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OS SEMINÁRIOS DIDÁTICOS DE PSICANÁLISE DE MILTON H. ERICKSON Milton H. Erickson, M. D. (19011980) . foi reconhecidamente uma das maiores autoridades mundiais em hipnoterapia e terapia breve estratégica. Foi um psicoterapeuta tremendamente criativo, bem como um notável professor de psicoterapia, apoiando-se basica. mente no "aprendizado inconsciente." De todas as partes do mundo vinham terapeutás para participar dos seus seminários. O volume atual apresenta uma transcrição completa de um seminário de cinco dias com Milton H. Erickson. Aqui o leitor terá a experiência de Erickson falando sobre seu método de terapia, demonstrando suas técnicas, contando anedotas fascinantes uma após outra - anedotas que freqüentemente produziam um sentimento de dissonância cognitiva e de surpresa, mas que finalmente esclareciam novas maneiras de encarar os pacientes e de pensar sobre psicoterapia. No capítulo introdutório, Jeffrey Zeig demonstra a .maneira como Erickson servia-se das anedotas para comunicar· se em vários níveis de uma só vez, e de modo extremamente poderoso. Além disso, o apêndice fornece uma discussão detalhada de Erickson e Zeig sobre as induções na transcrição, revelando a precisão da técnica de Erickson, na qual cada movimento, cada inflexão e cada associação tem um significado. Este volume dá uma oportunidade única de aprender com um clínico extraordinário.
CIT AÇOES DE MILTON H. ERICKSON "Acho que se deve aceitar um pa· ciente como ele é. Ele só vai viver hoje, amanhã, na próxima semana, no próxi. mo mês, no próximo ano. Suas condi· ções de vida são as de hoje." "Acho que o terapeuta não faz nada mais que dar a oportunidade de pensar sobre o seu problema dentro de um clima favorável." "A pessoa não se diz o que vai fazer dentro de um estado de transe. A men· te inconsciente sabe muito mais do que a própria pessoa." "Em cada vida deveria entrar um tanto de confusão... e também um tanto de esclarecimento." "E minha voz segue contigo por toda parte, se transforma na voz de teus pais, teus professores, teus colegas, e na voz do' vento e da chuva ... " Embora já exista uma literatura considerável sobre o falecido Milton H. Erickson, M.D., o atual volume merece uma calorosa acolhida. Não só apresenta uma oportunidade de saber mais sobre Erickson, como através desta transcrição de um de seus seminários didáticos aproximando-nos tanto quanto possível de um aprendizado proveniente diretamente dele. Richard Van Dyck, M. D .. Presidente da Sociedade Holandesa de Hipnose Clínica.
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O formato.PDF e o conteúdo (documento/obra literário-científica), possibilita ser ouvido, portanto está livre para reprodução, é outro procedimento e é suporte para deficiente visual, pode ser ouvido. Para ouvir esse livro na língua portuguesa com o sistema operacional Windows XP, é necessário que seja instalado em seu computador uma voz compatível com o idioma brasileiro, recomendamos a voz “Raquel”. Para saber qual a voz instalada no seu computador proceda dessa forma: INICIAR – CONFIGURAÇÕES – PAINEL DE CONTROLE – FALA. Caso não tenha instalado a voz “Raquel”, a mesma pode ser baixada e instalada gratuitamente nesse endereço - http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/download.htm Depois de instalado o sintetizador de voz, vá à guia “VISUALIZAR” desse livro.PDF, depois em “LER EM VOZ ALTA”, depois “ATIVAR”. Retorne ao menu “VISUALIZAR”, “LER EM VOZ ALTA” e escolha “Ler somente está página”, ou “Ler até o final do documento”. A inclusão digital de deficientes visuais é nosso objetivo. Pense nessa frase: AJUDE-ME A NÃO PRECISAR DA SUA AJUDA! DEIXE ESSE MUNDO UM POUCO MELHOR DO QUE AQUELE QUE VOCÊ ENCONTROU! Forte abraço !!!
OS SEMINÁRIOS DIDÁTICOS DE PSICANÁLISE DE MILTON H. ERICKSON
Sindicato
E62s
CIP-Brasil. Nacional
Catalogação-na-fonte dos Editores de Livros, RJ.
Erickson, Milton H., 1901-1980. Seminário didático com Milton H. Erickson / Milton H. Erickson ; editado com comentários por Jeffrey K. Zeig ; tradução [de] Arlene Caetano. - Rio de Janeiro: Imago, 1983. (Coleção Psicologia psicanalítica) Tradução de: Bibliografia.
Teaching
seminar
I. Psicoterapia. 2. Psicoterapia por sugestão I. Título 11. Série
with Milson H. Erickson.
breve.
CDD CDU -
3.
Terapêutic:1
616.89162 616.8914 615.851.2 616.89
OS SEMINÁRIOS DIDÁTICOS DE PSICANÁLISE de MILTON H. ERICKSON
Editado com comentários de
JEFFREY K. ZEIG
,
Coleção Psicologia Psicanalítica Direção de JAYME SALOMÃO
IMAGO EDITORA LTDA. - ,Rio de Janeiro .
.
-TEACHING SEMINAR WI'FH MILT0NH. ERICKSON '- 'Copyright @-1980 by The·-Milton-Brickson Foundation by arrangement with Mark Patersorr, in conjunction with BRUNNERji\1AZEL INC:-
Editoração: Coordenação editorial e gráfica: Márcia Salomão Pech Tradução: Arlene Caetano Copydesk: Ângelo Fabrino Valente Revisão: Domingos Augusto Germano Xisto da Cunha Capa:
•.. ·c
Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA. Rua Visconde de Pirajá, 550 - loja 324 Rio de Janeiro - RJ Tels.:
274-8297 -
294-9391
Todos os direitos de reprodução, divulgação e tradução são reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme ou outro processo fotomecânico.
Impresso no BrasiL Printed in Brazil
"Em toda vida deveria entrar um tanto de confusão ... e também um tanto de esclarecimento." "E minha voz segue contigo por toda parte, e se transforma na voz dos seus pais, seus professores, . seus colegas e nas vozes do vento e da chuva ... "
Prefácio
de Richard
Agradecimentos Sobre
Dyck,
M.Do
o o . o .. o o o o o o o' . .
o' o . o o o o . o o o . o . o o o ...
Milton
H. Erickson,
Introdução O Uso
Van
MoDo
o .. o o o o o o .... de f'nedotaso
O Seminário
por
o
Segunda.feira Terça-feira
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19
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Sexta-feira Apêndice:
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Embora já exista uma literatura considerável sobre o faIe. cido Milton H. Erickson, M.D., o atual volume merece uma calorosa recepção. Não só dá a oportunidade de saber mais "sobre" Erickson, como, através da transcrição de um de seus seminários didáticos, nos aproximamos tanto quanto possívei de um aprendizado proveniente diretamente "dele." Lendo este livro, mesmo aqueles que tiveram o privilégio de participar de fato de um seminário como este, sem dúvida descobrirão aspectos dos ensinamentos de Erickson que não perceheram anteriormente. Podemos afirmá-lo com segurança porque o método de Milton Erickson era de tal tipo que, na mente do aluno, a confusão sempre precedia a clareza, e esta nem sempre se seguia necessária e imediatamente àquela. Apesar do capítulo introdutário de J effrey Zeig, bastante esclarecedor, e do apêndice, que oferece informações valiosas sobre a mar;.eira de entender o manejo que Erickson fazia da interação durante o seminário, o leitor deste volume pode se ver enredado na mesma seqüência de confusão e de esclarecimento. Confiar na "aprendizagem inconsciente" (como faz Erickson no decorrer deste seminário) é um método muito poderoso e penetrante. No entanto, devemos admitir que a compreensão intelectual também tem seus atrativos e seus méritos. Visando
a uma compreensão mais ampla, encaminhamos o leitor às obras de Haley, Erickson e Rossi, Bandler e Grinder, e outros comenta dores que apresentam esquemas de referência para uma análise posterior de aspectos importantes dos métodos de Erickson. De fato, o leitor estará em posição bem melhor de avaliar este seminário se já estiver familiarizado com as outras obras. Além de apresentar um livro de bastante valor, é um prazer pessoal escrever este prefácio, porque encontrei Milton Erickson num seminário bastante parecido com o que foi registrado aqui. Durante vários anos, antes de encontrar-me com Erickson, alguns colegas e eu, na Holanda, trabalhamos na elaboração de um tipo de terapia breve que chamávamos de "Terapia Diretiva". Nossa abordagem foi bastante influenciada por Erickson, embora só o conhecêssemos por seus escritos e os de J ay Haley. Foi por intermédio de Kay Thompson, antiga colaboradora do 01'. Erickson que estivera dando cursos de hipnose ,uà Holanda; que eu soube que Erickson ainda recebia visitantes quando sua ,saúde o permitia. À Dra. ThempSOfl escrevelluma carta de apresentação, e não foi só com grande curiosidade, mas com grande respeito, raiando à admiração, que empreendi a viagem a Fênix. Excetuando a expectativa de abundância da cor roxa, eu não sabia ao certo o que encontrar quando cheguei. O que mais me marcou no encontro inicial com Erickson foi sua simplicidade, interesse amistoso e absoluta falta de presunção. Erick.. son expressou o seu contentamento em receber um visitante da Holanda e iniciou a conversa contando uma história que, con· forme me dei conta posteriormente, pretendia estabelecer um ponto de interesse comum entre nós. A anedota era sobre a criação de vacas de descendência Frísia no deserto do Arizona, e a irrigação concomitante que foi necessária para criá-Ias. Ex· plicou a maneira pela qual os índios, muitos anos antes, tinham construído canais de irrigação e concl!Jiu: "A gente fica imaginando como é que eles fizeram as explorações necessárias para construir os canais." E de fato eu fiquei imaginando como, embora ao mesmo tempo quebrasse a cabeça para saber ,de que
maneira as suas observações estariam relacionadas com a finalidade da minha visita. _O seminário com Erickson me deu muito mais o que pensar. De um terapeuta fora do comum se esperaria uma forma de ensinarfom do comum. Erickson jogava uma pedra no aluno~ e esta, ao atingi-Ia, revelava-se uma pedra falsa, feita de espuma de borracha. Ele então afirmava enfaticamente: rtiAs coisas nem sempre são como parecem. Em seguida contava uma história de alguma terapia que ilustrava tal ponto. Num exame superficial, os casos clínicos pareciam apenas divertidos. Alguns de nós desejávamos chegar ao "Ensinamento Real" e fazíamos perguntas para nos esclarecermos. Erickson respondia com outra história. Novas perguntas tinhám como resposta novas histórias. Em vez de permitir-nos digerir uma história e ruminar seu significado, Erickson começava imediatamente um novo conto, algumas vezes usando umas piadas para prender inicialmente nossa atenção, outras vezes sem usar de qualquer transição clara. Excetuando algumas afirmativas curtas, de uma só frase, no início ou na conclusão do conto didático, Erickson mal dava qualquer explicação sobre o que queria _que aprendêssemos. Este método forçava-nos a tirar nossas próprias conclusões e às vezes era um tanto desesperador. O sentimento de confusão e de leve mal-estar que resultava disso era um dos elementos que contribuía para a ocorrência regular de desvios de atenção, -que Erickson rotulava de "transes .naturais", quefacilitavam a api'endizagem inconsciente. Entrei no seminário com a intenção de fazer certas perguntas. Nunca cheguei a formulá-Ias. Tive resposta para algumas, sem perguntar. Outras, não fiz porque senti que já estava recebendo mais informação do que poderia assimilar. Só gradualmente descobri uma estrutura no seminário. Apenas' depois de voltar para o Europa é que comecei a apreender o que teria aprendido. Uma das imiJressões mais imediatas que tive foi· a de que Etickson enfatizava menos o fato de ser serhpre Um tetapeuta bem-sucedido do que se poderia esperar . lendo a literatura sobre ele. Frisava que, às vezes, os ganhos que se tem são de
natureza limitada e, algumas vezes consistem apenas numa i;IUdança de avaliação do paciente sobre si mesmo e seu comportamento sintomático. A melhora direta dos sintomas nem sempre é possível. Era um alívio ouvi-Ia afirmar que. às vezes, o terapeuta não pode fazer nada por algumas pessoas. Também era reconfortante saber que, às vezes, mesmo o próprio Erickson achava que não cabia atender o paciente dentro da sua área (como aparece ilustrado na sua correspondência com o gago que lhe solicitou tratamento, pág. 246). Claramente Erickson não tinha nenhuma tendência a posar de figura mítica de qualquer espécie. Apresentava-se mais como um artífice competente, com um intenso desejo de transmitir suas técnicas. Em vez de tentar impressionar a platéia (o que acontecia de qualquer forma), fazia um esforço para levarnos a trilhas que nos seriam importantes e que lhe eram tão familiares. . Seu amor pelo artesanato era óbvio tanto nas coleções de arte e de souvenirs de que se cercava, quanto ao cuidado com que nos contava um conto sobre uma terapia ou fazia umcl indução. O jeito de Eríckson lembrava-me o de um antigo neurologista, também notável perito na sua área, que eu conhecera durante minha época de treinamento. Os casos de diagnóstico difícil eram-lhe habitualmente reservados. Observava os pacientes com muito cuidado desde o momento que entravam no consultório. Francamente, embora talvez apenas em nosso benefício, parecia efetuar o exame neurológico padrão de forma Ilm tanto distraída e perfunctória. Mas parecia ser "atraído" para as áreas específicas da patologia, em vez de ter de descobri-Ias por meio de pesquisas metodológicas e laboriosas. que os outros usavam. É claro que sua vasta experiência ensinaralhe a reconhecer sinais sutis de que nem ouvíramos falar, muitos dos quais não constavam dos manuais e alguns dos quais nem mesmo ele percebera conscientemente antes. Sua abordagem resultava na mesma simplicidade enganadora que era típica de Erickson. Ele atingia o diagnóstico de fato com a mesma facilidade admirável que Erickson demonstrava para
descobrir elementos cruciais na maneira com que um paciente se. apresentava. Pode haver o perigo de os estudantes desvirtuarem este tipo de simplicidade. Percebendo que as regras-padrão de coligir os dados não são respeitadas, às vezes supõem que basta seguir a intuição. Erickson quase não incluía nenhum da::lo nas suas histórias didáticas, nem parecia fazer praticamente qualquer trabalho diagnóstico. No entanto desenvolvera cuidadosamente certas maneiras de se aprender muito, perguntando-se pouco. Conseguia obter a informação de uma forma que não chamava muito a atenção. É importante uma maior elucidação do método de diagnóstico de Erickson para tornar seus métodos mais acessíveis a outras pessoas. É claro que Erickson se preocupava com dados diferentes dos que geralmente usamos em psiquiatria ou em terapias psicodinâmicas: Parecia confiar mais num conhecimento quanto à vida, que se acha no âmago da experiência direta e quotidiana, mas como qual a psicologia e a psicopatologia tradicio;)ais hesitam envolver-se. A abordagem diagnóstica de Erickson incluía idiossincrasias individuais, valores pessoais e circuns· tâncias únicas, que contribuem pouco para a ciência enquanto corpo de dados generalizáveis, mas que são cruciais para o indivíduo e para seu potencial de mudança. Outro elemento da abordagem diagnóstica de Erickson era o de ele não ser um colecionador neutro de fatos e sim um pesquisador de soluções. Desenvolveu um talento específico para descobrir em _qualquer tipo de eventos do passado um significado que poderia indicar um futuro positivo. Em todos os tipos de sintoma, conseguia visualizar uma abertura construtiva para uma vida melhor. . Mais a-inda do que por suas i1abilidadespessoais - excepcionais, Erickson será lembrado porque sua abordagem mudará a direção da psicoterapia. Onde outros concentraram-se em analisar resultados e tentaram encontrar uma compensação para a fraqueza, Erickson mostrou como descobrir o potencJ.al e como transformar perdas em ganhos. No -pensamento psicoterápico tradicional, a abordagem típica é formular uma teoria geral da disfunção e então aplicá-Ia a casos específicos. As
dificuldades surgem de modo consistente no momento da aplicação. Continuam aparecendo variações inesperadas _que . não podem ser cnntroladas. Erickson não contribuiu muito para a teoria no sentido clássico, mas dotou a profissão de uma riqueza de exemplos sobre a maneira de adaptá-Ia a circunstâncias únicas e de levar a cabo a mudança. Deixou a outros a tarefa de construir teorias de mudança a partir de seus inúmeros experimentos. Ao contrário de Freud e de outros como ele, Erickson não criou uma escola de seguidores intimamente ligados a uma organização para conservar e guardar suas contribuições. V ários terapeutas, com diferentes orientações, inspiraram-se em Erickson, e alguns deles tornaram-se amigos íntimos e asso~ ciados. Vale como um testemunho da riqueza de contribuições de Erickson o fato de ele ter atraído inúmeros terapeutas de talento que, como Jeffrey Zeig, motivaram-se para dedicar boa parte do tempo e esforço a uma colaboração íntima com Erickson. Estes colegas continuam a coligir, analisar c escla· recer a obra de Erickson, tornando-a portanto mais acessível a outros terapeutas. Mais do que fabricar "ericksonianos ortodoxos", ele estimulou processos que se ramificaram em várias direções diferentes, o que é uma ilustração eloqüente de seu profundo respeito pela liberdade e individualidade de seus discípulos, bem como· de seus pacientes. Vários dos pontos acima podem ser reconhecidos nas anedotas no livro. A de que mais gosto é a da enfermeira suicida, Betty (pág. 189). B mais do que uma psicoterapia, é uma obra de arte. :E: significativa de várias maneiras. Para o público foi uma demonstração dos diversos fenômenos hipnóticos. Para o indivíduo foi uma terapia, ou mais que isso, um convite indireto mas poderoso para voltar a um projeto de viver. A mudança foi obtida oferecendo-lhe uma visita orientada ao ciclo natural de morte e regeneração, que é em si mesmo fascinante. Observe-se o toque de mestre; a anedota não mostra apenas o valor da vida. Primeiro, descreve-se a morte, atingihclo portanto Betty no seu esquema imediato de pensamento. Esta história é típica não só das técnicas terapêuticas de Erickson como é também importante num sentido mais amplo. Ele
estava fazendo algo muito especial e de valor. Ao mesmo tempo ia contra a reação profissional de fuga instintiva. Que outro terapeuta teria tido coragem de permitir que Betty tomasse sua própria decisão depois de envolver-se tanto e de maneira tão pública? Conseqüentemente, EricksOl1 foi inculpado pelo aparente suicídio de Betty. Levou vários anos até ficar claro, finalmente, que o curso que ele tomara fora acertado e sábio desde o início.
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Fico muito feliz de poder agradecer a vanos amigos pelo auxílio e apoio que me deram, ajudando-me a completar este manuscrito. Dick Heiman, Dale Folgestron e Marge Cattey prestaram um auxílio técnico inestimável que possibilitou uma gravação de Erickson em vídeo. Trude Gruber e Bernd Schmid forneceram elementos que facilitaram bastante a conclusão da transcrição. Elizabeth Erickson, Edward Hancock e Roy Cohen fizeram a revisão e as correções editoriais. Barbara Bellamy, Sherron Peters e Barbara Curtis ajuàaram a datilografar o manuscrito. Agradeço à Sra. Bellamy por sua insistência no acabamento. Meus agradecimentos aos participantes do semmano nal de Erickson pela cooperação com a gravação.
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Embora sejam muitas as pessoas, para que eu possa enunciá-Ias individualmente, devo um reconhecimento especial a vários participantes de minhas oficinas nos Estados Unidos e na Europa, que deram idéias estimulantes que finalmente se incorporaram de alguma maneira neste livro. Agradeço muito a Sherron a redação deste livro.
Peters pelo amor e apoio durante
E à memona do meu mentor, Milton H. Erickson ... ele deu-me muito conhecimento para que eu transmitisse a outras pessoas. Erickson também me ensinou a apreciar tanto a clareza quanto a confusão, e acentuou meu prazer nas maravilhas de abrir os meus olhos.
Milton H. Erickson foi conhecido, via de regra, como a maior autoridade em hipnoterapia e em psicoterapia breve estratégica. Foi uma das personalidades mais criativas, perCeptivas e inventivas de todos os tempos. Erickson foi considerado o maior comunicador do mundo. Alternativamente era conside~ rado também como o principal psicoterapeuta do século. Não é uma hipérbole afirmar que a história demonstrará que o que Freud contribuiu para a teoria da psicanálise, Erickson contribuiu para a prática da psicoterapia, como. será reconhecido no futuro. Erickson recebeu seu título de Bacharel, o de Mestrado em Psicologia e títulos de M.D. da Universidade de Wisconsin. Entre suas outras realizações profissionais, foi presidente-fundador da American Society of Clinical Hypnosis e diretorfundador da Education and Research Foundation of the American Society of Clinical Hypnosis, e editor-fundador do American Journal of Clínical Hypnosis. Erickson foi Professor Associado de Psiquiatria na Wayne State University College of Medicine. Foi membro da American Psychological Associatiori e membro da American Psychiatric Association. Erickson foi autOr de mais cento e quarenta artigos didáticos, a maioria sobre o temá hipnose. Foi co-autor de inúmeros livros, in-
cluindo: Hypnotic Experience: Therapeutic Approaches to Altered States, Hypnotherapy: An Exploratory Casebook, Hypnotic Realities, Practical Applications of Medical and Dental Hypnosis, e Time Distortion in Hypnosis. Erickson foi também tema de inúmeros em andamento.
outros
livros,
tanto publicados
quanto
Com respeito à abordagem profissional de Erickson, é importante observar que, embora criasse várias abordagens novas e permissivas para a hipnose, como terapeuta ele era bastante inflexível ..quanto a manter-se antiteórico. Não promovia nenhuma teoria explícita da personalidade. Acreditava firmemente que uma teoria explícita da personalidade limitaria o psicoterapeuta e o tornaria mais rígido. Erickson estava comprometido com as idéias de flexibilidade, unicidade e individualidade. Deixou isto claro em seus escritos e na forma de vida. ,. Ericksontransferiu,se para Fênix, . no Arizona, em 1948. Manteve um trabalho particular ativo e viajava freqUentemente para ensinar hipnoterapia. Nos últimos anos de vida, quando não podia mais viajar, os estudantes vinham de todas as partes do mundo para ouvi-lo e aprender sua abordagem. Apesar de muito ocupado com o trabalho, era um homem de família, orgulhava-se da sua e dedicava-se a ela . . Erickson venceu um número considerável de problemas de saúde durante sua vida adulta. Ficou confinado a uma cadeira de rodas desde 1967, devido a seqüelas de uma poliomielite anterior. Ericksón achava que a poliomielite fora o melhor professor que já tivera quanto ao comportamento humano e seu potencial. Erickson tinha uma deficiência de visão cromática, mas apreciava o roxo e gostava de ganhar presentes e de ter esta cor ao seu redor. Era um gênio na prática da psicoterapia. No entanto, seu gênio na arte de viver eclipsava o gênio na prática· psicoterápica. No final da vida, quando as gravações que compõe o grosso desta obra foram feitas, Erickson sofria de v3rios males físicos. Sentia muita dor, por causa das conseqüências da pólio e uma série de outros males. Estava praticamente paralítico, fazendo pouco uso do braço direito, e, ·com o esquerdo podia só ter um uso limitado. Não tinha nenhum
uso real das pernas. Erickson utilizava apenas metade do diafragma, seus lábios estavam parcialmente paralisados, e sua língua deslocada. Não podia usar. dente,g falsos. Estávamos diante de um homem que desenvolvera a voz como instrumento e que se orgulhava de sua habilidade de manipular a linguagem. T yez por· isso falasse com voz lenta e comedida. Tínhamos a sensação de que ele pesava o impacto de cada palavra. Embora tivesse de trabalhar para retreinar-se de tantas maneiras, e apesar de padecer de tantos problemas físicos, Erickson era consistentemente um elos seres humanos mais felizes por estar vivo que se poderia encontrar. Quase todos que o conheciam ficavam impressionados com suas qualidades pessoais . . Erickson era um indivíduo muito cheio de vida e perspicaz. Sentados a seu lado, tínhamos a sensação de uma pessoa mtiÍto presente, vivendo o agora, o momento imediato. Realmente gozou a vida e era um excelente modelo de como viver uma "boa vida". Era uma pessoa amável, cheia de consideração e cómpassiva. Ria com freqüência e tinha um sorriso agradável e límpido. Tinha uma forma contagiante de dar risadinhas para si mesmo quando algo o divertia. Erickson tinha também uma deliciosa atitude de admiração e espanto. Era uma pessoa muito positiva, do tipo que olha mais para as flores do que para as ervas daninhas. Encorajava seus pacientes a fazerem o mesmo. As mudanças positivas que as pessoas podiam fazer era o que lhe agradava. Sempre que um paciente fazia uma levitação de braço (mesmo que para ele fosse a trigésima milésima levitação do braço), ainda assim ficava satisfeito, espantado e muito orgulhoso que o paciente tívesse realizado este ato. A maioria desta admiração e de prazer transmitia-se a nível não-verbal, o que tornava difícil reduzir seus efeitos. Além disso, Erickson não tomava a seu favor as mudanças positivas de seus pacientes e alunos. Ao invés. disso, comunicava seu prazer de que a pessoa tivesse entrado em contato com novos pGtenciais e novos poderes de sua própria vida. Brickson nasceu em J 5 de dezembro de 1901. Cresceu naS comunidades rurais de Nevada c Wisconsin. A mentalidade
rural constituiu boa parte de sua vida. Orientava-&e em relação ao futuro e era muito despretensioso. A 25 de março de 1980, Ericksonmorréu de uma infecção aguda. Estivera ativo e gozando de relativamente boa saúde até a ocasião de sua morte. Em várias de suas histórias didáticas sobre a maneii'a de trabalhar com pacientes sofrendo de dores crônicas, Ericksón explicara que, depois de aplicar sua técnica, o paciente levava uma vida ativa até cair subitamente em coma e morrer tranqüilamente. De forma semelhante, Erickson caiu subitamente em estado de inconsciência num domingo, 23 de março de 1980. Permaneceu em semi-inconsciência durante dois dias, até a noite de terça-feira, 25 de março, quando morreu tranqüilamente, cercado pelos membros de sua família. Esteve ativo até o final. Tinha a intenção de continuar sua programação de ensino antes de adoecer subitamente. Durante uma boa parte de sua vida profissional em Fênix, Erickson fez com que seus estudantes e. pacientes subissem até o pico Squaw, na montanha mais alta na área de Fênix. Tem cerca de 3.000 metros de altura e o caminho até o topo tem uma milha e meia de extensão. O caminho é transitável; as pessoas sobem-no com regularidade por razões de saúde e devido à vista espetacular do vale Fênix. A subida é extenuante, mas uma pessoa saudável pode chegar ao alto em quarenta e cinco minutos ou uma hora. Além disso, as pessoas conseguem uma visão mais elevada e uma perspectiva mais ampla do mundo em que se vive. Diz-se que as cinzas do Dr. Erickson foram espalhadas pelo pico Squaw. Se for verdade, é bem adequado. Erickson fez daquela atividade uma parte integrante de sua terapia. Atualmente, em apreço, as pessoas continuarão a subir o pico Squaw.
Erickson, M. H. & Rossi, E. L. Hypnotherapy: An Exploratory eC!sebook. Nova Iorque: Irvingto.n, 1979. .. Erickson, M. H. & Rossi,E. L. Hypnotic Experience: Therapeutic Approaches to Altered States.Nova Iorque: Irvington (in press).
Haley, J. (Ed.). Advanced Techniques of Hypnosis in Therapy: Selected Papers of Milton H. Erickson, M. D. Nova Iorque: Grune & Stratton, 1967. Rossi, E. L. (Ed.). The Collected Papers of Milton H. Erickson, M.D. (4 volumes). Nova IOl'que: Irvington (in press).
Cooper, L. F. Erickson, M. H. Time Distortion in Hypnosis. Baltimore: The Williams & Wilkins Company, 1959. Erickson, M. H. Hershman, S., & Seeter, I. I. The Practical Application of Medical and Dental Hypnosis. Nova Iorque: The Julian Press, Ine., 1961. Eriekson, M. H., Rossi, E. L., & Rossi, S. I. Hypnotic Realities. Nova Iorque: Irvington, 1976.
Um amigo meu, um físico suíço, contou-me uma história sobre o famoso físico dinamarquês, Niels Bohr. Durante uma aula, o Dr. Bohr estava discutindo o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Este princípio de "complementaridade" sugere que, quando um observador revela informação sobre a localização de uma partícula, sacrifica informação sobre o momen· tum desta partícula. Ao contrário, quando o observador descobre uma informação sobre o momentum de uma partícula, sacrifica informação sobre a localização. Durante a aula um aluno perguntou-lhe: "O que é complementar à clareza?" Após pensar um pouco, Bohr replicou: "A precisão." Embora seja possivelmente apócrifa, esta anedota expressa uma compreensão importante. No que diz respeito a verdades, para ser claro é preciso ser simples, e portanto sacrificar a precisão. Para ser preciso, é necessário ser extenso, detalhado e talvez confuso, e, portanto, sacrificar a clareza. O manuscrito que se segue é uma transcrição de um semi· nário didático de uma semana de duração, para profissionais da área da saúde, que Milton H. Erickson organizou em sua casa em Fênix, no Arizona. A comunicação de Erickson é complexa e o leitor observará sua consumada precisão. No entanto,
ao tentar entender o processo de Erickson, o leitor poderá observar alguma confusão e falta de clareza. ~ necessário um comentário sobre os seminários de Erickson. Depois de se aposentar formalmente do exercício privado, Erickson continuou comprometido ativamente com o ensino. Grupos de estudantes de todo o mundo entravam em contato com ele e pediam para tomar parte em seus seminários didáticos. Entre os alunos que freqüentavam os grupos de Erickson incluíam-se médicos, psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas de nível de mestrado. Erickson ensinava aproximadamente do meio-dia às quatro da tarde, diariamente, todos os dias da semana. À medida que sua popularidade aumentou, ficou cada vez mais difícil arranjar um horário de aula com ele. No final de 1979, os horários de Erickson estavam completamente tomados para 1980. No verão de 1979 (30 de julho a 4 de agosto), consegui gravar um seminário de uma semana na casa do Dr. Erickson. Este seminário didático constituiu o grosso deste volume. Não foi acrescentado nenhum comentário para descrever a técnica de Erickson durante esta semana. Em vez disso, dá-se ao leitor a oportunidade de se envolver na transcrição e chegar às suas próprias compreensões e conclusões sobre os métodos e técnicas de Erickson. Outros autores descrevem a técnica de Erickson em detalhes. Haley (1973) toma um ponto de vista internacional para descrever o método de Erickson. Bandler e Grinder (1975) usam uma abordagem lingüística, baseada na gramática transformacional para analisar microscopicamente os padrões de comunicação de Erickson. Rossi (Erickson, Rossi & Rossi, 1976; Erickson & Rossi, 1979), como analista de orientação junguiana, usa uma perspectiva intrapsíquica para entender Erickson. Pode-se especular que Erickson fez bem em incentivar a descrição de sua obra por teóricos com três perspectivas tão amplamente divergentes. Lendo as análises destes autores, obtémse. uma perspectiva equilibrada da técnica de Erickson . .. 0 método de.Ericksoncaracterlzava-se pela maneira indireta: Durante toda' a vida Ericksonensinou indiretamente. Suas primeiras aulas marcaram-se pelo uso da. técnica indireta. É inte-
ressante observar que a fama de Erickson também se propagou indiretamente. Erickson foi antes popularizado pelas pessoas que escreveram sobre ele do que por seus próprios esforços. Este volume não pretende fornecer uma forma diferente de entender Erickson. A idéia é não apresentar nada de novo sobre Erickson. Trata-se mais de apresentar Erickson sob uma nova luz. No decorrer da leitura deste volume, sente-se o fluxo das histórias didáticas e é possível conseguir-se uma perspectiva do processo de Erickson. Para os que nunca o viram, o manuscrito dá a oportunidade de visualizá-Ioem ação. Para os que puderam vê-Io, o manuscrito dá a oportunidade de obter uma visão diferente de Erickson e sua obra. Era muito difícil obter alguma clareza dos comunicados de Erickson ouvindo-o pessoalmente. As pessoas freqüentemente comentavam que se sentiam "tontas" qualido o ouviam. Ê uma experiência diferente ler as anedotas de Erickson ou assisti-Ias l'um videotape. Ê mais fácil entender o qúe ele fez, percebendo:o a partir destas perspectivas. Quando pessoalmente com Erickson, ficávamos confusos devido à multiplicidade de níveis verbais e não verbais em que Erickson trabalhava. Por exemplo, não era raro as pessoas saírem dos seminários didáticos dizendo: "Ele estava falando para mim hoje." Embora numa primeira ieitura as histórias de Erickson pareçam facilmente compreensíveis, não é de fato o caso. Apresentei filmes e videotapes sobre Erickson em congressos de associações profissionais nacionais. Desafiei os grupos de profissionais com a afirmativa: "Se vocês conseguirem compreender metade do que Erickson está fazendo, então são observadorés e ouvintes muito argutos. Embora seja mais fácil compreendero que Erickson faz em formà transcrita, ainda pode ser um desafio semelhante ao leitor. . Para demonstrar esta aposta, incluí um Apêndice neste volume. Ele fornece um comentário que Erickson e eu fizemos numa das induções hipnóticas que ele efetuou durante a semac na. O debate sobre esta indução de cinqüenta minutos durou quase cinco horas. Seria interessante o leitor ler a indução
(que ocorreu na terça-feira, com Sally) e comparar sua compreensão com os detalhes fornecidos no Apêndice. Há inúmeras outras coisas a ter-se em mente com respeito às histórias de Erickson. Erickson era um indivíduo muito consistente. Vivia e trabalhava contando histórias. Isto valia tanto se estava falando com a famí1ia quanto com os colegas, alunos ou pacientes. Se alguém lhe pedia um conselho, Ericksoll habitualmente respondia com uma anedota. Por isso, neste livro, tem-se uma boa avaliação da terapêutica de Erickson tanto quanto de sua abordagem educacional. Adicionalmente, ele envolvia-se muito na narração de suas histórias didáticas. Tinha-se com freqüência a impressão de que ele as revivia quando as contava. Erickson contava as histórias comum sentido dramático; orquestrava-as de l!ma maneira vívida. Estas facetas não-verbais, é claro, fazem falta numa transcrição escrita. O comportamento não verbal de Erickson, suas entonações, seu uso e senso de vitalidade infelizmente não podem ser reproduzidos. Erickson contava e recontava estas anedotas várias vezes. Como estava muito familiarizado com as histórias, podia ar.;rescentar-lhes uma parte muscular na comunicação; tornava as mensagens mais intensas com o uso de técnicas adicionais verbais e não verbais. Erickson sabia o que viria em seguida, o que não ocorria com os alunos. Além do conteúdo da história, Erickson usava as anedotas para comunicar-se em outros níveis terapêuticos ao mesmo tempo. De fato, nunca se satisfazia em comunicar-se apenas em um nível. Talvez não gostasse da bitolação que ocorria ao fazer apenas uma coisa de cada vez. Com _respeito à comunicação em níveis múltiplos, a maioria dos terapeutas é treinada para observar o que os p<:>cientes comunicarão num nível e perceber que o sentido da comunicação estará em outros níveis incluindo o simbólico e histórico, bem como outros níveis "psicológicos". Cabe a Erickson o crédito de ter demonstrado que, se o paciente pode comulJicar-se em múltiplos níveis, o terapeuta também pode. A .comunicação terapêutica não precisa ser clara, concisa f' direta. A comunicação terapêutica de enfoque a nível múltiplo cons-
titui uma técnica poderosa. Erickson usou-a de modo consistente. Por exemplo, quando lemos este manuscrito, percebemos que várias vezes descreveu um .princípio, ilustrou~ocom uma anedota e também demonstrou o uso do princípio com.aspessoas na sala; tudo aq mesmo tempo. Neste manuscrito, fizemos um esforço para preservar a comunícáçã6 'Original tanto quanto possível. Foram feiti!s mudanças mínimas para preservar o estilo de Erickson e ao mesmo tempo fornecer uma transcrição legível. Devido à precisão extra que Erickson colocava nas induçães hipnóticas, estas são mantidas na transcrição exatamente como foram ditas. Não foi realmente difícil e'ditar as histórias de Erickson. Em grande parte ele falou com frases completa e gramaticalmente corretas. O uso de histórias por Erickson dependia muito da composição do grupo a que estava ensinando. Se estava falando com um grupo cujo interesse era crianças, falava mais a respeito de crianças. Se falava com grupo mais interessado no controle da dor, então centralizava-se no controle da dor. O grupo que compareceu na s(~mana que transcrevemos era um grupo básico misto; por isso, a abordagem de Erickson foi geral. No entanto, todo dia ele falava sobre um ou dois temas. Também, caso de algumas anedotas, Erickson esteve nitidamente trabalhando de modo terapêutico na expansão da flexibilidade dos integrantes individuais do grupo. O comportamento não verbal de Erickson durante seus seminários didáticos era muito interessante. Habitualmente olhava para o chão enquanto contava as histórias. No entanto, observava as respostas dos alunos e pacientes com o canto dos olhos. Tinha um controle limitado de seu corpo. Quando desejava enfatizar uma mensagem terapêutica para um aluno específico, fazia-o alterando o loeus de sua voz. Erickson não teve de usar induçães formais para fixar a atenção dos alunos. As pessoas, quando o ouviam, costumavam fechar os olhos já que entravam e saíam de transes espontaneamente durante a sessão. O próprio Erickson parecia entrar c sair de transes. Era como se usasse a oportunidade de ensinar para sair mais de si e, por conseguinte, diminuir a dor crônica que sentia devido às seqüelas da poliomielite.
Haley, J. Uncommon Therapy. Nova Iorque: Norton, 1973. Bandler, R.& Grinder, J.Patterns of lhe Hypnolic Techniquesof Milton H. Erickson, M. D., Volume 1. Califórnia: Meta Publications, 1975. . Erickson, M. H., Rossi, E. L., & Rossi, S. L. Hypnotic Real/ties. Nova Iorque: Irvington, 1976. Erickson, M. H., & Rossi, E. L. HYPlwtherapy: An Exploratory Casebook. Nova Iorque: Irvington, 1979. \
Seminário Didático com Milton H. Erickson
Umas das marcas distintivas da abordagem de Erickson era o uso de anedotas como expediente didático e como instrumento terapêutico. Erickson era conhecido por sua comunicação precisa e focal, que se orientava para o paciente individual. O uso das anedotas representava um uso efetivo e altamente desenvolvido da comunicação verbal. Para dar ao leitor uma estrutura geral que possa ser utilizada na compreensão da transcrição que SI;: segue, descreveremos alguns usos das anedotas. Além disso, apresento meu contato inicial com Erickson em 1973, como um exemplo do uso de anedotas por parte de Erickson, com a finalidade de uma intensa comunicação terapêutica a nível múltiplo.
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Uma das definições de dicionário para o termo "anedota" é de uma narrativa curta que diz respeito a um incidente ou
Partes deste capítulo foram apresentadas a 14 de outubro de 1978, num congresso científico da American Society of Clinical Hypnosis.
fato interessante ou divertido. As anedotas podem ser contos de fadas, fábulas, parábolas ou alegorias. No entanto, também podem ser narrativas que cronificam experiências e aventuras verdadeiras. A esmagadora maioria das anedotas que Erickson contava eram descrições não fictícias de sua própria vida e das vidas de seus familiares e pacientes. Podemos usar anedotas em qualquer tipo de psicoterapia e em qualquer fase do processo de tratamento. Não há contra· indicações conhecidas para seu uso. ':~ Certas operações são comuns a todas as terapias, notadamente :.--~. quando se faz diagnóstico, ao estabelecer um relacionamento e"mpático, ou efetuar um plano de tratamento. Podemos usar anedotas durante qualquer uma destas operações terapêuticas. .•..
Um observador arguto pode usar anedotas para diagnosticar. A anedota pode ser utilizada projetivamente, de forma seme· lhante ao Rorschach. Neste sentido apresentam-se estímulos que levam a uma resposta que tem um significado diagnóstico. Por exemplo, um paciente pode ouvir uma história que tem múltiplos componentes, e o terapeuta pode observar a que parte .da anedota o paciente responde. O terapeuta pode contar uma história sobre uma pessoa que está tendo problemas que a pessoa .teve com os pais quando criança. Além disso, estes problemas :têm ramificações para O funciona'mento sexual atual da pessoa .e leva também a um abuso de 'álcooL Esta jlÍstória condensada' tem, i~u~~ros componentes. O terapeuta perceberá a que parte da 'an~d9ta, o paciente reage não ::\-ierbalmente. Sobretudo, b observad~r "t~t.apeuta notará a que ,lparte espefffica 'da a~~dota o paciente' .r~~onde verbalmente. :Poderá então levar avantea informação dil:igiJ,óstica. Um exemplo clínico d~ própria experiêncla'~qp autor pode ser ,citad'o para ilustrar o uso diagnóstico adicion'+
saram seus problemas em períodos de tempo de extensão variável. Alguns pacientes venceram os problemas, imediata e inesperadamente. Estes resolveram os problemas com rapidez e não precisaram de muito insight. Outros pacientes resolveram os problemas devagar, com esforço, e apreciando o insight que foram obtendo em relação a seus problemas. Esta paciente particular teve um jeito de acenar com a cabeça nas partes da anedota que tinham a ver com o fato de vencer os problemas devagar. De modo igualmente consistente, conteve o movimento nas partes que tinham a ver como resolver os problemas imediatamente. Este padrão confirmou-se com o uso de anedotas semelhantes contadas em ordens diversas. Como seu movimento de cabeça confirmava que ela iria resolver o problema devagar, não tentei nenhuma terapia na sessão inicial. Em vez disso, fiz perguntas detalhadas que oncerniam 11 etiolo ia e ao_padrão~ sintomatolo ia dela. Durante o mês seguinte, vi a paciente em duas sessões adicionais e ela conseguiu um alívio para a fobia. Não havia nenhuma necessidade de ter sessões a intervalos menores porque a paciente já indicara que iria modificar-se devagar. Quando contava suas histórias, Erickson acompanhava as respostas comportamentais de seus pacientes de modo consistente. Freqüentemente não olhava diretamente para os pacientes ao contar as histórias. No entanto, acompanhava as respostas comportamentais, observando-os com sua visão periférica bastante desenvolvida. A percepção de Erickson era legendária. Treinara-se laboriosamente para perceber e compreender as nuanças sutis do comportamento humano. Sua capacidade de responder terapeuticamente baseava-se na sua perspicácia diagnóstica. No entanto, nunca é demais enfatizar a importância da capacidade aguçada de Erickson perceber rapidamente pontos cruciais para os pacientes individuais.
Considera-se geralmente a formação de um sentido de relacionamento e de relação empática como uma das pedras funda-
mentais da psicoterapia. Alguns teóricos (p. ex. Carkhuff e Berenson, 1967) consideram as respostas empáticas como um dos instrumentos principais da psicoterapia. No entanto, há inconvenientes na abordagem empática. O paciente pode aprender um tipo de autodiagnóstico por empatia que implica em um escrutínio corrente de seus estados de ânimo. Este escrutínio pode ocasionar uma ruptura no processo de apreciação e de utilização do fluxo de sentimento. Em alguns casos, uma abordagem direta empática pode ser contra-indicada ou desnecessária. Por exemplo, não é do feitio de algumas pessoas estarem em sintonia com seus sentimentos. Alguns pacientes também têm objeções e sentem-se embaraçados se lhes mostramos diretamente seus sentimentos. A abordagem de Erickson fala à idéia de que as coisas funcionam melhor quando funcionam automaticamente ou inconscientemente, isto é, sem interferências ou obstáculos da mente consciente. Erickson serviu-se muito dos meios indiretos para ocasionar mudanças inconscientes tão rápido quanto possível. De acordo com o uso dos meios indiretos, como Erickson fazia, também é possível usar anedotas para empatizar com o paciente e com processos que não estão nem dentro nem fora da percepção consciente imediata do paciente. O paciente não necessita perceber conscientemente que o terapeuta deu uma resposta empática. Podemos usar as anedotas para estabelecer uma relação empática com o inconsciente. Embora o fato de ter havido uma resposta empática permaneça fora da percepção consciente do paciente, o cliente muitas vezes reconhece, a nível verbal ou não verbal, que o terapeuta deu uma resposta empática "inconsciente". Para ilustrar o uso de anedotas empáticas, podemos apresentar um caso de um antigo seminário didático com Erickson. Em 1975, três estudantes estavam presentes no seu consultório para aprender suas abordagens. Erickson contou uma anedota sobre um paciente competitivo que o procurara e queria ser posto em transe. Erickson afirmou que estabelecera o transe com este paciente dizendo-lhe para observar as próprias mãos para ver qual delas se levantaria primeiro, e qual tocaria seu rosto em primeiro lugar. Desta maneira, Erickson utilizou a competitividade dCl
paciente para ajudá-lo a atingir as próprias metas. Esta anedota atraiu os estudantes, porque Erickson estava ensinando um aspecto interessante de sua técnica. No entanto, logo ficou visível que havia um propósito adicional à história. Alguns dos alunos na sessão também estavam competindo pela atenção e tempo de Erickson. Quando Erickson indicou a finalidade múltipla da anedota, discutiu este aspecto adicional da técnica. Mirmou que reconhecia a competição dos alunos, e que indicara por meio da história que reconhecera sua existência. Os estudantes então podiam responder reconhecendo a competição conscientemente (foi o que fizeram). Ou poderiam ter respondido por meios não verbais que reconheciam a competição e que não estavam prontos para levar à percepção consciente. Finalmente, os estudantes podiam ter falhado em reconhecer o significado implícito da história no que se aplicava à situação imediata. Qualquer destas três histórias acima mencionadas seriam respostas satisfatórias para Erickson porque estariam de acordo com as próprias necessidades e personalidades dos alunos. Erickson estava preparado para prosseguir em qualquer direção que se manifestasse. A própria observação de Erickson naquela situação foi a de que estava desejando discutir a anedota conscientemente porque ela era uma situação didática. E, além disso, a anedota tinha uma terceira mensagem. Estava elaborada de modo a sugerir ou "encurralar" os alunos numa resposta comportamental específica. Depois de discutir a ane· dota, Erickson acrescentou que não sabia o quanto havia de competição entre os alunos, mas que seguramente não desejava que competissem com ele.
Podemos usar as anedotas em qualquer fase do processo de tratamento para atingir as metas da terapia. Por exemplo, consideremos as seguintes oito categorias que não são mutuamente exclusivas.
Mediante o uso de anedotas podemos esclarecer um assunto de· modo memorável e intenso. Considerando-se a estrutura da ..I' memória humana, é mais fácil lembrar o tema de uma anedota do que lembrar o mesmo material sob a forma de uma simples .'frase. Podemos usar a anedota para "rechear" a memória da ./ pessoa, elas dão vida a simples idéias. Consideremos o seguinte , exemplo: No início de 1980, eu estava envolvido no meu primeiro caso com respeito ao úso forense da hipnose. Procurei Erickson para me aconselhar. Ele começou a história com a seguinte frase: "Conheça o advogado oponente." Erickson explicou que estava testemunhando o caso da custódia de uma criança por parte do marido. Afirmou que a esposa estava nitidamente com graves problemas psicológicos e que o marido era a melhor pessoa para ter a custódia da criança. Erickson prosseguiu dizendo que conhecia a advogada oponente e sabia que era uma pessoa muito meticulosa. Explicou que quando o dia de prestar o depoimento chegou, a advogada oponente tinha quatorze páginas datilografa das com perguntas para interrogá-Io. Erickson disse que quando subiu à bancada a advogada perguntou: "Doutor Erickson, o senhor disse que é um especialista em Psiquiatria.' Quem é o seu mentor?" Erickson respondeu dizendo: "Eu sou o meu próprio mentor." Sabia que, se citasse alguém, a advogada, bem 'preparada, começaria a minar a perícia dele, citando autoridades conflitan tes. . A advogada perguntou então: "Doutor Erickson, o senhor diz que é um especialista em Psiquiatria. O que é Psiquiatria?" Erickson dera-lhe a seguinte resposta: "Vou dar-lhe este exemplo: se eu fosse especialista de História da América, certamente saberia algo sobre Simon Girty, também conhecido como "Dirty Girty" /" Erickson disse que quando olhara para o juiz, este estava sentado com a cabeçà enterrada nas mãos. O '-funcionário da
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corte estava debaixo da mesa tentando achar um láI,'is. O advógado a seu lado tentava suprimir um riso incontrolável. Erickson afirmou-me que, depois de fazer a analogia, a advogada botou os papéis de lado e disse: "Nenhuma pergunta a mais, doutor Erickson." Erickson então me olhou e disse: "E o nome da advogada era ... Gertie." Prosseguiu explicando que, sempre que seu advogado encarava a advogada oponente, encontrava sempre um jeito de incluir nos seus argumentos uma referência a "Dirty Girty". A anedota de Erickson era muito divertida e envolvente. Foi uma maneira agradável de esclarecer uma questão. Se Erickson tivesse dito: "Não se intimide com a situação", o impacto teria sido mínimo. No entanto, dito desta maneira, ilustrativa e atraente, aumentou o impacto da mensagem. ~ 2) Para sugerir soluções.
Erickson freqüentemente usava anedotas para sugerir, direta ou indiretamente, uma solução ao paciente. Comumente conseguia isto contando uma anedota paralela- e/ou, contando anedotas 'múltiplas éom o mesmo tema. As conclusões destas anedotas podeüam fornecer ou uma nova perspectiva ou uma solução anteriormente negligenciada. Erickson freqüentemente contava ao paciente uma anedota que jazia uni paralelo com um problema, mas que lhe dava uma nova perspectiva. Por exemplo, se um paciente déscrevia múltiplos fracassos na sua vida, ouvia histórias sobre alguém que também vivera mtrltiplos fracassos. No entanto, as histórias terapêuticas podem ser cuidadosamente construídas de forma a que o resultado final seja o sucesso. Desta forma, constrói-se cada um dos fracassos dentro da. história terapêutica de forma a constituírem, finalmente, um "bloco superior" para o .sucesso. Há um bom exemplo de uma anedota paralela com uma nova perspectiva na transcrição da sessão semanal. Na terça-feira, Erickson fez uma indução com Sally. Ela passara por várias circunstâncias de vida difíceis e complicadas. Então, Erickson secundou este fato contando-lhe uma história sobre um paciente que vivera circunstâncias complicadas, e, neste processo, tornara-se mais flexível e tivera maior êxito.
Erickson também sugeria, às vezes, ao paciente uma solução negligenciada, contando-lhe uma história. Este uso específico das anedotas pode ter maior efeito terapêutico do que um conselho direto ao qual o paciente tende a resistir. Apresenta-se ao paciente uma história sobre alguém com um problema semelhante, que utilizou certa solução com êxito. Cabe então ao paciente estabelecer, de fato, a conexão e aplicar uma solução semelhante à sua própria vida. Podemos usar anedotas para sugerir indiretamente soluções. Quando fazemos uma sugestão indireta, é o paciente que "tem a idéia" da solução. Por isso, o paciente pode fazer a mudança a seu crédito, em vez de fazê-Ia a crédito do terapeuta. Erickson muitas vezes usava um estilo indireto de ensino, constando da narrativa de múltiplas anedotas, com o mesmo tema. Por exemplo, Erickson às vezes introduzia uma idéia, como a da importância de "entrar em contato com o paciente dentro do próprio esquema de referência do mesmo." Então contava anedotas múltiplas versando sobre o mesmo tema. (Além disso, ao mesmo tempo, invariavelmente, demonstrava o princípio, entrando em contato com os alunos dentro do esquema de referência dos mesmos.) Erickson às vezes precedia as anedotas mencionando o tema em geral ou, às vezes, mencionava o tema no final da série de anedotas. Se percebia que o paciente ou o aluno captava inconscientemente (ou conscientemente) o ponto, às vezes nem mesmo mencionava o tema.
Um dos instrumentos habituais dos terapeutas é confrontar o paciente para que ele se veja como é na realidade. Então o paciente pode fazer uma mudança conseqüente. Podemos usar as anedotas para suprir este entendimento de forma mais ou menos indireta. Por exemplo, na transcrição da semana com Erickson, no final da quarta-feira ele contou histórias sobre psicoterapia simbólica. Descreveu um caso de terapia de casal quando mandou um psiquiatra e sua mulher fazerem tarefas em separado. As tarefas incluíram subir ao Pico Squaw e ir ao Jardim Botânico.
Neste caso, Erickson serviu-se de uma atividade para levar os pacientes a reconhecerem-se simbolicamente e tomarem a ação apropriada. No entanto, com isto Erickson também supriu um exemplo aos terapeutas que estavam na sala ouvin. do-o. Os terapeutas na audiência puderam usar esta oportunidade para se conhecerem. Erickson prosseguiu a anedota sobre o psiquiatra com outra anedota sobre um psicanalista e sua esposa. Quando lemos estas duas anedotas, percebemos que elas orientam as associações da audiência (e do leitor). E muito difícil ouvir Erickson contar esta história ou ler as duas sem pensar nos nossos próprios relacionamentos. Erickson servia-se das anedotas para orientar as associações e levar as pessoas a tomarem conhecimento delas mesmas para que pudessem decidir a· ação adequada. Este uso de anedotas para orientar e selecionar associações era muito importante na abordagem de Erickson. Orgulhavase de dar este exemplo: "Se você quer que uma pessoa fale sobre seu irmão, tudo o que você precisa fazer é contar-lhe uma hist6ria sobre seu pr6prio irmão." Erickson nos lembra que o poder de mudar é algo que jaz adormecido dentro do paciente e necessita ser despertado. Podemos usar as anedotas para guiar as associações das pessoas, mas é realmente o paciente quem faz a mudança. "O terar"uta apenas cria o clima, a ambiência." 4) Para semear idéias e aumentar a motivação. No caso anteriormente citado sobre a paciente f6bica, deveríamos observar que as anedotas que ela ouviu foram sobre psicoterapias bem-sucedidas. Por isso, as anedotas também serviram para aumentar sua expectativa positiva. Mais ainda, as anedotas serviram para diagnosticar sua motivação para mudança. Ficou claro, a partir do padrão da paciente de balançar a cabeça, que ela estava motivada para fazer a mudança necessária no seu padrão anteriormente fóbico. A única questão con.cernia no tempo que levaria para a mudança ocorrer. Erickson era bem capaz de contar uma anedota que estimularia uma idéia básica num paciente ou num aluno. Então,
como conhecia a sequencia de suas anedotas, podia estruturar esta idéia com uma hist6ria que contava mais adiante, neste mesmo dia, ou mesmo dias ou semanas mais tarde. Esta idéia de "semear" é muito importante na técnica hipn6tica. Se o hipnotizado r vai sugerir uma levitação do braço, ele o faz "encadeando" pequenos passos ou sementes. Por exemplo, o operador atrai a atenção da pessoa para a pr6pria mão, depois conduz a atenção para a possibilidade de sensação na mão, em seguida atrai a atenção para o potencial de movimento, depois conduz a atenção para o fato do movimento, e por fim sugere o movimento de fato. Quando o terapeuta conhece o resultado desejado, pode plantar a idéia do resultado desde o início da terapia. Semear a técnica era muito comum na abordagem de Erickson. Era uma das técnicas que adicionavam muita força à sua comunicação.
Os pacientes freqüentemente aprendem padrões de relacionamento mal-adaptados, manipulat6rios e autofrustrantes. As anedotas são um instrumento eficaz que pode ser utilizado para controlar o relacionamento para que o paciente se mantenha numa posição complementar "uni-inferior" (cf. Haley, 1963). Esta tática do terapeuta pode ser terapêutica para alguns pacientes que são rígidos e têm problemas de sentir-se à vontade ou eficientes quando estão numa posição "uni-inferior" num relacionamento. As anedotas podem manter um paciente "fora de equilíbrio" de forma a que não possa usar os métodos habituais para controlar o relacionamento. Através do uso das anedotas, os pacientes podem tornar-se mais seguros devido ao conhecimento de que há alguém que eles não podem manipular com sua sintomatologia.
Podemos usar as anedotas para dar diretivas inseridas (cf. Bandler e Grinder, 1975). Esta técnica implica tomar uma frase importante fora do contexto de uma hist6ria e proferi-I?
direta ou indiretamente para o paciente. O terapeuta apresenta uma diretiva implantada ao paciente ou aluno de forma indireta, como, por exemplo, subenfatizando ou redirecionando o loeus ,de sua voz. Por exemplo, na sexta-feira da transcrição semanal, Erickson discutiu o desenvolvimento sexual humano. No meio desta dis,cussão contou uma história sobre o doutor A., que era seu supervisor no Hospital Estatal de Wooster. A anedota parece fora do contexto. No entanto, imaginem o efeito da última fra· se da anedota quando dirigida a um estudante residente. Na última frase sugere-se que a pessoa mantenha "o rosto impassível, a boca fechada, os olhos e os ouvidos abertos, e espere para formar seu julgamento até ter alguma evidência de fato ,que apóie- sua inferência e seus raciocínios".
As anedotas são indiretas e por esta razão mesmo ajudam a diminuir a resistência às idéias. Uma anedota estimula uma associação dentro do paciente. O paciente então pode guiar-se pela associação que foi estimulada. B difícil resistir a uma as~ociação que nós mesmos temos. Igualmente, uma anedota pode apresentar uma idéia indiretamente. Várias idéias são apresentadas numa só anedota e .() paciente tem de envolver-se ativamente no processo de perceber o sentido da anedota e decidir qual a parte da mesma que se relaciona com ele. Por isso, a energia para a mudança recebe um estímulo para surgir de dentro do paciente. As mensagens anedóticas, devido à sua estrutura, podem virar inconscientes rapidamente. O paciente não pode absorver conscientemente e compreender todas as mensagens contidas numa anedota complexa. O paciente pode vivenciar uma mudança .comportamental que ocorre fora de sua percepção consciente porque ele pode responder a uma parte de uma anedota, ainda que esta parte não seja registrada conscientemente. Contase muitas vezes que os pacientes viam Erickson e descobriamse fazendo mudanças por conta própria, sem perceber o efeito da comunicação terapêutica do próprio Erickson.
Em geral, Erickson usava anedotas quando era necessana uma quantidade maior de indireção. Quanto maior a resistência às idéias, mais Erickson se fazia indireto e anedótico. Isto parte do princípio de que a quantidade de meios indiretos utilizados é diretamente proporcional à quantidade de resistência percebida (Zeig, no prelo, b.). Além disso, podemos usar as anedotas de uma forma técnica para desmanchar a resistência. Por exemplo, o terapeuta pode semear uma idéia numa anedota e depois passar rapidamente para uma segunda anedota com um tema diferente. Este tipo de manobra terapêutica toma mais difícil ao paciente resistir à idéia apresentada na anedota inicial. Adicionalmente, usando esta manobra, há uma chance maior de que a idéia apresentada na primeira anedota se tome "inconsciente" com maior rapidez. O paciente às vezes tem uma amnésia da primeira história. Também é possível usar uma anedota para desviar a atenção do paciente. Erickson lembrou que às vezes usava anedotas para penetrar terapeuticamente no paciente. Esta técnica pode ser uma maneira de propor a idéia tera~utica numa ocasião em que o paciente está menos resistente e mais receptivo. 8) Para recolocar e redefinir um problema. Podemos usar também as anedotas para "recolocar" um problema. A arte da "recolocação" foi descrita por inúmeros autores (p. ex. Watzlawick, Weakland, e Fisch, 1974.). Recolocar é uma técnica para fornecer uma atitude positiva e alternativa para a situação sintomática. A recolocação opera a nível de atitudes. Os pacientes têm atitudes frente a seus sintomas. A recolocação pode modificar a atitude das pessoas sobre seus sin-_ tomas. Mudar de atitude sobre o sintoma é terapêutico. Erickson foi um dos proponentes da idéia de que a terapia é algo que muda o padrão habitual de comportamento. A mudança pode suceder numa direção positiva ou ocorrer inicialmente numa direção negativa. A mudança de atitude da pessoa quanto a seu sintoma freqüentemente transforma o próprio complexo (Cf. Zeig, no prelo, b.).
Redefinir é uma técnica de definir o problema de forma levemente diferente da que o paciente define o problema. Depois de definir de forma diferente, pode-se completar com uma terapia que corrigirá a nova definição do problema, corrigindo, por conseguinte, o mesmo. Erickson usava as anedotas tanto para recolocar quanto para redefinir. Temos um bom exemplo deste uso das anedotas, no início do seminário de quinta-feira, no qual Erickson conversa com Christine e conta-lhe anedotas sobre dores de cabeça. Quando lemos estas anedotas, observamos como Erickson recoloca e redefine as dores de cabeça de Christine. As categorias que apresentamos acima não exaurem o assunto. Podemos enumerar certo número de usos adicionais das anedotas: 1) Podemos usar as anedotas como técnicas de construção de ego, isto é, para estruturar a emoção, o comportamento e/ou pensamento, e, portanto, ajudar o paciente a equilibrar-se melhor na vida. 2) As próprias anedotas são uma maneira criativa e fora do comum de comunicar-se. Neste sentido, servem para "moldar" uma boa vida. O terapeuta encoraja o paciente a viver de modo mais criativo e flexível, sendo criativo e flexível na sua própria comunicação. 3) Podemos usar as anedotas para estimular e redespertar padrões de sentimento, pensamento e comportamento. Podemos usá-Ias para auxiliar uma pessoa a entrar em contato com um recurso de sua vida pessoal que não percebera anteriormente. Erickson lembra-nos que os pacientes têm recursos em suas próprias histórias para resolverem os problemas que trazem ao terapeuta. Podemos usar as anedotas para lembrar a um paciente os seus próprios recursos. 4) Podemos usar as anedotas para dessensibilizar um paciente de seus medos. Ao trabalhar com fóbicos podemos contar-Ihes uma série de anedotas e altemadamente aumentar e diminuir a tensão, e por conseguinte dessensibilizar o medo. Podemos usar as anedotas por várias razões técnicas em qualquer terapia. Também podemos usá-Ias durante uma indução e utilização formal e naturalista da hipnose.
As anedotas e a hipnose formal têm três semelhanças estruturais básicas: 1) Em ambas, o terapeuta basicamente busca falar a um indivíduo passivo. O terapeuta tenta extrair o poder de dentro do paciente e demonstrar-lhe que ele/ela tem o poder de mudar. 2) No uso da hipnose e no uso da anedota, define-se o indivíduo como alguém que está num papel complementar unilateralmente inferior. 3) Nas duas técnicas, o operador trabalha a partir de pistas comportamentais mínimas por parte do paciente. Devido a semelhanças estruturais, podemos aplicar as anedotas de modo bastante eficaz tanto na hipnose formal quanto naturalista; Aplicamos as anedotas na hipnose, de modo semelhante à maneira com que são usadas em psicoterapia. Podemos usar as anedotas nas fases de indução e de utilização do tratamento hipnótico.
Podemos usar as anedotas diagnosticamente a fim de avaliar facilidade para ser hipnotizado, e o estilo de utilização de transe que c' indivíduo manifestará. O 'processo de diagnóstico é semelhànte ào uso diagnóstico de anedotas na psicoterapia que foi descrito acima. No entanto, entram fatores adicionais ao diagnosticar à facilidade para ser hipnotizado. Quatro fatores são especialmente importantes: a absorção, a receptividade, a aterição e o controle. 1) Quando o terapeuta conta uma anedota, pode perceber o graU" de absorção que o ouvinte manifesta. Os indivíduos que manifestam uma atenção mais embevecida e que parecem mais absortos na história, habitualmente tendem a ser os classicamente melhores sujeitos hipnóticos. 2) Podemos avaliar alguma coisa sobre o estilo de resposta ao sujeito específico, usando anedotas. Algumas pessoas respondem melhor à sugestão direta e outras à sugestão indireta. Pcli
demos usar as anedotas para saber a que tipo de sugestão o paciente responde melhor. Por exemplo, se, ao contar uma anedota, o operador menciona que o protagonista da anedota subitamente olhou para ver que horas eram, pode determinar alguma coisa sobre a capacidade de resposta do paciente, ob-servando sua reação a este tipo de sugestão específica. 3) Podemos usar as anedotas para diagnosticar o estilo de atenção do paciente, se é concentrado ou difuso, se é interno ou externo. Enquanto o paciente ouve uma anedota, o terapeuta pode observar se o paciente está focalizado ou difuso no seu estilo de atenção. Uma pessoa mais enfocada terá um movimento mais limitado e focalizará apenas uma coisa em períodos mais extensos de tempo. Uma pessoa mais difusa passará e deslocará sua atenção com maior freqüência de uma coisa para outra. Podemos diagnosticar a atenção também quanto ao foco ser interno ou externo. P.essoas interiorizadas preocupam-se com sua própria vida interior: seus sentimentos, pensamentos e movimentos. As pessoas exteriorizadas estão mais atentas ao que se passa a seu redor. (Erickson parecia um gato. Gostava de espiar, e tinha uma orientação bastante exteriorizada.) 4) Contando uma anedota, o terapeuta também pode aprender algo sobre a flexibilidade do paciente com respeito ao controle nos relacionamentos. Alguns pacientes precisam ser o que está por cima, outros o que está por baixo, e outros necessitam ser iguais. Estas necessidades aparecem na resposta verbal e não verbal às anedotas pré-hipnóticas. Embora possamos usar outros fatores para diagnosticar o estilo hipnótico, os quatro fatores acima - a saber: a absorção, a receptividade, a atenção e o controle - são especialmente acessíveis a um diagnóstico, enquanto o terapeuta vai contando casualmente a história para o paciente. Levando-se em consideração esta abordagem diagnóstica (e sem nos afastarmos muito do alcance deste livro) ficam claras as implicações para compor-se uma estratégia terapêutica. As anedotas (; diretivas que um terapeuta usa têm mais força quando tocam de perto à experiência do paciente. Por exemplo, as técnicas
hipnóticas e psicoterapêuticas que aplicamos a uma pessoa do tipo unilateralmente inferiorizado e de orientação exteriorizada. e que seja altamente receptiva à sugestão direta, será diferente das técnicas terapêuticas que aplicaremos a uma pessoa do tipo unilateralmente superiorizada, absorvida interna· mente e que responda melhor à sugestão indireta. De início, até sabermos realmente como fazê-Io, o uso de anedotas de maneira diagnóstica pode onerar bastante o terapeuta. O terapeuta precisa compor sua história e prestar atenção às respostas do paciente ao mesmo tempo.
Podemos usar anedotas na hipnose formal. Charles Tart (1975) descreveu de modo adequado a indução da hipnose como algo que consiste numa ruptura do estado básico de consciência e num padrão de um novo estado de consciência hipnótica. Podemos usar as anedotas em qualquer destas duas fases.
Podemos usar da confusão técnica para facilitar a ruptura do esquema consciente do indivíduo na fase inicial da indução hipnótica formal. As próprias anedotas confundem porque mantêm o ouvinte fora de equilíbrio. O ouvinte é desafiado a extrair algum sentido do conteúdo da anedota e a perceber e aplicar o que seja importante na mensagem à sua situação. Sobretudo, as anedotas confundem porque têm significados múltiplos e são ambíguas. Ouvindo Erickson, até mesmo um ouvinte arguto não poderia perceber todas as mensagens componentes e suas possíveis alusões. As anedotas podem "instalar" uma indução, desviando a atenção e despotencializando o esquema consciente (cf. Erickson, Rossi & Rossi, 1976). Portanto, o sujeito fica mais aberto e receptivo a sugestões concorrentes e subseqüentes.
Erickson usava com freqüência as anedotas, de forma natural, como um ingresso na indução hipnótica. Vi inúmeros ex-pacientes de Erickson explicarem que, quando estavam ouvindo as histórias dele, de repente se viam em transe. Uma das pacientes explicou que estava ouvindo as histórias e de repente percebera que adormecera. Disse que ficara muito envergonhada de adormecer enquanto ouvia seu médico. Depois afirmou que percebera o que Erickon queria e então fechara os olhos e entrara em transe.
Podemos usar as anedotas para pautar o espaço hipnótico (isto é, para estabelecer parâmetros experimentais do que o estado hipnótico pode constituir para o indivíduo específico). Um operador pode usar anedotas para descrever e sugerir ao paciente o que a hipnose pode ser para ele ou para ela. Um exemplo possível desta técnica seria falar a um sujeito inexperiente sobre a experiência hipnótica de outro sujeito mais experimentado. Podemos fazê-lo de tal forma que o, comportamento do sujeito experimentado, quando discutido na anedota, combine e sobreponha-se parcialmente ao comportamento atual do sujeito sem experiência. O efeito seria o de dar sugestões ao sujeito sem experiência de forma indireta. Outra forma de pautar o estado hipnótico é fazer com que os indivíduos demonstrem a eles mesmos (dentro ou fora da percepção consciente) que são capazes de efetuar algum fenômeno hipnótico clássico. Qualquer fenômeno hipnótico clássico pode ser sugerido pelo uso de anedotas diretas. Por exemplo, uma das induções favoritas de Erickson envolve uma discussão anedótica dos primeiros aprendizados escolares, incluindo a maneira como as pessoas aprendem as letras do alfabeto sem perceber conscientemente o processo. Esta anedota sugere e pode induzir vários fenômenos hipnóticos clássicos, inclusive uma regressão de idade, hiperamnésia, dissociação e alucinação. Além disso, incentiva simultaneamente uma absorção interna e uma fixação interna da atenção.
Na fase de utilização da hipnoterapia (isto é, depois da in· dução), podemos usar as anedotas da mesma maneira que podemos usá-Ia na fase de tratamento de psicoterapia, isto é, para demonstrar um fato, aumentar a motivação, etc. Podemos contar as anedotas para lembrar a pessoa de potenciais que não foram utilizados previamente no seu aprendizado. Por exemplo, podemos lembrar ao sujeito hipnótico, por meio do uso da anedota, uma época em que ele/ela sofreu um machucado e só peroebeu a dor depois de um bocado de tempo. Uma história dessas implica que o sujeito já teve uma experiêncià de controlar a dor, que pode ser evocada. As anedotas são envolventes e podem promover a dissociação na medida em que o/a paciente se envolve na história. Por isso podemos usá-Ias também para colocar o paciente numa trilha de pensamento que exclui o seu problema sintomático. Este uso da anedota é muito eficaz no trabalho de controle da dor.
o
uso combinado
de anedotas comunicação
Nível
múltiplo
de
Os psicoterapeutas aprendem a tomar uma pequena amostra do nível de comunicação social e interpretar o significado adicional com respeito ao que "realmente" está acontecendo no nível psicológico do paciente. É interessante notar que, embora os terapeutas estejam cientes da comunicação de nível múltiplo e utilizem-na de forma diagnóstica, a maioria dos terapeutas não está treinada para usar a comunicação de nível múltiplo como instrumento terapêutico. Uma das principais contribuições de Erickson à Psicologia talvez tenha sido a de demonstrar o uso terapêutico da comunicação a nível múltiplo. Erickson demonstrou a quantidade de esforço muscular que pode estar acumulada na comunicação terapêutica e a quantidade de energia que pode ser derivada.
Para demonstrar a força da comunicação terapêutica de nível múltiplo, apresento o debate de meu encontro inicial com Eri kson em dezembro de 1973. As anedotas que Erickson me contou dem nstram uma combinação complexa de alguns dos usos simples das anedotas mencionados anteriormente. Antes de descrever estas anedotas em detalhe e situar o cenário, descreverei meu encontro inicial com Erickson desde o início. Comecei a estudar hipnose em 1972 e fiquei bastante impressionado com o trabalho de Erickson. Escrevi à minha prima que estava estudando Enfermagem em Tucson. Contei-lhe que estava estudando hipnose e sugeri que, se em alguma ocasião fosse a Fênix, visitasse Erickson, porque ele era um gênio em psicoterapia. Ela escreveu-me respondendo que eu já me encontrara com uma das filhas mais novas de Erickson. Minha prima e Roxanne Erickson tinham sido colegas de quarto alguns anos antes, em São Francisco. Subseqüentemente, escrevi para Roxanne e para Erickson e perguntei-lhe se poderia estudar com ele. Disse-me que me aceitaria como aluno. Em dezembro de 1973 parti para Fênix pela primeira vez, para estudar com Erickson. Minha apresentação inicial foi bastante fora do comum. Eu iria ficar como hóspede em sua casa. Roxanne recebeu-me à porta. Apresentou-me ao pai, gesticulando para o doutor Erickson, que estava sentado imediatamente à esquerda da porta, vendo televisão. Ela disse: "Este é meu pai, o doutor Erickson." Erickson levantou a cabeça devagar, mecanicamente, com pequenos movimentos cadenciados. Quando sua cabeça chegou à horizontal, ele girou o pescoço em minha direção, devagar e mecanicamente, usando os mesmos movimentos cadenciados. Quando captou minha atenção visual e olhou nos meus olhos, iniciou novamente os mesmos movimentos mecânicos e vagarosos e baixou o olhar para a linha mediana do meu corpo. Seria inútil dizer que fiquei completamente chocado e surpreso com o seu "Alô". Além disso, Erickson modelara um fenômeno hipnótico. Moldara o movimento cataléptico cadenciado que os pacientes exibem quando fazem uma levitação de braço. Sobretudo, seu comportamento focalizou minha atenção.
Depois, quando baixou o olhar para o meio do meu corpo, estava me sugerindo que "fosse para dentro". Basicamente, Erickson estava usando uma técnica não verbal para romper meu esquema consciente e pautar um novo esquema de padrões inconscientes. Erickson dera-me um exemplo da força que podia impor à comunicação. Na manhã seguinte, a senhora Erickson conduziu-o em sua cadeira de rodas para a casa de hóspedes. Sem dizer uma palavra e sem fazer nenhum contato visual, Erickson transferiuse penosamente da cadeira de rodas para sua poltrona do consultório. Perguntei-lhe se podia colocar meu gravador e ele, sem fazer nenhum contato visual, fez que "sim" com a cabeça. Depois começou a falar para o chão, de foona pausada e vagarosa. E: Para auxiliá-lo no choque com toda esta cor roxa ... z: Hã-hã. E: Sou parcialmente cego às cores. Z: Percebi isto. E: E o telefone roxo ... foi um presente de quatro alunos graduados. Z: Hã-hã. E: Dois deles sabiam que fracassariam nos exames principais. .. e dois deles sabiam que fracassariam... nos de menor importância. Os dois que sabiam que fracassariam nos principais, mas passariam nos... menores, passaram em todos. Os dois que sabiam que passariam nos principais e seriam reprovados nos menores... foram reprovados nos principais e passaram nos menores. Em outras palavras, escolheram a ajuda que eu lhes ofereci. (Erickson olha para Z. pela primeira vez, e fixa o olhar). Com respeito à psicoterapia. .. (Aqui Erickson prosseguiu apresentando e debatendo sua abordagem terapêutica. Para saber como ele continuou, ver Zeig, no prelo, a). Esta anedota curta é um trecho elegante de comunicação. Contém muitos níveis de mensagem. E" um exemplo excelente
da maneira como várias mensagens podem ser condensadas numa comunicação relativamente curta. O que se segue é uma lista das mensagens que Erickson dirigiu-me nesta curta anedota: 1) A anedota era uma indução confusa de hipnose. Não fez nenhuma menção à hipnose, mas a anedota com suas referências a principais e menores, confundida de fato. Igualmente fixou minha atenção hipnoticamente. Eu já estudara a indução à confusão de Erickson (Erickson, 1964) e incorporara o uso da indução à confusão na minha técnica. No entanto, a abordagem de Erickson era tão casual e tão fora do comum, que não percebi que ele estava usando a técnica da confusão comigo. 2) A primeira frase de Erickson continha a palavra "choque", que foi enfatizada de forma peculiar. De fato, como Erickson bem o sabia, a visão de todo aquele roxo já não constituía nenhum choque para mim. Eu já estio vera no escritório de Erickson e na casa de hóspedes (que era decorada de roxo) e já me encontrara com Erickson (cuja roupa era toda roxa). Já ultrapassara o choque a toda aquela cor roxa. A ênfase de Erickson na palavra "choque" teve a finalidade de focalizar minha atenção e . alertar meu inconsciente para o choque que já estava acontecendo e para o choque que viria. 3) O comportamento não verbal de Erickson também confundia. Ele não me olhava. Falava comigo olhando para o chão. Eu tinha todo um aprendizado de vida que me dizia: "Quando falar com uma pessoa, olhe para ela." O comportamento não verbal de Erickson rompeu meu padrão habitual. Então, quando ele meu olhou, causou mais um choque e confusão adicionais. Isto teve o efeito de fixar ainda mais meu comportamento e atenção. 4) Um dos efeitos desta comunicação foi o de eu ter amnésia da anedota inteira. Só depois de voltar casa, quando liguei o gravador num seminário de nose que eu estava fazendo, é que ouvi o que fora
uma para hipdito.
Foi então que percebi que Erickson fizera uma indução à confusão de hipnose. Foi um aprendizado experimental maravilhoso para mim, e uma excelente demonstração de minha· própria capacidade de experimentar a amnésia. 5) Havia várias coisas dentro da história que tinham um significado. O conteúdo da história era sobre os alunos formados. Erickson estabeleceu um encontro comigo dentro de meu próprio esquema de referência imediatamente entendido. Estabeleceu algum relacionamento falando de alunos formados, um assunto que eu podia entender e correlacionar bem. 6) A anedota tinha uma mensagem no seu conteúdo imediato. Tinham acontecido algumas coisas inesperadas com os alunos formados, que foram lá para aprender com Ericksono Eu podia relacionar a anedota com minha própria situação. Era possível que sucedessem algumas coisas inesperadas comigo. De fato, já estavam acontecendo algumas coisas inesperadas comigo, sendo a menor delas a de que nunca ninguém se apresentara de forma tão fora do comum, nem me falara de modo tão inusitado. 7) Sobretudo, a anedota era sobre alunos que escolheram a ajuda que Erickson lhes oferecera. De forma paralela, ele estava querendo dizer que eu, como aluno (embora talvez inesperadamente) também escolheria a ajuda e o ensino que ele me oferecia. 8) Havia uma mensagem adicional contida na anedota. Os estudantes tinham vindo para estudar com ele. Em troca, deram-lhe um presente. Erickson nunca me cobrou nada pelos seus ensinamentos, porque, de fato, eu não podia pagar seus honorários. Mas a política de Erickson era a de que, se você podia pagar sua visita, deveria fazê-Io. Se você não tinha os recursos financeiros, ele se recusava a cobrar a hora. No entanto, eu poderia pagar-lhe dando-Ihe um presente. Dei-lhe uma escultura de madeira, que ficou sobre a mesa (como o telefone). Não estou certo de que uma
das "sementes" para eu presenteá-Io já não estivesse contida na anedota. Pode ser que meu presente se devesse parcialmente a um comportamento receptivo. 9) A anedota de Erickson teve o efeito de estrutura do tipo de relacionamento que teríamos. Erickson impediume de falar e de me apresentar. Deixou claro que o re~ lacionamento seria de ordem comp1ementar, onde Erickson falaria e eu seria o unilateralmente inferior, fazendo a parte do ouvinte. 10) Estou certo de que Erickson também estava avaliando minha receptividade. Por meio de sua visão periférica ele observava minha resposta aos conceitos que mencionara. Por exemplo, quando mencionou o telefone roxo, talvez eu tenha, e talvez não, olhado para o telefone roxo sobre a mesa. Por conseguinte, ele captou algo sobre meu estilo de responder às sugestões. 11) Há um aspecto adicional nesta anedota. Em 1980, um psicólogo de Fênix, chamado Don, procurou-me e pediu supervisão individual da abordagem de Erickson sobre terapia. Concordei em atendê-Io e dar-lhe supervisão. Na nossa conversa ele explicou que, em 1972, ele e alguns outros alunos formados tinham procurado Erickson. Em troca de seu tempo, quiseram dar-lhe um telefone roxo. Don explicou que fora muito difícil conseguir um telefone roxo na companhia telefônica, mas que finalmente conseguiram. Subseqüentemente, no decorrer de uma de nossas ses~ sões didáticas individuais, coloquei para pon a gravação de meu encontro inicial com Erickon. Don me explicou que ele e outros três alunos tinham ido lá para aprender a abordagem de Erickson, e que Erickon deralhes supervisão durante os exames preliminares. De fato, dois dos estudantes passaram nos exames e dois fracassaram. A anedota que Erickson me contara era totalmente verídica!
Depois de se apresentar, o caso que Erickson discutiu comigo em seguida foi em exemplo do trabalho inicial de Erickson com um paciente psicótico (relatado por Zeig, no prelo, a). Isto foi bastante eficaz para estabelecer a relação, porque ele estava falando com alguém que era um psicoterapeuta noviço, sobre um exemplo de terapia que ele fizera nos anos trinta, quando ele mesmo estava começando. Além disso, estava discutindo um caso de trabalho com um paciente psicótico e eu trabalhara vários anos com pacientes psicóticos. Erickson usou bastante bem os poucos fatos que sabia a meu respeito. Os dois casos seguintes que Erickson discutiu comigo foram exemplos de pacientes com os quais Erickson não obtivera resultados na terapia. De fato, Erickson não trabalhara muito com nenhum destes dois pacientes. Um deles foi usado como um exemplo de que é bastante errado assumirmos qualquer coisa sobre um paciente. O outro paciente foi usado como exemplo da importância de fazermos um diagnóstico rápido e acurado. No entanto, havia também uma outra mensagem envolvida, Erickson estava falando da importância de entender o fato de que alguns pacientes não são acessíveis à psicoterapia e que não vale a pena investir energia terapêutica nestes paCientes. Esta mensagem adquiriu uma dimensão adicional, considerando-se o fato de que provinha de alguém que era conhecido pelo êxito esmagador na prática da psicoterapia. Estas anedotas de meu encontro inicial com Erickson dão um exemplo de um pouco das comunicações poderosas e complexas que caracterizam o estilo de Erickson. O método de ensino de Erickson era acentuado por sua capacidade de usar uma comunicação a múltiplo nível.
Fazendo uma revisão e resumindo, há várias razões para usarmos as anedotas. Podemos ilustrá-Ias da seguinte maneira:
Certa vez, o Vento Norte e o Sol entraram numa briga para saber qual dos dois seria o mais forte. Relataram seus feitos mais notáveis, e cada um terminou conforme começara: considerando-se o maioral. Nisto, surgiu um viajante e concordou em testar a questão tentando ver qual dos dois conseguiria primeiro fazer com que ele tirasse o capote. O vento Norte, muito fanfarrão, foi o primeiro a tentar, enquanto o Sol espreitava por detrás de uma nuvem cinzenta. Soprou uma rajada violenta e quase arrebatou os fechos do ca· pote, mas o homem apenas apertou mais o casaco contra si, e o velho Boreal gastou em vão o seu esforço. Mortificado pelo fracasso em conseguir algo tão simples, o Vento finalmente retirou-se desesperado, dizendo: "Não acredito que você consi· ga fazê-lo." Então o amável Sol surgiu em todo o seu esplendor espalhando as nuvens que juntara, enviando seus raios mais quentes sobre a cabeça do viajante. O homem olhou para cima com gratidão, mas ficando tonto com o calor súbito, rapidamente atirou seu casaco para o lado e apressou-se em acomodar-se na sombra mais próxima (Stickney, 1915). Em resumo, as anedotas têm os seguintes usos e características: 1) As anedotas não são ameaçadoras. 2) As anedotas são envolventes. 3) As anedotas promovem a independência. O indivíduo necessita extrair um sentido da mensagem, e depois passar para uma ação auto-iniciada. Desta forma, a anedota incentiva um sentido de domínio autodeterminado. O paciente assume o crédito e a responsabilidade pela mudan· ça. A mudança vem de dentro do paciente em vez de ser atribuída à orientação do terapeuta. 4) As anedotas podem ser usadas para vencer a resistência natural à mudança. Podem ser usadas para apre-
sentar diretivas e sugestões de forma a maXlmlzar a possibilidade de serem aceitas. Quando um paciente tem um sintoma, erige suas defesas neuróticas. Através dos usos das anedotas, podemos atingir indiretamente suas defesas. Se o paciente vai seguir sugestões, então não se faz necessário um meio indireto. Em geral, a quantidade de indireção necessário é diretamente proporcional à resistência antecipada. No seu estilo de fazer induções hipnóticas, Erickson parecia mais direto com os sujeitos classicamente mais repectivos. Com os sujeitos mais resistentes, Erickson tendia mais a apresentar as idéias por meio do método anedótico. 5) As anedotas podem ser usadas para controlar o rela~ cionamento. O ouvinte necessita trabalhar para deduzir o sentido da anedota. Quando ouve uma anedota, fica fora de equilíbrio. O ouvinte não pode usar os meios habituais de controlar os relacionamentos quando é forçado a ouvir uma anedota. 6) As anedotas moldam a flexibilidade. Erickson devotava-se à criatividade. Usava as anedotas como meio de exprimir seu interesse na sutileza e na criatividade. Margaret Mead (1977) escreveu que uma das características distintivas de Erickson como pessoa era seu desejo de ser criador. 7) Erickson usava anedotas para criar confusão e promover uma receptividade hipnótica. 8) As anedotas marcam a memória; tornam a idéia apresentada mais memorizáve1.
Usamos melhor as anedotas quando estão mais elaboradas e individualizadas para os respectivos pacientes. Devemos construir as anedotas de forma a nos encontrarmos com o paciente dentro de seu esquema de referência. O melhor uso das ane-
dotas é estabelecer mudanças que sejam consistentes com, e de· corram do próprio comportamento e compreensão do paciente. Desta forma, suscitamos uma cura que estava previamente latente. O melhor uso das anedotas é não burlar os sintomas da pessoa e sim conseguir que ela mude sob seu próprio poder e a seu próprio favor (cL Zeig, no prelo, a). As anedotas têm ainda o efeito de modelar para o paciente uma maneira mais criativa e flexível de estar no mundo. Por isso, os pacientes aprendem experimentalmente que podem confron· tar sua própria rigidez e hábitos limita dores e tornarem-se mais flexíveis e eficientes na sua maneira de viver. Com estas idéias em mente, preste atenção nas suas associações e perceba o efeito que as anedotas didáticas que Erickson apresenta têm sobre você.
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o
seminário
1'*01
G A LV A O
A sessão tem lugar na casa de hóspedes do doutor Erickson, uma casinha de três cômodos, constando de um quarto, uma sala de espera (com uma cozinha anexa) e o escritório do doutor Erickson. As sessões ocorrem na sala de espera, que é maior, devido ao fato de o escritório do doutor Erickson ser muito pequeno para acomodar os grupos, que, algumas vezes, consistem em até quinze pessoas. Há três estantes de livros na sala. A sala de espera está decorada com diplomas, quadros e lembranças. Os alunos sentam-se em círculos, em sofás ou poltronas. À esquerda do lugar onde Erickson senta-se na sua cadeira de rodas, fica uma cadeira estofada de verde, chamada muitas vezes de "a cadeira do sujeito". A senhora Erickson conduz Erickson na sua cadeira de rodas até a sala de espera. Erickson permite que alguns alunos ajustem os microfones na lapela de seu casaco. Depois segura um lápis com uma ponta ornamentada. A ponta consiste de uma cabeça com cabelos de fibra roxa. As fibras ficam nitidamente alinhadas numa forma pontuda no alto do lápis. Enquanto mostra o lápis, Erickson diz para o grupo: "As pessoas vêm aqui assim." Depois rola o lápis vigorosamente entre as palmas, desalinhando as fibras de cabelo, e afirma: "E Sáem daqui assim."
Erickson então indica às pessoas o que devem preencher nas folhas de dados. Pede que escrevam a informação numa folha de papel: a data atual, o nome, endereço, código de zona e o número do telefone, estado civil e número de filhos, educação e grau de instrução, idade e data de nascimento, irmãos com as idades e respectivos sexos, e se foram criados em ambiente urbano ou rural. Erickson aguarda, enquanto as pessoas preenchem as informações solicitadas. Depois lê cuidadosamente cada folha, fazendo comentários para alguns dos participantes. Corrige alguns alunos que não preencheram todas as informações soli· citadas. Começamos a sessão quando Jan, uma psicóloga de Nova Iorque, responde a um comentário do doutor Erickson, afirmando que tivera vários anos de experiência como filha única. Erickson então lhe diz: E: Quanta simpatia sente uma moça de quinze anos por um irmão de sete? Jan: As coisas começaram a mudar depois disso. E: Pobre irmão. Jan: Ele sobreviveu. E: Você não tem irmãos? (O doutor Erickson dirige-se a Anna, uma assistente social da Suíça.) Anna: Tenho sim. Não ouYi claramente o que deveria preencher. O que deseja que eu preencha? E: Irmãos: a idade e o sexo deles. Sande: Alô, doutor Erickson. Eu sou Sande. (Sande é uma terapeuta de Nova Iorque que acaba de entrar na sala.) E: (Cumprimenta Sande com um aceno de cabeça.) Carol, seu grau de instrução e a data. (Carol é uma aluna doutorada em psicologia clínica em Massachusets.) Carol: A data da colação de grau? E: Não. A data de hoje. Seu nome, endereço, número de telefone, código de zona, seu grau de instrução, onde o obteve, seus irmãos e a idade e sexo deles, estado civil, filhos, criação rural ou urbana. Siegfried: Sou Siegfried de Heidelberg, Alemanha. (Siegfried é psicólogo clínico, Ph.D.)
E: Prazer em conhecê-lo. Siegfri Es á bem se eu colocar mais um microfone em você? E: Tudo e m qualquer número desses aparelhos. Siegfried: Obrigado. Sande: Será qu agüenta mais um? E: Tenho uma \' z baixa. Tive pólio duas vezes, minha língua está d ,,1 ada e meus lábios parcialmente paralisados. Só tenho metade do diafragma e não posso falar muito alto. O microfones vão registrar o que eu falo direito, mas vocês podem ter dificuldades de entender minha fala Se não entenderem, digam-me. E depois, outra precaução: todos os que têm dificuldade de audição, sentem-se mais perto. Normalmente as pessoas que têm dificuldades de ouvir são as que sentam mais atrás. (Erickson ri.) Bem, quando ensino psicoterapia, enfatizo um estado de percepção consciente e um estado de percepção inconsciente. A bem da conveniência, falo de uma mente consciente e da mente inconsciente. Ora, a mente consciente é o estado de percepção imediata de vocês: conscientemente vocês percebem a cadeira de rodas, o tapete no chão, as outras pessoas presentes, as luzes, as estantes, as flores de cáctus que crescem à noite, os quadros na parede, o Conde Drácula na parede logo atrás de vocês (o Conde Drágula é uma espécie de couro de cavalo seco pendurado numa das paredes.) Em outras palavras, vocês estão dividindo a atenção entre o que eu digo e tudo o que está ao redor de vocês. A mente inconsciente é formada por todos os aprendizados no decorrer da vida, muitos dos quais vocês já esqueceram completamente, mas que lhes servem no funcionamento automático. Bem, uma parte considerável do comportamento de vocês e"o funcionamento automático destas lembranças esquecidas. Por exemplo ... vou pegar você. (Erickson sorri e dirige-se a Christine, uma médica da Califórnia que tem um forte sotaque alemão.) Você, de que maneira você anda? De que maneira você fica de pé? Queira me dizer, por favor, como é que você fica de pé?
Christine: Provavelmente deslocando meu centro de gravidade e ao mesmo tempo ... E: Bem, como é que move o seu centro de gravidade? Christine: Fazendo vários ajustamentos inconscientes, com cer. teza. E: Bem, e quais são eles? Christine: Acho que não tenho consclencia deles. E: Você acha que poderia caminhar seis quarteirões numa rua sem nenhum tráfego de qualquer tipo, com passadas firo mes? E conseguiria andar em linha reta com passos firmes? Christine: Provavelmente, não exatamente com passadas firmes. E acho que, quanto mais prestasse atenção, menos eu con· seguiria. E: Bem, e como você caminharia pela rua? Christine: Se eu fizesse um esforço? Bem pior do que se não fizesse esforço nenhum. E: O quê? Christine: Bem pior do que se eu não fizer esforço nenhum. E: Como é que você caminharia, naturalmente ... depressa? Christine: Botando um pé na frente do outro e não prestando atenção nisso. E: E você andaria em linha reta? Christine: Não sei. Talvez razoavelmente reta. E: E em que lugar você pararia e descansaria? Christine: Onde fosse apropriado às circunstâncias. E: Bem, isto é o que eu chamo de resposta evasiva. (Erickson ri.) Onde você descansaria e onde pararia? Christine: Se tivesse um sinal vermelho eu pararia. E: Onde? Christine: Numa esquina. E: Não antes de chegar à esquina? Christine: Logo antes da esquina, talvez. E: A que distância da esquina? Christine: Alguns passos, talvez um passo. E: Bem, suponha que, em vez de um sinal luminoso, haja apenas um sinal de parada, e suponha que não haja sinal. Christine: Se houvesse tráfego eu pararia. E: Eu disse que não há tráfego de nenhum tipo.
Christine: Então talvez eu continuasse. E: Bem, digamos que esta é a interseção (Erickson faz o gesto), e se houvesse um sinal luminoso, com você caminhando por aqui; você então olha para cima e depois movimenta a cabeça para ver a que distância está a esquina. E se houvesse um sinal de parada, você diminuiria o passo para vê-Io. E quando hegasse na esquina o que você faria em seguida? Christine: Depois de parar? E: Depois de hegar na esquina. Christine: Eu araria e olharia em volta. E: Olharia em \'01 a para onde? Christine: . -as dire, - s em que eu antecipasse que o tráfego poderia YÍT. E: Eu disse que não havia n nhum tráfego. Christine: Então eu continuaria. Depois olharia pela rua e veri· ficaria o tamanho do passo que eu teria que dar. E: Você tem de parar e ver o tamanho do passo que você tem de dar para descer, e você olha para a direita e para a esquerda e rua acima automaticamente. E quando você chegasse ao outro lado da esquina, pararia e avaliaria a altura da calçada ali e não teria de olhar nem para a direita nem para a esquerda. O que poderia fazer com que você diminuísse o passo? Christine: Tráfego? E: Bem, se você estivesse com fome, você se retardaria ao pas~ar por um restaurante. Depois de olhar para seu colar, você se voltaria para uma joalheria. (Christine ri.) Um homem que goste de caça e pesca se desviaria para uma vitrine de artigos esportivos. E, onde vocês todos parariam? Diante de que prédio? .. Como se vocês estivessem passando por uma barreira invisível? Algum de vocês já tentou passar por uma padaria? A gente sempre diminui o passo quando passa por uma padaria: seja homem, mulher ou criança. (Dirige-se a Christine.) Ora, já que você é uma médica, como foi que aprendeu a ficar de pé? A mesma questão vale para todos vocês.
Sei como vocês aprenderam a ficar de pé. Mas qual foi o primeiro momento do aprendizado? Christine: Fazer o esforço e tentar. E: Você nem sabia o que significava "ficar de pé". Como foi que você aprendeu a ficar de pé? Christine: Talvez por acaso. E: Nem todos têm o mesmo acaso. (Risos) Rosa: Porque queria alcançar alguma coisa. (Rosa é uma terapeuta da Itália.) E: Bem, o que é que você estava querendo alcançar? Rosa: O que eu estava querendo alcançar? E: Não tente responder esta pergunta. Anna: Provavelmente por querer. Por querer fazer da maneira que as outras pessoas fazem. Como um bebezinho querendo alcançar os adultos que estão de pé. E: Sim. Mas como você fez isto? Anna: Fisiologicamente, pressionando meus pés para baixo, imagino ... e depois me ajudando com as mãos. E: (Falando para o grupo, mas olhando para um ponto específico do chão à sua frente.) Eu tive de aprender a ficar de pé duas vezes: uma vez quando bebê e outra vez aos dezoito anos. Eu estava totalmente paralítico aos dezessete anos. Tinha uma irmã bebê. Observava-a a engatinhar e olhava para ver de que maneira ela ficava de pé. Aprendi com minha irmã, dezessete anos mais nova do que eu, como é que se fica de pé. Em primeiro lugar a gente se estica e se empurra para cima. Depois, acidentalmente, mais cedo ou mais tarde (todos nós cometemos o mesmo "acaso"), a gente descobre que colocou algum peso no pé. E descobre que o joelho dobra e você cai sentado. (Erickson ri.) Depois a gente dá um puxão para cima e tenta o outro pé, e o joelho dobra de novo. Leva muito tempo para aprender a distribuir o peso nos pés e manter os joelhos retos. Você tem de aprender a manter seus pés bem separados e nunca cruzá-Ias; porque, se cruzá-Ios, não conseguirá ficar de pé. Tem de aprender a manter os pés tão separados quanto possível. Depois mantém os joelhos retos e seu corpo o trai de novo: você dobra nos quadris.
Depois de algum tempo, depois de muitos esforços, você consegue manter os joelhos retos, os pés separados, as ancas retas, e você se dependura do lado do cercado. A gente tem quatro bases: duas nos pés e duas nas mãos. E então, o que acontece quando a gente levanta este braço? (Erickson levanta a mão esquerda.) A gente cai sentado. É um trabalho aprender a levantar esta mão, e um trabalho maior ainda afastar a mão porque seu corpo tomba nesta dite>ã . (Erickson gesticula para a direita e para a esquerda). E então vai para este lado e para este. E você tem de aprender a manter o equilíbrio independente da maneira m que mova esta mão. E depois tem de aprender a mexer a outra mão. E então tem de aprender a coordená-Ia com o movimento da cabeça, dos ombros e do corpo. E finalmente se levanta com ambas as mãos livres. Agora, como é que yo ê se tran fere de dois pés para um? É um trabalho danado, porque, da primeira vez que você tenta fazê-lo, esquece-se de manter os joelhos e os quadris retos, e cai sentado. Depois de algum tempo, a gente aprende a juntar todo o peso num dos pés e depois mover um pé para diante, e isto altera o nosso centro de gravidade; por isso, caímos sentados. Leva muito tempo para aprender a maneira de colocar um pé adiante. Assim, finalmente damos o primeiro passo, e parece bastante bom. Depois damos o segundo passo com o mesmo pé, e não parece tão bom. Dá o terceiro e cai. Leva bastante tempo para ir para a direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda. Todos vocês podem andar, e no entanto não conhecem os movimentos ou os processos (Erickson dirige-se a Christine.) Bem, você fala alemão, não é? Christine: Sim. E: Foi bem mais fácil aprender inglês do que alemão? Christine: Nem um pouco, foi mais difícil aprender inglês. E: Por quê? Christine: O alemão era natural e veio sem esforço, porque eu ouvia falar. O inglês eu aprendi ... E: Você teve de aprender toda uma nova série de movimentos vocais. Teve de coordená-los com a audição. Poderia dizer: "O pássaro voa alto?"
Christine: o pássaro voa alto. E: Agora repita em alemão. Christine: Der Vogel fliegt hoch. E: Pode dizê-Io em dialeto baixo-alemão? Christine: Não. E: Por quê? Christine: Porque nunca aprendi. Acho que nem mesmo poderia entendê-Io. É muito diferente. E: Conhece isto: "É bom ser Preiss (pronuncia-se como 'price'*), mas é melhor** ser Bayer (pronunciado como 'buyer'***)?" Christine: Acho que não entendo muito bem. E: É bom ser Preiss, mas melhor ser Bayer. Christine: Nunca ouvi isto. E: Eu não falo alemão. Minha pronúncia pode estar errada. É bom ser Prussiano mas é melhor ser Bávaro. (Risada.) Siegfried: Poderia falar mais alto? E: Agora, vou acusá-Ios de falarem muito baixo. Acho que a verdade é que não ouço muito bem. (Erickson ri.) (Erickson fala enquanto olha para baixo.) Muito bem. Na psicoterapia você ensina o paciente a usar a maioria das coisas que eles aprenderam, e aprenderam há muito tempo atrás e não se lembram de ter aprendido. Em seguida, o que quero dizer é que todos nós temos bilhões de células cerebrais. Bilhões e bilhões de células cerebrais. E estas células são altamente especializadas. A gente aprende alemão com um conjunto de células e usa outro conjunto de células cerebrais para aprender inglês e outro conjunto de células para aprender espanhol. A ilustração que posso lhes dar é a seguinte: tive dois pacientes de enfermaria, que eu costumava usar para exemplificar questões para um dos meus alunos médicos. Os dois pacientes tinham uma pequena hemorragia, bem sem importância. Um dos pacientes conseguia dar nome às coisas. * Em inglês: Price=preço, pronuncia-se como Preiss. Em dialeto baixo-alemão: Preiss=Preussen, prussiano. (N. do T.) * * No original inglês: higher. (N. do T.) *** No original inglês: comprador. Em alemão: Bayer=bávaro. (N. do T.)
Mas se você lhe perguntasse o que fazer com estas coisas, ele não sabia. Podia dar nome a uma chave; e à porta, à maçaneta e à fechadura. Sabia o nome de cada coisa mas não conhecia nenhum verbo. O outro paciente não sabia dar nome às coisas, mas conseguia ilustrar o uso delas. Não sabia o nome chave, não conseguia indicar uma fechadura ou uma porta ou uma maçaneta. Se você lhe entregasse uma chave e lhe dissesse: "Abra a porta", ele não sabia do que você estava falando. Mas se lhe mostrasse como colocar a chave na fechadura, ele abria a porta. Se você lhe dissesse: "Gire a maçaneta", ele não sabia do que você estava falando. Mas se lhe mostrasse assim. (Erickson gesticula para indicar o movimento de girar a maçaneta), ele entendia. Se você abria a porta, ele entendia. Em outras palavras, nossas células cerebrais são tão especializadas que temos literalmente uma célula cerebral para cada item de conhecimento, e todas estão em conexão. Bem, outra coisa pata que lhes desejo chamar a atenção, é para a questão da hipnose. Hipnose é cessar de usar nossa percepção consciente; na hipnose começamos a usar a percepão inconsciente. Porque, inconscientemente, sabemos tanto e muito mais do que conscientemente. (Dirige-se a Sande, que está sentada na cadeira verde.) Vou lhe pedir para trocar de lugar com ... (Dirige-se a Christine.) Qual é o seu primeiro nome? Christine: Christine. E: Kristie? Christine: Christine. (Christine passa para a cadeira verde.) E: Joe Barber já colocou você em transe? Christine: Sim. E: Muitas vezes? Christine: Algumas vezes. E: Tudo bem. Recoste-se na cadeira e olhe para aquele cavalo. (Erickson mostra um cavalo de gesso, que está na estante em frente, na sala, para que ela olhe. Christine ajeita sua posição e coloca um bloco de anotações de lado. Suas pernas estão descruzadas, e coloca as mãos sobre as coxas.) Está vendo?
Christine:
Sim.
E: Olhe apenas nesta direção geral. registre o que estou dizendo.
Quero
que você ouça
e
Bem, Christine, olhe apenas para aquele cavalo. (Christine reajusta o bloco de notas e coloca-o de seu lado esquerdo, entre ela e a cadeira.) Não precisa falar. Vou lembrar-lhe algo que você aprendeu há muito tempo atrás. Quando começou a ir à escola e o professor pediu-lhe para apren&r a escrever as letras alfabeto, isto lhe pareceu uma tarefa terrivelmente difícil. Todas aquelas lêfiás. Todos aqueles tamanhos e formas diferentes. E, o que era pior, havia letras maiúsrulas e letras minúscu1ãs.1êhristine pisca devagar.).]: enquanto eu estive falando com você, sua respiração mudou. O ritmo de seu coração mudou. A pressão sangüínea mudou. Seu tônus muscular mudou. Seus reflexos motores mudaram. E agora (Christine fecha os olhos.), gostaria que mantivesseãs olhos fechados, bem cômoda. E, quanto mais confortável se sentir, mais profundamente'--emmã em transe. Gostaria que você entrasse num transe tão profundo que lhe pareca que você não tem mais corpo. Você se sentirá ape~ mente sem corpo. Uma mente flutuando no êSPâÇõ. Flutuando no tempo. E lembranças muito antigas lhe virão à mente. Lembrança;""que você já esqueceu há muito tempo. ~E minha voz seguirá com você por toda parte, e minha vO?...E~de se transformar na voz de seus pais, seu"T professores. ~Pode ser uma voz alemã. ..............Pode ser a voz de seus colegas, seus companheiros de brincadeiras, seu professor. E, em seguida, quero que aprenda algo muito impor4-. tante. Quero que você mantenha o corpo adormecido profundamente, completamente, num transe bem profundo,,~ depois de algum tempo, quero que apenas sua cabeça desperte. Apenas sua cabeça. Seu corpo, dormindo. Acima do pescoço estará acordada. Ora, será difícil fazê-Io, mas você pode conseguir. .,~.-. Pode fazer um esforco maior do que este, ~\,;:tr.~ ~ mesmo que você não queira acordar, você vai acordar do pescoço para cima (Christine abre os olhos.)
Jc;
.s.sY~~~
Como se sente?
Christine: Ótima (Christine sorri. Inicialmente, enquanto fala com Erickson, seu corpll está rígido e sua atenção visual focalizada apenas em Erickson.) E: E que recordações gostaria de partilhar conosco? Christine: A únicâ coisa que experimentei foi o que você estava dizendo. E: Sim... e quanto à escola? Christine: Acho que não ti e uma lembrança da escola. E: Você acha que não se re ordou de nada da sua época escolar? Christine: Poderia contar alguma coisa conscientemente agora, mas não iven iei nada. E: Tem certeza? Christine: (Levantando o olhar.) Acho que sim. E: E você sente que está acordada. Christine: Como você disse, estou acordada do pescoço para cima. (Sorri.) Acho que, se fizesse um esforço, poderia mexer minhas mãos, mas não sinto vontade. E: Uma das coisas importantes que aprendemos ao nascer (Christine olha para a câmera.) é que não sabemos que temos um corpo. Você não sabe que: "Esta é a minha mão (Erickson gesticula com a mão esqu~a.) E este é o
~p~~~
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Você chora quando tem fome (Christine olha para o grupo.) e sua mãe lhe pega no colo, dá palmadinhas na barriga e coloca você de novo no berço. Seu pensamento não está bastante adiantado, mas suas emoções estão. E quando vem a próxima contração de fome (Christine olha para o grupo enquanto sua mão direita sobe devagar.), você diz emocionalmente para si mesma: "Aquele jantar não encheu muito a minha barriga. Sua mãe pega você de novo, e dá palmadinhas nas suas costas, isto lhe causa a impressão de um bom jantar até que uma nova contração de fome lhe ocorre e você reage ao fato de que o pobre do jantar não durou muito tempo." E, algumas vezes, depois que aprendeu a pegar e brincar com um chocalho ou outro brinquedo qualquer, acaba percebendo esta mão. (A mão de Christine pára de se mexer. Está num nível pouco abaixo do ombro.) Parece interes-
sante, e por isso você tenta alcançá-Ia e tem um problema terrível de imaginar por que razão este "brinquedo" se afasta quando você tenta pegá-Io. Um dia por acaso você tenta pegar este "brinquedo" e fica intrigada por que lhe desperta uma sensação de um certo tipo e não uma sensação ... nos seus dois lados. Aqui então você tem a estimulação palmar e dorsal, e é mais fácil aprender isto. Por que é que sua mão está levantada? Christine: Percebi que queria começar a levitar antes de abrir meus olhos. Sei onde ela está. E: Isto aí é que é o importante, ou o importante é que sua mão levitou e você não sabe a razão? Christine: (Sorrindo.) Está certo. Sempre racionalizo porque já aconteceu antes. E: O que quer dizer com isto? Christine: Eu sempre racionalizo e sempre observo este fato porque já aconteceu antes. Normalmente é esta mão que faz isto. E: Bem, e o que faz com que ela levite? Christine: (Balançando a cabeça.) Não sei. E: Há uma boa parte do seu comportamento que você desconhece. Você sempre usa a direção da mão direita e levita até o rosto. (A mão de Christine começa a se mover em direção ao rosto. Logo as costas das mãos tocam o rosto. A palma da mão espalmada para o grupo e o polegar e dedo mínimo estão esticados.) E você sabe que não está fazendo isto, e não pode afastar a mão do seu rosto. E quanto mais tentar afastá-Ia mais ela se grudara no seu rosto. Por isso, tente afastá-Ia. Você não consegue. (Christine sorri.) A única maneira de você conseguir que esta mão desça... (Erickson está com a mão esquerda levantada.) Você é muito receptiva. Eu fiz um movimento com a mão e você começou a copiá-Io. Christine: Desculpe. E: Eu fiz um movimento com a mão. Você começou a imitá-Io. Agora a única maneira de você fazer esta mão descer para o colo é levantar a outra mão e empurrá-Ia para baixo.
Christine: Neste momento estou em tremendo conflito porque acho que posso conseguir, mas estou tentando ser delicada. E não tenho certeza se estou desempenhado um papel, para ser gentil, ou se realmente não conseguiria fazê-Io. E: Eu sei. Você está deixando seu intelecto interferir na sua aprendizagem. Christine: É sempre assim. E: Bem, agora chamo a atenção de todos. Vocês já viram alguém ficar sentado assim, tão parada e quieta? E no início ela não virou a cabeça para me olhar. Virou primeiro os olhos. Normalmen e, quando queremos olhar para alguém, viramos o rosto. (Dirige-se para Christine.) E você virou os olhos. ocê séparou seus olhos da cabeça e do pescoço. Christine: Meu braço está ficando cansado. E: O quê' que é isso? Christine: Meu braço está ficando cansado. E: Estou feliz de ouvir isto. Quando você quiser realmente que sua mão direita desça, sua mão esquerda subirá e empurrará a outra para baixo. E você acha realmente que está acordada, não acha? Christine: (Debilmente) Sim. E: Realmente acha, não? E você realmente não sabe que está adormecida. Por quanto tempo acha que conseguirá manter os olhos abertos? Christine: Não sei. E: Será que agora vão se fechar? (Christine pisca os olhos.) E vão ficar fechados? (Christine fecha os olhos.) E agora você quer racionalizar isto? (Christine abre os olhos.) Christine: Bem que eu queria eliminar esta minha tola mente consciente. Sempre racionaliza tudo. E: Está percebendo o fato de que não pode se levantar? Christine: Não. E: Está começando a duvidar disso? Christine: Hã-hã. E: Será que você não se está comportando como quem tem um bloqueio sacral? Christine: Como o quê? E: Um bloqueio sacral. Uma anestesia sacral.
Christine: Ah, entendo o que você quer dizer. Ah, sim. E: Não se está comportando desta maneira? Christine: Mais ou menos. E: Ela não viu que se mexeu (Erickson aponta para outra mulher.), e nem viu os outros se mexerem. Agora vocês todos entendem o que eu quero dizer quando digo "ver os outros se mexerem". Você está incrivelmente parada, para quem está acordada. (Christine mexe levemente o cotovelo direi· to.) Agora deixe seu braço ficar cada vez mais cansa40 até que você deseje ... (Christine fecha os olhos.) usar sua mão esquerda para abaixá-Io ... (Christine sorri, abre os olhos, levanta a mão esquerda e abaixa suavemente seu braço direito.) Você sente seus braços mais despertos, não? Christine: Nas mãos? Sim. E: Você pode mexê-Ios? Seus dedos, não suas mãos. Christine: É muito esforço. (Sorri.) E: Você pode racionalizar este esforço? A médica aqui é uma anestesiologista e está interessada em hipnose. Então, para produzir um bloqueio sacral numa mulher grávida, eu a colocaria várias vezes num transe como este e nunca mencionaria nada além disso. Diria: "Quando chegar à sala de parto, pense apenas no sexo do bebê, no seu peso, sua aparência e traços. Se ele terá cabelos ou não. Depois, o obstetra que estará encarregado da metade inferior do seu corpo lhe dirá para olhar e ver como é o seu bebê. Ele vai segurá-Io. E você terá um completo bloqueio sacral, uma anestesia total." Quando minha filha, Betty Alice, teve o primeiro filho, a médica estava muito preocupada. Ela era minha aluna. Betty disse para a médica: "Não se preocupe, doutora. A senhora é uma obstetra e conhece o seu trabalho. Na sala de parto a senhora possui a parte inferior do meu corpo, eu só possuo a metade superior." E começou a falar com as enfermeiras e com o pessoal de sala de parto sobre o ensino escolar na Austrália. Daí a algum tempo a médica disse: "Betty Alice, você não quer saber o que é?" E estava segurando um menino. Betty disse: "Oh! É um menino! Passe-o
para mim. Sou como qualquer outra mãe e tenho que contar os dedos dos pés e das mãos dele." Ela devia saber o que estava se passando, com exceção de que ficara falando sobre o ensino escolar na Austrália. Vejo que vocês estão mudando constantemente de posição. (Christine sorri.) (Erickson olha para o chão.) Uma vez eu tive uma paciente, que me procurou para terapia. Ela veio por vários meses. E um dia disse: "Eu vou entrar em transe, doutor Erickson." Enquanto estava em transe disse: "Estou me sentindo tão bem que vou ficar aqui o dia todo." Eu lhe respondi: "Infelizmente há outros pacientes. Você não pode ficar o dia todo." Ao que ela disse: "Não me importo com os outros pacientes." Eu então lhe disse que ganhava minha vida atendendo pacientes. Ao que ela respondeu: "Tudo bem, eu lhe pagarei cada hora. Vou ficar aqui o dia todo." (Erickson olha para Christine.) Como poderia me livrar dela? Disse-lhe para aproveitar o sono e: "Espero que você não tenha de ir ao banheiro." (Dirige-se a Christine.) Seus ombros estão despertando. Christine: O senhor quer que o resto de mim acorde? E: Acho que gostaria de poupar-lhe algum embaraço. (Erickson ri e Christine sorri.) Christine: Eu não sabia o que se esperava que eu fizesse. E: Bem, espero que você não tenha de ir ao banheiro de repente. (Christine ri e mexe a mão.) Agora está mais familiarizada consigo mesma. (Christine ajusta o corpo e as mãos.) Christine: Ê. E: Você não tem que ir ao banheiro. (Risadas.) (Dirigindose ao grupo.) Qual de vocês já entrou em transe? (Dirigese a Caro!.) Você não. (Dirige-se a Siegfried.) Nem você. Bem, doutor, em transe é melhor olhar uma moça bonita do que um homem. Não é esta sua experiência? Siegfried: Poderia repetir? Não entendo direito. E: Uma moça bonita é mais agradável de se olhar. Siegfried: Agora entendi. (Risadas.)
E: (Dirige-se a Carol). Então, quer trocar de lugar com ... (Christine e Carol trocam de lugar.) E, se é que vocês perceberam, eu não pedi nada a Christine. Rosa: O senhor perguntou se alguma vez já estivemos em transe, e ela nunca esteve em transe? Oh, eu nunca estive em transe antes. Pensei que estivesse perguntando outra coisa, por isso é que eu não ... E: (Dirige-se a Christine.) Seu nome é Kristie, não é? / pChristine: Não, é Christine. tA. t)t E: Christine. Eu por acaso lhe pedi para sentar-se ali? Y Christine: Eu pensei que você estava pedindo para trocar de ~ lugar com ela. ri'!' E: Não. Foi a ela que eu pedi. (Indicando Caro!.) I, .fJ Christine: Oh! E o que queria que eu fizesse? \; E: Bem, você já fez. Eu não lhe pedi para acordar. (Risos.) Deixei sua mente consciente assumir. E só perguntei a ela se gostaria de sentar-se ali. Você fez o resto. (Dirigese a Caro!.) Você nunca esteve em transe? (Carol está sentada com os braços descansando nos braços da cadeira.) Carol: Não estou bem certa. (Carol balança a cabeça dizendo 'não'.) Talvez uma vez, talvez não. (Carol ajeita as mãos ligeiramente.) E: Seu nome? Carol: Caro!. E: Caro!. (Erickson levanta a mão esquerda de Carol pelo pulso e deixa-a suspensa catalepticamente. Carol olha para a mão e depois olha para Erickson. Seu pulso está dobrado e os dedos bastante separados.) É hábito seu deixar um homem estranho levantar sua mão e deixá-Ia no ar? (Carol afasta o olhar e depois olha de novo para Erickson.) Carol: Nunca me aconteceu isto antes. (Carol ri.) Mas vou esperar e ver no que vai dar. E: E você acha que está em transe? Carol: Não. E: Tem certeza? Carol: Depois de ver isto, não estou segura. (Carol ri.)
E: Você não está segura. Acha que seus olhos logo vão se fechar? (Neste momento, Carol está olhando para Ericksono Erickson continua a olhar diretamente para ela.) Carol: Não sei. E: Não sabe. Carol: Parece que não. E: Tem certeza que seus olhos não vão fechar e ficar fechados? Carol: Não estou certa. Parece que estão pestanejando. (Sorri.) E: Acha que logo eles vão pestanejar, fechar e ficar fechados? Carol: As chances estão melhorando. (Risos do grupo. CaroI sorri.) E: Você não tem absolutamente nenhuma certeza, tem Carol? Carol: Não. E: Mas está começanciQ a ter certeza de que seus olhos vão se fechar. (Os olhos de Carol piscam.) Logo, logo ... e vão ficar fechados. (Os olhos de Carol se fecham.) Em psicoterapia, o terapeuta deve saber que o cliente sabe mais sobre seus próprios conhecimentos do que a gente jamais saberá. A gente não sabe como adormece. Não sabe como perde a consciência, a percepção consciente. Por isso, quando um paciente me procura, sinto todas as dúvidas possíveis, duvido na direção certa. O paciente duvida na direção errada. (Erickson dirige-se a CaroI enquanto movimenta o braço dela devagar, em direção ao colo.) Está cada vez mais agradável. E você vai entrar num sono tão profundo que vai parecer-lhe que não tem mais corpo nenhum. ,Y"ailhe parecer que você só tem a mente, o intelecto, flutuando no espaço, no tempo. ~ você seja uma menina brincando em casa, ou ~ uma menina na escola. Gostaria que você deixasse surgirem várias lembranças que já esqueceu há muito tempo. Quero que você ~ sentimentos de uma menininha. Todos os sentimentos. E pode escolher, depois, qualquer dos sentimentos que~, para nos contar. Você.J?QSieestar jogando no pátio da escola. Ou pode estar comendo seu lanche, ou.l?Q.ie estar interessadãIíã roupa da sua professora,.! no que vê no quadro negro, ou
em gravuras num livro ilustrado, coisas que você esqueceu há muito tempo atrás. E o ano não é 1979, é outro muito distante. Não é nem mesmo 1977. Não é nem mesmo 1970. E~ sei se é 1959 ou 1960. Não sei se você está olhando para uma árvore de Natal ou uma igreja, ou se está brincando com um cachorro ou um gato. Depois de algum tempo vai acordar e vai nos falar da menininha chamada CaroI. E seja realmente esta linda menininha, Carol, no ano de 1959 ou 1960. Talvez imagine o que será quando crescer. Gostaria que você tivesse a experiência de ~ seu corpo adormecer profundamente enguanto desperta só do pescoço para cima. (Erickson aguarda um momento. Então Carol volta a cabeça para ele.) E: Oi. (Erickson olha diretamente para CaroI. Durante a maior parte do tempo da indução, Erickson ficou olhando para o chão diante de CaroI.) O que você gostaria de me dizer? Carol: Você parece um bom homem. (A voz de Carol parece jovem.) E: Pareço? Carol: Rã-hã. E: Obrigado. Onde estávamos? Carol: Acho que num parque. (Enquanto fala, a atenção de Carol está focalizada em Erickson.) E: Num pequeno parque. O que você vai ser quando crescer? Carol: Não sei, está muito longe. E: Está muito longe. O que você gostaria de fazer agora? Carol: Brincar. E: E que tipo de brincadeira? Carol: Amarelinha. E: Amarelinha. Onde você mora? Perto deste parque? Carol: Não. E: Onde? Carol: Moro bem longe. Só estou aqui de visita. E: E onde é que você mora? Carol: Em Reading. E: Onde fica?
Carol: Pensilvânia. (Com voz cadenciada.) Quantos anos você tem? Carol: Cinco. E: Você tem cinco anos. Carol: Talvez três, acho. Ou quatro. E: Três ou quatro. E o que é que você mais gosta neste parque? Carol: Bem, gosto de vir aqui com meu avô e de olhar seus amigos. E: Você gostaria que estivessem aqui agora? Carol: Não. E: E há muitas árvores? Carol: Árvores, bancos e uma loja. E: Tem gente em volta? Carol: Antes? E: Agora. Carol: Agora? Sim. Hã-hã. E: Quem são? Carol: Profissionais. E: Você só tem três ou quatro anos de idade. Onde aprendeu a dizer uma palavra tão importante como "profissional"? (Carol sorri.) Carol: Bem, eu sei a diferença entre antes e agora. E: Como se sente agora que não pode se levantar? Carol: Não percebi que não podia me levantar. E: Agora percebe. Carol: Muito estranho. E: É. Você gostaria que eu lhe contasse um segredo? Carol: Adoraria. E: Bem, todas as pessoas aqui pararam de ouvir os sons do tráfego. (Erickson ri.) E nem uma vez eu lhes disse para ficarem surdas. E de repente começaram a ouvir barulho de trânsito. E quantos de vocês estão em transe? (Várias pessoas estão com os olhos fechados.) Se olhar em volta vai ver um bocado de imobilidade. (Dirige-se a Carol.) Feche os olhos (Carol fecha os olhos.) Apenas feche. E goze de um sono bem profundo ... num tra~ bem agradável, e (Erickson dirige-se aos demais) vocês também, vocês também. Fechem os olhos
agora. Completamente, agora. ..
entrem num transe profundo pois vocês têm bilhões de células cerebrais que funcionarão e vocês vão aprender tudo o que há para aprender. Quando eu ensinava para residentes em psiquiatria, eu dava a cada um deles um livro para estudarem em casa. Dizia-Ihes: "Um dia desses, daqui a uns três ou quatro meses, vou fazer uma reunião com todos vocês. É melhor que cada um tenha lido o seu livro e esteja pronto para me dar uma visão geral do mesmo." E eles sabiam que eu estava falando sério. Ora, alguns dos residentes eram bons sujeitos hipnóticos, e cerca de uns meses depois, eu os reuni na sala de reuniões e disse-Ihes: "Lembram-se ... eu indiquei alguns livros para que vocês fizessem um estudo? Agora chegou a hora da análise. Os que não eram sujeitos hipnóticos estavam satisfeitos pois sabiam que já tinham lido o livro que eu designara. E um deles apresentou o seu trabalho sobre o livro. Os residentes que eram bons sujeitos hipnóticos ficaram aflitos e infelizes: "Sinto muito, doutor Erickson, mas esqueci de ler o livro." Então eu lhes disse: "Não aceito desculpas. Vocês receberam um livro para ler e eu lhes disse que tivessem uma análise pronta em três ou quatro meses, e vocês me dizem que não leram. Sabem o título e o nome do autor?" Diziam-me o título e o autor e pediam desculpas novamente. E eu prossegui: "Peguem papel e caneta e cada um resuma o que acha que o autor deveria ter incluído no terceiro capítulo; resumam o que acham que ele deveria ter colocado no sétimo e no nono capítulos." Eles olhavam atônitos e diziam: "Mas como podemos saber isso?" Respondi: "Bem, vocês sabem o nome e o título do livro. Isto basta. Sentem-se e cada um vai resumir estes três captíulos." Sentaram-se e começaram a escrever: "Acho que no capítulo três, o autor deveria discutir, a, b, c, d, e, f, g, e toda uma série de coisas. No capítulo sete, acho que o autor discutiu ... " Então peguei os livros e disse-Ihes para ler o capítulo três e olharem o próprio relatório escrito: "Como é que eu sabia disto?", disseram. Eles tinham lido os livros num transe
hipnótico e não se lembravam disso. Mas fizeram uma análise muito melhor, saída da própria cabeça. Não se lembravam de ter lido o livro. Depois de isto acontecer umas duas vezes, não tinham mais medo quando entravam na sala de reuniões para fazer um seminário sobre os livros. Sabiam que tinham lido. (Erickson ri e olha para Caro!.) E agora Carol, eu gostaria que você despertasse totalmente. Suavemente, agradavelmente. O que você acha do Conde Drácula dependurado ali? (Erickson aponta.) Durante o dia é ali que ele mora. Mas de noite ele volta a viver e se alimenta de sangue. (Carol sorri.) Agora, todos vocês viram o Conde Drácula. Como vocês vêem, desta forma ele não precisa de caixão e nino guém suspeita quem seja ele. (Carol mexe os braços.) (Erickson dirige-se a Carol). "Gostaria que eu lesse sua mão?" Carol: Sim. E: (Erickson olha para a palma da mão de Caro!.) Veja esta linha: "Você vê as letras 'R, e, a, d, i, n, g?'" É o nome de um parque. Carol: Nome do quê? E: Nome de um parque. Carol: Parque. E: Na Pensilvânia. Vê seu avô aqui? Você gosta realmente de ir neste parque em Reading, na Pensilvânia? Como vou indo na leitura da mão? Carol: O quê? E: Como estou indo na leitura da mão? Carol: Não vai ma!. (Carol ri e deixa a mão cair.) E: E agora. o. por que eu falei sobre o Conde Drácula? Por que eu falei sobre o Conde Drácula com você? O Conde Drácula tem um certo atrativo para a infância. Siegfried: Tem o quê? E: Atrativo, um interesse para as crianças. Anna: Atrativo para o quê? Siegfried: Uma influência sobre as crianças? E: Não. Um interesse. Siegfried: Um interesse.
E: (Dirigindo-se ao grupo.) Por isso estou dizendo algo em que as crianças pensam. E a leitura de mão é outra coisa útil. E o fato do Conde Drácula estar muito longe de Reading Park permitiu a amnésia e dirigiu a atenção dela desta cadeira para o Parque Reading, para a infância, o passado, e eu lhe disse para ter uma amnésia. (Dirige-se a Carol.) De que estou falando? Carol: Não consegui acompanhar muito bem. (Ri.) E: Bem, ela não conseguiu acompanhar muito bem. (Ri.) E todos vocês tiveram pais e professores que lhes ensinaram: "Olhe para mim quando falo com você e olhe para mim quando falar comigo." E ela vem aqui, me ouve e eu evoquei um padrão de comportamento característico de há muito tempo atrás. (Dirige-se a Christine.) Ela não conseguiu me acompanhar mesmo quando eu estava falando dela. (Dirige-se a Carol.) Quando foi que você saiu daquele lugar na Pensilvânia onde ficava o Reading Park? Carol: Depois da escola secundária. E: Bem, como é que eu sabia que você e seu avô iam ao Reading Park? Carol: (Sussurrando.) Eu lhe disse. E: (Interpondo-se.) Ele ia, não ia? E você gostava de olhar para seus amigos. Há qualquer outro segredo íntimo que você não quer que eu saiba? (Risadas.) Em terapia, o paciente de fato faz a terapia, você só cria um clima favorável. Depois deixa que eles tragam as coisas que reprimiram e as coisas que esqueceram por uma ou outra razão. Não é engraçado como o barulho do trânsito parou de novo? (Erickson sorriu.) Agora vocês estão ouvindo de novo. Tudo bem. Bem, nós nos movimentamos em três direções diferentes. Pode ser intelectualmente, pode ser emocionalmente, e podemos mover-nos de forma motora, movendo-nos de forma motora, movendo-nos ao redor. Alguns se mexem mais do que outros. Ora, a capacidade de movimentar-se de um lugar para outro. .. Um urso polar pode viver no Ártico. Os animais têm suas limitações.
Vivem acima do nível do mar, ou no deserto, na floresta tropical. Nós podemos viver em qualquer lugar. Esta é uma característica do animal humano. Temos uma vida afetiva, nossa vida emocional, e temos nossa vida cognitiva ou vida intelectual. E, desde o início, fomos ensinados a enfatizar nossa inteligência, como se isto fosse o realmente importante. Mas o impor. tante é a pessoa em todos estes níveis. Ora, um ano destes eu estava ensinando hipnose para ,dentistas, médicos e psicólogos no Phoênix College. Eu ensinava à noite, das sete às dez e meia. As pessoas vinham de Yuma, Flagstaff, Mesa e Fênix. Depois da aula 'iam para casa. No primeiro semestre em que dei aulas, ,havia uma psicóloga de Flagstaff chamada Mary. Na primeira aula, logo que comecei a lição, ela entrou imediatamente num profundo transe. Eu a despertei e ela disse que nunca estudara hipnose, nem fora sujeito hipnótico, e ficou surpresa de ter entrado em transe. Ela estava na casa dos trinta. Era candidata ao Doutorado com Ph.D. em Psicologia. Eu a despertei e disse-lhe para ficar acor.dada. Iniciei a aula. Ela entrou em transe rapidamente. Um transe profundo. Despertei-a e disse-lhe para "ficar acor· ,dada". Mas, logo que iniciei a aula, ela entrou num tran'se profundo. Por isso desisti de tentar acordá-Ia. Bem, no meio do semestre, achei que poderia usá-Ia como sujeito ,de demonstração, por isso disse a Mary para sair do transe profundo e trazer com ela algumas recordações da in"fância. Mary despertou e disse que a única coisa que con· 'segui lembrar da infância eram pedaços de bambu e mangas borboletas. Repetiu o curso no semestre seguinte e, de novo, entrou em um transe; e permaneceu em transe durante todas as aulas. Repetiu o curso pela terceira vez. Pensei então: "Bem, como não posso conseguir nada nela, vou criar uma situação em que Mary possa nos ensinar realmente bastante. Disse-lhe: "Mary, quero que você entre em transe, num transe muito profundo." Primeiro expliqueilhe que vivemos intelectualmente, emocionalmente e por
meio de movimentos. Disse-lhe para "entrar num transe~ num transe muito profundo e encontrar alguma emoção. Uma emoção cujo significado você não ousa conhecer". Disse-lhe que seria uma emoção muito forte e que ela a colocaria para fora. "E nenhum conhecimento, nenhuma compreensão intelectual, apenas deixe surgir a emoção, e apenas a emoção." Mary despertou, sentada muito rígida e agarrada aos, braços da cadeira. Estava transpirando. O suor escorrialhe pelo rosto e pingava do queixo e do nariz. Estava pálida. Perguntei-lhe: "Qual é o problema, Mary?" Ela respondeu: "Estou apavorada." Mas só mexia com o globo, ocular. Não mexia nenhuma outra parte do corpo, exceto, é claro, os órgãos da fala. "Estou terrivelmente assustada, terrivelmente assustada!" E estava pálida. Perguntei-lhe se podia segurar minha mão e ela respondeu que "sim". Perguntei-lhe se seguraria minha mão e ela. disse que "não". Perguntei-lhe qual a razão. Respondeu: "Estou terrivelmente assustada." Convidei o resto da sala a olhar e falar com Mary. Alguns se sentiram mal vendo-a tão assustada. E Mary estava realmente assustada. A classe podia ver o suor escorrendo-lhe pelo rosto, pingando, a palidez e a limitação dos; movimentos dos olhos. E ela falava pelo canto da boca. Agarrava-se com muita rigidez aos braços da cadeira. Respirava devagar e com muito cuidado. E quando toda a classe se satisfez por Mary ter saído de um transe de emoção tão forte, eu lhe disse: "Mary, entre de novo em transe, de modo profundo e traga o lado, intelectual." E Mary despertou, enxugou o rosto e disse: "Estou tão feliz que isto tenha acontecido há trinta anos atrás." E, é claro que todos estávamos interessados no que ocorrera há trinta anos atrás. Ela então contou: "Nós vivíamos numa encosta da mon-· tanha e havia um desfiladeiro, uma fenda, no lado da montanha, e minha mãe sempre me avisava para não che-· gar perto do precipício. Uma manhã fui brincar, esquecendo-me da advertência de minha mãe, perambulei ali
perto do desfiladeiro e vi que havia um cano de ferro atravessando o precipício. O cano tinha uns quarenta centímetros de diâmetro. Esqueci tudo que minha mãe me dissera e achei que seria uma ótima idéia se eu me agachasse sobre as mãos e joelhos, fixasse os olhos no cano e atravessasse todo o desfiladeiro engatinhando pelo tubo. Quando pensei que já estava quase lá, tirei meus olhos do cano e olhei para cima para ver quanto faltava para chegar ao outro lado. Quando fiz isto, vi a enorme profundidade do desfiladeiro. Era horrivelmente fundo. E eu estava apenas no meio do caminho e gelei de terror. Fiquei paralisada uma meia hora e imaginei como faria para sair daquela enrascada; finalmente percebi como deveria fazer. Com muito cuidado, mantendo os olhos no cano, engatinhei para trás até que meus pés tocaram o solo firme. Então me virei, corri e me escondi atrás de um bambuzal, e fiquei ali muito tempo. Eu disse então: "Qual é o resto da história, Mary?" E ela disse: "Essa é toda a história. Não há mais nada." Prossegui: "Há mais alguma coisa?" Mary respondeu: "Não posso me lembrar." Eu lhe disse: "Na próxima aula, traga o capítulo seguinte." Na aula seguinte, Mary chegou muito ruborizada. Disse: "É embaraçante dizer isto. Quando voltei para Flagstaff já passava de uma da madrugada. Atravessei a cidade. Despertei minha mãe e contei-lhe como tinha subido naquele cano de ferro que atravessava o desfiladeiro, e se ela iria me bater por isso." Ela respondeu: "Não vou lhe bater por algo que você fez há trinta anos atrás." E Mary prosseguiu: "Quando tentei dormir, meu traseiro doeu a noite inteira, e ainda está doendo. Eu queria que ela me desse aquela surra e mamãe não me bateu. Preferia que o fizesse. Meu traseiro está doendo!" Eu lhe disse: "Algo mais, Mary?" Ao que ela respondeu: "Não há mais nada." Respondi: "Tudo bem." Na aula seguinte, Mary apareceu e disse: "Meu traseiro não dói mais, e esta é a única outra coisa que tenho a contar." Ao que eu lhe disse: "Não, Mary. Você pode
nos contar a parte seguinte da história." Mary continuou: "Não me lembro de mais nenhuma parte." Eu lhe disse então: "Vou lhe fazer uma pergunta e, depois, então, você poderá nos contar a parte seguinte." Mary disse: "Que pergunta você pode me fazer?" Respondi: "Muito simples. Como é que você explicou à sua mãe o atraso para o almoço?" Mary exclamou: "Ora, isto!? Eu estava atrasada para o almoço e contei que um bando de bandidos tinha me capturado e me trancara numa grande caverna com uma porta grossa de madeira, e que eu levara horas e horas para derrubar a porta com minhas mãos. E como eu sabia que minhas mãos não estavam sangrando, coloquei-as debaixo da mesa. E desejava que minha mãe acreditasse na história. Desejava desesperadamente. Ela só parecia levemente divertida com o fato de que um bando de bandidos tivesse me trancado numa caverna." Eu disse: "Algo mais?" Mary respondeu: "Não, isto é tudo." Disse-lhe então: "Tudo bem, traga o próximo capítulo no encontro seguinte: "Mary disse: "Não há mais nada a contar." Acrescentei: "Oh, há sim." Mary veio na aula seguinte e disse: "Pensei e repensei e não há mais nada a contar." Bem, disse eu, vou ter de fazer-lhe novamente uma outra pergunta. Diga-me agora, Mary: Quando você entrou em casa, entrou pela porta da frente ou pela porta de trás?" Mary enrubesceu e respondeu: "Deslizei pela porta dos fundos sentindo-me muito culpada." Ela então se aprumou e disse: "Agora sei mais alguma coisa sobre isto. Logo depois de minha escapada pelo desfiladeiro, minha mãe teve um ataque de coração e foi levada para o hospital e havia um biombo de bambu colocado em volta da cama. Fiquei ali sentada, olhando para minha mãe, na cama, e sabia que minha tentativa de atravessar aquele desfiladeiro levara-a a ter um ataque de coração, e que eu era culpada de matar minha mãe. Senti uma culpa terrível, uma culpa terrível, terrível. Fico pensando se é por isso que venho elaborando meu doutorado em Psicologia numa espécie de busca desesperada desta lembrança profundamente reprimida."
Perguntei: "Há algo mais, Mary?" Ela respondeu que não. Na aula seguinte Mary disse: "Doutor Erickson, há outra parte da história. Quando voltei para Flagstaff, senti tanta culpa de ter causado o ataque de coração de minha mãe, que tive de contar-lhe sobre a culpa que eu sentira por tudo: o desfiladeiro e o cano de ferro, e de quando ela voltara do hospital. Já passava de uma da madrugada e atravessei a cidade, acordei minha mãe e contei-lhe tudo." Ela disse: "Sabe, Mary, eu estava sempre tirando fotos suas quando você era criança. Vamos ao sótão pegar aquela caixa de papelão onde guardo as fotos, sempre quis colocá-Ias em ordem num álbum." Foram ao sótão e aqui está a foto de Mary pequenina usando mangas bufantes e de pé ao lado de uma moita de bambu. (Erickson mostrou a foto a Carol, que a olhou e passou à pessoa à esquerda.) Bem, quando os pacientes têm lembranças muito reprimidas isto não quer dizer que não as tenham. Algumas vezes a melhor maneira de desencavar estas terríveis lembranças é fazer com que eles exprimam a emoção ou a parte intelectual, ou a parte motora. Porque só as emoções não narram a história. E a parte intelectual sozinha é como ler um livro de contos e as relações da memória não querem dizer absolutamente nada. Assim, Mary me deu aquela foto, e disse: "Entrei para a Psicologia num esforço para desvendar aquela lembrança. Não estou interessada em Psicologia. Sou casada. Tenho um marido feliz, um lar feliz e filhos felizes. Não quero um Ph.D." Até a idade de quase trinta e sete anos ela fora governada durante trinta anos por aquela emoção profundamente reprimida. Quando fizeram psicoterapia, tentem desenterrar tudo ao mesmo tempo. Extraiam a coisa certa quando se trata de uma repressão profunda. Bem, a mulher de um dentista pediu-me para colocá-Ia em transe e fazê-Ia regredír
ao começo da infância. Pedi-lhe: "Sugira-me que ano ou que evento." Disse-me: "Por que não me fazer regredir ao meu terceiro aniversário?" Fiz com que ela regredisse no tempo até ela dizer que estava com três anos. Estava na sua festa de aniversário e perguntei-lhe tudo sobre a mesma. Falou do bolo de aniversário, de seus amiguinhos e contou-me que estava usando um vestido com appliqués e montando um cavalo no pátio. Quando despertou do transe e ouviu a gravação que registrara seu terceiro aniversário, riu e disse: "Não é uma recordação de fato." Nenhuma criança de três anos conhece a palavra appliqué e certamente eu não a conhecia quando tinha três anos. Quanto a montar a cavalo no pátio, nosso pátio era tão pequeno que não caberia um cavalo. Isto foi pura fantasia." Cerca de um mês depois, visitou a mãe e esta lhe disse: ".É claro que você conhecia a palavra appliqué quando tinha três anos. Eu fazia todos os seus vestidos, e cada vestido que eu fazia tinha appliqué. Agora vamos ao sótão. Tirei fotos suas em cada aniversário, e muitas mais." Finalmente desenterraram a foto de quando ela fizera três anos, vestindo um vestido de appliqués, e montando um cavalo no pátio. Encontraram as fotos e a mulher do dentista mandou fazer uma cópias dos intantâneos e me deu (Erickson mostra-as ao grupo.) Aí está o vestido com appliqué e aí está o cavalo dela. Mas, sendo adultos, tanto ela quanto eu ouvimos a palavra horsey achando que queria dizer horse (cavalo). Ela tinha um triciclo que parecia um cavalo. (Erickson ri.) E estava montando seu horsey no pátio. (Erickson ri.) E apesar de sua convicção adulta, uma criança de três anos de fato conhece a palavra appliqué. Aqui está a prova de que uma criança de três anos de fato sabe o que é um vestido com appliqué. Quando um paciente falar com você na linguagem dele, não transponha para a sua linguagem. A mente desta senhora, aos três anos de idade, lembrava-se de um horsey, e, como adultos, traduzimos a palavra como "cava-
10". Por isso, aconselho-os a que, quando estiverem ouvin-
do um paciente, nunca pensem que o entenderam, porque estão ouvindo com seus próprios ouvidos e pensando com seu próprio vocabulário. O vocabulário do paciente é algo totalmente diferente. Para uma criança de três anos de idade, um horsey é um horsey, e, para uma pessoa de sessenta anos, um horsey é um cavalo (horse). Que horas são, por favor? Stu: Duas e cinco. (Stu é um psicanalista do Arizona.) E: Agora, vou lhes mostrar dois casos. Acho que vou apresentar dois. O primeiro lhes mostrará o quanto o terapeuta é pouco importante. Um jovem advogado de Wisconsin veio ao meu consultório numa tarde de quarta-feira. Disse-me: "Tenho um escritório de advocacia em Wisconsin. Minha esposa e eu não gostamos do clima de Wisconsin. Queremos mudár para o Arizona e começar uma família aqui. Por isso prestei um exame no foro judicial do Arizona. Fiz o exame cinco vezes e fracassei nas cinco vezes. Tenho uma boa prática de direito em Wisconsin, e por cinco vezes fracassei no exame do foro do Arizona. E amanhã de manhã cedo devo ir a Tucson para tentar o exame de novo." Assim, ele veio na tarde de quarta, na manhã seguinte partia para Tucson onde falhara cinco vezes no exame: "E mesmo assim você e sua esposa querem se mudar para o Arizona e começar uma família lá? Respondeu: "Isto mesmo." Eu lhe disse: "Bem, eu não conheço nada sobre as leis do Arizona; sou apenas um psiquiatra e não conheço Direito. Mas, de fato, sei como são efetuados os exames do foro judicial. Sei que os advogados que procuram uma licença legal reúnem-se num certo prédio em Tucson. Ê um exame experimental. As questões são mimeografadas, e há bastantes questões e publicações oficiais (Livro Azul). Cada candidato pega uma cópia das questões e alguns livros azuis, procuram um lugar confortável, sentam-se e escrevem durante o dia todo, de nove da manhã até as cinco da tarde. E depois, na sexta-feira, recomeçam da mesma maneira às nove, e acabam às cinco. No sábado rece-
bem nova sene de perguntas e escrevem até às cinco horas. Então o exame está completo. Cada dia é um teste e cada dia há uma série diferente de perguntas." Então, coloquei-o em transe profundo e disse-lhe: "Você tem de ir a Tucson amanhã de manhã e dirá que você e sua esposa querem se mudar para o Arizona, que você gosta do Arizona e que não gosta de Wisconsin. Por isso, quando você estiver dirigindo para Tucson, que está a bem mais de cento e cinqüenta milhas, partirá bem cedo de manhã, e vai observar o panorama à direita e à esquerda da rodovia. Você vai apreciar o panorama do Arizona por todo o caminho até Tucson. (As novas estradas agora têm cento e vinte milhas.) Você vai apreciar o panorama à luz da manhã." "Quando chegar a Tucson irá procurar, distraidamente, um parque de estacionamento e estacionará seu carro. Olhará em volta e verá um prédio. Vai imaginar que prédio é aquele e mesmo assim entrará nele. Verá muitas pessoas, jovens e velhas, homens e mulheres. Não vão interessá-Io de fato. Verá um monte de folhas mimeografadas com perguntas, e vai pegar uma da pilha e também uma publicação oficial (Livro Azul). Procure uma cadeira ou um lugar confortáve1." "Vai ler todas as questões e vão lhe parecer sem sentido. Então lerá a primeira questão pela segunda vez, que começará fazer um pouco de sentido. Assim, um pouco de informação passará de sua caneta para o livro azu1. E antes que este pouco chegue a secar, você lerá a segunda questão. E fará um pouco de sentido para você e uma certa quantidade de informações sairá de sua caneta e passará para o pape1. Seguindo-se mais um pouquinho e ainda mais um pouco. E, finalmente, esta parte secará. Você passará para a pergunta seguinte, assim como para todas as perguntas." "E nesta noite você vai caminhar por Tucson e admirar o panorama, de perto e de longe. Terá bom apetite e gostará da comida que comer. Vai fazer um passeio a pé antes de dormir. E apreciar o céu azul do Arizona. Ir!
para a cama e dormirá profundamente. Despertará sentindo-se revigorado. Vai tomar um bom café da manhã. Depois vai andar pelo prédio dos exames, repetindo-se o dia anterior, uma repetição da quinta-feira." "E na tarde de sexta-feira vai caminhar por Tucson, abrir o apetite, apreciar o panorama de perto e de longe e terá um magnífico jantar. Irá fazer outra caminhada,. apreciar o céu azul, as montanhas que circundam Tucson, irá para a cama e dormirá profundamente." "A mesma coisa sucederá no sábado." Cerca de um ano depois, uma senhora em adiantado estado de gravidez entrou no meu consultório. Disse-me seu nome e eu reconheci o sobrenome do advogado. Disseme: "Estou a caminho do hospital para ter um bebê. Depois do que o senhor fez pelo meu marido, eu gostaria de ter um parto hipnótico." Assim, eu gentilmente mostrei a vantagem de se ter um pouco mais de tempo. Disse-lhe para entrar em transe. Entrou num ótimo transe e eu lhe disse: "Vá para o hospital, coopere de todas as maneiras, com exceção de explicar que não deseja nenhum remédio e de que não tomará nenhuma anestesia. Explique que só deseja ir para a sala de parto ter o seu bebê. E enquanto estiver na mesa de parto, pense no bebê. Vai ser menino ou menina? Quantos quilos terá? Qual será o seu tamanho? Qual será a cor dos cabelos, ou será careca? E de que cor serão os seus olhos? E se a senhora lhe dará realmente o nome que escolheu com seu marido. E enquanto estiver deitada esperando seu filho, goze de todos os pensamentos a respeito de ter um filho. E espere pacientemente e com alegria ouvir seu primeiro choro. Pense como a senhora e seu marido serão felizes, e como é bom viver no Arizona." Ela estava se deliciando com seus pensamentos quando ouviu, de repente, o obstetra dizer: "Senhora X, aqui está seu filho." E estava segurando um menino. Dois anos depois ela veio ao meu c0nsultório e disse: "Lembrei-me do que o senhor disse quanto a ter mais tem-
po. Não vou para o hospital nos proxlmos três dias. Gostaria de ter outro parto hipnótico." Eu lhe disse: "Muito bem, feche os olhos. Entre em um transe profundo e repita o que você fez na primeira vez." Despertei-a e ela saiu. Na vez anterior ela me falara da maneira como o marido voltara para casa, dirigindo no sábado à tarde de modo a poder ver o panorama do Arizona do ponto de vista oposto. Viu-o quando ia para lá e foi possível vê-lo no caminho de volta. (Erickson ri.) Siegfried: Por favor, repita a última frase. Não consegui entender. E: Quando o marido dela terminou o exame de Direito naquela tarde, voltou para poder ver o panorama do Arizona de um outro ponto de vista. Viu-o à luz do entardecer. E não achou necessário me contar que passara no exame. Porque minha atitude com os pacientes é a seguinte: Você vai realizar seu objetivo, sua meta. Tenho muita confiança. Aparento confiança. Ajo com confiança. Falo com confiança e meus pacientes tendem a acreditar em mim. Muitos terapeutas dizem assim: "Espero poder ajudá10." Com isto expressam uma dúvida. Eu não tive nenhuma dúvida quando lhe disse para entrar em transe. Não tive dúvidas a respeito dela (Erickson aponta para as duas mulheres sentadas no sofá.) Estava extremamente confiante, um bom terapeuta deve ser extremamente confiante. (Erickson olha para o chão.) Bem, depois do primeiro bebê, o advogado veio me ver e disse: "Foi muito amável o que o senhor fez por minha esposa. Realmente apreciamos o parto do menino. Mas algo está me perturbando. Quando meu avô por parte de pai tinha a minha idade, teve um problema nas costas que o incomodou e atrapalhou a vida toda. Sofria de uma dor crônica nas costas. E seu irmão teve este tipo de dor nas costas a vida toda, começando mais ou menos na minha idade. Meu pai, quando tinha a minha idade, teve uma dor crônica nas costas. Isto preju-
dica seu trabalho, e meu irmão mais velho, quando chegou à minha idade, começou a sentir uma dor crônica nas costas. E agora eu estou começando a ter uma dor nas costas." Eu lhe disse na ocasião: "Muito bem. Vou cuidar disso. Entre em um transe profundo." Quando estava em profundo transe eu lhe disse: "Se sua dor nas costas é de origem crônica, ou se há algo de errado na espinha, nada que eu disser ajudará. Mas se for psicológica ou um padrão psicossomático que você aprendeu de seu avô, de seu tio-avô, de seu irmão, então você pode saber que não precisa desta dor nas costas. É apenas um padrão psicossomático de comportamento." E, nove anos depois, ele voltou· a mim; e disse: "Lembra-se daquela dor nas costas que você tratou? Nunca mais~ a tive até algumas semanas atrás, quando minhas costas começaram a ficar: um tanto fracas. Fiquei com medo de todas, as dores de costas que meu tio-avô, meu avô, pai e irmão tiveram, e agora minhas costas estão um tanto enfraquecidas." Disse-lhe então: "Nove anos é muito tempo. Não estou apto a fazer um raio-X seu, nem o tipo de exame físico que gostaria. Vou mandá-Io a um amigo meu e ele me informará .dos resultados e recomendações." Meu amigo Frank disse ao advogado: "O senhor exerce Direito, Direito Comercial. Senta-se à escrivaninha o dia todo. Não faz bastante exercício. Tenho aqui alguns exercícios que quero que o senhor faça para ter uma boa saúde gerql, e o senhor não terá mais dor nas costas." Voltou a mim e repetiu-me o que Frank lhe dissera. Coloquei-o em transe e disse: "Agora faça estes exercícios e leve uma vida bem equilibrada de atividade e inatividade." Um ano depois, procurou-me e disse: "Sabe, sinto-me muito mais jovem e não tenho nenhuma dor nas costas." Mas agora, há algo que vocês devem saber. Uma secretária, que era ótimo sujeito hipnótico, procurou-me por telefone e disse-me: "Algumas vezes, quando fico menstruada, tenho cólicas menstruais muito intensas. Estou exatamente começando minha menstruação e estou tendo có-
licas muito forte localizadas um tanto à direita, no baixo abdômen. Bem, o senhor poderia me dar uma anestesia para minhas cólicas menstruais?" Coloquei-a em transe por telefone. Disse-lhe: "Você me falou, em estado de vigília, sobre cólicas menstruais e quer que eu as alivie. Portanto, entenda isto: sua menstruação não lhe causará mais nenhuma dor. Você não terá mais cólicas menstruais." E enfatizei dor menstrual, cólicas menstruais. "Agora acorde." Ela despertou e disse: "Obrigada, a dor passou." Eu disse: "Otimo." Cerca de vinte minutos mais tarde voltou a chamar e disse: "A anestesia passou. As cólicas voltaram." Eu lhe disse então: "Entre em transe e ouça atentamente. Quero que você crie uma anestesia para cólicas menstruais, para dores menstruais de todos os tipos. Agora acorde livre da dor." Ela despertou e disse: "Desta vez você me deu uma boa dose de anestesia. MUlto obrigada." Meia hora mais tarde voltou a me telefonar: "Minhas cólicas voltaram outra vez." Eu disse: "Seu corpo é muito mais sábio do que você. Você não está com cólicas menstruais. Eu lhe dei uma anestesia hipnótica e qualquer médico sabe que um apendicite agudo pode causar uma dor parecida com cólicas menstruais. Produzi uma anestesia para cólicas menstruais e não mencionei apêndice. Ligue para o seu médico." Foi o que fez. Ele internou-a no hospital e operou-a de uma apendicite aguda na manhã se· guinte. Nosso corpo nos conhece mais do que nós mesmos. Por isso, quando fizerem uma terapia com um paciente, saibam do que estão falando. Não dê instruções gerais. Se trato de uma dor de cabeça, posso dar a sugestão "para uma dor de cabeça inofensiva". Então, se a dor de cabeça tem origem num tumor cerebral, a anestesia hipnótica não funcionará. Ora, no caso de dor de apendicite, dêemlhe uma anestesia hipnótica e a dor desaparecerá, mas o diagnóstico real é o de cólica menstrual, ou qualquer outra alternativa diagnóstica. Por isso quando tratarem de uma doença orgânica, saibam do que estão falando.
Agora, no caso do advogado, tudo o que fiz por ele foi levá-lo a pensar que o Arizona era um ótimo lugar para se viver, e que o exame de Direito era totalmente sem importância; por isso ele não sentiu nenhuma ansiedade, nenhum medo. Só teve de pingar um pouco de informação de cada vez. Qualquer um pode fazer isto. E eu tratei de bom número de advogados desta maneira - e médicos da mesma maneira -, dando-lhes um sentimento de confiança, de paz mental e de auto-segurança. Uma mulher fracassara repetidas vezes nos seus exames de Ph.D. A banca sabia que ela podia passar, e, no entanto, todas as vezes ela entrava em pânico apagava tudo. Por isso eu a fiz assistir a uma aula onde contei o caso do advogado e ela entrou em transe ouvindo a história do advogado. Depois que terminei o relato, ela despertou. Dispensei-a e ela voltou para o seu estado natal. Um mês depois, escreveu dizendo-me: "Passei no meu exame de Ph.D. com altas distinções. O que fez comigo?" (Erickson ri.) Eu não fiz nada além de lhe falar do advogado. Agora, ouçam o que vou lhes dizer. Todos vocês aplicarão o que eu digo, de acordo com a própria compreensão. Quando falo de quanto os advogados admiram o maravilhoso panorama do Arizona, (para Christine) você pensará no panorama "wunderbar" da Alemanha; e são duas coisas diferentes. . E como vocês conseguem informação dos pacientes? Você conversa amigavelmente com ele. Você começa falando sobre a Faculdade que cursou. Eu estive na Universidade de Wisconsin. E todos vocês começam a pensar na própria Universidade. Se eu falo do rio Mississipi, nossa amiga alemã pensará no Reno. Sempre traduzimos a linguagem de outra pessoa para nossa própria linguagem. E agora, em 1972, uma mulher de trinta e cinco anos, casada, muito bonita, tocou a campainha de meu consultório.Sua declaração, ao entrar, foi a seguinte: "Doutor Erickson, tenho fobia de avião." E esta manhã meu chefe me disse: "Você deve ir de avião para o Texas na
quinta-feira e voltar no sábado." E disse-me ainda que: "Ou você vai e volta de avião ou perde seu emprego." Ela então disse: "Doutor Erickson, sou uma programadora de computadores e tenho programado computadores por todos os Estados Unidos." "Em 1962, há dez anos atrás, o avião no qual eu viajava sofreu um desastre. Não houve nenhum dano com o avião e ninguém a bordo ficou ferido. E nos cinco anos seguintes viajei de avião, de Fênix a Boston, Nova 101'que, Nova Orleans, Dallas, por tudo que é lugar. Cada vez que estive num avião, em vôo, passei a sentir cada vez mais medo. E, finalmente, meu medo se tornou tão grande, que eu tremia visivelmente por todo o corpo. (Erickson demonstra.) E ficava de olhos fechados. Não conseguia ouvir meu marido falando comigo, e nessa época minha fobia era tão grande quê, quando eu chegava ao lugar onde ia fazer meu trabalho, até meu vestido ficava molhado de suor. Chegou a tal ponto que eu tinha de ir para a cama por umas oito horas e dormir antes de fazer meu trabalho. Por isso, passei a viajar para os diversos locais de trabalho de trem, de ônibus, de carro. Minha fobia de avião é muito peculiar. Consigo ir pela pista de rolamento até o final da rampa. Mas, na hora em que o avião se levanta do' chão, começo a tremer, e fico tomada de medo. Mas quando o avião aterrissa numa parada intermediária, no chão, me sinto muito à vontade. Consigo ir pela. pista para o aeroporto, e até a rampa. Por isso, co'mecéi a me servir. do carro, do ônibus e dos trens. Finalmente, meu chefe se cansou do' fato de eu usar minh~s férias, minhas licenças e meus horários permitidos de ausência para viajar de ônibus, carro ou trem. Esta manhã me disse: 'Ou você faz o vôo para Dallas ou perde o seu emprego.' Eu não quero perder o meu emprego. Gos· to dele."
Então eu lhe disse: "Bem, como quer que eu trate sua fobia?" Respondeu: "Pela hipnose." Respondi: "Não sei se você é um bom sujeito hipnótico." Prosseguiu: "Na Faculdade eu era." Continuei: "Isto foi há muito tempo atrás.
Como será agora?" Respondeu-me: "Excelente." Disse-lhe então: "Vou ter de testá-Ia." Ela era de fato um sujeito bastante hipnotizável. Despertei-a e disse-lhe. "Você é um bom sujeito hipnótico. Realmente não sei como você se comporta num avião, por isso quero colocá-Ia num transe hipnótico e fazer com que você tenha a alucinação de estar num avião a jato a trinta e cinco mil pés de altura." Assim, ela entrou em transe e teve a alucinação de estar num jato a trinta e cinco mil pés de altura. A forma como bamboleava e tremia toda, era uma visão muito desagradável. Fiz com que tivesse a alucinação de uma aterrissagem." Disse-lhe: "Antes de ajudá-Ia, quero que entenda uma coisa. Você é uma linda mulher nos seus trinta anos. E eu sou um homem. E embora eu esteja numa cadeira de rodas, você não tem conhecimento da extensão de minhas deficiências. Bem, quero que você me prometa que fará tudo o que eu lhe pedir, bom ou mau." Ela pensou uns cinco minutos e depois disse: "Nada que você pedir pode ser pior do que minha fobia de avião." Eu lhe disse: "Agora que você fez esta promessa, vou colocá-Ia em transe e pedir-lhe para fazer uma promessa semelhante." Em estado de transe ela fez a promessa imediatamente. Despertei-a e disse-lhe: "Você deu sua palavra tanto em estado de transe quanto em estado de vigília, fez uma promessa completa." Continuei: "Agora posso tratar a sua fobia de avião. Entre em transe e imagine estar a uma altura de trinta e cinco mil pés, viajando a seiscentas e cinqüenta milhas por hora." Ela tremia aterrorizada, curvava-se e sua testa tocava os joelhos. Disse-lhe então: "Agora, quero que você faça o avião baixar, e, no momento em que aterrissar, todos os seus medos e fobias, ansiedades e tormentos passarão do seu corpo para esta cadeira a seu lado." Assim, ela imaginou a aterrissagem, despertou do transe e, saltou da cadeira com um grito e correu para o outro lado da sala, dizendo: "Eles estão ali! Eles estão ali!" (Erickson aponta para a cadeira verde.)
Chamei a senhora Erickson à sala e, disse-lhe: "Betty, sente-se nesta cadeira." (Erickson aponta.) E a paciente disse: "Por favor, senhora Erickson, não se sente nesta cadeira." A senhora Erickson continuou andando em direção à cadeira, a paciente correu para lá e impediu Betty de sentar-se. Então, dispensei Betty, voltei-me para a paciente e disse-lhe: "Sua terapia está terminada. Faça uma ótima viagem para Dallas e, quando voltar a Fênix, telefone-me do aeroporto e diga-me o quanto apreciou a viagem de avião." Depois que ela saiu, fiz minha filha tirar uma foto superexposta da cadeira (Erickson aponta.), uma outra subexposta, e uma fotografia com a exposição adequada. Coloquei-as em envelopes separados. Rotulei a foto superexposta de: "Jazigo perpétuo de suas fobias, medos, ansiedades e tormentos caindo vagarosamente no esquecimento da escuridão eterna." Rotulei a foto subexposta de: "O jazigo perpétuo de seus medos, totalmente dissipado no espaço externo." E a fotografia exposta adequadamente de: "O jazigo perpétuo de seus medos, fobias e ansiedades." Enviei os três envelopes pelo correio. Ela os recebeu na quarta-feira de manhã. No sábado recebi um telefonema excitado do aeroporto: "Foi magnífico! Extraordinariamente magnífico, a experiência mais linda da minha vida!" Disse-lhe então: "Você se disporia a contar sua história para quatro alunos meus que estou supervisionando para os exames de Ph,D.?" Respondeu-me que sim e combinei para que viesse às oito horas. Às oito horas, ela e o marido entraram na casa. Ela andou em volta da cadeira, mantendo-se tão longe quanto possível e sentou-se no lugar mais distante daquela cadeira. Os estudantes chegaram cinco minutos depois e um deles ia sentar-se na cadeira. Minha paciente disse: "Por favor, por favor, não sente nesta cadeira." O aluno disse: "Já me sentei nela antes. É uma cadeira confortável e vou sentar-me de novo." A paciente disse: "Por favor, por favor, não faça isso." O aluno respondeu-lhe: "Bem, eu já me sentei no chão antes e vou
sentar nele· agora, se -isso lhe satisfaz." A paciente agradeceu: "Muito obrigada." Contou aos alunos o caso, incluindo a história sobre as fotos que lhe enviei. Disse-nos "Levei as fotos comigo, da mesma maneira que se carrega um talismã, um objeto de sorte, um pé de coelho, ou uma medalha de S. Cristóvão. Fizeram parte da viagem na minha valise de mão; A primeira parte da viagem foi para E1 Paso. Eu estava à vontade, e pensando quando começaria a turbulência aérea. Havia uma escala de vinte minutos em E1 Paso. Desembarquei, fui para um lugar calmo no aeroporto, entrei em transe e disse: 'o doutor Erickson quer que você aproveite a viagem. Faça o que o doutor Erickson lhe disse para fazer.' Retomei o vôo· e a viagem de El Paso para Dallas foi maravilhosa. Na viagem de volta de Dallas, lá no alto, tudo o que eu via abaixo era um banco de nuvens com buracos aqui e ali. Podíamos olhar através destes buracos e ver a terra lá longe, lá embaixo. Foi uma viagem fantasticamente linda." Eu lhe disse: "Agora, eu gostaria que você entrasse em transe, exatamente aqui e agora." Ela o fez. Eu lhe disse então: "Agora, neste transe, quero que vá até o aeroporto em Fênix, compre uma passagem para S. Francisco, e admire o panorama em todo o percurso até lá, especialmente a montanha. Quando chegar em S. Francisco, desembarque, alugue um carro e guie até a ponte Golden Gate. Estacione o carro, ande até a metade da ponte e olhe para baixo. E vou lhe contar um pouco da história desta ponte. As colunas que a sustentam têm setecentos e quarenta pés de altura. Quando as obras da ponte acabaram, um dos trabalhadores que pintara a ponte tinha um anzol na ponta de uma vara comprida, capturou umas gaivotas marinhas e pintou suas cabeças de vermelho. Um dia, um repórter atirado, publicou uma história no jornal sobre uma nova cria de gaivotas com cabeças vermelhas. Seu nome era J ake. Isto tudo é verdade, de fato." "Agora então, olhe as ondas lá embaixo, a espuma no topo das ondas e observe as gaivotas. Então começará um
nevoeiro e você não conseguirá ver nada. Volte para o carro e retome ao aeroporto, e use sua passagem de volte para Fênix, e venha do aeroporto diretamente para cá." Ela logo acordou do transe e disse aos estudantes: "Tenho de contar-Ihes sobre minha viagem a S. Francisco e sobre este detestável J ake." O marido comentou: "Sabia que ela não gostaria disso. Ela era uma adepta da ecologia." (Erickson ri.) E, quando ela acabou de contar a história, disse: "Vim para cá diretamente do aeroporto. Oh! meu Deus! Eu estava em transe e pensei que tinha ido para lá." Mas quando lhe fiz uma pergunta importante: "Que outro problema importante você superou na sua viagem para Dallas?", ela me respondeu: "Eu não tinha nenhum outro problema, só minha fobia de avião." Eu respondi: "Tinha sim, tinha um outro problema, um problema que a atormentava muito. Não sei há quanto tempo você o vinha tendo. Agora você o superou. Mas conte aos alunos qual era o problema." Ela disse sinceramente: "Eu não tenho nenhum outro problema." Então eu disse: "Sei que você não tem mais nenhum problema agora, mas qual foi o outro problema que você resolveu em Dallas?" Ela respondeu: "O senhor terá que me dizer." Eu respondi: "Não. Eu só vou lhe fazer uma pergunta e então você saberá qual era o problema." Agora, vou perguntar a vocês, como grupo: quais eram os problemas dela? (Pausa). E direi previamente que ela tinha três problemas importantes. Eram problemas que a prejudicavam bastante. Quais eram? (Pausa) Vou ajudá-Ios a pensar. Ela não tinha uma fobia de avião. (Erickson ri.) Ela apenas acreditava que tinha, eu ouvi cada palavra que ela disse. (Pausa). E repeti para vocês todas as palavras importantes que ela disse. (Pausa). Deixei os estudantes refletirem algum tempo. Eles não conseguiam perceber quais seriam os problemas. Alguns conseguiram fazer hipóteses bastante boas sobre um dos problemas. (Pausa). Vocês não precisam dar respostas imediatamente. Esperem mais algum tempo. (Erickson ri. Pausa.)
Sande: Ela tem medo de homens. E: Falou por você. Anna: Ela tinha um problema com o chefe no trabalho? E: (Faz um "não" com a cabeça.) Eu disse a ela: "Você tinha outro problema que você solucionou. Agora, qual era este problema? Vou lhe fazer uma simples pergunta: "Qual a primeira coisa que você fez em Dallas?" Ela disse: "Oh! aquilo?! Eu fui até aquele prédio que tem quarenta andares e tomei o elevador desde o térreo até o terraço." Perguntei: "Como você costumava tomar o elevador?" Respondeu: "Eu costumava tomar o elevador do primeiro até o segundo andar, saía, tomava outro elevador, e ia até o terceiro andar, saía, esperava outro elevador e ia até o quinto andar. Toda a subida do elevador, um andar de cada vez. Estou tão acostumada a fazer isto, que não o encarei como um problema." Anna: Medo de altura? E: (Faz que "não" com a cabeça.) Ela disse: "Posso subir a bordo do avião. Posso ir pela pista à vontade. Posso voltar até o final da pista. Mas no momento que o avião decola, entro num tremor fóbico." Ela tinha medo de espaços fechados, onde não havia meios visíveis de apoio. O avião é um espaço fechado, sem meios visíveis de apoio; a mesma coisa com um elevador. Eu lhe disse então: "Agora, qual era o outro problema"? Ela respondeu: "Não sei de nenhum outro problema. Se o senhor diz que existe, deve ter havido outro problema." Falei então: "Você tinha de fato outro problema. Já o solucionou. Ora, quando não estava viajando de avião, estava viajando de carro, de ônibus, de trem. Você não tinha nenhum problema no trem. Mas o que acontecia no carro e no ônibus? E quando você chegava a uma ponte suspensa, muito grande?" Respondeu: "Oh, aquilo? Eu costumava abaixar-me, rente ao chão, ficar de olhos fechados, e tremia toda. Tinha de perguntar a algum estranho: 'O ônibus já passou a ponte?'" Meus alunos sabiam que eu sabia disso porque eu induzira-a a fazer a viagem hipnótica
para S. Francisco, e fizera com que ela caminhasse pela ponte. E, agora, a paciente vive a bordo de aviões. Ela e o ma. rido passaram as férias viajando por toda à Austrália. Ela vai regularmente a Roma, Londres, Paris. E não gosta de ficar em hotéis. Prefere dormir à bordo e fazer as refeições no avião. E ainda tem aquelas três fotografias. E ainda tem medo daquela cadeira. (Erickson aponta para a cadeira e ri.) Como vêem, vocês não ouviram. O que ela disse foi: "Sinto-me à vontade no avião, quando ele decola começo a tremer." Eu sei que, quando um avião decola, torna-se um espaço fechado sem nenhum meio visível de apoio. A mesma coisa com um elevador. A mesma coisa com um ônibus sobre uma ponte suspensa. Não se pode ver o apoio nas extremidades, a gente olha para a direita e para a esquerda. (Erickson gesticula para direita e para a esquerda.) A gente está no ar. Em um trem ela tinha uma prova de apoio, uma prova auditiva - o barulho das rodas nos trilhos - por isso não tinha nenhuma fobia nos compartimentos de um trem. Podia ouvir o apoio externo. Fico imaginando como, daqui há um ano, vocês se lembrarão desta história. Porque eu já contei várias vezes, e, um ano depois, algum dos meus alunos vêm me contar este caso e ouço variações sobre o mesmo. (Erickson ri.) Mary às vezes é um homem. Pois quando falo com as pessoas, elas ouvem na sua própria linguagem. Posso contar-Ihes que nasci nas Montanhas de Sierra Nevada, e todos vocês se lembrarão de onde nasceram. Pensem nisso. Falo de minhas irmãs, vocês pensarão nas próprias irmãs, caso tenham uma; ou pensam no fato de não terem irmãs, se não as tiverem. Nós respondemos às palavras faladas em termos dos nossos próprios conhecimentos. Os terapeutas devem ter isto em mente. Agora, quantos de vocês já estiveram aqui antes? Algum de vocês já esteve aqui antes? (Uma mulher levanta a mão.)
E: Você esteve? Há quanto tempo? Sancle:, Há sete meses. E: Não me diga. Quantos de vocês acreditam na lâmapda de Aladim? Anna: Na lâmpada de Aladim? E: Quantos de vocês acreditam na lâmpada de Aladim? Eu tenho uma lâmpada de Aladim. Aladim esfregava a lamparina e aparecia um gênio. Eu tenho uma lâmpada de Aladim modernizada. Coloco o interruptor na tomada da parede e o gênio aparece. Estou querendo que vocês vejam a minha gênia. Ela é muito amável. Gosta de sorrir, de piscar e de beijar. Mas lembrem-se que ela me pertence. Ora, acabo de me lembrar que a senhora Erickson não está em casa hoje à tarde. Senão eu os convidaria para ver minha gênia. (Erickson dirige-se à Anna.) Sei que você duvida. Também duvida que este seja o Conde Drácula. Anna: Não duvido. E: Então não esteja por aqui à meia-noite; você vai perder um pouco de sangue. E, este é um outro ponto que eu esclareço. No ensino, na terapia, temos que ter muito cuidado ao usarmos o humor, pois os pacientes trazem bastante mágoas e não necessitam de todas estas mágoas e penas. É melhor que os conduzam imediatamente a um estado de espírito mais agradável. Pode pegar um daqueles cartões para mim, por favor? (Erickson aponta para uma série de papéis à sua direita imediata. Christine ajuda-o a escolher o cartão que deseja.) Tem um cartão "sinistro" aí. Vou passá-lo a vocês para que o leiam. Foi minha filha, Betty Alice, quem o enviou. Ela estava na Faculdade. Normalmente um Erickson recebe um cartão bonito, risca o nome de quem o enviou e manda-o para outra pessoa. Por exemplo, minha irmã mandou um cartão de aniversário para minha esposa. Minha esposa riscou o nome de minha irmã, assinou o dela e niandou-o para outra pessoa da família. Minha irmã era a trigésima quinta pessoa que recebia o mesmo cartão.
(Erickson dá o cartão para Carol, sentada à sua esquerda.) Leia a parte exterior seriamente, depois abra e leia o interior. (Carol sorri.) (Erickson pega o cartão das mãos de Carol e passa-o para a senhora seguinte.) Considere o efeito sobre um paciente deprimido e leia este cartão. É um cartão muito benéfico para eles lerem. (O cartão passa pelo grupo. À frente do cartão estava escrito: "Quando você pára para pensar em todos os mistérios inexplicáveis do Universo ... isto não faz você sentir-se pequeno e insignificante?" O interior do cartão dizia o seguinte: " ... a mim também". (Erickson dirige-se a Christine.) Dou este cartão para os meus pacientes deprimidos lerem. (Erickson ri.) Lembro a todos os meus alunos que, se estiverem interessados em comprar jóias índias num lugar onde possam ter certeza do seu valor, vão ao Heard Museum na Avenida Central. Vocês comprarão jóias índias verdadeiras. Nas lojas, vocês encontram turquesa plástica, turquesa misturada com plástico, turquesa reconstituída e prata e ouro falso. No Heard Museum, que é o museu do Sudoeste, vocês podem comprar coisas genuínas. Vale a pena visitar o Heard Museum. E desçam uns três quartos de milha até a Avenida Glendale e virem a leste até Lincoln Drive. A Avenida Glendale dobra-se em direção a Lincoln Drive. A rua sai de Fênix e torna-se parte de Scottsdale. Logo depois, perto de 24th Street, vocês vão encontrar um parque com o nome de Parque do Pico Squaw. Rumem para lá, estacionem o carro e subam até o topo do Pico Squaw. Pois eu acredito que tanto os pacientes quanto os alunos devem fazer coisas. Aprendem melhor, lembram melhor. Além disso, a subida vale a pena. A melhor hora não é no calor do dia. Melhor irem ao pôr do sol, ou depois que escurece, ou à meia-noite - o que dará uma visão magnífica. Tem mil e cem pés de altura e a subida é de uma milha e meia. O recorde é de quinze minutos e dez segundos. Um de meus alunos, que, desde a infância, tinha a ambição de escalar uma montanha de dez mil pés, subiu este Pico dez vezes num dia. Seu tempo
médio de subida foi de vinte e três minutos. Minha esposa leva uma hora e meia. Meu filho demora uns quarenta e três minutos bem contados. Sugiro que comecem um pouco antes do pôr do sol. Vale a pena. Outro local que devem visitar é o Jardim Botânico. Anna: Em Fênix? E: Em Fênix. É um magnífico Jardim Botânico, e há duas coisas especiais para se ver. Há uma árvore "Boojum". Vocês se lembram de ter lido: The Hunting of the Snark?* Uma Árvore, Boojum lá tem uma autêntica Árvore Boojum.1 Anna: Eu vi uma em Tucson, no Jardim Botânico. E: E a Árvore Boojum lhes apresentará um problema. Quando vocês a virem, saberão intelectualmente que é uma árvore, mas não vão querer acreditar. Anna: É um nabo virado de cabeça para baixo. E: Deixe que eles mesmos descubram. E há as "Diabos Raso tejantes". Estão perto das Árvores Boojum. Vão reconhecer. Não tem de perguntar a direção. Vão encontrá-Ias e reconhecer imediatamente. E terão um bocado de respeito pelas "Diabos Rastejantes". E amanhã à tarde eu os verei. Agora, vou para casa tomar um pouco de água e ir para a cama. Levanto-me de manhã, me visto e volto a dormir até a tarde. Não tenho muita força. Agora, por favor, queiram me descontaminar. (Risos) (Erickson indica para os membros do grupo para que retirem os "aparelhos"** de cima dele.) Nota do Editor americano: O termo Boojum foi usado pela primeira vez com referência a esta árvore em 1922. O botânico Godfrey Sykes obviamente conhecida a referência à Boojum mítica do poema épico absurdo, de Lewis Carrol: The Hunting of the Snark. Quando viu a árvore pela primeira vez com sua luneta, diz-se que exclamou: "Ah, ah! uma Boojum. Decididamente uma Boojum."* * Nota do Tradutor: As palavras deste poema de Carrol são compostas, como no caso de Snark, que seria uma mistura de snake (cobra), com shark (tubarão), e Boo-jum também é um composto e mantivemos no original. 1
,.* (N. do T.) "Aparelhos". Trocadilho com "bug", aoarelho, mas também um inseto ou um micróbio.
G A L V
que pode ser um
E: (Erickson começa a sessão mandando uma nova estudante preencher uma folha de dados. Então diz a Christine que ele agora tem duas netas chamadas "Christine"). Christine: Não é comum ter duas netas com o mesmo nome. E: Por isso, agora vou mudar a disposição das cadeiras. (Dirige-se a Rosa.) Veja como ela tenta não me olhar. (Fala diretamente a Rosa.) Porque se trata de você. (Erickson faz com que Rosa mude a cadeira verde. Ela tem alguma dificuldade com a língua inglesa.) Você continua evitando o meu olhar. Rosa: Não, eu apenas não consigo vê-lo muito bem. Sou míope. (Pausa.) E: (Erickson coloca um brinquedo, um polvo roxo, feito de fibras, na cadeira de rodas, bem à esquerda de seu corpo.) Quando somos muito jovens, ansiamo~ por aprender. Mas; à medida que envelhecemos, mais restrições nos fazemos. Agora vou lhes dar um exemplo disso. (Erickson inclina-se para a esquerda. Rosa fica mais próxima de Erickson.) Sete. Dez. Um. Cinco. Dois. Quatro. Seis. Três. Oito. Nove. O que foi que eu fiz? Anna: Contou os números de trás para diante. Siegfried: Disse os números.
E: Vou fazer de novo. Nove. Cinco. Três. Seis. Dois. Um. Sete. Dez. Oito. (Pausa.) Quantos de vocês já ouviram uma criança contar os dedos de um a dez? Quatro. Sete. Nove. Oito. Três. Cinco. Dois. Um. Sete. (Erickson mostra os dedos das mãos quando diz os números.) Leva muito mais tempo para aprender a contar de um a dez. A criança primeiro aprende os números. Tem um conceito de contar até dez, mas desconhece a ordem certa. (Dirige-se a Rosa.) Agora, diga-me, quantos dedos você tem? Rosa: Vinte. Dez em cima e dez embaixo. E: Descruze as pernas., Coloque as mãos nos joelhos. Faz alguma diferença contar daqui para ali? (Erickson mostra os dedos de Rosa da esquerda para a direita.) Rosa: Eu? E: Faz alguma diferença? Rosa: Não. E: E se você contar daqui para ali. (Erickson mostra os dedos da direita para, a esquerda.) A -resposta será sempre a mesma? Rosa: (Tateante.) Sim, serão sempre dez. E:' Caso. você some os dedos desta mão com os dedos desta mão CErickson indica as mãos de Rosa.), você obterá o número certo? Rosa: Cinco mais cinco? É: 'Só fiz uma pergunta. Se você somar estes dedos com estes dedos. (Aponta-os.), obterá você o número certo? Rosa: O senhor me perguntou se eu somar estes dedos com estes dedos, qual será o resultado? Dez. (Mostra a mão esquerda e a direita.) E: Tem certeza? Rosa: Não tenho certeza, mas creio que ... Foi o que eu sempre pensei. (Ri.) :E: (Ri.) E você diz que tem dez dedos? Rosa: Sim. E: 'Eu ,acho que você tem onze. Rosa: Onze. Tudo bem, acredito. (Balança a cabeça num "não".) E: Você acredita? (Risadas.) Rosa: Claro. Apenas só posso ver dez deles.
E: Poderia aproximar sua cadeira? Rosa: (Aproxima sua cadeira de Erickson.) E: Agora conte-os. Rosa: Um. Dois. Três ... E: Não. Eu vou lhe mostrar os dedos e você os contará. (Erickson mostra-os.) Rosa: Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. E: Esta é a maneira como você conta. Mas já concordou que pode contá-Ios desta ou daquela maneira. (Erickson aponta da mão esquerda para a direita, e depois da maneira inversa.) Você já concordou que estes somados com estes, (érickson mostra suas mãos.) dão o número esperado. Rosa: Sim, o número certo. E: Bem, vou contá-Ios. Dez. Nove. Oito. Sete. Seis. (Conta os dedos da mão esquerda de Rosa de trás para diante, e, em seguida, aponta para a mão direita.) Com os cinco restantes fazem onze. (Todos riem.) Rosa: Certo. Agora posso dizer a meus amigos que tenho onze dedos. E: E agora, você consegue distinguir a sua mão direita da mão esquerda? Rosa: Ensinaram-me que esta é a direita. (Mexe a mão direita.) E: E você acreditou? Rosa: Sim, acreditei. E: Coloque esta mão atrás de você. (Ela coloca a mão esquerda atrás.) (Erickson ri.) E agora, qual é a mão esquerda?* (Erickson ri.) Rosa: Isto é brincadeira! E: Mas é uma técnica maravilhosa de se trabalhar com crianças. Rosa: Pode funcionar em inglês, mas não em italiano. E: Por quê? Rosa: Porque, em italiano, "esquerda" não quer dizer duas coisas. Não significa "a mão que sobrou". O senhor tem * Trocadilho com "left", que significa "esquerda", ou pode ser o particípio de "to leave" (left, left). Neste caso significando "restar, sobrar, ficar".
dois significados para uma mesma palavra na sua língua, mas não funcionaria em nenhuma outra. É uma pena! E: Você quer dizer que os ingleses têm uma mão direita que é esquerda? Rosa: O quê? E: Você quer dizer que os ingleses têm uma mão direita que pode ser uma mão esquerda? (Risos.) Rosa: Sim. E: (Balançando a cabeça, sorrindo.) Estas diferenças nacionais são surpreendentes. Muito bem, ontem enfatizei a importância de entendermos as palavras do paciente, entendê-Ias de fato. A gente não deve interpretar as palavras do paciente na nossa linguagem. E ela acabou de demonstrar que a mão direita em inglês pode ser a esquerda (leit / a que restou/esquerda). * Assim, temos que estar familiarizados com os padrões lingüísticos de nossos pacientes. E todos nós temos nossos próprios padrões lingüísticos, nossa maneira pessoal de entendimento. Fui convidado a falar na Sociedade Médica de St. Louis. O presidente e sua esposa deviam ser meus anfitriões; ela então disse: "Dr. Erickson, gostaria de preparar seus pratos favoritos". Eu lhe respondi: "Sou homem de carnes e batatas. Qualquer tipo de carne, qualquer tipo de batatas. E a senhora pode ferver as batatas, mas se quiser me regalar especialmente, gostaria de um pouco de mingau (de leite)." (Dirige-se ao grupo.) Vocês todos sabem o que é mingau de leite? (Todos responderam que não.) É farinha misturada com leite e fervida. Mingau de leite é uma delícia. E quando eu lhe disse: "Se a senhora quiser me regalar especialmente, me dê um mingau de leite", o ma· rido dela arriou no sofá e explodiu de tanto rir. A senhora ficou petrificada, como que enrijecida, o rosto muito, muito vermelho. O marido continuou rindo. Finalmente controlou o riso e disse: "Durante vinte e cinco anos pedi à minha
mulher, cheguei mingau de leite, para os pobres, finalmente terei
até mesmo a implorar, para que ela fizesse e ela sempre repetia: "Mingau de leite é para a ralé dos brancos." 'E, hoje à noite, mingau de leite'." (Risadas do grupo.)
O marido dela vivera numa fazenda, como eu também vivi. Ambos sabíamos como mingau de leite era bom. Como ela era uma moça da cidade, pensava que mingau era apenas coisa do povo. Assim, os pacientes vêm nos contar os seus problemas. Mas, eles nos contam os seus problemas, ou apenas o que pensam serem os problemas reais? E estes problemas serão mesmo problemas só por que eles pensam serem coisas problemas? Foi de se modo que uma mãe trouxe sua filha de onze anos para que eu a atendesse. Assim que ouvi a expressão molhar a cama, pedi à mãe para que deixasse a sala, e ouvi a história diretamente da menina. Uma menina loura e muito bonita. O caso dela foi o seguinte: Após um mês do seu nascimento, teve uma infecção na bexiga. A infecção foi tratada por urologistas. Fizeram-lhe uma citoscopia; diariamente, semana após semana, meses seguidos, anos a fio. Finalmente examinaram-lhe a pélvis e os rins com uma lâmpada de lucite que, inserida pela bexiga, atingia a pélvis e os rins. O foco da infecção estava localizado num dos rins e assim ela foi operada e curou-se. Mas ela havia feito citoscopia. Acho que todos vocês conhecem esta palavra, não? (Para Rosa.) Você sabe o que é uma citoscopia? .. Tantas vezes que o esfíncter dilatou-se, tanto, que, quando ela adormecia e relaxava, urinava na cama. Embora pudesse, à força, controlar a urina no estado de vigília, era uma preocupação diária e cansativa. E, assim que ela ria de alguma coisa, o relaxamento corporal fazia com que ela molhasse novamente as calças. Como agora já tinha onze anos e estivesse parcialmente livre do problema por alguns anos, seus pais se mostravam impacientes com a sua recaída. Ela precisava aprender a se controlar e não molhar a cama todas as noites. Suas três
irmãs mais novas ridicularizavam-na e xingavam-na. Todos os vizinhos sabiam que ela molhava a cama e as calças ... E a vida não lhe era nada agradável. Perguntei-lhe se já havia consultado outros médicos antes; respondeu-me que consultara muitos, que havia engolido caixas de pílulas e litros de remédios. Nada adiantara. E, finalmente, a mãe a trouxera para que eu a ajudasse. Bem, como você trataria este caso? (Erickson olha para Rosa.) Rosa: Como eu faria? (Erickson faz um sim com a cabeça.) Eu olharia a família toda: o pai, a mãe, as irmãs. Eu estudaria a família dela. E: Terapia de família. (Olha para Carol que está diretamente à sua frente.) Como procederia você? Na verdade, como fariam todos vocês... por favor não respondam todos de uma vez. Anna: Eu teria primeiro verificado os fatos fisiológicos para ver se havia alguma lesão nesse nível. E, uma vez que tivesse a informação, prosseguiria com uma terapia familiar e uma terapia individual, e veria quais os ganhos dela em não controlar a urina. E: E quanto tempo você acha que levaria para tratá-Ia? Anna: Quanto tempo? Eu poderia dizer, logo que tivesse visto toda a família e soubesse o que estava acontecendo. Pode ser mais uma questão de família do que propriamente dela. E: Outro? Carol: Eu tentaria a hipnose. E: E o que você lhe diria? Carol: Eu agiria brincando com ela, depois faria com que ela tomasse consciência da própria urina escapando, tentarià fazer com que ela controlasse assim a situação. Eu abordaria o problema desta forma. E: E o que você acha que ela tentou nos quatro últimos anos? Dan: Que tal levá-Ia de volta à idade em que ela inicialmente foi treinada e treiná-Ia novamente? Eu mesmo não tenho usado muito a hipnose, mas minha primeira idéia foi a de entregá-Ia a você. (Risos.)
Jane: (Jane é uma terapeuta de Nova lorque.) Eu descobriria se o músculo esfíncter poderia ser contraído. E: Como faria isso? Jane: Perguntaria a um médico que tivesse conhecimento sobre músculos e se isto era possível. Talvez eu pudesse ensiná-Ia por meio de exercícios ou mandá-Ia a um fisioterapeuta, que poderia ensiná-Ia a retreinar o músculo. E: Quanto tempo você acha que levaria para tratá-Ia? Jane: Não sei quanto tempo um músculo leva para retomar ao seu estado normal. Christine: Estou pensando numa abordagem semelhante à dela. Motivá-Ia através da hipnose e ensiná-Ia a... E: (Interrompendo.) Você não acha que ser chamada de "xixizeira" durante onze anos não seria motivação suficiente? Christine: Concordo. Eu tentaria de outro modo. Eu a faria praticar, antes de esvaziar a bexiga, a contrair e a não permitir o esvaziamento completo da bexiga. Isto a treinaria para aumentar o seu tônus muscular. E: Quanto tempo levaria? Christine: Acho que, sem hipnose, levaria muito tempo. Mas creio que, com um treinamento hipnótico, sugestões hipnóticas, a menina conseguiria isto bem mais depressa. E ela entenderia melhor o que você estava tentando lhe mostrar. E: Muito bem. Christine: (Continuando.) Acho que você mencionou algum dano muscular. E: Sim. Christine: E ela precisaria ser treinada novamente para o forta· lecimento do esfíncter. E: Não acha que ela tentou isso nestes últimos onze anos? Christine: Tenho certeza que sim, mas não estou certa de que ela saiba a maneira certa de fazê-Io. E: Como você lhe explicaria a maneira correta? Christine: Tentar segurar a urina tanto quanto possível antes de ir ao banheiro, tentar fazer isto repetidamente. E: Muito bem. Agora todos vocês sabem a resposta, mas vocês não sabem que sabem. Eu lhe disse: "Sou como todos os I
outros médicos. Também não posso ajudá-Ia. Mas existe alguma coisa que você sabe mas não sabe que sabe. E logo que você descobrir o que é que você já sabe mas não sabe que sabe, você terá um sono tranqüilo." Digam-me agora: O que é que ela já sabia mas não sabia que sabia? Christine: Ela podia conter a urina voluntariamente durante o dia, na maior parte do tempo. E: Por "maior parte do tempo", você quer dizer "algum tempo", mas não por todo o tempo. Não adianta muito a gente saber que não se pode conter durante todo o tempo. Ora, todos nós crescemos e aprendemos que, quando esvaziamos a bexiga, esvaziamos completamente. Crescemos sabendo isto, assumimos isto e praticamos isto todos os dias. Por isso eu disse à menina: "Olhe aquele peso de papel sobre minha mesa." Para que ela não se mexesse e não dissesse nada. Continuei: "Apenas mantenha os olhos abertos e olhe para o peso de papel." Fiz então com que ela se lembrasse da primeira vez que foi à escola para aprender a escrever. Como foi difícil, aquelas formas e tipos diferentes, letras de forma e letras comuns, maiúsculas e minúsculas. Finalmente ela formou uma imagem visual-mental que ficou localizada em alguma parte do seu cérebro e que se gravou ali para sempre, e, mesmo que ela não soubesse mais da existência dessa imagem, ela se encontrava permanentemente ali. . Então eu lhe disse: "Continue olhando o peso de papel; não se mexa, não fale, todo o ritmo das batidas do seu coração se modificou, sua respiração mudou, sua pressão sangüínea mudou, seu tônus muscular e tônus motor mudaram e seus reflexos mudaram. Agora saiba de uma coisa, isto não é importante, só estou lhe falando." "Vou lhe fazer uma pergunta muito simples e quero uma resposta muito simples. Suponha que você esteja no banheiro sentada e urinando quando um estranho mete a cabeça pela porta. O que você faria?" Ela respondeu: "Eu levaria um susto". Respondi: "Certo, você ficaria: assustada
e pararia de urinar. E logo que o estranho fosse embora você poderia começar tudo de novo. Agora tudo o que você precisa fazer é praticar o começo e a parada, começar e parar. Não precisa que um estranho olhe para você. Pode começar e parar por você mesma. Alguns dias você se esquecerá de praticar. Está certo, seu corpo há de entender e lhe dará mais oportunidades para praticar. É provável que você se esqueça de praticar. Tudo bem. Seu corpo será seu amigo. "Mas, para conseguir a sua primeira noite tranqüila, talvez você precise de duas semanas. Você precisa praticar o começo e o fim. Para conseguir duas noites tranqüilas em seguida é mais difícil. Para conseguir três noites de sono normal em seguida é ainda mais difícil. E, para conseguir quatro noites sem perturbações em seguida, é mais difícil ainda. Depois fica mais fácil. E a quinta, a sexta e a sétima lhe darão uma semana de sono normal. E após uma semana de noites tranqüilas, você conseguirá outra semana ... " "Mas eu ficaria muito surpreso se você mantivesse seu sono normal por três meses. Mas eu ficaria mais surpreso ainda se você não conseguisse uma noite normal dentro de seis meses." Seis meses depois ela já podia passar noites na casa de seus amigos e ir a festas despreocupada. Tudo o que precisava saber era que podia parar de urinar a qualquer momento, desde que corretamente estimulada. E todos vocês sabem disto, mas é o que todos esquecemos. Crescemos acreditando que teremos de acabar, isto não é verdade ... E assim ... Anna: Esquecemos o quê? E: Que devemos continuar até acabar, isto não é correto. Sempre podemos parar, precisamos do estímulo certo. E todos sabem o que acontece quando um estranho espia vocês urinando. Vocês param (Erickson ri.) Por isso, como ela só tinha onze anos, precisei de uma hora inteira e mais meia hora ... e foi tudo.
Quanto aos cuidados com a família, imaginei que seria muito difícil para o pai e a mãe se acostumarem com a cama enxuta. (Risos.) Achei também que seria um azar para a irmã acostumar-se com o fato de a irmã mais velha passar a dormir normalmente. Seria uma pena que as colegas da escola perdessem um motivo tão grande de zombaria ... Achei que a paciente era a única que precisava de tratamento. E assim, cerca de dez dias depois, ela trouxe-me este brinquedo, simbolizando a primeira vez na vida em que ela dava um presente para alguém que sabia que ela não fazia pipi na cama. (Erickson ri e mostra ao grupo um polvo de fazenda roxa que a garota fizera para ele.) E a primeira cama enxuta ocorrera há duas semanas. Por que razão eu me preocuparia em atendê-Ia uma segunda vez? Haveria alguma razão para atendê-Ia de novo? Por que razão você está-se escondendo aí? (Erickson vira-se e se dirige a uma mulher que entra na sala de espera vindo de um escritório situado nos fundos. Ela não comparecera à sessão anterior, e está obviamente muito atrasada para a sessão de hoje. É uma loura alta e atraente em jeans com a blusa solta sobre o bustier. Exceto pela tese, já terminara o seu P.h.D ... ) Sally: Estava esperando
o momento
Quero ver se encontro E: Posso retomar um lugar.
oportuno
para interromper ..
um lugar.
em qualquer
ponto, portanto
entre e procure
Sally: Há algum lugar aí atrás? E: (Dirigindo-se a Rosa.) Será que pode trocar de lugar? (Erickson indica que Rosa, que se encontra perto dele, deve passar para a esquerda e ceder o lugar a Sally.) Pode colocar uma cadeira aqui. (Erickson mostra um lugar bem à esquerda.) Passe-lhe uma cadeira. (Um homem abre uma cadeira desmontável e entrega-a a Sally, esta senta-se perto, de Erickson e cruza as pernas na SUfl direçíío) E: Não precisa
cruzar
as pernas.
Sally: (Descruzando as pernas e rindo.) Sabia que o senhor faria um comentário qualquer. E: Os estudantes estrangeiros podem não conhecer a rima: "Um dinar, um dólar, um aluno na hora." -, mas* você conhece não? Sally: Não. E: (Incrédulo) Nunca ouviu falar de "um dinar, um dólar, um aluno na hora"? Sally: Não sei o resto. E: Francamente, nem eu (Ela ri.). Está-se sentindo mais à vontade? Sally: Não. Na verdade entrei no meio e estou ... eu ... hão .. E: E, na verdade, nunca a vi antes. Sally: Hum ... Eu o vi uma vez no verão passado. Vim com um grupo. E: Você entrou em transe? Sally: Acho que sim. (Acena com a cabeça.) E: Você não sabe? Sally: Acho que entrei sim. (Balança a cabeça que sim.) E: A penas acha? Sally: Hã-hã. E: É uma crençá e não um fato? Sally: É mais ou menos o mesmo. E: (Incrédulo.) Uma crença é um fato? Sally: Às vezes. E: Esta sua crença de que entrou em transe é um fato ou não? (Sally ri e limpa a garganta. Parece embaraçada.) Sally: Isto tem importância? (Risadas.) E: Esta é outra questão. A minha pergunta é se a sua crença é só uma crença ou um fato. Sally: Provavelmente as duas coisas. E: Então uma crença pode ser irreal e pode ser real e sua crença é tanto real quanto ilusória?
* (N. do T.) "Um dinar, um dólar ... " Trata-se de uma rima infantil, com este sentido equivalente em nossa língua, quanto ao conteúdo, sendo que a palavra "dinar" foi escolhida por ter som próximo a "dillard", que em inglês niõr- tem sentido e serve apenas para rima.
Sally: Não. É tanto uma crença como um fato. (Balança a ca· beça e segura-a com as mãos.) E: Você quer dizer que esta crença tanto poderia ser real quanto fictícia? E novamente real? Afinal o que é que ela é? (Sally ri.) Sally: Agora realmente não sei mais. E: E por que demorou tanto para me dizer isto? (Sally ri.) Sally: Também não sei. E: Está-se sentindo melhor? Sally: Oh!, sim, já estou me sentindo bem melhor. (Fala com suavidade.) Espero que as pessoas aqui não estejam chateadas com a minha interrupção. E: Você não está-se sentindo muito autoconsciente? Sally: Hum Provavelmente me sentiria melhor sentando atrás, mas . E: Fora da vista? Sally: Longe da vista? Bem, talvez ... E: O que significa isto? Sally: Inconspícua. E: Logo você não gosta de ser conspícua. Sally: Ai meu Deus! (Ri, parece novamente autoconsciente. Coloca a mão esquerda sobre a boca enquanto tosse.) Não. .. não ... E: E você não gosta do que estou fazendo com você neste momento .. Sally: Hum ... Não ... Bem, estou confusa. Fico lisonjeada com a atenção e curiosa quanto ao que está dizendo. E: (Continuando.) E você sente um desejo danado para que eu acabe com isso. (Risadas gerais.) Sally: Bem, estou embaraçada (faz que "sim" com a cabeça.) Se eu estivesse falando com você sem ter interrompido, seria outra coisa, mas ... E: Então você está preocupada com estas pessoas? Sally: Bem, eu ... sim. E: Hã-hã ... Sally: O tempo destas pessoas aqui. .. eu interrompi a...
E: (Olhando para baixo.) Estabeleçamos uma outra hipótese mais consistente: a de que, ao fazermos psicoterapia, devemos fazer os pacientes se sentirem à vontade e cômodos. Fiz o melhor para embaraçá-Ia e para que se sentisse no centro das atenções. (Para o grupo.) Essa não é uma boa maneira de começar um bom relacionamento terapêutico, não é mesmo? (Erickson olha Sal1y, toma-lhe o pulso e levanta-o devagar.) Feche os olhos. (Ela olha-o, sorri, depois contempla sua mão direita e fecha os olhos.) Mantenha-os fechados. (Erickson solta o pulso dela, deixando sua mão direita suspensa catalepticamente.) Quero que você entre num transe profundo. (Erickson toma-lhe novamente o pulso. O braço de Sally tomba suavemente. Então Erickson empurra a mão dela para baixo, devagar. Erickson fala lenta e pausadamente.) E sinta-se satisfeita, muito à vontade, e realmente goze o sentimento de sentir-se bem e à vontade ... tão à vontade ... que você poderá se esquecer de tudo, exceto deste maravilhoso sentimento de satisfação. Depois de algum tempo parecerá que sua mente deixa seu corpo e flutua no espaço - retoma no tempo. (Pausa.) Ainda não é 1979, e nem mesmo 78. E 1975 ainda é futuro. (Erickson inclina-se, aproximando-se de Sal1y.) E o mesmo com 1970, e o tempo vai voltando atrás. Logo será 1960, e logo 1955 ... e então você saberá que está em 1953 ... e saberá que você é uma menininha. b bom ser uma menininha. E talvez você esteja antecipando sua festa de aniversário ou indo a algum lugar: indo visitar a vovó ... ou indo à escola ... Talvez exatamente agora você esteja sentada na escola, olhando para o seu professor, ou brincando no pátio, ou quem sabe é época de férias. (Erickson volta à sua posição.) E você estava se divertindo de fato. E quero que você fique satisfeita com o fato de ser uma menininha que um dia vai crescer. (Erickson debruça-se sobre Sally.) E talvez você goste de imaginar o que será quando crescer. Talvez goste de divagar sobre o que fará quando for uma moça. Fico pensando se você gostará da Faculdade. E você pode pensar na mesma coisa.
E minha voz segue com você por toda parte, e transforma-se na voz de seus pais, seus professores, seus colegas e nas vozes do vento e da chuva. Talvez você esteja no jardim colhendo flores. E um dia, quando você for uma moça, vai encontrar um grupo de pessoas e vai lhes contar alguns fatos felizes de quando você era pequena. E, quanto mais satisfeita você se sentir, mais se sentirá como uma menininha, porque você é uma menininha. (Com voz cadenciada.) Agora, eu não sei onde você mora, mas talvez goste de andar descalça. Às vezes gosta de sentar-se perto da piscina e mergulhar o pé na água, e gostaria de saber nadar. (Sally sorri um pouco.) Você gostaria de comer seu doce predileto neste momento? (Sally sorri e acena com a cabeça devagar.) E aqui está e agora você o sente na boca e saboreia. (Erickson toca a mão dela. Pausa longa. Erickson volta a seu lugar.) Bem, um dia, quando você for grande, falará para um grupo de estranhos sobre seu doce predileto de quando era menina. E há muitas coisas a aprender. Muitas coisas mesmo para aprender. Vou mostrar-lhe imediatamente uma delas. Vou pegar na sua mão. (Erickson levanta devagar a mão esquerda dela.) Vou levantá-Ia. Vou colocá-Ia no seu ombro. (Erickson levanta devagar a mão de Sally pelo pulso e pousa-a no ombro direito.) Bem aqui. Quero que seu braço fique paralisado, de forma que você não consiga movê-Ia. Não poderá movê-Io até que eu lhe diga para fazê-Io. Nem quando for grande, nem quando crescer. Você não poderá mover sua mão esquerda nem seu braço até que eu lhe diga para fazê-Io. Agora, em primeiro lugar, quero que você desperte do pescoço para cima enquanto seu corpo adormece cada vez mais profundamente... você despertará do pescoço para cima. É difícil, mas pode conseguir. (Pausa.) É um sentimento agradável ter o corpo profundamente adormecido, o braço paralisado. (Sally sorri e pestaneja.) E desperte, do pescoço para cima. Que idade você tem? (Erickson de· bruça-se sobre Sally.) Sally: Hum ... trinta e quatro anos
E: (Faz um aceno com a cabeça.) Certo. (Erickson volta à sua posição na cadeira.) Você tem trinta e cinco e por que razão mantém os olhos fechados? Sally: É agradável. E: Bem, acho que seus olhos vão se abrir. (Sally sorri, e mantém os olhos fechados.) Vão, não vão? (Sally limpa a garganta.) Vão se abrir e ficar abertos. (Sally sorri, molha os lábios com a língua e abre os olhos, depois pisca.) Eu estava certo. (Sally fica olhando fixo para a frente.) Onde está você? Sally: Estou aqui. E: Você está aqui? Sally: Rã-hã ... E: E quais as suas lembranças .de quando era criança? Algo que você possa contar para estranhos. (Erickson inclina-se em direção a Sally.) Sally: Rum ... bem ... E: Mais alto. Sally: (Limpa a garganta, tossindo.) Eu, hã, me lembro, hum, de uma árvore e de um pátio e hummmm ... E: Você subia nestas árvores? Sally: (Falando suavemente.) Não. Eram plantas pequenas, hã, e uma passagem. E: Onde? Sally: Um caminho entre uma fileira de casas. E todas as crianças brincavam no pátio dos fundos e na passagem dos fun· dos. Brincavam, hão .. E: Quem eram estas crianças? Sally: Os nomes? Quer dizer, os nomes? E: Rã-hã ... Sally: Oh, bem, hum, ... (Sally continua apenas olhando fixo para a direita ou para Erickson. Ele aproxima-se dela. A mão de Sally ainda está parada no ombro e não está estabelecendo contato com as pessoas na sala.) Bem, lembrome de Maria, e de Eileen, e de David e Giuseppe. E: Becky? Sally: (Falando mais alto.) Giuseppe.
E: E o que você achava, quando era pequena, que seria ao crescer? Sally: Achava, hum, que poderia ser uma astrônoma ou uma escritora. (Faz um trejeito com o rosto.) E: E você acha que isto acontecerá? Sally: Acho que uma destas coisas acontecerá. (Pausa) Estou ... minha mão esquerda não se mexe. (Sorri). Estou realmente surpresa com isto. (Ri.) E: Está um tanto surpresa com sua mão esquerda? Sally: Lembro-me de que você disse que eu não conseguiria mexê-Ia e, hum ... E: Você acreditou em mim? Sally: Acho que sim. (Sorri.) E: Você está só achando. (Sally ri.) Sally: Parece que eu, hum... parece-me que não se mexeu. E: Então é mais do que uma suposição? (Sally ri.) Sally: Hum... sim (suavemente) Eu... é muito surpreendente também que eu possa acordar do pescoço para cima e não do pescoço para baixo. E: Isto a surpreende? Sally: Que se possa ... hum ... que o corpó fique adormecido do pescoço para baixo e que a gente fique falando ... o senhor sabe... e estando acordada. E o corpo fica tão dormente. (Risos) E: Em outras palavras, você não pode andar. Sally: Bem, não neste exato momento. (Sally faz que "não" com a cabeça.) E: Não neste exato momento. Sally: (Suspira.) Hum, não exatamente agora. Agora, qualquer obstetra neste grupo já sabe como produzir uma anestesia do corpo. (Erickson olha expectante para Sally.) (Sally faz um "sim" com a cabeça e depois sacode-se fazendo um "não". Continua olhando fixo para a direita. Limpa a garganta.) Que tal lhe parece ter trinta e cinco anos sem poder andar? Sally: (Corrigindo Erickson.) Trinta e quatro. E: Trinta e quatro. (Sorri.)
Sally: Hã ... parece ... hão .. neste momento parece agradável. E: Muito agradável. Sally: Hã-hã. E: Bem, quando você entrou, no início, gostou da atitude de brincadeira que assumi com você? Sally: Provavelmente gostei. E: Provavelmente gostou? Sally: B sim. E: Ou provavelmente não gostou? Sally: B. Provavelmente foi isto. (Sally ri.) E: (Sorrindo.) Agora é o momento da verdade. Sally: Hã? (Ri.) E: Agora é a hora da verdade. Sally: Bem, hum, meus sentimentos estavam confusos. (Risadas) E: Você disse "sentimentos confusos". Muito confusos? Sally: Bem, sim, eu gostei e não gostei. E: Sentimentos muito, muito misturados? Sally: Não sei se consigo estabelecer esta distinção. E: Você maldisse a hora em que veio? Sally: Oh, não! Estou muito feliz de ter vindo. (Morde o lá· bio superior.) E: E assim, vindo aqui, você aprendeu a não andar. Sally: (Ri.) É. E a, hã, não me mexer do pescoço para baixo. (Acena com a cabeça.) E: E como estava o sabor do doce? Sally: (Suavemente). Oh, muito bom!, mas ... hum, eu ti· nha. .. eram vários tipos diferentes. E: (Sorri.) Então você estava chupando balas? Sally: Hã-hã. (Sorri.) E: Quem lhe deu? Sally: Você. E: (Faz um sim com a cabeça.) Fui generoso, não? Sally: Sim. Foi realmente bom. (Sorrindo.) E: Gostou da bala? Sally: Hã-hã. Sim. E: E todos os filósofos dizem que a realidade está toda na nossa cabeça. (Sorri.) Quem são estas pessoas aqui? (Sally olha ao redor. Erickson inclina-se em direção a Sally.)
Sal1y: Não faço idéia. E: Agora, diga-me sua opinião franca sobre eles. Sal1y: Bem... todos ... parecem diferentes. E: Parecem diferentes. Sal1y: É, todos parecem diferentes. (Tosse, limpando a garganta.) Parecem legais. Parecem todos, parecem diferentes ... uns dos outros. E: Todas as pessoas são diferentes umas das outras. (Sal1y ri, autoconsciente, limpa a garganta e suspira.) Onde está Eileen agora? Sal1y: Oh, não sei, Hã ... E: Há quanto tempo você não pensa em Eileen? Sal1y: Oh, bem, hum. .. bastante tempo. Hã, hum, hã, Maria era irmã dela. Ela era mais próxima da minha idade e, hum, era a irmã mais nova, hum, lembro-me delas, sabe; são pessoas das quais eu me lembro da infância, mas raramente penso nelas. E: Onde era sua casa? Sal1y: Oh, hum, em Filadélfia. E: E você estava no quintal? Sal1y: Hã-hã. E: Em Filadélfia? Sal1y: Hã-hã. E: Como chegou aqui? Sal1y: Oh, talvez apenas pensasse em estar aqui. E: Reparem. Ele está mexendo a perna, está mexendo os pés e os dedos, e ela está fazendo a mesma coisa. (Aponta para pessoas na sala.) Por que razão você está sentada aí, tão quieta? Sal1y: Bem, lembro-me que você disse algo sobre... hum ... E: Você sempre faz o que eu digo? Sal1y: (Faz "não" com a cabeça.) Não é comum eu seguir ordens. E: (Interrompendo.) Você diria, então, que é uma moça fora do comum? Sal1y: Não, é incomum eu seguir ordens. Nunca sigo ordens. E: Nunca? Sal1y: Não posso dizer nunca. Raramente. (Sorri.)
E: Tem certeza de que nunca segue ordens? Sally: Não. Acho que foi o que fiz exatamente. (Ri e limpa a garganta, tossindo.) E: Você segue sugestões ridículas? Sally: (Ri.) Hã, bem, provavelmente eu poderia me mexer. E: Hã? Sally: Provavelmente eu poderia me mexer se realmente me decidisse a fazê-Ia. B: Se olhar em volta, para cada pessoa, quem você acha que será o próximo a entrar em transe? Olhe para cada um deles. Sally: (Olha em volta.) Hum ... talvez esta mulher bem aqui, com o anel nQ dedo. (Aponta para Anna.) E: Qual? Sally: .(Suavemente) Hã ... a mulher na nossa frente, com o anel no dedo esquerdo. Está com os óculos na cabeça. (Ericksbn debruça-se ,e chega mais perto.) E: E oque mais? Si:llly: O que mais? Acho que provavelmente será ela a pró. xima pessoa. a entrarem transe. E: Tem certeza de que não se esqueceu de alguém? Sally: Bem, tem um casal ali que eu senti que ... o homem per· to dela. E: Mais alguém? Sally: Hum... sim, mais alguém. E: Hum? Sally: Mais alguém. (Sorri.) E: Que tal a moça sentada à sua esquerda? (Indica Rosa.) Sally: É. E: Quanto tempo você acha que levaria para ela descruzar as pernas e fechar os olhos? (Rosa está com as pernas e os braços cruzados. Está sentada ao lado da cadeira verde, mais afastada de Erickson.) Sally: Hum ... não muito. E: Bem, observe-a. (Rosa não descruza as pernas. Olha para Erickson, depois abaixa o olhar. Depois levanta os olhos , e sorri, e em seguida olha em volta.)
Rosa: Não tenho vontade de descruzá-Ias. (Rosa dá de ombros.) E: Eu não lhe disse para não se sentir à vontade. Ninguém lhe disse para se sentir desconfortáve1. (Rosa faz que sim com a cabeça.) E: Só perguntei a esta moça quanto tempo levaria para você descruzar suas pernas e fechar os olhos e entrar em transe. (Rosa faz um "sim" com a cabeça. Pausa. Erickson olha expectante. Fala com Sally à sua esquerda imediata.) Observe-a. (Pausa. Rosa fecha e abre os olhos.) Ela fechou os olhos e abriu-os. Quanto tempo levará antes que os fechem (sic), e mantenha-os fechados? (Pausa. Erickson olha para Rosa. Rosa pestaneja.) Ela está tendo mais tra· balho para abrir os olhos. (Então Rosa fecha os olhos. morde os lábios e depois abre os olhos. Sally fecha os olhos.) Ela está tentando, no duro, fazer um jogo comigo, mas está perdendo. (Pausa) E ela não sabe como está perto de entrar em transe. Portanto, feche os olhos, agora. E mantenha-os fechados, agora. (Rosa pestaneja uma vez e depois pestaneja mais demorado.) Está bem, pode tomar tempo. (Rosa pisca de novo.) Mas você vai fechá-Ias. (Rosa pisca novamente.) E da próxima vez que se fecharem, deixe-os fechados. (Pausa. Rosa fecha os olhos e abre-os, fecha-os e abre-os de novo.) E você está começando a saber que eles vão se fechar. Está lutando para mantê-Ios abertos e não sabe por que razão estou implicando com você. (Rosa fecha os olhos, abre, fecha e abre.) Está certo. (Fecha os olhos e eles ficam fechados.) Certo. Agora o que eu queria que vocês vissem era a cooperação de Rosa. Assim, os pacientes podem resistir e resistirão. Achei que ela resistiria e exemplifiquei a resistência bastante bem. Ela ainda não sabe, mas vai descruzar as pernas. Mas ela quer mostrar que não é obrigada a fazê-Io. Está certo. Quando lidamos com os pacientes, eles sempre querem aferrar-se a alguma coisa. E como terapeutas vocês devem deixar que o façam. (Pausa. Rosa mexe-se na cadeira e debruça-se para a frente, mas ainda está com as pernas cruzadas.) Porque o naciente não é um escravo.
Estamos tentando ajudá-Io. Pedimo-lhe para fazer certas coisas, mas todos nós crescemos com o sentimento de que: "Não sou escravo de ninguém; não sou obrigado a fazer estas coisas." Mesmo coisas que ele acha que vão contra os desejos dele. (Rosa abre os olhos. Sal1y tosse. Dirigindo-se a Rosa.) Agora, como se sente com o fato de eu implicar com você? Rosa: Só queria ver se podia resistir ao que você estava dizendo. E: Sim. (Sal1y tosse.) Rosa: Quero dizer ... eu podia descruzar minhas pernas. (Descruza-as e cruza-as de novo. Sal1y está rindo e tossindo. (Erickson faz uma pausa.) E: E eu lhe disse que você ia descruzar as pernas. Rosa: B. Eu posso. Sal1y: (Tosse. A tosse faz com que mexa o braço esquerdo. Um homem dá-lhe uma pílula ou uma pastilha para a tosse e ela coloca na boca. Depois abre os braços e dá de ombros para Erickson.) Por acaso você me disse que eu iria tossir? (Ri, toca em Erickson e tosse de novo.) E: Ora, vejam se isto não é um caminho tortuoso ... (Sal1y tosse e cobre a boca com a mão.) Um 6timo caminho, inteligente e tortuoso para conseguir controlar. " a mão esquerda. (Sal1y ri e faz que sim com a cabeça.) Sal1y: Desenvolver um sintoma. E: Você se livrou do braço paralisado e conseguiu isso tossindo. (Sal1y faz que sim com a cabeça e tosse.) E funcionou, não? (Sal1y ri e tosse.) Realmente você não é uma escrava. Sal1y: Acho que não. E: Porque você ficou cansada de manter a mão esquerda suspensa ali. E assim, como poderia baixá-Ia? Apenas tossindo bastante ... (Sal1y ri.) ... e conseguiu baixá-Ia. (Sal1y ri e suspira.) Christine: Poderia fazer uma pergunta sobre o fato de ficar cansada de o braço estar erguido? Pensei que, num transe, a pessoa não ficasse cansada, pouco importa em que estranha posição ficasse. B uma suposição errada? Seu
braço ficou realmente cansado ... de ficar ali? Ou você estava tão acordada que se sentiu esquisita de ficar nesta posição? Sal1y: Hum, eu senti, hum ... experimentei uma espécie de ... talvez. .. apenas uma sensação diferente e uma percepção da tensão, mas, hum ... eu provavelmente poderia ficar sentada ali mais tempo. Christine: Poderia? Sal1y: Senti como se pudesse ... hão .. ficar ali mais tempo ... Era um pouco estranho, sabe, eu ... (Erickson interrompe e dirige-se a Rosa.) E: Seu nome é Carol, não? Rosa: O quê? E: Seu nome é Carol. Rosa: Meu nome, não. E: Qual é? Rosa: Quer saber meu nome? (Erickson faz que sim.) Rosa. E: (Caçoando.) Rosa. Rosa: É. Assim como Rosa. E: Tudo bem. Fiz a Rosa demonstrar resistência, e Rosa fez um ótimo. trabalho de demonstrar resistência. Rosa demonstrou resistência e também anuência. Por que seus olhos . feçharam-se de fato. Qual é seu nome? (Dirige-se a Sal1y.) Sal1y: Sal1y. ' E: Sal1y. Bem, fiz Rosa demonstrar resistência, mas também transigir. (Sal1y sorri.) Sal1y desenvolveu uma tosse para poder libertar-se e mostrar resistência, também. (A Rosa.) E você deu o exemplo para Sal1y libertar o braço. Rosa: Bem, fechei os olhos porque achei que seria mais fácil naquele momento fechá-los. Se não, você iria continuar a me dizer para fechá-los; por isso eu disse O.K., vou fechá-los para que você pare de me pedir para fechá-los. E: Hum ... hum. Mas você os fechou e Sal1y seguiu seu exemplo de resistência. Fez isso indiretamente, tossindo. (Sal1y sorri.) Garota esperta. (Sal1y tosse e limpa a garganta.) (Para Sal1y:) Agora, como vai fazer para libertar as pernas? (Sal1y ri.)
Sally: Hum, simplesmente fazendo. (Erickson aguarda.) O.K., observe (Sally olha em volta antes de mexer as pernas. Erickson olha para suas pernas e aguarda.) E: E o que foi que ela fez? Primeiro, usou pistas visuais. Olhou para um lugar diferente, para colocar o pé. Percorreu outro processo sensório para conseguir uma resposta muscular. (Para Sally.) E agora, como vai fazer para se levantar? Sally: Bem, simplesmente ficando de pé. (Olhou para baixo em primeiro lugar, riu, em seguida empurrou-se para cima e ficou de pé.) E: Habitualmente custa tanto esforço? (Sally tosse e limpa a garganta.) Tem certeza de que comeu algum doce? Sally: Agora, ou antes? E: Antes. Sally: Bem, hão Mas me lembrei de que se tratava de uma sugestão. E: (Mexe-se para frente e para mais perto de Sally.) Você acha que está totalmente acordada, agora? Sally :(Ri.) Sim, acho que estou bem acordada. E: Bem acordada. Você está acordada? Sally: Sim. Estou acordada. E: Tem certeza disso? Sally: (Ri.) Sim. _ E: (Levanta a mão esquerda de Sally, devagar. As mãos dela estavam cruzadas e ele as separa devagar e levanta o braço esquerdo dela pelo pulso.) Sally: Não parece que me pertence. E: O quê? Sally: Não parece que me pertence... quando você faz isto. (Erickson deixa o braço de Sally suspenso catalepticamente. Ri. Sally ri.) E: Você está menos segura de estar acordada. Sally: (Sorri.) Menos segura, sim. Não experimentei nenhuma sensação de peso no braço direito, meu braço direito não tem nenhuma sensação de peso. E: Não experimenta nenhuma sensação de peso. Isto responde , à sua pergunta, não? (Dirige-se a Christine, que fez a per-
gunta sobre o Jato de a pessoa ficar com o braço numa posição estranha, na hipnose.) (E para Sally) Você pode mantê-ia assim, ou vai levantá-Io até o rosto? (Erickson gesticula com a mão esquerda.) .Sally: Rum ... Provavelmente posso mantê-Io aqui. E: Observe. Acho que se vai levantar. Sally: Rum, não. (Faz um não com a cabeça.) E: A mão vai se levantar com pequenos impulsos. (Pausa. Sally olha fixo para frente, depois olha para Erickson. Faz um não com a cabeça.) Talvez você tenha sentido o impulso. Está começando. (Sally olha para a mão.) Viu este impulso? Sally: Quando você mencionou, eu senti, sim. E: Não sente todos os impulsos? Sally: Rem? E: (Erickson baixa a mão de Sally com movimentos pausados e vagarosos, descansando seus dedos sobre o pulso dela. Depois retira sua mão.) Você resistiu a que eu baixasse -? a mao, nao. Sally: Rum, hum. E: Por quê? Sally: Eu estava bem do jeito que estava. (Risos) E: (Sorri.) Estava bem ... do jeito que estava. (Olhando para o chão.) Um jovem de tri:qta anos, que fora membro do Corpo Naval e lutara na Segunda Guerra Mundial no Pacífico Sul, voltou para casa. Apesar das batalhas de que participara, nunca foi ferido. Sua mãe e seu pai ficaram felizes em vê-lo. E a mãe e o pai decidiram ser muito bons com ele. Assim, a mãe começou a dizer-lhe o que devia comer no café da manhã, no almoço e no jantar. A mãe começou também a dizer-lhe que roupas deveria vestir cada dia. O pai achou que o filho trabalhara muito e deveria ter alguma diversão e assim selecionou histórias do Saturday Evening Past para o filho ler. wi1{" era um menino muito bom. Comeu e vestiu conforme a mãe lhe disse para fazer. Leu as histórias que o pai lhe disse para ler. Era o bom menino dos pais. Mas Will enjoou e ficou cansado de fazer só as coisas que o
_pai e a mãe diziam para fazer. E realmente eles lhe diziam tudo o que fazer. A única liberdade que tinha 'era trabalhar num loteamento de carros de segunda mão. E descobriu que não podia atravessar a rua Van Buren. O loteamento de carros ficava na Van Buren. Também descobriu que não conseguia dirigir até a Avenida Central Norte para trabalhar. Havia um restaurante chamado Golden Drumstick que tinha uma grande quantidade de janelas, e ele tinha medo quando passava dirigindo por este restaurante; por isso desviava-se vários quarteirões deste caminho. E então descobriu que não conseguia andar de elevador nem de escada rolante. E havia uma quantidade de ruas que tinha medo de atravessar. Não gostando de sua situação familiar, procurou-me para terapia. Quando descobri que Will não conseguia passar dirigindo pelo Golden Drumstick, eu lhe disse: "Will, você vai levar a senhora Erickson e eu para jantar fora, e eu vou escolher o restaurante." Ele respondeu: "O senhor não vai escolher o Golden Drumstick." Respon. di-lhe: "Will, a senhora Erickson e eu seremos seus convidados. E você naturalmente vai querer agradar seus con· vidados, e não vai dizer a seus convidados onde eles não devem ir; você vai querer levar seus convidados aonde desejarem ir." A seguir eu lhe .disse: "E você tem medo de mulheres. Mesmo quando vende carros usados, você presta atenção no chão, mas nunca olha para as mulheres. Você tem medo de mulheres. E já vai levar a senhora Erickson e eu para jantar fora; acho que seria ótimo se você tivesse uma companhia feminina. Ora, eu não sei que tipo de companhia você gostaria, por isso diga-me que tipo de mulher você gostaria de levar para sair." Ele disse: "Eu gostaria de levar uma moça bonita e solteira." Disse-lhe eu: "Há algo pior do que uma moça bonita e solteira?" Respondeu-me: "Há sim. Uma divorciada bonita. Seria muito pior do que sair com uma solteira." Continuei: "Bem, que outras mulheres você prefiriria não convidar?" Respondeu: "Não quero levar nenhuma viúva jovem." Finalmente cheguei à questão: "Se você vai levar uma com-
panhia feminina, que tipo você quer levar?" Ele disse: "Oh, se tivesse que sair com uma mulher, eu preferiria uma que tivesse pelo menos oitenta e seis anos." Então eu lhe disse: "Tudo bem. Venha à minha casa na próxima terça-feira ao anoitecer, às seis horas, preparado para levar a senhora Erickson, eu e uma outra mulher para jantar fora." Will disse (com medo): "Acho que não vou conseguir". Respondi-lhe: "Will, esteja aqui às seis horas na próxima terça-feira. Você pode fazer isto." Will veio conforme o combinado, às cinco horas na terça-feira seguinte, todo emprumado, com o suor rolando no rosto. Achou difícil sentar-se no sofá. Eu lhe disse: "A moça que eu convidei para lhe acompanhar ainda não chegou, por isso podemos aproveitar o tempo de modo agradável esperando por ela." Will não passou nenhum momento agradável. Ficou pregado no sofá; olhava para a porta da frente, olhava esperançosamente para a senhora Erickson e olhava esperançosamente para mim. Tivemos uma conversa normal, e finalmente entrou uma moça muito bonita, atrasada uns vinte minutos. Will levou um choque e ficou horrorizado. Apresentei-os e disse: "Will, esta é Keech. Keech, Will vai nos levar para jantar fora." E Keech aplaudiu feliz e sorriu satisfeita. Eu continuei: "A propósito, Keech, quantas 'vezes você se casou?" Keech respondeu: "Oh, seis vezes." Perguntei-lhe: "Quantas ve· zes se divorciou?" Ela respondeu: "Seis vezes". (Erickson ri.) Will ficou muito pálido. Prossegui: "Will, pergunte a Keech onde ela gostaria de jantar." Keech respondeu: "Oh, Will, eu gostaria de ir ao Golden Drumstick na Avenida Norte Central." A senhora Erickson disse: "Eu gostaria também." Respondi: "É um ótimo restaurante, Will." E Will estremeceu. Continuei: "Vamos, será que preciso segurar seu braço, Will?" Respondeu-me: "Não, eu posso andar, mas acho que vou desmaiar." Eu disse: "Há três degraus para descer na porta da frente. Não desmaie nos degraus. Você vai se machucar. Espere até chegar no gramado. Lá você poderá
desmaiar." Will disse: "Não quero desmaiar. Talvez consiga percorrer todo o caminho até o carro." Quando chegou ao carro - era o meu carro - e eu sabia que eu ia dirigir, Will disse: "Acho melhor me segurar no carro, acho que vou desmaiar." Eu lhe disse: "Aqui é perfeitamente seguro para desmaiar." E Keech falou: "Oh, Will! Entre e sente-se aqui atrás comigo." Assim, Will subiu tremendo. Chegamos ao local de estacionamento no Golden Drumstick, e eu estacionei na extremidade oposta do estacionamento. Disse-lhe: "Will, depois que você sair do carro, pode desmaiar no terreno do estacionamento." Will respondeu: "Não quero desmaiar aqui." Keech e a senhora Erickson desceram, e eu também. Começamos a andar em direção ao restaurante. Durante todo o percurso eu apontei (Erickson gesticula) e disse: "Aqui é um bom lugar para desmaiar; ali é um bom lugar para desmaiar, há outro ótimo lugar para desmaiar ali, ali há outro ... " Ele chegou à porta do restaurante e eu disse: "Você quer desmaiar dentro ou fora da porta?" Ele respondeu: "Não quero desmaiar fora." Continuei: "Bem, vamos entrar e você pode desmaiar lá dentro." E, quando entramos, eu disse: "Que mesa você prefere, Will?" Respondeu: "Uml! perto da porta." Continuei: "Há um piso elevado no outro extremo do restaurante, que tem ótimas mesas. Vamos jantar lá porque, desta forma, você pode ver todo o restaurante." E Will disse: "Vou desmaiar antes de chegar lá." Respondi-lhe: "Tudo bem. Você pode desmaiar (Erickson gesticula.) perto desta mesa, ou desta, ou desta." Will continuou andando de uma mesa até a outra. A senhora Erickson sentou-se num dos lados da mesa e Keech disse: "Agora você entra, Will." E sentou-se ao lado dele. A senhora Erickson sentou-se também ao lado dele, e eu fiquei na cadeira de fora. Will ficou na poltrona, comprimido por uma mulher de cada lado. Veio a garçonete. Perguntou o que queríamos e algo , que ela disse me ofendeu. Respondi-lhe rudemente e ela
falou irritada comigo. A primeira coisa que aconteceu foi que tivemos uma discussão aos gritos. Todo o restaurante virou.se e olhou para nós, Will tentava se esconder debaixo da mesa. A senhora Erickson segurou-o pelo braço e disse-lhe: "Ora, é melhor olharmos isso." Finalmente, a garçonete se afastou muito irritada e veio o gerente, e queria saber qual era o problema. Então travei um embate de palavras com ele, logo estávamos gritando. Finalmente saiu. A garçonete voltou e disse: "O que o senhor vai querer?" Então a senhora Erickson pediu o que queria e eu fiz o mesmo. A garçonete virou-se para Keech e disse: "O que vai pedir, por favor?" Keech respondeu: "O cavalheiro meu amigo vai querer galinha, todo tipo de carne branca de galinha. Vai querer batata assada, nem muito grande nem muito pequena. Creme de leite ácido com cebolinhas. Quanto a legumes, acho melhor um prato de cenouras cozidas, e também quero aqueles enroladinhos para ele." Depois ela pediu o que queria. Durante o jantar, Keech continuou dizendo a Will o que deveria comer, que pedacinhos deveria provar em seguida, e supervisionou cada bocado que ele comeu. Betty e eu aproveitamos o jantar. Foi um inferno para Will. E quando saímos, Keech disse: "É claro que você vai pagar o jantar, Will. E acho que você deve dar uma boa gorjeta para a garçonete. Foi um ótimo jantar, e dê-lhe ... " E indicou uma gorjeta. Continuei advertindo Will enquanto saímos: "Esta é uma ótima mesa para desmaiar." Indiquei todos os pontos onde ele poderia desmaiar até chegarmos ao carro, e ele subiu. Voltamos para casa e Keech disse: "Will, vamos entrar e visitar o doutor Erickson e a senhora Erickson." Pegou-o pelo braço e praticamente o carregou para dentro. Depois de uma breve conversação Keech disse: "Adoraria dançar." Will disse triunfante: "Eu não sei dançar." Keech disse-lhe: "Isto é maravilhoso. Não há nada que eu goste mais do que ensinar um homem a dançar. E apesar de a
sala quase toda ter tapetes ... 0 senhor tem ~ma vitrola, doutor Erickson, coloque alguns discos e eu vou ensinar Will a dançar." Levou Will até o chão de tacos e finalmente disse: "Realmente, Will, você é um dançarino nato. Vamos para um salão de baile passar uma ótima noite dançando." Assim, Will saiu contrariado, dançaram até as três da manhã, e ele a levou para casa. Na manhã seguinte, a mãe começou a servir o café da manhã e Will disse: "Não quero ovo quente. Quero ovo frito, três fatias de . bacon e duas torradas. E quero um copo de suco de laranja." A mãe (suavemente) respondeu: "Mas Will ... " Ao que Will retrucou: "Nada de 'mas', mãe, sei o que quero." À noite voltou para casa e o pai lhe disse: "Achei um ótimo artigo para você no Saturday Evening Post." Will respondeu-lhe: "Eu trouxe a Police Gazette. Vou ler isto." (Para o grupo A Police Gazette para os estrangeiros seria - como poderia explicar o que é a Police Gazette? É bastante brutal. Os assuntos do Police Gazette tratam de crimes de todos os tipos, especialmente crimes sexuais. O pai ficou horrorizado e Will disse: "Semana que vem saio daqui. Vou morar no meu próprio apartamento. Vou fazer o que quero fazer." Telefonou para Keech, convidou-a para jantar no sábado e foi dançar com ela. E 'continuaram a se encontrar nos três meses seguintes. Então Will veio me ver e disse: "O que acontecerá se eu parar de ver a Keech?" Respondi-lhe: "Ela se divorciou seis vezes. Será capaz de agüentar se também você sair da vida dela." Disse-me ele: "É o que vou fazer." Parou de se encontrar com Keech e começou a sair com outras moças. Mandou-me a irmã, o cunhado e uma prima como pacientes. Um dia, Will apareceu com uma jovem e disse: "A Srta. M. tem medo de falar, de ir a muitos lugares. Apenas fica em casa e vai trabalhar. E não quer falar. Quero levá-Ia a uma festa que uns amigos meus vão dar na próxima semana, e ela não quer ir. Quero que o senhor consiga que , ela vá." EWill saiu. Dirigi-me à moça: "Srta. M., apa-
rentemente Will gosta de você." Respondeu-me: "Sim. Mas eu tenho medo de homens. Tenho medo de gente. Não quero ir à festa. Não sei o que dizer. Simplesmente não consigo falar com estranhos." Eu lhe disse: "Srta. M., c0nheço todas as pessoas que vão estar nesta festa. Todos gostam de falar, e, de fato, todos falam muito. Não vai haver um só ouvinte nesta festa. De forma que você vai ser a convidada mais valiosa, porque todos terão um ouvinte." Atualmente Will e a Srta. M. estão casados. Will foi para Yuma e levou-a consigo. Voou para Tucson e foi a Flagstaff de avião com ela para jantar. Subiu todas as escadas rolantes e tomou todos os elevadores de Fênix. Agora é o chefe de um novo negócio de automóveis. Aquela ida ao Golden Drumstick ensinou-lhe que ele podia entrar num restaurante, numa loja, num prédio onde houvesse um elevador, ou subir uma escada rolante. Ensinei-lhe que era possível sair com uma mulher e que não podia desmaiar em qualquer lugar. (Erickson dá umas risadinhas.) E foi Will quem disse à mãe o que queria comer, e Will foi quem disse ao pai o que preferia ler... e foi Will quem disse aos pais aonde iria almoçar. Tudo o que eu fiz foi arranjar uma viagem até um restaurante e combinar umas coisas com a garçonete e o gerente para uma linda briga. E o gerente, a garçonete e eu nos divertimos, e Will descobriu que podia sobreviver àquilo. (Erickson sorri.) Podia sobreviver a uma divorciada, seis vezes divorciada. Conseguiu aprender a dançar com aquela moça bonita e seis vezes divorciada. E não levou muitas semanas de psicoterapia. Era necessária uma psicoterapia de família, mas deixei Will fazê-Ia. Tudo o que eu queria era provar a Will que ele não morreria. (Erickson ri.) E também me diverti ao fazê-lo. Mas há muitos terapeutas que lêem livros e depois empreendem uma terapia assim: esta semana faremos um tanto neste sentido, na próxima outro tanto em outro sentido. E seguem todas as regras. o. seja nesta semana, seja na próxima, tanto neste mês quanto no próximo. Tudo o
que Will necessitava era descobrir que podia atravessar a rua, entrar num restaurante. Ele guiava vários quarteirões afastado do caminho para não ver o restaurante. Mostrei-lhe todos os melhores lugares para desmaiar. Não conseguiu. Dei-lhe todas as oportunidades de desmaiar, de morrer. .. (Erickson ri.) Mas ele achou que a vida era muito boa. E fez todo o resto da terapia. E agora, a Srta. M. é mãe de vários filhos e leva uma ótima vida social. Porque todo mundo precisa de um bom ouvinte. Vejam, eu não acredito na psicanálise freudiana. Freud de fato contribuiu com várias boas idéias para a Psiquiatria e para a Psicologia. Uma boa quantidade de idéias que os psiquiatras e psicólogos já deviam ter descoberto por conta própria, e não esperado que Freud lhes dissesse. E também inventou uma religião chamada "Psicanálise" que serve para todas as pessoas, de ambos os sexos, de todas as -idades, em todas as culturas e em todas as situações. E situações que o próprio Freud não sabia quais eram. A Psicanálise serve para todos os problemas em todas as épocas. Freud analisou Moisés. E eu aposto qualquer coisa como Freud nunca teve contato de espécie nenhuma com Moisés. Nem mesmo sabia com que se parecia Moisés, no entanto Freud amiliso]l-o. E a vida no tempo de Moisés era bem diferente da vida na época de Freud. E Freud analisou Edgar Allan Poe à partir de seus escritos, suas cartàs e ártigos- jornalísticos sobre ele. Acho que qualquer médico que tente diagnosticar um apendicite partindo de artigos sobre o autor, de cartas para amigos e histórias do autor deveria ser punido. (Etickson ri.) No entanto Freud analisou Edgar Allan Poe baseado em fofocas, em boatos e nos escritos de Poe. Não sabia nada sobre o homem. E os discípulos de Freud analisaram Alice no País das Maravilhas. E Alice no País das Maravilhas é totalmente uma ficção. No entanto os analistas analisaram-na. E na psicologia freudiana, quer você tenha sido filho , único ou um dentre onze, o filho único tem tantos rivais
fraternos quanto um filho com dez irmãos ou irmãs. Há a fixação no pai e a fixação na mãe, mesmo se a criança nunca conheceu o pai. Há sempre uma fixação oral, fixação anal, complexo de Édipo, complexo de Electra. A verdade simplesmente é que isto não significa de fato nada. É uma religião. Sou grato a Freud pelos conceitos com os quais contribuiu para a Psiquiatria e a Psicologia. E ele também descobriu que a cocaína era um ótimo anestésico para os olhos. (Erickson olha para a mulher à sua esquerda.) Ora, a psicologia adleriana ensina que todas as pessoas canhotas escrevem melhor que as pessoas destras. Vejam vocês: ele baseou uma boa parte de sua teoria na inferioridade e no predomínio do homem sobre a mulher. Nunca observou a escrita de boa parte das pessoas canhotas e destras, nem mandou analisá-Ia para ver se escreviam mesmo melhor. Posso lembrar-me de vários médicos destros. .. eu não diria muitos. .. porque a escrita dos médicos é horrível. Acho que os médicos canhotos escrevem tão mal quanto os destros. Adolph Meyer, que eu admirava muito, tinha uma teoria geral da doença mental. Era uma questão de energía. Bem, admito que todos os pacientes mentais têm certa quantidade de energia que se pode expressar de inúmeras maneiras, mas você não podtt usar a energia para classificar os pacientes mentais. Acho que deveríamos saber que cada indivíduo é úni· co (Sal1ey abre os olhos e volta a fechá-Ios.) Não há duplicatas. Em três milhões e meio de anos em que o homem vive na terra, acho que posso dizer com segurança que não há impressões digitais duplas, nem indivíduos duplicados. Os gêmeos univitelinos são bem diferentes nas impressões digitais, na resistência às doenças, na estrutura psicológica e na personalidade. E de fato eu gostaria que os terapeutas rogerianos, os terapeutas gestálticos, os analistas transacionais, analistas de grupo e todas as outras ramificações de várias teorias reconhecessem que nenhum deles realmente reconhece qUlll
a psicoterapia para a pessoa X não é a psicoterapia que serve para a pessoa Y. Tratei de várias doenças e sempre inventei um novo tratamento de acordo com a personalidade do indivíduo. Sei que quando levo convidados para jantar, deixo que escolham o que vão comer, porque não sei do que gostam. Acho que as pessoas devem se vestir da maneira que querem. Tenho certeza que todos vocês sabem que eu me visto do modo que quero. (Erickson ri.) Acho que a psicoterapia é um processo individual. Bem, eu lhes disse como foi que resolvi o caso da cama molhada. Como eu não tinha muita coisa a fazer naquele dia, eu a atendi durante uma hora e meia. De fato, foi realmente mais tempo do que ela precisava. Sei que vários colegas terapeutas poderiam despender dois, três, quatro ou cinco anos neste caso. Um psicanalista poderia levar dez anos com ela. Lembro-me de um residente de psiquiatria que eu tive, uma pessoa muito brilhante. Meteu na cabeça que queria aprender psicanálise, por isso procurou o doutor S., um discípulo de Freud. Havia dois psicanalistas principais eni Detroit, o doutor B. e o doutor S. Os dentre nós que não apreciavam a psicanálise, chamávamos o doutor B. de "O Papa" e o doutor S. de "O Menino Jesus". E meu re· sidente inteligente procurou o. "Menino Jesus". De fato, os três residentes procuraram-no. O doutor S. disse ao residente brilhante, no primeiro encontro que tiveram, que elep recisaria ser analisado terapeuticamente durante seis anos. Cinco dias por semana durante seis anos. Depois explicou que ele teria que ser analisado mais uns anos numa análise didática. No primeiro encontro, mencionou doze anos para Alex. E disse a Alex que sua esposa, a qual o "Menino Jesus" nunca vira, também teria de fazer seis anos de análise terapêutica. E meu residente fez doze anos de psicanálise e sua esposa submeteu-se a seis anos. "O Menino Jesus" dissera que eles não poderiam ter um filho até que ele dissesse que podiam ter. E eu achava que Alex era um jovem psi'quiatra muito brilhante, muito mesmo.
Ora, o doutor S. disse que fazia análise ortodoxa da mesma maneira que Freud. E havia os três residentes: A, B e C. A tinha de estacionar o seu carro no estacionamento A, B tinha de estacionar o carro num estacionamento B, e C tinha de estacionar o seu no estacionamento C. A vinha à uma hora e saía à uma e cinqüenta. Entrava por uma porta e o "Menino Jesus" apertava-lhe a mão. Deitavase no divã e o "Menino Jesus" passava sua cadeira para o lado esquerdo do divã, dezenove polegadas atrás da cabeça de Alex e quatorze polegadas deslocadas para um lado. Quando vinha o analisando B, entrava por esta porta e saía por outra. Deitava-se no sofá e o "Menino Jesus" ficava a quatorze e dezoito polegadas para a esquerda. Todos os três analisandos foram tratados da mesma maneira. Alex durante seis anos, B durante cinco e C durante também cinco anos. Acho que foi um crime, porque Alex e sua mulher se amavam muito e o fato de o "Menino Je· sus" mandar que esperassem doze anos para serem pais foiull1a arbitrariedade. Agora, um outro caSo: um menino de doze anos me procurou devido à enurese. Tinha doze anos e um metro e oitenta de altura; um menino muito grande. Seus pais vieram com ele e disseram-me como o castigavam por urinar na cama. Esfregavam 9 rosto dele na cama molhada, tiravam-lhe a sobremesa, não deixavam que brincasse com colegas. Repreendiam-no e batiam nele. Faziam com que lavasse a própria roupa de cama, fizesse a cama e não deixavam que tomasse água a partir do meio-dia. E durante doze anos Joe dormia e molhava a cama todas as noites. Finalmente os pais trouxeram-no para que eu o atendesse na primeira semana de janeiro. Eu lhe disse: "Joe, você agora é um rapaz. Quero que ouça o que tenho a dizer a seus pais. Senhor e senhora: Joe é meu paciente e ninguém se intromete com um paciente meu. E, senhora: a senhora· vai passar e lavar a cama da Joe. Não vai mais gritar com ele. Não vai privá-lo de nada. Não vai dizer nada sobre o fato de ele molhar a cama. E você, senhor: você
não vai castigá-Ia, nem privá-Ia de nada. Vão tratá-Ia como se ele não molhasse a cama, como se ele fosse um filho modelo. É o que tenho a dizer sobre Joe." Coloquei Joe· num leve transe e disse-lhe: "Joe, ouçame. Você molhou a cama durante doze anos, e demora algum tempo para qualquer pessoa aprender a não molhar. No seu caso vai levar mais tempo que o habitual. Não faz mal. Você está autorizado a levar o tempo que precisar para aprender a deixar a cama seca. Estamos na primeira semana de janeiro. Acho que não seria razoável supor que você consiga parar de molhar a cama em menos de um mês, e fevereiro é um mês muito curto; por isso não sei se você vai querer deixar de molhar a cama no dia "primeiro da abriL" Ora, para um menino de doze anos, a primeira semana de janeiro é uma data bastante longe do dia de S. Patrício ou do primeiro de abril. Isto é, para uma mente infantil. Por isso eu lhe disse: "J oe, não é da conta de ninguém se você deixa de urinar na cama no dia de S. Patrício ou no primeiro de abril. Nem mesmo da minha conta. É um segredo seu." Em junho sua mãe me procurou e disse-me: "Joe vem mantendo a cama enxuta não sei há quanto tempo. Aconteoe que hoje percebi que já vem mantendo a cama enxuta todos os dias por muito tempo." Ela não sabia há quanto tempo ele havia parado de urinar. Nem eu. Pode ter sido no dia de S. Patrícia. Ou no dia primeiro de abril. É um segredo de Joe. Os pais não tomaram conhecimento do fato até junho. Agora, outro menino de doze anos, que molhava a cama todas as noites até os doze anos. O pai rejeitava o menino, nem mesmo falava com ele. Quando a mãe o trouxe para eu atendê-Io, fiz com que Jim se sentasse na sala de espera enquanto a mãe me contava a história. Ela me deu dois dados valiosos de informação. O pai molhara a cama até os dezenove anos. E o irmão da mãe molhara a cama até uns dezoito anos de idade. A mãe era compreensiva com o filho. Achava que a enurese devia ser herdada. Assim, eu disse à mãe: "Vou
falar com Tim na sua presença. Ouça atentamente tudo o que eu lhe disser." Chamei Tim e disse-lhe: "Tim, descobri tudo sobre sua enurese, conversando com sua mãe, e quero que você deseje parar de urinar. É algo que você tem de aprender. E sei de um caminho seguro para isso. É claro que, como todo aprendizado, será um trabalho duro. Sei que você vai querer uma cama enxuta, o bastante para trabalhar para isso, assim como você teve de dar duro para aprender a escrever. Bem, isto é o que vou pedir a sua família e a você para fazerem. Sua mãe diz que às sete horas da manhã é a hora que a família se levanta. Muito bem. .. eu disse à sua mãe para colocar o despertador para as cinco horas da manhã e ela deverá entrar no seu quarto e ver como está a sua cama. Se sentir que está molhada, deverá despertá-lo e ambos irão à cozinha, acenderão as luzes e você começará a copiar um livro. Pode escolher o livro". Ele escolheu "O Príncipe e o Pobre". E senhora, a senhora gosta de costurar, de fazer tricô e crochê, e colchas de retalhos. E então sentará com Tim na cozinha enquanto ele copia o livro que escolheu. A senhora vai se sentar em silêncio, costurando, tricotando ou fazendo crochê, de cinco às sete da manhã. Isto dará bastante tempo para Jim e o pai se vestirem. Então, a senhora preparará o café da manhã e terão um dia normal. E todas as manhãs, às cinco horas, a senhora vai ver como está a cama de Tim. Se estiver molhada a senhora acordará Tim e o levará à cozinha sem dizer nada, e começará a costurar, e Tim começará a, copiar o livro. E todos os sábados você me trará uma cópia do trabalho. Mandei Tim sair e disse à mãe: "Bem, a senhora ouviu o que eu disse. Tim ouviu-me dizer que a senhora deverá ver como está a cama e se estiver molhada deverá despertá-Io e levá-lo à cozinha para copiar. Algumas manhãs a cama de Tim estará seca. Então a senhora voltará para a cama silenciosamente e dormirá até as sete horas. Então se levantará, acordará Tim e pedirá desculpas por ter passado da hora.
Dentro de uma semana a mãe encontrou a cama seca, por isso voltou para a cama e às sete horas se desculpou por ter dormido. Eu voltei a vê-Io no dia primeiro de julho; no final de julho Jim não urinava mais à noite. E sua mãe continuou passando da hora sem despertá-Io. Isto porque eu transmitira minha mensagem de que a mãe verificaria a cama, e, se a encontrasse molhada, seria o caso de: "Você vai se levantar e copiar." E se vocês pensarem atentamente nesta frase, verão que significa: "Sua mãe vai tocar na sua cama e se estiver molhada você terá de se levantar e copiar." A implicação oposta é "Se estiver seca, você não se levantará. "Por isso, um mês depois, Jim mantinha a cama seca. E seu pai levou-o para pescar, o que era o esporte favorito do pai. Ora, era o caso de uma terapia de família. Mandei a mãe fazer uma costura. Ela era compreensiva. E no que se sentava lá na cozinha costurando, Jim não podia encarar o fato de ela despertá-Io e pedir-lhe para copiar como um castigo. Ele estava aprendendo alguma coisa. E fiz com que Jim viesse me ver no consultório. Recebia todo o trabalho de cópia arrumado cronologicamente. Jim olhava para a primeira página e dizia: "Isto é terrível. Pulei palavras e escrevi outras erradas. Esta caligrafia é terrível." Mas, enquanto virávamos as páginas em ordem cronológica, Jim parecia mais e mais satisfeito. Sua redação melhorou, sua dicção melhorou. Ele não pulava mais palavras ou frases. E quando terminou a leitura de sua cópia estava muito satisfeito. Depois que ele retomou à escola, passadas algumas semanas - três semanas - chamei-o e perguntei-lhe como estava indo. Ele disse: "Sabe como é, é engraçado. Antes ninguém gostava de mim no colégio. Ninguém jogava comigo. Eu era muito infeliz na escola e tirara notas baixas. E agora, este ano, sou o capitão do time de basquete e tiro graus A e B ao invés de D ou F." Tudo o que fiz foi reorientar Jim para ele mesmo. E o seu pai, que eu nunca vi, levou-o para pescar depois de tê-lo rejeitado por anos e anos. Seu rendimento bai-
xo no colégio - ele descobriu que realmente podia escrever e copiar bem. Assim, ele levou esse conhecimento consigo para a escola. Ele soube que era bom para escrever e assim descobriu que era bom no jogo e boa companhia. Isto era terapia para fim. E agora o caso de um outro menino no primeiro ano da escola secundária. Há dois anos atrás ele teve uma espinha na testa e a espremeu, como todas as crianças que têm espinhas: têm de espremê-Ias. E durante dois anos Kenny esteve mexendo naquela espinha que se transformou numa grande ferida. Seus pais ficaram zangados com ele e levaram-no a um médico. O médico colocou-lhe uma bandagem muito apertada de esparadrapo e Kenny, distraidamente, enfiava os dedos por baixo dela e mexia na espinha. O doutor ameaçou-o de estar provocando um câncer. Seus pais puniram-no de todas as formas imagináveis: esbofeteando-lhe, batendo-lhe com uma vara, tirando-lhe os brinquedos e ameaça.ndo-o de não deixá-Io sair do quintal. E Kenney estava tendo D e F na escola, os professores censuravam-no. Finalmente seus pais ameaçaram levá-lo a um médico louco e isso enraiveceu Kenney como nada antes. E às vezes no jantar, ele s6 recebia pão e água, nunca sorvete, sobremesa ou bolo. Davam-lhe uma tigela com carne de porco gelada e lentilha. Não comia como sua irmã, nem como seus pais. Tinham-lhe dito para parar de mexer na ferida. E Kenny dizia· que fazia aquilo por distração, não era por querer. Então, ele não deixou que os pais o trouxessem para eu atendê-Io, por isso fui à sua çasa e encontrei-o lá. Olhoume quando entrei. E dirigi-me a ele: "Kenny, você não quer que eu seja seu médico, não?" Kenny respondeu: "Claro que não." Continuei: "Concordo com você não me querer para seu médico. Mas ouça o que vou dizer a seus pais." Falei para os pais: "Tratem o Kenny igual à irmã. É para ele comer a mesma comida que o resto da família. Vão devolver-lhe o futebol, o jogo de beisebol, a raquete, o arco, as flechas e a espingarda, o tambor e tudo o que
tomaram dele. Agora Kenny é meu paciente e eu farei todo o tratamento. E vocês vão tratar Kenny como os pais devem tratar um filho. Agora, quer ser meu paciente, Kenny?" Ele respondeu: "Claro que sim." (Risos.) Eu lhe disse: "Bem, Kenny, você não gosta desta ferida na testa, nem eu. Aliás, ninguém gosta. Por isso vou tratá-Ia da minha maneira. Significa muito trabalho. Bem, acredito que você esteja disposto a fazer um trabalho difícil. E o trabalho no duro vai ser o seguinte: todas as semanas você vai copiar mil vezes esta frase: "Concordo plenamente com o doutor Erickson e entendo que não é útil, nem bom, nem desejável que eu mexa na ferida da minha testa." E você vai ter que fazer isto durante quatro semanas, mil vezes por semana. A ferida sarou em duas semanas. (Erickson sorri.) E seus pais disseram: "Graças a Deus agora você não vai ter de copiar esta frase:" E Kenny respondeu: "O dou· tor Erickson disse que não é para vocês interferirem. Ele disse-me para fazer isto por quatro semanas e vou fazê10 durante quatro semanas." Assim o fez. Toda semana me trazia o trabalho de cópia. Depois de quatro semanas eu lhe disse: "Muito bem, IZenny. Quero que você ven,ha me ver no sábado, daqui a um mês." Ele respondeu,me com um "Certo." E veio. Eu coloquei as folhas que ele copiara em ordem cronológica. Olhou para a folha número um e disse: "Que escrita horrível. Escrevi as palavras com as letras erradas. Esqueci de escrever todas as palavras. 'Fiz as linhas muito tortas." E foi virando uma página atrás da outra. Os s.eus olhos se arregalaram e ele disse: "Minha letra está cada vez melhor, sem trocar as letras, e sem saltar." Eu lhe disse então: "Mais uma coisa, Kenny. Como estão suas notas na escola?" Respondeu-me: "Bem, no mês passado eu tive A e B. Nunca tive um A ou um B antes." (Erickson olha para Carol e para alguns outros membros do grupo.) Quando conseguimos com que a energia , mal canalizada vire em outra direção, o paciente sara, e,
é claro, no caso a família melhorou bastante. (Erickson ri.) E também os professores. . Agora, outro caso de enurese. Um menino de dez anos, Jerry, molhou a cama todas as noites durante dez anos. Tinha um irmão mais novo de oito anos que era maior e mais forte que ele, e o irmão de oito anos nunca uri· nava na cama. Jerry, com dez anos, era ridicularizado. Os pais batiamlhe de correia e ele ficava sem jantar. Fizeram com que a congregação da igreja orasse alto para que Jerry deixasse de urinar na cama. Humilharam-no de todas as maneiras. Ele tinha que usar um cartaz que cobria a frente e as costas onde estava escrito: "Sou um xixizeiro." Jerry rece· beu todos os castigos possíveis que os pais puderam imaginar e ainda assim continuou a molhar a cama. Questionei-os com bastante cuidado. Descobri que eram extremamente religiosos e que pertenciam a uma Igreja muito rígida. Disse-Ihes para trazerem Jerry ao meu consultório. Foi o que fizeram. O pai segurando-o por uma das mãos e a mãe pela outra, arrastaram-no porta adentro e fizeram-no se estender de rosto no chão. Mandei que saíssem da sala e fechei a porta, Jerry berrava e chorava. Bem, quando a gente berra, acaba perdendo o fôlego. Esperei pacientemente, e quando Jerry parou de gritar para tomar fôlego, eu berrei. Jerry ficou surpreso. Então eu lhe disse: "Foi minha vez. Agora é a sua vez." Assim Jerry gntou de novo. Parou para respirar e foi minha vez de berrar. Nós alternamos os berros e finalmente eu disse: "Agora é a minha vez de sentàr na cadeira." Foi então que chegou a vez de Jerry sentar-se na outra cadeira. E então falei com ele: "Sei que você gostaria de jogar beisebol. Você sabe alguma coisa sobre beisebol? Você tem de coordenar a visão com os movimentos do braço e da mão e equilibrar o corpo. É realmente um jogo científico. Você tem de jogar coordenando, unindo a vista e a audição. E tem de colocar os músculos de um modo preciso, correto. No futebol, tudo o que se tem de ter são ossos e músculos e você apenas vai abrindo caminho com estardalha-
ço." o irmão de oito anos jogava futeboL (Erickson ri.) Falamos sobre a ciência de jogar beisebol e Jerry ficou satisfeito com o jeito de eu descrever as coisas complicadas envolvidas neste jogo. E eu sabia que Jerry também brincava de arco e flecha. Mostrei-lhe que ao brincar de arco e flecha temos que usar a força de maneira certa. Temos de empregar a visão de modo exato e certo. Temos de prestar atenção ao vento, à distância, à altura exata para atingir o alvo. "É um jogo científico." Foi o que eu lhe disse. O nome habitual para arco e flecha é arqueio, e o nome científico para tiro ao alvo com arco é toxofilia." No sábado seguinte, Jerry me procurou sem hora marcada, e teve outra conversa comigo sobre beisebol e arqueio. Veio no outro sábado, espontaneamente, sem hora marcada. No quarto sábado voltou e disse triunfante: "Mamãe não consegue parar de fumar." Foi tudo o que se disse. Jerry parara com o hábito dele. (Erickson ri.) E durante todo o curso primário e secundário, Jerry aparecia normalmente para um encontro semanal comigo . . Discutíamos várias coisas e nunca mencionei a palavra "uri·nar". Só falávamos do que ele podia fazer. Eu sabia que Jerry queria,parar de molhar a cama. Va· lorizei· a coordenação muscular, a coordenação visual, a coordenação sensora e ele a aplicou a outras partes. (Erick· son sorri.) Temos que tratar nossos pacientes como indivíduos. Um médico, casado com uma enfermeira, estava muito preocupado com o filho de seis anos. Ele chupava o dedo. Quando não estava chupando o dedo estava roendo as unhas. Castigaram-no, bateram nele, deram·lhe correiadas, tiraram-lhe a comida, fizeram com que ficasse sentado de castigo numa cadeira enquanto a irmã brincava. Finalmente disseram ao menino que iam procurar um médico doido que tratava de gente maluca. Quando fui atendê-Ios em casa, Jackie ficou parado com os punhos fechados, olhando para mim. Eu lhe disse:
"J ackie, seu pai e sua mãe querem que eu trate você dessa coisa de você chupar o dedo e roer as unhas. Seu pai e sua mãe pediram-me para ser o seu médico. Bem, eu sei que você não quer que eu seja o seu médico, por isso, só vai ouvir porque eu vou dizer algumas coisas a seus pais. Escute com atenção." Virei-me para o médico e sua esposa, a enfermeira, e disse-Ihes: "Alguns pais não entendem o que uma criança precisa fazer. Todas as crianças de seis anos precisam chupar O dedo e precisam roer as unhas. E, Jackie, eu quero que você chupe o dedo e roa as unhas o quanto quiser. E seus pais não vão achar nada de errado nisso. Seu pai é médico. E você é meu paciente, e por isso ele não pode interferir no jeito como estou tratando você. E uma enfermeira nunca interfere no atendimento do médico. Por isso não fique preocupado, Jackie, você pode chupar o dedo e roer as unhas porque todas as crianças de seis anos precisam disso. Mas, é claro que quando você for maior e tiver sete anos, você já vai estar bastante grande e mais velho para continuar chupando o dedo e roendo as unhas." Bem, daí a dois meses Jackie faria aniversário. Para uma criança de seis anos, dois meses são uma eternidade. O aniversário estava muito longe no tempo. Jackie concordou comigo. E todas as crianças- de seis anos querem ser uma criança maior, de sete anos. E Jackie parou de roer as unhas e de chupar o dedo umas duas semanas antes do aniversário. Eu só apelei para a compreensão de um ga. rotinho. Temos de individualizar a terapia para fazer frente às necessidades do paciente individual. (Para Sally) Você está bastante imóvel para uma moça que está acordada. Acho que você esteve me ouvindo como se estivesse em transe. E estou notando que o mesmo sucedeu com os outros, todos em boa companhia. (Para Anna) E você é a mais consciente disso. Que horas são? Jane: Dez para as três.
E: Dez para as três. Ontem eu lhes perguntei se vocês acreditavam na lâmpada de Aladim, de onde surge um gênio. Agora, quantos de vocês acreditam que pode surgir um gênio de uma lâmpada? (Para Stu) Você conhece a história de Aladim e a lâmpada mágica. Eu tenho uma lâmpada de Aladim modernizada. Não tenho de esfregá-Ia. É só ligar a tomada no interruptor e aparece uma gênia, uma verdadeira gênia. Você acha que estou falando de mentira ou de verdade? Bem? Stu: Depende
de como é a sua gênia.
E: Bem, ela beija,
sorri
e pisca.
Vocês
gostariam
de encon-
trar esta espécie tão linda de gênia? Stu: Não entendi. E: Você gostaria de encontrar esta espécie tão linda de gênia? Stu: Claro que sim, mas acho que é sua esposa (Risadas). E: Não. Não é minha esposa. Stu: Gostaria de encontrá-Ia. E: É um gênio real, surge da luz. (Dirige-se a Anna.) Bem, e você tem certeza de que gostaria de encontrá-Ia? Anna: Sim. E: Você acredita que estou falando a verdade? Ou que estou inventando uma história? Anna: Acredito que está falando ~ verdade, mas acredito que há algum truque. E: Um truque? Você não vai dizer que uma moça linda é um truque, vai? Anna: Bem, vindo da lâmpada de Aladim, é sim. E: Mas lembre-se. Ela é a minha gênià e não quero que ninguém tente tomá-Ia de mim. E minha esposa não tem ciúmes dela. Bem, será que poderiam me descontaminar? (Erickson indica que devem retirar os microfones de sua lapela.) Erickson leva o grupo para dentro de casa para ver a lâmpada de Aladim e suas coleções. A lâmpada de Aladim fora presente de um dos alunos de Erickson. É um holograma de uma mulher. Quando se acende a luz dentro, pode-se ver uma foto tridimensional de uma mulher. A me-
dida que se gira a fotografia holográfica, a mulher pisca, sorri e manda beijos para o espectador. Erickson estava orgulhoso de mostrar aos visitantes sua coleção de.esculturas em pau de ferro e as lembranças. Sua coleção de esculturas em pau de ferro dos lndios Seri era bem grande e ocupava toda a sala de estar. Erickson tinha vários presentes interessantes que mostrava aos alunos. Usava os presentes para continuar a demonstrar alguns dos princípios psicológicos que discutia nos seminários didáticos.
(Pisca-pisca é o sacrum de uma vaca, que um dos filhos de Erickson arrumou de forma a parecer com a cabeça de uma vaca. Colocou duas luzinhas no lugar dos olhos. E dentro instalou um equipamento elétrico que, depois que se tira a tomada, dá uma descarga de energia acumulada.) E: (Para a senhora Erickson.) Betty, pode dar um jeito para ligar o pisca-pisca? Senhora E: Sim. E: Você gostou do meu amigo pisca-pisca ali atrás? Stu: Parece um observador curioso. Senhora E: Otimo. Quer que eu desligue agora, Milton? E: Enquanto todo mundo está olhando? Comecem a olhar. Ele vai parar de piscar. (Pisca-pisca continua piscando apesar de desligada.) E Pisca-pisca tem o predomínio do olho direito. (Pausa) Agora, Christine me deu uma informação esta manhã. Ela teve uma dor de cabeça depois de entrar em transe. Acho preferível que esta informação tenha vindo mais tarde. E fico feliz que você não tenha contado imediatamente, pois, quando se assume a tarefa de mudar o pensamento de uma pessoa, sempre que transtornamos seus padrões habituais de pensamento, ocorre, com freqüência, uma dor de cabeça.
E agora, acho que nenhum de vocês provavelmente notou, mas ao induzir os transes, eu dou as sugestões de modo a que, se a resposta natural da pessoa for a de ter uma dor de cabeça, eu deixo que a tenham. Mas também entremeio sugestões para que não fiquem alarmados, ou indevidamente amedrontados. (Erickson dirige-se diretamente a Christine.) Como se sente com respeito à dor de cabeça? Christine: Fiquei intriga da quando ocorreu, mas reconheci, quando aconteceu, como algo que já acontecera antes. Relacionei com a minha primeira experiência de hipnose, ocasião em que fiquei muito desapontada durante a sessão de treinamento, pelo fato de que o instrutor parecia permitir aos alunos darem sugestões pós-hipnóticas que não estavam à altura do treinamento, e não condiziam com o conhecimento que os supervisandos tinham da pessoa a que davam as sugestões.· E: Sei disso. Quando eu estava na equipe de ensino de American Society of Clinical Hypnosis,. sempre tomava a precaução de não dar sugestões a qualquer p~ssoa... para que as pessoas que faziam o seminário ou o laboratório não sofressem indevidamente e não tivessem dor de cabeça depois. Christine: Mas - e minha interpretação pode estar errada -, mas me pareceu que os supervisandos que davamsugestões para outro supervisando estavam ultrapassando a própria competência. E: (Faz que sim com a cabeça. Sorri e>olha para Christine.) Christine: E eu fiquei decepcionada.' .. talvez, ou perturbada porque os instrutores permitiam isto. Por outro lado, como eu mesma não sou psicóloga, também fiquei confusa e realmente não sabia se estava avaliando a situação corretamente. E primeiro observei os demais trabalhando com a situação corretamente. E primeiro observei os demais trabalhando com os outros e deixei para ser a última; e senti que a pessoa que estava trabalhando comigo era especialmente insensível, talvez, e realmente fez sugestões tão absurdas que eu realmente não consegui aceitar. No entanto,
tentei prosseguir e ser gentil para não destruir a experiência de aprendizado que ela estava tendo. E talvez seja isso que me deu dor de cabeça, e talvez seja por isso que eu a reviva cada vez que tenho uma indução. Não sei não. E: Bem, você não precisa mais revivê-la. Agora, fora da minha experiência de menino do campo, estudei agricultura na escola secundária e aprendi a importância do rodízio das plantações. Expliquei-a em detalhes para um velho fazendeiro que fez o possível para entender o que eu lhe dizia com respeito à importância de plantar milho um ano, e no ano seguinte plantar alfafa, e no outro aveia, e assim por diante. Descobri que ele sempre se queixava de que eu lhe causava dor de cabeça. (Ri.) Porque ele aprendia a mudar suas idéias. E, depois, quando eu estava na Universidade, vendi livros certo ano numa certa comunidade étnica agrícola. E lá eu aprendi outra coisa: a gente não faz rodízio de plantação sozinho. O pai deve convocar os filhos casados e seus vizinhos, e todos têm de discutir a importância dos rodízios das plantações. Então, com a responsabilidade de toda a comunidade, o fazendeiro pode plantar em rodízio. Mas, se fizesse tudo sozinho, teria dor de cabeça. (Sorri.) (Olhando para baixo.) Ora, nessa comunidade étnica - não vou lhes dizer qual o grupo étnico envolvido, mas eram todos fazendeiros - eu vendia livros e pernoitei na casa de algumas famílias. Sempre tinha de pagar minhas refeições. Numa certa família, cheguei cedo e pedi para jantar. O jovem era plantador de centeio, e o pai viera para ajudá-Ia. Antes de jantarmos, ele fez uma leitura comprida de um longo capítulo da Bíblia. Depois fez uma ação de graças bem comprida, e então comemos. Depois, fez-se outra ação de graças bastante comprida e leu-se outro capítulo da Bíblia. Quando o pai se levantou da mesa, meteu as mãos nos bolsos, tirou a carteira e disse: "Comi duas batatas, um
pouco de mingau, duas fatias de pão e dois pedaços de carne." Mencionou os outros alimentos que comera, somou os custos e pagou ao filho o preço da refeição. Pergunteilhe: "Por que razão, já que o senhor passou o dia ajudando seu filho na colheita do centeio, o senhor paga pelo seu jantRr?" E o pai disse: "Estou ajudando meu filho, mas é minha responsabilidade me alimentar, por isso pago." Uma vez vi um jovem passar por um velho dirigindo a caminho de uma certa cidade. Reconheci o jovem no carro, me apressei e emparelhei com o velho. Perguntei-lhe: "Seu filho está indo para a cidade de carro. São dez milhas até lá e o senhor vai caminhando. Ora, por que o seu filho não parou, pegou o senhor e levou-o de carona para a cidade?" O pai respondeu: "Ele é um bom filho. Parar o carro gasta gasolina extra, dar a partida gasta gasolina extra e isto não é bom. Não se deve gastar as coisas." (Sorri.) E então, certa manhã, fiquei com algumas pessoas daquele grupo e tomei o café da manhã com a família. Depois de um bom café o chefe da família foi ao pátio dos fundos. Eu o segui, curioso. Vi as galinhas se aproximarem correndo. O homem vomitou o café da manhã e as galinhas comeram. Por isso eu perguntei a razão e o homem me explicou da mesma maneira como os outros: "Bem, depois que você se casa, a vida muda, e um homem casado sempre vomita o café da manhã." E eu sabia que estava para ocorrer um casamento. Ia ser às dez e meia da manhã; por isso, organizei minha ida pela estrada de modo a chegar no local do casamento às onze horas. Encontrei a noiva no celeiro vestindo o mesmo vestido velho e usando o mesmo sapato surrado. Estava limpando o celeiro, e o marido estava no terreno de trás, de uns quarenta acres, cultivando milho. Casaram-se numa quinta-feira, e a gente não perde tempo com frivolidades. (Sorri.) E certa vez, no conselho de induções, fiz um dos residentes em psiquiatria e alguns alunos médicos observarem-me enquanto fazia exames psiquiátricos para selecionar recrutas do Exército. O residente se aproximou e
disse-me: "Será que estou louco? Acabei de rejeitar doze jovens fazendeiros. Eles são saudáveis. Todos se queixaram de fortes dores nas costas, uma vez por semana. Ficam todo o dia na cama e têm seis vizinhos diferentes que vêem auxiliá-Ias na tarefa diária, porque o chefe da casa está confinado ao leito, com sérias dores nas costas." Respondi-lhe: "Você não está louco, apenas se deparou com uma cultura étnica, uma cultura específica." Ora, os homens realmente vomitavam o café da manhã todas as manhãs, conforme ele veio a descobrir. E passavam um dia na cama e vinham seis vizinhos, para ajudá-Ia no trabalho. Inquiri o suficiente para saber que o rapaz ajuda todos os outros seis vizinhos um dia por semana, porque cada um deles tem um certo dia da semana em que sofre de dor nas costas. E o residente olhou para mim, e eu expliquei-lhe que naquele grupo étnico, quando um homem se casa, convoca seis dos vizinhos e têm uma conversa reflexiva e sincera. Como o jovem vai se casar, isto significa que, depois de ter relações sexuais com a esposa, ele ficará confinado ao leito com uma forte dor nas costas no dia seguinte, o mesmo sucedendo com cada um dos vizinhos. Por isso cada um decide que dia da semana cada um vai ter relações sexuais (Risadas), porque isto os inutiliza. (Erickson balança a cabeça e ri.) Achei isto muito divertido e certamente o fato levou o jovem residente, que estava muito apaixonado pela esposa, a ter os tipos mais selvagens de pensamentos. (Erickson ri.) Tudo era feito com rotina. O neto fazia o que o avô fizera. Aprendi um bocado de Antropologia naquele verão, com aquele grupo. Sempre me interessei por Antropologia, e acho que Antropologia é algo que todos os psicoterapeutas deveriam ler e conhecer devido ao fato de os diferentes grupos étnicos terem diferentes tipos de pensamento sobre as coisas. Ora, por exemplo, em Erie, na Pensilvânia, o Estado contratou-me para ensinar para psiquiatras do Estado; para dar-Ihes um curso de psiquiatria. Cheguei no sábado, fiquei
no Erie State Hospital na Pensilvânia. E quando fomos jantar, gostei da equipe inteira. Gostei de encontrá-los, e de todos os demais funcionários que lá estavam. Fomos para a sala de jantar dos funcionários e um deles, que trabalhava no hospital, disse a outro colega do grupo: "Hoje é sexta-feira?" O colega grunhiu e respondeu: "Tome." (Erickson estende a mão.) Passou seu bife ao colega e disse à atendente: "Traga-me uma lata de salmão." Se você lhe perguntasse: "Hoje é sexta-feira?" Em qualquer dia da semana ele não podia comer carne. Era um católico praticante e fora condicionado a não comer carne se alguém lhe fizesse uma pergunta: "Hoje é sexta-feira?" Por isso os colegas quiseram demonstrar-me o fato. E as pessoas são muito, mas muito rígidos. E cada grupo étnico tem os seus "não faça isto" e "faça isto". Quando fui à Venezuela, na América do Sul, para uma conferência, estava curioso sobre o que me aconteceria. Por isso, no aeroporto, através do intérprete, expliquei que minha esposa e eu éramos norte-americanos que não tinham tido os requintes e os benefícios da cultura venezuelana e que, por isso, cometeríamos vários erros; e esperávamos que nos desculpassem porque éramos norte-americanos, e realmente não estávamos treinados nas sutilezas do comportamento social deles. Uma das primeiras coisas que aprendi foi que não se fala cara a cara com um venezuelano. Porque a idéia de ralar cara a cara, que ele tem, é de falar com o peito apertado de encontro ao seu. Como dizia Groucho Marx: "Se você chegar mais perto de mim ainda, vai acabar atrás de mim." (Risos) Por isso, segurei esta minha bengala (Erickson gesticula como se estivesse segurando uma bengala à sua frente.), porque nunca reaprendi a andar para trás depois de ter pólio. E sabia que, se me empurrassem no peito, eu cairia. Por isso, mantive minha bengala a uma distância de que não pudessem se aproximar. Depois, disse ao meu anfitrião, através do intérprete, que minha esposa e eu cometeríamos vários erros de ade· quação social. Eu lhes diria o que ela e eu gostaríamos de
experimentar. Por isso, disse-lhe que minha esposa e eu gostaríamos de comparecer a uma festa onde houvesse homens e mulheres em casa, com os filhos. Mais tarde, descobri que na Venezuela, quando se dá uma festa, só os homens comparecem; quando as mulheres dão uma festa, só as mulheres comparecem, e, quando a festa é de crianças, só uma acompanhante fica presente. E, no entanto, ali estava um grupo heterogêneo sendo muito afável conosco, com esposas, maridos e crianças presentes. Então a senhora Erickson cometeu um engano terrível. Ela sabia bastante espanhol, e, assim, entendeu quando os alunos do secundário discutiam sobre a cadeia genética. Quantos cromossomos havia em cada célula? Quarenta e cinco, quarenta e seis ou quarenta e sete? Ela juntou-se à conversação, em espanhol, com as crianças, e disse-Ihes o número certo. E uma quantidade de médicos de lá não sabia o número certo, e supõe-se que a população masculina seja mais instruída do que a feminina. E ali estava uma. mulher norte-americana dizendo aos filhos coisas que nem os pais e as mães sabiam. E isto era algo terrível da parte dela. Uma ,rigidez. Mas todos os pacientes têm sua rigidez pr& pria. (Pausa. Uma moça novata entra na sala com Sally. Estão uns vinte minutos atrasadas.) E você é novata, não? Vai preencher uma folha de dados para meu registro. (Agora são onze os presentes na sessão de hoje.) Agora vou lhes contar um caso que vai mostrar a importância do conhecimento de Antropologia. (Erickson pede a Stu para lhe passar um arquivo. Stu entrega-o a Erick· son.) (Dirigindo à recém-chegada.) Qual é o seu nome? Mulher: Sarah. E: Sarah Lee? Sarah: Não (Risos). E: (Para Siegfried.) Tudo bem meu amigo alemão, eu só lhe perguntei se o nome dela era Lee. Sarah Lee. Sabe por quê? Siegfried: Não. Deve ser um jogo de palavras. Não compreendi. E: Você poderia lhe explicar? (Erickson pede a Christine para dar a explicação.)
E meu filho chama a cachorrinha dela de Sarah Lee, (Ri.), porque ninguém gosta dela. (Risos gerais. Dirige-se a Sarah.) E esta tem sido sua experiência, não? Sarah: Talvez. (Erickson ri.) E: Muito bem. Alguns anos atrás recebi um telefonema interurbano de Worcester, Massachusets. Um psicólogo me disse: "Estou com um garoto de dezesseis anos aqui no consultório. É um rapaz muito inteligente e tira ótimas notas na escola. Acabou de concluir o secundário, mas gagueja desde que começou a falar. O pai é muito rico e já contratou psicanalistas, psiquiatras, logopedistas, psicólogos e professores nos últimos quinze anos para ensinar o menino a falar. Agora ele gagueja mais do que antes. O senhor aceitaria o rapaz como paciente? Respondi-lhe: "Não tenho energia bastante para tomar este tipo de tarefa." Um ano depois telefonou-me de novo e disse: "Rick agora está com dezessete anos e gaguejando mais do que nunca. Será que o senhor poderia aceitá-lo como paciente?" Respondi-lhe: "Parece-me um caso muito trabalhoso, não tenho forças suficientes." Alguns dias depois chamou-me de novo e disse: "Falei com os pais e eles estão dispostos a mandar Rick até o senhor, caso possa vê-lo, ainda que seja por uma hora." Disse-lhe: "Será que eles entendem que uma consulta de uma hora não implica nenhuma obrigação de minha parte em atendê-Ia nem um minuto a mais?" Respondeu-me: "Expliquei-lhes que uma hora é uma hora e que o senhor não tem mais nenhuma obrigação além disso." Respondilhe: "Se querem ter a despesa de trazer o rapaz de Massachusets até aqui e pagar o preço de minha consulta, o problema é deles e não meu. Vou atender o rapaz uma hora apenas." Alguns dias depois o rapaz e sua mãe entraram. Olhei para Rick e para a mãe e reconheci o grupo étnico. E Rick, tentando falar, fazia uma tal confusão de ruídos, que não conseguia entender nada do que ele dizia. Por isso virei-me para a mãe, que reconheci como libanesa, e pedi-lhe para contar a respeito da família. Disse-me que ela e o marido
tinham sido criados numa certa comunidade no Líbano. Perguntei-lhe a respeito da cultura libanesa desta pequena comunidade e ela contou. Tinham crescido lá e emigrado para Massachusets e depois decidiram naturalizar-se. Ora, naquela cultura, o homem é bem superior a Deus, e a mulher é bem inferior ao que é inferior. Ora, os filhos de homem vivem com ele, e, enquanto vivem com ele, ele é um ditador absoluto. E as meninas são um aborrecimento. Você tenta casá-Ias e livrar-se delas, porque moças e mulheres só servem para duas coisas: trabalhar duro e procriar. O primeiro filho de um casamento deve ser um menino. Se não for, o homem repete três vezes: "Vou me divorciar de você", e mesmo que a mulher tenha trazido um milhão de dólares de dote, o marido confisca. Ela pode levar as roupas que estiver usando e a nenenzinha. E tem de ir para a rua e ganhar a vida do jeito que puder. Porque o primeiro filho tem que ser menino. Mas, sendo um cidadão naturalizado, ele não podia dizer à mulher: "Vou me separar de você"; por isso teve de agüentar o terrível insulto, o insuportável insulto de o primogênito ser uma menina. O segundo filho também foi uma menina. E ele não pôde fazer nada a respeito, pois era um cidadão norte-americano natuzalizado. Rick foi o terceiro filho. Ora, o mínimo que Rick deveria ter feito era parecer com o pai, e, ao crescer, virar um homem alto, esguio e esbelto como o pai. Ao invés disso, Rick era atarracado, robusto, media cerca de um metro e sessenta, enquanto o pai era um homem esguio de um metro e oitenta de altura. Por isso Rick também era um insulto, não só por ter sido o terceiro filho, mas por não parecer com o pai. E a palavra do pai é lei. Os filhos, à medida que crescem, trabalham em casa ou numa loja, e, às vezes, os pais lhes dão alguns trocados, às vezes uns dólares. Os filhos trabalham literalmente de graça. E fazem as coisas com o bom jeito libanês antigo, característico daquela área do Líbano.
Rick começou a gaguejar quando começou a falar. Gaguejava, apesar dos dezesseis anos de atendimento com psicanalistas, psicólogos, logopedistas, professores e todo tipo de ajuda que o pai, muito rico, conseguiu comprar. E, assim, obtive as informações através da mãe. Eu disse a ela: "Estou disposto a atender Rick mais algumas horas sob duas condições. A senhora deverá alugar um carro e guiá-Io pela cidade de Fênix e ver todas as paisagens que quiser. Agora lembre-se, eu sou homem." E quando eu lhe disse que ela "deveria fazer aquilo", ela ficou "sob ordens taxativas para fazer aquilo. (Erickson aponta para Christine com a mão esquerda e muda ligeiramente de inflexão.) Continuei: "Mas quando guiar, não deverá nunca, em nenhuma circunstância, falar com um libanês, pois há uma colônia libanesa em Fênix." Assim, quanto a isto ... estamos de acordo. "Agora, há outra condição. Tenho um amigo que possui uma loja de flores e uma creche. Vou telefonar para ela e a senhora vai ouvir minha conversa telefônica com ela." Desta forma, sabiam que o amigo era uma mulher. Assim, telefonei para minha amiga Minnie, e disse-lhe: "Minnie, tenho um paciente, um rapaz de dezessete anos, no meu consultório. Ele é meu paciente. Todos os dias, a qualquer hora que você queira, o rapaz terá de ir à sua loja de flores ou à creche. E quero que você lhe dê o trabalho rpais sujo, o mais sujo possível. Você o reconhecerá . quando ele entrar." Minnie era libanesa e eu tratei dos seus dois irmãos, por isso sabia o que eu queria dizer. "E ele deverá trabalhar duas horas sem receber nada, nem mesmo uma flor murcha. Quero o trabalho mais sujo possível, mais baixo. Você o reconhecerá quando ele entrar. Você não terá de dizer alô. Nem diga nada, só indique um trabalho sujo." E nenhum libanês com auto-estima pensaria jamais em trabalhar para uma mulher: está abaixo de sua dignidade. E, quanto a trabalho sujo, só serve para mulher. Verifiquei depois que Rick estava comparecendo. Minnie mostrou-lhe o trabalho; consistia, em parte, em misturar
estrume e terra com as mãos. Pois Minnie sabia o que eu queria dizer. Nunca falou com ele. Rick sempre aparecia na hora certa, trabalhava as duas horas e saía. Ninguém lhe dizia até logo. Ninguém falava com ele. E é dever de toda mulher libanesa fazer uma pequena reverência cortês ou dizer algo a qualquer homem. E ali estava Rick sendo tratado como a escória da Terra. Verifiquei e vi que ele estava trabalhando duas horas por dia, sete dias por semana, e não visitava nenhum libanês. Nesta época eu atendia Rick de vez em quando. Indaguei junto à mãe, com cuidado, a respeito dele, das irmãs, onde morava em Worcester, e assim por diante, só para ter certeza dos antecedentes gerais. Depois de ver Rick em raras ocasiões, uma hora por dia, eu disse à mãe: "Quero que a senhora alugue um apartamento por uma temporada para Rick. Quero que lhe dê uma conta no banco. Depois tome o avião de volta para Worcester." E a mãe disse: "Acho que o pai não vai aprovar." (Erickson olha para Christine.) Respondi-lhe: "Mulher, nunca permito que alguém interfira com os meus pacientes. Agora vá e faça o que eu digo." Assim ela soube que estava falando com um homem. Alugou um apartamento, deu-lhe uma conta no banco e partiu para Massachusets no mesmo dia. Rick veio ver-me e eu lhe disse. "Rick, tenho ouvido você. Estou intrigado com estes ruídos que você faz quando tenta falar. Vou atendê-Io umas duas vezes pois estou começando a achar que sei o que está errado." Depois de tê-Io atendido num total de quatorze horas, disse-lhe: "Rick, ouvi você com toda atenção. Você foi atendido por psicanalistas, por psiquiatras, médicos em geral, professores, logopedistas, psicólogos, tutores e todo o mundo." Continuei: "Rick, ouvi você com toda a atenção. Não acho que você seja gago. E, amanhã, quero que você traga duas folhas de papel. Nas folhas de papel você vai escrever números de um a dez e vai escrever o alfabeto. Depois vai escrever uma redação sobre qualquer assunto que queira e trará tudo amanhã. E isto vai demonstrar-lhe que você não é gago.
No dia seguinte apareceu trazendo duas páginas. Só vou lhes mostrar uma. Fui eu quem sublinhou. Sublinhei aqui para ajudar os alunos a entenderem a razão por que disse que ele não era gago. Só precisam dar uma olhada, não mais do que isto (olha para o papel por uns segundos e passa para Anna, que está imediatamente à esquerda, na cadeira verde), e saberão que Rick não gaguejava. No entanto, quero encontrar alguém que olhe um dia para esta folha e diga: "É fato, Rick não era gago." (Para Anna) Você está segurando há tanto tempo, que dá para escrever uma redação, e, no entanto, ainda não entendeu; por isso, passe-a adiante. (Para Sande, a pessoa seguinte.) Você não vai escrever uma redação sobre isto. Anna: É, acho que entendo. E: (Faz um aceno com a cabeça.) Passe adiante. (A folha passa para cada membro do grupo. Para Anna.) Agora acho que vocês podem dizer que conhecem a prova de que ele não era gago.
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Eu acoh que ah outar razão paar minha gagueiar, que son ainda nõa discutimos. Acoh, no entanto, qeu ·esta razõa é apensa a menro. Todavai, você pode achar qeu esta razõa nõa contribuiu em naad paar minha gagueiar. Durante minha infância, aét mais ou menos o quarto grua, eu are muito odrog. Mesmo aroga meu peos soeb e desec. Eu uov aumentar zed ou vinet libras, entoã eu uov entrar nuam deita
e tentra perdre algum peso. Mesmo agoar, eu decied prosseguir com uma deita. Notie que quanod esout nervoso ou perturbado, uem peso aumenta porque entoã eu ... Anna: Estou querendo lhe dizer a minha idéia. O jeito dele escrever é da direita para a esquerda, ao invés de da esquerda para a direita. Por isso, no aprendizado e no pensamento, ele provavelmente misturou os dois de alguma maneira no seu cérebro, e, por isso, fez a confusão. Isto faz sentido? E: É esta a sua idéia? Anna: Sim. E: E está errada. Anna: Está errada? Christine: Tem algo a ver com o passado árabe? Eles escrevem da direita para a esquerda, não? E: Não. Siegfried: Você lhe disse para escrever duas páginas para provar que não precisava gaguejar? E: Ele devia escrever os números de um a dez, o alfabeto, e duas páginas de redação sobre qualquer assunto que quisesse. Dei uma olhada nisto e disse-lhe: "Está certo, Rick, você não é gago. Agora vou lhe mostrar o que há de errado." (Erickson pega um livro e começa a ler.) "Vida", "amor", "um", "trabalho", "para", "responsabilidade", "diante", "meu", "é", "para", "reagiu", "ele". Você ouviu todas as palavras que eu disse, mas não comuniquei nada, não é?" (Erickson olha para a página que Rick escreveu.) Vamos ver o que ele colocou nesta página. Meu comunicado fora: "Escreva de um a dez." E o que ele comunicou em resposta? 'Nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um zero.' São símbolos numéricos. Não são números de um a dez. Por isso ele não captou o meu comunicado e não comunicou. Depois, na composição, todas as outras palavras (outras é a palavra importante) estão com a ortografia errada. Como é a ortografia? As últimas duas letras estão invertidas.
Ele era de origem libanesa. Isto é, a primeira parte da família, e com eles tudo bem. E tinha duas irmãs que nasceram antes dele e deveria então haver duas inversões na família. Mas isto não pode ser invertido. Expliquei isto para Rick e depois disse: "Agora, a sua terapia é a seguinte: Quero que você pegue qualquer livro que deseje e leia de trás para diante, em voz alta, da última à primeira palavra. Isto lhe dará prática no pronun· ciar palavras sem comunicar. Assim como eu li sem comu· nicar, você precisa praticar a pronúncia de palavras. Por isso, leia o livro de trás para diante, palavra por palavra, da última à primeira. Você praticará a pronúncia." "E depois, mais uma coisa. Você vêm de um lar no qual a cultura dominante é a libanesa. Não há nada de errado ou de ruim na cultura libanesa. Ela é boa para os libaneses. Mas você e suas irmãs são americanos natos. Sua cultura é a americana. Vocês são de linhagem direta da América, seus pais são cidadãos de segunda linhagem. Isto não é um desmerecimento deles, pois fizeram o melhor que podiam. Por isso você pode respeitar a cultura libanesa, mas não é a sua cultura. A sua cultura é a americana." "Você é um rapaz americano de dezessete anos. Você trabalha na loja do seu pai. Ele lhe dá um tostão, um centavo, talvez um dólar de vez em quando. Os filhos de libaneses trabalham de graça, e fazem tudo o que os pais dizem. Mas você não é libanês, você é um rapaz americano. Suas irmãs são moças americanas. Na cultura americana você já é um rapaz crescido: um rapaz americano e cresci· do, de dezessete anos. Você conhece o negócio de seu pai melhor do que qualquer funcionário dele. Você disse a seu pai que ficaria feliz trabalhando na loja dele, mas você esperava um salário de trabalhador americano." "E, seus pais têm o direito de pedir-lhe para viver em casa; e você tem o direito de pagar o aluguel, pagar a comida e a lavanderia. Isto é o que um americano faz. Quero que você explique isto às suas irmãs."
"Ora, seus pais, que são de cultura libanesa, acham que a lei americana não obriga você a ir à escola depois dos dezesseis anos. E toda moça americana tem o direito, se os pais têm dinheiro, de ir à escola cursar o segundo grau e acabar o curso, e, se quiser, de cursar a Universidade. Este é o direito americano que ela têm, o direito cultural. Explique isto cuidadosamente às suas irmãs e faça com que entendam que elas são cidadãs americanas, cidadãs americanas natas, numa cultura americana." "Ora, Rick, como você vive num lar libanês, ensinaramlhe uma maneira de pensar, quando pensar, e em que direção pensar. Mas você é americano. (Erickson parece estar olhando para Christine.) Os americanos podem pensar da maneira que desejarem. Então eu quero que você arranje um bom livro, uma boa novela. Quero que você leia o último capítulo em primeiro lugar, depois sente, e tente pensar, divagar e especular sobre o que estava no capítulo precedente. Pense em todas as direções, depois leia o penúltimo capítulo e observe de quantas maneiras você estava enganado, e estará enganado de várias maneiras. E depois de ler o penúltimo capítulo, divague sobre o capítulo precedente, e quando terminar de ler um bom livro desde o último capítulo até o primeiro, divagando e especulando, imaginando e configurando, você aprenderá a pensar de forma mais livre em todas direções." "E, agora, Rick, você vai precisar de um pouco mais de informação. Trata-se disto: Um bom autor tem uma trama para a história, e ele relata fielmente e corretamente o comportamento e o pensamento humano. Agora vou lhe contar minha própria experiência. Li "A Montanha Mágica", de Thomas Mann. Quando cheguei lá pela página cinqüenta, eu sabia que Hans Castorp, o principal personagem do livro, ia se suicidar. Quanto mais lia, mais certeza eu tinha de que Hans se suicidaria. Mas eu sabia que ele tentaria se suicidar de várias maneiras diferentes e fracassaria. E finalmente percebi: é isso, ele vai se suicidar, mas vai se suicidar com aprovação social. E, Rick, eu tive de ler o livro inteiro para saber como é que alguém se suicida com aprovação social."
"Outra coisa quanto à leitura de livros: Ernest Hemingway é um bom autor. Quando li Por quem os sinos dobram, apareceu brevemente um personagem secundário que passou por uma das páginas tendo um certo meio psicológico de fundo. Ali mesmo percebi que Hemingway, como bom autor, faria este personagem secundário entrar de novo na história, com o mesmo meio psicológico no fundo, conseguindo, assim, nitidamente reatar o enredo." "Agora, Rick, sua terapia é respeitar seus pais. Saber o que a cultura americana significa para você e para suas irmãs, e aprender a pensar com liberdade em todas as direções." Rick olhou muito pensativo e saiu. Um ou dois dias depois recebi um telefonema do psicólogo que o encaminhara. Ele foi a primeira pessoa que Rick foi ver. O psicólogo me telefonou e disse-me que Rick estava noventa por cento melhor. Rick me escreveu várias cartas. Escreveu-as como se escrevesse ao seu pai. Respondi às cartas como se fosse apenas um amigo de escola. Há um ano atrás, no Natal passado, Rick veio me ver. Falava claro, com facilidade, à vontade. Seu pai quisera que ele fosse para Yale ou Harvard, mas ele escolheu uma Universidade diferente, como faria qualquer rapaz americano. O pai queria que ele estudasse Administração, mas Rick disse: "Eu sabia que um gerente de lojas não me contrataria, fiz um semestre e não gostei, e por isso larguei. Estou mais interessado em Química ou Psicologia." Depois de freqüentar a Universidade por três anos, ele começou a pensar: "Qualquer rapaz americano deve pagar pelo menos uma parte do seu curso na Universidade. Bem, este ano completo três anos de Universidade. Larguei a Universidade. A situação de trabalho não é boa em Massachusets. Vou pegar um emprego regular na loja de meu pai. Conheço esta loja melhor do que os outros funcionários e vou começar a ganhar um salário de americano. Vou pagar minha pensão e a lavanderia. Vou comprar minhas próprias roupas e economizar dinheiro e ajudar
a pagar o meu quarto ano de Faculdade. Então talvez eu largue e junte dinheiro para me formar. Respondi-lhe: "Muito bem Rick. E quanto às duas irmãs? Respondeu-me: "Falei com elas sobre as coisas e concordaram comigo que são americanas natas e vão viver como americanas. Assim, minhas irmãs não largaram a escola aos dezesseis anos. Uma delas formou-se na Universidade e está vivendo sozinha e lecionando. Sei que o comportamento libanês exige que os filhos solteiros vivam com os pais. Minha irmã é uma moça americana, está vivendo sozi· nha e gosta de lecionar. Minha outra irmã entrou na Uni· versidade mas não ficou satisfeita com a educação universitária, por isso entrou para o curso de Direito. Está praticando advocacia." (Falando ao grupo.) Eu não sei o que os pais acham de mim, mas sei que eles têm três filhos de que podem se orgulhar. Vocês podem chamar isto de terapia familiar. A terapia para a mãe foi: "Mulher, você ouviu o que eu disse. Agora, faça-o." (Sorri e gesticula em direção a Christine.) Ora, eu conhecia a cultura libanesa. Há várias culturas no Líbano, vários grupos: cristãos, muçulmanos, zoroastrianos e assim por diante. Mas o importante é o seguinte: trate do seu paciente e não substitua suas idéias. E os libaneses podem escrever da direita para a esquerda, mas Rick nascera nos EUA. Nos Estados Unidos você escreve da esquerda para a direita. E na América você fala livremente, tem suas próprias idéias. E isto é o importante... reconhecer tudo o que for possível sobre o paciente. É claro que o fato de ter tido os dois irmãos de Minnie como pacientes me ensinara um bocado sobre os libaneses. Os dois irmãos dela atualmente respeitam a irmã, Minnie. Consideram-na uma mulher de negócios competente, e uma cidadã americana igual. Ora, quantos de você já tentaram ler um livro de trás para diante tentando adivinhar o autor em sentido contrário? Acho que todo o mundo deveria fazê-lo. No Motim a Bordo, depois dos primeiros capítulos, comentei com
a minha mulher: "Sei como o capitão Queeg vai acabar. Agora vale a pena ler O Motim a Bordo. Rá um livro chamado Nightmare Alley que descreve o carnaval americano - os carnavais baratos que percorrem o país. Betty Alice leu-o e recomendou-o à mãe e ambas recomendaram-no a mim. Li a primeira página e perguntei às duas: "Quando é que vocês souberam como o livro terminaria? E elas responderam: "Quando chegamos ao final." Eu lhes disse: "Leiam a primeira página". A primeira página é o final do livro. E Nightmare Alley é realmente uma boa exposição do que são os carnavais e dos embustes que se fazem. Espero que todos vocês leiam algum dia o Nightmare Alley só para cultura geral. Acho que todos os terapeutas deveriam ler este livro. (Neste ponto Erickson discute os resultados de várias modas recentes em psicoterapia. Depois continua.) Acho que qualquer psicoterapia baseada na teoria está enganada porque cada pessoa é diferente. Ninguém pensaria em convidar uma pessoa para jantar num hotel e dizer-lhe o que comer. Queremos que o convidado escolha o que deseja comer, se realmente quisermos lhe oferecer um jantar. E se você quisesse divertir o seu convidado e não gostasse de música, você o proibiria de ouvi-Ia e o forçaria a ver um show de Far-West? Se quisesse realmente divertir seu convidado descobriria o que ele gostaria de ver. Bem, quando considerarem a Psicoterapia, considerem o paciente. Rick era um americano de pais libaneses, que foram libaneses até serem adultos. Casaram-se em Massachusets e se naturalizaram. E a cultura de Massachusets é muito diferente da cultura do Líbano. Eram adultos. Tudo bem, esta é a história de Rick. (Erickson pede a um aluno para colocar o arquivo de volta na prateleira para ele.) Agora, outro caso que quero relatar. Ontem, eu lhes mostrei aquela peça em forma de maçã no alto do relógio
da minha sala de estar. (No passeio em volta da casa, na sessão do dia anterior.) Recebi um telefonema do Canadá. Uma voz de mulher disse: "Sou formada, M.D., meu marido também é M.D., temos cinco filhos. A do meio tem quatorze anos, é uma moça. Está no hospital com anorexia nervosa. No último mês perdeu quase dois quilos e meio e pesa trinta e um quilos e cento e trinta e duas gramas. Meu marido e eu sabemos que ela logo morrerá de inanição. Recebeu alimentação intravenosa, alimentação tubal, alimentação retal, .persuasão, mas nada adianta." A anorexia nervosa habitualmente ocorre em meninas adolescentes e pode ocorrer no homem e na mulher adultos. E é uma doença, uma doença psicológica na qual a pessoa se identifica com a religião, com Deus, com Jesus, com Maria, com algum Santo ou com a religião em geral, e, voluntariamente, se matam de fome. E acham que qualquer biscoitinho e um copo de água é tudo o que necessitam comer. Bem, eu vi no hospital pelo menos cinqüenta e nove casos de anorexia nervosa que acabaram em morte. No entanto os médicos fizeram todo o possível, com respeitável dignidade médica e comportamento profissional adequado para salvar as suas vidas. Lembro-me de um caso de üma moça de quatorze anos que pesava trinta quilos, e causou tanta raiva ao diretor clínico que ele perdeu a calma profissional. Achou que iria levar a menina a comer e mudar o comportamento dela. Fez a enfermeira despi-Ia completamente. Pediu à equipe para. andar em volta dela olhando-a atentamente, e a moça ficou parada, sem enrubescer, sem piscar nem ao menos um olho, como se estivesse numa escuridão total a centenas de milhas de qualquer pessoa viva e nem um pouco embaraçada. "Não deu a mínima." O relacionamento emocional com a família - não sei como descrevê-Io. São humildes, moderados. Nunca fazem nada de errado. Desculpam-se mas não comem. E não con· seguem ver que estão pele e osso. Uma moça de quatorze
anos pesando trinta quilos é algo horrível de se ver. Mas as principais sociedades profissionais, em geral, olham para o lado e deixam os pacientes com anorexia morrerem, enquanto tentam tratá-los com dignidade profissional, com uma respeitável cortesia. A mãe lera Terapia fora do Comum, o livro que Jay Haley escreveu sobre minhas técnica e disse: "Tanto meu marido quanto eu achamos que se há alguém que possa salvar a vida de nossa filha, será o senhor." Eu lhe disse: "Deixe-me pensar por uns dois dias e telefone-me de novo." Pensei no assunto e disse à mãe, quando ela telefonou, para trazer a filha até Fênix para eu atendê-Ia. E a mãe e Barbie vieram. Barbie era uma moça muito agradável, esperta, inteligente. Tinha de estranho o fato de comer só um biscoito e tomar só um refrigerante por dia. Era tudo. Comecei interrogando Barbie. Perguntei-lhe o número da rua de sua casa em Toronto e a mãe respondeu. Perguntei o nome da rua e a mãe respondeu. Perguntei a Barbie que escola ela freqüentava e a mãe respondeu. Perguntei em que rua ficava a escola e a mãe respondeu. Deixei que prosseguisse desse modo por dois dias, com a mãe respondendo a todas as perguntas. No terceiro dia, a mãe veio com uma queixa. Disse-me: "Não dormi muito nas últimas três noites porque Barbie fica choramingando baixinho durante a noite e eu não consigo dormir." Virei-me para Barbie e perguntei-lhe: "É verdade, Barbie?" A mãe olhou-a e Barbie respondeu: "Sim, eu não sabia que isto deixava mamãe acordada. Lamento muito." Continuei: "Bem, Barbie, não basta se lamentar. Mesmo que você não tivesse a intenção de manter sua mãe acordada, você fez isto e eu acho que deve ser castigada por deixá-Ia acordada." E Barbie respondeu: "Também acho." Por isso, disse confidencialmente à mãe como deveria castigar Barbie. Disse-lhe: "Faça um ovo mexido e dê a comida como castigo." A mãe fez dois ovos mexidos e castigou Barbie, fazendo com que ela comesse dois ovos mexidos. Bem, Barbie achou que era um castigo, mas o sistema
digestivo achou que era comida. (Erickson sorri.) Portanto, eu perturbei a sua fisiologia e, espontaneamente, Barbie aceitou o castigo. Bem, nas duas primeiras semanas Barbie ganhou um quilo e trezentas gramas, perdeu meio quilo e recuperou-o. E, oh ... naquele dia, quando eu disse à mãe, em particular, como deveria castigar Barbie, acrescentei, na hora: "Toda vez que faço uma pergunta a Barbie a senhora responde por ela. Por exemplo, esta última pergunta que eu fiz a senhora respondeu. Agora quero que a senhora en .. tenda algo. Eu fiz uma a Barbie e quero que ela responda, e daqui por diante a senhora vai ficar com a boca fechada." (Erickson gesticula intensamente com a mão esquerda.) Podem imaginar o efeito emocional que teve sobre Barbie quando um estranho disse à sua mãe para ela fechar a boca? Pois era necessário provocar uma reação emocional em Barbie, e com isso ela passou a encarar a mãe de uma forma emocional totalmente diferente quando falava com ela. Quando perguntava algo a Barbie, antes da mãe aprender de fato a manter a boca fechada, era uma luta difícil. Meu tratamento com Barbie foi contar-lhe histórias curtas, metáforas, histórias de suspense, de intriga, histórias chatas. Contei-lhe todo tipo de histórias, pequenas histórias. Por exemplo, contei a Barbie que minha mãe nascera numa choupana super de luxo. Barbie era de família rica, e nunca vira, nem ouvira falar, de alguém que tivesse nascido numa choupana super de luxo. (Para o grupo) Embora todos vocês tenham instrução universitária, acho que não sabem o que é uma choupana super de luxo. Uma choupana super de luxo é uma choupana de lenha, com quatro paredes feitas de toras e o chão é um chão de tábuas, chão de madeira. E então eu disse a Barbie, tristemente, que eu também nascera numa choupana de lenha. Era uma choupana comum, simples. Ficava numa zona de mineração nas montanhas de Sierra Nevada. Três lados eram de lenha e o ,quarto era o lado da montanha, o chão era de barro.
E contei-lhe como minha mãe dirigia uma pensão para o campo de mineração e que o número de mineiros que trabalhavam nas minas mudava constantemente. Minha mãe fora de Wisconsin para essa localidade. Meu pai era parcialmente proprietário da mina e convidara minha mãe a sair de Wisconsin e ir para Nevada tomar conta desta pensão. Minha mãe descobrira que o primeiro dever dela era aprontar a lista de encomendas para os comerciantes: o sal, a pimenta, a canela, o fermento, a farinha, a quantidade de quilos das maçãs secas, carne-seca, carne de porco salgada: Tudo que fosse necessário para uma provisão de seis meses, pois o comerciante que trazia as mercadorias vinha numa carroça de vinte mulas, apenas duas vezes por ano. E quando se dirige uma pensão, não podem faltar provisões. (Para o grupo) Bem, vocês podem imaginar como seria difícil para qualquer um de vocês que cozinhe para si mesmo calcular o quanto disto e daquilo vão precisar, ainda que só por uma semana? E isto impressinou muito a Bárbie porque a mãe lhe ensinara muito sobre cozinha antes dela adoecer. Barbie ficou muito interessada nesta história. Então eu lhe contei outra história verdadeira sobre como minha mãe que fora casada com meu pai durante setenta e três anos ficou viúva por três longas horas. Isto absorveu realmente a sua atenção, pois como poderia alguém ficar casada durante setenta e três anos, até morrer, e ficar viúva por três horas? Contei-lhe esta história: Na equipe de mineiros onde meu pai era capataz, um dos mineiros era chamado de "o malvadão" Sawyer. Naqueles dias, todo mundo çarregava um coldre e um revólver de seis tiros. O "malvadão" Sawer tinha a reputação de matar homens de emboscada e de fazer um talho no cabo do revólver. Nunca foi declarado culpado porque nunca houvera uma testemunha do assassinato de verdade. .. só se encontrava o cadáver. E numa segunda de manhã, o "malvadão" Sawyer veio trabalhar bêbado. Meu pai dissera: "Sawyer, não adianta vir trabalhar numa mina bêbado. Vá embora e durma ... "
Sawyer tentou puxar a arma e atirar no meu pai, mas ele foi mais rápido. Disse-lhe: "Sawyer, você está muito bêbado para um tiroteio comigo." Sawyer propôs uma luta de punhos. Meu pai respondeu: "Você está muito bêbado para uma luta a socos." Vá embora e durma. Se aparecer bêbado de novo está despedido." Na segunda-feira seguinte, Sawyer apareceu bêbado de novo. Todos os mineiros se juntaram por perto para ver o que o meu pai faria. Meu pai disse: "Sawyer, na segundafeira passada eu lhe disse que se você voltasse a aparecer bêbado estaria desempregado. Vá ao caixa, pegue seu pagamento e 'se mande'." (Para Christine) 'Se mande' significa dê o fora daqui, (Ri.) e o mais rápido que puder. Sawyer tentou puxar a arma e meu pai disse: "Você está muito bêbado para atirar em mim. Muito bêbado para lutar comigo. Vá embora, pegue o pagamento e se mande." A mina ficava bem distante da cabana onde moravam minha mãe, minha irmã mais velha e a minha irmã mais nova. Ora, Sawyer percorreu as montanhas, e quem já escalou montanhas sabe que é um bocado duro. Quando Sawyer chegou à cabana, já estava bem sóbrio. Perguntou à minha mãe: "Senhora Erickson, onde estará seu marido às seis horas da noite?" Minha mãe respondeu inocentemente: "Bem, Albert tem que descer até o Davis Canyon para tratar de negócios lá, e estará de volta às seis horas." Sawyer disse: "A senhora estará viúva às seis horas." Minha mãe correu para casa e pegou o rifle para atirar em Sawyer. Quando saiu da cabana, sentiu-se aflita porque Sawyer podia estar escondido atrás de qualquer dos grandes rochedos dali. (Erickson gesticula.) E poderia atingi-Ia facilmente e ela nem mesmo conseguiria vê-Ia. Por isso voltou para a cabana e dependurou o rifle. Às seis horas, minha mãe colocou a comida no forno para mantê-Ia aquecida. Passaram-se as seis horas, seis e meia, quinze para as sete, sete horas, sete e meia, oito horas, oito e meia, quinze para as nove, nove horas. Mas, pouco depois das nove meu pai chegava. Minha mãe colocou a comida requentada na mesa, e lhe disse: "Por
que razão você se atrasou, Albert?" Meu pai respondeu~ "Me perdi e tive de voltar para casa pelo caminho de Floren~e Canyon." Minha mãe rompeu em lágrimas e disse: "Estou tão feliz por você ter se perdido." E meu pai respondeu: "Mulher, por que você está contente por eu ter me perdido nas montanhas? Por que está chorando assim? Então ela contou-lhe sobre o "malvadão" Sawyer. Meu pai lhe disse: "Bote o grude novamente no forno e mantenha-o aquecido." Pegou o revólver e saiu para Davis Canyon no escuro para enfrentar Sawyer num tiroteio. Voltou à cabana poucos minutos depois muito, envergonhado consigo mesmo. Disse então: "Fui idiota pensando que Sawyer estaria por perto me esperando para um tiroteio. Provavelmente estará fora do estado." (Erick. son ri.) Isto interessou muito a Barbie. Eu lhe disse como minha mãe organizava os suprimentos com seis meses de antecedência. É claro que havia torta em todas as refeições, e os mineiros acabavam ficando enjoados e cansados de torta de maçã seca. Um dia minha mãe resolveu servir algo de especial e fez um creme de maisena no qual despejou canela até ficar marrom. Serviu-Ihes torta de canela e todos gostaram. E ainda é a minha torta favorita. Atualmente, minha esposa e minnas filhas fizeram algumas alterações na recei ta original. Bem, a mãe dela ficou terrivelmente cansada de me ouvir e de ouvir as histórias que eu contava para Barbie. Bob Pearson, um psiquiatra de Michigan, compareceu uma vez e no final da hora disse: "Eu não gostaria de ficarsentado aí ouvindo você contar histórias. Você faz a menina percorrer toda uma gama de emoções seguidamente. Estou suando em conseqüência disso." Eu lhe disse: "As, emoções da menina precisam de exercício." A família dela é muito rica. Freqüentemente passam as férias em Acapulco, na Cidade do México, nas Bahamas ou em Porto Rico, Londres, Viena ou Paris. Gostam de viajar.
Depois de umas duas semanas - eu não atendia Barbie todos os dias porque estava trabalhando muito -, a mãe dela disse-me: "Barbie nunca viu o Grand Canyon. Estaria bem se nós fôssemos alguns dias para fora, para ver o Grand Canyon?" Respondi-lhe: "Parece ser uma ótima idéia." Perguntei a Barbie se ela estava interessada. Disse-lhe que era um médico e supunha-se que eu cuidasse da saúde dela. "Foi por isso que sua mãe lhe trouxe aqui. E quero que você entenda minha autoridade médica. Até onde vejo, não há nada de errado com sua saúde. No entanto sou um M.D. e sou obrigado a cuidar de sua saúde em todas as suas formas. E a única coisa que eu acho que posso fazer por você do ponto de vista médico é ter certeza de que você vai escovar os dentes duas vezes por dia, e as gengivas também?" E fiz Barbie dar sua palavra de que escovaria os dentes duas vezes por dia. Continuei: "Bem, convém que você gargareje para limpar o dentifrício dos dentes para não engoli-lo. E lembre-se que o líquido de gargarejo é para a limpeza da boca e você não deve engoli-lo. Agora, quero que me prometa que vai escovar os dentes duas vezes por dia e fazer o gargarejo. E Barbie deu a palavra de que escovaria os dentes duas vezes por dia e usaria um dentifrício duas vezes por dia. Disse-lhe então: "Quanto ao dentifrício, qualquer tipo com flúor estará bem. Quanto ao líquido para bochechar, deverá ser óleo de fígado de bacalhau." (Sorri.) (Para o grupo) Se algum de vocês já provou o óleo de fígado de bacalhau, não vai querer nem mesmo olhar nesta direção. E lá estava Barbie, pensando religiosamente em bochechar com óleo de fígado de bacalhau. E acho que todos vocês sabem que depois de bochechar com óleo de fígado de bacalhau, qualquer um tentaria lavar a boca até com a lama da rua, porque tem um gosto horrível. E lá estava Barbie, identifica da com a religião. Ele me prometera e assim ficou presa, tinha prometido. Sendo muito religiosa, prometera manter a promessa. Falei com a mãe para comprar uma garrafa de óleo de fígado de
bacalhau. E como a mãe falara de visitar o Grand Canyon, aproveitei e mencionei a Cratera Meteoro, a Floresta Petrificada, o Deserto Pintado, a Cratera do Pôr do Sol e vários outros locais. E disse a Barbie para não esquecer de levar o óleo. E disse ainda à mãe: "QU(~ esta seja a última vez que a senhora menciona um gargarejo para ela. A senhora nunca vai perceber que o gargarejo sumiu." Porque eu conheço os adolescentes e sabia que Barbie não se lembraria de levar o óleo com ela. Assim, Barbie voltou depois de ter viajado pelo Arizona, carregando um enorme fardo de culpa. Deliberadamente deixara o gargarejo de lado e no entanto tinha me dado a sua palavra. Por isso tinha um terrível sentimento de culpa. E isto não combina bem com religião. (Ri.) E Barbie não podia me contar. Só podia sentir-se culpada. E isto não combina de fato com uma identificação religiosa. Eu não atendia a Barbie todos os dias. Um dia eu disse à mãe: "Por favor, pode ficar de pé? Qual é sua altura?" Ela respondeu: "Um metro e cinqüenta e dois." De fato acho que ela mentiu. Ela parecia ter um e cinqüenta e quatro ou um e cinqüenta e cinco de altura. Às vezes, quando se faz uma pergunta íntima às mulheres elas freqüentemente modificam as respostas. Siegfried: Não entendi. E: Elas modificam as respostas. 'Ela me disse que media um metro e cinqüenta e dois e eu acho que ela devia ter um metro e cinqüenta e quatro, ou cinco, pois as mulheres às vezes modificam as respostas ante a perguntas íntimas. Depois eu disse: "Quanto pesa a senhora?" Ela disse com muito orgulho: "Quarenta e nove quilos e meio, o mesmo peso de quando casei." (Erickson, incrédulo) Eu lhe disse: "Quarenta e nove quilos e meio? E com seus quarenta anos, sendo mãe de cinco filhos, só pesa quarenta e nove quilos e meio? A senhora está seriamente abaixo do peso. Deveria pesar pelo menos uns cinqüenta e três ou uns cinqüenta e seis ou sete. A senhora está subnutrida, abaixo do peso e teve a coragem de trazer a Barbie aqui porque achou que ela estava abaixo do peso? Barbie, eu quero que você faça sua mãe esvaziar o prato todos os
dias, em todas as refeições." E Barbie obteve uma nova perspectiva a respeito de sua mãe. "E Barbie, você me contará no dia seguinte se sua mãe esvaziou o prato ou não." Assim, Barbie aceito a tarefa. Um dia Barbie me disse: "Esqueci de lhe dizer ontem, que anteontem mamãe guardou metade do hambúrger do almoço, embrulhou num guardanapo e guardou para a noite." Perguntei: "É verdade?" Ela corou e disse que "sim". Respondi-lhe: "A senhora foi contra as minhas ordens e deverá ser castigada. E vou castigá-Ia por ter ido contra mim. E Barbie, você também foi contra mim. Você deveria ter me falado ontem sobre sua mãe, mas não o fez. Esperou até hoje. Assim ambas foram contra as minhas recomendações e vou punir as duas. Por isso, amanhã de manhã à nove horas, quero que ambas venham à cozinha de minha casa com uma bisnaga de pão e um pouco de queijo, um queijo americano comum. Quando apareceram, fiz com que cortassem duas fatias de pão e passassem uma boa camada de manteiga, pusessem o queijo, colocassem na grelha para derreter o queijo, tirassem, virassem, colocassem outra boa camada de queijo e recolocassem na grelha para derreter. Fiz com que comessem cada migalha do sanduíche de queijo. E eram muito nutritivos. Este foi o castigo. Depois prossegui: "Acho que nenhuma das duas gosta muito de mim. Acho que não gostam do modo como eu as trato, e por isso acho que chegou a hora de vocês decidirem com que peso querem voltar para casa." A mãe escolheu cinqüenta e três quilos. "E Barbie, você pode querer pesar trinta e nove quilos, mas eu posso estar desejando que você pese quarenta e quatro. Por isso vamos combinar quarenta." Barbie respondeu: "Trinta e nove." Eu continuei: "Está certo, você poderá voltar para casa quando pesar trinta e nove, mas, se não aumentar três quilos no primeiro mês depois de voltar para casa, sua mãe terá de trazê-Ia de volta para ser minha paciente enquanto eu quiser. E acho que você não gostará disso."
Assim, tanto Barbie quanto a mãe começaram a aumentar de peso. E a mãe manteve-se em contato com o pai por telefone. Quando Barbie atingiu trinta e nove quilos, a mãe estava com sessenta e dois quilos. O pai trouxe o resto da família de avião para se encontrarem comigo. Entrevistei o pai em primeiro lugar: "Quantos anos o senhor tem? Qual a sua altura?" Ele me respondeu e eu disse: "Mas, doutor, o senhor está pesando três quilos abaixo do peso médio para um homem de sua idade e altura." Respondeu-me: "É apenas uma medida preventiva." Continuei: "Há algum caso de diabete na família?" Respondeu que não. Eu lhe disse: "Doutor, o senhor deveria enver· gonhar-se de dar um exemplo para sua filha estando abai· xo do peso, e de brincar com a vida dela só por ela estar três quilos abaixo do peso." Admoestei-o severa e exaustivamente e o pai ficou aflito e envergonhado. Mandei que saísse e chamei os dois irmãos mais velhos e perguntei-lhes: "Quando é que Barbie começou a ficar doente?" Disseram que há um ano atrás. "Como foi que surgiu?" Responderam: "Quando um de nós tentava lhe dar alimento, ou fruta, ou doce de presente, ela sempre respondia: 'Eu não mereço, guardem para vocês'. E fizemos isto." Assim, admoestei-os severamente por tirar os direitos que a irmã tinha. Mostrei-lhes que Barbie tinha o direito de receber o presente, independentemente do uso que faria dele. Mesmo que jogasse fora, tinha o direito de receber. "Vocês, egoístas, guardaram o presente para vocês apenas porque ela disse que não merecia. Roubaram da irmã o direito que ela tinha de receber 'presentes." E eles foram duramente repreendidos. Mandei-os sair e disse a Barbie para entrar. Disse-lhe: "Quando é que você adoeceu pela primeira vez, Barbie?" Respondeu-me: "Em abril deste ano." Perguntei-lhe: "Como surgiu a sua doença?" Respondeu-me: "Bem, quando alguma pessoa me oferecia comida, fruta ou doce de presente, eu sempre dizia. 'Eu não mereço, guarde para você'." Disse-lhe então: "Estou envergonha-
,do com você Barbie. Você tirou de seus pais e irmãos o direito que eles têm de lhe dar presentes e tenho vergonha ;de você. Você também deveria envergonhar-se." (Erickson a Stu). Quer pegar esta pasta para mim, por favor? (Stu passa a pasta solicitada.) E Barbie concordou que devia ter permitido que os pais e irmãos lhe dessem presentes. Não que ela fosse obrigada a usá-los, mas tinham o direito de dá-los independente do uso que ela fizesse deles. Era dia doze de março quando isto aconteceu. Barbie veio me ver no dia onze de fevereiro. Atendi-a num total de vinte horas. Minha filha casou-se no dia doze de mar'Ço. Eu não fui à cerimônia, mas a minha outra filha foi. Viram Barbie comer um pedaço de bolo. Na véspera de .se despedir de mim, Barbie perguntou-me se eu permitiria que o irmão tirasse uma fotografia dela sentado no meu .colo, na cadeira de rodas. Aqui está a foto de Barbie com trinta e nove quilos, sentada no meu colo, na cadeira de rodas. Agora passe adiante. (Erickson passa-a ao grupo a fotografia com Barbie .sentada no seu colo.) No Natal, Barbie me mandou das Bahamas uma fotografia dela de pé junto de Papai NoeI. (Erickson passa para o grupo a nova foto de Barbie. O peso dela parece próximo do normal para a sua estatura.) Bem, Barbie levou com ela a receita da torta de canela. Escreveu dizendo que fizera uma torta de canela para :a família e todos gostaram. Continuamos a nos corresponder. Eu sabia que Barbie ·estava longe de estar bem. Ela me escrevia cartas detalha.das, e em cada uma fazia menção indireta à comida. Por .exemplo: "Amanhã vamos plantar no jardim. Os tomateiros estão crescendo bem. Logo estaremos comendo coi·sas do nosso jardim." E recentemente Barbie me mandou esta fotografia dela. Está agora com dezoito anos e pediu desculpas pela fotografia não ser de corpo inteiro. (Erickson passa a foto pelo
grupo.) Ela tinha me prometido que mandaria uma fotografia dela, de corpo inteiro. Nas últimas duas cartas, escreveu-me dando uma descrição muito detalhada da anorexia nervosa, pois eu só tratei do primeiro estágio. E normalmente o primeiro estágio é o último estágio. O primeiro estágio é uma espécie de autojejum. Consegui impedi-Ia. Agora, durante a fase de inanição, eles se sentem sem valor, inadequados, inferiores e diferentes de todo o mundo. Identificam-se intimamente com a religião e, literalmente, àizem um adeus emocional aos pais e começam a jejuar até a morte, não acreditando que podem morrer de fome. Uma vez que a gente consiga que ultrapassem o estágio de morrer de fome, passam a comer de mais e ficam muito obesos. E durante o estágio de obesidade, sentem-se inadequados, envergonhados de si mesmos, não estimados, incapazes de serem amados, solitários e deprimidos. Ela foi a uma psiquiatra canadense e ele a ajudou a superar este estágio. Realmente não necessitava de mim. Depois, há um terceiro estágio que é o da vacilação. Há um súbito aumento de peso, uma diminuição abaixo do normal, um novo aumento e uma nova diminuição. Então chega o estágio final. Barbie me informou: "Passei por todos os estágios e ainda me sinto inadequada. Esta última foto mostra como estou agora. E o próximo passo é criar coragem bastante para sair com um rapaz. Escrevilhe que realmente gostaria de vê-Ia e porque ela não vinha me visitar. Vou mandá-Ia ao pico Squaw, ao jardim botânico, ao museu Heard, à galeria de arte. Vou providenciar para que ela saia com um rapaz. (Erickson ri.) Então ela terá superado a doença. Escreveu-me falando de duas outras moças que sofrem de anorexia nervosa. Disse-me que compreendia aquelas meninas, se seria certo falar com as moças sobre o seu próprio caso. Respondi-lhe: "Barbie, quando a vi pela primeira vez, eu queria ser simpático com você. Sabia que se o fosse, levaria você à morte. Por isso fui tão duro e cruel quanto possível. Por isso não seja compreensiva com
estas moças. Só fará com que morram mais rápido." E Barbie voltou a escrever: "Tem razão doutor Erickson. Se o senhor tivesse sido simpático comigo, eu teria achado o senhor um mentiroso e teria me matado. Mas o jeito que o senhor me tratou foi tão pouco gentil que eu tive de melhorar." (Para o grupo). E, no entanto, os médicos são malditamente profissionais, tão dignos, que tratam da anorexia nervosa "de modo respeitável", de modo digno, com remédios, alimentação tubal e intravenosa, e o corpo rejeita toda a comida. Eu transformei a comida num ca~tjgo e ela conseguiu aceitar. (Erickson sorri.) Como vêem, acho que é importante quando se trabalha com um paciente fazendo aquilo que irá ajudá-lo. Quanto à minha dignidade. .. para o inferno com a minha dignidade. (Ri.) Vou continuar muito bem neste mundo. Não tenho que ser digno nem profissional. Faço as coisas que incitam o paciente a fazer o que lhe serve. Agora, quer me passar aquela caixa, por favor? (Erickson aponta para a caixa à sua direita. Stu passa-lhe a caixa.) Agora, está aqui um exemplo muito importante. Umas de minhas alunas explicou-me que estava fazendo uma terapia familiar com um pai e uma mãe que tinham uma filha retardada de vinte anos. Em cada sessão ela conseguia lidar muito bem com o pai e com a mãe, mas a moça retardada tinha ataques sucessivos de gênio. Disse à minha aluna: "Isto é porque você está sendo respeitável, digna e profissional. O que deve fazer é conseguir atingir sua paciente, de qualquer forma que queira, de qualquer jeito que possa, para fazer alguma coisa." Assim, minha aluna voltou a Michigan e continuou a terapia. Isto é o que a moça com ataques de temperamento acabou fazendo. (É uma vaquinha roxa estofada.) Acho que isto é uma obra de arte. Não acredito que nenhum de vocês tenham bastante talento para fazer a mesma coisa. Agora, eu não sei por que razão foi feita em roxo. (Ri.) Mas, talvez a minha aluna tenha lhe dito algo sobre o uso do roxo por mim ... (Para Zeig.) Conseguiu uma boa fotografia, Jeff? E agora esta moça mentalmente retardada
não tem mais ataques de temperamento. Ela sabe que pode fazer coisas. Coisas que os outros admiram. Um ataque explosivo requer muita energia. Também se gasta muita energia para fazer uma vaquinha como esta. (Erickson coloca a vaquinha roxa de. lado.) E agora, quantos de vocês subiram o pico Squaw? Anna: Eu ainda não. (Metade do grupo levanta a mão.) E: E seu nome, Arizona? Você vai para ASU, não vai? (Para Sally) Sally: Já terminei. E: Você subiu ao pico Squaw? Sally: Sim. E: Bom, e você? (Para Sarah) Sarah: Eu não. E: Há quanto tempo você vive no Arizona? Sarah: Sete anos. E: Fale mais alto. Sarah: Sete anos. E: (Incrédulo.) E você ainda não subiu ao pico Squaw? Quando vai fazê-lo? Sarah: Bem, eu subi alguns outros picos. (Ri.) E: Eu não estava perguntando sobre outros picos. Sarah: (Ri.) Vou subir o pico Squaw. E: Quando? Sarah: (Ri.) Numa data definida? No final do verão, quando estiver um pouco mais frio. E: Faz frio ao nascer do sol. Sarah: (Ri.) É verdade. É mesmo. E: Você esteve no jardim botânico? Sarah: Sim, estive. (Mas faz um não com a cabeça.) E: (Dirige-se a Sa1ly.) Você não foi. (Para o grupo.) Quantos foram ao jardim botânico? (Dirige-se a Sally.) Qual é a sua desculpa? Sally: Não sei onde fica. E: É uma coisa que você tem que aprender, não? Muito bem. Vocês foram treinados para achar que a psicoterapia é um processo organizado de pegar um his-
tárico, descobrir todos os problemas da pessoa e depois ensinar-lhe a maneira correta de se comportar. (Para o grupo.) Está certo? Tudo bem. (Falando para o chão.) Um psiquiatra da Pensilvânia, que exercia psiquiatria há trinta anos, ainda não tinha formado uma boa clientela. De fato, negligenciava a prática e não mantinha o arquivo em dia. Fora analisado durante treze anos. Estava casado há seis anos. A esposa ti· nha um profissão de que não gostava, mas tinha de tra· balhar para ajudar a se sustentar e ao marido. E fora ana· lisada três vezes por semana durante seis anos. Ouviram falar de mim e me procuraram para uma terapia de casal. Quando vieram, deram-me as informações de que falei. Em seguida perguntei: "É a primeira vez que viajam ao Oeste?" Responderam-me que "sim". Disse-lhes então: "Há muitas paisagens em Fênix que vocês deveriam ver. E como é a primeira viagem de vocês, vou sugerir-lhe, doutor, que suba o pico Squaw. Leve horas e horas fazendo isto. E para a senhora, sugiro que vá ao jardim botânico e passe três horas lá. Venham amanhã e me contem." Vieram no dia seguinte e o médico estava muito feliz. Disse que subira o pico Squaw e fora a coisa mais maravilhosa que fizera em toda a vida. "Minha perspectiva de vida, meus pontos de vista mudaram enormemente." Ele nunca percebera que o deserto podia ser como Fênix e estava deslumbrado com isso. De fato, disse que iria subir de novo. Perguntei à mulher sobre o jardim botânico. Respondeume: "Passei três horas lá, conforme o senhor me disse - as três horas mais chatas da minha vida. Sempre a mesma coisa, mais do que a mesma coisa, aquela mesma coisa velha. Jurei que nunca mais voltaria ao jardim botânico. Fiquei morta de chateação o tempo todo. Passei três horas de chatice mortal." Eu disse: "Muito bem. Agora, esta tarde o doutor irá ao jardim botânico e a senhora vai subir ao pico Squaw." Voltem amanhã e me contem.
No dia seguinte, antes de anoitecer, apareceram os dois. O médico disse: "Gostei realmente do jardim botânico. Foi maravilhoso. Inspirou-me respeito. Foi maravilhoso ver todas aquelas plantas vivas, vivendo apesar das intempéries, conseguindo sobreviver sem chuva durante três anos e com todo aquele calor." (Eles vieram em julho.) "Vou voltar para visitar o jardim botânico várias vezes." Virei-me para a esposa e ela disse: "Subi aquela maldita montanha. (Risos.) Praguejei contra a montanha, xinguei a mim mesma, mas principalmente xinguei o senhor em todo o percurso, a cada passo. Fico pensando como é que fui tão idiota de subir aquela montanha. Chato. Me odiei por fazê-Io. Mas, como o senhor disse que eu devia, eu fui. Fui até o alto. Durante alguns minutos senti uma espécie de satisfação, mas não durou muito. Xinguei o senhor e a mim mesma exaustivamente a cada passo da descida. Jurei que nunca, mas nunca mais vou subir uma montanha como aquela e me fazer de tola." Eu lhe disse: "Muito bem. Até agora eu designei tarefas que vocês deveriam fazer. Bem, esta tarde, cada um de vocês escolherá uma tarefa para si e vão fazê-Ia em separado; virão amanhã e me contarão. Vieram no dia seguinte e o médico disse: "Fui de novo ao jardim botânico. Quero voltar outras vezes. É um lugar totalmente maravilhoso. Gostei de cada segundo que passei ali. Detestei ter de sair. Vou voltar de novo algum dia." Virei-me para a esposa e ela disse: "Acredite ou não, subi o pico Squaw de novo. Só que desta vez xinguei o senhor com maior fluência. Xinguei-me por ser tão idiota. Xinguei e xinguei a cada passo do caminho. Bem, realmente acho que espaireci, no que desci, xingando o senhor, a montanha e a mim mesmo." Eu lhes disse: "Muito bem. Estou feliz de ouvir o que me contam. Posso dizer-Ihes que a terapia de casal está acabada. Vão para o aeroporto e retomem à Pensilvânia." Partiram. Alguns dias depois eu recebi um telefonema interurbano do médico. Ele disse: "Minha esposa está na
extensão. Pediu divórcio. E quero que o senhor fale com ela." Respondi-lhe: "Divórcio nunca foi mencionado no meu consultório e não vou discuti-Io por telefone." Gostaria que me respondessem algumas coisas: "Como foi que vocês se sentiram na viagem de retorno à Pensilvânia?" Responderam: "Muito estranhos, confusos e surpresos. Ficamos nos perguntando o que tínhamos ido fazer aí. Tudo o que o senhor nos disse para fazer foi subir ao pico Squaw e visitar o jardim botânico." E quando chegaram em casa a esposa dissera: "Eu disse a meu marido que ia pegar meu carro e dar uma volta para espairecer." E ele comentou: "É uma boa idéia." O médico continuou: "E eu fiz a mesma coisa. Fui dar um passeio para me distrair." A esposa continuou: "Fui diretamente ao psicanalista, livrei-me dele, e depois fui ao meu advogado e requeri o meu divórcio." O marido prosseguiu: "Dirigi um pouco por ali, fui ao meu psicanalista e acabei com o meu tratamento. Depois fui ao consultório e comecei a arrumar tudo, a colocar as fichas em ordem e a organizar todos os arquivos." Respondi-Ihes: "Bem, obrigado pela informação." Agora estão divorciados. Ela tem um outro emprego do qual gosta. Ficou cansada de subir aquela montanha de vida conjugal todos os dias e de ter aquela rápida sensação de: "ufa, o dia acabou." Toda história dela foi um relato simbólico. E o resultado final foi o seguinte: o psicanalista deles e a sua esposa vieram me ver. O casal tinha o mesmo psicanalista. Conversaram comigo um pouco e atualmente eles estão divorciados e felizes. E a ex-mulher do analista disse: "É a primeira vez que me sinto capaz de viver minha própria vida. Meu exmarido me tiranizava fazendo de minha casa o seu escritório e transformando-me na sua secretária. Estava interessado apenas nos seus pacientes, não estava realmente em mim. Acreditávamos que tínhamos um casamento fe-
liz, mas quando voltei do Arizona, depois do que o senhor fez com o outro médico e a mulher, eu soube o que tinha de fazer. Meu divórcio foi muito difícil porque eu descobri como o meu marido era egoísta. Não quis estabelecer nenhuma pensão para mim. Queria apenas que eu pegasse as minhas coisas, partisse, arranjasse um trabalho e uma pensão para eu viver. Achava que em casa, nada me pertencia. Meu advogado teve um trabalho enorme e meu ex-marido queria ficar com a casa para seu consultório e seus pacientes. E queria toda a mobília para si. Agora estamos divorciados. Tenho minha casa e meu marido tem uma boa parte dos bens e consegui um trabalho do qual gosto. Posso ir jantar fora se quiser. Ir ao cinema se quiser. Ir a um concerto. Todos estes anos eu fiquei querendo coisas em vez de fazê-Ias. Quanto a meu marido, também mudou um bocado. Sai ocasionalmente para jantar fora. Ainda somos amigos, e nenhum dos dois quer estar mais casado com o outro. Siegfried: Como o senhor descobriu isto tão cedo? Teve alguma idéia antes, de que este seria o efeito? E: Foi a primeira coisa que percebi, vendo-os e ouvindo-os. Quando ele me disse que era psicanalista há treze anos ainda tinha pouca clientela e um consultório mal montado foi o bastante. E quando a esposa me disse que era infeliz todos os dias e que fora analisada durante seis anos, não gostava do trabalho e não havia alegria nenhuma na sua vida. .. O que mais precisa saber? Assim, eu fiz uma terapia simbólica da mesma maneira como ela me contou, simbolicamente, a sua história. Não tive de perguntar se o médico tinha irmãos, pois eu sabia que ele perdera treze anos da sua vida, e sabia que ela perdera seis anos de sua vida. E mandei que fizessem alguma coisa. Ele teve uma nova perspectiva de vida e ela teve uma nova perspectiva da chatice das coisas que ela não gostava. :Ê o paciente que faz a terapia. O terapeuta só fornece o clima, a ambiência. Isso é tudo. O paciente tem de fazer todo o trabalho.
Agora, tenho um outro caso. Em outubro de 1956, fui convidado para participar de um congresso nacional de psiquiatria sobre hipnose, no Boston State Hospital. O doutor Alex fazia parte da equipe e era o catedrático do comitê de programação. Quando cheguei, perguntou-me se eu poderia, além de uma palestra sobre hipnose, fazer também uma demonstração. Perguntei-lhe quem deveria usar como sujeito e respondeu-me: "Os membros da platéia." Disse-lhe então: "Não vai ser inteiramente satisfatório." Ele prosseguiu: "Bem, por que não vai dar uma volta pelas enfermarias e descobre um sujeito que considere satisfatório?" Dei uma volta pelas enfermarias até que vi duas enfermeiras conversando. Observei uma delas e registrei tudo a respeito do seu comportamento. Quando acabaram de falar fui até a enfermeira, me apresentei, disse-lhe que ia fazer uma palestra sobre hipnose antes da reunião, e perguntei se ela estaria disposta a ser meu sujeito hipnótico. Ela disse que não conhecia nada de hipnose, nunca lera nada a respeito e nunca vira nada. Disse-lhe que isso era ótimo e que ela seria um sujeito hipnótico ainda melhor. Respondeu-me: "Se acha que posso ficarei feliz em fazê-Io." Agradeci-lhe e acrescentei: "Estamos combinados." Respondeu-me: "É claro." . Depois, continuei e falei ao doutor Alex sobre a enfermeira, Betty, que iria ser meu sujeito. Ele reagiu violentamente. Disse-me: "Não pode usar esta enfermeira. Ela está em terapia analítica há dois anos. Tem uma depressão mascarada. (Depressão mascarada é aquela na qual o o paciente tem uma grave depressão, mas que resolveu continuar. Estes pacientes, não importa o quanto se sintam mal, ou infelizes, prosseguem o seu trabalho.) O doutor Alex acrescentou: "Ela é suicida. Já se desfez de suas jóias. É órfã. Não tem irmãos e seus amigos são as outras enfermeiras do hospital. Desfez-se de seus pertences pessoais e de uma quantidade de roupas. Já encaminhou sua demissão." (Não me lembro a data da demissão. Acho que era vinte de outubro e estávamos em
seis de outubro.) "Depois dela se demitir, vai se suicidar. O senhor não pode utilizá-Ia." O analista, o doutor Alex e toda a equipe pediram-me para não usar Betty. Respondi-Ihes. "Infelizmente, aceitei a promessa de Betty, e dei-lhe em troca a minha palavra. Agora, se eu voltar atrás na minha palavra, sendo ela deprimida, pode considerar o fato como a rejeição final e cometer um suicídio esta tarde, ao invés de esperar o dia vinte. Mantive minha opinião e eles concordaram." Disse a Betty onde deveria sentar-se na platéia. Fiz mio nha palestra. Chamei vários membros da audiência para demonstrar algumas coisas sobre hipnose, vários fenômenos. E depois disse: "Betty, por favor, fique de pé. Agora venha até o palco devagar. Venha diretamente até a minha frente. Não caminhe muito depressa, nem muito devagar, entre cada vez mais em transe, a cada passo que der." Quando Betty finalmente chegou ao palco, em frente a mim, já estava num transe hipnótico profundo. Pergunteilhe: "Onde está você, Betty?" Respondeu-me: "Aqui." Continuei. "Onde é aqui?" Respondeu-me: "Com você." Disselhe: "E onde estamos?" Respondeu: "Aqui." Disse-lhe: "E o que há aqui?" (Erickson mostra uma platéia imaginária.) Ela respondeu: "Nada." Eu prossegui: "O que tem aqui?" (Erickson gesticula para a parte atrás dele.) Responde-me: "Nada." Em outra palavras, ela teve uma alucinação negativa total com relação a tudo que a cercava. Eu era para ela a única coisa visível. Assim, demonstrei a catalepsia e a anestesia da luva. (Erickson belisca a mão.) Depois, disse a Betty: "Acho que seria ótimo se fôssemos ao Bostum Arboretum para fazermos um passeio por lá. Podemos fazê-Io facilmente." Expliquei-lhe tudo sobre a distorção temporal, como é possível encurtar ou dilatar o tempo. Então eu lhe disse: "O tempo dilatou-se, cada segundo é um longo dia." Assim, ela teve a alucinação de estar no Arboretum comigo. Mostrei-lhe que os ânuos estavam fenecendo porque era outubro. Mostrei-lhe que uma mudança estava
acontecendo nas cores das folhas, pois elas mudavam de cor em outubro, em Massachusets. Mostrei-lhe os arbustos, as heras, e as vinhas de várias árvores. Mostrei-lhe como cada arbusto, cada moita, cada árvore tinha uma forma especial de folha. Falei sobre as plantas perenes que retomam à vida na primavera seguinte. E das plantas de estação que são plantadas em todas as primaveras. Falei das árvores e dos brotos. O tipo de fruta das árvores. Os tipos de sementes e de como os pássaros comem as frutas e distribuem a semente que se dissemina sob condições favoráveis e crescem para se tornarem uma outra árvore. Discorri exaustivamente sobre o Arboretum. Depois sugeri irmos ao Zoológico de Boston. Expliqueilhe que sabia que lá havia um bebê canguru, e que flOdíamos ter a esperança de que ele saísse da bolsa da mãe, de modo que pudéssemos vê-lo. Expliquei-lhe que os cangurus bebês são chamados de "filhotes". Têm dois centímetros e meio quando nascem, aproximadamente. Sobem pela bolsa da mãe e se grudam nos bicos dos peitos. Então, uma mudança física ocorre na boca do bebê e ele não pode mais se desgrudar do bico do peito da mãe. E assim se .alimentam, se nutrem e crescem. Acho que antes de aparecer, passam três meses na bolsa da mãe. Vimos os cangurus. Observamos o bebê canguru espiando para fora da bolsa. Observamos os tigres e suas crias, os leões e suas ,crias, os macacos, os lobos e todos os animais. Depois fomos ao aviário e vimos todos os pássaros. Falei 'sobre a migração das aves. Como as andorinhas do Ártico passam um breve verão na zona ártica e depois voam para a ponta extrema da América do Sul, e conseguem isto com um sistema de orientação que nenhum homem consegue entender. A andorinha do Ártico e vários outros pássaros sabem instintivamente como migrar por milhares de milhas sem uma bússola, uma coisa que o homem não consegue fazer. Depois voltamos ao State Hospital e fiz ,com que ela enxergasse a platéia e falasse com o doutor Alex. Não a despertei. Mantive-a em estado de transe. Fiz
com que discutisse aquela sensação de peso qu~ Christine e outros mencionaram. E ela respondeu às perguntas que lhe fizeram. Depois, sugeri que caminhássemos pela rua até a praia de Boston. Falei sobre o fato de a praia de Boston já estar ali muito antes dos Puritanos se instalarem em Massachusets. De como os índios a apreciavam. E de como os primeiros colonos gostavam da praia. Como era um lugar de prazer hoje em dia e o fora no passado, por inúmeras gerações. Como seria um lugar de prazer e de felicidade até mesmo num futuro mais distante. Fiz com que olhasse o oceano e visse como estava calmo. Depois vieram ondas tempestuosas e mostrei-lhe as ondas se acalmando pouco após. Fiz com que apreciasse a maré enchente e vazante. Depois sugeri que voltássemos ao Boston State Hospital. Demonstrei algumas coisas a mais sobre hipnose e agradeci-lhe depois no seu transe· profundo por ter me ajudado tanto, e ter ensinado tanto à audiência. Despertei-a e fiz os meus agradecimentos novamente, e mandei-a de volta à enfermaria. No dia seguinte, Betty não apareceu no hospital. Os seus amigos ficaram alarmados. Foram ao apartamento dela. Não havia nenhum bilhete, nenhum sinal de Betty, nenhum uniforme. .. só as roupas comuns. Finalmente chamaram a polída mas não conseguiram encontrar o corpo de Betty em nenhum lugar. Ela desaparecera completamente e cul· param o doutor Alex e a mim pelo suicídio de Betty. Um ano depois quase todo mundo se esquecera de Betty, exceto o doutor Alex e eu. Dez anos se passaram sem nenhuma notícia de Betty. Dezesseis anos mais tarde, em julho de 1972, recebi um telefonema interurbano da Flórida. Uma voz de mulher me disse: "O senhor provavelmente não se lembrará de mim, mas sou Betty, a enfermeira que o senhor usou para demonstrar hipnose no Boston State Hospital em 1956. E só hoje foi que eu pensei que o senhor poderia gostar de saber o que aconteceu comigo." Respondi-lhe: "Seguramente que gostaria." (Ri, sadas do grupo.)
Ela me disse: "Depois de sair do hospital aquela noite, fui até a Base de Recrutamento Naval e pedi para ser imediatamente admitida no Corpo de Enfermagem da Marinha. Servi em dois alístamentos. Dei baixa na Flórida. Consegui emprego num hospital. Encontrei um oficial aposentado da Força Aérea e nos casamos. Atualmente tenho cinco filhos e estou trabalhando no hospital. E hoje me veio a idéia de que o senhor poderia querer saber o que aconteceu comigo. Perguntei-lhe então se poderia falar sobre aquilo com o doutor Alex. Respondeu-me: "Se o senhor desejar. Para mim tanto faz." Desde então mantemos ativa correspondência. Bem, quando a levei ao Arboretum e fiz com que tivesse a alucinação do lugar, de que eu estava falando? De padrões de vida: a vida de hoje, a vida no futuro; brotos, frutos, sementes, os diferentes padrões de cada folha para cada planta. Fomos ao zoológico e de novo eu estava discutindo a vida com ela: a vida na juventude, a vida madura, as surpresas da vida, os padrões de migração. E depois fomos à praia onde incontáveis gerações no passado tinham encontrado prazer, onde incontáveis gerações no futuro encontrariam prazer e onde as atuais gerações encontravam deleite. E os mistérios do oceano: a migração das baleias, as tartarugas marinhas, a migração dos pássaros, algo que o homem não pode entender mas que é fascinante. Mencionei todas as coisas que fazem a vida valer a pena. E ninguém sabia que eu estava fazendo psícoterapia, exceto eu. Ouviram as coisas que eu disse, mas só acharam que eu estava demonstrando distorções do tempo, alucinações visuais e auditivas. Acharam que eu estava demonstrando fenômenos hipnóticos. Nunca perceberam que eu estava intencionalmente fazendo psicoterapia. Portanto, o paciente não tem de saber que estamos fazendo psicoterapia. E isto ilustra que o terapeuta não tem de saber a razão pela qual o paciente necessita de psicoterapia. Eu sabia
que ela era deprimida e suicida, mas isto era apenas uma informação geral. Quando esta reunião acabou, uma senhora de cabelos grisalhos me procurou e disse: "O senhor me conhece?" Respondi-lhe: "Não, mas sua pergunta implica que eu deveria." Ela disse: "Bem, o senhor deveria me conhecer. Agora sou avó." Eu respondi: "Há montes de avós que eu não conheço." (Risos.) E ela continuou: "O senhor escreveu um artigo sobre mim." Respondi-lhe: "Escrevi vários artigos." Ela prossegúiu: "Vou lhe dar mais uma pista. J ack está exercendo medicina interna e eu ainda estou exercendo psiquiatria." Disse-lhe: "Estou feliz em vê-Ia de novo Bárbara." Trabalhei no Worcester State Hospital, em serviços de pesquisa. Fui o primeiro psiquiatra contratado para o serviço de pesquisa e estava muito ocupado. Soube que no serviço geral havia uma jovem de boa aparência e muito inteligente que era estagiária de psiquiatria. Ingressou na equipe em abril e soube, através dos outros membros da equipe, que esta estagiária, em janeiro, se tornara de repente muito neurótica. Começara a perder peso, desenvolvera uma úlcera, teve colite, insônia, um padrão de medo, incerteza e dúvida. Passava o tempo na enfermaria trabalhando com os pacientes começando pela manhã bem cedo até tarde da nóite, pois era o único lugar onde se sentia bem. Não comia muito, evitava conta,to com as pessoas, exceto com os pacientes. Em junho, esta estagiária me procurou e disse-me: "Doutor Erickson, ouvi suas palestras sobre hipnose e vi o que o senhor faz com sujeitos normais e com pacientes que são seus sujeitos. E quero que o senhor venha ao meu apartamento hoje à noite, às sete horas. Eu lhe direi o que desejo depois que o senhor chegar lá, e não se assuste se eu não me lembrar que o convidei para ir ao meu apartamento." E desapareceu. Às sete da noite, bati à porta do apartamento. Ela abriu e olhou-me surpresa. Eu perguntei: "Posso entrar?" Disse hesitante: "Se quiser."
Assim, expliquei-lhe que era a primeira primavera que eu passava na Nova. Inglaterra. Continuei falando e disse que sabia tudo sobre a primavera de Wisconsin e Colorado, mas que era a minha primeira experiência com a primavera da Nova Inglaterra. Continuamos falando sobre isto e de repente percebi que ela estava num transe profundo. Por isso perguntei-lhe: "Você está em transe?" Respondeu que "sim". Disse-lhe então: "Quer me contar alguma coisa?" Respondeu que "sim". Disse-lhe então: "Pois diga-me." Disse-me: "Sou muito neurótica. Não sei por quê. Tenho medo de saber a razão. Assim, poderia me mandar ir para o meu quarto, me deitar e pensar no meu problema? O senhor pode entrar dentro de uma hora e me perguntar se já acabei. Eu lhe direi." Assim eu lhe disse para ir para o quarto deitar-se e pensar no problema dela. Às oito horas entrei e perguntei-lhe se já terminara de pensar. Respondeu-me que "não". Disse-lhe que voltaria às nove horas. Às nove horas ela disse que não acabara. Às dez horas ela ainda não acabara, mas disse para eu voltar dentro de meia hora pois já teria acabado. Às dez e meia ela me disse que já havia acabado. Disseme para levá-Ia à sala de estar, sentá-Ia ali e deixá-Ia acordar. Antes de sair do quarto pediu: "Faça com que eu tenha uma amnésia ·em relação a tudo que aconteceu no transe. Não quero saber o que aconteceu durante o transe. Mas antes de sair diga-me assim: 'basta apenas conhecer a resposta'." Continuei a conversa que iniciáramos antes. Falei com ela sobre a primavera na Nova Inglaterra, do quanto eu ficava antecipando as estações. Ela despertou, olhou desconcertada e respondeu às minhas observações sobre a Nova Inglaterra. Pulou e disse: "Doutor Erickson, o senhor não tem o direito de estar no meu apartamento às onze horas da noite. Por favor, quer sair? Depressa, depressa. Saia daqui." Assim eu saí.
No final de junho o estágio dela acabou. Eu estava ocupado com o serviço de pesquisa. Não tinha nenhum interesse particular nela. Nem mesmo sabia para onde ia. Passou-se o mês de julho. Passou-se agosto. Na última semana de setembro, ela entrou apressada no meu escritório por volta das dez ou onze horas. Disse-me: "Doutor Erickson, estou trabalhando no Northhampton State Hospital. Obviamente hoje é meu dia de folga. Estou trabalhando no serviço psiquiátrico, e o meu marido, Jack, está trabalhando no serviço médico. Ele é interno. Eu estava deitada na cama, me deliciando com o fato de estar casada com Jack e de que Jack me ama. Estava pensando como uma recém-casada muito feliz, apenas me regozijando com a felicidade de saber que nos amamos. Estava pensando como Jack é maravilhoso e como é maravilhoso estar casada com ele. "De repente lembrei-me de junho passado, e soube que deveria lhe contar. Não esperei para tomar o café da ma· nhã. Vesti-me, peguei meu carro e vim guiando para cá o mais rápido possível. O senhor deveria saber o que aconteceu. Lembra-se de quando, em julho, pedi-lhe para ir ao meu apartamento para não se surpreender se eu me esquecesse de tê-Io convidado? O senhor veio e começou a falar sobre primavera, verão e as estações na Nova Inglaterra." "Entrei emtranse o senhor percebeu. O senhor me perguntou se eu estava em transe e eu disse que 'sim', e disse que desejava que o senhor fizesse algo para mim. Contei-lhe que era neurótica e que não sabia a razão e pedi-lhe para me mandar ir para o quarto, me dizer para deitar e pensar no meu problema. Disse-lhe que era para o senhor voltar dentro de uma hora e perguntar seu eu já tinha acabado. Às oito horas o senhor me perguntou se eu já tinha acabado e eu lhe disse que não. Perguntou-me a mesma coisa às nove e eu respondi que não, perguntoume novamente às dez horas e eu lhe disse que não, mas que às dez e meia já teria acabado".
"Quando o senhor entrou para me tirar do quarto eu lhe disse que desejava uma amnésia total para tudo o que eu pensara no transe e que o senhor me levasse para a sala de visitas." "Finalmente acordei e o senhor falou da primavera na Nova Inglaterra. Fiquei tão surpresa quando o vi ali e percebi que eram onze horas. Tive uma amnésia total do motivo pelo qual o senhor estava ali. Sabia que o senhor não tinha o direito de estar no meu apartamento àquela hora da noite. Assim, pedi-lhe para sair." "E esta manhã, enquanto eu me sentia tão feliz, lembrei-me de tudo. Naquela noite fui para o quarto e me deitei na cama em estado de transe, um comprido pergaminho desenrolou-se em minha mente. E no centro havia uma linha que percorria o meio de alto a baixo. De um lado estavam os "prós", de outros os "contras", e a questão toda girava em torno do rapaz que eu conhecera em dezembro." "Jack se fez sozinho na escola secundária. Sua família era pobre, de classe baixa e sem instrução. Jack teve que se fazer sozinho no secundário, na Universidade, na Escola de Medicina. Além do trabalho e do fato de não ser o homem mais brilhante do mundo, só tirava notas C e D."
"Eu venho de uma família muito rica, da elite, uma família muito esnobe. Em dezembro, descobri de repente que estava pensando em Jack, pensando em me casar com ele. Isto me causou um choque pois Jack vinha do outro lado da vida e eu pertenço à alta sociedade. Tive as vantagens da riqueza. Sou muito mais inteligente do que Jack. Sempre tiro notas A sem dificuldades. Assisti óperas em Nova lorque, ia a concertos, peças de teatro, viajei pela Europa. Tive todas as vantagens da riqueza e todo o meu passado é de esnobismo. O fato de estar apaixonada por alguém que vinha da classe baixa e que não era tão inteligente quanto eu me tocou profundamente." "Em estado de transe, vi todos os prós e os contra em um casamento com Jack. Li-os de cabo a rabo. Levou
muito tempo. Depois comecei a riscar os prós e os contras e respondi aos contras. Levou um pouco de tempo porque havia muitos prós e muitos contras. Fui de um em um com muito cuidado e atenção. Quando terminei de riscar os "contras" sobravam muitos "prós". Mas eu sabia que não podia enfrentar tudo de uma vez, por isso lhe disse para me dar uma amnésia total. Mas pedi-lhe também para antes de sair dizer-me o· seguinte: "basta apenas saber a resposta." "O senhor saiu do apartamento e disse: 'basta apenas saber a resposta'." Então um pensamento passou pela minha cabeça: "agora posso me casar com Jack." Eu não sabia de onde vinha este pensamento. Estava confusa, surpresa. Não conseguia pensar. Fiquei apenas parada ali enquanto o senhor fechava a porta. E me esqueci de tudo. "Depois de acabar meu estágio, encontrei Jack e nossa relação virou romance. Casamo-nos em julho e conseguimos um emprego juntos no Northhampton - eu no serviço psiquiátrico e Jack no serviço médico. E esta manhã eu estava deitada na cama no meu dia de folga, pensando em como era feliz de ter Jack como marido, de Jack e eu nos amarmos. Então lembrei-me do que se passou em junho e achei que o senhor deveria saber." (Erickson dá umas risadinhas.) Em 1956 ela me disse: "O senhor me conhece, doutor Erickson?" Bem, eu não a conhecia. Mas logo que disse que Jack ainda ex.ercia medicina interna, eu me lembrei. Eu não sabia qual era o pro]Jlema dela. E ela também não sabia que tipo de terapia estáva fazendo. Fui apenas uma fonte de ambiência ou um jardim onde os pensamentos dela puderam se instalar e amadurecer. E consegui fazer isto sem o conhecimento dela. (Erickson dá suas risadinhas.) O terapeuta realmente não é importante. O que é importante é a sua habilidade de permitir aos pacientes exercerem o próprio pensamento, a própria compreensão. E agora, já é avó. Jack ainda está exercendo medicina inter-
na e ela ainda está praticando psiquiatria. E um casamento duradouro e feliz. Todos os livros sobre psicoterapia enfatizam as regras. Ontem. .. qual é o· seu primeiro nome? (Para Sally) Sally: Sally. E: Sally chegou tarde. De brincadeira zombei dela, fiz com que se sentisse aflita e envergonhada. Não sei se os irritei. É claro que não era o tipo de tratamento que vocês esperavam. No entanto ela entrou em transe porque veio aqui para aprender. E acho. que aprendeu alguma coisa. Sally: (Faz um "sim" com a cabeça.) E: E na psicoterapia a gente ouve o paciente, sabendo que não entende os significados pessoais do seu vocabulário. Posso dizer a um alemão que algo é maravilhoso. Ele pode me dizer que é "maravilhoso" ou "wunderbar". E há uma diferença. Por isso ouçam o paciente, sabendo que ele tem significados pessoais para suas palavras e que vocês não sabem qual é este significado. E ele não conhece os significados pessoais de vocês para as palavras. Devem tentar entender as palavras do paciente conforme ele as entende. Ora, a paciente com fobia de avião - eu não sou obrigado a acreditar em tudo o que me dizem. Não acreditei até que entendi as palavras dela. Quando me falou de fobia de avião, mas contou que podia caminhar dentro dele, e estar à vontade enquanto o avião deslizava na pista, mas que tinha a fobia logo que ele decolava, pude entender que ela não tinha fobia de avião. Tinha claustrofobia, nos espaços fechados onde outras pessoas se encarregavam da vida dela. E este alguém era um estranho, o piloto. Tive de aguardar até entender as palavras dela. Fiz com que desse a palavra de que faria qualquer coisa, de bom ou de mal. Consegui esta promessa com muito cuidado porque duplicava a entrega de sua vida nas mãos de um piloto estranho. Depois disse-lhe. "Aproveite a viagem para Dallas. Aproveite a viagem de volta, depois me conte que .aproveitou bastante." Ela não sabia o que eu pretendia
com esta promessa. Eu sabia. E foi dito com tanta gentileza: "Aproveite a viagem de ida e de volta." E ela prometera fazer tudo o que eu lhe pedisse. Não percebeu o que eu estava lhe pedindo. (Erickson sorri.) E nem você. (Para Jane) Espero lhes ter ensinado alguma coisa sobre psicoterapia. A importância de ver, de ouvir, de entender, e de levar o paciente a fazer alguma coisa. E quanto a Bárbara; ela desenrolou mentalmente um extenso pergaminho. Leu os prós e os contras. Descobriu que ainda sobravam muitos prós. Sabia que não estava pronta para saber mais do que a resposta. Por isso veiolhe a idéia: "Agora posso me casar com Jack." E ela não sabia de onde surgira aquele pensamento, por isso quis se livrar depressa de mim. (Erickson sorri.) Eu só vim a saber disso meses depois e também o que significava realmente: "Basta apenas saber a resposta." Quando se leva o paciente a fazer o trabalho principal, tudo o mais se encaixa. A menina que urinava na cama - a família dela teve de se ajustar à mudança. Só podiam fazer isto. O mesmo quanto às irmãs, vizinhos e crianças da escola que tam bém tiveram de se adaptar. Agora outra observação. Quando ingressei na equipe do Worcester State Hospital, o doutor A., Diretor Clínico, levou-me para visitar as enfermarias e os pacientes. Depois me convidou para ir ao seu escritório e disse-me: "Sente-se Erickson." Então prosseguiu: "Erickson, você manca bastante. Não sei como foi isso. Eu fiquei mancando devido à primeira Guerra Mundial. Fiz vinte e nove operações na perna, devido à poliomielite. Sempre vou mancar. Mas Erickson, se você está interessado em Psiquiatria será um sucesso. O fato de você mancar vai despertar os sentimentos maternais de todas as pacientes. E, quanto aos homens, isto lhes transmitirá a impressão de que você não é uma pessoa a quem se deva temer. Ê apenas um aleijado que não tem im-
portância. Por isso não vão ter medo de conversar com você pois você não representa grande coisa. É manco." "Assim, mantenha o rosto impassível, mantenha os olhos e os ouvidos abertos." Segui este conselho, mas acrescenteilhe mais alguma coisa. Sempre que fazia uma observação, redigia, botava num envelope, selava e colocava numa gaveta. Tempos depois, quando fazia outra observação, redigia e depois comparava-a com a primeira observação que fizera. Posso ilustrar o que digo da seguinte maneira: Em Mi· chigan havia uma secretária que era muito tímida. Colo· cara sua mesa no canto extremo da sala. Nunca olhava para a gente. Ficava de cabeça baixa enquanto tomava notas, e nunca olhava para a gente. Em média, chegava cinco minutos mais cedo para trabalhar; às cinco para as oito. O expediente começava às oito. Às oito ela já estava trabalhando. Trabalhava até uns cinco minutos depois do meio-dia. Depois ia almoçar e retomava o trabalho às cinco para a uma. O expediente terminava às quatro e ela sempre trabalhava mais uns cinco minutos. O hospital dava duas semanas de férias remuneradas. O trabalho semanal era das oito da manhã de segunda até sábado à tarde. Quando chegavam as férias Debbie esperava até cinco minutos após as oito da manhã de segundafeira para arrumar suas coisas, e assim perdia o fim de semana que incluía o sábado à tarde e o domingo. E voltava antes do segundo fim de semana, cinco minutos antes do meio-dia, perdendo assim outro fim de semana de suas férias. Era muito conscienciosa, obsessivamente. Certo verão vi uma moça estranha caminhando pelo corredor, alguns passos à minha frente. Conhecia todo mundo ali. EstRva encarregado do pessoal. Conhecia a maneira de caminharem, de balançarem os braços, a maneira de sustentarem a cabeça. Podia reconhecer cada um deles. E vi esta moça estranha. Não sabia quem era. E fiquei imaginando como era possível. Eu estava encarregado do
pessoal. Quando a moça virou para entrar na biblioteca vi que era o perfil de Debbie. Entrei no meu escritório, peguei uma folha de papel e redigi minha observação. Coloquei num envelope, selei, e entreguei à minha secretária. Disse-lhe: "Bote a inicial, date e tranque." Ela tinha a única chave de uma certa gaveta, por isso eu nem podia dar uma espiada nas minhas observações, é que eu também não confio em mim. (Erickson sorri e olha diretamente para uma aluna, talvez Sally.) Um mês depois, minha secretária voltou do almoço e disse: "Sei de algo que o senhor não sabe." Respondi-lhe: "Não aposte não." Ela continuou: "Isto eu posso apostar. Debbie não foi de férias neste verão. Casou-se em segredo. Contou-nos isto hoje na hora do almoço." Respondi-lhe: "Senhorita X., olhe naquele envelope com a data de um mês atrás." E a secretária respondeu: "Oh, não, não!" (Risos) Localizou o envelope, abriu-o, e tirou a minha observação. Esta dizia o seguinte: "Ou Debbie está tendo um caso de amor ardente, ou se casou secretamente e teve uma boa adaptação sexual." E isto levanta outro ponto. Para um homem, o sexo é um fenômeno local. Não envolve outras partes em especial. É um fenômeno puramente local. Quando uma mulher começa a sua vida sexual, este fato é uma função biológica do corpo, e todo o corpo está envolvido. Logo que começa a fazer sexo com regularidade, o estilo dos cabelos mudam levemente, as sombracelhas ficam um pouco mais proeminentes, o nariz fica um milímetro mais comprido, a pele um pouco mais grossa, os lábios um pouco mais grossos. O ângulo do maxilar e o conteúdo de cálcio da espinha se modificam, o centro de gravidade muda, os seios e as ancas ficam maiores ou mais densos. (Erickson aponta para os pontos do seu corpo à medida que menciona as várias mudanças.) Caminha de maneira diferente porque seu centro de gravidade é mais baixo. Movimenta os braços de modo diferente. E se você observar um bom número de pessoas com atenção, aprenderá a reconhecê-Ia.
Não observe as pessoas de sua família. Seria uma intromissão imperdoável nas suas privacidades. Mas sinta-se livre para observar seus pacientes, as enfermeiras, os estagiários de cirurgia, pois sua profissão é cuidar de pacientes e das pessoas que cuidam deles. Estarão ensinando a alunos de Medicina e devem saber quais são os problemas deles pois eles vão exercer Medicina. Observe os estagiários. Mas no que toca a observar seus amigos ou suas famílias, esta é uma intromissão imperdoável na privacidade de outrem. Nunca sei quando minhas filhas estão menstruadas. Sempre sei quando uma paciente está menstruada, vai ficar ou acabou de ficar. Havia em Michigan uma secretária que, um dia, disse a meu amigo Louie e a mim: "Vocês, malditos psiquiatras, sempre acham que sabem de tudo." E eu respnodi modestamente: "Bem, praticamente tudo." (Erickson sorri.) Esta secretária, Mary, era casada, e o marido era comerciante. As vendas em outros estados às vezes afastavam-no de casa por dois dias, duas ou três semanas - nada regular. Certa manhã fui trabalh?r'e Mary estava no escritório dela, a portas fechadas, batendo à máquina. Ouvi, abri, meti a cabeça pela porta e disse: "Mary, você ficou menstruada esta manhã", e fechei a porta. Mary sabia que eu estava certo. Alguns meses depois, ouvi Mary batendo à máquina no escritório. Abri a porta e disse-lhe: "Mary, seu marido voltou ontem à noite." (Erickson dá umas risadinhas.) Mary nunca duvidou do que eu sabia. E algumas enfermeiras e secretárias me procuravam previamente. Um dia, uma secretária entrou no meu escritório e disse: "Quer mandar sua secretária sair? Queria lhe dizer uma coisa." Fiz o que pediu. Disse-me: "Ontem à noite comecei um caso amoroso e queria lhe dizer isso antes que o senhor percebesse." (Risos do grupo.) Quando olhamos os amigos ou nossa família, somos impedidos pelo nosso senso inato de· cortesia e de privacidade. Mas os pacientes ~ão outra coisa. Quanto aos alunos de Medicina, vão terminar o curso e praticar com outras pessoas. É melhor que saibamos o que há de errado com eles.
Vocês são adultos e meus colegas. Não vou observá-Ios. Vou ler os rostos de cada um e se alguém não gostar de mim, eu saberei. E vocês duas sabem disso, não? (Para Sally e Sarah.) Sally: Que pode ler os rostos, sim. E: Bem, agora vou contar-Ihes outra história. Um professor de Yale fizera análise dois anos aqui na América. A esposa fora analisada durante um ano. Foram para a Europa e ele fez análise cinco vezes por semana, durante um ano, com Freud, e ela fez análise com um dos discípulos de Freud. Voltaram no verão seguinte e se ofereceram para fazer algum trabalho no Worcester State Hospital. O professor me falou de seus dois anos de psicanálise, da entrevista com Freud e dos dois anos de psicanálise que a esposa fizera. Disse que queriam fazer, ele e a esposa, psicoterapia comigo. Ora, eu havia sido recentemente contratado para o serviço de pesquisa e estava muito ocupado. Disse-lhe que levaria algum tempo para reorganizar os meus horários. Na primeira semana, havia uma loja de livros no centro de Worcester . Eu sempre gostei de comprar meus livros lá por causa dos saldos. Fui ao centro e o professor me acompanhou. Ele também gostava de comprar livros. Quando íamos pela rua, uma mulher extremamente obesa, de um metro e oitenta, mas de largura, saiu da loja uns vinte passos à nossa frente. O professor virou-se e disse-me: "Milton, você não gostaria de botar as mãos neste traseiro?" Respondi-lhe: "Não, não gostaria." Ele continuou: "Pois eu gostaria." Quando voltamos ao hospital, chamei a esposa dele e disse-lhe: "Estávamos andando pela rua atrás de uma mulher muito gorda, de um metro e oitenta de largura, e seu marido me pergunotu se eu não tinha vontade de botar a mão naquele traseiro. Eu lhe disse que não tinha nenhuma vontade, e ele me disse que tinha." A esposa deu um salto e disse: "Meu marido disse que gostaria de botar as mãos naquele traseiro grande e gordo?" Respondi-lhe: "Isto é o que ele disse, e disse-o com muita vontade." Ela respondeu: "Eu quase me matei de fome
todos estes anos para me manter esbelta, de quadris esbeltos. Não vou mais passar fome. Ele vai botar as patas num traseiro bem grande e gordo." (Risadas gerais.) Semanas depois ela voltou e disse-me: "O senhor sabe, meu marido é um tipo cavalheiro. B muito afetado. Acha que sabe de tudo. E eu quero que o senhor lhe diga como fazer amor comigo. Ele acha que a única maneira que pode ter relações sexuais comigo é com ele ficando por cima de mim. Algumas vezes eu gostaria de ficar por cima dele." Chamei o marido e expliquei-lhe que uma relação sexual em qualquer posição que ambos queiram é correta. Qual· quer coisa que um dos dois não queira é errado. Entrei em maiores detalhes. Esta foi a terapia. (Para o grupo) E agora, por que razão aquele professor, nos três anos de Psicanálise, não descobriu que os quadris meio infantis da mulher estavam errados? Por que razão ela, nos dois anos de Psicanálise, duas vezes por semana, não descobriu que o marido gostava de um "derriere" grande? Assim, eu efetuei a análise freudiana e a terapia dos outros dois analistas em dois encontros. Atualmente o professor está aposentado. São avós, ela tem um metro e oitenta de largura e eles são felizes. (Erickson sorri.) E acho que isto é psicoterapia. Quando fui a Michigan pela primeira vez, no primeiro dia vi uma moça que logo descobri ser uma médica perita. Era muito bonita da cintura para cima e dos joelhos para baixo, mas tinha os maiores quadris que vi em toda minha "vida. Quando andava pelo corredor e passava por alguém, esbarrava com o traseiro na pessoa e derrubava-a. (Erickson gesticula com o braço esquerdo.) Eu sabia que ela não gostava do seu traseiro. Mas, para mim, parecia interessante. Logo descobri que tinha um hábito muito peculiar. Nos dias de visita, ela ficava nos portões do pátio do hospital, num lugar que era visível do meu escritório. Sempre que aparecia uma mãe com uma criança pequena, eu observava a moça fazer três perguntas, e a mãe responder com a cabeça a cada vez. Depois a mãe entrava no hospital para
visitar os parentes, enquanto esta médica levava as criancinhas de todas as mães, tomava conta delas, fazendo-as passar um dia agradável. Bem, para uma moça deixar seu dia de folga para tomar conta dos filhos de outra mulher, ela deve gostar de crianças. Então, um ano depois, ela subitamente teve soluços dia e noite. Tínhamos uma equipe de cento e sessenta e nove médicos em Detroit. Todos a examinaram e recomendaram-lhe um exame psiquiátrico. A moça sabia que seria eu quem faria o exame. Conhecia minha reputação - de que eu enxergava as coisas. Recusou-se redondamente. O chefe foi vê-Ia e disse-lhe: "Bem, veja bem June. Aqui você está Úmdo hospitalização de graça, cuidados médicos de graça. Todo mundo está lhe recomendando uma consulta psiquiátria. Você recusou. Seu emprego está em aberto para você, e mesmo sendo uma paciente no leito, está recebendo seu. pagamento. Bem, ou você faz uma consulta psiquiátrica, ou use o telefone para chamar uma ambulância particular para levá-Ia a um hospital particular. Mas pode manter seu emprego se aceitar o exame psiquiátrico." Ela não gostou da perspectiva de ter de pagar um hospital particular, nem uma ambulância. E assim respondeu: "Muito bem, deixe-o vir." Fui vê-Ia mais ou. menos às duas horas, entrei e fechei a porta com muito cuidado. Estendi minha mão e disse-lhe: "Feche a boca e não diga nada (Erickson gesticula com a mão esquerda como se faz parar o tráfego.) até ouvir o que tenho a dizer. Seu problema é que você não leu os Cânticos de Salomão. Estão na Bíblia a seu lado, mas você não os leu. Este 'éo seu problema. Bem, como não leu os Cânticos de Salomão, vou explicá-Ios a você. Observei-a durante um ano, tomando conta dos filhos de outras mulheres nos seus dias de folga. Você pergunta sempre às mães se pode darlhes um chiclete, uma bala ou um brinquedo. Se você pode tomar conta deles enquanto estão visitando os parentes hospitalizados. Por isso sei que gosta de crianças. E acha que por ter os quadris tão grandes, nenhum homem olhará para
você. Entenderia melhor se lesse os Cânticos de Salomão." Nesta altura ela já estava curiosa. (Para o grupo) Duvido que algum de vocês já tenha lido os Cânticos de Salomão. (Para um aluno) Você já leu? (Erickson balança a cabeça.) Então eu lhe expliquei: "O homem que quiser casar com você, que se apaixonar por você, vai olhar seus quadris grandes e gordos e ver neles apenas um berço para os filhos. Será um homem que quererá muitos filhos." "Bem, não pare de soluçar agora. Pare quando for dez e meia ou onze horas. Desta forma todo mundo poderá achar que você teve uma cura espontânea e que não tive nada a ver com isso. Continue soluçando e todos saberão que também eu falhei. Depois que eu sair, leia os Cânticos de Salomão. Está na Bíblia ao lado de sua cama. Alguns meses depois, após a saída da minha secretária para o almoço, June me procurou e mostrou-me o anel de noivado. Alguns meses depois, esperou que minha secretária saísse para almoçar e apresentou-me o noivo. Disse que ele tinha terras em certo lugar e ele começou a falar dos planos que tinham para a construção de uma grande casa. Iam ter muitos quartos e um enorme quarto para as crianças. (Erickson sorri.) Uma vez, perguntei a meu pai por que se casara com minha mãe. Ele respondeu: "Porque o nariz dela aponta para o oeste." (Risos) Minha mãe tinha um desvio no septo e o nariz dela de fato era torto. Eu protestei dizendo que ela teria de ficar olhando para o sul para que o nariz dela apontasse para o oeste. Meu pai então disse: "Eu vim de Chicago. Fica no sul de Wisconsin." Não tive argumentos contra esta lógica. Por isso perguntei à minha mãe: "Por que você se casou com papai?" E ela respondeu: "Porque ele tinha um olho azul e um olho branco." E eu continuei: "Olhos são azuis, marrons ou pretos." Ela prosseguiu: "Seu pai tinha um olho azul. Ele era vesgo e só o branco dos olhos aparecia." Eu lhe disse: "Nunca vi o olho branco dele." Respondeu-me: "Não. No dia que nos casamos os dois olhos consertaram."
Perguntei-lhe: "E nunca voltou a ficar vesgo?" Respondeu-me: "Sim, uma vez. Ele foi a St. Louis e tentou se alistar no regimento dos 'Bravos Cavaleiros de Roosevelt'." Não o admitiram devido à visão. Voltou para casa com um olho azul e um olho branco. Mas depois de voltar para casa começou a pensar. Tinha mulher e filha para sustentar. Era melhor que fizesse o que era certo. Voltou a ter dois olhos azuis." (Erickson sorri.) Perguntem e aprenderão. Que horas são? Jane: Quatro. E: Posso ficar até as quatro. Você, quer vir até aqui e sentarse nesta cadeira, por favor? (Erickson se dirige a Sarah, que vem ocupar a cadeira verde.) E você percebeu que eu não pedi para ela sair desta cadeira? (Erickson está se referindo a Anna.) Bem, os outros já conhecem isto. Quantos dedos você tem? Sarah: Cinco, hã, quatro. E: Contando os polegares como dedo. Sarah: Cinco. Dez. E: Qual? Cinco ou dez? Sarah: Dez. E: Tem certeza? Sarah: Sim (Ri.) E: Agora, bote as mãos nas coxas. Faz alguma diferença se conto desta maneira? (Erickson mostra os dedos da direita para a esquerda.) Ou se conto dessa maneira? (Mostra os dedos da esquerda para a direita.) Você consegue o resultado das duas maneiras? Sarah: Sim. (Sorri.) E: Tem certeza? Sarah: Sim. E: E se você somar os dedos de uma mão com os dedos da outra, vai chegar à resposta certa? Sarah: Sim. E: E se você somar os dedos de uma mão com os dedos da outra, vai obter a resposta certa? Sarah: Sim.
E: Acho que você tem onze dedos ... acha que estou errado? Sarah: Bem, talvez não, de uma maneira ou de outra. E: Bem, conte os dedos à medida que eu vá apontando. (Ela conta à medida que Erickson mostra os dedos.) Sarah: Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. E: E este é o jeito como você conta? Sarah: Sim. E: Bem, eu acho que você tem onze dedos. Você disse que não fazia nenhuma diferença se contasse dessa ou de outra maneira. (Erickson gesticula.) E que os dedos de uma mão somados com os dedos da outra mão davam o número certo. Não? Sarah: Certo? E: E você entendeu? Sarah: Sim? E: Dez, nove, oito, sete, seis, com mais cinco são onze. Sarah: (Sorri e ri.) Ê verdade. E: E esta é a primeira vez que você soube que tinha onze dedos? Sarah: (Balança que sim com a cabeça e ri.) E: Você não acha que devia ter estudado mais na escola? Sarah: Sim. (Sorri.) E: Também acho que sim. Sabe distinguir a mão direita da esquerda? Sarah: Sim. E: Tem certeza? Sarah: Rã-hã. E: Coloque esta mão para trás (Aponta para a mão esquerda.) Agora, que mão sobrou?* Sarah: (Sorri e ri.) Então sua mão direita é a sua mão esquerda? Você deveria voltar para a escola. Sarah: Ainda estou aqui. Este é o problema. E: Esta é uma ótima técnica para se trabalhar com crianças. Acho que vou fazer uma coisa com o grupo. (Para Stu) Poderia pegar este cartão para mim? (Erickson pega o cartão e passa-o para Sarah.) Agora leia com cuidado, mas
*
Trocadilho com lelt: que mão sobrou, "equivalente esquerda?" "which hand is le/t" (N. do T.)
a qual a mão
não deixe que percebam ql1e entendeu. Passe adiante sem falar. (O cartão passa pela sala. No cartão está escrito: Leia de todas as maneiras possíveis o que está incluído em ambos os parenteses. (710) (710)
(7734) (7734)
Erickson pega o cartão de volta.) ,Sarah: Quer que eu leia o que está no cartão? E: Faz que sim com a cabeça. Sarah: Quer apenas que eu leia os números? Não estou certa. E: Leia alto. (Erickson faz que sim com a cabeça.) 710.7734. E: Algum de vocês lê algo diferente? (Para Siegfried) Repita a resposta. Siegfried: Posso combinar os números. E: Ilustre. 'Siegfried: 071 ou 107, ou 3477, ou 7347. E: As instruções foram para ler de todas as maneiras possíveis o que está dentro dos parênteses. Eu olho e vejo escrito "OIL" e "HELL". (Erickson pega o cartão, vira-o de cabeça para baixo e passa-o a Sarah. Ela ri. Erickson sorri. O cartão passa pelo grupo.) Agora, por que é que vocês não obedeceram as instruções de ler de todas as maneiras possíveis? Christine: O senhor sabe, há outra, hã, razão que apareceu ... os alemães escrevem de sete formas diferentes. Eles não leriam dessa forma. Eu escrevo de sete maneiras diferentes e ele também leria assim. (Aponta para Siegfried.) Assim, quanto a nós, não seria a mesma coisa. Se virássemos de cabeça para bàixo, o resultado nunca seria este. E: Mas ambos lêem o inglês. Christine: Mas escrevemos das nossas sete maneiras, assim. (Demonstra.) E: Bem, quando ouvirem um paciente, atentem ao que escutem e depois sentem-se na outra cadeira e ouçam de novo pois há um outro lado na história. E há um outro lado disto.
.i·
(Erickson aponta para o cartão.) Vou lhes contar uma experiência que tive. A senhora Erickson e eu estávamos na Cidade do México. Um dentista convidou-nos para jantar em sua casa. Ele tinha muito orgulho da esposa e falounos dela como sendo uma grande artista. Ela dizia que não era. Fazia alguns esboços, isso era tudo, e não eram desenhos muito bons. O dentista disse que eram desenhos maravilhosos. Contra a vontade dela foi buscar uma meiadúzia dos seus desenhos. Vi cada um deles. Em volta de cada desenho ela acrescentara uma borda enfeitada de linhas curvas. Olhei para o quadro. Observei de uma maneira, observei de outra, de outra maneira ainda e novamente da maneira inicial. (Erickson vai girando o cartão.) Fiquei desconcertado porque observei e analisei de duas maneiras e dos dois lados. Peguei um pedaço de papel e fiz um buraco nele, do tamanho da unha do dedo mindinho, e coloquei sobre a' borda ornamentada. O dentista olhou e viu outro rosto em miniatura. Havia centenas de rostos miúdos escondidos naquela margem ornamentada. Então eu disse: "Quem tem bastante talento para esconder centenas de rostos em miniatura, com diferentes expressões numa margem, sem que ninguém veja, e sem que a própria artista saiba que estão ali, tem de ser um bom artista." Atualmente ela é uma artista de muito renome na Cidade do México e dirige uma galeria de arte. Quando olharem alguma coisa, olhem de fato. Quando ouvirem os pacientes, ouçam com cuidado e tentem refletir sobre o outro lado da história. Porque se ouvirem apenas a história que o paciente conta, não saberão de fato toda a história. Se virarem a história do paciente ao contrário lerão "OIL" e "HELL". Acho que é o bastante para vocês tentarem digerir até amanhã. E os que ainda não foram ao pico Squaw, que tratem de ir. E os que ainda não foram ao Jardim Botânico nem ao Heard Museum procurem fazê-Io amanhã de manhã. Já são quatro horas e o Heard Museum fecha às cinco, e o mesmo com o jardim botânico e o zoológico. O . pico Squaw está sempre aberto. (Erickson sorri.)
Anna: Doutor Erickson, eu vou embora amanhã de manhã e queria lhe agradecer muito. E: Então é a última vez que a vejo, por que não saio da cama até um quarto para o meiocdia de amanhã. Quanto aos meus honorários, não deixei muito claro para você. Meu pagamento é muito flexível. Digo aos alunos para pagarem o que podem pagar, sem dificuldade. Meu preço normal é de quarenta dólares por hora. Não poderia em sã consciência solicitar o mesmo de cada pessoa. Cada um sabe quantas horas esteve aqui e pode pagar a parte proporcional a esta quantia. Se se sentem bastante ricos, podem deixar um cheque ainda maior. Eu tenho a intenção de continuar vivendo não importa o quanto eu ganhe. (Risos.) Devo levar esta jovem e inocente criatura lá dentro para ver a lâmpada de Aladim? Com um gênio de verdade. Sarah: Com um gênio de verdade ... parece bem interessante. Jeff: O senhor não está ficando mais velho; está é ficando mais forte. E: Diga isso de novo.
QUINTA-FEIRA
(Entraram cinco pessoas novas no grupo. Há onze pessoas presentes, no total. Erickson pede aos novatos para preencherem a folha de dados. Olha ao redor da sala.) E: Alguém de vocês sabe como foi eleito o Papa João Paulo? Christine: Como os outros Papas, por conclave. E: Não. Os cardeais não conseguiram chegar a uma decisão. Entrarem em recesso e fizeram uma apuração. (Erickson ri.) Siegfried: (Sentado na cadeira verde.) Grande parte das piadas americanas são trocadilhos de linguagem e raramente entendo. E: (Pausa) Outra piada americana. Uma senhora viu um gato de rabo curto na estação ferroviária e perguntou ao chefe da estação: "Manx?" E ele respondeu: "Não. Das duas para as duas às duas e dois." E a maioria dos americanos não entende. (Risos) O gato Manx provém da região de Manx, na Inglaterra, e a raça tem rabo curto. Quando o chefe da estação responde: "Não. Das duas para as duas às duas e dois, está se referindo ao trem que chegava às duas para as duas e saía às duas e dois, e que passara sobre o rabo do gato e o amputara." (Erickson ri.)
Siegfried: Peguei algumas palavras. (Risos) E: Há algum australiano aqui? Porque um neozelandês me falou sobre os australianos. Disse que os australianos não sabem a diferença entre um búfalo e um bisão. Agora, quantos de vocês sabem o por quê? Um australiano sabe o que é um búfalo, mas (com sotaque australiano) ele acha que um bisão é onde ele lava o rosto (Erickson pronuncia face/rosto, como fice.) (Erickson pega as folhas de dados dos novatos. Coloca os óculos e lê as folhas.) Será que está havendo uma conspiração contra mim? Esta semana, todo mundo (o que é uma afirmação inverídica.) quer que eu adivinhe a idade. Colocam a data do nascimento e dão a idade dos irmãos. Bem, Bonnie, seja lá quem for. . . Bonnie: Sou eu. E: Você me lembra os bons tempos em que eu ensinava na escola de Medicina. Por favor, coloque a data. E Ruth, você tem algo contra colocar a data? Ruth: A data de hoje? (Erickson entrega-lhe a folha de volta para que ela corrija.) E: (Dirige-se a Edie. Devolve-lhe a folha.) A data. E você também me pede para adivinhar sua idade. E um dia, eu disse a meus alunos médicos que o exame final seria no Science Hall às duas horas de terça-feira, dia doze. Disse devagar: "Science Hall, terça-feira, às duas horas, na sala duzentos e vinte e dois." Saí e voltei para ver, e lá estavam todos eles comentando: "O que é que ele disse? O que é que ele disse?" Bem, seria possível me dizer novamente o seu nome? Linda: Linda. E: Está gostando de se sentar perto do conde Drácula? Linda: Já o encontrei antes e acho que ele é amistoso. (Risos.) E: Ê que você não o encontrou à meia-noite. Agora, vou repetir para alguns de vocês; a nossa vida consciente, nossa mente inconsciente lida com o nosso estado de percepção consciente que é um estado dividido de percepção. Vocês vieram aqui para descobrir o que en«
teria para lhes dizer. Ao mesmo tempo estão dividindo a atenção entre a minha pessoa, as outras pessoas presentes, as estantes nas paredes, os quadros e tudo o mais. Ora, a mente inconsciente é um grande depósito de lembranças e de aprendizados. Tem de ser um depósito porque não se pode ter em mente, conscientemente, todas as coisas que se sabe. Os atos mentais inconscientes são um depósito. Considerando-se todos os aprendizados que se adquiriu na vida, usamos a grande maioria automaticamente para conseguirmos funcionar. Ora, é uma tarefa árdua e difícil aprender a falar. E agora vocês podem começar a falar de manhã e parar à noite e nunca se preocupam com a maneira de pronunciar tal sílaba, ou quantas sílabas cada palavra tem, quais os sons exatos e assim por diante. Nunca param para pensar nisso. Mas houve um momento em que disseram: "Bebê á-ua." E agora usam um vocabulário adulto sem aquele esforço terrível da infância, quando se diz: "Bebê -á-ua." De fato, na infância, temos de perceber conscientemente aquilo que estamos dizendo, e conscientemente temos de nos lembrar de não dizer: "Bebê, bebê, á-uá", e sim "bebê á-uá". Lembro-me de quando uma de minhas filhas estava aprendendo a falar e dizia: "Subir degrau, tip-tip, tip-tip, tip-tip. . . Vou colocar uma coberta-coberta na minha boneca-boneca." Agora ela diz: "Vou subir a escada e colocar um cobertor na minha boneca." Mas ela sempre repetia as palavras e chamava o irmão de "Lalá". O nome dele é Lance. Bem, em psicoterapia — se vocês querem fazer psicoterapia — temos que aprender, em primeiro lugar, que cada Um de nós tem um significado diferente para as palavras usadas habitualmente. A palavra "correr" tem cento e quarenta e dois significados em inglês. Podemos dizer a palavra "correr" e uma moça que sabe que tem um fio corrido na meia fica embaraçada. O fato é que você estava falando de uma rodada de sorte no jogo de cartas, ou de um cardume de peixes, ou da maneira de governar ou sobre
a maneira de um cavalo correr, ou de como corre um camelo em comparação com um cavalo. Assim, os pacientes nos dizem várias coisas, e a tendência é atribuir o nosso significado às palavras do paciente. Já contei isto no outro dia, mas vou contar de novo. (Erickson conta a história do mingau e termina-a afirmando o seguinte.): "Bem, todos nós temos os nossos significados específicos." Quantos de vocês sabem cozinhar? Suponham que estejam fazendo um acampamento em, digamos, Northern Illinois ou em Wisconsin, e decidam comer peixe no jantar. Como o preparariam? (Erickson sorri.) Suponham que tenham feito uma incursão na plantação de milho de algum fazendeiro das redondezas e conseguido algumas espigas. Como o cozinhariam? Bem, vou lhes dizer a maneira como fica mais saborosa. Peguem um peixe e tirem-lhe todas as vísceras. Não raspem todas as escamas. Enrolem numa folha de plátano. É uma erva com folhas grandes e não é venenosa. Depois de enrolar o peixe em folhas de plátano, peguem um pouco de lama do fundo do rio, façam uma bola bem redonda, com as pontas mais finas que a parte central da bola. Enrolem e depois joguem tudo na fogueira do acampamento. Quando as extremidades explodirem saberão que o peixe está assado. Então tirem a bola para fora do fogo e quebrem que a bola se divide. Todas as escamas, as espinhas e o rabo do peixe ficam grudados na folha e vocês só têm de comer o peixe assado no próprio sumo. É delicioso. Acrescentem mais um pouco de sal e terão um banquete olímpico. E se calhar de pegarem uma codorna, tirem-lhe as vísceras. Enrolem-na cuidadosamente numa bola de barro e joguem-na na fogueia. Quando as duas extremidades estalarem com ruído, partam a bolota que todas as penas e a pele ficam grudadas na lama seca. Então vocês têm uma codorna bem assada, no próprio sumo. Adicionem uma pitada de sal e é uma refeição maravilhosa.
Há outras maneiras de se assar uma codorna (risos) mas eu prefiro esta. E para assar as espigas de milho: "Encaixe-as na lama, coloque no fogo por um período de tempo razoável. Partam a bola de barro que tira a palha do milho e terão um excelente milho assado. Sei disso porque já fiz." Todos vocês sabem que há várias maneiras de se preparar milho e várias maneiras de cada indivíduo reagir a cada situação. Agora, aqui está um quadro de que muito me orgulho. (Erickson pega um quadro e entrega a Siegfried à sua esquerda.) Siegfried: (Olha para o quadro.) Só entendo parte do significado. E: Deixe ela ver. (Passa para Bonnie.) Leia em voz alta. Bonnie: "Prêmio de avô honorário agraciado ao doutor Milton Erickson por Slade Nathan Cohn, filho de Jim e Gracie Cohn, no aniversário da adoção de Slade, 12 de setembro de 1977, selado e aprovado com esta "marca" especial de "aprovação". (No quadro vê-se a marca do pé de uma criança e está escrito "dois anos de idade". Bonnie segura-o por cima da cabeça para que todos vejam.) E: Passe para os outros. Muito bem. Jim era um formando da Universidade e um jovem muito idealista. Gracie era sua colega de turma e também era uma jovem muito idealista. Jim partiu para a guerra do Vietnã. Serviu no Vietnã como não-combatente. Num acidente com um caminhão, quebrou a coluna vertebral e lesou a medula. Voltou para o Hospital dos Veteranos numa cadeira de rodas, sofrendo ataques de dores convulsivas a cada cinco minutos, noite e dia. A administração dos Veteranos operou Jim para aliviá-lo da dor, mas não surtiu nenhum efeito. De fato, isto fez com que a dor piorasse. Então operaramno pela segunda vez que também não adiantou nada. Estavam planejando uma terceira operação para aliviá-lo dos ataques freqüentes de dor. E, de uma maneira ou de outra, Jim ou Gracie, talvez ambos, ouviram falar de mim. Disseram ao cirurgião-chefe
que iam me procurar para fazer uma hipnose para a dor. Aí o cirurgião levou-os ao seu escritório. Durante uma hora falou-lhes de como era um absurdo fazer hipnose, que era charlatanismo, feitiçaria, magia negra. Descreveu-me como um chalatão, um farsante, um ignoramus. De fato, ele não gostava de hipnose, nem mesmo de mim. Considerava terrivelmente errôneo que até mesmo eles tivessem pensado em hipnose. E Jim continuava tendo suas convulsões de dor a cada cinco minutos. E Gracie 'sentia muita pena e, apesar daquela preleção de uma hora decidiram me procurar. Gracie entrou no meu escritório empurrando Jim numa cadeira de rodas. O olhar no rosto deles era um misto de medo, de expectativa infeliz, um olhar de ressentimento, de esperança, de antagonismo e cautela. Seguramente não estavam num bom estado emocional para me ouvir. Mas falaram-me da lesão na espinha, das duas operações, e da maneira como o altamente respeitável cirurgião-chefe do Hospital dos Veteranos dissera-lhes que a hipnose era magia negra, feitiçaria e trabalho de charlatães. Por isso eu disse a Gracie: "Fique de pé em cima daquele tapete." (Erickson mostra.) "Fique de pé, ereta, olhando diretamente para a frente, com as mãos ao seu lado. E Jim, aqui há uma bengala de carvalho bem pesado. Eu a usava quando caminhava. É uma bengala de carvalho pesado. Pegue-a. E se me ver fazendo uma coisa errada, pode me esbordoar." (Para Siegfried) "Esbordoar" significa 'bater'. (Todo mundo ri.) Siegfried: Com um pedaço de pau? E: Um cajado, um pedaço de pau comprido que a gente usa quando caminha. Jim pegou no cajado, segurou-o com muita força na mão e me observou. Então eu disse a Gracie: "Gracie, vou fazer algo que você não gostará — vai ser contra. E vou parar de fazê-lo logo que você entre em transe. Bem, você não sabe o que é hipnose, nem o que é um transe hipnótico, mas no fundo de sua mente você sabe o que é. Por isso fique ali e se
eu lhe fizer qualquer coisa desagradável, ficará sabendo que eu pararei logo que você entrar em transe." Levantei a ponta da minha bengala de bambu e comecei a esfregá-la para cima e para baixo no ponto de encontro dos seios, tentando expô-los. E Gracie fechou os olhos devagar e entrou num transe profundo. Abaixei minha bengala e Jim ficou olhando. Não conseguia tirar os olhos de mim. Eu disse a Gracie: "Onde fica sua cidade natal? Em que escola estudou? Cite o nome de alguns colegas. Você gosta do clima do Arizona?" Algumas perguntas como estas que Gracie respondeu de olhos fechados. Estendi a mão, peguei o braço dela, levantei-o e deixei-o levantado catalepticamente. (Erickson levanta o braço e deixa-o suspenso catalepticamente.) Voltei-me para Jim e disse-lhe: "Você ouviu Gracie falando comigo. Agora fale com ela." Estendi minha mão e abaixei a mão de Gracie. (Erickson abaixa a própria mão.) E Jim disse: "Gracie? Gracie?" Virou-se para mim dizendo: "Ela não me ouve." Respondi-lhe: "Está tudo bem Jim. Ela está num transe profundo e não pode ouvi-lo. Façalhe qualquer pergunta que desejar, ela não vai ouvi-lo." Assim, ele fez algumas perguntas a mais e não obteve resposta. Então continuei: "Gracie, quantos alunos havia na sua escola?" Respondeu-me. Toquei-a com um dedo e levanteilhe novamente a mão. E novamente abaixei-a com um dedo. (Erickson gesticula com o braço esquerdo.) Disse a Jim: "Levante a mão de Gracie." Ele tocou e começou a levantá-la, mas eu colocara a mão de Gracie ao lado do corpo dela, mas a mão não estava cataléptica. Jim não conseguiu afastá-la do lado. Toquei-a e levantei a mão com um dedo; disse a Jim para abaixá-la e ele tentou. Os músculos de Gracie se contraíram e ela manteve as mãos onde estavam. (Erickson demonstra com a mão.) Levei algum tempo fazendo isso. Depois disse-lhe: "Gracie, fique em estado de transe, mas abra os olhos e caminhe do tapete até aquela cadeira." (Erickson aponta.) E quando chegar lá, sente-se e feche os olhos. Depois acorde, abra os olhos e comece a pensar."
Gracie sentou-se, fechou os olhos, abriu-os e disse: "Como vim parar aqui?" Jim respondeu-lhe: "Você andou até aqui." Gracie continuou: "Eu não. Eu estava lá em cima daquele tapete. Como vim parar aqui?" Jim tentou explicar-lhe, mas Gracie brigou: "Eu estava lá em cima do tapete, como vim parar aqui?" Deixei a discussão prosseguir um pouco. Depois disse a Jim: "Olhe para o relógio. Que horas são?" Respondeu-me: "Nove e vinte." Eu lhe disse: "Muito bem. Você chegou às nove horas e teve uma convulsão de dor. Não teve mais nenhuma convulsão depois disso." Jim respondeu: "É verdade." E teve dores. Continuei: "Que tal esta dor? Você esteve livre dela durante vinte minutos." Respondeu-me: "Não gostei dela e não quero que aconteça de novo." Continuei: "Não posso culpá-lo por isto." E agora Jim, olhe para Gracie. Gracie, olhe para' Jim. E Gracie, à medida que olhar para Jim, vai entrar devagarinho num transe profundo. E Jim, à medida que olhar para Gracie entrando em um profundo transe, também irá entrar em transe." E dentro de um minuto, ambos estavam em transe. Disse a Jim: "Jim, a dor é um aviso que o corpo nos dá. Ê como um despertador que nos acorda de manhã. Você acordo e desliga a campainha. Depois começa os preparativos para o dia de trabalho." Disse-lhe: "Muito bem, Jim. E você ouviu, Gracie. Agora, Jim quando sentir a dor começando, desligue o alarme, e deixe seu corpo fazer o trabalho do dia confortavelmente, e tudo o mais que for necessário fazer. E ouça-me Gracie, porque Jim não tem que vir me ver este tempo todo. Como você é a mulher dele, pode pedir-lhe para sentar quando Jim sentir que a dor está vindo. Talvez olhe para você e então olhará para ele, e ambos entrarão em transe. Depois de entrar em transe, Gracie, poderá repetir algumas das coisas que vou lhe ensinar agora." E assim, dei instruções completas a Gracie quanto ao que deveria dizer a Jim. Dessa maneira, atendi-os algumas vezes ainda para ter certeza de que realmente tinham aprendido. Depois do primeiro encontro, voltaram ao hospital e pediram para
ver o cirurgião-chefe. Durante uma hora, deram-lhe uma aula de hipnose. Disseram-lhe o quanto ele estava errado, muito errado mesmo. Jim disse: "O senhor está me vendo sem nenhuma convulsão de dor e no entanto queria fazer uma operação inútil. O senhor realmente deveria se envergonhar disso. Deveria aprender alguma coisa sobre hipnose." E na aula seguinte que dei no Fênix College, o cirurgião veio e tomou algumas notas. Alguns dias depois, Jim e Gracie deixaram o hospital e foram para a casa deles no Arizona. E o governo, como Jim estava incapacitado, deu-lhes dinheiro para construírem uma casa. Jim, trabalhando na cadeira de rodas, ajudou a construir grande parte da casa. O governo forneceulhe um trator e quinze acres de terra. Jim aprendeu a mudar da cadeira de rodas e sentar-se no trator, e assim cultiva a sua terra. De início vinham a Fênix a cada dois meses pois julgavam a hipnose como algo parecido com a vacina antitetânica. Pediam-me uma "vacina". Eu dava. Mas logo Jim começou a aparecer de três em três meses, e depois duas vezes por ano. Depois tiveram uma idéia feliz. Podiam me telefonar. Jim telefonava e pedia: "Gracie está na extensão. Acho que precisa de uma vacina." Eu perguntava: "Você está sentada, Gracie?" Ela respondia que "sim". Então eu continuava: "Muito bem, vou desligar. Você e Jim vão permanecer em transe durante uns quinze minutos. Diga tudo o que achar a Jim, e Jim, ouça o que Gracie lhe disser. No final dos quinze minutos podem despertar." Bem, Jim e Gracie queriam ter um filho. Gracie teve seis abortos e todos nos primeiros dois anos. Foi a vários médicos e todos recomendaram-lhe a adoção de uma criança em vez de engravidar. Assim, endossei a adoção de Slade Nathan Cohn. Quando o menino tinha dois anos, trouxeram-no para me conhecer e gostei muito do menino. Era quase do tamanho de meu neto de quatro anos, e de fato muito mais educado. Gracie e Jim eram excelentes pais. E outro dia apadrinhei a adoção de outro filho de Gracie e Jim.
Ora, o que as pessoas não sabem. .. é infinito.. . coisas que de fato elas sabem mas não acreditam que sabem. A maioria de vocês acha que não pode induzir uma anestesia. Deixem-me dar-lhes um exemplo: Vocês vão para a Universidade e lá encontram um professor que dá aula num tom de voz maçante. Vocês não estão interessados no curso e nunca estarão. Ele fala e fala, e vocês ficam desejando que aquele "cara" morra. Não há nenhuma esperança real de que isto suceda. Ela fala e fala. Vocês estão sentados numa cadeira de madeira dura, o traseiro lhes dói, as costas doem, os braços doem, vocês ficam se mexendo tentando encontrar uma posição confortável. O relógio parece que parou e a hora prossegue para sempre. Finalmente o "cara" se cala e vocês se levantam aliviados e andam um pouco para relaxar. No dia seguinte, sentam-se na mesma cadeira e gostam do professor. Ele está falando de algo que lhes interessa. Vocês se inclinam para ouvir, e ouvem atentos. A cadeira dura já não machuca o traseiro, não produz dores nas costas. E o tempo parece andar mais rápido, a hora não é bastante. A aula termina quase antes de começar. Todos vocês já tiveram esta experiência. Vocês induzem a própria anestesia. Agora vou contar-lhes alguns casos de câncer. Um médico de Mesa procurou-me e disse-me: "Tenho uma paciente que está morrendo de câncer no útero. A história é muito triste. Cerca de um mês antes, o marido morreu subitamente na cozinha, de um enfarte. Depois do funeral, a viúva me procurou para um exame físico. Quando terminei o exame, tive de dizer-lhe que tinha câncer no útero e que se espalhara para os ossos dos quadris e para a coluna vertebral. Tive de dizer-lhe que teria uns três meses de vida. Disse-lhe para aceitar com calma; mais cedo ou mais tarde teria dores e eu lhe daria alguns sedativos para aliviar a dor. Agora estamos em setembro. Ela morrerá antes de dezembro. E está sentindo muitas dores. Quantidades grande de Demerol combinado com morfina e outros
narcóticos não surtem nenhum efeito. Sente dores constantes. O senhor poderia empregar hipnose no caso dela?" Concordei. Fui até a casa da senhora, pois ela queria morrer em casa. Quando entrei no quarto e me apresentei, a senhora disse: "Tenho mestrado em inglês. Publiquei um volume de poesia e portanto conheço o poder das palavras. O senhor acredita realmente que o poder de suas palavras pode produzir no meu corpo o que os poderes da Química não conseguem?" Respondi-lhe: "Senhora, a senhora conhece o poder das palavras. Eu conheço o poder das palavras à minha maneira. Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Se não me engano a senhora é Mórmon. A senhora é uma boa Mórmon? Respondeu-me: "Acredito na minha Igreja. Casei-me no Templo. Criei meus filhos da mesma maneira." Continuei: "Quantos filhos?" Respondeu-me: "Dois. Tenho um rapaz que vai-se formar pela Universidade do Estado do Arizona em junho que vem. Gostaria de vê-lo em beca de formando. Mas já estarei morta. Minha filha tem dezoito anos e vai-se casar no templo em junho do ano que vem. Gostaria de vê-la vestida de noiva. Bem, nesta ocasião já estarei morta há muito tempo." Perguntei: "Onde está sua filha?" Respondeu-me: "Na cozinha preparando meu lanche." Disse-lhe então: "Posso chamá-la ao quarto?" A mãe respondeu afirmativamente. " Então perguntei-lhe: "A senhora está sentindo muita dor neste momento?" Respondeu-me: "Exatamente agora, não. Tive dores todo o dia e na noite passada. Sentirei de novo durante a noite." Eu lhe disse: "Isto é o que a senhora acha. Mas não tem de pensar desta forma." E a moça entrou no quarto. Uma mocinha de dezoito anos, muito bonita. Os Mórmons são mutio moralistas e muito rígidos em seu código de ética. Perguntei à moça: "O que você estaria disposta a fazer por sua mãe?" Apareceram lágrimas nos olhos da moça e ela respondeu: "Qualquer coisa, qualquer coisa." Disselhe: "Estou feliz de ouvir isto. Você pode sentar-se nesta cadeira porque vou precisar da sua ajuda. Agora, você não sabe como entrar em transe, mas não tem problema.
Sentando-se a meu lado, no fundo de sua mente, na sua mente inconsciente, ou se quiser pode chamá-la de fundo da sua mente, você saberá como entrar em transe. Assim, para ajudar a sua mãe, basta apenas entrar em transe, num transe muito, muito profundo. Tão profundo que sua mente deixará seu corpo e flutuará no espaço externo e você só ouvirá o som de minha voz que acompanhará sua mente no espaço externo. E você só terá a sensação da minha voz." Virei-me para a mãe. A mãe estava olhando para a filha com um olhar intenso, porque os olhos da moça estavam fechados. Ela não se movia. Então fiz algo que sabia que a mãe não gostaria. A moça estava usando sandálias e meias soquete e o vestido ia até os tornozelos. Então eu disse: "Observe-me cuidadosamente. A senhora não vai gostar do que eu vou fazer. Vai fazer sérias objeções. Não vai entender por que estou fazendo isso, mas tão logo observe vai descobrir." Comecei a levantar o vestido da moça pelas pernas até acima dos joelhos, e continuando até acima das coxas. E a mãe olhava com horror absoluto pois isto é uma coisa que não se faz com uma virgem Mórmon —- expor-lhe a pele das coxas. E a mãe ficou completamente horrorizada. Quando já havia descoberto as coxas até a metade, levantei minha mão e abaixei-a sobre as coxas com um tapa tão forte quanto possível. (Erickson dá um tapa com sua mão na própria coxa.) A mãe quase saltou da cama com o ruído daquele tapa. Olhou para a filha que não se movera, nem estiemecera de modo nenhum. Desloquei minha mão e a mãe pode ver a marca na pele da filha. Levantei novamente a mão e dei outro tapa na outra coxa, com a mesma força. A moça não estremeceu, nem mesmo se mexeu. No que me concernia, ela estava no espaço externo sentindo apenas a minha voz. Então eu disse à moça: "Gostaria que você voltasse e ficasse do meu lado. Quero que seus olhos se abram vagarosamente, e quero que você veja a junção das paredes e do teto do outro lado do quarto." Eu já tinha avaliado a dimensão do quarto com meus olhos. Sabia que se ela olhasse para lá, veria suas coxas com a visão peri-
férica. Olhou e, de repente, enrubesceu violentamente. Começou a abaixar sub-repticamente a saia. A senhora viu o rubor e notou a filha abaixando a saia, aparentemente esperando que ninguém percebesse. Eu disse à moça: "Há mais uma coisa que eu gostaria que você fizesse. Você está sentada a meu lado. Quero que você, sem mexer o seu corpo, sente-se do outro lado do quarto. A moça respondeu às minhas perguntas, mas alterou a entonação da voz, e falava como se estivesse do outro lado. (Erickson olha para o outro lado da sala.) E a mãe olhava para um lado e outro. A senhora detectara a entonação diferente na voz da filha. Chamei a moça de volta e disse-lhe para sentar ao meu lado. Disse-lhe ainda: "Quero agradecer-lhe muito por ter me ajudado com sua mãe. Agora quero que acorde sentindo-se muito bem e volte para cozinha para preparar o lanche de sua mãe." Quando acordou, agradeci-lhe de novo, pois é tão importante agradecer à mente consciente quanto à mente inconsciente. Quando a moça acordou, foi para a cozinha. Virei-me para a mãe e disse-lhe. "A senhora ainda não sabe, mas está num transe muito profundo e não está sentindo nenhuma dor. Bem, a senhora conhece o poder das palavras, como conhece as palavras, e também o poder das palavras na hipnose. Agora, eu não poderia estar sempre com a senhora, e não seria de fato necessário, porque vou dizerlhe algo muito importante. "Ouça-me com atenção, suas dores vão voltar. Não há nada que eu possa fazer para impedir. Mas quando a dor vier, quero que tome sua cabeça e seus ombros, coloque-os numa cadeira de rodas e leve-os para a sala de estar." "Vou deixar um televisor especial lá na sala. A senhora o verá no canto oposto da sala. Mais ninguém conseguirá ver este aparelho. A senhora pode ligá-lo mentalmente. Tem poemas e livros maravilhosos. Coloque a cabeça e os ombros na cadeira de rodas e vá para a sala de estar e ligue este televisor. Não haverá comerciais em nenhum dos programas." (Qualquer senhora que já escreveu um livro de poemas tem imaginação e pode se lembrar.) "Veja o pro-
grama de televisão. Todos os seus programas preferidos, os que já teve vontade de ver estarão no vídeo de acordo com a sua vontade, e a senhora os verá durante algum tempo. Depois de algum tempo se sentirá cansada, desligará a televisão e levará sua cabeça e os seus ombros de volta para o quarto onde os juntará com o resto do corpo. Estará cansada e adormecerá. Tenha um sono agradável e profundo. Depois de despertar sentirá sede ou fome ou irá desejar um pouco de companhia. Seus amigos virão visitá-la, e toda vez que a dor ameaçar voltar, pegue a cabeça e os ombros, coloque-os na cadeira de rodas, vá para a sala e ligue a televisão." Seis semanas depois, passei para visitá-la quando fazia meu passeio habitual aos domingos, guiando pelo deserto. Apareci às seis horas da manhã. A enfermeira de plantão estava lá e, aparentemente, não fora inteirada a meu respeito. Tive um certo trabalho para persuadi-la de que eu era um médico, e médico daquela paciente. Finalmente consegui me identificar e ela concordou que eu era o médico da paciente, que fossem seis horas da manhã. A enfermeira disse: "Ela passou uma noite terrível. Passou a noite toda psiu para mim." Eu disse à senhora: "Muito bem. Vou desligar a televisão e explicar as coisas para a enfermeira para que ela não lhe aborreça. Quando eu sair o programa recomeçará no ponto exato em que desliguei." Expliquei à enfermeira do que se tratava. E a mãe ficou logo cansada. Balançou a cabeça e os ombros e voltou para o quarto, juntou-se ao resto do corpo, adormeceu e despertou com muita fome para o café da manhã. E os amigos passaram a vir visitá-la regularmente. Acostumaram-se ao fato de ela pegar a cabeça e os ombros e ir para a sala ver uma televisão que ninguém mais podia ver. Ela conseguia voltar, adormecer, despertar com fome ou sede, ou disposta a comer um pouco de fruta ou tomar água gelada. Os amigos se acostumaram. Ela morreu subitamente, entrando em coma no mês de agosto do ano seguinte. Conseguiu ver o filho com a beca
de formando. Viu a filha se casar no Templo, pois ela veio da Igreja com o vestido de noiva para mostrar à. mãe como estava vestida. Viveu bem durante onze meses.: "Sempre leve sua cabeça e ombros para ver esta televisão imaginária." Minha irmã fez uma mastectomia. Quando chegou a hora de tirar os pontos, ela disse: "Doutor, o senhor sabe que sou terrivelmente covarde quando se trata de tirar pontos. O senhor se importa se eu levar minha cabeça e meus pés comigo e for para o solarium?" E explicou: "Quando eu estava no solarium, fiquei olhando pela porta para o meu quarto. O médico esta sempre de pé, numa posição que encobria meu corpo. Depois de algum tempo, olhei e vi que ele já tinha ido, então, peguei minha cabeça e meus pés e voltei, juntando-me ao resto do meu corpo." Certa noite minha irmã voltara do hospital. Meu pai também havia voltado do hospital após uma intervenção nas coronárias. Ficaram sentados conversando, e ambos notaram que o outro tivera um súbito ataque de taquicardia. Minha irmã disse: "Papai, o senhor tem taquicardia do mesmo jeito que eu. Mas eu ainda vou levá-lo ao cemitério. Tenho a juventude do meu lado, o que me dá certa vantagem sobre o senhor." Meu pai respondeu: "Não minha filha, eu tenho a vantagem da idade e da experiência e ainda vou levá-la ao cemitério." Ambos tiveram um ataque de riso. E minha irmã ainda está viva. Meu pai morreu com noventa e sete anos e meio. A família Erickson, em grande parte, encara a doença e a desgraça como a forragem da existência. E qualquer soldado que tenha sobrevivido com rações K lhe dirá que o refugo dos alimentos é a melhor parte de qualquer dieta. (Erickson ri.) Agora vou lhes contar um outro caso de câncer. Um médico me procurou e disse-me: "Tenho um caso de uma senhora de trinta e cinco anos, mãe de três filhos. Ela quer morrer em casa. Fez uma mastectomia no lado direito e já é muito tarde. Já tem metásteses nos ossos, pulmões e espalhadas pelo corpo. As drogas não ajudam nem um pouco. Seria possível tentar hipnose com ela?"
Assim, fiz uma visita doméstica. Quando abri a porta, ouvi uma cantilena que vinha do quarto: "Não me machuque/ não me machuque, não me machuque, não me machuque." Fiquei ouvindo um pouco aquela toada. Fui ao quarto e tentei me apresentar. A mulher estava deitada encurvada sobre o lado direito. Eu poderia berrar, ou tornar a me apresentar que ela continuava a recitar a mesma coisa. Então pensei: "Bem, acho melhor atrair a atenção dela, de alguma maneira." Assim, comecei a entoar com ela: "Vou machucá-la, vou machucá-la, vou amedrontá-la, vou amedrontá-la, vou machucá-la, vou amedrontá-la, vou machucá-la." Finalmente ela perguntou: "Por quê?" Mas não esperou minha resposta, por isso continuei a cantilena só alterando o seguinte: "Quero ajudá-la, quero ajudá-la, quero ajudá-la, mas vou amedrontá-la, vou machucá-la, mas quero ajudá-la, quero ajudá-la, mas vou amedrontá-la, mas vou amedrontá-la. Eu quero ajudá-la." De repente ela interrompeu e perguntou: "Como?" E prosseguiu com a cantilena. Então juntei-me ao cântico e disse-lhe: "Vou ajudá-la, vou ajudá-la, vou amedrontá-la, vou lhe pedir para virar-se mentalmente, não fisicamente, vou machucá-la, vou amedrontá-la, vou ajudá-la a se virar mentalmente e não fisicamente." Finalmente ela disse: "Já me virei mentalmente, não fisicamente. Por que quer me amedrontar?" Então recomeçou a cantilena de sempre. Eu lhe disse: "Quero ajudála, quero ajudá-la, quero ajudá-la, quero ajudá-la." Finalmente interrompeu a própria cantilena dizendo: "Como?" Respondi-lhe: "Quero que sinta a picada de um mosquito na sola do pé direito, picando, picando, machuca, dói, é a pior mordida de mosquito que já sentiu, coca, machuca, é a pior picada de mosquito que já sentiu." Finalmente ela disse: "Doutor, sinto muito — meu pé está dormente. Não consigo sentir a picada do mosquito." Respondi-lhe: "Muito bem, tudo bem. Esta dormência está subindo pelos tornozelos, está agora acima dos tornozelos,
subindo pela perna, pela barriga da perna. Está subindo lentamente até o joelho. Agora está passando para cima do joelho, pelas coxas até quase a metade delas, agora está na metade, está subindo até os quadris, vai passar pelo quadril esquerdo, descendo, descendo até a sola do pé esquerdo. Agora você está dormente dos quadris para baixo." "E agora, esta dormência vai subir pelo lado direito, devagarinho, devagarinho, até o ombro, até o pescoço e depois descer até o braço, percorrendo o caminho até a ponta dos dedos. E agora quero que a dormência comece a subir pelas costas, devagarinho pelas costas, mais alto e mais alto, até atingir a nuca." "E agora, vamos fazer a dormência se estender até o umbilicus, e mais para o alto e sinto muito, sinto muito mesmo, sinto muito, mas quando atingir o talho cirúrgico onde estava o seio direito, não posso fazer a dormência ficar. . . completamente dormente. Este lugar onde a cirurgia foi feita vai parecer uma coceira muito desagradável, uma picada de mosquito." Ela então me disse: "Tudo bem, é muito melhor do que a maneira como estava doendo, e posso agüentar a picada de mosquito." Pedi desculpas de não poder afastar a sensação de picada de mosquito. E ela continuou me assegurando que não se importava com a picada de mosquito. Voltei várias vezes para vê-la. Começou a ganhar peso e parou com a cantilena. Então eu lhe disse: "A senhora pode destorcer o tempo hipnoticamente de modo que cada dia pareça mais curto. Pareceria menor o intervalo entre minhas visitas." Fui atendê-la todos os meses regularmente. Em abril ela me disse: "Doutor, só mais uma vez, eu gostaria de andar pela casa, por todos os quartos, olhar para o quarto mais uma vez, antes de morrer. E só uma vez mais, gostaria de usar o banheiro." Chamei o médico e disse-lhe: "Mostre-me uma radiografia dela, para que eu possa avaliar o seu estado." Ele queria saber a razão disso. Eu lhe disse que ela queria andar pela casa. Ele respondeu: "Ela tem metásteses no
fêmur, no osso pélvico e na coluna vertebral. Acho que o risco que você vai assumir é de ter dois ossos dos quadris quebrados." Respondi: "Muito bem, dito de outra forma, você acha que ela pode conseguir." Respondeu-me: "É, acho que sim." Então eu disse à senhora: "Agora vou colocar uma faixa ao seu redor e você vai sentir esta faixa apertar cada vez mais, cada vez mais, vai manter os seus quadris apertados com muita força." Em outras palavras, o que eu fiz foi contrair os músculos dela para encaixar os ossos. Disse-lhe depois: "Seria muito melindroso a senhora andar e de fato não conseguiria mexer as costas muito bem. Vai ter de caminhar dos joelhos para baixo." Assim, caminhei a seu lado por todos os quartos para que ela visse os brinquedos dos meninos, os quartos e as roupas deles. Utilizou-se do banheiro. Depois subiu desajeitadamente na cama e eu retirei a faixa com cuidado. Em maio, a senhora Erickson e Betty Alice, minha filha, foram visitá-la comigo. E a paciente disse: "Doutor, estou sentindo uma nova dor. É no meu estômago." Eu lhe disse então: "Muito bem, vamos ter de tratar desta dor." Virei-me para minha esposa e filha e disse-lhes: "Vão dormir." E ali de pé, elas entraram num transe profundo. Disse-lhes para sentirem dores muito fortes no estômago e para passarem muito mal. Imediatamente começaram a sentir dores muito intensas e a passar muito mal. E a minha paciente começou a sentir pena delas. Então eu disse: "Agora, vou retirar a dor delas e a sua também." Cuidadosamente sugeri o desaparecimento da sensação de dor e de doença. Minha esposa e filha acordaram sentindo-se bem e a paciente também. Ela morreu na última semana de julho, quando estava visitando uns amigos. Subitamente entrou em coma e não saiu mais desse estado. Bem, houve dois casos. Num deles usei a religião Mórmon, e no outro usei os sintomas da paciente. Agora, temos um terceiro caso de câncer. Um médico procurou-me e disse-me: "Tenho uma paciente no Hospital do Bom Samaritano. Ela tem cinqüenta e dois anos.
Tem diploma de mestrado. É muito inteligente, muito lida, e tem um maravilhoso senso de humor. Mas tem menos de três meses de vida pela frente e sente dor constantemente. Posso dar-lhe uma dose dupla de morfina e Demerol, com Percodan, tudo ao mesmo tempo e ainda mais nove grãos de Sodium Amital. Não faz nem mesmo ela ficar drogada pois sente muita dor. Mas pode sentar-se numa cadeira de rodas e uma ambulância poderá levá-la ao seu consultório. E o motorista da ambulância poderá empurrá-la até aí dentro. O senhor pode ver o que é possível fazer com a hipnose?" O motorista da ambulância trouxe-a até aqui dentro do consultório. (Erickson indica a porta lateral do consultório.) Ela entrou. Eu estava com setenta anos e meu cabelo estava mais ou menos desta mesma cor — está desta cor já há quinze anos. Ela me olhou e disse: "Meu filho, você acha realmente que suas palavras hipnóticas vão alterar a dor no meu corpo se os remédios químicos mais poderosos não surtem efeito?" Respondi: "Minha senhora, à medida que olho nos seus olhos, vejo suas pupilas se dilatando e contraindo constantemente, e os músculos do seu rosto estão tremendo. Por isso eu sei que a senhora está padecendo de uma dor constante que é como uma punhalada, é latejante. Posso ver isso com meus olhos. Agora diga-me senhora, se a senhora visse um tigre magro e faminto na sala ao lado, caminhando devagarinho para dentro desta sala, olhando faminto para a senhora e lambendo os beiços, quanta dor sentiria?" Respondeu-me: "Não sentiria dor nenhuma nestas circunstâncias. Posso levar este tigre comigo para o hospital?" Respondi-lhe: "É claro, mas terei de avisar ao seu médico." Ela continuou: "Mas não fale com as enfermeiras. Quero me divertir um pouco a custa delas. Toda vez que me perguntarem se estou sentindo dor, vou lhes dizer. 'Olhem debaixo da cama, se o tigre ainda estiver aí não estou com nenhuma dor'." Qualquer mulher de cinqüenta e dois anos que começa por me tratar de "meu filho", tem senso de humor. E assim, tirei vantagem disso.
Em outras palavras, seja lá o que for que o seu paciente tiver, sirva-se disso. Se tem uma cantilena, cante também. Se é um Mórmon, mesmo que você não seja, deve saber o bastante sobre o mormonismo para servir-se da religião Mormón. E Jim, o idealista, e Gracie, a idealista — quando um homem estranho começou a desnudarlhe o peito. . . não se faz isto com pessoas altamente idealistas — mas desta maneira consegue-se imediatamente a atenção delas: (Erickson ri.) Christine: O senhor disse que deu instruções específicas a Gracie quanto ao que deveria dizer a Jim em transe. Poderia explicar, ser um pouco mais explícito? E: Fiz com que Gracie memorizasse literalmente o que eu dis? sera sobre a campainha do despertador. A gente desper* ta, desliga a campainha, altera a atividade, e faz as coisas que tem de fazer naquele dia. Se a gente é católico, come peixe. Esta é uma das coisas certas a se fazer. Como ele estava construindo uma casa e ajudando a cultivar uma fazenda, isto era o que tinha de fazer. Uma senhora: Há limites para o grau em que se pode controlar a espasticidade de uma paralisia? Uhm, esta dor espástica foi controlada pela hipnose? E: Jim era bastante espástico. Não mencionei isto. A espasticidade desapareceu quando eu comecei a tatear os seios da esposa. Toda a atenção ficou espástica. (Erickson dá umas risadinhas para si mesmo.) Eu não me importei com a dor, e nem ele. Uma outra senhora: Em que grau o senhor acha que o paciente com câncer tem controle sobre o processo de câncer do próprio corpo? E: Não há trabalho experimental suficiente sobre o assunto. O que de fato sei é que Fred K. me ouviu numa aula em Twin Falls, em Idaho. Fred K. era cirurgião-chefe de lá. É um médico muito progressista. Decidiu que Twin Falls precisava de uma sociedade médica. Depois decidiu que a cidade precisava de um hospital, por isso iniciou uma campanha para fundar um hospital comunitário. Depois, decidiu que deveria haver um prédio de consultórios profissionais. Ele é uma força motriz em Twin Falls.
Depois da aula, Fred se aproximou e disse-me: "Ouvi sua palestra e percebi que o mundo pode agüentar melhor um psiquiatra trôpego do que um cirurgião vacilante." Por isso ele fez um estágio em Psiquiatria em Salt Lake City e agora é professor de Psiquiatria. Recusou-se a aceitar uma cátedra a menos que lhe permitissem trabalhar com o departamento cirúrgico. Assim, Fred usaria a hipnose com todos os demais pacientes que operassem, tentando promover a cicatrização dos ferimentos cirúrgicos. E os pacientes com quem usou a hipnose para acelerar o processo de cura cicatrizaram mais rápido do que os outros pacientes. Isto é tudo que posso lhes dizer. Jane: Doutor Erickson, sofro da Doença de Raynaud. Há algo que se possa fazer com a hipnose? E: Já deixou de fumar? Jane: Sim, eu não fumo. E: Muito bem. Em 1950, eu atendi ao doutor Frank S. Ele sofria da Doença de Raynaud. E insistia em fumar. Gostava de inalar o fumo dos cigarros. Queria saber o que se podia fazer a respeito de sua Doença de Raynaud. Respondi-lhe: "Você está entupido com ela!" (Erickson olha para Jane.) "Não acho que você devesse ir para um estado frio." Ele recebera um convite para ser superintendente do State Hospital, em Augusta, no Maine. Frank disse que desejava aquele emprego. Respondi-lhe: "Bem, toda vez que você sentir seus dedos frios, veja se pode botar, mentalmente, um pouco de fogo no seu dedo mindinho." E Frank é um pouco mais velho do que eu, e, periodicamente, bota um pouco de fogo na ponta do dedo. A doença não progrediu. Jane: A única coisa é que é nos dedos dos meus pés. E: Então bote um pouco de fogo de vez em quando, mentalmente. Jane: Agora? E: Se você pudesse saber exatamente neste momento o que eu posso achar, ficaria rubra de vergonha. (Risos.) Agora, você sabe que tem um controle capilar no rosto?
Jane: (Faz que sim com a cabeça.) E: E nos braços? Você já sentiu este arrepio na pele alguma vez? (Jane olha para os braços.) Quando você passa de uma temperatura quente para uma de zero grau, você fica arrepiada aí e em todo o corpo. Acho que você já deve ter tido a experiência de entrar no chuveiro quando a água estava muito quente, e de descobrir que ficou arrepiada nas pernas porque houve um excesso de fluxo dos receptores quentes para os receptores frios. Agora você pode enrubescer nos pés tanto quanto no rosto. (Erickson dá umas risadinhas.) Você descobriu que pode bolar fogo no rosto. (Erickson ri.) E obrigada pela demonstração. (Todo mundo ri.) Jane: Está muito quente aqui dentro. (Risos) E: Agora, qual a profundidade necessária de um transe em psicoterapia? Vocês não prestaram muita atenção porque ficaram entrando e saindo de transe enquanto eu falava. Aprendi como entrar em transe e posso discutir qualquer coisa com vocês e observar este tapete se levantar até esta altura. (Erickson gesticula.) É um tapete muito menor. E posso falar com vocês sobre Jim e Gracie (Erickson continua olhando para o tapete), sobre o tigre faminto ou qualquer outra coisa, e tudo que vocês perceberão é que estou falando um pouco mais devagar. (Erickson sorri e olha ao redor.) Posso escutar e sair de um transe sem nenhum de vocês saber. Christine: Então o senhor poderia falar mais um pouco sobre auto-hipnose? E: Muito bem. Eu estava ensinando hipnose, acho que num lugar de Indiana. E um homem de um metro e noventa, todo osso e músculos, e muito orgulhoso disso se aproximou de mim para apertar minhas mãos. Vi aquela mão do tipo quebra-osso se aproximando de mim, por isso segurei-a em primeiro lugar. Então ele me disse que o apelido dele era "Bulldog", e que sempre que tinha uma idéia, se aferrava a ela e ninguém conseguia demovê-lo. Continuou: "Nenhum
homem no mundo inteiro conseguiria me colocar em transe." Perguntei-lhe: "Gostaria de descobrir o contrário?" Respondeu-me: "Não há nenhum homem, ninguém que consiga me hipnotizar." Disse-lhe então: "Gostaria de provar-lhe e apresentarlhe o homem que pode hipnotizá-lo." Respondeu-me: "Vá em frente, traga-o." Então eu lhe disse: "Bem, hoje à noite, quando for para a cama no quarto do hotel, tome uma hora para si mesmo, às sete ou oito horas. Bote o pijama e sente-se numa cadeira em frente do espelho e olhe para o homem que vai colocá-lo em transe." E no dia seguinte ele disse: "Acordei às oito horas da manhã de hoje, ainda sentado naquela maldita cadeira. (Risos) Fiquei lá sentado a noite toda. Admito que possa me colocar em transe." Uma paciente que eu tive em 1950 me procurou e disseme: "Estive lendo um livro sobre auto-hipnose neste último ano. Passei duas ou três horas por dia estudando o livro e seguindo as orientações completamente. Não consigo me colocar em transe." Eu lhe respondi: "Toan, você foi minha paciente em 1950. Seu contato comigo naquela ocasião deveria ter lhe ensinado a ter bastante bom senso para me procurar de novo. Provavelmente o livro que você estava lendo é o de.. ." (Erickson cita o nome de um hipnotizador leigo.) Ela respondeu afirmativamente. Continuei: "Todos os livros dele sobre auto-hipnose não valem nada. O que você tem tentado fazer é dizer-se conscientemente o que fazer e como fazê-lo. Você está tornando tudo consciente. Agora, se você quer entrar em transe auto-hipnótico, coloque a campainha do despertador para tocar dentro de uns vinte minutos. Coloque-o em cima do armário, sente-se e olhe para sua imagem no espelho." Recebi um telefonema no dia seguinte. Ela me disse: "Dei corda no despertador e marquei. Sentei-me e olhei para a minha imagem e o despertador tocou. Pensei que tinha me enganado. Desta vez, marquei cuidadosamente para tocar dentro de vinte minutos. Coloquei o despertador em cima do armário e sentei-me diante do espelho e
fiquei olhando para a minha imagem e a campainha tocou. E desta vez o relógio mostrou que se tinham passado vinte minutos." Em outras palavras, a gente não se diz que vai entrar em estado de transe. A mente inconsciente sabe muito mais do que nós mesmos. Casualmente, minha filha que é enfermeira veio de Dallas para nos visitar, não faz muito tempo. Estava falando sobre seu trabalho com os pacientes. Há muito trabalho de emergência por lá, o que exige muito e toma bastante tempo. São especialistas em acidentes de automóvel e isto ocorre a todo momento em Dallas. A mãe perguntou-lhe como ela conseguia dormir depois de uma experiência tão arrasadora de emergência. Roxanne respondeu: "Oh, é muito simples. Tenho um relógio com um mostrador que permite ver as horas no escuro. Quando vou para a cama, dou uma olhada no relógio. Sei que se voltar a ver as horas dentro de dez minutos, vou ter que ficar subindo e descendo as escadas umas vinte vezes. Sou preguiçosa e nunca tive de subir e descer as escadas vinte vezes. Mas sei que se eu ainda estiver acordada dentro de dez minutos, vou acabar saindo da cama e realmente ficar subindo e descendo as escadas vinte vezes." Publiquei um artigo sobre um homem que perdeu a esposa. Ele e o filho viúvo moravam juntos. Faziam o trabalho doméstico e dirigiam o escritório de imóveis. E dividiam o serviço de casa. O velho um dia me procurou e disse: "Eu fico acordado durante toda a noite, ruminando as coisas e tentando dormir. E nunca consigo dormir mais do que duas horas. Habitualmente adormeço por volta das cinco e me levanto às sete." Eu respondi: "Muito bem, o senhor quer corrigir a insônia. Tudo o que tem de fazer é o que eu vou lhe dizer. O senhor diz que o senhor e o seu filho dividem o serviço de casa. Como é que fazem a divisão?" Respondeu: "Meu filho faz as coisas que ele gosta de fazer e eu faço as coi-
sas que gosto de fazer." Continuei: "O que o senhor mais detesta fazer?" Respondeu: "Encerar o chão. Temos chão de tacos, gosto de mantê-lo encerado. Eu faria tudo o que tenho de fazer e mais o que ele tem de fazer, se ele encerasse o chão, porque eu não suporto encerar." Disse-lhe então: "Muito bem, tenho idéia de um remédio para o senhor que vai custar-lhe oito horas de sono. Acha que pode permitir-se perder oito horas de sono?" Respondeu-me: "Venho perdendo isto mesmo, todas as noites, há um ano. Claro que posso me permitir." Disse-lhe então: "Hoje à noite, quando for para casa, leve uma garrafa de Cera Johnson e um pedaço de pano; encere o chão a noite toda. O senhor vai encerar até a hora em que normalmente se levanta de manhã. Depois vá para o trabalho. Só terá perdido duas horas de sono. Na noite seguinte, comece a encerar o chão na hora de dormir. Encere a noite toda e vá para o escritório na hora certa. Terá um total de quatro horas de sono perdido. Na noite seguinte encere o chão a noite inteira e perca outras duas horas de sono." Na quarta noite, antes de começar a encerar o chão, disse ao filho: "Acho que vou cochilar um minuto." Levantou-se às sete horas da manhã." Bem em cima do seu armário tem uma garrafa de cera Johnson e um pedaço de pano. Eu lhe disse: "O senhor tem um despertador fosforescente. Se o senhor conseguir ver as horas de noite, quinze minutos depois de se deitar, terá de polir o chão durante toda a noite." Desde então não perdeu nenhuma noite de sono. (Erickson ri.) Um médico veio me ver e disse: "Eu mesmo abri meu caminho pela Universidade. Perdi muitas horas de sono. Achei difícil acabar o curso da Faculdade de Medicina. Antes de acabar, casei-me e constitui família. Tive de perder muitas horas de sono para pagar a escola de Medicina e sustentar a minha família. Desde então, vou para a cama às dez e meia da noite. Fico rolando e olhando para o relógio esperando que amanheça, mas o amanhã nunca chega. Por volta das cinco
horas consigo dormir, mas tenho de me levantar às sete horas e ir para o consultório. E o senhor sabe, durante todo o curso de Medicina eu prometi a mim mesmo que leria todo Dickens, todo Sir Walter Scott, todo Dostoicvski, porque gosto de literatura. Nunca tive tempo. Fico rolando e me debatendo até as cinco horas da manhã." Eu disse: "Então o senhor gostaria de dormir? E ainda está-se lamentando de nunca ter lido Dickens. Bem, compre uma série de obras de Dickens." "Muito bem, agora quero conhecer o interior de sua casa. O senhor tem uma lareira com uma cornija em cima?" Respondeu que sim, continuei: "Então pegue um abajur elétrico e coloque sobre a cornija, fique ali das dez e meia até as cinco horas da manhã lendo Dickens. Desta maneira satisfará todas as suas aspirações literárias." Acabou voltando a me procurar e disse-me: "Posso sentar-me para ler Dickens?" Respondi: "Pode." Então ele voltou a me procurar e disse: "Estou tendo problemas com a leitura de Dickens. Sento-me e começo a ler e antes de terminar a página já estou dormindo. Levanto-me de manhã sentindo câimbras de ficar sentado naquela posição." Então eu lhe disse: "Muito bem, consiga um relógio com o mostrador fosforescente e se conseguir ver as horas do relógio quinze minutos depois de ir para a cama, levante-se, fique perto da cornija da lareira e leia Dickens. E como já leu um pouco, descobrirá uma infinidade de maneiras de encontrar tempo para ler Dickens." Leu todo Dickens, Scott, Flaubert e Dostoiévski. E tem o maior pavor de ficar de pé ao lado da lareira para ler. Prefere dormir. As pessoas nos procuram para receber ajuda, quando podem se ajudar a si mesmas. Uma mulher queria parar de fumar e perder peso. Eu lhe disse que ela poderia consegui-lo com muita satisfação e sem muito esforço. Ela então me disse: "Não consigo resistir à comida nem aos cigarros mas agüento fazer exercícios, e faço-os."
Eu lhe disse: "Você é uma mulher muito religiosa, não?" Respondeu-me: "Sim." Disse-lhe: "Dê-me sua palavra de que fará algumas coisas simples que vou lhe pedir." Depois eu disse: "Guarde seus fósforos no andar térreo. A senhora mora numa casa de dois andares, com um sótão. Fume tanto quanto quiser. Mas guarde os fósforos no andar térreo e pegue um fósforo de dentro da caixa e deixe-o na tampa da caixa. Suba até o sótão e pegue um cigarro, desça até o solo e acenda-o. Desta forma fará um bocado de exercício. "E a senhora diz que gosta de ficar beliscando comida. Bem, o que a senhora gostaria de fazer? Correr em volta da casa, do lado de fora?" "Dê várias voltas, entre e coma o que desejar." Ela respondeu: "Pode ser uma boa idéia." Disse-lhe então: "Muito bem. É claro, quando fizer um bolo a senhora o cortará em fatias bem fininhas. Para cada fatia que a senhora comer, terá que dar uma volta em torno de casa, o mais rápido possível e depois comerá uma fatia bem fininha de bolo. Se quiser comer uma segunda fatia a senhora dará mais duas voltas em torno de casa." É surpreendente como ela logo passou a desejar cada vez menos cigarros — tinha de descer primeiro ao térreo para pegar o fósforo, deixá-lo lá em baixo, depois correr até o sótão e pegar um cigarro. Descer e acendê-lo para ter o prazer de fumar. E ter de correr tantas vezes para comer um pedaço de bolo, duas vezes mais para comer o segundo pedaço, e três vezes mais para comer o terceiro pedaço. (Para o grupo). . . É claro que acabou reduzindo bastante. O importante é não fazer tanto trabalho livresco, de seguir as regras que lemos nos livros. O importante é levar o paciente a fazer coisas que são de fato boas para ele. Um senhor de Michigan veio me ver e disse que tinha um temperamento incontrolável. "Quando perco a calma dou um tabefe no ouvido da pessoa mais próxima. Dei um tapa no ouvido de minha mulher. Derrubei minhas filhas e filhos várias vezes. Meu temperamento é incontrolável." Eu lhe disse: "O senhor mora numa fazenda em Michi-
gan. Como faz para aquecer a casa? Como faz para cozinhar?" Respondeu-me: "É uma fazenda e temos fogão de lenha. Aquecemos a casa com este fogão de lenha e cozinhamos tudo nele." Perguntei: "Onde consegue o combustível?" Respondeu: "Tenho grandes reservas de madeira." Perguntei-lhe: "Que árvores o senhor derruba?" Ele respondeu: "Bem, eu abato os carvalhos e corto as toras. Não abato os elmos porque são muito trabalhosos para transformar em lenha." Eu então lhe disse: "De agora em diante, o senhor vai cortar elmos." "Quando abater os elmos, vai separá-los em toras, e para dividi-los enterre o machado e retire-o, depois enfie um pouco mais. O senhor terá de cravar o machado em toda a extensão do bloco até ele se separar em duas partes. É a madeira mais terrível de se partir. Partir um pedaço de elmo é como partir doze toras de madeira." "Bem, quando perder a paciência, pegue o machado e vá rachar uma maldita tora de elmo, e com isso conseguirá drenar sua energia. Sei o que é partir um elmo — é uma das tarefas mais árduas. E assim ele passou a esgotar a sua energia explosiva rachando toras de madeira de elmo." Siegfried: Tenho uma pergunta. O senhor deu exemplos de pessoas que sempre fizeram o que o senhor sugeriu, e parecem estar altamente motivadas, em comparação com meus pacientes. (Risos) Acho que na maioria das vezes eles simplesmente não fariam o recomendado. E: Isto é o que a minha família me diz: "Como é que seus pacientes fazem as coisas loucas que você lhes diz para fazer?" Respondo: "Eu lhes digo as coisas com a maior seriedade. Sabem que realmente tenciono dizer aquilo mesmo. Sou totalmente sincero. Tenho absoluta confiança que eles o farão. Nunca penso: 'Será que meus pacientes vão fazer esta coisa ridícula?' Não, eu sei que eles vão fazer'." Bem, uma senhora veio, ou melhor, procurou-me e pediu-me para ver se mediante a hipnose o marido conseguiria deixar de fumar. O marido veio. Era advogado e ganhava trinta e cinco mil dólares por ano. A esposa herdara duzentos e cinqüenta mil dólares antes do casamen-
to. E comprara a casa deles. Pagava os impostos de serviço do marido e o imposto de renda de ambos. Não sabia o que o marido fazia com os trinta e cinco mil dólares que ganhava anualmente. Soube de tudo isso pelo marido, quando indaguei sobre o fumo. Sabia que ele não pararia de fumar. E disse-lhe isto no final da hora; que ele não tinha nenhuma intenção de deixar de fumar, e que poderia chamar a esposa e dizer-lhe que era um perdedor nato. Talvez se ele fizesse isto ela parasse de amolá-lo e de censurá-lo quanto ao hábito de fumar. Ele concordou que eu chamasse a esposa e dissesse na presença dela que ele era um perdedor nato e também para ela parar de aborrecê-lo e de censurá-lo por fumar. Senti que tinha razões para fazê-lo. Ele era um advogado, devia conhecer as palavras comuns da língua inglesa. Ele devia saber o uso das palavras. Chamei-a e disse-lhe: "Sinto muito ter de lhe informar que seu marido é um perdedor nato. Por isso a senhora, por favor, pare de aborrecê-lo e de censurá-lo. Ele não quer e não vai parar de fumar." Dois dias depois ela entrou tempestuosamente no consultório, sem hora marcada. As lágrimas rolavam-lhe pelo rosto aos borbotões. Disse-me: "Eu choro toda vez que vou a um consultório médico. Faço uma poça no chão com minhas lágrimas, exatamente como estou fazendo agora. E amanhã tenho de levar meus filhos ao pediatra. Vou chorar todo o percurso, na ida e na volta. Poderia fazer algo para me ajudar?" Disse-lhe: "Sim. Chorar é uma coisa muito infantil. Com que freqüência a senhora chora?" Ela respondeu: "Toda vez que começo a fazer alguma coisa. Formei-me na Universidade e consegui um emprego de professora. Chorei intensamente durante uma semana quando consegui o lugar de professora numa escola. E tive de largá-lo porque chorava tanto assim." Disse-lhe então: "Muito bem, amanhã a senhora terá de levar seus filhos ao pediatra. Vai chorar todo o percurso, ida e volta."
"Sugiro que, sendo o choro uma coisa infantil, o substitua por outra coisa infantil que não se perceba. A senhora vai pegar um pepino mais ou menos deste tamanho (Erickson demonstra.) e vai embalá-lo nos braços durante todo seu percurso de ida e volta ao médico. No dia seguinte à consulta do pediatra, ela entrou no meu escritório extremamente zangada, mas sem chorar. Disse-me: "Por que o senhor não me disse para embalar o pepino enquanto eu estava lá?" (Erickson sorri.) Respondi-lhe: "Isto fazia parte da sua responsabilidade, não da minha. Agora vou lhe dar outra tarefa. Esta tarde, quero que a senhora suba o pico Squaw e volte amanhã e me conte." Ela veio no dia seguinte e disse-me: "Subi o pico Squaw e, acredite ou não, perdi o caminho a poucos passos do alto. Subi num monte de rochas esparsas onde eu não tinha nada de me meter. Quando cheguei ao alto tive a minha primeira sensação de realização. Vou subir o pico Squaw amanhã de novo e não vou me perder no caminho. Virei depois para lhe contar. Durante toda a descida fiquei pensando como podia ter perdido o caminho. É impossível a gente se perder." Veio no dia seguinte e contou-me que conseguira subir o pico Squaw e tivera a mesma sensação de realização. Algum tempo depois, veio me ver inesperadamente e disse-me: "Acho que meu marido está mais casado com a mãe do que comigo. Ele simplesmente não consegue fazer nada em casa: consertar uma torneira estragada, ou fazer a mais simples tarefa. Mas se a mãe dele telefonar e chamá-lo à uma hora da madrugada, ele se levanta, se veste, percorre a cidade e vai consertar a sua torneira estragada ou pendurar um quadro para ela. Mas em casa meu marido não consegue fazer o mesmo. Eu tenho de contratar um bombeiro ou um carpinteiro ou fazer eu mesma." ' Eu lhe disse então: "Bem, seu marido deveria ser seu marido e não o marido da mãe dele."
Ela continuou: "Eu não gosto da minha sogra. Ela aparece de imprevisto em minha casa às quatro horas da tarde. Às vezes traz convidados e me pede para servir um jantar caprichado. Tenho de sair para fazer compras e conseguir as coisas necessárias. Faço um jantar maravilhoso para ela e os convidados. Mas fico com ânsias de vômito e passando mal do estômago assim que vou jantar com eles." Disse-lhe: "Acho que não é muito delicado da parte de sua sogra bater à porta às quatro horas da tarde e pedir para jantar. Assim, na próxima vez que ela aparecer, prepare o jantar. Quando chegar a hora de se sentar, não jante. Explique que tem um encontro urgente nesta noite. Não importa aonde vá. Pode ir a um estacionamento de carros ou a um cinema. Mas não volte para casa antes das onze da noite." Alguns dias depois, apareceu e disse: "Minha sogra e meu marido apareceram com convidados às quatro horas da tarde e pediram um jantar especial. Assim, segui o seu conselho. Fiz um jantar maravilhoso. Quando chegou a hora de jantar, disse-lhes que tinha um compromisso muito importante naquela noite e saí. Não voltei para casa senão às onze horas. Descobri que meu marido e minha sogra tinham feito o que era de hábito com o convidado. Fizeram-no ficar bêbado e ele vomitara no tapete e eu tive de limpar." Eu lhe disse então: "Bem, convidados que vomitam no tapete da sala ou induzem outros a fazê-lo, não devem ter nenhum jantar especial, em momento nenhum." Ela respondeu: "É o que cu acho também." Veio mais adiante e disse: "Pago todas as contas e impostos, mais o imposto dc renda do meu marido e o meu. Meu marido uma vez ou outra traz um saco de compras para casa. Isso só quando quer algo de especial para o jantar. Ele quer me levar a San Diego para uma convenção de advogados. Não quero ir." Disse-lhe: "Seu marido quer levá-la. Deixe que o faça. Quando a senhora voltar, venha me contar se aproveitou."
Ela me procurou na volta e disse-me: "Eu queria ficar num hotel que tinha uma piscina. Meu marido disse que o hotel do outro lado da rua tinha um ambiente muito melhor, por isso ficamos no que não tinha piscina. Não vi nenhuma diferença no ambiente. Paguei mil dólares por semana por aquele quarto. E todas as refeições eram extras. Quando descemos para a sala de jantar, nossa filha de dezoito meses ficou batendo na tampa daquela cadeira alta de crianças, gargarejando e fazendo ruídos. Meu marido bateu no rosto dela, causando um escândalo na sala de jantar." Disse-lhe: "Seu marido é advogado e devia conhecer a lei sobre maus-tratos às crianças. Acho que isto é maltratar uma criança e acho que a lei a tornará responsável também por qualquer outro dano feito à sua filha." Respondeu-me: "Foi o que pensei. Ele não vai esbofetear mais a criança." Algumas semanas mais tarde ela veio ver-me e disse: "Duas, três ou quatro vezes por ano meu marido me pede dois, três, quatro ou mesmo cinco mil dólares para pagar dívidas. Pede-me para vender algumas ações e livrá-lo das dívidas." Eu respondi: "Um homem que ganha trinta e cinco mil dólares por ano e que a esposa paga todas as despesas e impostos deveria pagar as dívidas com o próprio salário." Ela continuou: "É o que eu acho. E não vou vender mais nenhuma ação." Eu acrescentei: "Se o fizer, nem mesmo duzentos e cinqüenta mil dólares vão durar muito tempo." Algumas semanas depois ela me procurou e disse: "Duas ou três vezes por ano meu marido vem a mim e pede para nos separarmos. Mas não é de fato uma separação. Não sei aonde ele fica ou para onde vai. Sempre, na noite de quinta-feira, aparece e pede um jantar especial. E no domingo brinca com os filhos depois da refeição e vai-se embora. Não sei para onde." Eu lhe disse: "Bem, acho que a senhora deveria ser honesta com ele. Se lhe pede uma separação, seja honesta quanto a isso e dê-lhe." Diga-lhe: "Muito bem, você pode ter a separação à hora que desejar mas desta vez será real. Não haverá jantares às quintas nem aos domingos. Vou trancar todas as portas e janelas."
Cerca de seis meses depois ela entrou no escritório e disse: "Será que tenho bases para um divórcio?" Respondi-lhe: "Sou psiquiatra, não advogado. Mas posso encaminhá-la a um advogado honesto." Assim, ela anotou o nome dele e divorciou-se às pressas. Cerca de seis meses depois, veio ao escritório sem hora marcada e disse-me: "O senhor mentiu por inferôncia." Disse-lhe: "Como é que menti por inferência? Ela me disse: "Vim aqui c perguntei-lhe se tinha bases para um divórcio e o senhor disse que era psiquiatra e não advogado. Mandou-me para um advogado que me conseguiu um divórcio em bases legais. Cada vez que me lembro que estive casada com aquele réptil por sete anos, passo mal do estômago. Aí quero um divórcio por razões pessoais." Disse-lhe: "Se eu lhe dissesse para conseguir um divórcio por razões pessoais o que a senhora teria feito?" Respondeu-me: "Eu o teria defendido e continuaria casada com ele." Continuei: "Muito bem. E o que a senhora tem feito nestes últimos seis meses?" Respondeu-me: "Bem, logo que obtive o divórcio, consegui um trabalho de professora. Gosto dele, não choro mais." Bem, mandei-a embalar um pepino e disse-lhe que o marido era um perdedor inato. E ele, um advogado, devia ter preferido não me deixar chamá-lo de perdedor nato. Ela gradualmente percebeu. . . cada vez que veio fazer uma queixa. Siegfried: Por favor, repita a última frase. Não entendi direito. E: Cada vez que veio fazer uma queixa sobre o marido, percebeu a verdade e o significado de eu ter chamado o marido de perdedor nato. Foi por esta razão que na primeira vez eu a chamei e disse na sua frente que o marido era um perdedor nato. Siegfried: Isto é o que o senhor acha? Que ele é um perdedor nato? E: Bem, você não acha? Perdeu a esposa, a família. Teve de pagar para sustentar os filhos. E tem de pagar o próprio imposto de renda.
Siegfried: Mas eu acho que ele pode mudar. E: Você acha? Qualquer rapaz casado que vive às custas da mulher durante os primeiros sete anos desta maneira não vai mudar. Ainda é o menino da mamãe. Leva a mãe para jantar fora e ela pode chamá-lo à uma hora da madrugada para consertar uma torneira de água. Siegfried: Então o senhor acha que ele não está pronto para fazer esta mudança? E: Acho que nunca estará. Siegfried: Hã-hã. E: E agora, Christine vá ao escritório. Lá, em algum lugar, tem um envelope com históricos de casos. É um envelope pardo. Provavelmente está na prateleira do móvel ao lado da mesa. (Christine vai até o escritório e traz o arquivo que Erickson pediu.) Um homem de trinta anos não devia atravessar a cidade toda à uma hora da manhã para consertar uma torneira. Siegfried: Sim, concordo com isso. E: E devia pagar seus próprios impostos. Bem, quem é que lê bem em inglês? Não gritem todos imediatamente. Jane: Eu. E: (Erickson entrega-lhe o manuscrito.) Leia a carta em voz alta. Jane: "29 de fevereiro. Caro doutor Erickson. Estou lhe escrevendo em resposta ao seu pedido durante nossa conversa telefônica de algumas semanas atrás, para que eu lhe escrevesse. Deveria ter escrito logo, mas queria verificar com a doutora L. se ela estaria interessada em ir comigo até Fênix (se possível para vê-lo.). Ela esteve fora algumas semanas e esta é a razão do atraso. Foi ela quem me recomendou o senhor. Também disse que está interessada em ir comigo à Fênix, se possível em uma ocasião que calhe com os horários dela que estão superlotados. "Quanto ao meu problema, comecei a gaguejar entre um e quatro anos e meio de idade. Comecei a falar com um ano. O princípio da gagueira coincidiu aproximadamente com o nascimento de minha irmã caçula, e com uma amigdalectomia, por volta dos cinco anos de idade. Quanto a
estes fatos, relacionados com minha gagueira, nunca consegui integrá-los direito. Fiz várias tentativas de descobrir traumas infantis, incluindo uma terapia convencional, e tentativas de hipnose, sem êxito (O doutor L. acha que posso ser hipnotizado.), e uma "terapia do berro", com C. D., o processo Fischer-Hoffman. Tentei várias terapias "corporais", isto é, o trabalho de Rolfing com o corpo, acupuntura, bioenergética e técnicas respiratórias. Tentei vários expedientes mecânicos. Fiz PES, bem como várias práticas meditativas, espirituais e de ioga. "Continuo gago. Algumas das coisas que tentei me ajudaram de várias maneiras, mas acho que ainda sobra algo intensamente carregado do passado que tenho pavor de encarar. "Vários amigos psicólogos da Área do Golfo disseramme que o meu relacionamento com minha mãe não foi resolvido. Também estou consciente de que tenho dificuldades de lidar com minha raiva. Embora tenha trinta anos, as pessoas dizem que pareço criança (muitas pessoas acham difícil acreditar que tenho mais de vinte anos.) Outros me encaram como criança. Quero crescer e engrenar minha vida. Estou cansado de viver dentro desta bagunça emocional. "Até então, o padrão habitual da minha vida tem sido o seguinte: Em todos os meus empreendimentos, há inicialmente uma promessa de sucesso retumbante. As coisas andam bem até que começa a ficar um pouco difícil. É quando eu habitualmente desisto e fracasso. "Gostaria especialmente de parar de gaguejar porque isto de fato me impede de manter um contato livre com outras pessoas, e, às vezes, até de estar com elas. Também tenho dificuldades em meus movimentos de expansão no mundo. Como esta é uma característica infantil, em certa medida me faz sentir criança. "Minha vida neste momento está entrando num período de mudanças, mas no momento ainda não sou capaz de demonstrar minha capacidade e de ganhar minha vida. Minha situação atual naufraga em uma culpa existencial. Os
únicos trabalhos que consigo atualmente são empregos não profissionais ou semiprofissionais. Isto é dolorosamente insatisfatório para mim à luz do meu passado. Passei pela Universidade (em Pesquisa Operacional e Estatística Teórica) e larguei antes de conseguir o diploma para seguir música. Fiz música durante algum tempo, as coisas corriam bem. Estavam gostando do que eu tocava e tive algum reconhecimento das pessoas. Então parei de tocar por algum tempo e quando recomecei senti que estava menos sensível e com o braço esquerdo mais rígido. A partir dessa época minha música foi se deteriorando e não me considero mais um músico profissional sério. Com a diminuição da minha capacidade de fazer música, meu ódio por mim mesmo aumentou, bem como o consumo de drogras. Só nos últimos anos comecei a diminuir. (Eu tomei drogas com bastante regularidade durante sete anos.) "Acho que agora estou numa situação melhor e tenho um desejo ardente de fazer minha vida funcionar. Tenho esperanças quanto à perspectiva de trabalhar com o senhor, embora perceba conscientemente uma forte resistência a ser sadio, o que ainda me atormenta. Esta resistência faz parte também do meu padrão de ego. Talvez por medo ou desconfiança eu resista sutilmente a cooperar com as pessoas. "Espero ter notícias suas brevemente. Anseio trabalhar com o senhor, se o senhor me aceitar. Estarei a seu dispor depois do primeiro de abril. (Com exceção das noites de terça do mês de abril) Respeitosamente, George Leckie" Aqui temos um paciente que me telefonara várias semanas antes. Dissera-lhe: "Alô", e ele respondera: "Ba-ba, ba, ba, ba, ba, ba." Por isso disse-lhe: "Escreva-me." E desliguei. Bem, semanas depois, ele escreveu esta história comprida sobre sua neurose e os sete anos de vício de drogas.
Assim que recebi uma carta tão extensa em resposta ao meu telefonema, pensei: "Aqui temos um destes pacientes profissionais que nunca vai melhorar, que me vai tapear até esgotar todo o meu tempo e energia, e fazer com que tudo redunde num fracasso." Por isso li a carta e respondi-lhe com outra carta que achei que teria um certo atrativo para ele, e o induziria a escrever-me outra carta que eu poderia usar para fins didáticos. (Para Jane) Muito bem. Jane: (Continua lendo a carta de resposta que Erickson escreveu.) "Sete de março. Caro senhor Leckie. Já que o senhor me telefonou para pedir ajuda, quando nem estava apto para pedi-la, e tive de dizer-lhe como comunicar-se comigo, coisa que o senhor deveria ter feito sem ser preciso lhe dizer. Vou resumir seu problema, talvez na vã esperança de que possa servir-lhe de alguma maneira útil. Habitualmente, após telefonemas como o seu, as cartas solicitadas não costumam chegar. Se alguém chega a mandar, há um atraso atribuído a outra pessoa, no caso à doutora L. "Depois, há um relato de uma longa carreira em que se busca ajuda e não se aceita a mesma, mas havendo ocasionalmente um leve indício de aceitação. "Invariavelmente há uma lista das prováveis e possíveis causas do problema, garantindo assim a possibilidade do terapeuta olhar na direção errada e, portanto, tornando ainda mais segura a continuação da longa carreira da busca incansável e sem resultados. Só permanecendo inconsciente da causa é que se pode manter exitosamente um problema. "Para demonstrar a consistência dos padrões de comportamento, menciona-se outros tipos de fracassos — no seu caso a música, amadurecimento, subsistência, universidade incompleta. "A carta não estaria completa se faltassem algumas ameaças sutis, mas mencionadas nitidamente. No seu caso, uma promessa de desconfiança e de não cooperação, entre outras coisas.
"O mais vital de tudo é a imposição de uma restrição, embora pequena, à terapia. Não precisa nem mesmo ser racional, basta algum tipo de restrição, mesmo irrelevante, como a sua restrição quanto às noites de terça-feira em abril. O que o leva a pensar que poderia obter qualquer das minhas noites? "Se leu a carta até este ponto, seguramente deve surgir uma interrogação: 'Quer ser meu paciente?' Será que isto não sugere que posso lidar com seu problema altamente prezado, como o atestam seus sete anos de vício com drogas, o que, na melhor das hipóteses, só pode impedi-lo de falar? "Será que espero uma resposta sua a esta carta??? Como pode considerar como uma abominável sinceridade, subscrevo-me. Milton Erickson, M. D."
E: Bem, vocês sabem o que fariam se recebessem uma carta como esta. Mas ouçam a resposta. Jane: "11 de março. Caro doutor Erickson. Foi muito franco da sua parte acabar com as formalidades inúteis com uma simples pincelada de tinta. Eu estava completamente despreparado para a arremetida que se seguiu. Anteriormente eu não estava ciente de todas estas jogadas. (Com exceção do meu jogo de procrastinação, como o evidenciou a minha desculpa concernente à doutora L.) O que o senhor percebeu de modo tão perspicaz na minha carta. Sua perspicácia me arrasa. "Houve um tom compreensível de indignação (bem como de compaixão) na sua carta. Não foi minha intenção despertar sua ira. Aparentemente o senhor me atribui um artifício de tentar enganá-lo, o que, repito, nunca pretendi. "Meu problema não lhe parece estranho. De fato, depreendi que o senhor leu minha carta de certo modo "padrão", com espaços em branco preenchidos com a minha história particular.
"Sim, ainda desejo ser seu paciente. Sim, minha neurose de fracasso é altamente prezada — e não costuma ser? Apresento minhas desculpas por ser tão presunçoso a ponto de fazer alguma restrição à terapia. "Aguardo sua resposta. Subscrevo-me humildemente, George Leckie P. S. Habitualmente não gaguejo tanto quanto aconteceu ao telefone com o senhor naquele dia. Estava especialmente nervoso e com medo. Ainda tenho medo do senhor." (Jane olha para Erickson antes de ler a carta seguinte. Ele acena com a cabeça, mostrando que ela deve continuar.) "24 dc março. Caro senhor Leckie. Algumas correções são necessárias: 1) Realidades desagradáveis não acabam com uma "simples pincelada de tinta." Continuam até que o paciente desenvolva suficiente honestidade para abandoná-las. 2) Uma constatação simplificada da verdade não é uma "arremetida que se seguiu." 3) Quanto a não estar "ciente de todas essas jogadas", sua técnica nestas jogadas que eu mencionei, bem como outras que não mencionei indicam uma prática bastante grande e diligente de não tomar conhecimento "destes jogos". 4) A minha "perspicácia" arrasou-o. Na verdade o senhor não está cm posição de tentar elogiar ninguém. 5) Quanto ao "compreensível tom de indignação, o senhor, como de hábito, se enganou. Foi um tom de quem está-se divertindo bastante com a esposa de que o senhor seria induzido a escrever uma carta de resposta. 6) Com um pouco mais de esforço o senhor poderia ter obtido uma compreensão melhor do que a de "meu problema não lhe parece estranho." 7) A disponibilidade de um saleiro cheio de sal fez com que pudesse aceitar a sua afirmativa: "Sim, quero ser seu
paciente." Mesmo que o saleiro estivesse cheio, duvido que o resultado fosse outro. 8) " . . . minha neurose de fracasso é altamente valorizada — e não costuma ser?" É tão ridicularmente absurda que se fosse encarada com liberdade, possivelmente envergonharia até mesmo o senhor. 9) Uma "desculpa por uma restrição pretensiosa é de fato irrelevante e não vem ao caso". 10) O senhor afirma que "preza", "altamente", a sua neurose e depois acrescenta a palavra "humildemente", permitindo assim um contraste que não serve para nada a não ser gozação. 11) O senhor escreve que "ainda tem medo de mim", quando realmente tem uma "neurose de fracasso" "bastante apreciada", que mereceria mais o seu temor. Aprecio de fato seus esforços espontâneos para me divertir. Com a mesma sinceridade de antes, Milton H. Erickson, M. D." (Risos) (Jane continua com a carta seguinte.) "9 de abril. Caro senhor Leckie. Sugiro que o senhor me escreva por volta de dezenove ou vinte de abril, expressando seu desejo e finalidades de me pedir um horário de consulta. Sinceramente, Milton H. Erickson"
(Carta seguinte) "19 de abril. Caro Erickson. "Com respeito ao meu desejo e finalidades de pedir-lhe um horário: "Meu desejo se baseia numa conversa que tive com a doutora L., alguns meses atrás. Ela me contou como é que, através da hipnose, o senhor rápida e implacavelmente des-
manchou as dificuldades emocionais bastante antigas de um campeão de patinação. A doutora L., de fato, admira bastante a sua perícia, e achou que o senhor poderia me ajudar. "Meu desejo (embora talvez seja apenas minha fantasia) é que, através da hipnose, possamos entrar em contato com minha situação familiar infantil pregressa e resolvê-la, já que é, provavelmente, a responsável por eu nunca ter crescido realmente. Quero estar em posição de ser capaz de conscientemente assumir inteira responsabilidade pela minha vida. Quero abandonar meus padrões já antigos de fracasso e de gagueira. Quero resolver a rivalidade fraterna com um de meus irmãos. Quero ser capaz de amar os outros, em vez de detestar e de sentir medo. Quero me amar! (Atualmente não faço isto.) Preciso me reprogramar com uma visão positiva. "Se, com auxílio de seus esforços, esta ordem de desejos pudesse se realizar, então eu estaria livre para criar e servir — como desejo fazer. Atualmente, não é este o caso, pois minha tentativa invariavelmente acabam em fracasso e frustração. "A doutora L. acha que posso ser hipnotizado. Prevejo algumas possíveis dificuldades, porque as tentativas anteriores falharam. Meu medo é que o meu estado seja espiritual, e que ninguém além de mim mesmo possa me ajudar. No entanto, ainda espero o melhor e anseio encontrá-lo e trabalhar com o senhor. Vou telefonar-lhe no dia vinte e dois de abril, terça-feira, às nove horas. Subscrevo-me esperançosa e sinceramente, George Leckie"
E: De fato telefonou esperançosa e sinceramente. É claro que a senhora Erickson recebeu o telefonema e respondeu: 'O doutor Erickson não está recebendo chamadas telefônicas." Jane: (Carta seguinte)
"23 de abril. Caro senhor Leckie. A remessa especial de sua carta chegou com um débito de vinte cents de franquia e terminou com uma insistência numa conversa telefônica, apesar de meu pedido prévio de uma comunicação escrita em vez de uma tentativa de comunicação verbal. "O senhor expressou um desejo que qualificou de possível fantasia, de entrar "em contato com minha situação familiar infantil pregressa", e resolvê-la. Isto é simplesmente uma solicitação de insight de um passado imutável, e não de uma terapia. "O senhor expressa um desejo não uma intenção de resolver uma rivalidade fraterna infantil, e não faz nenhuma menção de um desejo de enfrentar as mais triviais necessidades de um adulto. "Baseia seu pedido de terapia nas crenças e esperanças da doutora L., que, positivamente, estão em desacordo com sua riqueza de expectativas negativas e desejos dúbios. "Para aceitá-lo como cliente, eu requisitaria a evidência de uma capacidade de aceitar a responsabilidade de um subpadrão mínimo de auto-suficiência. Subscrevo-me. Sinceramente, Milton H. Erickson, M. D."
(Carta seguinte) "28 de abril. Caro doutor Erickson. "Para aceitá-lo como cliente, eu requisitaria uma evidência de capacidade de aceitar a responsabilidade de um subpadrão mínimo de auto-suficiência." "Por favor, desculpe a minha ignorância, mas não. sei exatamente o que quer dizer. O que, especialmente, e dito de modo simples, constituiria a satisfação dos ditos requisitos?
"Neste ponto só posso fazer suposições, mas aí vão: "Trabalhei e me sustentei como zelador no ano passado, durante cinco meses. Fui despedido devido a uma mudança na administração que requereu um corte de pessoal. Sou coletor de seguros federais de desemprego desde então, enquanto continuo a procurar emprego e a ganhar alguns poucos dólares aqui e ali fazendo música. Atualmente estou tocando num conjunto que está gravando um disco. Isto é satisfatório? Relevante? "Minha única outra hipótese é que o senhor possa estar preocupado em saber se eu posso levantar algum dinheiro para lhe pagar uma consulta. A resposta é sim, posso. "Espero que não tenha entendido mal os seus requisitos. Além disso, espero ter dado alguma evidência do preenchimento destes mesmos requisitos. Li os requisitos para alguns de meus amigos eruditos, e ambos corroboraram minhas interpretações. "Se satisfaço suas exigências, aceitarei um horário da sua conveniência. Aguardo sua resposta. Subscrevo-me. Sinceramente, George Leckie
P. S. Dentro segue um selo de vinte cents." Jane: (Carta seguinte) "8 de maio. Claro senhor Leckie. " O objeto da psicoterapia é uma mudança para melhor de todos os comportamentos que resultam nos desajustamentos neuróticos do paciente. Em todas as cartas o senhor insiste e consistentemente sustentou seu tipo de compreensão, enfatizou a importância de seus fracassos, sugeriu, algumas vezes de modo bem sutil, sua intenção de manter sua atual situação sem modificações, embora simulando cooperar numa busca de terapia, e ao mesmo tem-
po brigando para que eu enfrente suas exigências e aceite suas interpretrações. "Uma interpretração bem divertida e ilustrativa na sua última carta é a seguinte: 'Li seus requisitos para alguns amigos meus eruditos, e ambos corroboraram minhas interpretações.' (Fui eu quem sublinhou.) "Não sei de mais nada que possa escrever-lhe com alguma certeza de ser-lhe útil ou de interesse. Sinceramente, Milton H. Erickson, M. D."
E; Se o desejasse, poderia escrever-lhe e obter a mesma correspondência. Certa vez recebi a carta de uma mulher que dizia o seguinte: "Fiz psicanálise por trinta anos. Agora estou terminando quatro anos de terapia gestáltica. Depois disto, poderia ser sua paciente?" Não há esperanças para estas pessoas. São pacientes profissionais. É a única meta de suas vidas. E o advogado... fez um bom trabalho em bases salariais. Quando gasta o seu dinheiro, não consegue nada de valor. Ainda deve seu próprio carro. Está atrasado no aluguel. Ganha trinta e cinco mil dólares por ano. E nem mesmo é o proprietário do carro. Ficou casado durante sete anos e não está em melhor situação do que no dia em que conseguiu um emprego. De fato, está pior. Casou-se com duzentos e cinqüenta mil dólares. Ora, nem mesmo isso ele conseguiu. É um perdedor nato. Nasceu para perder. Nasceu para um fracasso. Minha primeira lição sobre este assunto foi no tempo em que estava na escola de Medicina. Designaram-me dois pacientes para eu atender e fazer um histórico. Fui ao paciente mais próximo. Era um homem de setenta e três anos. Os pais eram ricos. E ele crescera na boa-vida. Virou delinqüente juvenil. Nunca trabalhou um dia honestamente em toda a vida. Fazia roubos secundários; passou bastante tempo na cadeia. Passou uma temporada na cadeia porque
era um vagabundo sem meios de sustento. Fora enviado ao State General Hospital para receber melhor atendimento médico. Não lhe custara um centavo. Sempre voltava aos pequenos furtos, à vadiagem e não fazia nada. Ali estava, aos setenta e três anos. Tinha um leve distúrbio físico que sararia em poucos dias. Então sairia e voltaria a viver às custas do Estado. Minha idéia foi: "Por que razão um homem que fora vagabundo a vida toda vivia até os setenta e três anos, enquanto homens que contribuíam para a sociedade morriam aos quarenta, cinqüenta ou sessenta?" Fui atender a outra paciente. Ela foi talvez a moça mais linda que já vi. Tinha dezoito anos e uma personalidade muito atraente. Entabulei uma conversa com ela que falou fluentemente, e com inteligência, sobre os mestres antigos, sobre Cellini, história antiga, toda a boa literatura antiga. Era muitíssimo inteligente, bonita, atraente, agradável e tinha talento. Escrevia poesia, histórias, pintava e era boa musicista. Comecei a fazer o exame no couro cabeludo e nos ouvidos. Depois examinei os olhos dela. Abaixei o oftalmoscópio e expliquei-lhe que esquecera de uma certa incumbência, e que logo voltaria. Fui para a sala dos médicos, sentei-me e disse: "Erickson, é melhor que você encare a vida como ela é. Esse velho vagabundo vai sarar e viver. Vem sendo um peso durante toda a vida. Nunca contribuirá com um dia sequer de trabalho honesto. E aqui temos uma linda moça, atraente, inteligente, talentosa e as retinas dos seus olhos mostram que irá morrer da doença de Bright dentro de uns três meses. É melhor encarar o fato Erickson. Toda a sua vida você será confrontado com as injustiças da vida. Beleza, talento, cérebro, habilidade — desperdiçados. E um vagabundo velho e sem valor, preservado. Ele era um perdedor nato. E ela nascera para ser uma vítima." Passou um comercial na televisão, sobre comida para gatos. Mostra um gato brincando com uma bola de algodão, e isto me lembrou de mostrar-lhes uma coisa. Quer me passar aquela escultura?
O chefe do departamento de arte de uma Universidade do Governo me procurou. Viu esta escultura. Pegou, examinou e disse: "Fui professor de arte na Universidade do Estado. Ganho a vida fazendo esculturas. Elas foram reconhecidas na Europa, Ásia, América do Sul e Estados Unidos." (Ele é um famoso entalhador.) "Esta escultura é arte. A arte expressa a vida humana, o pensamento humano, o comportamento humano, a experiência humana. Não entendo isto, mas é arte. Um tipo de arte bastante significativo. Mas não a entendo." Bem passe adiante para todo mundo ver. (Erickson passa para Siegfried.) (Nota: A escultura é de origem aborígene, representando um peixe-boi.) Em outras palavras, conta-nos a história de um povo. A história de como viveram, uma história do que é importante na vida e por que é importante, e como são governadas as pessoas naquele grupo étnico particular. Siegfried: Posso fazer outra pergunta? Sou analista transacional e um dos enfoques principais desta teoria é que o plano de vida se baseia numa decisão muito primordial, que talvez não seja uma decisão mental, mas muito mais básica. E na maioria das vezes pode ser modificada. Nós encaramos a pessoa de quem o senhor falou — pensando que, em princípio, sua decisão de ser um perdedor pode ser modificada quando ele puder regredir ao estágio em que tomou a decisão de perder. Pode mudar sua vida quando encontrar o apoio que lhe dê melhores opções, e torne possível uma decisão melhor. O que o senhor acha disso? E: Pode ser, mas como? Vou lhe contar a história de Joe. Ele tinha dez anos na época e morava numa fazenda de Wisconsin. Certa manhã de verão, meu pai me incumbiu de ir à aldeia próxima. Quando entrei na aldeia, alguns de meus colegas me viram e vieram me dizer: "Joe voltou." Eu não sabia quem era Joe. Eles me disseram o que os pais lhes haviam dito. E a história de Joe não era muito boa. Ele fora expulso de todas as escolas porque era combativo, agressivo e des-
truidor. Ele ensopava um gato ou um cachorro com querosene e botava fogo. Tentara incendiar o celeiro do pai e a sua casa duas vezes. Esfaqueava os porcos, os bezerros, as vacas e os cavalos com um focado. O pai e a mãe, quando ele tinha doze anos, reconheceram que não sabiam lidar com o filho. Foram à corte judicial e entregaram-no à Escola Industrial de Menores, que é uma instituição permanente para crianças delinqüentes que não podem ser tratados numa instituição comum para delinqüentes. Depois de três anos, deram-lhe liberdade condicional para ir visitar os pais. Cometeu alguns delitos a caminho de casa. A polícia prendeu-o e devolveu-o à instituição onde ele teve de ficar até os vinte e um anos de idade. Com a maioridade, teve de sair por lei. Tinha uma roupa e sapatos feitos na prisão e dez dólares no bolso quando saiu. Os pais tinham morrido. A propriedade deles fora confiscada e assim, tudo o que ele tinha eram dez dólares, roupas e sapatos de presidiário. Foi para Milwaukee e logo cometeu um roubo à mão armada e um furto. A polícia prendeu-o e mandou-o para o reformatório de jovens adultos. No reformatório tentaram tratá-lo como os outros. Mas Joe preferiu lutar contra todo mundo. Havia brigas e arruaças na sala de jantar, quebrava as mesas, esse tipo de coisas. Por isso trancaram-no numa cela e alimentavam-no na própria cela. Uma ou duas vezes por semana, dois ou três guardas tão fortes como ele, levavam-no para uma caminhada como exercício, depois de escurecer. E Joe passou todo o período que teve de cumprir no reformatório em Green Bay sem nenhuma saída por bom comportamento. Quando saiu, foi para a cidade de Green Bay e cometeu outros roubos e delitos e foi logo mandado para a prisão estatal. Na prisão estatal tentaram tratá-lo como os outros presos e Joe não quis saber de nada. Só queria bater nos outros presos, quebrar janelas e causar problemas. Mandaram-no para a masmorra. A masmorra fica no subsolo, tem um metro e meio por um metro e meio de dimensões. O chão era de concreto e
descia em direção a uma valeta em frente à masmorra. Não havia condições sanitárias. Ficava trancado ali, com ou sem roupas. Estive naquela masmorra e era à prova de luz e de som. Uma vez por dia, habitualmente, a uma ou duas horas da manhã, passava-se uma bandeja de comida por um buraco na porta. Às vezes era pão e água, outras a comida habitual da prisão. E dois guardas do tamanho dele (mediam um metro e oitenta e cinco cada um.), um a três metros à direita, o outro à três metros à esquerda, levavamno para um exercício depois do anoitecer para que ele não esmurasse nenhum dos companheiros. Terminou a pena na masmorra. Uma pena na masmorra habitualmente é o bastante para amansar qualquer um — é à prova de luz e de som e não tem sanitários. . Depois do primeiro período de um mês, reapareceu lutando que nem um louco, e por isso voltou para lá. De fato, acabou passando o primeiro período de sua pena naquela masmorra. Habitualmente dois períodos naquela masmorra costumam levar um indivíduo a uma psicose ou a uma mania. E Joe passou dois anos lá. Quando o libertaram, foi para uma aldeia local e cometeu outros delitos. Logo foi preso e mandaram-no de volta para a prisão do estado com outra pena a cumprir, que ele também passou na masmorra. Depois de terminar a segunda pena na prisão do estado, libertaram-no. Voltou para a cidade de Lowell onde os pais costumavam fazer compras. Havia três lojas nesta cidade. Passou os primeiros três dias ao lado das caixas registradoras, somando mentalmente os lucros do dia. Roubou as três lojas. Desapareceu num barco a motor que estava no rio que passava pela aldeia. Todo mundo sabia que fora Joe quem roubara as lojas e o barco. Eu cheguei à cidade no quarto dia. Joe estava sentado num banco olhando fixamente para o espaço. Meus colegas e eu formamos um semicírculo ao seu redor, olhando arregalados para um preso real, de carne e osso. Joe não prestou atenção em nenhum de nós.
Um pouco mais afastado, a uma duas milhas da cidade, morava um fazendeiro, com a mulher e uma filha. Ele comprara duzentos acres das terras mais férteis de Dodge County. Em outras palavras, era um fazendeiro muito rico. Para arar duzentos acres são necessários pelo menos dois homens. Ele contava com um ajudante contratado, que naquela manhã deixara o trabalho devido a uma morte em sua família. Estava voltando para Milwaukee e afirmara ao fazendeiro que não voltaria. Bem, o fazendeiro tinha uma filha de vinte e três anos que era muito atraente. Ela recebera o que se considera uma excelente educação. Tinha feito o oitavo grau. Media um metro e sessenta e era muito forte. Podia matar um porco sozinha, arar o campo, plantar centeio, cultivar milho e fazer qualquer trabalho que um ajudante podia fazer. Também era uma excelente costureira. Habitualmente fazia os vestidos das jovens noivas da cidade e as roupas de nenê. Era uma excelente cozinheira e reconhecida como a que fazia a melhor torta e o melhor bolo de toda a comunidade. Naquela manhã, quanto fui à cidade às oito horas, Edye, a filha do fazendeiro, também fora à cidade com alguma incumbência do pai. Edye amarrou o cavalo e a carroça e veio andando pela rua. Joe se levantou e barrou-lhe o caminho. Olhou-a de cima a baixo minuciosamente, e Edye ficou parada olhando Joe de alto a baixo. Finalmente Joe disse: "Posso levá-la ao baile sexta à noite?" Naquela comunidade, a cidade de Lowell, toda sexta-feira havia um baile no salão da cidade e todo mundo comparecia. Edye respondeu: "Pode, se se comportar como um cavalheiro." Joe afastou-se e Edye continuou o caminho. Na sexta à noite, Edye foi ao baile, amarrou o cavalo e a carroça, e entrou no salão. Lá estava Joe, esperando. Dançaram juntos a noite toda, ainda que isto despertasse a inveja e o ressentimento dos outros rapazes. Bem, Joe media um metro e oitenta e cinco, um homem muito robusto e de boa aparência. Na manhã seguinte, cs três comerciantes viram que as mercadorias tinham sido
devolvidas e o bote estava de novo no ancoradouro. Viram Joe tomar o caminho para a fazenda do pai de Edye. Soube-se depois que Joe pedira ao pai de Edye o emprego de ajudante. O pai de Edye respondeu: "É duro o trabalho de ajudante contratado. O trabalho começa ao nascer do sol e vai até depois do pôr do sol. Poderá ir à igreja no domingo de manhã, mas terá de trabalhar o resto do dia. Não há feriados, nem dias de folga, e o pagamento é de quinze dólares por mês. Posso arranjar um quarto no celeiro, e poderá comer com a família." Joe aceitou o cargo. Em três meses todos os fazendeiros desejavam ter contratado um homem como Joe, pois ele era, na linguagem do campo, "uma besta de carga." Trabalhava, trabalhava e trabalhava. Depois de um dia de trabalho para o patrão, ainda ia ajudar o vizinho que estava com a perna quebrada, e fazia o trabalho do vizinho também. Joe ficou muito popular e todos os outros fazendeiros lamentavam não ter um homem como Joe. Joe não era muito falante, mas era amistoso. Passado um ano, houve uma onda de boatos na comunidade. Viram Joe levar Edye para um passeio de charrete no sábado à noite. Isto era um modelo de comportamento para se cortejar uma moça, ou de "galanteio", como se dizia. Na manhã seguinte, correu outra onda de boatos porque Joe levou Edye à cidade, para a igreja. Isto só podia significar uma coisa. Alguns meses depois, Joe e Edye se casaram. Joe se transferiu do celeiro para a casa principal. Virou ajudante contratado permanente do pai, muito respeitando por todos. Joe e Edye não tinham filhos. E Joe passou a se interessar pela comunidade. Quando o filho dos Erickson anunciou que iria para a Universidade, toda a comunidade sentiu-se mal porque o garoto dos Erickson parecia um jovem fazendeiro muito promissor. Todos sabiam que a educação universitária arruinava um homem. Joe me visitou e me encorajou a ir para a Universidade, e também encorajou vários outros. Por isso alguém, como piada, colocou o nome dele na votação para o conselho escolar. Todos votaram em Joe
o que lhe deu a maioria de votos, e isto automaticamente tornou-o presidente do Conselho Escolar. Todo mundo compareceu à primeira reunião do Conselho Escolar. Cada pai, e, de fato, cada cidadão queria ver o que Joe iria dizer. Joe falou: "Vocês, camaradas, me elegeram presidente do Conselho Escolar, dando-me a maioria dos votos. Eu não sei nada sobre ensino. Sei que vocês querem que seus filhos cresçam e sejam decentes, e o melhor caminho para isto é mandá-los para a escola. Contratem os melhores professores, comprem o melhor material para as escolas e não protestem contra as taxas." Joe foi reeleito várias vezes para o Conselho Escolar. Finalmente, os pais de Edye morreram e ela herdou a fazenda e Joe procurou um ajudante contratado. Foi ao reformatório e pediu os nomes de ex-convictos promissores. Alguns ficavam um dia, outros uma semana, outros um mês, alguns trabalhavam um período maior antes de sentirem-se aptos a partir e a terem um desempenho socialmente bom. Joe morreu aos setenta anos e Edye alguns meses depois. Toda a vizinhança estava interessada no testamento. O testamento dizia que a fazenda poderia ser vendida em pequenas áreas, e as terras adicionais seriam vendidas para quem se interessasse. Todo o dinheiro iria para um fundo administrado por um banco e pelo superintendente do reformatório, para ajudar jovens ex-convictos promissores para a sociedade. Bem, toda a terapia dele consistiu em: "Você pode, se se comportar como um cavalheiro." Quando consegui em emprego de psicólogo do estado, tive de examinar todos os internos das instituições de correção e das instituições penais. Joe me parabenizou e disse: "Há um antigo relatório em Waukesha que você deve ler. Há um outro relatório antigo em Green Bay, e ainda um outro em (citou o nome das outras instituições penais.) Sabia que ele se referia aos relatórios sobre ele. Por isso li. Era o pior relatório possível. Fora um delinqüente comum durante os primeiros vinte e nove anos de sua vida. Então,
uma linda jovem lhe dissera: "Pode, se se comportar como um cavalheiro." Não foi feita mais mudança nenhuma em Joe além dessa. Ele fez as outras mudanças. O terapeuta não faz, o paciente é quem faz. Tive um paciente semelhante chamado Pete. Tinha trinta e dois anos, dos quais passara vinte trancafiado. E quando Pete saiu da Prisão do Estado do Arizona e veio para Fênix, se embebedou, pegou uma moça — uma divorciada com dois filhos, e foi viver na casa dela. Ela tinha um emprego e ele viveu às suas custas durante sete meses. Trabalhava nas tabernas como leão de chácara. Sempre ficava bêbado e se metia em brigas. E foi de taberna em taberna, sempre sendo demitido. Depois de sete meses, a moça se cansou das críticas e das suas ressacas matinais e disse-lhe: "Saia e não volte." Ele foi a todas as tabernas e implorou trabalho, mas responderam-lhe que causava muitos estragos. Voltou para a namorada e pediu-lhe uma segunda oportunidade. Ela respondeu que não. Assim, naquele mês de julho, com uma temperatura de cento e nove graus Fahrenheit, ele caminhou quase dez quilômetros da casa da moça até o meu consultório. Ela respondeu que não. Eu o atendera duas vezes antes. Logo antes da sua saída da prisão, a instituição intermediária de reabilitação dos prisioneiros enviara-o para fazer uma psicoterapia comigo. Ele ficou uma hora comigo e no final disse: "Sabe onde pode meter isto que está dizendo", e saiu. A namorada trouxe-o de volta. Ele ouviu educadamente durante uma hora e depois disse com gentileza: "Sabe onde pode enfiar tudo isto", e saiu. A namorada me procurou para uma psicoterapia. Conversamos sobre as coisas. Ela mencionou que estava impaciente para ver as filhas de dez e de onze anos crescerem e ganharem a vida nas ruas. Perguntei-lhe se queria que as filhas virassem vagabundas ou prostitutas. Respondeu-me: "Se bom o bastante para mim, é bastante bom para elas." Percebeu que eu não concordava com ela e portanto foi embora.
Depois de ser tocado do emprego, Pete andou os dez quilômetros até o meu consultório e disse-me: "O que é que o senhor estava tentando me dizer?" Passei mais uma hora falando e ele respondeu delicadamente: "Sabe onde pode meter tudo isto", e foi embora. Voltou para a namorada e pediu de novo para viver com ela, que recusou. Então Pete caminhou novamente até aqui. Foi um total de vinte quilômetros a uma temperatura de cento e nove graus Fahrenheit, e Pete estava numa ressaca terrível. Ele entrou e disse: "O que o senhor estava tentando me dizer?" Respondi-lhe: "Sinto muito Pete, mas já meti. Tudo o que tenho a lhe dizer é isto; tenho um quintal bem grande e cercado. Lá tem um catre onde você pode dormir. Se chover pode arrastá-lo para debaixo do telhado, mas acho que não vai chover. Se sentir frio de noite posso lhe dar um cobertor, mas acho que não vai fazer frio. Tem uma torneira do lado de fora onde pode beber, e de manhã, bata na porta da cozinha e minha esposa lhe dará um pouco de comida. Dirigiu-se ao portão lateral e eu disse: "Pete, se quiser que eu confisque suas botas para você não fugir, terá de me pedir." Não pediu, por isso não confisquei as botas. Naquela tarde, minha filha mais nova e minha neta de Michigan entraram de carro na garagem. Minha filha saiu e disse: "Quem é aquele homem nu até a cintura, que parece estar horrivelmente doente, e está sentado no nosso quintal?" Respondi: "É Pete, um paciente meu que é alcoólatra. Ele está meditando as coisas." Ela disse: "Ele tem uma cicatriz enorme no peito. Estou interessada em Medicina. Vou sair e falar com ele e descobrir onde arranjou aquela cicatriz." Eu respondi: "Muito bem, podem sair e falar com ele." Pete estava sentado numa cadeira no gramado, sentindo pena de si e muito solitário. Ficou contente em conversar com as meninas. E contou-lhes sua história. Não sei qual foi. Falou e falou com as meninas.
Minha filha descobriu que ele levara um tiro durante um assalto e fora levado às pressas para a enfermaria de urgência. Ele sofrerá uma cirurgia no coração, do qual * extraíram sangue diretamente, e suturaram-no novamente. Depois disso cumprira uma pena na prisão. As garotas ficaram conversando com ele até de noite e minha filha perguntou: "O que você gostaria de jantar hoje à noite, Pete?" Ele respondeu-lhe: "Gostaria de um trago mas tenho certeza de que não vou conseguir." Minha filha riu e continuou: "Não, não vai conseguir. Vou preparar um jantar para você." Ela é uma exímia cozinheira e preparou-lhe um jantar como ele nunca tivera. Pete de fato gostou. Na manhã seguinte, ela preparou aquele café da manhã e as garotas ficaram conversando com ele todo o dia. Ficaram íntimas de Pete. Passados quatro dias e quatro noites no meu quintal, Pete pediu-me permissão para ir à casa da namorada. Disse que tinha um carro velho estacionado na casa dela. Achava que poderia arrumá-lo e vendê-lo por vinte e cinco dólares. Bem, eu não tinha nenhum direito legal de manter Pete no meu quintal. Ele tinha o direito de ir c foi o que eu lhe disse. Voltou com os vinte e cinco dólares no bolso. Disse-me que queria pensar nas coisas. Passou-se a noite. Na manhã seguinte pediu para sair e procurar trabalho. Voltou com duas ofertas de trabalho. Num deles o pagamento era muito bom e o trabalho fácil, mas de duração incerta. O outro era trabalho duro, de operário numa fábrica, com bom pagamento, trabalho pesado, fixo e com muitas horas. Pete disse que queria pensar no assunto. Passou outra noite no quintal. Pela manhã disse que se decidira pelo trabalho na fábrica. Explicou que com os vinte e cinco dólares pagaria um quarto barato e os hambúrgueres e cachorros quentes até o primeiro pagamento. Na primeira quinta-feira de folga, procurou a namorada e disse-lhe: "Coloque o chapéu, pois vou levá-la par? sair." Ela respondeu: "Não vai, não. Você não vai me levar
a lugar nenhum." E Pete disse-lhe: "Vou levá-la mesmo que tenha de arrastá-la." Ela continuou: "Onde acha que vai me levar?" Ele respondeu: "Aos Alcoólatras Anônimos, ambos precisamos ir aos Alcoólatras Anônimos." Passou a freqüentar o local regularmente com a namorada. E após duas semanas, a apresentação formal de Pete foi: "Qualquer bêbado, não importa que seja o vagabundo mais inútil, pode ficar sóbrio e continuar sóbrio. Tudo o que precisa é de um catre atirado no quintal." (Risos.) E a namorada, depois de freqüentar os Alcoólatras Anônimos durante algum tempo com Pete, me procurou para uma psicoterapia. Ela decidira que as filhas iriam para a escola secundária e depois para a escola técnica aprender taquigrafia e datilografia e ganhar a vida honestamente, pois mereciam uma vida melhor do que a dela. No que é do meu conhecimento, Pete tem andado sóbrio e trabalhando duro nos últimos quatro anos, que já vão para cinco. E toda a terapia que fiz com ele foi aquela no portão. Disse-lhe: "Se quiser que eu confisque suas botas para não fugir, vai ter de me pedir." Meu trabalho na prisão estadual ensinara-me algo sobre o sentido de honra de um prisioneiro. Acho que o terapeuta não faz nada além de fornecer a oportunidade de pensar no problema dentro de um clima favorável. E todas as regras de teoria gestáltica, de psicanálise e de análise transacional... vários teóricos redigiram-na nos livros como se cada pessoa fosse igual à outra. E até onde descobri em cinqüenta anos, cada pessoa é um indivíduo diferente. Sempre trato cada pessoa como um indivíduo, enfatizando as qualidades individuais dele ou dela. Como Pete, eu apelei para o sentido de honra do prisioneiro, assim mantive-o no quintal onde ele teve de pensar. E Pete me disse que eu, minha filha e minha neta não pertencemos a este planeta. Elas são diferentes de todas as mulheres que ele já viu. Não pertencemos a este planeta. 'Erickson sorri.)
Dois anos depois, minha filha veio da escola de Medicina para casa e disse: "Quero examinar o coração de Pete." Chamamos Pete e ele veio. Ela fez um exame cardiológico nele o mais minucioso possível, tomou-lhe a pressão arterial e disse-lhe: "Está normal, Pete." Ao que ele respondeu: "Eu poderia ter-lhe dito isto primeiro." (Erickson sorri.) O passado não pode ser modificado. O insight do passado pode ser educativo. Mas o paciente está vivendo no agora. Cada dia traz uma mudança na sua vida. Pensem só nas mudanças deste século. Em 1900 viajavase a cavalo ou de trem. Alguém que pensasse em ir à lua seria trancafiado no manicômio. Disseram a Henry Ford para comprar um cavalo. E também que "esta motocicleta a gasolina nunca substituirá um cavalo." Muito se discutiu quanto ao progresso das estradas de ferro neste país. Li um bocado de propaganda contra as ferrovias na biblioteca de Boston. Mas conseguimos uma ferrovia. E agora temos carros. Quando a primeira linha de ônibus começou a funcionar, houve muito preconceito contra os ônibus. Agora existem várias linhas de ônibus em funcionamento. Nos anos 20, achavam que o doutor Goddard devia ser trancafiado num hospício porque falava de um foguete que iria à lua. Em 1930 li um artigo científico escrito por um físico, que provava que um avião que voasse mais rápido que o som se desintegraria em moléculas junto com o piloto. Atualmente temos aviões a jato que rompem a barreira do som, o piloto continua vivo e o avião não sofre nenhum dano. Recentemente, descobri que se leva uma ou duas semanas para consertar um carro numa oficina no quarteirão vizinho. Mas, caso se queira consertar uma máquina muito complicada no planeta Marte, só é necessário uma semana. (Erickson sorri.) Siegfried: (Olha interrogativamente.) E: No planeta Marte é possível consertar uma máquina muito complicada num fim de semana. Siegfried: Que tipo de máquina?
E: O Mariner que aterrisou em Marte. Siegfried: Entendi. E: E na garagem do outro quarteirão demora uma semana. Jane: O senhor está dizendo que quando lida com pacientes, prefere não olhar para o passado, o senhor simplesmente os toma no ponto em que estão no momento? E: É sim, eu os tomo no ponto em que se acham agora. É onde viverão hoje. Amanhã vão viver no amanhã, na próxima semana, no próximo mês e no próximo ano. Você também pode esquecer seu passado. Da mesma maneira que esqueceu como aprendeu a ficar de pé, como aprendeu a andar, como aprendeu a falar. Você se esqueceu de tudo isto. E no entanto houve uma época em que você dizia (soletra as letras.) "A-b-o-r-r-e-c-e-r, a . . . b o . . . b o . . . aborrecer." Agora você lê uma página após outra e nem pensa na identificação das sílabas nem nas letras, nem na pronúncia. Quando ela leu a carta (aponta para Jane), fez as citações assim. (Erickson gesticula com a mão, fazendo o sinal de aspas com os dedos.) Levou muito tempo para lembrar-se da pontuação correta. Agora você. . . (Erickson faz novamente o gesto de aspas.) Jane: Então o senhor acha que a mesma coisa vale tanto para o desenvolvimento emocional da pessoa quanto para o desenvolvimento fisiológico e lingüístico? E: Joe teve um péssimo desenvolvimento emocional durante vinte e nove anos e Edye disse: "Pode, se se comportar como um cavalheiro." Jane: Então ele tomou este tipo de decisão. E: Quantas decisões como esta você toma na vida? Siegfried: Só umas duas. E: Duas? Uma porção. E não precisa saber como aprendeu a ficar de pé, nem como aprendeu a atravessar a rua. E nem mesmo sabe como atravessa a rua. Nem sabe se caminha Você apenas caminha, automaticamente. Ouço meus alunos perguntando sobre escrita automática hipnótica. Todos vocês já fizeram escrita automática. Sei disso, embora vocês me sejam desconhecidos. Posso dizer,
por exemplo, que você já fez uma escrita automática (Erickson olha para Jane.) E você sabe que eu estou certo. Em janeiro passado você escreveu 1978. Cada janeiro, automaticamente, escrevemos a data do ano passado. E isto automaticamente. Recebo vários cheques datados com o ano errado, a cada janeiro. E de vez em quando estou falando ou pensando num aluno enquanto autografo um dos seus livros, e acabo colocando a data de "1953" ou "1967". Porque quando estava falando com a pessoa, me lembrei de algo que me aconteceu em 1953 ou 1967. Quando estava autografando o livro coloquei tal data porque estava pensando naquela pessoa. E pensando naquela pessoa, pensei no ano que foi importante para ela. Todos nós fazemos uma porção de coisas automaticamente. Bem, algumas pessoas aprendem a fazer a escrita automática imediatamente. E outras acham que é algo que se tem de aprender. Então eu lhes digo para botar o lápis sobre o papel e a observar a mão começar a se mover. Haverá movimentos para cima e para baixo e movimentos curvos. Logo há uma levitação da mão — a pessoa faz a mão levitar. Algumas pessoas, muitas, acham que para aprender a escrita automática devem passar pelo mesmo processo de aprendizado da escrita comum. Assim demonstram a crença. A maioria dos doentes neuróticos é de pessoas que se sentem inadequadas e incompetentes. Mas será que realmente mensuraram a competência? Acho que cada um de vocês tem experiência de trabalho para conseguir um primeiro transe. Ficam pensando: "Será que estou fazendo direito? Será que ele está respondendo direito? Qual a próxima coisa a fazer?" Bem, tomemos alguém que eu não conheça realmente. (Erickson olha para uma mulher e depois dirige-se a Siegfried.) Que tal trocar de lugar com ela? (Erickson está olhando para baixo e diz.) Já esteve em transe?
A mulher: Sim, o senhor já me colocou em transe. (Ela toca E. no braço.) E: Bem, então escolha alguém que eu nunca tenha colocado em transe. A mulher: O senhor pode escolher a Bonnie. (Bonnie é uma terapeuta de Fênix). E: (Para a mulher.) Troque de lugar com ela. (Bonnie senta-se.) Bem, em primeiro lugar quero que percebam que não pedi a ela para se sentar nesta cadeira. (Erickson aponta para a cadeira. Bonnie faz que sim com a cabeça.) Só pedi a ela para sentar naquela cadeira. Você está aqui, mas não foi a você que eu pedi para vir aqui, foi? Bonnie: Não. E: Você está em transe? (Bonnie sorri.) Está? Bonnie: Acho que estou numa espécie de transe leve. (Faz que sim com a cabeça.) Sinto-me calma e relaxada. (Faz que sim com a cabeça.) E: Você diria que está em transe? (Bonnie faz que sim com a cabeça.) Ela é uma pessoa agradável. (Erickson levanta a mão direita de Bonnie e deixa-a suspensa no alto, catalepticamente.) Hoje é o primeiro dia que você me vê, não é? Bonnie: Hã-hã. E: Você costuma deixar que estranhos peguem o seu braço e o deixem no ar? Bonnie: Não. (Sorri.) E: Você não pode me provar isto. (Erickson ri.) Quanto tempo acha que vai demorar para fechar os olhos? Bonnie: (Pisca os olhos.) Acho que vou fechá-los agora. E: Vá em frente. Vai se sentir entrando num transe... muito agradável. Entre profundamente em transe. . . (Bonnie abaixa a mão.). . . com facilidade. E quanto melhor se sentir, mais profundamente entrará em transe. E não estará só, haverá outros em transe. O resto de vocês pode olhar em volta, e ver quantos pararam com a mobilidade motora que acompanha o estado de vigília — todos vocês demonstram uma atividade psicomotora reduzida. Olhe nos olhos deles, não apresentam o
piscar de olhos normal e habitual. Têm um piscar de olhos... diferente. (Erickson dirige-se a Siegfried.) E você está achando difícil manter os olhos abertos. (Erickson balança a cabeça devagar e com insistência.) Então pode também fechá-los agora e mantê-los fechados. (Erickson continua a balançar a cabeça.) Bem fechados e sentindo-se muito bem. (Siegfried fechou os olhos.) E você aprende mais rápido em transe do que em estado de vigília. Não pode ensinar ao seu inconsciente, usando sua mente consciente. Bem, tudo o que eu lhes disse vai voltar à mente transposto na própria maneira de cada um compreender as coisas. E, no futuro, vão descobrir súbitos insights, súbitas compreensões, um pensamento súbito que não lhes ocorrera antes. Vai ser a mente inconsciente de vocês, alimentando as coisas da mente consciente que vocês já sabiam, mas não sabiam que sabiam. Porque todos nós fazemos o nosso aprendizado da nossa própria maneira. Joe aprendeu só de olhar Edye de alto a baixo, e tudo mudou na vida dele. Pete descobriu isto sentado no quintal. (Bonnie abre os olhos.) Ele não percebeu o quanto eu entendia da honra dos presos, mas caiu na armadilha. E ele mudou a própria mente, saindo de toda uma vida de destruição social. Agora vou lhes contar uma história. Luisa Colosso era um leão de chácara, na época da lei seca, nos botequins de Providence, Rhode Island, em 1930. Luisa "Colosso" media uns dois metros e era toda músculos e osso. Trabalhava como "leão de chácara" dos botequins. E tinha uma pequena distração. Saía andando à noite. Se encontrava um policial sozinho, esmurrava-o e mandava-o para o hospital. Esta era a sua distração. O chefe de polícia de Providence cansou-se de tanto Luisa Colosso mandar seus subordinados para o hospital. Assim, foi à corte judicial e fez com que a mandassem para um asilo de loucos tão perigosos como ela mesmo. Ela não gostou nada disso. Ficou lá por seis meses. Sabia que não era louca. Não via nada de errado com sua d sír3;
çãozinha. Eram só policiais o que ela esmurrava. Então ela descontou no hospital, causando danos mensais de quinhentos dólares na enfermaria. O Superintendente sentiu-se arrasado com o fato pois o orçamento do hospital não supria mais fundos para os ataques de fúria de Luisa Colosso. Falou sobre este assunto comigo certa manhã; contou-me tudo sobre Luisa Colosso. Perguntei-lhe se poderia tratar dela e que restrições ele me faria. Disse-me ele: "Pode fazer o que quiser, exceto matá-la." Fui à enfermaria — eu fora designado para a enfermaria masculina e me apresentei a Luisa Colosso. Disse-lhe que antes que ela tivesse um novo ataque, gostaria de sentar-me com ela num banco e que conversasse comigo. Luisa respondeu: "O senhor quer é que eu fique parada enquanto vinte auxiliares se amontoam a meu redor e me dominam." Respondi-lhe: "Não, Luisa, só quero conversar com você. Depois de uns quinze minutos, pode fazer o que quiser, ninguém vai interferir." Um dia, a enfermeira me chamou e disse: "Luisa Colosso quer vê-lo." Luisa estava caminhando de um lado para outro diante da cama. Eu lhe disse: "Sente-se e converse comigo." Ela respondeu: "O senhor vai chamar os auxiliares para virem correndo dominar-me?" Eu disse: "Ninguém vai interferir com você. Apenas sente e converse comigo sobre o inverno na Nova Inglaterra." E assim, Luisa sentou-se cheia de suspeitas. Depois de uns dez minutos fiz sinal para a enfermeira. (Erickson acena com a mão para cima e para baixo.) Mas Luisa não viu. A enfermeira deu um telefonema e umas doze ou umas vinte enfermeiras vieram correndo para a enfermaria. Uma pegou a cadeira e começou a arrebentar as janelas do lado oeste. Quatro das auxiliares, rindo muito, correram para uma mesa. Cada uma pegou uma perna da mesa e arrancou-a. Outra arrancou o telefone da parede. Começaram realmente a arrebentar tudo. Eu lhes dissera minuciosamente o que tinham a fazer e todas davam risinhos e gargalhadas.
Luisa Colosso saltou da cama e disse: "Não façam isto, meninas. Não façam isto, por favor, não façam." As garotas continuaram. Luisa continuou pedindo para pararem, porque não gostava de ver o próprio comportamento. Foi a última vez que Luisa causou algum estrago. Dois meses depois, Luisa Colosso me procurou. Disseme então: "Doutor Erickson, não suporto viver na enfermaria com todas essas loucas. Poderia me arranjar um trabalho na lavanderia do hospital?" Bem, anteriormente haviam experimentado Luisa na lavanderia, mas ela causara uma porção de estragos por lá. E assim fora impedida de ir para a lavanderia. Respondi-lhe: "Bem, Luisa, vou conseguir um trabalho para você na lavanderia." Entendíamonos bastante bem. Luisa fez um trabalho tão bom na lavanderia que se tornou a chefe de lá. Foi dispensada como paciente e contratada como empregada. Ora, um carpinteiro de um metro e noventa de altura, que trabalhava na manutenção do hospital, olhou para Luisa Colosso e gostou de olhar para ela. E assim, se casaram. Durante quinze anos, no que é do meu conhecimento, Luisa dirigiu a lavanderia fazendo um trabalho muito bom. O carpinteiro se deu muito bem com ela. É claro que Luisa e o carpinteiro, nos fins de semana, sempre tinham uns episódios de bebedeiras e brigas normais de família. Tinham brigas domésticas, mas não brigavam com mais ninguém. Eram bons empregados. Bem, não sei o que aconteceu no passado de Luisa para fazê-la crescer desta maneira. Não deixei que ela olhasse para o seu comportamento pregresso. Ela fez como aconselha os Corintios, 12: "Quando eu era criança, agia como criança, falava como criança. Agora que virei um homem, pus de lado as coisas infantis. Falo como homem e ajo como homem." Fiz Luisa dar uma boa olhada no comportamento infantil que estava tendo. Foi o bastante. Fiz com que ela visse o comportamento infantil que estava tendo através do comportamento de outras pessoas que deveriam agir melhor. Foi tudo o que foi preciso.
Acho que os manuais de terapia tentam impressionar-nos com inúmeros conceitos. Conceitos que a gente deveria buscar nos pacientes, e não nos livros, porque os livros nos ensinam que temos que fazer as coisas de certa maneira. Usa-se " m " e " n " antes de " p " e de " b " , como nas palavras "campo", "bambo" e "tambor". Mas há exceções. Para cada regra há uma exceção. Acho que a verdadeira psicoterapia (Erickson olha para Bonnie.), é saber que cada paciente é um indivíduo único e diferente. (Erickson dirigindo-se a Bonnie.) Gostou do transe? Bonnie: Ótimo. E: Bem, eu não a despertei, porque queria que você ilustrasse certo ponto. Você ficou em transe o tempo que quis. Por que ficaria mais tempo, a menos que houvesse uma finalidade? Eu fiz você entrar em transe sem finalidade. (Erickson olha para baixo.) Uma vez eu hipnotizei uma assistente em São Francisco para demonstrar um fenômeno hipnótico. Disse-lhe para acordar. Ela apresentava todo o aspecto de estar bem desperta. Todo mundo achava que ela estava acordada. Nas duas semanas seguintes, ela continuou em transe noite e dia. Então, numa outra viagem para São Francisco, encontrei-a de novo. E ela já estava acordada. Eu lhe disse nesta ocasião: "Você não acordou quando eu lhe disse para fazê-lo. Se acha que posso saber, gostaria de saber por que ficou em transe?" Respondeu-me: "Fico contente de lhe dizer. Vinha mantendo um caso com meu patrão e a esposa dele recusara-se a lhe dar o divórcio. Achei que se ele quisesse ter um caso comigo, ou pedia o divórcio ou se mantinha fiel à mulher. Entrei em transe. No transe sabia que podia dizer a ele exatamente o que eu sentia. Mas, nesta época, a esposa decidira que não queria mais continuar casada com ele. E pediu divórcio por sua própria conta, e nos seus próprios termos. Meu patrão contou-me. Então eu soube que já podia sair do transe. Agora estamos casados. A sua esposa está feliz, eu estou feliz e o dentista também.
Uma outra vez hipnotizei duas assistentes dentárias em Los Angeles. Percebi que não saíram do transe quando mandei, mas pareciam estar fora de transe para todos os demais. Assim, eu sabia que elas tinham alguma razão para ficarem em transe. Duas semanas depois dei Uma aula no mesmo lugar. As duas assistentes estavam presentes. Por isso, tive uma conversa privada com elas e perguntei-lhes: "Por que razão vocês estiveram em transe durante duas semanas?" Elas responderam: "Estamos fazendo uma experiência. Queríamos saber se podíamos trabalhar tão bem em estado de transe quanto em estado de vigília. E se o senhor achar que duas semanas é o bastante para demonstrar este ponto, vamos, despertar agora." Disse-lhes que qualquer sujeito hipnótico pode trabalhar tão bem em estado de transe quanto em estado de vigília, provavelmente melhor, uma vez que há menos distrações. Se o meu motorista estivesse me levando de carro no meio de um trânsito perigoso, eu o colocaria num transe profundo. Desejaria que ele prestasse atenção aos problemas do trânsito. Não desejaria que ele, num dia de chuva, olhasse para a saia de uma moça levantada pelo vento. Gostaria que ele prestasse atenção a todos os problemas do trânsito e não visse mais nada. Não ia querer que ele prestasse atenção à conversa no carro. Nem que ele se distraísse com outras coisas fora do seu trabalho de dirigir — nada que o distraísse, afora os problemas de dirigir. Uma de minhas noras agonizou dois anos pensando no exame de demonstração de tese. Tinha certeza de que não passaria no exame. O marido lhe disse que ela passaria facilmente. E eu lhe disse: "Por que razão minha nora deveria acreditar no marido? Ele não sabe de nada. Bem, por que razão minha nora deveria acreditar no sogro? Ele também não sabe de nada." Ela sabia o quanto era difícil o exame de mestrado. Mas veio me procurar em busca de ajuda, e eu lhe disse: "Entre em transe e esqueça tudo sobre o exame de mestrado, porque certo dia num futuro muito próximo você
entrará numa certa sala da Universidade do Arizona. Verá algumas perguntas mimeografadas e alguns volumes de publicações oficiais. Procure um lugar confortável. Não preste atenção a ninguém e aproveite para sonhar com uma viagem de férias para a Nova Inglaterra, ou com sua viagem de férias para a Carolina do Sul, e outras viagens de férias para outros lugares. Mas de vez em quando poderá notar que sua mão esteve escrevendo e que você não está interessada no fato." Naquele dia ela voltou da Universidade sem se lembrar de que estivera lá. Duas semanas depois, conferiu o correio e disse ao marido: "Há algo de muito errado nisso. Aqui está uma carta oficial do registro dizendo que passei no exame de mestrado e eu ainda nem o fiz." Meu filho disse: "Espere mais alguns dias e talvez o escrivão lhe mande seu diploma de mestrado". Ela perguntou: "Como pode ser possível? Eu ainda não redigi a minha tese de Mestrado." Mas ela não tinha de saber que já o fizera. Quem tinha de saber era o escrivão do registro. Que horas são? Christine: Quatro e vinte. Erickson: A quantia de afeto no coração é o tormento de quem trabalha muito tempo. Há novatos hoje. (Dirigindo-se a uma senhora.) A senhora acredita na lâmpada de Aladim? (Risos gerais. Dirige-se a outra pessoa.) E você? (Erickson leva os novatos para ver a coleção.
SEXTA-FEIRA
Nota: Sid Rosen, psiquiatra de Nova Iorque e há muito tempo colega de Erickson, está presente à sessão de hoje. Está sentado na cadeira verde. E: Minha esposa e eu estávamos falando de um certo problema esta manhã — sobre a orientação que recebemos no início de nossa vida. Comentamos a diferença entre a orientação para a vida que uma criança da cidade recebe, e a orientação para a vida que uma criança do campo recebe. A criança do campo é orientada para levantar cedo e trabalhar todo o- verão até depois do pôr do sol, e trabalha com os olhos, voltados para o futuro. Planta-se, espera-se que cresça e faz-se a colheita. Tudo o que se faz numa fazenda é orientado para o futuro. A criança da cidade é orientada para as coisas que acontecem agora. E na sociedade de consumo de drogas a orientação para o agora é muito comum. Sempre que atenderem aos pacientes devem considerar de fato: "Que tipo de orientação eles têm?" "Estarão de fato antecipando algo para o futuro e olhando para a frente?" Um garoto do campo naturalmente olha para o futuro.
Vou lhes dar um exemplo da minha própria experiência. Passei certo verão revolvendo uma área de acres de terra. Meu pai arou a terra naquele outono. Arou-a novamente na primavera seguinte e plantou aveia. A aveia cresceu bem e esperávamos uma excelente colheita. Quando o verão já estava adiantado, fomos numa tarde de quinta-feira ver como a plantação estava indo. Meu pai examinou os talos de aveia e disse: "Rapaz, não vai ser só uma safra cheia, de trinta e três alqueires por acre. Vão ser pelo menos uns cem alqueires por acre, e vão estar prontos para a colheita na próxima segunda." Enquanto voltávamos caminhando para casa, pensando nos mil alqueires de aveia, e no que isto significava para nós financeiramente, começou a chuviscar. Choveu durante toda a quinta-feira, toda a sexta-feira, toda a noite de sábado e todo o dia de domingo. Na manhã de domingo cedinho parou de chover. Quando finalmente conseguimos patinhar pela água até o campo, vimos que este estava inteiramente arrasado. Não havia sequer um talo de aveia. Meu pai disse: "Espero que haja bastante talos de aveia maduros para que se disseminem. Assim teremos pasto para o gado neste outono. E o ano que vem é outro ano." E esta é realmente uma orientação para o futuro, e é muito necessária no trabalho do campo. Bem, o menino da cidade tem uma orientação para o "agora". Habitualmente obtém sua orientação para o futuro um pouco antes que o menino da fazenda. O menino do campo recebe, neste sentido, uma orientação que é mais consistente em todo o seu processo. Ainda tem de plantar as aveias agrestes, e habitualmente ele as planta um pouco mais tarde que o menino da cidade. O garoto da cidade age no agora e o menino da fazenda aguarda. Nas culturas de drogas não parece haver nenhuma orientação para o futuro. Sabe-se que alguém morreu por excesso de drogas, mas isto só quer dizer que o traficante lhe deu uma dose maior de heroína. E então todos querem descobrir o mesmo traficante para conseguir uma picada mais forte, um efeito melhor. E os que tiveram uma psicose
ou uma crise psicótica com o Pó de Anjo, assim mesmo tomarão uma.segunda dose do pó, e terão mais uma psicose -e até mesmo uma terceira psicose. Leva muito tempo para terem alguma orientação em direção ao futuro. Bem, solicitaram que, pelo menos em parte, eu trate do crescimento e desenvolvimento da vida do indivíduo. (Nota: Antes da sessão, pedi a Erickson que incluísse este debate na aula. de sexta-feira.) Ora. o sexo é um fenômeno biológico. É um assunto local para o homem, não faz nascer nem um pêlo a mais. É uma experiência local para ele. Para uma mulher, a experiência sexual, biologicamente completa, significa engravidar nove meses de gravidez, parto, amamentação do bebê de seis a nove meses, e depois criá-lo durante uns dezesseis ou dezoito anos em nossa cultura. Quando a mulher começa uma vida sexual ativa, a primeira coisa que acontece é uma mudança do seu sistema endócrino. O cálcio modificà-se no esqueleto. A cor do fio do cabelo costuma mudar ligeiramente, as sobrancelhas ficam um pouco mais proeminentes. O nariz aumenta um milímetro ou uma fração de milímetro de comprimento. Os lábios ficam um pouco mais cheios. O ângulo da mandíbula muda. A pele fica um pouco mais pesada. As partes carnudas do peito e dos quadris ou aumentam ou ficam mais densas, e o centro de gravidade muda. Em resultado disso ela fica com uma postura corporal diferente. O andar fica diferente. A maneira de balançar o braço quando anda, e a maneira de colocar o corpo se alteram completamente. E se você aprender a observar, poderá reconhecer estas mudanças quase que imediatamente. Porque biologicamente, todo o corpo participa dela. Nós observamos o crescimento, o aumento da gravidez e vemos o corpo da mulher aumentar. Muda durante toda a gravidez, durante toda a amamentação. Tive uma irmã que durante treze anos tentou desesperadamente engravidar. Como eu era seu irmão, ela achava que eu não entendia nada de Medicina, o que não é raro entre irmãos. Assim, tentou ser a mãe de criação de :
várias crianças recém-nascidas, dando-lhes um lar até serem adotadas. Ela não queria adotar uma criança. Finalmente, depois de tentar ser mãe de criação de recém-nascidos durante dez anos, até que eles completassem um ano, pediu-me um conselho. Eu simplesmente disse: "Você tem tentado engravidar. Mas há algo que está lhe faltando. Se você adotar um filho para que possa sentir realmente uma sensação física de posse, e dotar esta criança de um significado físico para você — um significado físico específico — não sei como descrever de outra forma.. . adote um filho e dentro de três meses você estará grávida." Ela adotou um filho em março, e em julho engravidou. Depois disso engravidou várias vezes. Mencionei anteriormente, ainda nesta semana, que na época em que fui trabalhar no Worcester State Hospital, o doutor A. me pegou de lado, chamou-me ao consultório e disse-me: "Sente-se Erickson." E continuou: "Erickson, se você está interessado em Psiquiatria, está feito. Você manca muito. Não sei como foi isto, mas comigo aconteceu na Segunda Guerra Mundial. O fato de você ser manco é de infinito valor para você na Psiquiatria, porque evocará um sentimento maternal nas mulheres e elas rapidamente confiarão em você. Quanto aos pacientes masculinos, como psiquiatra você não despertará medo, nem hostilidade, nem raiva, pois é apenas um manco. Não será reconhecido como homem. Será apenas um aleijado, uma pessoa segura, em quem se pode confiar. Por isso, caminhe com rosto impassível, boca fechada, olhos abertos, e espere para formar sua opinião até ter alguma evidência de fato, que sustente suas inferências e opiniões. Bem, no que toca ao crescimento e ao desenvolvimento sexual do indivíduo, um bebê recém-nascido é extremamente ignorante. Tem um reflexo de sucção e pode chorar. Mas é um choro sem significado. Constitui, acho eu, o desconforto que sente no novo ambiente. Depois de algum tempo o bebê percebe que de vez em quando ocorre uma sensação desagradável de molhado
frio. Finalmente a criança aprende a associar uma sensação à outra. Pegamos um bebê que está com fome, fazemos um afago na sua barriga, e o colocamos de volta na cama. Se o bebê pudesse pensar, pensaria o seguinte: "Que jantar maravilhoso, revigorante." Então começaria a dormir até uma nova contração de fome. Então, caso pudesse pensar, pensaria o seguinte: "Esta refeição não encheu minha pança muito tempo." Aí nós o pegaríamos pela segunda vez, e, desta vez lhe daríamos uma palmadinha nas costas e ele se sentiria estimulado e reconfortado. Colocando-o de volta na cama, ele começaria a dormir até sentir novas dores de fome. E então começaria a berrar por comida, pois a palmadinha nas costas não foi uma refeição bastante boa para encher a pança por muito tempo. Depois de algum tempo, a mãe começa a perceber que o choro sem significado adquire um sentido que quer dizer: "Estou com fome. Estou sentindo frio. Estou molhado. Estou me sentindo sozinho. Quero um afago. Quero um embalo. Quero atenção." Cada choro é diferente, conforme a criança comece a compreender várias coisas. Muitas mães tentam treinar os filhos para usar o urinol, mas começam muito cedo. Se começarem cedo demais podem condicionar de fato a criança a usar o urinol. Mas logo o treinamento falha e a mãe não consegue entender o fato. Habitualmente a criança está deitada sobre um cobertor no chão ou dentro do cercado, e, de súbito, senta-se e olha em redor. (Erickson demonstra.) Parece muito estranha e a mãe diz: "Johnny vai fazer xixi." Corre para pegá-lo e coloca-o no pinico. Johnny descobre o terceiro elemento que o avisa que vai urinar, a pressão pélvica. Não sabe onde localizar esta pressão, fica apenas olhando em torno do quarto. Assim, quando a criança reconhece a pressão pclvica, sabe que vai ocorrer a sensação de molhado quente e em seguida molhado frio, então ela anuncia o fato. Ora, um detalhe sobre criança é que habitualmente ela não está familiarizada com seu corpo. Não sabe que suas
mãos são suas. Não sabe que as está mexendo. Não reconhece seus joelhos nem seus pés como seus. São apenas objetos. Assim, precisa tocá-los várias vezes. E aprender a reconhecer o próprio corpo é algo realmente difícil. Eu sei o quanto é difícil. Aos dezessete anos, quando fiquei totalmente paralítico e capaz apenas de mexer os olhos — não sucedeu nada de errado nem com minha audição nem com o pensamento — a enfermeira que cuidava de mim colocava uma toalha sobre o meu rosto para que eu não pudesse enxergar. Então tocava na minha mão e pedia-me para lhe dizer onde estava me tocando. Eu tinha de adivinhar qual era a perna esquerda, a perna direita, o abdômen, minha mão, a mão direita, a mão esquerda e mesmo o rosto. Levou muito tempo, muito tempo mesmo para aprender onde estavam meus dedos dos pés ou mesmo os meus pés, e para reconhecer as partes do meu corpo. Tive de fazer um bocado de experiências de olhos fechados antes de poder reconhecê-las. E assim aprendi a compreender e sentir empatia com o que se passa na mente infantil. Bem, um bebê atinge o estágio de desenvolvimento quando pega um chocalho, agita-o, ou lida com um brinquedo. Um dia, ele vê um objeto gozado e tenta pegá-lo. É uma experiência surpreendente porque um chocalho não se afasta da gente. Nem se desloca subitamente para o lado. Finalmente, um dia, consegue tocar a mão colateral e o olhar de espanto no rosto da criança é algo maravilhoso de se ver. Porque ela toca isto. . . (Erickson toca a mão direita com a esquerda.) Sente uma estimulação dorsal e palmar na mão e estes estímulos parecem ter alguma conexão. A criança aprende a alcançar uma das mãos com a outra mão (Erickson demonstra), muito mais rápido quando conseguem localizar uma delas. Então, a gente vê a criança examinar com curiosidade cada dedo e aprender que fazem parte disso e daquilo. . . (Erickson toca o pulso direito, o antebraço e o cotovelo) e que estão relacionados com isto até acima no ombro.
Observei cada um de meus oito filhos descobrir a própria identidade física. Todos seguiram o mesmo padrão geral. Alguns tomaram conhecimento das mãos antes de conhecerem as pernas. Outro fato sobre uma criança recém-nascida: a cabeça tem um sétimo do tamanho do corpo. O corpo da criança vai sc alongando e o bebê só pode levantar a mão até a cabeça. É uma coisa curiosa na experiência da criança. (Erickson demonstra tocando sua cabeça.) Bem, o pai e a mãe sentem muito orgulho de ensinar ao bebê: "Mostre o seu cabelo, sua testa, seus olhos, seu nariz, sua boca, seu queixo, sua orelha." Os pais habitualmente cuidam para que a criança aprenda as coisas com a mão direita para que vire destra. Johnny de fato não sabe onde ficam as orelhas, porque tudo o que aprendeu com os pais foi "para cima, em frente e para baixo, do mesmo lado que a mão." (Erickson toca o lado esquerdo do rosto com a mão esquerda.) A aprendizagem contralateral é de fato algo bem diferente. (Erickson toca o ouvido direito com a mão esquerda.) Os pais acham que a criança sabe de fato onde ficam as orelhas. Quando observamos o bebê, vemos ele levantar a mão até aqui cm cima, e tocar o ouvido direito. Percebemos o olhar de espanto no seu rosto como se dissesse: "Então é aqui que fica a minha orelha." E tem de aprender onde fica a orelha contralateral com a outra mão. (Erickson demonstra.) E é algo muito interessante observar o bebê se tatetando do alto da cabeça até a ponta da orelha, contralateralmente. Ele ainda não sabe onde ficam as orelhas até conseguir botar a mão atrás da cabeça e tocar a orelha contralateral (Erickson demonstra.) E, com uma súbita surpresa, o bebê diz a si mesmo: "Então é aqui que fica a minha orelha." Ele tem de aprender isto partindo da frente, partindo de baixo, de cima e de trás. Só então fica certo do seu conhecimento. Há muitas outras coisas para aprender. O bebê está no berço e o pai e a mãe ficam olhando para ele de cima e todo o movimento se passa em cima. (Erickson demonstra.)
Meu filho Robert voltou para casa depois de passar alguns meses no hospital devido a um acidente de trânsito. Quando finalmente retirou o gesso, ficou deitado num leito, em casa. Rolava de bruços e olhava para o chão. Dizia: "Papai, o chão está tão longe quanto o teto. Tenho medo de tentar me levantar." Respondi-lhe: "Você aprendeu a distância até o teto. Agora tem de aprender a distância até o chão." Levou vários dias para ele aprender a avaliar a distância. (Erickson demonstra, olhando para o alto, olhando para baixo e avaliando a distância do chão até o teto.) E, no caso de um bebê em crescimento, a cabeça é deste tamanho. (Erickson demonstra.) E vão ficando cada vez mais compridas. As mãos atingem aqui em baixo e depois mais um pouco e mais ainda. (Erickson começa com a cabeça e depois vai descendo a mão esquerda em direção ao joelho.) Por isso a distância relativa entre as várias partes do corpo difere quase que diariamente, ou pelo menos de semana para semana. Lembro-me de um garoto dizendo: "Mãe, fique de costas com as minhas costas. Quero ver a minha altura." Ele estava alguns centímetros mais baixo do que a mãe. Duas semanas depois, voltou a comparar sua altura com a mãe. Estava mais alto do que ela. Estava naquele ponto que podemos chamar de "estágio de desajeitado". Seus músculos eram os mesmos, mas os ossos estavam mais longos. Usava os músculos com a mesma força mas com uma alavanca maior. Os pais chamam este período de "desajeitado". É a época do crescimento. E o pequeno Johnny tem de localizar e identificar cada parte de seu corpo. É uma surpresa para ele verificar que urina pelo pênis. Antes, era apenas uma sensação de molhado quente. Logo que começa a caminhar, quer usar o banheiro de pé como o papai. Molha o banheiro inteiro e fica intrigado com isto. Recebe uma lição elementar: "Quando urinar oriente o pênis na direção." Aprende a usar o vaso para urinar. Faz parte da luta.
Depois tem de aprender o tempo em relação à urina. Descobre que é mais fácil ir do corredor para o banheiro, e mais difícil chegar a tempo se for da sala ao banheiro, e ainda mais difícil se sair da cozinha; muito mais difícil se for da varanda ou da porta dos fundos ou do quintal até o banheiro. Finalmente aprende a fazer os descontos de tempo para chegar ao banheiro. Então recebe a segunda lição tremendamente importante para o futuro. Chega ao banheiro a tempo mas já há algum adulto ocupando o lugar. Assim, acaba molhando as calças. (Erickson ri.) A mãe acha que ele fez isto de propósito, mas o menino fez isto porque não sabia a importância do ato de urinar em relação à população em geral. (Erickson ri.) Ora, todos estes aprendizados ocorrem de modo fragmentário. A criança aprende que há um aspecto social no ato de urinar. Outra coisa: quando Johnny já está completamente treinado nos hábitos de controle higiênico, a mãe coloca-lhe uma roupa nova e lhe diz: "Fique sentado quieto na cadeira, não se mexa, não se suje. Nós vamos à igreja." Johnny molha as calças. Por quê? Bem, ele colocou uma roupa nova e onde diabos estará localizado seu pênis em relação às novas roupas? A mãe deveria levá-lo ao banheiro e fazer com que localizasse o pênis em relação à roupa nova. Em vez disso a mãe acha que Johnny está fazendo de propósito. Sabe que ele já está totalmente treinado mas se esqueceu do fato de que está usando uma roupa nova. E onde diabos está o pênis dele nesta roupa nova? Vou contar-lhes uma linda história para ilustrar este ponto. Um general estava fazendo a revista de um centro de mulheres no exército e disse-lhes: "Encolham a barriga e não usem seus lenços nos bolsos das blusas." (Erickson ri.) Alguém deveria dizer-lhe que aquilo não eram lenços. (Erickson ri.) Mas a gente se esquece de tantas coisas. . . quando cresce. Bem, Johnny aprendeu a entrar a tempo no banheiro. Aprendeu a orientar o fluxo de urina, e aprendeu que é preciso fazer previsões sociais para a urina, que urinar
não se limita ao banheiro de casa, embora algumas pessoas tentem fazer assim. Vou contar-lhes uma história. Duas famílias moravam uma ao lado da outra, na rua da escola. Uma das famílias tinha um menino e a outra tinha uma menina. As duas famílias possuíam um negócio de família. Quando os filhos se formaram no primeiro grau os pais venderam as casas e compraram outras na rua do novo colégio. O filho e a filha se formaram no segundo grau e não foram para a Universidade. Acabaram sendo absorvidos pelos negócios de família, e, para o gosto dos pais, se apaixonaram um pelo outro. Numa certa noite casaram-se e os pais ofereceram uma linda festa de casamento. As duas famílias alugaram um apartamento para o jovem casal, mais ou menos a uma milha e meia de distância. Às dez e meia da noite, foram para o novo apartamento, despiram-se para ir para a cama, e o inferno desabou. Cada um estava habituado a voltar da escola para casa e usar o banheiro de casa. Aquele era um banheiro estranho. Nunca tinham usado um banheiro estranho na vida. Sempre usavam o de casa. Assim, tiveram de se vestir, voltar para casa e usar o banheiro de lá. Consumaram o casamento, mas na manhã seguinte tiveram de voltar para casa e usar o banheiro a que estavam habituados. Então me procuraram para aprender como se usa uma "privada" estranha. Tive de ensiná-los que se pode urinar em qualquer lugar que seja possível e com a privacidade que se quer. Não é preciso ser uma "privada" familiar. Os pais não deixavam que eles usassem o banheiro da escola. . . em nenhuma circunstância. Bem, à medida que o menino cresce. . . Sid Rose: Como lhes ensinou isto? Contou-lhes histórias sobre isso? E: Levei-os ao meu banheiro e mostrei-o. Disse-lhes que oito crianças e dois pais o usavam, assim como alguns pacientes. Discuti a questão abertamente. Minha filha foi a um banquete com um rapaz que a convidara. O pai me procurou e disse: "Bem, doutor Erick-
son, meu filho quer levar a sua filha à festa. Não quero insultá-lo mas o senhor está ciente de que pertencemos a níveis sociais diferentes." Respondi-lhe: "É sim, estou ciente de que o senhor herdou os milhões de seu avô e de que a sua mulher herdou os milhões do avô dela. Por isso o senhor está num nível social diferente." Ele continuou: "Muito bem, agora estamos entendidos quanto a isso. Espero que o senhor faça com que sua filha perceba que não pode ter nenhuma aspiração." Ele estava sendo muito delicado. (Erickson sorri.) Depois do banquete ele voltou e desculpou-se. Disse-me: "Meu filho levou sua filha ao banquete e fiquei envergonhado com todos os adultos que estavam lá. Havia meiadúzia de tipos de facas e colheres. Todos os adultos olhavam para o lado para ver que talher deviam usar. Sua filha olhou em volta franca e honestamente. Não tentou, absolutamente, esconder a sua ignorância. E prosseguiu: "Minha esposa quer saber onde sua filha comprou aquele lindo vestido de festa." Chamei minha filha de doze anos e disse-lhe: "O senhor X. quer saber onde você comprou o seu vestido. Já me pediu desculpas por eu ter tido de comprar um vestido tão elegante." Minha filha respondeu: "Eu mesma fiz. Fui à cidade, comprei a fazenda e fiz." (Erickson sorri.) Então ele me pediu mais desculpas (Erickson ri) pelo fato de sua mulher querer saber onde minha filha comprara um vestido tão bonito. Era inconcebível para ele que uma pessoa pudesse fazer um vestido de festa. Bem, um pênis não tem um uso limitado. (Erickson e o grupo riem.) Um menino tem de aprender a fazer xixi em cima do gato, do cachorro, em cima do canteiro de flores, do cortador de grama, das garrafas, em vasilhas, nos buracos da cerca. Tem de subir numa árvore para ver se a urina chega até o chão. Em outras palavras, há um reconhecimento meio cego de que o pênis pode ser utilizado no mundo externo. Mas ninguém lhe diz como usá-lo no mundo externo. O menino tem de aprender experimentalmente.
Lembro-me que uma vez, em Michigan, a governanta que era uma enfermeira formada costumava ficar muito zangada ao encontrar garrafas e vasilhas cheias com a urina do meu filho. Eu não podia dizer-lhe a razão do seu afetamento que não deixava que falássemos a verdade com ela. Todos os meninos passam por este estágio. Eu tive sete irmãs e quatro filhas. Todas passaram pelo mesmo estágio. Depois que escurecia, tentavam urinar no canto do quintal. Iam a piqueniques e experimentavam urinar em algum lugar. Tiveram de aprender a mesma coisa: que o trato genito-urinário tem um uso no mundo externo. Tiveram de tentar descobrir que uso era esse. Um menino pode nascer com uma ereção. É um fenômeno da bexiga. Uma das tarefas do garoto é aprender que o pênis tem três tipos diferentes de enervação. O pênis flácido tem um conjunto de nervos na pele, uma série de nervos (isto é simplificado.) no tronco do pênis, e outra séiie na cabeça do pênis. O menino tem de aprender quais são estas sensações quando o pênis está flácido. Quando está parcialmente ereto há outro tipo de sensação, quando está semi-ereto é outro tipo de sensação, três quartos de ereção é outra sensação, e totalmente ereto é outro tipo ainda de sensação. (Erickson demonstra, levantando a mão esquerda, um meio, três quartos, etc, em relação à posição de descanso do braço.) E o menino tem de brincar com o pênis. As pessoas chamam isto de masturbação. Eu chamo de "conversa infantil de orientação peniana." Ele tem de aprender todas as sensações do pênis em cada estágio de ereção. Tem de curtir as sensações. Tem de aprender como diminuir a ereção e como consegui-la de novo. Na minha experiência psiquiátrica, encontrei homens que não sabiam como ter uma ereção. Encontrei homens que sofriam de ejaculação precoce, homens que tinham muito medo da entrada do pênis na vagina. Não tinham aprendido um bocado de coisas. Por isso o menino pratica a masturbação: para aprender a ter uma ereção, para apren-
der a gozá-la, para aprender a relaxar e a conseguir de novo. Então é confrontado com outro problema. Até então ele estivera competindo com os amigos: "Veja como sou forte. Sintam os meus músculos, deixem-me sentir os seus músculos." (Erickson demonstra com o braço esquerdo.) "Veja se tem os músculos tão firmes quanto o meu." Assim, ele tem de passar pelo estágio onde se identifica com outros machos. Porque tem de saber que seu pênis é tão duro quanto os dos outros meninos. Assim, há um monte de experiências e de sensações. Algumas pessoas chamam este período de "estágio homossexual". Eu chamo de "estágio de orientação grupai", "estágio de orientação sexual", "estágio de orientação para o mesmo sexo". Então, têm de aprender a ejacular. Simplificando, a ejaculação consiste de secreções uretrais, secreções prostáticas e esperma. E a primeira ejaculação provavelmente é uretral, ou parcialmente uretral e prostática. Ter uma ejaculação é como comer comida. Quando se começa a alimentar o bebê com comida semi-sólila, ele pode engoli-la. O tempo passa e a comida vai para o intestino antes que as glândulas salivares comecem a segregar comida para aquela comida. A criança tem de aprender a digerir cada alimento, fazer a digestão começar pela boca, e adicionar secreções esofágicas do estômago, na extremidade inferior do estômago, e na extremidade superior do intestino. Secreções de A a Z. Aprendem a digerir alimentos diferentes em idades diferentes. Bem, o menino tem de masturbar-se até que consegue a ejaculação em três etapas: uretral, prostática, e seminífera. E consegue ter as três simultaneamente, mas na ordem correta. Certa ocasião um médico me procurou e disse-me: "Sou casado há treze anos. Tenho um menino de onze. Nem minha esposa nem eu gozamos na relação sexual. É um esforço desagradável." Perguntei-lhe: "Quantas vezes se masturbou quando criança?" Rcspondeu-me; "Masturbeime duas vezes e em ambas, graças a Deus, meu pai me descobriu, não cheguei a completar."
Disse-lhe então: "Muito bem, leve uma amostra de sêmen para o seu trabalho e mande analisar." No todo, ele levou onze amostras de sêmen para o consultório e mandou o patologista analisar. Em algumas havia secreção prostática e uretral; em outras havia secreção prostática e seminífera. A seminífera constituía a parte menos freqüente da ejaculação. Voltou e disse-me: "Posso ter estudado Medicina mas não aprendi nada." Ao que eu lhe disse: " O senhor devia ter se masturbado para conseguir satisfação fisiológica integral, a menos que estas secreções ocorram na ordem adequada." Assim, disse-lhe para trancar-se no banheiro todos os dias e se masturbar. Acho que no vigésimo dia encontrou a esposa no corredor, a caminho do banheiro. Pegou-a a caminho. Levou-a para o quarto e tiveram relações. Ambos me contaram que gozaram pela primeira vez. Ele aprendera a ter a ejaculação adequada. Ora, alguns meninos aprendem tudo isto com muita rapidez. Outros às vezes têm de se masturbar mil vezes até conseguir. É como um outro aprendizado. Então deve ocorrer um outro aprendizado ainda. Isto é, o de que a masturbação com ejaculação não visa, por natureza, ser um processo manual. Assim, o menino, durante o sono, começa a fazer conexão entre as reações emocionais e a ideação com a ejaculação. E assim tem sonhos "molhados". A mãe acha que ele esteve brincando consigo mesmo: "Deveria se envergonhar disso, agora já é um menino crescido. De fato, há um caminho biológico pelo qual o homem descobre que pode separar a atividade sexual da atividade manual." Então, ele começa a notar as garotas. Vou contar-lhes uma história que aconteceu com um de meus filhos. Ele estava no ginásio e disse-me: "Pai, quero fazer meu dever de casa na casa de Eva. Ela é um crânio em matemática e história. E gostaria de fazer meu dever de casa com ela." E começou a fazer isto.
Então começou a levá-la ao ringue de patinação. Primeiro, patinavam separados, mas logo começaram a dar as mãos e a patinar juntos, participando de uma atividade física e rítmica. Depois de deixar o ringue iam ao Pat's, ao Mike's ou para o Dairy Queen, e lá satisfaziam a membrana mucosa. E esta de fato tornou-se a parte mais importante da patinação. No verão seguinte, ele levou-a para nadar. Quando voltou da primeira vez que foi nadar com Eve disse: "Papai, o senhor já viu quanta carne uma menina tem?" Respondi-lhe: "A mesma quantidade que um menino tem." Todas as manhãs, quando eu me barbeava, meus filhos gostavam de me observar porque eu usava uma navalha de barbeiro. Sempre explicava: "Quando as meninas crescem, elas não têm barba. Incham no peito. Quando os meninos crescem têm pêlos. Esta é uma diferença entre um menino e uma menina." E meu filho perguntou-me sobre as inchações que estavam começando a aparecer no peito de Eve. Perguntei-lhe: " O quanto deu para você perceber?" Respondeu-me: "Bem, todos os garotos gostam de esbarrar acidentalmente nos peitos das meninas." Respondi: "Sim, de fato, e o que mais?" Respondeu-me: "Bem, o traseiro dela é maior do que um traseiro de menino e os meninos sempre gostam de esbarrar nas meninas." (Erickson ri.) Disse-lhe: "De fato, isto faz parte do crescimento." Finalmente, meu filho começou a chamar Eve de "minha garota". Levava-a para dançar e nadar. É claro que depois sempre comiam hambúrger e cachorro quente com todos os molhos, e sorvetes de todos os sabores. Num dia de inverno, na manhã de uma sexta-feira em que fazia quase dez graus abaixo de zero, meu filho mais velho me disse: "Os escoteiros vão fazer um acampamento noturno no fim de semana. O senhor pode nos levar?" Respondi: "Claro." Estava pronto para levá-los quando voltassem da escola. Mas meu filho surgiu com a notícia. "Não vamos partir antes das dez e meia. Vamos começar este acampamento à meia-noite." Respondi: "Muito bem."
Dei minha palavra de que iria levá-los. Não me parecia como adulto, acampar na neve com dez graus abaixo de zero. Depois de entrarmos no carro meu filho me deu a notícia: "Prometi aos outros meninos que o senhor iria buscá-los." Todos os outros meninos estavam esperando na aldeia de Wayne. Empilharam suas tralhas na mala e subiram no carro. A caminho do local de acampamento um dos meninos perguntou a meu segundo filho: '"'Lance, o que você fez hoje à tarde?" Lance respondeu: "Fui ao almoço de coleta beneficente na escola."* E Lance começou a contar. A idéia seria a de um menino sensível indo ao almoço na escola. Finalmente, depois de censurá-lo exaustivamente por desperdiçar o dinheiro comprando o almoço de uma menina no almoço beneficente, e de pagar tanto por isto, um dos meninos perguntou: "Você comprou o almoço de quem?" Respondeu: "Oh, de Karen." A zombaria virou admiração: "Rapaz, quem dera eu tivesse pensado nisso. Você é um estouro. Da pesada!" E todas as gírias de admiração da época. Ouvi aquilo e fiquei pensando qual seria a razão de que comprar o lanche de Karen no almoço beneficente fosse uma idéia tão legal. Fiquei calado. No local do acampamento subiram uma encosta de uns três metros para armar a tenda e dormiram nos sacos. Tomaram o café da manhã de sábado. Fizeram uma "ceia" à noite ao redor da fogueira. No domingo de manhã fui buscá-los. Depois de deixar os meninos em casa levei Lance para um quarto separado e perguntei-lhe: "Lance, você disse aos meninos que foi ao almoço beneficente. Zombaram de você, chamaram-no de tolo, de idiota, de maluco, de estúpido. Ridicularizaram-no de fato. Mas quando um de* (N. do T . ) : Tipo de almoço para angariar fundos escolares no qual as meninas preparam e levam o lanche. Os meninos compram de uma menina e dividem o lanche com ela. No caso, como o lanche da menina gorda era maior, e como o garoto comia depressa, saiu lucrando.
les perguntou para quem você comprara o almoço, você respondeu: "Oh, de Karen." Logo começaram a desejar a mesma coisa. Vou lhe fazer algumas perguntas e quero que você as responda com precisão. 'Karen é uma menina bonita?'" Ele respondeu: "Não, é feia que nem uma porta." Perguntei: "É boa atleta, joga bola?" Ele disse: "Não, é a garota mais desajeitada da escola." Continuei: "Tem uma personalidade agradável?" Lance respondeu: "Não, ninguém gosta dela na escola." Eu perguntei: "É üma garota inteligente?" Ele disse: "Hã, hã, é a mais burra da escola." Eu já esgotara todas as razões possíveis por que fosse tão desejável comprar o lanche de Karen no almoço beneficente da escola. Disse-lhe: "Então me diga por que você comprou o almoço de Karen?" Ele respondeu: "Porque ela é a garota mais gorda da escola. Ela comeu quatro laranjas, quatro bananas, quatro pedaços de bolo, quatro pedaços de torta, oito sanduíches de manteiga de amendoim com geléia. E eu posso comer mais depressa do que ela." (Erickson ri. Risadas do grupo.) Uma boa prova de que o caminho para o coração de um homem é através do estômago. Bert (o filho mais velho de Erickson) alistou-se na Marinha aos dezessete anos. Após o término do alistamento, voltou para casa. Um dia disse: "Papai, o que o senhor acha da Ronda?" Respondi-lhe: "Praticamente nada." Continuou: "Papai, o senhor sabe o que eu quero dizer. O que o senhor acha da Ronda?" Respondi-lhe: "Quase nunca penso nela. Acho que é uma garota bonita, uma garota inteligente." Bert disse decepcionado: "Escutei, pai, você sabe o que quero dizer. Por que não responde à minha pergunta?" Respondi-lhe: "Se você sabe o que quer dizer, por que não me faz a pergunta para que eu saiba o que quer dizer?" Continuou: "Pai, quando Ronda se casar, será que ela terá um monte de filhos o mais rápido possível? Será que ela vai botar rolinhos no cabelo durante o dia e ficar andando de chinelo e de roupão? Quando o marido dela voltar para casa será que ela vai ficar se queixando do trabalho que teve com os meninos, ou com a máquina de
lavar, ou coisas assim?" Respondi-lhe: "Bert, você conhece a mãe dela. Acho que Ronda teve uma ótima professora . . . Acho que provavelmente ela vai pôr em prática os ensinamentos que recebeu durante a vida." Dez anos depois, Bert estava visitando Michigan e deparou com um amigo escoteiro que lhe disse: "Bem-vindo, Bert." E continuou: "A propósito, Bert, casei-me com sua antiga paixão de colégio; a Ronda. Por que não vem jantar hoje à noite conosco?" Bert disse: "Eu gostaria Bob, mas não acha melhor telefonar para Ronda e avisá-la?" Bob respondeu: "Não, vamos fazer-lhe uma surpresa." Chegaram em casa à noite. Ronda disse: "Alô, Bert, os meninos passaram o dia todo adoentados, e não há nada para comer na geladeira." Bob respondeu: "Tudo bem, Ronda. Vou levar Bert para comer uns hamibúrgueres." Ele estava acostumado com aquilo. (Erickson olha em volta e sorri.) Um dia, levei meus dois filhos para nadar. Trocaram o calção no quarto. Quando ambos estavam nus, Lance olhou casualmente para Bert e disse: "Meu Deus, Bert, você está ficando velho." E modestamente Bert admitiu que estava. Já tinha dois pêlos púbicos. (Erickson ri.) Um sinal de estar ficando mais velho. Bert queria se casar. Quando achou que já estava bastante velho para isso, comprou um carro velho com a capota enferrujada. E começou a marcar encontros com garotas de tudo quanto era lugar: da Universidade de Michigan e de outros lugares. Quando passeavam naquele carro, a ferrugem caía do teto sobre o cabelo das moças. E ele dizia o quanto eram bonitas. As moças raramente marcavam um novo encontro com ele. Queriam algo melhor do que um carro velho com o teto enferrujado. Um dia ele viu uma moça do outro lado da rua da casa que ele comprara. Ele comprara uma casa em Garden City, dizendo a si mesmo: "Sou jovem e forte. Posso ter dois empregos e pagar aquela casa agora, enquanto sou moço e forte. Se minha noiva gostar dela, ficaremos com ela. Se não gostar, venderemos e daremos como pagamento de outro lugar que ela goste." Um dia ele olhou para a rua e
viu aquela moça loura ali, tomando conta dos irmãos mais novos. Observou a garota com cuidado. Gostou da maneira como ela cuidava dos irmãos mais novos. Admirou-a. Realmente ela tinha muito jeito para cuidar de crianças. Então ele alugou um cavalo e um arado e arou o gramado da frente e o transformou num jardim que capinou e manteve o mais caprichado possível. Depois deixou os rabanetes estragarem, os feijões passarem do ponto e os tomates ficarem maduros demais. Um dia, a moça se aproximou timidamente do jardim e disse: "Senhor Erickson, sei que o senhor trabalha em dois empregos diferentes. O senhor tem um lindo jardim e tudo vai ficar desperdiçado. O senhor se importa se eu regá-lo e cuidar dele?" Bert respondeu: "Não, seria muito bom." Então ela começou a cuidar de todos os produtos do jardim. E ele tinha um jardim bem grande. Então ele também parou de capinar. Um dia, a moça disse: "Senhor Erickson, sei que o senhor está muito ocupado e espero que não se importe por eu ter capinado o lugar que o senhor não capinou." Bert disse que era muito gentil da parte dela. Bert sabia que desejava uma esposa que quisesse viver numa fazenda, e que gostasse de trabalhar no jardim e que quisesse plantar frutas e legumes. Hoje em dia eles vivem numa fazenda no oeste do Arkansas. Têm seis mãos para ajudar no campo e uma pessoa para ajudar na cozinha. Lilian ainda tem a aparência linda de quando era jovem. Quando o primeiro filho nasceu, ela ficou satisfeita que fosse menino. Quando o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto nasceram do sexo masculino, ela ficou muito decepcionada. Quando o médico lhe disse que o sexto filho era uma menina ela rompeu, em prantos e disse: "Por que me diz uma mentira dessas? Eu não consigo ter uma menina." Bem, o médico demonstrou-lhe que podia. O sexto menino nasceu depois da irmã. Bem, o mais velho formou-se na Universidade. Bert disse que ele não iria para a Faculdade porque nas aulas teria de ouvir todos os erros dos outros alunos. Podia ler em casa e apren-
der. Sempre tivera interesse pelo cultivo de plantas. Tem arquivos cheios de informações sobre agricultura. Quando estava na Marinha, andou pensando no futuro. Estava ciente da Depressão e dos anos de Depressão. Assim, enquanto estava na Marinha, aprendeu a consertar sapatos nos seus momentos de folga. Isto porque nos períodos de depressão um sapateiro fica superlotado de trabalho. Tem trabalho para o dia e a noite toda. Assim aprendeu a fazer isto. Também aprendeu cirurgia vegetal nos dias de folga do serviço na Marinha. Depois de dar baixa disse: "Vou ter de ir a Detroit arranjar um trabalho." Respondi-lhe: "Você está sabendo da situação de desemprego no país com todos cs veteranos procurando trabalho." Bert respondeu: "Estou sabendo. Vou voltar com um trabalho para casa." Foi para a cidade. Tinha havido um temporal e havia muitos galhos de árvores quebrados. A equipe de horticultura da cidade estava arrumando os galhos danificados. Bert procurou o contramestre e disse-lhe: "O senhor se importa se eu empilhar os galhos?" O contramestre respondeu: "Vá em frente, não pode tornar as coisas piores do que estão agora. Bert fez um trabalho estritamente profissional de arrumar os galhos. O contramestre então lhe disse: "Você parece ter um talento real. Tente com este outro galho." Bert observou. Era um galho muito difícil. Avaliou o tamanho com cuidado e fez um trabalho de perito. O contramestre então lhe disse: "Estou precisando de gente na equipe de consertos que tenha experiência. Você tem um talento natural. Assuma meu trabalho aqui como contramestre e eu vou trabalhar numa outra equipe que tenho." E assim conseguiu trabalho. Sid Rosen: Estou um pouco irritado c sei por quê. Senti como se o senhor estivesse insultando as pessoas da cidade. O senhor começou com dois grupos, o da cidade e o do campo. A maioria das histórias de hoje foram sobre pessoas do campo que plantam e colhem os benefícios do planejamento, e assim por diante. Fico pensando se seria útil contar estas histórias para pacientes da cidade. Para pacientes que moram na cidade.
E: Com menos ênfase. Sid Rosen: Com menos ênfase. E: Hã-hã. Sid Rosen: Sei de um homem que começou a trabalhar num restaurante e com isso se fez na vida. Este tipo de história se aplicaria melhor a alguém que estivesse tentando entrar num trabalho. E: Não foi isso que contei para os outros. Sid Rosen: Hã-hã. E: Um formando do curso ginasial, um rapaz mexicano, procurou-me e disse-me: "Um chicano não tem nenhuma chance de conseguir trabalho. Eu só tenho educação ginasial. Procurei trabalho, mas ninguém quer contratar um chicano." Eu lhe disse: "Juan, você realmente quer trabalhar?" Juan respondeu: "Claro que sim." Disse-lhe então: "Vou lhe dizer como conseguir um trabalho e você fará exatamente o que eu lhe disser. Há um certo restaurante em Fênix que eu conheço. Você vai até lá e vai pedir permissão para esfregar o chão da cozinha duas vezes, diga que vai fazê-lo de graça. Diga que quer aprender a limpar a cozinha. Não aceite pagamento. Não aceite comida. Coma em casa, da comida de sua mãe. E continuei: "Bem, se começar a limpar a cozinha duas vezes por dia com cuidado e muita limpeza, vão começar a tirar proveito disso. Vão lhe pedir para descascar batatas e cortar legumes. Não vão lhe oferecer nenhum pagamento. Vão sobrecarregá-lo de trabalho e vão passar a depender de você. Dentro de um ano você terá um trabalho. Mas terá de lutar por ele." Juan fez a sua parte perfeitamente. Logo acharam que era um desperdício que ele só ajudasse a cozinhar. Quando havia maior afluxo no restaurante, usavam-no como garçom. O chefe gostava de Juan porque ele era muito competente no preparo dos legumes e como ajudante de cozinha. Bem, sabiam que ia haver uma convenção na cidade no próximo domingo. "Você vai dizer ao gerente que você acha que pode conseguir um trabalho remunerado em
Tucson e que espera que ele não se importe se você se candidatar a este emprego em Tucson." Não me lembro quanto era o salário naquela ocasião. Disse a Juan para dizer ao gerente que o salário era bem menor do que o habitual. O gerente disse: "Posso lhe fazer uma oferta melhor." Ofereceu um dólar a mais por semana. Assim Juan tornou-se um empregado fixo. Um ano depois, dependiam muito de Juan na cozinha. O chefe ensinou-lhe e ele aprendera bem. Então, outra convenção ia chegar à cidade e eu disse a Juan: "Diga ao gerente que você acha que pode conseguir um salário muito melhor em Tucson." O gerente respondeu: "Posso pagar-lhe mais do que o restaurante de Tucson. Pode ficar trabalhando permanentemente comigo." Juan tornou-se um dos chefs mais bem pagos de Fênix. Atualmente tem seu próprio restaurante com capacidade para duzentos e setenta pessoas. Está construindo um segundo restaurante com lugar para pelo menos trezentas pessoas. (Para Sid Rosen.) É isso? Sid: É, desse eu gosto. Equilibra. E o senhor acha que as pessoas da cidade também podem aproveitar alguma coisa das histórias sobre flores, jardins, e tudo isso, mesmo que não tenham muita experiência com estas coisas? E: Mandei mais de um homem em estado de depressão cavar e plantar um jardim na casa de alguém. Mandei um homem ir trabalhar no jardim da cunhada. Ela e o marido trabalhavam fora. Não tinham filhos e eu sabia que ela queria um jardim com flores. Conversei com ela sobre o assunto. Depois disse ao meu paciente deprimido que vinha de Yuma: "Sua cunhada em Fênix gostaria de ter um jardim com flores. Pegue as ferramentas e faça para ela um lindo jardim, bem grande." Quando estava acabando, eu já tinha arranjado outro casal que trabalhava fora, e que queria um jardim com flores. O paciente ficou entusiasmado com isso. Então voltou para casa e limpou o próprio quintal. Construiu algumas prateleiras para a esposa na nova casa. A nova casa fora o que lhe causara a depressão. Tinha uma hi-
poteca muito grande. Mas ele se recobrou da depressão, E sempre que vinha a Fênix, ia ver os jardins que fizera. Sid: Estou tentando encontrar o equivalente em Nova Iorque e escalar o pico Squaw. Fiz um casal caminhar pela ponte de Brooklyn. Isto ajuda. (Erickson faz que sim com a cabeça.) E outro casal fazer exercício de caminhadas. Deilhes as instruções específicas sobre a maneira de começar a correr. Ê um antidepressivo maravilhoso. E: A ponte de George Washington. Sid: A ponte de George Washington seria bom. E: O Holland Tunnel. Sid: É, o Holland Tunnel e o Empire State. E: (Faz que sim com a cabeça.) Sid: Eu não mandaria ninguém passar a pé pelo Holland Tunnel. Ficariam sufocados. E: Já passei por ele. Sid: A pé? E: Dirigindo bem devagar. Acho que andando iria mais depressa. Sid: (Ri.) É verdade. E: Para jovens que estão deprimidos, se têm alguma habilidade artística, desenhar um quadro do Empire State, fazer um esboço do céu de Nova Iorque. (Sid acena com a cabeça.) Fazer um quadro do Rio Hudson com os barcos. Sid: A fonte do Central Park. E: (Faz que sim com a cabeça.) Descubra uma árvore e. . . Sid: É. Eles adoram receber tarefas. E: Descobrir uma árvore bem retorcida no Central Park, com um esquilo. Sid: (Sid sorri.) Uma árvore "Boojum"? E: É. Uma árvore "Boojum". Sid: A árvore "Boojum". Lá não temos desse tipo. E: Agora, com respeito à revolução sexual dos anos sessenta; na revolução dos anos sessenta, homens e mulheres começaram a viver juntos e a gozar a liberdade sexual. Se alguém quer a minha opinião sobre o assunto, é a seguinte: "Tudo o que posso dizer é que concordo com a doutora Margaret Mead, de que a situação da família, seja limita-
da ou ampla, existe há uns três milhões de anos. Não acho que a revolução dos anos sessenta venha a afetar seriamente três milhões de anos de prática. Como se sente em relação a isso Sidney?" Sid: Tenho a concordar. Gosto de sua ênfase nos padrões e coisas com que podemos contar para repetir... filhos de uma geração para outra, e coisas assim. Isto é muito reconfortante de se ouvir e também muito motivador. E: E para ilustrá-lo de um ponto de vista totalmente diferente. Se eu estivesse viajando de São Francisco para Nova Iorque e mc sentisse muito só, e desejasse desesperadamentc encontrar alguém com quem falar e todos fossem estranhos, será que eu começaria a falar com a linda moça que está lendo uma revista de cinema ou a revista Confissões? Não. Deveria tentar conversar com a outra moça de vinte anos que está lendo um romance? Não. Deveria tentar falar com a senhora que está fazendo uma meia de tricô? Não. Deveria conversar com o homem que está lendo um livro de Direito? Não. Ou com o homem que está carregando um estetoscópio? Não. Porque toda conversa se resumiria a um rápido bate-papo. A pessoa com quem eu começaria a conversar seria um homem ou uma mulher de qualquer idade que estivesse usando um emblema da Universidade de Wisconsin na lapela. Esta pessoa conheceria tudo sobre o local de piquenique, o Science Hall, e a rua State, sobre basquete, e sobre o Observatory Hill. Falaria a mesma linguagem da minha juventude, a linguagem das minhas emoções e das minhas lembranças. Teríamos uma linguagem comum. É claro que se eu visse alguém fazendo um entalhe, pararia para falar com ele ou ela. Se visse uma mulher fazendo uma colcha de retalhos, pensaria nas colchas de retalhos que minha mãe fez para os filhos, os netos, os bisnetos e para mim. Faria parte da minha linguagem. Assim, ao olhar um paciente, ao ouvi-lo, descubra qual é a linguagem dele. Então tente dar-lhe alguma idéia quanto à maneira de se orientar. (Nota: Aqui Erickson inten-
cionalmente repete a história da moça retardada que fez a vaquinha de tecido roxo.) Também com respeito ao desenvolvimento sexual: as meninas passam por ele de modo semelhante mas diferente em muitos aspectos. Vocês podem ver quatro meninas de ginásio caminhando de braços dados, braços passados na cintura, ocupando a calçada inteira. Acho um prazer parar na beira da calçada para deixar que elas passem, ocupando a calçada. O que elas estão aprendendo? A pressão em volta do corpo. No escritório de alistamento, havia homens casados e homens com suas namoradas, inscrevendo-se para cumprir o dever ativo, a obrigação de combate. Ouvi esposas: "Me beije com tanta força que meus lábios sangrem, porque pode ser que você não me beije nunca mais." "Me aperte com força até quebrar meus ossos, quero me lembrar deste abraço." E no entanto o beijo mais leve de um sedutor arde como fogo, porque é literalmente inesquecível e arruina a vida das moças. É o passado emocional. Quando tiver um paciente com alguma fobia absurda, simpatize com ele e, de uma forma ou de outra, leve-o a violentar esta fobia. Eu estava fazendo uma palestra em Memphis, em Tennesse, e meu anfitrião e a minha anfitriã compareceram. No final da palestra a anfitriã comentou: "A palestra foi tão longa, vamos comer num restaurante. Conheço um ótimo restaurante francês. Meu marido e eu costumamos jantar nele duas vezes por semana nestes últimos vinte e cinco anos." Considerei esta afirmativa como inteiramente patológica. Comer no mesmo restaurante em Memphis onde há tantos restaurantes. . . e comer no mesmo restaurante durante vinte e cinco a n o s . . . por isso concordei. É claro que tendo minhas suspeitas encomendei escargots. E o jeito que eles me olharam enquanto eu comia os meus caracóis. . . (Erickson faz um gesto de repulsa e careta.) Quando estava comendo um dos caracóis, persuadi meu anfitrião a provar um. Comeu e disse: "É bom." Então persuadi a esposa a provar e ela achou bom. Pedi
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minha segunda porção de escargots e eles também pediram uma. Gostaram. Seis meses depois, estive em Memphis de novo dando outra palestra e novamente eles foram os meus anfitriões. A palestra demorou e a anfitriã me disse: "Em vez de jantar em casa, vamos a um restaurante. Conhecemos um ótimo restaurante alemão, ou o senhor preferiria algum outro? Há um de peixes que é muito bom." Ofereceu-me várias opções. Como ela mencionara um restaurante alemão, fui com eles. Mais ou menos na metade da refeição, virei-me para meu anfitrião e perguntei-lhe: "A propósito, quando foi a última vez que foram àquele restaurante francês?" Respondeu-me que não se lembrava, talvez umas seis semanas, ou uns dois meses atrás. Bem, depois de vinte e cinco anos, duas vezes por semana. . . (Erickson ri) . . .aquilo era patológico. Sid: E eles pediam sempre a mesma comida? E: Não perguntei. Sabia o que eles evitavam. Depois de comerem caracóis, podiam ir a qualquer outro restaurante em Memphis. Se a gente se senta na beira de uma piscina num motel e observa as pessoas mergulharem, vê que há pessoas que molham um dedão, depois o outro, depois outro e, finalmente, molham o corpo todo. Quando ingressei na equipe de Worcester, conheci um jovem casal que trabalhava lá, Tom e Marta, como estudantes estagiários de psiquiatria. Foram muito gentis comigo. Convidaram-me para ir nadar no lago próximo ao campo do hospital. Coloquei meu calção de banho, um roupão e entrei no carro. Marta permaneceu muito mal-humorada, parada c calada dentro do carro, durante o trajeto de um quilômetro até o lago. Tom estava encantador, sociávcl e falante. Fiquei pensando. Quando chegamos à praia, Marta saltou do carro e jogou o roupão na parte de trás do carro. Percorreu a praia, mergulhou e começou a se afastar nadando. Não deu nem uma palavra conosco.
Tom saiu do carro alegre, despreocupado. Colocou o roupão no assento traseiro. E eu também. Andou até a água e quando o dedão tocou a areia molhada, ele disse: "Acho que vou deixar para nadar amanhã." Então mergulhei e nadei com Marta. A caminho do hospital perguntei a Marta: "Quanta água Tom coloca na banheira?" Respondeu-me: "Uns desprezíveis e míseros centímetros." Tom teve uma promoção como psiquiatra naquela semana. Disse ao superintendente: "Acho que não estou pronto para isso." O superintendente disse: "Não teria lhe oferecido a promoção se não achasse que está apto. Bem, ou você aceita a promoção ou recusa e procura um outro trabalho." Tom e Marta saíram. Naquela ocasião eu já conhecia Marta bastante bem e sabia que estava muito apaixonada por Tom e Tom por ela. Marta estava desejando uma casa e filhos. Vinte anos depois, estava fazendo uma palestra na Pensilvânia quando um senhor de cabelos embranquecidos com uma senhora de aspecto visivelmente envelhecido se aproximaram de mim e perguntaram-me: "O senhor está nos reconhecendo?" Respondi: "Não, mas sua pergunta implica que eu deveria." Ele então disse: "Sou Tom." E ela disse: "Sou Marta." Perguntei: "Quantos centímetros de água Tom coloca na banheira?" Respondeu-me "Os mesmos míseros centímetros." Perguntei a Tom: "O que está fazendo agora, Tom?" Disse-me: "Estou aposentado." Eu perguntei: "Em que nível?" Ele disse: "Psiquiatria iniciante." Se eu tivesse tido tempo, teria arranjado algum jeito de empurrar Tom para dentro do lago. Sid: E quanto a Marta? E: Marta poderia ter tido alguns filhos. Pois, uma vez que rompemos o padrão restritivo e fóbico, a pessoa passa a se aventurar a outras coisas. E nossos pacientes tendem a se restringirem e a se chantagearem realmente num monte de coisas. Recebi um telefonema de um amigo da Califórnia ontem à noite. Ele disse: "Descobri finalmente a cura para as idio-
tices dos adolescentes. Coloque-os no congelador e deixeos sair de lá aos vinte e um anos." (Erickson ri.) Meu filho Lance estava muito perturbado porque se sentia decepcionado com a minha falta de inteligência. Foi muito franco dizendo que eu era um estúpido. Então foi para Michigan cursar a Universidade. Mais tarde ele me disse: "Sabe, papai, só levou uns dois anos para eu descobrir que subitamente o senhor passara de idiota a inteligente." Recentemente telefonou-me de Michigan dizendo: "Papai, o senhor está vingado. Meu filho mais velho finalmente descobriu que eu tenho miolos. Ainda faltam os outros três descobrirem." Um homem: Meu pai costumava me contar estas histórias. (Erickson acena com a cabeça.) E: Bem, agora vou lhes contar um caso clínico. É mais ou menos complicado e no entanto mais ou menos simples. Robert Dean se formara na Academia Naval e nomearam-no segundo-tenente. Era tempo de guerra e ele teve uma licença de um mês após o que seria designado para um destróier. Procurou Francis Brakeland, chefe da psiquiatria Nav»1. e explicou-lhe sua neurose. Brakeland reconheceu o problema do tenente mas disse-lhe: "Segundo-tenente, não posso fazer nada por você. Não posso alterar as ordens. Não há nenhuma maneira de eu lhe conseguir um emprego em terra. O senhor recebeu ordens de ir para o destróier. A única coisa que posso pedir é uma corte marcial. A corte marcial vai mandá-lo para o Walter Reed Hospital. O senhor vai piorar, depois vai ser transferido para o St. Elizabeth Hospital. Lá o senhor poderá viver e virar um psicótico. E viverá sua vida como um psicótico. Mas o senhor poderia, durante a sua licença, procurar a Clínica John Hopkins e ver se eles podem lhe dar uma ajuda particular. Robert foi até lá e contou-lhes o seu problema. Interrogaram-no durante certo tempo e então lhe disseram: "Não podemos ajudá-lo. Mas há um homem chamado Erickson, em Michigan, que talvez possa ajudá-lo."
Então, Robert telefonou ao pai em Nova Iorque. O pai telefonou-me e perguntou se eu poderia atender o filho. Respondi que estaria em Filadélfia na semana seguinte. Eíe poderia me procurar em Filadélfia e falar-me sobre o seu filho, e eu consideraria o caso. O pai procurou-me no meu quarto do hotel. Foram momentos muito interessantes e atraentes para mim. Chegou se apresentado e dizendo: "Tenho apenas um metro e meio de altura. Foi um inferno para eu conseguir me espichar e entrar no Exército na Primeira Guerra Mundial." "Tive de comer montes de bananas e tomar leite para preencher os requisitos de peso. E o danado do Exército me manteve na retaguarda durante toda a Primeira Guerra Mundial. Quando sai do Exército, jurei que se algum dia casasse e tivesse um filho, deixaria que ele entrasse para o serviço militar, mas, de preferência na Marinha. Porque no Exército dos EUA é tempo perdido." Perguntei-lhe: "Muito bem, e qual é o problema de Robert?" Respondeu-me: "Ele tem o que se pode chamar de bexiga contraída. Não consegue urinar na presença de outras pessoas. É um maldito idiota. Diz que tem a bexiga contraída desde criança. Passou um inferno na Academia." "A propósito, eu pensava que vocês ganhavam um bocado de dinheiro. Por que está num quarto tão barato? Não pode pagar outro melhor? Ou está duro?" Respondi-lhe: "O que mais pode me dizer sobre Robert?" Ele respondeu: "Bem, ele teve problemas na milícia. Por que o senhor não compra algumas roupas decentes? Não pode comprar uma roupa melhor do que esta?" Respondi-lhe: "Vamos falar sobre Robert." Respondeu-me: "Bem, Robert vinha para casa nas férias. Os banheiros nas estações não eram bastante bons para ele. Então, alugava um quarto num hotel, trancava a porta e ia ao banheiro para se aliviar. E de fato fez este tipo de coisa durante todo o secundário. . . e o senhor é tão pobre que não pode comprar uma gravata decente?" Respondi-lhe: "Fale-me de Robert." Disse-me ele: "Está anoitecendo. O senhor acha que poderia arrastar essa sua carcaça estranha e engalanada até a sala de jantar do hotel?" Respondi-lhe que sim.
A caminho da sala de jantar perguntou-me se eu não me envergonhava de ser tão desajeitado, mancando: "Quantas senhoras o senhor derruba quando anda pela rua? Em cima de quantos garotos o senhor cai? Quantos homens o senhor derruba?" Respondi: "Eu me viro muito bem." Chegamos à sala de jantar e ele disse: "Este hotel tem uma comida detestável. Conheço um bom restaurante que fica no meio do quarteirão seguinte. O senhor acha que poderia carregar esta sua carcaça dolorida até a rua e caminhar sem derrubar os homens ou as mulheres, sem cair em cima das crianças, ou terei de chamar um táxi? Disselhe que poderia carregar minha carcaça direitinho. No meio do quarteirão seguinte ele pediu desculpas. Tinha se enganado. O restaurante era no quarteirão seguinte. E insultou minha aparência, meu jeito de andar, tudo o que era possível para me ofender. Disse-me que era corretor de imóveis. Vendia imóveis. E fazia o possível para levar cada cliente à bancarrota e extrair-lhe até o último centavo. Finalmente chegamos ao restaurante, doze quarteirões adiante.'Ele me disse: "É claro que poderíamos jantar no térreo, mas prefiro jantar no balcão. O senhor pode arrastar sua carcaça até lá em cima, ou terei de ajudá-lo a se arrastar?" Respondi-lhe: "Acho que posso me arrastar até lá em cima." Então ele escolheu uma mesa perto do balcão. Antes de a garçonete chegar ele disse: "Este restaurante tem pratos maravilhosos. Sabem realmente como preparar a carne. Mas o peixe é mal cozido e mal assado, o purê de batatas é aguado e mal assado. Fazem o chá com a água do rio e tentam disfarçar com gelo. É terrível." A garçonete chegou e ele indicou-lhe que era para eu examinar o cardápio primeiro. Pedi costeleta assada, batata assada e café quente. Pedi não sei o que mais. Então a garçonete virou o cardápio ao sujeito que disse: "Cancele o pedido dele. Traga peixe, purê de batatas e chá gelado." E fez um pedido semelhante ao meu: "Costeleta assada e batatas cozidas, café e a mesma sobremesa que eu pedira. A garçonete ficou olhando para mim e eu continuei impassível pois estava de fato me divertindo.
Quando a garçonete chegou com as duas bandejas, parecendo infeliz e sem jeito, eu disse: "Dê o peixe e o purê de batatas para o cavalheiro que lhe pediu isso. Para mim, sirva a costeleta." Ela o fez e sumiu o mais rápido possível. Ele me olhou e disse: "Esta é a primeira vez que alguém se atreve a fazer isto comigo." Respondi-lhe: "Há sempre uma primeira vez para tudo." Comeu o peixe e o purê e tomou o chá gelado. Eu me deliciei com as costeletas de vitela. Depois do jantar ele disse-me: "Bem, eu lhe trouxe a um bom restaurante, que tal pagar a conta?" Respondi-lhe: "Você me convidou. Sou o seu convidado. Pague a conta." Continuou: "E que tal deixar uma gorjeta?" Respondi: "Esta é da sua responsabilidade de anfitrião." Então ele tirou uma carteira texana. Uma carteira texana é assim: vem recheada de notas e habitualmente a pessoa procura ter uma nota de mil, algumas de quinhentos, algumas de cem, outras de cinqüenta, de vinte, de dez, de cinco, de um. Tirou aquela carteira recheada, foi pegando o total e botou a mão no bolso para pegar uns trocados. Deixou uma moeda de um centavo. (Risos) Ele me perguntou se ia ter de arrastar a minha carcaça pelas escadas. Eu lhe disse que poderia cair, mas que para isso não precisaria da ajuda dele. Quando chegamos à porta, perguntou se eu conseguiria me arrastar com a minha carcaça de volta até o hotel, ou se ele teria que pegar um táxi. Respondi-lhe: "Acho que posso dar um jeito até o hotel." Continuou: "Bem, pelo amor de Deus, tome cuidado e não esbarre nas senhoras ou nos velhos, nem caia em cima das crianças. E não caia na rua." Despejou uma série de comentários dos mais indelicados a caminho do hotel. De volta ao hotel eu lhe disse: "Há mais algumas coisas que eu gostaria de saber sobre o seu filho." Por isso ele subiu e entramos no meu quarto. Perguntou-me se eu não podia comprar uma mala melhor. Disse-me que eu tinha uma mala ordinária. Eu estava tomando notas, anotando o que ele dizia. Continuou: "Que diabos, qual é o problema com o senhor? O senhor é um destes tipos que nunca pro-
videnciam uma caneta própria? Tem de usar a caneta e as coisas do hotel para fazer anotações?" Respondi-lhe: "Quero saber mais algumas coisas sobre Robert." Assim ele me contou mais algumas coisas sobre o filho e queria saber se eu aceitaria Robert como paciente. Respondi-lhe: "Diga a Robert para aparecer no meu consultório em Michigan, às seis da tarde." Robert veio vestido com o uniforme de segundo-tenente da Marinha. Olhou do corredor para o escritório e disse: "Então o senhor é o 'cobra' que vai me curar?" Respondi: "Sou o psiquiatra que vai trabalhar com você." Robert entrou no escritório e olhou demoradamente para um estudante de Medicina de mais ou menos um metro e oitenta de altura, trajando o uniforme a caráter — os estudantes de Medicina se alistavam no Exército, mas tinham permissão de freqüentar a escola de Medicina em troca de certos anos de serviço. Disse-me. "O que este tipinho está fazendo aqui?" Respondi-lhe: "É Jerry, um aluno meu, estudante de Medicina." Continuou: "Que tipo de 'cara' é o senhor que tem que ter um aluno para ajudá-lo?" Respondi-lhe: "Um aluno muito competente." Então ele viu o professor de Arte da Universidade de Michigan na sala e perguntou: "E o que este tipo com cara de palhaço está fazendo aqui? Respondi-lhe: "É o profossor de Arte da Universidade de Michigan. Ele também vai me auxiliar na sua terapia." Robert continuou: "Pensava que as consultas médicas eram particulares." Respondi-lhe: "E são. Consegui um bocado de ajuda para poder mantê-la estritamente privada. Agora entre e sente-se." E assim ele se sentou. Jerry fechou a porta. Então eu disse: "Jerry, quero que entre em um transe profundo." Jerry entrou em transe e eu demonstrei todos os fenômenos hipnóticos que pude, e Jerry era um excelente sujeito hipnótico. Enquanto Jerry ainda estava em transe virei-me para o professor de Arte e disse-lhe: "Agora, entre você em transe." Jerry entrou em transe sabendo que o senhor estava em estado de vigília. Quando estiver em transe mantenha
a aparência de quem está acordado. Vai falar comigo e com Robert e não poderá ver ou ouvir Jerry." Então o professor de Arte entrou em transe. Despertei Jerry e comecei uma conversação normal. Fiz algumas observações casuais com o professor de Arte. Ele respondeu. Fez algum comentário a Robert e Jerry virou-se para falar com o professor. O professor disse: "Ouça, Robert." E me fez uma pergunta. Jerry olhou espantado com o comportamento indelicado do professor e começou a fazer-lhe uma outra pergunta. O professor falou com Robert, ignorando Jerry, e os olhos de Jerry se arregalaram, ele sorriu e comentou: "Então o senhor o colocou em transe durante o meu transe." Eu lhe disse que sim. E então coloquei Jerry novamente em transe e despertei o professor. Despertei Jerry com uma amnésia do segundo transe. Jerry ainda estava na suposição de que o professor estava em transe. Ficou espantado quando o professor falou com ele. Robert parecia confuso, por isso brinquei um pouco com Jerry e o professor, demonstrando um fenômeno após outro. Robert ficou muitíssimo interessado. Cessou com as hostilidades. Finalmente eu lhe disse: "Bem, boa noite, Robert. Eu o atenderei amanhã às seis horas da tarde." Disse ao professor que não precisava vir no dia seguinte. Já havia feito o necessário. Disse a Jerry: "Apareça todas as tardes." Na tarde seguinte, quando Robert entrou, eu lhe disse: "Robert, a noite passada eu lhe demonstrei o que é hipnose. Hoje vou induzi-lo a um leve transe. Poderá ser leve, médio ou profundo. Tudo o que quero é que no transe você faça tudo o que Jerry e o professor demonstraram." Robert respondeu: "Farei o melhor possível." Portanto, Jerry entrou em transe. Expliquei-lhe que ele vira Jerry fazer uma escrita e um desenho automáticos e executarem várias sugestões hipnóticas. Disse-lhe: "Depois de acordar, sua mão direita vai se dirigir à tampa da mesa. Vai pegar um lápis e você vai fazer um desenho. Não vai saber que está fazendo isto porque estará muito interessado numa conversa com o Jerry "
E então Robert acordou e começou a conversar com Jerry. Tiveram uma excelente conversa. A mão direita dele pegou um lápis e desenhou um homem num bloco de papel que estava à sua mão. O desenho do homem era um círculo no lugar da cabeça, uma linha reta no lugar do pescoço, uma linha reta como corpo, duas retas no lugar dos braços e das pernas e dois círculos para as mãos e dois para os pés. Mais abaixo escreveu a palavra: "Pai." Depois, para minha surpresa, distraidamente, arrancou a folha, dobrou e dobrou até que ficasse um pedacinho de papel muito pequeno e colocou no bolso do casaco. Jerry e eu observamos isso com a visão periférica enquanto falávamos sobre várias coisas. Na noite seguinte, quando Robert apareceu, enrubesceu logo que entrou no consultório. Jerry e eu notamos o rubor. Perguntei-lhe: "Dormiu bem ontem à noite?" Respondeu: "Otimamente, dormi muito bem." Continuei: "Aconteceu algo de diferente esta noite?" Respondeu: "Bem, quando fui para a cama encontrei um pedaço de papel no bolso da minha jaqueta, não sei como foi parar ali, porque não fui eu quem o colocou. Mas estava de fato lá. Joguei na cesta de lixo." Enrubesceu de novo. Disse-lhe então: "Robert, acho que você está mentindo. O que fez com o pedaço de papel?" Disse-me: "Desdobrei-o." Continuei: "E o que viu nele?" Respondeu: "Num dos lados havia um desenho muito infantil de um homem, e debaixo, escrita em letra de imprensa, a palavra 'Pai'." Continuei: " O que fez com o papel?" Respondeu: "Joguei na cesta de lixo." Enrubesceu de novo e eu continuei: "Robert, quero saber a verdade. O que fez com o pedaço de papel?" Respondeu-me: "Se quer saber, tudo bem. Pus na privada, urinei em cima dele e puxei a descarga." Eu então disse: "Obrigado por ter me dito a verdade, Robert." Então, Jerry e Robert conversaram descontraidamente. Despedi-me dele e disse a Jerry o que devia fazer. Jerry era um aluno de Medicina muito inteligente. Quando Robert chegou no dia seguinte, cumprimentaram-se. Começaram a falar de tudo, menos do problema de Robert.
Na primeira noite que o atendi Robert contara-me a natureza do seu problema. Desde que se lembrava, sempre procuiava algum lugar isolado para urinar. Não sabia quando isto começara. Nem sabia por que começara. Disse que a vida na Academia fora um inferno total. Tinha de violar as regras do dormitório de medo que alguém entrasse. Catalogara todos os banheiros da Academia por ordem cronológica. Havia três banheiros que ficavam livres, respectivamente, à uma hora, às duas e às três da manhã. Tinha sempre de sair furtivamente do dormitório para usar um destes banheiros. Conseguiu passar pela Academia sem que descobrissem. Depois continuou: "Outra coisa infernal destes anos de Academia era o fato de que era bom para as relações dos membros da Academia aceitar convites para fins de semana na casa de alguém." Robert continuou: "Eles nos pegavam na sexta à noite e a anfitriã perguntava se queríamos café, chá, leite, bebidas leves como vinho ou cidra. Tudo o que as anfitriãs pensavam era em servir água gelada, chá, café, leite e bebidas leves. Eu tinha de ser gentil e beber. No café da manhã, um copo de leite ou alguma outra bebida que eu quisesse. Todo o domingo, beber, beber, beber. Eu tinha de ser gentil, e, ao mesmo tempo, esperar pela manhã de segunda para voltar à Academia e ver se conseguia encontrar um dos três banheiros vazios para me aliviar. Passava o inferno com a bexica contraída sexta-feira à noite, todo o sábado e todo o domingo. Era absolutamente um inferno! Sempre que eu ouvia passos fora do banheiro, dava um estalo horrível na minha cabeça e eu gelava. Algumas vezes levava uma hora para superar aquela rigidez. Foram terrivelmente difíceis todos os anos de Academia. Mas não tive outra escolha. Meu pai queria que eu fosse um oficial da Marinha, e eu fui obrigado a isso. E meu pai, todas as férias, zombava de mim porque eu usava um quarto de hotel. Ficou louco comigo durante todo o curso secundário porque eu sempre tinha que ir para um hotel. Não gosto do meu pai. Ele bebe cerveja todos os dias. Gosta de se embebedar todos os sábados e domingos. Cha-
ma minha mãe de "beata", porque ela vai à Igreja e pertence à Liga Feminina Cristã de Abstinência. Não gosto disso. Não posso dizer que tive uma infância feliz. Meu pai gosta de arrancar tudo o que pode dos seus clientes e consegue-o. Bebe aquela cerveja, e eu não suporto nem a idéia de beber cerveja. E reclama comigo por eu tomar o partido da minha mãe." Enquanto falávamos sobre vários assuntos naquela noite, Robert olhara de repente para a janela e perguntara: "Está chovendo? Aquilo ali é um fio de água escorrendo pela janela." Registrei o fato como uma observação simbólica. Sabia que havia algo de importante nela, mas a única dedução que pude fazer foi: "Chuva e água caindo, urina é água caindo." Robert, na sua maneira simbólica, estava comentando isto comigo. Então perguntei a Jerry: "Você tem algum plano em particular para o fim de semana?" Respondeu-me: "Bem, se o senhor me permitir, acho que vou passar o fim de semana andando de barco pelo rio Ausable, no norte de Michigan. É um ótimo rio para se descer de canoa. Já o percorri antes. E as correntezas são excitantes." Virei-me para Robert e perguntei: "Já que Jerry não vai estar aqui, o que gostaria de fazer no fim de semana?" Respondeu-me: "Bem, eu gostaria de ir para casa e visitar minha mãe." Continuei: "Bem, o que vai fazer?" Disseme: "Bem, se não chover, vou aparar a grama." Para um homem que estava para ir para a guerra como combatente, "aparar a grama, se não chovesse", pareceume muito simbólico. Continuei: "Muito bem. Atenderei você novamente na segunda às seis horas." Perguntei-lhe que trem ele tomaria para ir a Siracuse e me respondeu. Então prossegui: "Esteja certo de tomar este trem mesmo." Telefonei para o pai de Robert, o senhor Dean, e disselhe para tomar um certo trem e vir a Detroit para me ver. Disse-lhe para se assegurar de tomar o trem que eu estava indicando. Resmungou mas eu não queria que Robert e ele se vissem.
Quando entrou no consultório às seis horas da tarde seguinte a que chegou, Dean olhou para a minha secretária. Perguntou-me: "O que está fazendo esta velhota aqui?" Respondi-lhe: "A senhora X é minha secretária. Está trabalhando extra devido ao meu trabalho com o seu filho. Na realidade está taquigrafando tudo o que o senhor diz, tudo o que eu digo e tudo o que todos dizem." Ele perguntou: "Não dá para nos livrarmos desta velhota?" Respondi-lhe: "Não, preciso dela aqui para anotar tudo o que se diz neste consultório." Ele continuou: "O que este tipo da Marinha está fazendo aqui?" Respondi-lhe: "É um aluno de Medicina. Está me auxiliando a trabalhar com seu filho, fazendo terapia." Continuou: "Que espécie de cara é você que precisa de um aluno de Medicina para ajudar?" Respondi-lhe que era "um aluno muito competente." Então percebeu o professor de Arte e perguntou: "O que é que este palhaço está fazendo aqui?" Respondi-lhe: "É um professor de Arte da Universidade de Michigan. Ele também está me ajudando na terapia de seu filho." Então ele disse: "Meu Deus. Eu pensei que as entrevistas médicas eram confidenciais." Respondi-lhe: "Todos nós mantemos segredo. Espero que o senhor faça o mesmo." Ele continuou: "Não pode mandar a velhota embora?" Disse-lhe: "Ela não é velha, está prematuramente encanecida e está fazendo umas horas de trabalho extra. Vai trabalhar até receber o pagamento." Ao que ele disse: "Ela é sua secretária. Não tenho nada a ver com o pagamento dela." Respondi-lhe: "Ela está trabalhando extra na terapia de seu filho. Por isso o senhor terá de lhe pagar." Ele respondeu: "Ela é sua secretária." Eu disse: "Está trabalhando para o seu filho. Pague-lhe." Ele perguntou: "Preciso?" Respondi: "Claro." Eu já vira a sua carteira no restaurante. Extraiu-a do bolso e disse: "Que tal um dólar?" Respondi-lhe: "Não seja ridículo." Continuou: "Quer dizer que eu tenho de pagar cinco dólares para esta velhota?" Respondi: "Claro que não. Não seja ridículo." Ele perguntou: "Dez dólares?"
Respondi-lhe: "Você mal está se aproximando da quantia." Ele disse: "Não serão quinze dólares?" Respondi-lhe: Respondi-lhe: "Acertou. Não serão quinze dólares, mas trinta." Disse-me: "Está louco?" Respondi-lhe: "Não. É só que eu gosto de pagar direito às pessoas." Tirou trinta dólares e pagou à secretária. Ela deu-lhe um recibo, agradeceu e desejou-lhe boa noite. Então o senhor Dean olhou em volta e disse: "O que é que estes tipos estão fazendo aqui? Quer que eu os pague?" Respondi-lhe: "É claro." Ele perguntou: "Trinta dólares?" Respondi-lhe: "Não seja ridículo. Setenta dólares para cada um." Ele continuou: "Acho que posso tomar lições com o senhor quanto à maneira de levar clientes à bancarrota extorquindo-lhes até o último tostão." Disse-lhe: "Muito bem, pague-os." Cada um recebeu setenta dólares, deu-lhe um recibo e desejou-lhe boa noite. Então o senhor Dean disse: "Suponho que o senhor queira o seu pagamento. Acho que uns cem dólares." Respondilhe: "Não seja ridículo." Continuou: "Não vai me dizer que vai me cobrar quinhentos dólares, vai?" Respondi-lhe: "Claro que não. Vou cobrar-lhe mil e quinhentos dólares em dinheiro agora." Disse-me ele: "Posso tomar aulas com o senhor sobre a maneira de extrair os tostões dos clientes." Assim, tirou três notas de quinhentos e pagou-me. Dei-lhe um recibo. Disse-me: "E agora, o senhor tem mais alguma idéia?" Respondi-lhe: "Oh, sim, o senhor gosta de tomar cerveja, sua esposa gosta de ir à igreja. Ela pertence à Liga Feminina Cristã de Abstinência. Ela não gosta que o senhor fique bêbado nos fins de semana. Não gosta do seu hálito de cerveja todos os dias. Bem, então vou lhe impor um limite de quatro copos de cerveja." Respondeu: "Raios, está certo!" Disse-lhe: "Não do jeito que o senhor está pensando. Vão ser cálices pequenos, não os copos que o senhor está pensando. Agora faça-me uma promissória de mil dólares. Terei o direito de cobrá-la na primeira vez que se embebedar. Senão, terá apenas o direito de beber
quatro cálices com um oitavo da dose combinada por dia e mais nada." Fez o cheque e disse: "Acho que posso aprender a extorquir dinheiro com o senhor." Respondi-lhe: "Muito bem, Robert está em casa visitando a mãe. Não quero que o senhor se encontre com ele. Não vai voltar para Siracuse, até o trem das "tantas horas" partir." E disse-lhe o horário da partida. Robert voltou na manhã de domingo. Enrubesceu quando entrou. Perguntei-lhe: "Aproveitou o fim de semana, Robert?" Disse-me: "Foi ótimo." Perguntei-lhe o que tinha feito. Respondeu-me: "Aparei a grama. Não choveu." Ficou violentamente corado quando disse isso. Eu tinha pedido a Jerry para me pôr a par da linguagem militar. Robert estava diante de mim. Eu disse: "Atenção! Cerrar fileiras! Marche! Virar à esquerda! Marche! Parar! Tomar um gole de água na bica! Marchem para o banheiro e dêem uma mijada! Em frente! Marchar! Parar na bica! Tomar um gole de água! Sentido! Marchar! Virar à direita! Entrar no consultório! Sentido!" Jerry ficou de pé quando eu disse: "Atenção." Cerrou fileiras com Robert que ficou em posição de sentido. Fizeram o que eu disse. Então eu continuei: "Agora, Robert, relaxar." Prossegui: "Na semana passada, você perguntou se estava chovendo, e se tinha um fio de água escorrendo pela janela. Foram comentários simbólicos. O único significado que pude inferir foi que a chuva é uma água que cai, e a urina também é uma forma de água que cai. Você voltou para casa. Aparou a grama e disse-me que 'não choveu'. Bem, Robert, quero saber toda a verdade." Robert disse: "É embaraçoso. Aparei a grama. Não sei por quê. Peguei o aparador de grama e recoloquei-o na garagem. Em frente da garagem tem uma porta que se abre para cima. Os vizinhos do outro lado da rua podem olhar para a garagem e ver tudo o que se passa lá dentro. Depois de botar o aparador na garagem, urinei em cima dele. Então eu soube! Uma vez, quando era pequeno, estava na garagem, vi um aparador de grama novinho em folha e mijei nele. Não
ouvi minha mãe entrando na garagem. Ela bateu em meus dois ouvidos de uma vez, tapou a minha boca com a mão e cmpurrou-me para dentro de casa. Passou-me um tremendo sermão. Foi um sermão longo e de arrepiar. Depois disso, eu não conseguia mais urinar em casa, a menos que minha mãe estivesse ocupada na cozinha e meu pai no escritório. Então, quando ia acampar ou ia à escola, tinha de me afastar e encontrar um lugar isolado para urinar. Se alguém se aproximava de mim, eu ouvia aquele mesmo estrondo de trovão. Não reconhecia o fato como sendo a repetição dos tapas nos ouvidos." Respondi-lhe: "Este é o seu problema, Robert: Atenção! Cerrar fileiras! Em frente! Marchar! Em frente! Parar! Tomar um gole de água e entrar no escritório! Relaxar, cavalheiros!". E continuei: "E agora, Robert, acha que vai ter mais algum problema?" Robert riu e disse que não. A chuva é água que cai. Novos aparadores de grama precisam de um batismo quando se é menino. Ora, isto foi em julho. No Ano Novo, em Nova Iorque, recebi um telefonema do senhor Dean. Disse-me: "Bebi que nem um gambá, por isso pode descontar o cheque." Disse-lhe: "Senhor Dean, quando o senhor me deu o cheque com os mil dólares, eu lhe disse que ficaria com a prerrogativa de depositá-lo na primeira vez que o senhor ficasse bêbado. Mas não quero depositá-lo agora." Ele largou a bebida e começou a freqüentar a igreja com a mulher. Vinte anos depois, aconteceu de eu ficar retido em Siracuse devido a uma tempestade de neve. Telefonei para o senhor Dean do meu hotel e disse-lhe: "Boa noite, senhor Dean. Como vai?" E me identifiquei. Ele disse: "O senhor não virá visitar-nos?" Respondi-lhe que não. "Meu avião parte às quatro da manhã e seria muito inconveniente para o senhor." Ele respondeu: "A senhora Dean vai lamentar muito não vê-lo." Disse-lhe: "Diga-lhe para me procurar quando voltar da igreja." Disse-me que o faria. Tivemos uma conversa extensa e agradável. Robert combatera a bordo do destróier durante toda a guerra. Estava a bordo do navio onde o Japão assinou a
sua capitulação. Ele viu toda a cerimônia. Depois da guerra ingressou na Força Aérea Naval e morrera num acidente de aviação mais ou menos em 1949. O senhor Dean e eu nos falamos por telefone — desde aquele telefonema do 'estou bêbado que nem um gambá', recebi sempre um cartão de Natal de sua parte. Ele me disse que não bebera mais desde então e que freqüentava a igreja regularmente. Quando a senhora Dean chegou da igreja aquela noite, telefonou para o meu hotel e perguntou-me: "O que aconteceu com o cheque de mil dólares?" Respondi-lhe: "Dei para Robert. Disse-lhe a razão do senhor Dean tê-lo assinado, e em quais condições. Robert me disse que iria guardá-lo por algum tempo para ver se o pai pretendia manter-se sóbrio, depois o queimaria. Por isso, se vocês não o receberam quando ele estava na Marinha, sem dúvida ele o queimou." Bem, o senhor e a senhora Dean morreram e Robert também. Robert levou vinte e oito dias para superar o seu problema com a bexiga. Levou pouco mais de uma semana. Trabalhei às cegas, mas não muito. Soube reconhecer um pai tirano quando o encontrei. Subjuguei-o e transformei-o num bom ser humano. (Erickson olha para Sid e aguarda a reação dele.) Sid: Linda história. E: Gostaria que Robert ainda estivesse vivo. Jerry, o professor e a 'velhota' ainda estão vivos. Acho que se deve aceitar um paciente como ele é. Só vai viver hoje, amanhã, a semana que vem, o próximo mês e o próprio ano. As condições de vida dele são as de hoje. O insight do passado pode ser um tanto educativo. Mas não vai mudar o passado. Se teve ciúmes de sua mãe, sempre vai ser um fato que você teve. Se teve uma fixação indevida na sua mãe, isso sempre vai ser um fato. Pode entendê-lo, mas isso não vai mudar o fato. O seu paciente tem de viver de acordo com as coisas do dia de hoje. Por isso, cabe orientar a terapia para o paciente viver hoje e amanhã, e, quem sabe, na próxima semana ou no próximo ano.
E há algum tempo você está esperando que eu viva alguns anos a mais, não? (Para Sid). Sid: Absolutamente. Seu pai viveu até os noventa e sete anos, como o senhor disse. E: Hã-hã. No PBS vi um caso muito desagradável e triste de uma senhora que morava num asilo. Ela afirmara que queria viver num asilo. Vivera confortavelmente durante quarenta anos. Bem, aos noventa ainda estava vivendo bem num asilo. Então ela disse: "Não tive um só momento de vida decente nos últimos anos porque tinha medo de acordar morta no dia seguinte. Só fiz me preocupar, me preocupar e me preocupar com isso nos últimos seis anos e não tive um só momento de felicidade." Pensei então: "Por que diabos não faz um crochê e fica desejando intensamente conseguir terminá-lo antes de esticar as canelas?" (Erickson sorri.) Porque todos nós começamos a morrer quando nascemos. Alguns são mais rápidos do que outros. Por que razão não viver e aproveitar, porque vai acabar morrendo. Você não vai saber disso. Mas haverá alguém então que se preocupará com o fato. Até então, aproveite a vida. Você sabe de uma boa receita para a longevidade? (Dirige-se a Sid.) Sid: Não, diga-nos. E: Tome cuidado de sempre se levantar de manhã. (Risos) E pode se assegurar disso também tomando um bocado de água antes de ir para a cama. (Risos.) Sid: A pessoa se levanta bem cedo de manhã. E: Isto é absolutamente certo. Que horas são? Siegfried: Dez para as três. E: Vou lhes contar outra história. Vou ter de lhes dar alguma informação extra sobre os antecedentes. Na escola de Medicina, um de meus colegas era bastante tímido e retraído —• um bom aluno, mas muito tímido. Eu gostava dele. Um dia, na aula de fisiologia, nos dividimos em grupos de quatro. Cada grupo recebeu um coelho com o qual deveria fazer certas experiências. O doutor Mead, o professor, nos dissera: "Se o coelho morrer, vocês tiram zero. Por isso tomem cuidado."
Infelizmente o coelho do meu grupo morreu. O doutor .' I : . . Ü Í er.:Io: "Sirrrc muitc rapazes, :"as vão levar um zero." Respondi-lhe: "Sinto muito, doutor Mead, mas ainda não fizemos uma autópsia." Respondeu: "Muito bem, pelo fato de ser bastante inteligente para saber que teria de fazer uma autópsia, vou lhe dar cinqüenta de nota. Fizemos uma autópsia e pedi-lhe que visse. Vimos que o coelho morrera realmente de uma periocardite crônica. O professor então disse: "Este coelho não tinha o direito de estar vivo quando entrou no laboratório. Por isso vocês vão ter A de conceito." Certo dia de verão, este colega entrou no meu escritório e disse: "Sempre me lembro do que você fez com o coelho. Eu detestaria tirar um zero, e nunca me esqueci da maneira como você conseguiu a nota cinqüenta e depois um conceito A, só falando com o doutor Mead. "Exerci a Medicina num subúrbio de Milwaukee nestes últimos vinte anos e agora sou forçado a me retirar porque sou muito neurótico. Veja só quando eu era pequeno, meu pai era muito rico e minha mãe também. Tínhamos um casarão e muitos terrenos em Müwaukee. Toda a primavera eu era obrigado a colher dentes-deleão, e pagavam-me um centavo por ramos de flores. Quando a cesta estava cheia de dentes-de-leão, eu chamava o meu pai, e ele amassava as flores para que a cesta ficasse pela metade. Então eu o chamava novamente quando a cesta estava cheia. Habitualmente meu pai ou minha mãe iam até o jardim e esmagavam os dentes-de-ieão. Levava muito tempo para encher a cesta. E tempo para enchê-la. E me pagavam um centavo por todo o trabalho. "Quando eu estava na Escola de Medicina, encontrei uma moça que morava em Milwaukee. Ela tivera o mesmo tipo de pais que eu. Nós nos apaixonamos e casamos secretamente. Ela não teve coragem de dizer aos pais, nem eu aos meus. Os pais dela morreram e meu pai também. Meu pai me deixou independente com a herança e minha mãe é independente financeiramente, mas isso não ajudou em nada.
"Passei pelo meu estágio e minha mãe me informou que eu deveria exercer clínica geral num certo subúrbio. Alugou o consultório, contratou uma enfermeira muito competente para cuidar do escritório. Dirigiu o consultório. Tudo o que fiz foram exames físicos, históricos médicos e escrever as receitas. A enfermeira pegava as receitas, explicava para os pacientes o que tinham de fazer e marcava outra hora. Eu só fazia o trabalho. Ela dirigia o consultório e me dirigia. "Várias vezes por dia eu urinava nas calças. Sempre tinha uniformes extras no meu consultório. Mas gosto de Medicina. "Minha esposa é bastante sociável, mas eu nunca aprendi a sê-lo. Ela gosta de receber. Se acontece de eu chegar em casa quando há vários convidados, vou direto para o quarto ou para o porão. Meu passatempo é cultivar orquídeas. Fico lá até ter certeza de que o último convidado foi embora. "Tomo o café da manhã em casa, às vezes num restaurante. Sou muito neurótico quanto a isso. Não agüento ir a um restaurante onde as atendentes são moças. Só vou onde os atendentes são homens. Para ter certeza de que não vou demorar muito num restaurante, peço um purê de batatas num certo restaurante e como depressa. Depois, vou para outro restaurante e peço uma costeleta de porco, e como o mais rápido possível. Depois vou a outro restaurante e peço legume com pão e leite, como depressa e saio. Se quero sobremesa vou a outro lugar onde tenha um garçom. "Nunca comemoramos o Natal nem o dia de Ação de Graças. Para evitar o Natal, levo minha família para Sun Valley, em Idaho. Minha esposa e minha filha gostam de esquiar onde outras pessoas esquiam. Levanto-me de manhã cedo e esquio onde os outros não vão. Volto para casa de noite. Há lugares onde é possível comer e onde só há garçons. "Minha mãe tem uma casa de veraneio no lago. Comprou uma outra para mim, minha esposa e minha filha. Sempre
telefona para meu consultório e me diz onde devo passar minhas férias. E sempre tira férias na mesma ocasião. "Todas as manhãs minha mãe diz à minha mulher o que deve fazer para o café, o almoço e o jantar. Diz os dias em que posso nadar, em que devo andar de barco ou passear de canoa, e quais os dias que devo pescar. E nunca tive coragem de enfrentar minha mãe, minha esposa também não, pois os seus pais a tratavam da mesma maneira. Mas agora eles morreram. Agora ela está levando o tipo de vida de que gosta, com exceção do peso que eu represento. "Gosto de tocar violoncelo e toco bem. Mas a única maneira que consigo tocá-lo é no quarto e com a porta trancada. Minha mulher e minha filha ouvem do lado de fora. "Todos os dias minha mãe me telefona e conversa comigo durante uma hora sobre os acontecimentos diários. Tenho de escrever-lhe uma carta de dez folhas, duas vezes por semana. Ela me controla e eu não agüento mais. "Vim para Fênix, comprei uma casa e um terreno. Disse à minha mulher que estava me aposentando da clínica médica e que iríamos morar em Fênix. Ela se sentiu muito mal porque eu não a deixei escolher a casa e o terreno. Tive medo de falar com ela sobre o assunto. Toda a vida eu tive medo." Eu disse: "Bem, Ralph, antes de eu aceitá-lo como paciente, vou ter de falar com sua mulher e sua filha. Quantos anos tem a sua filha?" Respondeu-me: "Vinte e um." Eu disse: "Muito bem, mande sua mulher vir amanhã, e sua filha depois de amanhã." Eu entrevistei-as e a esposa confirmou tudo o que o marido dissera. Acrescentou que ele sempre levava a filha para jantar fora no dia de Ação de Graças, porque não suportava o esforço social de um jantar de Ação de Graças. Confirmou que não comemoravam o Natal, nem armavam uma árvore de Natal, nem davam presentes. A filha veio e disse: "Gosto do meu pai. Ele é calmo e gentil. É um homem bom. Mas nunca me deu um beijo, nem um abraço, nem disse que gostava de mim. Nunca me deu um presente de aniversário, nem um presente de Natal, nem um cartão no dia dos namorados, nem na Páscoa. É apenas
um homem calmo, gentil, um bom homem que parece ter medo de tudo, menos dos seus pacientes. Os pacientes gostam dele. Faz um bom trabalho. Quisera tanto eu ter um pai." Atendi Ralph e disse-lhe: "Sua esposa e filha corroboraram sua história e acrescentaram mais alguns detalhes." Por isso eu disse a Ralph: "Vou tratar você da mesma maneira como tratei o doutor Mead. Eu lhe disse que ele não podia nos dar zero, pois não fora feita uma autópsia. Vi que ele nos dera uma nota cinqüenta porque a autópsia ainda não fora feita. Felizmente ele nos deu o conceito A depois de feita a autópsia. Vou tratá-lo da mesma maneira. "Bem, a primeira coisa que quero que você faça, Ralph, é parar de urinar nas calças. Bem, estamos no início do verão. Dei uma espiada na sua casa e no seu terreno. Há montes de dentes-de-leão no terreno. Disse à sua mulher para conseguir uma pá de jardineiro e uma cesta. Vista umas calças velhas, vá para o terreno às oito horas da manhã, sente-se no chão e comece a arrancar os dentesde-leão. Há moitas de dentes-de-leão ali. Sente-se das oito horas da manhã até as seis da tarde. Sua esposa lhe dará dois garrafões de limonada e pílulas de sal. Bem, você sabe quantas pílulas terá de tomar, e vai ter de beber os dois galões inteiros de limonada. Tudo o que precisa fazer para urinar é ficar sentado lá e urinar no chão. Bem, Fênix é uma cidade pequena (nesta época era), e as pessoas são amistosas. Os passantes vão parar e conversar com você e vê-lo arrancando os dentes-de-leão. E você vai estar tomando sua limonada e urinando, e vai ficar sentado lá o dia inteiro." Ralph fez o que mandei. Colocou um chapéu de palha para proteger-se do sol. E arrancou os dentes-de-leão. A mulher despejou os cestos para ele. Naquela noite, tomou um banho e foi para a cama. Na manhã seguinte botou as calças velhas. Foi para o terreno e arrancou dentes-de-leão durante todo o dia, levantando-se e indo ao banheiro para se aliviar. Assim, parou de molhar as calças com uma condição punitiva categórica apenas. Teve a sua quota de calças mo-
lhadas. Aprendeu a viver, usando calças molhadas e falando com estranhos. Deste modo soube que podia viver. Então Ralph passou a me procurar regularmente e a debater os assuntos. Um dia eu lhe disse: "Você tem um jeito peculiar de fazer compras. Compra suas camisas, calças e sapatos. Faz isto entrando na loja dizendo; 'vou levar aquela camisa' (Erickson aponta e olha para outro ponto longo do que está apontando), e mande-a pelo C.O.D.* Quando chega em casa, prova o colarinho para ver se o tamanho está bom. Se não está, manda devolver. Depois entra e diz; 'vou levar aquela camisa', (Erickson aponta e olha para longe.) E isto até conseguir uma camisa que lhe sirva. Compra ternos entrando e dizendo; 'vou levar aquele terno. . .' Mande entregar na minha casa. E compra os sapatos da mesma maneira." Disse-lhe então: "Bem, realmente você não sabe fazer compras. Por isso vou sair com você para comprar. Ou você aparece no meu consultório ou eu vou buscá-lo em casa. Vamos fazer compras na terça-feira." Ralph veio e disse-me: "Tem certeza de que quer fazer isto hoje?" Respondi-lhe: "Sim, vamos levar bastante tempo e teremos um bocado de oportunidades de fazer compras." Ralph estremeceu quando viu a loja onde paramos. Quando entramos, uma linda vendedora se aproximou e disse: "Bom dia, doutor Erickson, o senhor deve ser o doutor Stevenson. Tenho certeza de que o senhor vai querer comprar algumas roupas de baixo para sua senhora." E mostrou cintas, soutiens, calcinhas e meias, com o tom de voz das grandes liquidações. Ralph ficou indeciso quanto às calcinhas que devia comprar para a mulher e a filha. A vendedora disse: "Doutor, as calcinhas de renda preta são realmente muito bonitas. Todas as mulheres gostam de usar calcinhas de renda preta. Veja, eu também gosto de usá-las." E arregaçou o vestido. Ralph procurou olhar para longe. Percebeu o meu olhar C O . D . — Cash on Delivery: pagamento contra-entrega. (N. do T . )
e viu que eu estava olhando com prazer para as calcinhas, e por isso olhou. Ela abriu a blusa e mostrou o soutien e se ofereceu para experimentar soutiens, calças e meias. Mostrou como as meias ficavam bem nela. O pobre Ralph sabia que a única maneira de sair da loja seria olhar, avaliar as mercadorias e fazer uma escolha. Ele não pensou no tamanho. Fez todas as compras. Em 1950, duzentos dólares em roupas íntimas era um bocado de coisas. Mandou embrulhar e enviar para casa. A esposa e a filha experimentaram, e não tinha quase nada do tamanho delas. Então deram as roupas para o Exército da Salvação e para a Legião da Boa Vontade. Depois foram ao centro da cidade e compraram duplicatas que lhes servissem. Então peguei Ralph e disse-lhe: "Há um outro grande passo que você deve dar. Creio que você nunca levou sua esposa para sair e ver o nascer do sol." Ralph admitiu que não. E eu disse: "No domingo, vou levar sua mulher e você para verem o nascer do sol." A esposa gostou da idéia, e ambos providenciamos para que Ralph fizesse comentários sobre as cores do nascer do sol. Na mesma noite Ralph levou a esposa para ver o pôr do sol. Ele não ia deixar que eu me encarregasse daquilo. Então, um dia eu lhe disse: "Sabe, Ralph, seu comportamento estranho em relação a restaurantes é desesperador. Você nunca leva sua família para comer fora. Infelizmente, na próxima terça-feira, você e sua esposa vão me levar para comer umas costeletas no jantar. Asseguro-lhe, Ralph, que Betty e eu vamos gostar de ser seus convidados." A caminho do restaurante eu perguntei: "Há duas entradas no restaurante, Ralph, a da frente e a dos fundos. Qual da duas você prefere?" Eu adivinhara corretamente; Ralph escolheu a dos fundos. Quando entramos pela porta dos fundos uma garçonete muito bonita cumprimentou-nos: "Boa noite, doutor Erickson, o senhor deve ser o doutor Stevenson." Ela se apressou em ajudá-lo a tirar o casaco e o chapéu. Levou-o até a mesa. Eu escolhi o lado da mesa. Ela queria saber se
Ralph estava sentado comodamente ou se queria outra cadeira. Uma garçonete das mais solícitas, que fazia tudo com educação e bom gosto. Ela era muito atenciosa, muito atenciosa mesmo. Ralph não sabia para que lado olhar. A garçonete saiu, e Ralph de repente descobriu que havia um relógio na parede, para onde podia olhar. Esperamos e esperamos. Meia hora depois a garçonete voltou com quatro bandejas de salada. A esposa dele e a minha esposa e eu não tivemos dificuldades na escolha. A garçonete estava muito interessada. Ralph olhou para longe e disse: "Vou querer esta." (Erickson desvia o olhar e aponta.) Ela lhe disse: "Mas o senhor nem olhou." Usou as colheres e pegou cada ingrediente da salada e explicou o que era. Ralph disse: "Vou querer essa." E ela retrucou: "Mas o senhor nem viu as outras três saladas." Assim ela fez com que ele examinasse todas as quatro saladas antes de deixá-lo escolher a que quisesse. Depois disse: "Tenho quatro tipos diferentes de molho." Explicou minuciosamente e fez com que ele escolhesse o acompanhamento da salada. Mas percorreu toda a lista para ter certeza de que ele sabia o que estava escolhendo. Depois dizia: "Agora, que tal isto, que tal aquilo, que tal aquela outra coisa." Girando percorreu a escolha dos acompamentos todos, duas vezes, antes de deixá-lo escolher. Depois serviu a salada; eram saladas excelentes. Depois passou-se outra hora e Ralph ficou olhando para o relógio o tempo todo, até que finalmente ela trouxe o cardápio Nós três não tivemos problemas com a escolha do jantar. Mas a garçonete quis se certificar de que Ralph pensara em todos os itens possíveis do mesmo. Discutimos os méritos de cada um dos possíveis pratos e finalmente deixou que ele escolhesse o filé. Ralph deu um suspiro de alívio. Então a garçonete perguntou: "Como quer o filé? Bem passado, mal passado, ou ao ponto? Grosso, médio ou fino? Carne com gordura ou pouca gordura?" O pobre Ralph teve grande dificuldade para escolher exatamente que tipo de carne escolheria. Então chegou a vez das batatas. Ela apresentou-lhe não sei quantas espécies de batatas.
Finalmente ele concordou com as batatas assadas. A garçonete se estendeu sobre outras coisas como a manteiga, o molho e as cebolinhas. Mudou de idéia várias vezes. O mesmo para cada prato. Por fim ele foi servido. Nós três aproveitamentos o jantar. A garçonete ficou ao lado de Ralph perguntando se ele tinha gostado disso e daquilo e depois afirmou-lhe: "Bem, olhe para mim, por favor, quando responder." E contou piadas. Era uma velha amiga da nossa família. Pobre Ralph. Finalmente acabou lhe dizendo: "O senhor ainda não esvaziou o prato." E obrigou-o a comer tudo. Quando ele acabou, ela perguntou: "O senhor gostou do jantar, doutor Stevenson?" Ele disse que sim. Ela con.tinuou: "Então diga que gostou." E ele disse: "Gostei muito do meu jantar." Ela continuou: "Gostou muito mesmo?" Ralph percebeu o meu olhar e não teve outra escolha a não ser dizer que tinha gostado muito, muito mesmo. E ela continuou: "Gostou muito, muito mesmo?" E Ralph respondeu que gostara muito, muito, muito mesmo... Ela deu um suspiro de alívio e disse: "Fico feliz que o senhor tenha gostado muito, muito, muito mesmo do jantar, e tenha de beijar a cozinheira. Ela é muito gorda. Há duas maneiras de chegar até a cozinha. O senhor pode ir pela entrada da frente, mas também há um pequeno túnel que nós usamos na entrada dos fundos. Posso levá-lo por qualquer uma das duas. Bem, o senhor prefere ir pelo caminho da frente ou pelo caminho dos fundos? Se formos pelo de trás, não teremos que fazer toda a volta até a cozinha." Ralph me olhou, desviou o olhar e depois disse: "Vou pelo dos fundos." Ela continuou: "Obrigada, doutor Stevenson. A sua boa vontade de ir pelo caminho dos fundos é uma recompensa suficiente. Bem, deixe-me ajudá-lo a colocar o chapéu e o casaco e volte em breve para nos ver." Na noite seguinte Ralph levou a esposa e a filha ao mesmo restaurante. A mesma garçonete atendeu-os com um comportamento de garçonete, totalmente profissional e correto. Eu instruíra a garçonete muito bem. Depois de tudo
o que aconteceu Ralph podia levar a família ao restaurante e sentir-se muito à vontade. Então um dia eu lhe disse: ''Ralph, sua esposa e sua filha acham muito aborrecido morar em Fênix, com todo este calor e sem nada para fazer. E sua esposa gosta de dançar." Ralph disse: "Eu não sei dançar." Respondi: "Era o que eu temia. Mas tomei providências com algumas moças bonitas que vão lhe ensinar a dançar. É claro que sua esposa se dispôs a isso, mas acho que talvez você prefira as moças bonitas." Respondeu-me: "Vou deixar que minha mulher me ensine." Ralph descobriu que gostava de dançar quadrilha. E passou a levar a mulher todas as noites. Passou a freqüentar todos os clubes de dança de Fênix. Mandou-me até um' cartão-postal, foi uma verdadeira ousadia da parte dele. A foto do cartão era das duas portas externas dos toaletes, numa estava escrito: "Vaqueiros", na outra "Vaqueiras." Ralph me procurou e disse: "Sabe, sempre tive a ambição de dirigir uma quadrilha de dança. Acha que seria correto se organizasse uma quadrilha de dança?" Respondilhe: "Sim, Ralph. É uma ótima idéia. Acho que você apreciaria. E enquanto curte isto, acho que em troca, e para o prazer muito especial da sua mulher e da sua filha, você deverá tocar violoncelo de forma que elas não tenham de ficar fora do quarto para ouvi-lo." Ralph concordou em dar um concerto para a esposa e a filha e dirigiu várias quadrilhas. Tomou parte até numa peça que um clube de quadrilha organizou. Então eu lhe disse: "Há outro passo importante na sua recuperação. Você está indo muito bem até agora. Bem, enquanto está em Fênix, sua mãe tem lhe telefonado duas vezes por semana e de cada vez você fica uma hora contando tudo o que tem acontecido. E sua mãe lhe escreve de duas a quatro cartas extensas toda semana. Você tem de responder às cartas dela, além de responder aos telefonemas e escrever pelo menos dez páginas por semana." Bem, temos de modificar tudo isto. Vou cortar seu cordão umbilical. Compre uma mesa de piquenique e instale-a no
jardim. Consiga uma garrafa de uísque vazia com a marca aparecendo e outra garrafa pela metade com um rótulo colorido. Compre um chapéu de palha, sente-se no jardim com os pés descalços sobre a mesa, a garrafa de uísque ao lado, com a marca aparente, e a outra com o rótulo visível, de pé sobre a mesa e semicheia. Bote o chapéu inclinado para o lado. Fique se balançando na cadeira com os olhos meio fechados. Sua esposa vai pintar seu nariz de vermelho com rouge, bem como suas faces. Vamos tirar uma excelente fotografia e mandá-la para a sua mãe." Ele nunca mais recebeu nenhum telefonema da mãe, nem mesmo uma carta. Certo verão, Ralph escreveu para a mãe: "Laura, Carol e eu vamos passar as férias na cabana do lago em tal data." Foram para lá e a mãe não apareceu. Passaram ótimas férias. Um dia a filha me procurou e disse: "Sabe, está chegando o Natal. Papai nunca me deu um presente de Natal, nem de aniversário, nem um cartão, nem um beijo, nem nada. Gostaria de ter uma árvore de natal lá em casa." Eu disse à esposa de Ralph: "Estou muito ocupado e não dá para ir com Ralph comprar uma árvore de natal. Consiga uma árvore de Natal, decore-a e compre todos os presentes que desejar para a senhora, para a sua filha e para Ralph. Ele não vai questionar quando ver a árvore de Natal. Vai dar de ombros porque saberá que estou de alguma maneira por trás disse." Na véspera do Natal, a senhora Erickson, meu filho mais velho e eu passamos por lá. "Ralph, disse eu, algumas pessoas têm a tradição de abrir os presentes de Natal na véspera. A senhora Erickson e eu temos o hábito de abri-los no dia. Por isso vamos iniciar a sua tradição na véspera do Natal. Você pega o embrulho debaixo da árvore (Erickson gesticula), e entrega-o para quem vai recebê-lo. Chama o presenteado pelo nome, deseja-lhe um Natal e dá-lhe um beijo." Ralph se aproximou com relutância da árvore. Eu arrumara os presentes adequadamente. Ele escolheu o embru-
lho e se encaminhou para a filha. Olhou para o chão e disse: "Feliz Natal, Carol", e deu-lhe um beijo no rosto. Então eu disse: "Carol, é esta a maneira certa?" Ela respondeu: "Não é não. Ele me deu beijoca no rosto, e mal deu para ouvi-lo dizer 'Feliz Natal', nem me chamar pelo meu nome." Continuei: "O que vamos fazer a respeito?" Carol respondeu: "Vamos dar-lhe uma demonstração." Prossegui: "Era o que eu temia. Por isso trouxe o meu filho. Ele é da sua idade e tem uma aparência bastante boa. Você pode escolher entre meu filho e eu." Ela respondeu: "Vou escolher o senhor, doutor Erickson." Assim, ela recolocou o presente que eu pegara embaixo da árvore. Dirigi-me a ela e disse-lhe: "Feliz Natal, Carol" Ela lançou os braços ao redor do meu pescoço e me deu um daqueles beijos grudados de dez minutos. Depois disse: "Papai, você não estava olhando. Agora vou ter de repetir tudo de novo." Desta vez Ralph olhou. Depois, pegou o segundo presente. Eu dera um jeito para que fosse o da mulher. A esposa estava olhando para mim e meu filho. Ralph se aproximou dela e disse-lhe: "Feliz Natal, Laura." E beijo-a na boca. O resto dos presentes foram distribuídos adequadamente. (Erickson ri.) Certo dia Carol me procurou e disse: "Vou me casar. Papai costumava ir a todos os casamentos dos seus pacientes. Mas em cada casamento, ele chorava. Chorava tão alto que se podia ouvi-lo na igreja toda. Não quero que meu pai fique balindo que nem um bezerro e perturbando todo o mundo com o seu choro. O senhor pode impedi-lo?" Disse-lhe: "Posso. Diga apenas à sua mãe para sentarse na nave lateral da igreja, nos bancos. Ralph deverá sentar-se à esquerda dela. E eu vou me sentar à esquerda de seu pai." Ralph ficou surpreso quando me juntei a ele e à esposa e à família no banco. Segurei a mão de Ralph, num dos seus dedos, e dei-lhe uma chave chinesa. Fiz com que fosse uma experiência bem dolorosa. (Erickson demonstra, segurando as juntas do indicador e pressionando com for-
ça.) Depois, à medida que o casamento prosseguia, logo que eu via o rosto de Ralph começar a se contorcer com sinais de choro, apertava os seus dedos e a expressão de choro era substituída por uma expressão de raiva. O casamento prosseguiu normalmente. Eu disse a Ralph: "Agora, Carol vai ter a recepção de casamento no pátio da igreja. Ralph, você prefere que eu e você caminhemos de mãos dadas ou acha que pode andar sozinho?" Ralph disse: "Vou por minha conta." E foi. Ralph planejou uma casa para a esposa na União Apache, num lugar que ela escolheu. Instalou um telefone e construiu a casa de acordo com as especificações da esposa. Antes de acabar de construir a casa, Ralph veio me ver e disse-me: "Tenho sentido dor na bexiga nestes últimos dois meses." Respondi-lhe: "Ralph, na sua idade, sentindo dor na bexiga durante dois meses. . . você sabe que deveria ter me procurado antes." Ele respondeu: "Sim, eu sei que deveria. Mas sabia que você me diria para procurar um médico. Então quero procurar." Disse-lhe: "Descreva-me esta dor." Ralph deu-me uma descrição absolutamente perfeita. Prossegui: "Ralph, espero que seja um tumor benigno. Acho que está com um tumor na próstata. Quero que consulte um urologista." Ralph disse: "Não vou procurar nenhum urologista. E você não pode me obrigar." Respondi-lhe: "Então vou tratar disso com sua esposa e sua filha." Ele respondeu: "Muito bem, não vou procurar nenhum urologista." Depois da esposa e da filha insistirem durante semanas para que ele fosse a um urologista, concordou. Então disse: "Mas não em Fênix." Continuei: "Aonde deseja ir?" Respondeu: "Talvez eu procure um em Mayo." Pergunteilhe: "Como vai viajar?" Disse-me que não gostava de avião. E eu então lhe disse: "Isto significa que você vai de trem ou de ônibus. Um ônibus faz várias paradas e você pode mudar de idéia, por isso sugiro um trem. Agora, Ralph, será que terei de mandar algumas enfermeiras bonitas com você para ter certeza de que você chega até Mayo, ou você me dará sua palavra que irá até lá sozinho?" Ralph sus-
pirou e disse: "Dou-lhe minha palavra que chego lá sozinho." De fato ele acabou tomando um avião de Chicago para Rochester, Minnesota e me telefonou de Mayo para dizer que estava lá. Por isso telefonei-lhe para descobrir se estava mesmo em Mayo. Estava. Examinaram-no e operaram-no. Disseram-lhe: "Se tivesse me procurado há dois meses atrás, poderíamos salvar sua vida. Na melhor das hipóteses o senhor terá mais dois anos de vida, por isso viva feliz, tanto quando puder." Ralph voltou e me disse: "Eu devia ter contado logo, porque sabia que você me obrigaria a ir. Tenho mais dois anos de vida. Tem alguma sugestão?" Respondi-lhe: "Apresse a construção da casa. Pelo menos você a verá pronta. E tome providências para ter todos os prazeres sociais que forem possíveis: sair para jantar, dançar." Ralph ficou muito doente nos últimos meses de vida e teve de ficar de cama. Levou um mês para ele morrer. Fui visitá-lo no leito de morte. Uma enfermeira estava tomando conta dele. Quando entrei no quarto ela voltou-se, olhou-me e disse: "Oh, o senhor é o doutor Erickson? Não vou ficar neste quarto com o senhor." Virou-se e saiu. Ralph perguntou-me: "Por que ela o trata desta maneira?" Respondi-lhe: "Ela tem boas razões: Não se preocupe com isto. Vou ajeitar a situação." Conversamos um pouco e eu disse adeus a Ralph. Ele me disse adeus. Agradeceu-me por eu ter-lhe dado alguns ótimos anos de vida, que ele realmente aproveitara. Acrescentou honestamente. "Não gostei da maneira como você fez certas coisas." Quanto à enfermeira, cerca de dois meses depois me procurou e disse-me: "Doutor Erickson, eu fui a enfermeira do doutor Stevenson. Vi o senhor entrar no quarto e disselhe que não ficaria no mesmo quarto que o senhor. Lembra-se por quê?" Respondi-lhe que sim: "Há muito tempo atrás eu lhe disse. Seu marido ganha bem como maquinista. A senhora leciona durante o ano e nos verões ainda trabalha como enfermeira. A senhora gasta tudo o que ganha pagando seu imposto de renda, as despesas de
sobrevivência, o imposto do seu marido e ainda paga os impostos de serviço dele. E faz tudo isso com o seu dinheiro. A senhora tinha um filho de três anos quando a vi pela primeira vez." Contou-me que o seu marido comprara um carro e não estava satisfeito com ele. E como era mecânico, pretendia construir um supercarro do futuro. Então eu lhe disse que seu marido passava todas as horas livres, todas as noites, todos os feriados e todos os domingos trabalhando naquele supercarro e gastava todos os rendimentos nisso, comprando novas partes e desfazendo-se delas. Comprando cada vez mais e não ficando satisfeito; pagando uma licença para o carro todo ano para dirigi-lo apenas ocasionalmente em volta do quarteirão, caso o carro estivesse em boas condições. Ele comprou novas carrocerias, novos chassis, novos motores, tudo novo. "Eu lhe disse anos atrás, quando a vi pela primeira vez, que seu filho, crescendo naquele tipo de ambiente onde a mãe dava duro para sustentar a família e permitia ao marido gastar todo o dinheiro construindo um supercarro, gastando cada minuto das horas de vigília no c a r r o . . . que o seu filho de três anos iria crescer e ser preso por algum crime ligado a carros antes de ter quinze anos." A enfermeira então disse: "Sim, esta é a história. Fiquei tão zangada que me recusei a pagar-lhe. Tive raiva todos esses anos. Meu filho vai fazer quinze anos no mês que vem. Prenderam-no por roubar um carro. Recebeu uma suspensão condicional da pena só porque fará quinze anos no ano que vem. Bem, agora tem um roubo de carro e uma suspensão condicional, e tem menos de quinze anos. Vou mandar-lhe um cheque pelo correio pelo que eu lhe devo." Respondi-lhe: "Não se incomode. Pagou muito caro pela lição. Vou lhe dar mais um conselho. Quando é que seu marido tem de renovar a licença de motorista?" Respondeu-me: "Este mês." Eu lhe disse: "Foi o que pensei. Anotei isto na sua ficha. Bem, desta vez, faça-o dirigir o supercarro do futuro até o local onde se tiram as licen-
ças para fazer o exame de motorista. Não empreste o seu carro." Assim, o marido foi renovar a licença. Passou no teste escrito. O inspetor levou-o para fora para fazer o exame de rua. Quando chegaram no carro o inspetor perguntou: "O senhor dirige esta coisa aqui?" Andou em volta, levantou o capo e olhou para dentro. Examinou e olhou minuciosamente o carro. Abriu a porta do carro e chamou outro inspetor. Examinaram realmente o aspecto do supercarro. Conversaram, aproximaram-se dele e disseram-lhe: "Se tivéssemos visto o senhor entrando no estacionamento dirigindo este carro, teríamos lhe dado uma multa. Mas não vimos. O senhor não vai dirigir este carro pelas ruas. Vamos notificar a polícia da cidade. A única coisa que o senhor pode fazer é chamar uma companhia de reboque. Recomendamos que o senhor leve o carro para o depósito de lixo ou venda-o no ferro-velho." O homem persuadiu a companhia de reboques a comprar o carro como ferro-velho. Depois que o levaram para casa, ele disse à mulher: "Sinto muito." Explicou-lhe a situação e disse-lhe: "Sinto muito. Daqui por diante vou lhe dar um cheque de pagamento e deixar você comprar um carro para eu ir trabalhar. Vou abandonar minha ambição." Ela disse abandonou, um carro e dirige-se ao
com amargura: "Junto com o carro que você vem abandonando seu filho. Vou comprar-lhe pegar seu pagamento toda semana." (Erickson grupo.)
Não é uma história horrível? Sid: O que havia no carro que o tornava tão horrível? E: O chassi não combinava com a carroceria. O motor era muito grande para um carro daquele tipo. O carburador não estava correto. Os inspetores ficaram furiosos. Disseram-lhe que era um risco. Perguntaram-lhe quantos quilômetros tinha rodado. Não foram muitos: uns três quilômetros e pouco. Disseram-lhe que o carro possivelmente não agüentaria até o reboque chegar no terreno do depósito.
Siá: O senhor tinha visto o carro? Ou adivinhou que eles achariam aquilo? E: Isto foi o que o inspetor lhe disse e ele repetiu-o. Ela me contou. Sid: Mas o senhor disse à esposa para deixá-lo dirigir o carro até o lugar do teste. E: Sim. Sid: Então sabia que alguma coisa iria acontecer? E: Porque ela me contara quantos pára-lamas ele comprara e que nunca calhavam com a carroceria. Então ele comprava novos capôs que não combinavam com o pára-brisa. E um chassi que não combinava com o pára-brisa ou com o capô. Depois comprava uma porta nova que não servia na carroceria. Sid: Entendo. E: Nunca mais a vi, exceto por uma conversa telefônica muito triste que resumia o que o inspetor dissera, o que eles aconselharam e o que se seguiu. Há pessoas que você não pode ajudar. Pode tentar. A técnica de choque que empreguei com ela estava errada. Contei-lhe sobre as conseqüências do que ela esteve fazendo. Ela deveria saber que se o marido recebia um salário maior do que o dela, ele deveria pagar seus próprios impostos e suas taxas de serviço. Mas ela pagava tudo, o que me levou a crer que o caso exigia uma terapia de choque. E, evidentemente, ela não pôde saber que pagar as taxas de serviço e os impostos dele era uma coisa errada. Sid: Qual teria sido a melhor terapia na sua opinião? E: Eu sabia que não poderia atingir aquele homem. Ele estava obcecado com a idéia de um supercarro do futuro. Estava orgulhoso de sua habilidade como mecânico. Não havia jeito de tirar isto dele e ela não reagiria à verdade nua a crua. Ele deveria sustentá-la. Ela não deveria pagar os impostos, as taxas de serviço, a licença do automóvel dele e emprestar-lhe o próprio carro para que ele fizesse os exames de motorista esses anos todos.
O quanto uma mulher pode ser cega? Elas podem ser terrivelmente cegas, terrivelmente. E um homem também. Em outras palavras, não havia nada que você pudesse fazer para abrir os olhos dela. Não consegui de maneira alguma. Tentei primeiro sendo muito gentil, depois dizendo apenas a verdade. Mas acredito que ela me chamou apenas porque eu fui gentil na primeira vez. Quando descobri que a gentileza falhara, disse-lhe toda a verdade. Mas ela também não pôde aceitá-la. Oh sim! Recebi um telefonema dela há alguns anos atrás. Disse-me: "Não estou trabalhando neste verão, estou de férias." Agora vou contar uma outra história. Ralph disse-me: "Minha tia morava em Milwaukee. Ela tem cinqüenta e dois anos e nunca se casou, é financeiramente independente e só tem um interesse na vida: ir à Igreja Episcopal em todas as ocasiões possíveis. Ela não tem amigos lá, nunca fala com ninguém. No final de cada sermão sai cuidadosamente. Eu gosto dela e ela de mim, mas nos últimos nove meses ela tem estado terrivelmente deprimida." "Ela tem uma empregada e uma governanta que vão lá todas as manhãs. Elas permanecem o dia todo. Preparam a comida, fazem a arrumação e as compras. Ela paga um jardineiro para cuidar do jardim e para limpar a calçada da neve no inverno." "A governanta cuida de tudo." "Minha tia passa o tempo sentada lendo a Bíblia e indo à Igreja. Não tem amigos. Discutiu uma vez com a minha mãe e já não se falam mais. Não me sinto disposto a visitá-la com muita freqüência. Sempre gostei muito dela, mas nos últimos nove meses, ela anda muito abatida. Na sua próxima viagem a Milwaukee, quando for fazer a palestra, poderia procurá-la e ver o que pode fazer por ela?" Procurei-a certa noite. A governanta e a empregada já tinham ido embora. Apresentei-me com muito cuidado. Ela era bastante passiva.
Pedi-lhe para conhecer a casa. E ela foi bastante passiva para me levar pela casa toda para que eu a conhecesse. Levou-me de quarto em quarto. Olhei todas as coisas com muita atenção. No jardim de inverno vi três violetas africanas de cores diferentes em pleno desabrochar e um outro vaso onde ela está deixando germinar outra violeta africana. Bem, vocês sabem, as violetas africanas são plantas muito delicadas. Morrem facilmente ao menor descuido. Quando vi as três violetas africanas, de cores diferentes, disse à senhora: "Vou lhe dar algumas prescrições médicas e quero que as cumpra. Entenda bem isto. Concordará em cumpri-las?" Ela concordou passivamente e eu lhe disse: "Amanhã, mande a empregada ir a um viveiro de plantas ou a um florista e consiga violentas africanas de todas as espécies. Acho que naquela época havia treze espécies diferentes de violetas africanas. Disse-lhe: "Estas serão suas violetas africanas e você vai cuidar bem delas. É esta a sua prescrição." "E diga também à governanta para comprar vasos de flores para presente, outros cinqüenta vasos comuns e adubo. Quero que corte uma folha de cada uma das suas violetas africanas e plante-as nos vasos e também cuide das violetas já crescidas." Elas se propagam plantando-se as folhas. Disse-lhe mais: "E quando tiver uma reserva adequada de violetas africanas, quero que mande uma para cada recém-nascido dc cada família da sua igreja. Quero que mande uma violeta adulta de presente para cada pessoa que estiver doente na sua igreja. Quando alguém avisar que vai ficar noiva, mande-lhe uma violeta africana. Quando se casarem quero que lhes mande violetas africanas. Em caso dc morte, envie um cartão de condolências com uma uma violeta africana. E, para os bazares da igreja, contribua com uma dúzia ou mais de violetas africanas para colocarem à venda." Soube uma vez que ela estava com duzentas violetas africanas em casa.
Uma pessoa que cuida de duzentas violetas africanas não tem tempo para ficar deprimida. (Risos gerais) Morreu aos setenta anos, com o título de "Rainha da Violeta Africana de Milwaukee." Só a vi uma vez. (Erickson ri.) Sid: Com montes de amigos também, com certeza. E: Sim, seguramente teve amigos de todas as idades. Quando uma criança adoece e ganha um lindo vaso com uma planta dentro, a pessoa se tornou amiga desta criança. Os pais ficam tão satisfeitos que dizem à criança para ir agradecer. Assim, ela ficou ocupada durante vinte anos. Acho que isto foi o importante, não o insighí do passado nem o insight de sua condição de solteirona. Sid: Fazer. E: Fazer. E fazer algo que tivesse um significado social. Mas ela não percebera quanto havia de social naquilo. Foi tomada pela coisa. Ralph sentiu-se grato por isto. Um fazendeiro trouxe a esposa para eu atender. Disseme: "Ela anda deprimida e suicida nestes últimos tempos, nestes últimos nove meses. Teve uma artrite grave e foi ao cirurgião ortopedista para se tratar. Levei-a também a psiquiatras para uma psicoterapia. Todos recomendaram eletrochoque ou choque de insulina quando ela estivesse deprimida." "Ela quer tem uma criança e o ortopedista lhe disse: 'Engravidar vai piorar sua artrite, e eu não a aconselho porque já tem vários outros inconvenientes'. Ela foi a um obstetra que lhe disse: 'Não aconselho engravidar. Você já tem vários problemas e a artrite pode piorar. Talvez você não consiga dar a luz ao bebê.' " O marido trouxe-a para eu atender, carregando-a. Deixei que ela me contasse a sua história. Disse que para ela a gravidez valia mais a pena do que a própria vida. O marido disse ainda: "Tenho tirado tudo quanto é faca do seu alcance." Um paciente suicida acaba cometendo suicídio apesar de todas as precauções. Há vários adiamentos que se consegue fazer antes que ocorra o suicídio.
Disse-lhe: "Bem, a senhora diz que uma gravidez é mais importante para a senhora do que a própria vida. O obstetra foi contra. O cirurgião ortopédico desaconselhou. Os psiquiatras também. Meu conselho é: 'Engravide logo que puder. Se a sua artrite piorar, a senhora ficará na cama e aproveitará a sua gravidez. Bem, quando chegar a hora do parto, a senhora pode fazer uma cesariana. Não há nenhuma lei contra isso e é o mais sensato'." Ela logo engravidou, a artrite melhorou e a depressão passou. Foi uma gravidez de nove meses felizes. Deu a luz sem problemas e de fato ficou feliz com Cynthia, que foi o nome que deu à filha. O marido ficou muito feliz. Infelizmente, aos cinco meses de idade, Cynthia morreu de um tipo de asfixia espontânea do berço. Depois de alguns meses, o marido trouxe-a e disse: "Ela está pior do que nunca." Fiz algumas perguntas à mulher. Respondeume: "Só quero morrer. Não tenho nenhuma razão para viver." Fui ríspido e disse meticulosamente: "Mulher, como pode ser tão estúpida? Durante nove longos meses, você teve o período mais feliz da sua vida. Quer se matar e destruir estas lembranças? Isto é errado. Durante seis meses foi feliz com Cynthia. Também quer destruir estas lembranças? Acho que isto é um erro criminoso." "Por isso seu marido vai levá-la para casa e conseguir uma muda de Eucaliptus. A senhora vai dizer-lhe onde deve plantá-lo. A árvore de Eucalipto cresce muito rápido no Arizona. Que dê o nome de Cynthia à muda de Eucalipto. Quero que observe Cynthia crescer. Quero que antecipe o dia em que vai poder sentar-se à sombra de Cynthia." Um ano depois fui visitá-la. A muda crescera bem rápido. (Eu tinha um no meu jardim, de uns dezoito metros e só tinha seis anos.) Ela me recebeu bem. Não estava mais confinada à cama, nem na cadeira. O fato de andar melhorara muito a artrite. Os canteiros de flores ocupavam um espaço maior do que toda esta casa. Mostrou-me todos os canteiros. Mostrou-me todos os tipos
diferentes de flores. Deu-me uma braçada de ervilha de cheiro que eu trouxe para casa. Os pacientes muitas vezes não conseguem pensar por conta própria. Nós podemos dar a partida inicial para que pensem na realidade de alguma maneira boa. Cada flor que ela plantava lembrava-lhe Cynthia, como o eucalipto que eu chamei de Cynthia. Usei esse programa em vários casos. Atendi um homem que trabalhava para a Reynolds Aluminium. Trabalhava e sofria de muitas dores nas costas. Levei-o a discutir a dor, a vida familiar, as durezas do trabalho, o fato de que ele planejava ter sua própria casa, o lar sonhado. Construíra a casa de acordo com seus sonhos para agradar a esposa, mas a casa consumia cada tostão que ele conseguira economizar, e a hipoteca era muito alta. Disse-me que o que achava pior era que desde menino sonhara com uma casa dele mesmo, com uma cerca de estacas brancas ao redor. Disse-me: "Não posso mais comprar nem um pedaço de madeira, e minhas costas doem muito para que eu consiga investir algum tempo na construção de uma cerca. E não posso arcar com as despesas. Eu queria que ela fosse pintada de branco e a sonhada casa não me está satisfazendo. Volto para casa do trabalho, sento-me na cadeira de balanço, reclino-me e é o único alívio que tenho. Sento-me à mesa, e minhas costas voltam a doer." Disse-lhe então: "Vou ter de atendê-lo outra vez, porque primeiro quero que o senhor consulte com um amigo meu que é reumatologista. O reumatologista me deve um bocado de dinheiro, e vou dizer-lhe para não cobrar a consulta. Vamos botar na conta do que ele me deve. O reumatologista era um homem muito competente. Examinou o senhor cuidadosamente e disse-lhe: 'Não há nenhuma patologia orgânica real. Acho que este homem carrega um fardo existencial muito pesado nas costas'." Mandou o cliente de volta para mim. Eu lhe disse: "O senhor não pode comprar bastante táboas paia fazer uma cerca de estacas em volta da casa e do terreno grande que tem. E sonhou com isto por mui-
tos anos. Bem, acho que o senhor gostaria de ir até o Depósito Beacon. Eles têm um monte de engradados por lá; desmancham os engradados e jogam muita madeira de segunda mão nos fundos. Há vários outros lugares na cidade, lojas de móveis, onde as coisas vêm dentro dos engradados ou de caixotes grandes. Acho que o senhor vai gostar de passar nestes depósitos e encontrar as táboas que precisa para a cerca de estacas. E uma mão de cal é muito barata. A cal não custa muito. É claro que terá de renová-la, mas o seu trabalho lhe poupará dinheiro. Então o senhor terá a casa de seus sonhos com a cerca de estacas brancas." Ele descobriu um monte de madeira velha no depósito Beacon e em várias outras lojas de móveis e conseguiu sua cerca. Bem, e por que não? Meu filho Bert, quando morava em Fênix, disse que queria ganhar algum dinheiro para comprar maquinaria para sua fazenda. Uma firma para a qual trabalhou comprava material que chegava por transporte de carga. E este sempre vinha encaixotado em madeira de vidoeiro. Assegurou ao patrão que empilharia a madeira desperdiçada ou faria o que o patrão desejasse com aquilo. Então o patrão lhe disse: "Vai me poupar dinheiro se levar para o depósito de lixo." Bert respondeu-lhe: "Vou tentar utilizá-la para mim." Assim, Bert construiu uma casa com tábuas de vidoeiro. E construiu um vagão que prendeu ao carro, e levou toda a família para uma viagem às Montanhas Rochosas. Acho que as pessoas devem trabalhar. Outro exemplo: um homem anunciou que tinha doze mil pés de laranjeiras adultas, que ele deixara morrer. Estavam mortas há vários anos. Um corretor de imóveis foi ter com ele e ofereceu-se para comprar todos os acres de terra onde as laranjeiras estavam plantadas. Ele anunciara os doze mil pés de laranja para qualquer pessoa que fosse até lá e se dispusesse a cortá-las. Passou em todos os canais- de televisão mas ninguém apareceu para cortar.
Bem. se as árvores morrem e você não as abate, tem madeira curada para aproveitar. E a madeira de laranjeira é muito apreciada na indústria de móveis. Doze mil troncos de laranjeiras adultas valeriam uma fortuna para qualquer um que realmente quisesse conseguir algum dinheiro. Pois a pessoa poderia pegar uma serra; dá trabalho, mas poderia pegar uma serra e cortar umas mil árvores por dia, talvez umas quinhentas. Cortar todos os topos, e depois cortá-las rente ao solo e retalhar as toras: "Então teria uma quantidade valiosa de madeira para vender a uma fábrica de móveis." Se meu filho estivesse disponível, eu o mandaria com uma serra para lá e faria ele alugar um caminhão. Logo que a depressão se fez sentira mais forte, muitas pessoas passaram a esmiuçar as vielas procurando latas, garrafas e madeira velha. Algumas pessoas conseguiram alguns dólares por semana nos lugares onde anteriormente se tinha vivido com conforto. Sid: O senhor tem algo que funcione para afastar as pessoas do trabalho de cobrador de seguros? Também tenho um paciente com dores nas costas como o senhor mencionou. Usei a hipnose para saber a razão da sua dor. Finalmente ele veio falando de um "cheiro de tinta". E entrou num acesso de fúria contra os primeiros patrões que o tinham maltratado durante vários anos, e, finalmente, despediramno quando ele estava no hospital com problemas nas costas. Disse-me: "A companhia de seguros me trata muito bem. É uma companhia de seguros maravilhosa." Parece que ele está disposto a ficar nesta corretora pelo resto de sua vida. E: É, eu sei, tive um monte destes pacientes. Sid: Há alguma maneira de livrá-los disso? E: Inquira cuidadosamente quanto aos sonhos de infância, os desejos de criança e o que querem fazer realmente. Da mesma maneira, que fiz com o homem com dores nas costas. Era um antigo fardo que ele carregava. Queria uma casa com uma cerca de estacas brancas.
Sid: Muito bem. E: Tenho um amigo em Portland, Oregon, chamado Don. Passei vários dias na casa dele quando estava fazendo uma viagem de palestras. Ele é cirurgião plástico e tinha talento para usar a hipnose. Uma noite chamaram-no para uma emergência. Um corredor fora projetado para fora do carro e deslizara uns seis metros sobre uma estrada de cascalho. O rosto estava terrivelmente machucado. Chegou ao hospital com dores atrozes. Don lhe disse: "Você sabe, antes de lhe dar uma anestesia tenho de limpar o seu rosto. Você já ouviu falar de violinos?" O paciente disse: "Está doendo, não quero ouvir falar de violinos." Don disse-lhe o seguinte: "A maneira de se fazer um violino c a seguinte. Você sai guiando o seu carro, olha cm volta e vê uma velha árvore morta, um tronco ou uma táboa jogada fora. A gente examina com curiosidade. Então você pega uma lixa e uma plaina. Depois senta-se, lixa, aplaina e tinge a madeira. Assim se fazem os violinos e violoncelos." Don entrou em muitos e elaborados detalhes. O paciente continuava a dizer: "Não quero ouvir falar de violinos. Por que não trata do meu rosto?" Don continuou a falar despreocupadamente sobre violinos. Contoulhe como vencera um concurso nacional como violinista regional. Como entrara em concursos de violinos em todo Estados Unidos. Falou sobre outros tipos de madeira, o veio da madeira, e o estiramento dela. O paciente perguntou-lhe: "Quando é que o senhor vai tratar do meu rosto?" Don disse-lhe: "Bem, primeiro tenho de limpar o seu rosto e retirar um pouco do cascalho. Conhece a melodia desta música?" E continuou chateando o paciente e a própria dor. Finalmente, Don disse para a enfermeira: "Que tal meu trabalho?" O paciente disselhe: "Então o senhor costurou o meu rosto todo?" Sid: O senhor chateou a dor dele. Essa é boa.
E: Don disse-me: "O paciente ficou inteiramente surpreso e me disse: 'O que posso fazer pelo senhor?' " Don respondeu-lhe: "Pode se lembrar de mim." Sid: O quê? E: "Você pode se lembra de mim." Algum tempo depois, meu amigo recebeu um bloco de madeira do qual fez alguns violoncelos e violinos. Quando a gente parece estar fazendo coisas incrivelmente tolas, afasta-se a dor da mente do paciente. E Don é perfeito nisso. (Para o grupo) Que horas são, por favor. Sid: Quatro horas e vinte e dois. E: Que vergonha! Vocês me deixaram trabalhar demais. Minha fala está ficando cada vez mais pesada. Mas, como vocês sabem, a fita de gravador nunca presta atenção às minhas deficiências de fala. Registra minha fala e transmite-a bem. Não registra os defeitos. Pareço ter uma boa voz numa fita gravada. Sid: Excelente. Uma mulher: Obrigada. Siegfried: Amanhã não haverá sessão. Amanhã é sábado. E: Isto quer dizer descanso para mim. Levo uns dois dias para me recuperar. (Risos gerais.) E Sidney? Sid: Sim? E: Enquanto observamos o grupo, espero que você tenha prestado atenção. Pois quando se observa um grupo de alunos na hora em que se está ensinando, a gente vê evidências de fala subliminar. Sid: Oh, sim. Observei a ocorrência várias vezes. Eu próprio percebi em mim mesmo. O senhor se refere a uma fala subliminar de fato e não apenas movimentos? E: Fala subliminar e movimentos. Sid: Percebi mais os movimentos. E: E é surpreendente como as moças são covardes. Sid: Covardes? Em que sentido? E: Quando a gente olha para certas alunas, de vez em quando a gente nota uma certa expressão facial. Minha longa experiência me diz o que estas expressões significam.
Habitualmente elas são muito covardes para verbalizá-las, ou para concretizá-las. Sid: Hã-hã. E: (Para uma mulher.) Eu li o seu rosto. Mulher: Leu? (Risos) Os alunos agradecem ao doutor Erickson e pedem-lhe para autografar livros. Despedem-se.
APÊNDICE: COMENTÁRIOS SOBRE AS INDUÇÕES COM SALLY E ROSA Este apêndice contém um registro de um debate entre Erickson e eu sobre as induções que ele fez com Sally e Rosa na terça-feira. Nós observamos as induções no videotape, e, freqüentemente, retrocedemos à gravação para discutir certos aspectos do trabalho de Erickson. O debate ocorreu em dois dias separados: 30 de janeiro e 3 de fevereiro de 1980. As induções foram feitas seis meses antes. Para os que se interessam por hipnose, seria um exercício valioso estudar as induções que aparecem no texto e inferir o que Erickson estava fazendo de fato nas induções. Então o leitor pode comparar suas inferências com o debate que aparece no Apêndice que se segue. Conforme mencionado na introdução, seria necessário ser um observador arguto para captar mais de cinqüenta por cento das formas sutis de comunicação que Erickson utilizou para influenciar Sally e Rosa. Z: Es,ta, e a sessão de terça-feira, o segundo dia de laboratório, e Sally não estava no primeiro dia. Já estávamos com quinze minutos de sessão quando ela entrou no consultório. O senhor estava contando a história da menina que urinava na cama e que lhe deu um polvo de fazenda roxa de presente. Sally chegou mais tarde e imediatamente o 349
senhor a usou como sujeito. É uma excelente indução. Muito, muito boa. E: Por que você está escondida aí atrás? (Erickson volta-se e dirige-se a Sally.) S: Eu fiquei esperando algum tempo para não interromper. Vamos ver se encontro algum lugar. E: Eu posso retomar em qualquer ponto; por isso entre e encontre um lugar. S: Há algum lugar aí atrás? E: Será que pode trocar de lugar? (Erickson indica que Rosa, que está sentada na cadeira perto de E., deve passar para a esquerda para ceder o lugar a Sally.) Pode colocar outra cadeira exatamente aqui. (E. mostra um lugar diretamente à esquerda.) Passa-lhe uma cadeira. (Um homem abre uma cadeira desmontável bem à esquerda de E. Sally senta-se perto de E. e cruza as pernas na sua direção.) E: Não precisa cruzar as pernas. S: (Descruza as pernas e ri.) Sabia que o senhor faria um comentário qualquer. E: Os estudantes estrangeiros podem não conhecer a rima: "Um dinar, um dólar, um aluno na hora", mas você conhece não? S: Não. E: Você entendeu o significado de: "Um dinar, um dólar, um aluno na hora?" Z: Sim, entendi. É excelente: "Um dinar, um dólar, um aluno na hora, o que o faz chegar atrasado? Costumava chegar na hora e agora chega atrasado?" E: Hum, hum. Evoca lembranças da infância. Z: E isto foi uma espécie de punição pelo atraso dela? E: Não, eu a tinha feito se sentir envergonhada. Z: Sim. E: E então lhe dei algumas lembranças felizes da infância quando ela se sentou perto de mim. Z: Sim, o senhor a fez sentar-se ali. 350
E: Hum, hum, e qual a criança que, na escola, não deseja sentar-se ao lado do professor? (E. ri.) Z: Bem, há quatro coisas sobre a personalidade dela que ficam visíveis e o senhor as utilizou bastante bem. Uma, ela expressa contradições múltiplas. Por exemplo, não quer que a vejam, e no entanto chega tarde. Torna-se bem visível chegando atrasada. Uma segunda característica da personalidade dela é que ela é uma personalidade do tipo uni-superior. Uma terceira característica é a necessidade que ela tem de ser bem precisa e de não errar. Por conseguinte, ela é cautelosa quando fala. Cautelosa de um modo bem especial, percebe-se isto imediatamente. Uma quarta característica é que ela é teimosa. Depois de ter entrado, ela apontou para o fundo da sala e o senhor a fez sentar na frente. .Depois, ela cruza as pernas e o senhor lhe diz: "Não precisa cruzar as pernas." Ela ri e descruza as pernas dizendo: "Sabia que o senhor faria um comentário qualquer." É outra expressão de contradição, porque ela não se permite ficar num papel uni-injerior verbalmente, mas a linguagem corporal e o resto do comportamento são mais cooperativos. E: Ela diz: "Sabia que o senhor faria um comentário qualquer." Isso estava dentro dela. Z: Não estou entendendo. E: "Descruze as pernas." Isto é de fora para dentro. Quando você descruza e comenta o fato, isto é o seu dentro, comentando sobre o seu comportamento interno. Z: Por isso ela já estava internamente orientada para isso e estava comentando o próprio comportamento interno dela. Entendo. E: Ela estava exprimindo as próprias expectativas. Z: (Ri.) Que o senhor comentasse sobre o fato de ela cruzar as pernas.
E: Hum, hum. S: Não sei o resto. E: Francamente, nem eu. (Sally ri.) 351
Z: O senhor fez isto para manter no inconsciente o seu comentário indireto sobre o atraso dela? E: Concordei rapidamente com ela. Z: Com isto estabelecendo uma comunicação verbal. E: Hum, hum. E: S: E: S: E: S: E: S: E: S: E: S: E: S: E:
Sente-se à vontade? Não. De fato, entrei no meio das coisas e eu. . . hum. Nunca a vi antes. Mm. . . eu o vi uma vez no verão passado. Vim com um grupo. E você entrou em transe? Acho que sim. (Balança a cabeça.) Você não sabe. Acredito que sim. (Sally faz que sim com a cabeça.) E é só uma crença? Hã-hã. É uma crença e não um fato? É mais ou menos o mesmo. (Incrédulo.) Uma crença é um fato? Às vezes. Esta sua crença de que entrou em transe é um fato ou não? (Sally ri e limpa a garganta, tossindo. Parece embaraçada e autoconsciente.)
E: Há uma luta interna dentro dela. Z: Sim. O senhor perguntou-lhe se ela já entrara em transe antes. A nível verbal ela diz que "acredita que sim", mas a nível não verbal balança a cabeça, concordando. E: Esta é a resposta interna. Deixe-me lhe dar um exemplo grosseiro. Quando eu trabalhava na enfermaria psiquiátrica, soube que tinham chegado dois pacientes com perturbações. Ainda não os havia visto. Assim, quando meus alunos chegaram, disse-lhes: "Há dois novos pacientes com problemas, nas enfermarias C e D. Vamos subir para vê-los." 352
Z: E: Z: E: Z:
Mantive minha bengala fora de vista. Estava de jaleco branco. Abri a porta só um pouquinho. O paciente me viu e disse: "Estou vendo que o senhor está de jaleco branco. A casa branca fica em Washington, D. C. A Cidade do México é a capital do México." Você sabe disto, Eu sei disto. Qualquer João, José ou Joaquim sabe disto. São coisas externas. A outra paciente disse: "O senhor está de jaleco branco. Os índios Mancos ficam no Colorado." (Ela não estava vendo a minha bengala.) "Ontem eu vi uma cobra na estrada." Estes comentários são internos. Bem, eu tinha que pegar um livro e ir até onde o irmão dela indicara que passara a cobra. Poderia ver o rastro. Isto me custou dezesseis horas de trabalho. Bem, a paciente estivera lendo um livro sobre os primeiros tempos da reserva dos índios Mancos no Colorado. Havia mineiros em índios Mancos. O livro enfatizava que os mineiros não se enriqueciam porque perdiam no jogo. Os chineses da lavanderia trabalhavam que nem escravos e se enriqueciam. Este era o segundo dia que eu usava o mesmo jaleco! Era um problema de lavanderia. Havia uma avaliação interna. Agora, o que significava o rastro de cobra na estrada? Peguei o livro e li. A estrada para índios Mancos era como um rastro de cobra. Tudo aquilo era interno. Utilizo o externo e o interno o tempo todo com os pacientes. O senhor quer dizer que primeiro focaliza o externo e depois o interno, depois o externo e novamente o interno? Não de modo alternado. Mudo de vez em quando. Isto rompe o padrão consciente? Sim. E inicia um novo padrão. Vamos voltar ao início um instante. O senhor perguntou a Sally se ela já entrara em transe antes. Quando lhe fez esta pergunta, ela deve ter tido associações internas. Teve de remontar ao momento em que estivera ali antes. Então responde: "Acho que sim." E balança a cabeça no353
E:
Z: E: Z: E: Z: E: Z: E:
vaniente, concordando. Então o senhor prossegue no próprio estilo dela, de não se comprometer. A nível verbal ela diz que "acha que sim", e balança a cabeça de novo. Em seguida o senhor brinca com as palavras "crença", e "realidade". Ela não quer se comprometer a nível verbal. A nível verbal, ela não se permite estar na posição de aluna. Não se permite estar em posição "inferior" verbalmente. Mas a nível não verbal ela é mais receptiva. É sim. Veja. (Erickson pega uma bandejinha de rodas que está em cima da mesa e a segura perto do peito por um momento. Depois recoloca-a sobre a mesa, na beirada.) Suponho que você diria que eu a coloquei ali. Suponho que sim. (Ri.) Como você vê, não estou me comprometendo, mas me comprometi. Sim. Foi isso que ela fez. Sim. Então ela deve ter tido alguma associação para as palavras "crença" e "realidade". Ela recusa para deixar que a gente pense que ela equacionou os termos. Sim, a gente percebe que ela se mantém bem consistente com o não-comprometimento. Hã-hã.
S: Isto tem importância? (Risos do grupo) E: Esta é outra questão. A minha é se a sua crença é uma crença ou um fato. S: Provavelmente as duas coisas. E: Bem, uma crença pode ser uma irrealidade e pode ser uma realidade. E a sua crença é tanto uma realidade quanto uma irrealidade? S: Não. É tanto uma crença quanto um fato. (Sally sacode e segura a cabeça.) E: Você quer dizer que esta crença tanto poderia ser real quanto fictícia? E novamente real? Afinal o que é que ela é? (Sally ri.) 354
S: Agora realmente não sei mais. E: E por que demorou tanto para me dizer isto? (Sally ri.)
Z: Esta foi a primeira afirmativa definida que ela fez. Depois desta afirmativa, o senhor relaxou um pouco a tensão. E: Ela abaixou a cabeça. Z: É, ela abaixou a cabeça. Quer dizer que o senhor teve que fazer com que ela se sentisse perturbada, usando a técnica da confusão. E: Para que ela tivesse de escapar desse estado. Z: E a única maneira possível de escapar era se definir. O senhor ajudou a criar uma situação onde ela podia se comprometer a nível verbal. E: Sim, e de maneira subjugada. Z: De forma que ela ficasse na posição "inferior". E: Hã-hã.
S: Também não sei. E: Está se sentindo melhor? S: Oh! Sim, já estou me sentindo bem melhor. (Fala com suavidade.) Espero que as pessoas aqui não estejam chateadas com a minha interrupção. E; Você não está-se sentindo muito autoconsciente? S: Hum. . . Provavelmente eu me sentiria melhor me sentando atrás, mas. . . E: Fora de vista? <• . .. ...... S: Longe de vista? Bem, talvez.
Z: Aqui ela diz: "Espero que as pessoas aqui não fiquem chateadas com a minha interrupção." É a segunda vez que ela se refere a uma expectativa de que as pessoas não se aborreçam com a interrupção dela. Mas no dia seguinte, chega tarde de novo. É muito teimosa. E: Ela justifica o fato. ' 355
Z: Sim. Entendo. Chegando tarde no segundo dia, ela justifica o atraso do primeiro dia. E: Hã-hã. Z: Nesse dia ela diz novamente que espera que as pessoas não se chateiem com a interrupção. E, no entanto, faz questão de aborrecer as pessoas com uma interrupção, chegando tarde. É outra contradição. Também há outras contradições que ela expressa. Aqui temos Sally falando suavemente, quase como se não desejasse que se prestasse atenção nela, e, no entanto, chega atrasada e atrai a atenção sobre si. Há contradições também aparentes na forma de se vestir. Ela usa uma blusinha tipo soutien, que é sexy e reveladora, mas usa outra blusa por cima para disfarçar. E há outra contradição que eu gostaria de esclarecer, e ter a sua opinião. O que dizer sobre esta possível contradição entre ser uma adulta e uma menina? E: "Um dinar, um dólar", transformou-a numa menina. Z: O senhor forçou-a a ter uma associação interna com o crescimento. Muito bem. E: Onde as meninas se sentem melhor? No fundo do quarto Z: O senhor enfatizou as características de uma menina pequena? E: É. E ela enfatizou.
E: S: E: S:
O que significa isto? Inconspícua. Então você não gosta de ser conspícua? Ai meu Deus! (Ri, parece novamente autôconsciente. Co* loca a mão esquerda sobre a boca enquanto tosse.) Não. . . não... uh...
E: Z: E: Z:
O que quer dizer inconspícua? Não chamar a atenção. E o que mais? Não sei.
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E: Z: E: Z:
E: Z: E:
Z: E:
Há algo conspícuo sobre a minha mesa. Sei, é visível. Cite. Bem, eu estava olhando para a escultura em madeira do pássaro e depois para o boneco de massa. (Há um boneco de massa esculpida que representa Erickson usando um traje roxo, e que fica sentado sobre a mesa.) Este lápis é terrivelmente inconspícuo. Mas também está na frente. (Aponta para um dentre os vários lápis que estão em cima da mesa.) É pequeno. Ser pequeno é ser inconspícuo. Ser grande é ser conspícuo. Ela ficou uma "menina" depois de eu mencionar "um dinar, um dólar", no momento em que interrompeu. Este é o segundo significado de interromper. Certo. Isto traz de volta a rima "um dinar, um dólar", que a coloca no papel da aluna, onde ela é pequena. Volta no dia seguinte, e regride imediatamente ao papel da "pequena".
E: E você não gosta do que estou fazendo com você neste momento. S: H u m . . . N ã o . . . Bem, estou confusa. Fico lisonjeada com a atenção e curiosa quanto ao que está dizendo. E: (Sobrepondo-se.) E sente um desejo danado que eu pare. (Risadas gerais.) S: Bem, estou embaraçada (faz que sim com a cabeça.) Se eu estivesse falando com você sem ter interrompido, seria outra coisa, m a s . . .
E: Quando se fala com uma criança e se diz "danado", estamos enfatizando que somos adultos e que ela é pequena. Z: Entendi. É muito bom porque o senhor consegue em poucas palavras fazer a indução formal e seleciona associações, desenvolvendo a idéia de ela estar regredida. Cons357
E: S: E: S:
trói a indução em torno da e de pensar em virar uma sas fluem bem. Então você está preocupada Bem, eu. . . sim. O tempo meio. . . Hã-hã. Eu entrei na hora deles.
idéia de ela ser uma menininhamoça crescida. Por isso as coicom estas pessoas? deles aqui. . . e eu entrei n a
Z: Esta é a terceira referência que ela faz a interromper as pessoas. O senhor a desafiou do jeito que disse "Hã-hã". Sugeriu que tinha alguma dúvida quanto à preocupação dela com as pessoas. E: Hã-hã.
E: (Olhando para baixo.) Estabeleçamos uma outra hipótese mais consistente: a de que, ao fazermos psicoterapia, devemos fazer os pacientes à vontade e cômodos.
Z: Aqui o senhor desviou a atenção dela pela primeira vez>. olhando para o chão. Mencionou as palavras "à vontade" e "cômodo", de modo que ela teve uma associação; com a idéia de descanso e de comodidade. E: Hã-hã. E foi dito de tal maneira que não se pode questionar. Z: É, não há nenhum modo de questionar.
E: Fiz o melhor para embaraçá-la e para que se sentisse no centro das atenções. (Para o grupo.) Essa não é uma boa maneira de começar um bom relacionamento terapêutico, não é mesmo? (Erickson olha Sally, toma-lhe o pulso e levanta-o devagar.) Feche os olhos. (Ela olha-o, sorri„ depois contempla sua mão direita e fecha os olhos.) 358
Z: O senhor desviou o foco para longe dela e ela então desenfocou. Desviou-se porque o senhor não estava mais falando diretamente com ela. Ela então se interiorizou. E: Descanso e comodidade. Z: E o senhor mencionou descanso e comodidade. E: Por isso, criou-se uma ruptura que ela acompanhou com descanso e comodidade porque eram internos. Eu podia me separar dela. Mas o que faria ela com o "descanso" e a "comodidade"? Ficaria com eles. E: Mantenha-os fechados. (Erickson solta o pulso dela, deixando sua mão direita suspensa catalepticamente.) Quero que você entre num transe profundo. (Erickson toma-lhe novamente o pulso. O braço de Sally tomba suavemente. Então Erickson empurra a mão dela para baixo, devagar. Erickson fala lenta e pausadamente.)
Z: Bem, ela deixou a mão ficar no alto. Mas parecia que o senhor sentia que a mão dela iria cair. Por isso o senhor assumiu o controle e abaixou a mão dela, reenfatizando seu controle. E: Sim. Quando a abaixei, usei o mesmo toque que usei quando a ergui. (Erickson demonstra, levantando o braço de Z.) Há uma incerteza no meu toque. Z: Dc modo que ela tem de se internalizar novamente e focalizar a atenção para imaginar. . . E: O lado interno. E: E sinta-se satisfeita, muito à vontade, e realmente goze o sentimento de sentir-se bem c à vontade... tão à vontade. . . que você poderá se esquecer de tudo, exceto deste maravilhoso sentimento de satisfação.
E: Podemos esquecer-nos de tudo, menos de estar bem. 359
Z: Sim, ela entrou, o senhor a fez sentir-se mal. Aumentou a tensão. Então começou a semear idéias sobre sentir-se bem. Então, foi possível retornar diretamente à idéia de estar bem. e assim relaxou a tensão. Bem, há outra coisa que o senhor começou a fazer aí. O senhor afastou-se fisicamente dela. Então, logo depois, começou a aproximar-se, debruçando-se sobre ela, tão perto que isto se tornaria incômodo. O senhor vai ver como ficou perto. Então lá está ela com o corpo tranqüilo devido às sugestões hipnóticas. O senhor realmente está se inclinando bem para perto dela, e, no entanto, ela tem de sentir-se bem. E: E esta é uma reação interna. Z: Sim. Há uma tensão quando o senhor se aproxima. Mas quando ela entra em transe, o corpo está à vontade. Então o senhor está fazendo isto para que ela não sinta a reação interna normal de desconforto? E: Não. Eu alterei a entonação da minha voz neste momento e debrucei-me em direção a ela e isto atraiu a atenção dela para a minha voz. Z: Devido à reação interna dela? E: Sim. Por isso, independente de onde eu estava, ela podia ir cada vez mais fundo e cada vez se afastaria mais de mim, e, no entanto, estaria perto de mim. Z: O senhor quer dizer que ela iria cada vez mais para longe, para afastar-se daquele sentimento desagradável da sua proximidade? E: Não. Ela entraria num transe mais profundo e então se afastaria de mim. Uma realidade externa. Por isso fiquei tão perto dela e ela conseguiu abandonar a realidade e, ainda assim, estar perto de mim. Z: Sim, percebi. Eu achava que o que o senhor estava fazendo era lidar com alguma reação dela quanto a sentir-se aflita de estar perto das pessoas. Porque o senhor se aproximou de um modo incomodamente próximo e então sugeriu sentimentos de bem-estar no corpo dela. Por isso o senhor a deixou numa posição onde ela estava perto das pessoas, mas, no entanto, com o corpo relaxado. 360
E: Mas eu queria que ela se afastasse dos outros. Z: Percebi. E ficasse perto do senhor.
E: Depois de algum tempo parecerá que sua mente deixa seu corpo e flutua no espaço — retorna no tempo. (Pausa)
E: Eu removi a realidade e fiz com que regredisse no tempo. Z: Sim.
E: Ainda não é 1979, e nem mesmo 1978. E 1975 ainda c futuro. (Erickson inclina-se, aproximando-se dc Sally.) E o mesmo com 1970, e o tempo vai voltando atrás. . .
E: "E o mesmo com 1970." Z: O senhor frisou isto com sua voz e então se aproximou mais ainda quando disse isso. E: Sim. Z: E de novo reforçou o relacionamento dela com o senhor, independente de onde ela estivesse no tempo e no espaço. E: E assim ela teve uma associação com a minha voz. Z: Em primeiro lugar semeou a idéia de ela ser uma menininha com aquela rima infantil. Depois o senhor retornou a isso, usando várias formas hipnóticas de comunicação, de modo que, novamente, ela vivenciasse aquilo como uma menina pequena. Bem, então o senhor começou a fazer a indução, que se baseou no que o senhor já estabelecera. Então o senhor foi revivificando a experiência dela como menina e fez isto em passos pequenos.
E: Logo será 1960, e logo 1 9 5 5 . . . e então você saberá que está em 1953, e você então saberá que é uma garotinha. 361
E: Você está diminuindo de idade, voltando aos anos 60, 55, 53. (Erickson gesticula abaixando a cabeça bem devagar cada vez que cita os anos.) Z: E o senhor foi abaixando a cabeça à medida que mencionou os anos. E: Bem, isto alterou o locus da voz. Z: E ela teve uma resposta e uma associação adicionais àquela indicação mínima de sua mudança de voz. E: Onde naturalmente a gente localiza o futuro? À frente e mais além. Z: Entendi. Então o passado é para baixo e para trás. E: Isto é um conhecimento normal. Conhecimento não reconhecido. Em direção à frente e adiante, para o futuro. E para trás e para baixo, em direção ao passado. E: É bom ser uma menininha. Z: Uma coisa adicional neste ponto. O senhor lhe diz: " . . . E saberá que você é uma menininha. É bom ser uma menininha." O senhor faz afirmativas que ela poderia entender em dois níveis. Num nível, ela poderia pensar internamente: "Bem, será que eu fui 'criancinha' do jeito que sou normalmente no mundo?" A outra associação que ela poderia ter, seria a de ser uma garotinha no sentido da seqüência hipnótica do tempo, de que o senhor está falando. E: Estou falando do tempo, e ela não teria tempo de pensar coisas como: "Como será que eu pareço para o mundo?" Eu continuei guiando-a em todo o percurso. E: E talvez você esteja antecipando sua festa de aniversário, ou indo a algum lugar... indo visitar a v o v ó . . . ou indo à escola.. . E: "Indo" é uma palavra bastante poderosa. A meta não é a coisa importante. O que vale é o sentimento, o sentido de ir, e isto torna a meta real. 362
Z : Também aqui o senhor começará usando a palavra "talvez". Talvez você esteja pensando no seu aniversário. Sally é uma pessoa de posição do tipo uni-superior, de mando, por isso o senhor lhe fornece possibilidades. E: E ela assume o controle. Z: Muito embora dentro do seu esquema hipnótico. E: Sim. Dentro do esquema de referências que eu lhe dei. Só que ela não pode analisar este esquema. Z: Porque vai muito rápido. E: "Talvez exatamente agora você esteja sentada na escola." Agora é presente, e eu reforcei. É um longo presente. "Agooo-raa. . ." Dá um bocado de tempo para pensar montes de coisas neste "agora". E: É. Um agora prolongado. A gente não pensa em nenhuma parte do dia de hoje como um passado. Por isso dei a continuidade de "agora", dizendo "agooo-raa". Z: E assim reforçou-o no tempo. Isto é muito gozado porque quando eu faço palestras sobre o senhor e explico suas induções, explico às pessoas que se elas são de fato boas observadoras e boas ouvintes, só perderão uns cinqüenta por cento do que se está passando. E aqui estou, e estou só perdendo uns cinqüenta por cento.
E: Ou brincando no pátio, ou quem sabe é época de férias. (Erickson senta-se novamente.) E você estava se divertindo de fato. Z: E isto é definitivo: "E você estava se divertindo bastante." E: "Divertir-se bastante", significa o quê? Z: Que ela está se divertindo bastante naquele momento, que é o agora para ela. E: "Você estava se divertindo bastante" não define a ocasião. Se está brincando de amarelinha, ou pulando corda, ou brincando de esconde-esconde. Mas é um agooo-raa bastante divertido. 363
Z: Que ela tem de definir. E: Ela tem de definir, mas tem de defini-lo em termos de agora. Z: O que constitui a hipnose. E: É, e o tempo de escola. E: E quero que você fique satisfeita com o fato de ser uma menina que um dia vai crescer. (Erickson debruça-se sobre Sally.) E talvez você goste de imaginar o que será quando crescer. Talvez goste de divagar sobre o que fará quando for uma moça. Fico pensando se você gostará da Faculdade. E: "Que um dia vai crescer." (E usa uma voz cadenciada.) Z: Então o senhor usa sua voz para criar uma pressão adicional de que ela está "embaixo", e está pensando "para cima", em direção ao futuro. Sua voz melódica é do tipo que se poderia usar falando com uma menina. E por isso cria sugestões adicionais com sua entonação. E: Sim. Z: O senhor cria também um certo relacionamento dizendo: "Fico pensando se você gostará da Faculdade. E você pode pensar na mesma coisa." E: E minha voz segue com você por toda parte e transforma-se na voz de seus pais, seus professores, seus colegas e na voz do vento e da chuva. Z: É, foi elegante: "Seus pais, seus professores, seus colegas e do vento e da chuva". É tão tranqüilizante e abrange tudo. Abrange tantas possibilidades — os grandes e os adultos, o superego, colegas, o ego, as pessoas que são importantes para a criança — e então o vento e a chuva, como o id, as emoções primitivas.
E: Ê bem abrangente. Uma coisa que você não sabe sobre mim, Jeff. Meu pai era muito pobre. Eu tive de aprender a le'
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364
Z:
E: Z: E:
Z: E: Z: E:
muito rapidamente, e lia num dicionário, daqueles que não são abreviados. Levava horas e horas lendo aquilo. No curso ginasial fizeram-me testes de inteligência e ficaram atônitos com o meu vocabulário. Uma vez, em Montana, fui uma noite na casa de um médico, peguei um objeto e fiquei olhando curioso. Ele perguntou: "Como é que sabe disso? Foi do meu pai e nunca encontrei uma pessoa que soubesse o que é." Eu vira a gravura do licorne no dicionário, e a presa também, tudo ao mesmo tempo. E o fato de ler um dicionário tipo enciclopédico como eu li, do princípio ao fim, e antes de acabar o terceiro grau, me deu um conhecimento enorme do significado das palavras. Muito bem. Agora, na última afirmativa que fez a Sally, em termos psicanalíticos, o senhor estaria mencionando as funções do superego — pais e professores. Depois menciona o ego — colegas; e em seguida o id — o vento e a chuva. E fez isto em seqüência. Foi de alto a baixo com alguma intenção de criar algo abrangente, mas que era mais do que um todo-abrangente. Em outras ocasiões que ouvi o senhor dizer esta frase, sua voz podia mudar, mas nunca o ouvi fazê-la acrescentando a idéia do vento e da chuva. Freqüentemente acrescento. Como é o som do vento para a gente, quando se é pequeno? Oh, não sei. Parece um assobio. (E. bate na mesa devagar e repetidamente, várias vezes.) Você pode reconhecê-lo como algo que faz um som assim. O vento faz o som e você não vê a fonte de som em lugar nenhum. É uma coisa maravilhosa. O som do vento. Está ali, mas não está ali. É. Está ali mas não vem de lugar nenhum, e no entanto está ali. E assim, ela podia fazer a mesma associação com a sua voz. Sim. E com as gotas de chuva. Você as ouve ainda das folhas da árvore perto de onde você está. Ouve o som nas folhas no alto da árvore. Ouve as gotas no telhado. Estão em toda parte. E a gente se acostuma a localizar os sons porque isto é tremendamente importante na infância. 365
Z: Não vem de parte alguma e no entanto está em todas as partes. E: É todo o deslumbramento da infância. Se observar uma criança de dois anos ouvindo o vento. . . há um deslumbramento absoluto no rosto dela. O aprendizado consciente é que é necessário um objeto para fazer-se barulho. Bem, ali está um ruído sem objeto. Z: E o senhor pode dizer alguma coisa sobre a seqüência que vai dos pais, professores e colegas até o vento e a chuva? E: Isto faz com que seja todo-abrangente. A pessoa usa as associações emocionais com os pais, professores, que se relacionam com aprofundar-se, aprofundar cada vez mais. Z: Nas emoções mais primitivas ou básicas. E: Sim, e o sujeito usará esta emoção básica. Z: Muito bem, o senhor interrompeu o encadeamento do que estávamos falando quando o senhor sugeriu possibilidades como: "Talvez seja época de férias." Ela podia escolher associações internas em torno do tema de ser menininha. Depois o senhor mudou e sugeriu que sua voz estava em toda parte com ela. Em seguida, o senhor verá que retornou às associações de menina, onde ela poderia fazer escolhas. Por isso a frase: "Minha voz segue com você por toda parte", fica mais em evidência. E: Talvez você esteja no jardim colhendo flores. E um dia, quando você for uma moça, vai encontrar um grupo de pessoas e vai lhes contar alguns fatos felizes de quando você era pequena. E quanto mais satisfeita você se sentir, mais se sentirá como uma menininha, porque você é uma menininha.
E: Eu mantive minha cabeça abaixada quando enfatizei: "Você é uma menininha." Z: Novamente o senhor enfatiza uma sugestão, mudando o locus da voz. E: (Com voz cadenciada) "E um dia. . . vai encontrar um grupo de pessoas." 366
Z: "Quando você for uma moça." Assim, o senhor está sugerindo. E: Que ela vai crescer e que então poderá fazer aquilo. Z: E o senhor sugere isto com a sua inflexão. Também, quando diz: "E um dia", o senhor está sendo ereto, e isto se associa com o estado de vigília consciente, e de novo o senhor enfatiza a sugestão, direcionando o locus da voz. E: Bem, eu não sei onde você mora, mas talvez goste de andar descalça. Talvez goste de sentar-se à beira da piscina e mergulhar os pés na água, e gostaria de saber nadar. (Sally sorri um pouco.) E gostaria de comer seu doce predileto neste momento? (Sally sorri e acena com a cabeça devagar.) E aqui está, e agora você o sente na boca e saboreia. (E. toca a mão dela como se lhe desse alguma coisa. Pausa longa. E. volta ao seu lugar.)
Z: Ora, isto foi maravilhoso. Aqui o senhor lhe dá algumas alternativas que ela pode recusar: "Você talvez goste de andar descalça. Talvez goste de sentar-se à beira da piscina e gostaria de saber nadar." Depois de voltar a esta idéia com: "Você gostaria de comer seu doce predileto neste momento?" E então, o que é que toda menina aprende sobre doces? Toda menina pequena que não deve aceitar doces de estranhos. E ali está o senhor, perguntando-lhe se ela quer doce, e ela responde que sim. Então, o senhor não é mais um estranho. E: Hã-hã. Z: O senhor tinha este simbolismo em mente quando lhe deu o doce? E: Sim, e há outra coisa. As meninas gostam de doce. Eu queria ter certeza da minha transferência. Mergulhar as pernas na piscina ou andar descalço é permissível. Fiz duas permissíveis levarem a algo que não é permitido mas é delicioso. Assim, eu aumentei o peso da resposta. 367
Z: Então, de novo, o senhor encadeou as idéias. É como uma série de "sim". Uma idéia permissível, depois outra idéia permissível e ela está pronta para aceitar a terceira idéia como mais permissível. Foi excelente. Então, há uma idéia de confiança. Como é que o senhor estabelece a confiança num transe? O senhor lhe dá um pedaço de doce e ela pega. Lida com o resultado da confiança quando ela se decide a aceitar a bala. E: Hã-hã. E Freud disse que levava três para estabelecer a transferência. Z: Isto foi excelente. E então o senhor enfatizou, com uma inflexão, que ela estava sentindo o doce na boca. E: Outra coisa — mergulhar as pernas na piscina pode ocorrer em qualquer idade. Andar descalço define a idade. Tudo isto está relacionado com a infância. Mergulhar as pernas na água é uma coisa adulta também. E assim ela transfere o mergulhar as pernas como adulto. Andar descalço faz parte da transferência, e ela internamente mergulha as pernas na infância, pelo fato de ouvir mencionar o andar descalço. Então vem a bala. Z: Que o torna mais interno e mais infantil. E: Hã-hã. Porque nem sempre eu posso estar certo exatamente de onde estou. Mas sei como lidar com isto. Há vários significados para as palavras. Foi bom você aprender que "para a frente e para cima", relaciona-se com o futuro e "para trás" com o passado. E no entanto, há quanto tempo de fato você sabe disso? E: Bem, um dia, quando você for grande, falará para um grupo de estranhos sobre o seu doce predileto de quando era menina. E: Você tirou aquela foto de Roxie (filha de Erickson) e eu, segurando Laurel (a filha de Roxie, cujo apelido é "Berreira", devido ao choro muito forte.) e a corujinha das torres. (E. está segurando uma corujinha em pau-de-ferro, que ela dera para Laurel de presente.) Bem, o quanto isto será 368
real quando eu já tiver morrido e ela olhar para foto? A coruja acrescenta um significado enorme a esta foto. Dá um sentido de humanidade, de bondade e de paciência muito grande. E é uma coisa muito simples. E é uma corujinha, e ela, relativamente falando, era uma menina grande. A coruja está aqui embaixo. E ela estava aqui em cima. (E. gesticula para mostrar que estava segurando a criança no braço esquerdo e a coruja na mão esquerda, abaixo de Laurel.)
E: Bem, quando ela tiver dezesseis anos, se olhar para esta foto, vai ver o tamanho pequeno da coruja, e o tamanho grande do bebê. Isto se integrará com todos os sentimentos próprios de grandeza no ginásio, e com as lembranças cálidas de ser um bebê, e com esta corujinha pequena. Assim, você vê como todas estas lembranças se interferem, imperceptivelmente. Z: Este é um simbolismo muito bom. E assim, quando Sally relembra o d o c e . . . E: Ela se lembra de tudo isso. Pensa no doce e quando estou à vista, pensa no doce e em mim. Z: Que são as conseqüências da confiança e do bem-estar e de não ser mais um estranho. E: Uma longa continuidade. Esta foto é de uma longa continuidade. . . a coruja da torre e Laurel. Z: O senhor foi muito bom também com Sally. Fez um esforço extra para ser ponderado. E: Como a esposa de Lance (filho de Erickson) reagiu? Ela lhe disse que queria uma fotografia dela quando ficaram noivos. Lance deu-lhe uma fotografia que eu tinha tirado dele, deitado nu no chão. Z: Quando bebê? E: Quando bebê. E o amor dela por Lance aumentou daí por diante. Z: O símbolo com o qual o senhor tratou Sally em seguida, também é muito bom. 369
E: E há muitas coisas a aprender. Muitas coisas mesmo para aprender. Vou mostrar-lhe imediatamente uma delas. Vou pegar na sua mão. (E. levanta a mão esquerda de Sally.) Vou levantá-la. Vou colocá-la no seu ombro, bem aqui. (E. levanta devagar a mão de Sally pelo pulso e pousa-a no ombro direito.) Quero que seu braço fique paralisado, de forma que você não consiga movê-lo. Não poderá movê-lo até que eu lhe diga para fazê-lo. Nem quando for grande, nem quando crescer. Você não poderá mover sua mão esquerda nem seu braço até que eu lhe diga para fazê-lo.
E: O que estou fazendo aqui? Z: Minha associação foi a seguinte: o senhor não colocou o braço no alto do ombro, num lugar onde ficasse pesado. Foi no lado oposto do braço. Porque era uma posição mais cômoda. Ela está se abraçando. Dentro de alguns instantes o senhor vai despertá-la da cabeça para cima e ela ficará nesta posição. E: Estou paralisando o corpo dela. Ora, no vocabulário comum, paralisia é uma coisa ruim. E vai ficar assim até que eu lhe diga para fazê-lo. O que é ruim eu posso remover. Sou médico. Z: Então, o símbolo atinge um nível mais profundo. Houve o símbolo de bem-estar. Depois houve também uma associação com mal-estar —• um sentimento negativo associado à paralisia, mas que será removido quando o senhor mandar. Peicebi. E: Uma parte do mal que eu vou remover. Z: E se o senhor remove uma coisa ruim. . . E: Se eu bato uma tecla de máquina de escrever, bato duas. Z: E também, paralisia é uma palavra mais adulta. Não é um termo de criança. E: Não. Hoje eu estava ouvindo uma pessoa falar na televisão e disse: "Aqui temos o sotaque de Michigan." Veja só, a gente nunca faz um curso de sotaque, mas aprende a captálos e a reconhecê-los. De fato aprendemos e, como no caso 370
Z: E:
Z: E: Z: E: Z:
E: Z:
de paralisia, isto se expande. De Michigan até Wisconsin, até Nova Iorque O que ocorre com o conhecimento dos sotaques? O conhecimento dos sotaques se espalha, e a paralisia também. (Interpondo-se.) Você percebeu o quanto o seu reconhecimento de sotaques melhorou desde que você passou a viajar pelo exterior? Ah, sim, é muito interessante ouvir o "sotaque" alemão. É, eu o ouço também. E sei conscientemente que você o ouve. Sim. E você não faz idéia de quando começou a aprender. . . A perceber os sotaques. Muito bem. Então, quando o senhor levanta o braço de Sally e faz com que fique paralisado, ela espalha a paralisia para o corpo. Sim. E todos nós queremos que o corpo esteja bem e seguro quando o usamos. A segurança é algo muito geral, envolve o corpo todo. E a paralisia é má, e é renegado. Mas o bem-estar pode ficar.
E: Agora, em primeiro lugar, quero que você desperte do pescoço para cima enquanto seu corpo adormece cada vez mais profundamente. . . você despertará do pescoço para cima. E: Do pescoço para cima. (E. levanta a cabeça.) Z: E o senhor deu uma inflexão à palavra "para cima", reforçando a sugestão verbal com a entonação. E: É difícil, mas pode conseguir. (Pausa.) É um sentimento agradável ter o corpo profundamente adormecido, o braço paralisado. (Sally sorri e pestaneja.) E desperte do pescoço para cima. Que idade você tem? (Erickson debruça-se sobre Sally.) S: (Suavemente) Hum. . . trinta e quatro anos. 371
E: (Faz um aceno com a cabeça.) Certo. (Erickson volta à sua posição na cadeira.) Você tem trinta e cinco anos e por que razão mantém os olhos fechados?
E: Ela não queria dizer trinta e cinco. Por isso é que sorriu. Lentamente retomou o padrão habitual de não se comprometer. Z: Ela retardou a resposta e retomou o padrão de não-comprometimento. Acordou da cabeça para cima e começou a ter de novo e seu eu adulto. E: Hã-hã. Z: E então ela hesita e diz "trinta e quatro". O senhor volta a dizer trinta e cinco. O que se passou então? E: Ela estava retomando aos poucos sua pouca vontade de se comprometer. Z: Por que o senhor a forçou a fazer uma afirmativa definida. Ela tinha de afirmar definidamente a idade. Por que repetiu trinta e cinco, depois de dizer trinta e quatro? E: Acho que me enganei. Não vejo nenhuma finalidade no equívoco. Z : O senhor voltou ao assunto da idade dela mais adiante, e então foi como se ela lhe desse uma chance de corrigi-lo. Ela falou com muita suavidade, e é possível que o senhor simplesmente não tenha entendido corretamente. Mas quando voltou ao assunto, mais adiante, ela teve a oportunidade de corrigi-lo, fazendo uma afirmativa definida. Mesmo que o senhor tivesse ouvido mal, funcionou maravilhosamente. E: Os nossos erros devem ser utilizados. E uma coisa que você deve ter percebido. . . eu sou muito lento. Z: O senhor é lento quando fala, o que é diferente do tempo da sua voz quando conta uma anedota. O senhor é muito mais comedido na maneira de falar quando faz uma indução. E: Por que uma pessoa em transe faz as coisas automaticamente e muito rápido — rápido demais para verbalizar. Z: Para ter as associações dentro da própria cabeça ou para transmitir as associações externamente? 372
E: O pensamento vai mais rápido que o ato de falar. E a gente depende do inconsciente que se movimenta como um relâmpago. Alteramos cuidadosamente o tempo mediante nossa lentidão. Desde pequeno lhe ensinaram: "Olhe para mim, quando eu estiver falando com você. Quando lhe fizer uma pergunta, responda imediatamente." Mas não querem a última parte da resposta. Querem a resposta inteira. Se respondermos imediatamente, só diremos a última parte da resposta. Por isso induzimos primeiro uma elasticidade do tempo. Então, os pacientes podem falar com inteira liberdade. Quando perguntei a Sally quantos anos tinha, ela teve que pensar um bocado. Z: É sim. E: E todo aquele pensamento foi para vencer o padrão de nãocomprometimento. Z: Ela estava resistindo à idéia de fazer um pronunciamento definido a nível inconsciente? E: Não. O padrão de acordar seria rápido e não comprometido. Mas, quando lhe perguntei a idade, ela não foi rápida. Z: Certo. E: Levou algum tempo e se comprometeu. Levou tempo para sair de um padrão e passar para outro, porque a cabeça estava desperta. Z: Então a solução para vencer o não-comprometimento é tomar tempo. S: É agradável. E: Bem, acho que seus olhos vão se abrir. (Sally sorri, e mantém os olhos fechados. Pausa.) E: E aqui, eu lhe dou todo o tempo do mundo para duvidar. E: Vão, não vão? (Sally limpa a garganta.) E: Agora ela está começando a perceber que quando eu lhe digo que os olhos vão se abrir, é porque eles vão se abrir. Está aprendendo devagar que os olhos vão se abrir e por isso começa a piscar. Este é o processo dela aceitar a verdade absoluta daquilo que lhe é dito. 373
Z: Ela tem de fazer um processo e de duvidar. E: Não. Ela tem de processar tudo isto como um novo comportamento, diferente do comportamento consciente habitual. É um comportamento receptivo. E no estado habitual de vigília, evasivo, ela diria: "Sim, vão se abrir — não, não vão não." Isto permitiria ela dar o "sim" gentilmente, sem haver nenhum conflito.
E: Vão se abrir e ficar abertos. (Sally sorri, molha os lábios com a língua, abre os olhos, depois pisca.) E: Aqui você pode ver a luta. Z: Houve uma luta. E: A abertura se associou com um sorriso. Ela deu este sorriso várias vezes. Z: Antes de permitir que acontecesse. E: É. Sorriu várias vezes antes de abrir os olhos. E então, quando os abriu, estava sorrindo. Mas sorria antes, indicando que os olhos se abririam. Z: Estou confuso. O sorriso era um indício de que os olhos iam se abrir? E: Sim. E ela estava acrescentando um sorriso. Z: Um sentimento agradável. E: Um sentimento agradável diante do começo da abertura dos olhos. Isso significa, em termos médicos, o mesmo que o paciente sente de prazer, quando vê o médico, a enfermeira ou o assistente chegar com a seringa. Z: Pois sabem quem vão ser tratados. E: Hã-hã. E eu fiz com que ela demonstrasse que ia abrir os olhos. Estava encarregado dos olhos dela e ela acrescentou um sentimento de prazer ao fato de eu me encarregar disso. Z: O sorriso. E: Hã-hã. Z: Então ela prosseguiu com o sorriso quando abriu de fato os olhos. E: Abrir os olhos como resposta a mim foi um prazer e não um dever. 374
Z: E isto permitiria um maior compromisso também, porque não era um dever. E: Sim, é isto. Quando você está atado pelo dever, não gosta. Z: Especialmente Sally, com o estilo de não-comprometimento.
E: Eu estava certo. (Sally fica olhando fixo para a frente.) Onde está você? S: Estou aqui. E: Você está aqui? S: Hã-hã. E: E quais as suas lembranças de quando era criança? Algo que você possa contar para estranhos. (Erickson inclina-se em direção a Sally.) S: Hum.. . bem. E: Mais alto. S: (Limpa a garganta, tossindo.) E, hã, me lembro, hum, de uma árvore e de um pátio e hummm... E: Você subia nestas árvores? S: (Falando suavemente.) Não. Eram plantas pequenas, hum.. . e uma passagem. £: Onde? S: Um caminho entre uma fileira de casas. E todas as crianças brincavam no pátio dos fundos e na passagem dos fundos. Brincavam, hum. . . E: E quem eram estas crianças? S: Os nomes, quer dizer, os nomes? E: Hã-hã. S: Oh, bem, h u m . . . (Sally continua apenas olhando fixo para a direita ou para Erickson. Ele aproxima-se dela. A mão de Sally ainda está parada no ombro e não está estabelecendo contato com as pessoas na sala.) Bem, lembro-me de Maria, e de Eileen, e de David e Giuseppe. E: Becky? S: (Falando mais alto.) Giuseppe. E: E o que você achava, quando era pequena, que seria ao crescer? 375
S: Achava, hum, que poderia ser uma astrônoma ou uma escritora. (Faz um trejeito com o rosto.) E: E você acha que isto acontecerá? S: Acho que uma destas coisas acontecerá. (Pausa.) E: O que você deduz do comportamento daquele indivíduo? (Indicando um dos participantes.) Z: Ele estava debruçado e olhando. E: Debruçara-se e estava ouvindo. Z: Ah. Ele ouve com o ouvido esquerdo. (A cabeça do homem se virará de um modo que o ouvido esquerdo fica de frente para Erickson.) E: E eu lhe disse: "Você ouve melhor com um ouvido do que com o outro." Ele sabia disso. E ficou surpreso que eu soubesse. E aí está Sally, tentando lidar com as lembranças inconscientes de quando era menina, na passagem dos fundos, e demonstrando o tempo que se leva para passar do consciente para o inconsciente. Demora muito para responder. Porque leva tempo para chegar do "agora" até o passado remoto. Leva muito tempo também para chegar do passado remota até o presente. Z: Então quando o senhor lhe perguntou o que ela achava que seria quando crescesse, ela disse que achava que seria astrônoma ou escritora, e fez um trejeito depois de dizer "escritora." E: Como foi que você aprendeu a escrever? Z: Praticando, acho. E: Aprendeu a escrever desta maneira. (E. gesticula, fazendo trejeitos e caretas.) Z: Sim. Fazendo trejeitos. E: Usando o corpo. Z: Sim, mexendo com o corpo e com os pés. A gente aprende a escrever com o corpo todo. E: Hã-hã. E quando ela morde os lábios ao dizer "escritora", está recordando a experiência da dor de escrever. Lembro376
Z: E: Z: E: E: Z: E: Z: E:
Z:
E: Z: E:
Z: E: Z:
me como era difícil escrever " T " , levantar o lápis e passar o traço. E como era difícil escrever " i " , levantar o lápis e botar o ponto. Ela ainda está dissociando neste momento. Hã-hã. E a palavra "escritora" remeteu-a ao passado. "Astronomia" — esta palavra é uma palavra adulta e a cabeça está acordada. Entendo. E então não tinha significado para o corpo. Hã-hã. Você percebeu aí, que eu mexi com a minha mão esquerda antes? Não percebi não. Volte a fita. Então ela viu isto com a visão periférica? Foi o que a fez prestar atenção no próprio braço? Veja você mesmo. (Volta a fita. De fato, E. mexera a mão esquerda bem antes de Sally dizer que sua mão esquerda estava paralisada.) O movimento da minha mão esquerda orientou o pensamento dela e habitualmente ninguém percebe isto. Bem, a menos que o senhor mostrasse isso neste momento, ninguém perceberia mesmo. Há coisas que também estão sucedendo a nível verbal. Ela diz: "Minha mão esquerda não se mexeu. Estou realmente surpresa com isto." É um exagero. Ela exagerou uma afirmativa, e isto é diferente do estilo dela. O senhor retoma e diz: "Você está um tanto surpresa." O senhor depois desviou uma parte do sentimento. Desempenhou o outro lado da polaridade dela. Hã-hã. Isto permitiria que ela fosse mais definida. E se a gente não quer que o paciente diga: "Não, minha mão não se está mexendo." A gente diz: "Você talvez ache que sua mão não se está mexendo." A gente então enfatiza o "não." E isto permite que ela seja mais afirmativa. Sim. Então o senhor fez uma reversão depois do exagero dela; corrigiu o exagero. 377
E: Eu não queria que ela ficasse exagerando. Queria írazê-Ia de volta ao seu eu real. S: Lembro-me de que você disse que eu não conseguiria mexê-la e, h ã . . . E: Você acreditou em mim? S: Suponho que sim. (Sorri.) E: Você só está achando. (Sally ri.) Z: Antes o senhor já brincara com as evasivas dela sobre as idéias de "crença" e "realidade." Aqui o senhor diz: "Só está supondo." E ela ri. Ela entra no jogo. Nunca diz que sim, mas o corpo novamente indica que ela captou.
S: Parece que eu, hum. . . parece-me que não se mexeu. E: Então é mais do que uma suposição? (Sally ri.) S: H u m . . . sim (suavemente.) Eu. . . é muito surpreendente também que eu possa acordar do pescoço para cima e não do pescoço para baixo. E: Isto a surpreende? S: Que se possa... hum. . . que o corpo fique adormecido do pescoço para baixo e que a gente fique falando... o senhor sabe. . . e estando acordada. E o corpo fica tão dormente. (Risos.) E: Em outras palavras, você não pode andar. S: Bem, não neste exato momento. (Sally faz que "não" com a cabeça.) E: Não neste exato momento. S: (Suspira.) Hum, não exatamente agora.
E: Aí, ela balançou a cabeça e imediatamente se comprometeu com a idéia de que não podia andar. Então logrou um comportamento imediato. 378
Z: Foi mais fácil fazer uma afirmação negativa do que uma afirmação positiva. Mas fazer uma afirmação negativa já é um passo para fazer-se uma afirmativa positiva. E: Hã-hã. Z: E também, todo esse tempo, ela só enfocou o senhor. Não olhou em volta. E: Estávamos sozinhos. E: Agora, qualquer obstetra neste grupo já sabe como produzir uma anestesia. . . do corpo (E. olha expectante para Sally.) (Sally faz um "sim" com a cabeça e depois sacode-a fazendo um "não". Continua olhando fixo para a direita. Limpa a garganta.) Que tal lhe parece ter trinta e cinco anos sem poder andar? S: Trinta e quatro. E: Trinta e quatro. (E. sorri.) Z: Ela o corrigiu o senhor foi gentil. Não estava fora de equilíbrio de forma nenhuma. E: Bem, e por que deveria estar? Z: Aqui ela ficou na posição superior. Anteriormente ela lutara para estar na posição de mando, superior. E: E eu lhe dei uma oportunidade. Z: Sim. Ela o corrigiu a respeito da própria idade. Mas para isto teve também de fazer uma afirmação definida. E: A gente sempre pode admitir e se manifestar quando se está por cima.
S: E: S: E:
H u m . . . parece... hum, neste momento parece agradável. Muito agradável. Hã-hã. Bem, quando você entrou, no início, gostou da atitude de brincadeira que assumi com você? S: Provavelmente gostei. 379
Z: Primeiro o senhor enfatizou o sentimento agradável, e depois voltou à sensação de gozação. No entanto, não foi uma brincadeira. O senhor de fato a fez sentir-se mal. E assim, equiparando as duas idéias no tempo, a atitude dela quanto àquela coisa desagradável tornou-se mais positiva. E: Sim, E: Provavelmente gostou? (Sally ri.) Ou provavelmente não gostou? S: É. Provavelmente isso. Z: Ela respondeu novamente de uma maneira equívoca, e o senhor enfatizou o "provavelmente gostou" com sua inflexão. E: Hã-hã. E: S: E: S:
(Sorrindo.) Agora é o momento da verdade. Hã? (Ri.) Agora é a hora da verdade. Bem, hum, meus sentimentos estavam confusos. (Risadas.)
Z: Ela continua evasiva; não assume verbalmente a "hora da verdade." Por isso é que em seguida o senhor começa a exagerar. E: S: E: S:
Você disse "sentimentos confusos." Muito confusos? Bem, sim, eu gostei e não gostei. Sentimentos muito, muito misturados? Não sei se consigo estabelecer esta distinção.
Z: Então o senhor começou a brincar, puxando para o outro lado. Exagerou o não-comprometimento, fazendo a distin380
E: Z: E: Z:
E: S: E: S: E: S: E: S: E. S: E:
ção ficar tão absurda que ela não podia ser mais evasiva. A distinção ficou absurda demais: "Muito misturados, muito, muito misturados." Tive de realçar. O senhor lançou a mesma bomba que ela. Lancei a mesma bomba que ela sim. E então ela rejeitou o petardo, e não eu. O senhor lhe dá a oportunidade de ver os efeitos do nãocomprometimento. Diz: "Muito confusos, muito, muito confusos?" O senhor está fazendo uma gozação, e a rejeição do comportamento tem de vir da parte dela. Você maldisse a hora em que veio? Oh, não! Estou muito feliz de ter vindo. (Sally morde o lábio superior.) E assim, vindo aqui, você aprendeu a não andar. (Ri.) É. E a, hum, não me mexer do pescoço para baixo. (Acena com a cabeça.) E como estava o sabor do doce? (Suavemente.) Oh, muito bom! mas. . . hum.. . eu tinha. . . eram vários sabores diferentes. (Sorri.) Então você estava chupando balas? (Sorri.) Hã-hã. Quem lhe deu? Você. (Faz um sim com a cabeça.) Fui generoso, não?
E: Ela até então fora bastante evasiva. E disse que o sabor era bom, de modo enfático, ou com palavras que tinham este efeito. Z: Sim. E: E isto já foi diretamente comprometido. Dei-lhe a oportunidade de ser positiva e evasiva. Z: Outro passo positivo. S: Sim. Foi realmente bom. (Sorrindo.) E: Gostou da bala? S: Hã-hã. Sim. 381
Z: Agora ela já se compromete, definindo-se. E: Está aprendendo um novo padrão. E: E todos os filósofos dizem que a realidade está toda na nossa cabeça. (Sorri.) Quem são estas pessoas aqui? (Sally olha ao redor. Erickson inclina-se em direção a Sally.) S: Não faço idéia. E: Ela não fazia idéia de "quem são estas pessoas?" De fato, tinha uma idéia. Eu lhe perguntei: "Quem são estas pessoas? E isto exigiu que ela desse uma resposta negativa. Z: Então o senhor forçou-a a fazer um contato com as pessoas. E: Hã-hã. Z: E sua afirmativa seguinte foi: "Agora diga-me sua opinião franca sobre eles", o que é muito difícil. O senhor atingiu-a em cheio, do jeito que a forçou a fazer contato com as pessoas. E: Sim. Z: Com que finalidade? E: O braço dela ainda está paralisado. Z: Sim, e ela está fisicamente sentindo-se bem. E: Algumas pessoas amam a própria doença e a mantém, por isso você tem de forçá-las a fazer algo para serem dóceis. E então ela se torna dócil e pode aceitar orientações. Z: Embora o senhor saiba que ela vai ser evasiva na resposta direta. Mas, mesmo assim ela terá de dar uma resposta mais comprometida. E: É isto. E então a gente lhe dá uma situação segura onde possa dar uma resposta definida. Veja bem, num padrão evasivo, se você puder forçá-la a dar uma resposta comprometida, ainda que muito geral, então poderá forçá-la a especificar. A gente parte de algo bem geral para algo específico, e o específico é remover a paralisia dela. Z: O senhor se lembra como ela resolveu a paralisia? E: Não. Z: Foi excelente. O senhor realmente vai apreciar a maneira como aconteceu. 382
£: S: E: S:
Agora, diga-me sua opinião franca sobre eles. Bem... todos... parecem diferentes. Parecem diferentes. É, todos parecem diferentes. (Tosse, limpando a garganta.) Parecem legais. Parecem todos, parecem diferentes. . . uns dos outros. E: Todas as pessoas são diferentes umas das outras. (Sally ri, autoconsciente, limpa a garganta e suspira.) Z: Aqui o senhor a forçou a entrar em contato com as pessoas e isto pode ocasionar alguns sentimentos negativos. Aqui o senhor a está forçando a entrar em contato com as pessoas e dar uma opinião franca, o que é algo muito difícil. Ela não se comprometer, mas está comprometida com a sua orientação, por isso o.senhor obtém comprometimento. E: Porque o foco tem que retornar a ela mesma. Isto porque o médico de fato sai da sala de atendimento ou do quarto do paciente, e o foco retorna ao paciente. Assim, transformei a oportunidade numa situação de realidade. Z: Também foi uma maneira interessante de integrá-la ao grupo. Ela teve de olhar ao redor. Teve de entrar em contato com . as pessoas. E: E teve de pensar com franqueza. Porque eu lhe dei permissão para isso. Z: Para ter pensamentos negativos? E: Sim. Se eu lhe dou alguma coisa, isto implica que também posso tirá-la de você, certo? Z: Certo. E: Por isso lhe dei permissão. E: S: E: S:
Onde está Eileen, agora? Oh, não sei. Hã. Há quanto tempo você não pensa em Eileen? Oh, bem, h u m . . . bastante tempo. Hã, hum, hã, Maria era irmã dela. Ela era mais próxima da minha idade, e hum, 383
E: S: E: E: E: S: E:
era a irmã mais nova, hum, lembro-me delas, sabe; são pessoas das quais eu me lembro da infância, mas raramente penso nelas. Onde era sua casa? Em Filadélfia. E você estava no quintal? Hã-hã. Como chegou aqui? Oh, talvez apenas, hum, apenas pensasse em estar aqui. Reparem. Ele está mexendo a perna, está mexendo os pés e os dedos, e ela está fazendo a mesma coisa. (Aponta para as pessoas na sala.) Por que razão você está sentada aí, tão quieta?
Z: Por acaso isto foi uma tentativa de fazer com que ela se comprometesse mais? E: E de forçá-la a reconhecer os menores detalhes em torno de si. Z: Raticando assim o transe. E: Estamos sozinhos no quintal de Filadélfia: "Como chegou aqui?" Aqui é bem específico. O quintal em Filadélfia é terrivelmente vago. Quantos quintais existem em Filadélfia? Z: É. E quantas épocas e datas! E: E "aqui é terrivelmente específico. Veja bem, estou misturando as idéias gerais com as idéias específicas. Z: Com a intenção de lhe dar uma oportunidade de ser mais específica. E: Sim.
iS: E: S: E:
Bem, lembro-me que você disse algo sobre. . . hum.. . (Interrompendo.) Você sempre faz o que eu digo? (Faz que não com a cabeça.) Não é comum eu seguir ordens. (Interrompendo.) Você diria então que é uma moça fora do comum? S: Não, é incomum eu seguir ordens. Nunca sigo ordens. 384
Z: O senhor reestruturou a palavra "incomum". Ela estava falando "incomum" com um sentido negativo. "É incomum eu seguir ordens." Então o senhor diz: "Fora do comum", "Você é uma moça fora do comum", e há nisso um sentimento positivo. Ela o rejeita verbalmente dizendo: "Não, é incomum eu seguir ordens." E- Ela se lembra do "você é uma moça fora do comum." Z: Entendi. Ela recorda em nível inconsciente. E: É, e isto é emocionalmente satisfatório. S: E: S: E: S:
Nunca sigo ordens. Nunca? Não posso dizer nunca. Raramente. (Sorri.) Tem certeza de que nunca segue ordens? Não. Acho que foi exatamente o que fiz. (Ri e limpa a garganta, tossindo.) E: Você segue sugestões ridículas? S: (Ri.) Hã, bem, provavelmente eu poderia me mexer.
E: "Seguir ordens." Observe a resposta dela. Z: Ela começa a pensar sobre o braço e isto foi um pensamento inferno bem específico da parte dela. O senhor estava bem geral. Ela poderia ter aceito qualquer outra sugestão. E: Ela caiu na armadilha. Foi forçada a pensar internamente, especificamente, a respeito da paralisia. Z: E a sua generalização levou-a a especificar. S: Provavelmente eu poderia me mexer. E: Hã? S: Provavelmente eu poderia me mexer se realmente me decidisse a fazê-lo. E: Ela disse: "Provavelmente eu poderia me mexer." 385
E: Se olhar em volta, para cada pessoa, quem você acha que será o próximo a entrar em transe? Olhe para cada um deles. Z: Isto é interessante. Por que o senhor fez com que ela entrasse em contato com cada pessoa da sala e decidiu quem ela achava que seria a próxima a entrar em transe? E: Assim, ela tinha de pensar em X, Y e W, e ela é parte do alfabeto. Z: Inseriu-a no grupo e fez dela uma parte do mesmo. S: (Sally olha em volta da sala.) Hum.. . talvez esta mulher bem aqui, com o anel no dedo. (Apontando para Anna.) E: Qual? S: (Suavemente) H ã . . . a mulher na nossa frente, com o anel no dedo esquerdo. Está com os óculos na cabeça. (E. inclina-se, aproximando-se bastante.) E: E o que mais? S: O que mais? Acho que provavelmente será ela a próxima pessoa a entrar em transe. E: Tem certeza de que não se esqueceu de alguém? S: Bem, tem um casal ali que eu senti q u e . . . e homem perto dela. E: "Que eu senti." Esta foi uma resposta mais comprometida. E: S: E: S: E: S:
Mais alguém? Hum. . . sim, mais alguém. Hum? Mais alguém. (Sorri.) Que tal a moça sentada à sua esquerda? (Indica Rosa.) É.
Z: Agora vem uma parte excelente. Olhe para Rosa. Ela está reclinada para longe do senhor, com os braços e as pernas 386
cruzadas. No entanto o senhor sugeriu a Sally que ela escolhesse Rosa, mesmo que a postura do corpo indicasse resistência.
E: Quanto tempo você acha que levaria para ela descruzar as pernas e fechar os olhos? (Rosa está com as pernas e os braços cruzados. Está sentada ao lado da cadeira verde, mais afastada de Erickson.) S: Hum.. . não muito. E: Bem, observe-a. (Rosa não descruza as pernas. Olha para Erickson, depois abaixa o olhar. Depois levanta os olhos e sorri, e em seguida olha em volta.) Rosa: Não tenho vontade de descruzá-las. (Dando de ombros e sorrindo.)
E: Ela se comprometeu com um "não muito", e Rosa resistiu cuidadosamente e firmemente. Mesmo assim Sally comprometeu-se com o "não muito." Z: Ela está agüentando um erro? E: Sim. Algumas pessoas não podem agüentar quando cometem um erro. Ela cometeu um erro e está-se mantendo muito bem sob ele. Z: É. Ela cometeu um erro dizendo "não muito", e, por isso tem de agüentá-lo. E: Sim, e isto é bastante educativo.
E: Eu não lhe disse para não se sentir à vontade. Ninguém lhe disse para se sentir desconfortável. (Rosa acena com a cabeça.) Só perguntei a esta moça quanto tempo levaria para você descruzar suas pernas. . . fechar os olhos e entrar em transe. (Rosa faz que sim com a cabeça.) (Pausa, durante a qual Erickson olha expectante para Rosa.) 387
Z; Então o senhor deslocou o foco para Rosa. Passou de Sally para Rosa e Sally perdeu sua atenção. O senhor esteve prestando um bocado de atenção a Sally e então retiroulhe a mesma. Ela não pode conseguir esta atenção de novo quando o senhor começa a trabalhar com Rosa. E: Sim, mas ela se comprometeu e cometeu um erro e tem de sobreviver ao mesmo.
E: (Falando a Sally à sua esquerda imediata.) Observe-a. (Pausa. Rosa fecha e abre os olhos perceptivamente.) Ela fechou os olhos e abriu-os. Quanto tempo vai demorar antes que os fechem (sic), e mantenha-os fechados? (Pausa. Erickson olha para Rosa.) Z: Aqui o senhor conseguiu ser bastante antigramatical. Quanto tempo vai demorar antes que os fechem e mantenha-os fechados? Deveria dizer: "Antes que fechem", ou "até que você os feche", e no entanto misturou os dois. Isto criou alguma confusão e focalizou-a na palavra "fechar". E: Sim, mas ela estava fora da situação. Eu tive de inseri-la de alguma forma. Z: Rosa? E: Não, Sally. Sally estava de fora. Z: Sim. Então Sally teve de observar Rosa e isto a trouxe de volta à situação. E: Então o comprometimento original de Sally fora: "Não vai demorar muito até Rosa fechar os olhos." E eu a inseri novamente na situação. Z: Foi muito bom. Assim, ela teve de perceber o fator tempo e perceber o seu erro, e, com isto, aprender que podia sobreviver ao erro que cometera. O não-comprometimento dela tem a finalidade de evitar erros. Assim, basicamente, o padrão de trabalho com a personalidade de Sally foi o de expandir o padrão de flexibilidade e permitir-lhe comprometer-se, cometer erros e sentir-se bem. £: Eu fiz algo errado na escola de Medicina. Quando um paciente estava para morrer, todos da classe tinham a tarefa de fazer um exame físico. Depois, o paciente passava 388
Z: E:
Z:
E: Z: E:
por uma autópsia. Todo o resto da classe descia para a autópsia, rezando para que tivessem feito o diagnóstico certo. Sentiam-se ofendidos porque eu sempre esperava ter feito o diagnóstico errado. Não entendi. Eu esperava ter feito o diagnóstico errado, porque se tivesse, tinha mais o que aprender. Se tivesse feito o diagnóstico certo não teria mais nada a aprender. E a classe não entendia isso. Assim, fiz com que Sally aprendesse a se comprometer. Depois trouxe-a de volta à situação. Muito bem, só mais um pouco. O senhor deu um empurrãozinho em Rosa, e ela finalmente fechou os olhos. Levou muito tempo porque Rosa mostrou desde o início que iria resistir, por isso b senhor tomou tempo. Tomei tempo e botei uma contra a outra de brincadeira. Sim. Sally aprenderia a ser positiva e Rosa aprenderia: "Não tente resistir."
SEGUNDO DIA DE DEBATE (2/3/80) Z: A última coisa que o senhor estava fazendo foi tirar Sally do transe e depois fazer uma indução com Rosa. O senhor explicou que estava fazendo com que Sally sobrevivesse a um erro. Ela poderia errar e agüentar o erro. Sally dissera que Rosa seria a próxima pessoa a entrar em transe e que poderia entrar facilmente, mas, de fato, Rosa mostrou-se resistente. Vamos rever um trecho da fita.
R: Não tenho vontade de descruzá-las. (Rosa dá de ombros.) E: Eu não lhe disse para não se sentir à vontade. Ninguém lhe disse para se sentir desconfortável. (Rosa acena com a cabeça.) Só perguntei a esta moça quanto tempo levaria para você descruzar suas pernas. . . fechar os olhos e entrar em transe. (Rosa faz que sim com a cabeça. Pausa. Erick389
son olha expectante para Rosa. Fala com Sally que está à sua esquerda imediata.) Observa-a. (Pausa. Rosa fecha e abre os olhos, nitidamente.) Z: O senhor estava exercendo uma pressão muito indireta para ela aceitar. Quando fez isto, Sally, que estava no meio, perdeu a consciência. Então o senhor forçou Sally a retornar e observar Rosa por duas razões. A primeira: Sally tinha de enxergar o erro e realmente percebê-lo. Segundo, isto criou uma pressão extra sobre Rosa para ela aceitar. E: Sim. Z: Mas Rosa ainda manteve a postura "cruzada". Aqui há uma luta interessante de vontades, porque o senhor não aceita a negação. Rosa terá de fechar os olhos, mas resiste muito a isso, e a descruzar as pernas. É quase uma batalha, e ela vai ter de conformar-se às suas expectativas e sugestões. E: Mas o importante é que, embora haja uma batalha, será que Rosa percebe que esta batalha existe? Z: Será que ela percebe? Acho que sim. E: Sim, mas o quanto estou lutando? Z: O senhor não está lutando. Tudo é indireto. O senhor está falando com Sally. Mas está olhando para Rosa, e sua atitude frente a ela é de expectativa. E: Estou dirigindo minha voz para Rosa. E: Ela fechou os olhos e abriu-os. Quanto tempo vai demorar até que você os fechem (sic) e mantenham-os fechados? (Pausa. Erickson olha para Rosa.) Z: Outro dia nós mencionamos que aqui o senhor usou uma frase pouco gramatical para focalizar a atenção dela no "fechem". E: Certo. Porque se eu dissesse: "Até que você os feche", seria contestável, mas "fechem" — como poderia contestá390
Z: E:
Z: E: Z:
E: Z: E: Z: E: Z: E:
Io? Precisaria de um bocado de artimanhas psicológicas para definir isso como um erro gramatical. Sim. Seria muito mais difícil contestar devido à energia que seria absorvida para conceber o erro gramatical. Muito bem. Quando a gente está fazendo uma palestra para um público sobre um assunto controvertido, a gente toma bastante cuidado. Se olharmos para um membro hostil da platéia, e pronunciarmos uma palavra errada, a pessoa dirá: "Posso fazer melhor do que isto." E então terá um sentimento de superioridade. Mas a pessoa não sabe que está limitada a uma palavra. E então contesta a forma, e não o conteúdo. Hã-hã. É uma variação da idéia de dar-se um símbolo para absorver sentimentos. Por exemplo, há o caso em que o senhor fez a mulher plantar uma árvore quando perdeu seu filho. O símbolo absorve o sentimento. Aqui o senhor diz algo pouco gramatical e que absorve e desvia parte do sentimento. A gente atrai a hostilidade apenas para a palavra e dá-lhes um sentimento de felicidade. Um sentimento de superioridade. Hã-hã. É a felicidade reconhecida como felicidade mas não definida pelo tipo de felicidade que é. Não definida como um sentimento de superioridade. Não definida em relação ao tópico. As pessoas apenas ficam felizes com a gente. Porque a gente errou. Bem, certa ocasião, um adleriano que ensinava em Chicago teve uma discussão comigo. Eu não queria. Ele achou que eu estava com medo. Usei todos os tipos de técnicas de desviar a atenção, inclusive erros de pronúncia. Ele ficou tão feliz em corrigir meu erro, que acabou ficando radiantemente feliz com o que eu disse. Ele mandara na escola de Chicago durante muito tempo. Sabia mais sobre Adler do que eu. Mantive aquele tipo de linha com ele e finalmente ele irrompeu num choro. 391
Z: E o choro deveu-se a quê? E: Ele ficou feliz com o que eu estava dizendo, mas não conseguiu ligá-lo ao fato de que tinha corrigido minhas palavras e erros de pronúncias. Descobriu que concordava comigo em vários pontos. Mas não queria concordar pois estava discutindo comigo. E: (Rosa pisca.) Ela está tendo mais trabalho para abrir os olhos. (Pausa. Sally fecha os olhos.) E: Ela está travando uma luta sem esperanças. Z: Quando mostrei isto às outras pessoas, ficaram preocupados porque o senhor pressionou-a muito. No entanto ela também indica uma cooperação desde o início, a nível não-verbal. Fecha e abre os olhos. E: Sim, as pessoas se perturbam porque gostariam de escapar e não podem se identificar com ela. Ela não quer escapar de mim. Z: Não, não quer. E: Ela espera uma vitória, mas não a define como sua ou minha. Quer que alguém vença, e ainda não pode dizer: "Quero vencer", porque os olhos se fecham e a mão dela se mexe. E continua olhando para mim. Espera ter êxito, mas é um êxito indefinido. Mas eu sei que o êxito é meu. Ela quer ficar firme ali, até que consiga um sucesso. E: Ela está tentando muito fazer uma brincadeira comigo, mas está perdendo. (Pausa). E não sabe que está bem perto de entrar em transe. (Para Rosa.) Feche os olhos, agora. E: Há outra coisa que se deve ter em mente. Os pacientes procuram-nos para receber ajuda. Podem resistir, mas esperam desesperadamente que você vença. Ela está buscando conhecimento mas sabe que a única maneira de obtê-lo 392
Z:
E: Z:
E: Z:
E:
é se eu vencer. Por isso caiu na armadilha entre o desejo dela ainda maior de aprender. É. E é muito bom que o senhor esteja desejando continuar a luta. Há uma certa gentileza, e o senhor também fornece certos limites para que ela, em última instância, ganhe perdendo. É certo. E neste momento aqui, o senhor começa a fazer comentários indiretos como: "Ela está tentando fazer uma brincadeira comigo. Está tendo mais trabalho em manter os olhos abertos." Mas então o senhor olha para ela e lhe diz diretamente: "Feche os olhos agora, e mantenha-os fechados, agora", embora o senhor saiba que ela não vai fechar os olhos imediatamente. No entanto, o senhor ainda lhe dá a oportunidade. . . De escolher o momento. Para que não se torne uma escolha entre fechar ou não fechar os olhos. Torna-se uma escolha do momento. Posso dar tempo. Sim. Além disso, neste ponto ela pode ter medo de que o senhor não vença. Pode dar-lhe mais ímpeto para passar para o seu lado mais tarde. Hã-hã.
E: E mantenha-os fechados agora. (Rosa pisca os olhos uma vez e depois outra, o que demora mais tempo.) Está bem, pode tomar tempo. . . (Rosa pisca novamente.) Mas você vai fechá-los, (Rosa pisca de novo) e mantê-los fechados. . . por um tempo maior. (Pausa. Rosa pisca.) E da próxima vez que se fecharem, deixe-os fechados. . . (Pausa. Rosa fecha os olhos e abre-os novamente. Depois abre-os e fecha-os novamente. Há algo deliberado no jeito dela fechar os olhos.) E você está começando a saber que eles vão se fechar. Está lutando para mantê-los abertos, e não sabe por que razão estou implicando com você. (Rosa abre os olhos e fecha-os duas vezes.) Está certo. (Rosa fecha os olhos e eles ficam fechados.) Assim está bem. 393
Z: E os olhos ficam fechados. E: "Assim está bem." (Suavemente.) Assim está bem. Z: Entendo. O senhor coloca um tom de tranqüilidade na maneira de dizer: "Assim está bem." E: Ê um tom tranqüilizador. Z: Também, todo esse tempo ela focalizou os olhos no senhor. De fato, ela não deve estar se importando muito com o que se passa na visão periférica. Só está focalizando o senhor. E: E meu tom tranqüilizador não é de triunfo. Z: Entendo. É para tranqüilizá-la. E: Se eu dissesse "fechem" em tom de triunfo, ela os abriria. Z: Sim. E: Eu disse em tom tranqüilizador. Z: De modo que, em última instância, é ela quem ganha de qualquer jeito. E: E consegue um bem-estar alcançando plenamente uma nova meta. Uma meta de bem-estar. Z: Sim. Assim, de fato podemos dizer que é um destes casos onde Erickson vence e o paciente obtém o prêmio. Deste modo, ela fecha os olhos e os mantém finalmente fechados, quando o senhor diz: "E não sabe por que razão estou implicando com você." Isto parece relaxar um pouco da tensão. Por quê? E: "Você não sabe por que estou implicando com você." Assim, ela pode espalhar a resistência por uma área maior. Z: Ela tem de ter uma associação com a razão do senhor implicar com ela e pode ter novas associações. E: E nenhuma delas está certa. Z: Por que o senhor estava implicando com ela? E: Para diminuir a profundidade da resistência. Assim ela se espalhou. Z: Que jeito excelente de trabalhar com a resistência! Espalhála para que ela fique mais tênue. E: Até que se torne inútil. Z: Ora, ela estava olhando fixo para o senhor e a atenção dela estava muito focalizada. 394
E:
Z: E:
Z:
E:
Estava se mexendo bastante. Não estava fixado no próprio comportamento, mas em termos de definir a hipótese como um estado de atenção focalizada, ela estava em transe. Estes movimentos que faz são para se convencer de que não está em transe. Sabendo que a gente tem de se convencer com cada movimento que faz, isto lhe diz: " O movimento anterior não me convenceu. Este outro também não, nem este outro." Assim, ela se mantém em luta para fazer movimentos orientadores que a convençam. E perde a cada vez. Jeff, você é a primeira pessoa que eu encontro que quer tentar entender o que está se passando no sujeito e em mim ao mesmo tempo. Você quer ver a palavra "tranqüilizador", e ver, ao mesmo tempo, a falta de tranqüilidade nos movimentos dela. Os movimentos dela não são para ela se convencer. São para não convencê-la. Quando faço laboratórios de terapia ericksoniana, na primeira parte eu ensino diagnóstico ericksoniano. É um tipo diferente de diagnóstico, por exemplo, como é que a gente diagnostica o estilo de atenção da pessoa? Como se diagnostica o estilo de receptividade? Como se diagnostica o estilo de comunicação e lingüística? Não é um diagnóstico psiquiátrico, e sim um diagnóstico que envolve uma compreensão dos fatores intra e interpessoais, como o estilo da pessoa controlar o relacionamento. Então, a partir deste diagnóstico, construo outra parte do ensino sobre a maneira como o senhor dá sugestões para que calhem com o diagnóstico das pessoas. Por exemplo, uso a idéia de jogar fora o lixo. Se a pessoa é alguém internamente preocupado, a sugestão de jogar o lixo fora será dada de modo diferente do que se a pessoa tiver uma orientação externa. Se for uma pessoa "de mando" ou "comandada", a maneira de dar a sugestão será diferente em cada caso. Acho que é útil para as pessoas, pois algumas delas enfatizam a sua técnica, e não o fato de que o que o senhor faz surge de um diagnóstico do indivíduo. O efeito sobre o indivíduo. 395
Z: E a maneira do senhor dar sugestões depende do seu diagnóstico do que está se passando dentro do indivíduo. O senhor usa um tipo diferente de diagnóstico. E: Há outra coisa a ser levada em consideração; todos nós aprendemos a falar. Há uma experiência muito longa de cometermos vários erros. "Eu viu (sic) ele", por exemplo. Todos nós temos uma história de erros de gramática e de pronúncia. Há uma quantidade de aprendizados que fazemos por meio de erros. A gente pode cometer um erro deliberadamente, e fazer um apelo direto ao fato de os pacientes terem a propriedade de uma história de erros, e ao desejo de eles serem corrigidos, e a gente oferece a correção. Z: E fazendo isso o senhor revive aquele antigo. . . E: Estado de receptividade. Z: De quando se era mais jovem. E: Sim. "Mamãe, eu viu (sic), alguém." E a mamãe corrige: "Eu vi alguém." E a criança fica grata. Assim, quando falo uma palavra errada e me corrigem, há um retorno do velho esquema de referências. Isto lhes dá uma sensação de serem tranqüilizadas e sentirem-se gratas, só que não podem defini-la. Então a gente passa para outra coisa. Agora, por exemplo, na nossa lua de mel, Betty não sabia dirigir o carro. Estávamos numa estrada deserta no campo. Uma abelha entrou pela janela e mordeu-a no joelho. Ela matou-a com um tapa e jogou-a pela janela. Eu encostei o carro na beira da estrada, parei e disse com emoção: "Estou feliz por ter mordido você em vez de mim." Z: Não entendo. E: Falei de fato a verdade. E precisava ver o terror absoluto estampado no rosto dela! É porque uma vez uma abelha me mordeu e eu fiquei inconsciente durante três dias. Quando lhe contei isso, o horror que ela sentia, do noivo ficar feliz por ela ter sido mordida, transformou-se numa incrível e gloriosa satisfação por ela ter sido mordida. Z: Ela fora uma protetora. 396
E: Hã-hã. E ali estava o noivo, desejando-lhe mal e ela sentindo-se grata. Cada vez que uma abelha passa por perto, ela fica aterrorizada a meu respeito. E é claro que ela sentiu um horror enorme quando eu lhe disse aquilo. Foi arrasador. E então seguiu-se um relato que era mais arrasador ainda. Foram duas emoções arrasadoras lado a lado. Z: Foi uma boa seqüência de despertar um sentimento negativo, e depois haver uma transformação imediata num sentimento positivo. E: Posso estar dormindo profundamente, mas se um mosquito me morde eu acordo com diarréia e uma horrível reação alérgica. Tenho de tomar um banho quente durante uma hora. Por isso, se Betty vê um mosquito no quarto, sabe o que o mosquito fará comigo, e entra em ação com spray e o mata-mosca. Z: Então o senhor consegue uma associação com o sentimento de proteção do paciente ou do sujeito e faz o sujeito se orientar no sentido de protegê-lo. E: É isso. Ela não queria que a abelha a mordesse, mas para ela não representava mais do que uma mordida comum de mosquito, para uma pessoa comum. Z: Então, qualquer sentimento que ela tivesse quanto à mordida da abelha acompanharia outras emoções que fossem suscitadas. E: Pelo sentimento de horror de eu ficar feliz por ela ter sido mordida, e depois, pelo outro sentimento intensamente maior, por que como faria ela se ficasse sozinha numa estrada deserta, sem saber dirigir, caso eu ficasse inconsciente? Teria sido uma situação incrivelmente difícil. Z: E assim, quando o senhor lhe disse isso, tinha em mente proteger Betty. Ela não precisava se importar com a picada da abelha. E: Não. Eu me senti tremendamente aliviado. Então percebi como aquilo soava para ela. Então pude aliviá-la do que estava sentindo. Primeiro, ela teve um sentimento terrivelmente negativo e depois um poderoso sentimento positivo. Z: Agora, voltando à indução. E: Rosa está perdendo e eu a tranqüilizei. 397
Z: Sim. No início havia um sentimento negativo, depois a tranqüilização e então a resistência. E: Ela estava perdendo e tinha todos estes sentimentos negativos quanto à perda, então eu a tranqüilizei bastante. Z: O que o senhor conseguiu ao dizer: "Assim está bem." Há mais alguma coisa que o senhor possa dizer quanto a um diagnóstico sobre a personalidade dela, e o seu estilo específico de resistir? E: Quando lhe ensinam hipnose, dizem-lhe para evitar a resistência. Z: Sim. E: Use-a. Z: Sim. Gostei da idéia de difundir a resistência, espalhá-la para que ela se torne tão tênue que acaba não existindo. É um novo conceito para mim. E gosto da idéia. Rosa também é teimosa. É de um tipo diferente de teimosia da de Sally. O senhor pode dar sua opinião sobre a diferença entre o estilo de resistência de Rosa e o estilo de resistência de Sally? E: Ela resiste a reportar-se à pessoa, enquanto a resistência de Sally é do tipo "minha idéia e sua idéia". Z: Então o conflito de Rosa é mais direto e o de Sally é um conflito com alguma coisa. E: Sim, com alguma coisa. E Rosa se defende de mim como pessoa. Z: É muito bom isto. Gosto dessa diferenciação. E: Bem, o que eu queria que vocês vissem era a cooperação dela. Ora, um paciente pode resistir e resistirá. E eu achei que ela iria resistir. E: Eu disse: "Um paciente pode resistir." E ela então resistiu novamente. Z: Quando mexeu o corpo? E: Hã-hã. Sim. Isto foi para tranqüilizá-la melhor. Z: Também fez com que se aproximasse mais do senhor. Ao se mexer, aproximou-se mais do senhor, e ficou mais tranqüila colocando o braço sobre a cadeira. E fez isto quando o senhor disse a palavra "resistência". 398
E: Sim. Z: Então é possível resistir numa direção positiva, E: A palavra "resistência" adquiriu um novo sentido. Teve o sentido de tranqüilidade, e eu aprovara que ela resistisse. Z: Antes, o senhor falava-lhe diretamente ou falava indiretamente sobre ela, mas quando ela fechou os olhos, o senhor interrompeu e mudou o locus da voz, e voltou-se para o grupo. Por quê? E: Para deixá-la gozar da tranqüilidade. É o bem-estar dela mesma, deixemos que o aproveite. Eu me transferi. Respeitei a tranqüilidade dela. Z: E ilustrou muito bem a resistência. E: Aí ela se afastou de mim, e está testando a tranqüilidade da resistência. Ainda está aproveitando o bem-estar. Em outras palavras: a tranqüilidade é dela. Z: Então o senhor rotulou a palavra "resistência" de novo. Diz que "ela ilustraria a resistência muito bem", de modo que adicionou outro sentimento positivo à palavra "resistência". E: Ela ainda não sabe, mas vai descruzar as pernas. Mas quer mostrar que não é obrigada a fazê-lo. Muito bem. Quando a gente trata os pacientes, eles sempre querem se ater a alguma coisa. E, como terapeutas, vocês devem permitir que o façam. (Pausa. Rosa inclina-se na cadeira mas ainda está com as pernas cruzadas.) E: "Sempre querem se ater a alguma coisa." Ela se atém às pernas cruzadas, com minha permissão. Porque a gente sempre quer se ater a alguma coisa. Por exemplo, tem uma bola de gude, uma boneca e um caminhão. Aquilo é seu, mas isto é meu. Z: Esta atitude existe na infância. E: Na infância ensinam-lhe a compartilhar os brinquedos, mas este é meu. Kim, sendo oriental (Kim é uma neta adotiva de Erickson) tem uma herança de milhares de gerações de pensa-' 399
mento vietnamita. Levou um ano para Kim ensinar a Betty Alice algo que ela achou formidável. (Betty adotara a menina quando ela tinha nove meses.) Com dois anos Kim ensinou a Betty: "Estes brinquedos são de David, só David pode brincar com eles. Estes brinquedos são de Michael e só ele pode brincar com eles. Estes brinquedos aqui são meus, só eu posso brincar com eles. Estes aqui são nossos brinquedos e nós todos brincamos com eles." No Vietnã, durante milhares de gerações, foi assim: "Este pedaço de terra é meu." Cultivavam o mesmo pedaço de terra durante gerações da mesma maneira antiga. Z: O senhor considera um caso de tipo racial de consciência? E: Temos bilhões de células cerebrais, que têm a capacidade de responder a bilhões de estímulos diferentes, e as células cerebais são muito especializadas. Quando a gente vem de um povo que durante gerações só usou certas células cerebrais, cada sinal que você recebe quando é um bebê centraliza a criança em torno daquilo. Por exemplo, veja os judeus. Foram perseguidos durante milhares de anos. E os judeus lutam entre si. Quando lutam são muito amargos na luta, a menos que nesta luta esteja envolvida outra nacionalidade. Aí, a outra nacionalidade luta contra judeus unificados. Os judeus unificam-se contra um inimigo comum. Z: E: Z: E:
Sim. Não é isso? Sim. Os noruegueses foram marinheiros durante inúmeras gerações; foram exploradores e depois disseminaram-se. E os gregos foram gregos por várias gerações, quando vieram para a América formaram uma enorme colônia. Mesmo a quarta geração de gregos ainda fala grego. Não se dividiram. Ficaram unidos. Uma colônia libanesa é uma colônia libanesa. Uma colônia síria é uma colônia síria. Mas os noruegueses se disseminaram por toda parte. Os americanos se espalharam por toda parte. Veja bem, embora nasçamos com células cerebrais semelhantes, há
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um padrão de resposta que é inerente ao nosso comportamento. Ontem, estava conversando com um judeu polaco, um homem muitíssimo inteligente. Ele estava numa agonia total. Conversou cerca de umas duas horas comigo. Perguntou-me: "O que eu fiz de errado para que meus filhos que nasceram nos Estados Unidos não respeitassem os velhos hábitos polacos? Os velhos hábitos polacos eram a única coisa que ele conseguia entender. A mãe deles é uma boa dona-de-casa. Ele é um açougueiro, o filho é um físico nuclear. O coração do homem está partido. Seu filho também deveria ser açougueiro. A filha quer seguir uma carreira. Ele disse: "O que fiz de errado para meus filhos saírem errado?" Em algumas culturas, uma família recebe um pedaço de terra, digamos, há mil anos atrás, e ainda estão plantando atualmente no mesmo terreno e morrendo de fome. As diferenças internas ficaram arraigadas com rigidez. Tão arraigadas que a gente indiretamente afasta os filhos da resposta natural. O senhor poderia estabelecer uma conexão entre isto e a transcrição? Bem, com Rosa, ela adquiriu seu próprio conceito das relações homem-mulher. O senhor quer dizer, pelo fato de ela ser italiana. . . Exato. Ora, um amigo íntimo meu tem uma ótima clínica em Milwaukee. Um de seus pacientes era um italiano que finalmente desabafou o seguinte: "Vim de um país antigo com minha mulher. Toda vez que chego em casa, ela passou o dia todo fofocando. E tenho de preparar o meu próprio jantar e lavar a roupa. Tenho de fazer todo o trabalho doméstico." O meu amigo perguntou-lhe: "De que parte da Itália você vem?" O homem respondeu que vinha de determinado lugar. "E de onde vem a sua mulher?" Ele lhe deu a resposta. Meu amigo continuou: "Você vem de uma parte da Itália onde lhe ensinaram a tratar a esposa com consideração. Sua mulher vem de uma região onde ;
Z: E: Z: E: Z: E:
401
aprendeu que se o marido ama a mulher, demonstra-o batendo nela. Se chegar em casa e não houver jantar, bata na sua mulher e diga-lhe: "Quero meu jantar pronto quando chegar em casa." Acabou sendo a melhor resposta, pois ela aprendera desde a infância que um homem bate na mulher porque esta é a maneira de ele demonstrar seu amor. No caso de Rosa, ela conseguiu a própria individualidade que mantém separada dos homens. É um aprendizado que tem a ver com o desafio, fazendo que os homens provem que são mais fortes. Então você tem de demonstrá-lo. Z: Acho que foi Carl Whitaker quem disse que qualquer tipo de terapia tem que começar com uma luta, e o terapeuta tem que ser capaz de lutar, senão não haverá nenhuma terapia. Assim, o paciente vem e testa a sua força. E: Ele quer saber se você tem o tipo certo de força e isto significa uma luta. Quer saber se você é brando e calmo como deveria ser, ou se é forte e combativo como deveria ser. Um jovem médico grego casara-se acho que três vezes. Cada uma delas com uma moça americana. Vinha de uma região matriarcal da Grécia. A mãe lhe dissera todas as vezes que ele se casara: "Depois que você ficar com esta moça alguns meses, vou lhe obter um divórcio, e então você ficará noivo de outra moça." Ele me contou isto. Ouvi a ambos. Ouvi a mãe. Deixei-a contar o que um bom noivo deve fazer. Deve ir em lua de mel com a mãe, e deixar a noiva em casa. E a noiva deveria ser a escrava da mãe. Eu a peguei pelo braço e disse-lhe que o filho dela era americano. Tinha o direito de se casar com a moça que quisesse, que a moça estava vivendo na América e que por isso ela não podia transformar a nora em escrava. O filho ficou parado, olhando e a mãe irrompeu numa falatina em grego. Ele ficou horrorizado porque não sabia que a mãe conhecia este tipo de linguagem. Houve outra moça que eu conheci que vinha de uma área patriarcal da Espanha onde o noivo fica em casa e a moça vai em lua de mel com o pai. 402
Z: E:
Z:
E:
Z:
Ela foi muito mais acessível. Fui visitá-los depois de ela se casar e ele me disse: "Então o senhor é o homem que disse à minha filha para ir em lua de mel com o marido dela, quem me diz que eu não tenho absolutamente nenhum direito." Respondi-lhe: "Fui eu sim." E a sogra ia todos os dias dizer à noiva o que ela deveria cozinhar e o que devia fazer, como arrumar os móveis. Eu disse à mãe: "Vou dizer à sua nora que quando ela ficar cansada da senhora estar em casa deve dizer-lhe: 'A senhora quer que eu chame o doutor Erickson?'" Quer dizer, apelar para uma autoridade maior. E a sogra quase sempre saía imediatamente. E a mãe de Beatriz (Beatriz é uma paciente que Erickson encaminhou para Z.) é uma ditadora absoluta. A mãe dela procurou-me para dizer o que Beatriz deveria fazer. Respondi-lhe: "A senhora já esteve com Beatriz o bastante, de forma que pode ir para casa." E Beatriz veio no mesmo dia e disse: "Minha mãe ficou tão danada que foi andando para casa. Ficava a uns dez quilômetros daqui. Ela andou até quase o aeroporto. Não quis deixar que eu a levasse." A sua disposição de assumir o controle destas situações é impressionante. O senhor é muito incisivo nas suas intervenções. Quando fazemos terapia, lidamos com todos os tipos de padrões. Temos que aprender a reconhecer que tipo de intervenção incisiva é necessária. Vamos voltar à indução. A última coisa a respeito de Rosa foi que o senhor estava falando sobre resistência. O senhor fala sobre resistência e depois fala do fato de que ela vai descruzar as pernas. Também fala sobre o fato de ela se ater a alguma coisa. Por isso, ela pode se ater a manter as pernas cruzadas. Pode fazer esta equiparação nas associações.
E: Pois o paciente não é nosso escravo. A gente está tentando ajudá-lo. Pedimos a ele para fazer certas coisas e todos nós crescemos com o sentimento de: "Não sou escravo de nin403
guém, não sou obrigado a. . . fazer coisas. . . " E usamos a hipnose para o paciente descobrir que pode fazer certas coisas, (Rosa abre os olhos) mesmo coisas que vão contra os desejos dele. (Sally tosse. Erickson dirigindo-se a Rosa.) Bem, como se sente com o fato de eu implicar com você? Rosa: Só queria ver se conseguia resistir ao que o senhor estava dizendo. E: Sim. (Sally tosse.) E: Bem, aqui está Sally e ela começa a tossir, o que de fato é interessante porque o senhor vai ver o que vai acontecer dentro, em pouco devido à tosse. O senhor desviou a sua atenção de Sally por muito tempo. Então pergunta a Rosa: "Bem, como se sente com o fato de eu implicar com você?" E isto afasta-a mais um passo de qualquer sentimento negativo que possa ter, porque é ponderado numa direção positiva. Por isso ela terá em mente a idéia de que foi bom da sua parte implicar com ela. E: Passe a fita de novo. Observe Rosa virar a palma da mão em minha direção. A mão está aberta na minha direção. (A fita é passada novamente.) Z: Ela se mexeu para trás e depois para a frente. E: Com a mão aberta. Z: Sim, com uma expectativa de receber. E: Hã-hã. R: Quero dizer, eu podia descruzar minhas pernas. (Rosa descruza-as e cruza-as novamente. Neste Ínterim, Sally está tossindo e rindo. Erickson faz uma pausa.) E: (Para Rosa.) E eu lhe disse que você descruzaria as pernas. R: Hummm? E: Eu lhe disse que você descruzaria as pernas. R: É, posso descruzar. (Sally está tossindo e a tosse faz com que mexa os braços para tapar a boca. Um homem do grupo lhe dá uma pastilha para tosse e ela coloca-a na boca. Depois, abre os braços e dá de ombros para E.) 404
E: Ela usa a tosse que lhe pertence. Z: Sim. Depois, encontra uma maneira de mostrar-lhe isto. Pega a pastilha para tosse e em seguida dá de ombros para o senhor e abre os braços. Usou a tosse para libertar o braço paralisado. Ela sabia que estava desenvolvendo um sintoma. É uma mulher inteligente e percebeu isto. Sabia que estava desenvolvendo um sintoma para libertar o braço. E: Ilustrou-se belissimamente. Z: Sim, belissimamente ilustrado. E: Bem, vejam se não foi uma ótima maneira tortuosa, (Sally tosse e tampa a boca) uma ótima maneira, inteligente e tortuosa de conseguir controlar. . . a mão esquerda. Z: Isto foi ótimo. O senhor disse: "Uma ótima maneira tortuosa, uma ótima maneira inteligente e tortuosa de controlar", e aí fez uma ligeira pausa. E: Aprovei. Z: O senhor aprovou. E: Dei-lhe um sentido de aprovação. S: (Ri, tosse e faz que sim com a cabeça.) Desenvolveu um sintoma. E: Você se livrou do braço paralisado. S: Hã-hã. E: Conseguiu-o tossindo (Sally faz que sim com a cabeça e tosse) e funcionou, não? (Sally ri e tosse.) Realmente você não é uma escrava. S* Acho que não. E: Porque ficou cansada de ficar aí com a mão esquerda levantada. Então, como poderia abaixá-la? Foi só tossir bastante. (Sally ri) e conseguiu abaixá-la. S: (Suspira e ri.) Christine: Poderia lhe fazer uma pergunta sobre o fato de ela ficar cansada de ficar com o braço levantado? Achava que 405
num transe a pessoa habitualmente não ficava cansada, pouco importa em que posição estranha ficasse. É um engano? (Para Sally.) Seu braço realmente ficou cansado. . . de ficar ali, ou você estava tão desperta que se sentiu estranha por estar sentada naquela posição? S: Hum, senti, hum, experimentei uma espécie de h u m . . . talvez. . . só uma sensação diferente, uma percepção da tensão. Mas, hum. . . poderia ficar sentada assim bem mais tempo. Christine: Poderia? S: Senti que poderia, hum, ficar sentada assim muito mais tempo.. . hum, foi um tanto estranho, sabe, eu. . . E: Ela poderia ter ficado sentada assim muito mais tempo. Z: É, poderia. O senhor retirou sua atenção de Sally. Ela então sentiu esta contradição: queria sua atenção, mas queria sentar-se lá atrás. Então o senhor desviou sua atenção quando estava lidando com Rosa, por isso Sally ficou parada ali, com o braço paralisado. Desenvolveu um sintoma para libertar o braço mas também desenvolveu excelente maneira de atrair sua atenção para ela. E: Ela também demonstrou que era destra. Z: Não percebi isto. O que ela fez? E: Depois de libertar a mão esquerda, continuou tapando a boca com a mão direita. Z: Hã-hã. E: Por isso foi nitidamente uma maneira de libertar a mão esquerda, já que seria mais natural ela cobrir a boca com a mão direita. (E. demonstra com os braços.) Z: Então ela liberou a mão esquerda para tapar a boca quando de fato era destra e bastava tapar a boca com a mão direita. E: Sally mostrou uma excelente análise. Z: E sabia disso. Sally sabia que estava criando um sintoma, mas isto não importava. A percepção consciente não importava. E: É isso. Z: E então o que sucede em seguida é que Christine faz uma pergunta. Sally começa a falar com Christine, descrevendo 406
E: R: E: R: E: P„: E: R:
o que estava sentindo. Assim, elas assumem o controle de alguma forma, mas o senhor não deixou que isto acontecesse. Interrompe Sally quando ela está respondendo a Christine e focaliza a atenção novamente no senhor. (Interrompendo e dirigindo-se a Rosa.) Seu nome é Carol, não? O quê? Seu nome é Carol. Meu nome? Não. Qual é? Quer saber meu nome? (E. faz que sim com a cabeça.) Rosa. (Olha irônico.) Rosa? É. Igual a Rosa.
Z: Aí o senhor voltou a focalizar Rosa para não deixar Sally continuar atraindo a atenção com o sintoma. O senhor retomou sua direção, que estava sendo a de trabalhar com Rosa. E: Estou encarregado da situação. Sally e Christine querem assumir a direção. Faço de um jeito que Christine não sabe que estou assumindo a direção. E: Muito bem, então eu fiz Rosa demonstrar a sua resistência. Z: Aí ela se aproximou mais. E: Sim. Z: Está interessada no que o senhor vai dizer. E: "Resistência" tem um significado diferente para ela. Z: Ela está na mesma posição que tomou quando o senhor estava tranqüilizando-a na hora em que mencionou a palavra "resistência". Mostrou resistência, mas também mostrou anuência porque os olhos dela fecharam-se de fato. E: Qual é o seu nome? (Dirigindo-se a Sally.) S: Sally. E: Sally (Sally faz um aceno com a cabeça.) Bem, eu estava fazendo com que Rosa demonstrasse resistência mas tam407
bém anuência. (Sally sorri.) Sally também criou uma tosse para libertar-se e mostrar resistência. E: Ela se movimenta para a frente. Z: Quando o senhor diz a palavra "resistência" de novo. (Passamos novamente a fita para verificar que Rosa de fato se mexe quando E. menciona resistência.) Z: Quando o senhor falou da "resistência", ela se mexeu para a frente, e se instalou confortavelmente. É maravilhoso. E: Teve tempo para digerir a palavra. Z: É, e deu esta resposta totalmente inconsciente. Ficou condicionada. O senhor fala "resistência" e ela se mexe para ficar mais confortável.
E: (Para Rosa.) E você deu o exemplo para Sally libertar o braço. R: Bem, eu fechei meus olhos porque achei que naquele momento seria mais fácil fechá-los, senão o senhor ia continuar só dizendo para eu fechá-los. Então eu me disse: "Muito bem, vou fechá-los para que você pare de me pedir para fechá-los." Z: Bem, aí o senhor elogiou Rosa. Disse-lhe: "E você deu o exemplo para Sally libertar o braço," Por que elogiou Rosa por ter sedimentado o caminho? E: Atribua o mérito sempre que puder. Eu disse "resistência" para Rosa, e Sally tirou partido disso. Elogiei Rosa, e Sally partilhou do elogio. Z: Sally tomou parte nele. Muito bom. Estabeleceu um elo entre as duas. E: Hã-hã. Mas você os fechou e Sally seguiu seu exemplo de resistência. De um modo indireto, tossindo (Sally sorri.) Garota esperta. (Sally tosse e pigarreia. Erickson dirigese a Sally.) Agora, como você vai libertar suas pernas? 408
S: (Ri.) H u m . . . simplesmente libertando. (E. aguarda expectante. Sally ri.) Muito bem, observe. . . (Sally olha ao redor e para as pernas antes de mexê-las. E. olha para as peinas dela e aguarda.)
E: Z: E: Z: E:
Foi uma situação divertida e não uma situação infantil. É, virou uma brincadeira. Comigo. Ela brinca com o senhor. É. É uma coisa divertida que ela está partilhando comigo. Ambos partilhamos dela. Z: E assim, o senhor está dando importância a um sentimento positivo na resistência dela? E: Estou enfatizando üm sentimento positivo dela por estar compartilhando comigo. Z: Sim, mas antes dela se mexer, e por causa disso ela poderia ter algum sentimento negativo. Mas o senhor não deixou que ela tivesse nenhum sentimento negativo devido ao sintoma dela. Congratulou-a por ser inteligente e esperta. Neste momento o senhor pergunta-lhe de que modo ela vai mexer as pernas, portanto está novamente ratificando o transe, ratificando seu controle, mas é jocoso. E: E ambos nos divertimos. E está certo gostar disso. Z: Há qualquer outra coisa que o senhor pretendesse ensinar quando fez isto? E: Estava mantendo uma ligação positiva. E: E o que ela fez? Primeiro serviu-se de pistas visuais. Procurou outro lugar para colocar o pé. Z: Ela teve de olhar antes de mexer as pernas. Passou por outro processo sensorial. E: Sim. O processo sensorial dela. Minha palavra foi "visual" e a ação dela foi visual. Z: Ela olhou antes de mexer as pernas e então o senhor estava mostrando novamente uma dissociação. E: Hã-hã, e mantendo esta dissociação sob meu controle e dentro da nossa cooperação. Ela estava me auxiliando a mantê-la sob meu controle. 409
E: Ela passou por outro processo sensorial para conseguir uma resposta muscular. (Para Sally.) E agora, como é que vai ficar de pé? S: Bem, simplesmente ficando. (Olha para baixo primeiro; ri, dá um empurrão em si mesma para cima e fica de pé. E ri.) E: Habitualmente custa tanto esforço? (Sally ri e pigarreia.)
E: Ela reorienta os músculos. Z: Sim, e é um processo lento, portanto novamente ela está ratificando o transe. O que o senhor faz em seguida é retornar ao doce. Hipnoticamente o senhor lhe dera um doce antes, quando ela era uma menininha no transe. Teve o valor simbólico de estabelecer uma relação e de estabelecer a confiança.
E: S: E: S: E:
Tem certeza de que comeu um doce? Agora., ahn. . . ou antes? Antes. Bem, h u m . . . mas lembrei-me que era uma sugestão. (Inclina-se e aproxima-se de Sally.) Você acha que está completamente acordada agora?
Z: "Você acha que está completamente acordada agora?" é a introdução para o transe seguinte. O senhor falou do doce, e isso reorientou-a para o transe anterior, e aqui temos base para partir para o próximo transe. Foi muito bom porque se o senhor se lembra, ela teve uma dúvida. Foi evasiva e o senhor brincou com ela para permitir que ela sentisse dúvidas numa direção positiva.
S: (Ri.) Sim, acho que estou bem acordada. E: Bem acordada. Você está acordada? 410
E: Ela chegou um pouco mais perto de mim. Z: Sally aproximou-se do senhor. Então disse-lhe: "Bem acordada." O senhor confrontou-a e pediu-lhe para especificar diretamente: "Está acordada?" E ela respondeu que "sim". O senhor lhe disse: "Tem certeza disso?" S: (Ri.) Sim. E: (Levanta a mão direita de Sally lentamente. Ela estava com as mãos cruzadas e ele as separa lentamente e levanta o braço esquerdo dela pelo pulso.) S: Não parece que me pertencem. E: O quê? S: Não parece que me pertencem quando o senhor faz isto. (E. deixa o braço de Sally suspenso catalepticamente.) (E. e Sally riem.) E; Você está menos certa de estar acordada.
E: "Não parece que me pertencem." Eu me mantive em contato; ela teve tempo de pensar. "Não me pertencem." (E. mostra o aparelho de videotape e sugere a Z.) Isto lhe pertence. Z: Quisera que sim. Mas não lhe pertence. E: Veja o que acontece: ocorreu-lhe um pensamento contrário. Z: Sim. (Ri.) E o que sucederia se de fato me pertencesse? E: O que você esteve fazendo durante esse tempo que demorou? Z: (Rindo.) Indo de um lado para o outro. Não pude evitar de pensar nisso. Muito bem. Primeiro o senhor fez com que ela especificasse que estava acordada e houve uma certa rispidez na sua voz que fez com que ela especificasse. Depois o senhor levantou o braço dela, como fez para indicar o primeiro transe, e então disse: "Você está menos certa de estar acordada." Habitualmente ela vinha fazendo este tipo de comentário evasivo. O senhor diz: "menos certa", e 411
fl
ela tem de concordar que está menos certa de estar acordada. S: (Sorri.) Menos segura, sim. Não tenho nenhuma sensação de peso no meu braço direito, meu braço direito não tem nenhuma sensação de peso. E: Não tem nenhuma sensação de peso. (Dirigindo-se a Christine.) Isto responde à sua questão, não? E: Z: E: Z: E: Z:
Ali está Rosa levantando a mão esquerda até o rosto. Imitando. Rosa levantou a mão até o rosto. Rosa estava imitando Sally? Hã-hã. E assegurando-lhe que poderia abaixar a mão. Então ela estava imitando e resistindo ao mesmo tempo. Quis ter a experiência. Quis explorar e saber como era a sensação a nível inconsciente. E: Mas, primeiro, levanta a mão realmente sem sentir que levantou. Ela sentiu quando abaixou. Volte a passar e observe. (Repassamos o tape.) Z: Acho que o senhor deu uma certa inflexão na primeira cláusula: "Pode mantê-lo aí?" O senhor imitou o movimento com seu braço esquerdo, mas acho que ela respondeu foi à inflexão. Mas não tinha escolha. Estava orientada mais verbalmente do que visualmente, por isso respondeu à entonação. E: Por esta razão é que é tão necessário observar repetidamente os indivíduos. Z: É bom que continue a me lembrar disso. E: Porque você perdeu este movimento do braço direito de Rosa levantando-se e depois se abaixando. S: Hum, provavelmente posso mantê-lo aí. E: Observe. Acho que vai se levantar. S: Hu-hum. . . não. (Faz que não com a cabeça.) 412
Z: O senhor sugere que ela vai se levantar. Estabelece de novo o controle e a orientação.
E: Vai se levantar com pequenos movimentos. (Pausa) (Sally olha fixo para a frente, depois olha para E.) (Sally faz que não com a cabeça.) E: Talvez você tenha sentido este espasmo. Está ocorrendo. (Sally olha para a mão.) Viu este espasmo? Z: Agora há uma palavra de duplo sentido, a palavra "espasmo". O senhor se lembra que Sally chegou atrasada. Houve inúmeras vezes em que ela disse que estava preocupada de ter interrompido todas as pessoas. Então, por meio da visão periférica, ela deve tê-las observado e ouvido o senhor dizendo "espasmo"* e observando os impulsos? O senhor estava fazendo uma associação dupla para difundir os sentimentos ou confrontá-la? E: Não estava não.
S: E: S: E: S:
Quando o senhor mencionou, eu senti. Humm? Quando o senhor mencionou um espasmo, eu o sinto de fato. Você não sente todos os espasmos. Hummm. (E. empurra a mão dela para baixo, com pequenos movimentos cadenciados, apoiando os dedos no seu pulso. Depois ele afasta sua mão.)
E: Empurrei a mão dela para baixo com muita gentileza, continuamente. Z: Sim, e ela resistiu. * (N. do T . ) : Em inglês "jerk", que pode ser espasmo, impulso ou pequeno movimento e ainda um dito espirituoso.
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E: Abaixei a mão dela e parei de empurrar. Ela estava mantendo a posição erguida, e só abaixava a mão em exata sintonia com o meu movimento para baixo. Z: Enfatizando de novo que ela estava permitindo o seu controle especialmente a nível não-verbal. E: Você resistiu a que sua mão abaixasse, não? Z: Ela resistiu a que o senhor abaixasse e isto impôs outro sentimento à palavra "resistência". Ela resistiu a que a mão abaixasse. E: Mas continuou mantendo o relacionamento. Z: Da maneira como o senhor o definira. De acordo com sua definição.
S: E: S: E: Z:
Hã-hã. Por quê? Eu estava bem, do jeito que estava. (Rindo.) (Sorri.) Estava bem. . . do jeito que estava. O senhor finalizou o transe com ela, o segundo transe e começou a contar a história do restaurante Golden Drumstick. O tema da história é que podemos passar por circunstâncias muito difíceis e sair vencedores. O senhor botou Sally na berlinda e fez com que ela passasse por experiências muito difíceis no início do dia, fazendo-a sentir-se pouco à vontade e conspícua. Depois contou uma anedota que teve o mesmo tema geral, de acordo com o que acontecera com Sally, mas com um final positivo, isto é, houve mais flexibilidade e expansão e uma maneira mais eficiente de situar-se no mundo. Muito bem, qual a razão deste segundo transe com Sally, e dos pequenos impulsos no braço dela? E: Houve várias finalidades aqui. Estava com todo um grupo e usei Sally como exemplo, aproveitei também para ilustrar com uma história que calhasse com Sally pessoalmente e satisfizesse ao grupo. Z: Bem, assim o senhor podia ensinar ao grupo simultaneamente. Fez isto com elegância. Descreveu um princípio, depois ilustrou-o com uma história e efetuou-o simultanea414
mente na sala. Mas qual a razão deste segundo transe, com os movimentos de braço? E: Vou contar-lhe uma história. Um rapaz entrou num clube de velhos na Inglaterra. Começou a conversar com um dos senhores de lá. O rapaz perguntou: "O senhor alguma vez já escalou uma montanha?" O velho respondeu: "Sim, uma única vez." O rapaz perguntou: "O senhor já viajou para o exterior?" O velho respondeu: "Sim, uma única vez." Depois o filho do velho entrou na sala. Ele apresentou-se ao rapaz dizendo: "Este é meu filho." Ao que o jovem retrucou: "Seu filho único?" Eu não quis que fosse uma coisa de uma única vez, porque isto encerraria o fato. Quando se tem um segundo transe, é possível ter um terceiro, um quarto, um quinto e este conhecimento permite a continuação do pensamento, assim: "Posso ter vários transes nos próximos dez anos a partir de agora." Z: No futuro. Certo. Bem, há uma coisa que quero pedir-lhe que esclareça. Aqui o senhor trabalhou com Sally e com Rosa com uma precisão consumada. Não perdeu nada do que se passou. Está muito atento à pessoa e muito preciso. Depois, quando conta suas histórias e suas anedotas didáticas, as pessoas habitualmente não encontram esta precisão. Ê como um conto de O. Henry que chega ao final e de repente a solução fica clara. Mas as pessoas não conseguem perceber nada de preciso ocorrendo antes da intervenção decisiva. O senhor também não enfatiza isto nos seus ensinamentos. Se as pessoas captaram alguma coisa, captaram, caso contrário não captaram. E: As pessoas às vezes são preguiçosas. Se eu começasse a ensinar com precisão ficariam aborrecidas. Ora, quantas pessoas olhando para esta análise didática percebem o quanto deixaram de perceber? Supõem que viram tudo. Um certo doutor R. voltou depois de um mês com uma transcrição. Interpretei certa palavra numa página, digamos na página oito. Mais adiante, na página dezesseis, interpre415
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tei outra palavra que aparecia ali como uma extensão da palavra da página oito. Ele perguntou-me: "O senhor está inventando isto?" Respondi-lhe: "Não. Vamos voltar à transcrição anterior." Então mostrei-lhe que uma interpretação especial da palavra de modo tão ligeiro permitira uma interpretração maior, oito páginas adiante. Após isso, uns dois meses depois, ele voltou com o manuscrito original e pediu-me para interpretá-lo de novo. Fizera uma secretária transcrevê-lo e então comparou-o com minha primeira interpretação. Descobriu que eu lhe dera a mesma interpretação nas duas vezes. Ora, o doutor R. estava bem treinado para registrar um histórico em detalhes, mas não sabia que eu podia prestar atenção a detalhes muito melhor do que ele. As pessoas sempre pressupõem coisa desta forma. A primeira vez que o doutor R. e a esposa vieram me ver, a sua mulher estava usando sandálias, sem meias. Apresentou-me a esposa e eu disse para ela sair da sala. Perguntei-lhe: "Há quanto tempo está casado?" Respondeu-me: "Há quinze anos." Eu lhe disse então: "E veio me procurar para aprender a observar?" Respondeu-me que sim. Prossegui: "Bem, você está casado há quinze anos. Por acaso sua esposa tem os dedos do pé grudados?" Respondeu-me que não. Eu disse: "Tem sim. Bem, não olhe para os pés dela quando eu a chamar. Vou fazer-lhe a mesma pergunta." Quando ela entrou novamente perguntei-lhe se os seus dedos dos pés eram grudados. Respondeu-me que não. Perguntei se tinha certeza e ela disse que sim. Prossegui dizendo: "Seu marido tem certeza disso. Bem, vamos olhar e ver." O segundo e o terceiro dedos de ambos os pés eram grudados. As pessoas pressupõem as coisas. Z: Passam por cima do óbvio. (Em seguida E. conta algumas anedotas adicionais que se dirigem a Z. As anedotas têm a ver com um aumento da percepção visual e a confiança no próprio inconsciente.)
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