Universidade Estadual do Oeste do Paraná Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas Curso de Engenharia Civil
Disciplina de Transportes Introdução à Mecânica da Locomoção do Avião
Prof. Carlos Prado Júnior
Cascavel – Paraná 2002
Universidade Est adual d o Oeste do Paraná Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas Cur so de Engenh aria Civi l
Disciplina de Transportes Prof. Carl os Prado Júnior Notas de Aula I nt rodu ção à Mecânica da Locomoção do Avião 1
I ntrodução
O avião é um veículo que via graças à força de sustentação obtida pelo efeito dinâmico das asas sobe o ar, ou seja, pela ação mútua de forças entre o ar, fluído e o avião, corpo em movimento. Um avião é composto essencialmente: asas (fixas) que geram as forças de sustentação para o vôo; superfícies móveis (elerões, profundores, elevadores, lemes, flapes etc.) para controlar a altitude da aeronave; sistema propulsor para fornecer tração ou empuxo necessário ao deslocamento no ar e fuselagem que é o corpo que liga estruturalmente as outras partes do avião e abriga a tripulação, carga, passageiros, sistemas de controle, instrumentos e sistema de trem de pouso. 1. Nomenclatura:
São apresentadas na Figura 1 as denominações das principais partes e características do avião, da asa e do trem de pouso. 2. Noções de mecâni ca de vôo:
Um corpo imerso num fluido em escoamento sofre tanto a ação de forças normais à sua superfície (de pressão), bem com de forças tangenciais (de atrito). A força resultante depende das características do escoamento, da forma do corpo e da sua posição em relação ao escoamento. Costuma-se dividi-la em duas componentes (admitindo-se que não exista força lateral): Sustentação: atua em direção ortogonal à da velocidade (velocidade aerodinâmica); Arrasto: atua em direção paralela à velocidade. §
§
A sustentação é a força que sustenta o avião em vôo, contrariando o seu peso. Já o arrasto é uma resistência aerodinâmica que tem que ser vencida pela tração dos motores. No caso de vôo descendente, a sustentação deverá ser vencida pela componente do peso. Tanto a sustentação quanto o arrasto são, por definição, forças produzidas pela ação dinâmica, não compreendendo, portanto as forças devidas ao empuxo estático. 1
Notas de aula produzidas com base na apostila do Prof. Manoel Henrique Alba Soria. Prof. Associado da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.
As partes dos aviões destinadas a produzir sustentação (mas que geram também arrasto) como as asas, estabilizadores, hélices e outras, são chamadas genericamente de aerofólios. Têm forma achatada, alongada e perfil (seção transversal) típica. Na Figura 2 é representado um aerofólio de em perfil e as forças de contato que atuam sobre a sua superfície: §
§
Forças normais de pressão em relação à pressão o escoamento livre; Forças tangenciais de atrito e cisalhamento da camada do ar.
As forças de pressão são devidas às diferenças de velocidade no dorso e ventre do aerofólio: no dorso (superfície acima) a velocidade de escoamento é maior que a do escoamento livre aparecendo, portanto uma pressão “negativa”. Analogamente, no ventre (superfície abaixo) a velocidade de escoamento é menor que a do escoamento livre, gerando uma pressão “positiva”. Essa conclusão é derivada diretamente da equação de Bernoulli. Tanto a pressão negativa no dorso como a pressão positiva no ventre são responsáveis pela força de sustentação e por parte da força de arrasto (arrasto de pressão ou de forma). As forças tangenciais aparecem devido ao escoamento do ar em contato com o aerofólio. O ar incidindo tangencialmente ao corpo sofre uma desaceleração na região do contato fazendo aparecer uma força. Os vetores paralelos à superfície do aerofólio representam as forças de atrito por unidade de área que agem essencialmente na direção paralela ao escoamento. Estas forças são responsáveis pela maior parte da força de arrasto (arrasto de atrito). Do ponto de vista do intercâmbio de impulsos, desde que o ar exerce na asa do avião, uma força (resultante) para cima, deve a asa provocar um efeito igual e contrário no ar. Isso se dá pela modificação das condições de escoamento que ocorre atrás da asa: ocorre uma aceleração da massa de ar, na forma de mudança da direção e velocidade original do escoamento. A direção do escoamento logo após a passagem pelo bordo de fuga é caracterizada pelo ângulo de downwash . 2.1.
Element os do aerofólio e do seu perfi l:
Tomando-se como exemplo as asas de um avião em vôo, isto é, submetido ao escoamento do ar, podem ser definidas as seguintes grandezas associadas à forma do aerofólio e ao fenômeno do vôo: Velocidade aerodinâmica: é a velocidade do escoamento do ar em relação ao aerofólio, fora da zona de perturbação por ele causada; Corda geométrica: linha de referência do perfil. Medida da largura do aerofólio; Ângulo de taque: ângulo entre a corda geométrica e a representação da direção da velocidade aerodinâmica; Área de superfície alar: é a área em projeção no plano (a rigor o conjunto das §
§
§
§
cordas não forma um plano devido às torções e ângulo diedro das asas) das cordas, que é usado como referência;
§
Alongamento: é uma medida da forma do aerofólio no plano das cordas. É dado por: A =
§
(envergadur a )2 sup erfíciealar
ou, para asa retangular A =
(envergadur a )2 corda
;
Perfil: é a forma da seção transversal do aerofólio na direção do escoamento e em plano perpendicular ao plano das cordas. As características de sustentação e arrasto dependem fundamentalmente do perfil.
Os perfis usados em aeronáutica têm sofrido constantes aperfeiçoamentos. Na Figura 3 temse um perfil de aerofólio com seus principais elementos.
2.2.
Quantif icação das for ças que atu am em um aerofólio:
As forças de sustentação e arrasto podem ser expressas em função da área alar, massa específica do ar, velocidade aerodinâmica e coeficientes adimensionais característicos do perfil, cujos valores dependem do ângulo de ataque. C L = C D = §
§
D qS
L qS
1
, ou seja, L = C L .ρ .V 2 .S 2
1
, ou seja, L = C D .ρ.V 2 .S , onde: 2
CL – coeficiente de sustentação (adimensional); CD – Coeficiente de arrasto (adimensional);
§
L – Sustentação (força); Arrasto (força);
§
q – pressão dinâmica =
§
§
§
§
1 2
.ρ .V 2 ;
S – área de referência; ρ - massa específica do ar (massa/volume); V – velocidade aerodinâmica (velocidade).
No sistema MKS Técnico, temos: D, L em kgf; S em m2; V em m/s; -4 2 3 ρ em kgfm .s (UTM/m ). §
§
§
§
No sistema Internacional – SI, temos: §
§
§
§
D, L em N; S em m2; V em m/s; ρ
em kg/m3.
Cada perfil apresenta uma variação característica de C L contra o ângulo de ataque que é válida para determinadas condições de viscosidade e compressibilidade do escoamento, caracterizadas pelos números de Reynolds e de Mach ( M =
V a
- onde: V é a velocidade de
escoamento ou do vôo e a é a velocidade do som). Na prática, trabalha-se com faixas de Rey e M. As curvas características dos perfis são obtidas experimentalmente e podem ainda ser dadas para um determinado alongamento. São geralmente apresentadas em forma de gráficos como os da Figura 4. Pode-se também expressar o coeficiente C D em função de C L, na curva conhecida como “polar” do perfil, da qual tira-se o melhor (maior) valor da relação C L /CD e o respectivo ângulo de ataque. 3. Forças que at uam sobre um avião:
O avião é um veículo que voa graças à força de sustentação obtida pelo efeito dinâmico do ar sobre as asas, ou seja, pela ação mútua de forças entre o ar (fluido) e o avião, que é um corpo em movimento dentro deste fluído.
Na Figura 5, tem-se uma representação simplificada das forças que atuam sobre um avião que tem uma trajetória reta e em nível. Este avião se mantém em vôo através de uma força de sustentação L que contrabalança a força peso G. O arrasto D é a força que resiste ao movimento. Se o avião viaja a uma velocidade constante, o arrasto é contrabalançado pela traça F t, que é gerada pelos motores ou turbinas. Figur a 5. Forças: vôo não acelerado, em plano horizont al.
L Sustentação
T Tração
D Arrasto W Peso
3.1.
Sustentação:
A sustentação é gerada pelo escoamento do ar ao longo da seção transversal das asas (arofólios), como mostrado na Figura 2. A sustentação que é gerada pelo aerofólio é da pela equação: L = C L . §
§
§
§
§
§
3.2.
1 2
ρ .V
2
.S , onde:
L – sustentação (N); CL – coeficiente de sustentação; ρ
- massa específica do ar (kg/m 3);
V – velocidade aerodinâmica (m/s); S – superfície alar (m 2). Obs: note que a velocidade V, na equação, é a velocidade aerodinâmica, que é a soma vetorial da velocidade do vento com a velocidade da aeronave.
Arrasto:
O arrasto é a resistência aerodinâmica, que atua em direção paralela à velocidade, e de sentido contrário ao movimento da aeronave. O arrasto tem duas componentes: uma componente devida ao arrasto gerado pelas asas e outra componente devida ao arrasto gerado pelo restante do avião. A equação do arrasto é dada por:
1 D = C D . .ρ .V 2 .S , onde: 2 §
§
§
§
§
§
D – arrasto (N); CD – coeficiente de arrasto; - massa específica do ar (kg/m 3); V – velocidade aerodinâmica (m/s); ρ
S – superfície de referência (m 2). Obs: a superfície de referência pode ser a área alar (asas), S a, ou a área molhada, Sw, a área do restante da superfície externa da aeronave (fuselagem, empenagem etc.). O coeficiente de arrasto dos aerofólios, C Da, é diferente do coeficiente de arrasto do restante do corpo do avião, C Dw. A expressão para o arrasto total é: D =
3.3.
1 2
.ρ .V 2 .(C Da .S a + C Dw .S w )
Tração:
O grupo propulsor fornece a força para acelerar o avião e mantê-lo em vôo, contrariando o arrasto. Nos motores a pistão, a potência dos motores é dada, tradicionalmente, em hp, nos turbo hélices em hp equivalente; nos turbojatos e turbofans não se costuma especificar a potência das turbinas, mas a tração (força) que elas são capazes de gerar. A potência necessária ao vôo é dada pelo produto entre a força de tração e a velocidade da aeronave. Para um vôo ao longo de uma trajetória em nível e retilínea, temos: P = D.V , onde: §
§
§
§
P – potência (w); D – arrasto total (N); V – velocidade (km/h). Obs: Pode-se expressar a potência em função do arrasto. Como exercício determine a potência em função do arrasto total.
4. Disposit ivos hiper -sustent adores:
As asas da maioria dos aviões são equipadas com dispositivos hiper-sustentadores que lhes permitem modificar seu perfil e aumentar sua área, através do deslocamento de partes dos bordos de fuga e de ataque. Esta capacidade permite ao piloto modificar as características de sustentação e arrasto da aeronave, melhorando a performance do avião no pouso ou na decolagem. Estes dispositivos são chamados genericamente de dispositivos hiper-sustentadores, são os flapes .
slots ou
fendas, os
slats e
os
Os slots e os slats são construídos no bordo de ataque, enquanto que os flapes equipam os bordos de fuga das asas. Existem vários tipos de flapes e slats , que se diferenciam pela forma como se articulam com o perfil básico da asa. Por mais que estes dispositivos dificultem o projeto e construção das asas, o uso é justificado pela melhora de desempenho da aeronave nas operações de pouso e decolagem. Esta melhoria no desempenho é conseguida através da redução da velocidade mínima para pouso ou decolagem o que, por sua vez, implica numa redução do comprimento da pista necessária para estas operações. 5. Exercícios: 5.1.
Calcular as for ças de sustent ação e arrasto de uma asa, de perf il N.A.C.A. 23012 (de acordo com a Figura 4), com área de 30 m 2 deslocando-se a 250 km/ h com ângulo de ataque de 4 o , massa específica do ar na situação (pressão e temperatur a) do vôo igual a 1,00 kg/ m 3 .
5.2.
Uma asa com superf ície alar de 30 m2 e perf il N.A.C.A. 23012 desloca-se à velocidade de 210 km/ h produzindo uma for ça de sustentação de 5000 kgf = 49035 N. A massa específica do ar n as condições de vôo é 0,90 kg / m 3 . Qual o ângulo de ataque e o valor da for ça de arrasto?
5.3.
Um avião bim otor a hélice t em as seguint es características: §
§
§
§
§
§
§
Peso bruto (em vôo) igual a 5000 kgf (49035 N); Superfície alar igual a 30 m 2; Área molhada igual a 140 m 2; Potência útil máxima contínua de cada motor, já incluído o rendimento da hélice, igual a: ao nível do mar 600 hp (447 kw) e a 3000 metros de altitude 420 hp (313 kw); CDw igual a 0,0038; CL igual a 0,30; CDa igual a 0,015.
Pergunta-se: Qual o valor do arrasto da asa? Qual o valor do arrasto total? A potência necessária para vôo em nível? §
§
§
5.4.
Considere um avião com as seguint es características: §
§
§
Sa igual a 120 m 2; Sw igual a 480 m 2; CDa igual a 0,018;
§
CDw igual a 0,0040; CL igual a 0,227; 3 ρ igual a 0,82 kg/m ;
§
ρ
§
G igual a 35.100 N.
§
§
no solo igual a 0,98 kg/m 3
Pergunta-se: §
§
5.5.
Qual a velocidade mínima para que esta aeronave consiga decolar; Qual a potência necessária para que esta aeronave desenvolva a velocidade requerida na decolagem.
Um avião bim ot or possui as seguint es características: §
§
§
§
Sa igual a 28 m 2; Sw igual a 198 m 2; CDa igual a 0,016; CDw igual a 0,0033.
Está voando a 2800 metros de altitude e a 450 km/h, onde
ρ
é igual a 0,99 kg/m 3. Devido a
fatores climáticos o piloto necessitou elevar a aeronave para 4200 metros, onde ρ é igual a 0,86 kg/m3. Pergunta-se: Qual a variação de potência para que o avião possa viajar na atitude de 4.200 §
metros?