Professor Marcelo Alexandrino - Direito Administrativo e Tributário (06/08/2004): LICITAÇÃO NA MODALIDADE CONSULTA Hoje tratarei especificamente de uma questão cobrada na prova de Analista do MPU, Área Processual, aplicada no fim-de-semana passado. Trata-se da questão 51 do gabarito 1, abaixo reproduzida (gabarito letra "b"):
51- A legislação das agências reguladoras estabeleceu a possibilidade de se utilizar, para a aquisição de bens e contratação de serviços por essas entidades, uma modalidade especial de licitação, prevista tão-somente para essa categoria organizacional. Tal modalidade denominase:
a) pregão
b) consulta
c) convite
d) credenciamento
e) registro de preços
Como imediatamente percebemos, trata-se de uma das famosas questões “nota de rodapé” ou “fundo do baú” que tanto agradam à ESAF. Dessa vez, entretanto, essa instituição conseguiu superar-se, pois exigiu o conhecimento de uma modalidade de licitação cuja previsão genérica surgiu em nosso ordenamento na Lei Geral de Telecomunicações - Lei nº 9.472/1997 (que criou a ANATEL). Essa lei dispõe sobre as contratações a serem feitas pela agência nos dispositivos abaixo transcritos (grifei):
"Art. 54. A contratação de obras e serviços de engenharia civil está sujeita ao procedimento das licitações previsto em lei geral para a Administração Pública.
Parágrafo único. Para os casos não previstos no ‘caput’, a Agência poderá utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão.
Art. 55. A consulta e o pregão serão disciplinados pela Agência, observadas as disposições desta Lei e, especialmente:
...........................
Art. 56. A disputa pelo fornecimento de bens e serviços comuns poderá ser feita em licitação na modalidade de pregão, restrita aos previamente cadastrados, que serão chamados a formular lances em sessão pública.
Parágrafo único. Encerrada a etapa competitiva, a Comissão examinará a melhor oferta quanto ao objeto, forma e valor.
Art. 57. Nas seguintes hipóteses, o pregão será aberto a quaisquer interessados, independentemente de cadastramento, verificando-se a um
só tempo, após a etapa competitiva, a qualificação subjetiva e a aceitabilidade da proposta:
I - para a contratação de bens e serviços comuns de alto valor, na forma do regulamento;
II - quando o número de cadastrados na classe for inferior a cinco;
III - para o registro de preços, que terá validade por até dois anos;
IV - quando o Conselho Diretor assim o decidir.
Art. 58. A licitação na modalidade de consulta tem por objeto o fornecimento de bens e serviços não compreendidos nos arts. 56 e 57.
Parágrafo único. A decisão ponderará o custo e o benefício de cada proposta, considerando a qualificação do proponente."
Vemos, assim, que a lei criou a possibilidade de a ANATEL disciplinar uma modalidade nova de licitação denominada consulta. Na verdade, como a lei foi ultra sucinta, o que temos é um descalabro para com nosso ordenamento jurídico, em que uma modalidade de licitação, não prevista na lei geral de licitações (que, aliás, proíbe expressamente a criação de outras modalidades além das nela previstas), teve autorizada sua criação por um órgão administrativo. Com efeito, a lei só diz que a consulta é modalidade de licitação adequada à contratação de bens e serviços não classificados como comuns e que não sejam obras e serviços de engenharia civil. Nada mais diz. Um escândalo!
Para completar, o governo conseguiu fazer nosso nobre Congresso estender essa modalidade totalmente indefinida de licitação a todas as agências reguladoras federais, conforme previsto no art. 37 da Lei nº 9.986/2000:
“Art. 37. A aquisição de bens e a contratação de serviços pelas Agências Reguladoras poderá se dar nas modalidades de consulta e pregão, observado o disposto nos arts. 55 a 58 da Lei nº 9.472, de 1997, e nos termos de regulamento próprio.
Parágrafo único. O disposto no 'caput' não se aplica às contratações referentes a obras e serviços de engenharia, cujos procedimentos deverão observar as normas gerais de licitação e contratação para a Administração Pública.”
Arrematando com chave de ouro esse menoscabo absoluto pelo Estado de Direito, a ANATEL disciplinou (ou seja, criou) a modalidade consulta em uma incrível Resolução nº 5, de 15 de janeiro de 1998. Colijo alguns excertos (grifei):
“Art. 14. Para aquisição de bens ou serviços não comuns, a Agência adotará, preferencialmente, a licitação na modalidade de consulta, que será regida por este Regulamento e, de modo subsidiário, pelas normas procedimentais contidas no Regimento Interno, não se lhe aplicando a legislação geral para a Administração Pública.
Parágrafo único. Em casos especiais e a seu critério, a Agência poderá adotar, motivadamente, para as contratações a que se refere o caput, as modalidades da legislação geral para a Administração Pública.
Art. 15. Consulta é a modalidade de licitação em que ao menos cinco pessoas, físicas ou jurídicas, de elevada qualificação, serão chamadas a apresentar propostas para fornecimento de bens ou serviços não comuns.
Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços não comuns aqueles com diferenças de desempenho e qualidade, insuscetíveis de comparação direta, ou que tenham características individualizadoras relevantes ao objeto da contratação, em casos como o dos trabalhos predominantemente intelectuais, da elaboração de projetos, da consultoria, da auditoria e da elaboração de pareceres técnicos, bem assim da aquisição de equipamentos sob encomenda e de acordo com especificações particulares da Agência ou de outros bens infungíveis.
Art. 16. Aplicam-se à consulta as seguintes regras:
I - na fase preparatória a autoridade competente (art. 6º) aprovará a lista de pessoas a serem chamadas a apresentar propostas, bem como a composição do júri que as avaliará e os critérios de aceitação e julgamento das propostas;
II - o júri será constituído de pelo menos três pessoas de elevado padrão profissional e moral, servidores ou não da Agência, devendo sua indicação ser justificada nos autos, apontando-se sua qualificação;
...................
X - as propostas serão classificadas de acordo com os critérios fixados na convocação, os quais devem viabilizar a ponderação entre o custo e o benefício de cada proposta, considerando a qualificação do proponente;
XI - a aceitabilidade das propostas, em relação ao seu conteúdo e preço, será decidida por maioria de votos e a classificação será feita em função das notas que lhes forem atribuídas pelos jurados;
.........................
XIV - classificadas as propostas, o júri adjudicará o objeto da consulta ao vencedor;”
A consulta, portanto, é modalidade de licitação exclusiva de agências reguladoras federais, para a aquisição de bens e serviços não comuns, excetuados obras e serviços de engenharia civil, em que propostas são julgadas por um júri, segundo critério que leve em consideração, ponderadamente, custo e benefício (algo semelhante ao tipo técnica e preço).
Já que hoje tratamos só de absurdos, arrematemos: o edital do concurso simplesmente não menciona nenhum dos atos legais que cuidam dessa tal de “consulta”. Pelo contrário, ao cuidar do assunto “licitações”, o edital é claríssimo em apontar somente a Lei nº 8.666/1993. Sinceramente, considerar que o assunto “licitação na modalidade consulta” está incluído na rubrica “organização da Administração Pública” me parece forçar demais a barra.
Pois é. Vida de concursando não é fácil. Se servir de consolo para alguém, eu erraria, também, essa questão, com todos os meus quase dez anos de leitura, escrita, estudo, convívio e magistério no Direito Administrativo. Realmente, é um ramo do Direito em que nunca saberemos
tudo (nem perto disso!), principalmente quando passamos por governos que, a título de “modernização”, “flexibilização”, “desengessamento”, “administração gerencial” e o que mais o liberalismo de almanaque empurre goela abaixo dos deslumbrados, inventam institutos absolutamente (e intencionalmente) obscuros, em total desapreço pela nossa combalida Constituição da República, a fim de reduzir os controles que, segundo eles, tanto “atrapalham” o atingimento dos nobres fins do Estado.
Até a próxima.
http://pontodosconcursos.com.br/artigos3.asp?prof=4&art=1797&idpag=12
Sobre o Blog com questões de Dto Constitucional segue o link: http://direitoconstitucionaleconcursos.blogspot.com/2011/10/fiscalizacao-contabil-financeira-e.html A respeito de questões sobre o assunto, encontrei essa no QC. Segue abaixo o número das questões: • Q18284 - A modalidade consulta de licitação é prevista apenas para as agências reguladoras. - Certo!
Comentários: A modalidade de licitação consulta, cuja previsão genérica surgiu em nosso ordenamento jurídico na Lei Geral de Telecomunicaçoes - Lei 9.472/1997 (que criou a ANATEL), é prevista apenas para as agências reguladoras. Ver a lei nos artigos 54-57. • Q5841 - O pregão é modalidade de licitação cabível à aquisição de bens e serviços comuns, entendidos como aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital por meio de especificações usuais no mercado. Já a consulta é modalidade de licitação cabível para bens e serviços não comuns, sendo suas propostas submetidas a um júri. Essas duas modalidades de licitação se identificam por não exigirem qualquer limite de valor para sua realização. - Certo!