Lina Bo Bardi e a Arte Popular
Pesquisadora: Valeri Rodrigues/bolsista CNPq Orientadora: Prof a Dr a Evelyn F. Werneck Lima
“A
arte não é só talento, mas, sobretudo, coragem. ” Esta frase de Glauber Rocha sintetiza a atitude reconstrutiva de um olhar e uma ação artística que colocou o Popular como instrumento de explosão de uma cultura plena de brasilidade antropofágica. Lina foi a pioneira neste caminho do reconhecimento da Arte Popular e do poder nela contido para abalar as estruturas de uma cultura arbitrariamente importada.
2° Guerra Mundial
Triennale de 1940 e Pesquisa no Nordeste
Na Itália, a arquiteta estagiou com Gió Ponti, um renomado arquiteto, que promovia as Triennales de Milão. Exposições anuais em que fazia um mapeamento, quase que arqueológico, para mostrar peças de artesanato e arte das mais distintas cidades italianas. Gió lutava pelo reconhecimento da arte popular italiana. E Lina trabalhou anonimamente com ele durante toda a Triennale de 1940.
Lina e Glauber em Canudos – 1963 Com a equipe técnica do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol
Quando chega ao Nordeste a convite do reitor da Universidade da Bahia, Edgar Santos, para projetar o Museu do Unhão e o Museu de Arte Popular, Lina empreende, a partir do know how conquistado nas Triennales, uma pesquisa arqueológica, e consequentemente antropológica, de objetos e materiais no interior do Nordeste. Lá encontra a terra natal de seu coração. Glauber Rocha foi seu assessor na montagem da mostra inaugural do Museu do Unhão. E muito do material que vimos em Deus e o Diabo na terra do Sol , filme de 1964, além da colaboração direta de Lina, tem a influência da pesquisa realizada em sua companhia.
Foto de Sebastião Salgado de crianças brincado com ossos, no Nordeste
Foi a miséria, retratada no slide anterior, com que Lina se depara ao fazer a pesquisa sobre os artefatos nordestinos. E é em meio dela que a arquiteta se fascina pela capacidade de criatividade e do poder sobrevivência de uma população que mesmo na total exclusão econômica e social, faz do nada da seca ferramenta de subsistência.
A foto anterior é da escadaria do Museu do Unhão. Lina se inspirou no carros de boi e os encaixes dos degraus tem o mesmo dispositivo destes. Outra questão a ressaltar é a madeira utilizada, Ipê amarelo. Em sua pesquisa Lina se tornou profunda conhecedora das matérias primas brasileiras e uma ferrenha defensora de sua qualidade e utilização.
Conceito e Design com o Popular Esta é a Cad eir a Trip é , d e 1948.
Lina se inspirou nas redes, que viu no Nordeste. Foi uma das suas criações no Stúdio de Arte Palma, fundado por ela e Giancarlo Palanti.
O Studio de Arte Palma revela muito bem o compromisso de Lina com um design que valorizasse os materiais e as necessidades brasileiras, além da própria cultura popular. Um dos motivos da criação deste estúdio, se deveu a insatisfação de Lina com os móveis, e a potencialidade de nossas madeiras. Lina valorizava muito o material em si, a madeira nua, a beleza de cor e de suas veias. E dizia que o móvel também tem sua moralidade e razão de ser na sua própria época.
Apesar de ter uma formação erudita, Lina se debruça sobre a arte popular, e cria uma tensão muito produtiva entre ambas. Onde a segunda era visto como folclore pela primeira, ela pleiteia um novo comportamento. Ela desnuda, através de sua erudição, o popular vivo e incluso na atualidade. Em sua visão, o folclore mata a vida da arte da população. E era dessa vida que ela queria se apropriar para dialogar com o tempo presente. Portanto ela usou sua ciência para captar a profundidade do popular e as suas infinitas possibilidades de criação. E criticou uma erudição que não servia a nada utilitariamente.
Marginália - Lixo – Toda a Matéria “Tudo que está no
mundo poderá ser meu material”,
Hélio Oiticica. Inseto -
escultura criada por Lina Bo Bardi, a partir de uma lâmpada queimada.
Estandarte criado por Hé lio Oiticica
O artista afirma: “Um a n o v a er a es tác o m eçan d o : éa era d a g ran d e p artic ip ação p op u lar n o cam p o d a c riação ”.
“A
obra de arte popular constitui um tipo de linguagem por meio da qual o homem do povo expressa sua luta pela sobrevivência. Cada objeto é um momento de vida. Ele manifesta o testemunho de algum acontecimento, a denúncia de alguma injustiça. ” ( AGUILAR, Nelson (org). Mostra do Redescobrimento: arte popular. In: BEUQUE, Jacques Van de. Arte Popular Brasileira, p. 71).
Estudo da Flor de Mandacaru de Lina Bo e Escultura Caranguejo de Lygia Clark
“ Agora que o artista perdeu na sociedade
atual seu papel pioneiro, ele é cada vez mais respeitado pelo organismo social em decomposição.No momento em que o artista é cada vez mais digerido pela sociedade em dissolução lhe resta, na medida de seus meios, tentar inocular uma nova maneira de viver.”
Lygia Clark
“Então, o intelectual desapareceu como tal
para virar um homem integrado à sociedade, como o trabalhador ou como qualquer outro homem. E quando ele abandona esta posição e se identifica socialmente com outras classes de homens que trabalham na sociedade, ele identifica e penetra mais nesses problemas e produz uma arte que, por exemplo, não fale sobre povo, mas que seja a voz do povo. Ou seja, que não deixa de ser a obra do artista na qual a arte é revolucionária, na qual a ciência social é revolucionária e na qual a filosofia é revolucionária”. Glauber Rocha
Tanto Glauber Rocha, como Zé Celso, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Caetano Veloso, Tom Zé, etc, buscavam uma arte revolucionária, e de inclusão de uma cultura considerada pela elite brasileira de subcultura, a cultura índia e negra. Estes grandes artistas entenderam que o movimento era englobar, não rejeitar, pois não havia forma de exilar a cultura européia, mas poderíamos absorvê-la pela ‘boca’ da nossa cultura mais primitiva, tornando nossa a influência que a princípio nos dominava.
Este poder contestador e critico que existe dentro da arte popular, foi o instrumento de libertação que estes artistas usaram para cortar as correntes com uma erudição inóspita e importada. Portanto o popular também os libertou. E assim puderam continuar e aprofundar a correnteza criada em 1922, na Semana de Arte moderna, de criação de uma identidade cultural antropofágica, e viveram em sua arte o que afirma Oswald em seu manifesto: “O espírito recusa-se a conceber o espírito sem corpo.”
Brecht, Artaud e o Popular Desestabilizador
O popular sempre esteve na obra e em questão no pensamento de grandes dramaturgos, que tiveram grande influência no pensamento de Lina, Zé Celso e Glauber Rocha. Tanto Artaud como Brecht mergulharam no cotidiano popular para empreenderem uma implosão nos valores que contribuíam para uma arte cerceada por conceitos burgueses engessados, e que em seu ver contribuíram para uma mentalidade que explodiu na Segunda Guerra Mundial.
“Nunc a
fom os c atequ izados . Fizemo s foi
carnaval”. Salve, Oswald de Andrade!
“No
carnaval todas as distinções hierárquicas, todas as barreiras, todas as normas e proibições são temporariamente suspensas, estabelecendo-se um novo tipo de comunicação, baseado no contato livre e familiar. O riso popular festivo triunfa sobre o pânico sobrenatural, sobre o sagrado, sobre a morte: provoca a queda simbólica de reis, de nobrezas opressoras, de tudo o que sufoca e Rob ert Stam restringe.”
Brecht e Artaud na Arquitetura e Alma do Oficina “Arte pop ular, neste sentido, é o q ue m ais perto está da necessidade de cada dia, NÃ O- AL IENAÇÃ O, possibilidade em tod os os sentid os . Mas esta n ão al ien ação ar tís ti c a c o ex is te c o m a m ais bai xa c on d ição eco nômic a, co m a mais m iserável d as co nd ições h um anas ... ”
“É a
proposta do Teatro mo derno, do teatro total que vem desde os anos 20, de Artaud. Um teatro despido, sem palco, pr atic am ent e u m lu gar de ação, u m a c o i s a d e c o m u n i d a d e, as s i m co m o um a igreja. Não inven tamo s iss o, p oré m nu nc a fo i r ealizado antes, ficou apenas no s textos. ”
Lina Bo Bardi
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