UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – FACULDADE DE DIREITO
Hermenêutica Jurídica Matéria de hermenêutica dada durante o primeiro período.
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE
JUIZ
DE
F O R A – F A C U L D A D E
DE
DIREITO
Sumário Sumário
Hermenêutica e Interpretação do Direito p.3 Hermenêutica lato sensu e stricto sensu p.6 Hermenêutica Filosófica p.6 Hermenêutica Constitucional p.7 Cânones Hermenêuticos p.9 Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos p.12 Desafio Kelseniano p.14 Voluntas legis e voluntas legislatoris p.14 Bibliografia p.17
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Hermenêutica e Interpretação do Direito
I-
Hermenêutica e Interpretação do Direito
Hermenêutica : a teoria científica da arte de interpretar .
No mundo do Direito, hermenêutica e interpretação constituem um dos muitos exemplos de princípios e aplicações. Enquanto a hermenêutica cuida da teoria e visa estabelecer princípios, critérios e métodos, orientações gerais, a interpretação é de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica. Interpretar é o ato de explicar o sentido de alguma coisa. É revelar o significado de expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto. O trabalho do intérprete é o de decodificar e, para isto, percorre inversamente o caminho seguido pelo codificador. Interpretar o Direito significa revelar o seu sentido e alcance. Temos assim: revelar o seu sentido: a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado, a finalidade, de proteger e beneficiar a saúde física e mental do trabalhador; fixar o alcance das normas jurídicas: significa delimitar o seu campo de incidência. Então, Interpretar o Direito é revelar o sentido e o alcance de suas expressões. Fixar o sentido de uma norma é descobrir a sua finalidade, é pôr descobertos os valores consagrados pelo legislador, o alvo que ele buscava proteger; e fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre os fatos sociais em que circunstancia a norma jurídica tem aplicação. Interpretar o Direito é conhecê-lo; conhecer o Direito é interpretá-lo. A interpretação pode ter dupla finalidade: teórica e prática. É teórica quando assume como foco o esclarecimento de determinado assunto (norma), como é próprio da doutrina. É prática quando se destina à administração da justiça e aplicação nas relações sociais. Atualmente, no âmbito doutrinário dos tribunais, existe a chamada Interpretação conforme a Constituição, segundo a qual sempre que a norma jurídica oferecer mais de um sentido e um deles for contrario a lei maior, apenas este deverá ser considerado inconstitucional. Este princípio é mais uma aplicação do Direito do que uma interpretação. A Hermenêutica do texto normativo busca a intelecção desse texto: a vontade da norma, voluntas legis, seu sentido, ratio e mens legis. A Hermenêutica da norma jurídica, restringindo o campo das normas, chegando em Hermenêutica das normas jurídica escritas, a lei que é o núcleo da Hermenêutica. Pelos cânones hermenêuticos, busca-se o sentido das normas jurídicas, busca-se a ratio legis da causa objetiva da elaboração da lei, motivo do legislador e finalidade da lei. A hermenêutica é uma totalidade, não se escolhe um único método ou cânone, todos devem ser usados sincronizadamente. Um problema apontado pelos os juristas é que a hermenêutica possui uma quantidade grande de métodos e cânones que podem levar a
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Hermenêutica e Interpretação do Direito resultados diferentes, não existe uma hierarquia entre eles. Argumenta-se que o Direito por ser uma Ciência do Espírito1 , e não uma ciência exata, têm-se então uma margem de analise. No que tem valor (homem) não existe exatidão. O ideal é o uso de todos os métodos em busca de um consenso entre seus resultados, sem desprezar as regras da argumentação, que junto com os cânones hermenêuticos buscam uma maior objetividade interpretativa no maior nível possível ao Direito. A Hermenêutica Jurídica é um processo intelectivo do entendimento (busca a vontade da norma) com a finalidade prática de resolver conflitos (razão destinada ao agir humano). As normas jurídicas são um esquema de interpretação da realidade, criadas a partir da interpretação da realidade, por isso, a Hermenêutica Jurídica faz uma metainterpretação do Direito, já que na verdade ela interpreta a realidade (a norma jurídica interpreta a realidade e a Hermenêutica Jurídica por sua vez interpreta a norma, com isso, a Hermenêutica Jurídica acaba por interpretar indiretamente a realidade). A técnica jurídica é a técnica de elaboração da norma (ênfase na axiologia jurídica) e a de aplicação das normas (usando a Hermenêutica Jurídica para interpretar essa norma). Na busca pelo sentido da norma a uma negação da aparência (igualdade formal) buscando a essência (sentido da norma), sempre de forma dialética, pois uma não existe sem o outro. O limite da Hermenêutica Jurídica são os princípios da isonomia (tratamento de todos igualmente perante a lei) e o da segurança jurídica. Na primeira metade do século XX houve a inspiração privatista da Hermenêutica Jurídica da relevância dos códigos. A primeira forma de interpretação da norma jurídica foi à exegese (privatista – código napoleônico). Houve importação da interpretação privatista e, com ela, tem se menor busca do aspecto axiológico e o rígido raciocínio silogístico do intérprete. O âmbito de incidência de uma norma no regime privado é muito reduzido – valor axiológico menor, atingindo com menor perquirição (investigação) e o raciocínio silogístico mais forte, fica mais nítida a aplicação da norma. A hermenêutica privatista tem um estudo exclusivamente lógico analíticodescritivo (dedução, separação e descrição) do Direito. Nessa interpretação não se busca uma atualização da lei com sua valoração axiológica, busca-se a aplicação da letra da lei (corpus legis), também não existe uma busca em contextualizar a lei na nova realidade, é uma interpretação atrelada aos códigos, estrita e literal, digna do movimento exegético. Existe no movimento exegético uma tentativa conservadora de perpetuação do status quo2. E a posição da doutrina positivista, que afirma a neutralidade da pretensão da lei, descartando a moral e os juízos de valor, e colocando como correto uma mera aplicação mecânica da lei, com aplicador neutro, com uma crença cega nas normas positivadas.
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Ciência Humana, que trata de conteúdo do homem, e não uma Ciência exata. Estado atual das coisas
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Hermenêutica lato sensu e stricto sensu A compreensão da ratio legis da lei advém da construção de sentido do corpus legis e na medida em que a ratio legis é compreendida a lei é atualizada. O Círculo Hermenêutico – que apesar de ser chamado de círculo tem seu formato em espiral – defende a idéia que “ao mesmo tempo em que o sujeito influência o objeto, o objeto influência o sujeito.”
Como já disse anteriormente a crítica feita a Hermenêutica Jurídica é a possibilidade de resultados discrepantes, porque o processo hermenêutico não é dotado de exatidão, não existe exatidão nas Ciências Humanas. A crítica não atinge a Teoria da Argumentação, porque é meramente formal, não gera determinado conteúdo, como faz a Hermenêutica Jurídica. Uma das respostas a essa crítica é que na ciência não existem conclusões absolutas, imutáveis, permanentes, porque (1) a ciência é baseada na refutabilidade das verdades que constrói, devido à (2) a falibilidade intrínseca do consenso, da verdade, a racionalidade vai descobrindo aos poucos as verdades da natureza, no momento da refutação uma verdade é desconstruída com a construção de outra, enriquecida, evidenciando assim (3) a processualidade dialética da ciência. Aquilo que foi alcançado na singularidade de um momento no desenvolvimento científico, passa a ser a universalidade de outro processo hermenêutico, do qual surge outra conclusão, há de que, não há dogmaticidade, há refutabilidade. A objetivação crescente da interpretação da norma jurídica se dá tanto no desenvolvimento de métodos hermenêuticos quanto na elaboração de regras da argumentação jurídica. Não se consegue uma exatidão, mas se consegue o máximo de objetivação, objetividade, no ponto de vista do conteúdo e no ponto de vista procedimental, formal, estrutural, tentando sempre fugir das arbitrariedades das decisões. O importante de um resultado científico é que ele seja comprovável, demonstrável, e não que seja definitivo. E ele é comprovável e demonstrável mediante a utilização de regras e critérios, que devem ser revelados de forma que qualquer sujeito possa chegar aos mesmos resultados utilizando-os, daí a universalidade. No poder legislativo têm-se normas abstratas que possibilitam a realização do direito no poder judiciário, tem-se a aplicação da norma com sentido axiológico que possui no instante de sua incidência nas relações jurídicas concretas. Existe uma concretização das normas e uma concretização da sua aplicação na sociedade – regulando pelo silogismo jurídico, materializando, concretizando a abstração (os dois momentos são necessários e possuem sentido axiológico-original e o posterior-duplo e amplo).
II-
Hermenêutica lato sensu e stricto sensu
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Hermenêutica Filosófica Ao explicar extensivamente, de forma simples, podemos dizer que a hermenêutica lato sensu analisa a obra humana, da cultura, buscando seu sentido. Enquanto, a hermenêutica stricto sensu dirige-se as palavras, signo dos signos, que são conhecidas como signos dos signos porque são sinais de pensamento, que por sua vez são sinais de realidade. Segundo o dicionário jurídico RG-FENIX a expressão lato sensu significa: “no sentido amplo, ou geral. Diz- se da interpretação extensiva por oposição a stricto sensu.” Este mesmo dicionário define stricto sensu sendo: “no sentido estrito, literal, exato ou próprio; que não admite interpretação extensiva. Diz-se da exegese em que o tempo é tomado na verdadeira acepção jurídica. O mesmo que sensu stricto. Por oposição a lato sensu.”
Na hermenêutica stricto sensu podemos dizer que se pensa a realidade através das palavras, existe um processo interior, e se exterioriza o pensamento também através das palavras. Portanto, temos uma duplicidade do uso das palavras, usadas tanto no processo de interiorização, quanto no processo de exteriorização. III-
Hermenêutica Filosófica
A Hermenêutica Filosófica nada mais é que a interpretação do homem, que busca o significado do próprio ser que interpreta, o sujeito é o intérprete e o interpretado. Como expoentes desta corrente, temos Heidegger e Gadamer. Esse tipo de hermenêutica não procura entrar no objeto que o homem faz, somente interroga sobre o sujeito, indagando perguntas como: o que é o homem? Interpretativamente realiza-se um processo de compreensão, que busca a revelação do sentido da realidade cultural. Como já foi dito, a hermenêutica é o processo de interpretação. O objeto da Hermenêutica Filosófica é o sentido do ser, da realidade produzida pelo ser e o resultado é a compreensão desse sentido, do homem. É a compreensão da totalidade da realidade, entendendo que o homem a integra de forma a buscar o sentido de ambos. Na Hermenêutica Filosófica, não há distanciamento entre sujeito e objeto, do ser que interpreta para o ser interpretado, existe um movimento, que é chamado de círculo hermenêutico, que é o processo que temos as seguintes características: Exteriorização do indivíduo e a interiorização do interpretado. Este movimento ocorre porque, para que se entenda algo, é necessário se exteriorizar tentando compreender e interiorizar essa compreensão, num processo circular; b. O intérprete modifica a realidade interpretada e, ao mesmo tempo, modifica a si próprio. Dá sentido à realidade, modificando-a e também se modifica, pois ganha conhecimento, ocorre um enriquecimento, também em um processo circular; a.
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Hermenêutica Constitucional Existe também a chamada pré-cognição, onde o que ocorre é que toda a coisa é mediatizada pelo conhecimento social que já se tem. Quando se conhece algo novo, já se tem conhecimento prévio sobre o mundo, a experiência. Conhecimento social em determinado momento histórico, e não individual. E a coisa nova é inserida no nosso conhecimento, mas mediatizada pelo o que já conhecemos; d. Com isso, ocorre um rompimento da distancia entre o horizonte cultural da elaboração da obra produzida, e aquele presente quando dá sua interpretação, a aplicação. Tem-se uma obra produzida, que quando vai ser interpretada é trazida para o presente, circularidade hermenêutica. c.
Podemos dizer então que ao mesmo tempo em que o sujeito influência o objeto, o objeto influência o sujeito, e que, a compreensão e a pré-compreensão são históricas, e necessitam do contexto. A linguagem, como bem diz Gadamer, está tanto no pressuposto quanto no fim da compreensão. Embora a terminologia seja Círculo Hermenêutico, o que realmente ocorre, assim como no movimento dialético, é um movimento em espiral. (U) Inserção
de uma nova obra no conhecimento
(P) Negação dessa obra, porque é desconhecida
A norma é inserida, entra no conhecimento prévio e não é mais desconhecida (S)
A compreensão é, então, um processo de síntese da universalidade, da totalidade da cultura. É a busca do alcance do sentido da universalidade da cultura. Enquanto a explicação é a analise do todo em partes, a separação não só do sujeito e do objeto, como do próprio objeto que é dividido para que se atinja a essência. É então um processo analítico. A compreensão vai além, pois ela busca já na essência o conceito daquilo que será compreendido. IV-
Hermenêutica Constitucional
A Hermenêutica Constitucional recebeu importância a partir da segunda guerra mundial, quando foram criados os Tribunais Constitucionais. Teve-se o reconhecimento da normatividade de valores e princípios constitucionais. Os valores estão inseridos nos princípios. Uma questão que dificulta a Hermenêutica Constitucional é a vagueza, generalidade e imprecisão dos preceitos da Constituição, tendo em vista que ela é o material fundante do nosso ordenamento jurídico e vai sendo concretizada aos poucos. As normas constitucionais têm uma maior flexibilidade de interpretação, devido à sua maior
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Hermenêutica Constitucional complexidade. A interpretação tem que ser mais rica, mais detalhada, para que se consiga chegar à objetividade. Todas as normas dispostas na Constituição têm o mesmo nível formal, mas existe uma diferença com respeito aos seus respectivos níveis axiológicos. Existe uma estrutura axiológica diferenciada dentro da própria Constituição, de pesos do seu conteúdo normativo. Tudo é constitucional, mas alguns estão em uma posição axiológica superior ao que demais é dito, v.g., Direitos Fundamentais. O Princípio da proporcionalidade3 não é positivado, é um princípio geral do Direito (recente). É utilizado na solução de colisão principiológica e, especialmente, em casos de colisões entre princípio fundamentais, pois, eles reúnem a condensação axiológica máxima em um ordenamento jurídico e, dentro dos Direitos Fundamentais, são princípios tão amplos que entram em choque entre si, v.g., Princípio da Igualdade e da Liberdade. O Princípio da Hierarquização axiológica está “junto” com o da proporcionalidade porque a finalidade é a mesma, só que, enquanto no da proporcionalidade tem-se as três máximas, nesse se busca, no caso concreto, a identificação do princípio superior para a resolução do caso (colisão) mediante a hierarquização dos valores em questão, que são hierarquizáveis, mas sem exatidão, especialmente no caso concreto, com circunstâncias fáticas de cada caso. Pelo Princípio axiológico estabelece-se a hierarquia entre as normas constitucionais. A declaração dos Direito Fundamentais prefere (é superior) a todas as demais normas constitucionais. Este princípio analisa o peso valorativo de cada norma, fazendo uma declaração de maior peso a umas e menor a outras. O Principio Político questiona e avalia aas concepções de regime liberal de Estado (propriedade privada tida como valor essencial) ou regime social (igualdade com primeiro valor). Ambos são baseados na liberdade (só necessitam de estar na Constituição). Desses princípios decorrem em relação à Hermenêutica dos Direitos Fundamentais, os Princípios da ponderabilidade, imediatidade e extensabilidade. O Princípio da ponderabilidade é a terceira máxima do Princípio da proporcionalidade, que é aplicada aos Direitos Fundamentais. Os Direitos Fundamentais tem maior peso na constituição que as demais normas nela escritas, isso quer dizer que, na Constituição existe somente igualdade formal, e não igualdade 3
(1) Modalidade indicadora de que a severidade da sanção deve corresponder à maior ou menor gravidade da infração penal. Quanto mais grave o ilícito, mais severa deve ser a pena. A idéia foi defendida por Beccaria em seu livro Dos Delitos e das Penas e é aceita pelos sectários das teorias relativas quanto aos fins e fundamentos da pena. (2) O princípio da p roporcionalidade tem o objetivo de coibir excessos desarrazoados, por meio da aferição da compatibilidade entre os meios e os fins da atuação administrativa, para evitar restrições desnecessárias ou abusivas. Visa-se, com isso, a adequação entre os meios e os fi ns, vedando-se a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
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Cânones Hermenêuticos axiológica, existindo normas com maior peso valorativo do que outras, v.g., Direitos Fundamentais. O Estado Democrático de Direito tem os Direitos Fundamentais como razão de ser e, para sua concretização, se institucionalizou a organização política do Estado Democrático de Direito, daí a finalidade ética desse Estado Democrático. Existe uma diferenciação axiológica do Direito no ordenamento (Constituição no topo, o resto adequado a ela), possibilitando a solução de conflitos da Hermenêutica Constitucional (interpretação do texto constitucional). Quando falamos da hierarquia dos Direitos Fundamentais é necessário entender o uso da ponderação, tendo em vista que, esta é a principal arma do intérprete mediante ao caso de uma colisão de normas jurídicas, especialmente princípios jurídicos. Outra idéia que deve ser lançada e assimilada é a seguinte: só podem ser restrições aos Direitos Fundamentais os próprios Direitos Fundamentais, já que estes estão no topo do ordenamento jurídico, demonstrando sua totalidade necessária e eficácia absoluta. O Princípio da imediatidade diz que as normas declaradas Direitos Fundamentais independem de regulação intermediária, porque a partir da sua declaração tem-se a outorga imediata dos Direitos Fundamentais, com acesso imediato do sujeito de Direito aos órgãos encarregados de sua garantia e efetividade, mesmo sendo muito mais gerais e abstratos. O Poder Judiciário é o órgão competente para efetivar os Direitos imediatamente, porque ele determina o cumprimento da norma jurídica, sendo que, em caso de lacuna, há a criação de uma norma individualizada a partir da decisão no caso concreto, realizase a integração do Direito. Embora não haja completude, existe completabilidade, isso quer dizer que o Direito é completável. O Princípio da extensabilidade das normas dos Direitos Fundamentais significa que a interpretação deles deve ser a mais ampla possível para sua mais extensa concretização. No momento de se interpretar os Direitos Fundamentais é necessário lembrar-se de que o seu conteúdo é mais amplo, geral e abstrato, sendo assim, deve-se buscar todo o alcance lógico e axiológico da norma jusfundamental, para que se tenha a maior aplicação possível, devido a sua maior relevância. Para que estes cuidados sejam seguidos há o recurso aos princípios implícitos (ordenamento jurídico no seu todo) e os princípios explícitos (os positivados) para a interpretação da Constituição. V-
Cânones Hermenêuticos
tem como finalidade essencial a consideração da autonomia da expressão lingüística. Quando a norma é expressa ganha autonomia (vida própria), se decola do sujeito que a declarou, alguns autores chegam a dizer que a norma é mais sabia que o legislador, pois ela pode regular casos que nem o legislador, que a criou, poderia imaginar.
a) Cânone da objetividade:
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Cânones Hermenêuticos “Uma norma legal, uma vez emanada, desprende-se da pessoa
do legislador, como uma criança se livra do ventre materno. Passa a ter vida própria, recebendo e mutuando influências do meio ambiente, o que importa na transformação de seu significado. ” 4 Gabriel Saleilles O que realmente importa então é a voluntas legis5, pois há uma superação da subjetividade originaria da norma jurídica, a norma assume identidade própria. Uma vez existente a lei deve ir além da voluntas legislatoris6 , pois ela passa a ser autônoma. Existe uma busca da ratio legis7 segundo a ratio iuris8. Há uma necessidade de atualização normativa, havendo um distanciamento e independência da norma jurídica com relação ao seu autor (a norma não pode ficar presa a voluntas legislatoris, não pode se limitar à ratio legis do momento de sua criação, pois o tempo passa e os textos envelhecem). O elemento subjetivo é essencial à interpretação, porque é o sujeito que a realiza. Pode-se dizer que a mens legis9 adquire mais valor do que a corpus legis ou verba legis10, porque no pensamento da lei existe objetividade, autonomia, ela dá o sentido e é o critério externo pelo qual o intérprete deve se pautar. É um cânone que assim como o primeiro tem em mente a melhor compreensão das propostas. A idéia deste cânone é simples: as partes devem ser interpretadas em função do todo, e de que, o todo deve ser descrito a partir de uma combinação harmônica das partes.
b) Cânone da totalidade:
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REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky, 1974. Latim; vontade da lei, o objetivo da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 6 Latim; a vontade, intenção do legislador. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 5
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Latim; a razão da lei; os motivos que a determinaram; o fim visado pelo legislador. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 8
Latim; significa razão de direito. Motivo, razão que o hermeneuta encontra no direito vi gente para justificar a interpretação ou solução, que dá a uma regra jurídica ou a certo caso concreto. O fim do direito, a inteligência da lei, a lógica Jurídica. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. Outra explicação que me foi apresentada pela Prof.ª Cla udia Toledo coloca a ratio iuris como a razão do
ordenamento. 9
Latim; é o sentido, a inteligência, o espírito da lei, a sua finalidade precípua. Deve sempre superpor-se à verba legis, às palavras, à letra da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. 10
Latim; as palavras da lei. NUNES, Rodrigues. Dicionário Jurídico RG-Fenix. São Paulo: Editores Associados, 1994. A expressão corpus legis é interpretada por muitos como: letra da lei, ou forma, ou corpo da lei.
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Cânones Hermenêuticos A compreensão da norma é sempre provisória e vai se aperfeiçoando com a extensão do discurso no tempo, tornando-se mais rica. No momento final tem a reunião conjunta dos elementos singulares com maior precisão e clareza do resultado (quanto melhor se compreender o sentido das partes mais preciso e claro é o resultado). A totalidade busca conformidade lógica e axiológica da lei com todo o ordenamento jurídico, considerando-o como um todo sistemático e não uma simples soma de partes. Há um dever de coerência quando se analisa o todo, buscando assim a não contradição das normas, gerando sempre uma preocupação em não gerar e tentar eliminar as antinomias. Há preponderância dos princípios gerais do Direito (explícitos ou implícitos) sobre o costume na interpretação da lei (Direito codificado). Pela totalidade se busca o princípio da universalidade, buscando uma interpretação não casuística11, utilizando a mesma norma para casos semelhantes em sua relevância – mesma ratio legis.
c)
O intérprete não deve apenas entender o sentido original do texto normativo, mas reconstruí-lo de forma com que se adapte melhor ao novo contexto, a nova realidade. A interpretação é feita pelo intérprete na sociedade contemporânea, por isso traz a norma para o presente. Ocorre uma junção dos dois horizontes do Círculo Hermenêutico, elaboração e aplicação. A ratio legis do momento da elaboração da norma deve se adequar as novas necessidades do contexto atual em que a norma vigora. Os textos normativos tendem a envelhecer por motivos externos, de forma que a lei tem que ser atualizada para não perder sua plena eficácia. Cânone da atualidade:
A atualização não representa à mera presentificação da norma, há a comunhão dialética entre duas culturas, não existe uma negação do passado, mas sua conjunção no presente. Na relação dialética tem-se a fidelidade ao pensamento original em confronto com a exigência de renovação advinda da atualidade do conhecer. Deve-se fugir do arbítrio, porque a atualidade é um método científico, que exige a fundamentação racional. É a consonância da mens legis com a totalidade do ordenamento. O que ocorre então é uma combinação harmônica dos cânones hermenêuticos, de modo que se consiga alcançar o seu sentido, considerando a
d) Cânone da adequação:
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A casuística segundo Karl Larenz é aquela situação em que para se chegar à solução de um problema jurídico buscam-se fundamentos na equidade do juiz, é uma solução decisionista, de forma que a decisão é dada pelo o que é considerado justo pelo juiz, ou de outra autoridade a qual é reservada a competência de decisão. A decisão casuística é marcada pela arbitrariedade.
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Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos riqueza de cada cânone. Para que essa consonância entre atualidade, objetividade e totalidade aconteça harmonicamente e de modo eficaz é necessário coerência entre eles. Da utilização dos quatro cânones hermenêuticos consegue-se chegar aos tipos de interpretação, que por sua vez, são usados também como métodos hermenêuticos.
VI-
Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos
Interpretação literal ou gramatical: Citarei dois trechos de
renomados autores
que definem bem esse tipo de interpretação. “Na interpretação literal ou gramatical o dever do intérprete é
analisar o dispositivo legal para captar seu pleno valor expressional. A lei é uma declaração da vontade do legislador e, portanto, deve ser produzida com exatidão e fidelidade. Para isto, muitas vezes é necessário indagar do exato sentido de um vocábulo ou do valor das proposições do ponto de vista sintático.” REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. “Em se tratando de Direito escrito é pelo elemento gramatical que
o intérprete toma o primeiro contato com a proposição normativa [...] O elemento gramatical compõe-se da analise do valor semântico das palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação etc. [...] Modernamente, a crítica que se faz a esse elemento não visa, como é natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que surgem com a sua aplicação. Objetiva-se evitar o abuso daqueles que se apegam à literal idade do texto, com prejuízo à mens legis.” NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Para definir esse método hermenêutico também utilizarei um trecho de Reale. Interpretação lógico-sistemática:
“Cada artigo de lei se situa em um capítulo ou em um título e seu
valor depende de sua colocação sistemática. É preciso, pois, interpretar as leis segundo seus valores lingüísticos, mas sempre situando-as no conjunto do sistema. Esse trabalho de compreensão de um preceito, em sua correlação com todos que com ele se articulam logicamente, denomina-se interpretação lógico-sistemática. [...] Interpretar logicamente um texto de Direito é situá-lo ao mesmo tempo no sistema geral do ordenamento. A nosso ver, não
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Tipos de interpretação ou métodos hermenêuticos se compreende, com efeito, qualquer separação a interpretação lógica da sistemática. São antes aspectos de um mesmo trabalho de ordem lógica, visto como as regras de direito devem ser entendidas organicamente, estando umas na dependência das outras, exigindose reciprocamente através de um nexo que a ratio iuris explica e determina.” REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito.
A explicação deste tipo de interpretação será feita com trechos de Reale e Nader. Interpretação histórico-evolutiva:
“ [...]
Gabriel Saleilles, deu claros contornos à teoria da interpretação histórico-evolutiva. Segundo essa doutrina, uma norma legal, uma vez emanada, desprende-se da pessoa do legislador, como uma criança se livra do ventre materno. Passa a ter vida própria, recebendo e mutuando influencias do meio ambiente, o que importa na transformação de seu significado. ” REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. “Como força viva que acompanha as mudanças sociais, o Direito se
renova, ora aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros, para atender o desafio dos novos tempos. [...] A evolução da ciência nunca se faz mediante a saltos, mas através de conquistas graduais, que acompanharam a evolução cultural registrada em cada época. [...] Quanto mais antigo for o trabalho preparatório, menos valor oferecerá, pois terá retratado fatos de uma sociedade mais distante.” NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Interpretação Teleológica: Destacarei trechos de Nader e Ferraz Jr.
“Na moderna hermenêutica o elemento teleológico assume um
papel de primeira grandeza. Tudo que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim contém uma idéia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, o estudo dos fins colimados pela lei. [...], o fato teleológico investiga os fins que a lei visa atingir. Quando o legislador elabora uma lei, parte da idéia do fim a ser alcançado. Os interesses sociais que pretende proteger, inspiram a formação dos documentos legislativos. Assim, é natural que no ato da interpretação se procura avivar os fins que motivaram a criação da lei, pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis. [...] Os fins das leis se revelam através dos diferentes elementos de interpretação.” NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito.
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Desafio Kelseniano
Uma típica interpretação teleológica e axiológica é a que se postulam fins e se valorizam situações. “A interpretação teleológica e axiológica ativa a participação do
intérprete na configuração do sentido. Seu movimento interpretativo, inversamente ao da interpretação sistemática que também postula uma cabal e coerente unidade do sistema, parte das conseqüências avaliadas das normas e retorna para o interior do sistema. É como se o intérprete tentasse fazer com que o legislador fosse capaz de mover suas próprias previsões, pois as decisões dos conflitos parecem basear-se nas previsões de suas próprias conseqüências. Assim, entende-se que, não importa a norma, ela há de ter, para o hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as conseqüências da previsão legal (a lei sempre visa aos fins sociais do direito e às exigências do bem comum, ainda que, de fato, possa parecer que eles não estejam sendo atingidos).” FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito.
VII- Desafio Kelseniano
É necessário, no plano da hermenêutica, um princípio que impeça o recuo ao infinito, pois, uma interpretação cujo os princípios fossem mantidos sempre em aberto bloquearia a obtenção de uma decisão. E, ao mesmo tempo, pela própria natureza do discurso normativo, o sentido do conteúdo das normas é sempre aberto. Tais características fazem com que o ato interpretativo dogmático se veja aprisionado dentro de uma correlação instável entre dogma e liberdade, isto é, entre um ponto objetivo, v.g., a necessidade de determinar objetivamente os pontos de partida, e um ponto subjetivo, v.g., de ao final, sempre se encontrarem diversos sentidos. Esse impasse, onde ocorre essa relação de tensão entre dogma e liberdade constitui o que chamamos de o desafio kelseniano.
VIII- Voluntas legis e voluntas legislatoris
Essa é um dos temas mais polêmicos da ciência jurídica. Essa oscilação entre fator subjetivo – voluntas legislatoris – e fator objetivo – voluntas legis ou espírito do povo – foi, e vem sendo digno de estudo sendo considerado um ponto nuclear para entender o desenvolvimento da ciência jurídica como teoria da interpretação.
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Voluntas legis e voluntas legislatoris Em meados do século XIX, ocorre, assim, na França e na Alemanha, uma polêmica. De um lado aqueles que defendiam uma doutrina restritiva da interpretação, cuja a base seria a vontade do legislador , a partir da qual, com auxílio de análises lingüísticas e de métodos lógicos de inferência, seria possível construir o sentido da lei ( “Jurisprudência dos Conceitos ”, na Alemanha, e “Escola da Exegese ”, na França). De outro lado, foram aparecendo aqueles que sustentavam que o sentido da lei repousava em fatores objetivos, como os interesses em jogo na sociedade ( “Jurisprudência dos Interesses ”, Alemanha), até que, já no final do século XIX e inicio do século XX, uma forte oposição ao “conceptualismo” desemboca na chamada escola da “libre recherche scientifique” (livre pesquisa científica) e da “Freirechtsbewegung” (movimento do direito livre) que exigiam que o intérprete buscasse o sentido da lei na vida, nas necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axiológico), ou de suas condicionantes sociais (método sociológico), ou de seus processos de transformação (método axiológico-evolutivo), ou de sua gênese (método histórico) etc. 12 Um modo didático que se usa para expor melhor e facilitar a compreensão do que é dito consiste em uma separação em dois grupos. Método e objeto aparecem como questões correlatas. Do ângulo do objeto, o direito é visto como a positivação de normas dotadas de sentido. Do ângulo do método, temos o problema de como e onde captar esse sentido. Devido a isto, podemos dividir a doutrina em duas correntes que, embora não se separem com muita nitidez, podem ser separadas didaticamente conforme o reconhecimento ou da voluntas legis ou da voluntas legislatoris. Chamamos a primeira de objetivista e a segunda de subjetivista. A doutrina subjetivista insiste em que, sendo a ciência jurídica, um saber dogmático (a noção de dogma enquanto um princípio arbitrário, derivado de vontade do emissor de norma lhe é fundamental), é, basicamente uma compreensão do pensamento do legislador; portanto, interpretação ex tunc (desde então, isto é, desde o aparecimento da norma pela positivação da vontade legislativa), ressaltando-se, em consonância, o papel preponderante do aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método histórico). Já para doutrina objetivista a norma goza de um sentido próprio, pode se dizer que, os seguidores dessa corrente acreditam na autonomia da norma, do seu desvinculamento com o legislador depois de sua criação, esse sentido próprio da norma é determinado por fatores objetivos (o dogma é um arbitrário social), independentemente até certo ponto do sentido que lhe tenha querido dar o legislador, donde a concepção da interpretação como compreensão ex nunc (desde agora, isto é, tendo em vista a situação e o momento atual de vigência), aonde se dá ênfase no papel preponderante dos aspectos estruturais em que a norma ocorre e as técnicas apropriadas a sua captação (método sociológico). Assim, levado ao extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do 12
FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas. (p. 232)
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Voluntas legis e voluntas legislatoris legislador, pondo a sua vontade em relevo. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece certo anarquismo, pois estabelece o predomínio de uma equidade duvidosa dos intérpretes sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que legalmente constituídos, chegando-se a afirmar, como fazem alguns realistas americanos, que o direito é “o que os tribunais decidem ” 13.
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FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas. (p. 234)
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Bibliografia FERRAZ JR, T. S. (2010). Introdução ao estudo do Direito: Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas. NADER, P. (2008). Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense. NUNES, R. (1994). Dicionário Jurídico RG-FENIX. São Paulo: Editora Associados. REALE, M. (1974). Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky.
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