o Saber da Filosofia Nesta colecção publicam-se textos considerados representativos representativos de nomes importantes da Filosofia, assim como de investigadores de reconhecido mérito nos mais diversos campos do pensamento filosófico. filosófico. o Saber da filosofia - ! "#$S%"&'(')$! )aston *achelard + - $"'(')$! " !$'N!($!" N!S $/N$!S ! 0$! )eorges anguilhem 1 - ! F$('S'F$! 2%$! " 3!N% )illes eleu4e 5 - ' N'0' "S#2$%' $"N%2F$' )aston *achelard 6 - ! F$('S'F$! 7$N"S! &ax 3altenmar8 9 - ! F$('S'F$! ! &!%"&:%$! !mbrogio )iacomo &anno ; - #'(")<&"N'S ! %'! ! &"%!F2S$! F=%=! ". 3!N% > - '=SS"!= " &!? )alvano ella 0olpe @ - *"0" 7$S%<$! ' !%"2S&' '$"N%!( Aames %hroBer ! #ublicar ! F$('S'F$! ! &!%"&:%$! !mbrogio )iacomo &anno %"'$!S ! ($N)=!)"&C%"'$!S ! !#"N$D!)"& 'rgani4ação e recolha deE &assimo #iatelli-#almarini F$('S'F$! ! F2S$! &rio *unge *reve 7istória do !teGsmo 'cidental %Gtulo originalE ! Short 7istorH of Iestern !theism J @; Aames %hroBer %radução de !na &afalda %ello e &ariana #ardal &onteiro apa de Fernando amilo ireitos reservados para a (Gngua #ortuguesa "$KL"S ;M - !v. uue de :vila, 9@-rCc. "s. MMM (isboa - %els.E 66 9> @>C6; +M M istribuidor no *rasilE ($0!$! &!%$NS F'N%"S ua onselheiro amalho, 11MC15M -São #aulo Aames %hroBer *reve 7istória do !teGsmo 'cidental ediçOes ;M P &$N7! &Q" " P &"&<$! " &"= #!$ !)!"$&"N%'S )ostaria de agradecer R =niversidade do )ana e, muito especialmente ao antigo irector do meu epartamento, #rofessor hristian *aeta, terem-me concedido autori4ação para não freuentar as aulas durante um perGodo lectivo em @9>, a fim de poder começar a trabalhar no presente livro. !os Srs. !ndreB Ialls, do
epartamento de "studos eligiosos, e Nigel oBer, do epartamento de (ógica e Filosofia &oral, e ainda ao r. )eorge &olland do epartamento de 7istória e Filosofia da incia - colegas da =niversidade de !berdeen - agradeço a amabilidade de terem lido as provas, e a &iss !melia avidson de obert )ordonTs ollege, !berdeen, a preparação do Gndice emissivo U. )ostaria ainda de agredecer a todos aueles cuVa colaboração tornou possGvel a feitura deste livro e ue, creio, ter referido devidamente no texto e respectivas Notas, bem como aos próprios atheoi. Não fosse a dGvida maior reconhecida na dedicatória deste peueno trabalho, teria sido sem dWvida a estes Wltimos ue a obra teria sido dedicada. Aames %hroBer Aunho @; U Não incluGdo na versão portuguesa. XN. do %.Y $N%'=KQ' !té h bem pouco tempo, era prtica corrente entre os teólogos apologéticos apologéticos iniciarem a discussão das provas a favor da concepção religiosa e, sobretudo, teGsta do mundo, invocando auilo a ue se chama o argumentum e consensu gentium, ou seVa, o argumento do consenso universal. universal. %rata-se de um argumento extremamente antigo. A no séc. $$$ d. . (actZncio recorreu a ele ao falar da [noção ue tem em sua defesa o testemunho de povos e naçOes ue não divergem neste aspecto particular[. erca de seis séculos antes, #latão invocara também auilo ue ele considerava o facto de [toda a humanidade, incluindo gregos e não gregos, acreditar na existncia de deuses[+. &ais recentemente, o #rof. Aohn *aillie apresenta-o como primeiro argumento da sua apologia teGsta, afirmando categoricamente ue [não temos conhecimento de ualuer sociedade humana, por mais selvagem e atrasada ue seVa, R ual seVa alheio o conceito do divino[ 1 %odavia, nem sempre se esteve de acordo uanto R existncia de tal consenso ue foi sobretudo contestado no séc. ?0$$$\ mas atendendo Rs provas históricas e antropológicas de ue dispomos actualmente, parece poder-se afirmar ue, (actancio, $nstitutorum. (ib. $. e Falsa eligione ] +. + #latão. (eis, >>9a. 1 A. *aillie, 'ur 3noBledge of )od p. 9. 1 no passado, auilo a ue, em termos gerais, se poder chamar crença religiosa, foi a norma mais do ue a excepção entre os povos do mundo. 7oVe em dia a situação modificou-se, pelo menos no ue di4 respeito R chamada cultura da "uropa 'cidental. Na conferncia de abertura da cadeira de (iteratura &edieval e enascentista da =niversidade de ambridge em @6, o r. . S. (eBis estabeleceu uma distinção entre a nossa época ue, segundo ele, teve inGcio nos fins do século passado, e as precedentes, tomando por base o facto de no passado se aceitar uma concepção sobrenatural do mundo, o ue V não acontece hoVe em dia5. P lu4 de tal distinção, afirmou, divisOes mais antigas da história cultural, como por exemplo as ue separavam a !ntiguidade lssica da $dade das %revas e esta da $dade &édia e do enascimento, perdiam grande parte do seu significado. significado. !uilo a ue estamos a assistir e a ver hoVe em dia é uma transição de uma cultura de orientação teGsta e sobrenatural para uma cultura de orientação naturalista, naturalista, facto ue para (eBis implica as mais graves conseuncias para todos os aspectos da nossa vida. Numa perspectiva positiva, podemos di4er ue se assiste hoVe ao aparecimento de um secularismo mais generali4ado e universal do ue Vamais existiu, e (eBis salientou um aspecto muito importanteE ue se deve distinguir este secularismo não só das épocas em ue a Fé prevalecia, como do #aganismo com o ual é freuentemente confundido. [' homem da era pós-cristã[, di4 ele, [não é um pagão\ seria o mesmo ue pensar ue uma mulher casada recupera a virgindade ao divorciar-se. ' homem pós-cristão est desligado do passado cristão, e est-o duplamente do passado pagão[6. ' ónego emant defende um ponto de vista idntico uando afirma ue [os paganismos antigos, a *Gblia e a $greVa ristã, tm em comum o facto de
epartamento de "studos eligiosos, e Nigel oBer, do epartamento de (ógica e Filosofia &oral, e ainda ao r. )eorge &olland do epartamento de 7istória e Filosofia da incia - colegas da =niversidade de !berdeen - agradeço a amabilidade de terem lido as provas, e a &iss !melia avidson de obert )ordonTs ollege, !berdeen, a preparação do Gndice emissivo U. )ostaria ainda de agredecer a todos aueles cuVa colaboração tornou possGvel a feitura deste livro e ue, creio, ter referido devidamente no texto e respectivas Notas, bem como aos próprios atheoi. Não fosse a dGvida maior reconhecida na dedicatória deste peueno trabalho, teria sido sem dWvida a estes Wltimos ue a obra teria sido dedicada. Aames %hroBer Aunho @; U Não incluGdo na versão portuguesa. XN. do %.Y $N%'=KQ' !té h bem pouco tempo, era prtica corrente entre os teólogos apologéticos apologéticos iniciarem a discussão das provas a favor da concepção religiosa e, sobretudo, teGsta do mundo, invocando auilo a ue se chama o argumentum e consensu gentium, ou seVa, o argumento do consenso universal. universal. %rata-se de um argumento extremamente antigo. A no séc. $$$ d. . (actZncio recorreu a ele ao falar da [noção ue tem em sua defesa o testemunho de povos e naçOes ue não divergem neste aspecto particular[. erca de seis séculos antes, #latão invocara também auilo ue ele considerava o facto de [toda a humanidade, incluindo gregos e não gregos, acreditar na existncia de deuses[+. &ais recentemente, o #rof. Aohn *aillie apresenta-o como primeiro argumento da sua apologia teGsta, afirmando categoricamente ue [não temos conhecimento de ualuer sociedade humana, por mais selvagem e atrasada ue seVa, R ual seVa alheio o conceito do divino[ 1 %odavia, nem sempre se esteve de acordo uanto R existncia de tal consenso ue foi sobretudo contestado no séc. ?0$$$\ mas atendendo Rs provas históricas e antropológicas de ue dispomos actualmente, parece poder-se afirmar ue, (actancio, $nstitutorum. (ib. $. e Falsa eligione ] +. + #latão. (eis, >>9a. 1 A. *aillie, 'ur 3noBledge of )od p. 9. 1 no passado, auilo a ue, em termos gerais, se poder chamar crença religiosa, foi a norma mais do ue a excepção entre os povos do mundo. 7oVe em dia a situação modificou-se, pelo menos no ue di4 respeito R chamada cultura da "uropa 'cidental. Na conferncia de abertura da cadeira de (iteratura &edieval e enascentista da =niversidade de ambridge em @6, o r. . S. (eBis estabeleceu uma distinção entre a nossa época ue, segundo ele, teve inGcio nos fins do século passado, e as precedentes, tomando por base o facto de no passado se aceitar uma concepção sobrenatural do mundo, o ue V não acontece hoVe em dia5. P lu4 de tal distinção, afirmou, divisOes mais antigas da história cultural, como por exemplo as ue separavam a !ntiguidade lssica da $dade das %revas e esta da $dade &édia e do enascimento, perdiam grande parte do seu significado. significado. !uilo a ue estamos a assistir e a ver hoVe em dia é uma transição de uma cultura de orientação teGsta e sobrenatural para uma cultura de orientação naturalista, naturalista, facto ue para (eBis implica as mais graves conseuncias para todos os aspectos da nossa vida. Numa perspectiva positiva, podemos di4er ue se assiste hoVe ao aparecimento de um secularismo mais generali4ado e universal do ue Vamais existiu, e (eBis salientou um aspecto muito importanteE ue se deve distinguir este secularismo não só das épocas em ue a Fé prevalecia, como do #aganismo com o ual é freuentemente confundido. [' homem da era pós-cristã[, di4 ele, [não é um pagão\ seria o mesmo ue pensar ue uma mulher casada recupera a virgindade ao divorciar-se. ' homem pós-cristão est desligado do passado cristão, e est-o duplamente do passado pagão[6. ' ónego emant defende um ponto de vista idntico uando afirma ue [os paganismos antigos, a *Gblia e a $greVa ristã, tm em comum o facto de
sustentarem ue a origem de todas as coisas é uma realidade divina ue transcende o mundo ao mesmo tempo ue actua dentro dele. 's secularismos secularismos de hoVe tm em comum o facto de defenderem ue o significado do mundo se encontra no próprio mundo[9. 5 . S. (eBis, e escriptione %emporum. eeditado na sua obra %heH !s8ed for a #aper. 6 %heH !s8ed for a #aper p. +M. 9 0. !. emant, eligion and %he ecline of apitalism p. . 5 &as embora a situação ue existe hoVe seVa em grande medida Wnica, sobretudo no ue di4 respeito R sua extensão, não deixa de ter precedentes, e a sua origem remonta pelo menos R Wltima parte do enascimento e, como espero mostrar, a uma época ainda mais longGnua. ^ precisamente isto ue me proponho analisar. onuanto seVa verdade ue no passado e até h relativamente pouco tempo [anteontem[, para usar a expressão de (eBis - tivéssemos um sistema de referncia comum baseado numa interpretação religiosa ou sobrenatural do mundo, não podemos esuecer ue, em determinados perGodos, houve na nossa história intelectual e cultural um peueno nWmero de pensadores e escolas ue reVeitaram conscientemente essa interpretação, defendendo, pelo contrrio, dum ou doutro modo, uma concepção naturalista do mundo. ^ precisamente esta história da descrença, ue est ainda por fa4er e da ual praticamente não existem registos, ue pretendo examinar nas pginas ue se seguem. ' meu plano consistir em apontar aueles pensadores e escolas a ue se chamou, ou a ue se poderia ter chamado, agnósticos ou ateus, partindo das origens da tradição intelectual ocidental tal como se encontram na )récia e em oma e, em menor grau no ue respeita R ausncia de fé, em $srael. ' perGodo mais importante para a ascensão do secularismo na "uropa 'cidental foi, na minha opinião, a Wltima parte da $dade &édia e a dissociação entre fé e ra4ão - ou, para empregar as palavras ue irei utili4ar adiante, as limitaçOes impostas R esfera da ra4ão - ue então se deu, e ue veio a dar origem ao desenvolvimento desenvolvimento da cincia fGsica como meio exclusivo e exaustivo de encarar o mundo. #roponho-me igualmente tentar determinar as causas principais do ateGsmo e mostrar uais são as principais uestOes ue separam o crente do descrente, o teGsta do agnóstico e do ateGsta. Não pretendo, portanto, ser apenas um historiador de ideias, pois espero lançar um pouco de lu4 filosófica sobre uma das principais uestOes do nosso tempo. ' ateGsmo tem um carcter sistemtico e discordo, portanto, da opinião de harles *. =pton ue, ao escrever sobre [!teGsmo[ na "ncHclopaedia of eligion and "thics, afirma ue [a sua história é pouco mais do ue uma colectZnea de casos isolados em ue se p_s em dWvida ou negou 6 um elemento essencial do teGsmo[;. ' ateGsmo é mais do ue isto. ! perspectiva naturalista tem uma coerncia ue fa4 dela uma maneira nova e genuGna de encarar o mundo diferente dauela ue inspira os crentes. laro ue =pton, em determinado sentido, tem ra4ão. omo adiante veremos h muitas formas de ateGsmo ue só poderão ser entendidas R lu4 do teGsmo ue pretendiam reVeitar. "ste ateGsmo é um ateGsmo relativo. 7, no entanto, uma maneira de encarar e interpretar o mundo, cuVas origens, como espero vir a demonstrar, remontam aos primórdios do próprio pensamento especulativo, e a ue chamarei naturalista, ou seVa, ateGsta per se, na medida em ue é incompatGvel com toda e ualuer forma de aceitação do sobrenatural. "mbora não deixe de referir os ateGsmos relativos, é evidente ue o ateGsmo naturalista ou absoluto é, fundamentalmente, mais importante e, também, de maior interesse, pois representa uma polaridade no desenvolvimento do espGrito humano, e é dele ue irei sobretudo tratar nas pginas seguintes. ; "ncHclopaedia of eligion and "thics X"d. 7astingsY 0ol. $. !rtigo, [!teGsmo[ p. ;5. 9 #rimeira #arte
' !%"2S&' N! !N%$)=$!" (:SS$! apGtulo $ #"2'' #^-S':%$' &uitas das uestOes respeitantes R controvérsia sobre religião e ateGsmo são tão antigas como o próprio pensamento e tommos, portanto, como ponto de partida o aparecimento do pensamento especulativo na "uropa, ou seVa, o despertar do espGrito filosófico entre os filósofos fGsicos Vónios no princGpio do séc. 0$ a. . -se a este sistema o nome de escola Vónica porue foi iniciado por %ales e pelos seus sucessores !naximandro e !naximenes em &ileto, uma das colónias gregas da costa da :sia &enor. #or este mesmo motivo são também designados filósofos milésios. ! designação [filósofos fGsicos[ deve-se ao facto de se terem preocupado sobretudo com a nature4a dauilo a ue chamavam [devir[, isto é, a forma como o mundo funciona, embora isso os tenha levado igualmente a fa4er perguntas uanto R origem Wltima do mundo e a postular a existncia de uma substZncia primria da ual teria surgido a pluralidade de coisas ue agora vemos no mundo. 's seus estudos culminariam dois séculos mais tarde com as teorias atomistas de (eucipo e e-mócrito. #orém, estes filósofos antigos, ou cientistas, como alguns preferem chamar-lhes, não surgem perante nós como &eluisedeue, sem ualuer genealogia. "sse grande estudioso da )récia antiga, F. &. ornford, adverte-nos numa das suas obras contra aueles ue @ gostariam de escrever a história da filosofia como se %ales [tivesse caGdo do céu subitamente e exclamado ao aterrarE Té tudo feito de guaT[. 's pensadores milésios tiveram antecessores, e para se compreender a sua originalidade é necessrio debruçarmo-nos brevemente sobre eles, pois isso não diminui de forma alguma as contribuiçOes muito reais e fecundas associadas aos seus nomes, ue estão directamente relacionadas com o assunto ue nos propomos abordar. Na realidade, d-se precisamente o contrrio se compararmos a sua maneira de entender o mundo natural com auela ue caracteri4ava as épocas precedentes, e é no facto de terem abandonado esta Wltima ue reside Vustamente a sua originalidade. &as antes de analisarmos as caracterGsticas ue distinguem esta nova espécie de filósofos dos antigos escritores mitológicos, veVamos uais foram as influncias ue contribuGram para a perspectiva milésia. "ntre estas deverão referir-se o muito ue deviam aos egGpcios e aos babilónios, os escritos teogónicos de 7esGodo, bem como o espGrito e antecedentes culturais da época e do local em ue viviam ue terão constituGdo talve4 uma das influncias mais importantes. Na sua monumental 7istória da Filosofia )rega, falando desses antecedentes, o #rof. I. 3. . )uthrie chama a nossa atenção para a importante posição económica de &ileto e para o seu elevado nGvel de vida. efere-se R sua cultura di4endo ue `poder descrever-se em termos gerais como uma cultura de tendncia humanista e materialista, acrescentandoE ["ra demasiado evidente ue o seu elevado nGvel de vida se devia R energia, iniciativa e recursos humanos para ue se sentisse em dGvida para com os deuses. ! poesia do poeta Vónio &imnermo exprimia bem o espGrito de &ileto nos fins do séc. 0$$. Na sua opinião, se os deuses existiam, não iriam decerto preocupar-se com as uestOes humanas. Tos deuses não nos vem nem bem nem malT. ' poeta olhava para dentro de si, para a vida humana. "xaltava os pra4eres momentZneos di4endo ue se deviam colher as rosas enuanto duravam, ao mesmo tempo ue chorava a brevidade da Vuventude e a infelicidade e debilidade da velhice. ' filósofo do mesmo perGodo e da mesma sociedade olhava para fora, para $n From eligion to #hilosophH, onde ornford analisa a origem da filosofia milésia a partir da religião tradicional. +M
o mundo da nature4a, desafiando os segredos desta com a sua inteligncia humana. %anto um como outro são produtos inteligGveis da mesma cultura material e do mesmo espGrito secular[+. #or outro lado, a influncia exercida pela racionali4ação parcial dos mitos da religião tradicional, iniciada pelos autores das %eogonias, entre os uais se destaca 7esGodo, constitui, para alguns estudiosos, uma importante fase de transição entre os escritores mitológicos antigos, como 7omero, e os novos filósofos. hegamos assim R relação entre a religião tradicional e a nova filosofia. Segundo )uthrie, a filosofia começou uando [começou a ganhar forma no espGrito dos homens a ideia de ue o caos aparente escondia uma ordem subVacente e ue esta ordem era resultante de forças impessoais[1, o ue constitui uma tentativa de explicação dos fenómenos do mundo totalmente oposta R da religião politeGsta tradicional ue se poder designar mitológica. Não h melhor descrição deste Wltimo tipo de explicação do ue auela ue podemos ler nos primeiros capGtulos do livro do #rof. ). (oBes ic8inson %he )ree8 0ieB of (ife U. !G se refere ue os deuses do panteão grego tradicional serviam para explicar tanto os fenómenos da nature4a como os das paixOes e actos ue não podiam ser atribuGdos a um desGgnio humano. #ara ilustrar a sua afirmação. (oBes ic8inson cita uma série de passagens dauela verdadeira *Gblia da cultura grega, o orpos 7omericus, e talve4 seVa conveniente analisarmos pelo menos uma delas pormenori4adamente, pois a uestão levantada pelos filósofos milésios ao reVeitarem tal explicação é fundamental para a controvérsia sobre a crença e a descrença tanto no seu tempo como nos nossos dias. ^ uma uestão ue se levanta ao longo de toda a história intelectual do 'cidente. 0ou tomar o primeiro exemplo referido pelo #rof. (oBes ic8inson. extraGdo da 'disseia de 7omero. =lisses regressa a Gtaca. vindo de %róia, navegando num [mar escuro como vinho[, uando de sWbito rebenta uma tempestade. ! explicação ue 7omero d deste acontecimento é a seguinteE ['ra o Senhor, sacudidor da + I. . . )uthrie, 7istorH of )ree8 #hilosophH. 0ol. $, p. 1M. 1 $bid., p. +9. U X! oncepção de 0ida dos )regosY. XN. do %.Y + terra, ue vinha de entre os "tGopes, viu-o de longe, dos montes SolimosE daG o viu navegar sobre o mar\ e de coração ainda mais aceso em ira e sacudindo a cabeça falou para si. T'h certamente os deuses mudaram de resolução a respeito de =lisses durante a minha ausncia entre os "tGopes. " agora ue ele V se encontra perto da terra dos Faécios, onde é seu destino escapar Rs atribulaçOes ue sobre ele pesam, mas parece-me ue ainda o farei sofrer muitoT[. [ito isto reuniu as nuvens e agitou as guas do mar, tomando o tridente nas mãos\ de todos os ventos fe4 tempestades e envolveu de nuvens a terra e o mar e do céu caiu a noite. ' 0ento do Nascente e o 0ento do Sul, o impetuoso 0ento do 'cidente e o 0ento do Norte ue nasce no ar luminoso, entrechocaram-se suscitando uma onda gigantesca[5. 's leitores ue conhecem bem a *Gblia hebraica poderão comparar esta passagem da obra de 7omero com uma série de relatos das acçOes do deus $ave ue, embora descritas de uma maneira mais impressionante e sóbria, são muito semelhantes. #ara a mitologia, os acontecimentos do mundo surgem como resultado da actividade de vontades superiores e são produto de forças pessoais ue ora se opOem ora favorecem a vontade do homem. ' mesmo se poder di4er das paixOes humanas ue muitas ve4es se abatem sobre nós e nos possuem, não por nossa vontade mas a despeito dela. 's escritores mitológicos não hesitavam em explicar esse fenómeno em termos de vontades conscientes e de vontades alheias. =m amor violento era obra de !frodite, a inspiração musical e artGstica de !polo, a sabedoria era um dom de !tena, e a loucura surgia porue Deus tirava ao homem a inteligncia. ! verdadeira inovação introdu4ida pelos filósofos Vónios consistiu em se desligarem desta interpretação do mundo pelo menos no ue di4 respeito aos fenómenos fGsicos, substituindo-a por uma explicação em termos de necessidade, ue fe4 deles os primeiros representantes da concepção do mundo em ue assenta a cultura contemporZnea. #ara usar as palavras de )uthrieE [Sob a influncia dos
primeiros filósofos o T#ai dos deuses e dos homensT e a sua famGlia divina desapareceram para dar lugar a uma TnecessidadeT 5 'disseia. 0. +>+. ++ impessoal, a uma uestão de leis naturais e de interacção dauilo a ue, no Fédon, Sócrates chama `ares, éteres, guas e outras coisas estranhasT[6. A no séc. 0 !ristóteles reconheceu tratar-se do inGcio de uma nova era e foi ele o primeiro a estabelecer a distinção entre aueles ue descreviam o mundo em termos do mito e do sobrenatural e aueles ue tentaram, pela primeira ve4, interpret-lo em termos de forças naturais. !os primeiros chamou `theologi e aos Wltimos `phHsiologi, e considerou ue a nova era começara com %ales de &ileto9. &as embora se tratasse efectivamente do inGcio de uma nova era, a observação da Francoforte de ue os primeiros filósofos tinham partido [de uma hipótese ue não estava comprovada e agido com uma ousadia absurda[; talve4 seVa um tanto exagerada. omo sabemos, os pensadores milésios conheciam a matemtica dos egGpcios e dos babilónios e a forma como estes Wltimos a tinham aplicado para prever os movimentos dos corpos celestes - ue, nesse tempo, os gregos consideravam seres divinos. Na realidade, segundo a tradição, %ales teria utili4ado com xito esse conhecimento aduirido para prever o eclipse de 6>6 a. . !ssim, é muito possGvel ue os primeiros pressentimentos de ue o mundo é governado por leis, e não por capricho divino, como acontecia na obra de 7omero, não fosse [uma hipótese não comprovada[, mas antes uma hipótese ue poderia ter sido dedu4ida das previsOes, mais tarde confirmadas, dos seus antecessores babilónios e ue, muito provavelmente, os teria levado a p_r em dWvida a nature4a divina das forças naturais. ! interpretação mitológica não só procurara explicar os acontecimentos do dia-adia como tentara responder as perguntas sobre a origem remota do mundo. ! %eogonia de 7esGodo, muito especialmente, dera uma explicação mitológica da geração do mundo pelos antepassados divinos, a %erra e o éu, e, sobretudo pela forma como foi escrita, decerto também abriu caminho R especulação Vónia sobre o problema, como V tive oportunidade de referir. Não se sabe ao certo se o próprio 7esGodo teria chegado a considerar os seus deuses personificaçOes de forças naturais, mas uando os pensadores 6 )uthrie, op. cit., p. +;. 9 !ristóteles, &etafGsica. !. @>1, p. +M. ; itado com autori4ação de )uthrie, op. cit., p. +1 Vónios surgem, V poucos vestGgios restam da concepção mitológica do mundo. omo )uthrie di4, esta concepção consistiu [no abandono, a todos os nGveis do pensamento consciente, de soluçOes mitológicas para os problemas relativos R origem e nature4a do universo e dos processos ue aG se dão. ! fé religiosa é substituGda pela fé ue esteve, e continua a estar, na base do pensamento cientGfico apesar de todas as suas conuistas e limitaçOes, isto é, a fé em ue o mundo visGvel esconde uma racionalidade e uma ordem inteligGvel, ue se devem procurar as causas do mundo natural dentro dos seus próprios limites, e ue a ra4ão autónoma é o instrumento Wnico e suficiente de ue dispomos para as procurar[>. "sta opinião de ue V nos princGpios do pensamento grego, e portanto europeu, se estava a assistir ao aparecimento de uma concepção puramente secular do mundo ue hoVe conhecemos tão bem, é não só a apinião sustentada por )uthrie, ue acabamos de citar, mas também a de muitos outros estudiosos clssicos. Aohn *urnet, h cerca de cinuenta anos, pensava da mesma maneira, e a sua obra sobre este perGodo - %he "arlH )ree8 #hilosophers U - é ainda considerada uma obra fundamental por muitos estudiosos contemporZneos. Nela *urnet sustentava não só ue a cincia Vónia, como ele lhe chamava, era um produto local ue nada devia, uer R religião tradicional, uer Rs crenças arcaicas ue com ela coexistiam, uma opinião em relação R ual devo manifestar algumas reservas, como afirma, ineuivocamente, ser a especulação Vónia de nature4a secular e
naturalista. naturalista. #ara *urnet, o facto dos milésios terem continuado a empregar a palavra [deus[ ou [divino[ ao falarem da nature4a, não tinha ualuer significado religioso. i4 eleE [' emprego da palavra TtheosT nos documentos ue chegaram até nós não deve indu4ir-nos em erro. "mbora seVa verdade ue os Vónios a utili4avam uando se referiam R Tmatéria primriaT e ao mundo ou mundos, isso não tem nem mais nem menos significado do ue o facto de terem utili4ado os epGtetos divinos TeternoT e TimortalT... No sentido religioso, a palavra TdeusT significa antes de mais um obVecto de veneração, mas V em 7omero deixara de ser esse o seu Wnico significado. > $bid., p. +@. U 's primeiros filósofos gregos. N. do %.Y +5 ! %eogonia de 7esGodo é a melhor prova dessa mudança. Não h dWvida de ue muitos dos deuses referidos não eram adorados por ninguém e de ue alguns deles não passavam de personificaçOes de paixOes humanas. "sta utili4ação não religiosa da palavra TdeusT é uma caracterGstica de todo esse perGodo... e é extremamente importante ue se compreenda isso para não se cair no erro de se pensar ue a cincia derivou da mitologia[@. $sto parece-me uma opinião demasiado extremista e Vulgo ue poder p_r-se em dWvida, como na realidade V aconteceu, se o pensamento Vónio ter sido, na sua fase inicial, tão extrema e abertamente secular e naturalista como *urnet, e em menor grau )uthrie, mantm. Não h dWvida ue os filósofos milésios puseram de parte a antiga explicação mitológica do mundo segundo a ual os acontecimentos eram fruto do capricho divino, mas o ue se pode contestar e V se contestou, é ue a sua concepção do mundo seVa, de facto, totalmente secular e ue tenham negado inteiramente inteiramente o ivino como realidade ordenadora do mundo e a ele subVacente. Não se pode afirmar com segurança ue tenham tido uma concepção naturalista do processo do [devir[ ue abrangesse toda a sua compreensão do mundo, ou ue na sua ontologia, isto é. a sua concepção dauilo ue é, apenas interviessem forças naturais impessoais. Ierner Aaeger, nas suas onferncias )ifford U subordinadas ao tema ! %eologia dos primeiros filósofos gregos, sustenta ue não. e acusa *urnet, tal como Vulgo ue teria acusado )uthrie caso a obra deste existisse no tempo em ue escreveu, de atribuir aos filósofos Vónios o espGrito de um fGsico dos fins do séc ?$?M. ! sua própria leitura dos Vónios est tão longe desta interpretação [positivista[, como ele lhe chama, ue não só nega coompletamente a interpretação naturalista, como v %ales e !naximandro não como ateus mas. pelo menos numa faceta da sua obra. como defensores de uma concepção metafGsica metafGsica nova e extremamente sofisticada do divino. 0ai ainda mais longe ao reclamar @ *urnet, op. cit., p. 5. U onferncias )iffordE iclos de conferncias conferncias sobre %eologia Natural nas =niversidades de "dimburgo, )lasgoB. !berdeen e St. !ndreBs. cuVo nome se deve a (ord )ifford, Vui4 e filantropo escocs. XN. do %.Y M I. Aaeger, %he %heologH of the "arlH )ree8 #hilosophers. 0er pp. 0, ;-> e @+M. +6 para !naximandro o tGtulo de primeiro teólogo natural e, em defesa da sua posição, aponta o emprego constante do termo [apeiron[ - [infinito[ - por !naximandro para designar o princGpio originrio ou [arche[, e os predicados de ue se serve para o descreverE [não procriado[, [imperecGvel[, [imperecGvel[, [ue contém tudo[ e [ue tudo governa[. "m seguida convida-nos a di4er com !ristóteles ue, para !naximandro, !naximandro, isto era o divino. ^ também esta a sua interpretação interpretação da mxima de %ales de ue [todas as coisas estão povoadas de deuses[. Na opinião de Aaeger, embora a palavra [deus[ seVa utili4ada por %ales de uma maneira relativamente diferente dauela como era empregue na religião tradicional, continua no entanto a ser utili4ada num sentido religioso. Segundo ele, auilo ue %ales est a di4er é ue o facto de se sentir a nature4a de uma maneira diferente, nos proporciona uma nova fonte de conhecimento do divino. Neste caso, muito, se não tudo, depende da importZncia ue atribuirmos ao predicado [divino[. )uthrie, tal
como *urnet, não hesita, de uma maneira geral, em ignorar o emprego desse termo. eferindo-se ao facto de %ales o empregar como predicado da sua matéria primria, a gua, )uthrie dedu4 ue o ue ele pretendia di4er era ue a gua continha em si a causa do movimento e da mudança\ para os gregos, isto significaria, segundo ele, ue a gua era da nature4a da psiue, ou seVa, substZncia vital, e como tal viva e eterna. [!ui[, di4 )uthrie, [o espGrito grego avançou mais um passo. Se perguntssemos a ualuer grego ual a coisa ue para ele era imortal, se é ue havia alguma, a resposta seria sempre theos ou to theion. ! vida eterna é caracterGstica exclusiva do divino. !ssim, embora %ales reVeitasse as divindades antropomórficas da religião popular, podia continuar a utili4ar a sua linguagem e di4er ue, num certo sentido, o mundo estava povoado de deuses. #odemos fa4er uma comparação com o emprego dos atributos divinos por !naximandro[. !naximandro[. ' #rof. !. 7. !rmstrong adopta um ponto de vista semelhante ao di4er ue [chamavam divina a esta )uthrie, op. cit., pp. 9;-;>. #orém, cf. p. 5, onde )uthrie admite ue os filósofos Vónios [não excluGam de forma alguma a possibilidade possibilidade de intervenção divina[ acrescentando, [mas chegaram a uma concepção do divino muito diferente da da sociedade grega contemporZnea[. +9 substZncia, uerendo provavelmente apenas di4er com isso ue era viva e eterna[+. Aaeger vai mais longe ao analisar a utili4ação da expressão to theion afirmando ue %ales e !naximandro tinham um motivo muito concreto para manter este conceito. [' ue acontece na argumentação de !naximandro[, di4 ele, [Xe na dos seus sucessores nesta linhaY é ue o predicado eus, ou melhor, ivino, é transferido das divindades tradicionais para o primeiro princGpio do Ser Xa ue chegaram por via racionalY na medida em ue os predicados normalmente atribuGdos aos deuses de 7omero e 7esGodo são inerentes Ruele princGpio num grau mais elevado ou podem ser-lhe atribuGdos com maior certe4a[ . "m seguida, partindo desta hipótese original, Aaeger analisa a obra de !naxgoras e, sobretudo a filosofia pós-socrtica. pós-socrtica. !ssim, a darmos ra4ão a Aaeger, longe de serem naturalistas no sentido ateGsta da palavra, os filósofos milésios lançaram as bases da concepção metafGsica da ivindade ue os #adres gregos da $greVa ristã viriam a desenvolver cerca de oito ou nove séculos mais tarde. ! sua conclusão é a seguinteE [Nesta filosofia natural, como é chamada, existem lado a lado a telogia, a teogonia e a teodiceia... ' aparecimento da ideia do 8osmos significa simultaneamente uma nova maneira de encarar a organi4ação do estado como derivante das leis eternas do Ser e uma recriação da religião em termos da ideia de eus e do governo divino do mundo tal como a nature4a no-lo revela. "ste conceito não é apenas caracterGstico caracterGstico de !naximandro pois permanece intrinsecamente intrinsecamente ligado R nova concepção filosófica, voltando a aparecer em !naxGmenes[ 1. No primeiro capGtulo do seu livro )od and #hilosophH U, "tienne )ilson também contesta o facto de se fa4er uma interpretação naturalista naturalista dos filósofos Vónios. eferindo-se eferindo-se R passagem de *urnet ue acabamos de citar, )ilson escreveE [! Wnica obVecção ue tenho a p_r é ue h poucas palavras ue tenham uma conotação mais nitidamente religiosa do ue a palavra TdeusT... nada impede ue se interprete a frase Ttodas + $ntroduction to !ncient #hilosophH, p. 1. 1 Aaeger, op. cit., p. +M5. 5 $bid., p. 19. U eus e a Filosofia. XN. do %.Y +; as coisas estão povoadas de deusesT como uerendo di4er ue não existe um Wnico deus em nada, mas o mGnimo ue se poder di4er de tal interpretação é ue é bastante ousada[6. . ). ollingBood chega a uma conclusão semelhante no seu estudo da filosofia da nature4a grega, ue contrapOe R do enascimento e R moderna. #ara ollingBood, a concepção Vónia. tal como as restantes concepçOes gregas da nature4a, distingue-
se pela pressuposição de ue o mundo da nature4a est saturado e impregnado Tde espGrito. i4 ele ue, para os gregos. o mundo da nature4a não só estava vivo como era inteligente, fa4endo uma observação muito significativa a esse respeitoE ['s pensadores gregos consideravam a presença do espGrito na nature4a como fonte da regularidade e ordem do mundo natural, presença essa ue tornou possGvel a cincia da nature4a[9. ollingBood sustenta ue a concepção mecanicGsta da nature4a Xas [forças impessoais[ de )uthrieY só surge na Wltima parte do enascimento, designando antes a concepção grega como organicista. #enso, portanto, ue a conclusão a tirar é ue é inWtil procurar nos filósofos Vónios uma interpretação totalmente naturalista do mundo. "les não só consideram a nature4a uma coisa viva e. portanto. divina. como o seu pensamento contém pelo menos o embrião ue ir dar origem ao aparecimento de um conceito metafGsico de eus, como Aaeger demonstra. #orém, uma ve4 aceite este ponto de vista, temos de salientar um outro aspecto igualmente verdadeiro, ou seVa, ue a sua concepção da nature4a e da origem do mundo contém também a semente da posição naturalista ue outros pensadores, sobretudo os atomistas do século seguinte, haviam de retomar e formular claramente. "ste aspecto, ue é extremamente importante criara a controvérsia sobre a crença e a descrença, resulta sobretudo do alcance limitado das uestOes por eles levantadas ou pelo menos, do ue outros consideravam consideravam ser o alcance limitado dessas uestOesE é o caso de !ristóteles ue os censurava por se interessarem apenas pelas causas materiais e não pelas causas Wltimas. ' lugar ue os Vónios ocupam na história da descrença 6 ^. )ilson. )od and #hilosophie. tro. 5-6. 9 . ). ollingBood, %he $dea of Nature, p. 1. #ara uma anlise dos Vónios, cf. pp. +@-5>. +> é, portanto, ambGguo. ' ue é sem dWvida verdade é ue foram eles os principais responsveis pelo declGnio do velho conceito mitológico dos deuses e da religião tradicional embora, evidentemente, apenas no plano intelectual. &as como !. N. Ihitehead observou [a evolução da religião define-se pela denWncia dos deuses[;, e R lu4 dauilo ue acabamos de di4er verificamos ue isto se aplica não só aos filósofos Vónios como R maioria dos pensadores da tradição grega, como adiante se ver, pois na realidade poucos são os exemplos de ateGsmo absoluto ue iremos encontrar. 0eremos ue a maioria dos pensadores ue autores posteriores designaram de atheoi se limitaram, afinal, a negar os deuses tal como eram apresentados pela religião popular, e isto, regra geral, como prelWdio para a formulação de um conceito mais sofisticado e desenvolvido do divino. &as &ax &uller defende ue o termo [adevismo[ descreve melhor este tipo de negação do ue ateGsmo e tem, sem dWvida, ra4ão>. "sta palavra define bem os filósofos Vónios pois se eles foram os primeiros filósofos naturais, foram também os primeiros teólogos naturais. ' facto do aspecto puramente naturalista do seu pensamento ter sido auele ue, posteriormente, maior influncia teve, é talve4 uma inVustiça para com eles, pois foi precisamente a esta faceta do seu entendimento do mundo ue os atomistas e outros pensadores do século seguinte se agarraram e, ainda, auela de ue se serviram como arma para contestar não só a interpretação mitológica dos fenómenos como ualuer conceito do divino existente. Foi por este motivo ue #latão considerou o desenvolvimento desenvolvimento da concepção Vónia um perigo espiritual e o combateu com toda a sua inteligncia. inteligncia. &as antes de analisarmos este perGodo altamente significativo, h outras figuras da tradição pré-socrtica ue merecem a nossa atenção, atendendo aos VuG4os ue geraçOes posteriores fi4eram sobre elas. No seu estudo intitulado !theism in #agan !ntiuitHU, rachmann apresenta uma lista dos filósofos gregos ue viriam mais tarde a ser designados de atheoi ou acusados de impiedade@. No perGodo anterior ; !. N. Ihitehead, !dventures of $deas, p. @. > F. &ax-&uller, Natural eligion, p. ++>. U ' !teGsmo na !ntiguidade #agã. XN. do %.Y
@ 'p. cit., p. 1. +@ a Sócrates, ?enófanes e !naxgoras foram acusados de impiedade, enuanto ue iógenes de !polónia, 7ipo de égio, #rotgoras, #ródico, rGtias e igoras de &elos foram acusados de ateGsmo. onsideremos agora algumas destas figuras e outras do perGodo pré-socrtico ue embora não seVam mencionadas por rachmann certamente merecem a nossa atenção. ?enófanes não é um ateu mas sim um adevista e, talve4 até, o melhor exemplo de adevista no perGodo anterior a #latão. ^ sobretudo conhecido pela forma satGrica, mas séria, como atacou as concepçOes antropomórficas dos deuses. 0ale a pena citar algumas das suas mximas. =ma das ue lhe é atribuGda é a seguinteE ['s homens pensam ue os deuses se vestem, falam e são como eles[+M. " outra mais morda4E [Se os bois, os cavalos e os leOes soubessem desenhar e pintar, fariam os deuses R sua própria imagem[+. 'utra aindaE ['s negros acreditam ue os seus deuses tm o nari4 achatado e ue são pretosE os trcios, ue tm os olhos a4uis e cabelo ruivo[++. %al como Aaeger apontou, ?enófanes representa a faceta conscientemente crGtica da filosofia especulativa ue se desenvolvera pouco tempo antes. "mbora tenha vindo da escola italiana da filosofia grega, como os antigos lhe chamavam, é, intelectualmente, um filho dos Vónios, tendo desenvolvido as implicaçOes crGticas da sua filosofia para a religião antropomórfica e mitológica tradicional. 0ai além dauilo ue sabemos dos Vónios na medida em ue não só criticou explicitamente o antropomorfismo da velha religião, como também atacou as suas implicaçOes morais. 7omero, de cuVa influncia e autoridade ele estava bem consciente - [auele[, di4 ?enófanes, [com uem todos os homens aprenderam inicialmente[ - e 7esGodo, [atribuGram aos deuses toda a espécie de actos ue os homens considerariam vergonhosos- adultérios, furtos e recGprocos enganos[+1. ?enófanes opOe R religião antiga uma versão mais consciente da divindade dos Vónios. [7 um deus ue est acima de todos os deuses e dos homens\ não se assemelha aos mortais nem na forma nem no +M Frag. 5. + Frag. 6. ++ Frag. 9. +1 Frag. . 1M pensamento[+5. [0 como um todo, apreende como um todo, ouve como um todo[+6\ e ainda, ["st sempre no mesmo sGtio, sem se mover, nem lhe advém benefGcio algum de ir aui ou além em diferentes alturas\ mas, pela força do seu espGrito, fa4 estremecer todas as coisas[+9. Não podemos ver aui um monoteGsmo explGcito e deparamos com certas dificuldades ao analisarmos algumas das outras coisas ue ?enófanes di4 acerca do seu deus - ue é esférico, por exemplo - mas como autores posteriores observaram, não est muito longe disso. ?enófanes tinha, na realidade, conscincia de ue a nova concepção filosófica de deus levantava muitos problemas e di4, em determinado momento, ue h sempre uma parcela de dWvida uando se pensa sobre as uestOes mais importantes+;\ mas atendendo Rs afirmaçOes teológicas positivas ue encontramos em ?enófanes, não devemos de forma alguma tomar auela afirmação como uma declaração de agnosticismo dogmtico como fi4eram alguns doxógrafos gregos, nomeadamente Sexto "mpGrico. #or outro lado, ?enófanes reVeitava a divinação. $sto coaduna-se com a sua reVeição da mitologia e abre o caminho para a explicação naturalista deste fenómeno ue encontramos nos autores médicos do final do séc. 0. a.. reio ter V demonstrado ue ?enófanes não pode de forma alguma ser considerado nem um ateu nem um agnóstico no sentido actual de ualuer dos termos. Na verdade, longe de ser uer uma coisa uer outra, ?enófanes contribuiu para um desenvolvimento subseuente da concepção grega de divindade, tendo deste modo exercido uma influncia considervel na evolução da religião. as outras grandes figuras da era pré-socrtica, #itgoras e 7erclito estão decididamente fora do Zmbito da nossa pesuisa, na medida em ue eram ambos pensadores eminentemente religiosos\ e #arménides, embora tenha exercido uma
grande influncia no naturalismo, não pode verdadeiramente ser considerado um descrente. %al como !rmstrong refere, #arménides não +5 Frag. +1. +6 Frag. +5. +9 Frag. +6 e +9. +; Frag 15. 1 era um homem particularmente religioso+>, mas o VuG4o de 3arl einhardt de ue ele era [um pensador cuVo Wnico obVectivo era o conhecimento, cuVo Wnico grilhão era a lógica e a uem eus e o sentimento deixavam indiferentes[+@ não fa4 Vustiça R faceta teológica positiva das suas reflexOes sobre o mistério do Ser\ alis, as imagens carregadas de religiosidade ue encontramos na primeira parte do poema de #arménides, ue revelam nGtida influncia do 'rfismo, parecem excluir uma afirmação tão exagerada. Na tradição órfica, temos também o pensador pós-parmenidiano "mpédocles, embora tenha havido algumas tentativas, incluindo a do poeta-filósofo epicurista romano, (ucrécio, para apresentar o seu pensamento, ou pelo menos uma faceta desse pensamento - normalmente considerada a sua expressão amadurecida - como materialista e completamente divorciada da sua outra faceta ue é essencialmente religiosa. ' problema advém do facto de apenas terem sobrevivido fragmentos de dois dos seus poemas épicosE o primeiro, a Nature4a, dedica-se ao aspecto puramente fGsico da filosofia da nature4a\ o outro, as purificaçOes Xou 3atharmoiY, revela V influncias do pietismo órfico. ^, evidentemente, a primeira ue d origem R reputação de materialista atribuGda a "mpédocles. ! dificuldade est, portanto, em conciliar estas duas obras de nature4a essencialmente diferente e em ver nelas o produto de um Wnico espGrito. 7ouve V uem tentasse atribuir estes trabalhos a dois perGodos consecutivos da vida de "mpédocles, sendo o 3atharmoi considerado por alguns o fruto de um fervor adolescente posteriormente reVeitado, por outros uma obra de um derradeiro perGodo de desespero em ue "mpédocles, cansado de tentar explicar o mundo em termos mecanicistas, se teria entregue a uma fé órfica irracional1M. %odavia, tal como Aaeger e )uthrie, bem como alguns dos comentadores mais recentes, demonstraram, uando interpretadas no contexto da época, estas duas facetas do pensamento de "mpédocles coadunam-se perfeitamente1. !naxgoras, o outro grande pensador pós-parmeni-diano, contemporZneo de "mpédocles, é uma +> 'p. it, #. 1 +@ citado in Aaeger, op. cit., p. @M. 1M *idé é a favor da primeira hipótese e iels da segunda. 1 Aaeger, op. cit., p. 1Mff. )uthrie, op. cit., p. +1ff. 0ol. $$. 1+ figura muito mais interessante. "mbora não possa de forma alguma ser considerado um ateu, contribuiu largamente para o desenvolvimento da interpretação naturalista do mundo. "nuanto ue os adivinhos e sacerdotes da religião tradicional haviam interpretado os fenómenos da nature4a, sobretudo os mais bi4arros e espectaculares, como sendo provocados pelos deuses e, como tal, mensagens desses mesmos deuses, !naxgoras op_s-se firmemente a uma tal interpretação procurando uma explicação em termos de causas naturais. ! ra4ão oficial para a sua expulsão de !tenas alguns anos antes do nascimento de #latão, consistiu no facto de ele sustentar ue os corpos celestes eram obVectos naturais. #ara ele o sol não passava duma pedra incandescente ue brilhava no céu. &as embora !naxgoras tenha, afinal, prosseguido e consolidado auela interpretação da nature4a e dos processos naturais ue os Vónios tinham iniciado mais de um séculos antes, deu um grande passo em frente ao identificar o primeiro princGpio com a &ente. #orém, como Sócrates afirma na peuena biografia ue encontramos no Fédon em ue nos fala da esperança com ue se voltara para a hipótese apresentada por !naxgoras por ver nela a solução dos seus próprios problemas, este pouco uso fe4 dela mais tarde ao descrever a sua concepção do mundo. &as tal como !rmstrong aponta, Sócrates não acusa !naxgoras de limitar a acção da sua $nteligncia a um inGcio do movimento no espaço e, em seguida de
explicar toda a acção no mundo como sendo resultado de causas mecZnicas, embora seVa, freuentemente, esta a interpretação dada R crGtica de Sócrates. !uilo ue leva Sócrates a criticar !naxgoras é o facto deste não ter feito ualuer tentativa para explicar o fim ou obVectivo da acção dessa $nteligncia, ou a forma como ordenou todas as coisas da melhor maneira1+. Não h dWvida ue !naxgoras sustentava ue o mundo era fruto de uma &ente ordenadora\ o ue não disse foi uais eram, efectivamente, os obVectivos dessa &ente. %odavia, ao introdu4ir a noção de uma &ente ordenadora como causa do mundo, uer tenha ou não identificado essa &ente com a divindade, !naxgoras forneceu elementos ue #latão e os seus sucessores não deixariam de desenvolver num sentido teGsta. 1+ 'p. cit., p. ;. 11 iógenes de !polónia, um contemporZneo de !naxgoras, levou este raciocGnio mais longe. !cusado por autores posteriores não só de impiedade como de ateGsmo, a sua posição não é, de facto, muito diferente da de !naxgoras, embora se distinga deste por ter retomado a doutrina Vónia e procurado uma Wnica substZncia primria ue, para ele, era o ar. !lém disso identificou esta substZncia primria com a &ente. i4 eleE [#arece-me ue auilo ue tem o poder de saber é auilo a ue os homens chamam ar, e ue este condu4 e controla todas as coisas. #ois eu sinto ue isto é deus, e ue se estende a tudo e dispOe todas as coisas e existe em todas as coisas, e não h nada ue não participe dele[11. #orém, iógenes não só se refere R &ente como sendo divina, como também vai além de !naxgoras ao tentar interpretar os fenómenos individuais em termos de finalidade, ou seVa, em termos teleológicos\ alis, é muito provvel ue tenha sido a ele ue Sócrates foi buscar auela versão do argumento teleológico com ue, segundo os &emorveis de ?enofonte, procurou refutar o deGsmo de um dos seus mais Vovens discGpulos. 11 Frag. * 6. 15 apGtulo $$ #"2'' S':%$' ' estudo de Sócrates leva-nos até fins do séc. 0, perGodo em ue o antagonismo entre a filosofia natural e a religião se tomou um conflito aberto e explGcito. ' melhor testemunho deste conflito e das uestOes ue levantou é-nos dado por #latão ue empenhou todas as suas energias na luta contra as implicaçOes irreligiosas da nova filosofia. &as os autores dramticos da época também nos podem aVudar a fa4er uma ideia dauilo ue deve ter sido uma das grandes controvérsias de então\ é o caso de !ristófanes, autor de diversas comédias, ue utili4a essa controvérsia como tema da peça intitulada !s Nuvens. #orém, antes de analisarmos as uestOes filosóficas, e V ue referimos os dramaturgos, veVamos auilo ue "urGpedes e Sófocles tm a di4er acerca da crGtica moral crescente da religião tradicional e das histórias dos deuses. 0imos V ue esta atitude crGtica surgira cerca de um século antes com ?enófanes\ com "urGpedes e Sófocles ela torna-se extremamente evidente. ! obra destes dois autores contém inWmeras passagens em ue as acçOes dos deuses, sobretudo tal como são relatadas por 7omero, são alvo de reprovação moral. Na verdade, tal como (oBes ic8inson di4, a atitude de "urGpedes para com a religião popular [é tão abertamente crGtica ue ... o obVectivo principal ue tinha em mente 16 ao construir as suas peças era desacreditar os mitos ue escolhera para tema[. Sófocles e ^suilo representam o reverso desta atitude, mostrando claramente ue o desenvolvimento moral da religião grega em direcção ao monoteGsmo não dependeu exclusivamente da acção dos filósofos, tendo antes recebido um impulso considervel dos poetas trgicos. #odemos ilustrar este ponto com uma passagem de Sófocles. Fala o oroE
#ossa o destino encontrar-me sempre cumpridor das palavras e actos ordenados pelas leis ue vigoram l no alto\ leis criadas no ar subtil dos céus cuVo Wnico pai é 'limpo\ nenhuma criatura moral as procriou, não h esuecimento ue as possa fa4er adormecer\ pois eus existe nelas em toda a sua grande4a e não envelhece+. Nestas palavras est implGcita uma alteração radical do conceito tradicional de divindade. ebrucemo-nos agora sobre as uestOes filosóficas, considerando em primeiro lugar o conflito entre o naturalismo e a mitologia tal como é apresentado pelo poeta cómico !ristófanes. Na passagem de !s Nuvens a seguir apresentada, vemos ue o principal obVecto da sua stira é o carcter materialista da interpretação fGsica da nature4a ue prevalecia na época. $nfeli4mente, o próprio Sócrates é apresentado no papel de advogado da nova concepção naturalista do mundo, mas o facto da posição do filósofo não ter sido correctamente entendida não nos deve impedir de ver ual é o tema da discussão ue se segue. "mbora Sócrates não tenha assumido a posição ue !ristófanes ataca, houve sem dWvida outros ue o fi4eram. ! passagem acima referida começa com um coro de !s Nuvens, as novas divindades dos filósofos fGsicos, ue dão as boas-vindas a Sócrates, seu herói. ' dilogo ue se segue é entre "strepsGade e SócratesE 'p. cit, p. 5>. + Sófocles, ' ei ^dipo, >96. 19 "strepsGadeE ó terra ue som augusto e profundo ue me enche de admiração e temor. SócratesE Xreferindo-se Rs NuvensY. "ntão, são elas as Wnicas divindades, o resto não passa de uma mentira. "strep.E "ntão e Deus ue ele é um eus ninguém duvida\ nem tu o podes negar. Sócr.E ual Deus Não digas disparates. Não existe Deus nenhum. "strep.E ue di4es "ntão ters de me explicar primeiro uem é ue fa4 a chuva, senão não poderei acreditar-te. Sócr.E #ois então ue se saiba ue só a elas devemos a chuva\ posso prov-lo com um argumento irrefutvel. A alguma ve4 se viu chover uando o céu est limpo e a4ul ", no entanto, tu di4es ue ele pode fa4er chover num dia de sol sem nuvens. "strep.E *em, devo confessar ue o teu argumento é pertinente\ veVo-me forçado a acreditar nas tuas palavras. ", todavia sonhei ue chovia uando Deus urinava através de um crivo. &as, então, meu amigo, donde vem a trovoada ue nos fa4 tremer de medo Sócr.E #ois bem, são elas ue a fa4em ao rolar pelo ar. "strep.E ' u, as nuvens Ser ue te ouvi bem Sócr.E om certe4a uando a transbordar de gua elas são obrigadas a deslocar se e ficam suspensas na abóbada dos céus\ a meio do seu percurso entrechocam-se com grande violncia e troveVa sem cessar. "strep.E &as não é Deus uem as obriga a deslocar-se Sócr.E Não h Deus nenhum, mas sim um turbilhão de ar. "strep.E =m turbilhão "spantas-me, confesso. Não sabia ue Deus não existe e ue em seu lugar reina um turbilhão...1 !ssim prossegue a discussão com uma explicação naturalista das causas de outros fenómenos da nature4a, 1 !ristófanes, !s Nuvens, 16>. 1; dando-se a entender ue o ateu ue d tais explicaçOes é antisocial e imoral. &as o ue nos interessa é o facto de se contrapor uma explicação natural R
interpretação mitológica dos fenómenos naturais\ não obstante tratar-se de uma comédia, a passagem acima transcrita mostra bem o tipo de explicação, em termos de causas fGsicas actuando por força da necessidade, ue a nova filosofia da nature4a propunha em oposição Rs explicaçOes da mitologia religiosa tradicional. ^ precisamente este tipo de explicação causal ue Sócrates critica nauela biografia ue encontramos no Fédon de #latão. [uando era Vovem[, di4 Sócrates a ebe, [estava ansioso por alcançar auele conhecimento a ue chamam história da nature4a, pois parecia-me uma coisa sublime conhecer as causas de tudo, saber por ue é ue cada coisa é gerada, por ue morre e por ue existe[ 5. "ram sobretudo os trabalhos de !naxgoras ue pareciam oferecer-lhe auilo ue procurava, pois ali estava um filósofo ue [di4 ue é a inteligncia ue ordena e ue é a causa de todas as coisas[. " Sócrates prossegueE [#iuei encantado com esta causa e de certo modo pareceu-me estar certo ue fosse a inteligncia de todas as coisas[. ! sua satisfação, porém, não durou muito e a sua desilusão est bem patente nestas palavrasE [epressa me vi forçado a abandonar essa esperança maravilhosa, pois R medida ue fui lendo os seus trabalhos, deparei com um homem ue não usa a inteligncia, nem indica causas nenhumas para a forma como todas as coisas estão ordenadas, di4endo antes ue as causas são o ar, o éter e a gua e muitas outras coisas igualmente absurdas[. Sócrates ilustra auilo ue pretende di4er reportando-se as suas próprias acçOes. !naxgoras parece-lhe ser o tipo de pessoa ue explicaria o facto de ele, Sócrates, permanecer em !tenas onde a prisão e a morte o esperavam, di4endo ue isso se devia a caracterGsticas fGsicas deste e não ao facto de o deseVar e de ter bons motivos para o fa4er. hamar a isso uma explicação é absurdo, di4 ele, embora reconheça ue [se alguém dissesse ue sem ossos e mWsculos, e todas as outras coisas de ue sou feito, não poderia fa4er o ue entendo, estaria a falar verdade[. 5 Fédon, @9 ff. itaçOes extraGdas de inco ilogos de #latão p. >6 ff, "verHman (ibrarH "dition, edit. por !. . (indsaH. 1> uer-me parecer ue auilo ue Sócrates pretende di4er é ue uma explicação causal do tipo proposto pelos filósofos fGsicos é uma explicação limitada e não satisfa4 de forma alguma aueles a uem se pOem outras uestOes\ ue procuram uma explicação em termos de significado e finalidade\ ue como o próprio Sócrates, procuram motivos mais do ue causas, bem como auilo ue !ristóteles viria mais tarde a chamar a causa Wltima do funcionamento das coisas. ' ponto em uestão é este e voltar a surgir mais tarde, no séc. ?0$$, uando a procura das causas Wltimas, de um significado transcendente e inteligGvel do universo, ue ressurgira na $dade &édia, começa a abrandar e aparece de novo uma interpretação do mundo ue não est muito longe dauela ue os antigos filósofos fGsicos haviam procurado. 'utras provas do carcter generali4ado da interpretação empGrica e naturalista dos fenómenos em meados do séc. 0, são-nos dadas pelos autores médicos da época, cuVos trabalhos chegaram até nós através de 7ipócrates. F. &. ornford e outros, são em grande parte responsveis pela conscincia ue temos hoVe da importZncia destes escritos para uma melhor compreensão do naturalismo6. Num dos mais conhecidos tratados desta escola, intitulado a Nature4a da oença Sagrada, designação dada R epilepsia, o autor, dotado de um espGrito essencialmente empGrico, analisa a pretensa origem divina da doença levantando, desse modo, algumas uestOes importantes uanto R nature4a do divino e ao seu modo de intervenção. #Oe de parte a noção mitológica de ue a epilepsia é fruto da intervenção divina e procura explic-la como sendo resultado directo do mesmo tipo de causas naturais ue as outras doenças. [! chamada doença sagrada[, escreve ele, [advém das mesmas causas ue ualuer outra doençaE das coisas ue entram no corpo e das ue dele saem\ do frio e do sol e dos ventos, ue estão em constante mutação e nunca estão parados. "stas coisas são divinas e, portanto, não h necessidade alguma de p_r esta doença de parte e consider-la mais divina do ue ualuer outraE todas elas são divinas e todas elas são humanas[ 9. 6 f. o ensaio sobre a escola hipocrtica na sua obra #rincipium Sapientiae.
9 7ipócrates. Sobre a oença Sagrada. ap. +. 1@ Seria interessante comparar esta atitude com o método empGrico e ponderado utili4ado, nesta mesma época, por %ucGdides no domGnio da história. Se compararmos a forma como este narra a guerra do #eloponeso com relatos de acontecimentos semelhantes em 7omero ou 7eródoto, não deixaremos de notar a diferença ue existe entre eles. "nuanto ue 7omero e 7eródoto apresentam causas naturais e sobrenaturais a actuar simultaneamente, %ucGdides elimina completa-mente o elemento sobrenatural relatando a guerra em termos comuns. %al como rachmann di4, [%ucGdides não só ignorou totalmente pressgios e divinaçOes, excepto na medida em ue Trepresentavam um factor puramente psicológico, como omitiu completamente na sua narrativa ualuer referncia aos deuses. "ra uma atitude sem precedentes na época[;. %rata-se de uma maneira de encarar a narração e compreensão da história ue só conseguiu impor-se verdadeiramente nos nossos dias. &as o meado do séc. 0 é, por excelncia, a época dos sofistas e embora com eles se tenha assistido a um processo de transferncia do interesse pelo obVecto do conhecimento para o suVeito, do interesse pelo mundo exterior para a vida do homem na sociedade, o cepticismo da época é neles ainda mais pronunciado. ! religião, a moral e a sociedade são alvo de uma crGtica acerba. #oder p_r-se em dWvida se o opróbio ue #latão lançou sobre esse termo é ou não Vustificado pelos ensinamentos de homens como )órgias, #rotgoras e #ródico, mas do ue não h dWvida é ue, para bem ou para mal, eles submeteram a religião e a moral sobre as uais toda a estrutura tradicional da sociedade assentava a uma crGtica rigorosa sem, por outro lado, apresentarem nada de positivo para as substituir. e um modo geral, os seus ensinamentos eram sobretudo retórica e o seu obVectivo era aVudar os Vovens a vencer na vida pWblica. !rmstrong d Rs suas teorias a designação de [agnosticismo humanista[>, o ue parece Vustificar-se atendendo Rs suas declaraçOes tal como as conhecemos hoVe e ainda R posição relativista ue assumiram uer perante a religião uer perante a moral. ! posição daueles pensadores foi claramente expressa ; op. cit., p. +>. > 'p. cit, p. +1. 5M por #rotgoras ue di4ia ue o homem é [a medida de todas as coisas, da realidade das ue são e da irrealidade das ue não são[ - afirmação ue os defensores do humanismo adoptaram desde então. uanto R uestão da existncia de deuses, #rotgoras assume uma atitude nitidamente agnóstica e a sua opinião tem sido freuentemente repetida com sincera convicçãoE [No ue di4 respeito aos deuses não posso ter a certe4a de ue existem ou de ue não existem, nem do seu aspecto, pois h muitas coisas ue nos impedem de o saber com segurançaE a obscuridade do assunto e a curta duração da vida humana[@. Segundo rachmann, #rotgoras foi o primeiro pensador a admitir ue a uestão estava em aberto e ue o seu esclarecimento poderia levar a uma resposta negativa. 's sofistas retomaram, assim, e responderam, a uma pergunta ue V havia sido tema de controvérsia mas a ue eles se entregaram com redobrada tenacidade. ' contacto com outras culturas tinha levado os gregos h V algum tempo a tomarem conscincia de ue a sua cultura - a sua religião, a sua moral e a sua organi4ação polGtica e social - não era Wnica, embora a pudessem considerar superior. !o reflectirem sobre a diversidade de opiniOes ue havia uanto a estas uestOes, foram levados a perguntar se a religião, a moral e a estrutura social seriam efectivamente inerentes R ordem natural das coisas, só admitindo, portanto, uma Wnica forma legGtima, ou se seriam apenas fruto do costume e, como tal, relativas e suVeitas a mudanças. omo eles próprios disseramE seriam coisas da nature4a ou da lei 's sofistas não hesitaram em optar pela segunda alternativa. #ara eles, a religião, a moral e a sociedade não passavam de costumes criados pelo homem. =ma conseuncia interessante idesta atitude foi o facto dos sofistas se terem, com ela, colocado numa posição ue lhes permitia não só atacar a religião mas ainda ir mais além e dar uma explicação naturalista da sua origem. hegaram até nós vrias teorias deste tipo. =m dos sofistas mais
importantes, #ródico de os, defendia ue a ideia dos deuses surgiu como um acto de gratidão e adoração da parte do homem para com as forças benéficas da nature4a, posição a ue tanto "urGpedes como o escritor estóico (ucilo *albo se haviam de referir @ Frag. 5. 5 mais tarde. !ssim, para #ródico, os primeiros deuses tinham sido eres, (iber, emeter e ionGsio. =m pouco mais tarde, um dos seus mais Vovens discGpulos, rGtias, um cGnico e um niilista, sustentou numa obra sua agora desaparecida, SGsifo, auilo a ue poderemos chamar a [teoria dos deuses-polGcia[. Segundo ele, os deuses teriam sido inventados como autoridades morais destinadas a p_r fim R anaruia. #ara compreendermos bem tal afirmação temos de ter presente o papel ue as [testemunhas[ desempenhavam na moral da época. 's sofistas sustentavam ue as leis eram fruto da vontade arbitrria dos governantes, contrapondo-lhes a Vustiça natural em ue vence a vontade do mais forte. efendiam, assim, ue os homens agiriam de uma maneira diferente se não houvesse ualuer possibilidade de serem descobertos, isto é, se não houvesse testemunhas. #latão levanta esta uestão ao contar a história do anel de )igesM ue tornava invisGvel ualuer pessoa ue o usasse. Na opinião de rGtias os deuses tinham sido inventados como testemunhas ocultas de actos privados a fim de se criar a coerção necessria sem a ual a moral, tal como a conhecemos, deixaria de existir. =m outro pensador ue formulou uma teoria naturalista da origem da religião, embora desta ve4 aliada a uma teoria materialista da nature4a, foi o atomista emócrito, um homem ue não pode de forma alguma ser considerado um sofista no sentido convencional da palavra. "m emócrito encontramos ainda o velho interesse Vónio e pós-parmenidiano pela nature4a e pelos processos naturais. No entanto, vai mais longe, na medida em ue reVeita ualuer forma de divindade uer na nature4a uer fora dela. omo Aaeger di4, [a sua descrição da nature4a em termos da interacção de inWmeros tomos existentes no vcuo governados pela força do acaso não deixava lugar R teleologia nem R deificação de uaisuer forças móveis ou causa originria Wnica[ . %al como V foi salientado muitas ve4es, com emócrito verificamos ue as implicaçOes naturalistas da filosofia da nature4a dos Vónios chegam a uma conclusão Wltima e lógica, e temos uma afirmação explGcita dauilo [a ue os filósofos chamam materialismo M epWblica, (v. $$ 16@-9M. 'p. cit., p. >M. 5+ e as pessoas religiosas chamam ateGsmo[, para usar as palavras de #. &. ornford+. #orém, o facto de existirem nos espGritos dos homens concepçOes do divino e dos deuses levantou a emócrito, tal como viria mais tarde a levantar a "picuro ue trabalhou com a filosofia natural dauele, um problema epistemológico. omo é ue se podia explicar a ideia dos deuses emócrito apresenta duas teorias. ! primeira relega os deuses para [um ramo crepuscular de fenómenos psGuicos materiali4ados[1, na medida em ue auilo ue emócrito sugere é ue as imagens dos deuses, a ue chama [espectros[, provm dos sonhos, nomeadamente de sonhos resultantes de uma m conscincia em ue os deuses aparecem a castigar os homens pelos seus actos condenveis. emócrito admite, assim, não só o papel real dos deuses na vida do homem, como o lugar da oração, ue segundo ele podia ser considerada um deseVo de encontrar imagens propGcias estando, portanto, associada R moral, embora, na ausncia de religião a fé de emócrito na moral se baseie na fé numa força moral proveniente de uma sensação interior de autorespeito do homem5. ! outra teoria de emócrito uanto R origem da religião apresenta-a como fruto do temor do homem perante as maravilhas da nature4a. %al como muitas pessoas hoVe em dia, emócrito decerto pensava ue uma ve4 ue a origem natural dos fenómenos da nature4a fosse totalmente apreendida, a religião deixaria de se Vustificar.
ever ainda acrescentar-se ue emócrito não acreditava numa vida depois da morte, sustentando ue tudo o ue existe na nature4a est suVeito R putrefacção e R extinção. =m pouco mais adiante veremos como é ue "picuro aplicou as ideias de emócrito ao campo da moral. )ostaria de terminar este capGtulo do nosso estudo com a história ue se conta dauele ateu caracterGstico da Wltima parte da !ntiguidade, igoras de &elos. i4-se ue ele se tornou ateu não como resultado da especulação, mas por ter perdido um manuscrito e ter + ornford, *efore and !fter Socrates, p. +;. 1 Aaeger, op. cit, p. >. 5 f. Stob iv. 6, 59 Xemócrito +95Y. 51 re4ado em vão aos deuses para o voltar a encontrar. $nfeli4mente, pouco mais se sabe a seu respeito, a não ser ue foi condenado R morte em !tenas em 56 a. , depois de ter sido preso por ridiculari4ar os &istérios de "lusis. hegamos, assim, ao fim do estudo da descrença no perGodo pré-socrtico e socrtico, perGodo esse ue abrange os dois séculos ue decorrem entre o inGcio do séc. 0$ e o fim do séc. 0 a.. São dois os pontos principais a ter presentes. %emos, por um lado, a partir dos Vónios, o aparecimento de um naturalismo ue atinge o seu apogeu com o !tomismo de emócrito e ue é consolidado na Wltima parte do séc. 0 pela crGtica relativista dos sofistas. #or outro lado, começamos a assistir ao despertar de uma concepção mais complexa do divino ue, mais tarde, com #latão e !ristóteles, vir em grande medida a substituir a religião tradicional e, numa outra fase mais avançada, a tornar-se uma verdadeira alternativa para essa mesma religião. &as paralelamente a estas correntes intelectuais da época, a religião tradicional continua a sobreviver e a desenvolver-se nas suas mWltiplas formas Vuntamente com o 'rfismo e os &istérios, bem como inWmeros outros cultos e prticas. laro ue é impossGvel determinar ual a influncia da controvérsia filosófica sobre a devoção popular. #latão e !ristóteles não cabem de forma alguma num estudo desta nature4a. ' primeiro porue a sua filosofia se inspira numa concepção moral e metafGsica ue é profundamente religiosa tanto na intenção como na prtica, além de ser motivada pelo deseVo de combater o livre-pensamento de orientação secular existente na época. ' segundo, embora mais difGcil de analisar, na medida em ue a sua teologia pouco tem ue ver com o resto da sua filosofia, sobretudo no ue di4 respeito R ética, pode no entanto ser considerado o precursor do deGsmo ue viria a dominar determinados estgios posteriores da teologia. ! sua concepção é essencialmente profana, e embora o seu eus, ue ele designa de [&otor $móvel[, chame a Si o mundo graças R sua inerente perfeição, constitui sobretudo um postulado metafGsico, um [eus dos filósofos[ de ue muitos defensores da religião, incluindo #ascal, se viriam a ueixar. ! influncia da sua concepção naturalista, 55 para não di4er racionalista, da nature4a, da polGtica e da ética, far-se- sentir em toda a "uropa uando as suas obras voltarem a aparecer no perGodo medieval. No capGtulo 0$ analisaremos as suas implicaçOes e as uestOes ue levantaram. 56 apGtulo $$$ #"2'' 7"("N2S%$' No perGodo helenGstico, época em ue a cultura e a civili4ação gregas transpuseram as fronteiras da sua terra natal como resultado das conuistas de !lexandre da &acedónia passando a dominar todo o pensamento do mundo mediterrZnico, assiste-se ao aparecimento de uatro grandes escolas filosóficas ue contestam, com maior ou menor xito, os sistemas platónico e aristotélico. São elas as escolas estóica, cGnica, epicurista e céptica. ' "stoicismo era
essencialmente panteGsta - uma estranha mistura da concepção platónica da providncia, com uma boa parte da doutrina aristotélica e uma linguagem ue fa4ia lembrar a doutrina Vónia da [substZncia vital[. Segundo esta escola, todos os homens participam em eus ou no ivino por meio da ra4ão, da centelha divina - o logos spermati8os - ue tm em si. Na realidade, todo o universo é divino, provindo do fogo primordial divino ao ual acabar por retornar. ! influncia dos estóicos fe4-se sentir, sobretudo, no campo da moral, e R medida ue esta se foi libertando das bases teológicas em ue assentava, foi-se consolidando vindo a influenciar alguns dos melhores espGritos da parte final da !ntiguidade. ' inismo, sistema filosófico criado por iógenes de Sinopla, contemporZneo de !ristóteles, era essencialmente uma maneira de viver ue se baseava na 5; doutrina de ue a virtude, entendida como vida conforme R nature4a, é a Wnica coisa importante não passando o resto de tuphos, ou vento. Sabe-se ue iógenes não adorava deuses porue, para ele, estes não precisavam de nada, mas desconhecem-se uaisuer outras opiniOes teológicas ue possa ter defendido. ! posição dos cGnicos em matéria de religião caracteri4ava-se, sobretudo pela indiferença e, como tal, pode considerar-se ue eram ateus, embora teoricamente fossem, de facto, agnósticos. !s filosofias do "picurismo e do epticismo interessam-nos muito mais\ a primeira porue tem sido freuentemente considerada uma das grandes filosofias humanistas e seculares da !ntiguidade, a Wltima porue, em muitos aspectos, uando analisada conVunta-mente com o epticismo da Nova !cademia, é precursora de um epticismo ue surgir novamente no enascimento e mais tarde no séc. ?0$$$ com avid 7ume. !lis, a tradição filosófica ue este iniciou é ainda hoVe uma das concepçOes filosóficas dominantes. No séc. $ a. , (ucrécio refere-se a "picuro, fundador Tda filosofia ue recebeu o seu nome e ue morrera mais de um século antes em +;M a. , como o homem ue libertara o espGrito humano do Vugo das superstiçOes da religião nos seguintes termosE [uando a vida humana perdera toda a dignidade aos olhos dos homens, esmagada sob o peso morto ida superstição cuVa figura severa olhava os mortais ameaçadoramente dos uatro cantos do céu, um homem da )récia foi o primeiro a elevar os olhos em desafio, o primeiro a erguer-se e a enfrentar o perigo. Não o intimidaram as histórias dos deuses, nem o relZmpago e a ameaça crescente dos céus. !ntes lhe avivaram a coragem, de ue pela primeira ve4 um homem deseVou ardentemente forçar as portas da nature4a. ! energia vital do seu espGrito venceu. !venturou-se muito além das muralhas flameVantes do mundo e viaVou em espGrito pela infinidade. !o regressar vitorioso anunciou-nos o ue pode e o ue não pode serE ue h um limite e uma fronteira inamovGvel para tudo. ! superstição Va4, assim, por seu turno, esmagada a seus pés e, graças f. por exemplo 7. A. *lac8ham na obra recentemente publicada, 7umanism, p. M; ff. 5> ao seu triunfo, fomos elevados ao mesmo nGvel ue céus[+. ! filosofia de "picuro, tal como a dos estóicos, incide essencialmente sobre a moral e, tal como estes, "picuro procurou uma maneira de viver ue lhe desse ataraxia ou apatheia, imperturbabilidade ou pa4, nos tempos conturbados em ue vivia. ! sua reflexão sobre a moral baseava-se no antigo interesse dos Vónios pela nature4a, o ual viria mais tarde a dar origem ao !tomismo. omo acreditava ue auilo ue mais se opunha R tranuilidade de espGrito e das emoçOes ue procurava alcançar eram as superstiçOes da religião - medo dos deuses e dauilo ue poder esperar o homem depois da morte - "picuro encontrou no !tomismo de emócrito uma filosofia ue, graças R sua perspectiva materialista, excluGa precisamente esses motivos de dor e preocupação. !ssim, adoptando o materialismo de emócrito, os homens sensatos poderiam alcançar a pa4 e a auto-confiança, graças R sua concepção naturalista do mundo. &as embora a sua filosofia seVa, para todos os efeitos, uma filosofia ateGsta, por estranho ue pareça "picuro admitia a existncia dos deuses da religião tradicional. "stes eram, evidentemente, materiais, como todas as outras coisas, mas também eram eternos. ! teologia de "picuro é extremamente original,
inferindo-se directamente das premissas materialistas fundamentais do seu sistema. "picuro, tal como emócrito, procurou explicar o facto não só de os homens acreditarem nos deuses mas de pretenderem ter tido [visOes[ desses mesmos deuses. ! sua teoria era ue os deuses, embora invisGveis aos olhos normais, eram feitos de uma substZncia mais subtil ue os obVectos da nossa experincia normal do mundo e ue mais se assemelhava Ruela de ue são formadas as almas. !ssim, os tomos ue os deuses emitiam, penetravam nos espGritos dos homens dando origem Rs [$magens[ dos deuses ue viam durante o sono ou uando estavam em transe. %odavia, os deuses de "picuro não desempenhavam ualuer papel nos assuntos do mundo e poderiam, uando muito, ser considerados um ideal da vida humana - da vida de um filósofo epicurista. + (ucrécio, e erum Natura. %rad. de . ". (athan, ed. #enguin lassics, p. +@. 5@ ! Wltima escola do perGodo pós-aristotélico sobre a ual nos vamos debruçar, e talve4 a mais importante, é a dos cépticos. !s origens desta escola remontam a #irro de ^lis, contemporZneo de !ristóteles, e é do seu nome ue provém a expressão [#irronismo[, normalmente utili4ada desde essa altura e até aos fins do séc. ?$? para designar o epticismo. #irro não deixou ualuer obra escrita\ auilo ue sabemos da sua doutrina devemo-lo ao seu discGpulo %imão de Flio. e acordo com auilo ue pudemos reconstituir, #irro defendia ue, uma ve4 ue não é possGvel saber nada com absoluta certe4a, nada se deve afirmar ou negar. $sto levou-o, naturalmente, a assumir uma posição agnóstica perante a fé religiosa. #orém, o cepticismo de #irro era, fundamentalmente, motivado por uma busca de tranuilidade ue, para ele, só poderia ser alcançada mediante uma total suspensão do VuG4o, forma de cepticismo ue viria a reaparecer no séc. $ a. . com "nesidemo e ue no século $$ d.. haveria de dar origem Ruela notvel manifestação do epticismo antigo ue encontramos em Sexto "mpGrico. esenvolvimentos posteriores na !cademia #latónica deram origem a uma outra forma de epticismo ue, ao contrrio do epticismo de #irro, se caracteri4ava por um espGrito dialéctico mais aniuilador\ embora, inicialmente, esta dialéctica destrutiva tivesse sido utili4ada para contestar os argumentos dos estóicos - a uem os cépticos chamavam ['s ogmticos[ - era uma arma ue podia ser usada para combater todas as formas de dogmatismo, fosse ele filosófico ou religioso. Foi !rcesilau uem, nos princGpios do séc. $$ a. , introdu4iu as doutrinas cépticas na !cademia #latónica, fundando assim a Segunda !cademia ou Nova !cademia, nome por ue é conhecida. Segundo parece, partindo da crGtica aos critérios dos estóicos sobre a verdade, !rcesilau teria sido levado a sustentar ue não se podiam estabelecer uaisuer critérios sobre a verdade e ue, portanto, não se podia ter a certe4a de nada. #oderia haver, uando muito, probabilidades, auilo a ue ele chamava [ta euloga[, o ra4ovel. $gnora-se se isto o ter levado a um cepticismo total em relação R religião. Não temos, porém, uaisuer dWvidas uanto R atitude céptica do seu sucessor, arniades de irene X+1-+@ a.Y, em relação R religião, pois tanto Gcero 6M como Sexto "mpGrico, dois cépticos posteriores, nos deram a conhecer a sua doutrina1. Segundo arniades, não podia haver certe4a nenhuma uer em matéria de fé religiosa, uer em ualuer outro campo. &as a crGtica ue ele fe4 R religião, e muito especialmente ao teGsmo, foi muito mais longe do ue isso e, pelo menos num aspecto, foi ele o primeiro a contestar o conceito de eus em termos a ue ainda hoVe se recorre para criticar o teGsmo. ! teologia estóica não era muito diferente da teologia cristã ue, efectivamente, influenciou em muitos aspectos fundamentais. =m dos elementos comuns a estas duas teologias é uma teoria teleológica do universo ue tem por base a fé em eus e na protecção providencial ue "le d ao homem, e ainda em ue o mundo é ordenado para esse mesmo fim. Foi a versão estóica desta teoria ue arniades se prop_s criticar. !o inuirir sobre as provas a favor de tal posição, arniades começou por tentar refutar auelas ue se inferiam da universalidade do teGsmo - primeiro argumento da apologia dos "stóicos e, também, o argumento referido na $ntrodução
deste livro. arniades defendia ue se a crença nos deuses era universal por ue haveria ela de se apoiar em argumentos e correr o risco de assim dar a entender tratar-se de matéria susceptGvel de ser discutida. onuanto ele próprio pusesse em uestão a universalidade da crença, mesmo ue ela fosse aceite, o ue é ue isso provava, perguntava ele. ! esta pergunta respondia di4endo ue apenas provava o facto sociológico ou antropológico de ue os homens acreditavam na existncia de deuses\ seria necessrio apresentar outros argumentos para provar ue os deuses existem de facto. =m ponto simples mas extremamente importante e lógico. !rgumentava ainda ue as uestOes relativas R verdade não podiam ser decididas por plebiscito, contando as pessoas ue tinham o mesmo ponto de vista. ^ um tanto estranho, di4ia ele, ue os estóicos, ue na sua grande maioria consideravam os homens em geral pouco mais do ue idiotas, deixem ao seu critério uma uestão tão importante. arniades reVeitava igualmente as provas a favor do teGsmo - ou, para ser mais preciso, neste caso, do 1 f. Gcero, Sobre a Nature4a dos euses, $$$. Sexto "mpGrico, ontra os &atemticos, $? 6 politeGsmo - ue se baseavam nas apariçOes dos deuses aos homens e na divinação. eVeitava as primeiras sumariamente, considerando-as pouco mais do ue histórias de comadres\ uanto Rs segundas, devido ao respeito ue a divinação inspirava, arniades tinha de fundamentar devidamente a sua contestação. Focava sobretudo a arbitrariedade da divinação. Se esta fosse uma maneira de predi4er acontecimentos, assentaria em princGpios racionais e não na rotina e na tradição. &as, tal como se apresentava, não era muito mais do ue uma uestão de sorte ue nada devia R inspiração divina. ' próprio arniades acreditava ue a crença na existncia dos deuses resultara, na maior parte dos casos, da deificação de fenómenos naturais ue inspiravam temor, embora nos mostre mais uma ve4 a subtile4a lógica do seu espGrito ao acrescentar ue a origem de uma crença só por si não nos di4 nada acerca da validade dessa mesma crença. %rata-se de um ponto ue não deixa de ter interesse actualmente, V ue muitas pessoas consideraram ue a uestão da existncia de eus ficou resolvida uando se negou essa mesma existncia e se explicou a origem de tal crença - hoVe em dia, geralmente, em termos psicológicos ou sociológicos. !uilo ue arniades pretende demonstrar é ue, em matéria de crenças, se deve distinguir entre [ra4Oes[ e [causas[. !s causas só tm interesse e só são importantes como meio de explicar os motivos ue levam as pessoas a ter determinada crença, no momento em ue chegamos R conclusão de ue, independente das causas, não h ra4Oes ue Vustifiuem ue se tenha essa crença. arniades defende ue é precisamente isto ue se passa no ue di4 respeito R crença na existncia de deuses. Na realidade, vai mais longe, e num tom ue fa4 lembrar algumas crGticas recentes do teGsmo, sustenta ue o conceito de eus, pelo menos tal como fora formulado pelos estóicos, não só é falso como não tem ualuer significado na medida em ue é contraditório- ou, como diriam os filósofos modernos, intrinsecamente inconsciente. 's seus argumentos não se restringem, contudo, R concepção estóica de divindade. %al como . . 7ic8s salientou num estudo acerca da filosofia de arniades sobre a religião, [este pensador arguto emprega argumentos ue vão muito mais longe e ue tra4em R lu4 os problemas fundamentais de ual6+ uer concepção de eus, uer este seVa concebido como um eus pessoal ou impessoal, finito ou infinito, uer se oculte sob uma abstracção ualuer como o absoluto ou o incondicionado[5. arniades argumentava apenas ue não podemos conferir a eus atributos pessoais sem limitar a sua nature4a. %odavia eus, tal como era concebido tradicionalmente pelos "stóicos Xe, evidentemente, pelos Audeus e ristãosY é simultaneamente ilimitado e infinito e, no entanto, pessoal. #ara nos debruçarmos a fundo sobre o raciocGnio de arniades terGamos ue nos afastar do assunto ue nos propusemos analisar, mas não uero deixar de dar um exemplo ue ilustra bem em ue medida ele contribuiu para ue este problema passasse a ser abordado de uma maneira diferente. #ara os estóicos,
eus era um ser racional dotado da maior perfeição. &as a virtude, tal como a entendemos, é incompatGvel com tal noção pois pressupOe ue se tenha vencido uma imperfeição. #or exemplo, para se ser coraVoso é preciso ue se tenha estado exposto a um perigo\ para mostrar temperança é preciso ue haVa um pra4er a ue resistir. omo é ue eus pode ter tal virtude, pergunta arniades. omo é ue um Ser ue é omnipotente pode fa4er face ao perigo ou resistir a um pra4er uando não tem paixOes e, portanto, lhes é insensGvel Nesse caso, ser ue "le não tem as virtudes da fortale4a e da temperança Se as tem, como é ue se pode di4er ue é todo-virtuoso 7onra e proveito não cabem num saco, ou, em termos mais filosóficos, não é possGvel afirmar e negar simultaneamente um atributo em relação a um mesmo suVeito. arniades disse muito mais acerca dos outros atributos de eus, como por exemplo a sua racionalidade e infinidade, e f-lo no mesmo tom. !ntes de deixarmos arniades h ue falar da sua crGtica da concepção estóica de providncia divina, pois ao atacar esta doutrina ele est também a atacar-num tom semelhante Ruele ue avid 7ume viria a empregar no séc. ?0$$$ - o !rgumento %eleológico. arniades considera inconcludentes as provas de um plano para o mundo, apontando as caracterGsticas deste ue parecem negar ser ele fruto de um plano traçado por um !ruitecto divino - cobras venenosas, agentes de destruição no mar e na terra, a doença, etc. Sustenta se ue a maior ddiva de eus ao homem é a ra4ão. &as 5 . . 7ic8s, Stoic and "picurean, p. 11M. 61 61 se eus é providente, por ue é ue esta ddiva foi distribuGda de uma maneira tão desigual e inVusta #oder-se- acusar eus de favoritismo nas suas relaçOes com os homens Não. #ara arniades, tal como para 7ume e mais tarde Aohn Stuart &ill, a conclusão mais ra4ovel parece ser negar a existncia de eus ou defender ue, se eus existe, não podemos saber nem di4er nada a seu respeito o ue é praticamente a mesma coisa. #arece, portanto, Vustificar-se a observação de 7ic8s sobre arniades uando di4E [é curioso verificar como arniades formulou muitos conceitos ue viriam mais tarde a fa4er parte da metafGsica\ alis, uando a sua argumentação foi tradu4ida para ingls, adoptou-se, uase involuntariamente, a linguagem da filosofia moderna[6. 7 uma outra figura ue temos de considerar antes de passannos do perGodo helenGstico para os princGpios do império romano. %rata-se de "vémero, pensador ue deu o seu nome R teoria sobre a origem dos deuses ue é conhecida por "vemerismo, segundo a ual os deuses são apenas heróis glorificados de um passado distante. %odavia pouco se sabe acerca de "vémero, mas a sua teoria de ue os deuses não passavam afinal dos heróis mais antigos da tradição popular grega não é inteiramente original, pois de acordo com essa mesma tradição, os deuses tinham tido uma existncia no tempo e levado uma vida ue não era muito diferente da dos heróis do passado numa determinada região do mundo. A 7ecateu também sustentara ue todos os homens perfeitos se tornavam deuses. ! doutrina de "vémero, porém, caiu em terreno fértil, e estava destinada a subsistir durante muito tempo. No mundo romano do séc. $$ d. , ao escrever a sua história, iódoro considerou o "vemerismo a melhor explicação cientGfica da religião, e houve muitos outros, nomeadamente %homas arlHle, ue seguiram esta linha de pensamento no século passado. 6 'p. cit, p. 11;. 65 apGtulo $0 #"2'' '&!N' No inGcio do $mpério omano ou, mais precisamente, no Wltimo século antes de risto e durante os dois primeiros séculos da "ra ristã, embora as grandes escolas filosóficas do perGodo pós-aristotélico tenham continuado a desenvolverse e se tenha assistido ao notvel ressurgimento da mais importante dentre elas, a escola platónica, aparecem também uma série de figuras ue se nos apresentam como expoentes de uma concepção de vida ue, de um modo geral, se pode designar
de secular ou humanista. &as, infeli4mente, não se trata de pensadores notveis ou originais. ! sua concepção era própria de homens civili4ados e urbanos e a filosofia em ue assentava era essencialmente de origem grega. "ntre essas figuras destacam-se as de Gcero, (ucrécio e #lGnio, o 0elho. &as antes de mais gostaria de di4er algumas palavras acerca da época em ue viveram. ' estado romano reconhecia a importZncia da religião como pilar da moral - pelo menos no ue di4ia respeito Rs massas. Num estgio mais avançado, a religião tornou-se também uma prova de ortodoxia polGtica. #orém, tal como )lover observa no seu livro %he onflict of eligions in the "arlH oman "mpire U, U ' onflito de eligiOes nos princGpios do $mpério omano. XN. do %.Y 66 dificilmente se encontra uma época ue menos interesse tivesse mostrado pela religião - a não ser a nossa, evidentemente. )lover refere-se, naturalmente, Rs classes mais altas. ! obra de Gcero ilustra bem o seu secularismo e cinismo. !o escrever a sua mulher do exGlio di4, por exemploE [Se, todavia, este infortWnio for permanente, então, minha uerida, uero ver-te o mais depressa possGvel e morrer nos teus braços, V ue nem os deuses ue tu adoraste... nem os homens ue eu sempre servi, nos deram ualuer recompensa[. omo outros V tiveram oportunidade de observar, a filosofia era a religião de Gcero, o seu consolo na adversidade e também a fonte onde ia procurar os princGpios orientadores da sua vida. o ponto de vista filosófico partilhava o cepticismo dos !cadémicos, embora dificilmente se possa chamar estóica R sua filosofia da religião. omo estadista defendia a religião romana instituGda, como demonstram as suas obras ' "stado e !s (eis, embora essa adesão fosse puramente polGtica, e podemos afirmar ue, na prtica, Gcero era, para todos os efeitos, um ateu, embora o não fosse em teoria. rachmann, por outro lado, refere ue essa atitude era comum entre as classes altas dos princGpios da era cristã, uma época em ue a filosofia, e sobretudo a filosofia ética, detinham uma posição de destaue e em ue a religião era mais ignorada como algo de irrelevante para os problemas reais da vida, do ue combatida+. ' poeta 7orcio tinha o mesmo espGrito secular e nas suas 'des vemo-lo trocar não só da superstição como de ualuer sugestão de um interesse divino pelos homens. #orém, embora as classes altas não mostrassem um interesse esclarecido pela religião, este perGodo não só foi um perGodo de grande devoção religiosa por parte das massas ue aderiam em grandes nWmeros ao culto frGgio, egGpcio e outros cultos orientais, como mais tarde um perGodo em ue a necessidade de religião por parte dessas mesmas camadas da comunidade foi em grande medida satisfeita pela recém-criada seita cristã. "ntre os pensadores ue formularam efectivamente, em termos filosóficos, uma doutrina sobre a descrença, Gcero, !d Fam. 5.5 itado in (atin (iterature in %ranslation, p. ++1, por 3evin )uinagh e !lfred #. orVahn. + 'p. cit., p. 9. 69 não podemos esuecer (ucrécio e, mais tarde, #lGnio, o 0elho. omo V referimos, (ucrécio inspirou-se em "picuro. ' seu excelente poema intitulado Sobre a Nature4a do =niverso não deixa uaisuer dWvidas uanto R sua posição ateGsta. (ucrécio foi, alis, o Wnico escritor europeu a apresentar um sistema filosófico, por oposição a teológico, sob a forma de um grande poema. ! sua posição era a de um homem reconciliado com a vida pela contemplação serena das leis ue governam o universo e pela convicção de ue os deuses não existem e de ue a vida termina com a morte. efendia ue a religião era responsvel por muitos actos condenveis, e o sacrifGcio humano era um deles, e ue portanto devia ser inteiramente abolida. #or outro lado, estava consciente da força poética da nature4a e por ve4es, mostrava uma certa compreensão em relação aos argumentos dos seus adversrios ue falavam de um poder divino da nature4a, embora não estivesse de acordo com eles. "m #lGnio, o 0elho, vamos mais uma ve4 encontrar um panteGsmo, ue identifica eus e o =niverso a tal ponto ue rachmann, no seu estudo intitulado !theism in
#agart !ntiuitHU, a ue V fi4emos referncia, é levado a descrev-lo como ateu, e não h dWvida de ue a passagem da sua 7istória citada por rachmann, mostra ue a sua atitude em relação ao divino era, pelo menos, uma atitude de indiferença. "screve eleE [onsidero, portanto, um indGcio de fraue4a humana pretender saber ual é a forma de eus. uem uer ue eus seVa, se é ue existe outro eus Xue não seVa o =niversoY, e esteVa ele onde estiver, ele é todo percepção, todo visão, todo ouvido, todo alma. todo ra4ão, todo ser[1. $sto é o panteGsmo estóico levado R sua conclusão lógica, e rachmann sustenta ue era este o ponto a ue as classes altas romanas dos princGpios do $mpério tinham chegado sob a influncia do helenismo. #ara )lover, o estoicismo deste perGodo, ue influenciou a maioria das classes altas, também era, na prtica, fundamentalmente ateGsta. %udo dependia da vontade individual. i4 eleE [Se, como Séneca afirma, U ' !teGsmo na !ntiguidade #agã. XN. do %.Y 1 itado por rachmann, op. cit., p. >\ cf. #lGnio, 7istória Natural, $$. 6; os deuses auxiliam o homem na sua ascenção, é o próprio homem ue tem de abrir caminho R custa de temperança e fortale4a. !final, dificilmente se poder distinguir To espGrito santo em nósT de conscincia, intelecto e vontade. eus, di4 "picteto, ordena ue se deseVais o bem ue o procureis vós mesmos.[5 Séneca, por seu turno, di4E [#ara ue uereis vós as oraçOes #rocurai ser feli4es.[6 's estóicos deste perGodo pouco tm a di4er de concreto uer acerca do politeGsmo uer da personalidade dos deuses. 's termos [eus[, [os deuses[ e [Deus[ são, muitas ve4es, empregues indiscriminadamente para designar destino, nature4a e universo. !ssim, como )lover refere, o "stoicismo viu-se perante um dilema ue não conseguiu resolver. #or um lado, não estava suficientemente agarrado ao passado para poder apoiar a religião popular\ por outro lado, não tinha a firme4a necessria para romper definitivamente com ela. 0acilou. ! figura mais destacada do "stoicismo deste perGodo depois de "picteto foi, evidentemente, o $mperador &arco !urélio. Nele encontramos num grau ainda mais elevado o agnosticismo e o ateGsmo prtico ue caracteri4avam outros estóicos, e a tal ponto ue, como F. I. &Hers di4, [devido ao seu espGrito invulgar, o $mperador solitrio tornou-se o santo e o modelo do !gnosticismo[. Segundo )lover, &arco !urélio era um homem ue [não era crente nem descrente - para ele a antGtese Tou deuses ou tomosT era inevitvel e havia tanto a di4er uer a favor uer contra ualuer dessas alternativas ue era impossGvel fa4er uma opção[9. 's poetas dos primeiros dois séculos da "ra ristã adoptaram também a atitude geral de agnosticismo e cinismo para com a religião. Na sua obra 's $mpostores esmascarados, 'enomas ataca violentamente os orculos ue para ele não passam de uma fraude dos sacerdotes. &ais importante, porém, foi (uciano em uem podemos ver uma prefiguração de 0oltaire, embora se distinga deste pela falta de obVectivos e princGpios definidos. #ara (uciano, a fé religiosa era essencialmente ridGcula e, como tal, um tema apropriado para as suas stiras ligeiras em ue escarnecia da crença 5 'p. cif., p. 96. 6 $bid., p. 9. $bid., p. @>. 6> nos deuses. ' seu !mante de &entiras toma os deuses tal como eles se lhe apresentam, redu4indo ao absurdo as situaçOes relatadas pela religião tradicional. ! certo ponto, Deus [autori4a-o amavelmente a v-lo trabalhar, ouvindo as oraçOes ue lhe são transmitidas através de tubos e concedendo-as ou reVeitando-as, resolvendo em seguida alguns augWrios e dispondo finalmente sobre o estado do tempo[;. !s suas obras Deus %ragoedus e Deus "lenchomenus U foram escritas no mesmo tom. Na primeira, (uciano pOe os deuses a ouvir uma discussão na terra sobre a sua existncia ue eles próprios acabam por resolver com uma boa descarga de relZmpagos. (uciano não foi, porém, um pensador importante. omo )lover observa, as uestOes ue levanta são superficiais, tal como são
superficiais as respostas ue apresenta para elas, e é em vão ue procuraremos nele algo mais do ue uma stira sobre a religião popular>. !ntes de terminar esta anlise da descrença na !ntiguidade lssica, h ue referir um outro pensador. %rata-se de Sexto "mpGrico ue viveu entre finais do séc. $$ e princGpios do séc. $$$ d. . Sexto é não só o Wltimo e o maior pensador da tradição céptica, como também uma das fontes principais de ue dispomos sobre as origens da filosofia. ^ um céptico na tradição epicurista ue procura libertarse das emoçOes mentais a fim de alcançar a pa4 de espGrito. &oralmente, tenta atingir uma posição para além da luta entre o bem e o mal. [' céptico[, escreve ele, [recusa a ideia de ue haVa ualuer coisa ue seVa m por nature4a[. hegaram até nós duas obras suas cuVos tGtulos são significativosE !s 7ipotiposes #irrónicas e ontra os &atemticos. obert Flint, no seu monumental estudo sobre o !gnosticismo, di4 o seguinte acerca desses dois trabalhosE [%odo o cepticismo grego, tudo auilo ue era importante na forma de agnosticismo mais completa e coerente ue Vamais surgiu no mundo, parece ter subsistido nelas.[@ Foi grande a influncia ue exerceram em pensadores posteriores. ^ R obra de Sexto "mpGrico ue o cepticismo ue veremos renascer na "uropa a partir dos princGpios do séc. ?0$ vai ; )lover, ibid., p. +M@, cf. (uciano, $ aromen, +5. U Deus efutado e uas 0e4es !cusado. XN. do %.Y U &as cf. "dBHn *cvan, Stoics and eptics, p. 6>, para uma opinião muito mais favorvel sobre a importZncia de (uciano. @ obert Flint, !gnosticism, p. @6. 6@ buscar a sua inspiração, os seus princGpios, os seus métodos e até mesmo os seus argumentos. &ontaigne e 7ume, por exemplo, citaram-no freuentemente, bem como Sir Ialter aleighM. %odavia, as conclusOes dos cépticos do perGodo clssico uanto R prtica religiosa mostravam-se favorveis a uma manutenção do status uo. !ssim, o próprio Sexto "mpGrico, embora contestasse filosoficamente a prtica religiosa Xe, evidentemente, a descrença, sendo como era um agnóstico coerenteY afirmava simultaneamente a sua fé nos deuses e no seu interesse providencial pela humanidade. "screve eleE [' céptico dever reconhecer os deuses em conformidade com os costumes do seu paGs e a lei, e fa4er tudo auilo ue possa contribuir para ue seVam convenientemente adorados e venerados, mas não dever fa4er ualuer afirmação irreflectida no domGnio da especulação filosófica.[ !ssim, ota, ue detinha o cargo de #ontGfice no "stado romano e ue Gcero apresenta no papel de céptico na sua de Natura eorum, p_de di4erE [Sempre defendi e sempre defenderei as cerimónias tradicionais da religião... se tu, como filósofo, conseguires Vustificar a minha convicção com argumentos racionais, muito bem, caso contrrio veVo-me obrigado a acreditar nos nossos antepassados, embora eles não apresentem uaisuer ra4Oes[ . ito isto, começa a destruir as provas da providncia divina adu4idas pelo estóico com argumentos ue vai buscar a arniades. "sta posição de descrença pessoal e profissão pWblica de fé viria a ser adoptada em épocas posteriores por muitos homens ue desempenhavam cargos de responsabilidade. M f. ). %. *uc8leH, !theism in "glish enaissance. ap. ?$ !d &ath. $?. 5@. + 'p. cit, (iv. 5. 9M apGtulo 0 'N(=SQ' !ntes de encerrarmos esta primeira parte do nosso estudo, talve4 valha a pena recordar o perGodo em anlise e considerar as principais manifestaçOes de descrença. 0emos, assim, ue h cinco pontos principais a considerar. &as antes
de mais gostaria de fa4er uma observação de carcter geralE o obVectivo ue nos propusemos foi o estudo do ateGsmo e do agnosticismo, e poder parecer ue, nas pginas precedentes, nos afastmos desse mesmo obVectivo na medida em ue apenas conseguimos referir muito poucos casos de ateGsmo declarado e explGcito e, excepto no fim do perGodo em uestão, poucos mais de agnosticismo. %odavia, tal como tentei mostrar, é neste perGodo ue encontramos as origens das concepçOes naturalista e céptica ue tanto contribuiram para o aparecimento de um ateGsmo mais profundo e mais claro. hegamos, assim, ao primeiro ponto ue ueria referir. ! interpretação naturalista dos fenómenos do mundo iniciada pelos filósofos Vónios, da ual encontrmos também exemplos nos autores médicos do séc. 0 bem como em %ucGdides e na forma como este encarava a narração da história, ue se imp_s com os atomistas e foi um dos principais temas de controvérsia no perGodo socrtico, é um tipo de interpretação ue voltaremos a encontrar em diversos perGodos do pensamento 9 ocidental. #or outro lado, não deixa de ter interesse actual, na medida em ue as uestOes ue levanta para o teGsmo continuam bem vivas ainda hoVe. )rande parte da linguagem teológica contemporZnea é ainda [mitológica[- descaradamente mitológica - pois os fenómenos do mundo são interpretados em termos de uma linguagem feita de uma mistura de natural e de sobrenatural. udolf *ultmann, o grande teólogo alemão ue tanto contribuiu para a desmiti4ação da linguagem religiosa, compara a interpretação da religião com a da cincia moderna em ue a relação causa-efeito é fundamental. [' homem moderno[, di4 ele, [parte do princGpio ue o curso da nature4a e da história, tal como a sua vida interior e a sua vida prtica, nunca é perturbado pela intervenção de forças sobrenaturais[. *ultmann, Aohn obinson e outros são grandemente responsveis pelo descrédito actual dauilo ue se designa de [linguagem intervencionista[, e embora não seVa nossa intenção discutir a sua legitimidade ou ilegitimidade, é interessante verificar ue os argumentos apresentados hoVe em dia pelos teólogos contra essa linguagem V haviam sido apresentados h mais de dois mil anos. "sses argumentos são fundamentais para a filosofia da religião. everão os fenómenos do mundo ser entendidos exclusivamente como resultado de causas naturais, ou ser ue podemos ver neles, uer isoladamente uer em conVunto, uma intervenção e obVectivo divinos ! fé Vudaico-cristã tradicional respondeu afirmativamente a esta pergunta. Segundo ela, o mundo é fruto de um obVectivo e de uma providncia divinos e alguns fenómenos são resultado de uma intervenção divina directa. #orém, bem ou mal, toda a evolução da nossa interpretação do mundo, pelo menos a partir do séc. ?0$, se afastou de tal concepção. ! origem dessa outra interpretação est, como espero ter mostrado, no perGodo lssico, e foi esta a contribuição mais significativa deste perGodo para o desenvolvimento do ateGsmo. ' segundo ponto a salientar em relação ao perGodo lssico é a crGtica moral crescente da religião tradicional iniciada por ?enófanes e continuada pelos dramaturgos do perGodo socrtico, embora isto, como vimos, tenha levado menos ao ateGsmo do ue a um conceito aperfeiçoado de divindade. udolf *ultmann, Aesus and &HthologH, p. 9. 9+ "m terceiro lugar h ue referir a tendncia crescente para o agnosticismo ue atinge o seu apogeu com as escolas cépticas da Wltima parte da !ntiguidade - a noção de ue o conteWdo da teologia é demasiado complexo e a vida humana demasiado curta para ue possa haver certe4as em relação a essa matéria. %ratase de um estado de espGrito ue voltar a surgir vrias ve4es na história do pensamento. "m uarto lugar, é interessante verificar uma tendncia da parte dos ateus deste perGodo para dar uma explicação naturalista da religião e dos conceitos religiosos. "ssa tendncia também subsistiu e voltaremos a encontr-la uando tratarmos do séc. ?$?.
"m Wltimo lugar, devemos prestar uma atenção muito especial ao materialismo ue encontramos nos atomistas do séc. 0, pois este ressurgir também no séc. ?$? e ser utili4ado como argumento na eterna controvérsia da crença e da descrença. 0erificamos, assim, no ue di4 respeito aos filósofos e pensadores, ue no perGodo lssico a interpretação religiosa do mundo nem sempre se conseguiu impor. 7ouve vo4es poderosas e insistentes ue se ergueram contra a concepção religiosa das coisas e ue viriam a ecoar ao longo de épocas posteriores. #odemos ver nelas as sementes, e para o fim do perGodo uase a flor, do agnosticismo e do ateGsmo. #odemos considerar ue o encerramento das escolas filosóficas pagãs pelo $mperador cristão Austiniano em 6+@ d. . marcou o fim do perGodo lssico ue foi também um perGodo de livre-pensamento. urante uase seiscentos anos o pensamento do &undo 'cidental seria dominado pela interpretação cristã da realidade tal como fora formulada filosoficamente sob influncia de pensadores platónicos e neo-platónicos. Foi só com o aparecimento dos filósofos rabes e Vudeus dos sécs. ?$ e ?$$ ue voltou a surgir algo ue se assemelhasse R inteligncia especulativa livre da )récia e assim passamos, sem nos determos mais, R anlise da crença e da descrença no perGodo medieval. Nota sobre o ateGsmo e o agnosticismo no pensamento Vudaico no perGodo ue precedeu a ueda de Aerusalém em ; d.. !o escrever sobre o ateGsmo no AudaGsmo, Salis aiches di4 o seguinteE [' ateGsmo como sistema de 91 pensamento não existe no VudaGsmo não havendo na lGngua hebraica ualuer termo euivalente... ! negação deliberada da existncia dum Ser responsvel pela acção ida nature4a e pelo curso da história, pressupOe uma anlise e explicação sistemticas dos fenómenos naturais e históricos enuanto efeitos necessrios de causas incriadas existentes. ' hebreu antigo não se sentia predisposto a analisar os fenómenos naturais como os gregos haviam feito, nem a tentar procurar as suas origens em leis e princGpios fGsicos - base indispensvel de todas as doutrinas ateGstas conscientes[+. "mbora isto seVa verdade como explicação da concepção hebraica do mundo, devemos apontar ue o fenómeno da descrença não era totalmente desconhecido no $srael antigo. ' autor do Salmo 5, por exemplo, di4E [' insensato di4 no seu coraçãoE TNão h eusT[. &as, de um modo geral, auilo ue tanto os salmistas como os profetas contestavam, não era tanto a inexistncia de uma crença teórica em eus como um ateGsmo prtico ue ignora as exigncias morais de eus e age como se "le não castigasse a improbidade. ' Wnico autor Vudaico a discutir efectivamente o ateGsmo é o Vudeu alexandrino, FGlon, do séc. $, ue dedica dois capGtulos do seu e Sommis R refutação do ateGsmo\ mas não podemos esuecer ue as circunstZncias em ue ele escreve são muito diferentes das da cultura hebraica tradicional. ever, no entanto, referir-se o estado de espGrito de extremo pessimismo ue encontramos na parte final do (ivro da Sabedoria Xde influncia gregaY e, em particular, no (ivro do "clesiastes. Não se trata de ateGsmo no sentido teórico, mais se aproximando de um ateGsmo e agnosticismo prticos uanto R possibilidade de relacionamento com o divino. + 7astings Xed.Y, "ncHclopaedia of eligion and "thics, 0ol. $, p. >;. 95 Segunda #arte ' !%"2S&' '$"N%!( !%^ !' S^ ?0$$ apGtulo 0$ ! $!" &^$! 's sécs. ?$$ e ?$$$
No seu conVunto, os uatro séculos da história europeia - do séc. ?$$ ao ?0 ue constituem a $dade &édia apresentam algumas semelhanças com o perGodo ue acabmos de estudar. No seu trabalho sobre a evolução do pensamento medieval, o #rof. om avid 3noBles assinala trs fases de desenvolvimento comuns aos perGodos clssico e medieval. "sta comparação, desde ue não seVa levada demasiado longe, constitui um esuema Wtil a ter presente. 's trs factores em ue 3noBles se baseia para estabelecer essa comparação sãoE em primeiro lugar, um sWbito e inexplicvel despertar intelectual no inGcio de ambos os perGodos\ em segundo, o papel desempenhado pela filosofia dialéctica e especulativa neste despertar\ por Wltimo, tal como no tempo do epticismo, também nos finais do século ?$0 vemos as armas da lógica e da dialéctica voltaram-se contra certas instituiçOes e doutrinas venerveis. [%ambém neste caso, escreveu ele, [uma escola de pensamento céptica e oportunista conseguiu deitar abaixo o edifGcio construGdo pelos grandes mestres[ "ntre a especulação na !ntiguidade avid 3noBles, "volution of &edieval %hought, p. >1. 9; e no perGodo medieval existe, porém, uma diferença muito importante, particularmente no ue di4 respeito R evolução do pensamento num sentido secular. ^ ue no mundo grego não existia uma sociedade teocrtica ue reprimisse a livre especulação, ue também não estava suVeita a pressOes por parte das instituiçOes eclesisticas oficiais. Na $dade &édia vemos muitos dos pensadores especulativos mais ousados entrarem em permanente conflito com a ortodoxia estabelecida. ' centro do pensamento era então a =niversidade ue, no séc. ?$$, nasceu das primitivas escolas catedrais e ue embora tivesse leigos como professores, era uase totalmente controlada pela $greVa e as ordens religiosas a uem não faltavam meios efica4es de repressão. !ssim, excluindo um Wnico caso digno de referncia, ou seVa, a escola panteGsta ue existiu em #aris nos princGpios do séc. ?$$$, só com o declGnio da estrutura social medieval da $greVa e do $mpério, ue se verificou ao longo dos séculos cator4e e uin4e, vimos a encontrar a expressão explGcita do pensamento agnóstico e ateGsta. &as, antes de nos debruçarmos sobre o pensamento secular durante esse perGodo, convém dar uma ideia geral da evolução do pensamento desde o fim da época clssica. ' perGodo do pensamento cristão ue começou no séc. $$ com os #adres da $greVa gregos e latinos foi dominado por #latão e pensadores neo-platónicos. "mbora !ristóteles não fosse desconhecido, na sua maioria as suas obras principais ainda não tinham sido divulgadas e só no séc. ?$$, com a reintrodução da sua filosofia, é ue a sua influncia se imp_s. #orém, ao surgir de novo na tradição 'cidental graças aos comentadores rabes e Vudeus, acabou por prevalecer sobre a velha tradição platónica ue uase eclipsou. ! introdução da obra de !ristóteles, no 'cidente, ue se ficou a dever sobretudo aos comentadores rabes, é precisamente o ue d origem a posiçOes mais próximas de descrença dos princGpios da $dade &édia. 3noBles resume a uestão da seguinte maneiraE [! introdução do pensamento aristotélico no 'cidente foi um processo ue levou cerca de cem anos. ! primeira vaga consistiu nas obras sobre lógica ue foram fcil e avidamente assimiladas pois vieram dar continuação e aperfeiçoar uma disciplina ue estava V ligada ao método aristotélico. ! segunda vaga foi a das obras 9> filosóficas difGceis e profundas, ue criaram mais problemas e foram assimiladas com maior dificuldade, embora os seus efeitos tivessem marcado auela época. #or Wltimo, os seus tratados sobre ética, polGtica e literatura apresentaram R "uropa um filósofo ue encarava a vida humana de um ponto de vista terreno puramente naturalista. No geral, as traduçOes de !ristóteles deram pela primeira ve4 aos pensadores ocidentais material com ue construir um sistema completo e coerente mas a atmosfera, as bases desta grande escola de pensamento não eram nem medievais nem cristãs, tendo antes origem na )récia !ntiga e sendo nãoreligiosas, para não di4er racionalistas na sua essncia[+. %al como observmos no capGtulo anterior, para !ristóteles, eus era apenas um postulado metafGsico necessrio para explicar a mudança e o movimento no
=niverso, concepção muito diferente da do eus vivo da Fé ristã. "xcluindo esse aspecto, todo o seu sistema é de tendncia e carcter naturalista. &ais, nas suas obras h duas teses ue se opOem R doutrina ristã Xe islZmicaYE a de ue o mundo é eterno, o ue implica a negação do acto da criação pelo ual, segundo a fé cristã Xe islZmicaY, eus fe4 o mundo\ e uma segunda ue reVeita toda e ualuer noção de imortalidade do homem. %ambém os comentadores rabes, dos uais os mais famosos e influentes foram os filósofos conhecidos no 'cidente pelos nomes de !vicena X. . @>M-M1;Y e !verroes X. . +9-@>Y, tiveram grande dificculdade em conciliar as doutrinas aristotélicas com a fé islZmica1. Nos princGpios do século ?$, !vicena conseguiu em grande medida fa4er uma reformulação neoplatónica de !ristóteles, tornando assim mais fcil a sua aceitação no mundo islZmico. =m século mais tarde, ao procurar apresentar uma versão da obra de !ristóteles não adulterada pelo pensamento neo-platónico, !verroes deparou ainda com maiores dificuldades. ! Wnica saGda ue encontrou foi propor uma doutrina segundo a ual h diferentes graus ou nGveis de verdade - ue veio mais tarde a ser conhecida por teoria da dupla verdade5 - doutrina ue iria ter uma considervel influncia ao longo e mesmo + 'p. cit., p. @+. 1 "m rabe, $bm Sina e $bm ushd 5 esignada [doutrina da dupla verdade[ por alguns estudiosos. 9@ depois do perGodo medieval e em ue se iria inspirar S. %oms de !uino ao estabelecer a diferença entre fé e ra4ão. !o contrrio do ue se pensou na época e do ue muito mais tarde vieram a pensar, essa doutrina não sustentava ue duas proposiçOes contraditórias pudessem ser ambas verdadeiras, mas ue a verdade se apresentava de maneiras diferentes e espGritos diferentes. #ara os homens simples e de pouca inteligncia, bastavam a fé e a autoridade. #ara o filósofo, era necessria a demonstração absoluta. e facto, tal como disse )ordon (eff, a doutrina de !verroes [dava carta branca R filosofia, independentemente e ao contrrio do ue estabelecem as normas da fé[6. ! teoria da dupla verdade veio a tornar-se uma arma extremamente Wtil no séc. ?$0, uando o conflito entre a fé e a ra4ão se agudi4ou. ' ue nos interessa neste momento é a influncia do aristotelismo, tal como foi apresentado por !verroes, na primeira parte do perGodo medieval ue foi considervel. "screvendo sobre esse assunto na sua obra %he &ediaeval Iorld U, disse o grande medievalista alemão Friedrich 7eerE [!lguns ensinamentos actuaram como uma droga ue cria habituação\ assim, a matéria é eterna e est em perpétuo movimento\ o acto da criação não existiu nunca\ só h um intelecto, a capacidade de pensar comum a todos os homens\ só h uma alma universal ue subsiste em todas as coisas vivas\ a imortalidade do homem não existe\ a fé e a ra4ão devem estar totalmente separadas\ a cincia tem por obVecto a nature4a e os processos naturais e a teologia não é uma cincia[9. Foi precisamente por dar origem R situação descrita por 7eer nas trs Wltimas afirmaçOes acima referidas, ou seVa, a separação da fé e da ra4ão e a opinião de ue a cincia tem por obVecto a nature4a e os processos naturais e de ue a teologia não é uma cincia, ue se pode Vustificadamente atribuir R influncia de !verroes o aparecimento da concepção moderna do mundo e do processo de seculari4ação ue iria afastar a teologia da nossa interpretação do mundo e restringi-la ao domGnio da [fé[. &as voltaremos a falar deste aspecto uando analisarmos o séc. ?$0. 6 )ordon (eff, &edieaval %hought, p. 6;. U ' mundo medieval. XN. do %.Y 9 Fiederich 7eer, %he &edieaval Iorld, +91. ;M e momento, referimos apenas ue a reintrodução de !ristóteles no pensamento europeu fe4 ressurgir o livre-pensamento e a especulação da )récia. Nos finais do século ?$$ destacam-se duas figuras !malrico de *ena e avid de inant.
Segundo 7eer, em !malrico de *ena, cuVo corpo foi exumado e ueimado em +M, uatro anos após a sua morte, podem detectar-se [as origens desse humanismo terreno ue os averroGstas formularam claramente no século ?$$$ e em ue assentaria a evolução da filosofia[. " acrescentaE [esse humanismo tem sido a base do pensamento humanista, não-cristão e militante desde então até )ide, Sartre e amus[;. $nfeli4mente pouco se sabe acerca das ideias de !malrico e auilo ue efectivamente se sabe é por via indirecta, através de citaçOes, mas, entre outras coisas, teria ensinado ue o inferno é a ignorZncia e ue est em nós como um dente estragado\ ue h uma identidade total entre eus e tudo o ue existe, mesmo no mal, e ue um homem ue sabe ue eus se manifesta através de tudo não pode pecar\ e, por Wltimo, ue o facto de esse homem o reconhecer o leva ao céu ue é a Wnica ressurreição possGvel. Não h outra vida e, por isso, a reali4ação do homem só pode ter lugar nesta. !s origens desta doutrina não remontam apenas a !ristóteles. omo (eff observa, a proposição panteGsta de ue eus era todas as coisas, constituiu um avanço fcil mas nem por isso menos importante em relação ao neo-platonismo de "rigena e da "scola de hartres ue viam eus em todas as coisas>. ' panteGsmo de avid de inant, cuVo nome aparece associado ao de !malrico na condenação conciliar, era um pouco diferente. 7eer considera-o um discGpulo fiel de !ristóteles e um materialista. (eff chama-o monista. %anto uanto se sabe, ensinava ue eus é matéria e ue, fora de eus, não h realidade. #ara ele, a matéria, o pensamento e eus eram idnticos. ! partir daui não se Vustifica determo-nos sobre eles pois, se tm interesse para nós, é menos por auilo ue defendiam - embora o mGnimo ue se pode di4er de algumas das posiçOes de !malrico é ue são de facto interessantes - do ue por constituirem exemplos de ; 'p, cit., p. +9+. > 'p. cit, p. +>. ; um ressurgimento, ao fim de uase mil anos, do livre-pensamento especulativo, e uma recusa de permanecer dentro da camisa de forças ue era a doutrina cristã ortodoxa, uando a ra4ão ditava o contrrio. "sta tendncia ir impor-se cada ve4 mais ao longo de toda a $dade &édia. !s origens deste livre-pensamento são em parte neo-platónicas e em parte aristotélicas, mas devemo-lo sobretudo ao espGrito indomvel de certos homens ue se recusaram a aceitar o ue uer ue fosse ue a ra4ão não lhes permitisse aceitar. om o decurso do tempo, esse espGrito ir-se- tornando cada ve4 mais forte. No séc. ?$$$, S. %oms de !uino conseguiu de certo modo conter por algum tempo a vaga crescente de pensamento secular, não só interpretando !ristóteles de modo a integr-lo na teologia natural cristã, como retomando e desenvolvendo a distinção hoVe consagrada entre fé e ra4ão. #ara S. %oms, não existe entre elas ualuer contradição. !lgumas coisas, tal como a existncia de eus, podem provar-se pela ra4ão natural a partir de certas caracterGsticas do mundo natural observadas empiricamente. &as reconhece ue, tendo pouca capacidade e não dispondo de tempo para pensar em tais coisas, a maioria dos homens tem ue aceitar essas verdades pela fé. 7, no entanto, outras verdades ue não se opOem R ra4ão mas ue esta, pelo menos num estado corrompido, não consegue atingir, só podendo ser conhecidas pela fé\ é esse, por exemplo, o caso da verdade segundo a ual o mundo foi criado. #ortanto, a fé e a ra4ão não se opOem, sendo antes vias diferentes e complementares de alcançar a verdade. #or ve4es sobrepOem-se - no caso da existncia de eus, por exemplo\ porém, em geral são separveis mas não contraditórias. Se a ra4ão chegasse a uma conclusão ue não fosse conforme R verdade revelada, S. %oms consideraria esse facto uma prova de ue ou o pensador partira de premissas falsas ou o seu raciocGnio estava errado. ! fé é, portanto, suprema - a norma - e, em Wltima anlise, a ra4ão est-lhe suVeita\ S. %oms reconhece, no entanto, a autonomia da filosofia em determinadas matérias. "ssa relação entre fé e ra4ão, teologia e filosofia sofrer uma alteração radical no século seguinte em ue se notar uma
tendncia cada ve4 maior para se desenvolverem separadamente, como adiante verificaremos. !o deixar de estar dependente da fé, a ra4ão ;+ passar a explorar o mundo natural pelos seus próprios meios, tornando-se eventualmente indiferente ao ue auela possa ter a di4er sobre o assunto. ' séc. ?$0 #assemos então para o séc. ?$0 - [' Século éptico[ como (eff lhe chama - em ue as concepçOes seculares do mundo se foram enrai4ando, abrindo, assim, caminho ao desenvolvimento da cincia naturalista ue iria ter lugar nos sécs. ?0$, ?0$$ e sobretudo no séc. ?0$$$. 0emos desenvolverem-se em muitos dos principais pensadores deste século as formas de pensamento naturalistas, enuanto ue as tendncias panteGstas, tão evidentes nos finais do séc. ?$$ e princGpios do séc. ?$$$ desaparecem. %odo o conhecimento de eus e a sua relação com o mundo se baseia agora uase inteiramente na fé. 's aspectos sociais deste perGodo merecem também a nossa atenção. ' séc. ?$0 foi uma época marcada por grandes transformaçOes em uase todos os planos da vida e do pensamento. ! autoridade papal e a imperial estavam em declGnio e a confiança do homem no poder da ra4ão especulativa começara a diminuir. Segundo (eff sustenta no trabalho V aui referido, o interesse intelectual dominante neste século não foi, como a certa altura se pensou, a controvérsia sobre realismo e nominalismo, mas o deseVo, por parte dos principais pensadores, de separar fé e ra4ão. [! distinção entre fé e ra4ão[, escreve eleE [ue S. %oms defendera tornou-as independentes uma da outra\ o natural e o sobrenatural não só estavam em planos diferentes como não tinham ualuer ponto comum\ e, como tratavam de verdades distintas, elas não podiam esclarecer-se uma R outra[@. %al como (eff sublinha, isto só podia condu4ir a maneiras de pensar divergentes. #or um lado, a um empirismo autosuficiente cuVa pedra-de-toue eram os factos, para além dos uais se entrava no domGnio da incerte4a e da conVectura\ por outro, R noção de ue as uestOes da fé não estavam suVeitas R ra4ão, posiçOes ue só podia levar aueles ue defendiam acima de tudo a ra4ão a encararem a fé com @ 'p. cit., p. +6>. ;1 cepticismo. P lu4 da ra4ão, as leis da revelação careciam de validade. #or seu turno, também a fé se foi tornando cada ve4 mais independente, apoiando-se na revelação e na autoridade e abdicando gradualmente do pensamento racional. %ambém aui vemos em muitos dos principais pensadores, o cepticismo e a autoridade unirem-se para defender a ortodoxia tradicional. Na sua grande obra T7istorH of #hilosophHT U, opleston confirma estas tendnciasM. %ambém ele nota no aristotelismo averroGsta a ue chama [integral[, uma tendncia para separar a fé da ra4ão e a teologia da filosofia, bem como para afirmar a completa independncia de cada uma delas em relação R outra. =ma ve4 reconhecida como disciplina independente - di4 ele, atribuindo o facto em grande parte ao interesse do séc. ?$0 pela lógica, em detrimento da metafGsica - a filosofia tendeu, como era de esperar, a seguir o seu próprio caminho e sua dependncia e união com a teologia começaram a atenuar-se, situação ue encontramos no movimento normalmente associado ao nome de )uilherme 'ccam X1MM-15@Y, embora nesta também haVa esse misto de cepticismo e autoridade ue atras referimos. %al como Sexto "mpGrico, 'ccam sustenta ue, se a ra4ão não pode confirmar a fé, também não a pode destruir e, assim, nada o impede de manter tranuilamente o status uo. %ambém ele podia ter dito com #ompona44i, um dos principais averroGstas da 3enascençaE [!credito como cristão nauilo ue não posso acreditar como filósofo[. ! reali4ação mais importante deste século foi, como V dissemos, a definição de uma nova relação entre fé e ra4ão para a ual 'ccam certamente contribuiu. ! pergunta ue ele fa4ia era mais ou menos estaE [' ue é ue a ra4ão pode saber
sobre a fé[. %anto ele como o movimento associado ao seu nome respondiam [muito pouco[. Na realidade, esta uestão V tinha sido levantada e resolvida de maneira semelhante nos finais do século anterior por uns Scotus X++M-1M>Y ue se tinha empenhado também em separar o ue pertencia ao domGnio da teologia dauilo ue era acessGvel R ra4ão. Segundo (eff, foi ele o impulsionador da primeira U 7istória da Filosofia. XN. do %.Y M f. opleston, 7istorH of #hHlosophH, 0ol. 1, $ #arte, p. +. ;5 grande tentativa para isolar a fé da ra4ão, devendo-se-lhe também uma reformulação radical das relaçOes entre ambas. "ram duas as consideraçOes ue dominavam o seu pensamentoE os limites da ra4ão e a liberdade absoluta de eus. ' seu obVectivo era, portanto, redefinir os campos especGficos da filosofia e da teologia de modo a ue a primeira se cingisse ao estudo do Ser e seus atributos. Sustentava ue a ra4ão não podia confirmar o ue é revelado por eus porue a aceitação da revelação é uma uestão de fé e não de experincia natural. Não pode haver identidade entre o teólogo e o filósofo pois dedicam-se a matérias diferentes. ! teologia deixou, assim, de ser uma cincia. "mbora o próprio Scotus desse uma prova da existncia de eus a partir do [Ser[ ue pouco diferia do argumento ontológico exposto por !nselmo no séc. ?$, ao fa4-lo, separou as duas maneiras de conhecer a existncia de eus, tal como tinham sido concebidas até entãoE pela experincia dos sentidos e pela iluminação divina. =ma prova extraGda do mundo fGsico não poderia ir além desse mesmo mundo e, para ser a posteriori, como geralmente se exigia ue fosse, não se podia falar de iluminação divina. ! figura de uns Scotus como um dos primeiros pensadores puramente fideGstas impor-se- mais se considerarmos o aspecto teológico do seu pensamento. #ara uns, eus define-se essencialmente em termos de vontade. eus, di4 ele, é pura vontade e, por isso, a ra4ão não pode fornecer ualuer explicação sobre o seu modo de actuar. !o contrrio do ue acontecia, por exemplo, com S. %oms de !uino, no pensamento de Scotus não h continuidade entre eus e o homem criado. !o considerar a vontade de eus a Wnica lei da criação, adoptou como ponto de partida a sua incognoscibilidade\ por outro lado, a distinção entre fé e ra4ão gerou uma situação de conseuncias terrGveis para a teologia pois essa dicotomia entre fé e ra4ão, sobrenatural e natural, introdu4ida por Scotus no seio ompare com a definição de revelação in atholic "ncHclo-paedia, em ue é definida como [comunicação de uma verdade por eus a uma criatura racional por meios ue ultrapassam o Zmbito normal da nature4a[. ' oncGlio do 0aticano de >;M definia a fé como sendo [uma virtude sobrenatural pela ual, inspirados e assistidos pela graça de eus, acreditamos ue as coisas ue "ste revelou são verdadeiras[. 's conceitos de fé e de revelação de Scotus são muito semelhantes a estes, se não mesmo idnticos. ;6 das tendncias dominantes do pensamento teológico cristão, libertou a ra4ão, permitindo-lhe explorar o mundo natural pelos seus próprios meios. %al como (eff di4E [' seu sistema abalou o precrio euilGbrio entre fé e ra4ão. "le abriu uma brecha demasiado profunda na unidade ue existia entre elas para ue outros não tentassem ir mais longe... a ra4ão natural não podia transcender as limitaçOes das causas secundrias. eus não tem limites e, portanto, só a fé - nunca a ra4ão - o pode descrever[+. ! conclusão de (eff merece ser assinalada. [' cepticismo a ue a teoria de Scotus deu origem[, di4 ele, [est no extremo oposto Ruele a ue a doutrina de 'ccam havia de condu4ir mas nem por isso deixa de ser cepticismo e contituiu o maior legado ao séc. ?$0[ [. !s uestOes levantadas por Scotus e ue se mantiveram ao longo do séc. ?$0 e não só, tiveram conseuncias muito graves para a teologia e por ve4es também para a própria religião porue nem Scotus nem depois 'ccam se limitaram a separar a ra4ão da fé. $mporta acima de tudo entender porue achavam ue a ra4ão não tinha nada ue ver com os assuntos ue di4em respeito R fé. ' ue eles contestavam era
a própria metafGsica enuanto tal e, assim, as suas obras reflectem a sua total falta de confiança na capacidade de o espGrito transcender o mundo natural e alcançar o conhecimento do ue fica para além da experincia sensorial, falta de confiança ue. com a evolução do pensamento 'cidental, havia de atingir a sua expressão definitiva no séc. ?0$$$ nos escritos filosóficos de "manuel 3ant. %ambém podemos ver nesta evolução uma limitação do ue implicava o significado de ra4ão. 's primeiros pensadores da $dade &édia fa4iam a distinção entre a inteligncia como ratio e como intellectus5. atio era o poder do pensamento lógico discursivoE de investigação e de verificação, de abstracção, de definição e de formulação de conclusOes. $ntellectus era a inteligncia enuanto capacidade de simplex intuitus - em ue a verdade era apreendida intuitivamente. #ara S. %oms + (eff, op. cit., p. +;+. 1 $bid. 5 #ara uma anlise mais profunda desta distinção cf. Aosef #ieper (eisure, the *asis of ulture, p. 11. ;9 e os pensadores dos princGpios da $dade &édia, a faculdade da mente, o conhecimento do homem é ambas as coisas numa só-simultaneamente ratio e intellectus. ' processo de conhecer é a acção conVunta das duas. Nos finais da $dade &édia, com a importZncia atribuGda R lógica em detrimento da metafGsica, a inteligncia como intellectus d lugar a uma concentração uase exclusiva na inteligncia como ratio, deixando a ra4ão de se ocupar das verdades sobre o Ser para se dedicar ao estudo das relaçOes existentes entre as coisas sensGveis. !o aceitar unicamente as respostas dadas pela fé, os homens deixaram de sentir necessidade de pedir R realidade respostas para tais perguntas ue, assim, foram sendo gradualmente abandonadas pelas principais correntes do pensamento filosófico, tendo, no entanto, sido retomadas algumas ve4es em épocas posteriores. 0emos assim ue a posição de 'ccam tinha V sido defendida por alguns dos seus antecessores mas ele deu-lhe [uma coesão com efeitos destrutivos ue não tinham precedentes em mil anos de controvérsia[6. 'ccam era acima de tudo um lógico, e um lógico ue criticava os argumentos e provas metafGsicas em nome da lógica. riticou particularmente as pretensas provas da existncia de eus e da imortalidade da alma por não se basearem em princGpios evidentes ou por as premissas não autori4arem ue se tirassem essas conclusOes. !dmitia, no entanto, ue alguns argumentos metafGsicos fossem correctos. ! filosofia de 'ccam alia um empirismo absoluto a uma contingncia igualmente radical. #ara ele, só o individual era real - pelo menos no ue di4ia directamente respeito R experincia humana. #ara tudo o resto o rbitro era a vontade de eus. ' seu pensamento funcionava, portanto, em dois planos. No plano natural, era um empirista ue se recusava a aceitar ue o conhecimento ultrapassasse os limites da experincia verificvel. No plano sobrenatural, era, tal como Scotus, simultaneamente fideGsta e céptico, atribuindo R fé todas as certe4as religiosas e negando R ra4ão a capacidade de as provar. omo opleston observa, daG adviriam duas conseuncias. ! teologia e a filosofia tenderam a separar-se e esta Wltima agora ue os importantes problemas da metafGsica ue tinham servido para a unir R teologia 6 (eff, op. cit., p. +;@. ;; tinham sido relegados para o domGnio da fé, tendia a adoptar cada ve4 mais um carcter secular9. %al como eff sublinha, 'ccam deu uma nova solide4 ao conhecimento natural. oube, porém, aos seguidores de 'ccam, tirar todas as implicaçOes cépticas da posição dauele. 'ccam era um teólogo interessado em libertar a concepção cristã de eus da necessidade dos gregos. %anto ele como Scotus pretendiam impor a liberdade e supremacia de eus. ' mesmo não acontecia, porém, com muitos dos seus
continuadores, cuVo interesse principal era a filosofia e ue se concentraram sobretudo no aspecto crGtico da sua obra. "ntre eles os mais importantes foram Nicolau de !utrecourt e Aoão de &irecourt. Nicolau X1MM-15;Y levou o nominalismo de 'ccam, ue defendia ue só o individual é real e ue não existe ualuer relação real entre as coisas pelo ue não é possGvel inferir uma coisa a partir de outra, a um ponto ue não ficava muito auém dauele a ue 7ume viria a chegar no séc. ?0$$$. !lis, tem sido chamado o 7ume medieval;. %ambém ele negava ue pudéssemos ter um conhecimento racional dauilo ue ficava para além da experincia sensorial. Só podemos ter certe4as no campo da lógica e da matemtica e da percepção imediata. ! certe4a teológica não era apreensGvel pela experincia e pela ra4ão, baseandose exclusivamente na revelação aceite pela fé. ! separação da filosofia e da teologia a ue assistimos no séc. ?$0 e ue desviou a filosofia da especulação metafGsica, fa4endo-a voltar-se para o mundo da experincia, foi acentuada por essa modificação radical da concepção de vida do homem 'cidental a ue se d o nome de enascimento e ue em seguida iremos estudar. 9 'p. cit, p. +1. ; #or 7astings ashdall. 0er o seu trabalho Nicolau de !utrecourt a &edieaval %hought #. !. S. @M9-;. ;> apGtulo 0$$ ' "N!S$&"N%' " ' "S"N0'(0$&"N%' ! $/N$! ' perGodo da história intelectual ue agora vamos estudar e ue abrange os sécs. ?0, ?0$ e ?0$$, não representa uma ruptura sWbita e total com o passado. A vimos como nos fins da $dade &édia o pensamento europeu se afastou da especulação teológica e metafGsica, passando a dar maior atenção ao conhecimento do mundo natural ao mesmo tempo ue a filosofia assumia um carcter cada ve4 mais secular\ e como o interesse pela lógica e pela cincia dominava o movimento ocamista. !lém disso, tal como demonstrou o estudioso americano harles 7omer 7as8ins, o enascimento italiano dos sécs. ?0 e ?0$ deveu-se em grande medida a um anterior enascimento ue teve lugar no séc. ?$$ e em ue se assistiu ao aparecimento das lGnguas vernculas, ao ressurgimento dos clssicos latinos, da poesia e do ireito omano, R recuperação da cincia e grande parte da filosofia gregas bem como R criação das universidades, das cidades e do estado soberano . 7oVe em dia, a maioria dos historiadores do enascimento concorda ue grande parte dos interesses dominantes deste perGodo tinha surgido nos finais da $dade &édia, e ainda ue os principais movimentos dos fins da época medieval continuaram a crescer e a desen harles 7omer 7as8ins, %he enaissance of the %Belfth enturH. ;@ volver-se ao mesmo tempo ue despertava de novo o interesse pela herança lssica. ' ue aconteceu durante o perGodo a ue chamamos enascimento foi ue, segundo as palavras de Iindelband, [a corrente ue durante cerca de mil anos tinha acompanhado o principal movimento religioso da vida intelectual dos povos 'cidentais, manifestando de tempos a tempos uma força maior, conseguiu nesta altura impor-se efectivamente[+. ' resultado foi a criação de novos valores e de uma nova maneira de olhar para as coisas. No campo da cosmologia, opérnico pode ter abalado a teoria segundo a ual o homem ocupava o centro do universo\ ideologicamente, porém, os humanistas do enascimento puseram o homem e os seus interesses em primeiro plano. aG ue inicialmente a mudança associada ao enascimento tenha sido sobretudo uma mudança de perspectiva. urante este perGodo, começou a ter cada ve4 mais aceitação a ideia de ue este mundo merecia a atenção das melhores inteligncias e de ue o homem, independentemente de ter ou não uma origem sobrenatural, era digno de ser estudado. ' enascimento marca
o inGcio da concepção secular, hoVe tão generali4ada, do conhecimento do homem e do seu meio. ' homem e o mundo deixaram de ser vistos apenas dentro de um contexto religioso e de ter lugar definido na hieraruia do Ser\ as suas acçOes deixaram de ser Vulgadas unicamente em termos do drama da sua salvação e o mundo e o seu conteWdo de ser vistos como pouco mais do ue os sinais exteriores de um significado teológico interior. %anto o homem como o mundo passaram a ser estudados e entendidos por e para si próprios. $sto não uer di4er, no entanto, ue o enascimento $taliano fosse irreligioso, embora seVa certo ue muitos historiadores, especialmente no século passado, mostrassem uma tendncia para associar o enascimento e o 7umanismo italiano a esta ou auela forma de irreligião, vendo-o, por exemplo, como um ateGsmo secreto ou um novo paganismo incompatGvel com o ristianismo. %al como di4 uma das maiores autoridades deste perGodo, a separação total da ra4ão e da fé... foi considerada uma maneira hipócrita de encobrir um certo ateGsmo ao passo ue a importZncia dada pelos filósofos platónicos e estóicos a uma religião + Iilhelm Iindelband, 7istorH of #hilosophH, 0ol. $$, p. 15>. >M natural comum a todos os homens, bem patente nas suas obras, era uma forma de panteGsmo1. ! sua opinião pessoal sobre o 7umanismo dos primeiros tempos do enascimento italiano opOe-se radicalmente a esta noção. [Não h dWvida ue na literatura do enascimento havia[, reconhece ele [referncias freuentes a deuses e heróis pagãos o ue se Vustificava di4endo tratar-se de alegorias... mas foram poucos os pensadores- se é ue houve alguns - ue pretenderam ressuscitar os cultos pagãos. ! palavra panteGsmo ainda não fora inventada e, embora o termo ateGsmo fosse geralmente utili4ado nas polémicas dos finais do século ?0$, não é provvel ue tenha havido muitos ateus ou panteGstas verdadeiros durante o enascimento. ' mximo ue podemos di4er é ue alguns pensadores podem ser considerados... precursores do livre-pensamento do séc. ?0$$$[5. Não é aG ue se deve ir buscar a explicação da tradição de paganismo do enascimento mas sim ao [constante e irresistGvel desenvolvimento dos interesses intelectuais não-religiosos ue, mais do ue opor-se ao conteWdo da doutrina religiosa, competiam com ele, procurando atrair sobre si a atenção dos indivGduos e da sociedade[6. No ue toca ao inGcio do enascimento, esta posição parece-me estar mais próxima da verdade, embora, como adiante veremos, tenhamos de a rever parcialmente ao estudarmos fases posteriores deste perGodo. ' enascimento divide-se em dois momentos distintos mas não totalmente desligadosE um primeiro enascimento lssico e aristocrtico, caracteri4ado pelo gosto pela arte e literatura grega e romana e por um interesse por um passado considerado uma $dade de 'uro da humanidade - ue é geralmente conhecido como a fase humanista do enascimento - e um segundo perGodo ue veio a suplantar auele - [um enascimento mais popular e empGrico, menos tradicional e hierruico e mais cientGfico e voltado para o futuro[9. "m muitos aspectos o primeiro abriu caminho ao segundo. A Iindelbandi di4E [' conhecimento da filosofia da !ntiguidade ue o movimento humanista 1 #. '. 3risteller, enaissance %hought, p. ;. 5 $bid., pp. ;-;+. 6 $bid., p. ;+. 9 A. *ronoBs8i e &a4lish, %he Iestern $ntellectual %radition, p. +1. > veio tra4er foi avidamente assimilado e os sistemas da filosofia grega ressurgiram, opondo-se violentamente R tradição medieval. &as do ponto de vista da evolução geral da história, este regresso R !ntiguidade apresenta-se apenas como uma preparação intuitiva para auilo ue viria a ser a verdadeira obra do espGrito moderno[;. ! história da filosofia do enascimento é essencialmente a história do processo ue teve inGcio com o ressurgimento humanista do espGrito grego e de ue resultou a interpretação cientGfica do mundo. ! fase inicial do perGodo humanista não deixa, no entanto, de ter interesse para nós uma ve4 ue ali se podem detectar V os primeiros indGcios dessa atitude
céptica em relação R religião ue se tornar no séc. ?0$$$ o traço dominante da tradição intelectual 'cidental. 0amos, pois, debruçar-nos sobre ele. ' enascimento lssico Se bem ue a opinião de 3risteller, segundo a ual durante a primeira fase humanista do enascimento raramente se encontram posiçOes ineuivocamente ateGstas, corresponda dum modo geral R realidade - pelo menos no ue se refere a $tlia - é efectivamente neste perGodo ue se prepara o terreno para a concepção mais secular dos séculos seguintes. $sto torna-se bem evidente se olharmos para auilo ue constituiu de facto a preocupação dominante do movimento humanista, isto é, a recuperação do saber clssico. ! atitude da $greVa medieval para com a literatura pagã caracteri4ouse sobretudo por uma selecção. !lguns autores clssicos - 'vGdio e %erncio, por exemplo- tinham todas as suas obras incluGdas na lista de livros proibidos e outros, apenas algumas, enuanto ue aueles ue não eram incompatGveis com a doutrina cristã eram inteiramente tolerados. Neste Wltimo caso - e foi o ue aconteceu com #latão e !ristóteles - a $greVa não os considerava pagãos mas sim precursores do "vangelho e em certos aspectos dignos de figurar ao lado dos #adres da $greVa. No enascimento, graças R intervenção erudita e crGtica dos primeiros humanistas, os autores clssicos começaram a ser lidos na Gntegra e apenas por si próprios, ; 'p. cit., p. 16. >+ verificando-se ue, longe de serem precursores do ristianismo, eram antes representativos de uma cultura e de um modo de vida vlido por si próprio embora diferente de e alheio aos ristãos. No seu estudo sobre o ateGsmo do enascimento $ngls, *uc8leH define assim a situaçãoE [ado ue todo o enascimento se caracteri4ou por uma tendncia para o secularismo e ue os clssicos passaram a ser compreendidos como veGculos das ideias de uma outra religião, é evidente ue para um defensor dessas correntes, a leitura de ualuer obra Tda literatura grega ou latina dificilmente podia constituir uma experincia capa4 de o tornar melhor cristão. 's clssicos talve4 fi4essem dele um moralista melhor ou um filósofo mais profundo e, R primeira vista, poderia parecer ue isso o aVudaria a consolidar a fé cristã, mas, com o decorrer do tempo, verificou-se ue nem todos os bons moralistas e filósofos profundos eram cristãos e ue o ristianismo apoiado pelo pensamento pagão mostrava cada ve4 mais uma tendncia desconcertante para deixar de ser uer uma coisa uer outra, transformando-se num novo sistema ue viria mais tarde a ser conhecido pelo nome de religião natural ou deGsmo[>. #rosseguindo a sua anlise, acrescentaE [!lém do grande conVunto de obras puramente literrias ue, na sua maioria, pouco significado religioso tinham, havia ainda toda uma série de obras de carcter céptico e especulativo, obras essas ue tinham um conteWdo agnóstico, se não mesmo ateu, e ue não eram conciliveis com os dogmas do ristianismo[@. ! influncia dos autores destas Wltimas, dentre os uais se destacam Gcero, #lutarco, #lGnio e sobretudo (uciano e (ucrécio foi grande e, tal com *uc8leH demonstra no seu estudo pormenori4ado e bem fundamentado deste perGodo, eles foram dos espGritos ue mais profundamente influenciaram os livres-pensadores franceses e ingleses dos sécs. ?0 e ?0$. !ssim, o ressurgimento do pensamento clssico deu origem a um afastamento em relação ao ristianismo e de certo modo a todas as religiOes, em dois planos. #or um lado, desviou muitos pensadores da época de um interesse tacanho pelas exigncias de uma determinada religião, confrontando-os com uma cultura diferente > )eorge %. *uc8leH, !theism in "nglish enaissance, p. 1. @ $bid., p. +1. >1
e capa4 de competir com a sua, facto ue viria a ser reforçado pelos viaVantes e exploradores ue começaram a p_r o 'cidente em contacto com culturas e civili4açOes ue tanto eles como a *Gblia ue liam ignoravam na sua maioriaM. #or outro lado, essa cultura clssica tinha um espGrito especulativo e céptico ue encontrou eco em muitos pensadores. 0amos, pois, estudar o ressurgimento do cepticismo clssico. !o falar da $nglaterra do séc. ?0$ na obra a ue anteriormente fi4emos referncia, *uc8leH afirma ue [se pode di4er com segurança ue os cépticos da !ntiguidade lssica foram uma das fontes mais importantes da dWvida religiosa[. #lGnio, (uciano, (ucrécio, Gcero e #lutarco foram lidos e Tdivulgados e o seu agnosticismo e a sua sbia aceitação da condição humana foram realçados e tomados como exemplo. $sto aplica-se tanto R $tlia como R França. São bem caracterGsticos do espGrito ue os clssicos aVudaram em grande parte a criar os escritos de &iguel de &ontaigne X611-6@+Y, autor desse monumento ao cepticismo da !ntiguidade ue é a !pologia de aHmond Sebond, mais tarde integrada no segundo volume dos seus hoVe Vustamente famosos "nsaios. Não acreditando na possibilidade de conhecer uestOes tão complexas como a existncia de eus e a $mortalidade da !lma, mas disposto a confiar na fé e a manter-se de acordo, ainda ue apenas formalmente, com a religião instituGda, &ontaigne procurou alcançar a pa4 de espGrito da mesma maneira ue Séneca e #lutarco, ue eram alis os seus autores preferidos, o tinham feito, ou seVa, através do autoconhecimento e da auto-disciplina ue para ele eram os dois valores em ue assentava a filosofia clssica. Segundo Iindelband, [todo o pensamento filosófico contido nos "nsaios tem origem no pirronismo. !ssim se retomou uma tradição ue fora abandonada. ! relatividade das opiniOes teóricas e das teorias éticas, as ilusOes dos sentidos, a distZncia entre suVeito e obVecto, a mudança constante a ue ambas estão suVeitas, a dependncia do trabalho do intelecto de dados tão pouco seguros - todos esses M ' grande impacto da conscincia comparativa de outras culturas e religiOes far-se-ia sentir sentir intensamente nos finais do séc. ?0$$. f. #. 7a44ard, %he "uropean &ind 9>M-;6, ap. $. 'p. cit., p. 5. >5 argumentos defendidos pelos antigos cépticos vamos encontrar aui, mas não de uma forma sistemtica mas dispersos e inseridos na discussão de uestOes individuais e, como tal, muito mais evidentes[+. #osteriormente Sanches X69+-91+Y retomou o cepticismo com um espGrito filosófico mais formal e anunciou uma nova cincia da nature4a de base empGrica. harron X65-9M1Y, descrendo também da possibilidade de conhecer teoricamente uestOes importantes da vida, procurou na autoanlise o conhecimento prtico ue, na sua opinião, constituGa a base da vida moral. 's trs, porém, defendiam a autoridade da fé e da $greVa, permanecendo assim fiéis R tradição céptica clssica. &as o ressurgimento do cepticismo antigo não foi de modo nenhum a Wnica causa da descrença generali4ada com ue deparamos no séc. ?0$. %ambém outros autores clssicos, incluindo (uciano cuVo tom levemente irónico agradava nauela época, tiveram uma acção importante. (ucrécio também exerceu uma influncia considervel - a suficiente para ue Sir #hilip SidneH, por exemplo, dedicasse um capGtulo inteiro da sua !rcdia a refut-lo1. 's epicuristas - assim se chamavam os seguidores de (ucrécio - também ocupam um lugar de destaue na denWncia do ateGsmo feita por alvino nos $nstitutos onde observa ueE ['utrora havia alguns e actualmente também não são poucos os ue negam a existncia de eus[, o ue constitui uma prova significativa da preocupação ue inspirava a crescente falta de fé. alvino associava no seu espGrito os epicuristas com os filósofos da escola de #dua ue, a exemplo de !verróis, negavam a imortalidade da alma - outrora causa de descrença no séc. ?0$. 7 ainda a assinalar neste perGodo duas causas de descrença5. "m primeiro lugar, auilo ue na época foi designado por [mauiavelismo[ e, em segundo, a guerra ue opunha vrias correntes cristãs. ! acreditar nos escritores franceses
e ingleses da época, o mauiavelismo representou a maior fonte de ateGsmo da "uropa 'cidental. Segundo *uc8leH, &auiavel foi para + 'p. cit, p. 19+. 1 Sir #hilip SidneH, !rcdia, (. $$$, ap. $0. 5 f. *uc8leH, op. cit., apGtulos $$$ e $0. >6 os poetas e teólogos, para os intelectuais e panfletrios o arui-ateu, o demónio ue ensinara os homens a usar a religião para os seus próprios fins, ue corrompera a França e dera origem R carnificina do dia de S. *ar-tolomeu, ue ensinara os $ngleses simples a serem ateus e ue seria a desgraça da ristandade se as suas obras não fossem proibidas ou efica4mente combatidas. %anto assim ue do seu nome se veio a formar o adVectivo [mauiavélico[, comummente empregue como sinónimo de diabólico6. Na sua obra Scholemaster, oger !sham criticou a sua influncia em $nglaterra. #or sua ve4, )entillet, referindo-se R sua influncia em França lamentava [a miséria e a desgraça dos tempos ue atravessamos ue estão tão infestados de ateus e de homens ue despre4am eus e toda e ualuer religião, ue são aueles ue não tm religião os mais apreciados e hipocritamente chamados homens prestveis, pois, estando corrompidos pela impiedade e o ateGsmo e tendo estudado bem &auiavel ue sabem na ponta da lGngua, não tm escrWpulos nem conscincia[9. ' facto de as lutas ue alastraram no séc. ?0$ entre as inWmeras seitas religiosas e a guerra entre a $greVa atólica omana e as igreVas protestantes ue acabavam de aparecer, terem contribuGdo mais para a perda da fé do ue constituGdo um meio de espalhar as convicçOes religiosas, não é tão estranho como R primeira vista pode parecer. ' ue acontecia é ue vrias instituiçOes, todas elas defensoras basicamente do mesmo credo, reinvindicavam para si o monopólio exclusivo da verdade revelada. uem podia di4er e com ue base, ual delas é ue tinha ra4ão Não admira, pois, ue, ao referir-se R existncia de ateus em #ierce #ennilesse X6@+Y, %homas Nashe tivesse considerado a polémica religiosa a principal causa de descrença. %ambém. 7oo8er, afirmava na sua obra intitulada (aBs of "cclesiastical #olitie UE [as nossas lutas só reforçam as suas Xdos ateusY posiçOes anti-religiosas[;. No- seu famoso ensaio ['n !theism[ UU *acon apontava essas mesmas polémicas como causa de ateGsmo. 6 'p. cit, p. 1. 9 itado por *uc8leH, op. cit., p. 5. U (eis da #olGtica "clesistica. XN. do %.Y ; ( 0, Secção $$, citado por *uc8leH, p. 55. UU [o !teGsmo[. XN. do %.Y >9 &uitas seitas, tal como por exemplo os =nitrios e os Socianistas,. eram em grande parte agnósticos ou praticamente ateGstas. !ueles Wltimos merecem um interesse particular na medida em ue elevaram o princGpio da ra4ão R categoria dum primeiro princGpio supremo, adiantando-se assim ao séc. ?0$$$ e passando a ocupar um lugar de modo nenhum insignificante na história do racionalismo. !o escrever nos meados do séc. ?0$$ sobre essa seita, então V solidamente estabelecida, heHnell previa ue a adesão a esse princGpio iria aumentar. Segundo *uc8leH, [pensando ue estava a levar os argumentos dos Socianistas até aos limites mximos do absurdo, heHnell acabou por fa4er uma profecia bastante acertada acerca da evolução do pensamento filosófico durante os cem anos seguintes[ >. 0ale a pena citar aui as suas palavrasE ['s Socianistas tomam por base o princGpio da ra4ão, mantendo-se tão perto dele ue negam os dogmas mais importantes da #é ristã porue a a4ão não pode determinar se são verdadeiras R lu4 da própria ra4ão... antes da iluminação do "spGrito Santo tal como eles explicam... ! a4ão fe4-lhes descobrir ue o bom eus tinha destinado todas as nossas almas imortais R felicidade eternaE se isso bastasse Xtal como os Socianistas pretendemY para receber todas as coisas como T#rincGpios de eligião cuVa realidade pode ser determinada R lu4 da a4ão... nesse caso os Filósofos, especialmente os #latonistas estavam numa situação óptima e ualuer homem teria o direito de gritar Sit anima mea cum #hilosophis. nunca podendo ser
acusado de ser um ateu... anoni4emos pois os pagãos e acrescentemos nos nossos &issais os nomes de 7ermes. #hocHledes, #itgoras. Sócrates. #latão, #lotGnio, Gcero, Doroastro. AZmblico, "picteto e SimplGcio. não nos esuecendo também de incluir !ristóteles, !lexandre ou !verróis@. !ntes de estudarmos o $luminismo, altura em ue o pensamento ue os Socianistas representam atinge a sua plenitude, vamos debruçar-nos sobre um acontecimento importante, a ue até aui só nos referimos de passagemE o desenvolvimento da cincia ue marca a segunda fase do enascimento e em ue assenta o > 'p. cit, p. 9M. @ itado por *u8leH, op. dt., pp. 6@-9M. >; mundo moderno e a maior parte das suas atitudes e convicçOes. ' desenvolvimento da cincia e a filosofia mecanicisto-materialista ' leitor decerto ter estranhado ue ainda aui não se tenha feito ualuer referncia ao desenvolvimento da cincia empGrica, freuentemente considerado uma das causas de descrença neste perGodo. ! verdade, porém, é ue, tal como cedo se veio a verificar, embora a nova concepção cientGfica do mundo pudesse implicar ateGsmo e descrença, só nos sécs. ?0$$ e ?0$$$ se chegou explicitamente a essa conclusão. Numa carta escrita a "dmundo Spencer nos finais do séc. ?0$, )abriel 7arveH manifestava a sua contrariedade perante a tendncia ue revelava a nova cincia para tratar um nWmero cada ve4 maior de fenómenos ue até então pertenciam ao domGnio da Fé. &as *uc8leH sustenta ue uma anlise da literatura do séc. ?0$ demonstra ue os agnósticos e ateus só muito raramente recorreram a argumentos baseados na cincia para apoiar as suas teses. i4 eleE [=ma das coisas ue mais surpreende um aluno ue ueira estudar a $nglaterra do séc. ?0$, é o facto de a maioria dos escritores e a população de um modo geral parecerem não ter tido conscincia ou se mostrarem pouco interessados nas descobertas revolucionrias de pioneiros como &agalhães e opérnico, ue marcaram o inGcio de uma nova era. Não é difGcil percorrer esse perGodo e recolher citaçOes ue provam ue havia pessoas ue estavam perfeitamente ao par do ue se passava. !lis, a reacção imediata da Santa Sé contra )alileu e *runo prova R saciedade ue aueles cuVos interesses estavam mais directamente ameaçados acompanhavam os progressos do [pensamento cientGfico desse tempo. No entanto, a verdade é ue isso não impediu ue as novas ideias tardassem a tornar-se conhecidas da maioria e só muito mais tarde passassem a ser obVecto de uma controvérsia generali4ada. %em havido muita especulação R volta deste ponto, principalmente da parte daueles ue não se deram ao trabalho de ler as fontes originais, e parece efectivamente ue a nova cincia teria sido um factor importante de descrença religiosa pelo menos a partir de >> 6;6. "u, porém, tenho uma opinião diferente, baseada no meu conhecimento da literatura desse perGodo e, portanto, não considero as descobertas cientGficas uma das causas principais de falta de fé em $nglaterra antes de 9MM[ +M. Nem mesmo os primeiros cientistas retiraram uaisuer conclusOes anti-religiosas das suas obras. %odavia no seu ensaio ['n !theism[, escrito em 6@;, Francis *acon enumera trs tipos de ateusE os ateus superficiais e irreverentes\ os estadistas ateus e, por Wltimo, os ateus cientGficos. $nfeli4mente ele pouco di4 acerca deste Wltimo grupo, mas ue V existia nos finais do séc. ?0$, ue continuou a aumentar no século seguinte até se tornar no séc. ?0$$$ uma força ue não era possGvel ignorar. =ma das maneiras possGveis de encarar o desenvolvimento da cincia é considerlo uma conseuncia do deseVo ou da necessidade de encontrar uma explicação mais satisfatória. ^ esta a perspectiva de *asil IilleH no seu notvel estudo sobre os antecedentes da literatura inglesa do séc. ?0$$$. Segundo IilleH, uma explicação é auilo ue toma uma coisa ou um fenómeno inteligGvel, ao permitir a sua reformulação em termos dos interesses e hipóteses desse tempo. %al explicação satisfa4, di4 ele, [porue recorre a esse conVunto especGfico de hipóteses ue veio substituir os de uma época ou de um estado de espGrito
anteriores[+. #ara uma explicação ser satisfatória os seus termos tm ue parecer definitivos e não susceptGveis de uma anlise ulterior. uais eram então as hipóteses ue pareciam satisfa4er os espGritos dos cientistas naturais do séc. ?0$$ uais as hipóteses ue elas vieram substituir e ue passaram a ser consideradas inaceitveis !ristóteles definira uatro tipos de causas em termos das uais se podia explicar um fenómeno ou uma-coisa. "ram elasE em primeiro lugar a causa material - a substZncia de ue uma coisa era feita\ em segundo, a causa formal - a ideia ou modelo da coisa em mente\ em terceiro, a causa efica4 - auela ue d imediatamente origem a um fenómeno ou a uma coisa\ e por Wltimo, a causa final - o fim ou obVectivo desse fenómeno ou dessa coisa. !té uase aos finais da $dade &édia, focou-se sobretudo a causa Wltima ou final, ou seVa, o fim +M *uc8leH, op. cit., p. ;@. + *asil IilleH, %he Seventeenth enturH *ac8ground, p. M. >@ ou obVectivo de um fenómeno ou de uma coisa, na medida em ue est relacionado com o obVectivo supremo do riador. !s explicaçOes eram, portanto, então uase exclusivamente teleológicas ou teológicas. No séc. ?0$$ a atenção Xe a necessidadeY começou a desviar-se das explicaçOes sobrenaturais das coisas para incidir nas naturais, abandonou-se a causa final pela efica4, isto é, os fenómenos deixaram de ser explicados em função da vontade de eus para serem explicados pela história natural. #ara ilustrar o carcter mutvel das explicaçOes, não se pode encontrar melhor exemplo do ue os cometas. Na !ntiguidade e na $dade &édia, eles eram, acima de tudo, sinais ue anunciavam a ira ou, na melhor das hipóteses, a vontade de eus. !o chegarmos ao fim do séc. ?0$$, esta explicação começou, pelo menos no espGrito das pessoas cultas, a dar lugar a uma outra formulada em termos naturais. "screvendo sobre este fenómeno em 9>+, #ierre *aHle X95;-;M9Y ataca a antiga interpretação, procurando mostrar ue tal crença é um fruto da imaginação e ue não se podia provar a existncia de ualuer relação empGrica entre cometas, catstrofes naturais e a vontade de eus. "m ve4 da velha teoria, ele apresenta uma totalmente formulada em termos naturais ++. " vai mesmo mais longe ao expor as implicaçOes ue essa explicação tinha para a teologia. [Não deveis acreditar no poder dos cometas[, di4 ele Xe aui cito a parfrase ue #aul 7a44ard fe4 das palavras de *aHle+1Y, [ainda ue naçOes inteiras o atestem, ainda ue milhOes de pessoas o Vurem, ainda ue seVa proclamado por consenso universal[. !ssim, se bem ue sem intenção de o fa4er e embora isso caracteri4e o espGrito dauele tempo, *aHle ataca os principais argumentos utili4ados para convencer os ateus da existncia de eus. " afirmaE [Não h maior engano do ue supor ue uma ideia não pode ser inteiramente falsa só porue foi transmitida de geração em geração desde tempos imemoriais[. A não é a autoridade mas sim a investigação ue est na ordem do dia. #or outro ++ arta a &ladc, #rofessor da Sorbonne. ['nde se prova R lu4 de vrios argumentos extraGdos da Filosofia e da %eologia ue os\ cometas de modo nenhum pressagiam desgraças[. itado por 7a44ard, op. cit, p. >9 f. +1 $bid., p. >>. @M lado, acreditava-se também na estabilidade ue V admitia uma intervenção divina e arbitrria. *aHle passa depois a atacar os milagres. Segundo ele, os milagres são contrrios R ra4ão porue não h nada mais consentZneo com a grande4a infinita de eus do ue o respeito pelas leis da nature4a, leis essas ue foram por "le próprio criadas. Não h nada de mais indigno do ue sup_-lo capa4 de interferir no seu funcionamento normal. "sta posição viria a generali4ar-se no século seguinte, a representar, talve4 involuntariamente, mais um passo no sentido naturalista coerente e ainda a afastar eus do mundo, atribuindo-lhe funçOes ue não diferiam muito dauelas ue tinha no sistema aristotélico- de riador ou ausa #rimeira. "la deu Rs pessoas a possibilidade de se entregarem a uma observação empGrica liberta das explicaçOes de carcter sobrenatural. ' mundo transformou-se assim num sistema racional e independente cuVa existncia
era atribuGda a um Wnico acto criador de eus mas ue podia ser entendida sem necessidade de ualuer outra referncia ao sobrenatural. $mporta, no entanto, sublinhar ue este novo método de explicar os fenómenos do mundo não nega necessariamente nem implica seuer a falsidade da antiga explicação teleológica. (evantaram-se então novas uestOes para as uais se encontraram novas respostas, fruto de uma maneira diferente de olhar o mundo e de diferentes necessidades. i4 IilleHE [e uma maneira geral, pode di4er-se ue a necessidade de uma explicação se deve ao deseVo de nos libertarmos do mistério. "ssa necessidade tornar-se- mais premente sempre ue os mistérios se tornem particularmente incómodos como parece ter acontecido no tempo de "picuro e também durante o enascimento. Nestes momentos crGticos, os homens pretendiam explicaçOes TcientGficasT porue não ueriam continuar a sentir o ue lhes tinham ensinado a sentir sobre a nature4a das coisas. (ibertar-se do medo - medo do desconhecido, dos deuses, das estrelas ou do demónio - e a necessidade de venerar o ue se não podia compreender eram algumas das necessidades mais urgentes do mundo moderno tal como V antes tinham sido da !ntiguidade, e foi precisamente por satisfa4er essas necessidades ue a explicação cientGfica foi aceite como revelação da verdade[ +5. +5 'p. cit., p. +. @ &as IilleH prossegueE [Não havia apenas uma necessidade de libertação das obsessOes tradicionais. 's homens ueriam também sentir-se R vontade nesse admirvel mundo novo cuVas portas lhes tinham sido abertas por olombo, opérnico e )alileu e v-lo Tcontrolado, apoiado e agitado por leis de certo modo semelhantes Rs ue regiam a ra4ão humana. eixar de estar R merc da nature4a e das limitaçOes ue um mistério arbitrrio impunha eram benefGcios ue tra4iam consigo um admirvel poder, o poder de controlar as forças naturais e de aproveitar nas palavras de *acon, Tas ocasiOes e necessidades da vidaT para o TalGvio da condição humanaT[+6. Foi aui ue surgiu o espGrito moderno a ue o teólogo alemão *onhoeffer, ue tanto lutou para explicar esse espGrito aos homens religiosos dos nossos dias, chamou a [maioridade do homem[, #rometeu liberto, e ue no séc. ?? SBinburne viria a cantar di4endoE [)lória ao homem nas alturas porue ele é senhor de todas as coisas[. 0oltaremos a abordar este assunto uase no final deste livro, uando nos debruçarmos sobre as uestOes filosóficas ue foram levantadas na controvérsia sobre crença e descrença. !gora importa só reter ue esta nova concepção e maneira de estar no mundo foi mais aceite e insinuada do ue propriamente discutida. !s velhas maneiras de encarar os fenómenos não foram abertamente refutadas, tendo apenas sido abandonadas e substituGdas por outras, R medida ue os interesses e necessidades do homem foram mudando. 7 provas de ue actualmente os interesses e necessidades do homem ocidental estão de novo a mudar e ue ele procura outros significados e outras interpretaçOes do mundo e de si próprio, para além dos ue a cincia lhe d. &as falaremos disto mais adiante. !gora voltemos ao séc. ?0$$. urante um certo tempo, até meados do séc. ?0$$$, para ser preciso, as diferentes explicaçOes dadas pela religião e pela cincia coexistiram lado a lado. ! doutrina da dupla verdade - das verdades da fé e das da ra4ão - salvaguardava não só a explicação sobrenatural mas também a crença num mundo ue estava por trs ou acima do mundo natural e ue era, se não o verdadeiro reino do homem, +6 'p. cit, p. 1. @+ pelo menos o seu outro reino. %al como di4ia Sir %homas *roBne, na sua maioria os pensadores do séc. ?0$$ podiam ser classificados de [grande anfGbios[ ue viviam simultaneamente segundo as leis naturais e sobrenaturais. #orém, citando IilleH de novo, [se é verdade ue estava em curso uma revolução, ela consistia numa transferncia geral dos interesses da metafGsica para a fGsica, da contemplação do Ser para a observação do evir[+9, processo ue, como
V vimos teve o seu inGcio nos fins da $dade &édia e no final do séc. ?0$$ tinha praticamente terminado. Neste século, destacam-se trs filósofos ue tipificam esse desenvolvimento, cada um R sua maneira. São elesE escartes X6@9-96MY, 7obbes X6>>-9;@Y e "spino4a X91+-9;;Y. ada um deles formula a nova filosofia de uma maneira muito própria e é importante porue representa auilo ue estava a tornar-se a relação tGpica entre a nova filosofia e a fé religiosa. ebrucemo-nos em primeiro lugar sobre escartes. [No inGcio, a filosofia cartesiana veio dar o ue parecia ser um apoio extremamente valioso R causa da religião. &as esta mesma filosofia continha dentro de si um embrião de irreligião ue o tempo haveria de tra4er R lu4 e ue actua, funciona e é deliberadamente utili4ado para destruir e minar as bases da fé[+;. "sta opinião sobre o significado Wltimo do cartesianismo para a fé religiosa expressa por #aul 7a44ard encontra eco em muitos historiadores do pensamento filosófico+>. P primeira vista pode parecer estranha pois o próprio escartes considerava ue a sua filosofia dava precisamente R religião o apoio intelectual de ue, no seu entender, ela tanto necessitava. #ara ele, a existncia de eus era uma certe4a tão fcil de demonstrar como a existncia do ser e da alma. #orém, tal como 7a44ard observa, o ue caracteri4a o pensamento cartesiano, mesmo no ue toca R religião, é a clare4a, o poder de anlise, a investigação e o espGrito crGtico. !ssuntos até então restritos ao domGnio da fé e da experincia começaram a estar muito perto de se tornarem hipóteses racionais, o ue era muito perigoso e como o tempo viria a demonstrar, se opunha a ue fossem simultaneamente +9 'p. cit., p. 1. +; #aul 7a44ard, op. cit., p. 9M. +> *asil IilleH, op. cit., ap. 6 @1 obVecto da devoção religiosa+@. "sta tendncia acentuou-se uando escartes ue traçara claramente a distinção entre alma e corpo, invocou eus, a uem considerava responsvel pelo funcionamento harmonioso do conVunto formado por essas duas entidades ontológicas diferentes. Não admira, por isso, ue o pensador profundamente religioso ue foi #ascal se empenhasse tão apaixonadamente em distinguir o eus de !braão, $sac e Aacob do eus dos filósofos. #arece, portanto, Vustificar-se a posição de IilleH ue alis reforça a de 7a44ard e segundo a ual [o pensamento cartesiano veio aumentar a tendncia crescente para aceitar a visão cientGfica do mundo como sendo a Wnica verdadeira[ opondo-se, assim, Rs intuiçOes da poesia e da religião ue [advm de formas de conhecimento inteiramente diferentes[1M. =ma ve4 banido do reino da experincia da vida para o da explicação racional, eus tendia a desaparecer completamente, ao surgirem hipóteses mais naturalistas. ! história de NeBton, tal como é contada pelo #rofessor . !. oulson, ilustra bem a tendncia da nova cincia para invocar eus como hipótese nos momentos em ue, pelo menos temporariamente, a explicação cientGfica parecia não bastar. i4 eleE [!o tentar aplicar a sua extraordinria descoberta da lei da gravidade ao maior nWmero possGvel de problemas diferentes e ao descobrir ue, embora explicasse o movimento da lua R volta da terra e desta R volta do sol, não explicava o movimento rotativo da terra em torno do seu eixo nem o facto de haver dia e noite, NeBton escreveu ao irector da sua =niversidade em ambridge, a =niversidade de %rinitH di4endoE Tas rotaçOes diurnas dos planetas não são uma seuncia da gravidade, sendo antes fruto da intervenção divinaT[ 1. eus foi assim integrado na nova maneira cientGfica de interpretar os fenómenos do mundo, para acabar +@ #ara um estudo mais profundo deste tema na filosofia da religião contemporZnea cf. o ensaio de !lasdair &ac$ntHre [' "statuto (ógico da Fé eligiosa[ in &etaphHsical *eliefs, "d. &ac$ntHre. 1M 'p. cit., p. >1.
1 . !. oulson, Science and hristian *elief, pp. 1+-11. epois de ter escrito esta passagem chamaram a minha atenção para o facto de poder dar origem a interpretaçOes erradas. ' principal obVectivo de NeBton é demonstrar ue a actual constituição do universo não se podia só dever R acção da gravidade partindo de uma distribuição inicialmente uniforme da matéria. om esse fim, ele recorre a vrios argumentos um dos uais é auele a ue me refiro. @5 por ser abolido ou na melhor das hipóteses, relegado para a categoria de ausa #rimeira - uando, adaptando as famosas palavras de (aplace a Napoleão- [deixou de se fa4er sentir a necessidade dessa hipótese[. "sta mudança foi fatal para a religião, contribuindo apenas para o desenvolvimento do naturalismo. ^ em %homas 7obbes, filósofo ingls, ue encontramos a expressão acabada do pensamento naturalista da época\ alis as implicaçOes ateGstas da sua filosofia foram inteiramente apreendidas e apreciadas pelos seus contemporZneos. "screvendo sobre 7obbes, ichard #eters refere-se a uma ocasião, uase no fim da vida dauele filósofo, em ue este se sentiu em perigo de morte - e não era a primeira ve4 ue isso acontecia - e com uma certa ra4ão porue, depois da #raga e do )rande Fogo de (ondres começou-se a procurar uma ra4ão ue explicasse o motivo ue teria levado eus a provocar essas catstrofes, principalmente numa nação ue tinha sido alvo de uma prova tão grande da Sua bondade como fora a derrota da !rmada "spanhola. [Não seria natural[, pergunta #eters, [ue um povo ue dava abrigo a um ateu tão famoso como %homas 7obbes tivesse ue sofrer[1+ !ssim, foi apresentado no #arlamento um proVecto de lei ue propunha a abolição do ateGsmo, tendo-se constituGdo uma omissão para se pronunciar sobre a principal obra de 7obbes, (eviathan U. 7obbes porém, nunca se declarou abertamente ateu, antes pelo contrrio. ! sua filosofia era ineuivocamente naturalista, ou melhor, materialista. Segundo ele, [o universo ue é o conVunto de todas as coisas ue existem, é material, ou seVa, é um corpo e tem trs dimensOes, a saberE comprimento, largura e profundidade\ do mesmo modo, todas as partes desse corpo são também um corpo e tm também auelas dimensOes\ por conseguinte, todas as partes do universo são corpos e tudo o ue não é um corpo não fa4 parte do universo\ e como o universo é tudo, auilo ue não fa4 parte dele não existe e não est em alguma parte[11. uantificou tudo e, ao fa4-lo, vingou-se. =ma tal ontologia exclui toda e ualuer relação com o sobrenatural e o transcendente, com algo tão imaterial como eus- opinião ue se 1+ ichard #eters, 7obbes, p. 5. U (eviatão. XN. do %.Y 11 7obbes, (eviathan, ap. 59. @6 confirma ao considerarmos os conceitos de 7obbes sobre a alma e o livre arbGtrio ue são ambos descritos e explicados em termos materiais embora a existncia do Wltimo seVa formalmente negada. ! explicação ue 7obbes d da religião, ue por ve4es uase coloca em pé de igualdade com a superstição, não é muito lisonVeira. omo #eters sublinha, 7obbes é um dos raros pensadores do séc. ?0$$, época em ue a religião estava ainda inextricavelmente ligada a tudo o resto, ue se distancia, a fim de tentar reflectir abstractamente sobre os seus dogmas. Não se limitou a separar rigorosamente a teologia e a religião da filosofia - o ue só por si, não traria nada de novo - mas foi mais longe, procurando dar uma explicação naturalista da religião em termos ue hoVe designarGamos de psicológicos. #ara ele, a religião surge como conseuncia da curiosidade do homem, do seu deseVo de conhecer Xou inventarY as causas das coisas especialmente as da boa e da m fortuna, bem como do seu medo do desconhecido. Segundo eleE [X"m uatro coisasY consiste a semente natural da religiãoE acreditar-se em fantasmas, desconhecerem-se as causas segundas, venerar-se auilo ue se teme e tomarem-se os factos meramente fortuitos por pressgios[15. ! religião do homem é em certa medida um tributo, embora deslocado, R sua racionalidade inata, R sua necessidade de ordem, ao seu deseVo de encontrar o significado das coisas. &as, tal como V vimos no caso de NeBton, o problema de se recorrer a uma causa sobrenatural para explicar os fenómenos ue se passam no mundo reside no facto de essa causa ter uma tendncia
inuietante para se tornar supérflua uando surge uma explicação naturalista. 7obbes, porém, era um filósofo demasiado profundo para aceitar ue essa explicação era uanto bastava para ue se pudesse p_r de parte a religião. !ssim, passa depois a distinguir auilo a ue chama [verdadeira religião[ da [suprestição[. &as o critério ue adopta não é tão claro como deseVarGamos. i4 ele, no capGtulo 56 do (eviathanE [' medo de uma força invisGvel inventada pelo espGrito ou imaginada a partir de histórias geralmente aceitesE "($)$Q'\ não aceitesE S=#"S%$KQ'. uando a força imaginada é verdadeiramente auilo ue imaginamos, "($)$Q' 15 'p. cit., ap. +. @9 0"!"$![. ! dificuldade reside em saber o ue 7obbes uer di4er com [verdadeiramente[ por oposição a [falsamente imaginamos[ porue noutra ocasião ele sustenta ue o conceito de verdadeiro só se pode aplicar a proposiçOes, nunca aos produtos da nossa imaginação. ! Wnica conclusão ue daG podemos tirar é ue, para 7obbes, as convicçOes religiosas não eram verdadeiras ou falsas mas sim expressOes de devoção baseadas numa fé na pessoa ue as defende16. "sta opinião é reforçada pelo ue 7obbes di4 sobre a crença religiosa noutras partes da sua obra. ! religião é para ele uase inteiramente uma uestão de fé, sendo, contudo, bem Wtil e necessria como instrumento de ordem social. 7obbes defende, porém, ue eus era a causa do mundo e apresenta no (eviathan uma versão bastante generali4ada da #rova osmológica19. #ara além de se afirmar ue eus existe, nada se pode di4er sobre a Sua nature4a com base na ra4ão natural. 's superlativos ue os homens tm utili4ado para descrever a nature4a de eus - altGssimo, sagrado, sumamente bom, etc.- são simples manifestaçOes da sua admiração por "le. Fora isso, só nos resta descrev-lo negativamente através de adVectivos como infinito e incompreensGvel e aceitar a revelação tal como foi interpretada pelo soberano. ! veneração ue temos para com as escrituras como veGculo da palavra de eus é, em Wltima anlise, outro aspecto do dever geral de obedecer R autoridade devidamente constituGda1;. ' nosso veredicto final é, portanto, ue embora 7obbes não seVa um ateu, em sentido estrito, também não é verdadeiramente um homem religioso. r ue a religião é necessria para o bem-estar da omunidade e um assunto ue pertence ao domGnio da obedincia e da fé. Segundo IilleH, o seu VuG4o final sobre a religião só se pode comparar em ironia com os Wltimos pargrafos do ensaio de 7ume sobre os milagres. i4 eleE [om os mistérios da nossa religião passa-se o mesmo ue com certos comprimidos ue se forem engolidos inteiros pelos doentes tm a virtude de os curar\ mas se forem mastigados são uase sempre vomitados sem ue produ4am ualuer efeito[1>. 16 . S. #eters, 7obbes, p. +55. 19 (eviathan, pp. @6-@9. 1; f. IilleH, op. cit., p. M@. 1> (eviathan, ap. 1+. @; ! posição de "spino4a é muito mais complexa. "mbora tivesse um temperamento intrinsecamente mais religioso do ue 7obbes, as hipóteses de ue parte assemelham-se muito as da nova filosofia do séc. ?0$$ e, se bem ue o seu modelo de funcionamento do mundo se baseie mais na matemtica e na lógica do ue na mecZnica, o seu universo não é menos rigidamente determinista do ue o de 7obbes, excepto no ue di4 respeito a causa e efeito ue o seu espGrito mais metafGsico substitui por ra4ão e conseuente. #ara "spino4a, eus é a ra4ão do mundo\ teologicamente, é portanto um panteGsta. Segundo ele, eus não é um postulado metafGsico ou uase cientGfico exterior R ordem natural na relação com o #rimeiro &otor. ^ a ordem natural. #ara ele, eus e a nature4a Xeus Sive NaturaY são idnticos. ^ apenas neste sentido ue "spino4a é um ateu. "le nega a transcendncia de eus. uanto ao resto, o seu sistema começa, desenvolve-se e termina em eus. %udo é visto em termos de eus. eus é a Wnica substZncia ue existe em si e é
constituGda por um nWmero infinito de atributos, cada um dos uais expressa uma essncia eterna e infinita. %udo o ue existe é eus e nada pode ser ou ser concebido fora d"le. %odas as circunstZncias da nossa experincia - até nós próprios - são modos do Seu Ser. No entanto, seria um erro ver nisto apenas misticismo porue auilo ue "spino4a pretende realçar di4 respeito R nature4a da causa-da maneira como o mundo funciona\ e, pelo menos no seu espGrito, era esta a conclusão a ue se chegava partindo de definiçOes exactas e seguindo uma lógica rigorosa. ! distinção vulgar entre eus e o mundo, o riador e a coisa criada, é para "spino4a mais o fruto de uma interferncia da imaginação antropomórfica do ue da ra4ão. Se nos libertarmos de todas as descriçOes figurativas e imagens relacionadas com a palavra [eus[, a ra4ão leva-nos forçosamente a concluir ue eus e a nature4a não se podem Tdistinguir. ! tradição Vudaico-cristã e a concepção aristotélica, segundo as uais eus é imaginado como um ser superior com uma vontade e obVectivos semelhantes aos dos homens, é para "spino4a uma concepção ue lança o teólogo em contradiçOes perpétuas uanto ao problema do mal, R liberdade de escolha de eus, etc. #ara "spino4a, o conceito tradicional de eus é contraditório. @> "m lugar da concepção tradicional e imaginativa da relação de eus com o mundo, "spino4a postula ue h uma substZncia ue depende de si, ou seVa, um Wltimo suVeito cuVos atributos ou modificaçOes são todos explicveis em termos da sua própria nature4a, ue ele identifica com a nature4a concebida como um todo. "sta substZncia Wnica pode, por definição, ser criada por ualuer coisa exterior a si própria. ! ideia de um criador ue não seVa a nature4a é, portanto, uma contradição. Se atacassem a prova monista de "spino4a, a sua resposta seria apontar para as antinomias ue a distinção entre criador e criação implicam necessariamente. =ma delas é a seguinteE Se eus se distingue da nature4a ue "le cria, então eus não é infinito nem todo-poderoso uma ve4 ue existe outra coisa para além dT"le, ue possui atributos ue "le próprio não possui e ue limita, portanto, o Seu poder e perfeição1@. 'ra, não é possGvel conceber tal eus. #ara "spino4a, eus não é, portanto, a causa transcendente mas sim a causa imanente e eterna de todas as coisas, ue, tal como Stuart 7ampshire di4 no seu famoso estudo sobre auele filósofo, é apenas, uma ve4 entendida a identidade de eus e Nature4a, [uma outra maneira de di4er ue tudo deve ser explicado como pertencendo a um Wnico sistema ue inclui tudo - a Nature4a - e ue nenhuma causa Xnem mesmo a ausa #rimeiraY pode ser concebida como algo exterior ou independente da ordem da Nature4a[5M. !o negar assim ao mesmo tempo a noção duma ausa #rimeira transcendente e o modelo mecanicisto-materialista de funcionamento do universo, "spino4a estava a atacar as bases do compromisso entre fé e ra4ão, entre teologia e cincia ue não só vigorava nos seus dias como viria a ser o fulcro do compromisso deGsta do século seguinte. !ntes de terminarmos a nossa anlise de "spino4a ueremos aui referir a sua descrição de vida boa como [o amor intelectual de eus[. %ambém neste caso alguns pensadores, como por exemplo oleridge e ShelleH, iriam dar um significado mGstico a uma frase ue o não tinha como se conclui ao ler a proposição 1@ Spino4a "thics, #t. $, #rop. $0. 5M Stuart 7ampshire, Spino4a, p. 55. @@ ??$0, parte 0 da ^tica onde é explicada em termos simples e claros. i4 a proposiçãoE [uanto melhor compreendermos as coisas individuais, melhor compreenderemos eus[. Segundo 7ampshire, [compreender eus uer di4er compreender a Nature4a, ue se cria a si própria e é criada por si própria\ no terceiro plano do conhecimento intuitivo - ue é o mais elevado - v-se ue todo o pormenor individual do mundo natural est relacionado com a estrutura global da Nature4a\ uanto mais pra4er sentirmos como filósofos naturalistas ao estabelecer rigorosamente a ordem das causas naturais, tanto mais mereceremos ue se diga de nós ue temos um amor intelectual a eus[5.
hegamos, assim ao fim do nosso estudo sobre a controvérsia sobre crença e descrença no séc. ?0$$. Não era difGcil perceber uais as uestOes ue estavam em Vogo nos finais do séc. ?0$$. Segundo as palavras de #ierre *aHle, [os defensores Tda a4ão e os defensores da eligião combatiam desesperadamente para conuistar as almas dos homens, defrontando-se numa luta ue toda a "uropa intelectual acompanhava[5+. "ra uma batalha ue iria continuar durante o $luminismo. 5 'p. cit., p. 9@. 5+ #aul 7a44ard, op. cit., p. @. MM %erceira #arte ' !%"2S&' &'"N' apGtulo 0$$$ ' $(=&$N$S&' [! maioridade do homem[. omo V tive oportunidade de referir, era assim ue o teólogo alemão ietrich *onhoeffer, ue morreu tragicamente Rs mãos da )estapo no fim da $$ )uerra &undial, descrevia o espGrito moderno. $nicialmente, porém, foi a resposta ue 3ant deu uando, em fins do séc. ?0$$$, reflectiu sobre o significado desse século e o termo utili4ado para o designar - !uf8lrung, 7umanismo. !o responder R pergunta, Ias ist !uf8lãrung, 3ant di4ia ue o séc. ?0$$$ correspondera a uma fase de crescimento no desenvolvimento do homem, em ue este se libertara de infantilidades e tutelas, tornando-se independente e, sobretudo, em ue tentara servir-se da ra4ão e pensar por si próprio. ' séc. ?0$$$ é, por excelncia, a $dade da a4ão. Se o séc. ?0$$ foi o século em ue se travou a batalha entre a verdade cientGfica e outros tipos de verdade, em detrimento de todas auelas verdades ue não fossem a verdade cientGfica, o séc. ?0$$$ foi o perGodo em ue os resultados dessa batalha se fi4eram sentir em todos os planos da vida\ em ue se tentou submeter não só as formas exteriores mas todas as formas da nature4a e, sobretudo, a nature4a humana, ao primado da ra4ão e do modelo cientGfico. ! lei do homem, a sua moral, a sua arte e a sua religião, bem como a própria sociedade, ficarão estruturadas duma M1 ve4 para sempre, ou pelo menos assim se espera, numa base cientGfica e racional, ou seVa, de acordo com a nature4a, o ue para o séc. ?0$$$ era praticamente a mesma coisa. a4ão, (ei, Nature4a. ^ destes trs conceitos fundamentais ue depende ualuer tentativa de compreensão do $luminismo. ! nova filosofia dos sécs. ?0$ e ?0$$ pusera a nature4a a funcionar de acordo com a (ei, criando assim a cincia da nature4a. #or ue não haveriam a sociedade, a moral e a própria religião de ser vistas duma forma semelhante 7avia ue p_r termo R autoridade e R superstição. omo 0oltaire X9@5-;;>Y viria mais tarde a escreverE [^ certo ue o conhecimento da nature4a, a atitude céptica em relação a velhas fbulas ue dão pelo nome de história, a metafGsica sã liberta dos absurdos das escolas, são fruto desse século em ue a ra4ão atingiu a perfeição[. ' ue é ue tudo isto implicava para a religião omo V vimos, o cepticismo uanto R concepção religiosa do mundo não era novidade nenhuma. Segundo #aul 7a44ard, V #ierre *aHle, nos fins do século anterior [apresentara, com uma persistncia inuebrantvel, a sua solução Wltima ue leva R conclusão de ue é não possGvel ter a certe4a absoluta de nada[. No seu ensaio sobre os [ometas[, também V aui referido, afirmara ainda ue [só um preconceito generali4ado nos pode fa4er pensar ue o ateGsmo é um estado terrGvel[. " a influncia de *aHle continuava a fa4er-se sentir, como #. 7a44ard demonstra no estudo intitulado "uropean %hought in the "iphteenth enturHU+. Na *ibliothjue )ermaniue, publicada em ;+@, afirmava-se ser um facto ue [os trabalhos de #. *aHle perturbaram um grande nWmero de leitores e nuseram em uestão alguns dos princGpios mais enrai4ados da moral e da religião[. efutar *aHle era considerado um acto de devoção, e os ataues contra ele eram tão virulentos trs auartos de século depois da sua morte como o haviam sido enuanto vivera. #oucos
são os ue conseguem igualar a sua influncia nos anais do cepticismo. No séc. ?0$$$. os discGpulos de *aHle retomaram o ataue deste contra a religião, bem como os seus 'p. cit., p. 16. U ' #ensamento "uropeu no Séc. ?0$$$. XN. do %.Y + f. especialmente, p. 56 ff. M5 argumentos de ue a religião e a verdade são incompatGveis e de ue religião e moral não estão necessariamente ligadas. 0oltaire, por seu turno, ressuscitou o argumento da redução ao absurdo de *aHle, segundo o ual auilo ue não podia ser explicado pela ra4ão devia ser explicado pela religião, por mais absurda ue fosse a explicação podendo, portanto, ser considerado um ponto de doutrina digno de respeito. %odavia, a influncia de *aHle desvaneceu-se na Wltima parte do século, pois por essa altura grande parte das posiçOes ue defendera tinham-se tornado V lugares-comuns e os espGritos da época estavam mais interessados em construir do ue em destruir. ! batalha terminara. P 'rtodoxia derrotada pouco restava. !ueles ue não eram ateus consumados tinham abandonado a fé, explicando a pouca religião ue lhes restava em termos racionais. Nos casos em ue se admitia a revelação tentava-se, igualmente, concili-la com a ra4ão. Se no séc. ?0$$ a descrença era [ocultada e reprimida e, por assim di4er, temperada por um resto de respeito pelo ristianismo[1, no séc. ?0$$$ era declarada, revelando na maior parte dos casos hostilidade não só em relação R religião cristã, como a todas as religiOes. Na realidade, pouca distinção se fa4ia entre elas. omo veremos adiante, isto aplica-se também aos defensores da religião. ! religião natural procurou determinar auilo ue era comum a todas as religiOes, pois não podia preocupar-se com o ue cada uma delas reivindicava para si. !o escrever sobre o conflito entre a ra4ão e a religião no séc. ?0$$$, #. 7a44ard disse ue ele tivera inGcio com a crGtica R ordem social existente, mas ue os adversrios da religião não tardaram [em fa4er abertamente uma acusação de uma ousadia nunca vista - o réu era levado a tribunal e uem havia de ser ele senão o próprio risto ' séc. ?0$$$ exigia algo mais do ue uma reformaE o derrubamento da ru4, a reVeição total da ideia de ue o homem alguma ve4 recebera uma mensagem directa de eus ou, por outras palavras, da evelação. !uilo ue os crGticos da religião 1 . airns, =nbelief in the "ighteenth enturH, ap. $$ sobre o séc. ?0$$, p. 5+. M6 ueriam R viva força destruir era a interpretação religiosa da vida[5. "m seu lugar poriam a ra4ão e a nature4a - e uma lei moral liberta da teologia. 7a44ard afirma ter sido esta a causa célebre da época e ue as uestOes R volta da ual girou foram apresentadas sem rodeios. eus e a alma, ou não "ra esta a pergunta ue todos fa4iam. ! crGtica da religião era também uma crGtica moral. "mbora houvesse uem aceitasse auilo a ue IilleH chamou um [optimismo metafGsico[6 e uem, como (eibnit4 X959-;9Y tentasse Vustificar a ordem existente como [o melhor dos mundos possGvel[, houve também uem argumentasse ue se o teGsmo era verdade então o universo era pouco melhor do ue uma piada de mau gosto. Foi o caso do padre apóstata Aean &eslier, cura de "trepignH em hampagne, ue morreu em ;+@, deixando um testamento em ue declarava não só o seu ateGsmo como o seu ódio visceral pela religião, causa de todos os males da humanidade e responsvel pelo maior logro de ue ela tem sido vGtima. Foi ele uem disse ue os males ue afligem o homem só poderiam ser curados uando [o Wltimo rei tivesse sido enforcado com as entranhas do Wltimo padre[. ! princGpio &eslier não era um ateu mas um blasfemo. Nos seus momentos mais calmos, porém, admitia ue o eusmonstro ue invectivava não podia, efectivamente, existir, facto ue o entristecia e deprimia como parece, mais tarde ter entristecido e derrimido Aohn Stuart &ill e *ertrand ussell, o ue tirou força R sua atitude de revolta. '
desafio prometaico não se coadunava com a ra4ão. 0iria, no entanto, a ser essa a posição dominante do ateGsmo romZntico do século seguinte. "mbora no criticismo do séc. ?0$$$ estivesse implGcita uma crGtica moral, ele teve um carcter essencialmente naturalista girando R volta da ideia da revelação. "nuanto ue épocas anteriores, procurando resolver as uestOes levantadas pelo naturalismo, aceitaram a doutrina da dupla verdade - religião e fé por um lado, e conhecimento por outro - o séc. ?0$$$ reVeitou esta dicotomia. =ma religião ue não pudesse serk comprovada pela ra4ão não era religião mas apenas 5 7a44ard, "uropean %hought in the "ighteenth enturH, p. >. 6 *. IilleH, %he "ighteenth enturH *ac8ground, p. 5;. M9 superstição. Neste aspecto os livres-pensadores e, na maioria dos casos, os teólogos, estavam de acordo. 's adversrios da revelação procuraram demonstrar dois pontosE ue, por princGpio, a revelação era uma coisa ue não podia existir e ue, historicamente, não existira de facto. #ara eles, o primeiro era evidente na medida em ue a revelação implicava algo de miraculoso e, tal como a ra4ão demonstrara V pela filosofia cientGfica, os milagres não existiam. uanto ao segundo, demonstravam-no baseando-se na pouca confiança ue inspiravam os registos históricos. "ram estes os dois aspectos do argumento com ue se atacava a revelação em toda a "uropa, incluindo $nglaterra. %oland, ollins, %homas )ordon, Iolston, &iddleton, %indal, %homas hubb, %homas &organ e #eter !nnet estavam de acordo sobre este ponto e limitei-me a referir apenas alguns dos nomes mais importantes. No entanto, nem todos eram ateus. Nas obras intituladas, respectivamente, hristianitH Not &Hsterious e hristianitH !s 'ld !s reationU, %oland e %indal defenderam ambos uma forma de ristianismo puramente moralista divorciada da revelação ue assentava na ra4ão e na lei natural. #orém, tal como os livre-pensadores, atacaram ambos a revelação. ' argumento de %indal é o mais interessante e viria a ressurgir a partir de meados do século uando o livrepensamento ingls começou a difundir-se em França e, sobretudo, na !lemanha. ! religião, defendia ele, deve basear-se na lei moral R ual eus se deve suVeitar, pois se assim não for estar a agir apenas por capricho, o ue é impensvel. #or outro lado, se eus age de acordo com a lei moral, a revelação deixa de ser necessria, uma ve4 ue o homem poder descobrir essa lei e reconhecer ser seu dever obedecer-lhe, servindo-se da sua ra4ão natural. ' maior livre-pensador francs foi, sem dWvida, 0oltaire. %al como %oland e %indal, 0oltaire não era um ateu mas um deGsta ue sofreu grande influncia dos deGstas ingleses e ainda da filosofia neBtoniana. 's seus crGticos mais acerbos di4iamE [0oltaire é um hipócrita pois acredita em eus[. !uilo ue ele atacava U ' ristianismo não contém &istérios e ' ristianismo é tão antigo como a riação. XN. do %.Y M; - e ue era também o alvo da sua stira e ironia ue, não sendo de uma maneira geral morda4es, não deixavam de ser penetrantes - não era, como muitas ve4es se pensa, o teGsmo, nem a religião, nem seuer o cristianismo a não ser nos seus aspectos mais ortodoxos e institucionali4ados, mas sim auilo a ue se chama [a ortodoxia privilegiada e opressora[. ' deGsmo de 0oltaire é caracterGstico dos princGpios do século, sobretudo na medida em ue reflectia as opiniOes cientGficas da época. omo V se disse, 0oltaire era um seguidor de NeBton. e a fGsica neBtoniana substituGra praticamente a concepção do mundo cartesiana não só em $nglaterra como em toda a "uropa. !s novas descobertas da biologia, ue V em fins do séc. ?0$$ haviam começado a lançar dWvidas sobre o mecanicismo e materialismo ue implicava o dualismo cartesiano, contribuGram grandemente para essa mudança. !mbas essas cincias levantavam dWvidas uanto ao método dedutivo de escartes, segundo o ual a organi4ação do mundo se podia dedu4ir a partir de primeiros princGpios, e uanto R noção cartesiana de percepçOes claras e distintas. !mbas demonstrarem
por meio de experincias originais ue o mundo não era auilo ue a filosofia cartesiana pretendia, o ue teve conseuncias importantes. `#ara escartes, tal como para a maioria das pessoas no séc. ?0$$. a cincia, a teologia e a metafGsica eram maneiras intimamente ligadas de encarar uma experincia humana Wnica[. [! filosofia cartesiana partira do princGpio de ue os homens eram dotados do conhecimento de determinados princGpios fundamentais cuVa autenticidade era garantida por eus. &ediante a aplicação de uma argumentação lógica a essas verdades aceites, era possGvel atingir-se um certo entendimento do mundo da experincia a fim de se descobrir não só leis cientGficas, como a ra4ão ue as tornava necessrias. (oc8e... desacreditara todo o conceito de ideias inatas ue substituGra por simples impressOes de sensação humanas. #or seu turno, o novo cientista partia de experincias concretas, sem pretender com isso confirmar o resultado do raciocGnio dedutivo como fi4era escartes. aG adivinha, ou parecia advir, a negação da existncia de causas Wltimas para além da capacidade de conhecimento do homem ue, a partir desse momento, passou a mover-se num mundo baseado em leis, sem esperança de alcançar M> as ra4Oes em ue se fundamentavam[9. ' conhecimento passou, então, a depender das percepçOes dos sentidos tornando-se, portanto, subVectivo. ' ue as coisas eram em si e ual a sua relação com o %odo e com eus era inescrutvel - opinião defendida por ondillac no seu %ratado das SensaçOes X;65Y e ainda por éaumur e 0oltaire. %odos os [sistemas[ eram suspeitos. &as a substituição da concepção do mundo cartesiana pela neBtoniana não significou apenas o fim da procura das causas das causas. omo V dissemos num capGtulo anterior;, o universo neBtoniano não dependia apenas dum acto de riação, mas também de uma intervenção divina constante. "nuanto ue a filosofia cartesiana tendera para uma interpretação mecanicista do universo fGsico, a filosofia neBtoniana realçava a impossibilidade do homem alcançar o conhecimento das causas Wltimas e o facto do mundo estar dependente duma ordenação divina. "ra sobretudo esta noção ue agradava a 0oltaire e aos deGstas ingleses e auela ue apresentaram insistentemente como argumento contra os ateus ue, como auele filósofo di4ia, haviam sido indu4idos em erro pelos cartesianos. Nisto foram grandemente aVudados por aueles ue viam na mão de eus uma #rovidncia benéfica permanentemente preocupada em ordenar a nature4a para deleite e conforto do homem, como era o caso do !bade #luche. Segundo 7ampson, teria sido isto ue, por algum tempo, fe4 passar para segundo plano alguns dos discGpulos mais materialistas de escartes, nomeadamente 7obbes e, de tal maneira ue [os cientistas pareciam ter relegado o ateGsmo para o sótão da especulação clssica então ultrapassada[>. ' ateGsmo viria no entanto a ressurgir, e a partir de meados do século haveria de desenvolver-se e florescer de um modo ue não tinha precedentes. Falemos, portanto, daueles cuVo pensamento seguiu uma linha inteiramente secular e ue contribuGram para a evolução e fortalecimento da doutrina naturalista ue nos propusemos estudar. 7ampson resume a situação a partir de meados do século da seguinte maneiraE [!s tréguas entre a cincia e a religião constituGram um estGmulo para ue se 9 Norman 7ampson, #elican 7istorH of "uropean %hought, 0ol. 5, %he "nglightenment, p. ;6. ; f. supra, p. @5. > 'p. cit., p. >5. M@ procurasse alcançar o conhecimento, apesar das advertncias ue os Vansenistas franceses fa4iam na publicação clandestina Nouvelles "cclesiastiues. %endo abandonado a procura de implicaçOes metafGsicas os cientistas contentavam-se, como éaumur, com observar e registar. !s suas descobertas eram aclamadas pelos teólogos ue viam nelas um meio de defenderem a doutrina da #rovidncia. ! posição dos católicos, dos protestantes e dos deGstas em relação ao valor da experincia era idntica, pois para os cristãos o pecado original deixara de ser o fulcro da doutrina cristã e os deGstas estavam de acordo em ue os céus proclamavam a glória de eus. Foi nesta atmosfera ue a investigação cientGfica
começou a ser levada a cabo de uma forma intensiva e se emancipou Tdefinitivamente da teologia[@. #orém, o mundo esttico dos cientistas dos meados do séc. ?0$$$, cuVo princGpio se devia a um acto de criação divina ue dera R paisagem terrestre e Rs espécies vegetais e animais uma forma muito semelhante R ue tinham e ue tanto impressionara 0oltaire, como sinal da providncia divina, não iria sobreviver muito tempo. A em ;95 vemos 0oltaire argumentar com aueles ue, tal como os atomistas da !ntiguidade, sustentavam ue a matéria e o movimento, desde ue dispusessem de um tempo infinito, poderiam produ4ir todas as combinaçOes possGveis de fenómenos incluindo auela ue então existia - argumento ue o céptico FGlon apresenta na obra dramtica de 7ume, ialogues on Natural eligionU X;;@Y-e ao fa4-lo 0oltaire estava na defensiva. ! partir de ;5M assiste-se ao aparecimento de novas ideias cientGficas ue pOem em uestão a imutabilidade da ordem natural e da providncia benéfica. Não dispondo de muito mais pontos de apoio, o teGsmo do séc. ?0$$$ estava em riscos de se desmoronar. aberia ao séc. ?$? apresentar novos conceitos em ue o teGsmo se pudesse basear. Foram vrias as descobertas cientGficas ue abalaram os pressupostos fundamentais da concepção do mundo existente nos princGpios do séc. ?0$$$. !s mais importantes foram as ue se deram ao domGnio da biologia e ue levaram a ue se pusesse de parte a velha @ 'p. cit., p. >6. U ilogos sobre eligião Natural. XN. do %.Y M doutrina genética da pré-existncia, ue explicava a hereditariedade segundo a teoria de ue a semente de todos os seres vivos fora criada no princGpio do mundo e ue a partir daG fora simplesmente transmitida de geração em geração. "m sua substituição surgiu a teoria da geração espontZnea ue implicava a atribuição R matéria de uma forma de vida e, ainda, ue a organi4ação espontZnea da matéria podia dar origem a seres sensGveis e inteligentes. omo *uffon disseE ["m ve4 de serem um grau metafGsico de existncia, a vida e o movimento são antes propriedades fGsicas da matéria[. om esta teoria deixou de ser necessrio partir-se do princGpio da imutabilidade das espécies. ! estabilidade de uma ordem imutvel de origem divina foi reVeitada a favor dum novo conceito segundo o ual a vida estava em constante evolução. ' pressuposto neBtoniano da intervenção divina foi o outro conceito a ser alvo de contestação na época. T!lembert, por exemplo, afirmava ue era possGvel explicar a conservação do movimento sem recorrer a tal intervenção. emonstrouse ue irregularidades ue NeBton considera cumulativas eram periódicas e continham em si os elementos necessrios R sua própria correcção - exemplo significativo da resolução de um problema por via naturalista mediante o seu enuadramento no contexto da época. ! grande época da geologia, ue haveria de surgir no século seguinte, viria a a reforçar este ponto. &as começara V a p_rse em uestão a escala de tempo da *Gblia. ! cincia começou assim a dispensar eus como factor necessrio para explicar o universo. ' naturalismo começara a desenvolver-se verdadeiramente e os espGritos reflexivos não tardaram em tirar conclusOes de carcter ateGsta. Foi, por exemplo, o caso de iderot X;1-;>5Y e do *arão dT7olbach X;+1-;>@Y. iderot, ue colaborou com dT!lembert na feitura dauele monumento ao pensamento do séc. ?0$$$, ! "nciclopédia, era um ateu declarado ue se servia dos argumentos da cincia para defender a sua posição. No seu livro, $nterpretation de la Nature X;65Y, por exemplo, disse ue se a gravitação era inerente R matéria, então o caos não podia existir, uma ve4 ue a matéria se organi4aria automaticamente, argumento ue 7ume viria a utili4ar com algumas alteraçOes na sua obra ialogues, e ue o ateu mais famoso da época, o *arão dT7olbach, viria a desenvolver num sentido mais moderno. iria ele mais tarde ue na nature4a não existe, efectivamente, ordem nem desordem, mas apenas auilo ue se nos apresenta como tal. hamamos [desordem[ Ruilo ue nos perturba ou nos aflige, mas é tudo ordem pois tudo
resulta de uma causa constante. 3ant viria mais tarde a dar uma forma definitiva Rs afirmaçOes de 7olbach ao di4er ue a estrutura metafGsica dos nossos espGritos não nos permite ordenar o mundo de outra forma ue não seVa auela como o fa4emos. &as voltemos a iderot ue tinha a reputação de ser um deGsta no campo e um ateu em #aris. iderot também ressuscitou o velho argumento de (ucrécio de ue a ordem ue se encontra na nature4a se explica pelos inWmeros acasos ue advm dos diversos movimentos das partes ue o compOem desde toda a eternidade e ue acabaram por levar R organi4ação actual. omeçou como deGsta, mas não tardou em ultrapassar o deGsmo e tornar-se um ateu. Se não acreditamos nos deuses, di4ia ele, por ue havemos apenas de os banir para os intermWndios #or ue não neglos abertamente " foi isto ue fe4. %ornou-se um ateu acreditando ue os problemas do mundo se resolveriam se apenas se pudesse obliterar a ideia de eus. omo 7a44ard disse, [estava cheio de ira, amargura e cólera contra eus\ se não veVa-se a sua história do misantropo ue se escondeu numa caverna e meditou longa e profundamente acerca dauilo ue poderia fa4er para se vingar da raça humana. !cabou por sair da caverna a gritar eus eus T! sua vo4 ressoou dum pólo ao outro e os homens começaram a discutir, a odiar-se e a cortar os pescoços uns dos outros. " desde o momento em ue esse nome odioso foi pronunciado nunca mais deixaram de o fa4er e continuarão a agir do mesmo modo até ue o processo dos tempos esteVa cumpridoT.[ M %odavia, é com o *arão dT7olbach ue as tendncias verdadeiramente ateGstas do pensamento do séc. ?0$$$ virão a ser formuladas em termos filosóficos num primeiro passo em direcção R argumentação naturalista, do século seguinte. Foi R sua mesa ue avid 7umek confessou nunca ter conhecido um ateu, ao ue lheretoruiram estar nesse momento na companhia de M 7a44ard, "uropean %hought in the "ighteenth enturH, 5M;-5M>. + de4assete . 7olbach é talve4 o primeiro ateu ineuivocamente declarado da tradição ocidental. Nele vemos as conseuncias lógicas dos pressupostos da nova filosofia cientGfica levadas R sua primeira conclusão explGcita e, assim, nele podemos ver o ue significa [! Nature4a[ depois de eliminadas todas as conotaçOes religiosas+. #ara 7olbach a Nature4a, ou =niverso, não passa de matéria em movimento. Não se dever, no entanto, considerar a matéria inerte e incapa4 de movimento a não ser ue seVa movida de fora, pois a matéria est em constante movimento. "la é totalmente predeterminada - tal como o homem ue fa4 igualmente parte da nature4a - uma conclusão de ue se fe4 eco um outro ateu francs, (a &ettrie, no seu livro (7omme &achine U. 7olbach ataca abertamente a religião como podemos ver na sua obra %he SHstem of Nature UU X;;MY. Nela se fa4em trs acusaçOes principais R religião. "m primeiro lugar, o facto de constituir uma base errada para a moral, e neste aspecto 7olbach antecipa-se a um dos argumentos preferidos do nosso século, ou seVa, ue é perigoso fa4er da religião os alicerces da moral pois se esses alicerces se desmoronarem, a moral corre o risco de se desmoronar com eles. ! sua segunda crGtica é ue a religião não é cientGfica e ue os seus ensinamentos se opOem R verdade cientGfica. #or Wltimo, 7olbach sustenta ue a religião é o suporte principal de uma ordem social corrupta Xe aui antecipa-se R crGtica de &arxY e ue a sua doutrina da vida depois da morte desvia a nossa atenção dos males presentes. ainda uma explicação naturalista da origem da religião segundo a ual esta advém do medo e da ignorZncia- medo do desconhecido e ignorZncia das causas naturais. !o contestar o teólogo ingls Samuel lar8e, cuVo tratado intitulado %he *eing and !ttributes of )od UUU era uma obra obrigatória dos apologistas cristãos da época, 7olbach afirma, antecipando-se desta ve4 ao precursor de &arx, Feuerbach, ue tudo auilo ue lar8e di4 de eus se aplica mais R Nature4a ue *urton, (ife of 7ume, 0ol. $$, p. ++M.
+ #elo menos na primeira parte de %he SHstem of Nature. #ara o fim encontramos a conclusão lGrica ue tanto marcou ShelleH e ue mostra ue este não se libertara inteiramente do sentimento religioso. U ' 7omem &uina. XN. do %Y. UU ' sistema da Nature4a. XN. do %.Y UUU ' Ser e !tributos de eus. XN. do %.Y 1 é realmente eterna, infinita e Wnica. ondena, no entanto, o panteGsmo de Spino4a. Nos nossos dias verificou-se algo de semelhante em relação ao dualismo da alma e do corpo. Segundo o r. amseH, *ispo de urham, h um [parentesco lógico[ entre eus e a alma1, e portanto não nos devemos surpreeender ue ao dualismo de eus e do &undo se siga o da !lma e do orpo. &as voltemos a 7oibach. #ara ele a Nature4a é um fim em si mesma e o seu Wnico obVectivo é ser. 7olbach não uer ter nada a ver com a teleologia. "ntão e a moral ^ esta a principal preocupação de 7olbach ue procura criar bases mais sólidas para a moral do ue auela ue a religião representara até então. #ara ele a base da moral é social devendo provir de sentimentos de auto-respeito. i4 eleE [#ergunta-se ue motivos poder ter um ateu para fa4er o bem. ! vontade de dar satisfação a si e aos outros\ de viver feli4 e em pa4\ de conuistar o afecto e estima dos homens, cuVa existncia é muito mais certa e cuVas disposiçOes se podem conhecer muito melhor do ue as dum ser incognoscGvel por nature4a. T#oder auele ue não teme os deuses temer alguma coisaT #ode temer os homens\ pode temer o despre4o, a desonra e os castigos da lei\ e pode temer-se a si mesmo e ao remorso ue sentem todos aueles ue tm conscincia de ter chamado sobre si e merecido o ódio dos seus semelhantes...[5 ' passado da religião no domGnio da moral, di4 7olbach, est longe de ser meritório, observação ue lhe d um enorme campo de acção de ue ele não deixa de se servir. #or outro lado, aponta ateus - "picuro, (ucrécio, *odin, Spino4a e 7obbes - ue eram homens pacGficos e estudiosos. [7obbes não fe4 correr sangue nenhum em $nglaterra[, escreve ele, [ao passo ue durante a sua vida o fanatismo religioso levou R condenação e R morte dum rei[6. %odavia, o 1 $. %. amseH, eligious (anguage, p .1>. 5 T7olbach, )ood Sense X;;+Y, aps. (?0$$ e (?0$$$. itado por &argaret 3night, 7umanist !nthologH, p. 59. 6 %alve4 valha a pena referir ue #atric8 NoBell-Smith explica os crimes cometidos em nome da religião da seguinte maneiraE [", na prtica, o obVectivista Xem éticaY est, como seria de esperar, numa posição muito pior no ue respeita R resolução dos conflitos morais. !tribui, necessariamente, a recusa da verdade por parte dos seus adversrios a uma perversidade intencional\ sustenta ue, apesar dessa recusa, os seus adversrios não podem deixar de ver constantemente a verdade pelo ue precisam não de ue se argumente com eles mas de ser castigados... a teoria obVectivista, longe de minimi4ar o emprego da 5 ateGsmo não é um credo para um povo, pelo menos por enuanto, portanto não h nada a recear. omo autor esclarecido ue é, 7olbach afirma estar a escrever para a posteridade e não para a sua época, para uem as suas doutrina ateGstas eram demasiado avançadas. uando analisarmos, no capGtulo seguinte, o ateGsmo do séc. ?$? e recordarmos os maus pressgios de Niet4sche uanto Rs conseuncias morais do ateGsmo, deveremos ter presente o optimismo setecentista de 7olbach. %emos de considerar dois outros pensadores do séc. ?$?, um dos uais é um escocs e o outro um alemão de origem escocesa, se uisermos compreender inteiramente a evolução do Naturalismo e a posição ue este tem actualmente em relação R religião. São eles avid 7ume X;-;;9Y e "manuel 3ant X;+5->M5Y. 7ume é um céptico na tradição clssica. !inda hoVe a sua influncia é considervel e a [revolução[ ue se deu na filosofia no nosso século considera ter sido ele o seu promotor9. ^ antes de mais um empirista na medida em ue sustenta, tal como o seu precursor (oc8e,ue tudo auilo ue sabem provém das sensaçOes. !s impressOes e as ideias ue se formam a partir delas são os postulados fundamentais da sua epistemologia. ontudo, ao contrrio de (oc8e, 7ume não admite ualuer via pela ual se possa alcançar o conhecimento
religioso. !ceita o pressuposto do seu século de ue a crença em eus é uma hipótese ue se pode provar racionalmente, mas sustenta ue essa hipótese ainda não fora provada. "screveu numerosos trabalhos sobre religião ue culminaram com a sua obra ialogues oncerning Natural eligion. ^ difGcil determinar ual é a tese desta obra, mas o #rof. Norman 3emp Smith, no estudo ue fe4 sobre 7ume e a relação deste com os ilogos, demonstra claramente ue a posição do céptico FGlon, um dos personagens, é a ue mais se aproxima da do próprio 7ume, facto ue outros trabalhos seus e testemunhos força para resolver discussOes sobre moral, pode ser e tem sido freuentemente utili4ada para o Vustificar. Não é por acaso ue as perseguiçOes religiosas são monopólio dos defensores da teoria obVectivista.[ "thics, pp. 595;. 9 f. !. A. !Her, (anguage, %ruth and (ogic, p. 1, e )ilbert Hle X"d.Y %he evolution in #hilosophH, #assim. 6 de pessoas ue o conheciam confirmam;. Nos ilogos, FGlon refere uma a uma as provas tradicionais da existncia de eus, incluindo o !rgumento %eleológico, e tenta demonstrar ue ainda não se chegou a conclusão nenhuma. !uilo ue ele próprio conclui, numa atitude muito pouco freuente no séc. ?0$$$, é ue a Wnica coisa a ue se pode recorrer é R fé ue, como vimos, é também uma atitude caracterGstica do cepticismo clssico. ue 7ume levava isto muito a sério, embora talve4 um pouco superficialmente, parece poder confirmar-se pela forma como contestou o ateGsmo declarado ue se lhe deparou em #aris - R custa de ser ridiculari4ado devido aos seus [preconceitos[ - e pela observação ue se di4 ter feito perante a dor e comoção pela morte de sua mãe ao ser acusado de ter abandonado a fé cristãE ["mbora eu especule para entretenimento do mundo culto e metafGsico, auilo ue penso sobre outras coisas não é muito diferente do ue pensa a maioria das pessoas[>. Se uiséssemos analisar pormenori4adamente os argumentos ue 7ume efectivamente utili4ou contra a racionalidade do teGsmo, terGamos de nos afastar muito do obVectivo deste estudo. 7, no entanto, dois ou trs ue importa referir. "m primeiro lugar a anlise da causalidade feita por 7ume e as conseuncias ue teve para o !rgumento osmológico da existncia de eus\ em segundo lugar, a sua crGtica da teleologia e do !rgumento %eleológico\ e, por Wltimo, a sua argumentação contra os milagres. Na sua formulação clssica, e euivalendo R primeira das cinco vias de S. %oms, o !rgumento osmológico afirmava ue a fim de se romper a cadeia dum retrocesso infinito de agentes causais seria necessrio postular uma primeira causa nãocausada do mundo. ^ evidente ue falta neste argumento uma outra premissa, ue até 7ume foi tomada como evidente, de ue todos os acontecimentos tm uma causa. 7ume, porém, analisa a causalidade empiricamente em termos dauilo a ue chama [sucessão constante[. i4er ue ! é causa de * é apenas di4er ue sempre ue observmos ! verificmos ue era seguido de *, e vice-versa. #odemos, portanto, di4er ue sempre ue observamos ! este ; N. 3emp Smith, $ntrodução R sua edição de ialogues oncerning Natural eligion de 7ume. > itado por . airns, =nbelief in the "ighteenth enturH, p. @. 9 ser seguido de * e, reciprocamente, ue sempre ue observmos *, ! o preceder. ! causalidade é a relação ue existe entre dois fenómenos observveis. !ssim, como nem eus, nem o mundo, nem a relação ue existe entre eles são observveis, 7ume concluiu ue não podemos ver eus como a causa Wltima do mundo. #ara o fa4er terGamos de ter observado a criação de mundos e ainda verificado ue nenhum mundo fora criado sem a intervenção de um eus. %alve4 seVa importante referir ue este argumento só é vlido em relação R formulação causal do !rgumento osmológico e não em relação a algumas das suas formulaçOes mais recentes @. &as no séc. ?0$$$ a forma causal era praticamente a Wnica e, nesse aspecto, a crGtica de 7ume tinha ra4ão de ser. ! crGtica ue 7ume fe4 do !rgumento %eleológico é ainda mais significativa. "ste !rgumento partia do aparecimento de uma ordem no mundo, do [aVustamento dos
meios aos fins[, para chegar a um !ruitecto divino. "ra de longe o argumento principal do teGsmo no séc. ?0$$$. !ssentava numa suposta semelhança entre o mundo e uma muina imaginria complexa, e foi precisamente essa analogia ue 7ume atacou, sustentando ue haveria tanta, ou muito mais ra4ão, atendendo ao desenvolvimento das cincias biológicas, para di4er ue o mundo se assemelhava não a uma coisa mecZnica mas a uma coisa orgZnica, como por exemplo uma planta. 'ra, nós não vemos as plantas a serem criadas pela intervenção de criadores de plantas. Se virmos o mundo como um organismo, por ue haveremos de supor ue ter de ter um criador #orém, 7ume argumenta ue a insistir-se num modelo mecZnico seria mais lógico postular uma euipa ou uma comissão de !ruitectos e chegar, assim, não ao monoteGsmo mas sim ao politeGsmo. ! explicação ue este filósofo d da ordem do universo segue uma linha epicurista, na medida em ue ele argumenta, R maneira de iderot, ue dispondo de um tempo infinito a ordem actual do mundo teria surgido forçosamente, o ue viria a ser reforçado no século seguinte pela hipótese de arBin. 7ume defendeu ainda ue o mal ue existe no mundo, auilo a ue se chama [disteleologia[, se opunha R @ f. por exemplo a formulação do #.e opleston em termos de [explicação[ apresentada na sua exegese das cinco vias de S. %oms. opleston, !uinas, pp. M ff. ; noção de um !ruitecto inteligente e cheio de amor pelo universo. ! argumentação de 7ume uanto R existncia ou não de milagres é, mais uma ve4, fruto do seu empirismo, pois gira R volta da uestão de se poder ou não acreditar na veracidade ou exactidão dos [testemunhos[. %al como acontece em relação a todas as convicçOes supostamente informativas acerca do mundo, a crença em milagres deve assentar na experincia, neste caso de ue os homens tm recordaçOes ue são normalmente verGdicas. &as os testemunhos podem contradi4erse e uando os [factos[ atestados são maravilhosos e não são corroborados pela nossa própria experincia da forma como as coisas acontecem no mundo, então, auele mesmo princGpio da experincia ue nos permite acreditar com alguma certe4a nas declaraçOes de testemunhas d-nos também neste caso motivos para não acreditarmos nos factos ue pretende estabelecer. Se o fenómeno for não só maravilhoso como miraculoso, violando desse modo leis confirmadas da nature4a, [tal como uma experincia firme e inaltervel as comprovou[, vemo-nos perante uma prova ue est em contradição com outra e ter de prevalecer a mais forte. 7ume sustenta ue não h nenhum acontecimento miraculoso ue tenha sido comprovado de uma forma de tal modo irrefutvel ue tenha conseguido abalar a nossa convicção uanto R autenticidade das leis da nature4a ue, além do mais, é universal\ não h nenhum acontecimento miraculoso ue tenha sido tão bem demonstrado ue a sua não-veracidade pudesse ser mais miraculosa do ue o [facto[ em ue se baseia.. ! parte final do ["nsaio Sobre os &ilagres[ é particularmente interessante na medida em ue mostra 7ume, nas palavras de IilleH, [em euilGbrio instvel na escarpa do pensamento setecentista, bastando apenas um peueno toue para o fa4er resvalar pelo declive 8antiano abaixo. ! nature4a é um hbito do espGrito, a moral um sentimento do coração, as crenças um produto da imaginação e não da ra4ãoE e agora 7ume aceitou todas estas conclusOes, preferindo em Wltimo recurso a nature4a R ra4ão\ ser ue agora ele nos vai di4er ue a religião se baseia na fé e na ra4ão, e pedir-nos ue demos R fé auilo ue é da fé[ +M omo vimos, é precisamente isso ue ele fa4. No ["nsaio Sobre os +M IilleH, %he "ighteenth enturH *ac8ground, p. +9. > &ilagres[, 7ume pOe a uestão da seguinte maneiraE [Sinto-me tanto mais satisfeito com o raciocGnio ue aui acabo de expor, uanto penso ue poder perturbar aueles amigos perigosos ou inimigos disfarçados da religião cristã ue se propuseram defend-la com base nos princGpios da ra4ão humana. ! nossa sacratGssima religião fundamenta-se na #é, e não na ra4ão, e uma maneira certa de a denunciar é suVeit-la a uma prova ue não est em condiçOes de suportar[+.
Seria uma tentação ver nas palavras de 7ume uma predisposição para se lançar no mesmo proVecto ue 3ant viria a empreender mais tarde ou, para empregar as famosas palavras deste Wltimo, [a negar a ra4ão a fim de arranVar um lugar para a fé[. %odavia, não é isto ue 7ume pretende, pois é por demais evidente no resto da sua obra ue assim ue ele pOe de parte a dWvida céptica, e a aceitação do [hbito[ e da [experincia[ parece apontar para o mistério, 7ume recorre R ra4ão ue tanto menospre4a. !s convicçOes não são raciocGnio, mas as nossas convicçOes tm de ser ra4oveis. 7ume é filho do $luminismo de uma maneira ue 3ant, ue escreveu nos finais deste perGodo, nunca foi. ! fé de 7ume parece não ser muito profunda. ^ algo ue se deve aceitar, mas ue não pode servir de base aos nossos actos. 3ant viria, no entanto, a seguir a tendncia do pensamento de 7ume e a desenvolv-la numa direcção mais teGsta. ' aspecto crGtico da obra de 3ant é tão decisivo, ou mais, do ue o de 7ume, e é sobre isso ue nos iremos debruçar agora. %al como 7ume, 3ant prop_s-se destruir a base racional em ue assentava o teGsmo do séc. ?0$$$. Não o fe4, porém, em nome do ateGsmo nem de um agnosticismo reverente ou irreverente, mas a fim de dar ao teGsmo bases mais sólidas ue pudessem resistir R crGtica da ra4ão. ! principal tarefa ue se impOe na primeira das suas trs rGticas - ! rGtica da a4ão #ura - foi determinar os limites da ra4ão pura e uma das conclusOes a ue chegou foi ue esta não podia di4er-nos absolutamente nada acerca de eus ou de ualuer relação ue pudesse haver entre "le e o mundo. ! argumentação de ue se serviu foi, em poucas palavras, auela ue passo a referir. + 7ume, "nuirH oncerning 7uman =nderstanding, Sec. ?, #t. , ed. SelbH*igge, Sec. MM. @ Sustentava ele ue não podGamos ter um conhecimento certo das coisas em si, pois a nossa experincia, a ue 3ant na sua terminologia arrevesada chamava [a unidade transcendental da apercepção[, é de forma condicionada pelo nosso espGrito, tal como ele é, ue só podemos experimentar o mundo da forma como o fa4emos. 's nossos espGritos não descobrem um ordem necessria inerente R nature4a, antes lhe impOem essa ordem. !ssim, aprendemos a realidade através da lente do espGrito, por assim di4er. ! causalidade, por exemplo, é apenas uma das categorias mediante a ual o nosso espGrito ordena a realidade no espaço e no tempo - as intuiçOes primrias. ^ esta a resposta ue 3ant d a 7ume e, também, a sua interpretação da nature4a sintética e, simultaneamente, apriorGstica de leis como as de causa e efeito. !ssim, o !rgumento osmológico, segundo o ual se todos os fenómenos tm uma causa o mundo também tem ue ter, cai por terra pois a necessidade não est ligada a nenhum princGpio limitativo do mundo da nature4a, mas apenas R forma como o espGrito ordena os fenómenos naturais. 7, no entanto, uma outra dificuldade mais grave e ue vicia toda e ualuer tentativa de desenvolver uma argumentação a partir do mundo para auilo ue est para l deleE os dados a ue o espGrito, por meio de categorias, impOe uma ordem, tm a sua origem em fenómenos ue se verificam no espaço e no tempo. 'ra tanto o !rgumento osmológico como o !rgumento %eleológico procuram inferir, a partir da nossa experincia no espaço e no tempo, um ponto exterior a ela - uma causa transcendente. ^ precisamente esta tentativa de chegar a um ponto exterior R experincia e observação por meio de categorias cuVa Wnica esfera de actuação possGvel é no espaço e no tempo, ue d origem Ruilo a ue 3ant chama as [antinomias[, ou contradiçOes, da ra4ão pura, invalidando desse modo o argumento. omo é ue, pergunta 3ant, podemos utili4ar uma linguagem proveniente da nossa experincia no mundo ue é, alis, o Wnico domGnio a ue essa mesma linguagem se pode aplicar, para falar significativamente uer acerca do mundo como um todo, uer acerca dauilo ue o transcende Se aliarmos a crGtica de 3ant R de 7ume ser fcil compreendermos por ue motivo tantos filósofos hoVe defendem ue estes dois pensadores destruiram as provas tradicionais da existncia de eus a um ponto ue +M invalida, duma ve4 para sempre, o programa ue a teologia natural se propusera. %odavia, isto não impediu outros filósofos de tentar reestruturar esses
argumentos de modo a ultrapassar as crGticas de 7ume e de 3ant. 7istoricamente, porém, o criticismo destes dois filósofos teve uma influncia enorme e imediata e, tanto assim, ue muitos pensadores do séc. ?$? e mesmo deste cGrculo perderam toda a confiança no poder da ra4ão especulativa para demonstrar a validade da doutrina teGsta. !o contrrio de 7ume, porém, 3ant procurou dar ao teGsmo bases mais sólidas, e embora estivesse, tal como auele, disposto a falar em [fé[. V não estava disposto a deixar de anali4ar esse conceito. !uilo ue tentou fa4er foi demonstrar ue a fé em eus é um postulado necessrio da vida moral, da vida vivida de acordo com a ra4ão prtica. Ser necessrio di4er alguma coisa acerca deste assunto a fim de melhor podermos compreender o ateGsmo do século seguinte. omecemos por referir ue 3ant não era um simples mecanicisto-materialista. %inha demasiada conscincia da importZncia da capacidade do homem para ter uma existncia moral, para se deixar arrastar por uma tese ue negaria necessariamente a liberdade do homem in toto. No plano fenomenal da nossa experincia e entendimento da nature4a, o homem poderia muito bem apresentar-se como um ser determinado, o ue parecia ser efectivamente o caso. &as para 3ant isso provava apenas as limitaçOes existentes no campo fenomenal. Segundo ele, o homem também pertencia ao mundo numenal - das coisas tal como são em si mesmas e não determinadas pelas categorias - tomando conhecimento desse mesmo mundo pela experincia moral, e era através dete ue apreendia a noção de dever como imperativo categórico sem ualuer relação com o deseVo ou a propensão. "sse imperativo era absoluto e incondicional. 3ant sustentava ue, a fim de se reconhecer esse imperativo como base de toda a vida moral, era necessrio reconhecer outros aspectos. "m primeiro lugar, ue o homem dispOe de livrearbGtrio não sendo, portanto, determinado, como aconteceria se a tese mecanicisto-materialista fosse verdadeira e o homem fi4esse inteiramente parte da nature4a. $lustrava isto mesmo, argumentando ue o facto de eu saber ue devo fa4er x implica ue posso fa4er x. "m segundo lugar, o homem teria de reconhecer ue era imortal, + pois se o não fosse, a vida moral ue lhe impOe um ideal ue lhe é impossGvel atingir nesta vida - nomeadamente a tarefa de aVustar a sua vontade R vontade inteiramente boa revelada pelo imperativo categórico-seria absurda. #or Wltimo, teria de reconhecer a existncia de eus ue, em Wltima anlise, tomar real a correlação entre virtude e felicidade cuVa inexistncia neste plano de vida é por demais evidente. !ssim, para 3ant, o homem vive simultaneamente em duas esferasE a esfera fenomenal, ue pertence R ordem da nature4a tal como é entendida pelas categorias do entendimento, e a esfera numenal, ue pertence R ordem da liberdade e na ual o homem toma conscincia dos imperativos da vida moral. ^ devido a esta dualidade ue o homem não pode deixar de se interrogar uanto R relação ue existe entre as duas. Serão elas complemento uma da outra, ou ser ue o mundo dos fenómenos e os aspectos fenomenais do homem como ser são insensGveis aos seus conflitos morais 3ant acreditava ue perguntas deste tipo levavam forçosamente aueles ue tomam a vida moral a sério a considerar ue a nature4a foi criada por um eus ue est interessado no progresso e reali4ação morais. ^ contra esta forma de teGsmo e contra a conseuente explicação da moral ue muitos dos ateus do séc. ?$? irão lutar. hegamos, assim, ao fim do estudo do ateGsmo no $luminismo, e parece-me ue algumas das uestOes da controvérsia da crença e da descrença começaram V a tornar-se claras. Segundo os filósofos, a nova cincia da nature4a, agora solidamente implantada e destinada a seguir um caminho triunfante, destruir duma ve4 para sempre toda a necessidade de explicar o funcionamento do mundo em termos teGstas. #ermitira, ainda, ue se reVeitasse a categoria da revelação, pelo menos no ue respeita R sua correlação tradicional com acontecimentos miraculosos. #or outro lado, assistiu-se a uma consolidação da tendncia verificada V nos finais da $dade &édia para circunscrever o termo conhecimento R esfera natural tal como era interpretada pelo método cientGfico, posição a ue 3ant deu uma formulação uase definitiva. !ssim, a tarefa ue se depara ao
teGsmo no fim do séc. ?0$$$ consiste não em alicerçar a fé nas areias movediças de ra4Oes extraGdas do mundo natural, o ue como V vimos foi desastroso, mas em fundament-la noutros princGpios. Foi 3ant ++ uem indicou o caminho a seguir, e depois dele viriam outros ue procurariam basear a fé em eus não só na experincia moral mas também na experincia religiosa. #oucos serão, até aos nossos dias, aueles ue irão contestar toda a evolução da concepção naturalista do mundo como sendo a Wnica possGvel, bem como o conceito V mais limitado de ra4ão em ue assenta. ^ um perGodo de desZnimo para a metafGsica. +1 apGtulo $? ' S^. ?$? !%^ !'S N'SS'S $!S ! posição de 3ant ao considerar a experincia moral como auilo ue distingue o homem e o salva da completa absorção na esfera natural é uma prova da crescente recusa em aplicar os conceitos materialistas e mecanicistas R vida humana. No princGpio do séc ?$? surge o homem de sentimento e impOe-se um movimento, hoVe conhecido pelo nome de omantismo, ue procurar restabelecer o euilGbrio herdado do $luminismo. &as entramos agora numa fase mais complexa e pluralista da história intelectual em ue desaparece a unidade ue, de uma maneira geral, caracteri4ou o Deitgeist dos perGodos anteriores. !ssim, embora o omantismo tenha sido um factor importante e de peso inegvel no séc. ?$?, de modo nenhum afectou todos os aspectos da vida intelectual desse tempo, o ue nos obriga a estudar outros movimentos e personalidades ue tomaram parte na controvérsia da crença e descrença. &as analisemos primeiro a reacção romZntica. ' movimento romZntico admirava acima de tudo a sensibilidade. "ra também um movimento do indivGduo contra as massas. Não deve, portanto, surpreender-nos ue o seu principal representante religioso, Friedrich Schleiermacher X;9>->15Y, tivesse formulado uma doutrina apologética baseada no sentimento religioso individual. +6 ontudo, do ponto de vista da religião, é lamentvel ue, os romZnticos em geral, com excepção talve4 de oleridge, não tivessem nunca submetido os pressupostos epistemológicos de uma concepção ue assentava no sentimento a uma anlise filosófica rigorosa. omo a crGtica posterior viria a demonstrar, os problemas suscitados por essa forma de conhecimento do mundo - principalmente uando associada a uma teologia do encontro, como mais tarde veio a acontecer eram muitos e ainda hoVe se mantm. ' proVecto teológico de Schleiermacher teve um inGcio auspicioso. Segundo udolf 'tto visava [fa4er regressar Rs origens uma época cansada e afastada da religião[. !ssim, para Schleiermacher, não é um processo de raciocGnio natural ue poder levar a eus mas sim a conscincia religiosa. Numa época ue tanto valori4ava a experincia parecia ser um bom começo. #orém, carecendo de uma epistemologia do [sentimento[ como actividade cognitiva - como experincia de uma coisa - a tentativa de Schleiermacher de basear a religião nos sentimentos religiosos, particularmente em sentimentos de dependncia absoluta, estava R partida suVeita R mesma crGtica ue iria p_r em uestão a tentativa de 3ant de basear o teGsmo nos imperativos da conscincia moral\ ou seVa, ue se se encontrasse para essa conscincia uma explicação naturalista ou ualuer outra explicação plausGvel, se poderia passar sem o teGsmo. !ssim também a tentativa de Schleiermacher de basear o teGsmo na conscincia religiosa foi alvo de crGticas, na medida em ue encerrava eus nessa mesma conscincia e ue não era possGvel p_r de parte a hipótese de se vir a encontrar uma explicação naturalista e não-religiosa de tal conscincia e de a teologia se vir a transformar em antropologia. !lis, foi o ue de facto veio a acontecer. Foi precisamente a essa conclusão ue chegou (uidBig Feuerbach X>M5->;+Y na sua
obra notvel, %he "ssence of hristianismU X>5Y, ue viria a exercer uma influncia decisiva em 3arl &arx. ! intenção explGcita de Feuerbach, ao escrever essa obra, era transformar a [teologia em antropologia[, [a udolf 'tto, $nformação R edição de 7arper %orch *oo8s da obra de Schleiermacher 'n eligion - Speeches to its ultured espisers\ pp. 0$$-0$$$. U ! "ssncia do ristianismo. XN. do %.Y +9 cincia do eus em cincia homem[. #ara ele, a conscincia religiosa do homem era apenas a proVecção dos seus ideais mais sublimes num ser sobrenatural. Segundo Feuerbach, o verdadeiro campo de aplicação desses ideais, era o próprio homem, ou, pelo menos, auilo ue ele podia vir a ser. i4 Feuerbach numa outra obraE [eus como epGtome de todas as realidades ou perfeiçOes não é senão um resumo conciso inventado para benefGcio do indivGduo com todas as suas limitaçOes, um epGtome das ualidades humanas genéricas distribuGdas pelos homens, na reali4ação da espécie no decurso da história do mundo[+. Não obstante Feuerbach ser ateGsta, o seu obVectivo não era destruir a religião mas sim, como "ngels viria a observar, aperfeiço-la. Segundo as palavras de &arx, a vitória de Feuerbach consistiu em [redu4ir o mundo religioso R sua base secular[1. #ara Feuerbach a uestão teGsta não se punha. [' problema da existncia ou não-existncia de eus, a oposição entre teGsmo e ateGsmo[, escreveu ele, [é própria dos sécs. ?0$ e ?0$$, não do séc. ?$?. Nego eus. &as, para mim, isso significa negar a negação do homem[5. eus tem ue morrer para ue o homem possa viver. Foi este o lema ue 3arl &arx X>>->>1Y e Friedrich Niet4sche X>55-@MMY viriam a adoptar. ! posição de &arx em relação R religião era basicamente a mesma de Feuerbach e consistia em reinter-pret-la. ! religião era um fenómeno demasiado importante para ser tratado superficial e sumariamente. #ara &arx, ela representava uma tentativa de o homem superar auilo a ue chamava [alienação[ e de se reali4ar verdadeiramente - embora de uma maneira imaginria. i4ia eleE [! base da crGtica irreligiosa éE é o homem ue fa4 a religião e não a religião ue fa4 o homem. #or outras palavras, a religião é a autoconscincia e sentimento do homem ue ainda não se encontrou ou ue se voltou a perder. &as o homem não é um ser abstracto ue vive fora do mundo. ' homem é o mundo do homem, o estado, a sociedade. ' estado e a sociedade inventam a religião, uma conscincia invertida do mundo pois eles são um mundo invertido. ! religião é a teoria geral desse mundo, o seu compndio + Feuerbach, %he #hilosophH of the Future, p. +>. 1 &arx, %heses on Feuerbach, $0. 5 Feuerbach, "ssence of hristianitH, p. +9. +; enciclopédico, a sua lógica numa versão popular, o seu ponto de honra espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, a sua reali4ação solene, a sua ra4ão universal de consolação e Vustificação. ^ a reali4ação fantstica da essncia humana porue a essncia humana não tem verdadeira realidade. ! luta contra a religião é, portanto, indirectamente a luta contra o outro mundo, de ue a religião é o aroma espiritual[. [! angWstia religiosa é ao mesmo tempo expressão de uma angWstia real. ! religião é a esperança dos oprimidos, o coração de um mundo sem coração, tal como é o Znimo de uma situação desesperada. ^ o ópio do povo[. [#ara ue as pessoas possam conhecer uma felicidade real h ue acabar com a religião como felicidade ilusória. ^ preciso abandonar as ilusOes sobre a condição humana para se alcançar uma condição em ue não seVam necessrias ilusOes[6. &as, embora relegada para o domGnio da fantasia, a religião representava para &arx algo de muito importante na vida humana, algo ue apontava para a necessidade de transformar a sociedade de modo a tornar possGvel uma reali4ação mais autntica e verdadeiramente humana. ! anlise e a concepção de religião de &arx tm uma profundidade ue muitas outras tentativas de chegar Rs origens e
explicar a sobrevivncia da religião não possuem, embora o próprio &arx tenha considerado algumas delas - como por exemplo, ue a religião nasceu simplesmente devido ao medo ue a nature4a inspirava ao homem - noutras alturas da sua vida. ! explicação dada por &arx aproxima-o de Freud X>69-@1@Y ue também relegava a religião para o mundo da reali4ação fantstica. &as, antes de nos debruçarmos sobre Freud, estudemos primeiro o outro grande ateu do séc. ?$?, Friedrich Niet4sche. Niet4sche foi um dos espGritos precursores da conscincia europeia moderna, o seu psicólogo mais profundo e o seu mais acertado profeta. "le próprio definiu a situação a partir da ual nasceu o seu pensamento dando-lhe o nome de [nihilismo[. "ste era uma caracterGstica da Wltima parte do séc. ?$?, ue ele considerava um desafio ue havia ue enfrentar. ' facto de o ter 6 3arl &arx, ontribution to the ritiue of 7ege0s #hilisophH of ight. 3. &arx and F. "ngels, 'n eligion XForeign (anguages #u-blishing 7ouse, &oscovoY, pp. 551. +> feito foi de certo modo notvel se tivermos em conta as circunstZncias históricas em ue escreveu a sua obra. 's exércitos prussianos tinham imposto a supremacia germZnica na "uropa. ! )rã-*retanha estava consciente da sua supremacia no mar. No domGnio da cincia e da tecnologia, começaram a fa4er-se progressos espectaculares e até então totalmente impensveis. $mperavam o espGrito de reforma e o optimismo. ontudo, para Niet4sche, a estabilidade polGtica e o desenvolvimento da época não valiam nada, comparados com o Wnico facto ue para ele contava, mas ue os seus contemporZneos se recusavam a aceitarE eus tinha morrido. Na obra )aia incia U, publicada em >>+, encontramos esta parbola. [A ouviste falar de um louco ue, numa manhã de sol, acendeu uma lanterna e correu para o mercado, gritando sem cessarE T#rocuro eus, procuro eusT omo muitos dos ue l andavam e o ouviram não acreditavam em eus, provocou o riso geral. T#oru, ele perdeuseT, disse um. T#erdeu-se no caminho como uma criançaT, disse outro. T'u ter-se- escondidoT... e assim troçavam dele, rindo-se. ' louco saltou para o meio deles e trespassou-os com o olhar. T'nde est eusT, perguntou. Tir-vos-ei. &atmo-lo - vós e eu. %odos nós somos seus assassinos. &as como é ue o fi4emos omo é ue fomos capa4es de beber o mar uem nos deu a esponVa para apagar o hori4onte ue fi4emos nós uando desligmos a terra do seu sol 'nde est ele agora " para onde vamos nós Ser ue nos afastamos de todos os sóis Não estaremos nós continuamente a mergulhar #ara baixo, para o lado, para a frente, em todas as direcçOes Saberemos ainda o ue est certo e o ue est errado Não andaremos R deriva como se atravessssemos um nada infinito Não sentimos o sopro do espaço va4io Não é verdade ue ele é cada ve4 mais frio Não ser ue nos espera uma noite cada ve4 mais negra... eus morreu. " continua morto. " fomos nós ue o matmos. ' ue havia de mais sagrado e mais poderoso em todo o mundo foi mortalmente ferido pelos nossos punhais. uem limpar o sangue ue nos cobre Não ser esse um acto demasiado grande para nós Não teremos ue nos tornar deuses apenas para parecermos dignos desse actoT... epois de proferir estas palavras o louco U "dição portuguesa, )uimarães "ditores, (isboa. +@ calou-se e voltou a olhar para os ue o escutavam ue se calaram também e olharam atónitos. #or fim atirou para o chão a lanterna ue se partiu e afastouse. [^ demasiado cedoT, disse ele, Tainda não chegou a minha horaT. T"ste acontecimemto terrGvel ainda se est a preparar... ainda não chegou aos ouvidos do homem. ' relZmpago e o trovão precisam de tempo, a lu4 das estrelas precisa de tempo, os actos precisam de tempo, mesmo uando são reali4ados antes de poderem ser vistos ou ouvidos. "ste acto est mais distante deles do ue as estrelas mais longGnuas - e contudo foram eles próprios ue o reali4aramT. i4se ainda ue o louco entrou em vrias igreVas onde cantou o seu euiem a eternam deo. uando o expulsavam e o intimavam a explicar o seu comportamento,
respondia sempre da mesma maneiraE T' ue são estas igreVas se não os tWmulos e monumentos de eusT[9. #erdemos a fé em eus, di4 Niet4sche, ue analisa as conseuncias de tal perda, sobretudo no campo dos valores, com maior perspiccia do ue a maioria dos filósofos dos finais do séc. ?$?, especialmente dos ingleses. esta-nos apenas o va4io, di4 ele. A não temos dignidade\ os nossos valores tradicionais foram abalados e V ninguém sabe o ue est certo e o ue est errado. %al como os antigos profetas hebraicos, Niet4sche tinha uma tal capacidade e poder de viver o seu trgico destino ue este se tornou como ue a alegoria de algo ue o transcendia. Sentia tão profundamente a agonia, o sofrimento e a miséria de viver num mundo sem eus, uando todos os seus contemporZneos eram completamente insensGveis Rs conseuncias da descrença, ue viveu antecipadamente o destino duma geração futura. ! filosofia de Niet4sche não é, no entanto, uma filosofia de desespero fatalista. ^ uma tentativa positiva de reestruturar todo o nosso sistema de valores, substituindo-o por outro ue não se baseasse nos princGpios do teGsmo tradicional. ' obVectivo de Niet4sche era substituir uma moral transcendental, ue ia buscar a sua ra4ão de ser R vontade de eus, e uma teleologia orientada para o divino por uma moral naturalista cuVa ra4ão de ser fosse a condição humana. [Se eus morreu[, di4 $van 3arama4ov no romance de ostoievs8i 9 F. Niet4sche, %he )aH Science, p. +6. 1M instalado 's $rmãos 3arama4ov U, [então tudo é permitido[. #orém, ao passo ue o reconhecimento de tal facto confunde $van, levando-o ao desespero, em Niet4sche ele tornasse um grito de afirmação triunfante. epois de proclamar a morte de eus, Niet4sche exige uma transmutação de todos os valores e uma nova casta de homens, os [super-homens[ XubermenschY ue superarão o homem tal como hoVe é e saberão viver e fa4er das suas vidas um exemplo da nova e terrGvel sensação de liberdade do homem. %al como ele próprio reconheceu, foi na )enealogia da &oral UU e em ' !ntiristo U, duas das suas Wltimas obras, ele o primeiro pensador a p_r em uestão todos os valores morais cristãos. ! reacção dos intelectuais ingleses foi completamente diferente como se pode avaliar pela nota escrita em >69 por Sir (eslie Stephen, ue perdera a fé. [!gora não acredito em nada[, escreveu ele, [...mas nem por isso acredito menos na moral etc, etc. uero viver e morrer como um cavalheiro, se for possGvel[;. omo uentin *ell observouE [!s implicaçOes são óbvias\ Stephen podia pensar ue as ideias cristãs sobre a origem e o destino Wltimo dos homens e mulheres eram falsas, mas, na prtica, isso de modo nenhum alterava o seu conceito de conduta digna[>. ' r. *ronoBs8i fa4 uma observação semelhante. !o escrever sobre o medo ue a 'rtodoxia sentia de ue a perda da fé pudesse condu4ir a uma ueda da moral tradicional resume a resposta dos descrentes da seguinte maneiraE [Não, responderam 7uxleH, Aohn Stuart &ill, )eorge "lliot e *agehot\ não h dWvida ue somos todos pessoas de grande rectidão e, portanto, o sentido moral deve ser inato no homem[@. %al como *ronoBs8i adiante refere, uma das conseuncias dessa posição é ue se sentiam pessoalmente obrigados a levar uma vida duma terrGvel monotonia mesmo uando pecavamM. U "dição portuguesa, "stWdios or, (isboa. UU "dição portuguesa, )uimarães "ditores, (isboa. UUU "dição portuguesa, )uimarães "ditores, (isboa. ; itado por uentin *ell in *loomsburH, p. +5. > $bid. @ A. *ronoBs8i, =nbelief and ScienceT in $deas and *elliefs of the 0ictorians. M $bid. 1 #or um lado cepticismo religioso, por outro moral tradicional. "sta combinação estava destinada a não sobreviver ao teste do tempo porue, tal como Niet4sche viu, o abandono da concepção de vida religiosa e de orientação teleológica tinha
conseuncias de grande alcance para a moral. 0iria a caber R nossa geração tirar daG as devidas conclusOes. ^ esse em grande parte o fardo da mensagem transmitida no nosso século pelos existencialistas, em ue o ateGsmo romZntico do séc. ?$? atinge a sua plena reali4ação. "xistencialismo ateu ^ óbvio ue nem todos os existencialistas são ateus. &uitos deles, como, por exemplo, &arcel, ue era católico, e *uber ue era Vudeu, são teGstas. uanto a Aaspers e 7eidegger, Vulgo ue se considerariam agnósticos reverentes. #orém, no movimento associado ao nome de Aean-#aul Sartre X@M6-@>MY, ue para muitos se identifica com o existencialismo, o ateGsmo é aceite como um facto irrefutvel. ^ até a sua primeira premissa. [Se eus morreu, então tudo é permitido. ^ este[, di4 Sartre, [o ponto de partida do existencialismo[. " o seu principal obVectivo é determinar as conseuncias ue uma posição ateGsta coerente poder ter para a moral. #ara Sartre, como para a maioria dos existencialistas, o problema de eus é real e não, como para tantos filósofos anglo-saxónicos actuais, um pseudo-problema. Segundo ele, levantar o problema de eus é levantar o problema do sentido da vida humana. Se não h eus então a vida do homem não tem necessariamente sentido. eus e a teleologia estão inextricavelmente ligados. =ma ve4 ue se nega a existncia de eus +, é cada indivGduo ue tem ue encontrar um sentido para a sua própria vida. !lbert amus X@1-@9MY lutou com o mesmo problema no seu livro ' &ito de SGsifo U. #ara amus, a vida era no fundo um `absurdo[ - conceito ue para ele surgia no ponto em ue a necessidade do homem de encontrar um sentido, esbarrava com a indiferença do universo. amus, porém, vai mais além do desespero A. #. Sartre, "xistentialism and 7umanism, p. $. + Sartre não apresenta realmente uma prova de ue eus não existe. f. *eing and Nothingness trad. 7a4el ". *arnes\ $ntrod. trad. pp. ??$? ff. U "dição livros do *rasil, (isboa. 1+ ue caracteri4ou as primeiras obras de Sartre e procura encontrar uma solução positiva para o problema de se viver num universo absurdo porue privado de eus, solução essa ue fosse vlida e relevante para todos. !nalisar a reacção de outros escritores perante o declGnio da concepção teGsta do mundo ultrapassaria os obVectivos do modesto estudo ue nos propusemos fa4er, mas vale a pena referir ue ela se tornou um dos grandes temas da literatura deste século, prova da gravidade da crise ue a nossa civili4ação e cultura atravessam, pelo menos no domGnio dos sentimentos. incia e eligião 0oltando ao séc. ?$?, uma das grandes causas de descrença ue não podemos deixar de realçar, foi a crGtica cientGfica. #ara fa4er uma anlise rigorosa da uestão no ue toca ao século passado seria necessrio outro livro. ' mximo ue aui podemos fa4er é apontar alguns dos aspectos mais importantes, particularmente aueles ue constituem uma prova da tendncia crescente para interpretar a religião em termos naturalistas. evemos também observar, ue a crGtica mecanicisto-materialista anterior passa agora a fa4er parte da crGtica popular da religião, situação ue ainda hoVe se mantém. omecemos por #reud ue, apesar de ter sido o impulsionador de um dos maiores avanços cientGficos do séc. ??, é em grande parte sob o ponto de vista filosófico, um pensador do séc. ?$?. %al como &arx e Niet4sche, Freud defende ue uma moral baseada em premissas religiosas é suspeita. Neste campo como noutros, o homem deve aprender a contar apenas consigo mesmo. &as, ao passo ue, como V vimos, &arx depositava a esperança de uma nova moral numa renovação da sociedade e Niet4sche numa nova casta de homens disciplinados e autosuficientes, #reud depositava-a na cincia. %ambém como &arx e Niet4sche, #reud, antes de expor o ue tinha a di4er sobre a religião, decidiu ue os princGpios religiosos
sobre o mundo não eram vlidos1 !ssim, limitou-se a procurar explicar o fenómeno empGrico da religião em termos naturalistas. 1 Segundo "rnest Aones, Freud era um ateGsta natural. i4 eleE [resceu sem ualuer crença em eus ou na $mortalidade e não parece ter sentido a sua falta[. Sigmund Freud, 0ol. $, p. ++. 11 omo ). S. Spin8s apontou, todos os escritos de Freud sobre a religião - e são muitos-são em grande parte variaçOes sobre o tema de eus como [pai supremo[ 5. #ara Freud, o teGsmo é basicamente o resultado dauilo a ue chama [proVecção[ a proVecção no universo do ue, na realidade, são apenas processos psicológicos. "sta posição est claramente expressa no seu livro ' Futuro duma $lusão X@+;Y. ! cultura, sustenta Freud, exige a renWncia aos nossos instintos mais primitivos, mas essa renWncia só é possGvel se se encontrar alguma gratificação compensadora. "ntre as gratificaçOes compensadoras, a mais generali4ada é a religião. &as a fé religiosa est a desaparecer - é cada ve4 mais considerada uma ilusão - e Freud receia ue se não encontrarem outras gratificaçOes compensadoras mais estveis, a civili4ação e a cultura seVam destruGdas. ! sensação de ue o mundo estava condenado era nele uase tão forte como em Niet4sche. #orém, não é isso ue nos interessa, mas sim saber por ue é ue Freud achava correcto pensar-se ue a religião é uma ilusão. ! sua posição é ao mesmo tempo filosófica e psicológica. o ponto de vista filosófico, Freud aceitava os pressupostos cientGficos e anti-religiosos do seu tempo. [! investigação dos segredos do universo[, escreve ele, [avança muito lentamente e h muitas perguntas a ue a cincia não sabe responder\ mas o trabalho cientGfico é o Wnico caminho ue pode levar-nos ao conhecimento da realidade[6. &as, segundo ele, por esse método nunca se pode chegar ao teGsmo, pelo ue devemos p_-lo de parte. No entanto Freud nunca aprofundou as bases filosóficas do teGsmo nem analisou as ra4Oes da sua reVeição filosófica da religião. "le próprio nos fala na sua autobiografia, do seu pouco interesse pela filosofia. [&esmo uando me afastava da observação[, di4 ele, [evitava cuidadosamente a filosofia propriamente dita, atitude para ue contribuiu muito uma capacidade natural[9. P primeira vista dir-se-ia ue a sua posição contra a religião é essencialmente psicológica. ! religião é uma forma de satisfa4er deseVos. ! vida é difGcil de suportar e o 7omem procura alGvio para as duras realidades ue 5 ). S. Spin8s, #sHchologH and eligion, p. ;6. 6 S. #reud, %he Future of an $lusion, p. 66. 9 S. Freud, !n !utobiographical StudH, p. M@. 15 ela lhe impOe, personificando as forças impessoais da nature4a, o ue em certa medida consegue ao tentar iludi-las. ' protótipo desta situação é o desamparo da infZncia em ue se procura protecção nos pais. ! religião, e o teGsmo particularmente, são, portanto, para Freud, um regresso R infZncia. ' homem religioso, indefeso e dominado pelo medo perante o universo proVecta na nature4a a figura protectora do pai e cria assim o seu eus. "sta explicação da origem da religião não prova, evidentemente, só por si ue o homem religioso esteVa errado e Freud tem o cuidado de distinguir [ilusão[ de [erro[. =ma [ilusão[ deriva dos deseVos do homem. ^ uma maneira de satisfa4er um deseVo. ue seVa ao mesmo tempo um erro é uma coisa ue necessita de prova ulterior. #ara #reud, a religião era simultaneamente uma ilusão e um erro - uma ilusão porue era a satisfação de um deseVo e um erro porue, como V vimos, ele pensava ue não assentava em bases racionais e cientGficas. "sta Wltima ra4ão é o fulcro da argumentação de Freud como tinha sido o fulcro do combate R religião uase desde a sua infZncia. #ode até di4er-se ue era esse o seu argumento chave contra a religião do séc. ?$?. A vimos como começou. !gora vamos estudar o avanço da crGtica cientGfica na segunda metade do séc. ?$?. Foi em $nglaterra ue a controvérsia entre cincia e religião foi tomada mais a sério. "m grande parte ela incidia mais sobre argumentos contra dogmas cristãos especGficos, como por exemplo a data e a forma como se deu a criação, do ue sobre o teGsmo
propriamente dito. Foi isso em grande parte ue aconteceu em relação ao arBinismo - a causa célebre da época - ue contestava os dogmas cristãos tradicionais sobre a origem do homem tal como era definida a partir das escrituras hebraicas. ! teoria da selecção natural de arBin exposta na sua famosa obra ! 'rigem das "spécies X>6@Y contestava o próprio teGsmo na medida em ue punha em uestão o tradicional argumento teleológico. dando uma explicação naturalista da coerncia interna dos corpos animais e da sua adaptação ao meio ambiente. Segundo a teoria de arBin. os animais são organismos relativamente eficientes no ue di4 respeito ao meio, pela simples ra4ão de ue os indivGduos menos adaptados pereceram na luta permanente pela sobrevivncia e assim não perpetuaram a sua raça. ^ na luta pela sobrevivncia ue 16 assenta a evolução da vida para formas cada ve4 mais complexas, na medida em ue auela exerce uma pressão constante no sentido de se atingir uma adaptação perfeita. ' próprio arBin X>M@->>+Y era, na realidade, um agnóstico uanto ao efeito da sua teoria sobre o argumento teleológico, ora se mostrando entusiasmado pela evolução ora deprimido pelos casos de disteleologia. [#arece-me[, escreveu ele numa das suas cartas, [ue h demasiadas desgraças no mundo. Não consigo convencer-me de ue um eus benévolo e omnipotente tivesse propositadamente criado os $chneumonidae com a intenção deliberada de fa4er a sua sobrevivncia depender das lagartas, ou de os gatos perseguirem os ratos. =ma ve4 ue não acredito nisto, não veVo ualuer necessidade em acreditar ue o olho tenha sido expressamente concebido para um determinado fim. #or outro lado, não me satisfa4 de modo nenhum olhar para este universo maravilhoso, e especialmente para a nature4a do homem, e concluir ue é tudo resultado da força bruta. Sou levado a olhar para tudo como sendo o resultado de leis preconcebidas em ue os pormenores, bons ou maus, são abandonados R acção dauilo a ue poderGamos chamar acaso. Não ue esta ideia me satisfaça. Sinto ue toda esta uestão é demasiado profunda para o intelecto humano ...ue cada um espere e acredite nauilo ue puder[;. ! hipótese evolucionista acabou por ter implicaçOes de maior alcance para a religião do ue a controvérsia darBiinista sugere, porue est inserida num contexto histórico mais amplo ue, na opinião de muitos, constitui a principal contribuição do séc. ?$? para a história intelectual. #ela primeira ve4 a religião começou a ser estudada histórica e comparativamente, o ue não podia deixar de p_r em uestão toda e ualuer doutrina ue se apresentasse como definitiva. omo Nol !nnan observaE ['s homens deixaram de ver a 0erdade como absoluta, filosoficamente esttica, revelada duma ve4 para sempre para passarem a consider-la relativa, genética e evolutiva[ >. ; arBin a !sa )raH. itado por Aohn )reen, arBin and the &odern Iorld 0ieB, p. 55. > Nol !nnan, Strands of =nbelief in $deas and *eliefs of the 0ictorians, p. 6. 19 Foi na década ue teve inGcio em >;M ue a controvérsia entre a cincia e a religião começou verdadeiramente. Na sua origem esteve o famoso debate sobre a ascendncia do homem, entre %homas 7uxleH e o *ispo Iilberforce ue teve lugar em 'xford, durante uma reunião da Sociedade *ritZnica para o !vanço da incia, em >9M. !té então os [racionalistas[ ue tinham conseguido algumas vantagens pelo facto de assim se denominarem, tinham-se abstido de participar na polémica. &as, depois da célebre discussão de 'xford, foram os !gnósticos - como depois se viriam a chamar@ - ue se apropriaram do fervor moral. %al como Nol !nnan explicaE [#or volta de >;M um grupo de homens, 7uxleH, (eslie, Stephen, Aohn &orleH e o Vovem e brilhante geómetra I. 3. lifford, decidiu converter o pWblico através de Vornais com um 4elo evangélico[ +M. Foi assim ue o 7umanismo cientGfico se transformou num credo popular. =m apóstolo da época, &argaret 3night, definiu-o da seguinte maneiraE [i4er de alguém ue é um humanista uer di4er ue para essa pessoa não h ra4ão para se acreditar num eus sobrenatural
nem numa vida depois da morte\ ue ela sustenta ue o homem deve enfrentar os seus problemas com a sua inteligncia e com os seus recursos morais, sem invocar a aVuda sobrenatural\ e ue a autoridade, sobrenatural ou não, não deve constituir um obstculo R investigação em ualuer campo do pensamento[+. "stes princGpios fundamentais pressupOem dois corolrios. [#rimeiro, ue a virtude consiste em promover o bem-estar da humanidade... e em segundo lugar ue a alavanca da acção moral são... os instintos sociais[. 7 dois humanistas ue não podemos deixar de referir. São elesE Aohn Stuart &ill X>M9->;1Y e *ertrand ussell X>;+-@;MY, afilhado de &ill, embora [num sentido puramente secular[, como &ill insistiu ao aceitar tal honra. Na sua !utobiografia, &ill di4E [Sou uma das poucas pessoas deste paGs ue não perdeu a fé religiosa mas @ ! palavra foi criada por 7uxleH para definir a sua posição na Sociedade &etafGsica fundada em >9@ com o obVectivo de promover uma discussão séria e respeitvel da controvérsia da cincia e da religião. +M Nol !nnan, op. cit. p. 65. + &argaret 3night, 7umanist !nthologH, p. ?$$$. 1; ue nunca a conheceu[ a. %al como seu pai Aames &ill, ue em tempos pensara ordenar-se, Aohn Stuart continuou a tomar a religião a sério e a pensar ue os seus dogmas deviam ser refutados. Na sua obra %hree "ssaHs on eligion, escrita V uase no fim da vida, &ill tenta mais uma ve4 examinar os argumentos a favor e contra a existncia de eus. !s conclusOes a ue chega são negativas na sua uase totalidade e a principal obVecção ue tem a p_r é de carcter moral. !o olhar para o sofrimento do mundo. &ill achava ue era moralmente repugnante acreditar ue um mundo como é auele em ue vivemos pudesse ser obra do amor de um eus infinitamente bom e todo-poderoso. itando as suas famosas palavrasE [Se a lei de toda a criação fosse a Vustiça e se o criador fosse omnipotente, ualuer ue fosse o sofrimento e a felicidade concedidos ao mundo, o uinhão correspondente a cada pessoa seria rigorosamente proporcional aos seus actos bons ou maus... Ninguém pode ser cego ao ponto de não ver ue no mundo em ue vivemos as coisas se passam de uma maneira completamente diferente, de tal modo ue a necessidade de restabelecer o euilGbrio tem sido considerada um dos argumentos de maior peso a favor de uma vida depois da morte, o ue euivale a reconhecer ue a ordem ue vigora nesta vida é muitas ve4es um exemplo de inVustiça e não de Vustiça. Se para eus o pra4er e a dor não são suficientemente importantes para ue seVam a recompensa dos bons ou o castigo dos maus. e se a virtude é o maior bem e o vGcio o maior mal, nesse caso também eles deveriam ser distribuGdos por todos consoante o ue tivessem feito para os merecer\ o ue acontece, porém, é ue por fatalidade do seu nascimento, os homens herdam toda a espécie de depravaçOes morais, devido Rs culpas dos pais, da sociedade ou de circunstZncias incontrolveis. mas certamente não por sua própria culpa. Nem mesmo a teoria do bem mais distorcida, Vamais formulada pela religião ou pelo fanatismo filosófico, consegue apresentar o governo do mundo como sendo obra de um ser simultaneamente bom e omnipotente[+1. Noutras alturas a sua repugnZncia atinge a dimensão ++ &ill, !ntobiographH\ "ssential Ior8s de %ohn Stuart &ill, "dit. *antam lasssics. p. 15. +1 &ill, %hree "ssaHs, essaH ['n Nature[\ "ssential Ior8s de Aohn Stuart &ill, "dit. *antam lassics, p. 1>9. 1> dum desafio #rometeico. [Não chamarei bom a nenhum Ser[, di4 ele, [ue não seVa auilo ue uero di4er uando aplico esse epGteto aos meus semelhantes\ e se um tal Ser me pode condenar ao $nferno pelo facto de não o fa4er, pois então, irei para o $nferno[. #ara &ill, como para tantos outros, então como agora, os fenómenos do mundo ue, uando relacionados com a crença teGsta num criador sumamente bom e todopoderoso, levantam o problema do mal falam em desabono dessa crença.
' ateGsmo de ussel é clssico para não di4er monumental, baseando-se também nas premissas do séc. ?$?. #ara ussell o universo é um facto indiscutGvel. ^, simplesmente+5. ! cincia explica ou vir eventualmente a explicar de modo satisfatório o seu funcionamento e nada mais é necessrio di4er. ussell permitiu-se um Wnico desvio em relação a esta posição num ensaio intitulado [' ulto dum 7omem livre[ ao seguir o exemplo de &ill e ueixar-se do =niverso, por ser diferente dauilo ue uereria ue ele fosse. ' #ositivismo e "mpirismo (ógicos ! crGtica feita pela cincia R religião tornou-se mais precisa nos nossos dias ao ser formulada de acordo com o interesse actual pela semZntica e pela filosofia da linguagem. =m exemplo disto é a crGtica segundo a ual a linguagem religiosa não tem ualuer significado, feita durante a primeira parte do século pelo movimento conhecido por #ositivismo (ógico, cuVo expoente mais representativo é Sir !. A. !Her, presentemente #rofessor de (ógica em 'xford. ' movimento, porém, teve origem em 0iena. %omando a linguagem cientGfica como o modelo de toda a linguagem com significado sobre o mundo, os positivistas respondiam R uestão sobre o ue é ue dava significado R linguagem cientGfica, defenindo um critério conhecido pelo [princGpio da verificação[. %al princGpio foi formulado de vrias maneiras mas, essencialmente, os #ositivistas sustentavam ue XaY para uma proposição ter significado devGamos saber em +5 f. as observaçOes ue fe4 no debate com Fr. opleston\ transcritas no seu livro IhH $ am not a hristian. "dição portuguesa, *oa-(eitura, (isboa. 1@ princGpio como podia ser verificado Xou negadaY e ue XbY a Wnica vlida era auela ue é feita pelos sentidos+6. Segundo eles, as proposiçOes religiosas Xbem como as éticas e as estéticasY não satisfa4iam essa condição, devendo portanto ser reVeitadas como carecendo de significado. "sta posição est expressa de uma maneira clara e ineuGvoca no capGtulo seis da obra Vustamente famosa de !Her (anguage, %ruth and (ogic X@19Y. #ara !Her, h dois tipos de proposiçOes com significado. #or um lado, as proposiçOes analGticas - ue são mais conhecidas como tautologias - ue nada nos di4em acerca do mundo, limitando-se a ilustrar a nossa insistncia em usar sGmbolos de uma determinada maneira. ^ o caso das definiçOes e de toda a matemtica e lógica. #or outro lado, as proposiçOes sintéticas ou empGricas ue nos di4em efectivamente ualuer coisa sobre o mundo. #ara estas Wltimas o critério do significado é o princGpio da verificação. Não pertencendo a nenhum dos dois grupos, as proposiçOes religiosas redu4em-se a um outro tipo de afirmação ue por ser mais empGrica é mais fcil de reVeitar, ou são automaticamente postas de parte por não terem significado. ' #rof. A. A. Smart, da =niversidade de !delaide, disse o seguinte sobre esse ataue R religiãoE [' maior perigo para o teGsmo neste momento não vem das pessoas ue negam a validade dos argumentos a favor da existncia de eus, porue muitos teólogos não acreditam ue se possa provar essa mesma existncia... ' maior perigo para o teGsmo vem das pessoas ue pretendem di4er ue Teus existeT e Teus não existeT são duas afirmaçOes igualmente absurdas. Segundo elas, o próprio conceito de eus é absurdo[+9. !ssumindo uma posição semelhante, o #rof. Aohn &cuarrie preveniu os homens religiosos de ue [h ue se enfrentar o desafio ue a filosofia linguGstica lança ao pensamento teológico[ e sublinhou ue [é um dos desafios mais radicais a ue a teologia Vamais teve ue fa4er face, uma ve4 ue di4 respeito não só R verdade mas até ao próprio significado dos princGpios +6 #ublicado in ussell, &Hsticism and (ogic. +9 A. A. . Smart. [%he "xistence of )od[ in NeB "ssaHs in #hilisophical %heologH, "d. !. N. . FleB and !. &ac$ntHre. 5M
religiosos[+;. !Her e aueles ue o seguiram tinham sem dWvida tocado no cerne da uestão. ! sua posição é de certo modo Wnica na história do ateGsmo, embora, tal como vimos na primeira parte deste estudo, ela estivesse em parte contida na crGtica feita por arniades R concepção estóica de eus. %alve4 tenha interesse citar aui as palavras do próprio !Her. "m Wltima anlise, !Her não é nem teGsta, nem ateGsta, nem agnóstico. %al como ele di4E [^ importante não confundir esta posição sobre os dogmas religiosos com a dos ateus e agnósticos. #ois é caracterGstico dos agnósticos sustentar ue a existncia de eus é uma possibilidade em ue não h ra4ão para acreditar ou deixar de acreditar, tal como é caracterGstico dos ateus defender ue não é provvel ue exista ualuer eus. " a nossa opinião, segundo a ual todas as afirmaçOes sobre a nature4a de eus são absurdas, não só não corrobora ualuer das posiçOes referidas, como na realidade é incompatGvel com elas. Se a afirmação ue eus existe é um absurdo, a afirmação ue eus não existe é igualmente absurda, pois só uma proposição com significado pode ser coerentemente negada. uanto ao agnóstico, embora se abstenha de di4er se eus existe ou não, não nega ue a uestão da existncia ou inexistncia dum eus transcendente seVa genuGna. Não nega ue as duas frases T7 um deus transcendenteT e TNão h um deus transcendenteT expressam duas proposiçOes, das uais uma é verdadeira e outra falsa. (imita-se a di4er ue não temos meios de saber ual delas é a verdadeira e ue, portanto, não devemos defender nenhuma. &as vimos ue essas frases não expressam ualuer proposição. $sto uer di4er ue também se deve p_r de lado o agnosticismo[ +>. !Her escreveu estas linhas em @19. ^ certo ue a situação sofreu modificaçOes mas não creio ue se tenha alterado no essencial. Sob a influncia dos Wltimos escritos de Iittgenstein - publicados postumamente, de um modo geral com base em apontamentos tirados por alunos seus durante as aulas - os filósofos de hoVe estão mais conscientes do ue nunca das funçOes complexas da linguagem ou dauilo a ue o +; A. &cuarrie in "xpositorH %imes, 0ol. (?0$$$, No +, Set. @6;, p. 196. +> !. A. !Her, (anguage, %ruth and (ogic, pp. 6-9. 5 próprio Iittgenstein chamava a variedade das gramticas lógicas ou dos Vogos de linguagem. ! crGtica da linguagem religiosa, das suas formas e funçOes, é considerada bem menos simples do ue se poder depreender das escassas uin4e pginas ue !Her dedicou R sua refutação. #arece-me, no entanto, ue agora ue temos conhecimento da lógica complexa da linguagem religiosa, a uestão ue !Her exp_s de uma maneira tão clara e ineuGvoca em relação ao poder cognitivo de certas proposiçOes religiosas para nos informarem sobre o mundo e a relação deste com eus continua a ser uestão fundamental ue o teGsmo tem ue enfrentar. #ode ser ue, tal como muitos teólogos e filósofos religiosos hoVe declaram abertamente+@, a religião seVa uma perspectiva, uma atitude, uma maneira de olhar o mundo mais do ue uma explicação descritiva dauilo ue a realidade é efectivamente. &as, assumir uma tal posição não euivale apenas a abandonar os dogmas tradicionais da religião teGsta, mas a reconhecer ue a maneira naturalista de entender e interpretar a realidade, seus métodos e categorias, é a Wnica possGvel\ e o naturalismo exclui a religião da esfera cognitiva. &uitos teólogos estão dispostos a aceitar esta posição1M. &as muitos outros pensam de outro modo e, tal como o falecido r. !. &. Farrer, o #rof. ". (. &ascall, o #.e opleston e muitos outros, procuram desenvolver e alargar o velho programa da teologia natural, convencidos de ue o espGrito pode atingir racionalmente o conhecimento do ser e nature4a de um eus transcendente. 'utros ainda, tal como o actual *ispo de urham, r. $. %. amseH, estão a tentar formular uma teologia natural baseada num empirismo mais lato do ue auele ue tem prevalecido desde meados do séc. ?0$$. ! uestão continua em aberto. +@ . *. *raithBaite, !n "mpiricists 0ieB of the Nature of eligious *elief, #. 0an *uren, %he Secular &eaning of the )ospel. 1M f. . &. 7are, [%heologH and Falsification[ Sect. * in NeB "ssaHs in #hilosophical %heologH, "dit. !. ). FleB and !. &ac$ntHre.
5+ 'N(=SQ' "is-nos chegados ao fim deste estudo sobre o ateGsmo 'cidental - desde a ueda da concepção mitológica do mundo provocada pelos filósofos pré-socrticos da )récia !ntiga até ao sólido naturalismo dos nossos dias. Se ele trouxe ou não alguma lu4 é coisa ue cabe aos outros Vulgar. #arece não haver dWvida de ue o desenvolvimento do pensamento verificado na !ntiguidade lssica voltou a surgir na "uropa a partir do enascimento, com a diferença ue, desta ve4, a evolução se processou a partir de uma nature4a considerada como um organismo vivo, como uma centelha de divindade, em direcção a uma concepção de nature4a em ue só h vida e só tem significado na medida em ue podem ser uantificados de acordo com as categorias da cincia natural. "ste processo ainda não terminou. ' próprio homem permanece não uantificado e, a pergunta ue se pOe éE ser uantificvel ' homem como obVecto da cincia é ainda tal como o #rof. Sir !lfred !Her mostra num artigo recente sob esse tGtulo, um tema de controvérsia. #arece-me, portanto, ue a próxima fase da controvérsia da crença e da descrença ir incidir no homem !. A. !Her, [&an as a SubVect for Science[ in #hilosophH, #olitics and SocietH, "d. #eter (asslett and I. ). unciman. 51 como ser e é muito possGvel ue os domGnios desconhecidos do ser forneçam uma analogia ue permita olhar de novo para o mundo e ver se h domGnios em ue a relação do homem com o mundo e a sua apreensão do mesmo não são susceptGveis de ser tratadas segundo um método cientGfico, domGnios esses em ue o homem toma conscincia de eus. Ser ue h para o homem um outro modo de apreender e compreender a realidade ue o rodeia ue est ainda por descobrir+ Não sei. &as de uma coisa estou certo, é ue não se disse tudo e ue a disputa entre aueles ue vem o mundo e o interpretam em termos naturalistas e aueles ue, embora de uma maneira vaga, se sentem descontentes com essa posição e entendemue h mais para [além[, [por detrs[ ou [na[ nature4a e ser do homem, a ue geralmente chamam [eus[ ou o [ivino[ se prolongar ainda por muito tempo. + ' entro de $nvestigação de "xperincia eligiosa, departamento experimental recentemente criado em 'xford sob a direcção de Sir !lisdair 7ardH, aponta-nos o caminho, embora ainda seVa cedo para saber se os resultados desta iniciativa irão provar alguma coisa. 55 2N$"
Agradecimentos........................ ... 11 Introdução..................... ......... 13 Primeira Parte O ATEÍSMO NA ANTIGUIAE !"#SSI!A I $ Per%odo Pr&'socr(tico............... 1) II $ Per%odo Socr(tico ............... 3* III $ Per%odo +e,en%stico ............... - I/ $ Per%odo 0omano.................. ** / $ !onc,usão ..................... 1 Segunda Parte O ATEÍSMO O!IENTA" AT2 AO S!2!. /II /I $A Idade M&dia .................. Os s&cs. II e III .................. O s&c. I/........................ 3 /II $ O renascimento e o desen4o,4imento da ci5ncia ........................ )