CAPÍTULO com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!” (p. 64) 8) Um elemento que atravessa todo o discurso (entenda-se docu-
mento) é a pretensa superioridade européia. Caminha dá uma certa ênfase no interesse despertado pelos p elos brancos nos selvagens. “E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos.” (p. 31) O autor parece comprazer-se com esse interesse, sem deixar de demonstrar a humildade de lei.
Evidencia-se também a legitimação da superioridade do branco, demonstrada no modo como mostram objetos e seres que os europeus dominam e que fazem medo aos nativos. Ao mesmo tempo, é a confirmação de que havia um mínimo de comunicação entre europeus e nativos, confirmando a compreensão dos portugueses de que a suspeita da existência de ouro e prata era factível. A história da galinha, galinha, ademais, não é plausível, se pensamos na quantidade de animais emplumados, semelhantes a galinhas, que os índios deviam, por certo, conhecer. Aparecem, contudo, algumas diferenças nas interpretações que os nativos fazem dos portugueses. De todo modo, Caminha enfatiza sempre que os europeus conseguem entender a gestualidade dos nativos e estes não entendem a dos portugueses. “Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham. Andava lá um que falava fal ava muito aos outros, que se afastassem.” (p. 43)
“Mostraram-lhes um papagaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraramlhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.” (p. 34)
Caminha não consegue esconder seu senso de superioridade, a despeito do humanismo que lhe confere Arroyo. Mesmo os condenados europeus seriam capazes de domesticar o o nativo: “... mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.” (p. 46) E os europeus, naturalmente, ensinam aos índios: “... e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos.” ( p. 46) Nota-se, até mesmo, um certo “deleite” “deleite” ao se fazer referência à ingenuidade do nativo: “... como se fossem mais amigos nossos do que nós seus.” (p. 61)
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9) No que se refere ao europeu diante do Novo Mundo ressalte-se a
bela imagem da intromissão do estrangeiro estrangeiro em terras brasileiras, indo de corrida atrás dos nativos, sendo guiados por eles, mas, no final das contas, trazidos à beira b eira do mar-oceano para espojarse na água e provar o gosto da novidade trazida pelas ondas.
Nem mesmo dissimulado foi o projeto de dominação. A imposição cultural já é detectada desde o início. Assim, tudo não se passa exatamente como eles querem, mas, na verdade, como querem os europeus: “Bastará (isso para Vossa Alteza ver ) que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquiva vam, como pardais (com medo) do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo, para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem — para os bem amansarmos.” (p. 50) Novamente o projeto de colonização já visto como imposição cultucu ltural e controle estrito das manifestações culturais por parte do português: “... esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons.” (p. 60) Na empresa de levar a Fé aos pagãos apreciemos um mote propagandístico do projeto colonial europeu: “E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles.” (p. 60). O início da escravidão é aqui mostrado quase como conseqüência natural da supremacia cultural e intelectual do europeu: “... Simão de Miranda, um que já trazia por pajem; e Aires Gomes a outro, pajem também.” (p. 61) Não obstante, há o que se pode chamar de projeto de aculturação do nativo: “... e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis como de cala, para os mais amansar.” (p. 61) Contudo, é possível uma passagem da inocência à salvação, pela obra da pregação dos europeus: “Entre todos estes que hoje (...) o que pertence à sua salvação.” (p. 66) Poderíamos também falar de uma publicidade oficial: “Em tal maPoderíamos neira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!” (p. 67)
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CAPÍTULO O argumento argumento da catequização serve algumas vezes, na pena de Caminha, para encobrir o projeto comercial: “Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela (...) Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.” (p. 67) Práticas político-administrativas, como o clientelismo e o nepotismo, já começavam a ser praticadas em 1500, conforme mostra o próprio documento “E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer qual quer coisa que de Vosso serviço ser viço for, Vossa Vossa Alteza Altez a há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir vi r da ilha de São Tomé Tomé a Jorge de Osório, meu genro — o que d’Ela receberei em muita mercê.” (p. 68) Por fim, destaquemos a imagem da tábula rasa aristotélica, mesmo no que se refere à crença religiosa. Através desse raciocínio de base escolástica, os europeus pretendem justificar a imposição de sua cultura e de sua religião — que não seria imposição, mas ensinamento aos indígenas das verdades que eles ainda não foram capazes de aprender no contato com o real, com a natureza. Há aqui, assim, todo o projeto catequético dos jesuítas: construir a fé católica em selvagens atrasados que ainda não tiveram a graça de conhecerem a verdade revelada. Por outro lado, seria interessante especular sobre a sorte dos degredados que aqui ficaram. Mais do que converter os nativos, é de presumir que foram eles os aculturados, como os europeus dos anos seguintes que, vivendo entre índios antropófagos, adotaram os hábitos todos dos nativos, para horror dos europeus recém-chegados ao Novo Mundo: “E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece fa lece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração adoraç ão têm. (...) E por isso, se alguém vier, v ier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam...” (p. 65)
Leia mais! CASTELLO, José Aderaldo. Man Manifest ifestações ações literárias literárias do período coloni colonial: al: 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975.
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COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. SCHÜLER. Donaldo. “A retórica da subordinação e da insubordinação na carta do achamento”. Revista Agulha . Disponível em: http://www. revista.agulha.nom.br/dschuler.html#pero. Acessado em 24/08/2007.
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Tempo colonial da Literatura Brasileira
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CAPÍTULO
Tempo colonial da Literatura Brasileira Apresentar Apre sentar e discutir discutir a posição de Alfredo Bosi, quanto quanto ao século XVI, XVI, dentro da Literatura Brasileira.
LEIA!
BOSI, Alfredo. “A condição colonial”. In: História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 11-29.
Observações sobre a condição colonial 1) A condição colonial, mesmo que determinada parcialmente
pela cultura européia, teve de adaptar-se às condições e às contingências locais. Não se tratou apenas de uma transposição da mentalidade européia, mas de um modo de ver europeu que foi levado a ver coisa totalmente nova e, por isso, modificou-se em sua própria maneira de ver. Vide à página 13: “O problema das origens origens da da nossa literatura [deve ser entendido] nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto é, a partir da afirmação de um complexo nacional de de vida e de pensamento. pens amento.” 2) Bosi vê nas diferenças entre metrópole e colônia a origem do
nativismo e do início do processo de autonomização (criação de esfera própria de auto-reflexão). No final desse processo, desenvolve-se o nacionalismo. Com isso, as questões que marcaram a fase colonial transcendem o próprio período colonial e são fundamentais para se entender a cultura brasileira como um todo, até os dias de hoje. 3) Bosi aponta que “ciclos de ocupação e de exploração formaram
ilhas sociais (Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo), que deram à Colônia a fisionomia de um arquipélago cultural.” (p. 13-14). Como conseqüência, temos dois movimentos diferentes: a “dispersão do país em subsistemas
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Literatura Brasileira I
regionais, até hoje relevantes para a história literária” e “a seqüência de influxos da Europa, responsável pelo paralelo que se estabeleceu entre os momentos de além-Atlântico e as esparsas manifestações literárias e artísticas do Brasil-colônia...”. 4) Haveria um paralelismo nada rigoroso entre as manifestações
culturais européias e as brasileiras. Como exemplo, a coexistência do barroco arquitetônico de Aleijadinho (e outros) e os textos neoclássicos, nas Minas Gerais. 5) Disso resulta, segundo Bosi, B osi, uma mistura de “códigos literários
europeus mais mensagens ou conteúdos já coloniais”, um “caráter híbrido (...) luso-brasileiro ... ...”” (p. 14). 6) Com a decadência portuguesa, no século XVII, o Brasil passa
a receber manifestações culturais já de segunda mão. “O Brasil reduzia-se à condição de subcolônia...” (p. 14) 7) E as diferenças entre a produção portuguesa e a brasileira? “A “A rigor,
só laivos de nativismo, pitoresco no século XVII e já reivindicatório no século seguinte, podem considerar-se o divisor de águas entre um gongórico português e o baiano Botelho de Oliveira, ou entre um árcade coimbrão e um lírico mineiro.” (Nesses termos, haveria apenas diferenças de conteúdo. Seria só isso mesmo?!) 8) Mesmo com a Conjuração Mineira, as idéias de renovação e de
liberdade são emprestadas da Europa, da Revolução Francesa. “De qualquer modo, a busca de fontes ideológicas não-portuguesas ou não-ibéricas, em geral, já era uma ruptura consciente com o passado e um caminho para modos de assimilação mais dinâmicos, e propriamente brasileiros, da cultura européia, como se deu no período romântico.” (p. 14-15) 9) De todo modo, o período inicial é importante para compreen-
dermos em que bases se deu a mestiçagem cultural (e não apenas racial), base de nossa literatura, inserida nessa dialética (que, em muitos casos, não passa de hesitação) entre localismo e universalismo (transposta, inclusive, para o nível nacional, em que também se estabelecem tensões entre “local” – leia-se regiões menos desenvolvidas – e “universal “universal”” – regiões mais desenvolvidas).
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Tempo colonial da Literatura Brasileira
CAPÍTULO
Textos de informação 1) A respeito desses textos, Bosi afirma, na página 16, que “en-
quanto informações, não pertencem à categoria do literário, mas à pura crônica histórica e, por isso, há quem as omita por escrúpulo estético (José Veríssimo, Veríssimo, por exemplo, na sua História da d a literatura brasileira).” 2) Prestemos atenção, porém, a esses textos que não têm valor
apenas pelo teor documental, nem apenas pelo literário, mas nos faz enxergar um fundamento primeiro, de imposição de uma língua e de descoberta de temática e de cenário. À página 16, lê-se: “No entanto, a pré-história das nossas letras interessa como reflexo da visão do mundo e da linguagem que nos legaram os primeiros observadores do país.” 3) Conseqüentemente, em decorrência da imposição de formas e
de assuntos, podemos ver também de que forma nossa produção escrita reage a “... “... sugestões temáticas e formais. Em mais m ais de um momento a inteligência brasileira, reagindo contra certos processos agudos de europeização, procurou nas raízes da terra e do nativo imagens para se afirmar em face do estrangeiro...” 4) Textos de origem portuguesa que merecem destaque: a) a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel (...); b) o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão do
primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sousa (1530); c) o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de
Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil de Pero
Magalhães Gândavo (1576); e os Tra d) a Narrativ Narrativa a Epistolar e Tratados tados da Terra e da Gente do Brasil Bra sil do jesuíta Fernão Cardim (a primeira certamente de 1583); e) o Tratado Descritivo do Brasil de de Gabriel Soares de Sousa
(1587);
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Literatura Brasileira I
de Ambrósio Fernanf ) os Diálogos das Grandezas do Brasil de des Brandão (1618); g) as Cartas sobre a Conversão dos Gentios do Pe. Manuel da
Nóbrega; do Fr. Vicente do Salvador (1627).” h) a História do Brasil do Sobre Caminha, Bosi diz: “... a Carta Carta de de Caminha a D. Manuel (...) insere-se em um gênero copiosamente representado durante o século XV em Portugal e Espanha: a literatura de viagens...” “Espírito observador, ingenuidade (no sentido de um realismo sem pregas) e uma transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval (...) atenuando a impressão de selvageria que certas descrições poderiam dar...” (p. 16-17)
Leia mais! CASTELLO, José Aderaldo. Man Aderaldo. Manifest ifestações ações literá literárias rias do período colonial: colonial: 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975. Brasil . Rio de Janeiro: COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil . Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. SANTOS, Ilda dos. Peregrinações brasílicas Modalidades da Aventura no século XVI. O exemplo de Antony Knivet, inglês . Disponível em: http://www. geocities.com/ail_br/peregrinacoesbrasilicas.htm. Acessado em 24/08/2007. Literatura de viagens. viagens . Disponível em: http://www.instituto-camoes.pt/ cvc/literatura/litviagens.h cvc/literat ura/litviagens.htm. tm. Acessado em 24/08/2007. Literatura de viagens. viagens . Disponível em: http://www.universal.pt/scripts/ hlp/hlp.exe/artigo?cod=6_ hlp/hlp .exe/artigo?cod=6_145. 145. Acessado em 24/08/2007.
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O Tratado da Terra Terra do Brasil
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CAPÍTULO
O Tratado da Terra do Brasil Apresentar Apre sentar e discutir discutir uma das obras obras mais importantes importantes da chamada literatura informativa, o Tratado da Terra do Brasil , , de Pero de Magalhães Gândavo.
LEIA!
Tratado da Terra do Brasil, de Pero de Magalhães Gândavo. Disponível em: http://alecrim.inf http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquiv .ufsc.br/bdnupill/arquivos/ os/ texto/0006-00941.html
4.1 Observações sobre o Tratado 1) Pensemos na importância da estratégia de convencimento ou
de propaganda, apontada apontada por Bosi em Tratado da Terra do Brasil e História da Província Santa Cruz , de Gândavo: “Ambos os textos são, no dizer de Capistrano de Abreu, ‘uma propaganda da imigração’, pois cifram-se em arrolar os bens e o clima da colônia, encarecendo a possibilidade de os reinóis (‘especialmente aqueles que vivem em pobreza’) virem a desfrutá-la.” (p. 18) 2) Ainda nos dizeres de Bosi, o texto denota um perfil “... huma-
nista, católico, interessado no proveito do Reino.” (p. 18) 3) É preciso atenção ao Nativismo da obra. De acordo com Bosi,
“a sua atitude íntima, na esteira de Camões, e que se rastreará até os épicos mineiros, consiste em louvar a terra enquanto ocasião de glória para a metrópole. (...) o nativismo, aqui como em outros cronistas, situa-se no nível descritivo e não tem qualquer conotação subjetiva ou polêmica.” (p. 19) 4) Aparecem imagens edênicas do novo mundo: “... certo otimis-
mo (...) quanto às potencialidades da colônia: e quem respingou os louvores desses cronistas, ainda imersos em uma credulidade pré-renascentista, pôde falar sem rebuços em ‘visão do
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Literatura Brasileira I
paraíso’ como leitmotiv das das descrições: Eldorado Eldorado,, Éden recuperado, fonte da eterna juventude, mundo sem mal, volta à Idade de Ouro...” (p. 19) 5) Na página 20, Bosi aponta a descrição de costumes e de elemen-
tos sócio-econômicos: “Nem faltam passagens pinturescas; no capítulo ‘Das plantas, mantimentos e frutos que há nesta Pro víncia’’... víncia ...”; ”; “Sua atitude em face do índio (...) vai da observação obser vação curiosa ao juízo moral negativo...” 6) Atitudes preconceituosas e cheias de presunção são encontra-
das no Tratado: “A língua tupi carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, F, nem L, nem R, cousa cous a digna de espanto porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenada desordenadamente mente sem terem além disso conta, nem peso, nem medido. m edido.” constante preocupação mercantil também é apontada por 7) Uma constante Alfredo Bosi: “A História termina com uma das tônicas da literatura informativa: a preocupação com o ouro e as pedras preciosas...” (p. 20) 8) Em outra passagem, Bosi deixa entrever que a existência das
riquezas, para os homens do século XVI, se explicaria pela pro vidência divina, divina, que que aqui as colocaria colocaria para para atrair atrair a ambição dos homens e, assim, permitir a chegada da palavra de Deus. Olhemos um pouco mais de perto o Tratado. Logo na dedicatória, vemos o alcance político da literatura informativa e a importância e “originalidade” (pretextada pelo autor) das visões do paraíso. Isso se repete no Prólogo ao leitor , que evidencia também uma certa rivalidade com a Espanha. Na Declaração da costa o que se nota é uma preocupação com dados geográficos, que por sua vez nos faz pensar num pragmatismo: facilitar a ocupação do país e a produção de riquezas. A partir do Capítulo Primeiro, a divisão geográfica obedece à divisão em capitanias, imposta por Portugal, em vez de uma divisão baseada nas diferenças étnicas entre os povos indígenas.
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O Tratado da Terra Terra do Brasil
CAPÍTULO
No Capítulo Segundo o que se vê é uma ênfase no empreendimento mercantil mercan til e na acumulação de riquezas. E poderíamos destacar também um otimismo propagandístico. No Capítulo Terceiro aparecem dados demográficos e apresentação das forças produtivas. Os primeiros espantos do europeu diante da especificidade brasileira aparecem no Capítulo Quarto. O pitoresco começa a aparecer e vai ser presença constante na Literatura Brasileira. No Capítulo Quinto temos as primeiras descrições de índios hostis, nota-se isso pela ênfase que se dá na diferença deles com relação aos demais índios (ninguém os entende, são avessos a contatos com civilizados). Com isso o europeu opera num sentido de demonizar o indígena para justificar a violência da empreitada colonial. No Capítulo Nono fica marcada uma cumplicidade dos jesuítas na empreitada emprei tada da coroa em colonizar (a qualquer custo) a terra e sua gente. Tratado Segundo
No Capítulo Primeiro do segundo Tratado se inverte uma relação: há uma adaptação da terra à cultura européia e não o oposto; é a terra que tem de ser propícia à criação de cabras e ovelhas, por exemplo. Há também uma defesa da base servil da economi economia. a. No Capítulo Segundo vemos a recriação de imagens da terra da CoC ocagne, isto é, do paraíso terrestre, na visão de uma mitologia européia medieval. Uma hospitalidade do clima da terra pode ser observada no Capítulo Terceiro. Poderíamos pensar novamente numa visão edênica. Do Capítulo Quarto ao Sexto destaca-se uma visão nativista, tema a se tornar recorrente em nossa Literatura: são os casos de Bento Teixeira, Botelho de Oliveira, Rocha Pita e tantos outros. O Capítulo Sétimo traz descrições dos “bárbaros” e dos costumes segundo a perspectiva européia, etnocêntrica; em nenhum momento, se atenta para o fato de que há também a perspectiva do Outro.
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Descrição que se compraz no exotismo autóctone é perceptível no Capítulo Oitavo . Podemos até pensar num antecedente da postura que, até hoje, assume grande parte dos brasileiros — intelectual ou não — no exterior. E, por fim, o Capítulo Nono demonstra a cobiça e predestinação como móveis da expansão européia (e, claro, também da fé católica).
Leia mais! Manifest ifestações ações literá literárias rias do período colonial: colonial: CASTELLO, José Aderaldo. Man 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. NOELLI, Francisco Silva; GUIRADO, Maria Maria Cecília. Cecília . Relatos do descobrimento do Brasil – – as primeiras reportagens Revista Brasileira de História. Vol. 25, nº 50. São Paulo, julho/dez. julho/d ez. de 2005. Disponível D isponível em: http://www. http://w ww. scielo.br/scielo.ph scielo.b r/scielo.php?pid=S0102-1882 p?pid=S0102-1882005000200014&scrip 005000200014&script=sci_arttext. t=sci_arttext. Acessado em 24/08/2007. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VAZ. João. Upupiara: “o que vive no fundo das águas” . Disponível em: http://maritimo.blogspo http://maritim o.blogspot.com/2003/12/upu t.com/2003/12/upupiara-o-que-vivepiara-o-que-vive-no-funno-fundo-das-uas.html. do-das-uas.h tml. Acessado em 24/08/2007. VERÍSSIMO, José. História da literatura Brasileira . Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acessado em 24/08/2007. Livro 02. História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Pero de Magalhães Gândavo (1576) História e Estórias de um País Primitivo. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/senado/ilb/Bra-
sildasLetras/mod1_02.html. sildasLetras/mod1_02.h tml. Acessado em 24/08/2007.
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Obra de Padre José de Anchieta
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CAPÍTULO
A Obra de Padre José de Anchieta Apresen Ap resentar tar e discutir discutir a obr obra a e a atuaç atuação ão cultur cultural al do Pad Padre re José José de An Anchie chieta, ta, segundo a perspectiva de Alfredo Bosi.
LEIA!
BOSI, Alfredo Anchieta, ou as flechas opostas do sagrado. In: Dialética da Colonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. .
Alfredo Bosi dedica todo um capítulo de sua Dialética a Anchieta, por isso a importância de se ler o Au Auto to acompanhado das reflexões que destacamos abaixo. 1)
Na tentativa de utilizar a tradição literária européia com intuitos pedagógicos precisos, ou seja, catequizar os nativos, notase um descompasso entre a pretensão ideológico-pedagógica dos jesuítas e o material humano – índios – e lingüísticos de que dispunham os padres: no “... “... idioma tupi (...) O poeta procura, no interior dos códigos tupis, moldar uma forma poética bastante próxima das medidas trovadorescas em suas variantes populares ibéricas...” (p. 64)
2)
Os jesuítas (sobretudo Anchieta) apostam na tentativa de transpor o imaginário e a linguagem do colonizador para o espaço do colonizado. Em decorrência disso, “aculturar também é sinônimo de traduzir. (...) transpor para a fala do índio a mensagem católica (...) um esforço de penetrar no imaginário do outro...” E ainda: “Como dizer aos tupis, por exemplo, a palavra pecado, se eles careciam até mesmo da sua noção (...)? Anchieta, neste e em outros casos extremos, prefere enxertar o vocábulo português... português...” (p. 65)
3)
Notamos então, a criação de uma mitologia terceira, híbrida entre os índios e os europeus, cujos frutos cumpre discutir e, talvez, questionar. A título de exemplo, pensemos em três comentários de Bosi:
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“O mais comum é a busca de alguma homologia (...) Bispo é Pai-guaçu, (...) pajé maior. Nossa Senhora (...) Tupansy, mãe de Tupã. O reino de Deus é Tupãretama, terra de Tupã. Igreja, coerentemente é tupãóka, casa cas a de Tupã. Tupã. Alma é anga, que vale tanto para sombra sombra quanto quanto para o espírito dos antepassados. antepassados. Demônio Demônio é Anhanga, espírito errante e perigoso. Para a figura bíblico-cristã do anjo, Anchieta cunha o vocábulo karaibebê, profeta voador (...) A nova representação do sagrado assim produzida já não era nem a teologia cristã nem a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornara possível.” (p. 66)
Que significa raio.
“De qualquer modo, o que poderia significar para a mente dos tupis, fundir o nome de Tupã Tupã com com a noção de um Deus uno e trino, ao mesmo tempo todo-poderoso, e o vulnerável Filho do Homem dos Evangelhos?” “Karaí é tanto o homem branco (...) quanto o profeta-cantor profeta- cantor guarani, a santidade que vai de tribo em tribo anunciando a Terra sem Mal. Mas em que pensariam os índios acoplando karaí à idéia de vôo expressa em bebê? Nos seus próprios xamãs nômades e videntes, mas agora dotados de asas? Ou então em portu gueses alados?” alados?” (p. 66)
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Logo, é possível observar que a mitologia indígena perde suas características tradicionais: “O círculo sagrado dos indígenas perde a unidade fortemente articulada que mantinha no estado tribal e reparte-se, sob a ação da catequese, em zonas opostas e inconciliáveis. De um lado, o Mal, reino de Anhanga, (...). De outro lado, o reino do Bem, onde Tupã se investe de virtudes criadoras e salvíficas, em aberta contradição com o mito original que lhe atribuía precisamente precisamente os poderes p oderes aniquiladores aniquiladores do raio.” (p. 66)
5)
Primeira conseqüência desse descompasso: imposição de uma visão simplista e redutora: os índios eram considerad considerados os uma sociedade sem religião, esperando a chegada da “verdadeira” religião – o catolicismo. catolicismo. Daí a afirmação de Bosi de que há em “... Anchieta (...) uma poesia e um teatro cujo correlato imaginário é um mundo maniqueísta maniqueísta cindido entre forças em perpéper pétua luta...” (p. 67)
Obra de Padre José de Anchieta
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Na página 68, Bosi fala do que seria uma ilusão de óptica do colonizador: “... os tupis não prestavam culto organizado a deuses e heróis, foi relativamente fácil aos jesuítas inferir que eles não tivessem religião alguma e preencher esse vazio teológico com as certezas nucleares do catolicismo, precisamente a criação e a redenção.”
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Segunda conseqüência dessa visão do europeu imposta à cultura do indígena americano: a demonização da religiosidade indígena. De acordo com Bosi, “... se deveria buscar em outro locus simbólico o cerne da religiosidade tupi. (...) nem em liturgias a divindades criadoras, nem na lembrança de mitos astrais, mas no culto dos mortos, no conjur conjuroo dos bons espíritos e no esconjuro dos maus.” (p. 68)
CAPÍTULO
Acontece uma espécie de aculturação, isto é, de modificação nos esquemas culturais do indígena, mas com a inversão simbólica de sua religiosidade. religiosida de. De fato, a “... “... pregação jesuítica [acaba [ac aba por] diabolizar toda cerimônia que abrisse caminho para a volta dos mortos.” (p. 69) De outro lado, a colonização acaba apostando até na inversão do sentido do fato histórico. Segundo Bosi, é “exemplar, a fala de Guaixará, rei dos maus espíritos, no auto intitulado Na Festa de São Lourenço . (...) o nome de Guaixará se deve ao fato de assim chamar-se o herói tamoio do Cabo Frio que atacou duas vezes os lusos...” (p. 70) Como resultado, temos “... religiões que tendem a edificar a figura da consciência pessoal unitária, como o judaísmo e o cristianismo, temem os rituais mágicos (...) suspeitando-os de fetichistas ou idólatras. (...) Há uma tradição multissecular de luta judeu-cristã (a que não escapou o islamismo) para depurar o imaginário...” (p. 71) Em conseqüência, “no caso luso-brasileiro, a ponte entre a vida simbólica dos tupis e o cristianism cristianismoo acabou-se fazendo graças ao caráter mais sensível, mais dúctil e mais terrenal do catolicismo português, se comparado com o puritanismo inglês ou holandês dominante nas colônias da Nova Inglaterra. A devoção popular ibérica não dispensa va o recurso às imagens; antes, antes, multiplicava-as. multiplicava-as. Por Por outro lado, lado, valia-se muitíssimo das figuras medianeiras entre o fiel e a divindade...” (p. 72)
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Mas, “... as cerimônias indígenas de relação com os mortos foram vistas, sob a ótica dos dos viajantes viajantes e missionário missionários, s, como como sintoma sintomass de barbárie e, mais comumente, caíram sob a suspeita de demonização. O processo colonial impedia que a aculturação simbólica se fizesse livre, lisa e horizontalmente sem desníveis e fraturas de sentido e valor.” (p. 73) 8)
Terceira conseqüência: a demonização da cultura indígena e da natureza. De fato, isso correspondia ao espanto e ao temor dos colonizadores postos em terra hostil, diante de uma natureza e de costumes a que eram totalmente alheios. Diz Bosi que “a natureza que não se pôde domar é perigosa. Os espíritos infernais chamam-se, Na festa de São Lourenço: boiuçu, que é cobragrande; mboitininguçu, cobra que silva, cascavel; andiraguaçu, morcegão-vampiro; jaguará, jaguar ou cão de caça; jibóia; socó; sukuriju, sucuri, cobra que estrangula; taguató, gavião; atyrabebó, tamanduá grenhudo; guabiru, rato-de-casa; guaiku guaikuíka íka, cuíca, rato-do-mato; kuiruru, sapo-cururu; sariguéia, gambá; mborará, abelha-preta; miaratakaka, cangambá; sebói, sanguessuga; tamarutaka, espécie de lagosta, tajassuguaia , porco. Tudo quanto no reino animal metia medo ou dava nojo ao europeu vira signo dúbio de entidades funestas em funestas em ambos os planos, o natural e o sobrenatural.” (p. 73-74)
9)
Quarta conseqüência: mascaramento das verdadeiras questões políticas.
A esse propósito, ler Catatau, de Paulo Leminski.
Do auto Na vila de Vitória : “Como o processo é todo figurado e rebatido para uma cena em que se movem entes emblemáticos, o espectador não vê nem conhece de perto per to o drama histórico real, nem sequer os atos políticos políticos dos grupos supostamente possuídos pela megera Ingratidão. (...) mimar as atitudes socialmente reprováveis reprováveis com falas e gestos grotescos que, por hipótese, agradariam a públicos iletrados. A moral e o circo enlaçados a serviço s erviço de um interesse político p olítico..” (p. 77) 10) Podemos
destacar, ainda, trechos do ensaio de Bosi que nos mostram a produção do colonizador dentro da colônia e o quanto se usava de forma estratégica as alegorias para a elaboração do discurso.
38
CAPÍTULO
2
A Carta do escrivão da armada Pero Vaz Vaz de Caminha Apresenta Apr esentarr e discutir sobre sobre o que é tido tido como o primeiro primeiro documento documento
escrito produzido no Brasil, na perspectiva da cultura européia colonizadora, a Carta, do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha.
LEIA! Carta ao rei D. Manuel ,
de Pero Vaz de Caminha, de Leonardo Arroyo (org.), São Paulo: Dominus, 1963. http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02136.html
A Carta de Caminha, Numa introdução crítica a uma das edições d’ A Leonardo Arroyo destaca um apontamento feito por Jaime Cortesão. Diz ele que o texto apresenta um “caráter eminentemente literário da missiva, considerando-a ‘como obra-prima literária dum gênero muito português e muito quinhentista: as cartas-narrativas de viagens, dirigidas a El-Rei, e em que se colhem na espontaneidade nativa das emoções a força íntima dos caracteres e modos de a dizer’...” E diz ainda que esse texto deixa deix a mais evidente um “caráter de documento que de obra de arte, que é, aliás, o espírito em que está vazada.” A carta um “admirável cronista, Leonardo Arroyo vê no autor d’ A sim, e por todos os títulos. Em Pero Vaz de Caminha, ilustrado nas suas observações, transparece realmente um profundo humanista, tocado pela graça da terra, de suas mulheres e de seus mancebos.”
E os elogios vão além: “T “Tocado ocado pela inocência inocê ncia da terra e dos d os homens, traços que se notam em muitas das passagens do documento, com um acentuado lastro lírico, cheio de compreensão e tolerância.” tolerância.” (p. 11-12) O crítico diz também que “a carta de Pero Vaz de Caminha, a par de sua beleza como descrição, como fotografia de um mundo novo e surpreendente, é rica ric a de conteúdo humano, de conhecimento humano...” (p. 13) No período de escrita do documento, 1º de maio de 1500, “as narrativas dos escrivães das armadas eram ao depois largamente utilizado pelos cronistas...” (p. 13)
17
02
Obra de Padre José de Anchieta
CAPÍTULO
“A inspiração dos motivos internos e a sua seqüência obedecem à lógica do pensamento mítico, mas tudo vem preso a um ponto de vista alegórico-político fundamente enraizado na dinâmica dos interesses e do poder.” (p. 78) “... na alegoria, o cotidiano dos grupos sociais e os seus desejos e conflitos reduzem-se a extremos de função exemplar: ou degradam-se ao nível bestial, ou sublimam-se pelo mecanismo ideológico que consiste em assumi-los figuradamente pelo «discurso sobre uma coisa para fazer entender outra.” (p. 80) “... Anchieta (...) Nas entranhas da condição colonial concebia-se uma retórica para as massas que só poderia assumir em grandes esquemas alegóricos os conteúdos doutrinários que o agente aculturador se propusera incutir. A alegoria exerce um poder singular de persuasão, não raro terrível pela simplicidade das suas imagens e pela uniformidade da leitura coletiva. Daí o seu uso como ferramenta de aculturação, daí a sua presença desde a primeira hora da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma...” (p. 81) 11) Na maneira como se apresente a obra de Anchieta, a literatura
surge como subjetividade e como revelação. Poderíamos pensar numa pausa em meio ao processo process o colonial? “... “... Anchieta Anchiet a (...) sua lírica (...) em vez de pregar ao tupi e ao colono, diz as suas próprias tensões espirituais (...). A fé atinge o nível da experiência.”” (p. 82) ência. Bosi fala de “duas linhas de formação poética (...) a) a prática de símbolos tomados à vida cotidiana; b) a proliferação da linguagem místico-efusiva. tico-efusiv a.” (p. 82) 8 2) 12) A transposição dos mesmos elementos de um discurso
a outro modifica-lhes a validade e evidencia um etnocentrismo. O colonizador cai, muitas muitas vezes, em contradição por querer fazer de seu discurso sempre o mais importante, por ser, acima de tudo, centralizador. “Tudo quanto se condenava como inspiração diabólica na vida das comunidades tupis – o uso e a celebração tribal da comida e da bebida, b ebida, da dança e do canto, da oração e do transe – reverte positivamente à Eucaristia como expressão de um culto de teor interpessoal que se vale do alimento para santificá-lo.”” (p. 83) santificá-lo.
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05
Literatura Brasileira I
13) A
religiosidade é vivida e mostrada como experiência – lembrando o misticismo de um San Juan de la Cruz ou de uma Sóror Juana Inez de la Cruz. É possível p ossível percebermos a revivescência de uma ritualidade que se aproxima imperceptivelmente de um substrato comum aos indígenas.
14) Algumas
vezes podemos ver a cultura do colonizado despertando latências na cultura do colonizador. Haveria nisso uma comunicação cultural? “... na aversão que certas práticas indígenas (...). Talvez (...) o pavor de recair em algum escuro e vertiginoso poço pré-histó pré-histórico rico submerso (...) Sacer queria queria dizer também, no velho latim, tremendo e nefando ( auri sacra fames), aquilo que não se deve sequer nomear.” (p. 84 )
Uma diferença importante: “Se nas cerimônias tupis há a difusão do sagrado com a perda de identidade anterior (a cada ritual antropófago seguia-se uma renomeação dos seus participantes), no itinerário cristão ortodoxo busca-se busca-se a mais perfeita realização da alma individual que os teólogos medievais, mestres de Inácio de Loyola, denominavam visio beatifica.” (p. 84) 15) Reatemos os fios.
Houve duas faces da colonização: deturpação da cultura do colonizado e incorporação de alguns de seus elementos culturais à própria cultura do colonizador. “A pedagogia da conversão apagava os traços progressistas virtuais do Evangelho fazendo-os regredir a um substituto para a magia dos tupis. No entanto, a poesia do Anchieta [surge] outro tempo histórico e psicológico, o tempo da pessoa que escolhe aceitar ou recusar o amor de um Deus pessoal e entranhadamente humano.” (p. 92) “... o que aconteceu (...) terá significado uma franca regressão da consciência consciên cia culta européia quando absorvida pela práxis da conquista e da colonização. col onização.”” (p. 93) 93 ) Como material complementar para o tema podemos destacar também alguns recortes feitos a partir do capítulo I da História Concisa, também de Alfredo Bosi.
Quanto à informação dos jesuítas ele afirma: “... tão rica de informações e com um ‘plus’ de intenção pedagógica e moral.” (p. 21)
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Obra de Padre José de Anchieta
CAPÍTULO
E centrando fogo em Anchieta fala que “... os missionários (...) uniram à sua fé (neles ainda de todo ibérica e medieval) um zelo constante pela conversão do gentio...” (p. 22) Fala também que “... só em José de Anchieta é que acharemos exemplos daquele veio místico que toda obra religiosa, em última análise, deve pressupor.” (p. 22) E que o enxerga como “... diligente anotador dos sucessos de uma vida acidentada de apóstolo e mestre; para conhecê-lo precisamos ler as Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões... ” (p. 22) Bosi emite também um juízo estético-ideológico acerca do Padre Anchieta: “E se seus autos são definitivamente pastoris (no sentido eclesial da palavra), destinados à edificação do índio e do branco em certas ceri Auto to Rep Repres resent entado ado na Fest Festa a de São Lou Louren renço ço,, Na Na Vila Vila de mônias litúrgicas ( Au Vitória, e Na Visitação de Santa Isabel ), ), o mesmo não ocorre com os seus poemas que valem em si mesmos como estruturas literárias.” (p. 22) Novamente uma visão direcionada para o estético-ideológico: “A linguagem de ‘A Santa Inês’, ‘Do Santíssimo Sacramento’ e ‘Em Deus, meu Criador’ molda-se na tradição medieval espanhola e portuguesa; em metros breves, da ‘medida velha’, Anchieta traduz a sua visão do mundo ainda alheia ao Renascimento e, portanto, arredia em relação aos bens terrenos.” (p. 22-23) Diz ainda que “... aqueles traços de mortificação (exasperados mais tarde pelo jesuitismo barroco) nele servem de contraponto ao motivo mais abrangente do alimento sagrado, símbolo da união com Deus...” (p. 24); e que, “ao lado desse veio, outro igualmente religioso, mas tirante a um cômico simples, quase simplório no trato das comparações...” (p. 24) Novamente a ideologia e a estética atuando juntas: “quanto aos autos atribuídos a Anchieta, deve-se insistir na sua menor autonomia estética: são obra pedagógica, que chega a empregar ora o português, ora o tupi, conforme o interesse ou o grau de compreensão do público a doutrinar.” (p. 25) E, por fim, ressalte-se a “... tradição ibérica dos vilancicos , que se cantavam por ocasião das festas religiosas...” e a constatação feita acerca do alegórico nessa empreitada estético-ideológico: “os autos de Anchieta, como os mistérios e as moralidades da Idade Média, que estendiam
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05
Literatura Brasileira I
até o adro da igreja o rito litúrgico, materializam figuras fixas dos anjos e dos demônios os pólos do Bem e do Mal, da Virtude e do Vício (...) daí o seu realismo, que à primeira vista parece direto e óbvio, ser, no fundo, alegoria.”” (p. 26) alegoria.
Leia mais! CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1979. V. 1. Manifesta ifestações ções literárias literárias do período colonial: colonial: CASTELLO, José Aderaldo. Man 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. LITERATURA BRASILEI Anchieta, ieta, José de, padre (1534 - 1597). Disponível em: http:// RA. Anch www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index. cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5269&cd_item=35&CF ID=467025&CFTOKEN=33099 ID=467025&CFT OKEN=33099133. 133. Acessado em 24/08/2007. HERNANDES. Paulo Romualdo. O teatro de José de Anchieta: arte e peda gogia gogi a no Br Brasi asill colô colônia nia. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. Disponível em: http://libdigi. unicamp.br/document/?down=vtls000228748. Acessado em 24/08/2007. MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Breve Histórico da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acessado em 24/08/2007.
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Unidade B Raízes de um Brasil literário
CAPÍTULO 1
O Boca-do-Inferno Apresentar Apre sentar e discutir discutir a obra obra e a trajetória trajetória intelectual intelectual de Gregório de Matos, o Boca-do-Inferno.
1.1 Algumas leituras em paralelo LEIA!
CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: momentos de-
cisivos. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
ROSÁRIO Vinicius de Moraes
INDO O POETA PASSEAR PASSEAR PELA ILHA DA CAJAIBA, ENCONTROU LAVANDO ROUPA A MULATA ANNICA E LHE FEZ ESTE ROMANCE Gregório de Matos
E eu que era um menino puro
Achei Anica na onte
Não ui perder minha inância
lavando sobre uma pedra
No mangue daquela carne!
mais corrente, que a mesma água,
Dizia que era morena
mais limpa, que a onte mesma.
Sabendo que era mulata
Salvei-a, achei-a cortês,
Dizia que era donzela
alei-a, achei-a discreta
Nem isso não era ela
namorei-a, achei-a dura,
Era uma moça que dava.
queixei-me, voltou-se em penha.
Deixava... mesmo no mar
Fui dar à Ilha uma volta,
Onde se azia em água
tornei à onte, e achei-a:
Onde de um peixe que era
riu-se, não sei se de mim,
Em mil se multiplicava
e eu ri-me todo p’ra ela.
Onde suas mãos de alga
Dei-lhe segunda investida,
Sobre meu corpo boiavam
e achei-a com mais clemência,
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Trazendo à tona águas-vivas
desculpou-se com o amigo,
Onde antes não tinha nada.
que estava entonces na terra.
Quanto meus olhos não viram
Conchavamos, que eu voltasse
No céu da areia da praia
na segunda quarta-eira,
Duas estrelas escuras
que osse à costa da Ilha,
Brilhando entre aquelas duas
e não pusesse o pé em terra,
Nebulosas desmanchadas
Que ela viria buscar-me
E não beberam meus beijos
com segredo, e diligência,
Aqueles olhos noturnos
para na primeira noite
Luzindo de luz parada
lhe dar a sacudidela.
Na imensa noite da ilha!
Depois de eito o conchavo
Era minha namorada
passei o dia com ela,
Primeiro nome de amada
eu deitado a uma sombra,
Primeiro chamar de filha...
ela batendo na pedra.
Grande filha de uma vaca!
Tanto deu, tanto bateu
Como não me seduzia
co’a barriga, e co’as cadeiras,
Como não me alucinava
que me deu a anca endida
Como deixava, fingindo
mil tentações de odê-la.
Fingindo que não deixava!
Quando lhe vi a culatra
Aquela noite entre todas
tão tremente, e tão tremenda,
Que cica os cajus! travavam!
punha eu os olhos em alvo,
Como era quieto o sossego
e dizia, Amor Amor,, paciência.
Cheirando a jasmim-do-cabo!
O sabão, que pelas coxas
Lembro que nem se mexia
corria escuma deseita,
O luar esverdeado
dizia-lhe eu, que seriam
Lembro que longe, nos Ionges
gotas, que Anica já dera.
Um gramoone tocava
Porque Porq ue segundo jogava
Lembro dos seus anos vinte
desde a popa à proa, a perna,
Juntoo aos meus quinze deitados Junt
antes de eu lhe ter chegado,
Sob a luz verde da lua.
entendi, que se viera.
Ergueu a saia de um gesto
De quando em quando esregava.”
Por sobre a perna dobrada
a roupa ao carão da pedra,
CAPÍTULO Mordendo Morden do a carne da mão
e eu disse “ma “mate-me te-me Deus
Me olhando sem dizer nada
com puta, que assim se esrega.”
Enquantoo jazente eu via Enquant
Anica a roupa torcia,
Como uma anêmona na água
e torcendo-a ela mesma,
A coisa que se movia
eu era, quem mais torcia,
Ao vento que a aralhava.
que assim az, quem não pespega.
Toquei-lhe a dura pevide
Estendeu a roupa ao sol,
Entre o pêlo que a guardava
o qual, levado da inveja
Beijando-lhe a coxa ria
por quitar-me aquela glória,
Com gosto de cana brava.
lha enxugou a toda a pressa.
Senti à pressão do dedo
Recolheu Anica a roupa,
Desazer-se desmanchada
dobrou-a, e pô-la na cesta,
Como um dedal de segredo
oi para casa, e deixou-me
A pequenina castanha
a la Luna de Valencia.
Gulosa de ser tocada. Era uma dança morena Era uma dança mulata Era o cheiro de amarugem Era a lua cor de prata Mas oi só naquela noite! Passava dando risada Carregando os peitos loucos Quem sabe para quem, quem sabe? Mas como me seduzia A negra visão escrava Daquele eixe de águas Que sabia ela guardava No undo das coxas rias! Mas como me desbragava Na areia mole e macia! A areia me recebia E eu baixinho me entregava
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Com medo que Deus ouvisse Os gemidos que não dava! Os gemidos que não dava... Por amor do que ela dava Aos outros de mais idade Que a carregaram da ilha Para as ruas da cidade Meu grande sonho da inância Angústia da mocidade. In: Poemas, sonetos e baladas In: Anto In: Antologia logia Poética Poética In: Poesia completa e prosa: “O encontro do cotidiano”
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Góngora
Gregório
Ilustre y hermosísima Maria,
Discreta e ormosíssima Maria,
mientras se dejan ver a cualquier hora
enquanto estamos vendo a qualquer hora
en tus mejillas la rosada Aurora,
em tuas aces a rosada Aur Aurora, ora,
Febo en tus ojos, y en tu rente el dia,
em teus olhos e boca o sol e o dia.
y mientras con gentil descortesía
Enquantoo com gentil descortesia Enquant des cortesia
mueve el viento la hebra voladora
o ar, que resco Adonis te namora,
que la Arabia en sus venas atesora
te espalha a rica trança brilhadora,
y el rico Tajo en sus atena cria....
quando vem passar-se pela ria,
Goza cuello, cabello, labio y rente rente,,
goza, goza da flor da mocidade,
antes que lo que ue en tu edad dorada
que o tempo trota a toda ligeireza
oro, lilio, clavel, cristal luciente,
e imprime em toda a flor sua pisada.
no sólo en plata ou viola truncada
Ó, não aguardes que a madura idade
se vulha, mas tu y ello juntamente
te converta em flor, essa beleza,
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.
em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
CAPÍTULO Quevedo
Gregório
Muchos dicen mal de mi,
Querem me aqui todos mal
y yo digo mal de muchos;
mas eu quero mal a todos;
mi decir es más valiente,
eles e eu, por nossos modos,
por ser tantos, y ser uno. u no.
nos pagamos tal por qual.
Que todos digan verdad,
E querendo eu mal a quantos
por imposible lo juzgo;
me têm ódio tão veemente,
que yo la diga de todos,
o meu ódio é mais valente,
con mi licencia lo dudo.
pois sou só, s ó, e eles tantos.
Francisco Rodrigues Lobo
Gregório
Formoso Tejo meu, quão dierente
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
te vejo e vi, me vês agora e viste:
Estás e estou do nosso antigo estado!
turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Pobree te vejo a ti, tu a mi empenhado, Pobr
claro te vi eu já, tu a mim contente.
Rica te vi eu já, tu a mi abundante abundante..
A ti oi-te trocando a grossa enchente
A ti trocou-te troc ou-te a máquina mercante,
a quem teu largo campo não resiste;
Que em tua larga barra tem entrado,
a mim trocou-me a vista, em que consiste
A mim oi-me trocando, e tem trocado,
o meu viver contente ou descontente.
Tanto negócio e tanto negociante.
Já que somos no mal participantes,
Deste em dar tanto açúcar açúc ar excelente,
sejamo-lo no bem. O quem me dera
Pelas drogas inúteis, que abelhuda,
que ôramos em tudo semelhant s emelhantes! es!
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Mas lá virá a resca primavera:
Oh se quisera Deus, que de repente repente,,
tu tornarás a ser quem eras d’antes,
Um dia amanheceras tão sisuda
eu não sei se serei quem d’antes era.
Que ôra de algodão o teu capote.
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LEIA!
Não se trata talvez de perguntar se participa Gregório de Matos desse estado de espírito a que chamamos cultura brasileira; cabe já perguntar sem rodeios como ele participou na formação desse estado. Optando pela primeira investigação, é como se duvidássemos que uma das causas ocasiona a conseqüência; em outras palavras, trata-se de considerar Gregório de Matos como um dos agentes causadores da nacionalidade e não de perguntar se ele teria tido alguma influência na conseqüência (pois até mesmo Vieira, mais lusitano que todos, também influenciou a nossa lábia, como já disse Oswald!) Para pensar tais questões, é importante percorrer o ensaio de Alfredo Bosi, “Do Antigo Estado à Máquina Mercante”, Mercante”, em Dialética da Coloni zação. (2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 94-118).
Em seguida, novamente o soneto de Gregório que motiva o título desse terceiro capítulo da Dialética da Colonização. Colonização . Triste Bahia! ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vi eu já, tu a mi abundante. abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, que em tua larga barra tem entrado, A mim oi-me trocando e tem trocado Tanto negócio e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh se quisera Deus que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que ôra de algodão o teu capote!
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CAPÍTULO
1.2 Do Antigo Estado à Máquina Mercante Mercante, algumas anotações Bosi destaca a relação de um eu lírico lí rico e de um tu: “Pelo primeiro, primeiro, o eu lírico entra em simpatia com o tu, a cidade da Bahia (...). Pelo segundo, vem a separação: o eu, agora juiz, invoca um castigo para o outro...” (p. 94), mas não para si mesmo! E ala ainda de como isso se desenrola nos tercetos: “... “... eeito inicial de empatia (...) triste (...). A Bahia não está só magoada; também é um exemplo lastimável de mudança para situação pior pior,, de cuja responsabilidade não pode isentar-se.” (p. 95) Veja como Gregório, na concepção de Bosi, descreve a construção lírica do poema: “... Bahia e Gregório, o tu e o eu. É sobre essa identificação prounda de sujeito e objeto que assenta a liricidade do texto: as contradições da história social alam aqui pela voz do indivíduo.” (p. 95) A propósito do soneto de Rodrigues Lobo (acima transcrito) obser va Bosi o quanto quanto “o segundo quartet quartetoo é obsessivo obsessivo na denúncia denúncia do agente agente responsável pelo desastre comum. (...) máquina mercante...” (p. 96) E ainda: “A “A esperteza da máquina mercante, esse engenho danoso, d anoso, a Coisa por excelência, levou a Bahia a entregar-se; e aqui se dá a passagem do lírico sorido (Triste Bahia!) ao satírico encrespado.” (p. 97) Sobre o que Bosi chamou de situação e estamento, o recorte é eito a partir de Gramsci, que ala “(...) dos grupos ideológicos undamentais que coexistem em sociedades onde o modo de pensar capitalista e burguês ainda está lutando, palmo a palmo, com instituições e valores herdados ao antigo regime. (...) o intelectual eclesiástico (em contraste com o orgânico, rente ao sistema produtivo)...” (p. 100) Em certo sentido, notamos não um germe de nosso noss o espírito de nacionalidade, mas juízos contra o mestiço e contra o mercador: “O que está em jogo não é uma orma irritada de consciência nacionalista ou baiana, mas uma rija oposição estrutural entre a nobreza, que desce, e a mercancia, que sobe. O antagonismo vem do Medievo, que já lançara as
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pechas de vilão vi lão e tratante contra o homem de negócios...” negócios...” (p. 101-102). Ao mesmo tempo, aparece aparece a insinuação de que a mistura das raças não “consertaria” o outro. Aqui vemos antecedentes de um vale-tudo econômico, em que a penúria e as dificuldades –no caso, do sistema colonial – justificaria qualquer ato de sobrevivência, agora no nível da condição colonial; mutatis mutandis, mutandis, é o que se passa, talvez, hoje em dia, em relação ao sistema capitalista e à nossa condição periérica: “O que machuca os brios de Gregório é, acima de tudo, ver a preten pretensão são do vendeiro (afinal realizada) de ocupar aqueles postos de caráter honorífico secularmente reservados aos «homens bons». Então, acabaram-se as dierenças de berço? Tudo Tudo o dinheiro há de alcançar; a lcançar; tudo, comprar?” (p. 102-103) Bosi afirma que “... a oposição sobredeterminante em Gregório [talvez] seja o par “nobre/ignóbil”, e não brasileiro/estrangeiro. Não se pode exigir de Gregório de Matos que se defina com relação a uma questão que ninguém de sua época colocava; colo cava; pedir-lhe que se manieste por uma nacionalidade que ainda nem se esboçava é, no mínimo, anacrônico. Todavia, há nele uma consciência de que uma certa dierença distingue a situação colonial da metrópole – vide os versos, de outro poema, em que diz “Mas os brasileiros são bestas / e estarão a trabalhar / (...) / maganos de Portugal...” (vide (vi de http://alecrim.in.usc.br/bdnupill/ arquivos/texto/0006-00981.html#5). Sobre esse tema, Bosi ainda afirma que “não varia: o antigo bugre, «alarve sem razão, bruto sem é», arroga-se o direito de exibir títulos; e do contraste entre a altura da sua presunção e a rudez do seu tronco, exposta no nível da bizarria léxica, é que Gregório extrai o eeito cômico imediato.” (p. 103-104) Em algumas passagens do ensaio de Bosi, parece haver algum exagero no modo como se descreve o orgulho aristocrático de Gregório de Matos: “Para o estamento em crise, de onde provinha Gregório, o mundo já fora posto às avessas pelos brichotes br ichotes,, pelos judeus e pelos netos de Caramuru quando passaram à frente de homens de velha cepa surgida ao tempo das cruzadas. Mas o cúmulo do absurdo acontecia nessa triste cidade onde mestiços forros, agregando-
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CAPÍTULO se a famílias abonadas, ou conquistando postos no Fórum e na Sé, recebiam afinal deferências que a ele, branco, nobre e douto, eram recusadas!” (p. (p. 103-104) 103-10 4) Ora, será que essa noção se confirma, quando o poeta canta as prostitutas baianas? Talvez Gilberto Freyre tenha mais razão, e a miscigenação pelo sexo tenha aproximado as culturas (sem azer o mesmo com as classes ou com as etnias). Bosi ala de um Eros Retalhado: “... poesia burlesca (...) a mulher negra e a mestiça (...) objeto misto de luxúria e desprezo. (...) preconceipreconceito (...) complica-se porque desce ao subterrâneo de uma prática erótica (...) simultaneamente, simultaneamente, a atração ísica, a repulsa e o sadismo.” (p. 107) Nesse caso, o ensaísta não parece deender a hipótese da interpenetração de um estilo esti lo no outro, de umas imagens nas outras: “alguma resposta se obtém quando se confrontam os versos chulos e a lírica amorosa amorosa de Gregório cultista e idealizante. idealizante. (...) esta poesia decanta, decanta, refina e sublima os impulsos impulsos eróticos. eróticos. Reescreve, para tanto, tanto, fórmulas de tradiç tradição ão alta, que vêm dos provenç provençais, ais, do «stilnovo» com a sua visão da «donna angelo» e de Petrarca, até se cristalizar em Camões e amaneirar-se nos espanhóis dos Seiscentos...” (p. 107-108) E ainda: “E do outro lado? (...) uma galeria de antasmas lúbricos onde não se conseguem ver rostos de mulher, mas tão-só exibições escatológicas de partes genitais e anais.” (p.108-109). Nesse caso, é importante pensar nos casos em que descrição rebaixadora se reere aos homens, quando o erotismo e a lubricidade aparecem nos homens brancos (caso do poema em que ala de “Brás Pastor ainda donzelo”). donzelo”). Outro caso a se pensar: “A crítica latino-americana tem, às vezes, abusado, isto é, usado mecanicamente, do conceito de «carnavalização» que aquele estudioso pôs dentro de um sistema de relações bem firmes entre texto e contexto. Em Gregório de Matos, o discurso nobre e o impropério chulo não são duas faces da mesma moeda, não são o lado sério e o lado jocoso do mesmo fenômeno erótico. Representam duas ordens opostas de intencionalidade, porque opostos são os seus objetos.” (p. 108-109)
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Ora, tais relações entre texto e contexto são realmente firmes, como indica o ensaísta? De ato, desenha-se uma separação radical entre um aspecto e outro, que parece diícil de aceitar: “O registro chulo não é um ator congenial a toda a obra do poeta baiano (diversamente do que ocorre me Rabelais), mas apenas um modo setorial de usar a linguagem para marcar a erro e ogo aqueles que caem na mira da sua irrisão.” (p. 109-110) Porém, em outra passagem do ensaio, Bosi parece reconhecer uma Porém, certa interpenetração: “Nem tudo, porém, são extremos. E é curioso descobrir, no meio do cancioneiro lascivo de Gregório, certos passos em que aquela oposição sem matizes entre mulher branca e mulher negra cede a uma hesitante ambigüidade que cava no texto um momento feliz de auto-análise.” (p. 109-110) A partir daí, seria importante desenvolver essa ambigüidade mais proundamente. Segundo Bosi, há, na poesia po esia sacra de Gregório de Matos, “(...) uma divisão interna: a consciência moralista e a via mística, preponderando aquela sobre esta.” (p. 112) Ainda sobre a idéia de um Deus Bironte: “O medo da morte eterna, aliviado e, de algum modo, controlado pelo mecanis mecanismo mo eclesiás eclesiástico tico da expiação formal formalizada, izada, revela o fundo dessa dessa religios religiosidade idade que que atraves atravessou sou todo todo o barroco jesuític jesuítico. o. A Colônia não teve um Pascal que ironizasse, ironizasse, em nome de uma relação homem-Deus mais livre e pessoal, a casuística manhosa gerada pelo cará caráter ter externo do tríplice liame: pecador, pecado pecado,, penitência.” (p. 112) Acerca do poema “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado”, Bosi afirma que “A “A remissão depende aqui de uma permuta pelo qual o gesto de perdoar (...) converte-se em um ganho para Deus (...). Pede-se a Deus, em suma, que não aça um mau negócio...” (p. 112) Ora, eis aqui o uso da mercancia, condenada por Gregório em outros poemas. Há, então, uma ambigüidade, quando consideramos os poemas em geral, que ilustra talvez uma poética da miscigenação e de uma consciência
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CAPÍTULO nova, a respeito da religião, do país, da mulher. É essa leitura geral dos poemas que deve ser levada a cabo, uma leitura dialogizante (até mesmo entre os vários temas e entre os diversos poemas, o que exigiria uma reclassificação, uma redivisão da obra toda). Ainda a máquina mercante, em Gregório, Bosi afirma que: “... sob a superície das transações e dos jogos j ogos de consciência, (...) avulta a sombra da danação, patente nas imagens terríveis do Juízo Final...” (p. 114) “Como resistir se o mal penetrou nas juntas do sistema e nas entranhas do sujeito? O modo único de resistir é maldizer, é moralizar, é repetir a cada um que é pó, e a pó reverterá, é convocar para o aqui-eagora o dia do julgamento.” Essa unção que Bosi credita à poesia de Gregório de Matos, na verdade, coincide com boa parte do Barroco.
Leia mais! BOCA DO INFERNO. Disponível INFERNO. Disponível em: http://memoriaviva.digi.com.br/ http://memoriaviva.digi.com.br/ gregorio/. Acessado em 24/08/2007. BOSI, Alredo. Do antigo estado à máquina mercante. Dialética da colonização.. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.96-118. nização CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo . 7. ed. São Paulo: Diusão Européia do Livro, 1979. V. 1. CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos, Mattos , Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989. CASTELLO, José Aderaldo. Man Aderaldo. Manifesta ifestações ções literárias literárias do período colonial: colonial: 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975. Boca: Teoria do Verso em Gregório CHOCIAY, Rogério. Os Metros do Boca: de Matos. São Paulo: Editora Unesp, Unesp, 1993. COUTINHO, Arânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeir Janeiro: o: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. Gregório de Mattos. Mattos. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico por Antonio Dimas. São Paulo: Nova Cultural (Literatura Comentada), 1988.
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GREGÓRIO DE MATOS. MATOS. Uma visita ao poeta. . Disponível em: http:// www2.ufa.br/~gmg/welcome.html. www2.ufa.br/~gmg/welcome.h tml. Acessado em 24/08/2007. HANSEN, João Adolo. “Floretes agudos e porretes grossos”. Folha de São Paulo. Paulo. Caderno Mais!. 20/10/1996. Disponível em: http://www. revista.agulha.nom.br/jah01.html. revista.agulha.nom.br/jah01. html. Acessado em 24/08/2007. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Brasileira . Disponível em: http://alecrim.in.usc.br/bdnupill/ar http: //alecrim.in.usc.br/bdnupill/arquivos/texto/000 quivos/texto/0006-00767.html 6-00767.html.. Acessado em 24/08/2007.
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A obra de Padre António Vieira
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CAPÍTULO
A obra de Padre António Vieira Apresentar Apr esentar e discutir discutir a obra obra e a dimensão intelectual intelectual do do Padre Ant António ónio
Vieira, buscando entender sua importância, tanto para o Barroco (e não só o luso-brasileiro) quanto para a literatura que se segue a ele.
LEIA! “Vieira (...) nos trouxe a lábia.” Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago.
BOSI , Alfredo. “Vieira, ou a Cruz da desigualdade”. In: Dialética da Co-
lonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
2.1 Anotações sobre Vieira, ou a Cruz da desigualdade 1) As contradições de Vieira espelhando as do sistema colonial
nos permitem ver as especificidades da realidade brasileira modificando a produção do intelectual europeu. Bosi diz que “... a riqueza das suas contradições, que são as do sistema colonial como um todo, e que só a experiência brasileira, de per si, não explica.” (p. 120) 2) Com perspicácia, o pregador não entra em conflito com a es-
trutura mercantil inerente ao pacto colonial. Bosi mostra o quanto “Vieira, “Vieira, ao contrário do poeta p oeta saudoso do «Antigo Estado», sabia que a máquina mercante viera para p ara ficar, ficar, irreversí vel, inexorável. inexorável. (...) importava importava dominá-la.” (p. 120) 3) Nota-se no seu discurso uma necessidade de amoldar-se não
apenas à sua época mas também à certa visão de sua época. “... inspira ao rei a fundação de uma Companhia das Índias Ocidentais assentada principalmente em capitais judaicos. (...) uma singular simbiose de alegoria bíblico-cristã e pensamento mercantil no estranho Sermão de São Roque... ” (p. 120)
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Nome da Disciplina
4) Fica evidente, em Vieira, uma mentalidade barroca adaptada
ao processo colonial empreendido pelos portugueses, sem que se esqueça de criticar os desvios desumanos desse mesmo processo no Brasil; há aí uma dialética da universalidade interesseira e da particularidade ética, conforme destaca Bosi: “Vieira estabelece um distinguo bem escolástico: a santidade dos fins desejados por Deus nada tem a ver com a imperfeição dos meios contingentes que nascem da fraqueza humana.” (p. 122) Isso é bem barroco. Há também uma lacuna entre os valores ético-religiosos e a prática política: readaptação mútua dos discursos religioso e político, em função das exigências da realidade colonial brasileira. Sobre isso Bosi diz que “da distinção entre fins e meios, que passam a operar em ordens de valor próprias, decorrerá um intervalo bem moderno, entre os princípios ético-religiosos e as práticas imediatas da política.” (p. 123) 5) Bosi fala de um “discurso da ação entre a política e a teologia”.
A empresa de Vieira buscaria conciliar um discurso parenético e os interesses políticos de uma classe intelectual esclarecida. Na visão de Bosi, essa busca aparece assim descrita: “O seu problema retórico fundamental é este: como compor um discurso persuasivo, isto é, suficientemente universal nos argumentos para mover particularmente a fidalguia e o clero a colaborar na reconstrução do Reino, até então escorada, es corada, sobretudo, pela burguesia burguesia e pelos cristãos cristãos-novos -novos?? (...) como pôr pôr em xeque xeque os preconceitos antimercantis antimercantis e anti-semitas que, como se s e sabe, já afloravam afloravam nos diálogos diálogos morais morais de um frei Amador Amador Arrais Arrais e repontam, entre nós, nas sátiras de Gregório de Matos?”
Poderíamos nos perguntar então se isso não é o que poderia apontar um indício de brasilidade em Gregório de Matos 6) É possível observar a lógica da pregação religiosa utilizada para
despertar uma visão aberta, empreendedora e mercantil em Portugal: “... induzir os ouvintes a uma reestruturação conceitual de valores, inquietantemente dialética...” (p. 124) O sistema colonial obriga a isso!
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A obra de Padre António Vieira
CAPÍTULO
7) Daí resulta uma acentuação do barroquismo e da complicação
do discurso, obrigado a se retorcer para chegar às conclusões e às idéias que se pretende defender. Bosi trata esse assunto nos seguintes termos: “O seu discurso, agônico e torcido torcido,, faz pensar que aquela cultura nada tinha de homogêneo nem de estático.” (p. 124) P rimeira Para o que se segue, Bosi respeita a ordem do Sermão da Primeira Dominga do Advento. 8) Em favor do que o ensaísta chama de “Defesa de valores huma-
nísticos, dentro do ideal religioso da contra-reforma”, alega que “todo homem traz em si mesmo o poder de corrigir a desigualdade que reina no mundo do acaso...” E ainda ressalta que “termos medieval-barrocos tradicionais como honra, fidalguia, nobreza, são ressemantizados por Vieira, que passa a integrá-los na esfera do trabalho, libertando-os portanto da pura sujeição à herança familiar e estamental.” estamental.” (p. 124) Estaria ele falando aqui, talvez, de uma mentalidade contra-reformista, adepta do livre-arbítrio. 9) O autor da História Concisa aponta uso de artifícios da lingua-
gem barroca: “o elogio da vita activa resolve-se sob a forma de uma sintaxe em cadeia em que o discurso em galope potencia o mérito do homem em estado de alerta ao mesmo tempo que agrava o demérito do relapso...” diz também que são “... simetrias internas (...) paralelos (...) figuras que transpõem para a prosa parenética o leixa-pren da lírica medieval!” (p. 125) 10) Bosi fala de uma “inventividade da linguagem”, que aparece
nos sermões do Padre Vieira seguindo a retórica clássica: “... inventio, fase de busca, em aberto, de tópicos e motivos, conhece em Vieira um largo espectro espec tro de possibilidades (...) Passagens bíblicas, fábulas, anedotas, provérbios, episódios tomados a vidas de santos, tudo lhe serve...” (p. 125) 11) O carpe diem em Vieira aparece adaptado a sua visão política.
Diz Alfredo Bosi: “O tempo válido é o tempo oportuno (...) Momento Momen to irreversível (...) «O tempo não tem restituição alguma».” (p. 126)
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12) Na visão política de Vieira, aparece também uma certa ética
protestante e capitalista que se vê inserida na argumentação contra-reformista do pregador: “A defesa do negócio oposto ao ócio acaba invertendo o sentido da categoria-eixo do antigo regime, a nobreza, que de valor herdado passa a virtude conquistada na labuta.” (p. 126) 13) Notamos também uma reação contra o Quietismo, em prol
da ação e da intervenção, uma defesa do livre-arbítrio: “Nessa nova ontologia Vieira atribui às coisas (...) o serem conhecidas por sua «essência»; quanto aos seres humanos, porém, a sua determinação obtém-se pela «ação»...” (p. 126) E ainda: “Na segunda metade do século XVII a Igreja de Roma, diretamente inspirada pela teologia ativista e pragmática da Companhia de Jesus, condenou várias proposições do místico espanhol Miguell de Mol Migue Molinos inos cujo Guía espiritu espiritual al pode considera considerar-se r-se o texto fundamental do quietismo católico. Ao mesmo tempo, na França, os jansenistas sofriam processos movidos pelos jesuítas que os acusavam de ensinar uma doutrina subjetivista na qual a fé bastaria bastaria ao crente... crente...” (p. 127) “O sermão (...) pouco se detém em especulações de ordem metafísica que, naquela altura do século, dividiam os teólogos em correntes inconciliáveis, os voluntaristas (partidários de uma extensão maior a ser concedida ao princípio do livre-arbítrio) e os quietistas, que viam um abismo entre o poder da Graça e a iniciativa do homem.” (p. 127) 14) Há também contra o Quietismo uma pregação ativa, prag-
mática e determinista, em que os juízos universais são rapidar apidamente convertidos em medidas práticas de alcance específico. Nas palavras de Bosi aparece no seguinte tom: “O horizonte do nosso orador é pragmático, passando rapidamente das máximas universais às aplicações particulares...” (p. 127) O que vale dizer que ele é mais voluntarista. voluntarista. 15) O universalismo se apresenta na tentativa de conciliar a menta-
lidade mercantil e as escrituras. Essa é uma possível leitura que
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se faz do Sermão de Santo Antônio Antônio pregado na igreja das Chagas e Lisboa em 1642: (Sá da Costa, vol. X). E Bosi percebe essa estratégia, apontando que “o universalismo, necessário ao ônus da prova, deita (...) raízes em duas realidades realidade s historicamente díspares: o sistema nacional-mercantil, de um lado; e as propostas de fraternidade contidas no Evangelho, de outro.” outro.” (p. 128) Tal universalismo é também bastante explícito na passagem: “A Lei de Cristo, revelada, não suprime a Lei natural, presente nas consciências de todos os homens. (...) O jusnaturalismo vem acionado por Vieira numa linha antiaristoscrática, isto é, em benefício da aliança Coroaburguesia.”” (p. 128) burguesia. 16) Nota-se na oposição de Vieira ao Cultismo uma possível con-
tradição, trazida pela prática intelectual do intelectual europeu no coração do sistema colonial: “As alegorias barrocas da Glória, que o palácio e a catedral ostentam em toda a sua magnificência, esvaziam-se de qualquer significado religioso quando representam apenas a opulência iníqua, e não a fé cujos poderes pretendiam exaltar. (p. 132) E o argumento de Alfredo Bosi prossegue: “A presença de um veio antibarroco ou, mais precisamente, anticultista na obra, em última instância, barroca, de Vieira está a exigir um estudo que avalie o peso da razão mercantilista no discurso do grande pregador. A perplexidade que perpassa o ensaio de Antônio José Saraiva sobre o Sermão da Sexagésima me parece um sinal de que as contradições de Vieira já começam a inquietar os seus leitores modernos. V. O discurso engenhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 113-124.” (p. 132) 17) Em vez de ocultar os conflitos sócio-políticos, como faz o te-
atro de Anchieta, Vieira traz para a armação do texto as hesitações e as contradições do intelectual vivendo em colônias. “A defesa dos índios contra os colonos do Maranhão...” (p. 134) Vejamos como Bosi aponta esses conflitos: “... xadrez de conflitos sociais, dados os interesses em jogo, obri gando o discurso ora a avan avançar çar até posições extremas, ora a compor uma linguagem de compromisso. No fundo, o pregador
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acha-se dividido entre uma lógica maior, de raiz universalista, tendencialmente igualitária, e uma retórica menor, que trabalha ad hoc, particularista e interesseira. (...) misto de ardor e diplomacia, veemência e sinuosidade...” (p. 134) 18) O embate entre a doutrina religiosa e as necessidades do sis-
tema colonial faz com que haja uma torção na lógica e na argumentação dos discursos: “A filiação comum e universal dos homens em relação a um Deus criador e único é o aval da irmandade de todos...” (p. 135). Pergunta-se então Bosi: “posto o discurso nessa chave, o que dele se seguiria, caso fosse mantido o seu grau de coerência interna? Sobreviria a condenação pura e simples do que se praticava então no Brasil (...) repúdio a qualquer tipo de cativeiro.” (p. 135) É preciso então fazer uma Crítica da Razão Pragmática, até hoje usada no Brasil, para justificar a exploração do trabalhador, como já foi usada antes para justificar a escravidão do índio, a do negro, a Guerra do Paraguai etc. 19) A hesitação que se verifica no discurso é abandonada na ação
dos jesuítas que adotam a pragmática do não-confronto. “No naturale ale e entanto, esse ideal, nítido a absoluto enquanto jus natur enquanto verdade de fé, já fora abandonado pelo compromisso político dos padres (confessado pelo próprio Vieira) de «descer» com os portugueses ao sertão, domesticar e reduzir os aborígenes à obediência...” (p.136) 20) Resulta disso um conflito com o sistema e/ou seus represen-
tantes, ou compromisso com a exploração do índio: “A tensão acaba se resolvendo de um ou de dois modos, ambos infelizes para os jesuítas. Ou o compromisso, ou a resistência.” (p.137). Contudo, em Vieira, vêem-se os dois movimentos. “... fase do compromisso, de que Vieira se penitencia em certo momento, mas que afinal mantém e justifica em outros.” (p.138) “A lógica do direito natural e o kerygma cristão pedem a liberdade dos irmãos; mas a retórica dos interesses quer distinguir entre o cativeiro lícito e o ilícito.” (p. 138)
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21) Embate entre as razões universalizantes antiescravagistas e as
questões particulares e pragmáticas tendendo ao escravismo, “o sermão ora sobe com as marés altas da razão universalizante, ora desce em concessões aos múltiplos interesses dos grupos de pressão. Aqui o universal se contrai e se deprime (...) Vie Vieira ira se peja de ter cedido ao pacto com o poderoso.” (p. 138) 22) Paixão e sofrimento: o uso dessa máscara cristã ofusca explo-
ração e o cativeiro dos negros. Segundo Bosi, “a linguagem da identificação (...) O trânsito da imanência subjetiva à transcendência aciona-se a partir de um presente vivido e sofrido, aqui e agora, mas à luz de um passado exemplar que a palavra litúrgica faz reviver: o drama da Paixão.” (p. 143) “No Sermão XX, a desigualdade é sentida como queda humana de um estado inicial, criado e desejado por Deus, no qual não haveria senhores nem escravos. (...) fermentos libertários que, tomados em si, fora do contexto seiscentista, pareceriam francamente ilustrados e rousseauístas...” (p. 145) “Mas... no Sermão XXVII, aquele mesmo embaraço causado pelo absurdo da escravidão desfaz-se mediante uma outra teoria da História, radicalmente oposta à que se s e esboçava linhas atrás: Vieira apela agora para a noção do sacrifício sacr ifício compensador.” (p. 146) 14 6) “Tudo quanto no Sermão XX, como obra da malícia humana, resgata-se, neste XXVII, enquanto fruto de um plano divino. A passagem dos negros para a América terá redimido suas almas.”(p. 146) 23) Há uma justificativa do sofrimento do negro como redenção:
tratar-se-ia da distinção neoplatônica – e augustiniana – entre corpo e alma. Todavia, essa mesma distinção é atacada por Vieira quando da querela sobre a escravidão dos índios. Bosi fala de uma reinstauração da “distinção neoplatônica de corpo e alma, aquele mesmo princípio que Vieira atacara duramente quando a via servir de apoio à política dos colonos maranhenses.”” (p. 146) ses. 24) O que Bosi conclui desse discurso cristianizante para os índios
vai na seguinte seguinte direção:
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“A moral da cruz-para-os-outros é uma arma reacionária que, através dos séculos, tem legitimado a espoliação do trabalho humano em benefício de uma ordem cruenta. Cedendo à retórica da imolação compensatória, Vieira não consegue extrair do seu discurso universalista aquelas conseqüências que, no nível da práxis, se contr contraporiam, aporiam, de fato fato,, aos interesses dos senhores de engenho. A condição colonial erguia, mais uma vez, uma barreira contra a universalização do humano.” (p. 148)
LEIA!
VIEIRA, Pe. António. Sermões do Padre António Vieira. Edição facsimilar.. Vol. 1, coleção Anchietana. São Paulo: Anchieta, 1943. similar 1943 . http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02139.html
2.2 O Sermão da Sexagésima O sermão é baseado na parábola evangélica do semeador. semeador. “Sexagésima” refere-se ao sexagésimo dia antes da Quaresma.
2.2.1 O valor da ação e o valor da palavra Há um louvor ao sofrimento dos jesuítas: o lamento não é por eles, mas pelos que deixam de ouvir suas palavras. Vieira tenta justificar sua presença em solo português, isto é, na metrópole, insinuando que ela é passageira (enfatiza, pelos textos bíblicos, que o pregador que sai a pregar não torna a casa). Com isso, não desmerece sua crítica aos que ficam no Paço, ou os que a ele tornam. Pode-se falar de uma retórica da metalinguagem, em passagens como: “O pregador há de pregar o seu e não o alheio.” Vieira defende um valor específico, moral e atual da escritura. É com apoio nos textos bíblicos que ele instiga os pregadores a saírem da Metrópole. Nas entrelinhas, pode-se ler uma provável referência à necessidade de todos apoiarem o empreendimento colonial.
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CAPÍTULO
O Evangelho é, por assim dizer, atualizado: os sofrimentos dos jesuítas comparáveis aos dos primeiros pregadores do Evangelho. Na passagem “Como se faz uma rede? (...) (.. .) Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça cort iça””, nota-se uma interpretação alegórica das escrituras, a respeito do pescador. Agora, em vez do semeador, Vieira usa outra imagem evangélica, mas de entendimento e exemplaridade imediatos. Em suma, pode-se falar que há, em Vieira, uma espécie de retórica da ação (lembrando da actio da antiga retórica). O pregador reafirma a importância da ação: a palavra divina deve ser pregada por quem se disponha a “sai “sair” r”.. Ressaltem-se os vários sentidos do sair: “... até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto.” Em Vieira, Vieira, maior valor é concedido a quem associa a ação às pala vras; e desferem-se críticas a quem quem se deixa levar levar pelo fausto da corte: corte: “... “... os de cá, achar-vos-eis com mais Paço: os de lá, com mais passos: Exiit seminare.
O padre vê uma distância entre os atuais e os antigos pregadores, insistindo no exemplo, no fazer: “A definição do pregador é a vida, e o exemplo.” (p. 27-28). Para isso, vale-se de uma diferença semântica, enfatizando a diferença entre o verbo substantivado (semeador) e o próprio verbo (semear).
2.2.2 Uma retórica escolástica e clássica Esse tipo de retórica favorece o equilíbrio. Vieira diz isso explicitamente: “O estilo há de ser muito fácil, e muito natural.” Todavia, Todavia, isso i sso não condiz com sua própria escrita. Vieira critica a complicação dos pregadores da época, usando imagens das escrituras (especificamente as da paixão): “Ver vir os tristes passos da Escritura, como quem vem ao martírio: uns vêm acarretados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm torcidos, outros vêm despedaçados, só atados não vêm.” A retórica clássica favorece também a unidade. Em algumas passagens, Vieira defende a unidade unidad e do texto, do assunto: “O sermão há de ter
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um só assunto, e uma só matéria”; “De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto; e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum”; “O sermão há de ter uma só (...) há de persuadir, há de acabar”. É, realmente, uma condenação do Cultismo. Mas parece que apenas na teoria. teoria . De fato, como ajustar isso à prática, oposta, no mais das vezes, do próprio Vieira? Há que se escolher a boa imagem da Escritura em que se apoiar: a imagem dos grãos de trigo caindo podem ajudar na composição das palavras do pregador. “Notai uma alegoria própria da nossa língua. O trigo do semeador, ainda ainda que caiu quatro vezes, só de três nasceu: nasce u: para o sermão vir nascendo, há de ter três modos de cair. Há de cair com queda, há de cair com cadência, há de d e cair com caso. (...) A queda é para as coisas; porque hão de vir bem trazidas, e em seu lugar; hão de ter queda: a cadência é para as palavras; porque não hão de ser escabrosas, nem dissonantes; hão de ter cadência: o caso é para a disposição; porque há de ser tão natural, e tão desafetada, que pareça caso, e não não estudo. estudo.” ”
Segundo a Arte Retórica que se desenvolve a partir de Aristóteles, os discursos deveriam ser compos compostos tos a partir de cinco ações fundamenf undamentais: inventio, dispositio, elocutio, actio, memória. Na passagem acima, a queda das coisas pode ser entendida como a escolha dos termos, a inventio; a cadência das palavras, no dizer de Vieira, seria a elocutio; o caso e a disposição corresponderiam corresponderiam à dispositio. Dentro dessa concepção da retórica, Vieira condena a dispersão e falta de critério na escolha das matérias ( inventio ): “Usa-se hoje (...) mãos vazias. vazias.”” Vieira fala do poder do bradar, mas também dos poderes da persuasão: “A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio (...) o falar mais ao ouvido que aos ouvidos, não só concilia maior atenção, mas naturalmente, e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma.” Ou ainda: “Porque há muita gente neste mundo com quem podem mais os brados que a razão, e tais eram aqueles a quem o Batista pregava.”
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Pode-ser ver uma referência à actio, da antiga retórica, em que Vieira defende a ação do pregador mesmo contra a vontade dos ouvintes: “... “... que se pregamos assim, zombam z ombam de nós os ouvintes e não gostam de ouvir. Oh, boa razão para um servo de Jesus Cristo! Zombem e não gostem embora, e façamos nós nosso ofício.” Como conseqüência disso, há a defesa do impelere agere, ou levar a agir, mesmo contra a vontade dos ouvintes: “Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões, não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nosso conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes...”
2.2.3 O intertexto filosófico Segundo Vieira, na Terra, temos conhecimento indireto de Deus, de quem só teremos conhecimento direto no paraíso. Haveria aí alguma raiz de fundo platônico nessa platônico nessa noção de uma idealidade superior e espiritual. Podemos ver, nesse Sermão da Sexagésima, o uso de uma imagem renascentista, segundo a qual o universo é um livro escrito por Deus, ou linguagem divina a ser ouvida e entendida pelos homens (quando superam algumas de suas imperfeições): “E quais são estes sermões, e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas: os sermões são a composição, a ordem, a harmonia, e o curso delas.”
Consistiria um bom trabalho ver se elas são mesmo platônicas ou neoplatônicas.
Nessa linha, há uma descrição de como deve ser um sermão, seguindo as estrelas: “O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha, ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas: Stellæ manentes in ordine suo. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavra palavras. s. Se de uma parte está Branco, da outra há de estar Negro: se de uma parte está Dia, da outra há de estar Noite: se de uma parte dizem Luz, da outra hão de dizer Sombra: se de uma parte dizem Desceu, da outra hão de dizer Subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras
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em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos com o Céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas estrelas são muito muito distintas distintas,, e muito claras. claras. Assim Assim há de ser o estilo da pregação, muito distinto, e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas, e muito claras, e altíssimas.”
Ainda do Platonismo, aparece uma referência a idéias que seriam inatas: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens homens não se convencem convencem pela memória, memória, senão pelo entendimento.”
2.2.4 Uma retórica da metalinguagem Em Vieira, podemos detectar uma desconfiança da palavra inútil, sem a armação espiritual das idéias: “Se com cada cem sermões se con vertera e emendara emendara um homem, homem, já o mundo mundo fora santo. santo.” Há também desconfiança dos sermões: “... tanto grande quantidade para tão pouco efeito...” Em outra passagem, a palavra divina (a boa palavra do pregador) tem sempre fruto ou efeito, conforme sejam bons ou maus os ouvintes. Mesmo para um mau ouvinte, a palavra bem empregada produz efeito, tem algum sentido (argumentação corroborada pela imagem do trigo evangélico que brota mesmo nas pedras, nos espinhos e nos caminhos). Segundo Vieira, há cinco níveis que concorrem para a pregação: a pessoa que é, a ciência que tem, a matéria de que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. Quando diz que das palavras devem nascer não os pensamentos, mas as obras, quer, talvez, dizer que das palavras não devem nascer os rebuscados jogos intelectuais, os divertimentos eruditos, complexos e obscuros, mas a força dos silogismos, das comparações, que façam frutificar as obras, que façam voltar os pensamentos para as obras. Contra o Cultismo, Vieira tece vários comentários. Ele combate, por exemplo, as mazelas do estilo afetado e rebuscado.
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Para justificar sua linguagem obscura, os cultistas usam os exemplos de Nazianzeno, de Ambrósio, Crisólogo, Clemente de Alexandria, Tertualiano etc. Mas, Vieira reconhece a grandeza de tais autores. De onde viria, então, entã o, o erro dos cultistas? Ocorre que, “como “como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa. (...) Um assunto assunto vai para um vento,, outro vento outro assunto assunto vai para um outro outro vento; vento; que que se há de colher colher,, senão vento? E ainda: “Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajes, uma voz muito afetada e muito polida e logo começar com desgarro a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a lisonjea lisonjearr precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras e outras mil indignidades destas. Não é isto farsa a mais digna e riso, se não fora tanto para chorar?” chorar?”
Temos aí uma descrição crítica do cultismo retórico. Alguém disse que, nesse sermão, Vieira descreve seu estilo, sem o saber. Ele parece criticar não o Cultismo, propriamente, mas um certo tipo de imagem cultista, aquela que deita raízes na natureza e não no espírito, não da palavra, não nas imagens fortes.
2.2.5 Uma retórica da polissemia Vejamos como a polissemia vem caracterizada em Vieira: “O estilo pode ser muito claro, e muito alto: tão claro, que o entendam os que não sabem; e tão alto, que tenham muito que entender nele os que sabem (...) Tal pode ser o sermão: estrelas: que todos as vêem, e muito poucos as medem.” A polissemia é, sem dúvida, um recurso de retórica. E Vieira fez uso dela: “De sorte que Cristo defende-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as palavras são palavra palavr a de Deus; pois se Cristo Cristo toma toma a Escritura Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque porque Cristo tomava tomava as palavras palavras da Escritura Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura
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em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio são armas do Diabo.”
Proposta por Cassiano, por volta do século IV d.C.
A respeito da imagem evangélica dos grãos de trigo, Vieira defende a atualização do texto bíblico. Ele apresenta várias atualizações diferentes dessa mesma passagem – os jesuítas que sofrem, a palavra de Deus, as sementes do final que frutificarão, os corações dos diferentes homens; temos aí, talvez, algo próximo dos quatro níveis de interpretação da exegese patrística patrística,, respectivamente alegórico (ou eclesiológico), literal, escatológico e tropológico ou moral. É interessante observar o modo como Vieira explora as relações entre o sentido alegórico a legórico e o literal: “Por “Porém ém o que nos negou o Evangelho no semeador metafórico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Cristo.”
2.2.6 Retórica e desnudamento da alegoria Pode-se ver uma constante alegorização nos sermões. Por exemplo, Vieira utiliza uma interpretação alegórica de dois tipos de ouvinte: os duros e os agudos (vulgarmente, os demasiadamente abrutalhados e os demasiadamente intelectualizados). Com isso, o sermonista parece requerer inteligência e sensibilidade para o ouvinte. Vieira jamais esquece os exemplos bíblicos, transformados então em alegorias por um processo inverso, em que as imagens só são apresentadas depois de discutida a idéia ou o concei conceito to a ser alegorizado: “O pregar é entrar em batalha com os vícios, e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles (...) Pregador Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube o gigante.” Mas explicita-se também a importância do desnudamento da alegoria: “Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes (...) senão fundado nas raízes do Evangelho.”
2.2.7 Uma retórica do absurdo ou da contradiçã contradição o Vieira utiliza por vezes o argumento pelo absurdo: como pode ser que os homens venham a pisar os jesuítas, eles que já sofreram a devoração, a sede, a fome, o afogamento (como o trigo do Evangelho, comido
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pelas aves, secados sem umidade, sem alimento do solo – sobre as pedras –, apodrecidos enfim)? Observe-se, por exemplo, a passagem “Se a palavra de Deus é tão eficaz...” Parte-se aqui do absurdo, isto é, insinua-se uma provável fraqueza do poder de Deus: a possível resposta negativa à questão fica evidente, deixando ao pregador o trabalho de encontrar a explicação para tal absurdo. É, claro, um artifício para comover, em todos os sentidos (co-movere), a platéia. Em outra passagem, ele parece até criticar os sermões que privilegiam os pensamentos, comentário paradoxal para quem seria conceptista: “... hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras, e pensamentos: antigamente pregavam-se palavras, e obras. Palavras sem atos são como tiro sem bala, atroam, mas não ferem.”
Leia mais! Manifesta ifestações ções literárias literárias do período colonial: colonial: CASTELLO, José Aderaldo. Man 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975.
COBRA, Rubem Queiroz. O Padre Vieira. Vida, época, filosofia e obras do Padre Vieira. Disponível em: http://www.cobra.pages.nom.br/fmp vieira.html. Acessado Acessado em 24/08/2007; 24/08/2007; COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. LIMA, Luis Filipe Silvério. Padre Vieira: sonhos proféticos, profecias oníricas. O tempo do Quinto Império nos sermões de Xavier Dormindo. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/8/8138/tde-030 disponive is/8/8138/tde-03092001-214816/. 92001-214816/. Acessado em 24/08/2007. NEVES, Orlando. Padre António Vieira. Disponível em: http://www. vidaslusofonas.pt/padr vidaslusof onas.pt/padre_anto e_antonio_vieira.h nio_vieira.htm. tm. Acessado Acessado em 24/08/2007. PEREIRA, João Batista. O Padre António Vieira: orador e profeta do V império. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 237-241, 2005. Disponí vel em: ht http: tp://64 //64.23 .233.1 3.169. 69.104 104/sea /searc rch?q h?q=ca =cach che:z e:zoqg oqg7ca 7cajYL jYLIJ:w IJ:www ww.ue .uem. m. br/~dialogos/include/getdoc.php%3Fid%3D547%26article%3D189%26m ode%3Dpdf+%22padre+vieira%22+%22alcir+p%C3%A9cora%22&hl=pt BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&client=firefox-a. BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&clien t=firefox-a. Acessado em 24/08/2007.
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PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira . Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acessado em 24/08/2007.
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Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga
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CAPÍTULO
Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga Apresentar Apre sentar e discutir discutir a produção produção literária literária e os elementos elementos da vida inteintelectual dos escritores do Arcadismo brasileiro, notadamente Tomás António Gonzaga, na perspectiva de Antonio Candido.
LEIA!
Uma aldeia falsa, falsa, de Antonio Candido. Disponível em: http://acd.
ufrj.br/pacc/literaria/falsa.html.
3.1 Anotações de Uma aldeia falsa, de Antonio Candido Este ensaio de Antônio Candido, que se encontra no livro Na sala de aula, aula, consiste num completo exercício de leitura da Lira 77 de Tomás Antônio Gonzaga. No caso específico de Gonzaga, bem sabemos que não poderíamos falar ainda em sistema (conforme nos ensinou Candido), pois este foi um poeta árcade do século em que o sistema ainda não estava estabilizado. No entanto, ainda conforme Candido, “Nela [isto é, na Lira de Gonzaga], estamos mais perto do que será o poema lírico dos românticos”. 3.1.1 A compreensão do poema
“Nesta Lira, um pastor se dirige a Marília e, para começar, narra como a sua prosperidade e a sua vida cercada de respeito foram interrompidas por um acidente catastrófico, cuja natureza não esclarece, e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia.” “Em seguida, imagina como há de ser a existência de ambos, se a sorte virar e ele readquirir readquirir a posição perdida. Diz que recomeçará recomeçará do nada e se contentará com a pobreza, contanto que Marília esteja ao seu
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lado. Diz ainda que o contraste entre a desgraç desgraçaa anterior e a felicidad felicidadee recuperada servirá de exemplo aos filhos e a todos os pastores da aldeia. E assim viverão felizes até a morte.” A compreensão do poema passa pelo reconhecimento de elementos que diferencia Gonzaga dos demais poetas e dos costumes de composição de seu tempo. “Fiadas comprarei as ovelhinhas, que pagarei dos poucos do meu ganho; e dentro em pouco tempo nos veremos senhores outra vez de um bom rebanho.” (trecho, Lira 77) “Essa conversa de negócios é um toque inesperado, que hoje nos parece moderno no meio dos artifícios pastorais...” (Candido) Nesse caminho, o autor de Formação da literatura brasileira combrasileira compara a Lira até mesmo a obras de poetas mais recentes: “Nisto Gonzaga difere dos poetas de hoje, que incorporaram a simplicidade quotidiana, e até a vulgaridade, de maneira direta, sem metrificá-la nem tratá-la como fachada de d e um sentido oculto.” Veja-se, a este propósito propósito,, como a singeleza da Lira 77 é diversa da que parece num poema de Manuel Bandeira: Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma chuva triste de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... – Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.” 3.1.2 Como fala o poema
Se a primeira preocupação foi acerca da compreensão, ou seja, do que fala o poema, Candido preocupa-se a partir de então com o como fala o poema. E o crítico organiza essa leitura em dois momentos. Primeiramente volta-se para a estrutura aparente: quanto à forma ele diz que
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“a Lira 77 se divide em duas partes, com uma estrofe intermediária de ligação. A primeira parte é formada pelas quatro estrofes iniciais, do verso 1 ao verso 24; a intermediária é a estrofe estrofe 5, do verso 25 ao verso 30; a segunda parte é formada pelas cinco estrofes seguintes, do do verso 31 ao verso 60. Em número de estrofes, temos: 4+1+5. Em número número de de versos, 24+6+30.” ” Quanto ao conteúdo, diz que “a primeira parte se refere ao passado, e por isso é construída sobre os pretéritos, perfeito e imperfeito, que predominam, predominam, mas apoiados em ocorrências do presente presente funcionando funcionando como contraste. contraste. É esse contraste que suscita a situação dramática. Na 1ª estrofe temos: “não fui”, “fui”, “vestia”, “vestia”, “tinha”, “tinha”, “tiraram-me” “tiraram-me” X “nem tenho”. Na 2ª: “queria “queria ser”, ser ”, “prezava” “prezava” X “não “não vejo”. Na Na 3ª: “causava”, “ficava”, “via”, “perdi” X “tenho de ver”. A 4ª estrofe termina a primeira prime ira parte, parte, que que recapi recapitula tula o passad passado; o; talvez talvez por por isso só tenha tenha verbos no pretérito; e no dístico final o Eu lírico é substituído pela providênc pro vidência ia divina, divina, que já decid decidiu iu todo o pro processo cesso:: (eu) “p “propu ropu-nha-me” (dormir, escrever, toucar); “julgou” (“o justo céu”).” 3.1.3 Análise das estrofes
Candido dá início, nesta terceira parte, a uma análise mais apurada de cada estrofe, ou seja, ele se preocupou em compreender a organização geral do discurso para, agora, pensar na especificidade de cada bloco (estrofe). Nessa empreita, o crítico constatou que, na primeira parte, de acordo com a divisão descrita anteriormente, há uma contradição entre os primeiros e os segundos períodos de cada estrofe; e que isso não ocorreu na segunda parte da lira, em que os períodos não se contradiziam. Porém, a estrutura física das partes permaneceu homogênea. Essa homogeneidade, segundo Candido, foi alcançada com estrofes autônomas, o que evidencia uma destreza do poeta. Àquilo que se chamou estrofe intermediária Candido atribuiu maior autonomia que nas partes um e dois. No entanto, mesmo com toda a autonomia, essa estrofe cumpriu bem a função de ligar as duas partes. E essa ligação, nos ensina o crítico, se verifica na habilidosa maneira como Gonzaga trabalha o tempo (passado, presente e futuro).
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3.1.4 Tensão Tensão e união dialética
Essa é a parte que Candido chamou de análise no “nível profundo”, momento em que se pesquisam as tensões, isto é, os “elementos ou significados contraditórios que se opõem”. Tais tensões poderiam até mesmo desorganizar o discurso, mas, percebe Candido, acabam, no caso da Lira, criando condições para organizá-lo por meio da “unificação dialética”. Para ilustrar o que está tentando se definir com tensão e união dialética, Candido recorta a definição de Philip Wheelwright para plurisi para plurisiggnation:: nation fato de que um símbolo expressivo tende, tende, em qualquer ocasião em que se realize, a conter mais de uma referência legítima, de tal maneira que o seu significado próprio é uma tensão entre duas ou mais direções de força semântica.
3.1.5 O contexto histórico-social
Nessa quinta parte do ensaio, Candido convoca o contexto histórico-social do autor para melhor definir alguns sentidos para a Lira. Lembremos da ligação, sugerida pelo próprio crítico do sistema literário, entre literatura e contexto histórico: a exemplo da relação com o formalismo, não se pode rebaixar o poema aos fatores externos que cercaram o momento de composição, porém, não se deve também desconsiderar informações precisas precisa s para o conjunto da obra, pois ela está inserida inserid a num conjunto maior. E, no caso específico de Gonzaga, os fatores externos são determinantes na compreensão de alguns sentidos. 3.1.6 Um precursor do sistema literário brasileiro
E, por fim, na última parte do ensaio, Candido dedica-se à legitimação de Gonzaga como um importante precursor do sistema literário brasileiro: “Gonzaga foi um dos recuperadores da simplicidade; ele a obteve em parte da sua obra graças aos traços já indicados, que o levaram nos bons momentos à simplicidade encantadora de uma poesia que parece dissolver-se a cada momento na prosa coloquial, mas conserva a sua força de originalidade. Por esse lado, lado, parece às vezes singularmente moderna. moder na.” ”
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E consagra também o tipo de poema p oema escolhido: “A ‘lira’ é um tipo de poema onde a convenção pastoral já está despida de suas características mais específicas, que aparecem na écloga, cujo mestre no Brasil foi Cláudio Manoel da da Costa. A ‘lira’ de Gonzaga tem uma inovação: ela suprime não só o diálo go entre pastores pastores,, mas os lugares-comu lugares-comuns ns mais freqüentes freqüentes,, como a referência a sacrifício de animais, a oferta de produtos da terra e a entidades protetoras. Nela, estamos mais perto do que será o poema lírico dos românticos, embora conserve o que se pode chamar de “delegação poética”, isto é, o recurso que consiste em transferir a manifestação do Eu a um personagem alternativo, o pastor,, despojado pastor despojado aqui dos outros outros elementos elementos da écloga. écloga. Ele é um rústico sob cuja pele se esconde poeticamente o civilizado, para obter o afastamento necessário à ilusão poética.”
Leia mais! CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1979. V. 1. CASTELLO, José Aderaldo. Man Aderaldo. Manifest ifestações ações literárias literárias do do período colonial: colonial: 1500-1808/1836 .. São Paulo: Cultrix, 1975. 1500-1808/1836 COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de Literatura Colonial . São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. brasileira . Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acessado em 24/08/2007.
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O Uraguai e o século XVIII
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O Uraguai e o século XVIII Apresen Apr esentar tar e discuti discutirr a obra obra O Uraguai , , de Basíl Basílio io da Gam Gama, a, dentr dentroo do complexo literário e intelectual do século XVIII luso-brasileiro.
LEIA!
http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-01121.html CANDIDO, Antonio. “A dois séculos d’O Uraguai”. In: Vários Escritos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1977. GAMA, Basilio da. O Uraguai . Org. de Mário Camarinha da Silva. Rio de Janeiro: Agir, Agir, 1964. (Nossos Clássicos, 77).
4.1 Anotações a O Uraguai e e A dois séculos d’O d’O Uraguai 4.1.1 História e poesia Sobre esse poema, Candido diz: “... é um romance de aventuras exóticas...” (p. 163 do ensaio referido anteriormente) Quanto aos valores estéticos, Antonio Candido começa por destacar o Canto V: V: “O Canto V é o pior de todos e visivelmente acabado às pressas, tendo como assunto principal a pintura alegórica no teto da igreja, alusiva ao domínio universal da Companhia e os seus alegados crimes e prepotências.” (p. 172) Ainda na página 172, o crítico toca em questões caras a sua forma de julgar uma obra; ele comenta a relação do concreto real e do concreto poético: “... equilíbrio entre os detalhes históricos e a elaboração ficcional. (...) o essencial da matéria informativa (...) mas em tudo o que é poeticamente decisivo, submeteu-o a um processo de descaracterização criadora – misturando personagens reais e fictícios, suprimindo sistematicamente os topônimos, fundindo acontecimentos, mudando o significado dos fatos e das ações. (...) o con-
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creto real passa para segundo plano, embora permaneça como data virtual do poema, enquanto sobressai o concreto poético; e assim o caráter contingente da obra de circunstância foi superado pela durabilidade dos produtos imaginários.”
Ele continua na página 174: “Havia um general português a celebrar, havia os jesuítas a denegrir; e havia um elemento que servia de pretexto, o índio. Foi este que acabou vindo a primeiro plano e salvando o poema.” O compromisso com uma missão ideológica pode comprometer a imaginação e, conseqüentemente, a estética do texto: “a análise adequada mostra de fato que o material da polêmica p olêmica antijesuítica antijesuític a é sempre esteticamente ruim, tendendo a adquirir significado periférico.” (p. 175) Ainda na página 175: “Portanto, se encararmos o poema objetivamente, e não como ilustração de um desígnio externo, a polêmica anti jesuítica fica secundária secundária e surge surge um outro outro eixo, que funciona como princípio estrutural: o mencionado encontro de culturas, definido no Canto II pelo debate entre Gomes Freire e os dois caciques, Cepé e Cacambo.” 4.1.2 Renovação dos moldes clássicos De um lado, lad o, vemos n’ n’O Uraguai vários elemento elementoss que caracterizam heranças clássicas: Podemos reconhecer uma invocação e uma dedicação na forma clássica; Os versos são decassílabos brancos; Há ecos de Petrarca: “Tanto era bela no seu rosto a morte!”; Diz Antonio Candido: “ O Uraguai (...) é cheio de reminiscências dos poetas italianos...”; Nos versos 120 a 130, poderíamos p oderíamos falar numa referência à Eneida; Nos versos 145 a 153, verificamos uma possível sintaxe latinizante; Nos versos 1 a 4, parece se revelar a paisagem de gosto clássico, assim como nos versos de 39 a 55. É a paisagem bucólica neoclássica.
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Por outro lado, acerca de um desgarre da tradição clássica, pensemos nos comentários de Mário Camarinha da Silva (organizador da edição acima mencionada) “... é O Uraguai obra em que as inovações correm parelhas com as normas tradicionais, o que a torna bem representativa daquele momento.”; “Não sendo da natureza do poema épico caracterizar a fundo as personagen personagens, s, como conseguiria o poeta nos impressionar tanto com essas criaturas? (...) recursos estilísticos do poeta (...) Basílio era poeta menor menor,, de fôlego breve, pouca imaginação e curtas intenções (...) Como conciliaria estilisticamente sua economia de meios com o tradicional esbanjamento de formas da epopéia? (...) E só o conseguiu devido à inexcedível mestria com que dominou a língua portuguesa...”” (p. 15) guesa... Sobre o autor d’ O Uraguai, Antonio Candido diz: “... Basílio da Gama (...) nada tem de escritor oficial, esteticamente falando; nada de acadêmico e seguidor das regras.” (p. 163). E, sobre a relação do autor com o gênero: “Embora tenha dado a O Uraguai uns disfarces de epopéia, quase tudo o afasta do gênero: o assunto, reduzido e atual, quebrando a norma da distância épica; o tamanho pequeno, incompatível com as regras; a presença da sátira e do burlesco, que são a própria negação destas e aproximariam a obra do poema herói-cômico, isto é, a antiepopéia deliberada.” (p. 172) Não ignoremos o maravilhoso pagão – a profetização de Tanajura. 4.1.3 Contrapontos Há alguns contrapontos interessantes, apontados por Candido, no Canto IV: nos versos 23 a 38 nota-se alternância entre a aldeia (Cacambo e Lindóia) e as tropas portuguesas, e também o contraponto entre a serpente e os portugueses de tocaia (p. 75) Mais contraposição: “Este princípio estrutural (...) em certas constantes da composição, como a técnica de contraponto. Os oficiais se opõem aos caciques; os pelotões fardados de azul e amarelo se opõem aos guerreiros guaranis, enfeitados de penas amarelas e azuis; ao uniforme vermelho dos granadeiros responde a plumagem rubra dos tapes de Caitetu...” (p. 176)
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4.1.4 Plasticidade e moviment movimentos os da linguagem Segundo Mário Camarinha da Silva: o “decassílabo, “decassílabo, verso tradicional da épica, nas línguas neolatinas, Basílio acumulou nele efeitos simultâneos de som, cor e imagem intimamente ligados ao significado.” (p. 16) Candido afirma que, no Canto I, há “bonitos os trechos sobre o desfile dos batalhões e o mundo coberto de água.” (p. 171); “No Canto IV (o mais belo), as tropas avançam por uma região alta e nevoenta, iluminada de repente pelo sol, enquanto na aldeia os índios se dispõem em formação vistosa para o casamento de Baldeta e Lindóia.” (p. 171) Uma observação também sobre o fim do poema: “... o poema termina abruptamente com uma peroração admirável, que redime a frouxidão de estrutura, assunto e linguagem do último canto.” (p. 172) E ainda: “... o que mais prende a atenção é um jogo de linhas, ritmos e matizes, com uma gratuidade brilhante que empurra para segundo plano certas discursividades da argumentação. (...) tudo nele é cor, volume,, movimen volume movimento to virtual, antes de ser soldado ou índio, ribeiro ou morro.” (p. 177) Para Candido, há, na criação de Basílio, “impressões sensoriais, que não apenas constituem a percepção do mundo mundo,, mas são o elemento estético que determina a estrutura ao se tornar elemento de composição.” (p. 177) E mais: “... “... construção feita pela pel a fusão da cor e do movimento. Pode-se Pode-se mesmo dizer que a cor é a lei do movimento, gerado pela sua modulação; mas que o movimento, por sua vez, revela a cor, ao associá-la, em crescendo, do cinza neutro à explosão de vermelhos, azuis, amarelos, verdes, passando à tonalidade fria das paisagens vistas de longe.” (p.180-181) 4.1.5 Quanto aos ritmos Novamente recorramos a Mário Camarinha da Silva: “Some-se ainda o efeito suspensivo do cavalgamento, provocador de emoção ou surpresa...”” (p. 16) surpresa... Ou ainda: “... riqueza acústico-significativa, com o ressoar das vogais repetidas ou a aliteração das consoantes nos trechos mais altamente expressivos...”” (p. 16) expressivos...
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E o organizador tece mais elogios para a música do poema: “Onde quer que a monotonia ameace, logo a destrói um verso antológico pelo efeito acústico (...) pelo insólito da aparência (...) pelo não mais esperado elemento de cor local em cenas perfeitamente arcádicas pelo convencional (...) pela rápida série nominal tornada enfática por um assíndeto (...) ou pelas aliterações, e ecos, e rimas interiores e outros recursos que tais.” (p. 17) Nessa linha, podemos ver no poema, p oema, como nos versos 130-1, o ritr itmo da frase baseado em quebras sintáticas sintáticas e cavalgamentos. Por sua vez, Antonio Candido afirma: “A sua ação rápida, variada, pondo em cena personagens incisivos ou comoventes, embora sumários, (...) o seu verso melodioso (...) anunci anunciaa as boas tonalidades de Gonçalves Dias.” (p. 163) E, na página 181 do referido ensaio, há mais observações quanto à melodia dos versos: “... também (...) são plásticos, graças a valores sutis, de vogais e consoantes ou, ainda, à combinação de uma maioria de versos com com cesura mais ou ou menos fixa a outros outros de cesura cesura variável. variável. Daí a diversidade e a fluidez desse verso solto que podemos quase ver, como se fosse um arabesco, ao mesmo tempo que ouvimos a sua musicalidade contida. O jogo dos enjambements, que por vezes se sucedem imediatamente, formando seqüências longas, e da pontuação que represa o fluxo sonoro para deixá-lo espraiar-se adiante – mantém o espírito num mo vimento contin continuado uado e o faz esposar esposar as formas formas do mundo. mundo.” 4.1.6 Razão, sentimento e imaginação Segundo Mário Camarinha da Silva, “... o dilema entre a natureza racional e a natureza sentimental (...) rege a arte de Basílio da Gama no Ura guai. Neste imperam as razões do coração. Ou talvez seja mais claro dizer que a Razão do poeta esconde sentimentos que nele próprio confessa.” (p. 9). Daí decorre que “... os seres que inventa este poeta de parca imaginação superam no poema os que existiram historicamente.” (p. 13) E, nas palavras de Antonio Candido, pode-se ver n’ O Uraguai um “... assunto entre épico e político, banhado por um lirismo terno ou heróico que permite ver com simpatia a vida do índio brasileiro (...) instrumento novo (...) natureza um pouco jornalística...” (p. 172)
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4.1.7 Natureza versus ordem racional Nos versos de 6 a 8, nota-se uma oposição entre natureza e ordem racional. Por sua vez, Antonio Candido fala de uma “razão natural” que estaria contra uma “razão pura e simples” (p. 175). 4.1.8 As ações do estado europeu Os versos 71 a 77 nos permitem falar de uma violência do estado como recurso para a implantação de sua lógicas e de suas leis. Nos versos 138 a 144, evidencia-se a cultura européia que a guerra leva aos índios (já dominados pela cultura européia jesuítica). jesuítica). Os versos 153 e 154 atestam o esforço de imposição de ordem e de instrução pelos europeus. 4.1.9 Civilização e barbárie Quanto à educação dos selvagens, Mário Camarinha aponta um “... mundo civilizado, com seu herói racionalista e os seus guerreiros plasticamente dispostos nas ocasiões festivas como na ordem de batalha; ao contato da civilização até os bárbaros podem conter os seus impulsos e apresentar razões e contra-razões ao Herói...” (p. 12) Nos versos 173 a 184, percebe-se que a voz poética afirma que os índios só teriam progressos se assistidos pelo gênio europeu. Como conseqüência, vemos a imposição de uma lógica interesseira à cultura autóctone, como se pode entender do verso 110. Nos versos 124 a 128, mostra-se um embate entre uma liberdade miserável e uma escravidão iluminada. Poderíamos, no caso, pensar na imagem do contrato social do racionalismo europeu. Nos versos 129 a 132, o despotismo interesseiro dos jesuítas se contrapõe ao despotismo esclarecido da coroa portuguesa. O verso 137 pode ser lido como uma referência aos ideais do contrato social de Rousseau. Os versos 285 a 289 mostram a cultura jesuítica sendo imposta aos índios, pelo olhar próprio do poeta.
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Acerca do prejuízo do índio, Antonio Candido mostra a estratégia de Basílio da Gama em descrever a invasão sofrida pelo indígena: “Mostrá-lo como vítima dos padres seria normal e aumentaria o efeito da polêmica; o poeta não deixa de fazer isto. Mas vai adiante e o mostra como vítima de uma situação mais complexa, na qual os intuitos declarados viram do avesso, na medida em que o militar invasor acaba se equiparando virtualmente ao jesuíta como agente de perturbação da ordem natural. natural .” (p. 174) 1 74) 4.1.10 A intromissão da cultura cristã Mário Camarinha: “Neste poema do avanço da civilização sobre as terras dos bárbaros, Sepé é um símbolo cristão: derrotado, subiu aos céus.” (p. 13) Nos versos 140 a 143, a ingenuidade e a bravura do selvagem é contraposta à perfídia e aos interesses do jesuíta. Nos versos 242 a 248, ironicamente, Balda é mostrado como pai de Baldeta. Nesses nomes, haveria alusão à vacuidade (de baldo, debalde, em vão) dos padres? 4.1.11 O choque de culturas Há inúmeros exemplos de passagens em que se chocam valores, idéias e princípios das diferentes culturas envolvidas (a dos europeus representados pelo exército português, a dos europeus representados pelos jesuítas e a dos indígenas). Vejamos os exemplos seguintes: Versos de 25 a 28: pretensa superioridade do europeu Versos de 30 a 32: cultura européia versus cultura indígena Versos de 162 a 165: valentia ignorante do índio versus valentia orgânica do português Versos de 192 a 194: A guerra é mostrada como mensageira da civilização! Verso 213: descrição de uma lógica da guerra européia (e civilizada)
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Versos de 261 a 274: males e bens da civilização européia Versos de 265 a 267: contraposição entre culturas índia e européia Versos 5-6: aqui, pretende-se mostrar que a questão não é cultural (a supremacia européia européia não se discute), mas de poder p oder político, de visão iluminista Versos de 110 a 112: apresentação da mitologia pagã Versos de 137 a 139: ingenuidade natural do selvagem Versos 65 e 66: a volta à grandeza primitiva como atributo (ou resultado) da razão esclarecida (p. 40) Sobre essas tensões, conflitos de culturas e de civilização, Antonio Candido lembra: “... a história sempre atual dos povos de cultura diferente que não se entendem e traduzem o desentendimento pelo conflito...” (p. 163) Dando contornos definitivos para essa tensão, Candido é preciso no exemplo: “no Canto II (...) Cepé e Cacambo, procuram Gomes Freire como embaixadores. No belo diálogo, as duas partes expõem as suas razões e nós sentimos a tristeza do choque de culturas e interesses. Travase o combate, cujo movimento é admirável, terminando com a derrota e retirada dos índios.” (p. 171) Mário Camarinha afirma que, “Liberado momentaneamente pela derrota frente à civilização que avança, o índio missioneiro volta à natureza...”” (p.12) tureza... Destaque-se o que Camarinha afirma, em sua apresentação do poema, acerca do mito do bom selvagem “... poema (...) representação da eterna luta da civilização contra a barbárie num mundo em que tanto quanto Gomes Freire, sólida figura do herói civil (à maneira de Pombal e seus irmãos), importam os bons selvagens que o poeta imagina vivendo numa natureza amena, quase idílica, mas presas das Superstições e do Fanatismo que lhes incutiam os bons padres espanhóis.” (p.12) Todavia, tanto Camarinha quanto, mais tarde, Candido, parecem cair no erro de pensar que o poema permite a Basílio da Gama descobrir a idéia/imagem do bom selvagem; na verdade, pode ser que esse mito,
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conhecidíssimo da intelectualidade ilustrada à época, sofra a contrapoconhecidíssimo sição do panfletarismo antijesuítico e das intenções políticas do autor, não aparecendo, então, como desaguar natural do poema, mas como elemento que perturba as intenções extratextuais de Basílio da Gama. Quanto à pureza natural dando sentido à razão iluminada, Camarinha fala de um “... mundo de decadência e ruínas, que não justifica os pecados que mancham a Alegoria da grandeza que se atribui à própria Companhia (...) À sombra generosa do Herói, reintegram-se no mundo dos índios do Uraguai os valores humanos, acarretando a vitória formal da civilização da autoridade real.” (p. 12-13) Antonio Candido nota em Basílio uma postura ilustrada, no que concerne à consciência a empreitada dos poetas do século XVIII: “... o poeta estava menos interessado no invasor e no padre que na ordem natural do mundo americano, verdadeiro modelo da ordem racional para os ilustrados do século XVIII.” (p. 175) E os elogios ao trabalho do poeta se estendem: “... poeta, grande artífice que percebeu o diálogo das culturas, do ângulo americano. Por isso identificou-se à realidade física da terra e do índio; e indo muito além dos intuitos ostensivos da campanha antijesuítica, transformou-os em significados capazes de levar à mentalidade dos homens cultos da Europa Euro pa o peso específico do mundo natural, estraçalhado pela ambição colonizadora..” (p. 182) colonizadora 18 2) 4.1.12 Prenúncios do indianismo romântico Voltemos à apresentação de Camarinha para esse assunto: “Surgindo no poema com categoria de “homem natural”, “bárbaro”, “rude americano”, alguns desses índios não passavam de meras representações da idéia que o autor formava, por exemplo, de um bravo (Tatu-Guaçu), uma feiticeira (Tanajura), e um jovem gabola (Baldetta).” (p. 13-14) Estaríamos diante de um pré-romantismo indianista? Os versos 59 a 64 e 180 a 193 mostrariam um possível embrião do indianismo. Também nos versos de 171 a 175 haveria esse possível embrião de indianismo. Ver, Ver, a esse propósito, O Canto do Piaga de Gonçalves Dias.
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Os versos de 34 a 42 poderiam parecer uma peroração independentista, mas a referência é claramente feita aos índios (ver a nota do próprio Basílio da Gama). Antonio Candido chama a atenção para uma abordagem cuidadosa do poema de Basílio da Gama, de tal forma que estrutura estrutura e conteúdo sejam contemplados devidamente: “O Uraguai (...) é preciso ver mais coisa na sua estrutura, distinguindo além do ataque ao jesuíta a defesa do pombalismo e o encantamento plástico plást ico pelas formas do mundo americano, inclusive a simpatia pelo índio.” (p. 171) 4.1.13 Os dois eixos de leitura Antonio Candido acredita que, como organismo, o poema não consegue harmonizar-se de acordo com seus dois eixos (poesia e ideologia; ficção e história; estética e política etc.): “ O Uraguai é belo e mal composto. Uma obra pode ter mais de um eixo de ordenação e freqüentemente extrair disso a sua riqueza. Mas neste caso a dualidade, mesmo que tenha sido deliberada, foi nociva (...) representa representa desconexão e uma leitura atrapalha a outra...” (p. 176) E ainda: “... uma visão mais de acordo com os melhores momentos do poema é, conforme foi sugerido, a que desloca o eixo da verrina para o encontro de culturas, base da civilização brasileira, que seria elaborado no Caramuru com maior amplitude, mas com menos graça (...) Basílio da Gama, mais dramático e menos convencional, veria no processo principalmente os elementos do choque: Durão, compreensivo e conciliador, a acomodação das raças e dos costumes.” (p. 176) 4.1.14 Os quatro elementos, segundo Candido “O sertão gaúcho das Missões é dissolvido na imprecisão e pode mais facilmente tornar-se espaço poético arbitrário, encarnando quase simbolicamente os quatro elementos do mundo, matéria predileta predilet a da imaginação imaginação de Basílio Basílio... ...” (p. 177) Elemento primeiro: “O elemento sólido é aparente no peso estáti-
co das imagens e descrições que amarram a nossa imaginação a vários morros...”” (p. morros... ( p. 177)
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Elemento segundo: “... sentimento da água, movendo o mundo a
cada instante... instante...”” (p.177) Elemento terceiro: “O movimento se acentua e sutiliza com o fogo,
que é o instrumento de Cacambo contra o acampamento...” (p. 178) Elemento quarto: “... a imaginação fica imponderável e ascensional
com o ar, que no poema pode ser a zona onde as nuvens se escondem ou revelam a face das coisas; a levitação contida nas excursões do olhar, que descortina o horizonte...” (p. 178) “A presença dos quatro elementos denota um fascínio pelas formas naturais, pela realidade exterior do mundo, que é recomposto como sistema de percepções no verso de Basílio.” (p. 178) “... impressões sensoriais, que não apenas constituem a percepção do mundo, mas são o elemento estético que determina a estrutura ao se tornar elemento de composição.” (p. 179)
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Ora, tais relações entre texto e contexto são realmente firmes, como indica o ensaísta? De ato, desenha-se uma separação radical entre um aspecto e outro, que parece diícil de aceitar: “O registro chulo não é um ator congenial a toda a obra do poeta baiano (diversamente do que ocorre me Rabelais), mas apenas um modo setorial de usar a linguagem para marcar a erro e ogo aqueles que caem na mira da sua irrisão.” (p. 109-110) Porém, em outra passagem do ensaio, Bosi parece reconhecer uma Porém, certa interpenetração: “Nem tudo, porém, são extremos. E é curioso descobrir, no meio do cancioneiro lascivo de Gregório, certos passos em que aquela oposição sem matizes entre mulher branca e mulher negra cede a uma hesitante ambigüidade que cava no texto um momento feliz de auto-análise.” (p. 109-110) A partir daí, seria importante desenvolver essa ambigüidade mais proundamente. Segundo Bosi, há, na poesia po esia sacra de Gregório de Matos, “(...) uma divisão interna: a consciência moralista e a via mística, preponderando aquela sobre esta.” (p. 112) Ainda sobre a idéia de um Deus Bironte: “O medo da morte eterna, aliviado e, de algum modo, controlado pelo mecanis mecanismo mo eclesiás eclesiástico tico da expiação formal formalizada, izada, revela o fundo dessa dessa religios religiosidade idade que que atraves atravessou sou todo todo o barroco jesuític jesuítico. o. A Colônia não teve um Pascal que ironizasse, ironizasse, em nome de uma relação homem-Deus mais livre e pessoal, a casuística manhosa gerada pelo cará caráter ter externo do tríplice liame: pecador, pecado pecado,, penitência.” (p. 112) Acerca do poema “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado”, Bosi afirma que “A “A remissão depende aqui de uma permuta pelo qual o gesto de perdoar (...) converte-se em um ganho para Deus (...). Pede-se a Deus, em suma, que não aça um mau negócio...” (p. 112) Ora, eis aqui o uso da mercancia, condenada por Gregório em outros poemas. Há, então, uma ambigüidade, quando consideramos os poemas em geral, que ilustra talvez uma poética da miscigenação e de uma consciência
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CAPÍTULO nova, a respeito da religião, do país, da mulher. É essa leitura geral dos poemas que deve ser levada a cabo, uma leitura dialogizante (até mesmo entre os vários temas e entre os diversos poemas, o que exigiria uma reclassificação, uma redivisão da obra toda). Ainda a máquina mercante, em Gregório, Bosi afirma que: “... sob a superície das transações e dos jogos j ogos de consciência, (...) avulta a sombra da danação, patente nas imagens terríveis do Juízo Final...” (p. 114) “Como resistir se o mal penetrou nas juntas do sistema e nas entranhas do sujeito? O modo único de resistir é maldizer, é moralizar, é repetir a cada um que é pó, e a pó reverterá, é convocar para o aqui-eagora o dia do julgamento.” Essa unção que Bosi credita à poesia de Gregório de Matos, na verdade, coincide com boa parte do Barroco.
Leia mais! BOCA DO INFERNO. Disponível INFERNO. Disponível em: http://memoriaviva.digi.com.br/ http://memoriaviva.digi.com.br/ gregorio/. Acessado em 24/08/2007. BOSI, Alredo. Do antigo estado à máquina mercante. Dialética da colonização.. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.96-118. nização CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Das origens ao Romantismo . 7. ed. São Paulo: Diusão Européia do Livro, 1979. V. 1. CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Mattos, Mattos , Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989. CASTELLO, José Aderaldo. Man Aderaldo. Manifesta ifestações ções literárias literárias do período colonial: colonial: 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975. Boca: Teoria do Verso em Gregório CHOCIAY, Rogério. Os Metros do Boca: de Matos. São Paulo: Editora Unesp, Unesp, 1993. COUTINHO, Arânio. Introdução à literatura no Brasil . Rio de Janeir Janeiro: o: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. Gregório de Mattos. Mattos. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico por Antonio Dimas. São Paulo: Nova Cultural (Literatura Comentada), 1988.
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GREGÓRIO DE MATOS. MATOS. Uma visita ao poeta. . Disponível em: http:// www2.ufa.br/~gmg/welcome.html. www2.ufa.br/~gmg/welcome.h tml. Acessado em 24/08/2007. HANSEN, João Adolo. “Floretes agudos e porretes grossos”. Folha de São Paulo. Paulo. Caderno Mais!. 20/10/1996. Disponível em: http://www. revista.agulha.nom.br/jah01.html. revista.agulha.nom.br/jah01. html. Acessado em 24/08/2007. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Brasileira . Disponível em: http://alecrim.in.usc.br/bdnupill/ar http: //alecrim.in.usc.br/bdnupill/arquivos/texto/000 quivos/texto/0006-00767.html 6-00767.html.. Acessado em 24/08/2007.
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A obra de Padre António Vieira
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CAPÍTULO
A obra de Padre António Vieira Apresentar Apr esentar e discutir discutir a obra obra e a dimensão intelectual intelectual do do Padre Ant António ónio
Vieira, buscando entender sua importância, tanto para o Barroco (e não só o luso-brasileiro) quanto para a literatura que se segue a ele.
LEIA! “Vieira (...) nos trouxe a lábia.” Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago.
BOSI , Alfredo. “Vieira, ou a Cruz da desigualdade”. In: Dialética da Co-
lonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
2.1 Anotações sobre Vieira, ou a Cruz da desigualdade 1) As contradições de Vieira espelhando as do sistema colonial
nos permitem ver as especificidades da realidade brasileira modificando a produção do intelectual europeu. Bosi diz que “... a riqueza das suas contradições, que são as do sistema colonial como um todo, e que só a experiência brasileira, de per si, não explica.” (p. 120) 2) Com perspicácia, o pregador não entra em conflito com a es-
trutura mercantil inerente ao pacto colonial. Bosi mostra o quanto “Vieira, “Vieira, ao contrário do poeta p oeta saudoso do «Antigo Estado», sabia que a máquina mercante viera para p ara ficar, ficar, irreversí vel, inexorável. inexorável. (...) importava importava dominá-la.” (p. 120) 3) Nota-se no seu discurso uma necessidade de amoldar-se não
apenas à sua época mas também à certa visão de sua época. “... inspira ao rei a fundação de uma Companhia das Índias Ocidentais assentada principalmente em capitais judaicos. (...) uma singular simbiose de alegoria bíblico-cristã e pensamento mercantil no estranho Sermão de São Roque... ” (p. 120)
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Nome da Disciplina
4) Fica evidente, em Vieira, uma mentalidade barroca adaptada
ao processo colonial empreendido pelos portugueses, sem que se esqueça de criticar os desvios desumanos desse mesmo processo no Brasil; há aí uma dialética da universalidade interesseira e da particularidade ética, conforme destaca Bosi: “Vieira estabelece um distinguo bem escolástico: a santidade dos fins desejados por Deus nada tem a ver com a imperfeição dos meios contingentes que nascem da fraqueza humana.” (p. 122) Isso é bem barroco. Há também uma lacuna entre os valores ético-religiosos e a prática política: readaptação mútua dos discursos religioso e político, em função das exigências da realidade colonial brasileira. Sobre isso Bosi diz que “da distinção entre fins e meios, que passam a operar em ordens de valor próprias, decorrerá um intervalo bem moderno, entre os princípios ético-religiosos e as práticas imediatas da política.” (p. 123) 5) Bosi fala de um “discurso da ação entre a política e a teologia”.
A empresa de Vieira buscaria conciliar um discurso parenético e os interesses políticos de uma classe intelectual esclarecida. Na visão de Bosi, essa busca aparece assim descrita: “O seu problema retórico fundamental é este: como compor um discurso persuasivo, isto é, suficientemente universal nos argumentos para mover particularmente a fidalguia e o clero a colaborar na reconstrução do Reino, até então escorada, es corada, sobretudo, pela burguesia burguesia e pelos cristãos cristãos-novos -novos?? (...) como pôr pôr em xeque xeque os preconceitos antimercantis antimercantis e anti-semitas que, como se s e sabe, já afloravam afloravam nos diálogos diálogos morais morais de um frei Amador Amador Arrais Arrais e repontam, entre nós, nas sátiras de Gregório de Matos?”
Poderíamos nos perguntar então se isso não é o que poderia apontar um indício de brasilidade em Gregório de Matos 6) É possível observar a lógica da pregação religiosa utilizada para
despertar uma visão aberta, empreendedora e mercantil em Portugal: “... induzir os ouvintes a uma reestruturação conceitual de valores, inquietantemente dialética...” (p. 124) O sistema colonial obriga a isso!
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CAPÍTULO
7) Daí resulta uma acentuação do barroquismo e da complicação
do discurso, obrigado a se retorcer para chegar às conclusões e às idéias que se pretende defender. Bosi trata esse assunto nos seguintes termos: “O seu discurso, agônico e torcido torcido,, faz pensar que aquela cultura nada tinha de homogêneo nem de estático.” (p. 124) P rimeira Para o que se segue, Bosi respeita a ordem do Sermão da Primeira Dominga do Advento. 8) Em favor do que o ensaísta chama de “Defesa de valores huma-
nísticos, dentro do ideal religioso da contra-reforma”, alega que “todo homem traz em si mesmo o poder de corrigir a desigualdade que reina no mundo do acaso...” E ainda ressalta que “termos medieval-barrocos tradicionais como honra, fidalguia, nobreza, são ressemantizados por Vieira, que passa a integrá-los na esfera do trabalho, libertando-os portanto da pura sujeição à herança familiar e estamental.” estamental.” (p. 124) Estaria ele falando aqui, talvez, de uma mentalidade contra-reformista, adepta do livre-arbítrio. 9) O autor da História Concisa aponta uso de artifícios da lingua-
gem barroca: “o elogio da vita activa resolve-se sob a forma de uma sintaxe em cadeia em que o discurso em galope potencia o mérito do homem em estado de alerta ao mesmo tempo que agrava o demérito do relapso...” diz também que são “... simetrias internas (...) paralelos (...) figuras que transpõem para a prosa parenética o leixa-pren da lírica medieval!” (p. 125) 10) Bosi fala de uma “inventividade da linguagem”, que aparece
nos sermões do Padre Vieira seguindo a retórica clássica: “... inventio, fase de busca, em aberto, de tópicos e motivos, conhece em Vieira um largo espectro espec tro de possibilidades (...) Passagens bíblicas, fábulas, anedotas, provérbios, episódios tomados a vidas de santos, tudo lhe serve...” (p. 125) 11) O carpe diem em Vieira aparece adaptado a sua visão política.
Diz Alfredo Bosi: “O tempo válido é o tempo oportuno (...) Momento Momen to irreversível (...) «O tempo não tem restituição alguma».” (p. 126)
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12) Na visão política de Vieira, aparece também uma certa ética
protestante e capitalista que se vê inserida na argumentação contra-reformista do pregador: “A defesa do negócio oposto ao ócio acaba invertendo o sentido da categoria-eixo do antigo regime, a nobreza, que de valor herdado passa a virtude conquistada na labuta.” (p. 126) 13) Notamos também uma reação contra o Quietismo, em prol
da ação e da intervenção, uma defesa do livre-arbítrio: “Nessa nova ontologia Vieira atribui às coisas (...) o serem conhecidas por sua «essência»; quanto aos seres humanos, porém, a sua determinação obtém-se pela «ação»...” (p. 126) E ainda: “Na segunda metade do século XVII a Igreja de Roma, diretamente inspirada pela teologia ativista e pragmática da Companhia de Jesus, condenou várias proposições do místico espanhol Miguell de Mol Migue Molinos inos cujo Guía espiritu espiritual al pode considera considerar-se r-se o texto fundamental do quietismo católico. Ao mesmo tempo, na França, os jansenistas sofriam processos movidos pelos jesuítas que os acusavam de ensinar uma doutrina subjetivista na qual a fé bastaria bastaria ao crente... crente...” (p. 127) “O sermão (...) pouco se detém em especulações de ordem metafísica que, naquela altura do século, dividiam os teólogos em correntes inconciliáveis, os voluntaristas (partidários de uma extensão maior a ser concedida ao princípio do livre-arbítrio) e os quietistas, que viam um abismo entre o poder da Graça e a iniciativa do homem.” (p. 127) 14) Há também contra o Quietismo uma pregação ativa, prag-
mática e determinista, em que os juízos universais são rapidar apidamente convertidos em medidas práticas de alcance específico. Nas palavras de Bosi aparece no seguinte tom: “O horizonte do nosso orador é pragmático, passando rapidamente das máximas universais às aplicações particulares...” (p. 127) O que vale dizer que ele é mais voluntarista. voluntarista. 15) O universalismo se apresenta na tentativa de conciliar a menta-
lidade mercantil e as escrituras. Essa é uma possível leitura que
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se faz do Sermão de Santo Antônio Antônio pregado na igreja das Chagas e Lisboa em 1642: (Sá da Costa, vol. X). E Bosi percebe essa estratégia, apontando que “o universalismo, necessário ao ônus da prova, deita (...) raízes em duas realidades realidade s historicamente díspares: o sistema nacional-mercantil, de um lado; e as propostas de fraternidade contidas no Evangelho, de outro.” outro.” (p. 128) Tal universalismo é também bastante explícito na passagem: “A Lei de Cristo, revelada, não suprime a Lei natural, presente nas consciências de todos os homens. (...) O jusnaturalismo vem acionado por Vieira numa linha antiaristoscrática, isto é, em benefício da aliança Coroaburguesia.”” (p. 128) burguesia. 16) Nota-se na oposição de Vieira ao Cultismo uma possível con-
tradição, trazida pela prática intelectual do intelectual europeu no coração do sistema colonial: “As alegorias barrocas da Glória, que o palácio e a catedral ostentam em toda a sua magnificência, esvaziam-se de qualquer significado religioso quando representam apenas a opulência iníqua, e não a fé cujos poderes pretendiam exaltar. (p. 132) E o argumento de Alfredo Bosi prossegue: “A presença de um veio antibarroco ou, mais precisamente, anticultista na obra, em última instância, barroca, de Vieira está a exigir um estudo que avalie o peso da razão mercantilista no discurso do grande pregador. A perplexidade que perpassa o ensaio de Antônio José Saraiva sobre o Sermão da Sexagésima me parece um sinal de que as contradições de Vieira já começam a inquietar os seus leitores modernos. V. O discurso engenhoso. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 113-124.” (p. 132) 17) Em vez de ocultar os conflitos sócio-políticos, como faz o te-
atro de Anchieta, Vieira traz para a armação do texto as hesitações e as contradições do intelectual vivendo em colônias. “A defesa dos índios contra os colonos do Maranhão...” (p. 134) Vejamos como Bosi aponta esses conflitos: “... xadrez de conflitos sociais, dados os interesses em jogo, obri gando o discurso ora a avan avançar çar até posições extremas, ora a compor uma linguagem de compromisso. No fundo, o pregador
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acha-se dividido entre uma lógica maior, de raiz universalista, tendencialmente igualitária, e uma retórica menor, que trabalha ad hoc, particularista e interesseira. (...) misto de ardor e diplomacia, veemência e sinuosidade...” (p. 134) 18) O embate entre a doutrina religiosa e as necessidades do sis-
tema colonial faz com que haja uma torção na lógica e na argumentação dos discursos: “A filiação comum e universal dos homens em relação a um Deus criador e único é o aval da irmandade de todos...” (p. 135). Pergunta-se então Bosi: “posto o discurso nessa chave, o que dele se seguiria, caso fosse mantido o seu grau de coerência interna? Sobreviria a condenação pura e simples do que se praticava então no Brasil (...) repúdio a qualquer tipo de cativeiro.” (p. 135) É preciso então fazer uma Crítica da Razão Pragmática, até hoje usada no Brasil, para justificar a exploração do trabalhador, como já foi usada antes para justificar a escravidão do índio, a do negro, a Guerra do Paraguai etc. 19) A hesitação que se verifica no discurso é abandonada na ação
dos jesuítas que adotam a pragmática do não-confronto. “No naturale ale e entanto, esse ideal, nítido a absoluto enquanto jus natur enquanto verdade de fé, já fora abandonado pelo compromisso político dos padres (confessado pelo próprio Vieira) de «descer» com os portugueses ao sertão, domesticar e reduzir os aborígenes à obediência...” (p.136) 20) Resulta disso um conflito com o sistema e/ou seus represen-
tantes, ou compromisso com a exploração do índio: “A tensão acaba se resolvendo de um ou de dois modos, ambos infelizes para os jesuítas. Ou o compromisso, ou a resistência.” (p.137). Contudo, em Vieira, vêem-se os dois movimentos. “... fase do compromisso, de que Vieira se penitencia em certo momento, mas que afinal mantém e justifica em outros.” (p.138) “A lógica do direito natural e o kerygma cristão pedem a liberdade dos irmãos; mas a retórica dos interesses quer distinguir entre o cativeiro lícito e o ilícito.” (p. 138)
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21) Embate entre as razões universalizantes antiescravagistas e as
questões particulares e pragmáticas tendendo ao escravismo, “o sermão ora sobe com as marés altas da razão universalizante, ora desce em concessões aos múltiplos interesses dos grupos de pressão. Aqui o universal se contrai e se deprime (...) Vie Vieira ira se peja de ter cedido ao pacto com o poderoso.” (p. 138) 22) Paixão e sofrimento: o uso dessa máscara cristã ofusca explo-
ração e o cativeiro dos negros. Segundo Bosi, “a linguagem da identificação (...) O trânsito da imanência subjetiva à transcendência aciona-se a partir de um presente vivido e sofrido, aqui e agora, mas à luz de um passado exemplar que a palavra litúrgica faz reviver: o drama da Paixão.” (p. 143) “No Sermão XX, a desigualdade é sentida como queda humana de um estado inicial, criado e desejado por Deus, no qual não haveria senhores nem escravos. (...) fermentos libertários que, tomados em si, fora do contexto seiscentista, pareceriam francamente ilustrados e rousseauístas...” (p. 145) “Mas... no Sermão XXVII, aquele mesmo embaraço causado pelo absurdo da escravidão desfaz-se mediante uma outra teoria da História, radicalmente oposta à que se s e esboçava linhas atrás: Vieira apela agora para a noção do sacrifício sacr ifício compensador.” (p. 146) 14 6) “Tudo quanto no Sermão XX, como obra da malícia humana, resgata-se, neste XXVII, enquanto fruto de um plano divino. A passagem dos negros para a América terá redimido suas almas.”(p. 146) 23) Há uma justificativa do sofrimento do negro como redenção:
tratar-se-ia da distinção neoplatônica – e augustiniana – entre corpo e alma. Todavia, essa mesma distinção é atacada por Vieira quando da querela sobre a escravidão dos índios. Bosi fala de uma reinstauração da “distinção neoplatônica de corpo e alma, aquele mesmo princípio que Vieira atacara duramente quando a via servir de apoio à política dos colonos maranhenses.”” (p. 146) ses. 24) O que Bosi conclui desse discurso cristianizante para os índios
vai na seguinte seguinte direção:
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“A moral da cruz-para-os-outros é uma arma reacionária que, através dos séculos, tem legitimado a espoliação do trabalho humano em benefício de uma ordem cruenta. Cedendo à retórica da imolação compensatória, Vieira não consegue extrair do seu discurso universalista aquelas conseqüências que, no nível da práxis, se contr contraporiam, aporiam, de fato fato,, aos interesses dos senhores de engenho. A condição colonial erguia, mais uma vez, uma barreira contra a universalização do humano.” (p. 148)
LEIA!
VIEIRA, Pe. António. Sermões do Padre António Vieira. Edição facsimilar.. Vol. 1, coleção Anchietana. São Paulo: Anchieta, 1943. similar 1943 . http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02139.html
2.2 O Sermão da Sexagésima O sermão é baseado na parábola evangélica do semeador. semeador. “Sexagésima” refere-se ao sexagésimo dia antes da Quaresma.
2.2.1 O valor da ação e o valor da palavra Há um louvor ao sofrimento dos jesuítas: o lamento não é por eles, mas pelos que deixam de ouvir suas palavras. Vieira tenta justificar sua presença em solo português, isto é, na metrópole, insinuando que ela é passageira (enfatiza, pelos textos bíblicos, que o pregador que sai a pregar não torna a casa). Com isso, não desmerece sua crítica aos que ficam no Paço, ou os que a ele tornam. Pode-se falar de uma retórica da metalinguagem, em passagens como: “O pregador há de pregar o seu e não o alheio.” Vieira defende um valor específico, moral e atual da escritura. É com apoio nos textos bíblicos que ele instiga os pregadores a saírem da Metrópole. Nas entrelinhas, pode-se ler uma provável referência à necessidade de todos apoiarem o empreendimento colonial.
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O Evangelho é, por assim dizer, atualizado: os sofrimentos dos jesuítas comparáveis aos dos primeiros pregadores do Evangelho. Na passagem “Como se faz uma rede? (...) (.. .) Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça cort iça””, nota-se uma interpretação alegórica das escrituras, a respeito do pescador. Agora, em vez do semeador, Vieira usa outra imagem evangélica, mas de entendimento e exemplaridade imediatos. Em suma, pode-se falar que há, em Vieira, uma espécie de retórica da ação (lembrando da actio da antiga retórica). O pregador reafirma a importância da ação: a palavra divina deve ser pregada por quem se disponha a “sai “sair” r”.. Ressaltem-se os vários sentidos do sair: “... até o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto.” Em Vieira, Vieira, maior valor é concedido a quem associa a ação às pala vras; e desferem-se críticas a quem quem se deixa levar levar pelo fausto da corte: corte: “... “... os de cá, achar-vos-eis com mais Paço: os de lá, com mais passos: Exiit seminare.
O padre vê uma distância entre os atuais e os antigos pregadores, insistindo no exemplo, no fazer: “A definição do pregador é a vida, e o exemplo.” (p. 27-28). Para isso, vale-se de uma diferença semântica, enfatizando a diferença entre o verbo substantivado (semeador) e o próprio verbo (semear).
2.2.2 Uma retórica escolástica e clássica Esse tipo de retórica favorece o equilíbrio. Vieira diz isso explicitamente: “O estilo há de ser muito fácil, e muito natural.” Todavia, Todavia, isso i sso não condiz com sua própria escrita. Vieira critica a complicação dos pregadores da época, usando imagens das escrituras (especificamente as da paixão): “Ver vir os tristes passos da Escritura, como quem vem ao martírio: uns vêm acarretados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm torcidos, outros vêm despedaçados, só atados não vêm.” A retórica clássica favorece também a unidade. Em algumas passagens, Vieira defende a unidade unidad e do texto, do assunto: “O sermão há de ter
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um só assunto, e uma só matéria”; “De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto; e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum”; “O sermão há de ter uma só (...) há de persuadir, há de acabar”. É, realmente, uma condenação do Cultismo. Mas parece que apenas na teoria. teoria . De fato, como ajustar isso à prática, oposta, no mais das vezes, do próprio Vieira? Há que se escolher a boa imagem da Escritura em que se apoiar: a imagem dos grãos de trigo caindo podem ajudar na composição das palavras do pregador. “Notai uma alegoria própria da nossa língua. O trigo do semeador, ainda ainda que caiu quatro vezes, só de três nasceu: nasce u: para o sermão vir nascendo, há de ter três modos de cair. Há de cair com queda, há de cair com cadência, há de d e cair com caso. (...) A queda é para as coisas; porque hão de vir bem trazidas, e em seu lugar; hão de ter queda: a cadência é para as palavras; porque não hão de ser escabrosas, nem dissonantes; hão de ter cadência: o caso é para a disposição; porque há de ser tão natural, e tão desafetada, que pareça caso, e não não estudo. estudo.” ”
Segundo a Arte Retórica que se desenvolve a partir de Aristóteles, os discursos deveriam ser compos compostos tos a partir de cinco ações fundamenf undamentais: inventio, dispositio, elocutio, actio, memória. Na passagem acima, a queda das coisas pode ser entendida como a escolha dos termos, a inventio; a cadência das palavras, no dizer de Vieira, seria a elocutio; o caso e a disposição corresponderiam corresponderiam à dispositio. Dentro dessa concepção da retórica, Vieira condena a dispersão e falta de critério na escolha das matérias ( inventio ): “Usa-se hoje (...) mãos vazias. vazias.”” Vieira fala do poder do bradar, mas também dos poderes da persuasão: “A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio (...) o falar mais ao ouvido que aos ouvidos, não só concilia maior atenção, mas naturalmente, e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma.” Ou ainda: “Porque há muita gente neste mundo com quem podem mais os brados que a razão, e tais eram aqueles a quem o Batista pregava.”
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Pode-ser ver uma referência à actio, da antiga retórica, em que Vieira defende a ação do pregador mesmo contra a vontade dos ouvintes: “... “... que se pregamos assim, zombam z ombam de nós os ouvintes e não gostam de ouvir. Oh, boa razão para um servo de Jesus Cristo! Zombem e não gostem embora, e façamos nós nosso ofício.” Como conseqüência disso, há a defesa do impelere agere, ou levar a agir, mesmo contra a vontade dos ouvintes: “Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões, não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nosso conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes...”
2.2.3 O intertexto filosófico Segundo Vieira, na Terra, temos conhecimento indireto de Deus, de quem só teremos conhecimento direto no paraíso. Haveria aí alguma raiz de fundo platônico nessa platônico nessa noção de uma idealidade superior e espiritual. Podemos ver, nesse Sermão da Sexagésima, o uso de uma imagem renascentista, segundo a qual o universo é um livro escrito por Deus, ou linguagem divina a ser ouvida e entendida pelos homens (quando superam algumas de suas imperfeições): “E quais são estes sermões, e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas: os sermões são a composição, a ordem, a harmonia, e o curso delas.”
Consistiria um bom trabalho ver se elas são mesmo platônicas ou neoplatônicas.
Nessa linha, há uma descrição de como deve ser um sermão, seguindo as estrelas: “O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha, ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas: Stellæ manentes in ordine suo. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavra palavras. s. Se de uma parte está Branco, da outra há de estar Negro: se de uma parte está Dia, da outra há de estar Noite: se de uma parte dizem Luz, da outra hão de dizer Sombra: se de uma parte dizem Desceu, da outra hão de dizer Subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras
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em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos com o Céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas estrelas são muito muito distintas distintas,, e muito claras. claras. Assim Assim há de ser o estilo da pregação, muito distinto, e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas, e muito claras, e altíssimas.”
Ainda do Platonismo, aparece uma referência a idéias que seriam inatas: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens homens não se convencem convencem pela memória, memória, senão pelo entendimento.”
2.2.4 Uma retórica da metalinguagem Em Vieira, podemos detectar uma desconfiança da palavra inútil, sem a armação espiritual das idéias: “Se com cada cem sermões se con vertera e emendara emendara um homem, homem, já o mundo mundo fora santo. santo.” Há também desconfiança dos sermões: “... tanto grande quantidade para tão pouco efeito...” Em outra passagem, a palavra divina (a boa palavra do pregador) tem sempre fruto ou efeito, conforme sejam bons ou maus os ouvintes. Mesmo para um mau ouvinte, a palavra bem empregada produz efeito, tem algum sentido (argumentação corroborada pela imagem do trigo evangélico que brota mesmo nas pedras, nos espinhos e nos caminhos). Segundo Vieira, há cinco níveis que concorrem para a pregação: a pessoa que é, a ciência que tem, a matéria de que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. Quando diz que das palavras devem nascer não os pensamentos, mas as obras, quer, talvez, dizer que das palavras não devem nascer os rebuscados jogos intelectuais, os divertimentos eruditos, complexos e obscuros, mas a força dos silogismos, das comparações, que façam frutificar as obras, que façam voltar os pensamentos para as obras. Contra o Cultismo, Vieira tece vários comentários. Ele combate, por exemplo, as mazelas do estilo afetado e rebuscado.
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Para justificar sua linguagem obscura, os cultistas usam os exemplos de Nazianzeno, de Ambrósio, Crisólogo, Clemente de Alexandria, Tertualiano etc. Mas, Vieira reconhece a grandeza de tais autores. De onde viria, então, entã o, o erro dos cultistas? Ocorre que, “como “como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa. (...) Um assunto assunto vai para um vento,, outro vento outro assunto assunto vai para um outro outro vento; vento; que que se há de colher colher,, senão vento? E ainda: “Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajes, uma voz muito afetada e muito polida e logo começar com desgarro a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a lisonjea lisonjearr precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras e outras mil indignidades destas. Não é isto farsa a mais digna e riso, se não fora tanto para chorar?” chorar?”
Temos aí uma descrição crítica do cultismo retórico. Alguém disse que, nesse sermão, Vieira descreve seu estilo, sem o saber. Ele parece criticar não o Cultismo, propriamente, mas um certo tipo de imagem cultista, aquela que deita raízes na natureza e não no espírito, não da palavra, não nas imagens fortes.
2.2.5 Uma retórica da polissemia Vejamos como a polissemia vem caracterizada em Vieira: “O estilo pode ser muito claro, e muito alto: tão claro, que o entendam os que não sabem; e tão alto, que tenham muito que entender nele os que sabem (...) Tal pode ser o sermão: estrelas: que todos as vêem, e muito poucos as medem.” A polissemia é, sem dúvida, um recurso de retórica. E Vieira fez uso dela: “De sorte que Cristo defende-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as palavras são palavra palavr a de Deus; pois se Cristo Cristo toma toma a Escritura Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque porque Cristo tomava tomava as palavras palavras da Escritura Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura
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em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio são armas do Diabo.”
Proposta por Cassiano, por volta do século IV d.C.
A respeito da imagem evangélica dos grãos de trigo, Vieira defende a atualização do texto bíblico. Ele apresenta várias atualizações diferentes dessa mesma passagem – os jesuítas que sofrem, a palavra de Deus, as sementes do final que frutificarão, os corações dos diferentes homens; temos aí, talvez, algo próximo dos quatro níveis de interpretação da exegese patrística patrística,, respectivamente alegórico (ou eclesiológico), literal, escatológico e tropológico ou moral. É interessante observar o modo como Vieira explora as relações entre o sentido alegórico a legórico e o literal: “Por “Porém ém o que nos negou o Evangelho no semeador metafórico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Cristo.”
2.2.6 Retórica e desnudamento da alegoria Pode-se ver uma constante alegorização nos sermões. Por exemplo, Vieira utiliza uma interpretação alegórica de dois tipos de ouvinte: os duros e os agudos (vulgarmente, os demasiadamente abrutalhados e os demasiadamente intelectualizados). Com isso, o sermonista parece requerer inteligência e sensibilidade para o ouvinte. Vieira jamais esquece os exemplos bíblicos, transformados então em alegorias por um processo inverso, em que as imagens só são apresentadas depois de discutida a idéia ou o concei conceito to a ser alegorizado: “O pregar é entrar em batalha com os vícios, e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles (...) Pregador Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube o gigante.” Mas explicita-se também a importância do desnudamento da alegoria: “Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes (...) senão fundado nas raízes do Evangelho.”
2.2.7 Uma retórica do absurdo ou da contradiçã contradição o Vieira utiliza por vezes o argumento pelo absurdo: como pode ser que os homens venham a pisar os jesuítas, eles que já sofreram a devoração, a sede, a fome, o afogamento (como o trigo do Evangelho, comido
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A obra de Padre António Vieira
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pelas aves, secados sem umidade, sem alimento do solo – sobre as pedras –, apodrecidos enfim)? Observe-se, por exemplo, a passagem “Se a palavra de Deus é tão eficaz...” Parte-se aqui do absurdo, isto é, insinua-se uma provável fraqueza do poder de Deus: a possível resposta negativa à questão fica evidente, deixando ao pregador o trabalho de encontrar a explicação para tal absurdo. É, claro, um artifício para comover, em todos os sentidos (co-movere), a platéia. Em outra passagem, ele parece até criticar os sermões que privilegiam os pensamentos, comentário paradoxal para quem seria conceptista: “... hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras, e pensamentos: antigamente pregavam-se palavras, e obras. Palavras sem atos são como tiro sem bala, atroam, mas não ferem.”
Leia mais! Manifesta ifestações ções literárias literárias do período colonial: colonial: CASTELLO, José Aderaldo. Man 1500-1808/1836 . São Paulo: Cultrix, 1975.
COBRA, Rubem Queiroz. O Padre Vieira. Vida, época, filosofia e obras do Padre Vieira. Disponível em: http://www.cobra.pages.nom.br/fmp vieira.html. Acessado Acessado em 24/08/2007; 24/08/2007; COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil . Rio de Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975. LIMA, Luis Filipe Silvério. Padre Vieira: sonhos proféticos, profecias oníricas. O tempo do Quinto Império nos sermões de Xavier Dormindo. Dissertação (Mestrado em Literatura). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/8/8138/tde-030 disponive is/8/8138/tde-03092001-214816/. 92001-214816/. Acessado em 24/08/2007. NEVES, Orlando. Padre António Vieira. Disponível em: http://www. vidaslusofonas.pt/padr vidaslusof onas.pt/padre_anto e_antonio_vieira.h nio_vieira.htm. tm. Acessado Acessado em 24/08/2007. PEREIRA, João Batista. O Padre António Vieira: orador e profeta do V império. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 237-241, 2005. Disponí vel em: ht http: tp://64 //64.23 .233.1 3.169. 69.104 104/sea /searc rch?q h?q=ca =cach che:z e:zoqg oqg7ca 7cajYL jYLIJ:w IJ:www ww.ue .uem. m. br/~dialogos/include/getdoc.php%3Fid%3D547%26article%3D189%26m ode%3Dpdf+%22padre+vieira%22+%22alcir+p%C3%A9cora%22&hl=pt BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&client=firefox-a. BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&clien t=firefox-a. Acessado em 24/08/2007.
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PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira . Disponível em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html. Acessado em 24/08/2007.
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Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga
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CAPÍTULO
Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga Apresentar Apre sentar e discutir discutir a produção produção literária literária e os elementos elementos da vida inteintelectual dos escritores do Arcadismo brasileiro, notadamente Tomás António Gonzaga, na perspectiva de Antonio Candido.
LEIA!
Uma aldeia falsa, falsa, de Antonio Candido. Disponível em: http://acd.
ufrj.br/pacc/literaria/falsa.html.
3.1 Anotações de Uma aldeia falsa, de Antonio Candido Este ensaio de Antônio Candido, que se encontra no livro Na sala de aula, aula, consiste num completo exercício de leitura da Lira 77 de Tomás Antônio Gonzaga. No caso específico de Gonzaga, bem sabemos que não poderíamos falar ainda em sistema (conforme nos ensinou Candido), pois este foi um poeta árcade do século em que o sistema ainda não estava estabilizado. No entanto, ainda conforme Candido, “Nela [isto é, na Lira de Gonzaga], estamos mais perto do que será o poema lírico dos românticos”. 3.1.1 A compreensão do poema
“Nesta Lira, um pastor se dirige a Marília e, para começar, narra como a sua prosperidade e a sua vida cercada de respeito foram interrompidas por um acidente catastrófico, cuja natureza não esclarece, e compara a situação anterior de abastança e felicidade com a atual, de privação e angústia.” “Em seguida, imagina como há de ser a existência de ambos, se a sorte virar e ele readquirir readquirir a posição perdida. Diz que recomeçará recomeçará do nada e se contentará com a pobreza, contanto que Marília esteja ao seu
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Literatura Brasileira I
lado. Diz ainda que o contraste entre a desgraç desgraçaa anterior e a felicidad felicidadee recuperada servirá de exemplo aos filhos e a todos os pastores da aldeia. E assim viverão felizes até a morte.” A compreensão do poema passa pelo reconhecimento de elementos que diferencia Gonzaga dos demais poetas e dos costumes de composição de seu tempo. “Fiadas comprarei as ovelhinhas, que pagarei dos poucos do meu ganho; e dentro em pouco tempo nos veremos senhores outra vez de um bom rebanho.” (trecho, Lira 77) “Essa conversa de negócios é um toque inesperado, que hoje nos parece moderno no meio dos artifícios pastorais...” (Candido) Nesse caminho, o autor de Formação da literatura brasileira combrasileira compara a Lira até mesmo a obras de poetas mais recentes: “Nisto Gonzaga difere dos poetas de hoje, que incorporaram a simplicidade quotidiana, e até a vulgaridade, de maneira direta, sem metrificá-la nem tratá-la como fachada de d e um sentido oculto.” Veja-se, a este propósito propósito,, como a singeleza da Lira 77 é diversa da que parece num poema de Manuel Bandeira: Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). Chovia. Chovia uma chuva triste de resignação Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei, Depois deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... – Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.” 3.1.2 Como fala o poema
Se a primeira preocupação foi acerca da compreensão, ou seja, do que fala o poema, Candido preocupa-se a partir de então com o como fala o poema. E o crítico organiza essa leitura em dois momentos. Primeiramente volta-se para a estrutura aparente: quanto à forma ele diz que
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