na Escola Nacional difere de um dos estudos de caso propostos no segundo projeto de pesquisa, o das atividades de formação internas à construtora responsável pelas obras do conjunto habitacional. No decorrer de sua aproximação e da bibliografia43 que lhe diz respeito, verificamos que internamente às empresas de construção há também o fomento às práticas dialógicas de formação, mas com o objetivo de melhor eficiência na produção das moradias, o que geraria economias e conseqüente aumento dos lucros para os proprietários das empresas. Certamente temos aí um viés de pesquisa que se perde com as alterações dos estudos de caso, mas que pode ser retomado ainda em pesquisas futuras. Outro fator característico dos três estudos de caso aplicados que contribui para sua ‘defesa’ é o fato de as atividades pedagógicas estarem organizadas, nos três casos, sob um Plano Político Pedagógico, documento que contribui para a leitura e caracterização do tipo, formato e sentido ideológico de formação das atividades didáticas. Fato que não aconteceria com tamanha objetividade documental se o foco de pesquisa se centrasse nas atividades de formação inseridas no espaço de trabalho, como planejado no segundo projeto de pesquisa, de 2009. Por último, verificamos também, que, para a abordagem da formação profissional no ambiente de trabalho, seria necessária, antes, uma análise das características da formação inserida no sistema educacional. Caminho este, em via de regra, já trilhado pelos profissionais atuantes na produção. Ou seja, sem compreender como se formam os profissionais nas escolas, seria um passo incerto abordar a formação no ambiente de trabalho. Novamente, este certamente é tema a ser abordado em pesquisas futuras. Portanto, diante das avaliações acima esboçadas é que orientador e orientando decidiram deixar de lado os estudos de caso que abordariam a formação profissional focada nos espaços de trabalho em duas obras de conjuntos habitacionais, como proposto no projeto de pesquisa reformulado em 2009. Certamente este processo contribuiu para que tivéssemos então maior segurança em focalizar os estudos apenas nos ‘estudos de caso aplicados’, com um recorte ainda mais específico nas atividades dialógicas de formação profissional, permitindo a formulação da hipótese de que estas contribuem para a ampliação de sua autonomia, liberdade e desalienação, potencializando sua inserção transformadora na prática social da construção do espaço. 43
Especificamente, o trabalho que mais nos suscitou essa compreensão foi o de Lúcia Zanin Shimbo: “Habitação Social, Habitação de Mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro”. São Carlos: Doutorado, EESC/USP, 2010.
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De modo ilustrativo apresentamos abaixo esquema gráfico experimental que resume a nova conformação dos estudos de caso e seu inter-relacionamento ‘espelhado’ e ‘alternativo’ inseridos no campo da formação profissional da construção civil.
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3.3. Trabalhos programados realizados (em anexo) 3.3.1. Breve revisão bibliográfica Pretendeu-se com o referido trabalho programado tomar contato com autores e suas obras bibliográficas que abordam de forma crítica o tema da formação profissional na construção civil. São escritos que tratam da questão do ensino e das profissões, por meio de um método de trabalho que busca desvelar as características reais e materiais de nossa sociedade, marcada pela separação e pelo antagonismo antagonismo das classes sociais. No decorrer das leituras realizadas foi possível compreender melhor que a formação profissional está inserida em um campo em disputa, onde os autores que tomamos contato possuem sim um lado, e um objetivo comum: contribuir com sua crítica, seus pensamentos e idéias, elaboradas através de experiências transformadoras da ordem social estabelecida, para a total socialização do conhecimento, do trabalho e, conseqüentemente, de seus frutos. Como este se trata de um trabalho que alimenta, embasa e estrutura nossos estudos, o fizemos de forma que o processo contribuísse para a construção da dissertação hora em elaboração. Desta forma, no decorrer dec orrer das leituras foi elaborada uma ‘lista de temas transversais’, que organiza idéias presentes nas obras abordadas, de modo à posterior estruturação da dissertação. Foram abordados 14 autores, e 16 obras escolhidas, sendo que dois dos autores foram trabalhados por meio de uma ‘aproximação bibliográfica de seus conceitos’. Estes são Antonio Gramsci e Pierre Bourdieu, pois foram objeto específico de disciplinas na faculdade de educação. Segue listagem listagem dos autores seguidos seguidos de suas obras: Paulo Freire: Educação e Mudança; Pedagogia da Autonomia e Pedagogia do Oprimido. Moacir Gadotti: Concepção dialética da educação – um estudo introdutório. Carmen Sylvia Vidigal Moraes: A socialização da Força de Trabalho: Instrução popular e qualificação profissional no Estado de São Paulo – 1873 a 1934.
Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Juliana Faveline Alves: Apontamentos sobre Escolas Profissionais públicas do Estado de São Paulo: Uma história em Imagens – Álbum fotográfico.
Antonio Gramsci: Anotações bibliográficas e conceituais, disciplina FE USP, EDA – 5032 Antonio Gramsci: A Educação como Hegemonia”, 2° Semestre de 2010. Pierre Bourdieu : Anotações bibliográficas e conceituais, disciplina FE USP, EDF – 5012 Leituras de Pierre Bourdieu , 1° Semestre de 2010.
Cesar Martinell Brunet: Conversas com Gaudí; Gaudí: His Life, His Theories, His Work. 22
Reginaldo Ronconi: Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo.
Fernando César Negrini Minto: A experimentação prática construtiva na formação do arquiteto.
Sérgio Ferro: Arquitetura e Trabalho Livre. Jorge Hajime Oseki: Arquitetura em construção. Minoru Naruto: Repensar a Formação do Arquiteto. Francisco Segnini: A prática profissional do arquiteto em discussão. Airton Cattani: Telemática na qualificação dos trabalhadores: Possibilidades de um site interativo e Formação de operários também é compromisso da Universidade.
3.3.2. Estudos de casos aplicados na formação profissional na construção civil Três espaços de formação para o DIÁLOGO entre obra e projeto O trabalho programado em questão tratou de organizar dados e informações relevantes acerca dos estudos de caso aplicado bem como descreveu de forma narrativa as atividades pedagógicas dialógicas em análise. Segue relação dos estudos de caso aplicado, recordando que os trabalhos programados seguem em anexo para visita completa: I. Canteiro Experimental Antonio Domingos Battaglia – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Atividade pedagógica dialógica: AUT – 131
Técnicas Construtivas Alternativas, disciplina optativa do curso de graduação. II. Escola Municipal de Formação Profissional Madre Celina Polci – Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo. Atividade pedagógica dialógica: Formação Integral do
Ser nos cursos de alvenaria, pintura, elétrica, hidráulica e decoração de interiores. III. Brigada de Construção da Escola Nacional Florestan Fernandes – Projeto de extensão universitária “Formação, autogestão e construção no campo: Diálogos entre a ENFF e a FAU USP. Atividade pedagógica dialógica: reforma da ‘casa do teto verde’ , moradia da brigada permanente da escola.
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4. Disciplinas Cursadas Como parte integrante da pesquisa, como fomento e imprescindível contribuição de método científico, socialização, debates e ampliação de repertórios de informações, conteúdo e crítica, é que foram cursadas as seguintes disciplinas do programa de pós-graduação da USP, a saber, junto de breve descrição e indicação de sua contribuição específica: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo •
‘Metodologia Científica Aplicada a Arquitetura e ao Urbanismo’ , com profs. Julio
Roberto Katinsky e Luiz Américo de Souza Munari: A disciplina trabalhou conceitos de ciência e métodos de pesquisa. Foi importante para nossos estudos, pois contribuiu para a compreensão de que a ciência é um processo, um caminho de construção coletiva do conhecimento fundamentada na colaboração entre pesquisadores, que buscam de modo objetivo e claro a descoberta de novas fronteiras do conhecimento a partir de experiências reais com valor social tratadas de forma crítica. Quanto ao método ficou clara a necessidade nec essidade de realização criteriosa de estudos de caso e de experimentações que, por meio da ‘práxis filosófica’ pudessem ter as hipóteses lançadas uma verificação aplicada. Foi importante momento de aprofundamento crítico ao presente projeto de pesquisa. (aluno regularmente matriculado).
‘Pedagogia Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo’ , com profs. Reginaldo Luiz Nunes Ronconi, Mônica Junqueira de Camargo e Silvio Soares Macedo: A disciplina trabalhou •
princípios, métodos e conteúdos de ensino aplicados às temáticas das escolas de arquitetura e urbanismo, currículos e políticas públicas de formação do profissional arquiteto e urbanista. Foi importante pela verificação dos meios e fins do ensino de arquitetura e suas características quanto ao tema em pesquisa sobre as relações do profissional de projeto com a execução das obras. Tivemos a oportunidade de exercitar a elaboração de disciplinas para educandos da graduação, quando debatemos a importância das relações entre a prática teórica do projeto e a prática material real construtiva, tanto no âmbito da arquitetura como no planejamento urbano. Verificamos daí, em tese, a necessidade de uma relação mediada entre as atividades teóricas e práticas de ensino, de modo a respeitar os tempos de formação e da prática profissional. (aluno regularmente matriculado).
‘Tecnologia da Construção de Paisagens Urbanas e Direitos do Cidadão’ , com prof. Jorge Hajime Hajime Oseki: Trabalhou relações da natureza urbana e o homem, homem, como partes de •
um mesmo sistema, bem como as relações intrínsecas do sistema econômico na produção do 24
espaço sob a ótica do materialismo histórico à partir de textos de Henry Lefebvre e Karl Marx. Foi de importância pois aprofundou a compreensão acerca do Capital, os valores de uso e valor de troca, o processo de produção de mercadorias e a mais valia, ou seja, o trabalho não pago pelos capitalistas. Contribuiu Contribuiu ainda para a compreensão do sentido da alienação na produção do espaço. No decorrer da disciplina foi possível verificar as características da construção coletiva crítica do conhecimento nas relações de diálogo entre os pesquisadores e suas temáticas de trabalho. (aluno ouvinte).
‘A Profissão do Arquiteto: Desafios e Perspectivas’ , com prof. Francisco Segnini Junior: Caracterizou e criticou as práticas profissionais do arquiteto e urbanista a partir de suas •
problemáticas históricas desde as primeiras atividades profissionais enquanto projetistas ligados às elites da antiguidade, quando se destacam como figuras idealizadoras de grandes imagens de dominação das paisagens construídas. Verificamos também as relações das atribuições profissionais aos currículos de formação de arquitetos e urbanistas. Como trabalho final foi elaborado um item embrionário de um capítulo da dissertação, acerca do profissional arquiteto. (aluno especial). Faculdade de Educação
‘Educação e Sociedade no Brasil Contemporâneo’ com prof. Celso de Rui Beisiegel: Inicialmente foi trabalhado o desenvolvimento do sistema público de educação básica a partir da universalização do acesso e a problemática da qualidade x quantidade e o viés das criticas ao •
ensino público como estruturador da ‘escola dual’. Neste olhar verificamos que, enquanto processo, a educação publica básica adquiriu um caráter de formação dos trabalhadores. Em um segundo momento debateu-se a fundo a obra do educador Paulo Freire, suas posturas políticas e práticas pedagógicas de educação para a emancipação e autonomia a partir do diálogo entre educadores e educandos. Contribuiu para deixar mais clara a necessidade do aprendizado do desenho por parte dos trabalhadores da construção civil, com a finalidade da apropriação da faculdade do planejamento e do projeto para permitir um diálogo profícuo entre projetistas e construtores. (aluno regularmente matriculado). •
‘Antônio Gramsci: a educação como hegemonia’ com Profa. Carmen Sylvia Vidigal
Moraes: Contribui para a compreensão do papel do sistema educacional na disputa pela hegemonia das sociedades. Gramsci concebe também que a educação em todos os níveis é um caminho para a construção da hegemonia, apontando sua centralidade no avanço e manutenção de determinada ideologia. Os estudos também permitiram observar os processos históricos das 25
relações entre as classes sociais fundamentais. Ainda, os conceitos de ‘bloco histórico’, ‘hegemonia’, ‘censo comum’, ‘sociedade civil’, ‘sociedade política’, ‘estrutura’ e ‘superestrutura’, foram trabalhados na perspectiva de uma melhor compreensão dos processos de educação e formação em geral, com especial atenção para as relações entre educação e trabalho. Apontou ainda saídas e alternativas com os exemplos das comissões e conselhos de fábrica existentes na Itália, à época de Gramsci. (aluno regularmente matriculado).
‘Uma Leitura de Pierre Bourdieu’ com profa. Maria da Graça Setton: Mostrou-se de importância para a presente pesquisa pois foi realizada leitura extensa de sua obra, com um primeiro objetivo da ampliação do entendimento do filósofo, mais além de seu escrito mais •
conhecido sobre o ‘reprodutivismo’ da educação. Buscou-se, daí, a compreensão de que a educação, para Bourdieu, é um espaço em constante disputa, não determinado, sendo que nele há também a possibilidade da formação para a criação de uma consciência crítica acerca das condições sociais do capitalismo. O trabalho dos conceitos de ‘capital social’, ‘habitus’, ‘campo’, ‘espaço social’ e ‘distinção’ são de extrema importância enquanto arcabouço teórico de método para o presente estudo. Ainda, pode-se destacar a elaboração de uma proposta de leitura dos conhecimentos necessários ao trabalho na construção civil segundo a verificação da qualidade do ‘capital instrumental’ apropriado pelo profissional, eixo de organização do espaço social para o desenho do ‘campo’ da formação profissional da construção civil. (aluno regularmente matriculado).
5. Redação inicial do capitulo primeiro da dissertação: Capitulo 1: Abordagem inicial de termos em trabalho
“Em substituição da antiga sociedade burguesa, com as suas classes e os seus antagonismos de classe, surgirá uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos”
(MARX, C. e ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. 1872).
Pretendemos no presente capítulo dar início à organização de termos que consideramos centrais para a pesquisa em dissertação. Trata-se de uma aproximação primeira e breve, 26
realizada sobre autores que antes já os abordaram em profundidade. Desta forma, com a idéia de seu ‘estado da arte’, podemos, a partir daí, quiçá acrescentar-lhes algo, a fim de continuar o processo de ampliação, ainda que aqui extremamente modesta, do conhecimento. De início, um termo que esteve muito presente nas atividades diversas de pesquisa, tais como leituras bibliográficas, acompanhamento de debates, notícias, visitas a documentos públicos, bem como nas intervenções realizadas nos estudos de caso foi o termo alienação. De modo a nos aproximarmos com cautela, vejamos como consta, em nível de senso comum, em dicionários atuais:44 “substantivo feminino – 1. Ato ou efeito de alienar; 2 – cessão de bens; 3 – arroubamento de espírito. Ex: “a alienação perpassa as sociedades”.
Já sua origem etimológica provém do latim: alienare, alienus, que pertence a outro. Assim nos parece razoável dizer que, alienar é logicamente, tornar alheio, ou ‘transferir para outrem o que é seu’. Ou seja, aquilo que é meu, passa, ao ser alienado, não mais meu, mas de outra pessoa. Pode-se ainda dizer então que estar alienado significa estar fora de si, estar tomado por algo exterior, que não seu, que não humano, que não lhe é próprio. Nos filmes de ficção, aqueles provenientes de outros planetas, são ‘aliens’. Ou seja, não é daqui, é estranho. Vejamos também em outros termos, mais ‘técnicos’: Juridicamente alienar significa: “É forma voluntária de perda da propriedade. É o ato pelo qual o titular transfere sua propriedade a outro interessado. Dá-se a alienação de forma voluntária ou compulsória, sendo exemplo de alienação voluntária a dação em pagamento, e de alienação compulsória a arrematação. Ela ainda pode ser a título oneroso ou gratuito,
configurando-se alienação a título oneroso a compra e venda, e a título gratuito a doação. Cumpre ressaltar que a transferência do bem alienado só poderá ocorrer por meio de contrato, isto é, através de negócio jurídico bilateral que expresse a transmissão do bem a outra pessoa”.45
Ainda, na linguagem médica, de saúde, uma pessoa alienada é uma pessoa ‘fora de si’. Para Rousseau “a soberania de um povo é inalienável”. i nalienável”.46 Ou seja, por meio de metalinguagem, para que a presente pesquisa não seja alienada, temos de buscar inseri-la no mundo, ou ainda, fazer com que os estudos, as informações, as questões emanem do mundo, sejam sua expressão. Assim poderemos dizer que a pesquisa está sendo uma forma de expressão da realidade, onde nos inserimos. Avançando mais um pouco, a noção de ‘estar na realidade’ pode ser compreendida pelo tratamento de Platão a esta noção, na República, livro VII, mais especificamente no ‘mito da
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Dicionário ‘on-line’: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. http://www.priberam.pt/DLPO/ Arts. 86, 445, 481 a 532 e 1.275, inciso I e parágrafo único do CC; Arts. 42, 475-O, III, 593, 615-A, § 3º, 619, 655B e 685-C do CPC. (pagina na internet: internet: http://www.direitonet.com.br/dicionario/) 46 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau 45
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caverna’47. Trata-se do diálogo entre Sócrates e Glauco, a tratar de uma parábola, onde prisioneiros presos em uma caverna vêem apenas imagens projetadas nas paredes desta caverna. Estas imagens são apenas reflexos do mundo real, mas que os homens mergulhados na caverna crêem ser a realidade. Ali Platão estava tratando da compreensão sobre o pensamento humano, em busca de um pensamento que se debruçasse sobre a realidade, ou, um ‘pensamento verdadeiro’. Era a busca pelas ‘idéias verdadeiras’. O mito da caverna é a metáfora disso, que para atingir a visão da luz do mundo real era necessário pensar, de modo a buscar a realidade, caminho árduo, pois primeiro há de se soltar das amarras e depois escalar até o topo da caverna. As imagens da caverna não eram reais, eram aparências, não era a vida, daí, eram imagens de um mundo exterior. Ou, outro mundo. De certa forma, aproxima-se Platão da noção de alienação do mundo, dada a visão que se tinha de dentro da caverna não ser real, mas um reflexo. Para se ver o real, se desalienar, deverse-ia ‘filosofar’, pensar e refletir. É interessante ainda mencionar a recordação de uma fala de Jorge Oseki, em 2005, ao colocar-se em banca de Trabalho Final de Graduação48 de uma colega de curso, sobre a radicalidade de se colocar um banco em uma praça, pois é algo que permite, que convida a pessoa que ali transita a se sentar e com isso colocar-se a pensar, observar a realidade e se por a refletir sobre o mundo. Bem, a partir dessa noção inicial geral sobre o termo, daqui em diante seguimos em diálogo com Marx, segundo sua abordagem de alienação nos Manuscritos EconômicoFilosóficos, de 1844, especificamente com o primeiro manuscrito. Reiteramos ainda que a relação49 com as idéias de Marx se dá aqui pela forma dialógica, não dogmática, ou ainda, não alienada !
Marx inicia sua exposição tecendo criticas c riticas a economia política, que segundo suas próprias leis não busca explicações sobre as questões relevantes da sociedade, mas apenas as descreve, as admite, como fatos. “Por isso, temos agora de apreender a ligação real entre todo esse sistema de alienação - propriedade privada, ganância, separação entre trabalho, capital e terra, troca e competição, valor e desvalorização do homem, monopólio e competição - e o sistema do
Filosóficos) dinheiro”. (MARX, C. Manuscritos Econômico – Filosóficos) Para Marx a alienação pode ser compreendida em diversas esferas, que para nossos estudos vamos organizar em quatro grupos, sendo que no decorrer de nossos trabalhos serão 47
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000, pg.46,47. Trabalho final de graduação em arquitetura e urbanismo apresentado à FAU USP em 2005, que propunha o projeto de uma praça, onde no percurso sugerido pelo projeto havia bancos públicos que permitiam ao transeunte ali sentar-se se por bem achar. 49 O contato mais próximo que tivemos com os textos marxianos se deu de forma coletiva, em um grupo de leitura e pesquisa com orientação de Jorge Oseki e Ângela Rocha, e durou em torno de três anos, entre 2004 e 2007, tendo também abordado textos de Henry Lefebvre, sendo daí uma leitura de Marx não dogmática e livre, à luz de Lefebvre. 48
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referenciados e retrabalhados, avançando em sua conceituação, a partir das experiências dos ‘estudos de caso aplicado’. Brevemente, comecemos com o primeiro grupo de idéias sobre a alienação, a primeira
alienação, aquela que trata da separação, da alienação da pessoa produtiva, de um trabalhador de seu objeto de trabalho ao não possuí-lo, ao não ser apropriável pelo trabalhador: “(...) o objeto produzido pelo trabalho, o seu produto , agora se lhe opõe como um ser estranho, como uma força independente do produtor. O produto do trabalho humano é trabalho incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho. A execução do trabalho é simultaneamente sua objetificação. A execução do trabalho aparece na esfera da Economia Política como uma perversão do trabalhador, a objetificação como uma perda e uma servidão ante o objeto, e a apropriação como alienação . (...) Todas essas conseqüências decorrem do fato de o trabalhador ser relacionado com o produto de seu trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que, baseado nesta premissa, quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho tanto mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio. Quanto mais de si mesmo o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta. O trabalhador põe a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém, ao objeto. Quanto maior for sua atividade, portanto, tanto menos ele possuirá. O que está incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele minguará. A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele
deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil”. (MARX, C. Manuscritos
Econômico – Filosóficos) Filosóficos) Nesta ‘alienação primeira’ estão separados, portanto, segundo compreendido a partir de Marx, os trabalhadores dos produtos, que não lhes pertencem. Os objetos estão alienados dos trabalhadores, são, portanto, de outra pessoa, aqui, no caso, o capitalista. Pois, quem vai vendêlo ao mercado é o proprietário dos meios de produção, que na construção civil de mercado é o dono, por exemplo, de uma empreiteira que a utiliza para reprodução de suas riquezas, através do trabalho não pago ao operário da construção civil. Pode-se acrescer ainda a isso, no caso da construção civil, outro fato que impede o trabalhador de possuir o produto de seu trabalho. Depois de edificá-lo, o imóvel dificilmente será de propriedade do trabalhador, pois seu salário o impede de comprar imóveis, seja ele o mais simples, sendo conseguido apenas enquanto exceção, ou apenas diante de subsídios estatais. 29
A ‘segunda alienação’ que se pretende aqui trabalhar é a que pode ser observada no
processo de produção , no ato de produzir algo que lhe é exterior, por meio, caminho que o trabalhador não tem controle sobre, é a alienação do próprio trabalho, trabalho alienado: “(...) Não obstante, a alienação aparece não só como resultado, mas também como processo de produção , dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador
ficar numa relação alienada com o produto de sua atividade se não se alienasse a si mesmo no próprio ato da produção? O produto é, de fato, apenas a síntese da atividade, da produção. Conseqüentemente, se o produto do trabalho é alienação, a própria produção deve ser alienação ativa - a alienação da atividade e a atividade da alienação. A alienação do objeto do
trabalho simplesmente resume a alienação da própria atividade do trabalho”. (MARX, C.
Manuscritos Econômico – Filosóficos) Ademais, se somarmos a isto a noção de heteronomia, como será trabalhada mais adiante, a partir de Sérgio Ferro, teremos daí, ainda, dentro da aqui denominada ‘segunda alienação’ uma somatória de sentidos, como que conjugados, como veremos. Por hora, abordemos as colocações de Marx, a alienação no processo produtivo também pela não propriedade do resultado do trabalho direto, pois como se sabe, o salário não é o pagamento pelo valor do produto produzido, é menos, é apenas o valor necessário para a reprodução de sua força de trabalho. Assim, pouco lhe resta para viver: “A economia Política oculta a alienação na natureza do trabalho por não examinar a relação direta entre o trabalhador (trabalho) e a produção. Por certo, o trabalho humano
produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador. Ele produz palácios, porém choupanas é o que toca ao trabalhador. Ele produz beleza, porém para o trabalhador só fealdade. Ele substitui o trabalho humano por maquinas, mas atira alguns dos trabalhadores a um gênero bárbaro de trabalho e converte outros em máquinas. Ele produz inteligência, porém também estupidez e cretinice para os trabalhadores”. “(...) a relação do trabalho como o ato de produção dentro do trabalho. Essa é a relação do trabalhador com sua própria atividade humana como algo estranho e não pertencente a ele passividade), vigor como impotência, criação como mesmo, atividade como sofrimento ( passividade
emasculação, a energia física e mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é a vida senão atividade?) como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele e não auto-alienação , ao contrário da acima mencionada alienação do pertencente a ele. Isso é auto-alienação
objeto. (MARX, C. Manuscritos Econômico – Filosóficos) Filosóficos)
Destacamos as colocações ‘passividade’ , , ‘independente dele’, e ‘auto-alienação’. Marx coloca ainda que o ato de se alienar é ativo, pois quem vai ao capitalista oferecer sua força de trabalho, é o trabalhador. Daí, a alienação do trabalhador é pratica, mas ao mesmo tempo passiva, como vimos acima, pois o trabalhador concede a direção, o comando de seu trabalho a 30
outro, que segue ordens do capitalista, que no caso da construção civil, são os gerenciadores da produção, onde se incluem os engenheiros e arquitetos. Ao mesmo tempo, segundo Marx, o capitalista também está alienado, mas condicionado a alienação de forma teórica. Isso permite avançar na presença da alienação no conceito de heteronomia sob o trabalho do arquiteto, que se acredita estar ao lado do capitalista, a projetar a
produção, de forma ainda também teórica, condicionada. Ainda que não seja proprietário dos meios de produção, trabalha dentro do corpo organizacional, ao lado do capitalista, até por uma questão de classe. A caracterização proposta para a ‘terceira alienação’ também parte de conceito marxiano, presente no mesmo texto, Manuscritos Econômico-Filosóficos, onde nos é apresentada a idéia da alienação ampliada do trabalho, onde o trabalhador se aliena da
sociedade, da espécie humana, ao centrar sua sobrevivência em um trabalho que independe da sobrevivência das outras pessoas. O trabalho torna-se uma busca individual para suprir necessidades outras que não o próprio trabalho. Daí, o trabalho, em si, não é especificamente necessário ao trabalhador (o pedreiro não precisa para si erguer milhares de metros quadrados de parede), é um meio para se atingir outras coisas: “(...) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada. Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física. A vida produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a atividade livre, consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida assemelha-se somente a um meio de
Filosóficos) vida”. (MARX, C. Manuscritos Econômico – Filosóficos) Essa compartimentalização da vida, de modo a cada ação produtiva se tornar independente, seja ela feita por médico, engenheiro, armador, pescador... Coloca os homens fora da vida comum, social, da espécie humana, os especializando de forma estanque, individual. De certa forma esse movimento assemelha-se a critica feita à departamentalização do conhecimento, nas profissões, na universidade, no ensino. Propomos assim somar a esta
alienação terceira as críticas de Minoru Naruto50, professor da FAU USP, que aponta a separação e fragmentação do conhecimento como algo a ser enfrentado na questão da formação profissional do arquiteto, bem como também veremos, na critica dos professores de construção 50
NARUTO, Minoru. Repensar a Formação do Arquiteto. São Paulo, Tese de Doutorado FAU USP, 2006.
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na escola de formação de trabalhadores que estudaremos. Mais adiante retomamos a questão, mas deixamos já aqui demonstração do ‘agrupamento’ de alienações que propomos, a se organizar em grupos, por tipo, forma de operação. Observando-se brevemente, assim como coloca Marx, a falta da apropriação do trabalho, ou seja, da propriedade, atravessa as três alienações, sendo daí estrutural. Ou seja, para a desalienação do trabalho torna-se necessária a abordagem da ‘questão da propriedade’, termo que trabalharemos junto ao estudo de caso realizado junto à Escola Nacional Florestan Fernandes. Notadamente, a divergência (dentre tantas outras) que existia entre Hegel51 e Marx, ao que se refere ao tratamento da alienação era que para Marx a alienação era estruturada exatamente sobre a propriedade, base material da existência. Daí, se ‘atacada’ apenas nos termos da consciência, ou seja, contribuir apenas para que tenhamos noção de nossa alienação, não faz, para Marx, sentido. Voltaremos Voltaremos a este debate no decorrer de nossos trabalhos. Agora passemos a iniciar um dialogo direto com Sérgio Ferro, a compor com os termos da alienação, somando-se a eles a noção de heteronomia na construção civil: “(...) a forma manufatureira atual da produção do objeto arquitetônico. Convém resumir, para o que nos interessa neste momento, que é um processo descontinuo, heterogêneo, heterônomo , no qual a totalização do trabalhador coletivo, sua raiz, vem inevitavelmente de
fora, do lado do proprietário dos meios de produção. Sem essa totalização, nas condições dominantes de esfarelamento e acefalia impostas à produção, não há produto – e mercadoria, portanto”. (FERRO, Sérgio. O Canteiro e o desenho, 1976, In:2006, p.106).
Sérgio, como se vê, assim como Marx, coloca o caráter de separação entre trabalhador e o proprietário dos meios de produção, colocando-o fora do processo, separado, com controle exterior, a ponto de apontar ser esta condição de heteronomia a possibilidade da apropriação da construção civil pelo capital: c apital: “Para nós, não há dúvida possível, é por que o canteiro deve ser heterônomo sob o capital que o desenho existe, chega pronto de fora. O desenho é uma das corporificações da heteronomia do canteiro. Ou, para dizer a mesma coisa mais claramente: o desenho de
arquitetura é caminho obrigatório para a extração de mais valia e não pode ser separado de
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De modo sintético: na fenomenologia do espírito Hegel trata da alienação através do embate entre servo e senhor, um obriga o outro, mas com o tempo o senhor não sabe fazer mais nada, pois quem faz é o servo: ele se descobre dependente do escravo. De certa forma, o escravo conhecendo a natureza, recupera de certa forma a liberdade. O trabalho surge então como a expressão da liberdade conquistada. Com isso, segundo Marx, ao privilegiar a consciência, Hegel perde a materialidade do trabalho (ou seja, de nada adianta ter-se a consciência da liberdade). Marx retoma isso, mas critica a visão otimista do trabalho. Pois a intenção do trabalho é estranha ao trabalhador, não mais lhe pertencendo. (referencia: aulas pela internet, via ‘You Tube’, prof. Thiago Menta http://www.youtube.com /user/tiagomenta?feature=chclk.
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qualquer outro desenho da produção”. (FERRO, Sérgio. O Canteiro e o desenho, 1976,
In:2006, p.106). Vejamos como coloca Sérgio a heteronomia na produção do espaço arquitetônico, agora com cuidado outro: “ Heteronomia: ‘condição de pessoa ou de grupo que receba de um elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho à razão, a lei a que se deve submeter’. 52 Não inclui lei escolhida e assumida, razão própria: é determinado por ausentes que, de algum ponto da seqüência de heteronomias, impõem a cada um o movimento separado. Diminuída a distância, perdida a imagem de concatenação endógena, o movimento mostra que é movimento de quase ensimesmados teleguiados, desenha uma espiral cujo nó interior é a solidão pendurada a uma vontade distante. Incoerentemente, ainda dessa distância menor, a ação conta passividade. O
objeto à procura de corpo, o modo e a cadência de sua incorporação são dados como que celestes, despejados das alturas dos artistas, dos proprietários, dos sábios. Como barra, interpõe-se entre operário e operário, entre equipe e equipe, entre sujeito e sua força de trabalho. Como cadeia, ceifam o impulso nem bem esboçado ou já desistido de nascer, retendo somente o programado ato – assim falho”. (FERRO, Sérgio. O Canteiro e o desenho, 1976,
In:2006, p.117). Bem, nos parece claro o suficiente. A condição de heteronomia se insere no segundo grupo das alienações, que denominamos ‘segunda alienação’ pois é algo que se expressa, aparece, como forma de relação inserida no processo produtivo. É uma relação, esta heterônoma, interna à produção da arquitetura estabelecida entre projeto e obra. Sendo aqui os projetistas, os ‘artistas, dos proprietários, dos sábios’. Partirmos agora para outro termo, que também muito será abordado na presente dissertação. Trata-se do termo que expressa a idéia do trabalho livre. Identificamos Identificamos que Marx o aborda, bem como Sérgio Ferro e um sem-número de pensadores libertários. Por hora, vejamos onde aparece em Marx, junto da conceituação da alienação, ainda nos mesmos manuscritos filosóficos: “ A vida produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a atividade livre , , consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida assemelha-se somente a um meio de vida”. (MARX, C. Manuscritos Econômico – Filosóficos) Filosóficos)
Parece-nos que a ‘atividade livre’ mencionada coaduna com a idéia de trabalho livre, que estamos nos referindo, certamente diferente da idéia de ‘trabalho livre’ liberal, quando a caracterizar o trabalho dos ‘homens livres’ com o termino da escravidão formal.
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Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da língua portuguesa, São Paulo: ENF, 1975; In: FERRO, Sérgio.
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Dialogando entre termos, parece ser possível a compreensão de que o trabalho livre seria o trabalho não alienado, e, portanto, autônomo, tendo como autonomia o inverso da heteronomia ajustada à segunda alienação, como vimos.
Vejamos o que nos diz Sérgio Ferro: “Pela milésima vez: arte é manifestação de alegria no trabalho. Para que esta alegria seja autêntica, o trabalho tem que ser livre . Se for realmente livre, autônomo , o trabalho terá em si mesmo todas as razões para ser o que é, sem depender de nada exterior, é o necessário”.(FERRO, Sérgio. 2006, p.429).
Em publicação recente, intitulada “Arquitetura e Trabalho Livre”, Ferro anuncia: “E o que é o trabalho livre? Nada a ver com arbitrariedade, improvisação ou preguiça. O trabalho é livre quando realiza o melhor possível em dada situação, o melhor do ofício, o melhor objetivamente escrito no material, o melhor projeto social. A liberdade, ensina Hegel, não se opõe à necessidade: ambas consistem em ter todas as razões para serem o que são em si mesmas. A verdadeira autonomia é intrinsecamente racional” (FERRO, Sérgio. 2006,
contracapa). Há ainda a leitura, mais ampla e diversa de que o trabalho livre seria o trabalho na sociedade livre de classes, livre do capital, como aponta a epígrafe, trecho do Manifesto do Partido Comunista: o ‘livre desenvolvimento’. Como se vê o debate é amplo, qual poderá ser empreendido nas páginas seguintes, no decorrer dos estudos de caso aplicado, com maior presença naquele realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes, espaço que permite experimentações nesse sentido, à luz da colocação de Sérgio Ferro sobre a experimentação do trabalho livre na arquitetura: “É claro que nosso desenho não é ainda o apropriado para outras relações de produção. O que justifica, o trabalhador coletivo livre , fundamento destas outras relações, ainda está por vir; E não há como antecipá-lo sem cair nos mesmos impasses das vanguardas modernistas prospectivas que criticamos antes. Só nos bolsões que os novos movimentos sociais (dos semterra e sem-teto) começam a abrir na rede do sistema podemos esperar que se esboce”
(FERRO, Sérgio. 2006, p.428) Como bem colocado, sem devaneios, tratamos aqui, de um esboço.
Por fim, encerramos aqui os registros preliminares sobre termos que vamos trabalhar e debater para quiçá, avançar. Antes, é necessária a abordagem do termo em processo, em trabalho, do termo que se insere nos objetivos da presente pesquisa, o dialogo, por meio de colocação de Paulo Freire: “O diálogo é esse encontro dos homens [e mulheres], mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu. (...) Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a ‘pronuncia’ do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito.
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É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue. (...) Por isso o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro , nem tampouco tornar-se simples trocas de idéias a serem consumidas pelos permutantes”.(FREIRE, P. 1970, p.79).
Ou seja, ‘conversa’, ‘ação’ e ‘paciência histórica’: “A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo corajoso com as massas. (...) A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais revolução será”. (FREIRE, P. 1970, p.125).
PS: Com a finalização da escritura do presente capítulo é que nos ficou clara a necessidade de sua inserção na dissertação não como primeiro capítulo, mas logo após a apresentação dos estudos de caso aplicado. Pois o processo de pesquisa assim se deu: deparamo-nos e interagimos interagimos com a realidade (os estudos de casos aplicados) e passamos daí, no durante das intervenções a refletir sobre eles, quando buscamos na bibliografia existente termos que contribuíam para sua compreensão teórica, e mais acertada intervenção. Portanto, a bem da verdade, este não é o primeiro capítulo, mas o segundo. E, segundo a estrutura a seguir apresentada, ficaria o item 4.1. sendo o primeiro capitulo.
6. Estrutura geral da Dissertação Agradecimentos – a aqueles que temos de agradecer a gradecer Dedicatória – a aqueles a quem dedicamos esse trabalho Índice Resumo / Abstract Breve colocação do tema, objetivos, método, estudos de caso aplicado abordados e resultados obtidos. 35
Apresentação Colocar de modo breve a composição do conteúdo dos capítulos e o método para sua abordagem. Ou seja, a colocar para o leitor uma sugestão de apropriação dos temas, a mostrar o caminho para que seja percorrido
Introdução Pertinência da pesquisa e trajetória do pesquisador A pesquisa: objeto, objetivos e hipótese, método
Capitulo 1: Abordagem inicial de termos em trabalho Alienação, heteronomia, trabalho livre e diálogo
Capitulo 2: A Formação Profissional e a Construção Civil 2.1. O processo histórico ‘da vida nas aldeias ao renascimento’ 2.2. A disputa pela hegemonia na Formação Profissional nos séculos XX e XXI 2.2.1. O conceito de hegemonia em Gramsci e o ensino 2.2.2. A ‘escola dual’ no Brasil 2.2.3. A formação de arquitetos e urbanistas 2.2.4. A formação de operários da construção civil
Capitulo 3: Parâmetros de análise da presença do diálogo 3.1. Campo da Formação Profissional da Construção Civil e o ‘Capital instrumental’: Construção do ‘Campo’ a partir de um desenho de espacialização das instituições de ensino profissional em disputa no ‘espaço social’ segundo dois eixos, o do ‘capital econômico’ e do ‘capital instrumental’, que mede a capacidade de alavanca financeira a partir das atividades profissionais realizáveis com o conhecimento de manejo dos instrumentos de trabalho. 3.2. Ações pedagógicas dialógicas: Apresentação dos parâmetros de avaliação das atividades pedagógicas a contribuir para o diálogo entre os profissionais: 1.Contribuição para a compreensão das linguagens (desenho-representação e ações práticas) utilizadas pelos diferentes profissionais nos dois planos de ação. Cada plano de 36
ação possui uma diferente cultura de comunicação, com termos próprios e significados próprios. Para que o diálogo possa ocorrer faz-se necessária a compreensão da fala do outro profissional. 2. Contribuição para o reconhecimento do trabalho do profissional que realiza atividades em diferentes planos de ação. Para que possa haver diálogo é necessário o reconhecimento de que todas as atividades presentes nas diferentes etapas de projeto e obra são de igual importância. 3. Contribuição para o conhecimento objetivo das práticas de manejo dos instrumentos
de trabalho dos outros profissionais . Para que possa haver diálogo sobre questões práticas de trabalho é necessário que os profissionais tenham conhecimento sobre como se realizam as atividades dos outros para que possam compreender as dificuldades, limites e barreiras de esforço físico, de método e de duração de tempo. 4. Contribuição para uma postura de abertura para o diálogo, a partir da assunção de que o outro profissional também tem o direito à fala, independentemente independentemente no plano de ação que atue. Trata-se de uma predisposição e um desejo para que esses diálogos ocorram, que interferências e sugestões sejam necessárias (projeto aberto), pois o sentido de ‘mão dupla’ nas relações entre os planos de ação, tendem a contribuir para uma melhor qualidade e eficiência da produção, e por conseqüência para seu barateamento global. global. 5. Contribuição para a ampliação do repertório cultural entre os diferentes profissionais, como por exemplo o significado do assentamento de uma peça de azulejos de maior ou menor dimensão, o sentido de sua melhor aplicação para maior criatividade e controle de ação do profissional; ou o significado dos pilotis para a arquitetura moderna, indicam um caminho de estreitamento dos sentidos e razões para a realização da obra coletiva, passo para a desalienação das atividades parcelares da cadeia produtiva. 6. Contribuição para um estado de organicidade entre os profissionais dos dois planos de ação, no sentido de permitir que possuam o máximo conhecimento possível do todo do produto final da obra e de suas etapas produtivas. Esta é uma contribuição importante para a desalienação dos profissionais como um todo, de engenheiros a pintores, pedreiros a arquitetos. 7. Contribuição para a polivalência dos profissionais, através da rotatividade de funções entre os planos de ação, como contribuição a universalização dos conhecimentos e conseqüente desespecialização vertical das atividades, como contribuição para o diálogo entre profissionais, tornando-se mais conhecedores do todo da obra em produção, mas ainda atuantes em parcela de trabalho especializado.
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Capítulo 4: Os três ‘estudos de caso aplicado’ em debate 4.1. Apresentação de dados e informações sobre os três estudos de caso aplicado: o Canteiro Experimental na FAU USP, as atividades de “Formação Integral do Ser” da EMEP Madre Celina Polci e brigada de construção da Escola Escola Nacional Florestan Florestan Fernandes, junto de breve relato narrativo das experiências. 4.2. Debate estruturado pelos ‘temas transversais’ aos três estudos, integrando idéias de autores presentes na bibliografia fundamental, reflexões acerca dos processos decorridos nos estudos de caso e trechos das entrevistas com os educandos egressos das atividades pedagógicas dialógicas.
Capítulo 5: Conclusões Reflexão sobre o processo da pesquisa, encontrando e ressaltando comprovações das hipóteses, bem como da leitura das questões originais e a percepção de outras, descobertas durante a pesquisa.
Anexos Apresentação na íntegra as entrevistas realizadas com educandos egressos das atividades pedagógicas dialógicas dos três ‘estudos de caso c aso aplicado’.
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7. Cronograma das atividades de pesquisa 2011
Agosto – banca de qualificação Setembro – segunda parte da revisão bibliográfica Outubro – entrevistas com egressos das atividades pedagógicas dialógicas Novembro e dezembro – escritura preliminar da dissertação 2012
Janeiro e fevereiro – redação final da dissertação Março – depósito da dissertação Abril – banca de defesa
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