Implicações do nexo técnico epidemiológico previdenciário sobre a ação indenizatória por acidente do trabalho Roseli Quaresma Bastos Resumo: O presente estudo visa analisar o nexo técnico epidemiológico previdenciárioNTEP e seus efeitos sobre a ação indenizatória por acidente do trabalho. Preliminarmente, trata da problemática social que envolve o acidente do trabalho, da evolução legislativa de amparo ao funcionário acidentado, bem como das definições extraídas da Lei n.° 8.213/1991. Posteriormente, aprofunda-se a hipótese de caracterização do acidente do trabalho a partir das doenças ocupacionais, as quais poderão ser declaradas, voluntariamente, pelo empregador através da Comunicação de Acidente do Trabalho- CAT ou pelo perito do Instituto Nacional de Seguro Social- INSS através do NTEP. Nesse sentido, pontua o conceito do NTEP, assim como relata as garantias concedidas pela legislação ao trabalhador acidentado nas esferas previdenciária, trabalhista e civil. Esta última possui maior destaque, vez que desenvolve a temática
da responsabilidade civil do empregador frente aos danos causados pelo acidente do trabalho ao funcionário. Palavras chaves: Acidente do Trabalho. Empregado. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. Direito. Trabalho. Previdenciário. Cível. Responsabilidade. Sumário: 1. Introdução; 2. Acidente do Trabalho; 2.1. Considerações Iniciais; 2.2. Evolução Legislativa; 2.3. Definição de Acidente do Trabalho; 3. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP; 3.1. Doenças Ocupacionais; 3.2. Comunicação de Acidente do Trabalho; 3.3. Definição do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário; 3.4. Garantias do Empregado com a Caracterização do Acidente do Trabalho; 4. Responsabilidade Civil do Empregador; 4.1. Abordagem Inicial; 4.2. Danos Morais, Materiais e Estéticos; 4.3. Responsabilização; 5. Considerações Finais; Referências Bibliográficas; 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho debate à problemática existente na relação jurídica trabalhista frente à tipificação do acidente do trabalho pelo empregador através do comunicado de acidente do trabalho e a criação do nexo técnico epidemiológico previdenciário. Nesse sentido, objetiva abordar os aspectos que envolvem o nexo técnico epidemiológico previdenciário, na tipificação do acidente do trabalho e as suas conseqüências nas esferas previdenciárias, trabalhistas e principalmente na cível, no que tange a responsabilização do empregador. Para tanto, o trabalho foi confeccionado a partir da pesquisa bibliográfica e eletrônica dos principais sites especializados. A investigação inicia-se com algumas considerações sobre a ocorrência de acidentes do trabalho na sociedade moderna, abordando a sua problemática entre
capital x trabalho. Aponta-se, nesse sentido, a evolução legislativa das normas que regem os infortúnios trabalhistas, chegando às suas definições modernas consagradas pela Lei n.° 8.213/1991.
Em um segundo momento, discute-se Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP, iniciando-se a discussão nas doenças ocupacionais, as q uais são equiparadas a acidente do trabalho, na Comunicação de Acidente do Trabalho- CAT e propriamente do NTEP , pontuando sua definição e importância na
caracterização do acidente do trabalho e, conseqüentemente, sobre as garantias legislativas concedidas ao empregado acidentado no âmbito trabalhista e previdenciário. Após, discute o reflexo da caracterização do acidente do trabalho a partir do NTEP na seara da responsabilidade civil do empregador. Dessa forma, reflete sobre os principais conceitos que envolvem o tema e critica a aplicação incondicional da responsabilização civil objetiva do empregador frente aos infortúnios trabalhistas.
Por conseguinte, nota-se que o trabalho possui importância jurídico-social, pois, além de sintetizar os principais tópicos do direito do trabalho, previdenciário, questiona a atuação dos magistrados nas ações indenizatórias trabalhistas por acidentes do trabalho. 2 ACIDENTE DO TRABALHO 2.1 Considerações Iniciais: Os acidentes de trabalho comprometem de sobre maneira a produtividade econômica. São responsáveis por grande impacto no sistema de proteção social e interferem no nível de satisfação do trabalhador e no bem-estar da sociedade, além do que representam altos custos humanos e sociais, pouco conhecidos quer no âmbito empresarial ou no governamental. Atenta-se que o acidente do trabalho reflete negativamente a todas as partes envolvidas. Ao trabalhador e sua família, os prejuízos são financeiros e emocionais. Já na empresa ocorrem prejuízos financeiros, pelo afastamento temporário do funcionário e pelo eventual custo em ação indenizatória pelos danos morais e materiais causados ao empregado. Em contrapartida, o governo, sofre com os altos gastos com saúde pública e com a Previdência Social. Segundo Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira (2010, p. 13/14) no ano de 2006, foram notificados através da Comunicação do Acidente do Trabalho- CAT, 503.890 acidentes do trabalho na população empregada, sendo que 2.717 foram fatais. Atenta-se que isso representa quatro acidentes por minuto e 10 óbitos por dia útil, situação absurda quando se trata de um país emergente. Por certo, o perfil apresentado pelo Brasil é alarmante, principalmente com o aumento das doenças modernas, as quais são influenciadas pelo ambiente de trabalho
e, portanto, caracterizadas como acidentes do trabalho. Salienta-se que tais enfermidades são, muitas vezes, ignoradas pelos empregadores, que se omitem na emissão da Comunicação do Acidente do Trabalho- CAT. 2.2 Evolução Legislativa: Como relatado, os acidentes do trabalho são bastante comuns na sociedade moderna, considerando o contraponto lucro x bem-estar do empregado. Para tanto, ao longo dos anos, houve a necessidade da criação de normas especificas, a fim de proteger o trabalhador frente aos infortúnios trabalhistas. O primeiro diploma legal a tratar do acidente do trabalho foi o Código Comercial (1850), que garantiu ao preposto lesionado três meses de salário. Já a Lei n.° 3.724/1919 inovou trazendo a primeira lei geral sobre os acidentes do trabalho, a qual baseou sua atuação na responsabilidade civil do empregador pelos infortúnios decorrentes de dolo e culpa e, ainda, tratou dos casos fortuitos. Logo após, a Constituição Federal de 1934 tratou da proteção ao acidente de trabalho, como prestação previdenciária, e determinou a contratação de seguro de natureza privada, a cargo da empresa. O Decreto n.° 24.637/1934 esclareceu sobre o direito de pensão por morte aos herdeiros do acidentado. Da mesma forma, o Decreto-lei n.° 7.036/1944 estendeu as hipóteses de acidente do trabalho, abarcando as “concausas”, o período “in itinere” e os intervalos de trabalho e a proteção do trabalhador urbano. Novamente, a Constituição Federal de 1946 pontuou a obrigatoriedade de o empregador manter o Seguro de Acidente do Trabalho- SAT, que até então não era monopolizado pela Previdência Social. A Lei n.° 5.316/1967, buscando a evolução dos direitos do empregado acidentados, adotou a teoria do risco social , integrou o seguro de acidentes do trabalho na Previdência, abarcando as doenças profissionais e do trabalho, tornou a exploração do SAT monopólio Estatal, sendo excluídas as seguradoras privadas. A Lei n.° 6.195/1974 beneficiou os empregados rurais com o SAT, passando esses a terem assegurados a proteção acidentária. A Constituição Federal de 1988 apontou o acidente do trabalho como risco social, portanto passível de proteção previdenciária. O SAT permanece incumbência do empregador, mas isso não excluiu o direito do trabalhador a indenização por dolo ou culpa. Por fim, a Lei n° 8.213/1991 consagrou as definições de acidente do trabalho, assim como os procedimentos previdenciários cabíveis. Atenta-se que tal regra, apesar de possuir cunho eminentemente previdenciário, intervém de sobre maneira no âmbito trabalhista, assegurando direitos aos obreiros, situação que será melhor abordada no decorrer no trabalho.
Como se verifica, o acidente do trabalho encontra-se nas pautas de discussão legislativa desde o ano de 1850, com o Código Comercial, o que anunciava, desde longa data, o conflito de interesses, especialmente, entre empregado e patrão. 2.3 Definição do Acidente de Trabalho: Em síntese, considera-se como acidente do trabalho , não apenas o incidente que envolva o trabalhador no desempenho de suas atividades profissionais, mas todas aquelas situações/enfermidades situações/enfermidades desenvolvidas no labor . De acordo com o art. 19 da Lei n.° 8.213/1991 o acidente de trabalho é infortúnio ocorrido no exercício do trabalho ou proveniente do labor que gera incapacidade ou a própria morte do empregado, como se verifica: “Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço
da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. § 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. § 2º Constitui contravenção contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. § 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular. § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.”
Da mesma forma, o art. 20 da Lei n.° 8.213/1991 equiparou a acidente do trabalho as doenças profissionais e do trabalho, como exposto: “Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as
seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
Já o art. 21 da Lei n.° 8.213/1991 enumerou diversas situações as quais, em função de sua relação mesmo que indireta com o trabalho foram tipificadas como acidentes laborais:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. § 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.”
Para tanto, pode-se dizer que são características do acidente de trabalho a exterioridade da causa do acidente (dizer que o infortúnio decorre de um evento causado por agente externo, ou seja, o mal que atinge o individuo não é congênito ou preexistente), a violência (considera-se como o fato que viola a integridade do individuo), a subtaneidade (o fato causador é abrupto, apesar de seus efeitos poderem surgir posteriormente), e a relação com a atividade laboral (impõe que a situação fatídica tenha ocorrido no desempenho de atividade laborativa). (CASTRO, 2011, p. 570/571). Pelo exposto, todas essas as situações expostas são caracterizadas como acidente do trabalho, restando direitos e obrigações para as partes envolvidas (empregado, empregador e governo).
3 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP 3.1 Das Doenças Ocupacionais: Antes de adentrar no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP importante aprofundar a analise das doenças ocupacionais, que, conforme relatado anteriormente, em função do art. 20 da Lei n.° 8.213/1991 serão consideradas acidente do trabalho. Em síntese, as doenças ocupacionais são aquelas que surgiram em função da atividade laboral desempenhada pelo individuo, ocasionadas pela constante exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, ou pela inadequada utilização dos recursos tecnológicos, tais como a informática.
Em regra, as doenças ocupacionais classificam-se em profissionais e do trabalho: “Classifica-se como doença profissional aquela decorrente de situações comuns aos integrantes de determinada categoria de trabalhadores , relacionada como tal no Decreto n.° 3.048/99, Anexo II, ou, caso comprovado o nexo causal entre a doença e a lesão, aquela que seja reconhecida pela Previdência, independentemente de constar na relação. São também chamadas de idiopatias, tecnopatias, ou ergopatias. São comuns aos profissionais de certa atividade, como, por exemplo, a pneumoconiose, entre os mineiros. Denomina-se doença do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, estando elencada no referido Anexo II do Decreto n.°
3.048/99, ou reconhecida pela Previdência. [...] exemplo dos “Distúrbios do Sistema Osteomuscular Relacionados ao Trabaho”- DORT, dos quais as lesões por esforço repetitivo são o principal evento; são casos em que as condições inadequadas sob o prisma da ergonomia, desenvolvem os problemas típicos. A prevenção, no caso, deve ser baseada na limitação do tempo de exposição (duração da jornada e concessão de pausas regulares), na alteração do processo e organização do trabalho (evitando excessos de demanda) e na adequação de máquinas, mobília, equipamentos e ferramental do trabalho às características ergonômicas dos trabalhadores. [...]” (CASTRO, 2011, p. 573). Nota-se, que para a caracterização do acidente do trabalho a partir de uma doença ocupacional faz-se necessário à presença do nexo causal, qual seja o vinculo fático que liga a incapacidade ou morte do empregado à sua causa. Nesse caso, poderá o empregador, voluntariamente, emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho, pois vinculou a enfermidade incapacitante à atividade profissional desenvolvida junto à empresa. Contudo, tal situação apresenta-se como uma exceção, tendo em vista o conjunto de garantias concedidas ao empregado, que fogem aos interesses dos patrões. No entanto, observou-se, ao longo dos tempos, que os empregados portadores de doenças ocupacionais, diante da omissão dos empregadores em emitir a CAT, assim como pela dificuldade do INSS em apontar a vinculação entre a enfermidade e da
atividade laboral, foram lesados quanto a seus direitos. Ressalta-se que sem a caracterização do acidente do trabalho (doença ocupacional) o funcionário não terá garantido diversos direitos trabalhistas, cíveis e previdenciários. Por isso, no ano de 2006, através da Lei n.° 11.430, houve a criação do Nexo Técnico Previdenciário, o qual concedeu ao perito do Instituto Nacional de Seguro Social a faculdade, de acordo com os elementos apresentados, de tipificar o acidente do trabalho, mesmo sem a apresentação da Comunicação de Acidente do Trabalho- CAT. 3.2 Comunicação de Acidente do Trabalho: Em regra, ocorrido o acidente do trabalho ou verificada a doença ocupacional, o empregador esporadicamente deverá comunicar o fato a Previdência Social, nos termos do art. 22 da Lei n.° 8.213/1991: “Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. § 1º Da comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria. § 2º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo. § 3º A comunicação a que se refere o § 2º não exime a empresa de responsabilidade pela falta do cumprimento do disposto neste artigo. § 4º Os sindicatos e entidades representativas de classe poderão acompanhar a cobrança, pela Previdência Social, das multas previstas neste artigo. § 5o A multa de que trata este artigo não se aplica na hipótese do caput do art. 21-A”. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006) Nesse sentido, caso o comunicado de acidente do trabalho não seja formalizado pela empresa, essa será penalizada com multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, sendo essa aplicada e exigida pela Previdência Social. Conforme disposto no §2° do art. 22 da Lei n.° 8.213/1991, na falta de comunicação do acidente do trabalho pelo empregador, esse poderá ser formalizado pelo próprio acidentado, seus dependentes, entidade sindical competente, médico que assistiu ou qualquer autoridade pública.
Contudo, mesmo com a emissão do comunicado por aqueles sujeitos de direito, a empresa empregadora permanecerá obrigada ao pagamento da multa prevista no art. 22 da Lei n.° 8.213/1991. Sobre o tema cumpre salientar as palavras de Gustavo Filipe Barbosa Garcia: “Mesmo assim, essa comunicação subsidiária, pelas empresas acima arroladas (art. 22, §2° da Lei n.° 8.213/1991), não exime a empresa de responsabilidade pela falta de cumprimento do disposto no art. 22. Tanto é assim, que os sindicatos e as entidades representativas de classe poderão acompanhar a cobrança, pela Previdência Social, das multas previstas nesse dispositivo. Assim, desrespeitando a empresa o seu dever legal de emitir a CAT, não há uma imposição para que o próprio trabalhador acidentado o faça. Trata-se de mera faculdade dele, não se podendo sanciona-lo nem impor-lhe consequências adversas pelo seu não exercício. Como se nota, em principio, cabe à empresa comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social. Apenas na falta dessa comunicação pelo empregador é que podem formaliza-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidades sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública (§2° do art. 22). Da mesma forma, o art. 169 da CLT também prevê que: “Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de condições especial de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho”. Nesse sentido, observa-se a regulamentação prevista na NR da Portaria 3.214/1978, no item 7.4.8”. (GARCIA, 2011. p. 51/52) Contudo, diante da falta de efetividade da imposição do art. 22 da Lei n.° 8.213/1991, seja pela esquiva do empregador, pela ignorância do empregado na busca de seus direitos ou pela omissão da Previdência Social em aplicar a respectiva multa, o legislador ciente da problemática social foi obrigado a mudar a sistemática de caracterização do acidente do trabalho, através da criação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP. 3.3 Definição do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário: A Lei n.° 11.430/2006 inovou em criar o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP como alternativa a caracterização do acidente do trabalho. Nota-se que com essa modificação legislativa, que inseriu novo artigo à Lei n.° 8.213/1991, possibilitou ao perito do Instituto Nacional de Seguro Social- INSS à vinculação do problema de saúde a atividade profissional do trabalhador, como se verifica: “Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.
§ 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.” Infere-se que a expressão epidemiológica abarca o estudo interdisciplinar das situações que influenciam na perpetuação de enfermidades e na sua propagação na sociedade. Por conseguinte, ao médico perito do INSS, para estabelecer o nexo técnico epidemiológico, deverá atentar para as características individuais do trabalhador (saúde + atividade profissional) com os dados coletivos laborais. Assim, presente a vinculação entre a doença ocupacional incapacitante, a atividade laboral e os dados coletivos poderá o servidor da Previdência Social tipificar o acidente do trabalho. A fim de reformar o tema, cumpre transcrever as palavras de Fabio Zambitte Ibrahim: “[...] Neste contesto, o NTEP permite o reconhecimento, de ofício, da incapacidade como derivada do trabalho, por meio de correlação entre a atividade econômica da empresa e da doença ocupacional- há correlação entre o CNAE e a tabela CID. Tal relação foi feita por meio de análises
estatísticas, que expõe as doenças ocupacionais típicas entre determinadas atividades econômicas. Naturalmente, a correlação não será verdadeira em todas as situações, mas o mérito da Lei n.° 11.430/06, ao inserir o art. 21-A e impondo-o à empresa, que efetivamente assume o risco da atividade econômica” (IBRAHIM, 2011, p. 21). Importante registrar que não haverá a utilização do nexo técnico epidemiológico previdenciário para a configuração do acidente do trabalho típico sentido “stricto”, ou seja, aquele fato ocorrido durante a atividade laboral que tenha ocasionado na morte ou incapacidade do empregado. Infere-se que, de acordo com o art. 20-A, §2° da Lei n.° 8.213/1991 poderá a empresa requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, contudo, inexiste na legislação, a obrigatoriedade de previa notificação do empregador da conclusão do perito da Autarquia Previdência, a fim de permitir sua defesa ou justificação. Tal situação, certamente, deixa a empresa em desvantagem, pois, após a concessão do beneficio previdenciário acidentário, passa a existir presunção jurídica (juris tantum) que confere ao funcionário diversas garantias. Nesse ponto, importante ressaltar a Súmula n.° 42 do Tribunal Superior de Trabalho que confere ao nexo técnico epidemiológico previdenciário grande destaque na esfera trabalhista: “Presume-se a ocorrência de acidente de trabalho, mesmo sem a emissão
da CAT- Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei n.° 8.213/1991”. Ainda sobre o tema, ressalta-se que a pericia médica da Autarquia Previdenciária, caso verifique indícios de culpa ou dolo por parte da empresa que contribuíram para a incapacidade ou óbito do segurado, terá que oficiar a Procuradoria Federal para, se for o caso, ingressar com ação regressiva contra os responsáveis, nos termos do arts. 120 e 121 da Lei n.° 8.213/1991, com forma ressarcir a Previdência Social com os gastos no pagamento dos benefícios. Dessa forma, com a tipificação do acidente do trabalho, seja pela emissão do comunicado de acidente do trabalho ou a partir do Nexo Técnico Epidemiológico Trabalhista, passam propagar diversos efeitos no mundo jurídico. 3.4 Garantias do Empregado com a Caracterização do Acidente do Trabalho: A legislação previdenciária, trabalhista e civil confere ao empregado acidentado diversas garantias, as quais, em função dos consequentes prejuízos ao patrão, problematizam a caracterização voluntaria do acidente do trabalho, como já exposto. Entretanto, nesse tópico cabe a abordagem, sem a intenção de esgotar o tema, de alguns benefícios concedidos ao empregado acidentado, conferidos pela legislação pátria. Ressalta-se que a responsabilização civil do empregador será mais bem especificada em item individualizado, considerando a sua grande importância. Inicialmente, enfocando a legislação previdenciária, o óbito ou incapacidade do empregado ocasionado pelo acidente do trabalho gerará a concessão de benefícios junto ao Instituto Nacional de Seguro Social- INSS, quais sejam auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez acidentária, pensão por morte e reabilitação profissional. Atenta-se que por existir vinculação da enfermidade ou óbito com o acidente do trabalho, a Previdência Social não exigirá carência mínima para o segurado usufruir dos referidos benefícios (art. 26 da Lei n.° 8.213/1991). Ou seja, não será obrigatório um tempo mínimo de contribuições. Infere-se que o auxílio-doença acidentário será devido ao segurado que estiver incapacitado temporariamente para o desempenho de sua atividade laboral por prazo superior a 15 dias (arts. 59 e 60 da Lei n.° 8.213/1991). Entretanto, caso o abalo a saúde do trabalhador seja total e permanente, poderá ser-lhe concedido aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei n.° 8.213/1991), sendo, para tanto, proibido a concomitância do beneficio com a remuneração em qualquer atividade laboral. Já o segurado que, em gozo de auxílio-doença, não tiver condições de retornar a sua atividade laboral, sendo sua incapacidade parcial e permanente, poderá ser incluso em programa de reabilitação profissional, a fim de facilitar a sua reinserção no mercado de
trabalho (art. 89 da Lei n.° 8.213/1991) em ramo profissional adequado as suas limitações. Salienta-se que o trabalhador, em função do acidente do trabalho, que apresentar lesões que resultem na redução de sua capacidade laborativa habitual, poderá perceber mensalmente, até a sua aposentadoria, auxílio-acidente (art. 86 da Lei n.° 8.213/1991). Nesse caso, o trabalhador poderá receber concomitantemente o beneficio previdenciário e os rendimentos de sua labor. E, por fim, será concedida a pensão por morte, em conformidade com o art. 74 da Lei n.° 8.213/1991, quando ocorrer o óbito do segurado em virtude do acidente de trabalho, momento em que o beneficio será concedido aos dependentes habilitados. Na esfera trabalhista, um dos principais efeitos da tipificação do acidente do trabalho é a estabilidade provisória prevista no art. 118 da Lei n.° 8.213/1991, como se verifica: “Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílioacidente”. Entretanto, o referido dispositivo legal deve ser interpretado em conformidade com a Súmula n.° 378 do Tribunal Superior do Trabalho: “378 - Estabilidade provisória. Acidente do trabalho. art. 118 da Lei nº 8213/1991. Constitucionalidade. Pressupostos. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 105 e 230 da SDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20.04.2005) I - É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 - Inserida em 01.10.1997) II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.” (Primeira parte - ex-OJ nº 230 - Inserida em 20.06.2001) Alerta-se que o acidente do trabalho somente gerará a estabilidade prevista no art. 118 da Lei n.° 8.213/1991 quando a incapacidade determinar o afastamento do funcionário pelo prazo superior a 15 dias. Infere-se que durante o período de afastamento o empregador permanece obrigado a realizar os depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, computo do tempo de afastamento para fins de indenização e estabilidade, assim como para aquisição de férias, desde que inferior a 6 meses. “Para tanto, cumpre transcrever os ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado:[...] As regras especiais que distinguem o presente caso de suspensão contratual são:
a) Computa-se o período de afastamento em face de acidente do trabalho (ou doença ocupacional), para fins de indenização e estabilidade celetista (se aplicáveis as figuras) – parágrafo único do art. 4° da CLT. Note-se, de todo mundo, que esta ressalva praticamente não mais subsiste, no plano da realidade, já que a Carta de 1988 inviabilizou novas aquisições de indenizações e estabilidade celetistas no cenário do país (art. 7°, I, e art. 10, ADCT, CF/88, que revoga, tacitamente, os arts. 477 caput, e 492, da CLT). b) Computa-se o período de afastamento para fins de depósitos de FGTS (art. 28, Decreto n,° 99.684/90 – Regulamento do FGTS [...]). Os depósitos do FGTS, portanto, devem ser efetuados diretamente pelo empregador na respectiva conta vinculada obreira. c) Computa-se período de afastamento previdenciário por acidente do trabalho ou por enfermidade – desde que inferior a 6 meses – para fins de período aquisitivo de férias do empregado ( art. 131, III, CLT). Aqui a lei não distingue a causa do afastamento previdenciário: qualquer doença (mesmo não profissional) enseja a exceção legal, favorecendo o obreiro com a contagem do tempo para fins de férias. [...]” (DELGADO, 2007. P. 1073/1074) Como relatado, o acidente de trabalho, caracterizado pelo NTEP ou pela CAT, gera diversas garantias ao empregado, que são desvantajosas ao empresário. Por isso é fácil entender o conflito de interesses existente sobre essa temática, ainda mais, após o enfoque da responsabilidade civil, próximo tópico a ser abordado. 4 Responsabilidade Civil do Empregador 4.1 Abordagem Inicial: O infortúnio trabalhista, aqui considerada sob a sua definição mais ampla, incluindo as doenças ocupacionais, poderá acarretar prejuízos morais e materiais ao empregado, passiveis de indenização pelo empregador, quando comprovada violação ao direito da personalidade. Infere-se que a ação indenizatória, regida pelas normas de direito civil, poderá ser proposta, sem prejuízo dos benefícios acidentários concedidos pelo INSS. Tal entendimento encontra-se sedimentado na Constituição Federal, art. 7°, XXVIII: “Art. 7°- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVIII- seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este esteja obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; [...]” 4.2 Danos Morais, Materiais e Estéticos: Então, dano significa o prejuízo causado ao individuo que venha a acarretar-lhe lesão à bem jurídico tutelado, podendo ser de natureza moral e material.
Por sua vez, o dano moral constitui-se na lesão em direitos extrapatrimoniais, tais como a honra, a dignidade, a imagem e a intimidade, que ocasione dor e sofrimento ao indivíduo. Da mesma forma, o dano estético caracteriza-se na lesão a imagem fisicamente materializada. Por exemplo, uma grande cicatriz causada pelo acidente do trabalho. Em contrapartida, o dano material é aquele em que houve a violação de direitos patrimoniais. Nesse ponto, analisa-se sobre dois aspectos, o que efetivamente se perdeu (dano emergente) e o que deixou de ganhar com a perda inicial (lucros cessantes). O doutrinador Maurício Godinho Delgado integra, com propriedade, a temática do acidente do trabalho com os seus possíveis danos, como se verifica: “As distintas lesões acidentárias podem se traduzir em deteriorações físico-mentais do individuo em decorrência do ambiente laborativo ou da forma de postura durante o cumprimento da prestação de serviços (doenças profissionais, especificadamente). Podem ainda tais lesões resultar de acidente do trabalho, que se traduz em fato ou ato unitário, regra geral, ou pelo menos concentrado no tempo, que produz significativa agressão à higidez físico-mental do trabalhador. As lesões acidentárias podem causar perdas patrimoniais significativas ao trabalhador. Em primeiro lugar, o tocante aos próprios gastos implementados para sua recuperação (além daqueles previdenciariamente acobertados, se for o caso). E, segundo lugar, podem produzir restrição relevante ou, até mesmo, inviabilização da atividade laborativa do empregado, conforme gravidade da lesão sofrida. [...] As lesões acidentárias também podem causar dano moral ao trabalhador. Este, como visto, consiste em toda dor física ou psicológica injustamente provocada em uma pessoa humana. Neste quadro a doença ocupacional, a doença profissional e o acidente do trabalho podem, segundo a sua gravidade, provocar substanciais dores físicas e psicológicas no individuo, com intensidade imediata ou até mesmo permanente, ensejando a possibilidade jurídica de reparação.[...] As lesões acidentárias também podem causar dano estético à pessoa humana atingida. A indenização caberá, segundo Sebastião Geraldo de Oliveira,no caso de a lesão comprometer “a harmonia física da vitima”. Esclarece o autor que não se está diante, rigorosamente, “de um terceiro gênero de danos, mas de uma especificidade destacada do dano moral”. [...] (DELGADO, 2007, p. 616/618). Apesar da discussão sobre o dano estético compor o dano moral, o Supremo Tribunal de Justiça, através da Súmula n.° 387 pacificou o assunto dizendo que “É lícita à cumulação das indenizações de dano estético e moral”. Para tanto, conhecidos os tipos de danos amparados pelo direito civil, assim como a sua relação com o acidente do trabalho, passa-se a debater a responsabilização do empregador propriamente dita. 4.3 Responsabilização:
Ocorrido o acidente do trabalho ou doença ocupacional, caracterizada pela CAT ou pelo NTEP, que causou significativo dano ao funcionário, poderá existir o dever de indenização pelo empregador. Inicia-se a abordagem do tema citando os arts. 186 e 927 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Desses dispositivos legais, conclui-se que a responsabilização civil, em regra, exige a presença da ação ou omissão do agente (dolosa ou culposa), o dano (moral, material e/ou estético) e o nexo causal existente entre ambos (arts. 186 e 927 “caput” do Código Civil). Nesse caso, diz-se a aplicação da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, haverá a necessidade de comprovação do dolo ou culpa do agente causador do prejuízo. Contudo, a legislação, no art. 927, parágrafo único do Código Civil, excepcionou a regra supra para os casos em que atividade seja de risco, dizendo que haverá o dever de indenizar mesmo que o agente não tenha agido com dolo ou culpa. Nessa hipótese se estará frente à responsabilidade civil objetiva, ou seja, independentemente da comprovação do dolo ou culpa do agente que causou o dano, haverá o dever de indenizar. No que tange a responsabilidade objetiva, assevera-se que haverá situações em que inexistirá o dever de indenizar, quais sejam a culpa exclusiva da vitima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior (VENOSA, 2004, p. 46). No âmbito do direito do trabalho, mais precisamente nos acidentes do trabalho, em função do risco natural do empreendimento aplica-se a responsabilidade objetiva, conforme entendimento que se consolida na doutrina: “Com os avanços produzidos pela Carta Magna, a reflexão jurídica tem manifestado esforços dirigidos a certa objetivação da responsabilidade empresarial por danos acidentários. Tal tendência à objetivação, evidentemente, não ocorre no campo dos danos morais e à imagem que não tenham relação com a infortunística do trabalho. De fato, essencialmente na seara da infortunística é que as atividades laborativas e o próprio ambiente de trabalho tendem a criar para o obreiro, regra geral, risco de lesões mais acentuado do que o percebido na generalidade de situações normalmente vivenciadas pelo individuo na sociedade.” (DELGADO, 2007, p. 621).
“A teoria do risco surgiu durante a crise do modelo de estado liberal em que a liberdade e a autonomia eram enfocados primordialmente sob um aspecto formal. Os próprios acidentes de trabalhos demonstraram que a liberdade e a autonomia não podem ser efetivamente exercidas apenas a partir de garantias formais. A razão de se condenar o empregador era o reconhecimento de um desnível material entre os envolvidos. O alargamento dos pressupostos visou sobretudo a resguardar a dignidade dos trabalhadores sob um ponto de vista substancial. A adoção da teoria do risco, portanto, mostra-se como forma de possibilitar a distribuição equânime dos ônus sociais. A teoria do risco apresenta variantes conforme critérios orientadores da eqüidade, assim se fala em risco proveito, em risco criado, em risco da empresa, em risco profissional, etc. qualquer que sejam esses critérios de atribuição de riscos, todos eles exigem a assunção voluntária da atividade que potencialmente pode gerar o risco e os danos dela decorrentes. Como Josserand já afirmava, não se trata de atribuir a alguém a responsabilidade por todos os riscos da humanidade, mas somente o risco que a pessoa criou, ou do qual ela retira benefícios, bem como os inerentes ao empreendimento ou ao exercício da profissão.” (Apelação Cível Nº 70022253728, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 24/06/2009). Pelo exposto, chega-se ao ponto de destaque no presente trabalho. Nota-se que os empregadores terão o dever de indenizar seus funcionários acidentados no trabalho ou que contraíram doenças ocupacionais independentemente de concorrem com dolo ou culpa. Sobre esse aspecto ressalta-se a importância do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP, inovação trazida pela Lei n.° 11.430/2006, que permitiu ao perito da Previdência Social, de acordo com o tipo de enfermidade, atividade laboral e dados coletivos, concluir pelo acidente do trabalho. Tal situação ganhou relevância na esfera trabalhista quando o Tribunal Superior do Trabalho, através da Súmula n.° 42 que entendeu que o NTEP faz presunção relativa do acidente do trabalho. Situação que determina, em regra, ao empregador o dever de indenizar o trabalhador, sem a perquirição de culpa ou dolo, pelos danos, quais sejam morais, materiais e estéticos. A dimensão utilizada pela legislação e pelo entendimento dos Tribunais Superiores mostra-se adequada frente à hiposuficiência do empregado acidentado, entretanto essas medidas devem ser analisadas com cautela pelo Magistrado, pois, caso contrário, se poderá estar cometendo injustiças, que poderão determinar a extinção financeira de uma empresa. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito do trabalho, por sua própria natureza jurídica, sempre está envolvido em grandes discussões, vez que organiza a relação capital x trabalho. No que tange aos acidentes do trabalho, tal situação não foge a regra, sendo esse um dos pontos mais discutidos pelos operadores do direito nas esferas do Poder Judiciário.
A Lei n.° 8.213/1991 inovou em diversos aspectos sobre a temática dos acidentes do trabalho, momento em que os definiu e equiparou diversas situações, que a principio não teriam vinculação com a atividade laboral como causa principal. Ressalta-se que essa norma, após alteração da Lei n.° 11.430/2006, criou o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário- NTEP, como uma das formas de caracterização do acidente do trabalho. Ou seja, o perito do INSS poderá caracterizar o acidente do trabalho a partir da enfermidade apresentada pelo empregado, assim como pela sua vinculação com sua atividade profissional e com os dados médicos da coletividade. Para tanto, verifica-se que o NTEP ganha importância frente às doenças ocupacionais, ou melhor, aquelas contraídas em função do desempenho da atividade laboral. A partir dessa abordagem, a Súmula n.° 42 do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o NTEP faz presunção relativa do acidente do trabalho. Situação que destaca a importância do NTEP, considerando os diversos benefícios legais concedidos ao empregado acidentado, tais como manutenção dos depósitos na conta do FGTS durante o período de afastamento em auxílio doença e o direito a reparação pelos danos causados pelo acidente ou doença ocupacional. Sobre essa última garantia encontra-se a maior polemica, pois a regra geral de responsabilização civil é a necessidade de perquirição de culpa ou dolo na atividade que gerou o dano (responsabilidade subjetiva), tendo como exceção as atividades de risco em que inexistirá a obrigação de comprovar a motivação culposa ou dolosa (responsabilidade objetiva). Pois bem, no âmbito do acidente do trabalho (ou doença ocupacional), consolidou-se entendimento que permite a aplicação da responsabilidade objetiva, considerando a existência do risco profissional assumido pelo empresário no momento da contratação dos funcionários. Observa-se que como forma de defesa o empregador poderá alegar, apenas, a culpa exclusiva da vitima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou a força maior. Alerta-se que inexistirá a busca da existência da culpa ou dolo do empresário. Por certo, tal amparo legislativo e jurisprudencial é bastante válido, tendo em vista a situação de desvantagem do empregado acidentado, entretanto esse entendimento deve ser aplicado com cautela, sob pena de inviabilizar o exercício da atividade empresarial de determinados seguimentos.
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Nexo técnico epidemiológico previdenciário e seus reflexos no ônus da prova de doenças ocupacionais no processo do trabalho » Bruno de Melo Messias RESUMO O presente estudo aborda o novel instituto jurídico denominado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, especialmente no que pertine às suas projeções no campo da prova de doenças ocupacionais dentro do processo do trabalho, sob o prisma da responsabilidade civil. De gênese calcada em valores humanitários e destinado, numa primeira análise, para uso exclusivo na via administrativa, pelos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social, este instrumento de fixação do nexo de
causalidade irradia sua matiz principiológica também para o processo trabalhista, campo, de certo, propício à sua expansão, fixando procedimento que inverte a ordinária distribuição do ônus da prova para que se determine a ocorrência de acidente do trabalho. Objetiva-se verificar e demonstrar em que grau e de que maneira a aplicação da referida metodologia, nas ações reparatórias de doenças ocupacionais, tem o condão de materializar os direitos inerentes aos trabalhadores vítimas das lesões acidentárias, ocorridas no âmbito da relação de trabalho. Palavras-chave: Nexo de Causalidade. Acidente de trabalho. Responsabilidade Civil. SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Provas judiciais e distribuição do ônus da prova no processo do trabalho. 3. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais: abrangência e caracterização. 4. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP: definição e alcance. 5. Reflexos do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário na prova de doenças ocupacionais no processo do trabalho, sob o prisma da responsabilidade civil. 6. Conclusões. 1 INTRODUÇÃO A peculiar situação de hipossuficiência do trabalhador, em face da exponencial voracidade empresarial por ampliação de seus mercados e conseqüente lucros, traz aos operadores do direito do trabalho a árdua e constante tarefa de impedir ou minorar as conseqüências adversas desse avanço - corolário inevitável do capitalismo -, sobre os trabalhadores em geral, preservando-se o espírito protetivo, marca indelével desse ramo especializado do direito. Nessa linha expansionista empresarial, o acidente de trabalho – aqui tomado em sua acepção ampliativa, abarcando também a doença do trabalho e a doença profissional, as chamadas doenças ocupacionais – tem acento destacado na contramão desse desenvolvimento, transportando para os trabalhadores um ônus advindo do bônus que geram para os empresários. Não obstante essa adversidade, os obreiros ainda se vêem muitas vezes premidos dos direitos assegurados pela legislação acidentária, por encontrarem dificuldades na prova dos acidentes de que foram vítimas, sobremaneira na fixação do nexo de causalidade e do nexo técnico entre o trabalho e a enfermidade. Ciente do verdadeiro flagelo social que é a infortunística acidentária, bem como de outra mazela subjacente, e ainda mais grave, que se refere as subnotificações, pelas empresas, dos acidentes de trabalho ocorridos em seu âmbito, onerando sobremaneira os já combalidos cofres da Previdência Social, o legislador resolveu atuar positivamente para mudar essa realidade, lançando mão da presunção legal na fixação do nexo técnico-causal entre o acidente e o trabalho, criando-se, assim, por meio da lei 11.430/06, o chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP. Uma mudança pontual, porém substancial, poderá, doravante, ser verificada nas ações trabalhistas motivadas por acidentes de trabalho, eis que a sistemática de distribuição do ônus probatório, em tais casos, exsurge frontalmente modificada, trasladando para a classe empresarial dificuldade processual antes enfrentada pelos trabalhadores.
O estudo da responsabilidade civil aplicada ao acidente do trabalho tem importância vital para a atenuação e efetiva reparação desses sinistros, dada a natureza jurídica tipicamente sancionatória daquele instituto, bem como para a manutenção do status protetivo da justiça laboral, restando verificar, ao fim, se a adoção do NTEP poderá levar a aplicação, com autoridade, da responsabilidade civil objetiva no processo do trabalho. Nota-se o predomínio, na doutrina e jurisprudência trabalhistas, da responsabilidade subjetiva, calcada na regra geral do vigente código civil, a exigir a caracterização do dolo ou culpa empresarial, porém, não passa despercebido o surgimento de corrente no sentido da objetivação dessa responsabilidade, com esteio no risco da atividade normalmente desenvolvida pelo empregador, encontrando óbice, talvez, em sede constitucional. O presente trabalho tem por finalidade, ainda que de forma superficial, analisar, num primeiro momento, os influxos do NTEP no processo trabalhista, naquelas ações reparatórias por acidentes do trabalho e, num segundo momento, verificar, nesses casos, a plausibilidade jurídica do emprego da responsabilidade civil objetiva do empregador ao acidente de trabalho. Para tanto, utiliza-se o método dedutivo, partindo-se de uma abordagem genérica dos institutos da responsabilidade civil e da principiológica jus laboral, buscando suporte na doutrina e jurisprudência especializadas e afunilando para as conclusões daquilo trabalhado. 2 PROVAS JUDICIAIS E A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO A busca da verdade é algo inerente às diversas áreas do saber humano, utilizando o Direito, para tanto, e como meio de solução racional dos conflitos interpessoais, o processo judicial, pelo que se vale do monopólio estatal da jurisdição, que vem a ser justamente o meio aceito pela sociedade para que se faça o traslado do dever-ser – as normas gerais e abstratas – para o ser – o fato concreto, o litígio da vida real que dá ensejo a atuação jurisdicional. Para melhor compreensão daquilo que queremos expor, adotaremos a concepção grega de verdade, trazida pela doutrina nos seguintes termos: “o verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é”.[1]. Tal conceito, como se verá mais à frente, amolda-se com harmonia à idéia de proteção que o direito do trabalho confere ao pólo mais fraco das relações que regula. Assim, a apuração judicial da verdade está umbilicalmente ligada ao conhecimento de como sucederam os fatos que dão esteio ao processo judicial, para, após a aplicação do conteúdo valorativo que ordinariamente atribuímos aos mesmos, inserir-se as normas positivas para resolução da contenda, tencionando-se com esse procedimento tridimensional a manutenção da ordem vigente, a pacificação com justiça e a aplicação concreta do direito, atingindo em sua plenitude os escopos da jurisdição estatal.
As constantes mudanças no conteúdo valorativo que a sociedade imputa aos fatos da vida se refletem nas normas jurídicas que os regulam, na correlação com o nível de aprovação ou desaprovação que tais condutas passam a desfrutar no senso comum, o que aumenta exponencialmente a importância da busca da verdade – ainda que formal – no processo judicial, mediante procedimento de formulação de prova dos fatos aduzidos em juízo. Adotando-se a concepção de que o Direito tem como seu fim primeiro a busca da justiça, parâmetro ideal que se concretiza através da técnica jurídica[2], a elucidação dos fatos controversos do processo revela-se como medida de justiça, a qual, no processo, pode ser compreendida pelo emprego da equidade, sobre a qual leciona a doutrina: A aplicação da norma geral aos casos particulares, sem um trabalho prévio de ajustamento, importaria o risco de graves injustiças; seria transformar o direito numa mecânica cega, funcionando indiferentemente ao bem ou mal que pode ocasionar. É essa adaptação que a equidade se propõe a realizar, trabalho de elastecimento e dulcificação da norma, para melhor ajustá-la aos casos emergentes. O direito parte do geral para o particular, enquanto a equidade segue direção diversa, parte do caso concreto, que se esforça por enquadrar-se à norma, com o mínimo de fricção e sacrifício. A equidade é, assim, a justiça em termos concretos, a justiça dos casos particulares.[3] É que a busca da verdade, no processo judicial, será feita mediante provas judiciais, as quais terão como destinatário imediato o juiz, especificamente no tema que se aborda, o juiz do trabalho. Este, na instrumentalidade do processo judicial do trabalho, dispõe de peculiaridades na busca da verdade dos fatos não extensíveis ao campo processual comum às demais áreas do direito, que é o processo civil. O processo do trabalho é veículo apto à efetivação dos direitos consagrados na legislação material trabalhista, direitos esses calcados na proteção social, portanto protetivos e inderrogáveis. Não tivesse o processo do trabalho essa característica, não haveria sentido de sua existência autônoma, como ramo independente do direito processual[4]. Assim, obviamente, o juiz do trabalho, no apreciar das provas judiciais, forçosamente terá em conta os princípios materiais que informam a tutela pleiteada oriunda dos fatos ocorridos na relação de trabalho e deduzidos em juízo. É aí que a noção grega de verdade, delineada no início desta exposição, se encontra e se abraça com o direito do trabalho, pois, neste, vige o principio da primazia da realidade sobre a forma, a orientar os operadores desse ramo jurídico especializado no sentido de que os fatos, tais quais foram realizados, devem prevalecer em detrimento de provas outras, caso estejam em confronto. É dizer, noutras palavras, que o magistrado trabalhista, ainda que limitado pela regra genérica de direito processual que pauta sua atuação na controvérsia delimitada nos autos – a lide -, na busca pela verdade no processo, tem maiores liberdades de atuação, podendo, por exemplo, como regra, na falta de disposição legal, decidir por equidade[5], ao contrário do direito processual ordinário, que só veicula tal
possibilidade nos casos expressos em lei, como se nota da redação dos artigos 8o, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, e 127 do Código de Processo Civil CPC, respectivamente transcritos: Art. 8.o As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (grifamos). Art. 127.o O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei. Destinatário primeiro das provas, o juiz – ou tribunal – é livre na condução das providências necessárias ao esclarecimento dos fatos e à rápida solução do litígio que lhe é posto, como bem dispõe os artigo 765 e 852-D, ambos da CLT, sendo este último mais completo e preciso.[6] Serão objetos de prova, porém, somente os fatos que se tornarem controvertidos no processo, desde que relevantes, bem como as regras de direito invocadas pelas partes, não dependendo de prova os fatos notórios, aqueles afirmados por uma parte e confessados pela outra, os incontroversos e os que gozam de presunção legal de veracidade.[7] As provas serão apreciadas livremente pelo juiz, de acordo com o encargo de prova concernente a cada um dos litigantes, decidindo o magistrado através do seu convencimento motivado – artigo 131 do CPC -, tradução do sistema de persuasão racional decisório, adotado pelo código de ritos brasileiro, e aplicável ao processo em geral. Questão que se coloca, importante para o desenrolar do tema em análise, é a quem compete o chamado ônus[8] da prova, sobretudo no processo do trabalho, que disciplina a matéria de forma bem simples, quando, no artigo 818 da CLT, determina que “a prova das alegações incumbe a parte que as fizer”, sem se preocupar, como o faz o artigo 333 do CPC, em distribuir a matéria de acordo com as partes e com a natureza dos fatos que comporão o processo judicial. Diz o artigo 333 do CPC: Art.333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A doutrina processual trabalhista, em sua maioria, admite o emprego ao processo do trabalho do artigo supra transcrito, ante a simplória redação do artigo 818 da CLT, como pode ser observado nas palavras de Amador Paes de Almeida[9]:
Em princípio, pois, o ônus da prova é de quem alega o fato. Este princípio, devidamente interpretado, leva a seguinte conclusão: a) ao reclamante cumpre provar os fatos constitutivos do seu direito; b) ao reclamado incumbe a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do reclamante. Cumpre salientar, por fim, que, como dito, o direito processual do trabalho é instrumento à consecução dos direitos consagrados na legislação material trabalhista. Assim, por mais que se utilize da forma de distribuição do ônus da prova trazida pelo processo civil, porquanto insuficiente a confeccionada pela CLT, não se pode perder de vista as peculiaridades inerentes ao direito do trabalho, que tutela interesses desiguais, onde sempre existirá uma parte hiperssuficiente em detrimento de outra hipossuficiente, devendo tal condição nortear o julgador na condução da instrução probatória. É dizer que: Em vista das peculiaridades do processo do trabalho, entendemos absolutamente necessária a adoção dos seguintes critérios para a análise do ônus da prova: a)
princípios de direito do trabalho;
b) princípio da aptidão para a prova; c)
regras de pré-constituição da prova;
d) máximas de experiência; e)
art. 333 do CPC.[10]
Ainda que não exatamente nessa gradação, entendemos que, ante os direitos especiais que, pelo processo, tutela, o ônus da prova no processo do trabalho observará, além da forma distribuída pelo CPC, e antes dela, as diretrizes nucleares do direito material do trabalho, pois, como bem lembra Mozart Victor Russomano[11]: A justiça do trabalho é imparcial, como órgão do poder judiciário. Entretanto, o juiz ao decidir a causa e apreciar a prova tem a obrigação de todo o hermeneuta: deve descobrir o espírito da norma aplicada. Como o espírito do Direito do Trabalho é proteger os interesses sociais e os interesses operários, a Justiça do Trabalho interpreta a lei e a prova dentro desse intuito que justifica e fundamenta a lei material. Essa linha protetiva, como se observará, norteia o instituto do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. 3 ACIDENTES DO TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS: ABRANGÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO A conceituação de acidente do trabalho e de doença ocupacional pressupõe a idéia de conteúdo e contido, já que esta última é equiparada por lei àquele, consistindo em uma de suas espécies. O acidente do trabalho é mencionado primeiramente, em nível de
hierarquia, na Constituição Federal de 1988, especificamente no seu artigo 7o, inciso XXVIII, quando assegura aos trabalhadores urbanos e rurais: XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; O conceito de acidente de trabalho nos é dado pela legislação infraconstitucional, a lei 8.213/91, que define aquilo que a doutrina chama de acidente de trabalho em sentido estrito, ou o acidente típico: Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art.11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. A definição acima referida é tida como acidente típico, ou restrito, pois o mesmo diploma legal, mais à frente, amplia o horizonte do acidente do trabalho: Art. 20.Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. Dito isto, a diferença entre os institutos não reside apenas na topologia da lei, ou seja, por estarem em artigos diversos, mas sim na própria natureza do acidente e da doença (enfermidade), como bem salienta a doutrina especializada: O acidente e a enfermidade tem conceitos próprios. A equiparação entre eles se faz apenas no plano jurídico, com efeito nas reparações e nos direitos que resultam para o trabalhador nos dois casos. Enquanto o acidente é um fato que provoca lesão, a enfermidade profissional é um estado patológico ou mórbido, ou seja, perturbação da saúde do trabalhador.[12] A denominação genérica de Doenças Ocupacionais, englobando a doença do trabalho e a doença profissional, é fruto da NR-7 da Portaria no 3.214/78, regulamentadora do Programa de Saúde Médico de Saúde Ocupacional. Merece relevo, outrossim, o § 1o do já mencionado artigo 21 da lei 8.213/91, segundo o qual não são consideradas como doença do trabalho a doença degenerativa, a inerente a grupo etário, bem como a que não produza incapacidade laborativa e ainda a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo se resultante de exposição determinada pelo trabalho exercido. Entendeu o legislador que essas são situações que não guardam nexo causal com o trabalho e, mesmo tendo a
letra da lei se referido a doença do trabalho, estende-se também para as doenças profissionais, não podendo as exceções mencionadas serem consideradas, desta feita, como doenças ocupacionais. Evidente que, para a caracterização das doenças ocupacionais – foco de nossa exposição por ser objeto do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário -, além do enquadramento nos conceitos supra fornecidos, há que estar a mesma incluída no rol anexo ao Decreto no 3.048/99 – a que alude o inciso I do artigo 20 da lei 8.213/91 -, e que seja demonstrado o nexo causal entre a doença e o trabalho. Aliás, referido anexo contempla rol meramente exemplificativo, podendo o trabalhador vítima de doença não constante do mesmo, demonstrando o nexo causal, pleitear os benefícios da previdência social e eventual indenização judicial.[13]
Questão tormentosa refere-se à caracterização do acidente do trabalho mediante comunicação de sua ocorrência à Previdência Social via Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT, sobremaneira nas doenças ocupacionais, que não têm um processo de causa e efeito imediato, como nos acidentes típicos. Para a lei 8.213/91, a emissão da CAT é veículo condutor obrigatório para o gozo do benefício previdenciário do auxíliodoença acidentário e até mesmo de postulações judiciais relativas ao acidente do trabalho, como se nota dos seus artigos doravante reproduzidos: Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1o (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela previdência social. Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados: I – (...) omissis II – na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através da Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT. (grifamos). Caso o acidente provoque afastamento do trabalhador por mais de 15 dias e, sendo emitida a CAT, fará jus o obreiro ao auxílio-doença acidentário, que lhe proporciona, durante o afastamento, a manutenção do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, pelo empregador, bem como estabilidade de 12 (doze) meses após a cessação do benefício previdenciário, circunstâncias que não ocorrem quando o acidente de que fora vítima é fato gerador do auxílio-doença comum, o que quase sempre acontece em decorrência da não comunicação do infortúnio à previdência social.
No caso das doenças ocupacionais, estamos com Sebastião Geraldo de Oliveira, que crê ser ilegal a exigência feita na Ordem de Serviço INSS/DSS no 621/99, a qual determina que só se emita a CAT após a conclusão do diagnóstico de doença ocupacional. Entende o referido autor que essa norma dificulta a emissão da CAT e afronta o artigo 169 da CLT, que diz ser obrigatória a notificação das doenças profissionais e do trabalho, ainda que as mesmas sejam objeto de suspeita. Art. 169. Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho. Nessas situações, a data do evento a ser preenchida na CAT será aquela em que o profissional da medicina aferir a suspeita diagnóstica. Não obstante possa a CAT ser emitida por pessoas outras que não a empresa, como o próprio trabalhador, sabe-se a comunicação, nestes casos, não goza da mesma credibilidade junto a Autarquia Previdenciária, tal qual gozaria se emitida pelo empregador. Essa situação, somada a enorme quantidade de subnotificações de acidentes de trabalho, dificultam sobremaneira a comprovação do nexo causal pelo trabalhadores, que, quando muito, conseguem apenas o recebimento do auxílio-doença comum, ou previdenciário, perdendo, por muitas vezes, a estabilidade e os depósitos fundiários decorrentes do auxílio-doença acidentário, pela falta de emissão da CAT. Essa restrição, infelizmente, não está afeta apenas a via administrativa, não sendo raro encontrar situações em que juízes do trabalho, sobretudo no primeiro grau, indeferem pleito de reintegração ou mesmo de indenização, ante a ausência no processo de comunicação de acidente do trabalho. Neste sentido, como bem lembra Sebastião Geraldo de Oliveira[14]: A não-emissão da CAT pelo empregador, apesar de dificultar, não impede o enquadramento do evento como acidente do trabalho. Segundo o art. 129 do Código Civil de 2002, reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer. Verificandose pelas provas dos autos que ocorreu a hipótese legalmente classificada como acidente do trabalho, são reconhecidos pela sentença todos os efeitos jurídicos, como se a CAT tivesse sido regularmente emitida. Nunca é demais lembrar que o Direito do Trabalho tem regras, por essência, desiguais, porquanto disciplina uma relação desigual, em que a parte mais fraca, o trabalhador, é objeto de tutela por suas normas, razão porque o princípio da proteção desdobra-se inclusive para que se interprete a norma de forma mais favorável ao operário. Ademais, não pode o empregador se beneficiar da própria torpeza, livrando-se do recolhimento do FGTS e mesmo de responsabilidade civil por sua omissão dolosa na confecção de CAT. Felizmente, a maior parte dos julgados vêm sendo no sentido de corrigir tal distorção, e desconsiderando, como não poderia deixar de ser, a exigência contida no supra delineado artigo 129, II, da lei 8.213/91:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DOENÇA PROFISSIONAL COMPROVADA – NÃO EMISSÃO DE CAT – Restando comprovado o nexo causal entre o trabalho executado e a doença profissional diagnosticada – tendinite II/III -, e verificando-se que os afastamentos ocorridos superaram quinze dias anuais, sem que, no entanto, fosse emitida a competente CAT, deve a empresa suportar o ônus da indenização pecuniária, referente ao período estabilitário a que faria jus a autora, uma vez que o hipossuficiente não pode ser prejudicado por ato omissivo do empregador.[15] 4 NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO – NTEP: DEFINIÇÃO E ALCANCE O chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário foi pensado como meio de resolver o problema das subnotificações, pelos empregadores, dos acidentes de trabalho ocorridos em seu âmbito, de grande conseqüência social para os trabalhadores e prejudicial aos cofres da previdência social. Tal conclusão é obtida quando procedemos a uma interpretação autêntica dos fatores que ensejaram a edição da lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006, veiculadora do instituto em análise. Referida norma, que se trata, em verdade, de conversão da Medida Provisória no 316/2006, alterou a lei 8.213/91 para introduzir em seu bojo o artigo 21-A, com a seguinte redação: Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social. Ainda fora introduzido um novo parágrafo, o § 5o, ao artigo 22 da mesma lei, disciplinando não ser aplicável a multa pela não emissão de CAT quando for verificado o nexo técnico epidemiológico previdenciário. De salientar que ainda não foi editado o regulamento a que alude o caput do artigo 21-A supra transcrito, o qual deverá trazer o rol de patologias motivadoras de incapacidade, baseada na Classificação Internacional de Doenças – CID, cujo rol deverá ser meramente exemplificativo. Os itens “7” e “8” da exposição de motivos no 33 do Ministério da Previdência Social[16], pertinente à medida provisória que originou a indigitada lei deixam bem claro os fundamentos e objetivos do legislador com a sua edição: 7. Diante do descumprimento sistemático das regras que determinam a emissão da CAT, e da dificuldade de fiscalização por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta
caracterização de seu benefício. Necessário, pois, que a Previdência Social adote um novo mecanismo que segregue os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT.
8. Para atender a tal mister, e por se tratar de presunção, matéria regulada por lei e não por meio de regulamento, está-se presumindo o estabelecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, e conseqüentemente o evento será considerado como acidentário, sempre que se verificar nexo técnico epidemiológico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida relacionada na CID motivadora da incapacidade. Cuida-se o NTEP de técnica de presunção legal que admite, porém, prova em contrário, sendo, portanto, iuris tantum. Através da presunção, parte-se de um fato certo, que existe, para se deduzir a existência de outro incerto. É definida como: A dedução, a conclusão ou a conseqüência, que se tira de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso. A presunção, pois, faz a prova e dá a certeza do que não estava mostrado nem se via como certo, pela ilação tirada de outro fato que é certo, verdadeiro e já se mostra, portanto, suficientemente provado.[17] Desse conceito, integram a presunção, segundo Moacyr Amaral Santos: 1) o fato conhecido; 2) o fato desconhecido; 3) o nexo de causalidade entre o fato conhecido e o fato desconhecido. O fato desconhecido é havido como provado pela lei, que também tem como reconhecido e preestabelecido o nexo de causalidade, mas isto e aquilo somente se verificam quando quem invoca a presunção faça prova do fato do qual ela dimana, isto é, o fato conhecido.[18] A aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico, mediante presunção, é verificada mediante associação da relação contida na Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e a lista de patologias assentes na Classificação Internacional de Doenças – CID. Assim, os técnicos do INSS, verificando que o trabalhador/segurado é vítima de determinada patologia cadastrada na CID, fazem um cruzamento com o CNAE e observa-se o fator de risco patológico que aquela atividade causa. É uma associação estatística, que considera a alta incidência de determinadas doenças em determinados tipos de serviço. Note-se que, dos elementos da presunção acima fornecidos, encontram-se todos presentes no NTEP, a saber, a patologia que acomete o trabalhador (fato conhecido), a culpa empresarial (fato desconhecido) e o nexo de causalidade, também presumido. Decompondo a nomenclatura do instituto, temos que por técnico deve se entender o Cadastro Nacional de Atividades Empresariais, e por epidemiológico o Cadastro Internacional de Doenças, sendo o nexo justamente a associação dessas duas listas. A fixação do nexo técnico tem como conseqüência imediata a presunção de existência do nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho. Merece ser salientado que, como o instituto em análise toma como referência, para efeito de doenças ocupacionais, o CID,
o rol de patologias passíveis de enquadramento como acidente do trabalho aumenta substancialmente, já que não mais estará adstrito à lista de doenças somente profissionais ou do trabalho, mencionado no artigo 20 da lei 8.213/91 e constante do rol anexo ao Decreto 3.048/99. Além da finalidade de combater o verdadeiro flagelo social causado pelas subnotificações dos acidentes do trabalho, o NTEP tem a função de educação dos empregadores para a adoção de medidas que evitem o surgimento de doenças ocupacionais, pois agora se verão em situação inversa àquela ordinariamente verificada, tendo contra si o encargo de desconstituir o nexo causal presumidamente constatado, sem falar que proporciona o aludido instituto maiores condições para concreção da determinação constitucional de um meio ambiente do trabalho equilibrado.[19]. Por fim, a caracterização de doença ocupacional faculta a autarquia previdenciária mover ação judicial para cobrar do empregador os gastos que teve com os auxílios-doença ocupacionais. Não merece acolhida, destarte, a alegação do setor empresarial nacional de que o novo método poderá criar distorções e gerar passivo trabalhista, já que, em verdade, trata-se de mecanismo de correção de desigualdade social, pela qual lucrava a classe empresarial em desabono do pólo mais fraco, o proletariado, em verdadeiro enriquecimento ilícito oriundo da própria torpeza. 5 REFLEXOS DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO NA PROVA DE DOENÇAS OCUPACIONAIS NO PROCESSO DO TRABALHO, SOB O PRISMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL Diante do que já fora exposto, pode-se perceber facilmente que, mesmo destinado inicialmente para uso na via administrativa, pelos peritos do INSS, o instituto do NTEP altera profundamente a sistemática de prova judicial para as reparações civis decorrentes de doenças ocupacionais. Ao estabelecer, em lei, hipótese de presunção na fixação do nexo de causalidade, inverte-se o ônus da prova em favor do obreiro, transpondo para o empregador a necessidade de desconstituir o nexo presumidamente firmado. A presunção, segundo o Código Civil vigente, constitui meio de prova. A presunção legal, ou seja, aquela estabelecida por lei é mais do que isso, sendo instrumento que dispensa a prova dos fatos que faz crer como verdadeiros. Eis a redação dos dispositivos assentes, respectivamente, no Código Civil e no Código de Processo Civil: Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: (...) omissis IV – presunção; Art. 334. Não dependem de prova os fatos: (...) omissis
IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade. Temos que, ao estabelecer hipótese de inversão do ônus da prova, presumindo-se a ocorrência de doença ocupacional pelo risco da atividade empresarial, o instituto do NTEP estabelece para tais casos hipótese de responsabilidade objetiva em consonância com o que dispõe o parágrafo único do artigo 927 do aludido Código Civil, assim escrito: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Para caracterização do que vem a ser responsabilidade civil, tomamos por empréstimo a definição elaborada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[20]: ...a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. Decompõe-se, pois, nos seguintes elementos, que serão estudados no decorrer desta obra: a) conduta (positiva ou negativa); b) dano; c) nexo de causalidade. Responsabilidade civil, portanto, é a sujeição do infrator de uma situação ideal de comportamento às conseqüências judiciais do seu agir. Vale dizer, o instituto em análise tem vez com a prática de ato ilícito, contrário a ordem jurídica privada, coagindo o seu autor, verificada a existência dos seus pressupostos de validade, a saber, conduta, nexo de causalidade e dano, na obrigação de reparar, indenizar ou compensar, a depender da natureza da lesão. Assim, temos a conduta humana, que na maioria das vezes deve ser positiva, já que para os casos de omissão mister se faz a previsão legal de relevância da omissão e o dever legal de agir, e sempre deverá ser voluntária, passível de controle pela vontade à qual o fato é imputável, consoante lições de Maria Helena Diniz.[21]. A culpa, como gênero, está incluída na conduta. Ao seu lado, como elemento intangível da responsabilidade, o nexo de causalidade é o elo de ligação entre a conduta e o resultado (dano), como verdadeira relação de causa e efeito. Nosso Código Civil adotou a teoria da causalidade adequada, pela qual somente as condutas relevantes para a deflagração do resultado podem fazer surgir o dever de indenizar. Referido nexo somente será excluído com a ocorrência de um dos seguintes elementos: caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima; culpa exclusiva de terceiro. Por fim, faz-se imprescindível, para que surja o dever de indenizar, a ocorrência do dano ou prejuízo, como elo final da cadeia. Esse resultado (dano) pode ser tanto de ordem material, a englobar o que a lei civil denominou de danos emergentes ou
positivos, em síntese, aquilo que efetivamente se perdeu, bem como os lucros cessantes, ou aquilo que deixou de se ganhar. O dano pode ser também de ordem moral, ou aquele que atinge os chamados direitos da personalidade, tais como honra, vida, liberdade, imagem. Admite-se, também, como categoria autônoma do dano moral, o dano somente à imagem ou dano estético, assim entendido como a ofensa a imagemretrato da pessoa, sendo passível de indenização cumulativa com os demais. A responsabilidade objetiva, com acento principal no já declinado parágrafo único do artigo 927 do Código civil, independe de demonstração de qualquer grau de culpa, eis que fundada na teoria do risco. Por esta teoria, que se divide em várias espécies, o causador do risco responderá pelos danos que sua conduta, normalmente desenvolvida, cause a outrem. Interessa-nos, para compreensão deste trabalho, os conceitos de risco da atividade e de risco-proveito, pelo que socorremo-nos da doutrina de Flávio Tartuce [22]: Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria riscos a terceiros; Teoria do risco-proveito: é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, como consta do artigo 927 do código civil, a responsabilidade objetiva terá vez sempre que a lei assim o determinar ou nos casos em que se possa verificar a ocorrência de situação enquadrável na teoria do risco. Diante do exposto, podemos afirmar sem receio que o NTEP presume a existência da conduta – ato ilícito, englobando a culpa -, e do nexo causal, sendo que o dano já é verificado pela constatação clínica da doença que vitima o trabalhador. A própria presunção do nexo de causalidade pressupõe risco estatístico de determinada atividade empresarial causar a patologia objeto do NTEP, razão pela qual estão presentes todos os elementos da responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil já contempla, em sua formulação existencial, os institutos da presunção –a conduta dolosa ou culposa é presumida -, bem como a inversão do ônus da prova, já que caberá ao infrator alegar uma das excludentes de responsabilidade. Outrossim, o Código de Processo Civil, como visto, determina que não serão objeto de prova os fatos em abono dos quais milite presunção legal, o que leva ao empregador, fixado o nexo técnico epidemiológico, a responder por este judicialmente de forma objetiva. Essa interpretação enfrenta aparente impossibilidade de aplicação na seara trabalhista face o disposto no artigo 7o, XXVIII, da Constituição de 1988, como se nota: Art. 7o. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) omissis XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Com essa disposição, a Constituição federal joga por terra, num primeiro momento, toda a construção para aplicação da responsabilidade objetiva em desfavor do empregador com esteio na teoria do risco, já que exige a lei maior a verificação de dolo ou culpa na conduta do patrão para que se implemente seu dever de reparar o dano. Essa situação, entretanto, leva a ocorrência de ocorrências peculiares e paradoxais, como bem salienta a doutrina: A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente...Desculpe-nos, mas é muito para o nosso fígado...[23] Para enfrentar essa superficial inconstitucionalidade, de aplicação da responsabilidade objetiva ao campo trabalhista, mormente nas ações de reparação por doenças ocupacionais, adotamos posicionamento esboçado Sebastião Geraldo de Oliveira, com esteio em outros autores de renome, cuja idéia central se transcreve: Isso porque entendemos que a previsão do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretada em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prevê: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Assim, o rol dos direitos mencionados no art. 7o da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente “outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador”.[24] Portanto, há que se compreender o analisado artigo da constituição federal como norma de aplicabilidade limitada, ao menos na locução “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, pelo que os artigos 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, bem como o artigo 21-A, da lei 8.213/91, constituem instrumentos de significativa melhoria da própria dignidade humana do trabalhador, sobremaneira por combater de forma mais eficaz a infortunística do acidente do trabalho. Outrossim, não ocorre bis in idem para o empregador, já que a responsabilização objetiva com base na teoria do risco da atividade decorre do normal desempenho desta, que por si só pressupõe perigo para terceiros, ônus suportado pela classe empresarial. Já a indenização a que alude o inciso XXVIII, artigo 7o, da lei das leis, quando incorrer o empregador em dolo ou culpa, deriva de uma atitude anormal do mesmo, sem correlação imediata com a corriqueira atividade por ele desenvolvida, razão pela qual, justamente, exige-se a demonstração de dolo ou culpa. Destarte, pensamos que a presunção de doença ocupacional, com a aplicação de responsabilidade objetiva, permite compreender que a prova por presunção não é somente um meio admissível de prova, mas um valor jurídico fundamental.[25] 6 CONCLUSÕES
a) Na busca da verdade dos fatos no processo do trabalho, deve-se ter em conta sempre os princípios que norteiam o direito material do trabalho, haja vista a existência de um conflito de forças desiguais, podendo, para tanto, valer-se o juiz do trabalho do emprego da equidade, como ideal de justiça, e utilizar a sistemática de distribuição do ônus da prova constante do Código de Processo Civil; b) As subnotificações dos acidentes de trabalho, em decorrência da não emissão de CAT pelos empregadores, constitui verdadeiro flagelo social que prejudica os trabalhadores e onera os cofres da previdência social; c) O instituto do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário surgiu com a finalidade de combater as omissões de comunicação de acidentes do trabalho, fixando presunção legal de ocorrência de doença ocupacional mediante associação técnica entre a atividade do empregador e a patologia apresentada pelo trabalhador, com inversão do ônus da prova em abono deste último, técnica que não irá ocasionar passivos trabalhistas e sim corrigir distorção social; d) O Nexo Técnico epidemiológico previdenciário estabelece verdadeira responsabilidade objetiva na reparação judicial de doenças ocupacionais, calcada no risco da atividade, sem, entretanto, ofender a Constituição Federal de 1988, por se tratar de benefício que melhora a condição social do trabalhador; e) Não há dupla imposição na obrigação do empregador reparar o trabalhador pelo acidente de trabalho de forma objetiva, pois a responsabilidade oriunda do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário tem natureza diversa daquela estabelecida no artigo 7o, XXVIII, da Constituição Federal. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988. ______. Decreto-lei no 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília. ______. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília. ______. Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da União, Brasília. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília. ______. Lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006. Diário Oficial da União, Brasília. _____. Exposição de Motivos no 33 de 09 de agosto de 2006. Ministério da Previdência Social. Expõe os motivos que levaram à edição da Medida Provisória no 316 de 2006, posteriormente convertida na Lei no 11.340, de 26 de dezembro de 2006. Disponível em < www.planalto.gov.br >. Acesso em 30.01.2008.
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso Prático de Processo do Trabalho. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19.ed., São Paulo: Saraiva, 2005. 7o v. GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ltr, 2001. MACHADO, Sidnei. Nexo Epidemiológico. Presunção legal faz prova de doença ocupacional. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22276 > . Acesso em 31.01.2008. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2005. NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciação ao Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 1991. NÓBREGA, J. Flóscolo da. Introdução ao Direito. 6. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ltr, 2006. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Série Concursos Públicos: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2005. Notas: [1] MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Ltr, 2001. p. 41. [2] NÓBREGA, J. Flóscolo da. Introdução ao Direito. 6. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 26. [3] NÓBREGA, J. Flóscolo da. Op.cit.,p.30-31. [4] Não obstante sua autonomia didática, observaremos que muitas vezes socorre-se o processo judicial do trabalho das normas gerais de processo, assentes no Código de Processo Civil. [5] Como já salientado, equidade é a “justiça em termos concretos”.
[6] Art. 765.o Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. Art. 852-D.o O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. [7] Tal entendimento pode ser extraído da análise dos artigos 334 e 337, ambos do CPC, de aplicação integral no processo do trabalho, e que foram assim redigidos: Art. 334. Não dependem de prova os fatos: I – notórios; II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III – admitidos, no processo, como incontroversos; IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. [8] Em verdade, não se trata de um dever, idéia que se extrai num primeiro momento do conceito de ônus. Não se cuida de algo compulsório, mas de facultatividade ligada ao interesse da parte em obter provimento jurisdicional favorável, respondendo pelas conseqüências de não provar aquilo que lhe incumbia no processo. [9] ALMEIDA, Amador Paes de. Curso Prático de Processo do Trabalho. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 236. [10] MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. Cit. p. 136. [11] RUSSOMANO, Mozart Victor, 1990, citado por MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. Cit. p. 128. [12] RUSSOMANO, Mozart Victor, 1983, citado por OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 2. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ltr, 2006. p.44. [13] Diz o artigo 20, § 2o, da lei 8.213/91: § 2o Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la como acidente do trabalho.
[14] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. Cit. p. 68. [15] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 15a Região. Processo no 12238/00. 1a Turma. Relator: Juiz Luiz Antônio Lazarim. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 01 de outubro de 2001. p. 25. [16] BRASIL. Exposição de Motivos no 33 de 09 de agosto de 2006. Ministério da Previdência Social. Expõe os motivos que levaram à edição da Medida Provisória no 316 de 2006, posteriormente convertida na Lei no 11.340, de 26 de dezembro de 2006. Disponível em < www.planalto.gov.br >. Acesso em 30.01.2008. [17] SILVA, De Plácido e., 1982, citado por MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op. Cit., p. 98. [18] SANTOS, Moacyr Amaral, 1979, citado por MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. Op.Cit. p.99. [19] A Constituição Federal de 1988 diz: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [20] GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 9. [21] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 19.ed., São Paulo: Saraiva, 2005. 7o v., p. 44. [22] TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Série Concursos Públicos: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2005. p. 342. [23] FILHO, Rodolfo Pamplona, 2003, citado por OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. Cit. p. 104. [24] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Op. Cit. p. 103. [25] MACHADO, Sidnei. Nexo Epidemiológico. Presunção legal faz prova de doença ocupacional. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22276 > Acesso em 31.01.2008.
É uma garantia do segurado que tem como suspeita o acidente de trabalho indicado na CAT - Comunicação do Acidente de Trabalho. Na basta o exame clínico com o diagnóstico da lesão, pois o nexo causal (e conseqüentemente do acidente de trabalho) reclama investigação prévia do nexo técnico epidemiológico. O chamado nexo epidemiológico amplia substancialmente a noção de doenças ocupacionais para fins de acidentes de trabalho. Antes definidas e catalogadas apenas como doenças profissionais ou do trabalho (art. 20 da Lei n. 82.13/91), o critério da presunção permite a inclusão de um número indefinido de patologias ocupacionais, muitas delas antes ocultadas ou dissimuladas como simples patologias. Fixado o nexo técnico epidemiológico - agregado á demonstração dos requisitos da lesão e da incapacidade temporária ou Permanente do trabalhador - tem-se como comprovado o nexo causal, confirmando a prova do acidente de trabalho. Um primeiro avanço normativo nessa direção veio com a Resolução n. 1.488, de 11.02.1998 do Conselho Federal de Medicina - CFM, que impunha a obrigação dos laudos médicos, na investigação do nexo, relacionar o diagnóstico á história clínica, o
estudo do local de trabalho e da organização do trabalho e, ainda, os dados epidemiológicos (art. 2º). O Ministério da Saúde também passou a orientar os agentes do sistema único de saúde - SUS para fixar o nexo técnico como ponto de partida para o diagnóstico dos acidentes de trabalho. (1) A introdução da presunção na lei, pelo critério do nexo técnico epidemiológico, certamente constitui enorme avanço, na medida em que torna clara a obrigação legal de médicos peritos do INSS de fazer uma ampla investigação das suspeitas das doenças ocupacionais a partir do ambiente de trabalho que deve ser equilibrado, livre de riscos ocupacionais. A literatura especializada tem apontado que a causa primeira das doenças ocupacionais são as condições e o ambiente de trabalho, onde os trabalhadores são submetidos aos velhos e novos fatores de risco, resultando no drama do sofrimento, adoecimento e morte. é o ambiente de trabalho que melhor retrata os riscos individuais e coletivos, que revelam a relação indissociável entre saúde-trabalhodoença. As doenças ocupacionais assumiram proporções epidêmicas nas últimas duas décadas, em grande medida pela precariedade crescente do meio ambiente de trabalho que, para além dos riscos físicos, químicos e biológicos, submete o trabalhador ás condições mais adversas de trabalho. A presunção legal da doença ocupacional, nessa perspectiva, encontra ampla recepção das exigências para um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, tal com o assegurado pela nossa Constituição (art. 225). 3. Efeitos do sistema da presunção na prova da reparação civil Embora o nexo técnico epidemiológico seja dirigido á Previdência Social, a caracterização do acidente de trabalho pelo critério da presunção, repercutirá na prova do acidente de trabalho para fins de reparação de dano pelo regime da reparação civil. Uma vez admitida pela Previdência Social que a doença caracterizadora do acidente foi desencadeada pelas condições ambientais de trabalho de risco, certamente que os elementos de convicção da Previdência Social servirão como prova da efetiva ocorrência do acidente de trabalho (nexo causal) e, em algum as situações, da culpa do empregador. Há uma tendência na jurisprudência brasileira (em que pese ainda minoritária), que, compreendendo as dificuldades de prova por parte da vítima, já vem, gradativamente, adotando critérios abertos e amplos de interpretação da ocorrência do acidente e da existência de culpa, quer para afastar a exigência da prova robusta, quer para inverter o ônus da prova. A existência de certo grau de probabilidade entre a doença e o ambiente de trabalho, segundo esse entendimento, é o suficiente para a convicção da caracterização da relação da causalidade. A capacidade de prova, por outro lado, é muito maior do empregador, pois detém todas as informações ambientais do local de trabalho (laudos periciais) e seus efeitos na saúde do trabalhador que podem ser acompanhadas pelos pelo setor médico da empresa, tendo, assim, melhores condições de prova. A inversão do ônus da prova
ganhou reforço também com a redação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que assim dispõe: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". A presunção da doença ocupacional permite compreender que, tanto nas ações acidentárias contra autarquia quanto nas ações reparatórias, a prova por presunção não é somente um meio admissível de prova, mas um valor jurídico fundamental. A presunção tem, neste particular, uma importante diretriz interpretativa dos fatos pelo juiz, para que o dever de reparar o acidente alcance situações antes indefinidas e ambíguas de delimitação do nexo causal. é uma nova política social de proteção afirmativa assumida pelo Estado para propiciar uma maior eficácia dos direitos sociais correlatos, promovendo assim a justiça social de caráter distributivo. A saúde do trabalhador é um bem fundamental que reclama um critério de igualdade (justiça comutativa) e harmonização com a necessária socialização do risco social dos acidentes de trabalho e obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (Código Civil, art.927, §único). Embora a convicção do julgador nas demandas judiciais dependa do auxílio Técnico da prova pericial (que é apenas um meio de prova), nas ações em que envolvam a questão da fixação do nexo causal, para que possa a perícia subsidiar o julgador no seu convencimento, deve necessariamentente trazer elementos técnicos da atividade e do ambiente de trabalho que possam indicar a existência ou não de nexo técnico epidemiológico. é a partir desses elementos que o juiz terá condições de fazer uma análise da presença de nexo técnico, ou seja, da relação de presunção entre a atividade e doença. Como a nossa legislação admite também a concausa como acidente de trabalho, o nexo causal de natureza eminentemente epidemiológica pode ainda ser fator agravador de doença preexistente: "O acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação" (lei 8.213/91, art. 21, inciso I). Ainda podemos lembrar que o sistema do processo civil dispensa a prova de fatos que podem ser provado por mera presunção legal (CPC, art 334, IV). Assim, evidenciado o nexo técnico não há sequer a necessidade de outra dilação probatória, pois a presunção da doença ocupacional já estaria firmada. 4. Conclusão O novo regime da presunção legal introduzido pela MP n. 316 tem a vantagem de tornar mais precisa a lei, aproximando-a da realidade. No entanto, a compreensão da dimensão da regra da presunção legal certamente provocará a melhor distribuição do ônus da prova dos acidentes de trabalho, e contribuirá para o combate á lamentável ocultação das doenças ocupacionais (subnotificações). Outra medida complementar