Cristina Valente
COACHING PARA PAIS ESTRATÉGIAS E FERRAMENTAS PRÁTICAS PARA EDUCAR OS NOSSOS FILHOS
índice
Introdução .
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Educar crianças felizes e responsáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Educar: porque é que a intuição e o instinto não chegam?! . . . . . . 1.1 Educar é liderar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2. A melhor disciplina é a prevenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.3 A ansiedade: «Pais: relaxem!» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.4 A culpa dos pais: «Onde foi que eu errei?!» . . . . . . . . . . . . . . 1.5 Como posso tornar-me um pai positivo? . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6 Quer criar uma criança com valores? Deixe de sobrevalorizá-la! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7 Em conclusão… Desfrute (com) a sua criança! . . . . . . . . . . . .
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2 Pais e filhos crescem juntos! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.1 Que planos tem para o seu filho? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2 Afinal, o que é uma «criança feliz»? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 O que queremos e podemos mudar? O comportamento ou o temperamento? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.4 O mimo certo ajuda a desenvolver o respeito mútuo . . . . . . . . 2.5 O amor incondicional aceita imperfeições . . . . . . . . . . . . . . . 2.6 Ensinar a transformar sentimentos negativos em positivos . . . . 2.7 Em conclusão… Na educação, as medalhas demoram a chegar… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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3 Não existem erros. Apenas lições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.1 «Boa! Errei!» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 As crianças mentirão menos se nós… . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 É preciso «coragem para sermos imperfeitos» . . . . . . . . . . . . . 3.4 Sucesso cognitivo… e onde fica a felicidade? . . . . . . . . . . . . . 3.5 Crianças que erram = Crianças que criam . . . . . . . . . . . . . . . 3.6 Os 3 passos da reconstrução de um erro . . . . . . . . . . . . . . . . 3.7 Em conclusão… Aprenderem lado a lado . . . . . . . . . . . . . . . .
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4 Ferramentas parentais positivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1 Encorajar e elogiar: as diferenças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Peça-lhe ajuda!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3 O poder das perguntas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 O poder de escutar as respostas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5 O «amuadouro» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6 Consequências naturais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.7 Poder com limites. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.8 «Se é um problema, existe uma solução!» . . . . . . . . . . . . . . . 4.9 Em conclusão… O melhor da vida é grátis! . . . . . . . . . . . . . .
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5 O poder da criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.1 «Eu tenho o poder!» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.2 Ensinar a criança a usar o seu poder de forma positiva . . . . . . 5.3 O que é, afinal, uma luta de poder? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4 As lutas que as crianças ganham sempre . . . . . . . . . . . . . . . . 5.5 O poder da palavra «Não» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.6 Em conclusão… Poderosas ideias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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6 Birras e mau comportamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1 Birras: o primeiro passo para a independência . . . . . . . . . . . . 6.2 Estratégias positivas para gerir birras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.3 «Papá: já terminaste a tua birra?» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.4 A diferença entre birra, mau comportamento e perturbações do desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.5 Estratégias positivas para transformar o mau comportamento 6.6 Em conclusão… Depois da tempestade… . . . . . . . . . . . . . . . .
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7 Estratégias para criar autonomia à mesa e no sono . . . . . . . . . . . . 7.2 Criar responsabilidade à mesa: «Quero escolher o que como» 7.3 «Não me obriguem a comer!» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.4 Trabalho de equipa na cozinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.5 Responsáveis e positivos… até a dormir! . . . . . . . . . . . . . . . . 7.6 Cada um na sua… (cama) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.7 Dormir sobre o assunto, mas antes… relaxar! . . . . . . . . . . . . 7.8 Em conclusão… Cama, mesa… e criança bem-comportada!…
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8 Famílias positivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.1 Todos diferentes, mas todos responsáveis e positivos . . . . . . . . 8.2 O amor dos pais nunca acaba… dá para todos! . . . . . . . . . . . 8.3 Famílias competitivas ou famílias cooperativas? . . . . . . . . . . . 8.4 As lutas servem para desenvolvermos competências positivas 8.5 Reuniões de família para irmãos positivos! . . . . . . . . . . . . . . . 8.6 Em conclusão… Final feliz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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9 Pré-adolescentes e adolescentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.1 Como saber que a adolescência chegou cá a casa: os principais sinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.2 Adolescentes positivos? Isso existe?! . . . . . . . . . . . . . 9.3 Ajude a criar um adolescente poderoso . . . . . . . . . . . 9.5 Sexo, drogas e rock’n’roll . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.5 «Alô, alô, Terra chamando…»: como comunicar com um adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.7 Em conclusão… nunca é tarde! . . . . . . . . . . . . . . . . .
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10 Estratégias positivas para crianças responsáveis . . . . . . . . . . . . . . 10.1 As boas notas são a medida do nosso amor? . . . . . . . . . . . . 10.2 A criança pode escolher a sua própria roupa? . . . . . . . . . . . . 10.3 O valor que as crianças dão ao dinheiro. . . . . . . . . . . . . . . . 10.4 Preparar o melhor ano letivo de sempre! . . . . . . . . . . . . . . . 10.5 A criança e o livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10.6 A semana ideal para pais positivos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10.7 Temos mesmo de ajudá-los nos TPC?. . . . . . . . . . . . . . . . . . 10.8 Educar para a solidariedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10.9 Em conclusão… Os 12 passos dos pais positivos. . . . . . . . . .
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11 Pais e mães single 11.1 Nunca imaginei… tornar-me um pai single! . . . . . . . 11.2 Ter fé nos filhos de famílias single . . . . . . . . . . . . . . 11.3 Criar harmonia na vida da família single . . . . . . . . . 11.4 O relacionamento com o/a «ex»: o seu filho merece!. 11.5 Ser single também é tomar conta de si! . . . . . . . . . . 11.6 Em conclusão… Singles: os mais fortes do planeta! . .
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INTRODUÇÃO
EDUCAR CRIANÇAS FELIZES E RESPONSÁVEIS
E
screver este livro foi um ato de amor. Amor por mim própria, como mulher e mãe (porque aprendi muito ao escrevê-lo), amor pelos meus filhos e por todos os outros pais e crianças. É a minha contribuição como cidadã que espera, sempre, um mundo melhor. E o mundo só se torna melhor quando em cada casa onde houver crianças e pais… todos sintam paz e alegria. É fundamental que as crianças sejam tratadas com respeito e educadas para serem independentes, boas, generosas, criativas e ousadas. E a olharem para os erros como oportunidades valiosas de aprendizagem, lutando contra a culpa, o medo e a insegurança. Só assim poderão tornar-se cidadãos verdadeiramente livres, felizes e responsáveis. Cidadãos que saibam como mudar o mundo, vivendo com um propósito e deixando um legado. Mas igualmente importante é que nós, pais, tenhamos mais prazer no desempenho do nosso papel de educadores. Temos de ser – e somos! – os primeiros líderes e heróis dos nossos filhos. Os líderes apoiam, compreendem, mas sobretudo… desafiam. Os heróis inspiram e dão o exemplo. É bem verdade que nenhum de nós nasceu com a «competência» para ser pai ou mãe. E a intuição não basta. Educar é decidir entre vários caminhos e isso implica reflexão, escolha. Refletir sobre o que queremos realmente para os nossos filhos mas também sobre os tantos obstáculos emocionais que nós próprios temos de ultrapassar, o que nos obriga a um crescimento pessoal que nem sempre encaramos com coragem e esperança.
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É certo que ser pai ou mãe nunca foi fácil. E os desafios específicos que os pais atualmente encaram nem sequer existiam no passado, em que as orientações sobre como se educa um filho eram bem mais claras. Hoje, na maior parte dos casos, os pais alternam constantemente entre a abordagem autoritária e a permissiva. Sabem que se exercerem demasiado poder e se usarem castigos, isso não resulta. E que o oposto também não (deixar cair o poder e educar sem regras). Sabem isso muito bem. O seu problema é não conhecerem alternativas eficazes para poderem ultrapassar as dificuldades sentidas pelos filhos (designadamente aquelas associadas à alimentação e ao sono, ao insucesso escolar, à adolescência, à separação dos pais, etc.). Precisamos portanto de muito apoio, de todo o tipo de apoio. Até porque sentimo-nos, muitas vezes, demasiado preocupados, sozinhos e stressados. E como sabem, o stresse é o espaço entre o que a vida é e o que pensamos que deveria ser. E é tão reconfortante sabermos que, afinal, estamos todos no mesmo barco: temos todos os mesmos problemas, as mesmas dúvidas, cometemos quase sempre os mesmos erros. E que sim, existem alternativas eficazes! Por isso devemos partilhá-las. E é esse o objetivo deste livro: partilhar ideias e soluções práticas. Tenho aprendido ao longo da vida que se algo resulta comigo, então vale a pena partilhá-lo com os outros. Conheço famílias que parecem estar quase a desmoronar-se e que apenas precisam de um conselho, de uma atitude compreensiva da nossa parte, de um pequeno nada que faça a diferença! Esperamos poder ajudar com este livro. A psicologia moderna, as neurociências e tantas outras áreas trazem-nos boas notícias e importantes conhecimentos que nos ajudam a todos a compreendermos melhor esse maravilhoso mundo dos mais pequeninos: o que pensam, o que sentem e porque fazem o que fazem. Todo esse capital de conhecimento acumulado dá-nos, portanto, alternativas à educação que nos foi transmitida pelos nossos pais e avós. Hoje em dia, todos nós podemos aprender uma educação parental mais democrática, adaptada ao mundo atual que é também mais democrático e onde os modelos de submissão já não funcionam. E as crianças sabem disso! Por isso tornam-se tão exigentes! Bem sei que a palavra «democrática» assusta um pouco alguns pais. Não existe razão para tal. Numa família democrática, embora a opinião de todos seja tomada em conta, quando chega a altura de
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ser tomada uma decisão, a última palavra cabe sempre aos adultos. A educação democrática é bastante mais eficaz porque orienta, reforça regras, exercita autoridade (e não autoritarismo) quando necessário, mas também partilha responsabilidades, sempre numa relação baseada nos princípios da colaboração, da firmeza, da dignidade e do respeito entre pais e filhos. Todos os casos relatados nesta obra são baseados em situações reais mas os nomes dos adultos e das crianças foram omitidos ou substituídos, para total proteção da privacidade de todos os envolvidos. Para finalizar, gostaria de agradecer a cada um dos leitores que escolheu ler este livro. Porque cometeu (tal como eu ao escrevê-lo) um ato de amor pelos seus filhos. É que não foi a intuição que vos trouxe até aqui. Cada um de vós escolheu e decidiu lê-lo. E amor é isso mesmo. Amor é ação. O meu mais profundo desejo, pois, é que encontrem aqui alguma informação útil, um conselho que resulte convosco ou uma ideia estimulante que vos faça refletir e, sobretudo, agir. Acreditem: existe sempre uma solução! … E o mundo precisa de pais heróis que saibam mostrar aos seus filhos que ser feliz é o estado natural do ser humano.
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EDUCAR: PORQUE É QUE A INTUIÇÃO E O INSTINTO NÃO CHEGAM?!
A
educação das crianças, principalmente nos dias de hoje, é uma tarefa verdadeiramente dura. Já pensaram bem nos desafios que, como pais, todos temos de enfrentar? Como poderemos alguma vez ter sucesso se contarmos apenas e só com a nossa intuição e com o nosso instinto? Não podemos! Do que precisamos mesmo é de ter ideias muito claras sobre as várias fases do desenvolvimento infantil, sobre o que deveremos esperar da criança em cada idade, sobre como se constroem (boas) relações humanas e, não menos importante, sobre nós próprios. Precisamos de ter ao nosso dispor soluções muito práticas: ferramentas, estratégias, planos de ação. Precisamos de destruir muitos mitos sobre as crianças e sobre a forma ideal de educá -las. O que aprendemos dos nossos pais e avós (que nos educaram, sem dúvida, com todo o seu amor) terá de ser repensado. Hoje sabemos mais. Precisamos de quebrar o ciclo da vergonha, do castigo, da culpa e da crítica que caracterizava os métodos mais autoritários! Os pais atuais precisam de encontrar alternativas a estes métodos e é isso que vão encontrar nas páginas deste livro. Qualquer mãe sabe, intuitivamente, como são vitais os afetos no desenvolvimento saudável do seu filho. Mas, afinal, o que é a intuição? A intuição é o conhecimento direto da verdade. Não envolve nenhum raciocínio consciente nem um conhecimento analítico. E o instinto? O instinto é um movimento inato de sobrevivência e conservação da espécie. Pensemos, por exemplo, na amamentação: o que acontece quando amamentamos o nosso bebé está diretamente
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ligado, em parte, ao nosso instinto, à nossa intuição (e também, claro, a um certo conhecimento inconsciente coletivo) que nos orienta no momento de alimentarmos o bebé. Também é verdade que a sociedade atual, por muitas razões, retirou-nos a todos a capacidade de seguirmos e confiarmos na nossa intuição, no nosso instinto e nesse conhecimento tão importante que passou de gerações em gerações. Vejamos, por exemplo, o que aconteceu comigo, com os meus filhos e com a amamentação. Enquanto esperava o meu primeiro bebé, li e reli tudo o que havia para ler sobre «como ser uma boa mãe». Pensava eu. Considero-me uma mulher moderna, instruída, curiosa. No entanto, foi apenas durante os últimos meses de gravidez que tive um contacto mais profundo com o tema «amamentação» – de uma forma prática, objetiva, esclarecedora. No curso de preparação para o parto, quase faltei a uma sessão sobre o tema, por não entender na altura a importância do conteúdo. Foi nesse dia que despertei. De outra forma, teria provavelmente desistido de amamentar assim que tivesse surgido a primeira adversidade (mamilos gretados, mastite, receio de não ter um leite «bom», etc.). Quando o bebé finalmente nasceu, percebi que a amamentação era uma experiência verdadeiramente poderosa. Amamentei o meu primeiro filho até aos 19 meses e a minha filha até aos 20. Foi a experiência mais simples deste mundo e, no entanto, das mais maravilhosas. Segui e confiei na intuição? Claro que sim. Mas para aceder a ela, tive de aceitar o conhecimento que me foi transmitido para que pudesse retirar da experiência o que havia de melhor. Foi o conhecimento que me despertou para a intuição.
Mas apesar da importância indiscutível da amamentação, educar uma criança é muito mais do que alimentá-la. É até mais do que tratar (instintivamente) da sua saúde. Já lhe aconteceu, por exemplo, sentir o hálito «quente» do seu filho, colocar-lhe imediatamente (quase sem pensar) a mão na testa e pressentir que a febre vai chegar, mais cedo ou mais tarde? E descobrir, horas depois e sem surpresa, que o termómetro acabou por dar-lhe toda a razão? O instinto é algo maravilhoso! Mas como eu dizia, educar uma criança é muito mais do que alimentá-la, cuidar da sua saúde e protegê-la.
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Educar um filho envolve uma série de reflexões, decisões, comparações sobre o que faço, o que já fiz, o que deveria fazer e o que deveria ter feito. Educar é ser consistente, responsável, tentar fazer escolhas sensatas, pensar sobre as ações e as suas consequências, criar limites. É também saber gerir frustrações (quando decido não dar à criança tudo o que pede), motivá-la (quando quer desistir depois da primeira aula de natação), dar o exemplo (através da nossa ação… muito mais do que da nossa palavra!). É tudo isto… e muito mais! Então?! Como poderemos alguma vez pensar que «já se nasce pai», «já se nasce mãe», e que «ninguém precisa de me vir dizer o que devo fazer!»?! Educar é liderar, como veremos no ponto seguinte, mas o verdadeiro líder é humilde, curioso e tem sede de aprender.
1.1 Educar é liderar Será que um líder é-o instintivamente? Um líder nasceu líder? Pelas mesmas razões apontadas atrás, penso que não! O que faz de alguém – seja homem ou mulher – um verdadeiro líder? Antes de mais, um líder tem a capacidade de fazer com que outros o sigam. E alguém só segue alguém pelo seu exemplo (reparem nas semelhanças com «ser-se pai» ou «ser-se mãe»!). Um líder tem uma visão muito clara do que quer alcançar e do que precisa de fazer para lá chegar, inspirando os outros e transmitindo-lhes essa visão – com disciplina e paixão! Paixão é algo que pais e mães já possuem. E a disciplina? Afinal, o que é a disciplina? «Disciplina» é uma palavra ambígua. Muitos de nós pensamos que, em educação, «disciplina» e «castigo» são sinónimos (nesta obra, designaremos por castigo todos os métodos que provocam à criança humilhação, dor, culpa e vergonha e que tem como único objetivo a obediência). Mas essa interpretação não é a mais correta. A palavra «disciplina» deriva do latim «discipulus» («aquele que aprende», «aquele que segue», «seguidor da verdade»). Significa que disciplinar é o mesmo que ensinar, instruir, orientar, educar, treinar. Gradualmente, foram sendo adicionados outros significados, como «estabelecimento da ordem» ou «castigo». Mas para o conceito de educação preconizado neste livro, a disciplina está diretamente ligada à formação do caráter de uma pessoa (neste caso em concreto, da criança, nosso filho ou nosso aluno).
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Os pais devem ser os primeiros e os mais influentes «disciplinadores», ou seja, os melhores «mestres» ou «líderes» da criança. Sim, queridos pais, muito antes dos nossos dedicados professores! A criança precisa de explorar e de descobrir o mundo, pois foi para isso que nasceu! Precisa de satisfazer a sua sede insaciável de curiosidade e de independência (aquilo a que neste livro chamaremos «poder»). Essa curiosidade e essa necessidade de independência parecem aos olhos dos adultos, muitas das vezes, um mau comportamento, uma provocação. A curiosidade é, por exemplo, uma das causas de «mau comportamento» dos mais pequenos. Mas imaginem só o que pensará e sentirá uma criança quando é castigada por algo que… veio programada para fazer?! Claro, existem muitas outras causas para o mau comportamento, mas falaremos disso mais à frente. Quanto mais soubermos sobre estas causas e sobre as possíveis soluções, mais preparados estaremos para gerir a maior parte das situações que enfrentamos em casa e na escola. Desta forma, todos ganham. Não é fantástico? Disciplinar uma criança, por isso, não é castigá-la quando se porta mal. O castigo é uma reação negativa a um comportamento da criança e o seu único objetivo é levar a criança a obedecer. A boa notícia sobre o castigo é que pode funcionar no momento. As más notícias é que o castigo não tem valor a longo prazo nem ensina qualquer competência à criança (responsabilidade, interajuda, resolução de problemas, etc.). Muitos estudos mostram que as crianças respondem melhor aos métodos e estratégias de que falaremos nesta obra do que ao castigo. Mas não precisamos de recorrer aos estudos, pois não? Qualquer um de nós responde melhor ao encorajamento do que à punição – seja no trabalho, no casamento, na amizade. Imagine que alguém queria que se empenhasse numa determinada tarefa e que esperava de si o melhor. Iria primeiro castigá-lo e humilhá-lo? Enchê-lo-ia de culpa e vergonha? Como se sentiria? Uma criança, do ponto de vista emocional, não é diferente de um adulto. Ou seja, responde muito melhor a uma orientação positiva do que a uma punição. Portanto, em vez de castigá-la, oriente-a e explique-lhe pacientemente o que ela pode e deve fazer em vez do mau comportamento. Neste livro encontrará muitas alternativas. Disciplinar é também estabelecer limites, mas nunca nos devemos esquecer que esses limites devem ser adequados à idade da criança, ou melhor, à fase de desenvolvimento em que ela se encontra. No entanto,
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à medida que ela cresce, esses limites devem ser alargados. Portanto, vá ajustando-os periodicamente, para se assegurar de que ainda são adequados e eficazes. Disciplinar é ensinar a criança a seguir regras, a distinguir o certo do errado e a portar-se bem mesmo quando o papá e a mamã (ou outro adulto qualquer) não estão por perto, para dizer-lhe o que deve ou não fazer. Disciplinar crianças pode ser feito com amor (carinho e firmeza), pois isso fá-las sentirem-se seguras, amadas e respeitadas; promove o seu crescimento emocional e a sua autoestima; e fá-las sentirem-se felizes! Esta será, sem dúvida, a única forma de estabelecermos uma relação de confiança e de respeito com o nosso filho! Passarmos tempo de qualidade com ele, lermos juntos, brincarmos juntos, sermos consistentes com as regras e connosco próprios e darmos o exemplo (modelar o bom comportamento) vai, sem dúvida, fortalecer a relação de uma forma incrível! Lembre-se: está a educar um adulto! A sua criança procura, a todo o momento, a sua atenção e a sua aprovação. Passe tempo com ela só a divertir-se. Preocupe-se apenas em estar. Ser pai não implica passar toda a sua vida apenas a disciplinar, a ensinar. Estar com ela provoca um impacto maior do que castigá-la pelo mau comportamento. Fale com ela sobre emoções. Dê-lhe palavras para explicar os seus sentimentos. Isso vai ajudá -la a exprimi-los mais adequadamente. E o que é que isto tudo tem que ver com… liderança? Liderar significa orientar alguém ou mostrar-lhe o caminho para atingir determinado objetivo. Liderar significa ter um propósito, uma causa muito grande. Educar é, pois, liderar. Ser o modelo, dar o exemplo! Deveríamos todos saber que não «estragaremos» os nossos filhos se estes ganharem de vez em quando ou se desistirmos de lutar contra eles. Falamos, portanto, de uma liderança democrática: visão clara, respeito mútuo, regras bem estabelecidas, liberdade com responsabilidade, espaço para todos exercerem os seus poderes e os seus talentos! Hoje exigimos democracia. E todos os pais já perceberam que os métodos autoritários deixaram de funcionar com estas crianças do século xxi que, tal como nós, reclamam democracia. Já ninguém acredita em ditaduras, já ninguém as aceita sequer. Muito menos os mais novos! No método autoritário, portanto, os pais ou outros adultos impõem, sem apelo nem agravo, os seus valores e as suas regras.
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A criança aceita sem discussões. Este modelo colapsou, assim como colapsou o modelo de submissão na nossa sociedade. Todos sabemos que somos iguais e que temos o mesmo direito à dignidade e ao respeito. Assim é também nas famílias: as crianças nasceram numa sociedade democrática e não aceitam métodos usados no passado. Em boa verdade, esses métodos, baseados na privação ou castigo e na recompensa ou elogio, partem do pressuposto de que a criança não aprende a não ser pela gestão (parental) da dor e do prazer. Pressupõe uma criança sem inteligência que não consegue pensar sobre as consequências das suas próprias escolhas (como, por exemplo, aprender por si mesma que, se não quiser jantar, vai ter fome mais tarde). Pais autoritários muitas vezes impõem, humilham, exigem submissão – o que faz desenvolver na sua amada criança um terrível sentimento de inferioridade. Estes pais, lamento dizer, estão simplesmente condenados ao fracasso – e fracasso significa filhos que crescerão inseguros, dependentes, irresponsáveis. Muitos pais e professores, sobrecarregados e desorientados sobre a forma de educar os seus filhos e alunos, decidem (muitas vezes porque é mais cómodo e lhes dá uma falsa sensação de segurança) cair no extremo oposto do autoritarismo, tornando-se altamente permissivos ou superprotetores . Numa sociedade que preza a liberdade individual, este modelo pode dar-nos a ilusão de que estamos a fazer o melhor pelas crianças. Não é verdade. Esta forma de educar carece de valores e é pouco crítica, sem regras, sem consequências para ela. Uma criança que nunca aprendeu a superar obstáculos, que nunca teve de lutar por nada, cresce a achar que todos lhe devem tudo! Dificilmente conhecerá a sensação de satisfação de uma conquista, pois atribui tudo o que lhe acontece a outros ou a circunstâncias externas a ela (aquilo a que chamamos, em psicologia, locus de controlo externo). Tanto o estilo autoritário como o permissivo têm objetivos de curto prazo, ou seja, não levam em conta a importância da aquisição de importantes competências vitais (visão de longo prazo), que todas as crianças deverão desenvolver – o respeito, a preocupação e o interesse pelos outros, a resolução de problemas, a autonomia, a responsabilidade, etc. Filhos de pais «mandões» ou de pais «porreiros» tornar-se-ão crianças desanimadas, com sentimentos de inferioridade e baixa autoestima, com locus de controlo externo.
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O estilo democrático, por outro lado, pressupõe amor e disciplina, carinho e firmeza, espaço para a criança exercer o seu poder, mas também limites com regras. O método democrático, em oposição ao método autoritário ou autocrático – que supõe a aplicação de prémios e castigos –, usa, em alternativa, o encorajamento, a busca de soluções, a escuta, a negociação positiva. A democracia promove a cooperação, o diálogo, a responsabilidade partilhada de todos os elementos da equipa (família, escola, nação). Embora nem todos tenham (nem tenham de ter!) os mesmos conhecimentos, as mesmas responsabilidades e os mesmos direitos, existe algo que tem de ser igual para todos: a dignidade e o respeito.
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE OS TRÊS ESTILOS PARENTAIS MAIS COMUNS
Estilo Autoritário
Estilo Permissivo
Estilo Democrático
Princípio
Controlo excessivo
Ausência de limites
Firmeza com dignidade e respeito
Regras
Aceites pela criança sem discussão
Ausência de regras
Regras razoáveis, de acordo com a fase de desenvolvimento da criança e em que adulto e criança ganham (win/win)
Liberdade da criança
Nenhuma
Total
Alguma (dentro de limites)
Opções da criança
Nenhumas
Todas
Algumas
Frase preferida do adulto
«Fazes porque eu quero! Sou eu quem manda!»
«Podes fazer tudo o que tu quiseres!»
«Podes escolher, dentro de certos limites»
Erros/Problemas
A criança não aprende de outra forma a não ser se sofrer com os seus erros
A criança tem ideias Aprender com os erros pouco claras sobre é saudável e ajuda o que é certo e errado a crescer
Ferramentas principais
Castigos e recompensas, críticas e elogios
Recompensas
Encorajamento
Decisões sobre regras e sanções
A criança não é envolvida no processo
A criança pode decidir o que quiser/não precisa de tomar decisões
Adulto e criança podem decidir em conjunto, sempre que possível e de acordo com a capacidade da criança
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