Maquinaria Computacional e Inteligência Alan M. Turing Tu ring
1 O jogo da imitação
Proponho-me considerar a pergunta «podem as máquinas pensar?» Devíamos começar por definir o significado dos termos «máquina» e «pensar». É possível enquadrar as definições de modo a reflectir, tanto quanto possível, o uso corrente das palavras, mas esta atitude é perigosa. Se tivermos de descobrir o significado das palavras «máquina» e «pensar» examinando o seu uso corrente é difícil evitar a conclusão de que tem de se procurar o significado e a resposta para a pergunta «podem as máquinas pensar?» num inquérito estatístico como a sondagem de Gallup. Mas isto é absurdo. Em vez de procurar tal definição, vou substituir a esta outra pergunta, que está intimamente relacionada com a primeira e se exprime com palavras relativamente inequívocas. Pode-se descrever a nova forma do problema em termos de um jogo a que chamamos «jogo da imitação». Joga-se com três pessoas, um homem (A), uma mulher (B), e um interrogador (C) que pode ser de um ou outro sexo. O interrogador está numa sala separada de onde estão os outros dois. O objectivo do jogo para o interrogador é determinar qual dos outros dois é o homem e qual é a mulher. O interrogador conhece-os pelas etiquetas X e Y, e no final do jogo afirmará ou «X é A e Y é B» ou «X é B e Y é A». O interrogador pode fazer perguntas a A e a B assim: C: Diga-me, por favor, X, qual é o comprimento do seu cabelo? Suponha-se agora que X é na verdade A, pelo que A terá de responder. O objectivo de A no jogo é tentar fazer que C se engane na identificação. A sua resposta, portanto, poderia ser:
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A: Tenho um corte de cabelo curto, e as madeixas mais compridas têm cerca de vinte e três centímetros. De maneira a que os timbres de voz não ajudem o interrogador, as respostas devem ser escritas, ou melhor ainda, dactilografadas. O cenário ideal é ter um telétipo a comunicar entre ambas as salas. Alternativamente, a questão e as respostas podem ser repetidas por um intermediário. O objectivo do jogo para o terceiro jogador (B) é ajudar o interrogador. A melhor estratégia para ela provavelmente será responder honestamente. Pode acrescentar coisas como «a mulher sou eu, não lhe dês ouvidos!» às suas respostas, mas de nada adiantará, visto que o homem pode fazer comentários semelhantes. Perguntamos agora: «O que acontecerá quando uma máquina toma o lugar de A neste jogo?» Irá o interrogador enganar-se com tanta frequência como quando o jogo é jogado por um homem e uma mulher? Estas perguntas substituem a nossa pergunta original: «podem as máquinas pensar?» 2 Crítica do Novo Problema
Tal como se pergunta: «Qual a resposta à questão nesta nova forma?» pode-se perguntar: «Vale a pena investigar esta nova questão?» Vamos investigar sem demora esta última, abreviando assim uma regressão infinita. O novo problema tem a vantagem de traçar uma linha razoavelmente nítida entre as capacidades físicas e intelectuais de um homem. Nenhum engenheiro ou químico afirma ser capaz de produzir um material que seja indistinguível da pele humana. É possível que isto se possa fazer a dada altura, mas mesmo supondo que esta invenção estivesse disponível sentiríamos que pouco interesse havia em tentar tornar uma «máquina pensante» mais humana revestindo-a com essa carne artificial. A forma em que colocámos o problema reflecte este facto na condição que impede o interrogador de ver ou tocar os outros competidores, ou de ouvir as suas vozes. Pode-se evidenciar algumas outras vantagens do critério proposto com exemplos de pergunta e resposta. Assim:
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A: Tenho um corte de cabelo curto, e as madeixas mais compridas têm cerca de vinte e três centímetros. De maneira a que os timbres de voz não ajudem o interrogador, as respostas devem ser escritas, ou melhor ainda, dactilografadas. O cenário ideal é ter um telétipo a comunicar entre ambas as salas. Alternativamente, a questão e as respostas podem ser repetidas por um intermediário. O objectivo do jogo para o terceiro jogador (B) é ajudar o interrogador. A melhor estratégia para ela provavelmente será responder honestamente. Pode acrescentar coisas como «a mulher sou eu, não lhe dês ouvidos!» às suas respostas, mas de nada adiantará, visto que o homem pode fazer comentários semelhantes. Perguntamos agora: «O que acontecerá quando uma máquina toma o lugar de A neste jogo?» Irá o interrogador enganar-se com tanta frequência como quando o jogo é jogado por um homem e uma mulher? Estas perguntas substituem a nossa pergunta original: «podem as máquinas pensar?» 2 Crítica do Novo Problema
Tal como se pergunta: «Qual a resposta à questão nesta nova forma?» pode-se perguntar: «Vale a pena investigar esta nova questão?» Vamos investigar sem demora esta última, abreviando assim uma regressão infinita. O novo problema tem a vantagem de traçar uma linha razoavelmente nítida entre as capacidades físicas e intelectuais de um homem. Nenhum engenheiro ou químico afirma ser capaz de produzir um material que seja indistinguível da pele humana. É possível que isto se possa fazer a dada altura, mas mesmo supondo que esta invenção estivesse disponível sentiríamos que pouco interesse havia em tentar tornar uma «máquina pensante» mais humana revestindo-a com essa carne artificial. A forma em que colocámos o problema reflecte este facto na condição que impede o interrogador de ver ou tocar os outros competidores, ou de ouvir as suas vozes. Pode-se evidenciar algumas outras vantagens do critério proposto com exemplos de pergunta e resposta. Assim:
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Q: Por favor, escreva-me um soneto acerca de Forth Bridge. A: Não conte comigo para isso. isso. Nunca fui capaz de escrever escrever poesia. Q: Adicione 34957 a 70764 A: (Pausa durante certa de 30 segundos segundos e dá a resposta) resposta) 105621 Q: Joga xadrez? A: Sim. Q: Tenho K em K1 e nenhuma outra peça. Você tem apenas K em K6 e R em R1. É A sua vez de jogar. Qual a sua jogada? A: (Após uma pausa de 15 segundos) segundos) R-R8 mate. O método de pergunta e resposta parece adequado para introduzir quase qualquer um dos campos de empreendimento humano que desejemos incluir. Não queremos penalizar a máquina pela sua inabilidade de brilhar em competições de beleza, nem penalizar um homem por perder numa corrida contra um avião. As condições do nosso jogo tornam irrelevantes estas incapacidades. As «testemunhas» podem gabar-se, se considerarem oportuno, tanto quanto lhes aprouver, dos seus encantos, força ou heroísmo, mas o interrogador não pode exigir demonstrações práticas. Pode-se talvez criticar o jogo alegando que as hipóteses são demasiado desfavoráveis à máquina. Se o homem procurasse fingir ser a máquina, daria evidentemente um mau espectáculo. Denunciar-se-ia imediatamente pela sua lentidão e inexactidão aritmética. Não podem as máquinas levar a cabo algo que se deve descrever como «pensamento» mas que é muito diferente daquilo que um homem faz? Esta é uma objecção bastante forte, mas ao menos podemos afirmar que se se pode, não obstante, conceber uma máquina para ter um desempenho satisfatório no jogo da imitação, não precisamos de nos preocupar com esta objecção. Poder-se-ia insistir que durante o «jogo da imitação» a melhor estratégia que a máquina pode seguir será talvez algo que não a imitação do comportamento de um homem. Talvez sim, mas parece-me improvável que haja qualquer grande efeito deste tipo. Em todo o caso, não há intenção de investigar aqui a teoria do jogo, e pressuporemos que a melhor estratégia é tentar dar as respostas que um homem naturalmente daria.
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3 As máquinas envolvidas no jogo A pergunta que fazemos em §1 não estará completamente definida antes de termos especificado o que queremos dizer com a palavra «máquina». É natural que desejemos permitir que se aplique todo o tipo de técnicas de construção às nossas máquinas. Também desejamos permitir a possibilidade de um engenheiro ou equipa de engenheiros construírem uma máquina que funcione, mas cujo modo de funcionamento não pode ser satisfatoriamente descrito pelos seus construtores, por terem aplicado um método em grande medida experimental. Por fim, desejamos excluir das máquinas homens que nasceram da maneira habitual. É difícil enquadrar as definições de maneira a satisfazer estas três condições. Pode-se insistir, por exemplo, que a equipa de engenheiros deve ser toda do mesmo sexo, mas isto não seria realmente satisfatório, pois provavelmente é possível criar um indivíduo a partir de uma única célula de pele (digamos) de um homem. Fazê-lo seria um feito de engenharia biológica merecedor da mais elevada distinção, mas não estaríamos inclinados a encará-lo como um exemplo de «construção de uma máquina pensante». Isto leva-nos a abandonar a exigência de permitir todo o tipo de técnica. Estamos mais dispostos a fazê-lo tendo em vista o facto de que o presente interesse nas «máquinas pensantes» foi estimulado por um tipo particular de máquina, normalmente denominada «computador electrónico» ou «computador digital». Seguindo esta sugestão, só permitimos que entrem no nosso jogo computadores digitais. Esta restrição parece, à primeira vista, bastante drástica. Tentarei mostrar que não é realmente assim. Para fazer isto é preciso dar uma breve explicação da natureza e propriedades destes computadores. Também se pode afirmar que esta identificação das máquinas com os computadores digitais, como o nosso critério para «pensante», só será insatisfatório se (contrariamente ao que acredito), afinal os computadores digitais forem incapazes de ter um bom desempenho no jogo. Há já uma série de computadores digitais em condições de funcionamento e podese perguntar: «Por que não tentar a experiência de imediato? Seria fácil satisfazer as condições do jogo. Podia-se usar alguns interrogadores e compilar estatísticas para mostrar quão frequentemente se fazia a identificação correcta.» A resposta abreviada é que não estamos a perguntar se todos os computadores digitais se
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sairiam bem ou não no jogo nem se os computadores presentemente disponíveis se sairiam bem ou não, mas se há ou não computadores imagináveis que o pudessem fazer. Mas esta é apenas a resposta abreviada. Veremos esta questão a uma luz diferente, mais tarde.
4 Computadores Digitais
Pode-se explicar a ideia por trás dos computadores digitais afirmando que estas máquinas são concebidas para realizar quaisquer operações que possam ser feitas por um computador humano. O computador humano supostamente segue regras fixas; não tem autoridade para se desviar delas em qualquer detalhe que seja. Podemos supor que estas regras são fornecidas num livro, que é alterado sempre que ele passa a uma nova tarefa. Tem também um fornecimento ilimitado de papel, que usa para fazer os seus cálculos. Pode também fazer multiplicações e adições numa «máquina-secretária», mas isto não é importante. Se usamos a explicação anterior como definição corremos o perigo de cair num argumento circular. Evitamos isto apresentando um esboço dos meios por que se obtém o efeito desejado. Um computador digital pode ser habitualmente encarado como algo que consta de três partes:
1)
Memória.
2)
Unidade executiva.
3)
Controlo.
A memória é um depósito de informação e corresponde ao papel do computador humano quer este seja o papel onde ele faz os seus cálculos ou onde é impresso o seu livro de regras. Na medida em que o computador humano faz cálculos mentalmente, uma parte da memória corresponderá à sua memória. A unidade executiva é a parte que leva a cabo as diversas operações individuais envolvidas num cálculo. O que estas operações individuais são variará de máquina para máquina. Normalmente, pode-se fazer operações bastante extensas tais como: «Multiplicar 3540675445 por 7076345687» mas em algumas máquinas só são possíveis operações muito simples, como «imprime o algarismo “0”».
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Referimos que o «livro das regras» fornecido ao computador é substituído na máquina por uma parte da memória. Passa então a chamar-se «tabela de instruções». Cabe ao controlo garantir que estas instruções são seguidas correctamente e na ordem certa. O controlo é construído de tal maneira que isto acontece necessariamente. A informação na memória é normalmente dividida em pacotes de dimensões razoavelmente pequenas. Numa máquina, por exemplo, um pacote pode consistir em dez dígitos decimais. Atribui-se números às partes da memória em que os diversos pacotes de informação são armazenados, de uma maneira simétrica. Uma instrução típica seria: «Soma o número armazenado na posição 6809 ao que está na 4302 e coloca o resultado na última posição no espaço de memória.» Não vale a pena dizer que isto não ocorreria na máquina expresso em inglês. Estaria mais provavelmente codificado numa forma como «6809430217». Aqui «17» diz qual entre diversas operações possíveis se deve realizar sobre os dois números. Neste caso a operação é a descrita anteriormente, ou seja, «soma o número […]» Observar-se-á que a instrução ocupa 10 dígitos, formando assim um pacote de informação, muito convenientemente. O controlo normalmente fará que as instruções sejam cumpridas na ordem das posições em que são armazenadas, mas ocasionalmente pode-se encontrar uma instrução como: «Agora obedece à instrução armazenada na posição 5606 e continua a partir daí» Ou novamente: «Se a posição 4505 contém 0, obedece de seguida à instrução armazenada em 6707, de contrário segue em frente.» As instruções destes últimos tipos são muito importantes porque tornam possível que se repita várias vezes uma sequência de operações, até que seja satisfeita uma determinada condição, mas ao fazê-lo para obedecer, não a instruções novas em cada repetição, mas às mesmas, uma vez após outra. Pegando numa analogia doméstica. Suponha-se que a mãe quer que o Toninho visite o sapateiro, todas as manhãs quando vai para a escola, para ver se os sapatos dela estão prontos, pode repetir o pedido ao filho todas as manhãs. Alternativamente, pode afixar, uma só vez, um lembrete no corredor da casa, que o Toninho verá ao sair para a escola, que lhe dirá para ir ver se os sapatos estão prontos e para destruir o lembrete quando voltar, caso traga os sapatos com ele.
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O leitor tem de aceitar como facto que se pode construir, e na verdade já se construiu, computadores digitais segundo os princípios que descrevemos, e que podem realmente imitar com muita precisão as acções de um computador humano. A descrição que fizemos do livro das regras usado pelo nosso computador humano é, como é óbvio, uma ficção conveniente. Os computadores humanos reais recordam de facto aquilo que têm de fazer. Se se quer fazer uma máquina imitar o comportamento do computador humano numa operação complexa tem de se lhe perguntar como se faz e depois traduzir a resposta para uma tabela de instruções. Por
norma
descreve-se
a
elaboração
de
tabelas
de
instruções
como
«programação». «Programar uma máquina para realizar a operação A» significa colocar na máquina a tabela de instruções apropriada, de modo a que esta faça A. Uma variante curiosa da ideia de computador digital é um «computador digital com um elemento aleatório». Estes têm instruções que envolvem o lançamento de um dado ou algum processo electrónico equivalente; uma instrução desse género pode ser, por exemplo: «Lança o dado e coloca o número resultante no espaço de memória 1000». Por vezes descreve-se tal máquina como detentora de livre-arbítrio (embora eu próprio não usasse esta expressão). Não é normalmente possível determinar a partir da observação e uma máquina se tem ou não um elemento aleatório, pois pode-se obter um efeito similar por dispositivos tais como fazer depender as escolhas dos dígitos das décimas (casas decimais?) de !. Na sua maioria, os computadores digitais que existem tem apenas uma memória finita. Não há dificuldade teórica na ideia de um computador com uma memória ilimitada. Evidentemente que só uma parte finita se pode usar de cada vez. De igual modo, só uma quantidade finita pode ter sido construída, mas podemos imaginar que se adiciona cada vez mais, de acordo com o que se exige. Tais computadores têm um interesse teórico especial e chamar-se-ão «computadores de capacidade infinitiva». A ideia de um computador digital é antiga. Charles Babbage, Professor Lucasiano de Matemática, em Cambridge, entre 1828 e 1839, projectou tal máquina, chamada «Máquina Analítica», mas esta nunca foi concluída. Embora Babbage tivesse todas as ideias essenciais, a sua máquina não era na altura uma possibilidade assim tão atraente. A velocidade então disponível seria definitivamente mais rápida do que um computador humano mas aproximadamente 100 vezes mais lenta do que uma
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máquina Manchester, uma das mais lentas entre as máquinas modernas. A memória seria puramente mecânica, usando discos e cartões. O facto de a Máquina Analítica de Babbage ser inteiramente mecânica ajuda a livrar-nos de uma superstição. Dá-se frequentemente importância ao facto de os computadores digitais modernos serem eléctricos e o sistema nervoso ser também eléctrico. Como a máquina de Babbage não era eléctrica e como todos os computadores digitais são, num certo sentido, equivalentes, vemos que este uso da electricidade não pode ter importância teórica. Claro que a electricidade normalmente intervém no que diz respeito à transmissão veloz de sinais, pelo que não é surpreendente que a encontremos em ambas estas relações. No sistema nervoso, os fenómenos químicos são pelo menos tão importantes como os eléctricos. Em certos computadores o sistema de memória é sobretudo acústico. Vê-se assim que a característica do uso da electricidade é apenas uma semelhança muito superficial. Se desejamos encontrar tais semelhanças, devemos procurar antes analogias matemáticas funcionais.
5 Universalidade dos Computadores Digitais
Os computadores digitais considerados na última secção podem ser classificados entre as «máquinas de estados discretos». Estas são as máquinas que passam de um estado a outro através de saltos ou cliques súbitos. Estes estados são diferentes ao ponto de se poder ignorar a possibilidade de confusão entre eles. Estritamente falando, não há tais máquinas. Tudo está realmente em movimento contínuo. Mas há muitos tipos de máquina dos quais se pode vantajosamente pensar que são máquinas de estados discretos. Por exemplo, ao considerar os interruptores para um sistema de iluminação, é uma ficção conveniente que cada interruptor tem de estar definitivamente ligado ou definitivamente desligado. Tem de haver posições intermédias, mas para o que em geral nos interessa podemos ignorá-las. Como exemplo de uma máquina de estados discretos podemos considerar uma roda que gira 120º por segundo, mas que se pode parar através de uma alavanca manobrável a partir do exterior; além disso, acende-se uma luz numa das posições da roda. Podia-se descrever abstractamente esta máquina, da seguinte maneira: O estado interno da máquina (que é descrito pela posição da roda) pode ser q1, q2, ou q3. Há um sinal de entrada i 0 ou i 1 (posição da alavanca). O estado interno a
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qualquer momento é determinado pelo último estado e sinal de entrada, de acordo com a tabela: [inserir gráfico p. 9 do pdf]
Os sinais de saída, a única indicação externamente visível do estado interno (a luz) são descritos pela tabela: [inserir gráfico p.9 do pdf]
Este exemplo é típico das máquinas de estados discretos. Pode-se descrevê-las através de tais tabelas, desde que tenham apenas um número finito de estados possíveis. Parece que, dado o estado inicial da máquina e os sinais de entrada, é sempre possível prever todos os estados futuros. Isto é reminiscente da perspectiva de Laplace, de que a partir do estado completo do universo num dado momento do tempo, tal como descrito pelas posições e velocidades de todas as partículas, deve ser possível prever todos os estados futuros. A previsão que aqui consideramos está, todavia, bastante mais próxima da praticabilidade do que a considerada por Laplace. O sistema do «universo como um todo» é tal que erros muitíssimo pequenos nas condições iniciais podem ter um efeito avassalador mais tarde. A deslocação de um único electrão por um bilionésimo de centímetro num dado momento pode fazer a diferença entre um homem ser morto por uma avalanche um ano mais tarde, ou escapar. É uma propriedade essencial dos sistemas mecânicos a que chamámos «máquinas de estados discretos» a não ocorrência deste fenómeno. Mesmo quando consideramos as máquinas físicas efectivas em vez das máquinas idealizadas, um conhecimento razoavelmente exacto do estado num momento produz conhecimento razoavelmente exacto qualquer número de etapas mais à frente. Como mencionámos, os computadores digitais subsumem-se na classe das máquinas de estados discretos. Mas o número de estados de que uma tal máquina é capaz é por norma extraordinariamente grande. Por exemplo, o número para a máquina que agora funciona em Manchester é cerca de 2 165000, ou seja, cerca de 1050000. Compare-se isto com o nosso exemplo da rodaå comutadora [ clicking
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wheel ]
descrita atrás, que tinha três estados. Não é difícil ver por que razão o
número de estados seria tão imenso. O computador inclui uma memória correspondendo ao papel usado por um computador humano. Tem de ser possível inscrever na memória qualquer uma das combinações de símbolos que poderiam ter sido escritas no papel. Pela simplicidade, suponhamos que só dígitos de 0 a 9 são usados como símbolos. As variações caligráficas são ignoradas. Suponha-se que se dá ao computador 100 folhas de papel, cada uma contendo 50 linhas, cada uma com espaço para 30 dígitos. Então o número de estados é 10 100
50!30
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, ou seja,
10150000. Isto é sobre o número de estados de três máquinas de Manchester conjuntamente. O logaritmo para a base dois do número de estados é normalmente chamado «capacidade de memória» da máquina. Assim a máquina de Manchester tem uma capacidade de memória de cerca de 165 000 e a máquina de rodas do nosso exemplo cerca de 1.6. Se se coloca duas máquinas juntas, as suas capacidades têm de ser somadas para obter a capacidade da máquina resultante. Isto leva à possibilidade de afirmações como «A máquina de Manchester contém 64 pistas magnéticas, cada uma com capacidade de 2560, oito válvulas electrónicas com uma capacidade de 1280. Quantidades variadas de armazenamento até cerca de 300 perfazem um total de 174 380.» Dada a tabela correspondente a uma máquina de estados discretos é possível prever o que esta fará. Não há razão pela qual este cálculo não seria realizado por meio de um computador digital. Desde que pudesse ser feito com rapidez suficiente, o computador digital podia imitar o comportamento de qualquer máquina de estados discretos. O jogo da imitação poderia então ser jogado com a máquina em causa (como B) e o computador digital imitador (como A) e o interrogador seria incapaz de os distinguir. Evidentemente o computador digital tem de ter uma capacidade de memória adequada além de funcionar com rapidez suficiente. Além disso, tem de ser programado de novo para cada nova máquina que se deseja imitar. Esta propriedade especial dos computadores digitais, de poderem imitar qualquer máquina de estados discretos, é descrita afirmando que são máquinas
universais.
A
existência de máquinas com esta propriedade tem a consequência importante de que, à parte considerações de velocidade é desnecessário projectar várias máquinas novas para fazer vários processos computacionais. Podem todos ser feitos com um computador digital, adequadamente programado para cada caso.
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Ver-se-á que como consequência disto todos os computadores digitais são equivalentes em certo sentido. Podemos agora considerar mais uma vez o aspecto levantado no fim do §3. Foi provisoriamente sugerido que a questão «Podem as máquinas pensar?» deveria ser substituída por «Haverá computadores digitais imagináveis que teriam um bom desempenho no jogo da imitação?» Se desejamos podemos tornar isto superficialmente mais geral e perguntar «Haverá máquinas de estados discretos que teriam um bom desempenho?» Mas em vista da propriedade da universalidade vemos que uma ou outra destas questões é equivalente a esta, «Fixemos a nossa atenção sobre um computador digital particular C . Será verdade que modificando este computador para ter uma memória adequada, aumentando apropriadamente a sua velocidade de acção, e munindo-o de um programa apropriado, pode-se fazer C desempenhar satisfatoriamente o papel de A no jogo da imitação, ficando o papel de B a cargo de um homem?»
6 Perspectivas Contrárias Sobre a Questão Principal
Podemos agora considerar que o terreno foi preparado e estamos prontos para avançar para o debate sobre a nossa questão, «Podem as máquinas pensar?» e a sua variante citada no final da última secção. Não podemos de todo abandonar a forma original do problema, pois as opiniões diferirão quanto ao carácter apropriado da substituição e temos de pelo menos ouvir o que tem de ser dito a este respeito. Tornarei as coisas mais simples para o leitor se explicar primeiro as minhas próprias crenças sobre o assunto. Considere-se primeiro a forma mais precisa da questão. Creio que dentro de cerca de 50 anos será possível programar computadores, com uma capacidade de memória de cerca de 109, fazê-los jogar o jogo da imitação tão bem que um interrogador mediano não terá mais do que 70% de probabilidade de fazer a identificação correcta depois de 5 minutos de questionamento. Creio que a questão original, «Podem as máquinas pensar?», é demasiado insignificante para merecer discussão. Não obstante, creio que no final do século o uso das palavras e a opinião geral informada ter-se-ão alterado tanto que se poderá falar de máquinas a pensar sem esperar ser contradito. Acredito além disso que não se serve qualquer propósito útil escondendo estas crenças. A perspectiva popular de que os cientistas procedem inexoravelmente a partir de factos bem estabelecidos para factos bem
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estabelecidos, nunca sendo influenciados por qualquer conjectura improvada, está completamente equivocada. Desde que se esclareça quais são factos comprovados e quais são conjecturas, nenhum mal pode daí resultar. As conjecturas são muito importantes, uma vez que sugerem rumos de investigação úteis. Passo agora a considerar opiniões opostas à minha. 1 A Objecção Teológica. Pensar é uma função da alma imortal humana. Deus deu uma alma imortal a cada homem e mulher, mas não a qualquer outro animal ou a máquinas. Portanto nenhum animal ou máquina pode pensar. Sou incapaz de aceitar parte alguma disto, mas procurarei responder em termos teológicos. Consideraria o argumento mais convincente se os animais fossem classificados com os homens, pois há mais diferença, a meu ver, entre o animado e o inanimado típicos do que entre o homem e os outros animais. O carácter arbitrário da perspectiva ortodoxa torna-se mais claro se consideramos como ela poderia parecer a um membro de outra comunidade religiosa. Como encaram os cristãos a perspectiva muçulmana de que as mulheres não têm almas? Mas deixemos este ponto de parte e regressemos ao argumento principal. Parece-me que o argumento citado atrás sugere uma grave restrição à omnipotência do Todo-poderoso. Admitese que há certas coisas que Ele não pode fazer, como fazer que um seja igual a dois, mas não deveríamos acreditar que Ele tem a liberdade de conferir uma alma a um elefante se considerar apropriado? Poderíamos esperar que Ele só exercesse este poder em conjunção com uma mutação que munisse o elefante de um cérebro apropriadamente aperfeiçoado para satisfazer as necessidades desta alma. Um argumento de forma exactamente similar pode ser construído no caso das máquinas. Pode parecer diferente porque é mais difícil de «engolir». Mas isto na verdade só significa que pensamos que seria menos provável Ele considerar as circunstâncias adequadas para conferir uma alma. As circunstâncias em causa são discutidas no resto deste ensaio. Ao tentar construir tais máquinas não estaríamos a usurpar irreverentemente o Seu poder de criar almas, tal como não o fazemos quando procriamos: ao invés, somos, num ou noutro caso, instrumentos da Sua vontade proporcionando residências para as almas que Ele cria. Todavia, isto é mera especulação. Não fico muito impressionado com argumentos teológicos seja o que for que se procure sustentar com eles. Tais argumentos foram frequentemente considerados insatisfatórios no passado. No tempo de Galileu argumentou-se que os textos, «E o Sol ficou parado […] e não se apressou a
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declinar cerca de um dia inteiro» (Josué x. 13) e «Ele lançou os alicerces da Terra, para que não se movesse em momento algum» (Salmo cv. 5) eram uma refutação adequada da teoria coperniciana. Com o nosso conhecimento presente, tal argumento parece fútil. Quando esse conhecimento não estava disponível a impressão causada pelo argumento era completamente diferente. 2) A Objecção das «Cabeças na Areia». «As consequências de as máquinas pensarem seriam pavorosas. Esperemos e acreditemos que não o possam fazer.» Este argumento raramente é expresso assim tão abertamente. Mas a verdade é que afecta a maioria de nós, que pensamos de todo no assunto. Gostamos de acreditar que o homem é de alguma maneira subtil superior ao resto da criação. É melhor se se puder mostrar que é necessariamente superior, pois nesse caso não há perigo de perder a sua posição dominante. A popularidade do argumento teológico está claramente ligada a este sentimento. É provável que seja muito forte em pessoas intelectuais, uma vez que valorizam o poder de pensar mais intensamente do que outros, e são mais inclinadas a basear neste poder a sua crença na superioridade do homem. Não penso que este argumento seja suficientemente substancial para exigir refutação. Consolação seria mais apropriada: talvez esta devesse ser procurada na transmigração das almas. 3) A Objecção Matemática. Há uma série de resultados da lógica matemática que podem ser usados para mostrar que há limitações aos poderes das máquinas de estados discretos. O mais famoso destes resultados é conhecido como teorema de Gödel1, e mostra que em qualquer sistema lógico suficientemente poderoso pode-se formular afirmações que nem podem ser provadas nem refutadas dentro do sistema, a menos que possivelmente o próprio sistema seja inconsistente. Há outros resultados, similares em alguns aspectos, devido a Church, Kleene, Rosser , e Turing . O último resultado é o mais conveniente a considerar, visto que refere
directamente máquinas, ao passo que os outros só podem ser usados num argumento comparativamente indirecto: por exemplo, a usar-se o teorema de Gödel precisamos além de ter alguns meios de descrever sistemas lógicos em termos de máquinas, e máquinas em termos de sistemas lógicos. O resultado em causa refere-se a um tipo de máquina que é essencialmente um computador digital com uma capacidade infinita. Afirma que há certas coisas que uma tal máquina não pode fazer. Se está preparada para dar respostas a perguntas como no jogo da imitação,
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haverá algumas perguntas às quais ou dará uma resposta errada, ou não dará resposta de todo por muito tempo que se espere por uma resposta. Pode evidentemente haver muitas perguntas semelhantes, e perguntas que não podem ser respondidas por uma máquina podem ser satisfatoriamente respondidas por outra. Supomos evidentemente por enquanto que as perguntas são do tipo a que uma resposta «Sim» ou «Não» é apropriada, em vez de perguntas como «O que pensa de Picasso?» As perguntas com as quais sabemos que as máquinas forçosamente não funcionam são deste tipo, «Considere-se a máquina especificada como se segue […] Irá esta máquina alguma vez responder “Sim” a qualquer pergunta?» Os pontos são para trocar por uma descrição de uma máquina em forma canónica, que poderia ser algo como a usada em §5. Quando a máquina descrita tem uma certa relação comparativamente simples com a máquina que é interrogada, pode-se mostrar que a resposta ou está errada ou não se apresentará. Este é o resultado matemático: argumenta-se que prova uma incapacidade das máquinas à qual o intelecto humano não está sujeito. A resposta breve a este argumento é que embora esteja estabelecido que há limitações aos poderes de qualquer máquina particular, foi apenas afirmado, sem qualquer género de prova, que nenhuma limitação semelhante se aplica ao intelecto humano. Mas não creio que possamos dispensá-lo tão levianamente. Sempre que a uma destas máquinas se coloca a apropriada pergunta crucial e esta dá uma resposta definida, sabemos que esta resposta tem de estar errada e isto dá-nos um certo sentimento de superioridade. Será este sentimento ilusório? Não há dúvida de que é inteiramente genuíno, mas não penso que se lhe deva dar demasiada importância. Nós próprios damos muito frequentemente respostas erradas a perguntas para que possamos ter justificação para ficar muito agradados perante tais indícios da falibilidade por parte das máquinas. Além disso, a nossa superioridade só pode ser sentida numa tal ocasião relativamente àquela máquina sobre a qual marcámos o nosso triunfo insignificante. Não haveria questão quanto a triunfar simultaneamente sobre
todas as
máquinas. Resumindo, portanto, poderia
haver homens mais inteligentes do que qualquer máquina, mas então, mais uma vez, poderia haver outras máquinas mais inteligentes, e assim sucessivamente. Os
que
se
atêm
ao
argumento
matemático
estariam,
segundo
penso,
maioritariamente dispostos a aceitar o nosso jogo de imitação como uma base para
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discussão. Os que crêem nas duas objecções anteriores provavelmente não estariam interessados em quaisquer critérios. 4 O Argumento da Consciência. Este argumento é muito bem expresso na Oração Lister do Professor Jefferson , de 1949, a qual cito. «Só quando uma máquina pudesse escrever um soneto ou compor um concerto por causa de pensamentos e emoções sentidos, e não pela queda acidental de símbolos, poderíamos concordar que a máquina iguala o cérebro — isto é, não só escrevê-los mas também saber que os escreveu. Nenhum mecanismo poderia sentir (e não meramente assinalar artificialmente, um apetrecho fácil) prazer perante os seus sucessos, dor quando as suas válvulas se fundem, sentir-se confortado com lisonjas, humilhado com os seus erros, encantado pelo sexo, zangado ou deprimido quando não consegue obter o que deseja.» Este argumento parece uma negação da validade do nosso teste. Segundo a forma mais extrema desta perspectiva a única maneira por que se poderia ter certeza de que uma máquina pensa é ser a máquina e sentir-se a si próprio pensar. Poder-seia então descrever estes sentimentos ao mundo, mas evidentemente ninguém teria justificação para reparar nisso. Analogamente, segundo esta perspectiva a única maneira de saber que um homem pensa é ser esse homem particular. É na verdade o ponto de vista solipsista. Pode ser a perspectiva mais lógica de sustentar mas torna difícil a comunicação de ideias. A está sujeito a acredita «A pensa mas B não» enquanto B acredita «B pensa mas A não». Em vez de argumentar continuamente sobre este ponto é usual ter a convenção cortês de que toda a gente pensa. Estou certo de que o Professor Jefferson não deseja adoptar o ponto de vista extremo e solipsista. Provavelmente estaria inteiramente disposto a aceitar o jogo da imitação como um teste. O jogo (omitido o jogador B) é frequentemente usado na prática sob o nome de viva voce para descobrir se alguém realmente compreende algo ou se o «aprendeu à maneira de um papagaio». Ouçamos uma parte de tal viva voce:
Interrogador: No primeiro verso do seu soneto, que «Comparar-te-ei a um dia de Verão», será que «um dia de Primavera» não serviria tão bem ou melhor? Testemunha: Não escandiria. Interrogador: E que tal «um dia de Inverno»? Esse escandiria bem. Testemunha: Sim, mas ninguém quer ser comparado a um dia de Inverno.
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Interrogador: Diria que o Sr. Pickwick lhe fazia lembrar o Natal? Testemunha: De certa maneira. Interrogador: No entanto o Natal é um dia de Inverno e não creio que o Sr. Pickwick se importaria com a comparação. Testemunha: Não creio que você esteja a falar a sério. Por um dia de Inverno entende-se um dia de Inverno típico, em vez de um dia especial, como o Natal.
E assim sucessivamente. O que diria o Professor Jefferson se a máquina de escrever sonetos fosse capaz de responder desta maneira em viva voce? Não sei se ele consideraria que a máquina «meramente assinalava artificialmente» estas respostas, mas se as respostas fossem tão satisfatórias e constantes como na passagem anterior não penso que ele a descreveria como «um apetrecho fácil». Esta expressão, segundo penso, é concebida para cobrir tais dispositivos como a inclusão na máquina de uma gravação de alguém a ler um soneto, com o interruptor apropriado para a ligar de vez em quando. Resumindo então, penso que na sua maioria os defensores do argumento da consciência poderiam ser persuadidos a abandoná-lo em vez de se verem forçados a aceitar a posição solipsista. Estarão então provavelmente dispostos a aceitar o nosso teste. Não desejo dar a impressão de que penso não haver mistério acerca da consciência. Há, por exemplo, algo paradoxal ligado a qualquer tentativa de a localizar. Mas não penso que estes mistérios têm necessariamente de ser resolvidos antes de podermos responder à pergunta de que nos ocupamos neste ensaio. 5 Argumentos de Incapacidades Várias. Estes argumentos adoptam a forma, «Concedo-te que podes fazer as máquinas fazerem todas as coisas que mencionaste mas nunca serás capaz de fazer uma máquina fazer X». Numerosas características X são sugeridas a este respeito. Apresento uma selecção:
Ser simpática, engenhosa, amigável (p. 448), ter iniciativa, ter sentido de humor, distinguir o bem do mal, cometer erros (p. 448), apaixonar-se, apreciar morangos com natas (p. 448), fazer alguém apaixonar-se por ela, aprender com a experiência (pp. 456 f.), usar adequadamente as palavras, ser sujeito do seu próprio pensamento (p. 449) ter tanta diversidade de comportamento como um homem,
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fazer algo realmente novo (p. 450). (Algumas destas incapacidades recebem consideração especial como indicado pelos números de página.)
Normalmente não se oferece qualquer sustentação a favor destas afirmações. Creio que se fundam sobretudo no princípio da indução científica. Um homem viu milhares de máquinas na sua vida. Pelo que vê delas retira uma série de conclusões gerais. São feias, cada uma delas é concebida para um objectivo muito limitado, quando são precisas para um objectivo minimamente diferente são inúteis, a variedade de comportamento de qualquer uma delas é muito pequena, etc., etc. Naturalmente o homem conclui que estas são propriedades necessárias das máquinas em geral. Muitas destas limitações estão associadas com a capacidade de memória muito pequena da maioria das máquinas. (Estou a pressupor que a ideia de capacidade de memória se alarga de alguma maneira para abranger máquinas além das máquinas de estados discretos. A definição exacta não importa visto que nenhuma precisão matemática é exigida na presente discussão.) Há alguns anos, quando muito pouco se ouvira falar sobre computadores digitais, era possível suscitar muita incredulidade a este respeito, se se mencionasse as suas propriedades sem descrever a sua construção. Isso deviase presumivelmente a uma aplicação semelhante do princípio da indução científica. Estas aplicações do princípio são, evidentemente, em grande medida inconscientes. Quando uma criança que se queimou teme o fogo e mostra que o teme evitando-o, diria que ela aplicou a indução científica. (Podia evidentemente também descrever o seu comportamento de muitas outras maneiras.) As obras e costumes do género humano não parecem um material muito adequado ao qual aplicar a indução científica. Tem de se investigar uma parte muito considerável do espaço-tempo, para se obter resultados fidedignos. De contrário podemos (como fazem maioritariamente as crianças inglesas) decidir que toda a gente fala inglês e que é tolo aprender francês. Há todavia observações especiais a fazer sobre muitas das incapacidades mencionadas. A incapacidade para apreciar morangos com natas pode ter parecido frívola ao leitor. Possivelmente poder-se-ia fazer uma máquina apreciar este prato delicioso, mas qualquer tentativa de fazer que uma máquina fizesse isto seria idiota. O que é importante acerca desta incapacidade é contribuir para algumas das outras incapacidades, p.
ex.,
para a dificuldade de ocorrer entre homem e máquina o "#$
mesmo tipo de amistosidade que ocorre entre homem branco e homem branco ou entro homem negro e homem negro. A afirmação de que «as máquinas não podem cometer erros» parece curiosa. Sentimo-nos tentados a responder, «Serão piores por isso?» Mas adoptemos uma atitude mais favorável, tentando ver o que realmente se quer dizer. Penso que esta crítica pode ser explicada em termos do jogo da imitação. Afirma-se que o interrogador poderia distinguir a máquina do homem simplesmente dando-lhes alguns problemas de aritmética. A máquina seria desmascarada devido à sua extraordinária precisão. A resposta a isto é simples. A máquina (programada para jogar o jogo) não tentaria dar as respostas correctas aos problemas aritméticos. Introduziria deliberadamente erros de uma maneira calculada para confundir o interrogador. Uma falha mecânica provavelmente mostrar-se-ia através de uma decisão inapropriada quanto ao género de erro aritmético a cometer. Mesmo esta interpretação da crítica não é suficientemente favorável. Mas não dispomos de espaço para avançar muito mais nesta direcção. Parece-me que esta crítica depende de uma confusão entre dois tipos de erro. Podemos chamar-lhes «erros de funcionamento» e «erros de conclusão». Os erros de funcionamento são devidos a alguma falha mecânica ou eléctrica que é a causa de a máquina se comportar de outra maneira que não aquela para que foi concebida. Nos debates filosóficos gostamos de ignorar a possibilidade de tais erros; discutimos portanto «máquinas abstractas». Estas máquinas abstractas são ficções matemáticas em vez de objectos físicos. Por definição são incapazes de erros de funcionamento. Neste sentido podemos verdadeiramente afirmar que «as máquinas nunca podem cometer erros». Os erros de conclusão só podem surgir quando se atribui algum significado aos sinais de saída da máquina. A máquina poderia, por exemplo, escrever equações matemáticas, ou frases em português. Quando uma proposição falsa é redigida dizemos que a máquina cometeu um erro de conclusão. Não há evidentemente qualquer razão para afirmar que uma máquina não pode cometer este tipo de erro. Poderia não fazer fosse o que fosse se não escrever repetidamente «0 = 1». Para tomar um exemplo menos perverso, poderia ter algum método para retirar conclusões por indução científica. Temos de esperar que tal método leve ocasionalmente a resultados erróneos. A afirmação de que uma máquina não pode ser sujeito do seu próprio pensamento só pode evidentemente ser respondida se se puder mostrar a máquina tem algum
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pensamento com algum conteúdo. Não obstante, «o conteúdo das operações de uma máquina» parece de facto significar algo, pelo menos para as pessoas que lidam com ela. Se, por exemplo, a máquina procurava encontrar uma solução para a equação x 2 – 40 x – 11 = 0 haveria a tentação de descrever esta equação como parte do assunto da máquina naquele momento. Neste sentido uma máquina pode indubitavelmente ter-se a si própria como assunto. Pode ser usada para ajudar a fazer os seus próprios programas, ou a prever o efeito de alterações na sua própria estrutura. Ao observar os resultados do seu próprio comportamento pode modificar os seus próprios programas de maneira a alcançar algum objectivo mais eficazmente. Trata-se de possibilidades do futuro próximo, em vez de sonhos utopistas. A crítica de que uma máquina não pode ter muita diversidade de comportamento é apenas uma maneira de dizer que não pode ter muita capacidade de armazenamento. Até muito recentemente uma capacidade de armazenamento de mesmo mil dígitos era muito rara. As críticas que tomamos aqui em consideração são frequentemente formas disfarçadas do argumento da consciência. Normalmente se se sustenta que uma máquina pode fazer uma destas coisas, e se descreve o tipo de método que a máquina poderia usar, não se causará grande impressão. Pensa-se que o método (seja este qual for, pois tem de ser mecânico) é realmente bastante grosseiro. Compare-se o parêntesis na afirmação de Jefferson citada na página ?. 6 A Objecção de Lady Lovelace. A nossa informação mais detalhada sobre a máquina analítica de Babbage vem das memórias de Lady Lovelace. Aí afirma, «A Máquina Analítica não tem pretensões de originar seja o que for. Pode fazer qualquer coisa que saibamos como lhe ordenar que execute» (itálicos dela). Esta afirmação é citada por Hartree (p. 70), que acrescenta: «Isto não sugere que pode não ser possível construir equipamento electrónico que irá «pensar por si próprio», ou no qual, em termos biológicos, se pudesse estabelecer um reflexo condicionado, que serviria de base para a «aprendizagem». Seja isto possível em princípio ou não, é
uma
questão
estimulante
e
excitante,
sugerida
por
alguns
destes
desenvolvimentos recentes. Mas não parecia que as máquinas construídas ou projectadas na altura tivessem esta propriedade.» Estou em total acordo com Hartree neste aspecto. Observar-se-á que ele não afirma que as máquinas em causa não têm a propriedade, mas antes que os indícios
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disponíveis a Lady Lovelace não a encorajaram a acreditar que a tinham. É perfeitamente possível que as máquinas em causa tivessem em certo sentido esta propriedade. Pois suponha-se que uma máquina de estados discretos tem esta propriedade. A máquina analítica era um computador digital universal, pelo que, se a sua capacidade de memória e velocidade fossem apropriadas, poder-se-ia, por meio de programação adequada, fazê-la imitar a máquina em causa. Provavelmente este argumento não ocorreu à Condessa nem a Babbage. Em todo o caso não havia sobre eles a obrigação de afirmarem tudo o que podia ser afirmado. Toda esta questão será considerada mais uma vez sob a rubrica das máquinas capazes de aprender. Uma variante da objecção de Lady Lovelace afirmar que uma máquina «nunca pode fazer seja o que for de realmente novo». Pode-se evitar isto momentaneamente com o refrão, «Nada de novo debaixo do Sol». Quem pode estar certo de que o «trabalho original» que fez não foi simplesmente o crescer da semente nele plantada pela educação, ou o efeito de seguir princípios gerais bem conhecidos. Uma melhor variante da objecção afirma que uma máquina nunca pode «apanharnos de surpresa». Esta afirmação é um desafio mais directo e pode ser enfrentada directamente. As máquinas tomam-me de surpresa com muita frequência. Isto sucede em grande medida porque não faço cálculos suficientes para decidir o que esperar que elas façam, ou antes porque fazendo um cálculo, o faço de uma maneira apressada e descuidada, correndo riscos. Talvez diga para comigo, «Suponho que a voltagem aqui deveria ser a mesma que ali: em todo o caso pressuponhamos que é
.»
Como é natural, engano-me frequentemente, e o resultado é uma surpresa para mim quando a experiência é feita e estas pressuposições foram esquecidas. Estas admissões deixam-me exposto a censuras sobre os meus maus hábitos, mas não lançam qualquer dúvida sobre a minha credibilidade quando dou testemunho das surpresas de que tenho experiência. Não espero que esta resposta silencie o meu crítico. Este provavelmente dirá que tais surpresas se devem a algum acto mental criativo da minha parte, e não reflectem qualquer crédito da parte da máquina. Isto leva-nos de volta ao argumento da consciência, e para longe da ideia de surpresa. É uma linha de argumentação que temos de considerar fechada, mas talvez valha a pena observar que a apreciação de algo como surpreendente exige tanto um «acto mental criativo», quer
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o acontecimento surpreendente tenha origem num homem, num livro, numa máquina, ou em qualquer outra coisa. A perspectiva de que a máquina não pode originar surpresas deve-se, segundo creio, a uma falácia a que os filósofos e os matemáticos estão particularmente sujeitos. Esta é a pressuposição de que assim que um facto se apresenta a uma mente todas as consequências desse facto surgem à mente em simultâneo com o facto. É uma pressuposição muito útil sob muitas circunstâncias, mas esquecemonos demasiado facilmente que é falsa. Uma consequência natural de o fazer é que então se pressupõe que não há virtude no mero desenvolver de consequências a partir de dados e princípios gerais. 7 Argumento da Continuidade no Sistema Nervoso. O sistema nervoso seguramente não é uma máquina de estados discretos. Um pequeno erro na informação sobre o tamanho de um impulso nervoso que atinge um neurónio pode fazer uma grande diferença no tamanho do impulso de saída. Pode-se argumentar que, sendo assim, não se pode esperar ser capaz de imitar o comportamento do sistema nervoso com um sistema de estados discretos. É verdade que uma máquina de estados discretos tem de ser diferente de uma máquina contínua. Mas se aderimos às condições do jogo de imitação, o interrogador não será capaz de tirar qualquer partido desta diferença. A situação pode ser tornar-se mais clara se considerarmos uma outra máquina contínua mais simples. Um analisador diferencial servirá perfeitamente. (Um analisador diferencial é um certo tipo de máquina não do tipo de estados discretos usada para alguns tipos de cálculo.) Algumas destas fornecem as suas respostas em forma dactilografada, e assim são adequadas para participar no jogo. Não seria possível a um computador digital prever exactamente que respostas o analisador diferencial daria ao problema, mas seria perfeitamente capaz de dar o género correcto de resposta. Por exemplo, se lhe pedissem para dar o valor de ! (na realidade cerca de 3.1416) seria razoável escolher aleatoriamente entre os valores 3.12, 3.13, 3.14, 3.15, 3.16 com as probabilidades de 0.05, 0.15, 0.55, 0.19, 0.06 (digamos). Nestas circunstâncias seria muito difícil ao interrogador distinguir o analisador diferencial do computador digital. 8 O Argumento da Informalidade do Comportamento . Não é possível produzir um conjunto de regras com o fim de descrever o que um homem deve fazer cada conjunto de circunstâncias concebível. Poder-se-ia por exemplo ter uma regra
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segundo a qual se deve parar quando se vê um semáforo vermelho, e arrancar quando se vê um verde, mas e se por algum problema ambos aparecem juntos? Pode-se talvez decidir que é mais seguro parar. Mas alguma dificuldade suplementar pode muito bem surgir desta decisão mais tarde. Procurar fornecer regras de conduta para cobrir cada eventualidade, mesmo as que surgem de semáforos, parece impossível. Concordo com tudo isto. A partir daqui argumenta-se que não podemos ser máquinas. Procurarei reproduzir o argumento, mas receio que dificilmente lhe farei jus. Parece desenrolar-se um pouco desta maneira. «Se cada homem tivesse um conjunto definido de regras de conduta pelas quais regia a sua vida não seria melhor do que uma máquina. Mas não há tais regras, pelo que os homens não podem ser máquinas.» O meio indistribuído é deslumbrante. Não penso que o argumento seja alguma vez formulado exactamente desta maneira, mas creio que este é ainda assim o argumento usado. Pode todavia haver uma certa confusão entre «regras de conduta» e «leis de comportamento» a obscurecer a questão. Por «regras de conduta» entendo preceitos como «Pára se vires o semáforo vermelho», sobre os quais se pode agir, e dos quais podemos ter consciência. Por «leis de comportamento» entendo leis da natureza aplicadas ao corpo de um homem tais como «se o beliscas ele guincha». Se fazemos «leis de comportamento que regem a sua vida» substituir «leis de conduta pelas quais rege a sua vida» no argumento citado, o meio indistribuído deixa de ser insuperável. Pois cremos que não só é verdade que ser regido por leis de comportamento envolve ser um género de máquina (embora não necessariamente uma máquina de estados discretos), mas que conversamente ser uma tal máquina envolve ser regido por tais leis. Todavia, não nos podemos convencer a nós próprios com tanta f acilidade da ausência de leis de comportamento completas como da ausência de leis de conduta completas. A única maneira que conhecemos de encontrar tais leis é a observação científica, e seguramente não conhecemos quaisquer circunstâncias nas quais pudéssemos afirmar, «Investigámos o suficiente. Não há tais leis.» Podemos demonstrar mais energicamente que qualquer afirmação semelhante seria injustificada. Pois suponha-se que podíamos estar seguros de encontrar tais leis se existissem. Então dada uma máquina de estados discretos seria seguramente possível descobrir por observação o suficiente sobre esta para prever
o
seu
comportamento futuro, e isto num período de tempo razoável, digamos, mil anos.
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Mas não parece que isto seja assim. Configurei no computador de Manchester um programa que usa apenas 1000 unidades de memória, por meio do qual a máquina a que se forneceu um número de dezasseis dígitos responde com outro em dois segundos. Desafiaria qualquer pessoa a aprender com estas respostas o suficiente acerca do programa para ser capaz de prever quaisquer respostas a valores que não foram usados. 9 O Argumento da Percepção Extra-Sensorial. Pressuponho que o leitor está familiarizado com a ideia de percepção extra-sensorial, e o significado dos seus quatro itens, nomeadamente, telepatia, clarividência, precognição, e psicocinese. Estes fenómenos perturbantes parecem negar todas as nossas ideias científicas usuais. Como gostaríamos de as desacreditar! Infelizmente os indícios estatísticos, pelo menos a favor da telepatia, são esmagadores. É muito difícil rearranjar as nossas ideias de modo a encaixar nelas estes novos factos. Uma vez que se os tenha aceitado não parece um salto muito grande passar à crença em fantasmas e duendes. A ideia de que os nossos corpos se movem simplesmente segundo as leis conhecidas da física, além de outras ainda não descobertas mas análogas, seria uma das primeiras a cair. Este argumento é, segundo me parece, bastante forte. Pode-se afirmar em resposta que muitas teorias científicas parecem continuar funcionais na prática, apesar de chocar com a P.E.S.; que na verdade se pode continuar a viver muito bem se nos esquecemos disso. Isto não é grande consolo e há o receio de que pensar seja precisamente o tipo de fenómeno em que a P.E.S. pode ser especialmente relevante. Um argumento mais específico baseado na P.E.S. poderia ser mais ou menos assim: «Joguemos o jogo da imitação, usando como testemunhas um homem que seja bom como receptor telepático, e um computador digital. O interrogador pode colocar perguntas como «A que naipe pertence a carta que tenho na minha mão direita?» O homem, por telepatia ou clarividência, dá a resposta correcta 130 vezes em 400 cartas. A máquina só pode adivinhar à sorte e talvez consiga 104 correctas, pelo que o interrogador faz a identificação correcta.» Há uma possibilidade interessante que se abre aqui. Suponha-se que o computador digital contém um gerador aleatório de números. Nesse caso será natural usá-lo para decidir que resposta dar. Mas então o gerador aleatório de números estará sujeito aos poderes psicocinéticos do interrogador. Talvez esta psicocinese possa ser a causa de a
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máquina adivinhar correctamente mais amiúde do que seria de esperar num cálculo de probabilidades, pelo que o interrogador pode ser ainda incapaz de fazer a identificação correcta. Por outro lado, ele poderia ser capaz de adivinhar correctamente sem qualquer questionamento, por clarividência. Com a P.E.S. tudo pode acontecer. Se se admite a telepatia, será necessário tornar mais rigoroso o nosso teste. Poderse-ia considerar a situação análoga à que ocorreria se o investigador estivesse a falar consigo próprio e um dos concorrentes escutasse com o ouvido contra a parede. Colocar os concorrentes numa «sala à prova de telepatia» satisfaria todos os requisitos.
7 Máquinas que aprendem
O leitor terá antecipado que não tenho argumentos muito convincentes de natureza positiva para sustentar as minhas perspectivas. Se os tivesse não me teria dado ao trabalho de chamar a atenção para as falácias nas perspectivas contrárias. Apresentarei agora os indícios de que disponho. Regressemos por um momento à objecção de Lady Lovelace, que afirmava que a máquina só pode fazer aquilo que lhe ordenamos que faça. Poder-se-ia afirmar que um homem pode «injectar» uma ideia na máquina e que esta responderá até certo ponto recaindo na quiescência, como uma corda de piano percutida por um martelo. Outro símile seria uma pilha atómica de dimensões menos do que críticas: uma ideia injectada corresponderá a um neutrão que entra na pilha a partir do exterior. Cada um destes neutrões causará uma certa perturbação que eventualmente esmorece. Se, todavia, o tamanho da pilha aumenta suficientemente, a perturbação causada pela entrada desse neutrão muito provavelmente continuará a aumentar até que toda a pilha esteja destruída. Haverá um fenómeno correspondente para mentes e haverá um para máquinas? Parece de facto haver um para a mente humana. A maioria deles parecem «subcríticos», ou seja, parecem corresponder nesta analogia a pilhas de dimensões subcríticas. Uma ideia apresentada a tal mente dará em média origem a menos do que uma ideia em resposta. Uma proporção algo pequena será supercrítica. Uma ideia apresentada a tal mente pode dar origem a toda uma «teoria» consistindo em ideias secundárias, terciárias e ainda mais remotas. As mentes dos animais parecem muito definitivamente
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subcríticas. Aderindo a esta analogia, perguntamos, «Poder-se-á fazer que uma máquina seja supercrítica?» A analogia da «pele de uma cebola» é também útil. Ao considerar as funções da mente ou do cérebro encontramos certas operações que podemos explicar em termos puramente mecânicos. Afirmamos que isto não corresponde à mente real: é um género de pele que temos de despir se queremos encontrar a mente real. Mas então naquilo que resta encontramos uma pele suplementar a remover, e assim sucessivamente. Procedendo desta maneira nunca chegamos à mente «real», ou será que chegamos eventualmente à pele que nada tem nela? No último caso toda a mente é mecânica. (Não seria uma máquina de estados discretos, todavia. Já debatemos isto.) Estes dois últimos parágrafos não pretendem ser argumentos convincentes. Seria melhor descrevê-los como «recitações tendentes a produzir crença». O único apoio realmente satisfatório que se pode dar à perspectiva exposta no início do §6 será a fornecida por esperar-se pelo final do século e fazer a experiência descrita. Mas o que poderemos dizer entretanto? Que medidas se deveriam tomar agora para que a experiência seja bem-sucedida? Como expliquei, o problema é sobretudo de programação. Terão de se fazer progressos na engenharia também, mas parece improvável que estes não sejam adequados às exigências. As estimativas da capacidade de memória do cérebro variam entre os 1010 e os 1015 dígitos binários. Inclino-me para os valores inferiores e creio que só uma fracção muito pequena é usada para os tipos mais elevados de pensamento. A maior parte é provavelmente usada para a retenção de impressões visuais. Ficaria surpreso se mais do que 10 9 fosse necessário para jogar satisfatoriamente o jogo da imitação, em todo o caso contra um homem cego. (Notese — a capacidade da Enciclopédia Britânica, 11ª edição, é de 2
!
109.) Uma
capacidade de memória de 107 seria uma possibilidade muito previsível mesmo segundo as técnicas do presente. Provavelmente não é de todo necessário aumentar a velocidade operativa das máquinas. Partes de máquinas modernas que se pode considerar análogos de células nervosas funcionam cerca de mil vezes mais depressa do que estas. Isto deveria proporcionar uma «margem de segurança» que poderia cobrir perdas de velocidade que surgem de muitas maneiras. O nosso problema então é descobrir como programar estas máquinas para jogar o jogo. Ao meu ritmo de trabalho no presente produzo cerca de mil
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dígitos de programa por dia, pelo que cerca de sessenta trabalhadores, a laborar continuamente durante os cinquenta anos poderiam conseguir realizar a tarefa, se nada fosse parar ao cesto do lixo. Algum método mais expedito parece desejável. Ao procurar imitar uma mente humana adulta temos de pensar muito no processo que a fez chegar ao estado em que se encontra. Podemos reparar em três componentes,
a)
O estado inicial da mente, digamos, no nascimento.
b)
A educação a que foi sujeita.
c)
Outra experiência a que tenha sido sujeita, a não ser descrita como
«educação».
Em vez de tentar produzir um programa para simular a mente adulta, por que não tentar produzir um que simule a mente infantil? Se este fosse então sujeito a um percurso educativo apropriado obteríamos o cérebro adulto. Presumivelmente o cérebro infantil é algo como um bloco de notas como os que se compra nas papelarias. Um mecanismo um tanto pequeno e muitas folhas em branco. (Mecanismo e escrita são do nosso ponto de vista quase sinónimos.) A nossa esperança é que haja tão pouco mecanismo no cérebro infantil que se possa programar facilmente algo semelhante. Podemos pressupor que a quantidade de trabalho investido na educação, como primeira aproximação, é quase a mesma que no caso da criança humana. Dividimos assim o nosso problema em duas partes. O programa infantil e o processo educativo. Estas duas permanecem muito intimamente ligadas. Não podemos esperar encontrar uma boa máquina infantil à primeira tentativa. Tem de se experimentar ensinar tal máquina e ver como aprende. Pode-se então experimentar outra e ver se é melhor ou pior. Há uma conexão óbvia entre este processo e a evolução, pelas identificações
Estrutura da máquina infantil = material hereditário Mudanças = mutações Selecção natural = juízo do experimentalista
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Pode-se esperar, todavia, que este processo seja mais expedito do que a evolução. A sobrevivência do mais bem adaptado é um método lento para medir vantagens. O experimentalista, exercendo a inteligência, deveria ser capaz de o acelerar. Igualmente importante é o facto de não estar restrito a mutações aleatórias. Se pode detectar a causa de alguma fraqueza pode provavelmente pensar no tipo de mutação que a aperfeiçoará. Não será possível aplicar à máquina exactamente mesmo processo de ensino que a uma criança normal. Por exemplo, não se lhe dará pernas, pelo que não se lhe poderia pedir para sair e encher o balde de carvão. Possivelmente, poderia não ter olhos. Mas por muito bem que estas deficiências pudessem ser superadas por uma engenharia inteligente, não se poderia mandar a criatura para a escola sem que as outras crianças troçassem excessivamente dela. Tem de se lhe dar alguma forma de ensino particular. Não temos de nos preocupar demasiado com as pernas, olhos, etc. O exemplo de Miss
Helen Keller mostra
que a educação pode ter lugar desde
que a comunicação em ambas as direcções entre professor e aluno possam ter lugar por um ou outro meio. Normalmente associamos os castigos e as recompensas ao processo de ensino. Algumas máquinas infantis simples podem ser construídas ou programadas segundo este género de princípio. A máquina tem de ser construída de tal modo que seja improvável a repetição dos acontecimentos que precederam por pouco tempo a ocorrência de um sinal punitivo, ao passo que um sinal de recompensa aumente a probabilidade de repetição dos acontecimentos que levaram a esse sinal. Estas definições não pressupõem quaisquer sentimentos da parte da máquina. Fiz algumas experiências com uma tal máquina infantil e consegui ensinar-lhe algumas coisas, mas o método de ensino era demasiado heterodoxo para a experiência ser considerada realmente bem-sucedida. O uso de castigos e recompensas pode quando muito fazer parte do processo de ensino. Falando de uma maneira aproximada, se o professor não tem quaisquer outros meios de comunicação com o aluno, a quantidade de informação que o pode alcançar não excede o número total de recompensas e castigos aplicados. Quando uma criança tivesse aprendido a repetir «Casabianca» provavelmente sentir-se-ia muito dorido, se o texto só pudesse ser descoberto por uma técnica de «Vinte Perguntas», tomando cada «NÃO» a forma de um golpe. É necessário portanto ter outras vias de comunicação «não emotivas». Se estes estão disponíveis é possível
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ensinar uma máquina por punições e recompensas a obedecer a regras dadas numa certa linguagem, ou seja, uma linguagem simbólica. Estas ordens serão transmitidas pelas vias «não emotivas». O uso desta linguagem diminuirá muito o número de punições e recompensas exigidas. As opiniões podem variar quanto à complexidade apropriada na máquina infantil. Poder-se-ia tentar fazê-la tão simples quanto possível em consistência com os princípios gerais. Alternativamente, poder-se-ia ter um sistema completo de inferência lógica «integrado».1 No último caso a memória seria amplamente ocupada por definições e proposições. As proposições teriam vários tipos de estatuto, p. ex., factos bem estabelecidos, conjecturas, teoremas matematicamente provados, afirmações dadas por uma autoridade, expressões com a forma lógica de uma proposição mas não com o valor de crença. Certas proposições podem ser descritas como «imperativas». A máquina deveria ser construída de tal modo que mal uma imperativa é classificada como «bem estabelecida» a acção apropriada tem automaticamente lugar. Para ilustrar isto, suponha-se que o professor diz à máquina, «Faz os teus trabalhos de casa agora». Isto pode fazer que «O professor diz “Faz os teus trabalhos de casa agora”» seja incluída entre os factos bem estabelecidos. Outro facto semelhante poderia ser, «Tudo o que o professor diz é verdade». Combinar estas pode eventualmente levar a que a imperativa, «Faz os teus trabalhos de casa agora», seja incluída entre os factos bem estabelecidos, e isto, pela construção da máquina, significará que o trabalho de casa começa efectivamente a ser feito, mas o efeito é muito satisfatório. Os processos de inferência usados pela máquina não precisam de ser tais que satisfariam os lógicos mais exigentes. Poderia, por exemplo, não haver qualquer hierarquia de tipos. Mas isto tem tão forçosamente de significar que ocorrerão falácias categoriais como nós somos obrigados a cair de falésias onde não se instalou vedações. As imperativas apropriadas (que se exprimem do sistema)
dentro dos
sistemas, não fazendo parte das regras
tais como «Não uses uma classe a menos que seja a subclasse de uma
classe mencionada pelo professor» pode ter um efeito similar a «Não te aproximes demasiado da beira». As imperativas que podem ser obedecidas por uma máquina sem membros estão limitadas a um carácter algo intelectual, como no exemplo (fazer o trabalho de casa) dado atrás. Entre as imperativas serão importantes as que regem a ordem pela qual se aplicará as regras do sistema lógico envolvido. Pois em cada etapa em que se
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usa o sistema lógico, há um número muito elevado de etapas alternativas, qualquer uma das quais é permitido aplicar, o que diz respeito à obediência às regras do sistema lógico. Estas escolhas fazem a diferença entre um raciocinador brilhante e um tolo, não a diferença entre um sólido e um falacioso. Proposições que levam a imperativas deste tipo podem ser «Quando se menciona Sócrates, usa o silogismo em Barbara» ou «Se um método se mostrou mais rápido do que outro, não uses o método mais lento». Algumas destas podem ser «dadas por autoridade», mas outras podem ser produzidas pela própria máquina, p. ex., por indução científica. A ideia de uma máquina que aprende pode parecer paradoxal a alguns leitores. Como podem as regras operativas da máquina mudar? Estas deveriam descrever completamente o modo como a máquina reagirá seja qual for a sua história, sejam quais forem as mudanças que possa sofrer. As regras são assim de todo temporalmente invariantes. Isto é inteiramente verdade. A explicação do paradoxo é a de que as regras que mudam durante o processo de aprendizagem são de um tipo bastante menos pretensioso, exigindo apenas uma validade efémera. O leitor pode estabelecer uma analogia com a Constituição dos Estados Unidos. Uma característica importante de uma máquina que aprende é a de que o seu professor ignorará muito frequentemente o que se passa no interior, embora possa ser ainda capaz até certo ponto de prever o comportamento do seu aluno. Isto deveria aplicar-se com maior força à educação posterior de uma máquina que se desenvolve a partir de uma máquina infantil cuja projecção (ou programa) foi bemsucedidamente posta à prova. Trata-se de um contraste nítido com o procedimento normal ao usar uma máquina para fazer computações: o objectivo é então o de obter uma imagem mental clara do estado da máquina em cada momento na computação. Este objectivo só se pode alcançar por meio de uma luta. A perspectiva de que «a máquina só pode fazer aquilo que lhe sabemos como dizerlhe que faça»,1 parece estranho perante isto. Maioritariamente, os programas que podemos colocar na máquina terão como resultado a máquina fazer algo a que não conseguimos de todo dar sentido, ou que consideramos como comportamento inteiramente aleatório. O comportamento inteligente presumivelmente consiste num afastamento do comportamento inteiramente disciplinado envolvido na computação, mas um afastamento algo ligeiro, que não dê lugar a comportamento aleatório ou a círculos repetitivos inúteis. Outro resultado importante de preparar a nossa máquina para desempenhar o seu papel no jogo da imitação por um processo de ensino e
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aprendizagem é que provavelmente omitir-se-á a «falibilidade humana» de uma maneira bastante natural, ou seja, sem um «treino» especial. (O leitor deveria harmonizar isto com o ponto de vista nas pp. 24 e 25.) Processos que são aprendidos não produzem um resultado cem por cento certo; se o fizessem não poderiam ser desaprendidos. É provavelmente sensato incluir um elemento aleatório numa máquina que aprende (ver p. 438). Um elemento aleatório é bastante útil quando procuramos uma solução para algum problema. Suponha-se por exemplo que queríamos encontrar um número entre 50 e 200 que fosse igual ao quadrado da soma dos seus dígitos, poderíamos começar em 51 e então tentar 52 e prosseguir até encontrarmos um número que funcionasse. Alternativamente, poderíamos escolher números aleatoriamente até encontrarmos um bom. Este método tem a vantagem de ser desnecessário manter o registo dos valores que foram tentados, mas a desvantagem de que se pode tentar o mesmo duas vezes, mas isto não é muito importante se há muitas soluções. O método sistemático tem a desvantagem de poder haver um enorme bloco sem quaisquer soluções na região que se tem de investigar primeiro. Ora, o processo de aprendizagem pode ser considerado como a procura de uma forma de comportamento que satisfará o professor (ou um outro critério). Visto que há provavelmente um número muito vasto de soluções satisfatórias o método aleatório parece funcionar melhor do que o sistemático. Há que assinalar que é usado no processo análogo da evolução. Mas aí o método sistemático não é possível. Como se poderia manter registo das diferentes combinações genéticas que foram ensaiadas, de maneira a evitar que se as ensaiasse novamente? Podemos esperar que as máquinas eventualmente competirão com os humanos em campos puramente intelectuais. Mas quais os melhores para começar? Mesmo esta é uma decisão difícil. Muitas pessoas pensam que uma actividade muito abstracta, como o jogar xadrez, seria o melhor. Pode-se também sustentar que é melhor dar à máquina os melhores órgãos sensoriais que o dinheiro pode comprar, e depois ensiná-la a compreender e falar inglês. Este processo poderia seguir o ensino normal de uma criança. Poder-se-ia apontar para as coisas e nomeá-las, etc. Mais uma vez, não sei qual a resposta correcta, mas penso que se deveria tentar ambas as abordagens.
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