Historiografia Brasileira em Perspectiva
981.0072 H673 6.ed
'·C bam. 981.0072 H673 6.ed
Titult>: Historiografía brasileira em Per~pectiva
¡ .
~ 1~11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1
I..V.L..LV~.La.u.a Brasileira em Perspectiva
hltll~RJ
90011
Ac. 17565 N" Pat.:2016/20 10
l____ _ _____,
HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA EM PERSPECTIVA
Marcos Cezar de Freiras (org.) Laura de Mello e Souza- Laima Me~gravis Maria Odila L. Silva Dias - lzabel A. Marzon Suely Robles R. Queiróz- Maria de Lourdes M. Janotti Claudio Baralha - Vavy Pacheco Borges Maria Helena R. Capelato - Mary Del Priore Maria Srella M. Bresciani - Paulo Miceli Kazumi Munakara - Marisa Lajolo Marra ~1. Chagas de Carvalho - Leandro Konder Jorge Coli - Renato Janine Ribeiro
~~~ .co'f-~ ~6~?
6·; .
J~·'
<@] editoracontexto
Ct>pyrig/Jf({) 1998 do, autor~s
SUMÁRIO
T')d os os dlrdt05 Uelta cd.,Jo rcscn,¡Jo,:. Lditora Comcxw (W•tora l'•n~kr 1 tJ~.) Or¡:.u;:::.1¡.1o .\l~r
J •. lrcítJ\
DitlJTtlJI."tl,llcJ
lúlmlu ,\ l.uconJc~ de 01" crra
Rn·1.Jo .\ bm.1 Leal
lntrodu~ao, 7
Apparccidal'crcir,¡ ,\lorcir;~
Marcos Cezar de Freitas
Dados lnrerna,ionars de C~raloga~lo na Public;t\ao (CII') (C.lmara Br,Hilcira Ju l.ivro, SI~ BtJ\11)
Frerras. 'v1arcos Cet
Aspectos da Historiografía da Cultura sobre o Brasil Colonial, 17 Laura de Mello e Souza
Bibl iografia ISBN 85-7244-088-7 l. Brasd- Hi;rót i.t. 2 Brastl - Hisró11a - Hísto11ografia l. Freiras, Ma r~o~ Cez.tr de.
98-0499
1
CDD- 981007.2
F R R J - NOVA /GUACU
fndJGes para '•dlogo \Ístcm.lttco· 1 Brastl Hiqonografia 981.0072 2 Hmoriografi.t: BrJ~íl 98 10072
Registro
ata ....'JS!._../...?.~_}..1Q____ g :....... . x.: ·;..~~ '11·~e:'"'=="--=l)~-------l ~ · · .. :t..'>!. ~----..· - - ngem; --roe es so; .......J:133.{Qj....... _
PARTE 1 - HISTORIOGRAFIA BRASJLEfRA: OS OLHARES SOBRE AS FONTES
E1>11 ORA
Co.-. 1 !eX 1t>
A Sociedade Brasileira e a Historiografía Colonial, 39 Laima Mesgravis Sociabilidades sem História: Votantes Pobres no Império, 1824- J88 J, 57 Maria Odila Leite da Silva Dias O fmpéno da Revo lu~ao: Matrizes Interpretativa ... do ... Connitos da Sociedade Monárquica, 73 habel Andrade Marson
Di retor cdnorial:fizmu f'mslcy Rua Dr. Jo~¿ l:.lt.ll. 520 . Alto d.t L.tpa 05083-030Paulo- '1' l'.~sx. 111) 3832 5838
~lo
con te\to@ed i toratonrexru com .br W\\'Y..cdtcor~wntcxto
lOm.br
ToCF P101bida 1 rcprodu~áo tot.d ou p.~rti.ll. 0< infrarores ser5o proce.\,Jdm nJ lnnnd dJ let
...-·~
J#l..' ...............
Escravidao Negra cm Debate, J03 Suelv Robles Reis de Queiróz O Diálogo Convergente: Políticos e Historiadores no Início da Repúbl ica, 119 Maria de ú;urdes Monaco Janotti A Historiografia da Classe Operária no Brasil: Tn*tória e Tendencias, 145 Clcíudio H. M. Bata/ha Anos Trinta e Política: Hi stória e Historiografía. 159 Vavv Pacheco Borges Estado Novo: Nova~ Histórias, 183 Maria Helena Rolim Cape/ato
PARTE II - HJSTORIOGRAHA RRASILFJRA NOVAS f'ONTcS
PARA UMA HISTÓRTA DA
PARA NOVOS OLHARF.S
Hi.,tória da., Mulheres: A~ Vo¿es do Silencio, 217 Mary Del Pri01·e
HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Marcos Cezar de Freitas (usn
Hi'itória e Htstoriografia da., Cidades. um Percurso. 237 Maria Stella M. Brescwnni Sobre Hi'>tória. Braudel e (ou \ice-versa)_ 259 Paulo Miceli
o~ Yaga-lumes. A EscoJa dos Annales e o Brasil
Hi.,t6rias que os Ltvros Dtdáticos Contam. Depois que Acabou a Ditadura no Brasil, 271 Ka::umi Munakata RegiOnalismo e História da Literatura: Quemé o Vilao da História?, 297 Marüa ú~jo/o A Conflgura\ao da Historiografia Educacional Brasiletra, 329 Marta Maria Chaga'i de Carvalho Htstória dos lnrelectuais nos Anos 50. 355 Lealldro Konder A Ptntura e o Olhar sobre Si: Víctor Meirelles e a Invcn¡yao de uma Históna Visual no Século XIX Brasileiro, 375 lorf!.e Co/i Iracema ou a Funda9ao do Brasil, 405 Renatv Janine Ribeiro
Notas. 415
htstóna do cerco de Ltsboa, por um tnstante. eMeve ¡¡.., m.lo"
en-:a¡;ao de posse !>Obre o lato em ~ ._ Quando se acredita na existéncia de tal poder supoe-se também ser vcro~sítml po..,.;uir autoridade sobre a permanéncia do<; senttdo'i sociais dos fatos reorgani7ado!> no carpo de u m texto. Seria o senhor da narrac;:ao tJmbém o senhor do fato? No in~tante <;eguinte, o da conspirarüo. quando num gesto de rebeldta acreo;centou o 1uio indevtdo a na~ra~iío, oconeu-lhc que a atttude repre\entava a garantía de autonomta do leitor sobre o faro A exi-;tcncia e a permanéncia de um e de outro (intérprete e hi..,tória) independiam da.., formas através da~ CJUiJÍ'-o ,..,e reconheciam um 110 outro Tal independéncia recíproca era, contudo, inst<1vcl e efe mera. Isso porque no terceiro 1n<;tante, o da proclamufriO da .fw \(/. recompuseram-se a integridade do fato - como entidaJc alheia as conspira~ñe .-; da narrativa, e a autoridade do historiador- como preceptor único da possibtlidadc de um nüo ocupar o lugar de um sim, ou vtce-vcr\a. Ao tevisor insurrecto rc:-.tava tornar a SOiidao de Slltl lida e detxar que lmtort:ldOr e história prOS'>CguÍ-..\em '.CU\ caminhos (cf S.tramago. 1989). Ao hi'-.!onadot n::tornava a autoridade \Obre o acontectdo. Ao historiado• de ofícto, a fabulac;iio de Saramago ~ugerc a pre-;en~a fanta<,magórica do mmt!acru a as~ombt at permanentemente suas prált<.:a' A realidade ca~oa do profissional da hi::.tórin testando a Lenactdade de seus olhos. 1::-;o;a ca~oada pode ser mclhor entendida se for comparada as metüforas que a literatura no~ oferece. Lembrcmo~ Macando:
A
Os únu.:o~ c.:a~o~ de cla'i!.ilic.:.u,:iiu tmposstvcl cram os de Jose Arcadto e 1\urcilano Segundo. roram t:lll parecidos e trave<;<;OS durante a inf;\nc.:i.l que nema pr6pna S.mt.l '-iofia de la Ptedad o<;
6
7
potha J¡st•nguir N11 d1a do hauzado, Amaranta t.:olllt.:ou nclcs u' pubcna' com o' rcspcctl\llr .1 carm'a hrnnca e trazc¡ a pulscira maJctda ..:om o nonte de lose Arc:-ttllu Segundo A pat tlr daí nao se ...ahJ,\ m.11s com c.:ellc~:a quem crn que m. Mcsmo quando ncst·eram e a \ida m ltll no u d1 fe¡ entes, ( 1r:-ula cuntmuava .1 se pcrguntar se ele~ mesmos n;to tcnam t.:omctJdo um erro cm alg,Jm nmmento do \CU mtnneado Jogo de cqutvocos e nao tcriam lkadn trocados para sempre. Até o princíp1o da adole~ccncia. fnram do1s mecanJ\1110S siJH.:r6nicos. J\corclavam ao mc~mo tempo [.. 1 e até ~onhnvam a~> me~m.1~ c01~as. Em ca:-.a, nndc ~e acredn.tva que ~.:no1dcnavam o:. ~eu., ato:. pelo mero desCJO de wnfundu· nmguém pcrccheu a rcalidade até que um dia Santa Sofi.1 de la P1edad deu a ele:-. um cop1> de 1imanada e C\lc dcmomu ma1~ [.. 1 du que o outro para di7CI que C\tava faltando a¡,:u<..ar O lempo ac:~bou de dc~n11umar as Lni\as .. (García Marque/. 1976. 166)
Em me10 a-.. palavra~ de García Matque7 pode acorrer ao histonador reconhccer-,e, nao na confu-;ao das personagcns que .wheranamente trocam a própna 1denridade, o próprio papel e desconccrtam o observador que sempre soube que dcterm111ado~ indtcadores correspondem a determinada" tdcntidade!>. (trocada" as pulo.;etras. rrocado'\ O!>. nomes .. ) O hi'\tonador, ao contr;.\rio. pode pcrccber-sc em qucm nao está no texto- o leitor Ilá uma expectativa cochtchando no'> ouvtdos de quem le de que há alguém que ze la pela ordem do.:: fatos. pelo nome das per'\onagens. pela indtcac;ao dos -;eus papéi' Santa Sofia de la Ptedacl pcr!>.cgutu o ..;i mulact o até o flagrante. O htstoriador pode :.e a'\SU!>.Iar ao -;upor-sc como cla. E""e \liSto ganha <>entido quando lembra de urna convicc;ao que o acompnnha: é dado como certo que a 111St\lencta do olhat. a traca de angulo-. para o vt-;lumbre (J nova per,pcctiva) sao recompensadas com o de-. vel,uncnto d.t real idade. A lw,tonografia, por !-.ll.t 'e?, pode ...er t!ntendtda como u m universo \1m llar :1 po<.tura de S,tnt,\ Sofia de la Piedad. ou <>cp, com indtferen~a ao fato de que muito-. olhates vi~lumhram a me~ma cot,a, confirma duas htpóte"e" que ..tcompanharam como -.ombra a-.. fant:tsttea\ personagen-.. da ciJade Je espdho-. 1) há sempre um novo olhar 'obre o quottdwno, o que 11npede que o mesmo o.;e rep1ta.
·mO que anali ... ado no pa<>sado. quando¡:í se \ahc ('!) t) que ...e ra;\OU. H;í ...cmpre ...,es olhar Jj-.poslO a "ra-.trear LU11<.1 pe!Sollagcnt uu Ullt f,ilu ,,¡.._ yu'- ,llnb":-. ''urn cm ..,cu" simulacros. e e!>.scs. por -.ua vez. pndem st!r procurados cm -.uas reveen · · quer o t en:cer--.e para u·mgtr · · os o11tare!>. ao p 1 . _ 1d~. rcaltdade. A ht-..tonogralta quot:ll 11 ., F . . cncarecendo-\hes: "o te m no\'amente .m contrapo'>t\ao a es-.a 1ttpotc,e. _? l vtsto. . 1\) e 1e nao - e• o novo. ma-. a há .;,clllrn.: unt novo ol har que apan h•1 0 .. novo.. qu.mc repeti~;:w;. quc percebe a n1~tura ~ua~d-~ e la__ f<:bc~u ..'\ realtdadc e wrnou se r"io;ténc a. conumltdade (uma "e' t1 ,tg~.:dt,t outt ,\ \el 1,u..,,t ). 1 pe Tah·a. por tudo tsso a h1-.toriografia e-.te_¡a f.tdada a :-.er -,clllprc uma p<.trlt.. da hi-.t )ria da'- idéias (e vice-versa) uma vet que sua ocupa<;:iln com o tcgi-.tro e:-.ta 1 impregnada das unpressoes (fanta~magónca'> o u nüo) do "nao regtstrado" . Paradoxahnente i'>sO nao a torna uma Jcposttún.t fiel da verd.tde, ao contráno um l.tlo pode nao ter aconte~Jdo. Lonttariamente ¡¡~ alcga~i~e' de um aomsta. Ma~ o f<1to de ~le tc1 podido afirm.t-lo. de ter pod1do contar coma ,u,1 .tceltat;üo pelo públil:o contemporanco. e pelo me1ws tao rc\"el.tdm quanto ,, stmplc' oLorrcncia de um evento l l A ¡ecepc;río Jo~ enunci~tdo!o> é ma1., reveladora parn a história da~ ldeologi,t<, di• que ~u a r• oduc;ao: e quando u m autor comete um 0ngano ou mente, ~~.u texto nao é meno'> ~¡gnilicattvo do que quando d11 a \erdade: (\que 11nporta é que o texto po~~a ~er recch•do pelo~ contenlpor:ineo::. ou que 'eu produtor tenha a..:reditado nclc. Ne"'" p~.:r~pccllva a noc;üo de falso é n1hl pettinente (Todorov llJ91· 52)
A hi.;toriografia pode conccber a s1 mcsma. no fluxo da pr:.ítica do-. hi,toriadores, como o espa~o invc:-.ttgativo no qua! até o ,jmu\ac.;ro con-.cgue -.er tralldO a luz COI11 grandcL.a Jc reconhecimento. E porque isso dtz re-.pcito a -.ua naturen. a htstoriografia semp1e encaminha o enfrentamento Je uma que...ráo que diz n:., peito i"l configura~üo de seu" Jomínto..;: o que t! a dimensáo políttca de !>.CU\ contcúdo~, métodoo; e prática~?
Há doi~ anos. Fernando No\ ai-. comenta va a multiphcn~ño editorial do-. 1..'studo' e do!>.stc-.. sobre ht!>.toriografia no Bra-.d. Na oca,iao, referia--.e tamhém ~~ necc-.stdade de "analt-,ar tnc~ts de perlo .1 -.uposta mcompattbtltdade entre o marxtsmoeanovahistonogrnfia''(cl. Novats, 1995: \~abr. \9l.J5.QI) Pots bem, uma cotsa ~ a políttca na ht-.tóna, outra é a d1men.;;ao que ganha na hi-.toriografia Nesse particular, a historiografía pt)de -;er entendida como o low.\ tic tnlet ven~áo no qual a políttc.l (diluída ou magnificada) manife-.ta-'-c na' prútic,t!>. dl\cur-..tvas dos
htstoriadore~ .
9
8
Aqui no:-. deparamo-, com urna questao de tundo já faz algum tempo que(, e.,for<;o no ~enttdo de tnucr a ~oc!edadt• ··para dc-ntw" dos hvro~ J~..- IH~tt.lllct cmdtu. -.c numa 1rágtl chcotomta entre O'> plano-. mtcroscop1co e macroscóptco. entre ao o~ ma1s mdicad 0 , para abordar as \OCtedade-. nos .;eus aspectos púhl icos. Fm contrapost<;ao, u m outrn campo de 1nte1 ven<;ao tcónco-metodológica \e apresenta afirmando que nem toda!> a.1 h1.stóna., :-.ilo tocadas e del1nidas pelo.., eH!Iltl>:-. políticos Procura-se, ;bslm, um (outro) espa~o social (privado) capa? de <>e ofcteccr ¡¡ pcsqutsa IH-.tónca exigindo. contudo. novas abordagem. po1s. afinal de coma-.. trata-se de II:CUperar (uwadir) os espac;os ínttmos da sociedade. É pesaroso que nao sejam. o<: do1s planos. c~for~o~ cumulativos e complementare .... Días a:>slllala que: O descortinar al. ~~truturas do quotid.ano .10 nívcl da 01 gan 1t.a<;ao domicdwr. familiar e da~ par~ntcla~ e VILinhan<;.ts .:on~tllUJ terreno difícil. ondc a hlstuiiOgJafi.l pcnclra c~poradJ~..amcntc com Je,ultados bnlhant~:-., porém ~cmp1c com cno1 mes dif1culdadcs úc doc.;umcntao,:ao Nüo sti\1 caminhos tnl hú\ e 1s po1 hi..,toriadore~ preocupados c.: o m me todos q uc p1 CS1>11pocm cqu i1íhno. funciOnal idadc, eslabdJdade, conserva<;ao e "status quo''; e:-te~. vnluntanamente ou nao. -;e vcem enredados nos conteúdos forma1~ e normativo-. da-.. fontc~ .. (D1as, 1995. 51. 2~ ed )
É neccs:-.áno ~u..,tentar que a hhtória, como campo d1~c1plmar, dev,¡ se manter oferecendo lettura-. ~obre qualquer soc1edade dtvidllldo-se. metodolog1camente, nas prát1ca!-. h1stonognífica' do macro e do mtcro, do público e do privado? Há que se lembrar que" aten~iio aos microuniversos, na maioria das vete~. cl<í-sc em vlrtude da capactdade que o h1~toriador Jc~envolve de apreender ludo o que tran:-.borda e c:-capa aos domín1o~ dos determlni-,mo"> (económico~ ou qualquet um). e tudo o que¿ -.ólido desmancha nas detcrmmac;oe-; Ma..; ainda está por ;,;er dito de forma mai' det1da que se o "campo propíc10" ¿1 invcst1ga~fio dos un1versos microscóp1cos é delimitado a part11 da distancia que se toma em relac;ao aos determinismos. de qualquer espéc1e, o e~foryo delimitaltvo é \ 'UO.
É vao porqut! o ace,so aos eventos que transconcm ¡, m~rgcm do evento . • des\ KutaJu!- Ju~ grandes processos. como o da f
snpértlu
Conhec.:cmo~ o~ C!ttrago~ fe1tos na (lc~CII~ño CJCntíflca pelo~ c.,qucma.., da ·'contradilfáo", da "..;upera¡;áo" o u dn "dJalclic.t' . pob cm Marx, amda que <;éno soc1ólogo e lw;tonador, é o que há de mais inc.:an~avelmente hegelwno e qu..: p101 luncJona Como ímli!>, esscs esquemas ~empre atraem l .. j Para dar apenas um exemplo vJo;ível da atualldade do n1.1lcfkJO hegehano, obscr\e -;e o aprc:.sadu acollumento da mic1 ohistóna ou da pesqui.,a blllgrá!Jca l .j A minúci.1 ou a oríginalidade nao 1cm muna unportancia p.mt o lenor aprco;sado ou o seguidor prcc.:oce. O que o fasc.:111.1 é um princípio de ínterpcnelrary:io dJalét1ca que dc~rerta nele o dm minho~.:o hegellano sonhandn [. .] - . contando-me a mennr hiswneta, me t-ontnm a lm.tória de toda a ...ocJcdadc e de toda a épocn. [ J E!>IC r[JnC.:ÍplO hcgch3nO marXJSItC cm acertar ~1s c.:ontas do E~pÍ11to ab"oluto nas co'>lil!> de cada JndJvíduo, pois ~.:ada um é um microcosmo da din:irn1t:a sot.Jal. Ba'>la ahá)) cnunc.;Já·IO assim par a dc))pellal u m do~> ma1<; anugoo; fantal.m.ts de~cntívoc; - o da Jc<.:iprm:idadc especular do mic.:ro e do mac1o (Passeron. 1995 89-90) Tais questoes foram chamada~ com o objetivo de repartir com o lcitor ao; difkuldatles que clICO.., que apó-. os <1110'> 30 destc século passaram a di-;cutJr o paí..., a partir da releitura de no~-.a históna Desde os anos 70, nas vánas univer..,1dade~ do país, d""eminou--;e um novo debate entre hl..,tonadores, o que ~igntfica d1zer que o-. sucessores de Sérg1o Buan. ¡uc de Holanda, Caio Prado Jún101. Gilberto Freyre . .lo'é Honóno Rodrigues, entre outro,,
11 10
eonu-~.:ttzar;un
a partir de entao uma nova historiografía bra-;ilcira. nem -;emprc de ruptut a e m rcltu;üo ao~ gran eJe, meqrc,, nem scmpre de ~:onunuid,1ue. 1 l m pütll.. u Ju-, Lo da pesqui-;a ht,tónca .t lonte 1<17 o nlhar de qucm olha É pn.:u'o t.1mh~m ir .llém perccber a cmet¡,!.l!nct.t constante de nova., fonte-; para novos olhan::<;.
O lt\ ro Hi~touografio lml\ileim em penpectil'll apre-;enta-'c an dehatc sem ncupar-se coma recupcra~ao Jirct.t dos íconcs de nossa historiogralta, ou 'CJa. nao h<í um Lapítulo e~pecial dedtcado a Caphtrano. a Varnhagen. a Franci~LO Li,boa. ,1 13twrquc ele Holanda, Prado .Júnior. Honóno Rodl!gue\, entre tantm. embora lodo.., tcnham '-Ido revi.,llado-, pelo' autores que comparecem ne,ta coletanea. A "cartografía'' aqui bU!\Cadn ba-;eia--;e em Joj<, criténos. trazer a lu7 as lontcs que tem condu7ido a pesqutsa htstórica no -;eu fa7er-sc con,tante. o que quer dizer. evidenemr com quai., recuro.;o<: descnttvos, normativos e filológico..; o ,1cC~!\O ao p,¡-,-.;ado hrastlciro tem \Ido buscado ~lat<, tmportante do que rcavt\'ar a' dt..;cussoes em torno da pertinenct.l de determ 1nada!\ pettodizwroe:.. de determinacla:ruptura,, de determinado' "sentidos htstónco,", foi ~olicitar ao~ pe'>qui,adorc'> que aquí e..;tao que rclesscm as fontcs CLIJO manu-;cto os investe Ja condi~ao de intérprete' de momento., dect~ivos da htstória do Brao;il 0<: cnténos de cada autor rcvclarüo ao lcitor que cm torno de "momentos dects1voo;" há uma compreensao multtfacetada. sem nada que sugira unantmtdade, e cu1a e!>colha de fontes para o accsso aO!\ mc-;mos revela o angulo vi!\ado em cada qual. Apcís tsso. o '>egundo mov11ncnto analítico quer trazer ao debate os processo-; de "aqutsi~ao" de nova:- fontc .-. para ,¡ produ~üo de noves o lharc'> sobre o passado. Nc'>se sentido, é ncces,átto operar um desdobramento na expostr;ao Pnmeiramente, cncaminha-'e a di'>cu-;<,ao -;obre a rec.ep~iío de novas aportes e escoJa... na historiografía hrasiletra. Desdohram-se de tats prcocupa~óe" ao; tndaga~oes ~ubre a., pos.,tbtlidade-, heurí,tica' pre,entc~ na configura~ao de campoo; stngulate~ na hi!>toriografia, como tlo genero. das attes e das cidade.'-. Na 'cqliéncia, abre-\e espa~o as análtse'> sobre a pre<:cn9a do conhecimcnto hi,tóri~:o na <11 quitctura teónca e metodológicC explicttar a emergenc!a de campo' histórico<. patttculares. Tndaga-'>e, por exemplo. se O\ di lema<, entre o particular e o u ni ver<., al tamhém interfcrem na imagem de históna que a literatura elahora "no -,eu interior"
12
quando quer referir-se a uma hi,tória da literatura. E mais: - que configura~ao historiográfica c0nft>n' (ou nao) autonomía ;t hi,tória da educac,:üo em relac,:iío ~~ história. É aqueJa um :.ubcampo de.,ta? Com quats recursos a filosofía abn.. ¡ rerlocu~ao com a h1stóna para. em "terntório estrangciro", problcmatlzar a prodU(;ao de imagen:-. nas pdticas discurs1va-; da historiografía'? Em que momento a tlltelectualidade brasilcira tnterveto no debate político medmnte a evoca<;ao da história como base de autoridade argumentativa? E, por fim. como a hl-;tóna e a hi,tonografia se con\'ertem em produtos clo e para o mercado, ou seJa. o que é o
11
tivro de hi'itória? No seu aspecto material um livro é um espa~o finito. Essa fatalidade sornada ao; tnúmeras posslbtlidades que se nhrcm quando se pretende di~CUtll historiografía toma esta publica~üo ciente de que vem a público com !acunas Enseja-se. contudo, que seja a pnmemt de uma série de publica~oes que art1cule a produ<;ao permanente de uma história da historiografía brasilcira. O leitor talvez estranhe a dispandadc entre os capítulos quanto ao tamanho de cada um. Constderou-se conveniente facultar aos analistas ltberdadc de interven<;ÜO, com um mínimo de monitornmento, para que interviesscm mov1dos pelo dcsejo de opinar sobre os temas solicitados. Os caleido~cópio'> sao fabricados assim.
Por fim. é necessáno enaltecer o profiss10nalismo de cada autor aqui envolv1do. Cada qual retirou-se por um pouco de seus muitos afazcres para ~:ompor um texto inédtto para e~te HisrorioKrafia brasileira em penpecttva. Foram solícitos, gcntis e diligente~. A pequena parte de esfor~o que me cabe ne!>te cmpreendimcnto gostaria de dedid-la ü memória de Enio Silvcira. Altá~. qualquer tentativa de resgatar idéias na história das idéias, o debate na história dos debates, é, inevitavelmcnte, um tributo a ele.
13
ASPECTOS DA HISTORIOGRAFIA DA CULTURA SOBRE O BRASIL COLONIAL Laura de Mello e Souza
wsP)
rocurarci aqui tra~ar um paincl gcral da produ~ao historiográfica referente a cultura no período colonial: tcmpo em que Brasil ainda nao era Brasil. senda melhor chamá-lo de Aménca portugue~a. país como portugueses da América, mms do que como brasileiros - designativo dos comerciantes de pau-brasil -, se viam os próprios habttantcs do território. Evidentemente, impuseram-se cenos cntérios e recortes. Em pnmeiro lugar, meu objeto é a produ\=ÜO historiográfica realizada pelos brastletros. Esta op~ao nada tem de xcn6foba, visando apenas facilttar a ststematiza~iio e salientar as linhas mestras que tcm norteado os brasileiros cm suas reflexoes sobre o país. Urna próxima etapa talvez fossc examinar as preferencias temáticas de brasileiros e estrangeiros, se é que clas existem e apresentam um sentido definido. De qualquer forma, lembro, a guisa de homenagern, que algun~ dos mais expressivos trabalhos a tratarern de nossa hi-.tória colonial foram realt7ado-. por estrangeiros, ensinandonos, rnuitas vezes, a melhor enxergar nossa rcalidade: a magnífica obra de Charles R. Boxer, os trabalhos definitivos de Alan Manchcstcr, Dauril Alden, John Russell1 Wood, Kenncth Maxwell , Stuart Schwartz. Cabe ressaltar, contudo, que se trata, no conJunto, de obras de histót ia política, social ou económica, deixando ele lado a problemática cultural- ou fazendo, como Boxcr e Ru.,sell-Wood, que el a tangcncie, muitas vezes corn brilho, outros ternas. destacadoo; como primordiais. Em segundo lugar, examinarn-se aqut trabalhos que, rnesmo sem dtzer respeito única ou exclusivamente ao período que se convencionou chamar de história colontal - e que, iniciado com a chcgada de Pedro Álvares Cabral. estende-se até 1822 -. trazem subsídios importantes compreensao do período, confenndo-lhe inteligibilidade por intermédio da análise da cultura. Trahalhos que fixaram tem<íticas, sugerirarn fontcs e ditaram orienta~oes teóricometodológicas ao longo de todo e~te século, criando, ao fim e ao cabo, uma lradi{:iio. Na verdade, é da genese desta tradi~ao que trata este artigo. Os estudo-, mais contcmpodineos foram, cm algun\ caso'>, apenas indicados, e no geral tratados de forma mais ráptda e superficial do que os estudos precuro;ores ou fundadores da referida tradi~ao. Nas abordagen:. hi.,tóricas, é sempre prudente tomar distancm ante o objeto focal izado.
P
a
17
Nao cabe ao historiador defimr o que scja cultura. mas creio ser nece~~ário, no ambito deste artigo. explicitar o que c~tou ~.-ntt.mk:ndo pur till. Pen:,o em defmir;oes simples e abrangentes. como a de Cario Ginzburg. para quem a cultura é uma "jaula nexível". ou. mats ainda. na de Clifford Gcertz, que ve cultura como "tei.1 de :,tgnificado~··. 2 Na produr;ao htstonográftca aqu1 exammada. nao se privilegia a cultum erudita. ou letrada. procurando captar. ao contrário. a dinamica e a multipltcidade dos nivei-, culturats. Vai-,e. inclu,ive. do nivel mais simbólico ao nivel mats concreto· tanto os autores que bu~caram scnttdo na produ~ao letrada quanto os que se debru¡;aram sobre a \ida matcnal cstariio presentes neste artigo Muitas veze:.. a hbtória da ~:ultura e a ht~tóna das mentalidades aparecerao aqut mUlto próxtmas. Nao cre10 que este seja o lugar para definir os campos, atribui~oes e limites de urna e de outra, mas é bom lembrar que também na Europa - e sobretudo na Fran~a. pátna das an
Sem <;er obra sobre a cultura brasileira, os Capítulos de História Colonial ( 1907) de Capistrano de Abre u abre m pcrspect1 va ... analíticas que até hoje inspiram htstoriadores. Grande me~.tre ele scus contemporaneo!-1. descobridor da autoría de alguns dos documentos básicos de nossa hi~tóna. o grande emdito cearense foi uma espéc1e de promessa nao cumprida. ~ Nos Capítulos, contudo, apresenta perspectiva de análise mUlto original: ver nossa form tróp1cos dcvando-se ·•a porcentagem dos brancos". 5
Ma~ cu lt ura matenal dotada de irnportancia a caracteri<'il. a épm.e fanam a' porta'> da' cabana.... "o rude leito aplicado ao chao duro. e ma1s tarde a cama para 0 .., partos", a' cordas, o alforgc que carregava a conmla. "a maca para guardar roupa. a mochila para mllhar ca' al o. a pe1a para prende-lo e m viagem, a' ha mha' de faca. as b roacas e surroe,, a roupa d e entrar no mato,. ~ Marcada ma1s por um antlllfanl\mo construtivo do que pdo pessm1i<;mo que unantmcmentc se lhc atribuiu quando de \Ua publica~ao. cm 1928. é Rerrato do Brasil, obra do dtscípulo e mecena.,· de Capí<>trano. Paulo Prado Obra curio-.a e um 1,uHo de,Jocada. mescla de mova~ao e de con\ervadon,mo. cm que se enfoca a hi,tóna do Brao;J! sob v1és cultural e o:;e bu~ca uma curioo.,a tipologta quallficativa .:om base cm scnt1mentos. Assim, a luxtÍ1ia impera nos pnmciro~ tempos, de fixar;ño do homern ao meio: a cobtra norte1a o cstdbelecimento da atJvtdade económica e a cxpansao do território; a triste-:a e o romantismo dao o tom ao!> hábito<. de.-.fibrados e decadentes dos luso-bra!\tleiro" e. cm seguida, dos brasdetro~ propriamcntc d1tos O objetivo último é a compreensao de um wráter nacional, como no contcmporanco Macwwíma, de Mtmbólico de certo<; fenornenos da colonizaqiio. A<;sim. <;e sao datada~ ¡:¡.;; con~idcra<;oes intciaJs sobre o dcgreclo e a imagem do Brasil como urna grande terra de delmqúentes, é absolutamente atual a pteocupa~ao expres!>a ~ob1e o seu stgntftcado: "O portugues transplantado 'ó pensava na pátna d'além-mar· o Brasil era um degrcdo ou um purgatório". 7 Vida e molle Jo bandeirante ( 1929). de José ele Alcántara Machado de Oliveira é, como Retwto do Brasil, trabalho que se benefic10u diretamente da publlca¡;ao de fontc' documentaio;; até entao inédita!>. Se para Paulo Prado c.ontou mUJto a le1tura da~ Vuitaroes do Samo Ofício que 'eu <~mtgo Captstrano aJudara a organiLM. para Aldintara Machado fot fundamental a leitura dos lm•entários e Testamentos que, sob JnJciattva de Washmgton Luís, v1eram il luz em 1920 Apesar de ainda muiro dcscritivo. Vtda e morte do bandcilllntc capta com grande sen~tbilidadc e p10neirismo o senrido do cot1diano no que tcm de litúrgico, moMrando. portanto, gtande atual1dade temática. Na valontar;üo da v1da maten al como ckmento de tnteltgtbtlidade da cultura de um povo. uproxuna-!>e de Cüpistrano, ma-; leva ma1s longe a enfase no!> a'lpectos meno-; nobres e aparentemente sem importancia da vida, mostrando como podcm sct ahamenle reveladores Na rudeza Jos hvend.tr a pobren de Sao Paulo. abalando dct'JtlllJvamente a idéia de uma cap1tant
18
19
ENSAJOS FORMATIVOS: A ENFASF. NAS RF.LAC::ÜES GERAIS ENTRE HISTÓRIA E CULTURA (1907-1936)
Cia.,par da \1aore de Deu~. 1'\um Jo~ mais befo-. capítulo~. "Em fa<.:e da morte", empreenue ) ...¡ue hojc se ... h•• n .•t de .máli<>c J'- mu•taf¡J,¡Jc., . m,•,t1.111Ju LUIIIu u medo Jo monbundo k va ,¡ ,u rependimentos capa7e~ de revelar as ma7efa.., pmfund.~~ Ja 'ouet.laJe c~t.t.t\ 1\la. E fragmento'\ de analt~t.: Jc.,te tipo se encontram cm uuti\IS pa'>audost'>ta" do Antigo Regnne franccs. Se do ponto de vtsta idcológ•co o autor ainJa '>e filia a urn paí., arcatco. de"eJando que o Brastl fos-..e un. \asto engenho Japaranduba - como o de "cu primo. Pc;:dro Paranho~. -.egundo confc.,.,a em Tempo moflo e outros rempm - é inege .;cguem de perto: Sohrculo.•· e mucamhv~ ( 1036) e Norde:.te ( 1937). 10 Freyrc Jtgni flcou os anúncio.s de JOI'Ilal\, os diáno<, e a corre-.pondencla familiar, o~ e!>CrttO\ Je viajantes cstrangeiro-;, os livro de 1oda e toda a tradic;ao oral, mulliplicando os "suportes culturai~" a d1sposi~ñ.o Jo 11 lw,tonador. Antes de toda a prodU<;:i.io h1.,tonográfica contcmpon1nea, centrada na questao da-.. mentalldade-. e da cultura. mo'>trou-nos que o~ tempos da vida !>ao objeto" da lliStóna tanto qu,mto <.,U..t\ invariante.., ou como o próprio ecúmeno. Foi. assim. p10neiro na-. anagem heyre tnovou tarnbém no método. ondc contudo a.; fragilidades e incongruencias se fa7em nota1 de forma mais evtdente, como ressaltaram postenormcntc váno~ crÍtiCo<;. A'>scntou as ba~es de seu livro inaugural no criténo de difcrencia~ao entre r:1~a e cultura: a prímeira de 1xamt de ser categoría explicativa, papel doravante at11buído ü cultura Se a cxplorac;:'io económ1ca foi v1olenta e iníqua. a mestic;agcm atuou como elemento .ttenuador. diminuinclo a" distancia-. entre a casa -.enhori males tr.tdlctonalmentc imputado-, a mc'>ti<;agem -
•• t)
20
pas.sariam a ...er atrihuído" ao 'tstema econ(>llliCO. Ao contrá1 io da rnonourltura. a ¡¡¡.,:~ti~¡-agem mo .. trou-s•' ~t'lll~, ICI 1)('1 Bn,il e cm ('(/\(/ r;rmulr' & \'pn-uln \'111-'t.• pela prime1ra ve7. ab01dada como fato ...oual. ··omc dado -.octOlóg1co. e:n que a tran~llll~'>ao cultural - 0 momento da cultura -· L'l>nt;, m~u-. do que a tran~mi~sao 1' genética ~ A percep~áo da mestl tfcmais pOVOS. Cl11j)I'L'L'Il(fe¡ lillll a colonizac;iio soh a C~(lde Ja mobílidade. da llliSLibilldade e da t~cfllll.llabilldaJe. Teónco Je um !tt\o· rropicali11no e, em últ1111a in-..tancia. ju ... tlftcaJor Jo 1111pcriali~mo portugul:.s. Freyre ganhana grande pre<.,tJgtO em Portugal durante o regime d1taronal de SalaLar ~ ~1a-. a percep\-·ao po-.ltl\'a da me\tH,;agcm. aliada a -..1lon7ac;ao da cultura. permitina igualmente a l'n:yre cles.ac;.:•· a originalidadt.: de pr cotidiano-. tributáno.., do entrecruzamento Jo., rr2s grupo'> que con-..tttuíram o po\o bra-.lle1ro: portuguese-.. .•tfncanos, indígena"- aqui. n;.o maJ'> "as tt·e~ ra~a-. 11Tedutíve1s" de Capi<;trano Segundo ~ua concep~ao. as cultura!\ indígena e negra Jama l.'> tena m se enqui-,.tado no Bra~i l. ncm contra e las se tenam desenvol v1do ódio.;, ao contrúno, v1ram--.c respo •sáve1s pela J1namiza<;ao da cultura dominante, da mesma formJ que a mi-.cigenac;ao <.,uav1zara as rela~oes \Ociat~ e inter-ractai .... Sem utili7ar a l!xprc'>sao ou problemat11ar o conceito. Freyre lanc;ou. portanto. as ba-,e-. dti~agcm cultural no Bra<>il, vt'>tJ numJ per-.pccriva predominantemente harmon1ca, posto que capaz de equilibrar os antagoni<;mo-; enrre cultula\· a européw e a mdígena. a europém e a african.t, a afncana e a rndígen.1. Tal me.,tic;agem pode ocorrer dcvido ao estabelecimento ele certa rec1procidade cultural que, nao raro, teve valor c~tratégico. H ;íb ito~ alimentare-; e culturai-. dcpo1s mu1to arraigados :w cot1Jmno luso-bra-;ilerro !'oram gcrados nessc amb1ente propício ü reciproc1daJe. No que diL re.-..pelto ~ts contnbui~6es cultuntl'> Jos indígena~. Freyre chamou a atenc;ao para a "couvade": para a afinidadc com os .mimais: para o "mtlo do bicho'' - que dc,ignou como .sobrevivencta de tendencias totemrca<, e anlrni-.ta'> presentes, entre OLitros exemplos. nas históna<. hornpilantes de b1cho<,-papoc-. que comern crian~as -: para o "complexo Ja mandioca": para o "mito do anJo menino" - ou ~eja. a valonzac;ao das cnan~a.s morta'>. operada pelos jesuitas a f1m de re~ponder a terrível 1110rtandacfe infanttf entre O\ CllrtlllllnS. Entretanto, a abordagem de Freyre valo1 Íí':l sobretudo o aporte cultural nfricano. desracanJo-lhe o caníter positivo e most1ando que tudo quanto .se lhe imputou como rra~o negativo dizia respe1t0
011!-.tura cultUJal uma extraord1nána alegria e VJtalidade lnfluenciou a" cren~as, o-. costumes, a fa la. A 1in gua portugne<:a tiin d1Jra dad,, a cnloctr os pronomc' cm enc lisc, foi amolecJda pelo negro, que lhe abrandou os SS e os RR, criando uma linguagem falada de crii.ln~as grande-; que ac.tbou por 'e generalmu. Se a percep~ao da me~tu;:agcm ..:ullural C: tra\-o t!\lntftiiWift na obra de freyre. cabe destacar outro' assuntn' que, ma1s ace\<,Órios, abrcm contudo poo;-;ibilldades me-;timávCJ'> para a invc'>tJgayao. Assim, o relevo dado as rela<;:Cie.., 'exuaJs e ¿t rellgiosidadc popular, con,iderado' objeto-. dignos de análise e neo<, cm elementos explicatiVO'> da cultura bra-;Jic¡ra - mcsmo que a per..,pecti\a entiio adotada nC det1vera com tal vagar na quesU.ío, o que lhe confcre precedencia de mais de quarenta anos '>Obre mteres-.c mu1to atual na hisLória da., mentalidades francesa ou na históna cultura l dos anglo-saxoes 11 As péí.gina.s sobre o sadismo sexuctl, imperante nas relac¡:oes entre senhores e cscravos, permancccm antológicas: -;adismo man1festado desde a Infancia, nos "menino!.-diabos" a 'e beliscarem e a darem bolos uns nos outro<>. e atmgindo a plenitude na 1dade adulta ··a exagerada tendencia para o sadismo característica do bra<>ileJro, na-;cido e criado em cao;a-grande, principalmente em engenho". 14 E alguns imi¡::h1.1, relegados it condi~ao de nota de rodapé, tém susc1tado bons estudos contempornneos. Veja-se um exemplo: "Nao deve f1car -;em reparo o fato de, num país po1 tongos século-; de e:-.cravos e Jc mulhere-, recalcada.., pela extrema pres<>ao masculma, o culto dommante entre a maiona l.atólica 'er o masoqu1sta. sentimental, do Corac¡:ao de Jesus. É comum entre os poeta' como exJbJcion1smo do corac¡:ao sofredor. A nossa literatura amorosa, tanto quanto a devocional e mística, está cheia de coraqoes a >:angrarem voluptuosamente; ou entao magoados, dolondos, fendos, amargurados, dil.tcerados, cm chamas, etc etc " 15 Po1~ é JU!>tamente no tocante ü religiosJdade que sua pos1<¡:ao envelhcccu bem menos, e tem in~p1rado um bom número de trabéilhos. Aprox11na-se dos Cta per'>pectJva. indica t1 afetJ\ 1zac¡:Jo di.l vida rcligJO'>antos como trac¡:o., fundamental\ dt~ religio;;idade luso-brasileJra. Como cxcmplo!> de un1 e outro trnyo, vepm-se as Intimidades clesabusadas com o<> santo-; da casa, muitas veze;; 111vocados em diminutivos cann ho~os - "Santo Anton111ho", ··am1go >:antinho"- ma<. nem por is-.;o isento!> de m~m PtJgo de uma promessa nao cumpnda. V•.!J<~m-o;c o:- nome!> de docc.s conventual'- de '-Uge-;riva conota9ao Lilica - papo,-deanJo. harriga-de-fre1ra, levanta-velho, língua-de-moc,:a. ConsJderem-'ie a<, prútJCil'>
22
da~ JOvens ans1o"a" por engra\ 1dar e, po1 ls'>O, dada' ,1 es fregar a gcnitália com santos patronos Ja piUl.l ia\-au. "L S::íü Gon~ralo do i\marante só faltand o tornar se oente para emprcnhar as mulhcrcs estén;i..,, que o aperreiam com promessa-; e e' fnc<¡:óc-.. E Sao Joao Bau-.ta k'-lCJado no '>l!ll d1a <.:omo 'e fos!>e um rapaL. boniLu e namorador. -;ollo entre mo~ra' casadount,, que até lhe dirigcm pilhéna~· ''· Recordem-se trovinha' populare..,, como c.-.w:
Sao
Gon~alo
do •\mar.lntc
(a\UillCOICÍro tf,¡-, \Cih.t\
P111 Qu~
Ou
~unda
como esta
qu~..
nul
nih l..l'>ill'> a~ lllll'tas Hl:> fltl.:l .un cla~) 1
OLJtra:
Da1 me no1vo. S.io Joao. da1-mc notvo. 17 d<11-m~ noivo que me quero ca\,u.
De Casa Grande & Sen::ala cabcria re-.salvar que nao o;e tratt~ de estudo !>i sobre e$Se período. Raí::e' do Brastl ( 1936). de Sérg1o Buarque de Holanda, marca. na verdade. o mícto de uma hi-;tória cultural madura e rigorosa do ponto de \Jsta teórico e metodológico. Gdberto Freyre obt1vera boa forma9ao academica no!> Estado' Unidos, e divulgara, entre nó-; , a ant1 opologm cultural 1101 te-americana. Se u estilo irreverente e caudaloso, contudo, mascarava incoerencias, contradi~oe-; e graves falha-, na compo-.i~ao da obra. Se Raí-:e\ do Brasil é aio, na boa trad1~ao brasileira de pemar o ptlí~- corno hcyre, como Pr.Jdo. como Capistrano -, aborda, pel::l primcira vez, tema.-. ligados it cultura com metodologta rigorosamentc adequada ao obJeto, maneJando conceitos com seguranc.:a, ancorando-s~" na sociología da cultura dos alemiics, na reona -;oc1ológica e na etnología. Fm prefác1o clá-;s¡co. AntoniO Cand1do mo,trou tal filit~~iio, acrescentando, as suas tnfluencJOCJa 1 dos f 1ance..,es" ll' ",., re10 'er possJ\ 111fluencia propnamente d1ta, uma surpreendente afinidauc e coinctdéncia temát1ca e metodológica entre Sérgio e os fundadores da moderna historiografía francesa, O'\ homen~ dos Annales - Marc Bloch, Luc1cn Febvrc e. Já na o;egunda gerac.:ao, Fe¡ nand Braudcl A vida material, a'i mentalidades. o 1mag111áno foram objetos que se impuseram tt um e aos outro'> na mesma época. e certamente em dccorrencia das lcJtura:-. o;;emelhantcs que todo-; faziam entiio. combinando históna, -.ocJOiogia e
23
0!-> trabalhos que. IHh anos 40 e 50. \oltaram-\e para a problemática d~h relayóe-. entre H1sróna e Cultura na fonnayao do Brasil d1fcn::m ...en-..Jve lmente do-.. que lhc-.. antccederam. murT<•Jo-.. pelo tom emaí-;tico e pela ahordagern mai-.. fluida. Um excmplo -;ignificativo 0 \ mltura hm.1iletra. de remando de Azevedo ( 19-l-.1). esfon,:o de ,j,tcmatiZ tcmpo'- colm11a1' e afinauo conforme o d1apa.,al1 tcónco da 'oc1ologia curopé1.t Ohra acadcm1ca. preocupada com a explica<;C achava, na época, bem rep:lltiela entre os bra~>ileiros . faltando-lhe" o apre~o pelos valores culturai-; que só a educayao si..;temática poderia trazer. 19 Tal perspectiva tr.u op~ao teórica já na época di ...cutível e hoje msustentá\'el: identificar cultura e educa~ao. acn.:dltando que a primcu-a se resume ae:. in..,tituu;oe~- e~cola~. b1hliotcca.,, academ1a~ e aoc; suportes JI\ ros- ligadm ao un1verso da ... letras 20 J\..,.,¡111. apesar do bom panorama acerca das cren~a., rehgiO.,a'> -· identificadas ao catol1cismo oficial, acossado por "impurezas arro, d"ws .. que o amea~avam !'>Cm cessar de " contamrna~ao . - " 21 - . e1as at1 v¡ dadC.\ 1n litcrána~. artísticas e científica ... constitutthiS do que entcnde ser a cultura propnamente d1ta, e objeto da ..,egunda parte do livro 22 • a obr.t de Fernando de Azevedo flcu. em todos o., .,cntido!>, aquém da de Fre}re. Para e-;te, cultura, entao. JÚ era muito mais do que in..,tru~áo; multifacctada e plural, nao .,e restringía as elites, con.,tituindo uma e... pécic ele escala crom<1tica de todo um povo. i\huto ma1s rica e complexa é a posu;ao de Sérgio Buar que de Holanda . Monrf,".l ( 1945) e Camwlws e frontemts ( 1957) marcam sucl consolida~ao como historiador da cultura. vollado para o estudo minucio'O "ias técn1cas e prática..; da vida cot1drana Nes-;a época. 'ua inspira~ao vcio de Koch Grunberg. Norden..,k1old. Frieue1 ic1 . .t antropología mostrando-<:e como vía necessána a rcflexao .,obre proces.,o!'- hi-..tóricos, notadamente no vré.., da análrse cultural No plano o mar-; genérico pos<,ível, o ObJeto de Mon~oes e Caminho<; e Frontciras é a história dos pauhsta" ant1gos: popula~oe-.. mamclucas 4ue vrv1.11ll a cavalciro de duas cultura~ . equilibrando--;e na ten,ao entre mobd1dade - o caminho, a penetra~ao fluv1al (monrii,) - e -;edentanza~:io a jronreira. onde tradi96es de naturcza diver.,a "e comb1na,am. produzindo tcc.:nrca-,, costume\, atrtudc,, artefato-; Do ponto de v¡~ta metodológico. o autor bu,ca comprecndcr. cm toda a -..ua comple\idade. o
ecalll\ll10 das troca,, -;íntcsc~ e .,olu9oe., cultural.,. 0Jao \C trata de constat,u cf(fitwio de trar;os, ma.., de perc.:ebcr que a forma a<,<,tllmda por tal' tr circunscrito. a anállse 1ncidc sobre a vida material - vrés ele que parte 110 , comprccn..,fw mars funda. restabelcccndo -.c. a.,.,im. o pcrcur-;o de volla do 1 '1 part1cula1 ao geraJ.-· Apesar da mútua afiniJade entre O\ doi' livros. Cammlw.' t' fronrcira.,· ~ ,¡¡.., complexo metodolog1~amcntc e multo 111<11'- neo na" po-..-,rhllidade!-> temática" 111 que ahrc . ..,obretudo cm "lnd1os e mamaluco' na expan<ío paulí.,ta·· - anúlt-.c \oltada para "a" <;ttua~oc" "urgida" do contato entre uma popula9ao aclvcntícia e os antigos natura1s da terra com a ..;ub.;;eqtiente ado novt.. artigos que compoem c-;tc núcleo ...ao pcquena-; obras-pnmas. capa7e" de surpreender e maravtlhar a cada parágrafo. Murto .tntcs das con"'dcra~6es de C.trlo Gint:burg sobre o conhccrmento indrciário. Sérgro Buarque de Holanda aborda este problema cm "Veredas de pé posto" e "Samaritana<; do sertao", detendo-se o; obre a dimcnsáo cultural dos sentrdos e da percep~ao. No primeu·o, discorrc sobre a arte de -;e ouentar no mato por mero da lcitura de pegadas e ramos quebrados, mostrando ainda como há um "jeito de corpo·· própno para a marcha langa - os pés devcm ficar ligciramente \OltaJo-; para dentro-. Jc¡,ele cedo incorporado pcloo; mamelucos de Sao Paulo No segundo, trata da questao do aba.;;tec1mento de água durante a., langas jornadas sertiio adentro, e da forma próp1 ia aos camrnhantes de decifrarem sinai.; refere ntes aex istcncia de mananciais ou rcservatórios. !S "Iguarias de Bugre", "Ca~a e Pesca'' e "Botica tia Naturen'' sao um marco na trajctória do autor. contcndo Já algumas das qucst6es po.,¡enormente explorada., em Vl\lio do pllraíso. onde o "gasto do maravrlhoc:.o" iria adquinr importancia central. Exploram a incorpora9ao. por parte do europeu. de hábnm. alimentares. venatóno-; e curat1vos tnu.\itados e exóticos, mo<>trando que, mcl\mo se subordinada afome- "companheira da aventura"-, a itincrnncw ou i't. premcncia da doenc;a, cla ~e fazia quase 'lempre através de criténos ora seletivos, ora analógico-.. Estcs últ1mos -,e encontram pre.\ente'>, por exemplo, na cren<;:a na virtude de certas pedras existentes nas entranhao; do' anunars. identific.tda~ pelos colonos a Jendária pedra bezoar Manifestam-...e arnda na ado~ao de ccrta<; prútlcas indígenas de pesca como o hábito de intox1car o" pcixes, velhas conhecida<, dos portugueses. Na nova terra, Jrante de peculrandadc... do meio natural, "ande nao 'iC reproduzem exatamente as visocs hahitu~tt.,, a imagina<;:e lustónca
24
25
antropnlogJa Gílberto ¡.:reyn.: f01 um preeur!'>or da mode1na hi-..tón.t da-.. l11CiltUJÍU;H.k, ~ J¡¡ lll..l\<1 Jw,tóri,t -..UJtural, SLif;Íu fui Ulll Jo, 'CU' ~llilJOII.!\. ~ ll iC/, -;imultaneamente ao., france\e'>. mesmo que os autores a guiarcm-no tenham s1do diferente!'>.
Dnl\ln ,\ ( ,\o Do OB.JFT<>:
ll~n H1s1 úRI
\ D,\ cm:n .!RA ( 1945-1959>
111
tendente a di,cnminar [ ... ] entre o-. ckmento~ importaJo, e o~ que procederam Jm:.>tamente do genno. Tra<;o' comun-. prepararam.....em duvtda. e antectparam. a -.ínte'e desse' diversos elemento-. [ .. ] 'ao digno~ de tntere.,se, por outro lado. O'> procc,,o, de ractonalt7a<¡:ao e assimilac;:ao a que o euroreu ..,ujcttou muito" de tais elemento'>. dando-lhes novo-. "igtttftcado., e novo encadcamcnto lógico. mais em 2 harmonta com <;Cu<> ~enttmentos e '>eus padr6c<; de conduta tradil:tonal" . c. Ese revendo nu m momento cm que mu itos acrcditavam na ..,obredctenninar;ao do economico, e quando se comer;ava a cogitar, entre os ht'>tonadorc" francese~. na autonomta das mentalidades - fenómenos de longuí... .,tma durar;ao - Sérgio Buarquc de HolanJa fica muna espécic de metocatmnho extremamente ... ugc,tivo. Caminhos e ji'cmteirm mo-.tra que fot nos a~pedo" da vida material que o colono e ...eu' primeiros descendentes se mo::.traram mat" -.en-,ívct-. "a manife...,tar;óe., dtvergente<; da tradt~ao curopéia", mantendo. 7 "empre que possível, o legado ancestral no tocante a vtda famtltar e em socicdade.~ Mas foram determinados tra~os de mentaltdade, peculinrcs aos colomzadore" portuguesl.!s, que penmttram operar a <;eler;5o das técni(.:as adotadas, a retirar, da bottca da natureza, cenas sub-;tancia<; e nao outras, impnmmdo sent1do nos arranjos cultura•" e intluindo sobre a ht-.tória dos homens. Mentalidaclc que nao se aprcscntava quasc 1móvel. como nos trabalhos de Phi lippe Arie.'>, ma" passível de alterar--.e aO'> poucos. sob o unp,tcto da "agitac¡:ao de '>upcrfícic" repre~entada pela adoc¡:ao de novas técmcas e de nO\O~ costumes 2lS Mentahdade, por outro lado, n constituir o <;ub<>trato comum de práttcas dtversa~: há analogta, para Sérgio, entre o ra~cínto lusitano pelo ultramar e o fascínto dos mamelucos paultsras pelo mterior. 29 as monr;6e!> a'>~umindo. ne1-te tmügm;.íno, a forma de urna "migrar;ao ultramanna" Trata-!'lc, as~im, do 111esmo. obJeto repensado j:í a lu7 Je outras cogitar;oes: as que emhalavam a fe itura de Vislin dn pomísu. Defendido como tese cm 195g e publ1cado em 1959, Visiio do paraíso cono;tttut, ...em nenhuma dúv1da. o atestado de maioridadc do'> e\tudos de h1stóna dí.l cultura no Brastl, e, neste genero, nao foi até hoje suplantado Obra precursora. trac¡:a a ht<;tória Jo untver<;o mental do" colonos portugueses da época do<; descobrimento~. enfatimndo-lhc o caráter míttco e explorando. como em scus ltvro!> antenores, a tcn ...ao entre mudanc¡:a e perstsll~ncta. F, pois, n histórin de uma proJec¡:ao 1magmánaa crent;a lu<;itana no mito Jo pa1aÍ'>O tetre!.tre- ou, como se dt7 hoje, uma históna do imaginúrio. Nao deixa de 1-er um,t ht~tóna comparativa, pots há con<;tante rcfcrencta ao contexto cspanhol. dwnte da riqueza mitiftcadora dos vi7inhos- "frondosidades"-. a 1 maginar;ao portuguesa í.iparece pobre e rasteira. apegada a expenencia, madre de rodas a.•· cníws. em detrimento da fanta<;ia; imaginar;ao enfa.,ttaJ a "de portentos e prodígios": "os olhos que enxergam, a!-. maos que tatciam, lüo ele mostrar-lhe-; 10 , . de aventura e o cun'-lantemente a pnmetra e a u'1.ttma pa 1avra d o ~aber.. . o e1-pmto fa::.cínto pelo desconhecido lcvam o' c~panhói!> a aceitarem o maravilhoso. enquanto O predomínio da tradtc;ao amatT
Junto ao" índtos - faria c,trreirn na América Portuguesa. Sempre rcclaborado.,, c.:ontudo, e redt171dos ;,, proporc;:oe' ma•' concrctn" uo dia-a-dia. Era asstm que. 111ais do que as fruta-., intcrc,.,ava a Fret Antónto do Ro<>éirio o que a apa1éncid dcla<., pudesse dl\sl m u lat" ".-.cus ~ecretos :,ignt ftcaJos e se u h ierógl ifo mi "terio-;o. Aferrado, embora. a-, cot<>a<; vi'líveis e concrcta1-, nüo lhe tmportava tanto o vé-las com o<> olhos ou apalp<í-las com a mao, quena. -.tm. ver e <;cntir através dos olho'> e - ,~ . das maos O" demni'> mitos, qua-.e semprc de in'ipira¡;ao e"panhola - '·o, grande'i mttO!. da conqui~t..t tbérica foram. com uma únic,1 C\ccc;ao. de lavra castelhana" -. entrariam no mundo de tnlluéncta lusa atenuado'>, rcclaborados e reduLtdo~ a dimen'>aO mai., conc1cta da' tela cotidiana.n O sub,trato mental do., coloniLadores, ou o seu imaginário, nunca lwvia ,.,tdo abordado como elemento imprescmJível para ..;e compreender a constituic;iio do espa~o geogdfico Ja América portugue'a e do proccsso colontz<~dor. Retomando as analogta~ antenormente utili?ada-, cm Raíz.es do Bra.\tl, Sérgio Buarque de Holanda dú nova intcligibiltdade- de forma aliás originalísstma - ciO Iemido tomado pela nossa colonizac¡:ao - para usar ,1 problemática levantada mal" de dez ano<; ante-. por Cato Prado Jr. em Fomwréio do Brasil contempo}'(ineo A Espanha que trayava na Aménca cidades quadriculadas e bcm disposta., em torno de sua prac¡:a central era, por p.tracloxal que pudes..,e parecer, afeita a mitificac;:6e!.. Já os portuguese\, de~le1xado!. na urbamLac¡:ao, dcixaram-<>e sempre glllar pela expcriéncia. Também paradoxal é a constatar;ao de yuc a incapaciJade Jc mitificar nao tmplica, obrigatonamente, modernidade mental. Serin antes o lado arcaico da mentaltdade lusttana que importa a pobreza tmaginattva, a rotJna, a liás presente em tantos ato:- da admmt..,trac;:ao portuguesa no império. E este é outro ponto ao mcsmo tempo bnlhantc e comrover~o de sua análi<;c. O que foi con-.iderado movar;ao e pione1ri.,mo para muitos autores, ante1- e dcpoi~ dele - lembre-se, nesta qualtJade. Joaquim Ban adas de Carvalho e toda a ~ua dtscussao sobre a c'>peciftctdade do Rena<;cimento portugué~- aparece, em Viwio do paraíw, como apego ao passado e. em última m-.tftncta, entra ve a modermnc¡:ao. H A crónica do século XYl. minuciOsamente dC1-Critiva no tocante as coisa<., do Novo Mundo e da Ásta, aproxnna-sc antes do "verismo naluralí;;ttco [... ] con~tante de fragmentos e fa lho, por assim dtze1. de pcrspecttva", muito mais próprio aos homens 4 medicvais do que ao-.: e:-.critorcs do Renascimcnto ·' A ativ1dade coloni¿adnra, de carátcr "disperso. fragmcntário. linear" discrepou cm tudo da ativtJade ca::.telhana. 1 verdadeiramente inovadora cm termo<~ colontat1>. ' Chega a parecer que, nao lo,.,em o., pauli-.ta~- centrai,, cm toda a ohra de Sérgio. como elementos moderntz.tdore' cm no~sa história -, os ponuguc,e~ ficariam mdef tntdamet.te arranhando a LO\t,l como caranguejos. na famo'a formulac;ao de Frei Ytt:cntc do <)alvador.
26
27
Um ou mitro mito. como o da
pre~en~a
Jo apó,tolo Tomé em tcrras
bra~ílicas - o Sumé tnvocado pelo:-. je,uíta-. para .JUSttftcar ~ua ac;ao catcquétka
''
A influcn(.:la Je Sérgio BJarque de Holanda no plano do-. e-.tudo.., de eultura tal va nJo se tenha tello notar tk• 1mediato Nos final'> dos anos 50. a lw.toriografia come<¡ava a se L'aracteri?.ar por trabalhos ma1s econom1co-.. gravltnndo cm torno das obra, de Ca1o Prado l1 e de (\•l,o Purtadn Conw 'e ved ad1antc .• 1 htstóna Ja cultura :-.ó comer;:ou a ganhar for~a no final Jo, anos 70 Entao. o recur'o ao~ escnto~ Je Sérgio se toman.t Imperativo. e \Ua poderosa pcr,onalldade intelectual dominaría a cena. Alem do que, tal influencia continuaría ap6s sua morte com a edi¡;éculo XVITT 1itcrário, notada mente o 3
(II'Ci.ldÍ \m O ''
Ape.• ar de se '>lluar muna área ma1s propnamente l1terária, Formoriio da laerutura hmslle1ra, de Antonio CandH.lo, publicada qua~e ao mesmo tempu que a obra magna de Sérgio ( 1959). viria a te'. algum impacto sobre as anc do~ movnnentos -.o~1ais. notadamenle a conte~ta~ao ~ediciosa própna ao fim do período colonial. Antes do século XVIII, d17 Anton1o Candido, a cria~ao litcnína algumas veLe~ conheccu fo1 mas privi lcgiadas e originai-.; Lembre-sc, como exemplos máx11no.;;, Gregario de Matos Gut.!rm e Padre António Vie1ra, cm quem a percepc;ao da e\pccific¡daue da v1da na colónw já <;C fa¿ nota1, 111fluindo na obra poética de um ~ no~ <>ermócs do outro. Contudo, é prec1so diferenciar manif'estarcio hterária de .itera/tila, e~t.t entendida como "sistema de obras ligadas por denominadore~ co•nun,, que pe:mitem reconhecer a-. nota., dominantes de uma fase" Além das caracterí..;ticas Internas (língua, temas. imagens), t;u-; denom111adore-; cnnsistem em 'cerio'> elemento.., de natureza -;ocial e psíqu1ca, embora literal iamente organw1do..,. que se man¡fc-.tam h1storicamente e fazem da literatura aspecto orgiinico da CIVIII?a~ao"· a ex1stencia de um con¡unto de produtore~ literários. "mais ou menos consc¡c; tes do seu papel"; um conJunto de receptores, "formando o~ diferente.; t1pos de público. ~em o~ qua1s a obra nao \lve"; um mecanl\1110 tran<;mi-;sor- uma l111guagcm, tracluz1da em estilo". "que liga uns a outro~··.n Neste 'ientido - na constlltu c;üo de um si\lcma - a literatura brasileira teria '>urgido apena<., no século XVLIL marcaua pelo neoclassici.,mo. pela ilu~rrar;:ao e pelo aH.:adl'>mo •s Ligaua, em ma10r ou menor grau, a tomada de consciencia da situa~üo da colónia e il luta pela emanc ipa~ilciro~; Fmmaulo da lllemtura hrasileri
2R
cultura na América purtugue:-.a ~ apena' "Letra~ e idé1a~ no período colonial". Pela~ ,ugc-.tl\'as pagma~ inll.liH'>. rcfelt:lllt::- tt S:i\• Pttulu 11..1 '-' J ióm..~. Lab... ¡;,mtudo Jc,t.acar "A literatura na evolu de Sérgio Buarque de Holanda anteriormente referida~ , 011 ..,tltuem. a meu \Cr. a própria criaileira. Gdberto Freyre. precur~o,or em tantos <;enuJo:.. inaugura tema,, renO\'a o u... o de fontes e 1n1cia a análl~e da LUilllra muna perspectiva fortementc influenciada pela lw-.tória, sem contudo conseguir, no enfoque e no método, supluntar certa -.uperpos1<;ao entre esta d1-.ciplina e a antropología. Com Sérg1o. o conceito de cultura proc.ura abar(.ar uma gama ~igllll'tcativamente m,uor de C\pa~os. dando nova mtelig1bd!dacle ao proce~1>0 histónco: a v1da matenal. o cot1diano, as mentalidades, as prát1ca~ e li'>O' populares e também a' ma1s altas manlfe:-..ta~oe., do e-.pírito humano <;e combinam e c;e relac10nam dialet1camente com .1 soc1edade. A h1stória da cultura conceb1da por Sérgio Buarque de Holanda entre O'> anos 40 e ~O nfto difere muito da l11~tória cultural pratlcada hoje. rcssahando-se C\ identemente o maior rigor e cu1dado que o conee1lo de cultura tem rcceb1do ma1~ 1ccentemente no amb1to da antropolog1a, Je onde vem ganhando 01., domín1os da hi~;tl)ria
ENTRE A HIS'I ÓRTA DA CUL'IlJRA E A HISTÓRlA DAS MEN'l i\LIDAJ>ES: Os PRI:\IEIROS MOME~TOS (1967-1986)
Como ¡á foi dito, a produr;ao lw.toriográfica ~obre o período colon1al nüo conheceu, durante a década de 60, obras p.trticulannente Significativas no tocante as abordagens de h1stóna da cultura. l<>to \e deveu. po..,..,ivelmente. ;¡ inlluenc1a conjugada da conjuntura h1stónca- o tníc10 do longo pe1 íodo dl{alonal no Bra.,il, que afetou de forma p<~rt1cula1 as c1éncia-.. humnnas- e da rear;:ao a cla O p10ce-.,<,o de polniza\ao. crescentc desde a era Ju,celmo Kubll\check, nao foi 111terromp1do de II11CÚ1ato quando do golpe llltlltar, e O maior IIHCres~e. no ftmbito do:-. e\tUUO~ de história, socinlogia e antropología. era dc<,pertado pela aniil1se das váncb formas as\U!111das pela lula política, do funciona mento da econom1.1 - a problem difícet-.., os e1>ludo-; sobre cultura parec1am meno-.; urgentes. e talvez p01 i-;so tenham 'ido momentaneamente de1xados de lado. Allás. como diria Maria Bt:atnz N111a d,t Silva .JÜ no final da dl!cada de 70, ,t hl,tóna da
29
cultura era vítirna de um ...cm número de pr~:~.:oncetto'- fo~~c por ultltzar fonte\ arnpl:lmcntc mJnuseada .... -.onhc... iJ..t, J~. luJu"· fu,"c: pt.:lu :-.cu ~.:aniler meno, "preci-;o"• e -10 "científico" - confut me cnt~io diztam O!> adepto:-. da ht\tória \erial e quantttattva. Sempre buscando a pt.!r'ipcctlva emmentcmente hi<.tónca. cabe destacar. em 196 7. a publica~ao de uma notável edt~ao cntica, acompanhada de sei' be lo~ en~;aio.., ondc a an:íJi,e tle hi,turiador e a de cnttco literário aparcccm ttllerligadas. a-;<;cmelhando-se ao que \ 111ha -;endo feíto na Fu ropa ern geral e na Fran~a e m particul<~r de:-.de. pelo meno,, o tnícto da décm.l.1 de 60. e entao bat11ado de hnf(}na da\ menwlidades. Rcftro-mc a Residuos .IC't\centistw em Minas - textos do \'éC11/o do o u m e as proJef·oes do mundo barroco, de Afonsn Á vil a, ba\tante influenciatlo pela leona estética do barroco - Wolffltn, Wel\bach, Hatzfeld Centrando o foco tlO\ fenómenO\ cuJturais propno~; a~ 1\ftníl\ \etecenti\ta,. e reafttando an,Íit\C definitiva da-; dua~; grande' fe,ta-, barrocas que entüo lá tiveram lugar- a fe:-.ta do Triunfo Eucarí'itico. ocornda em 1733. e a do Au reo Trono Episcopal. que e m 1748 celehrou a criac¡:ao do bi~>pado de Marrana - Ávil ..t postula a tese do caráter restdual, arcaico, extemporilneo da¡, manifesta'r6e¡, barroca\ mineiras, OL:Orridas quando o genero já de~aparecia da Europa - ou pelo meno~ de '>Ua por'rÜO octdental. Quatro ano" depoi\, praticarnente todos O¡, ensa10\ seriam publicados, c;crn a edi~ao crítica, numa coletanea tntitulada O lúdtco e c.H pmjeriies do mundo barroco, que tra7ia atnda uma parte inictal, nova, denommada "O elemento lúdi<.:o na' forma-, de expre<;,ilo do harroco".41 Nilo fo!>se pela qua ltdade Ja edi9iío crítica, que por dtzer rc~peíto a textos literários fogc ao escopo de<.tc art1go, o ttabalho de Afonso Ávtla -.e ¡,u\tentaria pela orig111alldade dos emaiO\. "A tran\plantasa históna. Mal\ do que o aspecto propriamentc artí~t•co, ressalta de\\a\ análises o enfoque do barroco como "um esttlo mats de civtl!za~iio t... ] o c¡ual, favorecido pela., condt~oes geográficas Ja regiao. acabou c1 i\talizando-se no '>Cu in~ulamento e marcando fundamente a trajetória mental Jo povo da\ rnontanhas" 42 O barroco minetro \lllge. ao;sim, como uma mentalldade peculiar. vastamcnte compartilhada pelo' dtferente' \egmento~ da popula'rao - como aliás concclluou a formulac;iiu clá<:\lca, -;e bem que d•scurível. de Jacques Le Goff anos depoi-; 41 Civilizac;ao e mentalidade marcadas pelo pnmado do vr-,ua l. pela eclosiio de urna "nítida con\ciencia Óllca", que Ávila rastreia nos poema<;, na pintura, no\ cartazes e em toda a cxc1ta~ao visual pre-,cnte na~ festa-; barrocas. Sem,,bilidade, mentahdade. vtda económica ~ao 1nstancw' articulada-, num todo: "Entre os esqu~ma~ de <>1gnificados cultumi<> capaLe., de explicar o ..,ent1do totalizador da ci\tltza~ao mine1ra do ..,éculo XVJTI. o do pnmado do vi:-.ut~l rcpre:.entará, '>C nao o mats váltdo,
30
mats ob,ettvamentc ü compreen~ao da raíze<; barroc·.1' .n modo de . .;en\ibil1dade vtsual. a consctenct.l ottca, tal como \e lormaram e ve r ~ (1 Jc.;envolvcram ao longo do c1clo do ouro, eram proJe<;ües de um mundo conceb1do ~inda a unagetn do tdeaJ de beleLa seiscenti ... ta, lllUnJo rc~iJuaJ ljllt.! Je:...lp..t~rior. ~ó entao fm o probkma dos cn..,tJo~ novo\ e de ... ua rela~ao com o Santo Ofício abordado ~;ob um ponto de \i<;ta m.u~ fecundo, contandO-\C hoje, no Bra~tl. , . f tcauvo . de eMudO\ neste <,ent•'do. .¡~com um numero :-1g111 A grande originaltdade do trabalho de Antta Novinsky está na fonna como enfoca o problema do cnstáo novo. Mats do que e-,miuyat a ::mtenttc•tlade de '>Ua crenyn judaica, como fizera Y ves Révah ou, no ..;entido opo:-to, ve-lo como quimera fabricada pelo Tribunal Jo Santo Ofíc10- na ltnha Jas interpreta<;ocs ilustrada\ do século XVITI que impregn.tram a histonografia liberal do século XlX e, no;; ano~ 60. mfluenciaram a per-;peLttva marxista de Antonto Jo\é Saraiva, dtscutível mas. sem dúvida, brilhante -, a autora procura ententlcr o umver~o mental e cultural daquele homem.-16 O a\pecto religtoso .~>Ó lhe 1ntere~:.a na medid.¡ cm que lanc;a lu7 ~obre a cultura, mesmo potquc ao;; evidencia.., hio.,tóncas nao indicam que houvessc maior enfa\e naquele plano "O cristáo novo baiano nao !>Obre~sai pela SUiJ religiostdade em nenhum momento de no,,o estudo. Ao::. pdticas judaiCa'-. que vagamente lembravam e algumas vezes prattca\am, faz.am parte menos de urna nece,\idade tntenor de caráter tl!ligioso do que de um conjunto de atitudes. que respondiam a urna neces-.idade de atfc,ao. part1cipayño e tdcntif1ca~ao. Sua" rc-;po\tac; agre\~ivas eram dcfesas que se expre:.savam num espínto de inconforrni-;mo religioso, representando uma forc;a Je opOS IC(fi.O, na qual se reflcte toda uma manetra de pen,ar e scnt1r o mundo''. 17 "O homem dtvldido", últuno capítulo do ltvro, <;intel!La bem a pos1c;ao de Anita Novm-;ky o cri-;tiio nu\O é um heterodoxo, podendo ;;er caracterizado ··por \Ua mdcpcndencia rehgto~a. por sua~ tdéias herética.... por !>eu espírito crítiCo. ma-; nuncUa rcltgtosidade··. Nada. na docum~ntac;ilo mquio;;itonal referente a Bahta. indica que tivcsse apre~o cspeci.t l por rito<;, fossem eles católicos ou jud:.uco\. era, acima de tudo, um de-.,cnraizado, que os ¡udeu\ víam como cnstao, e estes vwm como JUdeu Homem divtdido, dtzla-sc "cnstilo novo coma Gra~a de Deu\" -1x É cunoso que Cn\lfios II0\'0' na Bahia chcgas-;e a pos1c;ocs próxima\ üs das análiscs francesas de mcntaltdade realiLada' mais ou meno-; n
meno., aqueJe que conduz
~llll
\Uas. :•b~,mg~ntc'
31
tipo de trahalho. DcpOI!-t, contudo. aproximou-sl! de Robcrt Mandrou, que C!-tludara o' hctclndnxo' t>mnrcn~ num tr...tb~1lho 11nrr)¡tantc. \Cndo m-..-,mu Ulll.t J.¡-, llltlntlutora" de '-CUS trabalhos ,10 Br,\\11 -l'l Já nn ... traballlll!'t de cvaltlo Cabra! de Melln 0 C\idente a Influencia da historiogr.1fia francc..,a, ulmbii~ttJa ü d.t tradi<,:ao lwaonografica pernambucnna. Sua obra. inkiad.t cm 1975 LOm 0/i/1(/a re,laumda. é hoJt\ -;cm dúvicla. uma d"' mai<; significati\·a, que ternos: cm 1984. \CIO a lu/ o Norte agrário e (} lmpérto; dOI<; O, a problemática do •at1vi,mo pernambucano: no "cgundo. a\ e ... tratégws de afirnM<;ao e de busca de swtus por parte de elementos da ...octedade pernambucana que tmham 011gem juda1<:a. Ambo!> reprcsentam urna contribuir;ao s1gnificat1va para o e"tuJo do univer~o mental da-; camada:. dominante!> m11na das mais significativas rcgi6e.'> da colóma, e A fronda dm ma-:omho' completa. de ccrt.1 forma, este quadro. No~ tres, sao multo importante., as rela~6es entre sociedade, irnagmáno e ulllverso mental. Ern 0/inda re,taurada, um dos a~pectoo; ma1~ interessantes é o recur'>O a análi<;e da c..:ultura matenal para avan9ar na compreen .;ao da guerra contra os holandeses. Esta é vi~ta como o espa~o onde aflora certa maneira e"pccífica de ser dos luso-bra.;ilclros, exprcssa na lula Je guernlha:-. e nas formas própnac; do comer e do vestir Fontes variadas - Schkoppe, Waerdcnhurch, as lnfonnarñe.\ e SIIRestiies do ca¡>itiio Vicente Campe/o- atestam a superioridade dos o;oldados lu-.o-brasileiro' ..,obre os europcus. ou mesrno do" mazombo" \Obre os reinó1s - no caso de ser portuguesa a fonte em questao. Roupa ... leve., e -..umárias, dieta rúc;tica, capacidade de acomodar-!'te as condi96es ecológ1cas fi7cram com que os luso-brasi leiro\ se saíssem melhor na.; refregas. Excentrico em rcln<;ao aos grandes conflitos da época, e ocupando. nesta qualidade, posi~ao infenor ante a arte européw da guerra. Po1tugal adotou sem dor ma101 a aclimatar;iio de técntca' indígena" "saudável heterodoxia'', constata o autor, ponderando que a pnítlca da "guerra volante" t1vcra 1nício antes, mold<.ndo-se durante os "mai<; de cem ano' de convívio ao longo da mannha ou no fundo do '.'>ertiio "' e mo,trando-.'>e incorporada ao património cultural da popular;ao lu,o-brasilcmt em come<;o" do <;éculo XVII, "proporcionando a serta nislél" e a soldado., da terra o' meio'> de !'te espalharem pelo interior e de re··i.;tircm a e!'ttrangeiros".~ 1 Como a guernlha preenchia a funr;ao da mobilidaue a cu..,tos mutto mais batxo~. rc<;tnnglll-se ao mínmto o U\O da cavalaria e da artilharia. muito drfrcultada pela predom111ancia das n1.1ta,, dos mangues, dos canaviais, do<> atolctros nos meses chu ,rosos, pela ausencia do~ grande" espar;os abertos e pela precaricdade dos cam;nhos.~ 1
Ao ver o 1nícto do procesM) ele tomada de con-,ciéncJ trabalho' dt. Mana Beatnz Ni na da Sil va. autora que ~e ded~eou nao apenas a uma hi..,t6na Ja cultura rnai.., afiliada ~~ htstóna das 1déia'> - como denota -.eu estudo sobre Silvestre Ptnhe1ro Fcrreira- quJnto ao universo da.., prát1ca' cultura1s e da cultum material objeto de pelo meno.; dois livro.:; importantes !>Obre a soctedadc, o cotidiano e a 54 cultura no final do -;éculo XVlll e durante o período joanino. Como d1z no prefácio de Cultura e sociedadc 110 Rio de )allelro, a autora se bao;e1a na concepr;ao de cultura própna a antropologta, a sociologta da cultura e até aos estudoc; de folclore, vendo grande bcnefício no fato de "o historiador ter abandonado um conccito re~trito de cultura por um concetto amplo, como aquele que domina as ob1as do~ antropólogo!>".~~ De fato. a nnportancia desse livro reside no fato de procurar C\tabelecer a<; conexoc-.. entre <;ocictlade, cot1diano e produy5o cultural, entendendo como componentes da cultura nao apenas as at1v1dades próprias ¡, cultura erudita e -..ua produ~iiú. os livro!'t. como também os húhitos e co:-.tumes - ahmenta~iio, vestu<írto. moradia, rel¡g¡o-.,¡dade, latcr - e .•linda, as lcitura<> populare\, pertencente' sem dú\ 1da a circuito cultural dl'>tmto c.laqucle dos letrados. A cultura ~urge, a<.,im, como rnult1formc: no ambilo tia cultura e da produr;iio letrada, tem-c;e, para a autora, a cultura explínta: já no espa~o da' práticas populare.., e doc;; co"tumec;;. tem-sc a culturo nnplícita
32
33
BALAN<;O DOS PRI~CIPAlS TEMAS CONSTANTES DAS ABORDAGENS MAIS RECEr-ll FS SOBRE A HISTÓRI \ DA CCLTURA NO PERÍODO COLONIAL
Nas última-; década!>, com abordagens e perspectivas diversas, "urgiram trabalhos <;1gnificat1vos voltados p.tra a que..,tfio da cultura no" -;éculoc; XVI. XVII e XVIII. Mcsmo correndo-se o meo de de1xar algun\ tic lado. pode-se drvid1-IO!-t ern quatro núc..:leo-.. temáticos básicos: o' que dc-;tacam grupo~ de pcssoas, '>Ua\ 1ué1as e obras. o..; que incidcm sobre a publica~ao de livros, ~ua c1rcula<;ao e influencia, os
1-UFRí·\J -t~:·.¡~ Rg.
rfu 1~
I.JUA~lJI
que se atem a stsremas de cren\as na América portuguesa; os que refletem sobre as troca ... cuhurat" verificada' entre- Furopa e América ldeologia e escravidao, de Ronaldo Vainfas, publicou-se cm 1986 e versa sobre os escritos de quatro letrados, todos religiosos. que produziram obras fundamentais a compreensao do escravismo na América portuguesa: Antonio Vietra, Jorge Benci. Anton1o José Andreoni. o Antonil, e Manuel Ríbeiro da Rocha. Preocupado com a forma por meio da qual "a sociedade escravista foi percebida, pensada ou recriada pelos letrados colo111a1" entre os séculos XVI e XVIII", o próprio autor considerou o trabalho como pertencendo ao ambito da hbtória das idéias.~6 De fato, tem muitas afinidades com o tipo de anáhse que se fazia, neste campo, por volta dos anos 70 - Eliseu Verán é autor central em sua explicayao; contudo. pela luz que lan\a sobre o universo mental dos letrados colonia.s. traz subsídios importantes para urna análise de cultura. Um dos méritos do trabalho é explorar a!'> contradic;oes entre cmtianismo. missionarismo catequético e defesa da escravidao, verdadeiro loda\al em meio ao qual se moviam os Jesuítas no mundo luso-braslleJro. No esfor90 cm relacionar literatura e sociedadc, fica evidente a influencm da obra de Antonio Candido. Publicado em 1989, A sátira e o enxenho, de Joao Adolfo Hansen, ganhou repercussao imediata e. creio, vem desempenhando papel fundamental na revivescenc1a do interes\e pelo barroco e, ind1retamente, pelo arcadismo. Traya um pamel da sociedade baiana e do seu universo cultural no final do século XVII, buscando urna compreensao mais acurada da polemica figura de Gregório de Mattos Guerra - por ele considerado mais um cultor dos dinones satíricos, que permit1a111 a crítica e a mordacidade para as<.,Jm preservar a ordem, do que o iconoclasta consagrado tradicionalmente pela crítica. s? Mesmo predominando no estudo a perspectiva do crít1co literário, é d1gno de nota o trabalho de historiador, familiarizado com os conflito~ próprios a época e com a documenta9ao mais propriamente hi!>tórica- como a inquisitorial. Em posi~ao análoga. misto de cuidndosa crítica hterária e perspectiva histórica, situa-se Teatro do sacramento, de Alcir Pécora ( 1994). Debmyando-se sobre o~ ~ermoes de Antonio Vieira, refuta as análises que, a seu ver, descontextualizaram a obra do grande jesuíta por desconhecerem a possibilidade de conviverem, naquela época, lado a lado, dominios aparentemente conflitantes como a prega<;ilo e a política. 5t< No tocante ao !'legundo grupo rererido - o que se volta para o estudo de lívros e le•tores -, há trabalhos interessante'i que, s~m estarem dirctamcnte ligados a problemé.ítica da cultura, tangencmm-n::~ por tratarem da influencia desempenhada pelas idéia" libertárias no contexto de cnse do rmal do século XVIII e inicio do século XIX. merecendo, nesta qualidade. ser mencionados. Assim, Presenr;a france.\a 110 movimento (h•mocrcítico baiano de 1798, pequeno estudo de Kátia de Quetró!'> Mattoso publicado cm 1969 e útil•nclu~ive por publicar documentos, como
'nwntário da~ bibliotecas 1k alguns revolucwnário~ de entao - prova mdiscutívcl o1 da infl uencia da\ 1dém~ 1rancesa'i \Obre o mov1mento seJJcJO\O uos batano" (/(ttch•s de inOI'arclo 110 Brmll - 178CJ-J80 l. li vro editado cm 1970 e depo1s 11 c:.:ditado com o nome de Jdéia de revoluriio no Brasil ( 1781.J-1801 }, retoma a r uestüo da mflucncm das idé1a!'> estrangeiras ..,obre o surgimento da consciencia da ~ondi~áo colo111al. Ao reiterar a mfluencia francesa sobre o mov11nento da Bah1a e HlJiLaJ a maior afei~ao do" mtneiro' de 1789 an 1ddno norte-americano. considera primetro episódio 111<11~ radical. qualtfJLando o segundo dL' emmcntl.!mentL 0 hurgu!:?..;.!-.IVél\ 110 contexto das colonias Por 1'1111. Na Bahw. contra o lmpério, de 1st ván Iancsó, v1ndo aluz em 1996, volta a abOl dar a questao das influencias intelectual~ francesa~ 'iObre a "Rcvolta dos Alfamtes", destacando. com originalidade. o envolvímento no epi<>ód10 de homens aba:.tado..,- o que dana ao movimento uma abrangéncia 'iOCJal muito ma10r do que se cog1tara antenormente. 6 ! O apre90 as 1déws france~a.., n:io tena, na Bahía, conhecido l11111tes, afetando tanto os leitore~ ricoo.; quanto os pobre' No que dtz respeito ao-; estudos ma1s reco1tados sobre hábitos de le1tul a e círculac;:ao de l1vros no mundo colonial, trata-..,c de campo que ~ó agora come\a a se desenvolver Houve, é certo. precursores, como Ruben-; Borba de Moraes. Eduardo Frieiro ou Sílv10 Gabriel DmiL. que se debrw,:aram sobre bibliotec.ts e comércio de lh ros. 61 Agora. contudo, há toda urna btbliograÍia francesa e norte-americana a nortear as análises- para citar apenas do1-; nomes, mvoco o" de Roger Chartier e Robert Darnton -, e esta~ nao se dedtcam apenas a cultura erudita, procurando captar as formas mais populares de se ter acc~-.o ao texto esenio. como a leitura cm voz alta.(>.l Recentemente. a Rev1sta Acervo dedtcou todo um número a "Leituras e Lenore..,... onde. num conJUnto de dez artigo~. ma1s Ja metade versa ~obre lcitura e intelectuais na soc1edadc colonml.¡.~ Um deles. "Os clérigo' e os llvros na~ Mina.., Gerais da segunda metade do ..,éculo XVlll", de Luí-..~ Carlos Villalta. fornece mforma~oes precio~a~ ::.obre a composi!):ÜO de bibliOtecas de eclesiásticos na~ Mina-. dos seteccntos, para tanto se valendo sob1 e tu do de inventCinos fJO\t-mortem. Em texto mais recente, o mesmo autor traya vasto paincl da pedagogía, da língua faJada, das forma" de leitura e de e~crita. esbo~ando amda o elenco da" obra~ mais lida-.. em toda a Aménca portugues,l e aprofundando .ts rela~oes entre literatura. formas lk lenura e soc1edade M A conftrmar o valor dos In\ entáno~ de btblloteca ... , -.eJam eh" de particulares ou de in,titut~üe-.. o interes,antc art1go de Letlu MeLan Algranll,
34
35
1
"0.1 livm.1· de del'(>rlin e a rel!gin.\a ¡Jct.feita - normatiZ4.H(ao e pr;íticas rcligio<,¡¡ no-. recolhnn~ntoc;; ft>~lltninn.; rfp Brasil cclonial". tr.t.l..t J~,. tc•na pouco rrabalhado at;
hnJC as k•turas lc1ta-. pelas relig1o,as nas mstlltm.;oes de reclu<.üu 67 ,\ prcdominftncia de art1gos e a inex1,tencia propnamente de obra~ sobre . problem;.itiGI dos lnro-. e <..1..1 kitura lnthcam que o estudo do terna é de fato recen¡~ enlrc nó~;, e que a' cmpreitada' de ma10r f61ego amda se encontram em fase de
elabora~ao.
No que d1/ re,pelto uo terceiro conjunto temático indiC doutorado. O día/m e' a tu'l'u de Sallfa Cm:. qul.! utdizou. creio que pela prime 1ra \'C/ entre tHh. os processo-. do Santo Ofíc10 para estu<..lar as prática-., m;ígico. relig1osa-. no\ tre" pnmerro~ 'eculo~ de no,,a fw,tórra.b." A" conclusoes mdJLav,tm a existcncra de um enorme fos-.o entre a rcllgiiio prcgada pelos catequista-; ou pela Igrep como 1n<.:titu1.;ao e a-. pr<Ít1ca' adoradas no d1a-a-dia. re'\~altando aind.1 que a mestH;agem religio'a e cultural avam;ou JUntamente com o proce,so colonizador. Apresentando preocupa<;6es amíloga~. e mo~trantlo-se igualmente ~ell\ÍVCI a hi~tóna antropológi<..:a. Luío;; Motl deu ao público. cm 1993, o nol<:ível Rosa egipcíaca - uma santa afncana no Bro\il. no qual estuda a trajctória de uma ex-escra\'a e e>..pro~lltuta que. sai11do ern meados do o;;ctece11too,; do arrawl do Tnl'iccionado, na~ proximidades de Mariana, 111gre.<.sa paulatinamente 110 mundo da mí~tica e do vi~ionansmo, rei\ 111d1cando ~ant1dade até .;cr pre~a e proce.,...ada pela Inqu1~i~ao.M Tanto em O diabo e a Terra de )ama Cm:: quanto cm Rosa egipcíaca é ev1dcnte a prc~e n <;a Jas abordagens de Gilberto Frcyre 110 tocante a religJO..; idade popular, e óbv1a a mflu0ncia decorrente do u.;o exau-,tivo do<. proce-.,,o~ inqui~1ronaJ<. - fonte 1iquí"'1ma que. '>em dúvida. interfere na" op~ocs narrativas. 1mpondo mintícia~ e hi~tó1 ias de v1da. Outro C\tudo de mestic;agem cultural apo1t.~do no" processo' do Santo Ofício é A here.\w dm índim. <..le Ronal<..lo Va111fa\, de 1995, talve7 o ma1-; bem re,tli/ado 7 de toda e~ta 'érie ~rat.t-'\e do ma1<; completo estudo já realizado sobre a S,mtidade Jo .Jaguaripc. '-Cita inJígena de car~ter mdenansta que ~acud1u o Reconcavo baiano e o-. \Crtóe~ adpcentes 11.1 <;egunda metade do século XVI. O autor con.,cguc realiLar um adm1rável trabalho de etnografía para, a <;eguir, procurar destrinchar o 'il\lema da crcns;a· na vcrdade. o mov1mcnto é um fruto pcrfe1to da catequcsc, e~pclhando <.,ua" contrad1~óes incontorná\els e sua nature7a perver'ia. o, Je.;uíta\ levam aoc;; indios a palavra de Deus, e ele-. a cntendem como podem, cnando a Santidade Um tíltimo trabalho a o;c destacar neste bloco é Mana Padilho e toda a sua qll(uflillw. de Marlysc Mcyer. análise brilhante e mterdt'OCiplinar de urna pambagira Ja umb,lllda COiltemporfinea que, no século Xf\l. fora amante de Ulll lel Je 71 Castel:t Num texto vertiginoso, a autora abre possihllidnJc not5vcl para o cstudo do' culto<; religioo;;os populares: a de que alguma<; de sua' pcr~onagen' - a~ entidades que sisremat1camente "baixam" nos terre1ros Bra'\il afora - tenham
36
m h, ...rilrica. mo,trando-se. neste sent1do. cm estn.:ita a.;;sociar;ao com a
onsc . rnóna cokll '"'-l.
Só tn~ d~terct em doi~ trabalho" para ilustrar o quarto gmpo o de Ronald • ¡ wae 11 s da colont::a<:iia. puhlicado cm 1996. e o de Plínio Preire RaffiiOt: 111· 11 ,., . nte' l 'm Jrertge ¡·ai a a parmso. de 1997. 7'- Ambos ~e dcbm~am 'obre a que-.,tao Go ·)·as cultura1s venficada~ entre a Europa e a Aménca portuguesa. das· tn L · m.lo cm nova chave. a preocupa~ao _ que fora cara a pen,adores launo1 1111 remtr''l•. (" L·nmo · Fernando Ülll/ e Manano Picnn-Sala-. 1HI 'cja u fenómeno da an~riL• 111 . , .. tran-;cultnra\·flO terrcal e, de volta a metrópole. po'>-se a tconzar "ohre o sexo dos anJOS, a androg1111a J e No..,sa Scnhora e os mistérios da c11aryao. bm1uc¡:ando crenr;as de filiac;ao J 1vérsa. 'ougerindo que protestantismo, judaí~mo e t:atolici,mo <;e entrecruzam nas concep<;6e.., de~"c homcm. cujo nome era Pedro de Rate~ Henncquim, rrcire Gomes volta ¡, questao do-> mecan tsmos de transmi<>sao cultural operante~ no se10 do mundo portugues. e realiza um befo e<.tudo ~obre o fenómeno da intermediac;ao, po.;to que sua per..,onagcm nao p
1111'
CO:'\CLUSÁO
Como o;c dio;-;e no 1nício Jeste
cultura mai!'> abrangent~. tal como o formulado por CIJfford Gccrt/ e que -;crviu d baliza Inicial a esta rcllexao. Scn,ível dl' 1g1nl mtnc ira, a a¡mJ\IIIlavJo cre'<.:en¡t entre estuJch que 'e autodenominJm de LUiturJ. O!\ de mentaliJade e mesmo O\ <1 e imagm,íno. Proxrrllldadc que penmte, pelo menos no momento, cnquadrá-los tod -;ob a denomina<;~h) ck hi!->tÓJ ia da cultura . 0$
A SOCIEDADE BRASILEIRA E A HISTORIOGRAFIA COLONIAL
°
Laúna Mesgravis w :-.:E--'>1' FR A :--rcA)
pesqmsa h•,tónca no Brasil. com metodolog•a e rctlexao ctent•hca-.. ¿ recente, nquic;aram temas de Hi-;tória do Brasil. utilllando documento-. de arqul\·os nacionat'> e estrange1ros. Scguiam o excmplo de nos-.os primeiros "brastlianislas", como Robert Southey, John Armitage e Heinnch Handelman, que nas primeira!'> década\ do século XIX anteciparam os brasile1roc; com suas H1stórias do Brasil Sob a ég1dc do Instituto. reahLe caractenzam por urna constante repet1c;ao de estcrcótipos e imagem consolidados nos pnmeiros cron ....tas-informantes Uesuítas e letgos) que C\crevcram de 1550 a 1580 As variaryoes. por ve7es, ~ao só de estilo e maior ou menor minúcta ou prolix1dadc. As deliciosa!\ descric;oe~ do mundo natural de Gabriel Soares de Sousa 1 JiÍ se cncontram cm Pero de Magalhñes Gandavo 2 e de mu1ta., carta e; jec;uít1ca.., antcrion!!'>. 1 H<í estereótipo<; lllCi.lll\avelmente repetido ... em Sim5o de v.I\COncelo'>. Brandao, Sousa, Gandavo e Jesuílas" como é o caso da céleb1 e constataryao Je que a língua dos índio" do litoral 11ilo possuía as letras F, Le R, provando, portante, nao terem Fé, nem Lci. nem Rei E'>\a imagcm retórica. a p11meira \ i-.ta cngenho,a, é na \erdade um sofisma, pOI-" a' língua,<, indígenas poderiam conter estas cxp1ess6e' com outras letras ou sons . Era um fecho para as longa' de.<.,cn~oes da organizac;ao \acial, política e rellgio ...a dos índio;;;, prt>curando demon.;;trar l1 perigo"o estado de
A
f~nómeno
38 39
anaryLIIa mor,tl de 'U.ts vida~ e a necc<>srdade de rmpor a autorrdade e o~ valores d cr vrliza~;úo européia que. as'i 111 oc11pari 1 P" csrxt<;o'> \azrv.... 4 ;\ p.trlir de Gandavo. cu1a lh1Hjna da proi'ÍIIcta Sama Cnr tena '>Id() publicada cm 1576. é ponto p,Lcítico par a O\ cronrsta' que a suhmr-;-,¡io OlJ e\termínio do<> indígena-, do litoral ocupado pdos ponugue.se'- de Pernambu~.:o até Sao Vicente- estú garantid:.~, com exce'r:1o das regróc, mai<> eo;carp.tda<> e de llore.sta fechada d.1 .\r1ata Atl¡intrca. ondc O\ armor~.:s e butocudos ir:1o rcsi,trr até o século '
o, JCsuíla~. ainda que adotando po-.tc;:óes baseadas em vrsües contradrtórias da cultura ínJígena, vao ~emprc Jenunciar a violéncw do processo da conquista l:orn o exterminio ~ a explorac;iio Jo índro. b.)as po~turas dos jesuítas podem ser e'quemati.::adao:; ern In:!-; estágio-;. 0/o primerro. o da chegada. nos contatos inrciais, deslumbrarnento corn a aparente pure?a, falta de rnalícia, docrlidade e rnconscréncia do pecado do índio É u momento da eufona do~ batt.'.mo . . ern rna,..,a, da cren9a na po,..,ibiltdade de um povo cri-,tiio perferto e do conccrto de papel hmnco onde '>e inscreveria a \'Crdadc. 6 No segundo, lJUando Jo retorno as aldeias para convivencra mais prolongad" com O\ índros que nao abandonavam em nada a sua cu ltura, principalmente nos aspectos mar..¡ repugnantes ao cri~llanismo, como a poligamia, a' fcst:.~s orgiásticas com bebida e sexo ¡;,re e. sobretudo, o canibalismo após a guerra, 'inha o horror. a irritaqao e a defesa da conversao for9ada até pela espada. 7 Um faro importante e, com certeza, parcialmente determinante, foi a morte do bi-.po D Pero caeté-, da Fcrnandes Paraíba. Sardinha e .'.CUs compt~nhciros de viagem, devorados pelo!> Mas, mesmo •1poiando a repressao aos caetés contra os quais foi declarada a escraviza~ao dos capturado-., Já l:UIH.Ienm ,un os excesso~ gue alcanc;avam cae té' de outra-; capitanía.., e out ras tribo" di~tanciadao,; do caso. guet ra ju.Ha corn morrc (
?\!o inkio do terceiro e\t;ígio. que poderíarnos chamar de !.Ínte-,e, concluem \cr a maiona das revoll"~ rnJígerws provocada pela<; injwarps do . . colonos. Pas,am a ddendcr o agrupamento do<; .'.Íivícolas ern aldeia, permanentes afao:;tadas dos branco-;, onde poden.rm fi-.calrzar o uo;o de \CU lrabalho as<.,afJnado e se concentrar na cateque<.e da.., cnanc;a'. p10curanJo apenas controlar as prática' rnai~ chocantes da cultura indígena.
40
No testemunho dos jcsuíta~ ~.encontramos inf'ormay6e~ m.us amplas sohre o pLI.t L>.plvr.t'lnr ...ta ... como GandCr exterminada ou afastada a lrm de que a conqur•.ta da!. terra-. para a proJuc;Jo e cnnquccrmento scja garanltda Sohre a mi.,cigcnac;ao e o seu produto -os ba-,tardos - ncnhuma palavra, a nao ~er quando se dá mfonna<;üo 'obre u m indi\ íduo 1.!'-pecífico Gandavo ms1ste muito na tmagem do Bra-,d como lugar onde o-. pobres de Portugal poderao enriquecer e a-;cender socialmente com a explor:.~c;ao do trabalho indígena. Nunca se detém na possibrltdade do trab:.~lh o do próprio tmigrante portugueo,, mas sernpre aponta como meta a ser alcanr;ada a exi~téncia de ricos lavradore~ possuidon::-" de renda., de 20 a 10 mil cruzados. A mesma preocupac;ao tem Gabriel Soarc.., de Sousa ao mformar a existencia nas diversas captlanias de humen" de murtos rnrl cntlados que vivcrn nobrernente. honradamente com estilo de vrJa luxuoso nas roupas. ca~ac; e cavafo.., aJaezados. Quando organi?ou sua expedir;ao para o .'.ertao, pediu e obteve, entre outros, o privilégio de outorgar foro de frdalgo a ccm companheiros neos. A nosso ver, i<><>o compro\a a incipiente formac;ao de uma sociedade e-.cravista em que a a-;cen~ao mJcial '>C fazra por meio da aqui\lc;ao da riqueza, prenunctando. de certa forma, uma <,ociedade de classcs. Mas, uma vez obtida a nquc7a, o poder e a precrninéncta ~ocia! eram confirmados por uma rn,titucionalinc;iio legal garantidora de privilégros estamenl do século XVI parcccm ter acalent,ldo um proJeto de socredade Jtferente da européia. com cerla integrar;ao racial pelo casamento. sem fchlr em coma a-. proibu;oes cstamentars, no que revela\am uma posic;ao re.tlista de aeeita<;ao das novrdade~ demográficas em cur~o Outro era o realismo dos colono..,, apoiadn.., pela coroa que. cm últtma análise. quenam rcprnduzrr aquí <~ ~ocicdaJe ponugue-.a com a !->upremacra branca e ·<:-.~t' de misctgéna~,-au
41
~-.tamental,
mcsmo for\=ando e ma~c,trando as realidades colonic.u~ . Talv~z dcsta forma tenham prolongado a duraciio do<> ltH;ns cnlnni.tís refot.;adc" p..:lu 111.:\.tllll'-tno da lcgttimayao do statu.\ da elttc por meto t.le patemes, processos de genere, privilég10s de nobre7a, etc. Ambró"10 Fcrnandes Brandao no.; ...eus /)icílogoY das grwrdez.a.\ dn Br,Hi/ 12 , de 1618, é o pnme11·o e o últ11no crontsta colontal a destacar, em dtversos momcnto5 11 (k sua obra. a grand~ importftncia da atividade comerctal como fato1 de enttquccimento. embora acompanhe a hierarqut7a<¡:ta costumemt ao colocar O\ -,enhorc ... de engcnho no topo d.t \!'>cala F-. ntre os que comen:iam de..,taca .t gente marítima (nao ,Jo proptümcnte os marinheiros. 111<1'> ,¡m annadore~ que tra?em mcrcadorias do reino e as trol-..tlll por prot.lutos colon1ats), os mercadores com !-.uas loJa" ,tbert,t'> na., \tia-, e o-. //las( ares. que tam pelo ~o, engenhos e fazenda" obtendo lucros de mais de cem por cento. Al iüs. os lw.: ro" mencionado-, sao semprc de 40 a 50 por cento nas lojas. mas a sua mator md1gna<;ao é contra certo comerctante que comprou uma partida de escravos da Guiné e sem entrar na po!-.se dos me1:.mos, vcndeu O!-. com lucro de 85 por cento a u m luvrador. A tnforma9ao de Brandonio, completada por outros documentos cspar-,os, permite conc lLur ser o comérc io. na verdade. a attvidade mais lucrativa a curto pnu.o e, consequentemente, dentro da lógica de uma acumu la9ao capitalista, o comerciante deveria ser a cla.,.,e mais Importante da colónia. No entanto, em todos os mformantes , evidencia-se !-.er a classe ou estamento domtnantc, o dos grandes propnetáno-; de terras - senhores de engenho e lavradores de cana. Brandonio diz que o., ··mais neos tcm cngenhos com títulos Je senhores deles. nome que !hes concede Sua Majestade cm c;uas cartas e prov1s6es" (p.39), de certo modo tran'\ferindo para a colonia o conce1to de "senhono'" de Portugal O mesmo croni-,ta destaca ainda a existencia de oflciats mecántcos e homens que sen·em p01 soldada em número con.., iderá,el, que exercmm seus ofíc1o\ e trabalhavam como feitores, carretros e guardas pessoais, mas nao como . na 1avoura 14 b rarr~liS Na \U e o de!-.caso pelo bem público (ou coktivo). Atnbuía o tles!l1tere.,se por qualqucr plantto ou ohra mats pennanentc como pomares, jardu1s, estrada-;, pontes a u m sentimento, u m plano de nnpet mancncia no Brasil, \empre .;onh<~ndo com a volta a Portugal A propós1to di'>SO, somente " htstoriografta ma1s recente sobre a familia e a mulher pode propiciar esclan~cimentos \Obre essa vi-,ao de mundo, quando comprova o fato JÜ conhccido de que até o ~éculo XV ITI, os colonos portugueses 'mham cm geral sozinhos, solteiros ou deixando as espo..¡ao;, nnpcdindo, a no-;-,o ver. a elabon19ao de um prOJeto de soc iedade d1ferente da curopéta Nao havia
42
·(\ntesta<;50 ao modelo metropolitano. poi' ele era ...atisfatório para a ascen~iío de • ¡¡•'n'- <,Ó'\ com SUa'> reLOmpcnsa~ indiviJU.tl~ 1.. '>t!ll Jo~,;lh.úliljai11Ull\.) JS ,¡tituJcs . • hlll •~ , .. ., que os enr.ll7assem vcrd,t<.ktramente no pat'(ll1t: 11 •1 . . . Essa soc1edade dellneada por Brandüo encontrarcmo-, perfe1tamcnte e defintda e m Antoni l. qua-;e u m sl!culo dep01s. por volta de 1710 ' sua obra escrita com propósito'> c;emelhantes ao" de Brandao. i... to é. a Jivulga<;flo e ~x.llta~áo das riquezas do Brasil -,erá a con-..olidadora definitiva da imctgem do ... t:nhor de engenho e do complexo mtcroco~mo social que ele encahec;a,a. O mício da dcscn<;ao do que representa econ6mica. -;octal e pollllcamentc o :-cnhor de engenho é um texto de pro~a clas.\ tca com sabor da ép1ca camonwna Jo, ¡_ síadas, com suas armas e han)es assuwlados e ¡tralmente o 11 conteüdo de toda a Pnmeira Parte dedicada ao a<;úcar
11 0
(\ , ~tdada
O ser ~enhor <.h: engenho é título a que mutlo" a!.piram. porque tntJ cons1g1l o ser servido. obedec. rdo e respeitado de mullOS. l! se for. qual deve ser, homem de cabcdal e guverno. bem ::.e pode c-.tlnMr no Brasil o set senhor de engenho, quonlo proporcmnaltnente ":: estun.un os título~ entre o<, ftdalgos do Reino (p 139)
A ~ociedade a9ucare1ra do Nordeo;te vi,ta por Antonil tem em <;eu topo o :,enhor de engenho do qual dependem económ1ca, -;octal e pohttcamente os lavradores que moem suas canas no cngenho com dtferentes grauo; de ~ujei<;áo e de explorayao econ6m1ca. Formarn uma e-.pécte de classe média rural. Abmxo er;;tao O" lavradore~ arrendatários ou tndcpendentcs, produtore-. de <;uprimento alimentar para o engenho. O segmento ao;salariado. que he~itamos em chamar de clas.,e, dada a o;ua exigüidade numérica. é representado por caixetros. fettore~. rne!>tres de a~úcar.
banqueiros e alguns artesao~ hvre~. Nao; mmuc10sas recomendac;oe" de Anto111l quanto ao tratamento a .;er dado a todos esscs dependentc-; em suas rela~oes proJutivas ou socttas ou injustas. Em passagcns discreta~. <..urge a po~sibilidade de uma quase irre<;ir;;tível const..tta9ao de rela96es pcssoat'- de cunho anacronicamente feudahL. Ultmpas~ando as meras rclayoes económtca-; percebe-se esperarem os senhores de engenho apoio político e militar nas disputa'-. e jurídiCO pcrante os tribunai". Nao se pode esquecer o papel do capelao do engenho como fiador religioso e tdeológtco do poder do o;enhor de engenho. po•~ lhe cabe a obriga9ao de cncorajm· a submi~sao Ja família e dos cscravos ao pater ftrmilws. que dcsta forma pode exercer "e u at bftrio com as b~nyaos de Deu" e da lgrep.
43
A l:omplexa e~trutura \OCHII delineada para a \Ociedadc ac;uc
As lei' restringindo a sá'l burlada' pdos qu~
partrcrpa~ao
nas C:imara-. aos membros da nohrcza
1
A lllctpientc sociedadc mincrOctal. '" f<.so acontece quando lllL'Ilctona o' cabcd,lis dos prune1ro-. habitantes acumulado~; com m1nerac;ao. produ~5o de alimento,, cria~·üo de gaJo c comércio
Em 1787. o portugucs 1.UI7 do~ S,mro~ Vtlhena a-.slunia a cadeira de grego em Salvador. onde Jccionana até 1799, quando \'Oitou :t p<ítna para curJar c.Ja saúde. Alcm Je ~>ell~> deveres habrtuai-. dec.JICOU-~>e a OlN!rvac;iio da vrda baiana e a pe'iqursa de rnlorma~('ks nos arquivo, ..;obre a' outras capllaniao; O re\ultado de'>-;c longo trJbalho fo1 publ11.:ado sob a forma de 28 cana-, dirigidao; aos correspondente!> e Patnfilo, IIHtttdadas Recopilacúo de nolícias IO/eropo/1/ana.\· e fictícto, , Frlrpono tx hrasíiLca.l As rnformac;ücs de Vtlhena se de-,tacam de outros cronistao,; por serem marc; centralizada, nu viJa urbana de Salvador. As sua' de1>cnc;óes e críticas pintam um vrgoro,o painel do' costume, e do quotidiano de toda' a<. clas'>e~ - dos ricos '>enhores de engenho, pa'>sando por comerciante~. burocrata~ e militare~ até chcgar itc., humrldes <¡llltandetras, escravas de ganho e proMitutas.
O que distmgue Vilhena é o tom crítico a~sumido por suas descri<¡óes da soc1edade onde nao poupa nem os humtldcs nem o" podero~os, atribuindo a e~tes últimos a maior respon'>abrlrdadc pelo mau exemplo.
O orgulho da nobreza, o~tentado por cena, famílius ilustre<;. é cancaturado com a con<;tatac;ao de que se trata de ramos bastardos, de genealogías fal<.,ls e de parentesco., 'agos com nntigo., govemc~dores. Ainda mais ndículo~ <,;}o os que scus Pal\ vtndn nño h<í multo' ano<; para o Brastl. p.tra serem cat>-eJros. quant.lo ttve~scm capncidadc rara o '\Cr, porque a fortuna Jhes foi prnpícra e juntarJo grandes cabedac,, cutt.lem \CU\ l"ílhos que o Tmpcrador d,¡ Ch1n.1 hé 111d1gno de ser S(.U cn,tdo. 19
Os ptore\ sao o." que se julgam nobres mas vrvem na mai-; negra pobreza em casa e só se empavonam ridículamente quando vao a rua. A questiio Jos militare' com foro Je fidalgos deviJo ;.., promor;oes obtrdas com prote~oe<; rndevida" e sem competencta militaré partrcularmente trritante para Vilhena pois \ÜO eles o, que mai' se excedem na' opress6c, feítas aos soldados e povo em geral.
armüo mutllh tac~ ltgctre;,ts que 111d~ \ Jt.lamcnlc se la;~: m tnlroduJ:tr na' Pauta-.. ',tiendo-~\.' lk UIIJII nllo.1 JL pLr:.onap.n' que logo m. ~:crttftt<ío da ckt~ao no apurar tJ.¡, mesma\, e quando se utspocm para a l'Oildccnr,\~fln de Vcrcatlores. he jü Ltllll lCill)ll formada de con~cgu11 d(h t'Olllpanhctros mtl cou;as inJusta' lcndcnlc'> ¡¡, -;uas uttltdadc,. Jos parcnll'S, amigo' e p.\llllf10\.,,.
Essas práuca-; do~ ''homen~-bons" Ja Bahia eram o' procc<,sos de genere burlados. pelo-. quar-. elemento' em proce-;so de .t>.cen..,ao -;ocia! corN~guram \Cr introJu¡id o~> no ··rol da nobrcza" para se candrdatarcm ü vcreanc;a. ha\lando para b'o terem a protec;ao de elemento' já con,agrado-, J.¡ elite ~n Vrlhena rebat~.: O'- boato' maldoso,. que atribuíam ¿¡s -.enhora<.. da Bahía prátrcus devas'las, re,~>altanJo. ao contdrio. a sua dignrdadc e a adcs5o a reclusao costumeira no Brasrl Quando -;aínm a passeio, \Cstram-\e com grande luxo. estcnd1do as e~cravas acompanhante~. Atnbui a má fama ao fato do clima qucnte exigir o uso doméstico de camrsas de cambrara de linho fino e muito abcrta-. e andarem descalc;a<>. A \Cgunda cla.,~e em rmportancra é a do' comercrantes dos mais varrados nívcrs e ramO\. Os comcrciantcs matnculados siio 164, ma~ há muitos comisscírios representantes de e-.tabelecimentos metropolitanos e todos comerciam com a Europa, a Áfrrca, a Á'ia e coma' outra" capitanía., do paí<> No pequeno comércio de aba-.recrmento alrmentar quotrdiano é que ~;e encontramos abu.;;o-; mais trritantcs para a populac;ao em geral , mais cspectalmente ry¡ os pobres.Era a combina~ao dos mtlrtare' de barxa patente comas negras ganlwde1ras que se dedicavam a venda do pcixe e da carne. Os soldados compravam ü forc;a o peixe, mesmo antes de tlesembarcado, a qualqucr prec;o. e o repassavam ás suas companhe1ras e esta' os revcnd1am a outras. encarecendo sensnelmente este artigo de primeira nccessrdade Como as gallluulelnls era m ou foram C!\Cré.lVa!\ de casa~ drtas nobre~. ninguém se atrevía a lhes opor ob¡c~ocs. poi" nao queriam c¡uc,toes com as senhoras interessadas nes!\e comércro. Outro momento de cxtorsao era quando havw c . . casSCL. ele carne e os rncsmos soldados mvadram o' a~ougue' a pretexto de comhater pn vi l égio~ mas, na \erdade, para repassar o produto .t ~ua' a"'ociada., que o re\'endiam aos pouco-. com alto pre\o. O comércio cstabelcctdo era con.-.tantcmcnte tumultuado pela concorrencra dos e..;cravo" Jas c;\\a'> mars rtca' da cidadc que \Cndiam os produtos mais humtlde.-.
44 45
como
mocotó-.. carurus. vatap:.b. w.:as-;ás. t:t este comércio dl!vcna -.cr cxerudo pelos pobres e nao por <.enhoras ricas. As casao;; comcrcrars e<>tabl•lecida" tambérn acabaram por U\ar esse recurso de ell\ 1ar as vendedoras ambulante-; de fa1enda~ contrabantleatla.,. sem o pagamento de direitos. e nmguém a~ multa' a. dada a importancra do-; "eu" -,enhores. Como membro da Arcádra tla<. Letras. Vrlhcna com certeza era versado nos cstudo' de Fconomi<~ Poi ítrca. tao cm voga na época. e '""" transparece na su a obra apcs:..tr de nao fa7cr crta do que ic;so, constrangem pela atualrdade. comprovando o pouco que a'v..tn<¡amos no campo -;ocral e político A prepotencra dos rmlrtares ra ... us ou de baixa p.ttente. escudados pelos seus supcnores e autondade-; em geral. reflctia a fonmu;ao viciada pelo constante U'>O que a classe dominante fazia de monopólro tla tor~a armada Essa prepotencia era exercrda contra escravos 21 , pobres e quar<>qucr elementos da popula~iio que nao fos-;em prontamente reconhecido<; como seus supenore!-. hu~rárqurco:-. ou sociais O vícro já come~ava pela forma de recrutamento, onde todas as vrolencras eram permrtidas, só restando lavradores pobres. de~ocupados e marginalit.ados de toda sortc, pda e:\clusao dos que tivessem padrrnhos fortes. Aqueles que envergavarn a farda descobriam subitamente ~ercm parte do esquema do poder e que usando de suas migalha:-. poderiam obter algumas vantagen!-. pessoai-.. EscandaliLava-sc coma quantidade de mendigo!-. brancos, prctos e mulato:-. que pululavam rt<1 cidade, pesando ao Estat.lo e a populé.19ao. Os brancos cram geralmente mannheiros docnte:-., egresso~ da Santa Casa, juntavam-se a adventícios ':>Cm condi<;oe:-. de vida para mcndrgar e se embriagar. As mulhere~ eram prostituta~ envelhecida<> e destruída<> pela vida que levavam. Os negros e mulato~. na marona dos ca~o<;, eram escravos estropiados, libertados pelos senhores que se livravam da obrrga~ao legal de su<;tentá-los, enquanto outros, mar'> requmtado<; na perversrdade, os mantinham na escravrdño e os manda'>'am mendigar, cobrando taxas diária'> do que recolhiam. Cntrca corn murta acuidade os males da escraviclao, pondo ern dúvrda os pretenso:-. bcnefícios da retirada dos afrrcanos de sua cultura a pretexto de cmti.111ió-los e edud-los. Ressalta os perigos políticos da multrdao de e-;cravo~ que fonnigavam nJ crdade com -;uas festa<. e conluio<> perigo'>os. Mas o que marso incomodma era a dcgradac;ao do trabalho e a corrupc;ao moral re..,ultante da prorniscuitlade <>exual precoce dos meninos. e o espetáculo t.los vício-; para as menina'>, por mais be m guardada!-. que fossem. O resu ltado da mesti9agem das unr oes ileg:m eram os mulatoc;, nos quais reconhecia a beleza e a rntt:ligcncra, mas cnti~,.a,a o orgulho e :1 preten,i'io de !'e
46
¡pararcm aos branco~. Rcconhecia nao lhc" caber culpa do.., vícHh d0s quar.., • - J..:1:--:n . as pnm~na' "rltlll
.
el} l!r•un 0
~rcch:lS A permitidas pela ~ocrcdade inda que a ma10r parte da-; mforma9oe' de Y rlhena M!Jalll ... obr~.. a ... o~. tedatk
urbana de Salvador. na -.ua de~cn~üo da lavoura ac;ucarerra rcvcla ~..onheumenlo . curado do processo de prodw;ao e dos problema~ incrente~ (pp.l73 ss ) '1 No capítulo da<> relac;oes ~..om o~ la' radore-. dependcntc..,, de cana ohrigada 1)\1 tüO. revela um aspecto já presente ern Antonil· ter o senhor de engcrllHl rnúmcra.., po~srbtltdades de prejudicá-los ou bendiciá-los. Potlram ex rgrr repentinamente a' terra' arrcnd.tda'> de volta sem pagar O' preJUÍLl..l'. tletX.l'vUill d\. er as canas na época certa pontlo a perder a colhcHa: roubavam na drvP..IO do-. 1110 dr,er-.os tipos de a!fúcar produ7rdo. Estes e muttos outros expediente-. podtam arrurnar um lavrador em uma ünica colhcita pors, geralmcnte, estavam endl\ idado~ c Hn a compra de c-..cravos c gado. [sto era fcito por mew capricho e arrogancia ou
Jc ca~;o peno.;ado para -,e apoderar dos lucros. O trecho a seguir resume bem o pensamcnto dos scnhorcs de engenho: 1
Aqui ten:., meu f-tlrponn. descrito. lO'>CO. mm. llelmente. o trafico e familia do'> chamados Senhorcs de bngcnhn, ..,oberbos de ordmario e tao pagos de :,ua glorta va que ¡ulgao nada se pode comparar ~o m eles; logo que ...e vecm dcnlr o nas -;u a'> tcrnts, wdeadm dos ~eu'> e~cravos. bajulados do<; scu<, rendctro~. ser' idos dm. se u" mulato.., e recreado~ nos seu~ cavalus de e..,trebari,l, como lhe.., chamao hum. de folgar, que ~ao o-; que tem dtver~o!> pJs'-O~. trocadtlhos e habthdade:.. outro'> e~quipador es e ~all o.., que te m hum pa~:.o velo~t..,'>tlllO e composto, e outro-. ~om diferentes qualrdade~ e predicados, comprados por cxot hitan te~ pt e<;: O' e nc.uncnte pendos. Esl,t hé a gloria dos Senhores de Engenhu e par.t mator auge dclla, tem na crdade L.ttZ.ts proprras. ou .tlugadas, cumprc mutlo que tenham 1. m:hcira, arnda que n5n ha.1a scge, o que suprem aceadas cadeiras que wdo ... tcm. cm que :.ahem acompanhado~ do<> seu:-. lm;aio'> mulatos. nrnado:. de lard.tmento<> ,tceado~ (p 187)
Na 24a carta. drngtda a Patrifílo, Vilhena dc-.enha um grande pro¡eto ele desenvo\vimento do Brasrl bas!!ado cm algumas prcrnrs..,as básrcas, a saber a nece~sidade de uma let agrána dividindo as terras inaprovettadas entre os mrlhóes que nao poo;suíam nada para trabalhar; 2!!) o cncorajamento ao trabalho pela persuasao ou pela fon;a: 3º) a incorpora<;ao do..., indios despoJados de suas terras e dos homen'> livres scm meros de ..ubsi-;tencta; 41!) o c;;tímulo ao<. casamentos para que as famílra'> gerassem maior re'>ponsabilitlatlc e pennanencra.
1~)
47
que:
Na sua
defini~ao bern conhecida da
massa da socicdade brasileira conclu¡
nclo potencial prodUliVO lraduzido em CXporla\=O~\ para O llll:n:aJo lllUiltliaf. , com as pott!m:ias da época. E <.:faro. th.:..,JL yw.: lo,sLIIt r~.tl11.aJas as
rll:l' , ,
Ca~as antiga~ há multo pout·as. e>.ce~iio de alguns iuvradorc~ apar;ltosos
Todo o mai'> povo a como os senhorcs de cngcnho hé urna congregac;ao de pohres; pois que alem de !>erem muito poucas a' artes mecanu.:as e fabricas cm que possam empregar-sc, nclas mesmas o niio fiuem pelo ocio que professao e a conscqucncJa que daqui pode tirar-se hé que infaiJvelmcntc hao de "cr pohmsJmo,. (p.927) [ ... ]
Ao recomendar a divisiio das !erras, poe cm dúvida o sistema sesmarial implantado desde o início da colon1zar;ao como fator de povoamento e o faz com argumentos magistrais (que infelilmente ainda tcm atualidade depois de duzentos anos!). Para que no Bra<;if htí de um só indJvJduo chamar seu a hum terreno de vinte. tnnta e mnis lcgoa~ que scm reflexao se eonfenrao a hum de scus progenitores, com a obriga9ao de povoa-lo dentro de cerro prato de tempo, corno lcnho VJSto em foraes dos antigos donatarios, se tcm passado mll prazos sobre aqueJe e se nao m:ha de todo o terreno povoado mais que huma por~ao que vem a ~cr pouco mal\ de nada cm comparar;ao do todo? A condir;:ao com que loi t'onfcrida niio ~e prccnchco, nem preenche, parece logo niio haver ra;ao de qucixa, se csses de~ertos div1drdos em menores pon;oes 'iC distnhuirem por quem os povoe. po1~ que niio de1xad tic haver quem querra espulsar onr;as e t1grcs para mete1 g.tdos, plantar mand1oca, milho. arro.l, algod.io, etc e será esta urna pona, que naquele estado se abra para o augmento tia popula<;ao que valha o diz.er se deem de renda pela drferenc;a que va1 de proprietanos a rendciros e jornalciro~. (p.93 1)
Continua sua argumenta<;ao afirmando ser a propriedade a geradora da cidadania, daí o proprietáno se preocupar em criar famílm que possa herdar seus ben'i, aumentando assim a riqueza da soc1edade E-,te homem tení algo mais para vender além de sua for~a de trabalho, o que lhe daní maior poder de barganha no mercado. Mais uma vez o nosso cronista demonstra conhecer o ideéírio económico e político da época como o de Adam Smith. po1s enuncia com clareza o conceito do valor-trabalho no embate entre proprietários e trabalhadorcs. No grandioso painel de sugestocs formulada<>. ainda ~obra lugar para a idéia de que o Brasil teria todas condiqoes de ser um unpério, nao apena<; pela extcnsao,
48
, , mlo ('lllll{•'-' 11
.
rofunda' reforma" \OCtal' por ele propugnadas. P No contexto da cnse do si\tema colonwl. a partir da década d~ 17~0. ¡ ,flcam·se üo.; de7elHl\ a-. Memánas e Notínw que de..,creviam o potencial 111 1 llll . d'1cad o pe 1as maze 1as d a ma, aum1n1\lra¡;ao, .l d os co<>tume' •• , H)IllÍCO do Bras1·¡ preJU 11 c"~clado-. Jl! corrup<;aO e desleixo e da ignorancia generalizados. f-.o.;sa produ¡;ao \1 . o crescnn~nto . da ex1gua . . 1ectua 1 de ntcn'a lk reflexol!s e p1anos e\ 1'deneJa e 1'1te 1nte :,l11 ,l,:ratas coloniais. muito.., do' quais part1cipariam do proct:sso da ind~pendétl<.:lede burocrat1ca do impéno portugue' p.tr.1 ll Brasil. a abertura dos partos em 1808 trou:-.c consigo a vis1ta de dc7enas de \lilfttntes c~trnngeiros que viera m se so mar aos observadore-. nat i\O\ · A contribui~ao dos VIajantes estrnngeiro-; vem sendo analtsatla e largamente uuli1ada como fonte de mforrnac;6es sobre o Br:.~sil do século XIX. de.,Je as primcin" proJuyóes histonogníficas. Ainda há rnuito o que fazer do ponto de vista da críuca a esta fontc importante mas etvada de problema' interpretativos sobre sua vafidadc devido as cond1¡;6es de sua elabora~fUO. É preCISO lembrar tratar-se de viajantes com problemas de comunic::u;:ao d"!vtdo ~~ língua, de tempo de pcrmanéncia nos lugares vi-;1tados e de possibilidade d.- aceita~ao pela '>OCiedade local. Outro.;slm, eles diferem rnuito no que se refete a fom1ac;ao cultural, interesses c... pecíficos e prcconceito'> raciais ou nactonais. Como o nosso tema principal neste trab.tlho cingiu-.,c na sociedade colonial do :-\ordcste, por \era pnme1ra regiao ocupada, onde se concentrou a populac;ao e a economía agrária exporradora, optamos por doi' VIaJantes que C\ll\eram cm Pernambuco no ini<.:1o do <;éculo XIX. Refenmo-nos ao comerciante france-; L. F. 1 lollcnare, que ve1o exercer sua<; atividades no Brasil de 1816 a 1818'· • e ao inglés Henry Koster, nascido em Portugal. que aqu• chegou em busca de melhoria' para a 'aúde cm 1809 e permaneceu com intervalo~ até 1820.~~ Homens cultos e de mente aberta, CUJOS caminhos -;e crunram durante a Rcvoluc;ao de 18 17, onde ambos atuaram como med1.ttlorcs cn t1 e autot idades POrtuguesa<.. revoluc10nános e e~trangeiros, deixaram te.-.temtlllhu\ neos e originats sobre o' conflitos que permeavam a ~ociedade pernambucana. Talve¿ por \Crem contemporáneos da explo<;ao revoluclOn<Ína anterior a intlcpendencnt. pud~ram pcrccbcr mclho1 a;.; contrad1~6es entre as cld\SC.'> e com isto iluminaram, tnais do que outros via¡antes, a rigide7 das estruturas sot.:l.tl-'> com .;uas dc..,igualdades extremas. Tollenare d1v1de os habitantes da zona a<;ucareira de Pcrn,tmbuco em tres da,~cs:
49
1 os :.cnhore1> Jl! cngenho. pt opttcl;írto\ de li'>IIHlS, '>Cja de grandt:s plantadote:, qut: ro~\llt:lll ;¡, tetra,· .., 0\ LtVr1dnre' cspcue de rendcttw.; ~- ~~~ 111\Jrauorl!:-.. ou pcqucno' l.:olonos (tradu~Jo nossa) lp406)
o, \enhore~ de engenno nao \e intcrc,,mam pela admin1Mra~ao racional de ~o,ua.., plantac;oes ou pela" no,·idadt:-. té~.:nka .... o, poucm. que o fa7~ao o~ lavradotc' (p.406)
A~o. casas nao tem jard1n<., alamedas, pcquenos bo~qucs ou pavilhocs de repouso e por urn quarto de légua ao redor tudo é nu e ardentc. O luxo consiste em grande~-. ba1xelas de prata que tambérn é abundantemente usada nos arreios e aparelhos dos cavalos. As vezes existem !-.erviyos de porcelana inglesa. Tollenare de~conhecia que e<;IC uso de aparclhamento dorné!-.tico luxuoso, aliado as ve!-.timentas preciosas, eram o signo da vida nobre ou "honrada" corno se d1zia na época, e erarn obrigatónas para os que quisesscm ser con<;iderados como ta1s. Os lavradores sao arrendatá1 ios cultivadorc!-. de cana, sem contrato e por isto sujeHos a serem de~ped1do-; '>Cm indeni7atriio a qualquer momento 0<; acordo~ durarn pouco, o que nao encoraJa qualqucr beneficiO para a lavoura. Sao ag1 icultores com capital e trabalharn eles mcsmos corn o auxílio de sete ou o1to escravos. Para Tollenare, caso fos'>em bencficmdo~ por leis que garant1ssem seus d1reitos, poderiam vira ser uma clas~e Importante para o futuro do Brasil. O própno autor tc~temunhou a expubao de todos lavradores e moradores de um certo engenho (l.:erca de seiscentos) que tinham se estabelecido por concessao de danos antenores. 0'\ moradores sao pequenos COIOilO\ estabclec1d0s em um d1rninuto lote que podem cult1var coma permi<;'\ÜO do propnet:irio pagando algurn foro, mas tarnbém scm contrato. Essa incerteza incentivava a indolencia e o cultivo só de alimentos. ass11n como a constru~ao de cabanas predrias. Dependiam totalmente do propnetáno que cxplorava sexualmente suas mulheres, mas se arnscava a ser objeto de vinganyas sangrentas. A justi~a era demorada e corrupta e os juízcs que porvcntura tentassem ser honestos corriam pengo ele vida, enguanto o.; ma1s complacenres em pouco<; anos acumulavam urn cabedal considedvel. A forma ma1-" comum de obter a JUSllyél era l'a7c-la pelas própnas m<1os.
50
Tollenarc (p.415) Cita o caso de certo senhor de engenho que expubara l., .,e u., lavraJore~ e rnor aJores, p1 O\ ocanJo fúna pdi.t p~o.1 J..t Jc s~.;u:-. Lu~.-s c (llJ ' . . . . . ¡,cns flcs !-.C agruparam cm povoado vwnho de ondc cxerc1<.un vmganc;a' contra o Jntigo patráo. Uma das tentativas de controlar a inseguranrra era a mtlltanzac;ao geral da pula~iio ma..,culina. toda ela engajada em rl!gimentos de Ordcnanc;a' e de M1lícia' 1 ~~l.; quator7e ao~ 'essenta anos. Os ofic1ai-. eram os grande!-. propnetano~o.. da1 a c.nnnne quantidadc de coronéi~. rnajores, capltaes e tenentes que CXI<.,tiam cm toda" hxalidade.., o., millctanos podtam ser recrutado' para o cxértito CIH.¡uanto O!> ordenanc;:ao, ficavam em ~uas localidades mantendo a 'cguranc;a contra cnmcs. e-:;cravos fug1dos. etc. Uenry Koster. durante sua estada de onzc anos, viaJOU pelo litoral e '\ertao de Pernambuco. tendo me... mo alugado lavouras de cana que dirigiu com eficiencia l"áo rcJcitando contatos e amindes com senhores de engenho, burocrata<., e ech!siásticos, revela no<; -;cu<> escrito" a preferencia pelos homens da'> carnada-, populare~. Conviveu com e~cravos, moradores, lavradorcs, <;Crtancjos e vaquei ros Em que pese a saúde precária, realizou v1agem penosíssimas para o Rio Grande do Norte e o Ceará, percorrendo o sertao árido bem no me10 das secas que comeyaram em 1814 e se prolongaram até 1817, com grande mortaltdade e m1séna. Expcrimentou na própria carne as privac;oes que pesavam -;obre a v1da ..,ertaneJa e conccbeu urna adm1rat¡ao indisfarc;ada pelas virtudes espartanas de seus habitantes, pcrdoando e cornpreendendo l>eus excessos de v1olcncia A <;ua posic;ao fica bem ev1denciada no final da viagern ao Ceará quando comenta. "Deixarn o sertao e. cmbora tivesse !>Ofnclo. sempre desejei regres.,ar'' (p.202). A dc..,cric;ao da vestimenta e aparelhamento do sertaneJO é antológ1ca e merece ser transcnta: É a figura comum do sertaneJO em viagem. Monta\ .1 u m pcqueno cavalo com cauda e erinas compnda .... A scl.t era um tanto elevada adtante e atrás o~ e~triho' cram de fcrru ferrugento e os freio' da me~ma f01ma. A:. rédeas eram dua.., corre1a!> estrellas e langas. Sua roupa con:.istta c.n grandes calyoes ou polamas de couro tanado. mas nao preparado, de cor ~UJU de fcrrugcm. amarrados da c1nta e por batxo víamos a' ce1 ouht\ de .tlgodao onde o couro nao protegia. Sobre o peíto havia uma pele Jc cabnto. ligada para detrás com quatro liras e urna jaqueta também fetta de couro, a qual é gcmlmcntc atJrada num do-; omhros. Seu chapéu de couro tmha a forrna mutto haixa e com abas curtas. Tinha cal~aclo os chtndos d.\ mesm:t tor e as t:~poras de ferro eram su~ttda~ no:, !>Clls pés nu~ por uma!> correta., que prendiam o:. chmelo~ e as esporas. Nn niño dnell:t cmpunhava um longo chtcotc c. ao l.tdo. uma c~p.tda,
51
mct1da num bold11é que.: lhc dc-;c¡a da c.:sp:idua No cmto unM laca e um t:adm11bo curto e suJo na hm.:a Na palle postenor d 1 ...da c-.t;\\,1 .1man.u.Jo um pcda~¡o de f:vcmJa \c.:rmdha. c.:nrolaúa em forma de m.111to. que h,lhitualmcntc contcm .1 rcdc e un1.1 muda tic wupa. isto c. urna cami,a. ccrnula' c. ;., \C/C'>. uma' c,ll<;n.., de nanqu11n Nas bruaca:-. que pcndiam de cada lado da sda condu;cm ~cralmcntc la1mha e a carne a-;-,ada do outro I.IÚO. e o isqucuo de pcdra (
A mmucto'a e adminível de~cric;:ao do sertanejo retrata um homem auto. . ufictente. perfcitamentc adaptado as com.li\=6es de 'td:.~ locai-;, preparado para enfrentar todos o-. pengo' e ... urprcsa" O personagem cm queslfto demothtrou rnats uma vez as qualtdades de gent ileL.u e sol idancdade se m servilismo quando <>e afastou de seu caminho para em.111ar uma fonte de água e-;condida entre a.., pedras que em boa hora des~edentou o viajante, seus companhctros e 0" animat-; exaundos. Fm outra ocastao, encontrou uma restdencia de vaqueiro onde observou a ordenha de cabras bnvtou um empregado para buscar algum lctte com ordem de pagar. O guia desaconselhou o pagamento. O leite foi enviado e a moeda devolvtda. mao; logo a seguir tres vaquetro" vteram perguntar se o objeti\o do pagamento era tnsultá-los. Koster dc~culpou-"e alegando ~er estrangeiro, dcsconhecendo os co:...tume~ locats, mas depois estabelcceu um bom relactonamento com o~ -.ertanCJ05 ganhando ainda carne assada para a viagcm. O nO\'>O \ iaJante os con'>tderava "corajosos. wzceros, {:ene rosos e hospitale1ros" (p.206), ma:, extt emamentc vingatt vos, fazendo just t ~a pelas próprias mao~. A distancia dos centro<., urbanos e a estrutura soctal do scrtño permtttram o aparectmemo de potentado~ como a famílta Fettosa que vtvia no intenor do Ceará e do Piauí, desafiando as leis civis e crimimuo;; do país. Vingavam ofensas com a morte. oprimindo os pobres e <.Herrando os neo.., O chcfe da f;Hnílw l!ra Coronel de M tl íctas e pudia, ao primetro chamado por ern anna:-. <.:cm hornen:., o que cqutvalc a de; ou vinte vez.cs es~c número numa regiao pnvoad:l. O!> dcscrtorc:-. eram bcm rcccbídos por ele e os Lh'i<~'>sino' que havtam comclldn o cnmc vingando mjún<~s. O l::túrao cr::t repelido e mat:-. atntl.l aqueJe., que. pata entregar--.c ao :.aque. tinh:lm ttr,ldo a vida a outrcrn
52
p uco antes da vio;;ita de Koster ao Cearü. o entao governador Joao Carlos 0
~' nhausen) recebe u ordens de Lt-;hoa para prender o chefe do" reíto..,a. ( umo '·~bt:, que este nao iria ao palácio se fos-;e convidado. rnandou avisá-lo que o !> ., ~ ria para pao;sar cm revtsla ~e u Rcgtmento. Fot com peque na escolta de del ou
11
\1. 1 • • J''"pensou a trop.t. accnou a hospita . l'd d J Jo/l' p~!s-;oa~ c. apos o' exerctcto..,, 1 a e o fetto'a. e quando todo' se rettraram. pn:.1dcu-o sem fazcr hulha. Levando o.;eu ristlll ctro, galopou ~cm cessar até chegar ao mar ondc já o espcrava um barco que 1 ~ lt'\ 11u para a capital e Jaí a Li-;boa. onJe morreu na prisao (pp 176-8). O poder no .;ertüo. tal como tran..,parcce na' mt'ormac;oe.., de Koster. náll era l1a..caJ0 propriamente 11<1 riqueza e na" e"trutura.., de dependencta econotmca como na ..,nciedade a~ucareira Estú mats ligado ao número de ...egutdorcs e agregado.., k,us que fornM\alll un1<1 e'>p~cie de cxérctto parttcuiLtr informal ou formL\Ii~tldo "'N) chefe tivessc patente mtlttat de Ordcnanc;ao; ou das Mtlícia-;. A mobtltdade 0 o,ol·~ttl também era mab fáctl dependendo da habtltdadc. coragem e tntchgcncta do ,·aquetro que conseguía acumular um pecúlio e inicmr sua própna criac;ilo cm tcn·as
alugada<> ou apossadas. Quando voltou para o Rectfe, em 1812. reintctou \Uas viagcns pela 7ona a~m:areira, onde resolvcu instalar-se como lavradnr de cana. Ao acettar o convite de urn capitao-rnor de dtstrito vtzinho a Recife para acompa:1há-lo em sua viagem de in;;pe~áo. teve oportuntdade de tomar contato com o sistema de tropa' de 2~ e 3'1 lmh com seu~ vereadore.., e "homensbon-;" mtciramente na!> mao~ dos grande-. proprietürios e comerctantes. Mas neu controle . . obre a colonia. paulatinamente transferira muitas atnbui~oe~ e poderes para o' comancluntes das tropas de 2~ e 3a linha. Dc<;sa forma subordtnava a nMssa dos pobres aos grandes propnetários seu:, oficiai.., e este\ a di<;ciplina militar que vt!->ava cotbtr o:, exce<;c;os de independencta que amea~assem o sistema colomal Todo' O!-> homem. válidos do) de?es!->CÍ'i aos sessenta anos cstavam arrolado<> nas Ordenan~as ou Milíctas. Para o oftcialalo dos Regimento!> de Milícta.., iam o-., mats rico' dos propnetáno,, dos comerciantes e 0' burocrata'\, para a trop.1. o-. luvrndorcs e comerciante" médio'i Ao;; companhtas de Ordcnanc¡:as, voltacl,..., para o poltctamento e ~eguran~a locai..,, ab..,orvtam o re~tante dos proprietánoo;; e o' artífices na tropa. O servi<;o era gnumto para todo'>, devcndo ainda pos
53
muito\ ofícw1s. para ganhar mérito\. a-; veze.-; fardavam e armavam seu\ rC!!IIllCnto:-. O Capirao-Mor era a maior autoridadc local e muito tem1do porque pod a 1 prender quem lhe pareccssc e mandar levar recado-. ofic1a1:-. ou pe:-.soais sem auxílio ou recompen~a. Os abuso\ ncs"~ cxercíc10 de cap1tao-mor siio inúmcro, e as cla¡,ses baixa:-. <.Je pe~~oa~ liv1e~ sao oprimidas pOI CS\eS grandes homen;; e seu~ suhallerno~ até mc~rno l.abo~. Os ..:amponc~cs ~ao mandados longe, \Cm ,1 rnenm rclat;ñn com o sen i9o público c. por légua' l' légua;;. esc;cs pobre:- homcn\ s:io obngado1> a dci '<.Ir 'e u trabalho, ~ob pretexto de levar mensagens panu.:ulares do 'eu chefc, ...eu:-. capll.les ou de c;eu!> lenentes 1>Cm qualquer rernunerat;iio. Rararncmc cc;scs chefcs se lcmbr<1m de crnpregar seus cscravos ern tal ti m. FUJ \'ánas vezes tcl>temunha. ouv1ndo, de camponcses de toda panc. queixas. É uma mjus119a resadí!>!>lma. Nada ma1s irr11.1 um camponcs do que a certeza de perde1 seu lempo e trab::tlho num servir;o que nao fo1 1>0iic1ta<.lo pelo seu Soberano. (pp.259-61)
O recrutamento para O'> Regimentas de Lmha era um momento de terror, convub1onando toda a capllania pois, ape~ar da-; orden~ do governador de que de cada famíha de filhos solte1ro~ 'iÓ ~e recrutasse um e que ~e desse preferencia aos maus elementos, as ltlJUStir;as '>e muftipllcavam. É nessa oca~iao que a ti1 ama te m o se u esplendor, que o capricho e o a1hllrto ¡,e allam e que a mrw. injusta parl.Jal1t.lade prevalece, e se exccuta a rnais 1ntoler;ivel opresscio O fato é que todo o país l>C arma, uns contra os outros, e lodos o~ meio~ de surpreender cada um l!fio usados pelo Vlllnho. (pp.-1H8-9)
Foram feitas temativa-, de forr;ar casamentos com pes<;oas desconhecida1. e protcg1da~ do Capttao-Mor cm trocada isenc;ao da conscrir;ao. A oferta fo1 recusada e o Jo,·cm fo1 alistado. Outros. arnmos de famílla foram ind1cados por vi7inhos espioes que v1viam na ociosidade Por algumas ~emanas o pab pareccu t.lcva<;lado por uma guc1ra civil. Bando~ armados eram VIStos em 1odas as t.lireyücs pro~,;urando prender o~ recalcitrantes. (p.390)
Como bem percebeu Ko\ler, apesar de todas crít1ca~ e revoltas provocada ... pelo '>lsterna de recrutamento, efe o;ervia admtravelmcnte as estruturas Je dominas:5o. pois era u m momento pri\ llegiado para o excrcício do poder. bte
54
.,dia ser patemaf quando dclcndm ou favorccia os proteg1dos que as ... im aprcndwm !" Ji~ao da humlldat..lc e .,uhm1ssao aos podero.;oo., Ma.., tambem pod1a ..,cr cruel e ~rutal quando \C ahatJa .,obre o' que resi<;t1am ao... mccam,mo.'- do .;;iqema Após a mdcpcndcncm. dmme da\ prc~'>oes do-, dememos mai:-. hbcral'-. que ..,e e..,labeleceram no Bra..,JI entre O'- granJe.., prop1 ictüno ... fo,sem eles senhore.., de engenho. criado1es Jc gado, bande1rantes ou mmeradore' e ~eus subordinados. foram ba.,cada'> na depenLienc1a económica do~ exc:luído' da posse da terra ou do-, cngcnhos, cond1r;ao büs1ca para produr;ao voltada para o ~omérc10 de exportac;ao. O carüter e~cravi~ta e comcrc1al da prodU<,:üo a mclu1 bcm concretameme no processo intcml da acumulac;:ao capitalista e exclui qualqucr poss1bihdade de se pensar u m modo de produc;ño feudal no Brasil Mas as relar;óes que se estabeleceram entre os povoadores nao se lumtaram al!imples d1v1siio de trabalho porque a !uta pela ocupar;ao da terra que era pos'>e dos mdw~ exigiu a !>OIIdancdade militar para a sobrevivcncia. É natu1 al que homens saídos da ldade Mct..lia e da e; Juras da Rec.onqUJ~ta Ibénca retivessem a lembrJnr;a das relar;oe.; feut..lallunte~ no que se rekna ao~ lar;os de fidehdade. le.tldade e ~ubmic;sao entre "enhore~ e dcpendentes O :-.istema escravl'it.t. com a p1escnrra do inimigo doméstico. como era chamado o escravo. e o ¡,of<~mento das propnedade-;. criou cond•c;:oes para que ccrtas vis6e<. de mundo e Jo imaginário -;ocmf da ldadc Média pennanecc~~em vtvas apesar da~ novas condi¡;oes de produc;iio Dmnte di\1'10, sao perfe1tamente comprccn:-.íveis as reflexoc-" de Koster quando vivia na 1.ua propricdade: Noutra.., ocas16e:-. pen<;amenln<, diverso\,¡ e~:.e~ ocupavam-me o e'pírito. lmagmava a vida e ... tranha que le\aYa e a \ernelhan~ta com a época feudal na Europa aparec1a-mc. e n:io a dc1xava de comparar com cstt~do atual do interior hra~ih.:1ro. O grande poder do agnc.:ult01, nao :.omente nos seus C/>l:f. 1giam dos morndore'\ ua~ \U:h 1e1ras, a assisténcm que recebcm doi- rendeu·os c rn caso eJe msullo por parte de um \ol7lllho rgual. a dcpend~nc.a do~ c,unpone~es e scu:. dcscJO' de f1car '\Oh a protc<;iio part1cular de um ind1v1duo rico, que seJa cap.11. de lr\l:í-lo~ de toda orre~~Jo e de talar em \Ua defesa ao Governador, ou an JuiL. todas e:.sas Clrc.:unstanu.ts <>e comb111am para la7cl a !-.imlfllude ainda mai' flagranlc. (pp 295-6)
55
Continua drzen<.lo que seu' própno-, trabalha<.lores livres cometeram crirne,
e~peranúo ~ua aiuda e foi u m cmln C0!1\'t>nce-lo' ,• mudar Jc id0Ja. f como urna condusa mentalt<.la<.le. relata o ca~o de 'l'tr fl~rtor, que dele cui<.lou <.lurame sua entcrmidaúc:, úrLenúo: A~'>tlll vivo fth:rafmentc no meiu <.Jc-,..,c povo. ·¡o, emprcgadm no cngcnho. cslao na :,ala. cnquunro almO!,o ou Janto. -.entados ou de pé talando comtgo. Entn:ganHnc o prato ou OUlta cou~a quando PC\0 e '50 li..·fitC\ dl· c..tar rrcíximo ...
quando tcnho algun1.1 neccs,tdade O fcuor e )o.Ua mulhcr narram-mc c;hos raro.; e rcpettdos É um homcm de temperamento feudal. honc,to e fiel cm todos o.., rcspcttos. pnt uma aten<;ao rcs,lO. É ca:.o freq uc ntc entre e"e povo. (pp.2Y6-7)
A rica fonte da<> mformac;óe!> de Koster ainda poderia ser explorada .;obre tnúmeros temas da sociedade brasile1ra, mas acreditamos ter completado com ele o procc~~o de formac;ao mtciaúo coma chegada do colono portuguc-. no ;;;éculo XV1 e que se revela cmtalizado a., vé,peras da lndependenc1a
56
SOCIABILIDADES SEM HISTÓRIA: VOTANTES POBRES NO IMPÉRIO, 1824-1881 * Maria Odila Leite da Silva Dias
ht ~torlografia do Império foi durame mUltO tempo matn7 do estudo da!> institui~6es polítiCa!> e do discurso fundador da nacionalidade. Dentro dessa característica ideológica, só <;e podía endossar a consolida<;ao da hegemonía política da~ elites que projetaram a nac;ao. Esse projeto homogeneizante consistía numa mt~sao de controle l>Ocial, disciplinador e civilizaúor dal> imensas destgualdaúes sociais herdadas da sociedade escravista. Era impossívcl - dentro dessa vi!>iiO de sistema, de equilíbrio maior de urna sociedade que se via do prisma do poder - chegar a documentar a pluralidadc, as diferen9as, os regionalismos, as conjunturas que envolviam modos de sobrevivencia de grupos sociais oprimidos. Um dos primeirol> hi ~toriadores que se voltou para o estudo da ma<;sa de homenl> li vres pobres na soctedade colontal fo1 Caio Prado Jr., em seu l1vro Formariio do Brasil comemporáneo ( 1942), cm que trata de sua rnser~iio ambígua no sistema produtivo escrav1sta. Marxista dado a mterpreta~oes concretas e específicas, apontou este setor Jos homens pobres ltvres como um grupo social que, em princípio, eslava fora do l>istema produtivo dominante. Somente no día em que estivesse integrado na sociedade é que se poderia considerar consumado o processo de formac;ao do país.1 Escrevia na década de 1940, quando ainda niio !>e desencadeara o processo de industrializac;ao e de urbanizac;iio que transformou drasticamente as perspectivas da sociedade brasileira como um todo. A urbaniza<;ao trouxe perspectivas novas de redefínic;ao do político em vías de serem exploradas. Ultrapa!>sar certa frontetra de per~pectivas metodológica\ ainda cons1stia em desafio para historiadorel> e para as ciencias humanas cm geral. Era preciso corne<;ar por documentar processo~ l>Ociai~ ~üo determinante!>, o que por .\1 já exigía uma abertura ideológica e metodológica lllovadora, difícil para uma 1ntelectualid:.tde formada num sistema centrali·laúor, autoritário e mscrida na compart11nenta9iío do saber universllário. Nas décadas de I9.SO e 1960, olhares ambíguos. ainda forjados pelas e~colas funcionali,tas e lllesmo estruturalista:-.. vi:-.lurnbraram a po'>!.ibdld..tde de uma pluraltdade de sujeitos hl-.tóricos. Grupos socia1s "outros" aparcciam, contudo, amda inseridos numa
A
57
A nova experiencia urbanizadora do paí~ abriu nova!-. poo;;sibiltdade'> de u m peso exagerado no proces<;o Jestgual de nossa forma~ao. Nada mais tmportante do que explorar diferenyas e especific idades numa <>ociedade que se caracteriza por uma c:oncentra<¡:5o de renda cm nível excepcional. Trata-se de um conhecimento polemico e engajado poi~ chcga a um.t visao de conjunto através da percep<¡:5o de fenómenoc; para os quais niio c;e fotmulou hipóteses inJcints Da urdidura dos pormenores é que o intérprete chcga a uma visáo de conjunto das soctabil idades. das experiencias de 'tela, que traduzem
• , .., Jatle!-> sociais. Adenr a pluraltdadc é umd conJiyfíO para e,<,tc sondar da~ nc:,t ~ 1tiJaJes de t;Oextstenc:ta Je valott:\ e net.e~-.idaJe~ ..,v~i.~i:-. Ji'vt:.:t'><~:O. 4u~ nO.., ...n•l _ ~ • · T rata-se, na t·· • entre ..,1 mas nao tem urna necessana coerenct.t. ·¡JC'-1"1l 111 ~.. ( ,.r· fia de aceitar o provisóno como nccessáno. Oo passado, na verdade, so 1~=> '1 h,,wn , •• .·_ nbr·unos temas e fragmento<; de expenencta:-. que noc;c;a contemporanctdade VI' 1Ul ' ~s permite entrever. E<~ses temas e fragtm:ntos, por sua vez, mudarao com a lmha ~o hl)nzonte do no..,so conhectmento. 9uc nu~ca e ftxo . _ Tudo isto para enfautar a 11nportancta na ht~tonografta de dewendar njunturas parciais de grupos sociais em lorma¡;:ao sem tmpor-lhes de antcmao ~~n.:cito' e categoría.., abstratas. E'itas terao de dar precedencta á interpretac;:ao pt)"'í\·cl das condir;ocs de vida de grupos \OCtai<. que mal comc<¡:amos a dtscernir atrave<. de parametros ideológtcos dtstantes daqucle<. que os relegavam a um lugar ..uhordinado, subalterno ou de antemiio configurado. Trata-se de uma perspecttva mo' locais e regionats na~ décadas que antecederam a Aboltr;ao. Tanto na economía cafeeira do Centro-Su!, como no nordeste a<;:ucaretro, a massa dos habttantcs livres pcrmanecta a margem da economta de exporta<;ao. resistindo a integra<;:ao no <;tstema produtJvo, baseado na rn5o-de-obra escrava O prll\:esso de sua integrac;ao na for¡;a de trab.tlho, após a aboliyiio. foi eminentemente local · va 11and o con forme a~ economta\ regtonat'\ · e. pnnctpa · · 1mente, a mHgrac;ao ~\lrangcira, que tornou específico este proccsso no Centro Sul, -;obretudo na Corte 0 Rto de Janetro e cm Sao P.llllo, apó' 1886. No Norde\tc, com a decadencta ~rccocc da escravtdao, a populac;ao de ti vres pobres se eleva va. no recenseamento . e 1872, a 83% cm Pernambuco e na Bahta. A lenta tramfonnac;ao em parcctros e ~ssalanados das usltUIS é proc:esso peculiar que antecede a Abolic;:ao e vcm -;endo c-.tudado cm sua<. parllculariclade" regtonais. tai~ como a falta de Jtspontbtltdacle de
58
59
pcrspedtva globali1ante, visto~ como dc!->ordeiro~ ou subordinados ao todo d· nac;:ao, do poder. da ordem dornmllntl:' P.tra dcsc.: ortmar Jifl:tLIII~;t:-. lot prec· , il 1,,,. trans<.:endcr enquadramento' .unplos. A<.:eltar o outt o tmphca\ a abt ir-se pata U~ñ;¡ pluralidJde de po,sthilidades de parttctpa<¡:üo até entao negada-; para o COit.flltHo d:¡ sociedadc. Uma "Ocicdade como a bra!->llcira. radtcalmcnte dividida de -;i mesrna -:aract~.:tvada por enorme concentrac;ao de poder, de nqueza e de cultura. \Ofreu h~ pouca., décadas o impacto da expem!ncta urhantzadora Da rnesma maneirt~ movtdo' por identico contexto social, procurararn os htstonadores no seu métier armar-'e de método' dtfercntc!-> de abordt~gem para aceitar uma pluralidade de cxpcnencias htstóncas. sem lhe., atributr a'pectos de desintcgrac;ao, de mcrente de~ordem ou de anomta. Documentar experiencias diversas Je vtda, aceitar conjunturas sociai!-> fragmentadas que de~;aftam globalidade~ tidas como ~erta~. nacionais, coetentcs com ststcmas ideológico<; predefmidos, globaltzante.s. fundaJore\. ainda taz parte da con~tru~ao por concettos como o do soct,ll por opost~Jo .to políttco ou ao nacional. Interpretar o socml implica pa'l\ar pelo en vo de redeftniyño da cidadania política. A ht.,toriografía soctal, da cultura, do quotidtano enfrentou como atnda enfrenta um caminho ¡Írduo, poi~ carecía de novos pri'lmas teóricos e ideológico' para interpretar fenómenos sociat.c; que niio c;e detxavam apreendcr através de enfoque\ tradtcionai-.. O processo de urbaniza~ao que concentrou na!> cidaJes as populayóes rcgtOncll\, rurais, contribuiu mdiretamcnte pdra transformar padimetros tnterpretattvos viciados pelo etnocentnsmo e por conccttos sistemicos predeterminados. O.s termos comprecnder ou interpretar tem uma conotayao precisa nas humanidades, pots sugerem a neces~;tdade de recon~truir o conhec1mento de modo a poder trabalhar com especifictdadeo., e nao com conceitos ab!>trato... Esta forma de trabalho subentende valorizar os pormenores, o fragmentário e o niío dctermmante, para que se po-;sa construir um conhecimento que na.scc da dcsocultaqiio, do dectfrar como um proceo;so que aspira a reconstruir seu toJo 'em ter para tsso chavec; conceiruais formalizada .... O conhec11ncmo que desvenda é um processo de dcscoberta. mterpret<~yño para os fenómeno<. das diferenras que sempre ti vera m
terra~ no agre.,te. as migrar;oes para a Zona da Mata. as condu,:ol!!'. e~pecífica~ dl! explor<~c,:iio do trab:tfho na ecnnomia a¡¡ucareira. 2
De longa data. a questao do~ agregados e homens livre-. pobre~. pequen , 0 -.niante-. ou pequeno!'. po~seiro". voflado!-. pnm:tpalmente para a economia de 'ub-.t~Lencta. tem "tdo VI\La em u¡xht!fiio ú pte..,enc;a de escravo.., e a in-;en;iio na economia tnternacionaf ou ao grau de cre\ctmento da economía capitalista. Enquanto '>C lonnava u m ml!rcado e!->cravo no plano nacional, com su a conjuntura de prcc;ns determmada pot circun-;tánctil\ globars do país. o mercado do trabafhu ftvre permanecía ainda mteiramente local. d11ado por condr\Ües fortuita'. C\tritamentc rcgionais Alguno., autore.\ rdentrfrcam o.-, trabalhadores livres nactonars corn 0 subdc.-,envolvrmento da economta do Centro-Su!, ressaltando, como o faLiam O!~ contemporanco<>. a .-,ua rc,i\tencia a intcgrac;ao como a-.;<;afariado' na" fazend.¡c; de café. Em Sao Paulo. a op¡;iio pelo nnigrante italrano e a política de excedente di! oferta eJe mao-de-obra acabou por compnmtr ..,aláno" e con~umar a concentra<;.ao da propnedatle da rem:t cm grandes unidade~ e nas rnJo-; de poucos.' Teria .-,ido outro o dcstmo da econonmt ~e se ti ves.)C pcnmtido a disseminayao de pequen as propriedadeo; e a comerctaliL.ac;ao de pequenas lavoura'. A ma!>sa dos habitantes livres do Centro-Su! tem pOI<; ~ua histonc1dade nece.;;~anamente fragrnentária e regional, em facc da economia cafeeira e da constru9iio do Estado-Nac;ao. É scmprc delineada, de maneira opo!>itiva, ou confrontante: ¡,eja ao projeto eliti..,ta de integra9ao na nac10naltdade, ou as neces.;Ic.Jadc\ da economta capitalista. a que resi<;tíam. Entretanto, o e'tudo de a\pCcto.;; localtsta". aparentemente fortuito' e fragmentário~. rem o contliio de tornar mais concretos o~ limrtc!'. de atuayiio da hegemonía das elites dirigentes que moldaram a soctedade global, tanto atravé.-, da sua política de atregimenta9ao do lrabalho as vé.)pcra<~ da Aboliyao 4 , como na defini9iio dos direitos de c1dadania que mtegravam O!> homem pobres no Eo;tadoNa9iio.5 A política de dommayiio se fazía .-,entir princrpalmente através do <~istema elel(oral e da estratégra de recrutamento para •~-" fon;as policiars locais, a guarda nacional ou para o exército ele primcira ltnha. Ot7 essenctalmente respeito ?1 CentralinyÜO do poder e a polítrca do governo de controle do mandonismo local." Ne,..,c '>entido. re-,~alra-se na conJuntura do Centro-Su! a expano;ao da cconomia caleetra e O.'> scus efenos -;obre o~ <~etores da populac;ao até entiio 'pecto que chama de inícro a aten<;ao dos lmtoriadores Até o pre.c;ente, o qué! se 'abe ~obre a existenc1a dos .-,etorc1> ''m<~rginalitado'" da populac;ao do Impéno dcve-se a estudos de comunidadc-;,
60
...cría de ¡,e e., perar em faLe da ma""a tlo<; deo.,da-.srficado' !'.ociat-; do país. . . . oalhOS de ht!->lona -.ocral e CC01101111C.J de t.UI11Uilllli.1J~..::-. ~UillO V Js~uuras (Stank) f~jn). Bofete (Antomo Candrdo). Guaratrnguctá (Lucila Herman. Mana Silvia S .. ¡¡ Franco). ltu (Enl Me..,qutta). Parnaíba e Taubaté. de!->corttnam dado\ ar'·1 10 . _ _ n:ci<,, 0 , sobre a\ forma~ de orgamzac;ao d,t -;obrevivencra e a<. mudan~as que p. ,rrcratn na vida des!>es c;etore-. da popula<;ao ()(( 1 ' . E'-tudá-los. na pcrspe<.:uva mats ab rangente Ji vres no pano de fundo de sua-; lmtoncidadc~ rcgiLlnat". como parte componente do eleitorado pobic da'> província!> do Centro Sul ( 1,.;~A-1881 ), sigmfica a inda urn esforyo de \Íntese. no -,cntido de eo mpor u m quaJro mais amplo. abarcando ao me,mo tempo a reconstitui<;ao de suas experiencia!> de vida local, formas de sobrcvivencra e nu;lt1<;as ou conJunturas de inscn;ao na soctedadc nacional. Documentar no plano da hic;tóna soctal a sua lula pela sobrevrvenciat<. assim como a sua reststencÍ!>e~ dominantes. dbccrnir os limites de vrabrlrclade da recon.;titui¡;5o de "ua experu3ncia ele vida marginal com rela<;Jo as for~a'i do capitalr-.;rno e do proJeto hegemónico da¡, elite.'> do Tmpério parcccm desafio' promis.,orc.., no e~tágio atual da hi"toriografia do ~éculo pa<.sado. A limita~ao da~ fontcs e~critas pode eventualmente ser ~uprida pelo hi!'.toriador, tendo cm vtsta ,\.; per!->pectiva-. rnai<> abrangentes do <.:onjunto da socicdade da época. A in.,eroai<> eJe dependencta e ele protec,:ao, é preciso rclattvizar sua abrangcncia. delrmrtando as srtuac;oes específicas em que "e delilllam como tal: os agregados proptramenre d1to..,. que viviam de favor n.ts faLendao.; de café. indicam ,rtuac;óes deltntda' de 'tda. que abrangem uma parte relauvamcntc fiClJlh!na da ma..,,a dos hahtt.mte'> livres do Centro Sul •(llllll .
¡;
e
61
Segundo o relatóno do pre ... idcnte da provu1cia de Süo Paulo. em 1~S4 ext.,tmam nas fa¿enda' de café de tod,t a provmcta. apt'nn' l 223 agregado~. 55 834 t..:o-l.l.tvo ... ; na~ lavouras de a¡;úcar. a propon;ao era atnda menor: cerca de 6~ agregado., para 15 641 cscravo" Nas fazenda" de cmu;üo de menot valor cotnl!rc 1 ~ aumenta a propon;ao d0s hometh livre'• 1 767 agregados para 4 342 C!>cravos. Aa.J mesrna" propor~ocs provavelmcnte se rnantem para a província do Rio de Janeiro para a Zona da Mata no sul de Minas Gerats. 10 e A porcentagem global dos homens hvres na populw;ao do Centro Su! colllo u m todo era claramente majontaria. embora menor do que a do N01deste. Refere-~ a massa da popula~ao que vivta a margem da economía de exportistencia impltcava trabalho ern determinada~ época!> do ano e disponibtltdade em outras . As referencia-; as migra~6es ~azonai~ do~ trabalhadorcs livres assomam com relativa freqtiéncia nos relatónos do'> prestdentcs de províncta Em Mina~ Gcrais, o:-- homens livre:-- migravam para a Zona da Mata e o Vale do Paraíba e. ao chegar a época da~ '>emeaduras, volt.tvam para ns mumcípio~ de ongem. na rcgiao central da provínct.t. Também cm Sao Paulo. deslot.:avam-se temporariamente de suas lavourail, procurando trabalho nas regr6es de f10nteira. na!-
p:
62
na~
Ja" de café. \avoura'> de ac;:úcar. As regtoes de Uberaba, da Mogt.tna, e de j Mogt Mtnm l~t..l!blOW~I. o;;obreo;;sat a preocupa<¡:üo autoridades Joc¡m. das JUntas de qua 1t ftca,ao, dos Jll ozes do fom e dus dtefes de m regowao a; mudan,.ts de domicilio: demoontmndo uma aten,r.o espccoal 0 eJ1l atuahzar a~ ltstas dos moradore' das paróquias. para as clctc;:ocs e o" recrutamcntO" A ideologta do trabalho na soctedade e ...cravocrata dtscnmtnava l)!'\ aJldanlhos. tropeiros. roce iros, como "vad10s". desocupados ou octosos. com po"uras e alvarás de recrutamento para n e'ército de primcora
(¡Jt11.¡
~, ~¡cia.
~""~~indo-os hnha.
Quasc todas as ocupa<¡:6e:-- ondc predominava O trabalho livre re0ettatn a natureza temponíria e o nomadismo dos costumes dos homens livre~ da províncta. Er.1 o caso d0 tran"porte das tropa'> de muares, do trabalho em obras públicas esporádtcas e. postenormente, nas estradas de ferro, cujo papel importante na 15 para o trabalho vem sendo nos últimos anos. A economia de subststcncia na regtao do Centro Sul, tinha suas con¡unturas históncas marcada<; e dtfetenctada~ por fatorc'> externos. tais como a di~ponibtlidadc de terras. que tnfluía dectstvamente sobre o desuno das ro~as O proce\'>0 de desapropriac;:iio acentuava-se em área!> de penetra<;ao do café ou do 16 a~úcar, provocando um contínuo deslocamento dos lavradores pobre'>, das regiéie~ mais para as terras novas de frontetra em área de índios hravos. A organinc;:ao das famíltas de stttantes e o ~tstema de heran'fas também contnbuíam para dt-;tribUJr a populac;ao e opor a~ áreas de frente<; pioneira<.; as área<; de retaguarda, decadentes. 17 Na'> pnme1ras, predominavarn os hornens no,os e, na' ~gundas, as mulheres de marido<; ausentes. chefc~ sós de fogos pobre<;, cup tendencia era abandonar os síliO'> tmprodulivos e refugtar-~e em localidade-. urbanas. Este ~i,tema de povoarnento, estudado por Sérgio Buarquc de Holanda. perpetuava-se na províncta de Sao Paulo no século passado, princtpalrncnte quando
tran~is;ao
as~alariado,
e~tudado
e~tabclecida..,
era tnten<;ificada .1 penctrac:;ao dao;; lavoura<> cornerciais. O <;tstema de concentrac;:ao das tetras nas rnaos de alguns poucos proprietáno'> apenas .,e csbo<;ava em 1818, quando forarn feitos1 os registros dos ben., rústico'> anali<;ados pela hi..,toriadora Alice Canabrava. ¡¡ O mesmo fot documentado na obra de S tan ley Stetn para a V as~ouras da década de 1830. Em 1850, a consolida'fi"tO da-. propncclade" de grandes po..,seiro~ já tomava forma de O st~tcma de valoriza<;üo das terras de frontetra dependta. de mício. da CJCupac;:ao temporána por homen' ltvres, contratado'> para a derrubada da mata. Dcpots, eram expulsos ou despedido~ das terra~ recém-formadas, enquanto os
let. 19
63
gnle1ro,o.. ,o..e encarrcgavam de garantir o u~ulruto e a valori_za9ao da, terra!) p¡¡ empresános ,tb\enteJ<;[a,o.. OU homens de negÓt:IO da\ CldacJe, ¡_; interessant... ub:-er\ fC ~~ p..:rpdue tornar clara e bern documentada. As ro9as volante' do' homcns pobres eram :-.ub.stttuídas por grande, posses de llmttes ob<~curos e cerca~ de penumbra. tanto melhor a. . segurada.; quanu , menos documentada:-. O registro cx1g1do pela lei de 1850 'IUbentend1a Imposto,~, qut1 eram pro;bttivo.s para os pequcnm. pos,eiro..... A política de concentrw;ao da<. terra-; vinha firmemente abalizada no, recur'>os lcgai,~, da<; classes hegemónica~. Tratava-se, a todo custo, de manter os moradores pobres itmerantes e, sobretudo a part1r de 1870, dc.spossuídos de terr
°
A htstoricidade da ttineranc1a dos homens livres pobres e de suas conjunturas de sobrevivéncia presc;upoe o proce.--so <.empre renovado de domma9iio que os mantinha despojado'>. O deMino de \Utt\ 109as de sub.s1stencta e a contínua necess1dade de renova~fao das tát1ca:-. de sobrev¡venc1a determinavam o ritmo do proce..,so de povoamento. A itmcrancw e a mobilidade eram característtca~ e.ssencwis de sua sobrevtvencia· a contínua mudanc;:a espacml, a par da contínua mudanc;:a ou improvisac;:ao dos costumc\, inclu-;ive a transltonedade da organtzac;:iio familiar. dos casarnentos, da<~ au..,encia.s. ' 2 Ao me<.mo tempo eram empurrados pela neces<;idade e pelo recur!>o de resistencia ao controle soc1al dos fazendeit os. da!autoridades polic1ais, do fisco. Também as ocupw;oes a que <.e dcdicavam, cm complementac;:ao as roc;:as de subsistencia, cram de nature?a essencíalmcntc temponíria· tran<>portar tropas, servir como camaradas ou auxiliare. . de tropcu·o. aceitar cmpre1tadas de dermbadas de mata. capinar, preparar terras ou, o;obrctudo. contratar-~e como jornalc1ros em obras 1níbhcas. As oportunidade¡, mudavam confo1me as con.runtura,~, de momento e corno ta1.s eram aprove1tadas a -:eu lempo e vez. A,o.. frente~ de povoamento. as retaguarda~ de terra.s empobrecida<:. as tern¡., pública<,, O!-> ensa1o" de coloniza~ao estrangeira -
ó4
• muita~ vetes também recebta nacwna1.'> ' - e a pnípria Guerra do Paraguai. qbtJI.:¡;tJllllpurtunlu,t . 1 d L" dL o~..upac.ao - para 1101111..11' pu bre.~ J. ' . ~4 - 1\pOniVCIS. a r Alicc Canabra\a ec.,tudou a oportunidade de sobrev1véncw ofcn:t:1da a partir Je. Jl{65 pela cultura do algodao. que se expandiu na provínt-w de Süo Paulo tM!> .j(lc~ de sllwnte' pobre,, olerecendo retugto para os de . . \alldos da reg1úo de ~f '. a cn'>e uos .1 ' . S rocaha. Ju.--tamente quan do :-e tomava cnttca tropel ro'> e do comerciO 1 J~ 111uares cm geral; em Sao Luí' do Pa~a1ti_nga. no Yak do _P~raí~a; n algodao veio bCII~lMr os mor.tdore!-1 pobre' com po,.--1bli1dades de -..obre\'lvencla -· a - J:..r.l .,uge,tl\a a seno;ibiltdade dos roce1ro' e \U'-lln como 'eu olhar 'emprc abeno par,l con¡ untura-. (JH)r;iveis de senlt;O'i ocas1onats, ou de comerc1allza¡;ao do.-- pequenos excedente:-Jc: ,tws lavoura" A comerclal17a9iío das parcas colhc1ta" era costumc anttgo, como ~ 111 prc in~cndo na sanha de domina\ao de atravc,-,adorc:-.. intcrmediünos urbano.'> e Jc: almotacéi-; da'i vila'>. O pequeno comérc1o local era at1vtdade bao;tante ¡0 ,kpendentc para atrair homens avessoo;; a qualquer forma de trabalho manchado pda cscravidao, principalmente quando fcitoriLado.'>, cm turmas. Ern va~f6es de comércio de generos de primci ra neces'ldade. A:- multa~ eram parte tao certa de .'>Ua posiyfio ... ub<~lterna, quanlo a política de recrutamento. A., ativídadcs de pequcno comércio também eram muito dificultada-., pela falta de IJberdadc de que dispunham quando se avcnturavam por regioes mais dcn.;amentc povoada<,, pnncípalmente JUnto a,<, vtlas. Desde pen.'>ao de cvcntuais rccrutamcnto,~, ou de quaisquer forma' usuais de arbitranedade ou v1olencw, a que 'ie VI, o d1reito de vender, comprar e transitar llvrcmcnte. ao meno.s no percur<.o de ida e volta de suas casas as femto;: 1
5
<10~ fe u ante.'>, compradores e vended ore:-. \Cja outro~un conccd1do o d•re1l0 e pnvilcg10 da l!>eiH,:ao de quacsqucr licent;a~ . Jlcavallas e contnbuu;oe~. JS\IIll como de emhargos pes~oaes ele seus escravos, moc;os e apagn•guatlos, e de qu.1csqucr socio~ ou agentes, e cmfim J<,s 1-~Cus canos. bois e hcslas de qu,1lqucr scrvic;o, scm que haJa awomlatlc alguma, p01 m<~iol que \Cja possa fazcr-lhcs a c~lc IC!.pc•tos o mal\ leve emhara¡,:o. porque qualqucr cstorvo nc~t.l matén.1 ~e11a de péssima!> con:.cquencws como turhativa!. Jo commen:io. que tcm por prindpal alimento a mais ampla !Jhcrdatle, nao tendo
65
por isso me~mo O\ compradorc-. prclcrcncia nlguma un~ sohrc out ro~ pata a" ~u,1s compra\, ,111 te\ com:o11 a m todll'i na ma1s perlctta •gu.Jldadc. :-;cndo o m.uor prc~o ollcrccido o un1co principiO da prctcndlua ou dc,cjada prclcrcncia... 27 o~
O pequeno comércio era parte importante da' ati\ idades Je ;;ubsi~téncia
¿
Je,dobrando-~e em cadeias infindávCJ'i c.Je múltiplos mtermed1ários. desde cammho da ... ro~as aos rancho" de tropas. ;,, venda' de bcira de estrada onde eralll
considerados prescnr;a constantemente "ubvcr'>J\a, ampl . uncnte documentada pet0 , vi e~cravos tinham para \Ua<> hartas. as pequenas colhcitas já nao satisfaziam ac; necessidaues locai.... implicando a compra de alimentos do Su!, ou a importa~ao de regJoe ... mai" d ....rantes, ou mesmo do Prata e 0 do ex tenor. ' A consolidac;ao do mercado Interno tcm mutto a ver com a sorte dos homens livres pobre~. O problema do aba ...tecimento 1nterno atnda preocupava os e~radistas da República Velha, podendo-sc con..,.derar que, enquanto dependiam de Importar de fora os alimentos neces<;ário., para a reprodus:ao da fors;a de trabalho, estava mcompleto o processo de conc;tru<;üo da na~ao e de formac;ao de uma economía propriamente nacional. Contemporáneos como Sebastiüo Fcrreira Soares destacavam como um contra-'>enso a prolifcras:iío de homen'l pobre' errantes, 1\Cm tcrra, e a con;;eqüente c..:are.-.tia dos genero~ al imentíctos. Propunha remediar o problem:.t com a fundac;5o de colonia<> agrícolas de agregauo~ sem terra e dc;socupado~ dos cortic;o.-. da Corte. para os quais seriam dtstribuídas pcquenas propricdades:11 A proliferas:ao de botequins, de fojas de molhados e de carne seca, logo depois concentrados nas rnao:-~ ele graneles monopolistas, é um aspecto da sobrcv1vencia dos rocetros, parce1ro" e agregado..,, que diL respcito ao estudo do proces-;o incipiente de urbantza<;üo, 'ieja ¡unto ¡¡.., localidade..; e vilas próximas as
66
. t:ndas th.: café ou próximo aos centros urbanos como Sao Paulo e a Corte. Ctudar fí11 .1,.l'ma" e pcquenos armazén.., era atJVJdade prt::lenda pela popula<;ao Jorra e 1 de .'t'l qu~ compunha a extrema J¡ver,Jdade dos 'etores f¡vre' (catpiras. hherto.... .. .12 11tu 1.1 • • · Trante\) localizados neste arttgo. 11111 ~ . . de mea dO\ d o -;ecuo . 1 pa,sad o. d o A mentalJc.lade d ommante. a parttr ~··re"'o Jo capitalismo e do advento da civilizar;ao colana Jc nuan<;as pcJotatha-; · · 1amento d a... prt~ ,.. .:n,llltne" do<, laHadore' po0 res. CUJO atraso mutlo" atn'b utam ao 1se ~,.0 , 11;oe~. á mesw;agem. a falta de ambi~ao ou ü pregui<,:a. preconceito" ,·ett•r,1dos contra a dtligencta e o trabalho a'-salariado. que a... própnas cla,.,e., 111 dominantes apontavam como produto da' soc1cdadcs mal" . tUFIIll dircro com o mundo das autondades ou dos fazendeJroc;, <;em fular nos caboclo-; e me~ttcos de índios, dispersos pelas regiocs nova'> e, de forma geral, por , t4 toda a provmcta. É interessante lembrar que, em todo o decorrer do século pa~sado, o procc~o:o de me..,ti~agem transformava aos poucos o~ roceiro..; ca1pira" de anttga ascendcncta mameluca. em mulatos. dada a presen<;a do., e-.cravo' O grupo da popula<;ao que mats cresc1a era o dos mulatos. mesti<;o~ forro~. que pcr<.,Jstentemente se acrescentavam 1ts populas;oes ca1piras tradicJOnats. Na provínc1a de Mmas Gerais, de longe a ma1s densamente povoada. era fator prec.lurnmante. de-;locando-'>e para as frente<; agrícola.., das regt6es do <,ul da provínc1a. De cerca de 48t:~. em 1814. passou a quase 70%. em 1872. A província do Rio de Janetro pas<;ou de 28C!t• de fonos mulatos para 38% em 1872 A províncw de Sao Pauto. de cerca de 38% de ltberto\ mulatos. em 1836, para 57o/r. cm 1872 H É claro que o fenómeno delimita as fímbnas da e~cravidao concentrando-se nas reg1oe~ de ar;úcat eJe café. Nestas áreas, apena-; 10 a 15c1o da populas:ao do., •nuntcíp1os perfaztam o grupo dos agregados: urna minona cm proce"'o de de..,aparccimento Ex-escravos concentravam-se nas regtóes mats antigas e populosas, como o Vale do Paraíba. Mu1tas vezes, para evitar a... pro>.imtdac.Jes de fazcnda-;, procuraJJ.tm metas de sobrevivencw ~crtao adentro, nas frontcira'> ou cm áreas de cna<¡:;¡o c.Je gado. Está por fazer um mapa aprox1111ac.Jo da~ tonalidades 16 r~tciais e do convívio dos forros e liberto<> coma popula<;iio c;.11p1ra tradtcional. É de particular intcrcsse cstudar o fenómeno de arrcgnncnta~ao dessa Popula\=fiO pela~ elites Jominantcs e a constn11;ao paulauna de recursos adnlJni.,tr~Hivo ... e Je le1.-. para cooptü-los ü popula\Jn do lmpério como ctdadaos o
•
•
67
pobres. pon5m e fet t vamente mtegrados no si -;tema poi ítico. na meo ida e m que formalmente podiam vot.1r () SIStema poi Ítt<.:O C ddtntlll\lrUit VO de COO\ll1lC,:ftO do JmpéttO prOt:C\SOU-~e kntamente :1 mcdida que as chts"e' dotntrl.lntcs puderam coloct~r-\C de forma ma1\ d'ictcnte ac1ma d:.ts local1daJe~. cm nívél prov111ciaf e o.;obrl.!ludo no nível da Corte do R1o de Jane1ro. Na época da lndependencta, tnteres-;adas cm cxen:er um controle -,ocial mats d'ictcntc, procuramm arregimentar l' tntegrar as populac;óc.., margina;, ao corpo d,t na. O<; que nao t1nham sequer conu1~6e~; de ser \Oiantcs. ernm recrutados para o ex~rc lto de linha. A partir de 1833, a guarda nacional tornou-se o centro de arregimenta9ao dos \etores intermed1úrio~ de pequeno-; proprietário-;, 1 ocetros e lavradores pobres. lh A<.. autoridades locai-;, O'> juíze.'. de paz, os p:iroco~ que rccebwm as cóngruas do govcrno central e os juízcs municipais controlavam o proce-,so. fundamental no sistema de clei~ao indtrcta, de qualificac;:ao dos votantes pobre~ . Após 1841. o'> juí7es de diwito e os chcf'es de polícta <..uplantaram as autoridades mun1ctpais e passaram a exercer um relatiVO controle sobre o-. métodos de domtnac;:ao - cxerct d os so b re os 'ot.mtes po b res. "' Os pequenos ~o,illantes. lavradoreo; pobres. parceiro'> e meeiro!-. também eram recrutado-, para a-. for<,:as poltciat'> locais, ou para a políc1a rural, cada ve7 mai~ nccessüna ondc a populnc;:ao escrava crcscia e onde as elites muitas vczes se desentendtam. A guarda nacional na pro,.íncm do Rto de J;me1ro e na Corte. em troca de favores e de protcc;ao local, monopolizava oo; recruta-> que deveriam caber ao exército de primeu·a ltnha. O mesmo se pode tltzer das forr;a., de poi iclélmento 0 provmcial. que eram di reta mente subordinadas ao presidente da Provínc1a..¡ Qualquer recrutamento envolvendo deslocamento no espac;:o e a obng:ac;:áo de ..,erv1r seis anos longe das o;uas roc;:as ou vila-; impunha ..,acrifícios e a resistencia , . ~~ A f . ., _ . a to d o cu:-;to. me 1ustve a c.csen;ao 1 .,tstemat1ca. s Otue-. m1netras, 11umtnenses c.: paultstas comentam o horror do~ roceiro'> ao ~en 1~0 militar Me-;mo quando ...e tratuva de serv1¡;o~ meramente locais. como no <.:aso dao; polícias rurai~. que nao passavam de agrupamentos de capangas e como tal eram ststcmaticamente malvtsla~ pelo~ preo,tdcnte" de Província que pretcndiam ::.ubst1tuí-l as por fnrc;:a' provmctai-.. mats dtretamente controladas pelo poder central..¡?
68
A resi'>tencia ao recrutamcnto diricultava a organtza processos de vtOienc1a clcnoral. A p.trllr da rdormu cleitoral de 18-+6. ~...1 ws de qualiftcac,:ao do~ \ootante' da-.. elei~oes pnmátta-.. 1Xts.,aran' a controlar 1110 o rccrutamento. A-. forc,:as de reprc-.sao local parecem. nesta epoc<~. ganiMr t.untx-nt n, , : knto sobre as popula<;Cics margmats de pequenos si liante<; ou mesmo de 0 1 h,1 n .:n' dcstituído.., de terras· coletores. pároco~o,, JUÍLC'- de paz 'igiavam a" 1 1 nnttkuwas de domtcílio. tratavam de conheccr a gente nova que cheg:ava da-. , iJinhanr;a'. relatar os dc-.entcndtmento... e o-.. termo' de bom VÍ\ er.... abet d.t.., ultas. fiscalizar os deveres dos cidadao-; pobres
1
111
Todos os Juw:s de Paz da coman.:a ~crfio ohngado~ a paruc.:ipat immed1atatncnh.: ao Chcle da Policía. o~ aconteLimenlO'i extr..lOrdtmírio..,. que intcres..,em ~~ ...eguran'la e trnnquilidade ptihl1c..t. e quaes4uer mllros. que dcmandem promptu~ prov¡dcncleus nome.... lilia<;oc~. naturalidade<;. prnfj..,..,óc .... género de vtda e mo1ivo por que para ah1 v1eram, 21! da' pcs..,oa~. que lt'>en,;m -.1do obngada~ a a:-.:-.tgnar termo de bem V1ve1 ou de "cgura1H,a; 31.1 da~ pe-,:-.oa" indtciadas de e rime~ o u p1 onunciada~ ou presas e m con.,cqucncta dclle ... ; 4~ d.ts pe~~oa'> mandadas retirar do districto. ou expul-;a., dcllc na conlurmtdaclc do Jispo~ttl no Clltllgo do ProLCS'>O n Ev tdentemente. tats medida' partiam antes de tu do das própna' necesstdades da-; elite-. lo<.:ats. no seu affi de reunir adeptO<; e de angari<~r cliente'> para rcforc,:ar se u poder sobre as f.tc~oe~ que os de'>afim a m. Este era o 1proce~..,o tn\anável das localtdade.., onde os grandes proprietários n5o se entendtam. Na~ regtoe-. mai-. Je.,fa\'orectdas economicamente, ondc predomint~vam pequenos si tiantes e lavradores pobres. mc .... mo con..,tderando a d1ver..,idade local da' 4 pobrezas que hH!r<~rquinvam uma~ em rela¡;ao ü.., m1tras ~, a-. autoridades local" 'Cmpre exerciam pres..,ao para coletar tmpo..,to-... multa<; e servir;o'>. porém náo cxcrciam a me-.ma for!fa rcpresstva do.., outros centros de d1sput,1s enlle grande.., Proprict{mos locais.
69
A 1esrstencia a rcde de poder era com.tante tamo com rcla~ao ao;, multa,
cnmn c0rn relar;5o ao n.:.... rut
ro~a.., de con->umo. o trato de suas famílias. mterc,,e.., de .,obrev1vencia ma \ 1 prementes. As le1s de rccrutamento diz1am imednttamente respe1to ao proces., ekitoral. porém, desde scmprc procuravam pactuar corn a.., nccessidades de müo-de.0 obra do~ propnetários rurar:-.. As fe1s isentavam do rccrutnmento empregados de confian~a. que nao podi;Hn ser di'>pensados pelo. . fazcndeiros , assun como os admin1,tradorcs. caixeiro-, e trope1ros. concentrando-se muito mais sobre a ma..,,a Jo.., pequenos rocciro'\ 'iCm tcrras ou do.., proprietáno-; de pequenas posses in-,távei\ entre O\ quais forr;avam coopta~oes e procuravam angariar por violencia as cl1entda' MUltas vezes, os rccrutarnentos eram pretexto de \ inganr;a.., e rixas entre VILÍnho .... que apelavam para autondades no sentido de prejudicar aqueJes corn o., quai\ tmham ajustes e desforra' pendentes As elei96e" pnmánas ficaram em geral na alr;ada dos interesse.s meramente loca¡<; A urdidura de manipula<;ao provincial e do governo centra l só se exercia no nível do~ cle1tores e do reconhec1mcnto dos título-. do<; novos depurados e senadores Entretanto, hav1a por parte do govcrno central a vontadc de influir sobre os an1moo; locaJo;, de pac1f1car as fac~oes em Juta e de con-;eguir um modus vtvendi mal~ f do poder central. O patronato, sem dúvida, exerceu mfluencia sobre a arregimentat,:ño da popular;ao pobre, distnbuinJo empregos públicos e desta forma cnando os las,:o-. de clientela pessoal. Mas, como ncm o;empre se tinha o que oferecer a grande maioria dos cidaclaos livres, as malhas do patronato e ram cont1das pelo número relativamente restrito de cargos públicos a preencher nas localidades e nas províncias. Ass1 m, mee iros, e.scrivaes. pequen os funcionários, porte iros e guardas de reg1o;tro nao chegavam a ter a importancia decisiva que tinham na Corte cm J 864, comenta va Alexandrc Ferreira Soarcs o número elevado de pequcno ... func10nános públicos empregados pelo governo no ar'ienal da marinha. no M1111stério da Guerra, na alf:1ndega, no consulado, na tipografía 1mpenal. Eram o núcleo dos cooptados dcnrre a mao.,sa dos desfavo¡ecidO<; c. com o tempo. definmam-'ie como uma c.la<;<;C urbana de intermed1ário'> entre os escravo<;, os 1ibt.:rtos trabalhadores de con\!Iur;ao, os carregadores. os arte~aoo; mais o u menos qualificíldos e os open1IIO<; da . . manufaturas loca1s que contratavam trabalhadores nacionú·; O poder público arregimcntava a popula'fño loca l, os libertos, os 111C\trc;m. em vez de recorrer, como faz1a a maioria da-, Indústna~. ao trabalho dos i 1111grantes e~trangeiro<> O recur'o ao'> recrutamcntos, tao comun<; na década de 1840. arrefeccu com a 1elorma eleitoral da k1 do, círculos ( 1R'i6) no ambrto das di,puta~
70
primária, da qual part1cipavam votantes pobre~. as . , . L. . o.s propnctan o~ e '- "d eo; J ... ·os eleitora1s man1pulavam o poder local. de modo que os co..,tume' Jc · b . · . h , .1 .1 Po. 11111.: ~n . ·. eleitoral e de recrutamcntos ar Jtrano~. queJa tm a m rar¿e.., na '>OL l~uau~ , .ll' 1t: ¡; 1<1 ·... ¡ persisunam até que a cnse da escrav1dao 1111pos a necessidadc de novos ..:o 1ll ni .. ' . recursos para atra•r o trabalhador hvre. A década de 1870 a 1880 vem sendo ao-. pnucos estuJada como período ue da1wa" 11ninentes, aceleradas pela necessid.tde da mao-de-obra livre, a ponto de nn1 rcgistrarem cont ,mua~ mtcrven~oes · ,t• no sen ti'd o d·e anu 1ar os CXCC\'>Os do rc..:rut;mento, de abolir vJOiencJas e de nao -.obrccarn:gar os trabalhadorc' ll\ re-; Cllln exigénciU'> que o., afa~tassem do trabalho produt1vo, regJstrandO-'>C rnlllta<> mtcrven¡¡oes das autondades no '>entido de di'>pCINlr o recmta que tiveo;sc emprego ·ndai" Porém, na
elci~ao
ro' 1 . . . r.unta' de quallfH.. a\-i.to .-.~...mprc rcprl!::.cntaram o moJ v ~.. v m~, .
olt>
fj,\(l.
Como surto de interesse pela mao-de-obra livrc, a máquma de rcpre,siio e ..:ontrole das elei96es passou a ser criticada, como geradora de tensoes pengosas, ..:ada ve7 mais indesejáveis. A.., vésperas da Abolic;ao, a 1deologia urbana claborava argumentos human1t:Jnos e ape los no sent1do de c;uav1zar a viOlencia dos costumes Joca1s do interior da provínc1a. Pede-se a reforma da guarda nacional que passava a fazer concorrencw corn 0" empregos, com a ncccss1dade cada vez ma1s premente de máo-de-obra livre no ambito das locahdade., , ao pa'>'>O que cresciam, com a Guerra do Paraguai, as nece ... ,idade-. do exército de primc1ra linha. A palavra de ordem era deixar os -.itiante'> e agregados hvrc-. \Crem contratados pelos fatcnde1ros e recrutar para o exérc1to de primeira lmha apenas aqueJes desocupados, OCIO'O'>. que notonamente res1st1~sem ao convite para o trabalho sistemático Somente estes seriam punido'> como recrutamento militar. As novas leis de 1874 e 1876 mal conseguiam suplantar os costumes de prepotencia e de controle social já enra1zados nas loca lidaJcs Há mesmo exemplos de mot1ns de resio;tencia ao novo .;crvH;o militar obrigatóno, que continuava, por sorteio, a afetar toda a populayao pobre local e a estar mteiramente -;ob o controle das me.,ma-, autoridades mun1c1pa1'>. A Le1 Sara1va ( 1881 ), apó<> urna década de discussocs relatada<; no., 1\nais tlo Parlamento. '1ria a ,tcabc~r com as elei~óes primáml'> de votantes pobre' e, ~onforme espe1avam certo'> políticos da Cone, re'>tringir a prepotencia dos Potentados loca1s. Marcava o fim de uma longa etapa de coopta~ao da partic1pa<;ao política formal das populay6es rna1s pobres do paí-,. Esta reforma do si-;tema cleitoral proibiu o voto do analfabeto e e lcvou o censo mínimo para 400$000, reduzindo drast1camcnte o ele1torado. que pa<;sou de cerca ele 1,2 mil hao de cleitores para menos ele 140 000 47 A leí coincid1u t:om fenomenos Importantes da formar;áo da' cht'>\CS trabalhadorac, livre:-. ~ts vé.,pcras do abohcionl'mo e com urna fase estratégica da econom1a do país, quando 'e processavam mudan<;a.., aceleradas, com a pcnetr~u;ao
71
de c.tp1ta1' c~tmngc1ro~. "" primetra~ estrada' de ferro, novas fontes de crédtto \! uJve . . rlmento'> O modo eornn o crnc-imento cconomico. lig,tJu do mercado lrltCnH\I:IOrl COI1Ul~Oe\ de vida das popuJac;oes rna¡, pohn.::-. do lmpérin.~~ contmua a ...sunto por explorar e L'Crtamente vma a completa1 0 quadro final da ht,tória do elc1torado pobre do Impl.!no Sucedmm-sc as crises dt: ..tba-,tccimento e de carestta dos genem ... alimcntício'>, tanto no nordeste como no Centro-Su! .¡•¡ O moti m do vintém pona cm evidencia a:-. classes trabalhacloras livre~ na corte do Rto de Janciro. ü' ve-,pcra' Ja tntcn<:ihc.t\UO do prtK·c,so de industnaltzac;ilo e da imigra<;ao cstrangetra 50 O aholiciontsmo propunha n.Jormas sociat' que afetavam o futuro do, ltbCriOS, mas também di;iam respettO ao SIStema de proprtedade de terras e [¡ tntegra<;iio das popula~oe' pobres no mercado interno de trabalho livrc André Rcbou\aS, Joaquim Nabuco e outros esmiu~avam as perspectivas que se abnnam aos ..,etores ainda marginaltzados da ~ociedade ¡.s vésperas de cnfrentarem a concorrencta, simultaneamente do trabalho dos cx-escravo<: e dos colono, e~trangeiro~. As reforma<; sociais advogadas pelos abolicwntstas o;eriam abortada~ 51 nos prime1ros anos da República A gern<;ao ele 1870 despertara para a consciencia social dos problema~ tminentes, mal pressagiando os problemas do futuro imedtato, sob a forma da intensificac;ao da marg1nalidade, da pobre7a e do de~emprego cstruturaL sobretudo com o advento da concom!ncia dos imigrantes ttalianos. ' e portugueses. ~2 espan ho1s O estudo da-; condic;oes locats de v1da dos diferentes grupo<: socwis que compunham o eleitorado pobre na fase de integra~ao política formal do Impéno ( 1824- 1881 ) prefigura o fenómeno Je pauperi7a\ao e de marg1nalidade, simu ltaneo ao cresctmento económico e a indu..,trialt7a~ao nas décadas finais do século. Forma~ de '>obrevivencta, condi~oes de v1da, sistemas de dominac;ao e de controle soc1al delimltam o" paramctros da história social dos c1dadáos pobres do Centro-Sul, atnda por construir. A .:ontinuidade da ~ua res1~h!ncia e a tntcnsiftcac;ao da polític.t de dommac;ao persi<.,~em como urna ponte entre a cnse da escrav1dao e as v1cissttudes de -,ua~ traJetónas durante as prime1ra<; décadas da Repúbltca Vclha.
72
-
/
0 IMPERIO DA REVOLU<;AO: MATRIZES INTERPRETATIVAS DOS ..CONFLITOS DA SOCIEDADE MONARQUICA lz.ahel Andrade Manon
tU ">;JC.-\\tl'¡
s ~:onflttos polít1cos e -..ociai-. que marcaram a h1-;tóna Jo Bra,il durante o Impéno \C extenonzaram numa multtplic•dade de acontecimcnto" que revelarn uma socicdnde complexa cm -;ua conligura~ao e intercsses. Nos recinto<; parl..tmcntare,, afloraram na di"puta entre grupoc; ou partidos políuco~. durante o pnmc1ro remado. cnfrcntaram-se portuguesn e brasiletros, defen-.ores de projetos político-; diverso'>. Na regencm, opu-.eram-sc restauradore,· e liherais e.wltados e moderadm. No <;egundo reinado. /ihaw.\ e consermdores ocuparam a cena política até 1870. quando a emergencia dos n•¡mblicanos veio adensar a dt'>puta parttdán..t. Todavia, fora Jo~ lugares da luta políttca oficialtzada, a agtta<;:iio se evidcnctou mais ampla. l::ntrc 1822 e 1850. os principais centros urbano~ do Império (R10 de Janeiro, S.tlvador e Recife) a!>sisttram a múmeros eptsódiO~ de ~onfronto físico entre IW< ionais e portuguese' ligados ao comércio, ao retalho e ao artcsanato, os mata-marinlwi ro Presem:tou-se também. particul.trmente na regencia, movimento~ de insuborJmac;ño da tropa de lmha ou de partic1pa~ao do~ nulitarcs em eventos mat~ signtficativo~ como a abclicac;ao de D. Pedro I cm 1831 e nos acontcc11nentos que <>e ..,eguiram. Notou-se ainda 1ntensa atua<;iio popular na" vilas e ctdadcs, dcscncadcaJa pelas <;Ociedadcs patnóticas de tcndencta restauradora ou liberal. J::ntrc 182-l e 1848. explodiram levantes llbcrais de diferente~ configura~oes políttcas, organ1za9ao e composi<;ño .;ocial: a Confedera~ao do I::.quador, a FMroupilha, a Sabinada, a Revoluyao de 1842 em Sao Paulo e Minas e a Praieira. Por ~ua vez, o-.. homens livres pobres e c-,cravo-; aqutlombados marcaram ~ua prcsenya em 1nsurreilf6es corno as Caban.tdas do Pará e de Alagoas, a Balaiada, o Ronco d,t Abclha e o Quebra-Qutlos. E. acompanhando e-.-,e~ epi~óclios ele maior projeyao, é importante lcmbrar a atua<;ao escrava, tanto nos cnfrentamento-.. cotidiano-.. e nas pequcnas rebeltüe-. quanto na re,oJta dos Male~ na Bahía. em 1835. Es-.c ,,mplo e dcn'o conJunto Je conflitos fieou reg1strado cm dot.-.. tipo-, de fontcs Na fragmentána documentayao Lrtada pelos próprio-.. acontectmentos (que
O
73
só passou a ser explorada !)i~temat1camente a pan1r dos anos 60 deste século). nos relatórios de autoridades civis e militares; proccssos~~.rime; jurnuis 1-untemporaneos e nas Atas das ses<;6es do Parlamento do lmpério (Camara e Senado); e em obras impres!>as, entre as quais se deMacam, por sua pre!>en~a na hi!>tonografia, a História do Brmil de John Armitage (1836), O libelo do povo, de Franc1sco Sales Torre~ Homern (1849); Arüo, reariio, tra11sarüo: duas palavras acerca da arualidade, de Justiniano José da Rocha (1855), a Circular dedicada aos senhores eleitores de senadores pela ¡nO\'ÍIIcia de Minas Gerais, de Teophilo Ottoni (1860), e Um estadista do lmpério, de Joaqu1rn Nabuco (1893). 1 Esses textos tornaram-se O!> ma1s dl\·ulgado~ relatos dos grandes evento~ políticos do lmpério - a independencia, a regencia, a maioridade, as rebe li óes do prime1ro e do segundo reinados - e acabaram por estabelecer sua memória. E&ta reflexao pretende smtetizar e comparar as mterpreta~6es que tais fontes construírarn para a soc1edade monárquica e par..t a revolurtio no século XIX, e aprecndcr o& vínculos que criaram entre a históna, a política e a memória.
HISTÓRIA DO BRASIL: A REVOLU(:ÁO COMO TRAJETO ENTRE A BARBÁRIE E A CJVILIZAC,::ÁO
Se a transic¡:ao no Brasil tivessc sido ma1s violenta, sua establlidade tcria perigado. O regimc a que o povo estava acosturnado era o monárquico, e este foi o Instrumento mai~ própno para a introduc¡:ao da civdizav5o que faflava, e para se adotarcm os aperfeiyoamentos sociai ... que formam urna parte . . 2 merentc e essencw r do ~Jstema rcpre!.entatJvo.
A História do Brasil escrita pelo comerciante ingles John Armitage foi publicada em Londres em 1836 e traduzida no Brasil em 1837. Teve como objetivo imediato divulgar O'l "negócios político~ e finance1ros do lmpéno do Brasil, país com o qual as rela96es da Gra-Bretanha eram mu1to vastas":' Para isso, Armitage tra~ou a h1stória dos confrontes entre os grupos atuantes na polít1ca no período de 1808 e 1831 - realis1as, liberais moderados e e.mlwdos - assim como fez uma aprecia~ao de personagens que se destacaram nestc processo· D. Pedro 1, Evaristo da Veiga, o senador Yergueiro. José Bo111fácio. Fe1jó, Bernardo de Vasconcelos, Borge!> da Fonseca, dcntre outros, ou num sent1do mais amplo, descreveu "o progresso gradual de um povo desde a barbárie até urna relativa civiliza9ao", a supera~ao do sistema colonial e c.Jo absolutismo, sinónimos de isolamento. 1gnorancia e tiranía. Mas a obra teve ainda outra.., finalidades: apontar incorre~6es em texto~ sobre o Brasil que circulavam na Europa~; demonstrar a singularidade da ex-colonia
74
11
te: as na96cs CIVilizadas, a 1mportanc1a da monarquio para a fonn::19ao do impénu l.'lll Her'>c.:hel.
~ ;¡-.dc.:uv. ~ a inevitablhdadc da revoluc;ao de 1811 ln-;pirandn-"t' ~~~ 1111111entalizou a história a serv1s;o da polít1ca liberal:
a hJ:,tüna nih> p11Ú1.. ...er .:onsídcrada .:omo mera rcsenha ue uramas e carmfltllla'>. mas antes como arquivo da-. cxpenencws Lendente1' a mo-.traJ a maneira de as:,egurar ao~ governados a vantagcm do govc1 no ~
Assun, Armitage proJetou um,t imagcm pos1tn a da monarqUJa .:on,titucJOnal; lll..,istiu na importancia de O. Pedro I na constru~ao do lmpéno; na" ... anwgens da prática política enquanto moc.lcra9ao e na oportunidade do movirnento .:onduzido pelo-; libera~~ em 7 de abril de 1831. Para ele, a história da mtSO. reconstlluiu a" etapa-. de forma~ao do grupo liberal moderado que dom1nava a política regencia! em 1836. Reconheceu seu'> primeiros passos, no final do -;écu1o XVIIT e 1nício do XIX, nas manifesta~6es de rebeldta contra a restritiva política colomal portuguesa, na <;ed1~ao de Vil a R1ca e na con~pirac;:ao e revolta de Pernambuco em 1817 De!>tacou a importancia da Rc!volu~ao Francesa nas transforma~6es que levaram o Brasil a independencia polít1ca. O traslado da Corte para o Rio de J aneiro e a implantac;:ao de mstitu1c;:6es e práticas civilrzadoros - a imprensa, o BarH:o do Bras1l. a abertura dos portos, e a conseqticnte aglliLayao do c.:omércio e das comunica\=6cs - hav1am rc~u ltado na forma9ao de urna opmiao pública, no cnvolvunento da elite brasile1ra com o~ negócios, a aJministra~ao e a cultura, fazendo com que ela superassc a ignorancio em que vivía sobo Sistema colonial. 6 Para Armitage, os anos de 1820 a 1831 assist1ram ao despertar político do-; cidadaos do Império do Bra-,iJ. Num pnme1ro momento- 1820-21- aind::~ exaltada e de-.ordenadamente, eles procuraram se impor a Coroa extgindo o d1reito de assemo e \Oto nas Cortes. a permanencm do príncipe-regente no Brasil e o juramento da futura Con<;titui9ao Portuguesa e da Espanhola. Nurn segundo momento, 1822-23, aliaram-se ao príncipe D. Pedro e, jéÍ com ma1s habilidade, ncgociaram a llldcpendéncia. Num terceiro, 1824, radicahLaram novamente, e enfrentaram o imperador na Confedera~ao do Equador, mas foram derrotados. Num quarto momento, 1826-30, tran!>fcrindo a luta para o Parlamento, neutralizaram, habilidosamente, n1Uitas da-, imposi96es de D. Pedro I e, finalmente, em 1831. dc..,arlJcularam com prudencia manobras dos realista,. e dos federalisras e cnnduz.1ram a revoluriio que consolldou a independencia e preservou a unidodc do hnpl!rio de . . A~mit
75
1mperador. por um lado. e a ma1oria rcprc!'-cntada pela C1mara, por outro. ~¡¡ 011gem dc!--:-,e 1111passc, '-Omamm-!'-e a pecul¡,u· conf¡gura~ao social r elcnoral Jo B1 .t~ll l. os eqlllvocos poli! leos de D Pedro J. Argumentou que, diferentemente da Europ;~. " ba'e do 'istcma elcti\ o no l mpério era bastante ampla. <.lada a 111<.!XIstencw de uma nobrcn1 e ao fato de que "a q11ase totalidade da ¡wpularüo fine go~a do pril'llégio ele I'Otar··. garantindo rcpresentatlvldade na Cflmara. Por i,,n, o governo ficava impos<>ibilitado <.le cmbtituil maioria.., no Parlamento: l-:.111 Inghllcl ra. nnJc cnliio mullo' mcmhrn.;, do Parlanll'nlO cram norncadn' pda nohreta e na han(,:a. cnquantll loi gnvcmad~ pelos BoUI bon,, 1J1Hk !l voto duplicado dns grandes colégios, e o pcqucno número de udadiio:-. qualll1cados para '>Crcm clcltorc' m,mtmham um.l reprcscnta~siío llctíc1a do país. era possl\cl ao Mnli-;tério ter a ma1orw na Cumara scm te-la na n.l<.ñu 7
EJl\penhado em aponta1 a singularidade do Bra-...11 ante a Europa. AnnJta~l' . ..taii /Oll ..~~ tcns~s mcrcntc· a .ocu.:dadc ('1l1 tres fmm:.l' dt> nv,tlidJdt''>' l qn(' ... rt.. unh·• brasilc1r0.., e portugue,es: moderados e e.xaltados: e o.,cnhorcs e escraHlS. A oprimetra ttnha ratleS · · con J.I<,:ao - e o1onta 1 e '>C corpon 1tcd\a nos pn" · 11égw' na anllga r re,ervados pelos portuguc~c' de nascimcnto. mesillO apús a 11\UepenJl:ncia Os ~onllJto" existentes entre os mcmbro.., do pm·o do Brasil fundamentava--..e em ~ fcn:n<;as <,Oclais e de fonn,l<;iio polítiCa e cultural. Por fim, o confronto emrc .,cnhtlll!' e cscravos t111ha <>Ua 011gcm na escr
1
O LIUELO DO ]>ovo: A REVOLU(ÁO COl\10 CO:'\QviST.A DA SOBER-\NIA ~ACIO~.AI
Foi justamellle esta dtver--.tdade que o 1t11pcrador nao aprecndeu. Ao '-.e espclhar em outro!-t soberano!. (cspcctalmente os Bourbons}, apesar de nao ~t!r um tm111o e clemonstrar mutta~ habilidades política~. D Pedro niio conseguiu se Identificar com os brasiletro:.. natos, e pareceu aproxunar-se dos interesse'> c~trangeiro'-. , particularmente os portugueses. Nao atuou com a prudencia ex1g1da pelas circunstancias· empregou fon;a'-. estrangeiras; a~s111ou um Tratado com Portugal cono.; iderado le~1vo aos inte1esscs nac1omus; interfenu contmuadamente nos negócio~ de Portugal: nomeou portugueses naturalizados para altos cargos do Estado, com a -.;upo'>ta exclusao de brasdctros natos. Enguanto o Impéno solicitava um negociador. procurou pr~jetm-se como herói mihta1 (daí o cnvolvimcnto na desastrosa Cunpanha da C.<>platllla) e agiu de forma considerada tnconstitucional, contrána aos 1nteresses da nayiio. fato que o privou Ja for\a moral nece,sária para a conduc;:ao da polít1ca. Em X <;uma. nao ~oubera tornar-se um homem do seu povo. A revoluc;:ao de 1831 pautou-se pela prudé11cia e moderare/o e foi articulda por homen\ ilustrados que receavam a recolollt~a{'clo Cnador Vcrgueiro, o jorna ltsta Evari~to da Veiga. o padre José Custód10 D1as e os irmüos Lima. Combinou uma consptra¡yao entre setores civts e mthtare<>, uma sedir¡:ao militar e a mampulac;:ao controlada d<1 populara. procedimentos que evitaram uma guena ctvtl e cnaram a pre'-. ~üo necessána que promoveu, t:! mbom nao deliberadamente, a oportuna e -;ensata abdicac;:ao do 1111perador. A-.sim, preservaram-se a ordem e a 1nlegridade da nac;:üo. Se conduzida pelo' exaltados lederalístas, o lmpério ter-se-ta esfacelado, ou pela guerra <:.ivtl, ou dev•do a uma rebehao escrava As orige ns dc<>-,e llldeseJaclo de<~ fec ho pod1a111 ser pre<.-.entidas na inexperiencia polít1ca dc~se grupo, demonstrada nct imprensa e na!. agit.u;ócs de ruu, a~~1111 como em .;ua ignor<1ncw, atributos tle homcns - ~ de'prcparad o' e ..,cm 1' 1u'-.tra~ao.
76
A ~~volu<.:io <.1.1 lnlkpcndcncw. que dc,·oh·eu-nos a possc de nós mcsmos, firm.tva como dogma l'und.unental da nova nrdem social o grande principiO da !'Obcrania do povo. No tnterior como no cxtcn01 . cs~e pnncíp1o, que é a pcdra angular do-. e-.tado'> liHC!;, tornava-nos O!> .irb1tro~ único~. supremo~ e absolutos de lllh!>OS prl'lprio-, dc-,tmos. Sü do povo; ,e) de )-.lfll., tute!>, e e~pontñnea tlcl1hera<,::ío pench.1 .1 c~colha da 01 ganit.t<,:~IO p1llíllc,t, que desde entao Jevia n.:gc-ln, ~(\ a ele e a mal!> ninguém cabw tra~ar e c1 guer o novo ed1 fíc1o, e m que ha\la de almg;u-~c a n.t<>ccnte nacwnahdade. ToJo'> o-. lacro'- que prcnd1am-nos an pa,~ado. e'tavam mo1LO~. tínhamo.., rccebiJo uma !>cgunda v1cla. uma segunda natu1 eza, que ;\nulavn e excluí.l - t 1a rea 1etL\, d .1 conqul!>l:l . . 11 ns prctcm;oe~
D1ferenremente da obra de Armttage no que concerne a pretensao de nnparcia!Jdade, o panfleto Jo deputado ltbcral Franc1sc.:o Sales Torre<> Homem. e'crito quando da dissolu~ao da Gimara e m fevereiro de 1849. f01 criado para a disputa pnrtidária. O compromtssamcnto político é, portanto. "eu trac;:o mai-; 'ignificativo e transparece, tanto no conteúdo e e... trutura do texto - a contundente 11 dcfesa da Rebd iao Praieira e o ocultamente do autor sob o p<>cudómmo Timwulro quanto na-.. cond1~óe' de ... ua emergencia um opúsculo aprcscntado na Corte, que acabou censurado e recolh1Jo pelo govcrno imperial. O sentidO eminentemente político e o fato ele o autor te-la renegado po!--terionncnte, p.1rece ter ,¡Jo a razáo mai.., explíc1ta para o e'quccimento a que a obra fo1 relegada O apoio tt Conetliarfin leml855) e a adesao ao Part1clo Con:-.crvador (cm 1858), ftL.eram com que o próprio Torre!. Homem, ,tssim como seu" anugos corrcligionános. se empcnhassem cm 11 apagar os vínculos do p<1nflet1'ta coma c.tu'-.a liberal
77
O ftbelo do pm•o recon.\tttuiu. em forma de dntma, a hJ.\t<Ína da revolurao no Brasi 1 Je~de a indepenJenc1a até o ano de IX49 par¡¡ recnlher argumento~ que ¡ustJfica,.;em as revoltas liberais ocorridas no Impéno, cm especial a Pra1e1ra Ou ~m outro" termos, da Juta entre o Partido L1beral e o Poder Moderador, cxercid¿ pelo<; príncipes da Ca-;a de Bragant;a e por urna facrüo recololltzwlora. Timandro procurou fundamentar a lcgítumdade da conduta dos praíeiros. Relacionuu-a corn um Partido l iberal Nac•onal indistinto no tempo (1822-49) e a urn tambérn genénco pm·o bra .. ileíro. Iclcnt•ficou \Ua\ origen" no pas-;ado, no confronto que v1nha ~e desenrolando desde a mdependcn¡;Ja entre a ".whercuua lla< tonal e a ¡11·ermgati1•a real", ou entre o pmo e o impcrador e ~ua camarilha. A rebeld1a armada era tambérn uma tentar1va de desma ...caramento da Monarquía Con-,titucional praticada no Jmpéno. Ela se constituía ora numa "wmédJa ele mau goMo'·, quando o poder moderado• rntervinha nos rn1n1stérios e no dcsempenho da Camara, ora em "drama sanguinolento", quando o~ cidadaos, reagrndo as rnterferenciao; inconstitucional\ dos Prínc1pes, recorriam as armas e eram . .dO\ ·~ . 1entamenrc repnm1 '10 Aprcsentou, também, a rca~iío praicira como representativa ele seu tempo, aproximando-a das revoltas européias que ern 1848 impuseram constituis;oe), ao~ Bourbons e aos Hab!.burgos. Ao,..,im, a 1ebeliiio da Praia foi Interpretad,¡ como o,ucedaneo nacional da Juta entre "a liberdade e a ltrania ", característica polít1ca e.'>sencwl do século XIX. Para o autor, a Aménca em geral e o Brasil em particular, estavam próx1mos das conquistas deste século, urna vez que aqur a reale7a e o feudalismo niio tmham raízes hl\tÓncas Nes<,e sentido, as prerrogativas políticas dos Cldadaos e O drreitO de rCSI)>tencia aOprC\)>ÚO tinham plena JegJtÍinidadc: A nHliOI 1a da !>oc•ed.tue bra~ilerra nao esta va longe do nívcl do século XIX, o fanatismo. o gen1o da -.ervidiio, o embrutecuncnto e Jegrildat;iio Ja~ Lla.,ses llldustriais, que ern outros Jugares abrcm passagem ti~ pretenyocs do mando arbitráno, nqur felizmente nao exist1arn. A res1~tcnc•a e a guerra CJ\ il esta va m pois conllcbs como tonsequcnc1as indechmheJs no atentado ~ dissolu\=iiO da constJIUJntc, e no reg1mem abominávcl. com que cm segu idn tornou-sc cadn ve7 mais flagrante o antagonr\1110 entre o rrono e a lihcrdade, entre o c~pínto naci(Jnal e u llltere~se recolon 11ador. ~.~
Ttmandro histonou o embate entre o espírito JWcwnal e o tnteresse recoloni-::ador, para apontar os momentos de '>llcesso e o<; revezes da causa liberal. Ao;<,inalou o pnmeiro marco desta Juta na "ret·olllfiio da independencia", quando ter-se-ra estabelec1do um novo pacto entre .1 nar;ao e a monarquía, esta tíltnna
entendida como livre escolha da na~ao:
78
prefcriu a na\=all " mona•qu1a do mc~mo modo que podena prch.:rll i.l R~.:públr~.l d~ frJnl-.lm ~ JL \Vo.~shln¡,J . ncnhum título antrgo e prccx•~tcnte o a~~•,tia, porque tudo CJ".t novo l .] '>CU ún1co 11 título de lcgttinudaue vmha da clcr\=üo na<.-JOil
Este pacro foi desrespcitado pela pnmeira ve1. cm IR24, quando o pm1c1pe, que 1 JwrJar..t os ,·íctos dos Bragan\a~ . a ...sncrado com uma "(tu riio anti naci01zal" , arvor..111do direitos que nao possuía. confiscou os poderes da nar;ao fechando a A"'c:mblt.!m Constituintc. outorgando a Constituu;ao e rcprimmdo a rear;ao de legítima Jefesa dos cidadaos na Confcdera9ao do Equador. D1ante de tal agressao, "a con,ciencia pública ofendrda jurou vinganr;a··. concretimda no 7 de abril com a ... ~. lb at~uiCU!féiO
Os anos de 1831 a
Hrn assistiram
ao governo Ja revolut;üo. Ele sancou a" fman<;as da na9íí0, abaJadas pela bancarrota resultante da poi ít1ca de gastos de O Pc:dro L com austendade, trabalho e economía, quitando quase completamenle a<; dívJdas públicas. Instaurou a verdadeira democracia: subsriruiu a hipocnsia, a lisonja, a troca de favores e o ar11f1ciali~mo yue grassav.un na Corte¡ pelo nacionalismo, a lealdade, a franqueza e a igualda<..le. Dispensou o cenmomal, a 19 etiqueta e os títulos de nobreza, separou o público do privado. Ainda repnmiu a desordem, reorgan1zando e <>alvando o pJís da anarqum remanescente do govemo anterior. Trmandro fc7 questao de marcar ~L'- drfercn~as existente~ entre a revolta hberal de 1842- ''que reuniu a flor da sociedade bral.ileira", <.la "desordem que nao se pode conjurar" durante o cxercício <.la regencia. "acidente funesto e lamentáver· que exterionzou as "paix6e!) e os mstintos gros~e•ro-; da escória da populayao" Acentuou ainda a UIVersidade entre con~crvadores e liberais no tratamento dado a~ rebeldías. Enquanto os primer ros as tn~t rgaram para "conquistar e exterminar o adver~áno", os líberais trataram a "desordem que nao podiam evitar", com modera~ao, promovcndo a "conciha.;ao dos animo\". 1() Mas o feíto mais signif1cat1vo da revolw;iio se cnstali7ou no Ato Acllcional de 1834, que instaurou o pnncípio da elt!i<;ao dos regentes; delcgou a~ provincias o direito de mtervir na escolha de ~eu~ admrnistrado1e~. praticamente mstaurando u "regime federativo. \elva anJm<~dora da <..ivdiza~ao ... porque multiplica o~ focos de vnalidade e de movimento a e-;-;e 1menso corpo entorpecido. oncle a vida aparece aqu¡ e ali, mas em CUJO restante nao penetra" 21 Porém, a queda de Fei¡ó em 1837, resultado da "rota~ao caprichosa do destino" a~~•nalou um segundo rompunento do pacto constltuído na m<..lependenua. pois a regcnc1.1 de Araujo Luna deu 1nício a dcsconslruyao da obra revolucionána. ln..,taurouse 0 pnncípio do regresso, e com ele, rctomar<~m-sc a-; prát1ca.;; do pnmetro reinado:
79
o 1..ulto .:xdu,i\'o do ouro: o remado hnllo llo mtcressc: a e a amoraladadc o paaiiL'III.ll · "1' <.nhrcrnndc ao puhla.:o. o cnnquccimcnto n.io pdo honl..'sltl trabalho e generosa
.:orrup~fiiO
andu!o>lna. ma' pda ruana do Fstado e do-.. cidadiio..,. ' A partir deste momento os lib~rais teriam poucas chance~ de rcaliLar sua mls,ao progn!,srstu porque J faqiio re( olom~adora alwda ao Poder Yloderador dom1naria a cena polític.:a interfcnndo. inconslllucionalmentc, na forma'rao do, mrn1-.ténos e nas di~solu~üC!> da Ca mara r ·ora m manobras dcste tcor yue prop1c1aram. cm 1840 e 1841. a aprovac;ao da Lei tk Interprcta<;:io do 1\to Adic10n da autonomra da Camara?' A-. rnvcstrdas do Partido Liber,tl p.1r.t romper esta hegemonta nao li\'Ctam <>ucc~so dcvido a lmiriies de membro~ do próprio partido e ;¡o.; manobras do.., adYcrsános. A antccipa<;ao da maioridade do irnperador, cm 1840, resullou numa verdadetra joumée des dupes pOI'>, otto me<>C'> após a ascensao de D. Pedro II ao trono, os Luz1as foram trar~oerramentc afa~tado~ do~ ca rgos de rcpre-..enta<;iio devido a d'""olw;ao da Cáma1 a e a realtza~ao de elci~oes fraudulentas 1-oi e <;te golpe que deu origem a revolta de Sao Pauto e Millas de 1842, quando, novarnente. os ltberais recorreram as anmts para garantir seus ditCJtos usurpado~. Mas foram duramente derrotados e perseguidos 2.¡ Para Tirnandro, O'- gabinetes empos~ados entre 1844 e 1848 nao represenlaram o Patttdo Ltberal. pois. contrariando o propósito de conciliariío (de efetiva combinarrao do~ pattidos) que t~pregoavam, havwm sido moldado!> pelo Poder Moderador e constlluíam apenas um ··amálgama de enttdades heterogeneas, onde apenas u m ou outro liberal era incluído" Uma ümca exce~ao é feita ao mini~tro Holanda Cavalcanlt (5 de maio de 1846 a 21 de maio de 1847) por ter ouvido a Carnara e rcali7ado urna vcrdadeira aproxima9ao entre o-; partidos . Foi ele o responsável pelo apaziJ.?uamenlo do Rio Grande do Sul. pelo saneamento financeiro do Império e pela recupera~ao da 01·dem. Todavía. el partir de 1847. in-;taurara-se completo descompa<>so entre os gabinetes e o~ deputados ltbera1<.., que nao -,e rebelararn naquele momento por temer que uma guerra civil ocastonasse o "desmoronamento do país". Eles agiram "coma prudencia que seus adversünos nao tmharn" 25 Ma-. e.;,ta cautela se Íll\ iabili1.ou quando. apó<> a demi,sño Jo mmistro Paula Souza cm '\Ctembro de 1848. o governo impenal intervcto com v10lencia cm Pernambuco, amea~ando vidas e propnedade-. A parttr daí, a re\ olla <;e tornou o unico meio po.,,ível para denunciar o desvtnuamento da monarqui.:~ con-.tttucional e rcivmd•car a convocayao de urna As-,cmbléw Con<;tlluinte, com poderc-. para restringir os atributo.; do Poder Moderador e Jo Senado vitalício e ampliar a ¡llua~ao do Cfimara. A conduta arhitrárra e Ilegítima do m1nistro e do nnpcrador
80
, ¡r. ~ pnueiro" . a~s1m corno os liherai' europeus. a~ armas para completar a 1 1 ··rt:\'lllu~fáO da 1ndcpendencJa
.
U1lr'
0
Quando nuara o úi.1 da rcgenertórico da "fior da .socicdadc bra!>ile•ra·· com o
progre~so e como séc. XIX, uma vez que, na~ maos da ''escónJ da popula~ao". a
revolu~ao <;e metamorfosearía, de ordem e regularidadc (conforme o.;e aprcsentava
na natun.~7.a) em "dcsordem e anarquía", amearrando a -.obrcvtvencta dos cidadaos, da monarquía e do Irnpéno. Este entendimento da revoluyiio cri.,tali7ou as tensoes merentes a sociedade cm duas opo~11;6es. A prime1ra opos o povo e a facriio
recoloni:::.adow altada ao Poder Moderador; a segunda antagonitou o "prH'O (a flor da sociedade) coma escórw da po¡mlariio ". Mas, ao interpretar a espectficidade da sociedade brasrlcira. diversamente de Armitage. Ttrnandro nao a concebcu como defa-.ada cm rclayño a européta. embora admiti-.se O!> problemas herdados da coloni7a<;.üo portuguesa. Do ponto de "i~ta políttco. a Arnénca e o Bra~il estavam plenamente afinados corn o século XIX. ou corn o progresso, certeza que refon;ou sua esperan~a no futuro da na9ao. Também nao reivindicou a tmparc1alidade do ob<>ervadol, e nao conferiu roslos precisos aos pcrsonagen~ do drama que cnou .;obre a revolu~üo. Sua~ fontes rna1s ~torrentes sao texto<; e figuras litcrária-. e ~eu poder de convencimcnto provém. JU~tamente, do profundo envolvirncnto como'> fato~. A<;.\o, REA(,:1\0, TRANSA<,:AO: A REVOLL(,:AO
CO~IO
00\I Í,"''IO DA A(,\0
DE\tOCRATICA E DA A~ARQll l i\
A rcvolw.;ao ap¡¡re~o.cu. e uiunlou na noilc de 7 de ahril de 1831. na capalal do impé110. e cumprc tilLe-lo e proclamá-lo, '"'oca no o as rcmini..,ccncws tl<"' coevos. que tudo no país para cla eswva tflo da..,posto que o <;cu 1nunfn era anlalí\'cl. N.1 manha de 7 de ahnl oc 1831 a n;H;iin brasilc1ra ;u:hou .o;c cm pcrteita .maa quaa.- 7 81
Se o opúsculo <.k Timandro foi urn lihelo cm defesa da causa liberal folltl:lu As üo. re a{ iio. trtm.HI¡úo, do JUrnalt..,ta e depurado conservador .J usttnt~n:J José da Rocha, pretendcu fa7er urna avalia~iio "franca. justa e kal" do desempcnh: de "cx-adversários e ex-al iauos" no períouo de 1822 a 1852 Bu.'>cou compreendcr u~ rmo" o cammho a seguir daí por drante, em eo;pecial na montagem IJ'l/11.\'{l('ÜO Foi publicado a~ vésperas da\ elctc;oes de 1855. quando amamavam ~ n.!~scntimemos provo~,;ados pela rigorosa punu;ao ao~ prarcrros. e desponta\ a propó'>ito da polttica de conciliarlio dn marques de Paraná. Na introdw;ao e no último capítulo (tí/timo período. 1852-1856: rransoriio)' defmru. para os lettorcs em geral e para o~ político" da época, o conteúdo e 0 signtfttado hi'>tórico da tranmrün Fot apresentada como urna fase htstóric;¡ po-;sívcl e oportuna da ·•eterna Juta entre er confundida. conforme vinha ocorrendo. com a stmples concrliac;ao de intcrc~sc~ individuais. Mu1to mai~ do que 1!-.so. pressupunha a combinar;ao de prát1ca~ resguardadora:. da ordem e da autondade, corn proceclimentO\ preservadores dos direitos ind1viduais A tran<;aqao prcvinina que a rea9ao inrciada em 1840 exorbitasse e se transformas<>c cm moscnvitismo, provocando o rnsttnlo de - e, come Je, nova~ rcvo Juyoes: lO acrao Apoiando-se nc~tc arcabou¡;o teónco que amalgamou tra9os orga111co~ e mecfin•coo;, o autor ordcnou os evento~ políttco~; do pas~ado em trés períodos: urn de prcdomínro da arüo (1822-1836), outro da reariio (1837-1852), e um tcrcetro de tre~n.mrcio (1852-1856). Oepoi'> os subdividru em cinco f::tse<;· arao: !uta (1822-18311. a~·üo· tnwifo ( 1 831- 1 8~6); !uta da rea{'(tO (1836-1840); triw~fn monárqwco (1840. 1852); e rransarao (1852-1856). Além de penodizar a história política, disc1plinou· a, <,ubmetendo-a a dua~ lei'> A pnmena, de arao-rearlio, cornpreende etapa.' cíclica., inevitáve•~. resultante~ do confronto 1nstrnttvo e "eterno entre a hbcrdade e a autoridade". A segunda. a leí do progn•,\.\0, 1mpnme a C!'.se ritmo a po~'•bilrdadc de algurn av::tnyo. quanclo a Juta ar;ao-rcac;ao fosse ~ubstituída pela modcra9iio e tac10nalrdade da tran!'.acrao. Tal esquema interpretativo concebcu a política coJlll, crencia e atrelou-a ao movimento da natureza, tornanLlo suas origens ' dc!-.cnvolvimento tran~parcntes e prevrsível\. Dessa forma. o autor pretendeU superar outras expl1ca~6e' mars instáve•~ e subjeti vas para a<; ocorrencias hl
almejou colocar-se acima das pa1x6es partidárias. e. . .. (l"'~l)ralrncnte. faL.et um.1 1de1tur« Jo passaJo para retirar li96cs :1 scrcm pro. 1J,¡s aos políticos do prc-.cnte. t!O!'olll• Segundo Justiniano, os anos de 1822" 1836 ao,sistmun a Juta e ao triunfo da ~-, Jl!mocrática, que pode <;er reconhcc1da na acolh1da que os princípios a~¡al blic.:anos tiveram JUnto ü elite bra.;;ileira. e na recusa da rnodera9ao como rep~Ut:l política. proced1mentos que inspiraram \éÍfiOS episÓdiO!>.. i.l independencia, a con \'t}\;ill¡ÜO da Constitmnte. a revolta de Pernambuco em 1824. a re\olu\ao de 7 de ~~ 1. e as rebelioes regenci:liS O período de lura elltre a arüo democrática e a ;caráo IIIOIIárquica (1~22-1831) ca~·actcnzou-se pela tnexperÍl~lll'ia do.., y~lítico ... bra-.ikiro~ que. por drversa-; razoes, entre as quats se dcstacou o odto ao~; portuguc~c" e o receio da recolon•n~ao. antagonrzaram radicalmente o governo. O poda. entretanto. reaglll ponderadamente pela mao do impcrador. '>alvando o lm~rio Ja desagregac;ao em 1823. d1ssolvendo a Constituinte; em 1824. outorgando uma Con~titui 9iio afinada com as mais avan<;:adas proposi<;:oes lrbera1s e com o 12 progre.,so; e em 1831, abdicando e evitando uma guerra civll. A revolu~ao do 7 de abnl marcou o mício do rnunfo da ayao democrática que perduraria até 1836. "estava senhora do governo a democracia".J' O tra!fO caracterí<,tico deste momento foi a ambiguidade política, poi<> a conciliacrao da ordem com a democracia só l'o1 possível pela ··compressao da anarqllla". com a contínua recorréncia ao despotismo. Justinwno elog10u o desempcnho dos homem que condu¡;•ram a revoluc;ao. já que a abdicac;ao fora urna completa surpresa e "ninguém estava preparado para assumir o poder"; por isso "o país mergulhou na anarquía". Louvou o m~rinro patnótico que os in<~pirou, e atribuiu a ele a descoberta 14 de medida., que possibll1taram a preserva9ao da un1dade do Impéno Para o autor. a dc.,ordem eslava in<;talada nas própnas lcis que regram a democracia. ou seja, no texto do Ato Adicional. "gérmem da anarquía, ruma da u~idade brasileira"~~ porque aniquilador do poder. Ele promoveu a soberanra da:. Camaras sohrc o executlvo, e concedeu todo poder eleitoral, polrc.:ial e judicijno as freguesws e municípios:
82
83
d:
·trada" ''.
Jenwn"
1
Ass1m achou-~c con~;umada a obra da dcmo(;racia; ela por toda a parte. mais ou meno~ intervtndo cm tudo. tudo suhordtnando· o poder legtslatn·o era todo seu: o tuthetal o nao era meno-.. poi:, tinha o JUt i e O\ JUízes de pa1.. e O\ promotores, e O\ juí1c:. de ó rffios e o~ munictpats Nao lhc c-.eapava n poder exccutivo; pois tinha o rcgenle, filho imel.liato da mesma clct~ao que o:. deputados;.. tinha C!>SC regente llllltladís... ima~ atribut¡;oc-.; poi~ os ~eus delegado, tmcdralO!>. o" ptc,idcnte!> de prO\ 1ncta. esta va m ..;ubordt nados ¡¡., asscmbléta ... provtiH.:I,ll~ ... l 6
Entre 1831 e 1833, o governo "dc:fcndcu a sociedade .. ~ a on.lcm recorrend
°
dc~.:pot1smo: repnmiu motm' . .;cdic;oc' e in .urn:i-;6'-~ militar~.~ '- u pa1xJu l 111 cclod1u na unpren~a l~ee1H:1ando o exén.:ito, cn,mdo a guarda <.:1v1ca e promulgand~ le1:-. contra o~ aJUntamento'> Ma~. ü medH.la em que apan.:<.:cram os resultado,
.10
pnít1co~ d,¡ legisla~iio democrática. e a rcbcldm -;e instalou no Para e no Rw Grande Jo Sul, o "regente pcn:cbcu que nJo tinha me1o.., para ag1r contra a anarquw" 17 A part1r de entao, fonnou se um consenso entre o~ político' de yue era prcc1,1, recomp0r o poder para salvar a umdade da nac;ao. Em 18 ~7 a obra democr;ític~ atingia 'eu limite e chcgava o rcmpo da rca<;Jo: era o come~o do regresso. ·~ A reayao mon.irquica 1nu.:iadt~ wm a regenc1a de <\rmqo Lmm em 1837, nao signll1cou u m retorno ao pa....\ado, nem fo1 tiio ~omente re,tiJzac;ao de uma .facra, reco/onhl(/ora com0 qucnam os 1ibera1' Pelo contráno. c0n\tituiu. ao mes 11111 tempo, o -.inal do e~gotamento. ine\ 1tável, de uma fase hi-.tórica. um ato instmtho do poder. no ~entido de 'ua conservac;ao. e urna demon ... tra~·ao da experiencia e matundade que polítiCOs de vária~ ongens ha\Jal11 aJquu1do com a desastro,a vivcncm democrát1ca. um pa~~o a mai-; nJ dire~ao do progrc-,so. A 1nevitabihdade da reayao pode -.e¡ reconhecida na forma e no conteúdo dos atos que in~tauraram <~eu tnunfo ab~oluto entre 1840 e 1852. liberai-. e conservadore~ trabalharam cm projetos que desconstmíram a obra da democracia A maioridadc. encaminhada pelo~ hbera1s em 1840, amecipou cm quatro anos o retorno do imperador A-, leí<. que se ~cglmam, propo<;lyiio dos conservadores. restauraram a ordem. A Leí de Interpn::ta<;Jo do Ato AdiciOnal retirou o poder dos municíp1os e freguesia' e o devolveu ao centro: a reat1va\ÜO do Poder Moderador <>ubmeteu as Oimaras: a reforma do Código do Processo tornou a mag1:-tratur.1 escolha do governo, ret1rou poderes do JÚn, centralizou a a\ÜO polic1al, a reforma da Guarda Nac1onal burocratizou a milícia c1dadñ. ~ubordinou-a ao Estado e 1 militanwu a~ cidade<> " A tarefa centraliLadora prosseguJU entre 1844-48. quando gabmete<; majoritarmmente !Jbemis a complementaram com a aprovayao do 1•eta
pre.1'1dencwl e a interprctariio dos dois terro1 Confundamo-. flOIS na obra da •cacy5o monárquica todo~ os mmi~1énos que de 1840 a1e! 1851 'e :-ucederam, todo~ foram m:>trumentos mai-. ou meno:> voluntiÍno:.. ma1~ ou menos lníhei<>
dessa rcao;ao.
~o
O período de hegemonía da 1eayiio . . e comp letou apena' em 1851, po1s t, "pode1 esttn·a mu1to forre para aceitar impnSI{··oes da democracw ". A in~en!-.ibihclade para perceber ec;ta exigencia histónca explica o insuces-;o da' tentatl\ ti' de reforma e; liberal', v1sando o equil íhno entre ac;ao e reac;ao, tcntadJ' pelo gah111ete Paula Souza. e da~ rebelioc.., de 1842 e 1848 Tmpulsionadoc; pdJ .. ,ert1gem rcvolucJOn<Ína" do.., mcwimentos europcu~. pela 1mpaciencia das paixéi~-'
84
...1, da imaturidade política. os liberais praiciro~ ignoraram a ncgocta~ao. a raz
P~pai"c~. a fim de dar arras :1 . ,,z cssa~ pm xocs ..
Com esta con~idcrac;ao, Justiniano rcitcrou um conct•ito de rcvoluyao qne JÚ apart.•.:cra no-.. comentário" -.obre a Confcdaw¡ao do Equaclor e o 7 de abril. A re\olu¡;ao ¿ s1nónimo de \IOII~nc1a, dc-;poti'-1110. predommio da paixiio '>obre a ranlo. ignorftnc1a da "c1¿n~.i.1 Jo político" demon~tracla pela hi ... tóna: ato amc<;ador da 11, 11;ao. própno de homens de..,preparado' para o exercício do poder - a grande maiona da populac;ao do Impt!no. Diante dela qualquer proccdimento de conten~ao !>l! ju.,tificaria, mesmo a'> mai~ drásticas medtdas tomada!-. pela rea!TaO monárquica contra os liberais em 1842 e 1848. Mas o lempo da hegemonía da reac;iio ~e cumprira em 1852 com a "quh•tariio dos ódw.1 e das pai.H"ies ... Se mant 1da, a reacrao monárquica corría o ris~o de transformar-se em mosconttlmo, e de-;encadearia um novo c1clo ele a'iaO democrática. Chegara o momento da tran-,ac;ao, ou da recorréncia a atenuante~ democráticos capazes de reativar a <>octedade que ~e tornara ·'inerte e morra" Por excmplo, a rcstaurac;ao da garant1a do~ direitos inJ1viduais (o habeas corp111); a recuperac;ao do poder local e a gradauva de~miliranzac;ao da ~ociedade.'n Ape~ar dos prote..,to-. de franqueza, lcaldade, modera¡;ao e ju.;ti~a de sua pena. e da preocupa'iaO em compreender e ab,olver o-; procedí mento:- dos político\ no pa-.~ado. sob o ~otist1cado esquema interpretativo colocado como argumento de objet1v1dade, é nítida a prcferénc1a do autor pela obra da reac;iio monárqu1ca. Ela se projcta, por excmplo, na valori?ayao das decisoe:-. do Poder f\1oderador; na defe ... a do texto da Con~titlllyao e na recusa da 1déw de convoca~ao de urna Constirumte: no reiterado reconhecimento da unprescindibilidade da rea9ao para a 'iObrev1vencia do Império, neutralizando annadllha" c11ada~ pela ayiio democrática, e. finalmente, ~o ato de conceber a transa~ao como aprimoramento da rea~ao monárquica nt~etamo. o compromi<;'o conservado1 é ainda mais nítido na concep¡;ao de SOctcdade que o texto pre!'lsupoe: um conJunto composto por uma maioria ck homcn~ Ignorantes e dominados pelos tnstmto., que devenam ser instruído-, e govcrnados por estadista-. dotadoc;; de expencncia e saber. Nela há apena-. uma (0 ' 1 'i~o aqueJa que confronta ignorante-. e sábios. tra~to significalÍ\O da s~~Undade do país e da sua defa... agem ante as na~oes europé1as. Já que ainda nao Pcrt~ra o cxercíc10 da polítu.:a enguanto urn 1111péno de pa1xoe-..
85
A CIRCULAR DF. TEOPHILO ÜTJ'ONI: A REVOLU(,~ÁO COMO CONCILIA~Á<¡ ENTRE A MONARQUIA E A R EPÚBLICA PACÍHCA Somo5. da optn tfío que 'e deve lentamente repuhliea111tar a Jo Bra~tl. cerceando as latat-.. atrihut' Jo poder moderador org,\mzando cm Asscmblétas prO\Ínctat\ o<; Con,clho' Gct
A Circular dedicada tUH senlwres eleitort's de \t'l!adore.\ pela prnvíncia de Mmas Gerais, de autoria do ex-deputado liberal Teophilo Ottont, foi um texto produzido na campanha elettora l de 1860 para preenchtmento de uma vaga na Camara dos Deputados. Teve como objettvo imediato fa1.c r um agradecimento ao~ cleitores que o haviam apotado no<: escrutínio<: de 1859 e 1860 para o Senado, nos quat<: Ottoni fora o candidato mats votado pela províncta de Mina~ mas, por duas vczcs, a escolha impenal preterira sua mdicar;ao; e, também, dtante da impossibilidade de as~umir tal posto, pedtr voto~ para um mandato de cleputado geral na legi<.latura de 1861 a 1864. Mas a Circular resguarda outras finalidades. Em primeiro lugar, divulgar u m programa poi ítico. defender a suprcssao do governo pessoal no lmpério, a exunr;ao da vttalictdade do Senado; a abolir;i:ío da prisao arbitrána e do recrutamento forcrado e a retirada das funr;óes JUdictária.;, dos agentes policiais. estabelecidas pela Jet de 3 ele dezembro de 1841 Em segundo, m s trumentali ~<.lndo a autobiografta de Ottoni, que ~e confunde com a própria htstória da nar;ao entre 1822 e 1860, demonstrar sua ftdeltdade a este programa~5 • além da coerencia e modcrar;ao poi íttcas que marcara m toda sua tr~~ etória, desde 1831. E m terceiro, denunciar a falácia do ststema con<;tituctOnal no Brasil, desvirtuado pela mtervenc;ao do govemo pessoal, e mantpulado pelos interesses de uma oltgarquia acobertada pelo Conselho de Estado e o Senado vttalíctos. Ottoni rememorou circunstancia~ de sua vida pública na<: quats pugnou pela tgualdade entre 0'\ Ctdadao"i, C pelo re~pettO a vontade popular C a<: decto,6es da Ciimara; e aqueJas e m que fot víttma de perseguir;ao por defender esses pttncípios. Tntciou a narratt va lcmbrando se u mcondtctOnal apoio, e de sua famílt a, a causa da independencta. ''assunto de meu'> ensa10s poético'> nos verdes ano<:". Sua pnmeirJ re tvindicar;ao da ''tgualdade dos ctdadaos perante a Con.,tttut
86
. pnha. posto que "o-; que unham quatro avós nobres'' obttnham por indicayüo.'u'
~
primeíro cargo que perdeu devtdo a sua ongem e convtcr;oes polítÍL.t., por da soctedade liberal dmgH.Ja por Evaristo da Veiga e Bernardo de P? ·oncelos foi impedtdo, cm 1830. de continuar o c<>tuclo de matemática na '\ "'~ . qual tomar-se-ta engenhctro. Ao reccber ordens de embarque para A¡;aJI!Illta, como . ·osta da África e o batxo Amazonas. prcfenu detxar ,1 corporatalou uma ttpngrafia e passou a puhltcar 1 a S(ntmrlla do Serro, folha engapda na luta do~ patriota:-. libcrai" contra o arbítrio 0 0~n:ipar
r·• .
1111p~rial0 7 de abri l fo1 um marco Importante deste embate, no qual Ottom atuou inten~amente. No Serro, comandou a rest~téncta contra a-; imposi<;oes do governo absoluTista (as prisóe~ decorrentc:-. da noite da~ garrafada" na Corte e a dcmissao do Ministério liberal), angariando fundos e munic;oes, reuntndo e organizando a Guarda Nac10nal e fundando a Soctedade PromotOra do Bem Público Comidcrouse 0 rc~ponsável pela modera<;iio com que a revolu~iio foi ali conduztda. A exac.:crbar;ao do., c .,píttlo~ prognosttcava cena~ horrorosas; mas mtnha innucncia, grar;a-; a Oeus cta tmensa A porta do ouvidor. depois de uma cena tumultuosa, pude consegutr ~tl c ncto e atenr;:ao. Arenguct ao povo, pregando e exigindo modera~ao e generosidadc, e pcdmdo que o:> 11101 m., semente ccoa~sem contra o tirano ... Revoluctonário de véspera. o redator d.1 Sentmclla dv Serro era o ordc iro llpo no día do triunf o Nao significa l.!ste procedimcnto que cu hou,·es\C de aprovar a dirc<¡fío que os 17 moderados 1am dar 3 revolu<;ao.
A moderac;ao de Ottoni nao se confundta com o encaminhamento que os libcrats moderados da Corte detam ao 7 de abril, pois prevta profundas reformas na Constituic;ao - pretendta repuhficwzizá-la - por meios pacíficos A revoluc;ao seria edificada pelos representante-; do povo, no Parlamento Desaprovou tanto o radicalismo da opo'>u;ao exaltada, partidária de métodos vtolento\, quanto a ex.ce,stva cautela dos moderado~ que, ao;sim como os retró~rado!> trcqtientemente r~speitaram os disposili vos da Constituicr5o vtgente. Sua interpretn<;ao sobre o Mgntficado do 7 de abnl tornou--;c célebre. O 7 de abril l'oi um verdadeiro journée dl'l' dupes Ptojetado por homen<> de tdéia~ libcrat<; muito avam;adas [.. ) o movimento tmha pot l11n o e ... tahcleclmcntu do govcrno do povo por st me~mo, na "gntl'ica<,-ao m~m lata da palav1 a. A ordcm ele idétas que dcpo" de 14 de JUlho prcdommou no governo do 7 de alm 1 nao me agrau
87
democracia cna"c crllao urna opo•;i¡;iio regular. cu me nao chegana par,¡ os rnoucrado... Porém. a opo•.í(iP cnmc¡;ou ;¡ rc\'oh·cr na Conc e na B.1hra o:, mar-. pcrrgosth rrl\lrrllos da no~sa o.,ocu:dadc c.:h.unou cm scu apoio a C.:'>paua de soldados rndrscrplrnado\. qu,mdo o.,e tr<1tava da soiU<;ao da., mars gra\'c~ qucst6c-; in.strtucronl'l" ~~
do retorno do irnperador reaproximou as fac¡;óe., lrberar.,, ..,ohdrfr{.ando as pulítícas que cncamrnhanarn o Ato Adrcronal de ll:S34 e a.., retorma~ ~~diJas por Ottoni. exce<;ao apenas da extinc,;ao d
)CJ\• 1
11'1
Convencido da 1///(/flfridade da narüo. após U\ desorden\ acorridas no Río de JancJro cm 1831. poi.., "300 ano-.. de cscravidao nao podcm preparar um povo P<~ta entrar no go7o da maJ\ pcrfc11a liberdade···~'~. considerou que o lmpério nao est
'""O
Nunca fui serMr\rlrsta Corn o direrto da~ gente:, tlo século atual. a maior da~ dcsgra\=a~ para urna na~ao é ~er pequcna. ~o Achava possível concilrar a monarquía corn a republicani::.arüo da Com.titurc¡:ao. desde que a "monarqura frzesse por mero de reformas legais na Comtituic¡:ao largas conces!-óe<; ao princípro democrátrco", emre elas. restri~óc:. ao poder moderador, a o Senado e a ampl iac;ao da . . prcrrogatr va!> das Assernbléra~ Provrnciars. Em 1831, na Sentll!e/la,Já propunha dispositivos que, mais tarde, seriam rncorporado-; pelo Ato Adicional. Mas, naquele momento, '>Ua~ propostas para uma democracia pacífica nao agradaram ncm ao~ exaltados. nem aos moderado<> qut! conduziam a revolu~ao no Rio de Janciro, e acabaram resultando, em fevererro de 1832, no fechamento do Jornal, num processo contra o rcd,ttor e no isolamento polítrco: Hornem irnpossrvcl para o partido con~crvador, repudrado pelos moderado, que me pcrseguiao, e 'cntrndo a m.ris pronunciada repugnfilll:t.l pelos anarquistas, democrat,l pacílrco recolhi-mc a quartéi' de1 inverno e rassei a vrvcr rctrrado na • • .... rnars per ,.crta al,-;tcn¡yao. ~
Todavra, nao ficou afa~tado da polítrca por murto lempo. Em marr;o de 1833. uma sed ic;ao militar re-,rauradora em Ouro Preto depós o presidente da províncra Manoel Inácro de Mello e Souza e o vrcc Bernardo Pereira de Va~conceJo,, que precisaram do aporo da Guarda Nacional de Quelu7 e do Serro. A
gg
Abolrdo o Conselho de Estado, os minr~tros, mar:, cm prcscn~a do Senado. se m!.pirarño. 'e apotariio n,¡ 'etva de urna ~:amada popular. renovada penódtc.:amcntc, e a~sim podcniio, mai .. f.rulmcntc. levar a lcgrslaciio as reformas que houvesscm amadurecido no ::.ero da na<;ao··<' tlcs.l~'\ombradm.
v
A partir daí. Ottoni se engaJOU permanentemente na defesa do Ato Adrcional no Parlamento e fora dele Acredrtava que se as suas dcterrninac¡:oe" fos,~m respeitadas, "o sistema representativo se tornaría entre nós urna realrtlade"; os liberaís poderiam confiar mai-; "no progresso da raziio pública do que nas Juta~ revolucionárias". 53 Podena ser o "penhor de alranr;a entre os líberais adiantado.; e O'> moderados", esperanc¡:a que, todavía. nao se concretizou porque ··a concessao tinha sido arrancada aos moderado-;, nao as convíc96cc;, mas ao medo do retorno do Duque de Bragan9a". Por rsso, a morte de Pedro l ern sctembro de 183~ (um mé-, após a aprovac¡:ao da' reformas) separou. novarnente, as facc¡:6es libcrai., e aproxirnou os moderados dos ex-restauradores, que se uniram para formar urna oligarqwa polítrca e de intere..,.,e..,, cujo objetivo maror estava na "rc~taura~ao da monarquía e na aniquila<_;ao do sistema con!-lrtucronal'' Para atingir e ...,te propósito cncaminharam a interprerar,io do Ato Adicronal, a restaura9ao do Conselho de Estado e a instalac;ao do governo pessoal. Ottonr dedtcou .;ua carreira política a luta contra essa "oligarquía tenebrosa, apoiada no poder e no dinheiro dos traficantes da costa da África, a cuja" empre'a" M! a'>soctara, em defesa do sistema repre\entativo" Em nome dessa mi..,sao. f~L parte do Club da Maiondade, grupo de deputados liberais que. a revl-lra da Con<.tituic;ao. propó'> a antecipac¡:ao da marondadc do rmperador. expediente políttco que poderia deter as manobra' da oligarquia para aprovar a Lei de Interpreta<_;ilo do Ato Adicional e a Reforma do Código do Proce-..,o. No ~eu entender, a importancia da causa e as circum.tancias da nac¡:ñ.o justificavam o expedrente anticon-;titucional. Aparando-se em Jefferson argurnentou· Segundo rncu-, prrncíptos, em ccrt,,., circ.:un~tancias e ocn.,ioes, pode o cxccutor dns leis e da con\lltur<;ao tomar !>Ob ~ua re!.ponsabtlidade. o nao proceder interramentc de acordo com a letra ou mcsmo o espínto da ler. quando rnouvos rnuito pon dero-.o\ JU'tt.,-rcam este scu proced tmento. ~~·
89
tn~uces-,o
<.leste recurso. quando a oligarquía, em 1841, nao apena l\1mi'>tério qu.mto logrou promule, ki:- tao tt!lllldas. 1mpe1tu ~ "dcmocrata pacíf1co" a apoiar a revolta paulista de 1842, e JUntamente com outro, dt!putado~ mineiro", a mgrt!<>'>ar nela Rememorando o ep1sódio. lamentou ,, imledinm·d rt!curso e adm1t1u que o "s1Mema constituciOnal tena ganho ma 1s ~e dpt!-..ar da rebeliiio ao govcrno e a constitu1\=ao. a oposir;ao mincira, cm vez d~ recurso a-. .trma-. emprega.,-;e os melú.'> pacífit:o<; que lhe restavam." Mas tambélll nüo detxou de cons1dcrar que. apesar do aro. O'> ltberat., nao desejavam uma guerr¡¡ civtl; quenam apena'> dar um basta ao governo, porque, lembrando StlveMr~ Ptnhciro Ft!rreira, "o c1dadJo tcm diretto a reststcncia e a inqmeic¡:ao toda" as veze, que é v1olado o contrato sociaL Logo que ces<;a o tmpério das lcis. cessa o dever de obediencta".~~ O apoto dos dtreitos tnscntos no Ato Ad1cional explicanam duas outras atuac¡:oes de Ottoni: su a interven~iio no apaz1guamento do Rio Grande do Sul e a prolongada batalha contra o governo pessoal Posicionando-se contra o projeto separattsta dos rebeldes gaúchos que previa o reconheCilnento da República do Piratinim mediante a fcderac¡:ao com o Impéno, dcfendeu a pactticac¡:iio e negociou com David Canavarro uma capttulac¡:iio honro-.a, pois "ambicionava ver o R10 Grande livre, refor~ando o partido liberal das outras provínctas irmñ-.". 56 Por sua vez. a batalha contra o governo peso;oal, apoiado no poder moderador e associado ao Conselho de Estado e ao Senado vitalício, ocupou o deputado geral de 1840 a 1848, e o fe¿ retornar a política em 1858.57 A p1 apósito deste tema, Ottom relcmbrou argumentos veiculados desde 1841 sobre as bases do poder imperial. Naquelc ano, em debate com Carneiro Leao. defendcu a hegemonía da'> prerrogativas da na~ao sobre o imperador, uma vez que os drreitos do c;oberano provmham da "aclamariio dos povos" que, portanto, tinham o dire1to de reststtr ao ret se fosse necessáno. Nesse .:;cntido, o governo pessoal era ilegítimo e negador do c;istema parlamentar, e Ottoni o combateu em tnúmeras circunstiinctas. Em 1841. quando o imperador nomeou um mintstro apoiado na oltgarquia, o qual encaminhou as leis que anularam o Ato Adtcional. Em 1844, quando Pedro U poc;.,ibilitou a aprox1ma~ao dos áultcos com os libcrais, que resultou na denmsiio do ministro Carnetro Leao (de 20 de janetro de 1843), e a ascensao do gabi nete de 2 de fcvereiro de 1844. Em 1848. quando o Soberano apoiou novamentc a oligm quía e entregou o governo ao mini\lro Olrnda, responsável pela dt.:;solw;iio da Camara ern fevereiro de 1849. E. finalmente, em 1859 e 1860, quando a cscolha tmpenal prcteriu o senador mais votado por duas vezes em Minas, desdenhando a vontade popular. Todavía, ao abordar a crítica ao governo pessoal. Ottoni assumiu uma postura ongtnal. Por um lado, fe¿ questiío de mencionar c;u.t aproxtma~ao com dais expoentes do Parttdo Conservador - Honório Henneto Carneiro Lt:ilo e o m1neiro Bernardo Pere1ra de Vasconcelos, polít1cos que nao inscreve na oligarquía; e. por outro, denunciou a cumplic1dadc dos gabmetes liberais (ent1e 1844 e 1848) com <1 O
nc np0u
0
90
_
~ulico de Aureltano Coutinho e com o poder moderador. Esta leitura sobre o
grur0.,do qliinqüénio liberal, pcrm1tiu que c·oncilwne dep01mcntos ongmanamente
1" chall . _ ao descmpenho liberal ne'\'>e . gi1nicos. Do L1bf'lo do Pm•o recolheu a reprova~ao ant~odl ; e do trabalho de hl\tiniano Jo<;é da Rocha aproveitou a imagem de pe:fon111dade política do momento. entendido como u m tempo de rea~iio ine\ itável. un .1 - e, o trar;o essenc1a . 1 deste texto. E1a Justamente, a proposta ue conn'1'wrao fundtlflll!ntOU O recorrente apelo a modera\=50 C á democracia ¡>acíftc.:a: a fl'ximayao com Honóno e Yasconcelos: a combmar;iio de Ttmandro com Rocha; :~un...:ord:lncia de Ottom com a 1míxima de Holanda Ca\alcanti de que, pelo menos em Minas, "nao há cou<;a mais parecida com um luzia do que um o;aquarema"~s c. pnnl.!ipalment:, .a candtdat~ra _do autor ao ~enado. e.m 18,59 e 1860, _sem filiar;ao part 1dária deftn1da. que so nao se concret1zou devtdo a 1nterven~ao do poder pe..,-;oal. Nesse sentido. o poder moderador, na forma como estava estruturado, tonl de Paraná. ém nome da concilia~ao, Ottont bateu forte contra o governo pessoal e a" insutu1~6es que o sustentavam. o Conselho de Estado, o Senado ''ltalícto. o<> ministénos e, na sombra de todos eles, a oligarquia. Todavía. suas restrÍ\=Üe<. nao atmgem a pes<>oa do imperador, um homem culto e competente. com quem. enguanto parlamentar. se encontrara por vánas vetes. O Imperador ~ozinho nao podía fazer mal Responsabilizou os político-;:
1
E quemé o culpado oesta <;ituac;ao? Será o lmpcrauo1? Nao. por certo Os ¡;ulpadol> somos nch. e espccwlmcnte O!> ministro)> liber:.us. wnscrvadorc.; e palm:tanos l .. ] os nosso~ homens oc e~tado nun¡;a dizem ao Impcrador a verdadc. N:io lha ditcm, porque lho proíbem a ambt<;ao do poder e o temor de que lhes rultem os graciOSO!> M)ITISOS e hoa<; grai(US. Desde o verdor dos anos o C~>pínto do monarca tem estado pcrenementc cxpO!>IO ¡\ a~ao corro-.iva da lisonja [... ] E O!> corte!>aos JU,tlficam o govcrno pessoal l .. J Esquct:cm que o papel do<; rci' • . • ' . 1 w t:OnSIIIUCIOih\1!> e eS\Cllt:Ja lllClliC pUSSIVO.
Como romper este círculo? Como resututr a vcrdade ao ~i~tema con~titucionaJ ? O candidato tetomou O'> mstrumentos da revoluc;:üo pacíf1ca e conctlradora que fez qucstao de frisar. reiteradamente defendeu: a ..,uprcssüo da subotdinac;:ao ao poder pessoal; da pnsiio arb1trána; do recrutamento forc;:ado; das run'roes judiclárias atnbuídas aos agentes policiOctedadc imperiaL Ne<;se sent1do. scu depotmento re'cJou opo'>ic;:oes de dtferente'> abrangcncla'>. Num plano mats geral. antagon11ou o 91
governo pessoal (que 111clUJ o irnperador. o con-;elho de E-.tado e o Senado vitalício u mini,tt.!riu e ii oligwc¡uwJ e a nat¡ao. Ma,, adentrando a lura política, os connj¡ ' 0 se dc~dobraram. Res<.allaram--.t.! o-, confronto-; mternoc; ao Partido Liberal. que ~ fragmentou em a\an<;ado'>. moderados e exaltado-.. e emergiram diferenc¡:a-; entre{¡~ con.;enadores, de um lado a ol11~arqwa -;1gnatána do poder pe-:soal e. de outr(, aquele-. que nao compactuavam corn da '
U\1 ESTADISTA Do ll\JPÉRIO: A REVOI l l(.:,\0 C0,\ 10 "TuRBILH,\0 POPULAR'' Ll'l \ DE CLASSES. REPÚBLICA J ACOIHN \ •
Nao sc pode dciX pr<Íprio~ da democracia. Mas a verdade é que a Praia eran maiona, era quasc o povo pcrnambucano todo, e o povo julga o \Cu ducJIO tao cxtcn<;o como a sua vontadc, '>Obretudo quanJo lula ~:nm a~ cla,,e.., que ~e scrvem das dclongas tnlinlla~ da lt:i para cnn~c1 vare m O'> scus pnvilégtos e pcrpetuarem os seus abu~o'>. Mutto provavclmente a Prma rcpre~entava a quet>..a de uma popular;:'ío adiantada de m~tintos contra a sua lrt!>lc condll(iio. 1' 1
Um e.\tadista do lmpério fo1 preparado entre 1893 e 1894, durante a Revolta da Armada ··quando ao revolver a poeim de no<,sa<; lula<; pacífica<: eu ouvia o duelo da artilharia do mar e da terra nesta baía", pelo ex-dcputado monarquista e conhecido abolicionista JoaqUJm Nabuco, e fo1 publil.:ado entre 1896 e 1899. Seu texto teceu. conJuntamente. a biografía do pa1 do autor, o ministro, senador e conselheiro José Thomaz Nabuco de AraUJO. e a história da monarquw no Brasil até 1878. Nabuco periodizou e caracterizou de forma original esta hi~tória. dív1dindo-a em do1s grandes momento<;, o pnmeiro de consolida<;ao da opc¡:ao monárquica (181Y1840). e o segundo (1840-1889) - período do -;cgundo reinado, a Grande Era Brastleinl -de v1véncia plena do regime. Ainda, -;ubdiv1diu grosso modo esta última etapa ern tres fases : 1840-1850, momento de con.;olidarrao da orclem mtema com o firn das revolu~oes e o aperfcir;oamcnto do ~i~tema parbmcntar; 1850-1878. apogcu Ja Monarquia c. finalmente, 1879-1889, ra~e que ni.io chcga a explorar (pois o biografaJo f.tleceu cm 1878). etapa de declínio devido ~~ docn~a do imperador, o retorno J¡t.~ agitar;oe~ (abollctonbta, republicana e m1htar) e o desaparccimento dos grandeS estadl\ta-;. Apesar de fazer con..,idera~ües -.ob1e todo o período de dura~áo Ja
92
n:trquia. Nabuco privil~giou o::. <~nos de 1850 a 187~. época de "luta.; padfica~ e de Jl.. 1\.:dro 11 l.. d~.. "Jabuco de flCI 1J,I'J• d . , . . 1 d cO . ,. ll funcionamento o reg11ne monarqu1co cono.;t1tuc10na a a~cCJl\aO e que a AfJUJl • ' . d d 1 . 1' . ~' ·• binetcs: o exerCICIO o po er pe<:'\oa : as reorgan11a¡¡oc" part1<. .tri<~'. em 1 do~ ~:, a reforma do Part1do Liberal. con.,iderada como obra magna de Nabuco de 1 espc. l .•• l!ncaminhamento d,,., pnncípai-. yuc-.tOt:-. da política interna (a conc1ha\=ao. AfllUJl. 0 _ . . fi ," Jo tráfico. a emanc1pac¡:ao gradual, a pohttca fmance1ra, a reforma de1toral) e 1 ~xt~ma (a.; rdatóricas e física.; do paí" Ne-.!'>e "cnlldo. contrapos a-; vtci:o...,ltudcs \IVCnciada-. na lndependencm e, pnm:ipalmcntc, na rcgenc1a momento de uma pnmcira expenencia republicana - com a tranqüihdadc propici de Arrmtagc, Justiniano da Rocha e Ottoni. e 111forma96e'> de outras fonte~. 62 A recorrenc1.1 ao imag111ário organico pern1itiu uma analogía emre a vida de Nabuco de Arau¡o e o pcrcurso da Monarquia. A-;.;im, a infancia e a adolescencia do estad1sta co111cidem com o na.licimento e a rnocidade d,\ nar;i.io (a independencia e a regencta) O autor mesclou as atribulas-oes da vida do pai e do avo (que de~empcnhava a fun<;ao de juiL da alfandega cm Bclém do Pará e, portanto, pertencw ao Part1d0 Portugucs) com o desas,osscgo vi vcnciaclo pelo paÍ<; nos anos de 1821 a 1835 Integrando política e natu~eta, intcrpretou o confronto entre patriota<; e portuguese-. e a revolu~ao que se :gUJU,, C~mO resultado Je um an!Ogonismo de rara que dcu Va7ÜO a "cxplosaO Demagog1ca do novo cspírito nacional, exc1tada pelo" cspeculadorc..; polí11cos" !.~:revendo os aconteci mentos vivido<; pela família. comentou
r.-fo . .~10 poht1ca Expos mmucJOsamente <~ <~tu.t~.¡-a\.1
~
A vida paraensc ncs~es ano~ contíguos ¡¡ lndcpcnJ~ncJa, l<)t extremamente agitada E m ncnhuma nutra parte do pat\ dci xou a lndcpendcnci,l o me;,mo sulco profundo de ódm Dc;,tlc
93
IX23 até o combate Jc nove d1as dentro da c1Jadc e as eonvuboe~ de 1835, Belem fn1 tca11n de luL•~ políiH.:as e nac10nais de carater ~clvagem peLuh,u bto causou o ab.mdono da t:idadc por todos que potflam fug1r dcla, o estrago e a ruma .l . 1ades 1>.' uas prop11et
,c.:ntos da soctedade lo• umajoumée de.\ dupes, cxpressao aproprinda a Ottont, Para o ex·~rCJH' 0 7 d<' ,hnl ~·· n crrande equívoco. pOI'> o 1mperador -;empre o promovcra, ao passo que os 11 o combateram e dtspcrsaram Para O'> e.w lwdm. fo1 urn completo engodo, fOI •• 1·ntes 0 rc~t: ¡·oram aliJados da altan~a revolucionaria no dia seguinte e, nao po<.lt!na ter .;1Jn
se~~1 para a qual Nabu~..-o ~..-~mr._nu sigmf,._ados dl\~r.,os.
pOI'
Mas foi no 7 de abnl que a vida do biografado (entao um jovem ncademico de Olinda) e da geras;üo que o acompanhava. e.;pclhou mai<; nítidamente a trajetória do paí' Nesta épo~a. "a pena do~ ¡ovens e~cntorcs academ1cos dcsprendw chispa~.. No Echo de 0/tll(/a (1831-32), o primciro jornal que e'creveu, JUntamente c0111 Ferraz e Sinunbu, Nabuco de ArauJo foi "de um fedcralmno exaltado, que nao se podt! diferenciar da aspirac;ao republicana" A<><>im como qualquer patriota, fo 1 "girondino, amencano, melotlram<Ílico". Mas, no Vellw de 1817 (1833), sua segunda folha, Já é francamente reanonário A rc,·oluc;ao brasile1ra. ardcntemente precomzada, assim como outras revolu~6es liberais, perdera todo encanto porque se transfigurara em t1rania e nsco para a integritlade da o;oc1edade e do Império. Voltando atrá~. o acadcmJco reavaliou o comportamento de Pedro 1 na abdica~ao. tornando-a uma at1tude magniilllma, e apontou o equívoco de comparar-se "a nossa .;itua~ao a da Fran~a". Saídos de um govcrno opre~~or, ignorante:- do \ÍStcma consll tuctona l, IHÍS tmhamos a neces:,tdade da prote~ao de um monarca que domasse a amhi~ao, para que pudé~'>Ctno~ mvclar o no:-i>O canher com o cspírito da~ mslltutc;oes as qua1~ éramos 1!:-.tranhos . .:arecíamos eMar abrigados pela fcm;a da monarqUJa para nfío scrmo-. arrchatados pelo espín to inovador que, tornando-nos ver~áte1s e mqutetos, deMruina cen.t adcsao que um povo tleve consagrar as suas tn!>titu1r;ocs .. c' 1
Que argumentos cstanam na ongem desta gu1nada de Nabuco de Araujo e de seus companhe1ros? Em pnmetro lugar o trac;:o organico, "a versatihdade intelectual da adolescéncia. As opini6es <;ao nessa fase apenas impre~soes novas. As 6 paixoes ce~sam de repente por mottvo ignorado, ou transformam-se nas opostas''. ' Em ,egundo, a vot.. da expenenc1a do~ Andradas que se mamfcstou pela boca de Antonio Carlos: ''a mgrata cxpencncia convenceu-me que nem a Liberdade, nem 3 Independencia ~e arraigaría no Bra!>il seniio ;. sombra da monarquía". E a li~ao dos aconrecimentos ocorndoc., em Rec1 fe, e m 1831 e 1832, quando "na setembnzada 3 Lldade fo1 entrt!gue a anarqu1a e ao 'iaquc pela tropa que se apossou dela". 66 Recorrendo a vürios depo1mentos e interpreta<;oes, particularmente a A11mtage, Rocha e Ottom. o autor proJetou dilerenter.; significado!> para o 7 de abtil Para o 1mperador fora um "dcsqu1te amigável" com a na~ao, pois assegurou-lhe o trono portugues e sua reputac;ao de "heró1 de doi' mundos". 67 Para outrO'
94
de llutro modo: A fatalidadc da-. revolu~ocs é que ~cm os cxalt.tdo~ nao e posstvcl fa¿c la~ ~.: l:Olll ele~ é tmpo~~Í\CI governar. Cada revoluc.;ao subentende uma luta postcnor e altan~a de um do-. ahado:,, qua:oc -.cmpre ll., exaltado~. l:OI11 o~ n:.nddos. A m tla~áo tlos exaltados traní a agtta~;iio federaltsta extrema, o pengo scparal!'tn. que durante a Rcgcncta amea~a o pat'> de 6 norte a -;ul. a annrquiza~iio da~ províncias K
Da mesma forma os patriotas, especialmente os <>oldados arreg1mcntados pelo ressentimento nacional, compreendido como anta~olll.\1110 de rara. ra.1ao que sobrcpujou o "fermento político ou a~ ercentva\ declamarñes da opnsiriio" no apoto da tropa a revoluc;:5o. Oeste ponto de vista, Nabuco considerou o 7 de abnl ..urna repeti~ao e uma consolida~ao do 7 de sctembro", preservando inclusJve, para • · · portuguesa" .(>1) os venc1·dos, a .. su b servtenc1a a, 1nnuencta Porém, "a maior deceprüo de todas" é atnbuída a llaflÍO, ou a "minorta política que ela representa". quer diLer os Modaados; aquel a cla...,se que as<;um1ra o governo e fizera "os j(lvens príncipes .\eus reféns ". Os dirigentes que "a rewlur;iio produ::.iu eram na \tta maior palie homens nov(ls sem tirocímo cuja ine.tperiencia devia inspirar tJIIOSe compaixiio t.W grupo de estadt\10.\ proveeros do primt•iro 1emado"10 pois, ao fa1erem a revolw;ao esperavam do Imperador apena~ a mudanc;a de m1mstério ou o "abandono de uma camarilha suspeita ". A abdicacrao o~ <>urpreendera profundamente mac.,, coube a eles reagir e "volwr a máqwna para trás. fato nada singular nas revolur;oes: os rev(l{ucionál ios passavam. de um 71 monu•nto para mtfro a comervadore\, qume reacioncírios ·· Referendando Ju.,tmtano José da Rocha, comentou: "o que fe: a grande reputar;iio de FeUó. Ewmsto e Vasconcelos, niin é o que eles fiz<•Jam pelo ltberafismo, é a reHstell(.ia 12
que opuse mm ¿¡ anarquia" .
As<;im, a reac;ao monárquica de 18:\7 e a antec1pacrao da maiondade do lmpcrador em 1840, tornaram-o;e medida'> inevitáveis que s1nalizaram a superac;ao, ao mcsmo ternpo, de um estágio organice - a passagem da adolesccncta para a lllat~ndade -, e tle urna etapa de expencncia lmtónca, a anarquía que se ~eguiu a alxhca~ao A msp1rac;:ao em Justiniano é evidente e Nabuco, c1tando Afdo. reariio, tra~r,·ariio rciterou: "para o estudo da evolu¡;ao monárquica ter cada palavra deste opusculo".7 ' Mas, ape~ar desta enfática men!fáO, introduz1u algumas nuancras nas
95
imagens sugerida~ por .\Ua fonte. Ao <~ub.stituir o movtmento de a{:clo-rea{-'iío pela linearidaJe da lrajetória de tllll organi-;mo v¡vo embora preservando a idé1a de U!t)¡¡ etapa gue se cumprm (a adolescencia). Nabuco transformou os ciclos (a~ao-rea~a 01 em fa<.;e-; <,ucessivas, sem retorno (mffincia, adolescencia, maturidaJe e JeclínioÍ \Uav1zando a passagem da a<;:iio para a rca~ao Ela perJeu sua característica origina¡ de Juta pela -;obrcvivencia para tornar-se o comportamento de um organts 1110 cansado, exaurido por um longo período de turbulencia, momento em que "a na9ao . des 1'¡-;ar suavemente para a monarqull.l " .7~ se d e1xa A interpreta~ao do autor sobre a revolu~ao do 7 de abril e a Regencta fo 1 um argumento cssencial na tc~e que relacionou fortemente Liberalismo e Monarqllla e rejeitou a República sob sua forma sul-americana. Em primeiro lugar, Nabu~o descartou a idéia de gue o~ moderados tive%em feito algo pelo Liberalismo no Brao;il. apenas res1stiram "a anarquw que eles mesmos haviam provo<.:ado''. Em segundo, interpretou a Regencw como a "repúbl1ca de fato" prat1cada: nas condi<;6es mais favoráveis cm que a experiencia podena .\er feita. Ela tinha diante de si pela Constitui~ao do Império trcze ano~> para fazer ~uas provas; durante este prazo, que é o <.la maduret.a ele uma gera9fio, se o governo do país tivessc func10nado de modo satisfatório - bastava nao prnduztr abalos tnsuportáve1s - a desnecesstclade do elemento dinástico teria ficado amplamente demonstrada. 75 Concluiu que a vivencia da República no Brasil nao tinha contribuído para a autentica causa liberal. Pelo contrário, amea~ara a existencia do país que, coma maioridade, retornara suavemente a Monarquía e ao Liberalismo. Mas, apesar de seus riscos, havia s1do urna experiencia necessária. A revolu~ao do 7 de abril e a Regencia podenam ter sido "economizadas com grande vantagem, se em certos temperamentos as loucuras da mocidade nao fossem necessárias para a mai~ elevada direc;ao da vida. A agita~ao desses dez anos produz a paz de cincoenta que se lhe vao seguir". Elas cumpriram urna func;ao histórica: "desprender o sentimento liberal da aspira9ao rcpublicana". 76 Embora concordasse com Justiniano da Rocha sobre a ascensao da rea~ao monárquica em 1837, Nabuco relativizou sua hegemonía, considerando os anos de 1840 a 1848 como de ''aperfei~oamento da monarquía parlamentar" Nesse sentido. deu maior importancia ao quinquenio liberal (1844-48) comparando-o a Regencia. pelo fato de a integridade do lmpéno ter sido novamente ameac;ada pelo!> republtcanos. No seu entender, a queda do último gabinete liberal em setembro de 1848 repetiu a situar;iio de setembro de 1837. Portante, a rea~ao de 1837 nño consol1clara plenamente a Monarquía e o sistema parlamentar, questionado!> novamente. em 1848, pela Revolur;ao Praieira.
96
Diferentemente de Rocha e Ottoni, Nabuco, apoiando-se
no~
escritos do
. ¡ h1.,wriou Jetalhadam~nte us <~Lunte~.lmentu~> Je P~...mambu~.u. ~ <...:riOu uma uutra
~~~rpretac;ao. para a Revolt~ ~a Pr~ia ..Para ele, a. re~olu<;:iio explodiu por várias . Cie"· Orig111ou-se na~ patxocs e mstmtos constitutivos do comportamento das
r.t~ •.._as (no caso a popula9ño de Pernambuco), quando instigadas por demagogos (o Jll•1 ' •
Partido da Praia) e pelo abuso das cla<;ses "que se servem da~ delongas da lei para rt•,ervnrem seu~ privilég10s" Foi um "turbllhilo popular violento, indiferente a leis ~ prin<.:ípios", e despótico: ca~acteres que atrihui~ a demo~r~c:~; a ".quei.xa de uma flllpula<;lio adwntada Je mstmtos contra sua tnste cond1c;ao ; e, ·mats que um mcn irnento político, foi u m mov1mento social, uma guerra do povo contra o~ p0 rtugueses ~ue monopolizav~m o.co,~ ~rcio nas cidades e os senhores de engenho 7 que monopoltzaram aterra no 1ntenor . A revolu~ao progrediu dev¡Jo aos erros do PartiJo Praieiro na oriemas;ao Jo movimento, e a moderac;ao com que o gabinete Olinda administrou, de início, a rcYolta. Por ser um partido sem disciplina (congregava monarquistas e republicanos e scus chefes nao dominavam os co1 reltgiomínos)), a Praia envolveu-se, e acabou por promover uma guerra que suas lideran<;:as (a exemplo de Nunes Machado) nao deseJavam e nao cont10lavam. Por sua vez, errara o Ministério de 29 de setembro que, ''por medo e finura" nao enviara para a província, logo no início do rompimento, um homem forte e de "prestíg10 nacional" (como Honório ou Caxias) e só dissolvera a Camara dos Depurados em fevereiro ele 1849, quando podena te-lo feíto em setembro de 1848.78 Mas a revolu~ao nao se tornaría vitoriosa mesmo que a Praia tivesse tomado Recife, pois nao tinha um pretexto, ou um ''princípio por causa do qua! fosse legítimo ensanguentar a província". Além disso, os rebeldes nao contavam com for\aS para sustentar-se por muito tcmpo, pois nao receberam ajuda de outras províncias. Ainda, "o efeito da revolu~ao de fevereiro na Fran~a estava gasto". 7'1 Na verdade, ela se fundamentara. por um lado, nos equívocos da prática liberal jacobina: a impaciencia em aguardar a sua vez na seqüencia dos partidos prevista no jogo parlamentar; a facilidade com que, quando alijados do poder, recorriam as revolu~oes; ao hábito de copiar as expenencias estrangeiras, msp1rando-se, neste caso, na proclamar;ao da República na Franr;a e no "fermento socialisra"80; e a falta de coesao das lideran~as do partido (nao se entendiam), que resultou no seu esfacelamento, impedindo-o de "fazer frente a cerrada falange conservadora". e provocando a queda do gabinete Paula Souza, em setembro de 1848, por falta de SU'>tenta~ao parlamentar. E, por outro, explica va-se pela ''inexpeáencia política,. e 0 radicalismo dos praieiros, resultantes de sua origem e trajetória singular. Nascera de ~ma cisao mterna ao partido liberal pernambucano e, por seu jacobinismo ~<~Laico, e falta de identidade com os l1berais históricos da província, de Minas e ' ao Paulo, nunca conseguira participar dos ministério.s liberais. Chegara a Pre<,¡dencia de Pernambuco gra~as a 1ntermediar;ao da facr;ao áulica, e ali fizera 97
urna admnli'\trat;ao tnJC.:u lenta que revolveu OCiélll~ta rcivtnd•cat;ao do trabalho como garantía de vida para o:- ud.tdiio-, bra..,!le1ro..," x' O fracasso da revoluc;:ao deveria ser cred1tado também a tre" outras razoes: a atuac;ao enérgica e oportu na de doi.-; aclmi ni -;tradorcs da província - o pres•dente Tosta e o ju1L Nabuco de Arau_1o; aexperiencia adqui rida pelo Part1do Liberal para "resignar-->e a vez do adversário". e ao fato de o tempo da" revoluc;ocs ter se esgotado. pot<> "o organ1smo precisava de repouo;o". A rea¡¡ao de 1848. como a de 1X37, cot rcspond m a uma ncccssidadc mvencível de rcpouso; o organt:,rno anulado prccil.ava refazcr-sc pelo sono. Presscntiu-se que Cl.ta sena a última d.l~ rcvoluc;:oes.~ 3 Os argumentos \C complemcntam: a atuac;5o providencial dos estadistas revela a ~ • e ncía dos me1os adequado.!> para lograr a reeduca<;fio dos políticos inexperientcs e a percepc;ao do percurso natural da hi~;tória. Ne.,-.e ~en tido, ele' foram também responsávcis pela superac;ao dos ob..,tácu los que 1mpcdiam o pleno exercício do sistema parlamentar e, portanto, pe lo ingresso do país c m sua grande era, aquela das !utas pacíficas, e do verdade1ro liberalismo. Esclarecem-se os objetivos de Nabuco em pnvdegiar a anáhse da Revo lu~ao Praieira. Além ele tomála um ep1sódio sob medida para a crítica das revolu<;oes de caráter republicano jacobino. JUstificou a partiClpa<;ao de Nabuco de Araujo no ep1sódio. particularmente sua cerrad.t oposit;iio a Praia e a n gorosa ~entenya, pnsao perpétua corn trabalhos fon;ados, que ele, como JUÍZ, aplicou as lideranc;as rebeldes. Tratava<>e de uma grande causa. Seria uma punic;ao exemplar e necessária, com o intuito de por f1m as revoluc;oeo;, corrigindo a atuac;ao dos liberais no JOgo parlamentar. d•spositJ VO que o expericntc jUiz sabia ter dura<;iio limitada: que a pena de ptt:,ao perpétua durava apenas o lempo de !<.C acalm:uem os á nimo~ e de deixar de \er pcrigo<;o para a nrdern pública a llherdade dos chcfes prateiro~ (... ] tmha cerlc/a que a comlcn.l~ao \eria cm pouco lempo nulificada pela • 84 ant<;lla. s<~ hw
98
o
empenho em defenuer a mi!<.sao paterna na ed¡fu.:a'rao do verdadetro
~ ,t1¡., 111o no .Bra<;d, de comprovar a supcn ondade do rcg1me monarqutco <,ohre a
1 1
l • 11101icaJacobma. e de ~ua adequa~ao ao Brasil do século XIX, levaram Nabuco a Rtl, , . r teor d a\ oposu;:oe" - 1ateme:, na '>OCieua· ·' de monarquu.;a, . p. , mem.1onad a::. por ¡iJ c.; 11 .<1 0 s fnntes, cm especwl. Armitage, Rocha e Otton• Obteve c->te resultado l ~U·. . .; Incorporando novo!'> personagens; 7~-,Johrando ~ configurac;:i.'io u~ ~ociedade em _v~~~~s en~1dade!'> d!stinta." - "o Estado. n n.u¡ül). o pm!->; a~ forc;as ..,oc•a•-.; a Escrav•dao : 1mbncando b10graf1.h e proces'>o h¡,111ril:O Nesse !'>ent•do, reg1-.trou a complex1dade da luta pm11dária; o eus dependentes- "algumas familia" transltonamente nca., e Jet mtlhoes de proletário<>"; u contrapo..,icao entre a<; forra., wctat:J (o l:.xérc1to. a lgrcja. a Impren;;a, o Parlamento, os Partrdos) e o Estado, e, a mais s•gn.t'icatl va, o c.;lmfronto entre a e~cravidiio e a 1zarao.x~ E-.,te procedimento. além, evidentemente do fato de rememorar o passado a parur do final do !'>éculo XIX. pem11tiu-lht! c:nnquccer o conceito da revoluc;ao, incorporando a luw de classes entendida, pela a.~socw~ao, mai'i uma vez, de raLóes orga111ca~ e h1~tóncas, como re!'>ultado da" paixoes e queixas da popula~üo, penaliLada pelo monopólio sobre o comércio e as tcrras. exercido pe los portugueses e pela feudalidade territorial do Império e a'alizado pela escrav1dao 1::.....obrctudo, agigantar a<> con!'>eqüencias da escrav1dao, e: com elas a singu/aridade da !->OCiedade brasllcira. Esta sinxularidade era um argumento essencwl para explicar a~ lm11tac;óes c. -;obretudo. a performance desvirtuada, nega ctrcun'itáncias, o imperador ' 0 Uhcra apreender as solicita<;:ocs do país, e tornar-se a sua consciencw, papel que desempenhara com competencia pois, "ondc D. Pedro TI naufragou qualquer outro naufragaría ante!> dele e tal vez de p10r modo".x6
J.'O~TES E M!<:MÓUIA: 0 IMP~;RIO DA CONCILIAC:ÁO . Os relatos apresentados apreenderam e mrerpretaram, -;ob o impacto da re~olu~ao burguc..,a, opos1'r6es da 11ariio-wladii típica do lmpério. aquel,t mtegrada ~J 0 " proprietários com requ1S1tos para atuar no:. escrutímo~ ele1torai s; cxcec;ilo fe1ta a <>a4uim Nabueo que, escrcvendo no final do século, momento de rcdefi ni<;:ilo da
99
Imagen' sugendas por '>Ua fonte. Ao sub... tituir o rnovimento de arlio-rearlio Pclluwnridad(> da trajetnna d1' 111n Ngalll"lnO VJ\"0, ..::mbora preservando a td~ia J~ u ~ 11 t!tapa que ~e cumpnu (a adolc,ccncia), Nabuco transformou os ciclo~ (ac,:ao-rea~¡¡ , 0 cm fase' sucesSÍ\él\, scm retorno (infancia, auolc,Len~..ta, nMturidade e declín 101 '>Ua\- ttanJo a pa ...... agem J.t a\- le prazo, que é o da madurcLa de uma gcray;¡o, se o govcrno do pdfs tivesse funcionado de modo sattsfatóno - bastava n;¡o produtir abaJo~ msuportávets a dc•mece~s1dadc do elemento dm:ht1co tena ficado amplamentc dcmon\trada. 7~
Concluiu que a vivencia da República no Bra'>tl nao tmha contnbuído para a autenttca causa liberal. Pelo contr:írio, amea~ara a existencia do país que, coma maioriclade, retornara suavemente a Monarquía e ao Ltberalismo. Mas, apesar de seuc; riscos, havia sido urna experiencia nccessária. A revolu~iio do 7 de abril e a Regéncia poderiam ter stdo "economtzadas com grande vantagem, se em certo~ temperamentos as loucurac; da moctdade nao fossem necessánas para a m:m elevaua dire~ao da vtda. A agttac;ao desses dez ano~ produz a paz de cincoenta qu~ se lhe vao seguir". Elac; cumpnram uma func;ao lmtónca. "de~prender o sentimento ltberal da aspira~ao rcpublicana".u' Embora concordasse com Justimano da Rocha ~obre a ascensao da reac;ao monárqutca ern 1837, Nabuco relativi.wu sua hegemonta, con~tderando os anos de 1840 a 1848 como de "aperfeic;oamento da monarquía parlamentar". Nesse senttd<1• d~u maJOr 11nportancia ao quinquento liberal (1844-48) comparando-o a Regenci·'· pelo fato de a integridade do lmpério ter ~>ido novamentc ameac;acla pelo~ republtcanos. No seu entender, a queda do último gabinete liberal em setembro de 184~ rcpetiu a situa~ao de setembro de 1837. Portanto, a rea~ao de 1837 náL1 comoltdara plenamente a Monatquia e o ststema parlamentar, questionadL1 ~ novamente, ern 1848, pela Revoluc;iio Praietra.
96
Dtferentemente de Rocha e Ottoni, Nabuco, apoiando-se nos escritos do Jc rcrnambUl.O, e ..:riou uma outru f~~~rprt!tac;iío para a Rcvolta da Praia. Para ele, a revolu<,:ao explodiu por vúna!'rillóe-; Ongmou-<.,e nas patxóes e msttntos constlluttvo~ Jo comportaml.!ntu Ja.., ,ua'"a~ (no ca~o a popula~ao de Pernambuco), quando tnsttgada~> por demagogos (o Parudo da Pram) e pelo abuso da'> clas<;es "que ~e scrvem da-; delongas da lt!t para rt"'ervarem seus privtlégios". Poi um "turbtlhiío popular violento, ind1ferente a le1s ~ prindpios··, e de~pótico, caracteres que atnbutu a democracia; a ··quctxa de uma popula<;ao adiantada Jc in'>ttntos contra sua tri.;tc condt~ao"; e, "maio, que um n, nento pollttco, fot u m mov11nento socwl, uma guerra do povo contra o.., 111 11 nnrtuguese~ que monopoltzavam o comércio nas ctdades e os senhores de cngenho t" que monopo 1'tzaram a tcrra no tntenor,77 . A revolw;ao progredm de\ tdo ao~ erro~ do Partido Pratetro n partidos prevista no JOgo parlamentar; a facilidade com que, quando alijado~> do poder, recorriam as revolu~6es; ao hábito de copiar as experiencia~ estrangeiras, insptrando-se, neste ca-.o, na proclama~ao da Repúbhca na Fran~a e no ·'fermento socialista"80 , e a falta de coesao das ltderancra'i do partido (nao -,e cntendiam), que resultou no <.,eu e'facelamento, unpedindo-o de "fazer frente ¡¡ cerrada falange con<.,ervatlora", e Provocando a queda Jo gabinete Paula Souza, em -,etcmbro de 1848, por f,llta de SUMenta9ao parlamentar. E, por outro, explicava-~>e pela "inexpenencw polítha,. e ~radicalismo dos praieiros. resultantes de sua origem e traJetória singular. Na-.:cera e ~ma cisao mterna ao partido liberal pernambucano e, por seu ;acobinismo ~~httco, e falta de tdenttdade com os ltberais históm:o' da província, de Mmas e pao Paulo, nunca LOI1\Cguita participar dos ITIIntstério~ liberats Chcgara a re,tdencta de Pernambuco grar;a~ a intermediac;ao da facr;ao ául ica, e alt fitera .1
ht~toriuu Udi.tllt.~J,um.:nll. U'> .tl.Ullll.•..:illll.:nto.-.
97
uma aclministrar;ao truculenta que revolveu a províncta, colocando-a num estado n.. volu ... iun<Íno. Na ge..,t;h> J~,.. Chídtullu J.r G."'"" (1845-48), pam cun:.ohdar seu poder. a Pnua fizera uma complela tnvers~o admini\trativa e. pela v10lenc1a alterara os cosrumes obngando rendetro.., e rnoradore.'. a votarem contra seu~ ...enhore.'. tradictonat.'. com quem t111ham urna rela~au antiga e ju.;;ta.¡..• Atnda, embora fízesscm proclama96es monarqtu<;tas, altaram-"e a conhectdoc; político~ republicanos (Borge.'. da Fonscca. por cxcmplo) e adotaram um programa imprattcável. que conctliava "o prcconcetto \Ulgar e rctrógado da nacionaliza9ao do comércto a retalho. com a republicana e 'octalt,ta rcivindicar;ao do trabalho como garantta de v1da para os ctdadaos bra... tletro.., '. ·~ O fracasso da revolur;ao devena o;er crcditado também a tres outras razoe~: a atua9ü0 enérgica e oportuna de dois administradorc.'. da províncta - o presidente Tosta e o JUiz Nabuco de Araujo; a experiencia adqutnda pelo Partido Liberal para ··resígnar-<;c a vez do advcrsário", e ao fato de o tempo dac; revolu¡;:6es ter se esgotado. pots "o organíc;mo prectsava de repou,o": A rea9ao de 1848. como a ele 1837. corrcspnndia a uma neccssitladc invcncível de rcpouso; o organismo abalado prcci~ava 1cfazcr-sc pelo sono. Prcsscnt1u-se que esta sena a última das revolw;ñcs.~~
o. . argumentos ~e complementam: a atuac;:iio providencial dos estadistas revela a ciéncia dos meios adequado" para lograr a reeducac;:ao dos políticos tnexpenentes e a percep~~o Jo percurso natural da hi;;tória. Nes:.e senttdo, eles foram também re.'.ponsávets pela supera9iio do\ obstáculos que impediam o pleno exercício do sistema parlamentar e, ponanto, pelo mgrcs~o do país em sua grande era, aquela das luta'i pacíficas, e do verdadetro liberaltsmo. Esclarecem-se o~ objett vos de Nabuco em privtlegiat a análi-,e da Revoluc;:ao Praieira Além de tomála um episódio sob medtda para a críttca da!-. revolu96es de car:íter republicano jacobin0, justificou a parttcipac;:iio de Nabuco de Arauja no eptsódio. particularmente sua cerrada oposir;ao a Pnua e a ngorosa sentenr;a, pnsao perpétua com trabalhos forc;:ados, que ele, como JUt.l, aplicou as ltderanc;:as rebeldes. Tratavase de uma grande causa. Seria uma punt~5o excmpl::lr e necessária, como intuito de por fim as revolur;6es, con·ígmdo d atuac;:ao dos liberais no jogo parlamentar. di'iposittvo que o experiente jutz .'.abta ter dura<;ao ltmitada. sabia que a pena de rnsiio pel pétua dura va apena~ o tempo de se acalmarcrn os ántmos e de dcixa1 de ).Cr pcrigoso para a ordem púbJJCa a )Jberclade dos cl:cle\ praJCII O~ f... 1 tinha certcnt que a condenac;ao seria em pouco tcmpo nuldicacla pela • • 84 antstJa
98
0 empenho em defender a missüo paterna na edifíca<¡:ao do verdadetro l'letalí"mo no Brastl, de comprovar a supenondade do regtme monarquJcu sobre « ~, ,ublica jacobina, e de q¡a adequa¡;ao au Bra-.il do século XIX. levaram Nabuco a J'l: 1 - 1atente.'. na SOCICC . 1ade monarqUtca, ' . •.• r tcor das opo~H;oes Ja' men<..JOIHldas por aJ l!t1" 1 0 s fonres, em especial. Armttage. Rocha e Ottoni Obteve c..,te rec;ultado ,u ..l · ·dcfintndo categorías e comportamentos; incorporando novos per'>Onagem; ~c,J 0 ~rando a configura~ao da sociedadc em várias enttdades dt-.ttnta" "o Estado. nar;an o paí": as for9a." soctats: a Escra\ idao"; imbncando b10grafia" c.: procc ...-.o ~¡~ 1 ,)rico. Ncsse ...cnttdo, registrou a complextdade da luta par1tdáría; o antagom..,mo ~ntn.' a :utc;tocracia e \eu., depcndentes- "alguma., famílta.., transitoriamente nca.., e dl,>z mi lhóes de prolctáno<.,"; a contraposicao enue a-:, forra' 1octw 1 (o Exército, a lgr\!JU. a lmprcn-;a, o Par_la~lento. os ~a'~\tdos) e o Estado, e, a n~at-; .'.Igntftcativa, o c1mfronto entre a escravulao e a IWfOO. · E<>te procedtmento, alem, evtd~ntemente, do fato de rememorar o passado a parttr do final Jo século XIX, pcrmíttu-lhe c:nnquccer o conccito da revolu~ao, incorporando a /uta de c/a.\Sf!\ entendida, pela associw;ao, mai.'. urna vez. de razoes organicas e hi.'.tóncas, como resultado das pmxóes e quetxas da popular;ao, penalizada pelo monopólto sobre o comércio e as tc:rrac,, cxerctdo pelos portugueses e pela feudalidadc terrítonal do Império e a\ al izado pela cscravidao. E, ~obretudo, agigantar as con.,cqi:tenciac; da escra\ idao, e: com elas a singulandade da sociedade brasiletra. Esta singu/arulade era u m ::trgumento e.'.sencial para cxpltcar as lt mtta~ocs c. sobretudo. a performance desvtrtuada, negac;ao do ;¡e/l govemment, que a Monarquía vtvenciara no Bra.. tl. Para Nabuco, a recorrente tnterven~ao do lmpcrador no jogo parlamentar (na montagem dos gabinetes. na atua~ao dos c:'tadtc,ta.... na' dcct.'.óe" do Senado e da Cámara e no de..empenho do' Parttdos) e a far!>a cleitoral eram práttcas condenáveis. ::.em dúvida (por tsso ele propno batalham arduamente por uma reforma da Monarquía nos anos que antecederam a Repúbltca) pon!m, necessária ... A condír;ao colontal e, pnnctpalmente, o império da cc,cravidao, haviam tmpedtdo o desenvohimento de uma optntiio públtca e criado uma -.ocicdadc tmatura e dependente do governo. Nessa' ctrcun.'.Litncia.'., o tmperador 'oubcra apreender ae; ~¡oltcitar;oes do país, e tomar-se a su a con se iéncia, papel que dc-.cmpenhara com competencia pois, "onde D Pedro II naufragou qualquer outro naufragaría antes dele e talvez de pior modo".x11 FO"'TF.S E MRMÓRIA: 0 lMPÉRTO DA CONCJLIA<;:ÁO
Os rcl.tto~ apresentaclo<- apreenderam e interpretaram, .'.Ob o tmpacto da r~vo1u9ao burguc~a. opostcróes da 11ariío-cidadii típtca do lmpéno. aqucla integrada lleln-; proprictüno.., com rcqui-,itoc; para atuar nos escrutíntos dcttorats, cxcc~ao feíta il Joaquim Nabuco que, escrevendo no final do -;éculo, momento de rcdefini~iio da
99
c.:td,td,mta. ampliou o quadro de ten,nc' Incorporando. com mai<; clluriio. Ju,tmtano .Jo..,é da Rocha e Nabuco compreendc1 am e""" revolu\=ao como atributo de urna maioria mdistinta e imatlll a. compor tamento rn,tinti vo e irracional, negador da polítrca c.:i' rlrzada. ..;monimo de violencia. de..,nrdcm e anaryuia: por '''o. urn lenómcno incvitá\cl que. entre 1~22 e IX50, ocorrc.:u repetid 0" textos· a da 'ingulandade Jo Bra~JI ante a'> nac;oe~ americana" e curopéia'>. Ela a-.-.umiu <.:onteúdo-. e-.pedfi<.:o!-> em cada autor, fazendo u m pcrcurso ao longo do lempo e dos relatos. Em Armrtage ( 18l6), a -;mgularidade advém, por um lado, como decorrencra ele um pa'>sado colonial fundado ~obre o rsolamento fí<;rco e a barb~rre. donde rcsultaram a exaltac;5o, a violencia e impaciencia presente~ no início da vida do paí-.. ma-.: gradatrvamenle superado': por mil ro, de tra'ros específic.:o~ Ja forma~Jo '>Ocral: a falta de uma nobreza tl\tdrcionalmente e~tabele<.:rda e poderosa: a purticrpa\=ao poi ít1ca de camadas maís ampla" e a presenc;a da escravidao Em Trrnandro (18-l9). a auscnc1a da inconveniente heranc;a do Antrgo Regrme. os dirertos da realeza. os pri\ rlégio<> da nobreza, ..o fanatismo, o genio da <;ervrdiio": e a-. Jecorrcncias indesejá"eis do progre.-....o. ··o embrutecrmcnto e dcgradalfiiO da' clas...es rndu~tnais". Em Rocha (1855). os sinai-. da mcapacidade e do dcscompa<;so coma Cl\lhLa\=iio: o exercício da política como paixao, o predornín1o do in,llnto de a~ao e rea~ao. a incerten da tran<>a~ao Em Ottoni (1860), os prejuíto' do legado colonial o dcspotr<;mo e a c-.cravidao A emergencia de um povo acomodado na ignorancia. -.em opm1ao e moralrdade, des preparado para a vr "encra rl!publ icana e rmpedrdo de atmgir a matundade pelo descaminho Ja revolu¡;ao c do ~l..,lema parlamentar. Em Nabuco (1896). uma concrliar;Jo entre Armitage. Rocha e Ottoni redefinidos construru uma leona <;Obre a srngu laridade e o descompa..,so do Bra<.,il· a heran~a colonral. particularmente o monopólro da escravidflo. crrou um paÍ!-> de~preparado para o exercício da política porque ainda dominado pelo" rnstinto-. e pai;...ocs, ~cm opiniiío públi<.:a. acomodado á dependencia do governo. e re-,pon~,ível pelo de~vntuamento do si.<.,tema parlamentar. Os texto., agur apresentaJo-. funJamentar am. qua<;e que exclu-;r vamentc, os cstudo., sobre a socredade mon~írqurc.:tt e a revolu~ao. até a década de 1960. quando outr:1" fonte.., primária' pa,-.ararn a \CI explorada,. Annrtage, Rocha. Ottoni e. ¡nolelario.\ <'
100
bretudo Nabuco, provavelmente por ter elaborado uma -.ínte-.c da-. interpretacoeo.; . ~ preccderam, domrnaram '>Obernnamcnle. por <.1. ecac1a..,, ana'1 rsc-. Je tcndcncws ~~\c;l!rsas A pequena recorrenc1a a Timandro ..;e rc ... -.aha ncstl' prnC\.'dimcnto. e 1 . uga o pe-.qui-,,tdor a indagar <;ohrc 'll:l" ro''-ÍVL'I~ raz(íe~. Teria origem na x~iculdaJe em ace_......ar um pantleto_q~~ fora recolhidll pela ~etl\llra? Tratava-sc de um texto que rn<;prrava pouca acdrbrlrdade por u..,ar urna lrnguagem dramática e, pPr 1.,.,0 , menos convmcente'? Ou arnda. pelo fato Jc "cr obra Je um m~nsfitga. cuja mcmórra meo moda va 1iberars e con sen·adore..;'? Taio.; cvrJencia" nao podem "er de,pretaJa, ma" '-\.~ apt:qucnam quando contrapostas a outra constata~ao Além da recu!'>a ú modenu;e -.entido, !>Ua leitura nao poderia ilustrar interpreta~ocs conservadora..... que confundrram a revolu9áo com a de.'>ordern e a anarquía, nem a/> progressistus, qu~ pugnaram por revo lu 96e~ burguesas arnda por ~erem concretJ7ada-; no Brasil. ~·J , 0
101
ESCRA VIDÁO NEGRA EM DEBATE* Suely Robles Reís de Queiróz
o publicar Casa-grande e sen:ala em 1931. cscreveria Gllberto Freyre: "Dc~dc logo saltentamos a do~ura nas relac;ocs de scnhorcs com escravos doméstico'>, talvez rnaior no Brasil do qu~ l!Tll ' . "1 qualqtK'r outra parte d a A menea . A frase expressa com clareza a v1sao que perpassa o livro e a obra em gcral do -.ociólogo pernambucano \Obre a escrav1dao bra~ilcira: a amemdade dev-.a escravidáo, sobretudo ~e comparada coma de outro~ países e!lcravocratas. Essa visao daria margem a grande polernica hi•aoriográfica sobre a caracterizac;ao do ~istcma escravista, até hoje nao resolvida. pois condicionada as influenctas Ideológicas e, con~eqüentemcnte , ao enfoque teórico de cada autor. Justamente por isso, também <>ao polemtcos os inúmeros aspectos abrang1dos pelo tema e pela btbliografia. que é vasta, em func;ao da importancia assurnida pela escravtdao nos paises ande fo1 tmplantada Como dirá Eugcnc Genovese, ela engendrou urna "pstcologia especial, co~t umcs, vantagens e desvantagens económicas e problemas sociab, que apareceram em toda soctedadc escravocrata, mesmo se apenas como tendenc1as fracament e manifestada~". 2 Nosso objetivo ne'>la~ páginas será, po1~, o de rememorar as referida<; polem1cas - cujo conteúJo já f01 objeto de um livro de Jacob Gorendcr·' oferecendo aos leitores o que o~ franceses chamanam de "estado atual da questao". Dado o limitado e~pac;o destas pág1nas4 , caberá s1ntet1zar essas quest6e~ controver'>al'., identificando-a~. apontando-lhes os fundamentos teóricos, o~ argumento~ utilizados pelo~ autores em Llefcsa da concepc;ao adotada, o momento his~órico em que elas surg1ram. Como nota Mana de Lourde~ Monaco Janottt: "a vahdade do~ estudos de hi.,toriografia sup6c um julgamento da obra de história, nao como lltmples trabalho de inspira~ao mdividual , mais ou meno'> bem-sucedida, ~gundo a forma~ao cultural do autor, rna~ comprcend1da como resultado material e Jnte_lcctual de urna determ1nada sociedade com problemas económicos, soc1a1s. polJtJcos e ideológicos hem definidos ... "'
A
..-.se,.. . A matriz do dili.,cnso hi~toriográfico está na caractenz,tdío do sistema ~
be
avtMa, tido nevo lente.
por algun'i como VIOlento e cruel, por out ro.., como brando.
103
Quem imcmlmeme obtcvc grande repercussao ao difund1r essa últillla I.:OilCl:p<;Jo ro. o já <.:itado Gilbeno Frcyrc, I.:UJa mfluencla lgnorou o~ limites do Brasil, alcanr;ando também o~ historiadore.-. e-.trangeiro-. Embora ~uas 1dé•as tenham -,iJo intensamente debatidas pela histonografia convém relembrá-las. pois elas vem sendo repen-.adao; hojc por vános estudioso,· UOS quaiS faJaremos maÍS U frente • Lan~ou-as numa época aind.t scnsívcl ao pensamento racista curopeu, que 6 atraiu e!>tudiosos como Ol1ve•ra Ywna e Nma Rodrigucs , por exemplo, convencido<. da inferioridadc do negro e Ja sua contnbuir;ao negativa para a forma<;ao do povo braslle1ro. Preocupado, como os de sua gcra~ao, com a questao da ra~a e atento intensa miscigenar;ao ocorrida no país, Fréyrc buscou explicar-lhes o significado, concebendo uma sociedade de tipo paternall-.ta, onde ao;; relac;oes de caráter pessoal a.,.,umiam vital Importancia. A família patriarcal foi a base do sistema. resultante da transplantar;ao e adaptar;ao da família portuguesa ao ambiente colonial brasile1ro, constituía uma vasta e hienírqu ica red e de parentesco, uma "ordem privada" impermeável a formas públicas de organiza~iío e controle. Na sociedade assim estabelecida, prcdominavam a cmpatia entre as rac;as e a amenidade na relac;ao senhor-cscravo, características que explicariam a miscigenac;ao e seriam peculiares no quadro geral do escravismo americano. Dccorriam elas da plasticidnde ractal do colonizador portugues, cujos trac;os ps•cológ1cos d1ferenciavam-no dos anglo-amencanos em valores e personalidade Uma linha de raciocínio que o levará a con'iidcrar o Brasil urna "democracia racial". pois a miscigenac;ao largamente praticada corrigia a enorme distancia social existente. Em defesa de suas idéia.,, nao hesitaría o autor de Casa grande e senza/a em 1dealizar a~ práticas escrav1stas e mesmo exagerar-lhes os resultados, ao dizer que o cativo talvez tenha sido "o elemento melhor nutrido de nossa soc1edade 7 patriarca1" ; que os castigos a ele mn1gidos tmham por finaltdade educar e disc1plinar, que as "numerosas" alfornas, em conjunto, teriam constituído "antecipac;oes nada insignificantes ao Treze de Maio ... "!l Paradoxal, como ele próprio -.e qualificana, Gilberto Freyre foi urn "conscrvador-revolucionário", para utilizar a expressao de José Honório 9 Rodrigues. Revoluciomll'io quanto ao método - antropológico-cultural - , quanto a ong•nalidade da pesquisa dos fatos e a forc;a de intcrpretac;ao dos mesmos. provocou a mudanc;a de cur1>0 das idéias pseudo-científicas sobre a mferioridade da rac;u negra, ao destacar de modo mc1sivo a-; raí7es arncanas e a importancia destas na cultura brasileira. Mas foi conservador também. Seus argumentos para ressaltar il bemgnidade da escravidao revelam ter sido innuenctado pelo pensamentl'
,n ...crvador do século XIX. cuja substancia seria "a apología do passado e a . 1 t" ' . n-.t:quentc ue esa d o status quo.. . lO F om~... J aqu~ 1a ~:po~.-.t ~.-u1nu u' \.l.tJant.... .... v.-. c~rlaml!ntarc<., que representavam os interesses dos propnetário., ou O\ historiadores ~audo ...os do Impt.!rio 11 , d1fundiram a 1déia de brandura na escrav1dao. dcvtda á ..~nJok" do povo brasileiro. "bondoso e equanime" por natureza diSCUr'iOS de Joo;;é de Alencar no Parlamento. por cxcmplo, reiteravam "(lntinuamente "a moderac;ao e dor;ura" de que se r~vec;!la a escravidao no país. por 1 fo~:t Jos costume-. e da "ínuole genero~a.. da ra~a. Também os de Andrade Figue1ra. .,cgundo o qual. o cscravo. um ·•vcrdadciro fidalgo proletáno". v1via melhor que scu., senhores, "condenados ao Jcpr.:recimento" em ra7ao de um cltma no qua) o negro se ..,cntia a vontade. po1s. "dc!baixo do., mesmo.; grau<. de latitude da Arrica. no mc'imo solo. no mesmo
104
105
a
(1
o-.
.
duna.
,
..
Soam familtare~ tais fra<>es quando se lé em Gilbcrto Freyre que a c!!'tt:ravidao brasdeira foi moderada e que os cativo<; senam "talvez ma1s fel1zes no Brasil patriarcal do que, quando na África negra, oprimidos por sobas e, sobretudo, maltratados nas próprias tribos· víttmas, por vezes. de llranicas opressoes tribais sob ,, 14 o aspecto d e ntos compressores .
A.., idéias de Freyre nao sofreram contestac;ao imediata. Ao contráno, reforr;aram o~; mttos da brandura do sen hor, da <;ubmissao do escravo. e contmuaram mnuenciando autores como o norte-amencano F1 ank Tannembaun. 15 por cxcmplo, que em 1947 publtcou o ensaio intitulado Escra\'0 e cidadiín , no qual admtte a peculiaridade da C\Cravidao brasiJetra, <.,C COmparada a dos paíse<; de formac;ao anglo-saxomca. Nestes, a insutuir;ao "eria muito mais desumana enquanto naquela. a matriz moral. legal e relig10sa teria favorec1do a ~re<.erva~ao da 6 indi vidualidade do escravo como ser humano. Stanley Elkms , igualmente. assimilou tais 1dé1as e atribuiu as d1ferenr;as a si~tema" socioeconom1co-culturais também diferentes: um pré-capitalista, católico e outro, protestante e de economía capitalista. Mas a partir dos anos 50, aprox•mauamcntc, uma nova concep~ao revnalizou o:. estudos sobre a escrav1dao negra. origmando uma também nova corrcnte historiográfica. que se opós frontalmente a<> idéias de Gilbcrto Freyre. A derrota do na7ismo ltquidara as pretemocs ariar11.-.tas de uma rar;a pura ; mtcnsificou-se a Juta do negro norte-americano peb •gualdadc ractal e a amplia~ao dos .uircitos c1vis; a histonografia avans;ou com o surgnnento de novos enfoques teóru:os, maior rigor no método, o aporte de subsídios mult•d•sctplinarcs. E'isas circunstilncia~ renovaram nos Estados Unidos o mtcreo;;<;e pela ~~~·r<~vidao negra. surgindo enUío os trabalho de David Brion Davis, Charle~ "'aglé)', Boxc1 e Genovese 11, entre outros, que qucst1onaram as tese~ de
Tanncbaum. Elkim e, conseqi.Jcntementc, Gilberto Freyre. Argumentaram que 0 c~cra\ r-.mo anglo-sall.óni~.:o pou~o dif~.,;nu U do caprtalrsmo comercial: mercado e lucro. A organr7ar;ao e regularidade da produr;ao para exporta<;ao cm larga escala - de que dependía a lucratividade - rmpunham a compulsao ao trabalho. Para obte-la, coen;ao e repressao ~erram as princ1pais formas de controle social Jo escravo. Apontam a "vrolencia como víncu lo básico da relar;ao escravr!>ra" O catrvo, legalmente equiparado a urna mercadoria. poderia - no dizer de Fernando Hennque Cardo~o- chegar até a cois rfica~ao -;ubjetiva, rsto é, a ''sua autoconcep~ao como a ncga~ao da própna vontade de libertac;ao; sua auto-reprcscntar;ao como naohomem". 18 A violencia também se transmitía ao e~cravo que, transgred indo as norma~. de!>acatando O'> senhores, roubando-os, a!>saso;inando-os, exprimra de forma brutal, o seu rnconform1smo ante o catrveiro. Como a lei consagrava a explorac¡:ao de um grupo pelo outro. "as dua' camadas racrais pennaneciam, a despeito de toda sorte de contatos. mtercomunicac¡:oes e intimidades, dois mundos cultural e socialmente separados. antagónicos e irredutívei.; u m ao outro". 19 Esscs pontos de vic;ta 'lao refor~ados por Jacob Gorender em O escmvismo 20 coloma/ , obra de elaborada pesquisa e reflexao, na qua! o autor afasta-se das inrerprctar;oes que tem como categoria central explicativa a atrvrdade exportadora t: propoe o "hi<;toricamente novo" modo de produ~ao escravista colonial, para explicar o inicio da forma~ao soc ial bra~rl er ra. bse autor também Je~taca a violencia do cativeiro, que implicava ··o extermínro da vitalidade do escravo num prazo calcu lado. Como implrcava a coayño física num clima de aterrorrnr¡:ao permanente da massa escrava, o que exigra castigoo.; diários rotrnerros e castigos excepcionars de exemplaridade 'pedagógrca'. no Bra!.il nao menos míquos que e m outras regioe:. escravista<;" 21
A desperto, pois. das nuanc;a.., na fundamenrac¡:ao teórica e na~ erpreta4rÜt;S, os historiadores re,rsioni<.;~1" chl'gnm a conclu-;oe-. cm tudo - ou rota"e tudo - opostas as de Grlberto Freyre, cuja obra foi, entao, objeto de dura!. ~~íticas. Segundo aqueJes estudio!.OS, o sociólogo pernambucano gcneralizou para o B asíl e para toda a massa escrava uma rntcrpretar;ao calcada apenas no norde~tc -~avierro e no escravo doméstico· - "Es.;;a extrapolar¡:ao" - lcmbra Gorender - "é ~<'talmente rnfundada no escravismo colonial. em ~ue a maioria esmagadora do-; 1 e~..:nl\0~ ¡,e destmou ao trabalho produtivo .. .''. Um e'~ravil>mo "patriart.al hra~rkiro, famrlialista e benevolente para com O'l escravos, nño !ida. afrnal 21Je .:onta!>, senao com uns poucos fiapos adrede pin<;ados do tecido sócro-hrstórico" Ao genera Ir zar sobre es payo e tempo. Gi lberto Freyre derxa de lado a dinamica do processo hr..,tórico, ignora a historic1dade da escravidilo: "a constante empatia com que trabalhou, nao foi complementada por uma compreensao do' andamentos, desenvolvrmentos. descontinuidades e antagonrsmos que produziram 14 as transformar;oes e o eclrpse da escravatura". Quanto a miscigena<;ao, existiu em todos os o;istemas escravistas e nem por isso alterou a situar;ao do cscravo ou dese<;tabrlizou a inslltui¡¡ao. Portanto, está Jonge de desempenhar o papel que lhe for atribuído por Freyre, cujas afirmayoes tiveram uma intencionalrdade 1deológica: a de JUStificar o pao;sado escravista. Contestando, por¡,, as concep<;oe<; do sociólogo de Pernambuco, a historiografía revisronr -;ra for <;endo amplrada por novas obras, entre elas, as que focalizaram aspectos partrculares da escravidao ou analisaram-lhe a<; diferenc¡:as ao longo do tempo. Clóvis Moura 2\ por exe mpl o, fo1 um dos pionerros no estudo da rebeldía negra, ao tratar da-; revoltas baiana~; acorridas na prrmeira metade do sécu lo XIX. O livro Escravtdiio negra em Siio Pwtlo16 • surgido em 1977, fundamentouse em documentar¡:ao vanada. mas sobretudo nos autos-crrme de Campina<; e da capital, para concluir que a'> práticas abusivas do" o;enhores, a legrslayao altamente repre~siva, a revolta do escravo contra a priva<;ao da liberdade, caractenzaram a violencia do sistema. 27 Dez ano!. mais tarJe, um outro estudo, também baseado em autos-crime , nao derxa de apontar a vrolencra estrutural do <;istema, geratriz de permanente tensao e desgastes. Lerla Mezan Algrantr analisa a escravrdao urbana, con<,iderada mar'> suave pela hi'itoriografia, e m fun<;áo das peculraridode!. do meio urbano, e recoloca a d~e~tao ..Para ela, "a ~uidcz do movrmcn.to vrvenc rado ~elo negro de cidacl~ nao e ve mascarar sua realrd,tde, nem ser contundrda com a lrberdade de fato ... ".- l<;to rr~ue "o escravismo no mundo urbano continuou a se configurar como o elemento a,tco de articulac;ao da socredade [ ... ] nao pode ser compreendido .,em se levar em con~a o escravismo rural próprio do sistema colonral. Ele é parte 1ntegrante dcs-,e conJunto que o engendra e transforma, absorvendo-o em seus lrmrtes".. '9 Ou se1a. o
106
107
cativelr() para o e~cravo da c1dade m1o era melhor nem p10r que o rural, cr-<1 diferente apena!>. A historiografía em anül1se produL.Ill inúmera" oulras obras sobre o:. mai, diver,os angulo,, toda-. dm:rgindo de Gilberto rreyre e confirmando a face cruel da c-.crav1dao Esmaeceu a visao por ele transmitida de urn regimc em que se moviarn Jaléh dengosas. -;enhores .;;everos mas paterna1s. escravos submi-;-;o., e f1é1s
A ·'exaltac;ao da acomoda<(ao e do UJUStamento" perpassaria o trabalho da autora. para a qual era possívcl ao e!'.cravo manif~::star-se como agente do ambiente onde vivía. Um ambiente também determmável por ele que, scndo humilde, fiel. obediente ao dono, eslunularia a amen1dade na rclac;5o entre ambos. Nesse ca~o. •1 cond1s;ao de "mercadoria" desaparece e ele sed um "c;er humano levemente: limitado por estatuto social inferior" ·'~ A nosso ver, Kátia Mauoso nao é tao radical em sua~ idéias quanto J apresenta seu crítico, pareccndo-nos s1tuar-se entre a perspectiva anterior e as que surg1riam pouco depo1s Embora enfalite u neccs-.idade de aduptas;iio do negro a(l cat1veuo. "pois a própria :.obrevivencw do homcm preto depende absolutamente de
urna ce1 ta aceitac;iio de su a posi<;ao no corpo "ocial" '-1. el a quc'-liin p<~ra n plano p-;~eolngicn e qua-..e 'cmprc e m tom l.... p..:culali VO. Nao é taxa11 va. levanta dúv1da~. nao omite os f,1tos ou ob..,er\';u;oe~ t:~..: podenam ~.-ontradlzc-1,\ e realmente contradi1.cm. A-.sllll. aponLl o cng,mo Jo, \:ntistas social!> que tenlaram "lo~alizar nc:-stl forma tll.! relac;ocs escravrstas um ~"iw e urna pcrfcita adapta~ao do e.'>cravo ao ambiente qul.! o acolhe". pois os mundo'> Jos ...enhores e o dos eo;cravo:-, ··permancccm cultural e -.oc1almcnte . d . . 1" ,, :;ep.1rado.,, antago1~1co-.. con f rontan dO-'>c ~.manc1ra urc d Ull\1.! . · Cmttradítoriamcnte amela. acha cunoso "que precisamente no 11l>rocste. reputada t~rra acolhcdora para os cscravos, onde a adaptac;ao era f O'> negro ... A afirmac;ao é paradoxal e arm.cada. Se no Norde~te a "adapta~iio era fácil". qua! a ra75o das fuga-'> e confl1tos? Além di..,.,o, fugas numerosas e conllito' \'ínlcnLO . . ocorrcram cm todo o Brasil. Nao há trabalho.., quant1tativos e de compara<;áo suficientes para que se possa d1zer onde foram ma1., frcqi.icnte..,, cmbora algumas revoltas tenham licio ma10r divulgas;ao É ainJa mais arriscado dizer que a violéncm surgía como "sm1ples t!Ventuahdade", quando a própria autora rechcia seu livro de excmplos da crueldade do sl-..tt!ma. 37 Como os aponta, :-,em contudo lans;ar mao de raciocín10~ tortuoso~ . 1os, e a JU . 1gar por tra ba·lh os postenores . ~~ , .. neopatnarca 11smo " ta 1vez para JUStr f 1caSI!Ja uma exprc~..,ao forte demai:. para definir !-.ua concep<;iio sobre o cscrav1smo bra.,llelrO. Neopatnarcalista <.,eni a v1sao de Sílvia Lara no liHO Campos da \'lolencia, para quem Jacob Gorender reserva algumas de ~ua.., mab cáu..,t1ca-; cons1Jera.yoe..,. A autora nega enfaticarnente a coisificas:ao, reje1tando o conceito de v1oléncia na caractema~ao do escravi<>mo. Atnbuir-lhe 'IOlencía, diL. ela. "nao explica co1sa alguma. ou melhor, expnme o óbvio, com a desvantagem de sermo~ mduLidO~ a pen.,a¡ que, nas ~ociedade~ contem~oranea~. as e:,tratég1as de reproduc;ao da~ rela~oes de!-.1gua~s nao '>ao v1olenta~". <>O cast1go fí~1co eventualmente ~ofrido nao P a uma mercadoria, a coisifica~ao nao existiu; ca'>O contráno. lhes cxclu¡ria a exi<;tcncia como pes!>oas. Portanto. o conccito de violencia é madequado para caractenzctr o escravi'>ITIO. A rela<;ao pessoal entre senhor e cativo se fa¿w atravé... de mediac;:oes, em um colldwno no qual o negro desdobrava-se em esll atégias, ora de re-..i-.tencia. ora de acomodacrao. Nao havia uma relas:ao impo~ta e sun de consen'>o. Um contrato cm que o ~~ravo era parle c. como taL ser-lhe-ia vantajoso confirmar expectativa'> de 1 clidadc. obcdiéncw e humlldade para obter vantagens. Rcvoltas, fugas e cnme..,
108
109
:\ partir do-; ano:, 80. um.t nova e polcr111ca correnre h1Moriográfica apro.\imou-se da linha in1e1pretativa de Gilbcrto Freyrc. configurando o que Jacob Gorcnder chama de ··neopatrian.:allsmo". Ela repensa o concelto de V10lenc1a do '""tema, admitindo a existcnc1a de espar;o para o c.,cravo negociar um colldian() ma1., brando. Nesse cotidiano. ele ma lan~ando mao de "estratégias·· para sobreviver. ora curvando-se aos dltume.., do -.cnhor. ora u eles resi.'.tmdo. Enflm, punha cm pnít1ca o bu16mio que Stuarl Schwarlz ' 0 chama de "res1stcncia-acomodas:ao", no qual, "o ulo de resistencia já conteria embutida a finalidade da acomodas;ao a um regiml.! social bastante nexível para assímilar a\ rcivmdis;6e.s de sua for~a de trabalho e de lhe prop1ciar melhorias tangíveis".-~ 1 A escrav1dao tena, pOI'>, um carátcr con,ensual que nega a co1sificac;ao e ~ería aceita pela grande ma10ria do~ cat1vos. Gorender anali1>a essa concepc;ao no já c1tado livro A escravulüo realn/aada, CUJO título revela o que pcn-.a o autor ~obre a inlens;ao da meo;ma: a '>émelhans;a de Gllberto Freyre, justiiicar o pa..,..,ado escravi~ta. Trata-~e. talvcz. da pnmeira crítica \Í!>temalrzada. abrangente e solidamente fundamentada sobre um amplo Jeque de a-;pecto~ da cscravidao e sobre os autore' que os abordaram, razao pela qual recorreremos na~ página~ ~eguinte~ a várias de ~uas ob~ervas;oes.
Para ele, O "prenúncro da vu ada de retorno" as rdéias de Gllberto Freyre é o livro Ser escra~,:o 110 Brasil, de Kátia Mattoso ' 2, cuja "enfática reafirmas:ao do ... 1stema patriarcal na escrav1dao" con~lituiu um referencial para obras ~urgida~ po~teriormente.
, , 'rl.!pcrsonal intc;ao ·,de 01
·, fa/. levando
1
1(>
devmm-:-c."! aos negros inadaptados Scndo o' demai' a ma10ria, foram agentt!,\ ht,tórico' mai' relevame~ que aqueJe, n•vnltndm contr<' 0 'istema As convictas condu,ocs da autora sao fundamentadas empíricamente ern fontes hi-.tonográfica" e processo<~ ¡udiciai!> de Campos do!> Goitacazes para 0 período 1750-1808 Urna docurn~nt, de difícil leitura como qualquer pesquisador que os examine pode constatar. Complementados por fontes impressa<; e uma copto'~a e pertinente bibliografía, aJustam-se perfettamente as exrgencias de urna análi-;e. O conteúdo desta, srm, é que pode ser contestado, como o fe¿ o autor de O escravismo colonwl, segundo que m, a argumentac¡:ao de Silvia Lara encerra alguns sofismas Um é o de negar a coisificaryño porque, entao, ela excluiría a existencia do e!:>cravo como pes~oa. Mas justamente a contradiryao entre ser cotsa e ser pe<;soa é que constituru a vrvencia do cscravo· urna contradi9iio que a legislac¡:ao. o E~rado, os senhore~ nao consegumm anular. ora tratando-o como mercadona. ora como ser humano pa<;SÍvel de produzir atrac¡:ao -;exual, de condena¡;ao as galés e O mai~: "suprimida e~sa contradic¡:áo como o faz Sílvta Lara, a escravtdiio deixa de ser 41 escravidfio''. Outro <;ofisma está conttdo na crítrca a tdéia de violencia do escwvtsmo. alegando que ela embute a suge~Hio de nao-violencia em outros regí mes, como o do caprtalrsmo, por exemplo. É um sofisma - dtz Gorender- porque "da violencia do regime escravista nao se infere, por necesstdade lógica, a nao violencia do capitalismo"·12 . Difícil é acettar a argumentavao da autora, murto <.emelhante a de Gilberto Freyre. negando-se a identificar o castigo físico com violt~ncia e situando "fora do~ condicionamentos hi~tóricos" quem admrta tal identiftcac¡:ao Drfícrl amda é nao concordar com Gorender, que \Uil'> razoes chegam a ser fanrasaosas. A própria docurnentac¡:ao utrlizada no livro oferece múmeros excmplos des.;e ttpo de vrolencia. sempre reconhectda como tal pelo'\ estudiosos e sobretudL' pelos que a sofrem na came. Estes, certamente, '>C mdignanam com explicac¡:óes fna' e racionalizada~ para a ~ua dor. Provocattva, a autora arremata '\Ita polemica interprctac¡:ao, indagando !>e (1 dÍ\CUr._O da VttrmizatyÜO nao é também "a fa Ja do tntelectual insen\ÍVeJ ao potencial
110
líttco do outro, do diferente". Ao que Gorender responde com outra indagacrao,
p~1 •undo a qua l. cab~ ~.tbt!r :-.~... .... ~...s~...r,t\ iJao b..:n..:m.::renh:. patcmal. lcgalist:' com
'~~ociac¡:óe~ pacíficas. acordo ,¡,temico e paz soctal entre cla\\es antagómca,, nao é ~~c!olog:ia reacionária travestida de htstoriografia moderní-..,ima do ponto dl.! vista 1
,
.
,,
J\
mt:todologicO Seja como for. cssa concepryao te m prevalecido e m \ árias obra~ e autore~ 1 ~urgidos nos últimos anos, como Eduardo Silv/ , por exemplo. para quem ccrtos padn)e:-. de rclacionamer~to entre sen~ores e catí_vo~ c_~am impostO'~ por cst~," tíltilllO". que abnram catmnho para um ·acordo '>I-.teimco Ou Ronaldo Va111fa-. . 4 . 1" na e~cravr d-ao e ,S td ney Cl1a 1110u b h , que rccu\a ao .;upor urn " pacto socm 47 tenninantemcnte a coi.,tfrcac;ao do e~cravo. Ou atnda Ciro Flamanon Cardoso • ao Jt!fender o carátcr estrutural e comercial da<; attvtdades foram também analisadas e cnticada~ por Gorl!nder. que, em diverso~ pontos, discordada apli~ao das rnesmas ao cattveiro 50
do Bra'>il. Muitos angula:-. da escravidao tem stdo repensados, a luz, agora, da nova linha interpretativa, com vistas a confirmar a maior amenidade Jo sistema. Entre ele~. o da famíha escrava, sobre o qual falaremo~ mais \ongamente.
É bastante recente o tnteresse do~ estudiosos pela família escrava como objeto de pesquisa. A historiografía sempre atribuiu pequeno significado
a mesma, baseando-se
sobretudo no\ seguintes argumentos: • A predominancia de escravos do sexo ma-;culmo, provocando um descqutlíbrio entre os sexos que dificultou as unioes. • A baixa taxa de fecundidade das cativas, em funr;ao de vário~ fatores, entre 0'> quais aquele' relacionados a própna escravidáo: o desalento em gerar um filho Já privado da liberdade ao nascer, o receto de ve-lo sofrer ca'itigos ou ter de sep~rar-se dele; até mesmo o temor do parto, que a<;sustava as sinhazinhas e seria muno mais terrível ante a condic;ao da escravrzaJa. • O repúdio ao cativeiro, amphado por práticas senhoriais arb1trúria~ e prepotentes. Os proprietários exerciarn seus dircitos sem limitarroes, cngravtdando as c\craval>, fossem elas casada'> ou nao. tnterfenndo na e'colha dos d)nJuges, náo Püupando as mae~ que amamentavam ... • A falta de pr ivacidadc, matenaltzada nas sennlas colctivas e separadas por '>C\0, que COnStltUÍam grande obstáculo a orgamza<;aO da vida familiar.
111
Fundamentando-s~ nes-.as reali<.lade-. e nos testemunhos de época, \ls
estudio..,os ncgaram cxpre-.sividadl! ¡¡ família t>'<'rav·l roncluindo que a \\>l..i~Lladc -;enhonal impediu o de:-.envoh imento da mstítuic;ao. ~ 1 llltimamentc, diver"o" hi..,tonadores tcm 1-oc opo..,tu J ta1-. cons1derayOC!-.. Tanm:nbaum já argumentara cm S!cnt· ond citr::en, que nos estados Un•dos a reprodu<;ao natural dos car1vos revigorava a Jn!-.titui¡,:iio da propncdade e, desse modo. cst•mulara um rcntávcl negócio de cna<;:ao que fortaleceu a v¡vcncia familiar. Hcrbert Gutman ~~ e outros<;; falam numa famílla escrava fortementc enraizada, que adqlllriu !rayos própnos e peculiares, impnrmndo-os ¡l cultura negra norte-americana No Brasil. foram o.,obretudo os C'>lUdJosos da demografía h1stónca que agitaram a questao, cabendo-lhe.; o ménto de 1dentificarem numerosas famílta!> entre os escravo~. Irac1 del Nero, Roben Sienes. Horác10 Gutiém!t., Jo-,é Flávio Mota, entre outros. depois de anal1!-.arem a popula<_:ao cativa cm vário1-o mun1cípio.., bras!leiros, apontaram nele., uma freqúencia expressiva de famíllas escravas Sienes, por cxemplo, encontrou 1.975 escravos em 78 fazendas de Campma<; no período 1872-1888, dos quais, 41% dos adultos. bto é, daquele~ acima de quinze anos, cstariam un1dos, legalmente ou niio.'-l Uma outra pe.,quisa do autor. em colabora<_:ao com lraci del Nero e Stuan 55 Schwart7 , desta vez '>obre o mumcípio de Lorena, no ano de 1801, cncontrou 912 cativos cm 162 propricdadc.,: 53,4% viviam naquelas que tmham de det: a 4 1 e.<;cravo<. Á semelhan~a de Campínas, as unidades com grande número de escravos é que aprcsentavam a-. unioes ma1s freqlicntes. Oc; muitos cstudos de natureza demográfica, todos baseados em lista~ populac1onais de diversos t1po.., que relac10nam o número de cativos, seu e-;tado civil, a quant1clade de filho'>, levou o~ autores a encarccercm o s1gnifícado da familia escrava e a conrestarem os estudJO-;os que a negam Cabem aquí algurnas considcra~ocs sobre o tema. Como lcmbra Gorender, a historiogratia nunca negou a cx1stencm de casaís, com fílhos e vida familiar, durante o reg1mc escrav1sta Basta ver as inúmera<; referencias as propriedades relig1oo;as, na'> quais o casamento era incentivado e gmnde o número de famílía<; cscravas.56 O que cla nega é a predominancia do tipo de v1vencta ex1gido pela família nuclear, conceituada como um grupo cono;tiruído de pa1, mac, fllho!-. legítimos ou nao. vi vendo 1-oob o me!-.mo teto, em caráter privado e permanente E\!.a é também, em parte. a conce1tuac;:ao adotada pela nova corrente. Ül7emo-. em parte, porque os autores a emprcgam com grande llexibilidadc ao admitir. como Sienes, unioe<., em que crianc;:as podenam passar apen
Sobre rais fatores, o ... dados do~ dcmógrafo-; nao tcm oferecitlo rt!sposta.., ,fatónas. Numcros sao lnque'>l!OmÍVl!IS quando St! trata de C!-.clarecer dÚ\ iJa-. , J .ll·¡, ~oncretas. ta•' . como, no ca-.o dos e..,cravo-.. o JU, rc.cn (' 'do desequ1'l'b 1 no entre os nta d • d d. - ·mt.ornMm a ., ,, yuantos negros sao casa oc;, !-.C tcm escen enclél, etc. M as nao 0 ~¡; ra<;ihl do casamento. se todos o.., filhos arroJados .,¡¡o do me-;mo pai, que tipo de 0 1'.-ac•Jade pode ter a famíha e a!-.slm por diantc pr Sao ao; fontcs qualitativas que rcspondcm a cssa c . . pécJe de duv1da e lmpkmentam a cont.retudt.. do-; números ('{ Mas elas pouco falam a re!-.peito, como nota Stuart Schwartz '~ na~ pc-,qui!-.a'> emi.Jue dcfende a exi..,tencia da famíl1a escrava no Brasil. Ccrtamente por is"o rambém, mu•to!-. do!-. autorc<; J cono;ídera~6es. Para formar-1-oc a família e!-.crava havena grande!-. dificuldades a superar. A comc~ar, como foi dito e repetuJo, da predominancia numérica do elemento masculino na popula<_:iio cativa Os proprietários prcferiam os homens, cuja constJlt119iío fís1ca suportava melhor as duras e exau<;tJvas tarefa-, a ele-; impo'>tas. A despeito de autores como Herbert Kleinw e outros encontrarcm expllcay6e~ engcnhosas para o desequJiíbrio na composi~ao do-. sexos. de!-.cartando o fundamento económico da cscravidao, os números apresentados pelo!-. pesquisadorcs sao claros: apontam ~cmpre maior quanttc.Jade de homcns no cat1ve1ro. Para citar apena<> um exemplo, nas tabelas orgam tadas por Robert Conrad para o ll\·rO Os últtmos anos da escravatura 110 Brasil, o Río de Jane1ro contava em 1884 com 140.751 escravo.., e 117.487 e!.Crava'>: Minas Gerai'> tinha 160 931 e 140.194 respectivamente e Sao Paulo, 96.737 homens e 70.756 mulheres cativa<;.60 Como !-.e sabe, as tres província!-> concentravam, nes<;a época, o ma1or mí mero de escravos do país. l::.mbora a despropor<_:ao entre os "cxos nao sep um ob'>táculo lntransponível, certamente contnbuiu para dificultar as unioc~ em um regime, ao qual, a nosso ver, o escravo nunca se conformou Aliás, os hJ<,loriadorec;; da nova corrente nao negam a superiondade numénca ma!:>culina, nem a baixa taxa de fecund1dadc da mulher cativa. Sienes explica esta última pela proibi~ao no Brasil do casamento entre escravos de proprit•dades diferentes, o que nao oconia nos Estados Unidos. Sua ~fmcnta~ao, no entamo. é refutada por Gorcnder que, citando Sílv1a Lara e e tda Metcalr' 1 aponta un16cs dcsse t1po no Bra!-.il. Embora fos'>cm rara!-., nao ram proibidas. p . Quanto aos nm te-amencanos. cita m Geno vese e Blessmgamc, os ropnetários tmham por certo que o!-. filhos do casamcnto pcrtcnciam ao dono da
113
escrava-esposa, sendo c . . ::.a urna da'> ratocs pela" quais cncaravam com relutancia husttlidctd~;; e~:,a~ uruues. t Crernos, no e ntanto, como nutro~ cstudio~o~. que a barxa taxa dt te<.:undidade constatada no::. dados quantrtatr vo'> e em grande parte explicável peh, inconformi-.mo do escravo ante o catrverro. f precrso levar em conta a~ referencia'> hi-.tórica~ sobre as tentativas que falla para 1mpedir a tormac;iio da prole. A documentacrao da época menciona os con-.tantc" abortos e rnfantrcídros pratrcado' pela-. escnnas como 1ntuito de subtra11 o fil ho a condicrao de e~cra"' izado O junsta. historiador e político. Pcrd1gao Malhe1ros drrá. cm 1860, que ()5 catrvos viviam em unioes ilícita". e o;ó por excec¡:ao perm1t1am a propagac¡:ao regular da prole. Utrlizando a terminología do dircito, afirmará que a escravidao surg1a . d"1mento d"mmente ao ca ... amento entre escravos.61como um rmpe Estudiosos de hoje, como Ronaldo Vninfas, por exemplo, também falam nc~ freqüencra do mfanticídio praticado pelos negros para se impedirem de ter filhos. E as pesquisas de Alida Metcalff em Santana do Parnaíba mostram quc ape::.ar de perfeitamente possívcl a unliio legal de escravos, sua ocon·encia era dm1rnuta. A autora encontrou 504 casamcntos formais nos regi stros paroquims da localtdade para o período 1720-1820, ou seja, urna média anual de crnco unioe\ apenas. Mesmo que se constituísse facilmcntc, u fumília escravu teria de ser estável. Ora. u se para~ao for~ada, pela venda de um cJo~ cónjuges ou Jos filhos, era urna consta me amea~a a untdade farnt liar A mesma Altda Metcalf confirma que essa untdade era frágil: dependta do c tclo de vida ou de vicissitudes económicas do senhor Nao hesitavam os herdeiro\ em ~eparar os membro~ de urna mesma famílta quando o proprietáno morria. E este fazta o mc..,mo, '>e enfrentasse dificuldades no~ negócios. Robert Sienes constatou que em Camptnas, nas grandes e médias propriedades. quase 20% das crianc;a' entre eJe¿ e quatorze anos já nao contavam com par e mae, mas descartou a mortalidade como causa, atribuindo a ausencra de ambos a urna provável venda Esses dados reforp m a conv i c~ao de que a separac¡:ao forcrada for um do) grandes obstáculos para a vrda famil iar Kátia Mattoso é enfática na qucstao: os escravos nao se casavam e, se o faztam, evitavam ter filhos Com parcciros geralmentc escolhrdos pelo dono, ;e. unióe::. eram múltiplas, passageira~ e nao visavam a procria~ao. Se esta acontecía. os ftlhos nasciam de "mae certa e pat rncerto". Assim, a família da crianc¡:a passa' 11 a ser o conju nto da comuntdade e a vida social do grupo, "mais importante que a vida famtliar propriamente dita. pratica mentc incx t'>tcntc". 6 ~ Vale dizer que tai ;;; ob.:;erva~6c:-. també m J escartam a privacidade, outn1 elemento significatr vo para caracten ¿ar a vtda famrlrat tal qua! a concebe l11°~ u-.ualmente.
Como nota Gorender. u posic¡:ao da autora aproxima-a singulan11ente . uek'> que atrtbUI!Jll poUl. ..t expre::,:,rvtdaJt.. a fctlliÍlÍa~..;:-.l..lil\1<.1.¡,.¡ da«.J Sejí.l como for, parece-no::. que, pelo menos até o momento, as fontes u ¡Jitativa::., nao te m apoiado sattsfatoriamente as observa~ocs da demografm sobre ~ ·., , ,, 111 ft cati va presen~a da famílla escrava no Bra'>rl. Unl• 1eTomemos como exernplo os vraJante' Percorrendo o Bra"rl de ponta a nt:l. comparando o::. costumes locais com os do'> pat'>Cs de ongem, esse' ~:ntnge1ros. quase sempre muito minucto\os, con~truíram urna importante ~memóna" para o e!'.tudo do país, especmlmente no século XIX Recorrer a ele'>. contudo. levanta algumas questoe~ de ordem metodolog1ca, decorrentcs em boa parte da dtversrdade 'iociocultural dos mesmos. Artrsta::., comen.:iantes, rcligtosos. cientista<;, aventureiro'> em busca de fortuna, quao;e todos rdararam suas impres::.oeo; -;obre o Brasrl e a socredade brasilcira, tnclu<~ive no wcant~ a e~cravidao e seus vános aspectos Mas é preciso encará-los com cuidado. Preconceituosos, pouco famiharizados com a língua, suas observac¡:óes poderao ter sido influenciadas, por diversas ctrcunstancms: ou o exito, ou o fracasso de .seus objetivo~ na term que visitavam; a hospitalidade encontrada, a bagagcm cultural ou rcligrosa que po::.suíssem. Daí ac; divergencias que revelam sobre um mes mo assu nto. Daí também a necessrdade de se levar em conta, em qualquer análise, as características acrma referida s. Em pesquto;a recente, consultamos os relatos de 61 viajantes, num total de 15 volumes, que nao poderemos arrolar por falta de espac¡:o. Do::. 61, cerca de 25 se referem a família e!-.crava. Alguns sao explícito" e enfáticos, mas boa pat1e deles faz observac¡:oes vaga\ ou contenta-se em apontar indíc1os de que ela exi<;te. Pohl, Lucock e Von Tschudi 65, por exemplo, <;em discorrer <;obre casamentos e família de escravos, mencionam. no entanto, habrta<;:oes ~eparadas para aqueles cac;ado-;. . Já Burton e Burmeister6b, lanc¡:am dúvrdas ;;obre a presenc¡:a de casas Js~lada<;, faJando em separac;ao entre ca<;ados e solte tros, mas sugenndo que os pnmetro-. coabitam todos juntos, em divrsao a parte na senzala 67 f· .· Uns pouco<;, como Rugendas ou Koster, referem-se taxativa mente a actlrdade de cao;amento entre catrvos. Segundo este últ1mo, cujos relatos tratam Pnncipalmente de Pernambuco, na <;egunda década cJo -,éculo pn<;<;ado, "os escravos ~o Bra..,¡¡ sao regularmente casados de acordo com as fórmulas da Jgrcja católica. 6 ~ 'Cnhores estimulam o casamento entre escravos". x v· Schlichthorst chega a drzer que '·todos os cscravos cm geral sao casados ou •v~m maritalmentc" 69 v· Também Saint-Hilaire se refere a cac;amento" e pri vacidade famtlrar. Em tugem á fJJOl'Íncw de Siio Paulo e ViaKem a Cuntiha e ii pro1•íncw de Santa
114
115
.tl¿
1
Ca!arina n. fala de casas ¡,olatlas para escravos e arrala números sobre o seu cstuu . '1 . lj Cl\'1
Todavia, em obra tJo m1nuc1osa e cu1dada como a sua, o naturalista francc .lo1. extremamente part:o so b re o assunto. Caso 11ouvesse mu1to o que contur\ cerrameme o faria, poi" dele "e pode J izc1 ter s tdo o mu ior, tal vet., de qua1110 • estrangt.:1ros nos v1sitaram no ..,¿~,.ulo passatlo, -.obretuJo pela capac1dade de sent1r \ compreentler o país visituJo. Nao se potle csqueLt!r que publicou .suas descru;~ .. ~ \'lagens somente deL anos apos ter de1\ado o paí'>. Durame e\se tempo rene 1111 largamente. atualizou seu.; apontamentos e ku pratlt:amente lUdo o que surgiu sobre o Brasil. Hú vtaji1ntes, no cntanto, que ncgam tenmnantemente a possibilidadc de forma~iio de famíha., e\cravas Nao ob-;tantc admit1rern a ocorrenc1a de casamcnto~ - legítimo' ou nao - menciOnam grandes impedimentos a SUJ dura<¡:ao. Para Blard. por e\t:mplo. um deles é a scmpre possível 'epara<¡:ao dos ca... al" que. vendido" par.t diferente., donos. desmteressam-se de cnar um lar. 71 Ja Burmeister assmala a mesma ra7fto. mas sob o angula senhonal: - "os casamentos legítimos entre o~ e.s~.:ravos nao ~ao tolerado-; pelos senhores. Jado que niio podcriam ser desfcno~ mai-; tarde e assun prejudicariam a venda cm 'tcparado".72 Segundo Maxumllano de Hab'>burgo. o decréscimo anual da popula~ao negra. "para desespero das oligarquias cscravistas". e<.tana no.., "maus-tratos do~ negros. na sua falta de moraL na falta total de urna uniao regulannda, assim corno na nt:cess1dade de as macs reprodutora-; trabalharem até os meses avan~ado-; de grav1'd e7 "B Eschwege menciona um dos fatorcs cm que a hi storiografia se apoiou para ignorar a família e~crava: a grande despropon;:ao entre o<> ;;exo" 74 Quando Von To;chudt fala do<. "recintos menare' devrdamente separado,.. para os negros casados. diz tambérn que tai' umóes "raras veze!-. (hao) de perdurar a vida intcira. As preta' possuem, em geral. filhos de dois ou tres homens
tl1fercntes". 7 ~
Para Ribeyrolles, "a religíao os acolhe "ó ao pé dos altares. Casa-os, ma~ nao lhcs garante a famíl ia, a esposa, os filhos". 7<> E segundo o reverendo Walsh. "o horror do-; negros a e~cnw1dao faz com que matem. nao <>ó a si próprio~ como também os ftlhos". 17 Vúno' desses viaJantes- D'Aiincourt. E-.chwege e também Saint-Htlairl!opinam que entre as rtll forma uma boa p.trte dc"tcs infelizes pcreceu [... ] e as..,im acabaram todas JS grandes c,tsas que firmav,un o -;eu forte na mineta<¡:ao". 7x 116
Lcrnbrarn também quanto o íntercs.;e senhorial se sobrcpunha ao tia -tl) e da reltgi1o Rn!~enda<. a"'111nla gnt> o cumpnmcnto do~ preeeiLo-. l J·~· Iegl'uJos ~ ~ em amba:. ''nao encontra outra garantw que nao a de-,ses elemento~ mora1., con o;tltutivos Ja ~ociedadc civil que acabam sempre por se re..,umtr aoque se chama cont)piniÜO públu::a: · e, e-. ...e u In·tmn,~1que po ti e rca 1mente terne1 u sen 1wr em re 1a\=ao de .. ''> ~ua conduta para como escravo . . . 3 Lcmbrcmos. no entamo que. se na c1datle o clamor da op1111ao puhhca ~:ra uJÍ\cL nf10 tlnha ressonft1K1a no campo. cm propríedadcs rurai' i-.olaJa,, distantes anM' JJ!-1 ouLras. ondea vontade do dono era a rcligiao e a lei. u Corroborando es-.a afirmac;üo, Saint H llam:: coma que, durante a su a c-.tada Bra..,il, o governo ordcnou aos propnetários de Campos, no R1o de Janciro, que 00 .:a,;L""em -;eus escravos. - "..tlguns obcJeccram a cssa-> determina<¡:óes mas outros re~pondcram que era inútil dar mando a. . negras porquanto nao seria possível triar ..eus 11"lh os.. 1\0 Como se pode \er. nao exi~tc unanimidade entre os \laJantes sobre a famílw escrava e o cat1ve1ro Nesse particular. sao semprc contraditórios, reflettndo _ como JÚ foi d1to - a forma<;iio de t:ada um. a maior ou menor carga de preconccitos, as circunstancia<~ do momento cm que reg1straram \Uas impres~;oe-: e outras peculiaridades. De toda forma, dos 61 pesqUisados.- CUJO percurso alcan~ou diferentes reg16es do Brasil - cerca de 36 - ou 60% deles - nao fízeram referencia alguma a família escrava. um silenciO significativo quando se pen~a nas minúcias com que descrevem as riquezas naturats do país, a gente que o habita. O'- variados aspectos Ja escravidao. Quanto aos 25 restantes, grande parte f'ala em eo;;cravos casados, em filhos, em unióes legaic; ou nao. Ma-; nenhum cita excmploo.; de organizac;ao familiar estável, de la<;os permanemes. Ao contrário. falam nas :.ernpre po..,síveis separac;ocs de ca"a"'. nas d1ficuldadc.., que o-, senhore'> antepunham a regularizac;ao das unioes. na... mulhcres que tinham "fi lhos de dois ou tres hornens dtferentes. " A exce~ao é a das fat.enda\ do clero. Qua<,e todos apontam ali a presenc;a de um bom número de famíhas escravas, regu larmente organindas e constituítlas há longo tempo .. O realce conferido a esc;a presenc¡:a nao s1gnifícará que ela era incomum nas demai~ propnedadt!s? h' . O certo é que os relatos consultados pcrmitem constaiar- como de resto. a !Monografía sempre admitiu - a existencia de unioes entre os negros. indicando que cstcs tentaram estabt.:lcccr lac;os afctivos mais sóltdos que o<> da .'>llllples Promi..,cuiúade sexual. da . , ~a~ nao pe1 mtlem referendar conclusot.:s taxativa-. sobre a e.xpressividade famtlta escrava estável no Bra\11. dem· . . Seja ~omo fo~. a questao c_o~tinua polem1ca. com_o polemtca., continuam as ats qucstoes refendas ncstas pagmas sobre a escnl\ tdao negra
117
O DIÁLOGO CONVERGENTE: POLÍTICOS E HISTORIADORES NO INÍCIO DA REPÚBLICA Maria de Lourdes Manaco Janotti
intcn~ao de~tc artigo é e~tabclcccr o diálogo po~~ível entre a~ expli<.:a<;óe'> polít1ca~ oferccidas pelo" te-;temunho~ de época e as poc;turao., h1Moriográficas mal'> mareantes Para tanto, tornou-~c nccessário explicitar alguma:. concep~oe~ gerai.., '>Obre h1~tonografía que prcc1o.;aram 0 objeto em análise e aprcsentar, de forma crítica, o período tao complexo da pa~sagem do Impén o para a República. Sem a prctens5o de oferecer um balan<_;o cxaustivo da produ9ao historiográfica, o corpo documental circunscreveu-~e a visao político-soctal das décadas de 60 a 80, e as mcn96es a autores oricntaram-se "egundo o criténo da exemplifi ca~ao das tendencia~ da crítica lm.tónca. Por cssa razao, o texto cxigiu difíceis op96es, facilmente compreensíveic; ante o volume considerável de obra<; -.igmficativas sobre o advento da República no Brastl.
A
PRESSUPOSTOS
Estudos de historiografía supoem o julgamento da obra de H1 stóna, nüo como trabalho de msp1ra~ao individual, rna1!-> ou menos bem-suced1do, ma~ também como resultado mteleclUal do confronto da~ concep~óes que urna !->Ocicdade t~m sobre si mesma em um detenninado momento v1vido de seu percur'>o. Por e~ta Clrcun~tancia, as condi96es h1~tóncas sob a.., qua1s a obra historiográfica fo1 produzida sao tao Importantes quanto as c1ta<;oes bibliográficas nela cont1das. Explicar, comprecnder a vida das soc1edades e registrar os acontec1mcnto~ prellentes e passados forarn sernpre os objetivo' rmus aparentes da historiografía. Entretanto, essas a~oes sao impelidas pela busca, sempre renovada, dos elemento., consLJtutivos Lle uma identidade coletiva que se articula dialet1camente com o ~.·ampo abrangentc das rela<¡:oes político-sociais d No século XIX. a hl'>toriografia fo1 definida como genero llterá1 io, para epois ser elevada a categoría de conhec1mento científico. Até hoje es~a.., duas Posturas estao presentes no di'>curso histonogtáfico. apcsar de revestirem-~e de apena~
119
nova., roupagens. concebida~ na-. ol1<.:ina-. Ja crít1<.:a ao t:lentificismo da csco(.¡ J\ktúJic..a e dU llldl>.Í:-.IIIU e:-.lruturalt,td Ex~.:lllplo\ Ut:\\d\ po'>LU!a\ sao 0\ trabalho, Je Hyden WhJte sobre as forma\ llterárias da narrativa histórica e, no outrG extremo. o~ de historiadore., ltlgle:-e-, <.:omo E. P. Thompson, Ene Hobsbawm e Raymond Wrliam\ que reafirmam a pcrmancnt:1a da d1alética marxista Con-,tituindo-.;;e a Hrstóna em referencial teórico ohngatório para a orgamza¡;ao d~ qualquer t1po de pensamento social. o discurso historiográfico difícilmente deixar¡j Je -;e ligarás fom1as literária:-., ü filo-.ofia, bcm como ils dcmais disciplinas sociais. Urna outra questao em aherto refere--.e ao objeto da Hic;;tória da h1-.toriografia. Consideramos maténa pnoritária do estudo historiográfico obras que deliberadamente recorreram a fonte<, documental~ no esfor9o de compreender 0 pa~sado vivido. dando-lhe inteligihil1dade na compreensao presente. Mas niiu exduímo~ aquetas que. sem emprecnJcrcm 1nvcstigac;oes originais. se utiltnram largamente desse conhec1mcnto como prcmio;o;a md1spensável para fundamentar <,em. argumentos dando-lhes um novo nexo. lncluímos igualmente escnto~ circunstanci:.~1s, normalmente empenhado-; em defender urna causa políttca, que apclam a reconstru~ao da Hic;;tória cm busca de c;;ua própria legitima9ao. Dessa maneira, nao só obras ongina1s, fruto de pc~quisa inédita, mas também algu n~ textos de natureza jornalí:-.t1ca, memorialío;ttca, biOgráfica e dtdáttca - que chamaremos de mamfesta96es histonográftcas - podem ser .suscetíve1s de uma análise historiográfica. Evidentemente, o' métodos de anrili'\e aplicados a cada um de~:,e~ t1pos de produc;ao comportam proccdimentos específicos no processo analítico. Nao obstante condenannos urna análi.,c mecanicista que privilegia o condicionali'imo baseado na relac;iio cla<,se <,Ocial-autor-obra, acredttamo~ fundamentais as diretrize., da Sociolog1a do conhecimcnto su.,tentada" por Karl Mannhelm, quanto a natureza coletiva da cnar;ii.o Illtelectual. Este é um aspecto de relevancia, pois intercepta na mensagem de urna obra ou em seu estilo o resultado do pensamento de um ou mais grupo'> ~octai:i .,obre a realidade vtvida.' Acrescemaríamos ainda, para preCI',ar nossa posic;áo, algumac;; men96es ao~ textos de Lucien Goldmann e M1chel de Ccrtau. Goldmann, pro<>segumdo nas pegada., de Georg Lukacs, redefine em termo~ da dialética marxista os l1amec;; do autor com -.eu pensamento conceitual. enfatizando que os aspecto<> biogrMtco-; (~ubjctivos) nem "empre colaboram no entcndimento da obra produzida (ObJetiva), pois esta comporta o conjunto dinamico das relac;oes sociUIS, nem ~empre consciente!> para o seu própno criador. Dis~o resulta que determmados livros nfío rcprcscntam a pos1qño da classe a que pertencc ~eu criador. mas sim sua ade~ao a urna dcterrn111ada "vt<;ao de mundo", conceiW fundamental nos estudos de Lukacs. 2 Também Certau. 1nves11gando ne-;<.,c mesmo -;entido, reafirma .-;ero est::tLUtll do pen-.amento histórico deftnido principalmente pelo lugar soc1al de sua produc;fto
120
..,¡ 11tonia com procedimentos de análise próprio~o, dt.: uma di-;ciplina. a Hio;tória.
~~sim. a intcltg1bllidade da obra Jo histonad01 1nc..lu1 allli.:~..~.:J~nll.;:o. n. f~.-r~.-n~..1
j ¡,cur'o nao menc10na. em fun9ao dos qua1~ m<;tauram-~c m¿todos, 1nteresses e o. dagac;ocs presentes na 1e1tura e .mterpretac;ao - dos uoc:urncntos. .1 • an Quanto a dtfusao da~ obrac;; e sua~ releituras subscquentes, convém .,altentar u , l!tllbora tcnham -;ido teóricos do campo de outra-. UI\Ciplma-. como ftlosofia. qn eratura t. · 1ogta d o con hectmento · · -;e preocuparam em a r·1rmar a e psrco os que ma1s ~cpcndcncta da traJetória da obra em relac;áo ao -,eu autor, sua-. c-.tJmulantes ~ondu.,ócs .tplicam-<,e com pertinencia ao estudo da h1~1oriografia. Notadamentc Walter Benpmin. levado por -,ua amarga expencncia com o wtalitarismo naz1Ma, explora as diferentes circunstancms <.:oetanea., que re\ alonzam momento~ do passado e obras já esquecrdas: O hi.,torici~mo !>C cunlenta em estahclcccr um nexo caus,\1 entre várros momentos da hi:.tória. Ma:. nenhum f,l.lo, meramente por ser causa, é só por isMl urn fato histórico. Ele se tran:,lorma cm fato histórico postumamcntc, grar,:a!. a acontecirnento:- que podem estar dele separados por milenios. O historiador consc1ente di~so renunc1a a desfiar entre os dedos O'\ acontccnncntos, como a~ contas de um rollárro. Ele capta a configurar,:ao em que sua própna época entrnu cm cuntato com urna época anterror, perfeitamente determmada. Com i~so, ele funda um concerto do presente como um "agora'' no qual -;e infrhraram esulha~os do messianrco. 4 Ncstc mesmo cammho, Claude Lefort renova a po~o,stbtl1dade de compreender o pensamento historiográfico, vic;;to como te~temunho engaJado de sua época e interessado em "redescobrir" o passado, segundo suas próprias perspectivas, integrando-se d1aleticamente com seu objeto.~ Esta pequena relac;ao de autores, que podena ser bem mais extensa, permite l> Ubmergir a produ9ao historiográfica na ampla esfera da história polít1co-social, perspectiva essa que orienta a concep~ao de nosso trabalho. Conquanto :.~ difusáo dos 1ivros de H1stória esteja suje1ta, como a dos dcma1-; ramo<; do saber, as condi96es do mercado eJ1tonal e a l1gac,:ao do:, :,eus autore~ a um grupo privado, institucional ou polít1co de innuencia reconhecida, Cl~Jnportn também relevantes implica~oes no plano da educa9üo e Jo en-,ino. A HtMória absorvida influirá na maneira como o~ indivíduos estabelecerao suas rclacyoes com o Estado e a sociedade Neste campo movedi9o. cruzam-se os lntcres~es idcológ1cos, re~ultando disso a maior ou menor d1fu!>ÜO de determinadas obras. d Apcsar do discur-.o lmtónco ser u m campo fértil de produ9iio e reprodur;ii.o cológlc.as, e~ta relac,:ao, no entanto, nao "e proce'"" mct:anicamente, havendo
1
121
divcr<.os nívei!> je media~iio entre a obra de Históna e as exigencias das metas d dnmtna~a<' e- controle soctal. Sao cssa~ m~dia\-6'-'· ~.otbub ... ttoriaJores Portanto, nao é sem razao que a atual perspecttva crític~ postula pnorttanamente o propno de¡,vendamento dos pnncípto<. onentadore~ des-..a-. medta~oes. Nos momentos históncos em que a domtna~ao é contestada. surgem nov 0 , mstmmento., teónco<; que e<;ttmulam o aparecimcnto de obra~ compromettdas corn a Jcnúncta da situa~ao, tntroduzmdo novas forma~ de ver o passado, pois as classe, ascendentes buscam <>crnpre -;uas ongens com a finalidadc de definir seu papel soctal atual. Essas revisoes críticas pulsionam o conhectmento, abnndo caminhos para novas tnterprcla\=oes. Rcpresentam. sem dúvida, estágios da consctencia políttca de detenntnaclas classe<; ou c:;egmcnto!> !>ociais sobre a História do seu país. Por estd razao. para captar a tnteral'¡'iiO da histonografia com a própria História naciOnal. pensamo.;; que apena<; trabalhos de autores nactonats podem conter essa dimensao. Apesar de exi-;tirem excelentes obras escntas por historiadores estrangeiros sobre o Brastl, elas adquirem maior '>entido no contexto histonográfico doc;; países de origern dessec; ht~toriadores. A histonografia brasilcira surgiu no momento da Independencia compromettda definitivamente com a questao nacional. História e histonografia. a<¡:ao e pensamento, Estado nac10nal e ~uas subseqüentes representa<;:oes sao componentes de um me¡,mo momento pleno de historicidade. Se, cm tmportante ltvro de Antonio Cundido ftca bem caractenzada a literatura brastletra da Independencia, como "empcnhada" na conc;;trw;ao de valore.' nacionais, da mesma maneira chamaríamos de empenhada a historiografía bra~ileira do século xrx que, de certa forma, "na<.cc" nesta época: Allá!>, o nac10nahsmo artístico nao pode ser condenado ou louvado cm abstrato, pois é lruto de cond t¡;ocs htstóricas, qua~c impo~u;iio nos momento<; em que o Estado se forma e adquire ft:.tonomta nos povos antes desprovtdo~ de autonomía ou unidadc. Apatccc no mundo contemporaneo como elemento de auloconsctencta. no\ povo... velhos ou novo:, que adquirem ambas, ou nos que pcnetram de repente no ciclo da civiltza<;ao ocidental, e!>posando ao; suas formas de org,tniza~ao p0lítica.c'
A Re1·ista do Jnstitllto Histórtco e Geográfico Brasileiro é um botll exemplo dessa postura htstoriográfica tntcial, pots congregava a elite intelectual do país Os at tigos dos primeiroo; anos demonstram preocupw;oes com a busca e veractdade da clocumcntar;ao. tnspirados em uma leitura antilusttana do passado
122
·tl fortcmente tnfluenciada pelo indianismo romantico. bscs trabalhos cOlon•· . te ~ra"am -sc nos est or<;os que, no p 1ano po1tttco. correspond tam a constm<¡:ao d a 111 g '!na
e da História de u m novo país. rnetlll Entretanto. uma avalia~ao da me..,ma revi-;ta na década de 80 - na ~ual o -·¡ passou por profundas transforma~oc_s cconomtco-sociats e políttcas - rnostra ara~t uanlO os :.eus colaboradores se dissoctaram das temáttcao;; do progresso entao 0 ~ntt!!'>, pots seus tema~ permaneceram quase os mcsmo'i das década'> anteriores '~ando foi consoltdada a teona do Estado monárquico, que encontrara na maioria Jcs:-e" hi,toriadorcs seu.., tdeólogos mat~ con~eqüentcs. Os ano.;; de 1888 e 1889 nao se fiteram sentir na revista; nem uma -;ó ve7 aparece a palavra Aboli<¡:áo ou República Nao é para admtrar que muito'i tntelectuais de vanguarda nao mai~ lá se enl'ontrassem e me::.mo !he O'>tentassem ::.ua mdiferen¡¡a. Pactuado com a M(llltli'<.] Uta, o Instituto que ncm sequer a defendeu, deixou de contemplar as a...pirac;óes do presente. Mats do que e<>tagnar-se no passado, transformou-se em um reduto monarquista, onde eventualmente era permtttda a presenc;:a republicana. Pao;¡,ou a ser uma tnstitui~ao cuja própria cxisténcta e produc;:ao intelectual confirmava a idéia de uma passagem natural e pacífica para o regime republicano. Poder-se-ia igualmente afirmar que a historiografía brasiletra do Instituto desenvolveu-se nas !utas da Regencia (aparecirnento das histórias regionai s) e chegou a sua pnmeira constmr;ao ideológtca abrangente com a idcalizac;ao do Impéno brasdetro como fórmula política da integrat¡iio nactonal, cuJa expressao máxima é a obra de Francisco Adolfo de Vamhagen, História geral do Brasil A Juta pela afirrna<;:üo da cultura nacional, que Sílvio Romero e htstoriadores do pensamcnto nacional como Joao Cmz Costa sttuaram na década de 1870. com a chegada de "um bando de idéias novas" ao país, tem também nas manifesta<;:oes htstoriográficas da época da Regencia seus antecedentes; hesitantes ainda. muito ligadas as culturas francesa e portuguesa, mas já contendo uma auténtica problemática nacionaltsta . Asstm se expressa Sílvto Romero O decemo que vat de 1868- 1878 é o mats notável de quantos no século XIX constituiram a no.,~a vtda espintual. Tudo tinha adormecido asombra do manto do prínctp~ feliz que havta acabado com o cauJtlhl:.mo nas provincia:. e na Aménca do Sul e preparado a engrcnagem da pe~a políttea de ccntrali.w¡;ao mats cocsa que Já uma vet houve na lm.tória de um grande país De repente, pm um movimento l-.ubtcrraneo que vinha de longe. a instablltdade de todas m. coisas se mo~trou e o 7 l>Oii!.ma do lmpéno apareceu .
Parte dessa gera~ao que viveu entre a tradt<;ao do lmpéno e o advcnto tnccno da Repu'bltea nao - se contcntou rnats com as anttgas . f'ormu 1as po ¡·. tttca.., nem
12J
com as antcriore.-. vcr.-.oes da hi.,toriografm. Com o advento da República, a llh..::-.mu k111pu em yu~:: -.e davam a-. Juta-; pollt1cas entre o<: mterec.,ses das ván
Apcsar dos tcstemunhos ev1denciarcm uma rica gama de op1n16e' complementares ou antagónicas sobre os iníc1os da República, cnstalizou-.-.e urna memória preponderante dos acontecimentos na qual o novo reg1me foi acol111do em clima ele paz e consenso nacionais. Esta versiio pnvileg1aua come~ou a ser con.'.truída pelos própno~ contemporanco~ mterec;o;ados em mmim1zar as contendas travadas pela conqu1sta do poder, durante os tres primeiros govcrno~ republicanos, revitalizando-<;e no~ v<1rio~ momento~ em que se estabeleccram tenso<; "congra~amentos" político~ entre .,egmentos da<; classes dominames. Postenormente, pelo menoc; até a década de 20, essa" imagen" harmónica~ e concillatónas foram reforyada.~; por Ju lgamentos comprometidos com ex1gcncia~ políticas do momento cm que se engendraram, encobrindo ac; di<:sensoes e as fraturas partidária~. Apesar da for~a inconteste desse di.,CUr<;o político republicano. vo7es subjugadas nao de1xaram de denunciar o véu negro que .'>e procurava lan~ar sobre os conflitos, trazendo a público as in iqüiclades que acompanharam a uecreta~ao de vános e.'.tados de sítio pri~óes de polít1cos civ1s e militare!'. empastelamento de jorna1s, as~assmatos, dep1eda~6e~. além de 1ntcnso confl1l0 parlamentar Um momento em que se tcntou romper com a 1uéia ele consenso foi em 191 O. por ocas1ao da candidatura do Marechal Hermes da Fonseca, e m oposi~ao J candidatura CIVIl de Rui Barbosa Re~:;urgiU, entao, com vigor, o antagoni~mo entre c1vi-. e militares. resultando dec;se confronto um discur~o que pretendeu revalonzar O<> testemunhos da década de 90, denunciante.'. da e; tra1~oes mútuas entre poi ítico~ de carreira e milnares. Entretanto, passados os prime1ro'\ momento<, das '"~alvac;oc.~"
. res nos estados, promovu.las pelo govcrno de Hcrmes da Fonseca, . . . 1,. 1 ' d 1 •• u~eram-.-.e as preemmente-. tenueiH.IJ' 1111 liare-. t. ~} •garqul\..1,, tl:n o(. '- 10quc cofllP ··nt•' ,ido acobertado. Pcrmaneceram apenas O.'. rancores que eclod1nam na vanK " ~ ·ada de 20 como componentes das lulas e do dtscurso tcnent1sta. dé' Também a h1storiografin acompanhou csscs mergulho.'. pollt1co.., do . nt\! 110 passado e. ao faze-lo. manteve uma rela\=ÜO tao C!>trena com scu obJeto ' narrativas · d o... h1stonat · 1ore' na Presea-: , ¡,óe" dos tcstcmunho-. entrcla~aram-<;e as que . , d'. 1 , . 'it inu~ao do propno 1scur.'.O w.tonco. con h1stonogra'f"1cas" d e Até hoje. quase a tolar·d 1 ade dac; " mam t'csta\=oes dhulgac;áo e de caníter d1dático. nnportante' veícut.o-. para a con-.ollda\=ao de um.1 ttmóna nac1onal. tendeu a valonzar -.omente o di'\Curso elabor,tdo pelo.., grupos ;olítiCO\ republicano.'. ci vis, dcstac.adamenlc o'. ca.fe~cultores pau 1i'>tas. . , E interes~ante notar que. para a con-;lltlll~ao dessa memóna, contnbu1ram tan!O obras mtidamente de onentar;iio conservadora - poderíamos tomar por 9 exempfo., as de Pedro Ca1mon e Hélio Vmnna - mas. também obras de cunho marx1-;ta como a de Caio Prado Jr., marco teórico fundamental da renovar;ao historiográfica das décadas subseqüentes a de 30 Se Calmon e Vmnna, por sua forte e explícita s1mpatia pelo lmpério, nao perscrutaram os meandros das Jutas política... dos início!'> <.la República por desprczá-la' enguanto objc1o do conhecimento. Caio Prado Jr.. por outras razoe~, igualmente nao lhe.., clcu nenhum destaque Sua movadora teoría nao se dcteve em acontecimento.'. políticos de curta dura9iio. mas s11n realr;ou a fort;a das transforma~oes económicas e sociais que, a part1r de 1850, 1mpulsionaram o país 10 rumo ao progresso varrendo com seu ímpeto propulsor o velho regimc. Ao incorporar esta nova pcrcepyao de histonc1dade. muitos autores postenores varreram pam debaixo do tapete as "questiúnculas" menore-. e, com isso. nao entendcram a.-. pos,lbilidades que o novo método lhes traria. No entanto, os contcmporaneos oposicion1.-.tas, durante os múmero" confl1tos que pontilharam os pnncíp10s <.la República, aventaram diferentes formas de solu~ao política e de organizacrao da Nayiío que nao a inst1tuída. Por nao terem triunfado. passaram como fantasías irrelevantes. Sob este ponto ele v¡c.,ta, os depoimentos que atcstavam a plurahdade de op~oes abertas para os rumos da ~OC i edade foram subrnctidos as versees hegemónicas, em prOVCilO da COn<;trU9ÜO tdeológica de um d1.,curso mteressado em afirmar que a pal e o consenso Prcsidiram o advento da Repúbl1ca. hto fo1 perccbido claramente por Alberto Sales. teórico do republtc
124
125
Por que caíra o Jmpéno de tao .-.ólida aparcnc1a? Convinha fa7cr UllJ
balan~o das condi\=6es que poc;;sibilltaram o golpe de btado para redimens10nar O\ padimetro' de 1dentidade nacional. Confundlram-'>e nes<;a tarefa militantes d;¡ política e toda sorte de intelectual\ Art1go' de Jornai'>, entrevi.-.tas. depoimt!nt , 0 manifesto ... , llvros de Hi<;tória, b1ografia.., e autob1ografias tentam explicar d~ irnediato os novos rumo-. do paí., Constitucm-se corrcnte" de opiniao diferente~. do., militares. dos republicano.'. parlamentaristas ou presidenciali<,ta!>, do, monarquistas, dos .Joltível vínculo político dos escritos hi.'.toriogrMicos.x
TESTEMUNHOS DA HISTÓRIA
..¡¡l!fll
Enredados pelos argumentos bem articulados do1> senhore!> da situa~- muitos hi<>toriadores dcsconsidcraram as tcntati"as Je J~.;:-.~.:stubiliLat o rcg 1 ~ perpetrada" por monarquistas e republicanos desiludtdos. Contudo, o Visconde dt Ouro Prdo, presidente Jo últtmo gabinete do Tmpéno, publicou em 1891 o Ad1·en da duadum milirar 110 Brasil ad\'ertlndo que nece\'>ltava dar o "eu testemunhrc porque o;abia que ''a ver,ao dos vencedores procurana ocultar a rcalldade dos fato~~· Tntui<,:iio que se comprovou na denominada memória nm:10nal. 1 ~ Ccrtamente. os acontccm1et1to" descncadcados cm 1889 expressara111 desdobramcntos no panorama polít1co da -;egumla metadc do século XI)( A:-..sunmam relevancia, a part1r da década de 70, crisc:-.. m1n1steria1s. ci'Oc partidárias segu1das por alianyas entre grupos dissidentes do<; Partidos Liberal e Com.ervador, muitas vezes incluindo membros do na!>cente Partido Republicano A instabthdade política demonstrava as d1ficuldades do Parlamento em enfrentar questoc" impenosas como: a descentraliza~ao polít1co-admmtstrat1va. a llmita~¡¡0 do poder moderador e os empréstimos para a agncultura. Em meio ao c lima contestador, duas for<;as novas cresceram no ccnáno político: o abolicionismo e o republicanismo, ambas conjugadas ao desenvolvimento da ingerencia militar na~ questoe-; parlamentares. Colaborando na desordena~ao do sistema. o aboliciom~mo o;e e<;truturou como urna organiza~ao suprapartidária, espécre de frente ampla. Talvez ele pudesse se transformar em um elemento de forte poder renovador, ma<; falhou ao nao <;e constituir em partido apó~ 1888. di~persando enhlo o grupo que o constituíra. Mas a parttr dessas unioes oportunista'>, fo1 mou-se u m grupo de polítiCO\ que ao rejeitá-las part1ram em defe~a da Monarquta em <>eu<; momentos finais. Q;. parttdos do Império nunca basearam sua prática polít1ca em urna teoría do reginll! monárquico- daí se compreender por que, nos anos 01tenta, havia entre eles a tácita conv ic ~ao da improbabilidade do reinado da princesa babel, figura pouco apreciada. A maiona preparava-se para as mudanc;:as da c~trutura JUrídicoadministrativa do Estado que se concrctizavam na esfera económ1ca, enquanto a minoría resistía as transformac;:oes e se apegava a situar;iío VIgente, construmdo a idéia de urna tradi~ao a ser prel.ervada no monarquismo. Poucos políticos permaneceram a margem desses concertos momentaneos Obst1nando-se em nao compactuar com aliwtfa.\ e.\púrias. e1>tes tornar-se-iam os pnnc1pais chefes d<' movimento monarquista. chegando me!>mo em 1896 a se organizarcm em parudo. já soba República. Na esfera social, a!> transformac;:oes cconóm1cas que a part1r da segunda metade do século XIX o,;c proces-.aram no Brasil, em consoniincta com as nova~ exigencias do capitali:-.mo, corre<;pondcram ao apatcc1mento de diferentes camada' urbanas, ao fim do escravi-;mo, a utti17Ut;iio do trabalhador llvre e a ascen:-.áo Ja burguc-.ia agnína ligada ao" novos pólo;; Jmámicos da cconom1a
126
com o advento da República, couhe ao I:-.xérc1to a nli<;~ao temporária de poder e instltUCIOnaltzar o novn reg11ne. enguanto a burguesía 1>e
.r
ocu:~\zava para nele se instalar definitiVamente e de forma hegemónica. org A passtv1dadc de D. Pedro Il pcrantc os militares que o depuseram estava 0
(da el11 sua declara<(aO de sublll(!ter-se. pela forfa das ci rcunstéincias e para a cOfln~liilidade do povo hrasileno.. {¡ i!'~postrlio que !he era fe ita.. Isto ~ranjeou-lhe ~fl'l·onhecimento Jo<; revoluciOnan os c. naturalmente. o ressenttmento dos rnonarqu stas. bem cxpresso na fala de Louren<;o Cavalcanti de Albuqu¡,:rque, cx1 tn~nt~tro do Gabmete Ouro Preto: Se houvessc <.:abtdo em minha:-. fon;ru.. cu tl:ria feíto a contra-rcvoluc;ao ate o tlia 18; ma'>, depots do cmharquc do impef'>o exén:ito tlo mundo. As11 monarqlllas restauradas ~ao fat.ll mente reacion;1rias e cfcmeras
Por nao -;e ter solidificado uma adesao 1deológica da maioria dos políucos ao Impéno, foi imcdiata a cnxurrada de adcsoes de ltbcrais e conservadores a Repúbltca. Abalada'> as bases partidárias tradicionai'>, era esperado que continuassem as alianc;as e O'> conchavo<; elcitorais Como os republicano<; nao tinham quadros o;uficientes para prescindir da mfluencia dos político~ da<> extintas organiza¡;oes part1d~\nas, conapuserum-se facllmente com os antigos chefes, mormcnte quando se lhcs afigurou a neces-;idade de frear a 1nl1uencia militar e os movimentos populares JilCOblnos. Os grupo" políticos. re~pon,<1veis pela turbulencia que agitou o~ pnmeiro'> tcmpos republicanos, cmpenharam-se em sangrentas Jutas - das quai'> a Rcvolu~ao Federaltsta foi a ma1s contundente -, atestando a ausencia da propalada pa;;sagem pacífica para o novo regune. entrechoques O período que se estende de 1889 a 1898 fo1 ponttlhado pelo!> 4 da.' forc;as que haviam se unido para a deposi~ao do antigo rcgime.' A part1r tlo Governo Prov1sóno cv1dcnc1aram-se a-; drferen~as rdeológicao; entre o Estado-M<.uor do Exército e a oficml1dade de menor patente. Enquanto as alta<; patentes as~umuam o poder, em grande parte motivadas pelo desentcndunento que 'e convenc10nou chamar de "quesüio militar" no final do Impétio, o ofic1alato menor, imbuído pela doutnna pos1tiv1sta e dommando o Clube Milttar tmha J>erspecttvas defimdas quanto ao futuro do reg1me repubhcano. Esta contrad1c;:ao Interna colocava cm choque duas atitudes: a do reformismo parcial e u da mudanc;:a l'ddrcal. O que as aprox1mava era a noc;:ao de "o,;oldado-cidadüo", exprcs<;ÜO cunhada peto., próprio:-. contemporáneo' que, em síntesc. defendía o direito dos militares se pronunciarem <;Oble questoes da polít1ca naciOnal quantlo estas afetassem sua condlc;:ao corporativa ou indiv1dual.
127
O malogro do governo de Dcouoro devc-,c. em grande parte, a falta dt coesao dos militares quanto a ordcna<,:ao polítiCO-¡und ica do E~tndo e ¡¡.., me
~;empre cumpridas, proYocavam polem1cas. as escota" critic.t\am abcrtaml:!me ~ atos do governo. Deodoro. de certa forma, pasc;ou a representar o continuísmo Onancta na!'! camadas popularc\ urbanas Jo Rto de Janeiro e, em menor e!-tcala, na' dos demais eMado<> Em torno de clubes patnóticos e JOrnais radicat-. jacobino.,, de orienta<;iio nacionalista e xenófoba, congregaram-se os vigilante~ da pátria, denunciando qualquer suc;peita de trai<;ao a causa nacional. A ca<;a ao<; subverstvos restauradores e anttflorianista,, incentivaua pelos mentores político¡, do movimento, serviu para facilitar a elimina~ao de pengosos adversários republicanos. seus aliados de véspera. Nec;<;es pnmetros e mbates, que eliminaram parte da d•~~idencia deodonsta continuavam a coexistir fac<;oes dtamctralmente opostas no poder. Assim, no apoio a Flonano Peixoto - sem necessariamente se al1arcm - encontravam-se jacobinos e republtcano<> paulis ta~, estes arnea<;aclos pela carnpanha t>m favor do continuísmo do governo do marechal que, em última instancia. abalava suas expectativas de implanta<;ao de urna República ctvtl, pres1denciahsta, federativa e liberal. Entre os republtcanos civ1s também nao havta se estabelec1do um conscn~o. A crescentc licleranva paulista no Congresso int1midava os estadoc; nordestinos e os aproximava do Río Grande do Sul <>em, contudo. haver entre eles identidade Ideológica Neste estado confrontavam-se podero~os grupos oligárquicos liderad<>-' por Júlto de Castilhos e Gaspar Silveira Martins. Casti lhos ltderava o grupo adepto da ditadura positivista e Stlveira Marttns, cogitado por D. Peuro 1l a substttutr o viscondc Ouro Preto na crise final, congregava monarquistas e republicanos defensores do sistema parlamentarista de governo. Naturalmente, Floriano Pe•xoto reconheceu cm Castilho-. <;eu verdadeiro al iado. O agravamento da cnse sultna ~ deu com a adesao do alm irante Saldanha da Gama, chefe da 'egunda Revolta da Armada, as hostes de Silvetra Martins . Nesse conflito de dimens6e!> nacionais, Jacobinos e republicanos pau li~ta.~ auxiliaram decisivamente o governo federal. Ao tentar JUSttficar este apoio. pcobtno-; atribuíram ao~ paulistas um plano maqut::..vélico que visava umcamente preparar sua próxtma c1scenc;ao ao poder. garantmdo a posse do presidente Prudente de Morais Da mesrna forma, O!> republtcanos liberats conferiram a resistenctJ 128
,..nJada por Júlio de Ca!>lílhos intenc;::oes meramente oportunistas. oriundas do
co11dtlhi~mo sulino, CUJO sl.!creto descjo era o rcconhccimcnto oficial da parllcular cuu;uli 7 a~5o constitucional-admmtstrattva do R1o Grande do Sul. cm eviuentc or~tliW com a Con~tituivaneceram-~e o~ .,onho., de tmplanta<;üo de uma Repúbltca
~trl:.uncntansta e as esperan<¡a!> Je convoca~all de um plebi'>cilo para rcfercndar o ~gitnt: Vencida a rest!-ttencta da Mannha e re-;ponsabtltnndo-se os monarquistas encobrir os qui<>tos de opo~ic;:ao da a e dtverso'> núcleo-; da organizar;ao monarqUista. lgnorar a prc~en<;a hi stórica de monarqui.-.tac;: no período obscurece e limita a comprcensfto do~ embates travados, mcsmo porque Deodoro e Floriano Jn'>istiram cm justificar o fechamento do regtme pelo pengo da ameac;:a restauradora As fontes tn'>istem cm denunciar as maqumar;oes monarquista:, para de!>estabtltzar o regtrne e t<,IO ocorreu porque, embora frágil, e la~ ex1sttram e, também. porque convtnha aos republicano'> mantero clima de beltgerancia que lhes faculta va reprimtr suas dissensoes interna~. Desde o Governo Provisório. a imprensa monarquista e antimilitarista assumira o papel de principal denunciante da d1tadura mtlitar mstituída Em 1890 A Tribuna Ubeml. no Rio de Janeiro, congregava a voz monarqutsta e, de certa fom1a, favorecía o~ desentendunentos no próprio recluto republicano. Nos Fastos da ditadura militar no Brasil, título do livro que reuntu o-; artigos da Revista de Portugal, Eduardo Prado realtzou a primeira sistematizac;:ao das críticas a Rcpúbltca bra-.dcJra. contendo Já os seus escritos a maioria dos elementos que caractenzana todo o dtscurso monarquista. Comentando a protela~ao da convoca<;ao da Constituinte pelo Governo Provisório afirmava: \
,. ._. ndl) 1" 1
Com este ad1amcnto, ele obedeccu apena:. a ,1mbic;:ao própna e ao jacobinismo scctáno que. nos JOrnms do R10. cm arugo~ oftcto~os aconsclha ao governo que trate a na<;ao como a urn vencido. cxct ta a~ paixocs e o~ ód10~, e pcdc, implora, mai" despOll!>I110. mn1s mhítJIO, com a mc!.ma exallayao com que a mocidauc nohrc. de nutra'> era!. e de outro~ paí-;c-., pedía mais hbcnJade
. Compreendia Prado a a<;ccnc;:ao do militarismo pela nova mstru~ao que tnvadtu os quartéi« após a Guerra do Paraguat. nao mats va lonzando ,¡¡, v1rtudes cantcteríl>ticas do ensino da pnítica militar e stm os di..,curso<> bacharelescos de c~nho positJvt<;ta. O ensmo tornou-se a tal ponto teóm:o que "nao fez senao ~ acharclar o oficwl do exércllo que agora naturalmente revela um tao pronunciado ror politicante, di-;cursante e manife<>lantc" Este milttar. fruto de tal formac;:ao, 129
.\Uhvcrteu o papel que o Exérctto pos•mía dcntre as nac;:ocs civilizadas e de defcn.,c - J u p.l~'> ' passuu a J' - 1v d· tlt~tona - 1m~ntc 1' >t · tn¡;.t J <.1:-. 1.runt...tra~ A oposH;ao de u m atuante grupo monarqui<;ta aos governos republicano<, ilt. Rodngucs Alve<., fot liderada pela facc;ao liberal, destituída do poder exatamente . e quando ~e propunha a promover profunda~ retorma.;;, ha tanto tempo reclamadas, . .' ~ . \! por 1""0 mesmo Ja anacronu.:as. Aglutmaram-sc, entüo, políttco.; excluídos, -,auJosi ... tas, cultore.-; da trad 1c;:¡¡0 temerosos da-; mudanc;as, ma.,, princtpalmente, ativtsta!-. da imprensa próximo, íto vio.;condc de Ouro Preto e aos comervadores católicos ultramontanos. Agiram ele, no extcnor, em bu!-.ca de apoto ttHernacJOnal e. no Brasil, denunctando a~ arbllrariedades do poder republicano e participando de todo" os levantes para combate-lo, até por volta de 1906. Contudo, debilmente organtzados, 0~ monar<.¡ut~tas tomaram-se in'>trumentos dl luta indtreta das facc;:oes republicanas. Os republicanos pauli-.ta .... ameac;:ados em sua sobrevtvencia política durante os doi!-. governo.\ militare.;;, ..,ubterraneamente encorajaram a tmprensa monarqut'ita, quando esta era a única voz que se levantava contra a ditadura. Da mesma forma, fac~oc-; mi lttares- afastadas do poder e m 1897, como atentaJo de 5 de novembro a Prudente de Morais - aproximar-se-tam dos monarqui~ta~. durante o governo de Campos Sales, atraídas pelo vigor da crítica restauradora contra as oltgarquias. Gradativamente, a reac;:ao monarquista <.,e dilum nas opo-.ir;oes consentidas e seus argumentos, JUntamente com os de outros grupos vencido.,, foram absorvidos e rcelaborados pelo discurc;o hegemónico burgués, que habilmente construiu o mtto Ja paz e do consenso, apesar do.., evtdentes e profundoc; desentendtmentos no interior dos quadros polírtco' republicanos. Todavía, os grupos domtnantes que di<>putaram o poder, a parttr de 1889. t111ham diferentes concepryoe!-1 <;obre a República a ser implantada c. consequentemente, diferentes expectativas sobre seu de!-,tÍno político. Essas expectativa~ vao adqu irir contornos nítidos apenas no desenrolar da própria llt'>tória, nao sendo, portanto, po!-ttulado~ de projetos apriorí-;ticos, em grande parte reconhectdo::. pela historiografía a partir dos anos 60.
[11\TERPRETi\c;:ÓES HISTORTOGRÁFICi\S
A complex1dade em abordar todos os aspectos t.: momentos da produ~áCl hi!-.toriográfica, já contemplada por tmportantes balan~os, levou-nos a cons1derar apena!-. a~ proposi~oes mai.., abrangente~ no interior do~ discursos que '~ constituíram a part1r da década de 60. Dessa forma, escolhemos autores rcpre.\entativos de uma conscicncta hi~tórica esposada por grupo<; de mtelecnJai~ que 111fluenciaram as produ~oe' postenores. Aí estao presente'> as respostas M hto,tonadores que viveram el Revoluc;:ao de 30 o Estado Novo, as Cfl!ti!S
130
l'"c!Qüentes da década de 50, o golpe militar de 64 e scu decepcionante "procc-;so : allc!rtura". bsta v1vem.taimpregna cJ:. n.Ht.lti vas e os julgamentos emiHdn.. t·tntn e. nt 1l os método., que uultzaram. qua os historiadore-; depararam com quatro princtpats conjunto~ de expltcac;:ócs b~ processo políuco da tmplantar;ao da Republtca: a dos mtlitdrc.... a Jo" 0 so ubli~anos paultstas, a dos casttlhistas e a dos monarqui..,tas. reP Mesmo admttindo matizes e nuanc;a-; no intenor das doutrinas liberal , sttivt!tla e monarqui..,ta. seus discur<>os conccntrarnm-"e cm d1scordanc.as bü..,iuts ~nn·ituais: Monarquía ou República: pre.,idenctalismo ou parlamentarismo: ~eJcrah'mo e ltnutcs da.., atnbuu¡:oes do E-.tado e Jos municípws. lumtcs dos --..l~res executivo, lcgt..,lativo e judiciáno: intervenc;ao do E'>tado no~ mecantsmos ....,..
1()
de mercado. Em linha<; gerat<. , o dt!-tcurso dos militares, scnhorcs da pnmeira hora. tdc:alizou a tnstitut~ao de uma República dcmocdttca conduzida pela d1tadura nac 10nalista, tomando como modelo o governo de Floriano Pe1xoto. Ma~ es'e inícto ausptcioJ..o foi traído pelos republicanos ctvls paulistas e mine1ros que afastanun o país dos rumos revolucton{tnos, entregando-o ... ubmis-;o aos grupos olig:íryuicos e ao imperialismo inglec;. O discurso ctvil, hegemónico até a década de 20, idealizou as conquistas obtidas com os succssos da tmplantac;ao do modelo da República liberal e pre~idencialista. O Partido Republicano Paultsta, scu matar porra-voz, com '\Uttleza políttca, reconhecia a tmportanc1a dos militares nos pnmetro" momentos, mas prionzava a a~ao contínua e dectsiva da propaganda republicana desde 1870. ldenttficava-se com o progre'>'>O e a modernidadc, fruto!-. da dinamica económica cafccira, defendendo a autonomía munictpal como um dos esteios da sociedade democrática. Esse modelo re-,isttu e racionalizou a defecc;:ao de vários republicano" históricos, de defensores da República Parlamentar e de críticos do domínio oligárquico, atribuindo a muitos desses d1ssidente' o honroso título de "próceres da Repúbltca", incluindo-os na memóna ao excluí-los da arena política. 1-'ot também obrigado a com tver com "a excepc10naltdade" sul-riograndense do Estado castilhista sem. contudo, nunca aceitá-lo completamente. Durante a Revoluryao pauliMa de 1932, os rCpular 131
A-.. vésperas da Revoluc;ao de 30, momento que alguns consideralll o cia ador 1n rl(''\':as dJretrize.- cm nín:l n.:h. . lull.tl. Juau Neve._ 1!¡ Fontoura assim se expressava c~nacron1camente .
O que caractcri73 a obra polillca de Julio de Ca-.ulhos
e quc
ele era um prc~JdenctaiJsta -.obre o~ dem.u.; prc-..idenc.;JallstJ\.
porque tmha horror a chamada demagogia. Quew dizcr que ck nao acredil:lVa, [.. .]como cu niio acrcdito, ,w chamada sohcran 1a Jo po.,.o, do povo 1gnorante e amorfo.[ j Que é que se chamll10. r .] Para 0\ homen<; de C'-o!Udo, de gabinete, a duadura é urna forma de Gnverno. tao ou mal'> legítima do que toda, as outras. porque niio '\Ó da haurc a !>LI. 17
o...
dc~t1tuído.;
do poder, os monarquistas, e~truturaram um sólido e coerente discurso de ideal1za~ao do lmpéno. A publ ica~f1o de l899 a 1901 dt artigos sob o título de ''A década republicana", que pretendm ser urna avalia\ao "imparcial e judic10sa" sobre a política do Império e O'i primeiros anos do regime. condensou o pcn!>amento divergente e '>e con-.tltuiu em libelo de todo~ os alijados do poder. losscrn ele~ monarquistas ou republicanos. Toda a crítica que e~;te~ opo~ICIOni~ta~ descnvolverarn '>Obre O'-. goven.os md11ares, a dominas;ao oligárqu1ca, a Aboluriio como responstível pelo fim do Irnpéno, o mdifcrentJ<;mo da populas:ao e as excelencia<; da monarquía parlamentar sobre o presidencialismo republicano fo1 absorv1da pelo d1~curso historiográfico de diferentes orientas:oes teórica<,, sendo, contudo, desqualificadas as origen-; hi~tóricas de sua produs:ao, aco1madas de saudo~istas e anllprogressistas. Em 1909, o deputado paulisw Júlio Prestes dedaraHI na Assembléia Leg11dativa. Estamos
lcg1~lando
para
.1
classc do.., agncultorcs que con,tlluJ
toda ,\ vida. toda a nquc1a. toda a prosperióadc do lllh'>O país, que \Cill honrando no-;sas tradlt;I>C'i. lorm.mdo a nos~a nac10nahdade. 1R
A conscH.!nc1a de Júlio Pre~te .... tornou-sc urna questáo h1storiogrJfl~"' primordial: a hcgemonw económica inconlestc de Siio Paulo idenuficou a ~oJ h1stóna coma H1stóna do Bra,il do período republicano.
132
'U pa~!'ot.
A história do complexo agroexportador cafee1ro e da indu~mal11a.;ao a consl1tu1r-se em temát1ca pnvdeg1ada na" obra' de H1"tona do Braql de
.
í0 até boJe. os estudos historiográfico.;, pelo menos até a Revoluc;ao Con~titucionalista 19· . l)~2. tendera m a escamotear o sentidO real da hl'>tória paulista, persomf1cando o Je 1dl' de Sao Paulo e transformando-o ern -.uje1to do díscur-;o histórico. Mas a ~~~ravolta dos ano~ 10. sign1ficauvamcntc atestada pelo pen.,amento de Caio Prado ~.e ,1 prodw;ao académica. a partir da_ década de 50, desmlsti_fic_a~am o suJeito Sao p:~ul''· ... uh~titumdo-o pelo real conteudo que ocultava. a htstona da dommas:ao e~er..:tda 1 tarcf.t, ulllizaram como ponto referencial o modelo de de~envolvnnento da e.:onomia paulio;ta. Rcjeitando ou niio csse modelo. neces<;itaram pesqmsá-lo e compreendc-lo como centro din:lmico do cap1tal1:-.mo brasilciro que. por tsso me.,mo, se tornou o suJeito -.ubpccnte de sua" análises. A 1mportanc1a da obra de Cebo Furtado avulta entre as dcrnais pela introduc;ao da temática do 19 desenvolvirnentismo na historiografia. Contudo, e talvez mcsmo devido a neces~idade de urna rnaior prec1sao teóri~:a, as formas de reprodw;ao do capital em Sao Paulo ainda ...a.o a' que mereceram rnais atenc;ao dos histonadorcs da cconomw. Enquanto na "Repúbl1ca Velha·· o exercício direto do poder pela burguesía agrária cafeem1 impós a historiografía brasileira o estudo de temas onde a h1stóna de Sao Paulo e da elite política paulista sao dominante~ - republicanismo, política dos governadores, cxpansao cafee1ra, imigrac;ao, urbanizas:ao, política cambia! e financeira -. a me"ma relas:ao nao -;e conf1gurou nos período<; subseqüentes. Após l930, apesar da burguesi,t paullsta nao ter exerc1do diretamente a dire problemas lcónco~ para os h1stonadorc..,. Tratava-'c agora de entender as rclas:oe.., do E.;tado ce~tralizador e autoritürio com os 1nteresses das classcs socwis no Bras1l. Obra~ de ~ ~ra política como a de Víctor Nune., Le como a de Jo~é 1 Béllo (escnta em 1940 e rev~:-ta cm 1952 e 1956) tornaram-~e rcfcrenc1ais no las~!!-? historiográfico que -.e lhe" -.eguiu, rncsmo que fosse no sentido de contestáCo • Era neces!-.tado i1beral. ntrolatlo pela burgues1a agrári.1. e o ... urgimento de um Estado de compromism
di:r"
133
entre as classes sociai<> Divtdmun-se as optntóe'> avolumando-se as mterpretar;ñt ao quest10nar-se o novo papel ht.,toru:o das cla-.seo; dommantes. O desenvolvimento do capitalt,mo e o cre~cnnento do poder da burgue, 1 industrial. conjugado-. a amplia~ao da" da..,.,c.., médtas e do proletariado urbanr~ tornaram-se categorias expl icati va-. para a compreensao do populismo e do golPe mtlitar de 1964 Este último. <;obrctudo, evidcnciou Je fo rma mats aguda extgencia de compreendcr a-. linha' de for~a da evolu¡;ao histórica nacional t : naturen1 do Estado Mtlttar. ...usctlando poh~micas sobre o estágio do desell\olvimento capitalista -;ob o E'>tado Mtlttar e sua dimensao clas<; 1,ta De\lacaram--.e nc<;..;e debate Caio Prado Jr (A rewduriio hraHleira). Otávio lan~~¡ (E~tado e planejamento economico 110 Brcnil /930-/()70) e Florestan Fernandtl '1 (Revolu~úo burguesa 110 Brwtl). É fáctl depreender que. dific tlmente, se c..lesenvolveria sobre a históri 4 paultsta u m conjunto htstonográfico fecundo, baseado em urna vi<;ao regtOnali'>ta t localista, pois as metas da burguesía industrial e financeira, ultrapassando os limites económico-geográficos da burguesía agrária cafeicultora, se estenderam por todo 0 terntório nacional. A tdcntificayao de Sao Paulo com a história da Repúbhca de mon<;tra o vínculo díalético, e nao apenas teleológico, que a Htstóna mantém com a hi~toriografia. 22 Muitos trabalhos biográficos sobre figuras republicanas, embora trouxessem a público fontes !>Obretudo onundas de acervos particulares. adotarama per<;pectíva dos republicanos pauli!>tas e compu<>eram uma "galena" origmal de fundadores da República, na qual '>e. encontram, lado a lado. ex-monarquistas. republtcanos e dissidentes. 2 ~ E<>'ia produ~ao prende-se, e m grande parte, a urna cultura htstórico-política do In~;ti tuto Hi<;tónco e Geográfico Brasi leiro e de !>eUS congeneres estaduais. Evidentemente. admitindo a circularidade dos bens culrurais. a encontraremos também presente em trabalho~ das tendenctas mais conservadoras do meto academice, que 'ie atém apena' aos aspectos mais aparentes dos acontecimentos políticos. Contra essas (endencias colocaram-'ic histo riadores das décadas de 50 e fA que in vestigararn níveis mats profundo~ da~ relac;oes estruturats da formac;iO hi.,tórica nacional Emília Vtotti da Costa publicou c m 1964 e 1965, respectivamente. 01 ensatos "Sobre as ongens da República'' e "A Proclamac;ao da República" qo& além c..le trac;arem um balanc;o crítico dos trabalhos anteriores, salientatll nnporHincia da obra pioneira de Caio Prado Jr Evolurüo política do Brasil e . estados ( 1933) para o movimcnto revisiont!lta marxt:>ta da 111Stonografia brast ' . se tnc 1uw.• '4 em curso, no qua 1e 1a propna Para Caio Prado Jr. "as inc;tituic;oes impcriaís representavam um incompatível com o progre!>sO do país. e que por Í'ISO tinham de ser, maÍ' menos dia, por ele varnda-; A questiio servi l é disto o mais frisante exempJo.
134
. ,olw;iio nao fe7 o Império outra COtSa que protclar .. ". A-:. decorrenctas . - J u tr.J. r·tco, em 18_,e o....cnam . o motor progresststa . yuc e!l.ttn~rau eco ' · f" 1' · c. . l b ,aria 0 lmpeno ao seu tm e nao os sucessos po tttcos os ga metes. N esse le mento foram dd . . _ .. c..l o pat~ • e ,ua a os o~ pnmctros passos para a .. mod ernw1~rao !l1('lu'5o no ststema capttaltsta internaciOnal surgmdo. entao. ··uma parte · nac10na · 1. avt ' "d a de re.ormas. r •¡pCro~rc:s'>Í'-ota • da burguesta e CUJO" tnteres~e~ -.e ~n¡;~tla .. am a transformac;ao económica do paí-.". ldenllfica o~ burguese~ YJ ~re,, 1 sta:- com as attvidades do comércio e da-; finan~as. em !uta com os :gucse:- conservadores retrógrados. detentares da propncdade fundiária mamida peltt fon;a de trabalho servtl:
·..uanónuca:- dJ
na ala Cl>querda dcl>l>a burgue-;ia dcmocr:ítico-llhcral vamo' encontrar o~ republicanos que. em 1870, ~e agrupnm cm partido político. A Monarquia entrevad<~ pelos c~comhro!-- do pa~-.ado . >\ agonl/ava . -
Nao resta dúvida que a htstoriadora Emília Yiotti da Costa se identificava
com essa "nova historiografía", fruto da produc;ao acadcmica que definta seu trabalho pela ado~ao de critérios científicos. Reconhcccu que a formulac¡:ao intctal de Caio Prado Jr., dcsenvolvtda em suas obra~ posteriores, detxava cm aberto questoes fundamentai:> a ~erem pesquisadas: do quadro ¡m.tituci<)flal vtgcnte a.. [Prado] qua~c nada dtz <;obre qua1~ cram a'> forc;a'> e como atuavam. Meno:. ainda .;obre quats o-. grupo!:. mtcJc!>sados na preser\'ac;ao do passado e quat" os tnteressado!:-. nas mudanr;a~·· Acrescenta amda que novo:. ht-.toriadnn!!> ··procuraram estabelecer a conexao entre a Proclama¡,;ao da República e as transformar;oes ocorridas na cstrutur,t cconomtca e -.ocial do pab no decorrer do 2 2 Remado rcfertndo-<;e
a madequa~ao
nova~ for~a:..
Nos do ts ensaio-:. mencionados, oriundos de !>UH'> pesquisa~ sobre a :rdvidao nas área~ cafeeiras, a autora oferece um quadro. até entao o mat~ de~ngentc, '>Obre as re lac¡:oes entre as fontes de época e a historiografía. Nao .:c~~u . contudo, de apontnr a nccessidade de scre m me lhor investigada., a~ classes as ~~..,do Brasil , !->Ua ideologta e parttcipa9ao nos mov imcnto<> po líttr.:o~, bcm como Pror~:e~s~~adcs as oposi~oes d~~tro do seu i~te~10r, e m m?ment~s. e:.pccífico~. do · sa\a que o verdadetro revtSIOt11smo da htstona brastletra ~era fctto a partir ."~mento em que a pesqutsa venha testar as novas teonas" e o hi 'itoriador. •-.;Jo • ' -.,e . das· amarras que mantem com a sua e• poca, " pO<>'>a d ar en f"tm a'l . . . ·r · d d · stlgat·o··· iN.&_. .,. .... , carater mats ctentt tco. tntegran o e :,upcran o as tmagens que os ~rct · . , . . . . .. 1:!-1 da htstona republicana constru1ram suces!>tvamente atravcs do lempo .
.7
135
Fundamentalmente pro¡mnha-se a rcv 1\IOnar a hi!-.toriografia tradicionaliMél qu¡; nav ::>llp~r.l <1 \ l..:f~ilv \Jf1..1ü.. iJ..¡ pdu'> lc-.li::IIIUilhus UU~ Vt!n<.:cuores C d(¡.\ vencidos. Estendendo-se ~>Obre a::. transforma<;ñes económica.., do século XIX , ',) desenvolvimento da urhaniza<;üo e os 1n1c1o~> da industriahz.a~ao, anahsa scu impacto na!'> áreas da lavoura tradicional e na!'> fazendas de café no Oeste paulic;t¡¡ onde novas rclatritas pnm:ipalmente a lavoura cafeeira. Faz. reparos as chamadtao religiOsa e o republicanismo-, como dec1s1vas para o 15 de Novcmbro, cons1Jcrando-as como síntomas de urna mesma real idade condenada desde 1850 Para a autora, o mov11ncnto de 1889 "resultou da conjuga9ño de tres forr;a~: urna parcela do Exérc1to, fazendeiros do Oeste paulista e reprc\entantes dac; clac;ses médias urbanas que para obten contaram md1retamente com 0 despre..,tíg1o da Monarquw e o enfraquecimento das oligarquías trad1cionais Momentaneamente unidas em torno do ideal republicano conservavam entretanto. profundas divergencias, que desde logo se cvidenciaram na organ1za~ao do novo regm1e ... ". A essencia de toda sua análise é o reconhccimento da Revolur;ao de 1930 como fato inaugurador de novo período na h1stória do Brasil e nao a Proclamar;ao da República 1889 ·'nao ~1gn1f1cou urna mptura do processo h1stónco brasile1ro. A' conu1r;6es de vida dos trabalhadores rura1., contmuaram as mesmas, pennaneceram o sistema Je produ~ao e o caráter colonial da economía, a dependencia em rclar;ao aos mercados e capitais estrangeiros". Vános autores ded1caram-se posteriormente a explorar a temática do "istema de produr;ao colon.al e aspectos de '>Ua sobrev1vencw sob o capitalismo. tornando-\c esse tema centro de importante\ polemicas. 16 rOl vital para os h1c;toriadores das décadas de 60 e 70, influenciados pelo matenall\mo dmlético, comprcenderem os limites das propostas 1deológ1cas de uma revolu~ao burguesa e dos insucessos das propostas revolucionária!-. do proletanado no Bra<>il. Da mesma forma que para os golpistas de 1964, f01 vital afastá-los de suas dtedra\, encarcerá-lo!-. e torturá-los, reconhecendo pela violencia da repress5o a formO, onde se configuraram as d1feren9<1~ teóncas da esquerda mtelectual brasileira "obre a cocx1stenc1a do modo de produ~5o e.scravi-;ta e feudal no Brasil, seus defensores, Le6ncio Basbaum e Nelson Werneck Sodré, urna das figuras mareantes do ISEB, t1vcram cono;iderável Influencia. Seu' livros, ob¡cto de midosas controvérsias, repen-;aram, principalmente, o papel do' mll1tare., nas diferente!> etapa'> da revolur;ao burguesa em curso. Partmdo J
136
,.,
.l()-l.
...
sempre tendo como hori1onte a identifica
tf'l\ ava
O historiador Nelson Wemeck Sodre anal1sou os iníc10s da República como ndo 0 momento em que surge a burgue~>w nac10nal e se confronta com os :o~oprietários mrais tradic1ona1s 1mer-;os na-; rela<;:oes de proJu~ao ~~mifeudais. Os ~ilitares, defensores do nac1onahsmo e da dcmocracm. :,ao por ele Identificados J¡no um setor da pequena burgueo;ia ou da da-.-.e média. vanguanJa na Juta contra e{ '>< 0 J;ttiftindiO. Um dos pontos maio.; d1scutíveis de !-.Ua tcoria é sua concep<;ao, re1terada cm driac; ocasioes, de que um do~ trar;os espec1fico..., da formar;üo brasikira foi o aparecimento da pequena burguesía antes mesmo da burguesía propnamente d1ta. E-;-.a cla..,se, sem projeto político próprio, oscila políticamente entre aspirac;oes populares e burguesas. constitumdo-se na ponta de lanya do-. embates dos quai.., a burguesll.l sai vencedora. Bac;eado nessa teona, argumenta ter s1do o governo de Horiano altamente pos 1t1vo porque, além dos interesses da pequena burguesía, defendeu os mteresses populares da ganancw do" exploradores e Jo imperialismo europcu Contestando as fontcs monarqui•aas que execraram o mtlltari-;mo e o Jacobimsmo, a<.,sim as julga: v1gllancia contra os prív!légio~ de da ....,e. o sectansmo era o das m'>lttuu,:oes dcmocr.ítica-;, e o Jm:obm1smo era a preservar,:ao Ja snhcrania nacaonal.
re~gumdo
Divergindo dessa perspectiva colocaram-..,e Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda. Em 1957, Faoro publicar.! Os donos do poder. Formarcio do patronato político brasileíro. obra que obtena ma1or rcpercussao com sua cd1~ao rev1sta de 1975, período em que o autor -.e empenhou na Ordem dos Advogado<> do Bra!-.11 pela redemocrat1za~ao do país. Propunha uma teoria do patrimoniahsmo no Estado brasile1ro, largamente in!>pirada cm Max Weber, na qua! o estamento burocrático acima das classes teria exercido o poder ma1s constante sobo capitalismo orientado Discorda do revJ!-.IOni-;mo marxic;ta na avaliar;ao do papel das forr;a' armadas por adm1ti-las mtegradas "no estamento condutor, com prcsenya própria no quadro do poder. osten..,iva nos momentos de di\1sao no comando <;upenor. d1vi~iio que, na e~trutura estamental, conduz a anarquía". Expressfto do estamento e nao das classes, o Exército fora um veículo da modern1zar;ao contrad1tória que conJugava per,:as anacrónicas da don11na<;:üo portuguc<>a e idéias de vanguarda do capitalismo E-;.,e proccsso. baseado no pressuposto da incultura e da incapac.idade do povo, gerou cnses manifestadas pelo nacionall-.mo do 'éculo XlX e pelo JUcobimsmo ~t_i lu~o do.., c.ome9os da República, e rambém por desentendimerrto'> na camada 2 dlngeme que o Sl!>tema controlou aurontariamente para nao se de•.tru1r. ')
137
As teses tic Faoro foram a alternativa ideológica mai~ consistente para 1 pC!1SUI11Cn!O liberal na rrandt> CI'Í'-t' demOcr:íliCJ de 196-.l, as::,im LUIIIU ufcrec~ra~ sustentacriio para intclectuais que nao se alinhavam Üo; críticas marxistas, imcrsa.., n· dl'iCU<;.;i\o da prática das a96cs part1d:íria::.. ot .-\partir de 1960, comecraram c1 se1 publicado" os volumes da História gerat da eivi/t:.nfÜO br{/.\t!eira, colc<;ao dirig1dc1 por Sérgio Buarque de Holanda até o filll do Segundo Reinado, e a seguir por Boris Fausto. Como toda obra coletiva 11¡¡0 ap¡c-,enta homogeneidade entre '-I?Us colaboradores, neta o;e identificando a~ diYersa~ hnha'> intcrpretauvac; e 1dcológicas do momento. ~o · Entretanto, avulta ne::.~e conjunto e dele se dist1ngue o volume O Brasil nwnúrqu1co ( 1972). obra-prima da h1stonografia bra\lleira. de autoría exclusiva do hi..,toriador Sérg1o Buarque de Holanda Fruto de cultivada erudi~ao e de profundo diálogo com as fontes. o autor fat. <>ua prime1ra e dcf1111tiva incursao na lmtóna política, revendo fontcs t: interpreta~6es anteriores D1o;corda dos que acred1tavam ver a emergencia e parucipayao de novas classes na conJuntura do fmal do Império, nao reconheccndo na 1n<;at1sfa~ao militar elementos identificatórios de anse10s progress1stas de urna pretensa classe média ou da pequena burgucsw, para ele inexistentes. Tampouco atnbui as manife~ta~oes de rua da época do jacobmi~mo re1vindica~6es classistas específicas, uma vez que a popula~ao urbana do Rio de Janc1ro costumava há deccmos manife~tar seus protestos em pra9a pública, como bem o havia le1to com o unposto do vtntém. Ma1s longe ainda se colo<.:am a!> poMuras de Floriano Peixoto, \.-l'>tas por mu1tos como voca<;ao democrática do Exérc1to. Retomando cm dctalhes a questao da corpora9ao militar e sua condi~ao de cla-...,e, enquanto ativi(Jade profi\~1onal e nao por <:ua ongem civil, o autor detém-se ern mostrar os desgastes so frido~ pelas rela~oes entre a ofic1alidade do Exército e os suce~sivos gabinetes, desde a Guerra do Paraguai, para ponderar: Nessa~ c1rcunstanLta:- 11' ofi<.:1a1s militares podem mscreverse nn vanguarda das aspmu;ñes populares e figurar como portabandelras dessa~ asp1ra~6cs. Nao porque agem na qualidade de rcpresentilntes ou <.:nmponcntes das camadas desfavorecidas, 111<1'> porque ele' proprios, distanciados como se acham dos donos do pode1, e sujc1lOS como e<; tao dos ca¡mchos do favoritismo ofic1al tamhém se scntem desfavorecidos e podem de,forrar-se, por si e pelos oulro'>. Amda aquí é importante frisar que. por oficia1S militares. sao cntend1dos. neste caso. prulClpalmcnlc os do exércíto. A mannha de guerra emhora pos\a ter ua~o' comuns, no que di7 rcspello a mcntalidaclc mllícar e ao ·e,pírito de c01po'. com o exército, ~ente-se mullo próx1ma tl.l" camada' dirigentes. e menos inclinada a contestar c-.-;as camadas.
138
Em sua concepc;iío nao houve -;equer peso con'-ldcrtível do" progre..,w-ta' falendt..:lros d~ café no ep1sód10 da qucd1 d0 reg1me p01' "t'll pNier .;nmentP •.,ceu postenonncnte. ereEmprcendendo urna anállse mmuc1osa da cultura política brasilem1. rc:dimensionou o -.;ign1fica?o Jo potle1 pe:-.~oal do unperador, enfr~qt~c;;Jdo. pela articipa~ao na causa senil, na queda do regune. pol"'cle :-e cono;tltUia na umca ? ., ancia dew,óna sólida. visto que nao cxio;tia reprcsentat1v1dade cfctiva eleitoral: 10 . 1
sena in¡u!.to atnbuir toda a rc!.ponsabllidadc pela incrcm admnHslrauva ao' homcn-; que dcunham o poder. Gr:mde parte da IIH~fCia cabe, :;Cm dúvida, U mstab¡)¡Jade dCsSC poder, que - Lontmua . ve d m a qu,\1quer a~ao e a 1ongo prazo "
A extensa análise de Sérg10 Buarquc de Holanda e~tabclcce um diálogo oculto peculiar com h1storiadore!-. e suas fonte~. Nes\e diálogo, a historiografía cons1ste em fonte ela própria Mais do que explorar as interpreta¡;6cs oferecidas, o autor cxarruna rigorosamente o seu contcúdo empínco ent rela<;ando-o com as fonte~ de época. Ruptura ou continuidade, revolu~áo ou concilia~flo foram categonas exploradas pelos historiadores, até pelo menos a década de 80, quando as tendencias da "nova h1stória francesa" - críticas da teona marxista da História penetraram fortemente no BrasiL Notam-sc sensíveis mudan~as ocorridas no intenor do discurso académico, va1 desaparecendo a uullza~ao do vocabulário marxiano. Assim, os di...curso'- que antes eram denominados de "idéws" nao sao mais o;ó palavras que cxpre~sarn mteresses, mas práticas faJadas, fatos concretos, c;imultaneamentc real e rcpresentac;ao. A aten<;ao do olhar historiográfico em dire~tño ao "discur'o popular discordante", abnu um legue de novos objetos de pesquisa, como por exemplo: habl!a~ao, <.,aúde, lazer, alimenta~5.o, co~tumes, emorroe<-, reilgiOsidade, o c;aber e o pensamento cnquanto prática, etc. É sintom<Ítica a emergénc1a da palavra cotidiano, quase ~empre representando a !uta pela sobrcvivéncm do., mais pobres, vista como ato político e estratégm de resistencia i1 dominayi.'ío que permeia o tec1do soc1aL Emergem nesse conJunto da proJucriio atual, e com forte presenr;a, temática\ 2 relacionada~ aSituayiiO feminma. a SltUa~:ÍO do menor e a SltUa~ii.O dOS excluídos. ~ Em seu conJunto a produ~ao histot iográf1ca dos ano!> 70 e 80, embora profundamente intluen<.:iada pela corrente revisiOnista, mergulhou nas mvcstigay6es ~~ caráter monográfico, abandonando a história de longa dura~ao Nesse momento, Ja '>olidificatla po1 anos de el abora~::ío, a cu ltura académica passou a oferccer a face plural do Bras1L Os grandes esquema\ teónco~ foram testados nas realidades rcgiona1s, no<; estudos de ca~o e na abordagem 1nterdisciplinar. Nesse esforlfO de
139
comprecndcr o paí..,, a~ categorías por demai ... abrangentes, IC\tada.... nao resistira 111 Podcr-,c-ta af1nnar que o povo e a~ cl,I'>SC\ '0Ctal'- comel¡'ar,lfn " mnstrar sua fttl'c 11 emcrgindo do proces'o histónco como mdi v1duos ' Mul!lplicaram-'íe as pesquisas nos diversos Estados sobre a prát1ca do poder, em '>eus aspectos conjunturais, e ...truturais e cpisódí,os, 1Jenttficando scu... confl itos e l'ontradi\=6es nas rela~oes da' oiJgarquia<> regionais. do~ parttdo, dél\ e 1a\ses -;octal\ e etnms. . _q . po l tttco-.. A abrangencia Ja esfera do políti<.:o passou tamb¿m a -;er -;ondada 110 umvcr'o -;otiocultural urbano. F.studos locaiJz,tdm na cidadt: do R1o de Janeiro , 11 1 pa,.,agem dn 'éculo, como os de Nicolau Sevcenl..o e José Murilo Jc Carvalho interrogaram-se sobre a' rela<;6es das tens6es polítu.;o-sociais entre, . - cu 1tura1e as maniH!stac;ocs '/" - popu 1ares. '~· respecttvamente, a cnapo Enguanto. anteriormente, os agente' polítiCO' do período - repubhcanoc;, jacobino., e monarquistas - foram contemplado' por retlex6es Je cunho geral ua cultura política. agora pao;o;aram a constttuir-se em objeto específ1co do conhec1 mento, ganhando hi.,toncidade e m se u.!> contornos e dist11196es -'6 Suely Robles Reis de Queiroz, aurora que se dedicou a investigar em profun<.lldadc o discurso e a prdtica do jacobinismo, empreendendo aval iac;ao crítica do tratamento dado pela historiografía ao tema, na qual contempla o intrincamento da~ diferentes posic;óes, sa/iewa a comple.\1dade de.sse movimento:
Da mesma forma que os jacobmo\ o .., monarqul\l
"eu' princtpa1s foram contcmphdos 'iob tl!'W1 ót1c1 Ohq'rv:~va-,t• entao que ,, 1111 ~:((11~ografla, a rev~lia das própria... fontes republicanas. havla de'iqualificado scu ·nsamento e sua a<;ao. !"' O fato de o mov1mento monar4ui..,ta {.k..,cnvolver-se l.!lll ~,;on,onancia com il mfronta~ao dos diferente' projeto!'> de dominat;ao republicana nao agiu cm \CU Cl , . Jc:·J:nor Pelo conrrano. po'" b'l' r ttou- lhe atuar. ape~ar de pahdamentc, cm JlllllllC:ll lOS [C\Olucionário,, Vtta!Jzando e dando \CIHÍJO a \Uél propaganda. Seus escritores esfon;aram-se 'm ncg<~r o cnvolv1mcnto monarqUista cm rt~\olta s e con..,pira<¡:6e;., ... alkntando apena" o vigor da propaganda JOrnalístic.t rc:alizada: ao mov1mento rcac10nário de uma fra<;üo da cla-,,c domtnante convmha mai" ...er lembrado por 'ua' conv1c«¡6es políttcas do que pela prática que empreendera. E com isso. pas.,ados os embates mai' acirraJo-. com os repubilcanos. pudc:ram nao o;ó desfrutar da con ... idera~ao que a sua situ,lt;ao de cla'ise lhc' confería, como também ocupar cargos no novo regime. A culpa das violentta\ sofridas por membro.:; do movnnento fot atnbuída a exaltadm jacobinos: com t.sto quenam dt¿er, a elementos de outras classcs sociais e nño a nov::~ fac\=ao hegemónica, facihtando Jcc;<;a forma a futura conv1vencia entre rivais políticos, que ..e rc'>peitavam mutuamemc. A memóna monarqu1sta expurgou tudo o que pudes~;e lembrar o ativismo do movimento, .!>Cndo a<;'>lm co-respon.,ável pelo scu dec;aparec1mento na hi.,tonografia. O di<~curso monarquista upre~entou uma fortada, tanto na época quanto posteriormente.311 Por ocasiao do centcnário da proclamac;ao da República, publicacróc.!> d1versas, congressos realizados e depoimentos divulgado.!> ate~tarum a convivencia de po,tura\ htstonográficas diametralmente opostas. De fio;tOnomJa nao academ1ca. a H1stória-memória-nacional recon'iagrou as imagens cara~ aos testemunhos da época, mostrando a permJnencia no campo ideológ1co da-, que-.toes por ele., discutidas. Obras acadcmtcas atestaram, principalmente, a pluralidade da atual produc;:iio h1storrográfica, aqut Já apontada. .,l1.,.
Identificar o grupo jacobmo cnce1ra urna \éric úc dificuldadcs. A l11~to1 iogralia cm gernl privilegia os exaltados elementos urbanos que aos gritos ue "mata galegos" perscguiam portugueses pela\ ruas do Río de Jane1ro, perturbando a 01dcm pública. Daí a~ cxpre:.socs peJorativa'- extremistas, maland1os, dcsordeiros- com que cram apodados Mas a leuura da:. fontes revela mu1to ma1:.. além de intelectuaJs, parlamentares e polítiCO:. ligados a ollgarqums c.stadua1s ou coniventes com ela-;, a presen<;a ponderávcl de militares a 11npnmir suas características particulares ao movimento. É possívcl pcrceher que, nao obstante a particlpa<;ao 1ns11gadora de civ1~ mteressados cm utilizar o exérctlo como InStrumento de prorós1to~ polítiCOs na contmuac;ao de urna pr médias urbanas, a retóncaJacobllla é 111t1damente castren~c NeJa ressalta um conteúdo j
Tanto os contempodincos como a maiorra dos hi..,tortadores viram o advento da República como uma fatalidade histórica. A percepc;ao fatalista, utillzada como categoría para a compreensao do Pas<;ado, baseia-se na mcvitabi lidade da evolut;üo dos aconte<.:imcntos. De modo geral e esquemático. esse dtscur~o articula-se cm torno de avaliac;6es conjunturais do final do lmpéno, conclurndo que as in,tttut~6e., monárquica\ haviam a tal ponto '-e e-,clcro~;ado que, dentro do' anttgo.!> molde' do poder, nao scrra po-,~ível abo;orvcr quat,quer mudanps provcntcntes da reart IC.:Ula<;ao das for<;a ... economtco-políttco-
140
141
A R EPÚBLICA COMO FATALIDADE
social~ O mundo tram.formara-<;e. modernl/ara-<>e e o velho regime estava. pelas leh da nature7a. ou da cien<..ia- Jependencfo da fnrma\~o tennca do autor-. fadauo a ~er -.ubstltuído pelo novo, a República:
A mcd1d.1 que a\ :~nrramos 11.1 cvolu9iio do Impéno, a mtcrna vai pc1dendo cm ttllcn~Idadc e as qucstocs externas vao -.cm.lo rc:-.olvida~ [.. ] a Monarqu1.1 realimu e mai., <.lo que h~o. pic,cn·ou a unidadc n,KI da Monarquta e aos quais viio ser acrescentado~ os ...cu:. próprios problem.tl. w agita~ao
Apesar do discur~o hi storiográfico reve~tir-se de estilo próprio, acabou por utilizar o~ mesmos argumentos levantados pelos homens úa época para just1f1car a mviabilidade de um terceiro Remado. E nao foram simplista!> ou ingenuos os políticos da Monarquía Recorreram vánas ve7es a documenta9ao de áreas técmcas e económicas. Mcsmo emre os parlamentare~ mais expressivos do Partido Conservador, duvidava-se da concreti . w9iio de u m terceiro Reinado no Brasi 1 A coex istencia e as al!anyas dos partidos tradicionais com o Partido Republicano, a partir de 1870, vinham envoltas por discurso~ ondc a temática da ''evolurriio dos tempos" era constante. Recorría-se ao exemplo do progresso dos Estados Unidos da América do Norte como urna meta a ser atingida. Nao foram poucas tla. A..,..,,m, a explanw;iio fatalista do final Jo Império e o conseqúente advento. cedo ou tarde, da República, cncontra sua 0 1igcm no própno momento em que a sociedacle se confrontava com seus caminho!'. No emanto, cnc¡uanto para os contemporfineos a história imediata abna--;e e m per<>pectl vas e expectativas de u m futuro nao pré-figurado, para os historiadores o futuro foi visto definitivamente como pass.tdo 142
A persistencw dcs~a" Idéws pode ser r.tstrcada em produ<(6C~ de diferentes auzc~. wnto nas que pnvdcg1am O'> fatos ~..umu pu1l.tÚU1c:- J~.. v~..rJ..~J~..~ ab~vlutas. fll a' tambem • . . . d a d,ecad a de 60 e M!US segu1"dores quc entre os rev1s10n1stas 11;,alisaram as mudanrra~ e~truturais do século XIX. cstes vmun a República como ~¡na neces<>ária adequa~üo da '\Upere~trutura do nível polítJco-admllll'>trat¡vo a" txieenctas do modo de prodw;ao capitali-.ta. desconsiderando a-. especific1dade:-.
e -
contida" ne.,se proces,o. Embora ex1~tam d1fcrcn~as sub!>tancials no per<..ur-,o explicativo da-. Jiferentcs interpreta<;6es teónca!-, o seu d1st:ur..;o acaba por desaguar no mesmo re.,ullado: a única solu¡yao para il'> "críscs'' do fnn da Monarquw '>Ó podena -.er ,, Renública cafeicullora, pret:cdida da d1tadura 1nthtar. como tot. Portante. percebe-,e que po-.i~oes d1vcrgentc~ l1dam com os mcsmos pontos refcrcnciais. 1sto e, o-; faros consumados Seria tcmeráno admitir ou tccomendar que a h1storiografia nao o e<.se. ma-. este nao é o ún1co ponto. Entre o momento impre\I'>Ível e o futuro já 111 rnumificado em passado, "itu.1-~e a histonctdadc Des.;e modo. os dt-;curso~ historiogrMtt:os claboraram uma narrativa lógica e contínua na qual os testemunhos contestadore!> cederam lu gar as nuane aju\taram em encadcamcntos que nao possuíam, adquirindo inatacável coerencta. Surpreende que "e tenh.t constituído um d1scurso -,obre a proclama9ao da República, onde os confiJtO\ e as divergcncta~ foram de tal forma racionalizaJo~ que apareceram mtnimindo~ ou rotulados ele ··mmúcias", enquanto os testemunhos da época apontam exatamcntc o contrário. Es~e d1scurso é de inequívoca eficiencia, na medida em que conhecc e utiliza a'> próprias fontes que o contradiLem. ~duz111do, contuúo, o seu s1gnificado. Nos último!> dcz anos, a produ9ao hi-,roriográfica brasilcira vem procurando se libertar das detennina96e!> fatalistas mas, muitas veLe~. equivocadamente fragmentando, no examc da multtplicidade dos seus objeto<., a própria abrangencia do seu dic;curso Ao lado de inegáveis avanr;o" no conhecimento histórico, nota-se em parte dessa produ<;ao a tendenc1a de desca11ar. sem utilizar parametros crítiCO'i '>eguros, a valiosa contribUJ<(ÜO do revis10ni.,mo marxi<>ta e da mal denominada "hiMonografia posit1vt:-.ta" Descer ao parllcular é urna incursao desejável. a~"im como perceber h1storicamentc o cottJ1ano. a memória e as manife<>ta~6es cultulal'> Entretanto, esses procedimentos exigem um retorno dialét~eo ao geral. Impoe--;e urna volta a históna da longa durarrao com o objetivo de rcdtmens10nar a~ dcscobertas realizadJs e. nessc fazer criatJvo, a crudir;ao indubitavelmente assumin1 Papel pnmordial.
143
A HISTORIOGRAFIA DA CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL: TRAJETÓRIA E TENDENCIAS Claudio H. M. Bata/ha !UNtCAMPl
J~TRODU<;ÁO
O
ob¡ettvo de~te texto é tratar da produ~ao historiográfica ~obre a classe operária no Brasil, da produ~ao anterior a existencta de um espa~o academtco para e., ,a história a '>ttua~iio atual dos cstudos
ne-.sa área. O próprio título reflete o proces<~o ocotTido nesse campo de estudos falo de históna operária, ou M!Ja, da htstóna da cla,se operária sob todos os lli-pecto-., em \CZ de empregar o termo história do movimento operário, limitado ao estudo dos segmentos organtzados dessa classc, ainda que scm dúvtda mais con·ente. A inten~ao é cobrir cronologicamente o período que se estende dos anos 50 aos dias de hoje, através da análise das pnnctpais tendenctas de interpreta~ao da htstória da classe operána. Deixando, desde jü, claro que as mudan<;as ocorndas na mterpreta<;iio da história operána ao longo dcsse período, refletem nao apenas a evolut;ao teórica e metodológtca que se processou nesse campo de estudo.,, mas também a conjuntura política atravessada Todo arttgo que pretendn dar canta da produ<;ao dentro de determtnada área de estudos sofre de algumas limita<;6es inevttávcis A pnmcira limita<;ao diz rcspeito ao espa~o, que é re~,trito, impoo;.,tbtlitando que tudo que efetivamente foi produzido seJa mencionado. Dcsse modo, a btbltografia cttada nao pretende esgotar a produt;ao sobre o tema ncs<>e período de mats de trinta anos. o~ títulos mencionados tem fundamenwlmente o objetivo de ilu.'.trar as tendencias 111terpretativas tratadas. Portante a b1bltografia citada é 111completa e ltm1tada Ela se concentra majoritanamente na produ~ao referente a Pnmeit a Rcpúbltca, que aflllal é o período quanlitativamente mats rcpre~entado no-; e"tudos "obre a hi~tória opcrána. Um número reduzido de te.'.e~ nao publtcada' fot tncluído (é d1fícil ter acesso a toda Produ<;ao extstente, particularmente nos programas de pós-gradua!fiiO com menor trac.ht;ao nesse campo de estudos). Sao citado~ apena-. algun.'. e'ltudos a rratarcm de l.'a.'o" fora do Rio de Janeiro e de Sao Paulo (pouco" chegam a ser publtcados e 145
quando o ..,ao, saem por editora~ universitárias ou local'> que nao tem distribu 1 ~¡¡ nacirmall E os estud0· gu._ indiret.:tmcntc Ji.l\..111 to..:'P'-Ilu il hi:.túria operárj:1 (dedtcado~ a temas como: industnaliLas;ao. políticas patronai ... , políticas urbanas: -.anitána:-.. 1110\Ímentos e rcvoltas populares urbanos, cultura popular. etc.) foralll dc1xJdos de lado. me.<.mo tcndo con:-.c1cncia de que ncm semprc é possível delimitar com clareLcl d'> fronteiras. Es.'>a d1ficuldade é particularmente sentida no caso da hi-.tóna da esquercla, que freqLkntementc se confunde com u história operária. A, obras dos brasiliani\tas ou publicadas no exterior também só aparecem nestas linh¡¡, na mcd1da em que exercem uma influencia mareante -;obre a produs:ao nacional (o que OLorrcu particularmente nos ano~ 70), ou yuc reprcsentam inova~oe~ s1gn1ficat1vas. Havendo, amda, poucos exemplos da produs;ao sociológica e da c1enc1a polít1ca posterior aos anos 60. preferí concentrar a análise na produs;ao dt: carátcr propriamente hi.<.tonográfico. Por último, convém mencionar que toda amil1se dcssc tipo também é tributcíria da forma¡;ao daquclc que a escreve e de scus interesses e escolha~ pes<;oais Assim, se é mu1to provável que a maioria dos historiadores concordem no que di7 rcspeito as obras que possam ser considerada~ "clássicas", o recorte aqui prop o~Lo d1ficilmente alingirá o con~cnso .
A PRODU<;:ÁO MILITANTE
Como no caso de outro-; paí~es os primciros e'tudos sobre a classe opcrúna no Brasil foram produ7ido'> por militante!>. E, por mi lttantes, refiro-me tanto a ~md i ca li stas e ati\J~tas polít1co-; de esqucrda, como também jornalistas ou advogados, vinculados de forma militante ao movimento operário. Sao portanto os escntos historiográficos desses nüo-academicos que chamo de produ~ao militante. Dentro dessa tradis;üo é difícil, para nao dizer lmpo~c;ívcl, determinar COI11 ccrtc¿a qual o primeiro trabalho que tanto ~e preocupa-,,e com a lmtória operária, como que t1vesc;e algum cunho hi-;toriográfico. Nao faltam exemplos, desde o início do 'iéculo XX. de artigo'S e obra.<. que contenham elemento~ de uma história dJ claso;e operária no Brasil ou, pdo menos, de suas parcela-. organizadas Referencta' i'1s condis;6e-, de existencia e trabalho da classe operária e~tiio presentes na coletánea de art1gos Apontamenros de dtreito operário ( 1905) de Evan<>to de Moraes (Morae~. 1971 ), publicados originalmeme no Correio da Manlui. No mesmo sentido, h1stóncos de associa¡;6es open.íria-. podem ser encontrados em artigos na unprensa openiria e smdical; em re latóri os, como os encaminhado-; por vána-; assoc1a~óe~ operárias ao Segundo Congreso;o Operáno Braslle1ro de 191 3 e publicados na Vo: 1 do T/(/halhadm : em folhetos, a exemplo do que é publicado pela Uniiio do' Operario<> cm Constru<;áo C1 vtl ( 191 9) do Rio de J,meiro. e, cm publica;oes ofic1ai' 146
l!mi-oficiais do tipo de Barbosa (1908) e de
A~.~i'itencia
~~t,~k Janciro (Prefcitun do Di~trito Feder1l 1Q?O)
Pública e Privada 1w
No entamo, e~'ies vano~ exemplos amda nao comportam uma preocupayao histonográfica central, "omente pre~ente de forma ma1s <\IStemática em obras Já dos nos J950 e 1960. 3 Nesses anos. a produ¡;ao militante assum1rá fundamentalmente dua.'> forma~. das efeméndes (a excmplo de Linhare:;., 1977, originalmente publicado cm 1955): a Jaquilo que podcríamos chamar de história:;. "corte" ou hio;tórias "inaugurai;," ~tendo c;omo princ1pal cxemplo Pere1ra, 1962). Freqüentemente urna úmca obra assume mais de uma de~sas formas. A~ pnmcira" sao compostas de um arrolar cronológico dos grandes feJtos do mov1mento e de suas organiza~óes. greves, congressos, Jans;amentos de publicay6es, fundas;ocs de associa¡;oes e partidos ... As últimas, cujo exemplo ma1s óbvio sao as hi-,tórias do Partido Comumsta c. a hbtoriografia a ele vinculada. div1dem a história da cla-,se em dois momentos: urna pré-história inconsciente; e urna verdade1ra história que só tem início com a funda¡;áo do Partido Comunista em 1922, momento de corte, inaugurador de urna nova etapa na vida da classe (Pereira, 1962; Telle~, 1962). Há ainda um tcrceiro genero, as memória<;, CUJO aparecimento é ma1s difícil de limitar a u m determmado periodo, parece atravessar incólume as modas literárias e academicas. como fica claro pelos vários exemplos (Dias, 1920; Lima, 1982: Batmi, 1991), e, muitas veze'>, incorporam elementos das duas primeiras. Em comum, cssc<; tres tipos de produ¡;ao rruiitante tem a funr;ao legitimadora, da clac;se, da política sindical , da corrente ideológica ou partido, ou, ainda, do indivíduo mtl1lante Até os anos 60, quando as sínteses sociOlógicas tornaram a história operária sindical um tema de análises academicas, o que existía era a produ¡;ao mtl1tante na sua maioria produzida por comumstas. Entretanto, isso nao quer dizer que a produ¡;ao militante esteja limitada ao período antenor a 1964, ou que ela esleJa reduzida a produylio de historiadores "amadores'', talvez amda hoje seja possível encontrar exemplos de~~a produ~ao; entre os muitos casos mais ou menos recentes cabe mencionar a vac;ta obra de Edgar Rodn gues. (1969; 1972; s.d., 1979), e histórias do PCB como a-; de Segatto ( 1981) e de Sodré ( 1984). Além d1sso, esse g~nero certamente nao é uma exclusividade de ve1hos anarquistas ou do~ !lnnpatizantes dos partidos comunistas, nao faltando exemplos em outros setores da esquerda, ou melhor, na vcrsao local da ·'nova csquerda", como é o caso de Sader ( 1980) . Essa producrao possu1 certos tras:os característ icos, tanto no Brasil como em outros países, taís como o estilo hagiOgráfico (como já apontava Haupt, 1985); a JÚ lllencionada fun~ao legitimadora do papel e da-. políticas das organizas;oes ou dos lndlvíduos de que trata, a cria¡;ao de uma cronología própna; e a conccp9iio teleológ1ca da híc;tória. 147
A coletanea de artigos <.lt: AstroJil<.lo Pcreira esc1 itos entre 1947 e 1961. qu cm 1962 saíram em llvro com o título 1\ formarüo do PCB (P~:!reira. 1962). reúne toda'> as caracrenst1cas dessa prodw;üo. Essc:-. art1go:-. cobrcm o período que va 1 doe \ anos que antecedem a fundar;ao do PC ao tcrccJro congresso desse partido realizado entre 29 de dezembro de 192R e 4 de jane1rn d~ 1929. Ejá nessa obra t!\tá presente a noc;ao. que até hojc pode 'cr encontrada, de gue a fundar;ao do Pe 1nauguraria u m novo período na hl'tória oper<ÍJ ia bra,lleira e urna demonstrac;ao do unuH.Iurecimemo político de"a cla"c 1922 torna-"e uma data inaugural na hl'>tlina operana. um marco. Há urna dm1en,ao fortemcnte anacrünu.:a ne,sa ohra. uma vez que 4 , crít1ca-. de A'>troJildo Pereira polít1ca do PC naqucles anos sao sempre formulada.\ do ponto de vista da polít1ca v1gente no partido ~~ época cm que os artigos foratn cscnto<.;, ou seja, com urna d1st:inc1a de mais de v1ntc anos. Apesar de suas óbvia-. llmitaryoe.'>, a proJu~ITo militante sobre a l11Stória npcránt~ tem mérito-;. Antes de tudo, o ined1tismo e p1one1nsmo dessa produr;ao bses autores militantes sao os primciros u cscrcver uma h1stória. alllda que tdealizada e hagiográfica, da clas<;c opedria cm urna época na qual só havia espa9o para o estudo das classes dommantes. Além d1sso, csses trabalhos (particularmente as memórias) contem informayoes precio..,a~ para o C.'.tudo da IHStória operária, malgrado seu caráter partidário.
-
a
AS SíNTESES SOCIOLÓGICAS
··Rcl•tliócs indusrna1s em dua .... comunidades bra.... deira-.", n:publlcados junto!'. no hvro .• ,.tforle indusrrial 110 Brasil (Lopes. 1964). que costuma ser apuntado como o ~1< 1 ,,. J, , d ' A d ,,. . llll!lfO das ana JSC'I soc1o og1cas o mov1mento opcrano. ,, part1r a ana I'-C pll f'b. .1 . ' • • pírica da a nca. o autor pmta em granues tra¡¡o~ a~ caractcn'>tlcél\ yue ~enam e~·aJeradas como scndo as da classe operária pós-1930: origem rural e ausencia de ~~whiliJade profis'>~onal. de padrües de a~ao coletiva, de tradir;óes e cren~as de cla,se. A contar de Juare7 Brandao Lopes, '>urge uma lmhagem de trahalhos que daü dinll!ll'-iio histórica ao.., tra~os estabelec1dos por c..,se autor na anál.sL. de ca:-.os c<'n~rctos e h1stoncamente '>ituados. a come~ar pelo art1go de Fernando Hennque C;uJoso, "SHuar;ao e compo'>ir;ao "iocial do proletariado bra'>ileiro" (Cardoso l'161 ). Nessa anállse, desde a Pnmeira República faltam .:;ondi'rocs para lJUL. a cla~:-.c ,e constitua enguanto tal Es<>e período '>ena man:ado pela ausenua de industrializacrao forte e homogeneizadora das relacroe., o;ociaJ<; A marca dos anos 1930-1940 seria a falta de liberdade sind1cal. E nos ano'> 1950. o pnnc1pal tra~o seria a ausencia de valores industnais entre es.<,es trabalhadore!'. sem tradt~ao tiP. ctas~c. Essa s1tua~ao só poderia ser remediada com a tran<;formacrao da sociedade bn"ileíra numa verdade1ra sociedade cap1talista urbano-industrial, "adestrando" a 2 a~ao proletária para situa~fio de classe. Leonc10 Martins Rodrigues ( 1966), que constituí o modelo mms acabado da síntese socJológJca, dJvtde a história do movimento opedno brasilctro em pré e pós-1 930. A passagcm de um momento para outro seria caractcnzada pela mudanc;:a na composir;ao sociológica da classe operária, que teria como consequencia mudanr;as nas asp1ra~oes e no comporramento político des<;a classe. O pós-1930 correspondena h situa~ao descrita por Lopcs e Cardoso: JÚ antes de 1930 o operanado '>ería de ongem estrange1ra. rrunontáno, sem part1c1par;ao polít1ca, com lideran~as mais voltadas para a Juta contra o capitalismo e a propriedade privada do que para problemas colocados pela reahc.ade brastleira. José Albertino Rodrigues ( 1968), que p1one1ramente cnuca 1930 como marco, apontando descompasso entre movimento smd1cal e lcgisla~ao trabalh1sta, propoe urna divisfío cronológica da históna do movimento operário smdical brasileiro cm cinco fases·
Ao tongo dos anos 60 teve 111ÍCIO no Bra<;JI urna tradt~iio de estudo~ academices relacionados com a classe operána. Essa tradir;iio abarcava sociólogos preocupados em elaborar grande .... '\Íntese...., que estabeleciam teorías explicativas do movimento operário e de suas op<;oes 1deológJcas. Foi com ela que foram introduzidas e cristalizadas nor;oes tais como: a origem estrangeira da clao;se operária, o vínculo entre a mtrodu~ao do anarquismo e cssa ongem; a hegemonía do anarquismo no mov1mento <;indica! da Prime1ra República. Anos antes, porém, tmha s1tlo publicada urna das primciras obras a buscar uma análise do sindicalismo braslleiro, incluindo d1mensoes históricas, dentro de urna perspectiva académica, O problema do sindtcato IÍnico no Brasil ( 1952) de Evansto de Moraes Filho. Sob vários aspectos sustentava posi~oes diametralmente oposta~ agudas que marcariam a proclu~ao ..;ociológica dos anos 60, insurgia-se, por exemplo, contra a perspectiva de cortar a históna opcnína em antes e depois de 1930. Permaneceu um caso 1solado, nao tenJo sido sucedido por outros trabalhos. e <;omente reeditado nos anos 70 (Moraes Filho, 1978). Mas é Juarez Brandño Lopes, com os arllgos publicados em 1960. "Ü' aju..,tamcntos do trabalhador ú indú!-.triu. mobilltladc \OCia! e motiva~üo", e 1961.
de.<>se llCríodo em que a análise hi~;tórica está fundada numa pesyu1sa cmpí1ica <.le fólcgo, amela que re<~tnta a Sao Puulo. Nos demais ca~o~ predomina a tcndéncw de
148
149
13 23 33 43 -
s·-
período período período período período
mutualista (antes de 1888); de resistencm ( 1888-1919); de ajusramento (1919-1934); de controle ( 1934-1945); competitivo ( 1945-1964)
Já ALIS Simao ( 1966) é tal vez o único dos
tmbalho~ acadcmJco~;
generah;ar para o Brasil. o que ~upo~tarnente ~ería o caso paulista, mas rnesmo a earacterizac;:ao deste último está ba~cada ern pesquisa empínca l1m1tada.
ÜS BRASILIANISTAS E 0 MOVII\1ENTO ÜPERÁRIO
l"\ÍCIO DA HISTORIOGRAFIA ACADE.\1ICA Do
Nos ano" 1970, a história academ1ca entrou no campo dos estudos operárj0 , que até entao estava limitado a sociología e cm menor grau a ciencia política. P bra!.tllamstas introduziram um u<:o multO mais vasto e rigoroso das fontes, particularmente da tmprensa operána. Ainda na primeira rnetade do~ anos 70, o diagnóstico feíto por al gu n~ brasiliamstas sobre situa~ao dos estudos relaciOnado~ a classc operária no Brasil era pouco llsonjeiro, porém cxato:
cxcc¡,;ao cm parte do trabalho de Azi~ Simao, a literatura exl!ttcntc n:io 101 bascada na pc~quba de jorn.lÍ~ do movimento e de publlca'1ÜC~ do período (Gordon. Hall. Spaldmg. llJ73 : 29)
Já na produ<_;ao brasileira há que mcm. ionat u anigo pionl.!iro J~.. Maria (ecília Baeta Neve,, "Greve dos sapate1ro~ de 1906" (Neves, 1973) que constitUJ taJvct 0 pnmeiro excmplo da h1sronografia do mov1mento operário que na'\cJa nos ano-. 70
Mas~
O iníc1o d.t da~-.c oper<íria hrnsilcira e do movimcnto opcrário fo1 rar.1mcntc c~tudado por a~:adém1cO~ e, com a
Bori'> 1-austo ( 1976), que é provavelmente o ma1s conhccido trabalho ora~JlcJrO nc~.\1.. campo de estudos des..,es anos. a tet urna perspectiva hi~tonográ f1ca. Me..,mo contendo alguns elemento~ da produr¡:ao socJológJca Jntcnor. em cup tnlha :.Jtua seu própno trabalho (Urucamp). Oes'>e modo, inaugura entre os estudio.,os brusllciros da ci:J-;-.c opcrária, procedimentos de pesquisa que sao de praxe no ofício de hJ!>toriador. mas que até entao eram pouco segUJdos. Outro exemplo conternporaneo é fornecido por V1anna ( 1978). origmalmentc crn !.Ua tese de doutorarnento em Ciencm Política defend1da em 1976, na qual, preocupado cm relacionar movimento operário com ac;:iio do Estado, constr61 urna exphcac;ao da h1stóna em grande parte apo1ada <>obre a leg•slac;:ao trabalh1sta e o.;Jndical de 1889 a 1946 e recorrendo fundamentcllmente a docurnenros ofJCJaJs e a literatura secundária Se nao nas imerpretac;:oes, pelo menos nos proccdunento~. Vianna está mais próximo da literatura '>Ociológica dos anos 60. Mas um smtoma ev1dente de que a hrstória operária encontrara urna in..crc;ao academ1ca na década de 70 f01 a defesa das pnmeiras dissertac;oes de nll!:.trado nec;<;e campos de estudos, como Líg~a O. Silva ( 1977), Sílvia Magnani () 978), Ferre1ra ( 1978), trabalhos iniciados nos pnme1ros ano<> da década Dos tres exemplos citados, o~ do1s últimos seriam mais tarde publicado!'.. Os anos 70 assistiram também ao surgimento de centros de documentac;:ao dedicado¡, a lllstória operána, para Citar apenas alguns exemplos além do Já ~cncionado Arquivo Edgard Leuenroth da Umcamp: em 1977 fo1 cnado em Mdao JUnto FunJa<_;iio Giangiacomo Feltrinelli, o Archiv10 Storico del Movimcnto Opcraio Brasllwno - ASMOB (Arquivo Histórico do Movimcnto Operário Brasilciro); e cm 1980 em Sao Paulo, o Centro de Memóna Smdical. Ao mesmo lempo, o rico acervo relativo ao Brasil contido na cole9ao Max Nettlau do lntcrnattonaal Instituut voor Sociale Geschidenis (lnlllltuto Internacronal de Hi.-.tóna ~OC1al) de Amsterda, já vinha sendo explorado desde o mício da década pelos ra.,i 1ian i!'>ta<;
150
151
a
O interesse tardio do-; h1Monadores brasile1r01> pelos estudos relacionados com o operariado. nao pode evidentemente "er explicado '-f'111 '-f' lf'var em canta <1 situa~ao vivida no Bra,1l -;oo o regm1e mtlttar. A ex1gencia dt:! "atestado, ideológ1cos" e de -;eni<;o" intemos de informac;ao cm vária~ um\·ers1dade~ era 111 alguns dos entraves menos -;utis a plena libcrdadc acadcmica. Tratar Je terna\ considerados sensíve1s pelas autoridades podía s1gn1f1car para muitos assumtr risco~ exagerados. A d1mensao mC autopoiKia,,cm, exercessem aquilo que ll() vocahulário do período era conhecido como "autocensura". ·
volta acena do operariado em 1978 coma grevc do<; metalúrgicos do ABC paulista. Es<;e momento foi captado com precisiio na comunica~ao apresentada no encontro reg10nal da Associa9ao Nacional dos Professore1> Universitários de Históna (ANPUH) daquele ano, em Araraquara (SP), por Ka7umi Munakata ( 1980) Por outro lado, a diminuu;ao da repres1>ao política com o crescimento do 1110\ imento de contesta~ao aberta ~L dJtadura m11 itar, ~e refll!ti ría, me Jusi ve, na maior liberdade academica. lo;o;o acarretou o aumento do número de programa1> de pósgradua<;ao que abriam e~pa~o para o estudo da h1-;tória operána, com o conseqüente aumento das d1sserta96es sobre o tema Ao mesmo tcmpo, o interesse dos editores cm publicar estudos dentro desse campo e, específicamente, a apari9ao em livro de vános desses trabalhos academ1cos. expressava a crescente receptJvidade do público leitor. Entretanto, a contnbm~ao e a influencia da produ9iio historiográfica vinda do exterior, nao podem ser desprezadao; para explicar esse quadro. Um papel primordml coube a historiografía marxi,ta ingle~a. particularmente, A formafiiO da classe operária inglesa. de Edward Thompson ( 1987), CUJO original data de 1964, e Traballwdores e mwulos do traballw, de Ene Hobsbawm, ( 1981; 1987). Mas também tiveram grande repercuo;siio a-; crítica<; ~~ 111!-.tória do movimento operáno tradicional em textos como Cornelllls Ca-;toriad1s ( 1985) e Georges Haupt ( 1988). Convém ainda lembrar o peso dos estudo!-. de diversas orienta96es. produz1dos no exterior que refletiram mudans:a!-. de enfoque na históri a operária, ta1s como: Michelle Perrot ( 1974); Gareth Steclman Jones ( 1983); Herben G. Gutman ( 1977). Alguma influencia também pode ser atnbuída aos debates em torno de alguns temas cláo;;sico1> da hi..,tória openíric1, como a aristocracia operária (Hob1>bawm, John Fo:.ter, Stedman Jone.'>, e outros) ou a revolu9iio industrial (John
fCl.;tl.!f. Raphacl Samuel, Maxinc Berg, John Rule) . Além evidentemente do peso da' Jj,"U'iSOCS cm torno dn pmce,.,n de trnhalhn 1 Harry Rravc-nnan Stephen fAarglin. Dav1d Montgomery. BenJamm Conat, Patrick Fridenson). Entre os d'c1tos produz1dos por cssas mtluencias, há que re:,saltar a npl ia~ao dos te111a~ e enfol}ue. A hi~tória opcr como o;;ecundários ganharam n como condi~toes de trabalho (R1beiro. 19S8), processo de trabalho ~ Vcla<;co e Crul, 1986), cond1<;6es de vida do operariado (Lobo, 1981 ), cultura operária (Hardman, 1983), mulheres operárias (Pena, 1981 ), correntes sindicais reformi::.tas (Batalha, 1986 e 1990; Ve lasco e Cruz, 1981, Zaidan, 1981 ), ongcns da Jcgislayao trabalhista (Gorne~. 1988a; Munakata, 1981 ), etc. Um fi láo que no exterior teve urna larga tradi<;ao, particularmente nos anos 50 e 60. o que aliava estudos dos ciclos económico:> com o mov1mento operáno, praticamenle inex1stiu no Bra~il, cabendo citar entre as exce<;oes, Lobo e Stotz ( 1985). Todo es<.e movimento f01 acompanhado da divcrsificas:ao da~ fontes trad1c1ona11> (fundamentalmente a 1mprensa e outras fontes impressas), com o recuro;;o U'> fontcs jud1cia1S, a documenta9ii0 policial, LlO'> arquivos de empre~a. a históna oral. E de modo geral, pode-se dizer, que o ace!'>so as fontes foi facilitado, tanto através da organiza~ao e da publica9ao de inventáno-; dos acervos reumdos na... mstitu196es cnadas na década precedente (particularmente nos ca:>os do AEL e do ASMOB). como também med1ante edi<;oes fac-s1milares, de depoimento'> políticos nesse campo. Síntc!'.es e histónas gerais- com raríssimas exce96es como o bem-sucedido esfor9o de f oot e Leonardi ( 1982) ou livros para-didáticos (Rezende, 1986; Segatto, 1987) - foram -;ubslltuídas por tema~ bem mais delunitados e Circunscritos. Isso também trouxe mudan9as aos recortes geogrüfico e cronológico. Ante1> - ao meno.., nos título'>- o recorte geográf1co era o Brasil, ainda que a base empírica raramente fo1>1>e nacional, recorte que foi substituído por uma cidade, um ba1rro, ou , 1986), ao mesmo tempo que come'Yaram a surgir
152
153
A PRODU<;AO Dos ANOS 80: A:\IPLIA<;AO, FRAGME~TM,:A.o E CRISE
O final dos anos 1970 e o início da década de 19SO foram marcados por mudan~a na conJuntura que dcu novo alento ü fw;tória operána, particularmente, a
c\luuo., sobre estados raramente trabalhados pela b1bl10grafia rradic10nal (Añdrac..t. 1Q~U,· Dutra. 1088; Rczendc 1<)S 1) Quanto ao recorte cronológico, um pcríudo ;· h1sló11t1 política ou alguma-, década<; cedem lugar a conjunturas mais limitada,.. Esta~ última' caracterí~t1cas 1espomham. em parte, a'> exigcncws metodológ¡cas ti· p1 óp11a ürca de ccnhecimento para dissenacroes e teses, que afina! de conta~ compunham a imensa ma10ria desses trabalho:.. No entanto. o que tinha ~ido - até entao - um campo de estudo, relativamente bem definido passa a lundir-se (e confundir-se) com outros campo, (estudo-.; urbanos, cidadan1a t: política, etc) e chcga ao final dos anos 80 em eme E'"a cri!>e tem váml" cxphcacroes: a fragmenta<¡:ao do campo de estudo e a aproxunaC academico na hi'>tória operána que ~e traduz1u no decréscimo do peso das pesquisas nessc campo. men<.,urável atravé<. da diminuiente, papel que parecía desempenhar no iníc1o dos ano:. 80. quando o movimento operáno-sindical ocupava o primeiro plano. Evidentemente, eso;a crise nao fo1 e nao é urna parti<.:ularidade bra~ile1ra: tem dunensoes internacionai~. Urna parcela da crise ne.._-;e campo de e:.tudos advém da crcn<,:a no desaparecunento do próprio objeto, isto é, da c lasse operána. Mitos u parte, é certo que nos países de 1ndustrializacrao avanc¡:ada ocorre uma mudan~a signdkallva na classe operána industrial que marcou o capitalismo no últimO "éculo; isto afetou particularmente certos setores, como os mineiros e os metalúrgiCO!>. A política de reestruturalderúrgicas e um de'>cmprego endemico.
Com es'>a tramformac¡:ao na cla.,se opcrária Loincidiu um recua ele1toral da uerda e ma1s grave a~nda, urna cnse da c.:ultura J~,; t:'>4Uc:1Ja 11..1 Eurup..1 u~...tJ~.:ntaL e-'~ ,e expressou na pen.la de forc¡:a do mo"unento pacifista e no progrcs\IVO ~~andono da '>Oiidanedadc internac~~nal. ~~bo~ tgt..:.llmcnte con~eqt.ienc1as do flm d· opo!>l~fio entre o~ dots bloco<> polmco-mll1tarcs. 1 ' Do ponto de Vl'lta acadcmico também ocorreu uma perda de espac¡:o para a hi'tória operária. Ei'> alguns exemplos sintomáticos: a revista especialinda italiana M .¡,11rzzto Operarin e Socialista transformou-\e cm Ventesimo Seco/o; o Mu-.;eu do 111 M nmento Operáno de Budapeste tomou-se Mu.;cu de l-llstória Contempor5nea. 11 ..cm mostra de acervo permanente e com exposu;:oes temporáriao; voltada.., para ; , rar os males do antigo reg1me e as v1rtuJcs da sociedade de consumo. em 110 1 dl\'ersos paÍ\e!) tomou-se comum que especialistas de outros campos da h1stóna ~ncarem a história operária com um m1sto de condescendencia e desprezo . Entretanto. no ca'>o curopeu e norte-americano há l11mtes para o proccs~o de desmantelamento da área, já que está mstitucionalmcnte consolidada por mtermédio de arqlllvos, centros de pesquisa. programas de pó<>-gradua-rao, associa Sena exagero faJar de um de<.mantelamento da área. mas os recuo1> sao evidentco,.
154
155
IMPASSES E NOVAS TENDf:NCIAS
Até o presente parece claro que a crise 1nictada no final dos anos 80 está longe de ter sido ~upcrada. As recentes vitórias elettoraio;; de partidos de esquerda e Ct!rta reanima~ao do movimento smdical cm países da Europa ocidental nao parecem suficientes para alterar o quadro atual nos estudos da classe operána No entamo, algumas po~síve1'i solucroes tem sido levantadas por alguns autore~. Para un1>, esta crisc é antes de tudo urna cn se do parad1gma. que estan a reduzido a dua!> vcrtentes estruturall stas e culturali,tas. Emília Viotti da Costa ( 1990), apresentou s1stcmatlcamente essa intcrpretacrao em vános con gressos internaciona1s (LASA. ADHILAC. ANPOCS. ANPUH) e propondo como saída a sí mese entre essas duas abordagens. Num texto ma1s recente, Dame! James ( 1994) propoe urna Jeitura diferente do mesmo problema ao enumerar alguma~ das dlficuldades para combinar urna análise e~trutural com a agencia, ma:. cita o trabalho do antropólogo José Sérgio LCile Lopes ( 1988) como um dos exemplos daqueles que conseguem essa combinac¡:ao com sucesso. Ao meno-; por enguanto. as d1flculdades teóricas e metodológicas atravessadas pela área tem propiciado a busca de saídas. mais ou meno-; convincentes. A 1mensa pcrplexidade provocada pelo chamada linguistic tum entre
01-o pe~qut'>adores
da história OJK!rária norte-amencanos e. em menor grau. europeu\ dllllgtll />l.: U/> LUit:ga~ l.mt'l lle11 US de f Ullllil />lgll i f ll:alÍ Va. J • Ao mcsmo tempo. um desdobramento do processo de renova9ao da <írca inictado nos anos 80. come9a a ser perseguido através do aprofundamento dl: alguma1- tenJenctas que só haviam stdo esbo~ada ... Esse processo de revigoramento passa pelo modo com que a-. fontes sao u-.ada-.. pelo tratamemo dado ao tema e pela consohdac;ao dos instrumentos e mstituH;oe'i que contribuam para e'ises estudos No que dtz respeno a" fomes de pesquisa. já está patente em mun 0 ,, trabalhos a necessidade de cmpreender uma reavalia~ao dac; fontcs tradiciOnais e de ampliar o Jeque das fontes empregadac; Seguramente é possível propoi nova, leituras de fontes tradicionai<; (como jornats, texto ltterános. e outrac;), e. ao mesmo tempo. há toda uma séne de "novas" fontes. como processos na Ju-.tt~a do Trabalho ou a tt.onografia do mov1111ento operário. que ainda prectsam ..,er devidamentc exploradas A produ~ao do1- últtmos ano<~ tem demonsrrado que o repensar do tratamento da história operária passa por uma séne de cammhos e por nova, preocupayoes Um deles é o aprofundamento Jos estudoc; regionai s, fugindo do paradigmas de Sao Paulo e do Rio. como propos Sílvia Peter'>en ( 1994) 5 Outro sena o de dar continuidade aos estudos por setor de produ~ao e por categonas de trabalhadorcs. como vem ocorrendo em uma '>éne de dissertas:ocs e teses recente' (Silva. 1995). A rediscussao de temas clássicos certamente atnda tem um papel, como demonstra trabalhos que ao tratarem da história opcrána do pós-guerra (Costa, 1995) sao capazes de u ltrapassar os l11111tes da anállse dominante dos cientistas políticos sobre o movimento opcráno no período dito "populbta" (Weffort. 1975: Moisés, 1978) O caminho para essa reavallas:ao dos efeito'> do popuhsmo -.obre o movimento operáno foi aberto pelo livro de French (1995), cuja versao original data de 1992. e que também mtroduz como novidade a retomada de recortes cronológicos mais amplos, no esfors:o de melhor compreender o processo histórico estudado. Urna periodiza~ao mais larga também é ut1hzada por Wolte ( 1993), que confere particular atenyao ao papel Je genero no scu estudo sobre a classe operária paulista Na prática. a ''dtvisüo de trabalho" que reservava aos cientistas soctais os esrudo de períodos mais recentes. CUJa mptura - como já vuno' - come~ava a se insinuar na década de 80, fot defímti va mente abolida no<~ últ11nos anos. Mas J grande novidade é que a cronologta também e'>tá sendo ampliada para o pasc;ado. com e'>tudos que versam sobre o operanaJo antes de 1888, rompcndo assim coill um marco taha na história operária (HofTnagel, 1994; Vitorino. 1995) At~ recentemcnte. neste aspecto. aceitavam-se sem queo.,tionamento us vto;oes presente~ desde a década de 60. que consideravam tnconcebível a existencia da cla:-.!-1.' oper<Ít'Í.l juntamente com a cscravidao e/ou que hgavam <;eu nascimento ao surt<' industnal dos anos 1880. De~'ie modo. toda referencia aoc; trabalhadores livrc~ llaU
156
banos e it.., associa~6es que cstes constituem ao longo do -;éculo XIX apareccm ur, JOrtlilrtállltllte · ' · d C " pre' h IS(Ori'l · " 1Igad a apen:l<. IJ.l b'bl I lOgra r·la ~01110 uma C' pCCIC rna 101a111ente ao operariado da Prime ira República. ft'O Novos problemas tt!m ... iuo colocado<; para a análise, por meio de trabalhos
, qruam em novos termo!-.. questóes como oo.; bin6mio1- ltderant·a/liderauos. que ·' T - didduo/classe. e ass1m por dtante. Situam-'e ne""e ca"o 01-o esfon.;o'> para trabalhar oiograftaS (Justamente cm u m campo de C!-.tUdOS que por razoes Ób\ ia"> L n,·ik gia os suJeitos coleti vos). ca<;o da pequen a obra-pnma de Duarte ( 1991) o u ~ara uma d1scussao mats tcónca do genero do trabalho de Schmidt ( 1996). No que diz respeito aos arqmvoc; e centro:- de documenta~ao, 1>e alguns acabaram por fechar as portas, outros foram capazes - até o momento - de sobreviver a cnse e de incluo;tve ampliar 'em. acervo .... De particular mteresse. para todO" os pesquisadores da hi,tória operána f01 a vinda para o Brao;II do ASMOB. que juntamente com o Centro Mario Pedrosa (Cemap). foi incorporado ao Centro de Documentar;ao e Memória (Cedem) da Untvcr..,Idade Estadual Paulista (Unesp) O quadro descrito actma pode deixar dúvtdus ~obre a efettva existencia de urna crbe nos estudos da história operária Afina! ex iste urna prodw;ao que sob muitos aspecto<~ é movadora. Eu diría que, mesmo havendo dificuldades teóricas e metodológtcas a serem enfrentadas. o principal problema está na consolidayao in~tiruci onal da área. na afirmar;üo des se campo de especial i7a~ao no próprio conjunto da produs-ao hic;tonográfica. Essa \itua~ao torna-se clara quando. de modo muito 1-intomático, u m 1ivro bastante recente que trata dos campos da produ~ao histórica (Cardoso e Vainfa-;, 1997), nao dedtca ne nhum capítu lo á história do trabalho ou á história openína. ao passo que a htstóna empresarial. a história das paisagens. ou o uso do computador no trabalho historiográfico mcrecem capítulos específicos Para ser exato. -;ao reservados exatos dois parágrafos ..,obre es'\e campo de trabalho no capítulo dcs<;a obra. redigido por Hebe Castro. c;obre a história soctal. É certo que a história operána adqulflu, cm pouco mais de duas década..,, um status academico e um detenmnado esrac;o institucional, ainda que dificil mente voltará a ter o prestígio extra-academiCO do inícto dos anos 80. Resta porém muito a f~.cr pela profis<;!Onalizatrao tia área e pela ampliar;ao des-;e espa~o instnucional A história operária viveu ~cu momento de glóna no iníc10 dos anos 80. em boa parte gra¡;a'í a as<.:en~ÜO do movtmcnto operário, c;em te1 JepreendtdO um grande ec;for~O Para obter essa posis:ao. e scm ter resistido ao desprcstígio desse <.:ampo de estudos que se seguiu ao descenso do movimcnto oper<írio. Portanto. urna patccla con'itdcrável da culpa pclt~ -;ituar;ao atual reca t 1-obre os própnos pesqui~adores da área. Nesse aspecto, os estudos de genero e de história das mulhercs constituem um ;xctnplo a ser lembrado, poi" foi num momento Je retluxo do movimento •em1111\ta. · que esse campo ...oube conquistar um espa90 acadcmtc.o. que vem sendo continuamente ampliado
·:ni
157
No campo c..la h1~tória operária há multo que nao sao realizados encontro. t:::..pt:Ciilllt.ilc..IU/>. Apc:::....tl Jil t:XI/>lelll..ld J~o Ulllil ...éric: U~.; ilri.¡Ui\.U!:'l e: u.::ntro, ll S docurncntarrao dentro e fora da~ universidadc~. a ligayao de grupo!:'l de pesqu1sa co~ e~sas mstitUI~oes é tenue, para nao dizcr mcxistente. Tampouco ex1stem revist; 1 especializada~ A expenenc1a rnais interessante ne!:'lsc campo to1 a de TrabalhadorC': (Campina~/Sao Paulo, 1989-1990), de durac;:ao efemera. apesar dos esforc;:os de \cu editor Ka1um1 Munakata. Acrescente-se a l'iSO a falta de projetos coletivo, problema que em maior ou menor grau atingc toda a disc1plina, Já tJUe ao contrár1( tlas cicnc1as '>ocims o~ hio,;tonadores nao tcm uma trauic;:ao con'iolldada de trabalho colet1vo de pesquisa (a1nda que lentamente 1sto csleJa come~
ANOS TRINTA E POLÍTICA: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Vavy Pacheco Borges cl>NICAMPl
A~OS TRINTA E REVOLU(:ÁO Procede-se ncs~a grande cri~e - ,1 m.:~ior .:crtamente de que tenha conhcc101cnto a memóna do.., homens - a revisrto dos antlgos valores materiais e espmtu.us, até hoje con<;agrado~. e pelos qua1s '>C batcram durante <>éculo-. Oriente e Oe1dente Entram em lula de v1da ou morte O!> mai~ variados "'1smos" com que nunca sonhou a filosofia humana: Capitalismo, Comunismo, Ford1smo, Leninismo For<¡:a que surge corno dcstruidora das vclhas c1vdiL.a<¡:ocs e das quimeras do pa<;c;ado. É a Revolu<¡:ao. Paulo Prado Retrato do Brasil, 1926-1928
m outubro de 1930, inictou-<.,e um largo período - podemos dizer, um quarto de século - em que Getúlio Varga'> fot a figura predominante no cenáno político nacional; i<;"o parece proptc1ar urna cena idéia de continuidade para urna história política vi.'>ta a partir das grandes figura,<,, como a que predominou muito tempo na historiografia e que permanece até hoje no senso comum. 1 Em fala a imprensa cm 1933, retletindo sobre a situayfio conturbada do país. dissc o hi,tonador Rocha Pombo: a soluc;:ao e,<,tá "nas leí,<, da história [ ... ] Nem Lenine, nern Mus~olini. nem Hitler represcntam a solu~ao. Ainda nao apareceu um homem-'>íntese, um homem-figura pelo qual ternos que e.'perar muito". 2 Para muitos cs<.,es sao os "anos Vargas". um período temporal que constituiría urna totalidadc marcada por e.<.-.a forte presenya política e que por ela, em.última instancia, se explicaría 3 Emhora aindu -.e encontre freqücntemente cssa penodiza9ao. a história pelas grandes figuras está há décadas proscrita na Untver\idade, entretanto, com a reafirrnayüo recente do papel do indivíduo na SOcledade, os historiadores da política voltam a ..,e preocupar com o papel que os grandes pcrsonagens t1veram. tem e provavelmente sempre tcrao ná política: sua"
E
158
159
••~6es, ~e nao explicam a h1~tória toda, tcm neJa um peso muito significativo l}ll cabe ao historiador aquilatar 4 e Nos anos trinra deste 'éculo, a h1~tóna polít1ca bra~Jie1ra foi marcada Po forte 111'>tabilidade e por vi\'O debate. a decada 'l! 1nic1a com urna ruptu;~ in!>titucional. consagrada dc~de cntao como Revolu~¡-;:¡o Je 30, terminando sob . égidc de nova ruptura, a decreta<;ao do chamado E'tado !'\ovo. Soba per~pect1va uma h1o,tóría da~ institui~oes políticas, se m sombra de dúv 1da es~e~ sao momento, de rupturas A República tcve d1fercntc' ordcns juríd1co-polítu:as em seu primciro século t. muita~ datas constituem--.c cm marco o,; ( 1889, 1891 1894, 1930. 1Y37 1945. 1964. 1985, 1989) que datam a ... Jivcr-.as rc,utu.:ula<;ocs que até nossos dta,· na prática, ainda excluem uma 1mensa ma10na da popula~5o de urna verdadeira participw;ao políttca, ao contráno do que ..,ena de se eo,perar para urna forma de governo republicana. A<>sim, mu1tas das que\toes c dos problemas estrutunth aparecem ainda como os me~mo~ e por VClC!> as me\me que se pretende 7 passar para toda a sociedade Nes-.a~ formas de se pensar a história brasileíra. o Estado ou o poder político tcm s1do os atore!> ou sujeitos que permit1riam 1nteligíbilidade a essa h1~tória. Sua forma de penodiza~ao nao é válida para a~ outras mudanr;as ou permanencias, nao o,¡gn1fica nada para outras áreas do conhecimento h1stórico e revela claramente algumas formas da domina~ao; essa' denúncia~ já vem desde o fmal dos anos 70 Entretanto, a period1zar;ao das ruptura.' político-inst1tucionais continua organ1zando mesmo uma hi~tória produzida com - 8 outro tipo de preocupa<;:ao. O campo da história política evidencia, mai.., do que qualquer outro, o:-. lar;os inextricáveis entre essa forma de conhecm1ento e o poder, os lar;os entre uma história política vivida e uma h1stóna política e<>crita por memorialistas e hi<;toriadores. Escrever históna sob ec;sa perspectiva no!> faz rever nossa posir;áo ante as relar;oes de poder, aos conflitos sociai!>. A vi..,ao de um desenvolvunenLO temporal - de passado, presente e futuro - parece estar c;empre por trás de que;l1 atua, d1scute ou escreve sobre as pr,íticas e/ou 1déws políticas, o exame da históriu
,b cs-.c angulo nos p6~.:;, mexoravclmente, diante do antigo problema da htstóna ~:, o rm:-.tra da vida. cm que se pcnsana o pas~ado em f'un<;-10 d0 rn:..,ente c0m0 111 J1l cura de a¡;ao para o momento que se vive E na soc1cdadc. tanto uma camada u¡¡ -acadétmc.a ~ ' ma~ .mtcre~-.a da em cu 1tura quanto um mten;;~~e pela pollliC fornecram uma hi-.tóna ~ub e!>!>a
160
161
d:
per~pcctr va.
No mten!-.O debate político que se travou no início do~ anos '0. cstao pn!'cnte!> -.empre um ou mars dos conceitos que procuram c~truturar a Ul!>t.U~~ao. irnpondo mterpretar;oe~; da vrda polínca como urn todo e dos fatos cm part1cular. ~cgund o vr<>OC\ e conveniencias de cada um Por vete'> encadeados cronologicamente, outras, opostos em falas adversárias, surgem e/ou se rcpctem inúmeros termos: oligarquialburguesw, Repúbl1ca Nova/República Velha, Primeira República/Segunda República, movimento de outubro/revolu~ao de ouwbro/Revoluy5o de 30, RevollJ(;ao Constitucionalista/Contra-Revoluyao, Governo Provic;ório/D1tadura, Tenentes/ tenentl!>mo, politicalha/ciencia/sociologia. Em todas as falas, seja no debate mais amplo que agitava o mero polít1co nacional, scja nas disputas políticas menores do dw-a-dia, o conceito de "revolur;ao" colocava-se claramente como central para toda<; as vozes envolvidas; isso se percebe nos vanados registros (na imprensa, em anais, como em ensaios, memória.., e até na literatura). Essa infinidade de fontes comprova a centralidade e a predominancia do conceito em diferentes conteúdos, e essa ''revolu9ao" aparece qua!-le que permanentemente adjetrvada como "brasileira". A expre.,sao "questao social'', cmbora nem <>empre de maneira explíclla. alinhava-se a idéia de revolur;ao: era para enfrentar esse problema maior da soc1edade, por cammhos d1ver~;os e oposto<>, que '>e pretendía tornar o poder. Já no'> anos 20, e<>sa questao havia penetrado no un1verso das auto-mtituladas ·'classes con~ervadoras" e, em últtma 10\tancra, parecía determmar suas decis6es, sobrctudo a part1r do 1mediato quadro de 1nstabilidadc apó<> outubro de 1930. Em dr~curso, Lindolfo Collor afirma que "a revolur;ao bra'>ileml, com a criar;5o do Ministéno do Trabalho, vero substituir o antigo conceito de luta de classe, pelo concerto novo organ1co e con<;lrutor, humano e justo, de coopera~ao entre él!> classes" Frederico Buys, mi litar e membro do Club Tres de Outubro, cm carta a Vargas afirma: "A questao social, na época contempon1nea, pode ter duas solur;oes: urna, a materialista, dcfluente da~ teorías de Karl Marx e Engels; outra. a crista, deduzida da Encíclica Rcrum Novarum - de Lcao XH".'> A!>!>lm se explica que o termo apare~a nao somente em seu sent1do do <>enso ~o:~~~•.m- o .de um movimento. militar..de fon;a que ~ub,tituiria a., pnít1cas polítiCi,lS ega1s, mov1mentos es~es mu1to frequentes no!> dilO~ 20 e JO - mas também no 10 \ct1t1do de transforma96es estruturais para a soc1edade bra,ilcira Pode-se
esquematizar dots contcútlo~ que, no limite, estao naquele momento por trás do conccito. Um primeiro. para o qual houvc urna rcvoluc;ao polítie.t, eminentemente civtl, a qual teve que pa<;o;ar necessanamente por um movimento mdttar organtzado a partir da Allan~a Liberal, urna ve¿ tealtt.ada a "traca" ou "substituir;ao'' de homens no poder. a revoluc;üo terminou ou deve terrmnar. Um ~egundo, no qua! se acentua o carüter de tran-.formac;ao estrutural e que afirma estar havendo uma revolu<;ao .;ncial. um movimento mais amplo de tran-;formac;oe!-., cuJo início se deu pelas armas de imattsfeitos das revoltas mdttare!-. de 1922. 1924 e Coluna Migue~ Costa - Prestes: a pre!-.cnc;a de militares em posto..,-chaves. como Juarez Távora. Jo;io Alberto, Mtguel Co,ta. etc. representana sua contmua<¡:ao 11 O tao empregado conceito é apontado como tendo se tomado urna "cntidadc mítica" ou uma "palavra mágica". encontram-!-.e fa las retóricas ou demagógicas e Oswaldo Aran ha, em dtscurso em dczembro de 1931, chegou até a definir revolw;ao como urna enteléquia "A revoluc;ao de outubro articulou-\e conosco. venceu com nos<.,o sangue, revtgorou-se com nosso idealtsmo, armou-sc com a forc;a de nossos ec;tados, mao, e la nem nasceu da Alianc;a Ltberal, nern do heroísmo de Copacabana, nem da audácia dos cruzadores do nosso scrtao. El a nao é milttar nem c ivil ; é ela mesma. Nao tem danos, nem senhores, nem chefes A própria ditadura é uma expre~sao passageira da Revo luc;ao. Estendemos, apenas, a mao para que ela pas~as..,e sobrance1ra 'obre o país em esperanc;as. Ninguém sabe onde na"cem as revoluc;oe.<,, como vivem, nem quando morrem. Suas origens sao longínquas e obscuras, vcm do passado que violou as lcis económicas e sociais, e os -,eu<. destino-; perdem-se num futuro, cujo mistério ultrapassa o c~tado atual de nO'>\OS conhccimentos. Passam como as tempestades e os terremotos. deixando na própna naturcza que revolvcram os elementos da recomposir;ao. Seus maJe~ <~ao graneles e por vczes extremos. Tem estranho poder renovador. A revol uc;ao, como a lan\=a de Aquiles, fere e cura as feridas. A revoluc;fto brasileira fot uma ressurreic;ao. É a primavera de nossoo; de<;tinos. Podem O'> homens falhar, como te rei falhado eu e os outros, pode a ditadura nao corresponder, pode a nossa capacidade para a organizac;ao revolucionária ficar aquém das aspirac;oes nacionais, mas ela. como a alma mesma do pavo, sobrevtverá ao~ nosso.-. erras, aos nossos ódios". 12 Atrás da luta pelo poder ex1stta, obviamente, a luta pela lcgittmidade dita ·'revolucionária", pelo e~póho do movtmento de outubro, pela parcena na "revoluc;ao". De~de antes do movtmento Je 1930. militares promovtam mo\ imento~ de rebeldía e <.e auto-intttulavam "revolucionános" civi$ como Assis Brastl e Maurício de Lacerda, por exemplo, cm diferentes registros políticos falavam publicamente cm revoluc;ao; o extremo lumte esquerda era o declaradamente revolucionáno Partido Comunista Brastleiro e !-.ua proposta de uma revoluc;lío operário-camponesa Após a VItóna em ourubro de 1930, mullos se colocavarn como os legítimo~ promotores da revolu<;ao: no grupo que realmente ..,e efetivou no poJer de.;tacavam-se os "jovens turco.-.". gaúchos que cercavam Vargas, seLI
a
162
·•Gabinete negro" e os militare\ que lhes c-;tavam próxtmos. No estado de Sao P ulo. o Partido Democrático CPD) e o JOrnal O E.Hudo de S. Pauln comemoraram o f~al da luta como se eles ttvcssem realmente concorndo para a vitória, e o PD se ··hava com dtrc1to a chefia do e~tado. Ext'>lem men~oe'> de um grande número de :lL ' <~ proc 1amapo - d a Repu'bl 1ca. ' adesistas. como o que ocorrcra 1ogo apos s cnt1cos da oposic;ao negavam que se ttve-;se dado qualquer mudan
o
163
'.
Humberto de Campos. O Brao,;JI "cavalga um corcel dcsenfreado"; para Afranio Pri xoro "só u m profeta poder:í chtt-'r llt-'"tP momento para nnrle \·ai o Brasil" Gllberto Amado finaii.wva uma tonga reflcxilo sobre a economía do paí~ e ~u~ políttca. at6ntto: '·Eu daría um premio aquelc que me dtssesse qual é o problema qual o programa, qual a política nauonal Jo 13ra-.tl. Asstm, como ~abcr para ond~ vai noso,a pátna?" Humberto Freire dt7 O paío, é como "urna barata nHm terretro de .. 15 ga 1m has... . A 1magem do "novo" tem "ido até nos-.o-. tl1a" uma forte arma na luta 111 políttca. Como as institui~oeo,; republicanas cram apontadas como periclit.tme., e/ou falidas, parecta que tuda seria possível A prática política era vista como ·carcomida". por veze~ como um '\.treo... ~' Tudo 1sso fa7ta parte de um "velho", ao qual munos procuram. das maio; dtvcrsas forma.;. contrapar um "novo", urna "renova~iio". uma ··reconstru~ao" . urna "regenerac;ao". O mats evtdente exemplo dio,o,o era o discurso ofictal mostrando que foi 1111ciada urna ··República Nova", opondo-se "República Velha". Nessa ltnha de enfati7ac;ao de uma ruptura, quer-se mo<;tar a República Velha ou Prime1ra República como um todo homogeneo, cujas características teríam desaparecido, levada.'> pelo movnnento revolucíonárío: as condenáveis práticas políticas, a federaltzac;ao/descentraliza~ao, o predomínio paulista, a "questao social" vt~ta como "questao de polícia". O que constituiría esse "novo" destacava-se nos título~ das obras e era desenvolvido nas rnais diversa~ voLe~ de ensaí~tas e memorialista~. 111 Os "problemas" des!>e "caos" precisa va m .;er "organizados". havia uma crít1ca ao fato de que, para tais soluc;oes. nao -;e con,ultava nossa própria realidade A essa perspectiva contrapunha-se urna vi.,iio que 'e repele constantemente em editaríais. entrevistas e ensaio": o que acorrer no mundo ocidental, o mesmo acorrerá no Bra<;il. Encontram-sc crít1ca<. em falas e títufoo,; de que a revolu~ao era 19 urna "aventura ", um "salto no escuro. A realidade dos inúmeros ·'ismos" waldo Aranha (que até hojeé incesc;;anremente Citados contrapoe-<;e uma frase de repetida sem autoría)· "O Brastl é um deserto de homen!> e de idéias" Essas faJas e imagens exprimem nao o;omente a grande instabthdade polítiCa mas também a pluralídade de colocac;oes e propo<>tas - muitas veze!> só desejos de mudan~as e nao projetos articulados. Nao, épm:as de tran.;fonnac;oes "ociais. J persegui~ao a uma ~ociedade nova proptc.ta o surgimento de um genero de adivinhos e profetas, chamados por B. Ba~.:.t.t...o de "mí-utopic;tes" ou "1111· prophetcs", pois nao formulam utopías fechada-;, completa~. mas somente o que se pode chamar de d1spositivo~ utópicos, tdé tas-tmagenc;, tdéia<>-fort,:a'i ou idéias-guia~. que marcariam as e.scolhas e decio;oes tndtvicluat" e ele grupo' Nesse debate, dava-'ie ele modo geral uma grande dcwalorizac;ao da política: enfatizava-se a urgéncia de urna soc1ología que trana intensa carga de reflexao para tntluir nas análises do paío; com um "conhecimcnto apltcável"; na 1roma de Mán~ de Andrade. a soc1ologw constltuía-'>e na "arte de salvar rapidamente o Brasil"·
editora funJaJa cuja finahdade íctlá era apresentar o debate polítiCO Nessa. destaca-se uma tnade de livros e.x Pl '1 uma polemtca exemplac Surge em pnme1ro lugar A desnrdem. ensaw de ~nt(l/m•rariio do momenw. publicada em 1932. da autona de Virgínto de Santa ~ ,,¡¡. que provocou a réplica de Alcindo Sodré : A géneH' da dewmlem , e em sl.'\!u 1Ja a contra-resposta do primeiro. O ,·entulo do tenenti\1110 Esse-. liHos. como ~ ¡11 ¡ 0 , outros. se propoem exphcitamente como livros de anahse soc1ológtca. 1sto é. 1 como cxpltcac,:oes ObJettvas No primetro volume, ao ver o Exército corno representante das dtversas (amada'> e regtoes do país, Santa Rosa exphc.t os mottns milllares como ..,e 111entetra" e a "dcsordem" como "posttiva": ao prever o fim do <>istcma capitaltsta. deseJa que o Estado organize economicamente o paí:-.. Em resposta. Aktndo Sodré. ao contrário, deseja a manmen~ao da ordem. afetada ha<>tcamente pela prcsen~a mil~tar na dire~ao da Repúb~ica desde ~ua fundac;ao, m~<; na~ucle momento <;e mandc~tan do com urna conotac;ao de soc~ahsmo e de comuntsmo.Na tréplica, Santa Rosa pretende, a partir de Mta vtsiio soctológica e di'> tante de lutas partidánas, explicar o fenomeno do tenent ismo como as vanguarda.; da.; classe.'>-médias, no seto de um movnnento a-,censtOnal da pequena. em toe1os os pa1ses . . 1.21 Exp 1·1ca que cm europeus ou mesmo untversa burgueslél outubro de 1930 se confrontavam duas correntes: uma que quería somente reformas políticas e outra que quería mudanc;as radicais. para "atender aos reclamos da pequena-burgues1a''· seu programa é ''um capitali-;mo moderado pequeno-burgues", urna "o;ocial-democrac1a". Essa pequena-burguesia. para ele. incluí o proletariado e as mao,.,as rurai<;, além dao, classes médms urbanao,. Ass1m. em uma vtsao de lutas de cla... -.e marxista nada ortodoxa, com um referencml muito própno. Santa Rosa ve essc amplo grupo 'e opor a urna burguesía ao mesmo tempo agrána e mduc;tnal, apoiada no'> laufúndios e nas oligarquía<; política'> O estado de equilíbno entre eo,~a" duas fon;a~ de a~ao e reac;ao durante a Primeira República fora provt<>óno Dcseja a implanta~ao de uma dnadura forte e enérgica, apta a tran..,fonnar a 'ociedade brasilcira coma decretac;ao de reformas profunda-; e radicai .... Sua vtsao evoluttva e determmtsta de um proccsso hi~tórico ocidental e rncsmo untver'>al, sua termínologta organicista. apóia-se explícitamente, ~egundo Informa, nos trabalhos de Alberto Torres, Oltvetra Vianna e Tnstflo de Athaycle, "os dcmol1dores da grande burguesía". Analisa nossa hí'>tória da República como o "gráf1co riel da evoluyao da burguesía nacional", com o crcscimento paralelo da I'Cquena burguesía. que sao as classes médias. o operariado e as massao, rurats. ma'> 'ctn tttna consciencia de classe. Getúllo Vargas teria acolhido o-. an\elos dm, clas~es lllédias ao mudar o Códtgo eleitoral. ao mstltutr o voto secreto. Santa Ro\a se via l'otno um social-democrata; para o.;; membroo; do Partido Comunista Brasilciro
164
165
a
o. .
E 1 un1 mc10 editorial que, pela primeira vez. se dirigía com dctennmac;ao para
"~ 1 a., e Jlll:;tl...tJu n.l~..ion.lis. Jn, ro~ e cok-roes "L o,uccJl.m Lm sua ~~1 (930. Augusto Frcderíco Schmtdt cnou a Cole~iio Atul.
1
(Üctáv10 Brandao, A~trogiiJo Pererra e posteriormcnre Luí~ Carloc; Preste~). ll\ chamado~ tcnentes seriam representantes da pequena-burguesia o que constitura uma e nuca peJOratr va; Santa Rosa invertcu cssa conota¡yao negatrv . ~ transformando-a em posrtl\ a. A Rc\'olur;fto de 10 como fruto e cfcllvada pel, numa "desordem transparente"· mas 1930 pcrmitiu atlorar a insatrsfar;ao da pequenaburgucsra. das classes médias rurars e das camadas mferiores da -;ocredade. Numa VJ::.ao de processo, destaca "agitaqoc~ surdas da massa popu lar a camin ho de suas finalidadc~ hrstóricas" e diz: "Eu me util izo da dtalética materialista como rntrumento de trabalho intelectual, sentindo. entretanto. que esc;a dialética nao re.solve profundas e íntrmas rnterrogar;oes". 24 Barbosa Lima Sobnnho, em 1933, publrca a sua A verdade sobre a revolurao de outubro. Propoe-se a fazc r um relato neutro de uma testemunha "que acompanhou de perto os 'IU<.:essos e conhece, também de perto, c¡ua-,e todos os seus atores" Em -;eu capítulo XVI, rntitulado "Análise das cau..,as da revolucrao", dr¿ exi::.trrem causas aparentes e rears para o movrmento. Também para ele o movimento foi uma "guerra Je estados", uma cisffo das oligarquías estaduars originada no sentimento regionalista, <.:om urna feic;ffo pequeno-burguesa e grande apo1o popular, baseada na rrnpopulandade do poder público Destaca: "É possível que, ao lado de<.;sas causa~, militassem outras, verdadeiramente !>Ubterraneas, de uma revolta extensa e profunda contra o regune de propriedade rural e a opressáo capitalrsta". Desacredita expressamente ,t versao do PCB entao cm voga como "a fantasía" das interpretar;oes de luta entre o capital mgles e o americano. Numa crítica trónica, afirma que, para o poder, "com o golpe de Estado de 24 de outubro cstava bem perto a terra de Canaan. Tudo havia de ser maravilhoso t: puro. Ficava encerrado, para sempre, o período dos políticos profis~>tonais cxploradore'l do poder, da advocacia adminrstrativa, dos crimes contra o erário público, das ol igarc¡u1a<. nefastas, do nepotismo impenitente, dos abusos de autondade". 25 De um ponto de vista da concep~ao de hi-;tória, pen~ando-se e.s.sa~ interpretar;oe-. de urna forma global. exrstc. além da JÚ citada vi<>iio de síntese de hrstória nac1onal, uma preocupaqao cm se delrncar um processo histórico (nao necessarramcnte expresc;o nesses termo.,) como um percurso, pressupondo ou nao 166
a dda de progre~so e um diálogo como marxismo. mcsmo que di-;cordando da~
1 ?Jll rpreta~óes of1cíais do PCB. /\o lado de..;sc dtálogo
comn pm ext>mpln l'm Santa ~~~a e em Martms de Almeida. cncontra--.e urna exphca¡yao da Juta política mai" d"~ta através Ja oposi~ao entre o que chamam de "oligarquías", contra o .~ nentismo"; a!. oligarquía'> entendida::. como os grupo-. t)Ut: c::.ta\am no poder t: o ~cnosmo, como o fenómeno pelo qual a gera~ao m,u., jovem do Exército (a teaiona dele'> ten do paructpa · · dodos movrmcntos · · ) e que ocupavam entao antcnores ::. .ws político-admimstratívo<;., O cnHío chamada "caso de Sao PaLrlo" sena o 1'" . d f t .(, exc:mplo mmor esse con ron o Mms para o ftnal da dt!~.:ada surgru a prcocupa\-ao coma gencsc do golpe de t937; na faJa oficral e ofictosa, procurou-c;;e rmpnmrr a rdéra da ruptura de vcmbro de 37, como tendo jil vindo no bojo da ruptura procesc;;ada em outubro de 110 1930; o que entre essas datas ::.e passou teria sido um processo de "transi~ao" "inev rtáve1" e/ou "natural'' Francrsco Campos, autor da Con<,trtui~ao outorgada de t937 e novo minr:-.tro da Ju~tu;a. escreveu cm 1938, em problema.\ do Brastl e as ¡:randes soluroes do Novn Re Rime:
o,
Em 1930 [ ... ] Toda a n:l\=ÜO se incorporou ao movimenlo revolucion,hto. porque era um caminho novo que ~e abna. Ma::. o movimento foi deudo pela rcconstitucionahta~ao que :.e ope1 o u segundo o~ velhos molde~ VoltJram os erro<;, os víctos e o~ males do falldo rcgimc liberal que a políttca, restaurada da sua breve derrota e para satisfa~ao de seus mais obscuros propósitOS, inst~lla cm reo;tabclcccr [. 1 Assun novcmbro de 37 cfctíva outuhro de 30..1plicando na ordcm as fon;a~ tlcnagrada-. 27 na suhvcrsao.
Também
O<;
1ivros de Oliveira Vianna e Azevedo Amara! apresentam
essc car<íter hJiemnntc entre a Rcvolu~ao de 1930 e o Estado Novo, proJelando-sc como uma pn~sarela :.obre a dcsoricnta~ao 28 contrad1tóría e claramente cfCmera da Segunda Repúhllca.
Em geral. todos o<> envolvidos no debate mars amplo acreditavam que se cMava construindo a ·'na~ao"; e, se nao -,e t!stava, dever-sc-ia e"tar. Ncs<.;a lrnha. entra-se numa temporalidade mais 1onga. próxima a propo'>tas de mudan~a!-. em uma perspectiva evolutiva na qua1 cncontramo., ínúrnera::. defini~oes de uma revolu~ao '>Ocial anten or. Em 1926-1928, por excmp1o, Pauto PraJo cm seu post-scriptum ao Retrato do BmHI. dá sua definrcrao: É a própna pulsacriio vital da Ht'>tóna A Revolu\=ao v1rá de lllat~ longc e ma1~ lundo. Scr.í a aflfln,l<¡iio inexorávcl de que quando
167
tudo e~tá errado, o mclhor corre[lvo é o apagamemo de tudo 4uc f01 mal fctlo A humanidade f 1cneaminha-'<' 111" pnucc" p tra modt flca'riic~ radtc;w,
Propo~;tas de revoluc;iio !'.\! suceuem, por cxemplo, cm Manocl Bonfun: 0111 1928. ele c..leclara· "Em face civiliza~ao, na marcha cm que ela vai, e como a COilUUZem, O~ pOVO!'. nao tem 111UiiO que e<;COJher: OU parttCipam do trotear geral, OU 'iiio e~;magac..lo~ "; advcrtc que a Aménca Latina e~tá amcayada e l;Onclui que há uma .. necc~'ildade 1mprescritível eJe atender-se a insrru~i'ío popular, se qu~:r a Aménca Latma salvar-se", pOI\ "nao há regune livrc na ignonincia [. ... ] a necessária rcgenera~iio tem de 'ier inicialmenh... uma obra eJe educa~ao e de formayao do povo". Em 1931. nao mais advog.r esse trpo de revolu~Yiio e a substitu 1 pela "verdadc1ra revoluyao":
u
(;onquista do poder por uma classc que nunca o ocupara, cm \ l!>la de un por ao grupo todo um nm o padrao de valores r Concretamente- que se pode esperar. na nece'>'-<Írin e mevitávcl revoluc;ao brasiletra'' A revoluc;iio tem que ser micialmente contra a classe dirigente, fator constante de no~'>as desgrac;alt [ ... ] é um movimento para grande maíoria da na~ao mas m~pirado, e derramado nos 5nimos por uma mtnoria attva, intelectual, esclarecida, absolutamente desinteressada, ~mceramente exaltada. cordialmente rcvoltada contra a inju~tl~a sublime de abnega~ao. 19
:-ua sede nao m~us nos domínro<; mrnis, mas nos centros urhanos". Reconhecc ' de "t.un rl ~1111€'ntos rt'r~;nna 11\1:1'\ " C]lll:' prt'CI\illll '\el' pO 1'ltJCa SC d a' atravcs JiquiJado~ e contmua: Hll
e< rlli':>J qUt'
Se u ptm.:e::.:-.o t\~vol uuon:írio a qu~.; vamm. assi~llndo. e t.uja~ etapas mm-.; tmportantes loram mdtcadas ncstas págrna,, tcm um 'ttgmhcado claro <,era a dt'i\OIU<;Jo lenta posto que irrevog:ívcl das !>Obrcvrvcnct
Rl'PTURA E PROCESSO É tsto o que eu quena fazer os histonadotcs comprcendcrern: que o lugar do políuco é pro\'avclmente o t11<11s favorável para ~e perccber a hist6ria total de urna colettvidadc l ] O que me 1nteressa é aqudo que fabrtca as grandes individu,llidades histórica'>, Oll ~eja, a~ na~óes, OS povm., a htstória f ... ] Ü elemento que patccc ser mais tmportante pata a imeligihihdade do comportamento de um grupo é o político 1::. a estrutura do imag111ürio colettvo [ .. ] A ht.,tória devc tornar inteligívets as grandes articula~oes da mudant;a no passado, no mundo de onde vremos e que nos fahncou. É por )~lo que rne coloco a meio caminho entre a ab~trac;ao tilo~óftca e o cmpmsmo do::. antiqu•ínos.
Em 1936, foi publicado Raízes do Brasil. de Sérg10 Buarque de Holanda: em 'eu último capítulo, Intitulado "No<>sa Revolu~ao", o autor define sua idé1a de um processo revolucwnáno Come~a por mostrar que, entre o final da Aboliyao e a proclamayao da Repúblrca, exil>te um clo secreto estabelecendo entre esscs dors acontecrmcntos e numerosos outros urna revoluc;ao lenta, mal> ~cgura e concertada, a úntca que, rigorosamcnte, temo~ experimentado em toda nossa vida nacional. Processa-sc é ceno. sem o grande al:udc de algunlil\ convul<;oe-; de superfícte f ] A grande revoiU<;Jo hr,l.'>iletra nao é um fato que se regt ..tras:,c cm um mstantc precr<..o: é ames um proceso;o demorado e que vem durando pelo menos há tres quanos de ~éculo. Seuo; pontos culm111antes assoctam-:-.c como acidentc.<.. dtvcrsos de um mesmo \iMema orogtafrco.
O ano de 1888, neso;a ltnha, é "o marco mais visível entre dua-; épocas", por:que a partir dc'>se fato "cstava melhor preparado o terreno para um novo ~;istema.
168
Ptnn~ois
Furct (entrevista)
"O historiador e a Htst6ria" Estudos Históricos. 1988. n. 1.
As reflexoes que quero 1ntrodu:zir. mais do que inovadoras, se pretendem provocativas a respeito de parte de um conjunto de trabalhos que marcou de forma \tgnificativa os últimos cmquenta anos; tenho também um objetivo didátJco de ~ic,temati7ar ou reun1r indica~oes de análi-;e~ histonográficas espar...as já publicadas '-Obre o a~sunto. O recorte feíto - trabalhos de h1stóna polít1ca que tiveram rmpacto na vida universitária e na forma de se escrever a história política do pab nesse período - partiu de minha própria experiencia de en..,ino e pe'>quisa, que se deu na Vtda univer~Jtária paulista. Si.io contribui~oe' quase que exclusivamente de historiadores bra'>Ílciros e nÜO de SOCIÓlogos, cienlt<,tas polítiCO!'. OU filósofos. trabalhos dcsses últ1mos serao retomados na medida de sua influencra na produ~ao hi:,toriogrMica propriamente d1ta 10
169
É possível pen.:eber uma fortc 1111agcm que atravessa t!ssa história polít¡L braslleira: a imagem e/ou 1déia da "revolu~ao", alguma" da" interpreta~i'\~.:; I1gade explicaría fundamentalmente pela Ju ta oJ¡garquléls versu~ tenent1smo. na linha da documenta~fiiO de época. Pode-:-.e afirmar que c~~a hbtóna polít1ca tem ~1do marcada por duas interpreta1f6es que datam dessa época. A pnmeira, que destaca urna ruptura. o que const1tuíra a inten~ao bastante bem-sucedida daquele~ no poder. que acabou por constituir urna " história oficial", a 1déia de ruptura perdura até em revisoes que se querem radicais. A idé1a aposta - a nega~ao <..la ruptura ou visao de continuidade interpreta o movimento de outubro de 1930 como uma "imples troca de homens no poder; na época, essa idéia estava presente tanto naqueles que deseJavam urna g r<.lnde transformayiio no mo mento (como a "esquerda", por exemplo) quanto naqueles que a 1sso se opunham (como o~ político<> tradiciona1s, como Antonio Carlos e Epitácio Pessoa). É essa interpretar;ao que ~e faz presenre pos teriormente entre aqueJes para quem as mudanyas concreti.lada., nao eram as desejadas A idéia de ruptura, porém, re ma qua~c que <;oberana. lsso se baseou -;obretudo no fato de que, do ponto de vis ta político administrativo, inúmera~ alteray6es "e deram a pa1t1r desse momento, Jinda que algumas tenham s ido e~ boyadas anos antes, como por exemplo a centralizayiio adminis trativa inici:.~da sob a reforma constitucional de 1926, sob Artur Bcrnardcs. n De urna forma genérica. tcm-se a reconstituiyao de um percurso ünico e linear, desaparecendo a idéia de
170
h•ralldade, a vis5o de um campo de possibilidades h1stóncas- aqueJe cm que. pela p Jc:fi11Í9fi0 pOJítÍO "tUdCI parecÍa pCI<;<;ÍVI:'J'" [)() final dO\ HJ10<, 10 a 'iCgllnda tnetade 10 . ·• . d ores parecem c!\quecer as .mumcra-, , do!'> anos 70 aproxunauamente. os 111stona 1 ~s 1 blidadc., que as alternativas diversas entao reprc ....entavam. ao montar -;ua ~ápna cxpl ica<;.ao <..lo pa~sado. Nes"a pcrspectl\a, J revolu<;ao de 1930 tcvc mais p -;cnudo de ruptura do que de continuidade 0 01 Podemos esquematizar, para fins de análi<;e, a produ~ao como condlcton,tda a p;u1ir de dOI!'> e1xos: um_primeiro. que parte da ... itu<.u;:ao ~onueta dos mO\Ítncntos da sociedade em que o h1stonador v1ve e d1ante da., qua1s ele "e pos1c1ona. e um sc:gundo, que parte da situayao do conhecimcnto h1stónco no momento cm que o historiador escreve seu trabalho, de suas v1soes teórico-metodológica:-., embora eu náo pretenda e<>tabelecer relac;oes diretas de causas e efeitos. obv~amente pen~o estes dois e1xos como imbricados . A part1r desses e1xo.;, mmhas reflexoes na ,cgunda e terce1ra parte deste capítulo segmrao um critério temútico-lnterpretativo mas também uma certa perspectiva cronológica.
Urna pnmeira s i s tematJza~iio do período republicano foi a Históríu da 14 Repúblícu. escnta pelo político José Maria Bello, que c irculou nos anos 50: Pretende fazer uma "síntese de sessenta e cinco anos da vida brasileira", organizada 15 em boa parte (embora nao somente) a partir dos quadriénios pres1dencwis. De<:.creve as mudan ~as político-administrativas, as rea
171
prcc1p1ta~ao metereológica"; trabalha com a 1déia dc urna crise explicativa d<)\ acontecimcntos. Para ele, como para Vargas. Rcvolu~ao Constttucionalista de 191"~ e chamada de contra-revolu~ao ou "m<;urrctr;ao". ba,eada segundo Jembra, nu~; "nevro!'e con-.tiiUctonal (como se d111a)": o E\tado No\o é a "segunda ditadura" de Vargas. explicado dentro de uma "atmosfera internacional que o proptciava: corn "a-, elites passint""· "o lempo era Jo homem (GV), no sentido carismático da ac;ao e<;pcrada, na angúst1a profética da 'salvayao' pda espada [ .. ] ou 'lmplcsmente pelo \Crbul" Percebe-se sua críuca ao e\tildo de guerra, ao golpe. a dttadura, ma . . ele reconhece a ordem nova e endo'i:-.a a ver:-.ao ofic1al de continUJdade. Jembru J lllterpretarrao de hancio.,co Campo' e afirma que o g(werno era sempre sob ci chre~ao de Getúlio Vargas, o mesmo govemo conservador. era o '"Estado de fato' que continuava - unmdo a revolu~üo de 1930 (com a fru'>trarrao de 1932) ao cltma de 1937'". Em 1945. foi publicada a 1/tstória ewni)mica do Brasil. de Caio Prado Jr. O autor se coloca explic1tamentc dentro dos pressupostos do "matenahsmu dialético" como teoria do conhecunento, como expoe no prefácio da prime1ra 6 ed1crao ' Ao pensar a nos:-.a história nacional, ve, desde seu início, uma mser~ao do Bra~il enquanto colonia no desenvolvtmenlo do s1stema capitalista; o sentido da colonizas;ao sena dado pelo capitalrsmo comerc1al, estando '>empre presente a no~ao de dependencra, que mdica a ótJca nacional. Para ele, a Repúbl1ca é v1~ta nessc proces~o nac1onal ma1s amplo: a<; institui~oc~ imperiais eram inadequadas ao progres~o do país e 1889 teria stdo a "aurora burguesa". O período de 1889 a 1930 é cla~~ificado como a ''Repúblrca burguesa"; os fatores de adaptas;ao do Brasil sao urna "cri;;e de trano;i<;:ao", de "creo;cimento", que fará do Brasil uma nas;ao aJustada ao eguilíbno mundial moderno, no círculo internacional do unpenal1smo financeiro. Embora renove seu sentido ma1or, conserva O'i marcos de penodizas:ao político' tradic1onats, marcados por um vtés económico explreati\o: ~e para ele a hil\lória é um processo marcado pelo desenvolvtmento das for~as produt1vas, a República e 1930 sao explicados como reaJustamentos políticos ao 17 de-;envolvimento material. Como no período pós-1930, desde o final da Segunda Guerra Mund1al e do Estado Novo abnu-se um período fértil em renexoes sobre a sociedade bra~iletra, coma produ~5o de análrses e a c1rculayao de prOJCtos. Em especial a partir dos ano~ 50. emergm com for~a e se generaliLou pela soctedade uma dt<;cuo.,~ao sobre O!rumos do capitalismo no país. sobre a questiio da "pobreLa", do que para mu1to~ aparecía como "atraso", "terceiro-mundismo", "subdesenvolvimento"; as proposta~ do dcsenvolvi mento nacional procuravam conquistar a opin1ao pública, sobrctudo devtdo ao retorno do debate político com as elei~oes, a 1ndustnalrzayiio aparecta como solu~ao para o desenvolvuncnto económico da na~ao bra~tlc1ra. Grande~ ensaios de História do Bra~il foram elaborados, um do~ mai:-. s1gnificattvos para a vida academica foi o de Cclso Furtado, ligado a Cepa! (assim como outros ligado!>
172
Iseb. para o qual o papel do Estado nes~e proce~..,o era bá~ico ); revistas debatiam ··~ prohlema" 'ohretndo no ;..eio da e:-.querda. como a Revista dtl Cil•i!i-:.a(¡iio e~'~ . . Bra~ileira e a Revtsta Brast!tenH' Ne..,ses trJbalhos. tanto no-. mar\l'>ta' quanto no-, nao-mar\t'>tas. metMora-.. Je uma dualrdaJe mostram uma opos¡c;:ao fundamental entre novo - velho, arcarco _ moderno, adiantado - alra-.ado, capitali!>ta - sem1feudal ou tradicional, etc. A Republica e a revolu<;iio de 1910 de de:-.envoh uncnto hi:-.tónco de nac;ócs europétas sao u~ado!> como parümetros explrcativo' no campo do man.l\lllO na~ análi~e' económicas. sociológicas e da uencia política: ha>vJa também outros generas de terpretw¡:ao, na linha do pen,amento liberal ou autoritáno, mao;; o marxismo -;e 111 Jifund1u no mundo acadcmico. nos curso.., de pó<,-~radua~ao dos anos 70 (pelo menos. no ¡aultsta) parecta pnmordtal entender-se a na~ao a partir de seu modo de • ll
'1
- ' prod uc;:ao. Depo1s de 1964 e sobrerudo de 1968 - outro momento fortementc atravessado pela di"cu~sao da noc;:ao e da viabil1dade de uma "revoluc;ao" marcado'> pelos eventos poi íttcos e pela necesstdade de compreende-lo'>. os histonadore~ procuram entender melhor a Repúhlica e sua<., falhas. Volta-se a revoluc;:ao de 1930 com muito vigor, po1s ela é cons1dcrada como marco de grandes transformac;:oes respon'iáveis pelo que depor... -.e pa<:-;ou no país !<.so se dá, porém. de forma muito marcada pelos trabalhos de ciéncias .,ocrais. muitas vezes fundada~ no marx1~mo:11) Es.,e aparece nos anos 60 como o grande renovador de uma "histonografia tradtcional", M!ndo colocado como a grande e única alternativa. como constrtuindo a "historiografía revi<>IOill~ta" e "científica'' Segundo observou um autor em meados de 1970 (ao denunciar os la~os entre "o historiador e a camada dommante'' em relu~ao a h1stória republicana mai:. contemporanea), o historiador bra.;ileiro sempre fora "avesso aos estudos teórico," e dotado de "reac1onarismo congenito''. Esse autor acha, entretamo. que num momento de ··um processo de consctentin~ao ideológ1ca" como os hi-;tonadores 40 Vlviam naqueles anos. esses aspectos Lenderium a desaparecer. Percebe-.;e um novo ttpo de po<>ic1onamento dos historiadores, pressionados pelo profundo clima de repressao e pelo exemplo da mtlttancia política~~ A~sim, -;e até os anos 60 as rela~oe\ entre os historiadores e as camadas dommantes cram evidentes. tal tendencia se reverteu nas décaJas segutntes:n E m rela<;:ao ~~ históna poi ítJca, o conceito mais empregado tanto para se trabalhar seus objeto~ como para classificar 1 produ~ao era o de ideología ~ O que dtsllnguiu fortemente es.,c período da historiografía foi a influencta lnterdisciplinar. O fato de e:-.sa ter stdo muito Importante na h1-.toriografra francesa
173
(nossa maior inspira~üo) pode ter jogado aquí algum papel. Bom exemplo da influencia das cu~ncias ~ocia1s na historiografía é o 3!! vol u me do Tomo lii de Bra.\il republicano, soctedade e política ( ICJ30-ICJ6.J), editado cm 1981. Apresenta urna porcentagcm grande de autore~ que sao cientista' sociais Em suas coloca~oe~. tanto na introdu~ao quanto na conclusiio, o organizador Boris Fausto menciona a obra como produto de intelectuais com forma~fiio diversa: enquanto organizador, afirma que condenava tanto urna história factual quanto grandes generaliza~oes. 44 Em rc!la.;ao a qucstiio de urna ruptura revolucionária, a problemática da~ relay6es E:-.tado-sociedade se configura como cixo de análises a pan1r{fa influencia interdisciplinar. Destaca-se como fundamental a análisc de Francisco Weffort sobre o "Estado de compromisso". Ao se pensar a Primeira República como a hegemonía da burguesía cafee1ra e seu fím em 1930, como se explicaría o exercício do poder, a domina9fío no governo Vargas pó~-1930? A categoría "Estado de compromisso" resolvería o problema: ''nenhum dos gmpos participante~ pode oferecer ao Estado 4 a~ bases de sua legitim1dade". ~ Desta forma, segundo Weffon, Gerúlio Vargas "estabelece o poder do Estado como mst1tui~ao. e este come~a a ser urna categoría 46 decisiva na sociedade braslleira". Se nessa análise a hegemonía eslava vinculada ao poder económico, só u m compromisso entre os grupo'> resolvería essa questiio. Outro mareante trabalho fot Os donos do poder, de Raymundo Faoro. reeditado em 1975. Inspirado em teoriza~oe~ webenana~. é apontado como um dos rcsponsáveis pelo papel atribuído ao Estado na vida do país: o Estado ~erí a dirigido por um estamento patrimonial desde a colonia, burocratiz.ando-se fortemente; tsso explicaría enfase no papel do E!>tado, o que constituiría a marca fundamental das 47 rela~oes na soc•edade bra!>ileira. No campo da discussao da revoluc;:ao burguesa, outra análise significativa foi a de Lutz Werncc..:k Vianna; para ele, um Estado bonapartista conduziria as rela~oes ~ociais, cumprindo o papel de guardiao dos mteresses da burguesía, mcapaz de se impor hegemonicamente; i~~o constituina urna revolu~ao pelo alto. mas sempre uma revolu~ao, isto é. urna ruptura. Naquele momento, nao só os brasileiros estao interessado:-. na situa9ao do país, e surge urna grande produ~ao de brasilianJsta!>; dentre eles, Thomas Sktdmore se fez presente nos cursos de históna, depot!> dos meados dos anos 60, com urna síntesc factual que surglll como imprescindível, publicada cm portugues no final 4 dessa década (0 Brasil de Getúlio a Coste/o ). x Ao analisar a "era Vargas ( 19301945}'', a revolu~ao de 1930 foi para ele urna "rcvolu~ao de elite", uma revolu~áo no plano políttco, ou 'eja, reforma-. no !-.Í'itema político e nas estruturas admmistrativas, sem mudan~as na estrutura social. De 1930 a 1937 ve urna "agttada improvisa~ao" e o surgimcnto de um Estado paternalista fo11e, sem depender de apoio popular e sem ba'>e ideológica: endossa a v¡.;ao do "Estado de compromisso". A a~iio de Vargas é bastante de:,tacada. surgtndo como atores históricos elites políticas e a classe média; o poder, de 1938 em Jiante. rcpousa nas for~as armadas, scm base ideológica e sem apo1o dn' massas. 174
Edgar Carone e Hého Silva podem ser vistos como os mventorcs da f{l.'públt'-a nos anos 60; unpuscram~se pela quantldacle- ~e- r~·squi"<~s que 1ra7em ñ lUZ· Hého ~tlva ~ot o cnador (ou d•~ulgador) da penod1~~ao O c1c!o ..de Vargas, •u relato e cnticaJo pela superfic•ahdadc e "falta de mterpreta~ao ; baseta-se s~; . d .• , J • f 49 sobretudo cm entrcv•-;ras, o~..:umento::. ue epoca e aprescnta crono ogtas actuats. carone é o pe::.qui•;ador que tcm o maior número de títulos publicados sobre o período repubh~ano; em 1965. seu Rc\'Oiu<;i5es do Brasil contempodmeo. ao descrever os fatos políticos nurna penoJitacrao que vai de 1922 a 1938. mterpreta0_, numa perspectiva processual revolucionána primctramente "ascendente", depoi<. "triunfante'' e finalmente "des~.,;cnJente" ém 196g. especificamcnte - e nao por acaso - surge urna coletanea de 0 Jttigo'>, Brasil em Perspectiva~ • na qu de 1930 e que perdurana por toda a década. no qual o Estado nao representaría qualquer setor da soc1edade, e o governo ac;sumina o papel de árbitro dac; Jutas políticas. Para ele, 1930 fot urna acomodac¡:ao; como, entretanto, nao se volta ao pa~sado, novos tempos se iniciam com a reprcssao e a manipula~ao da classe operána. A partir dcsse art•go. percebe-se que Boris Fausto, tendo s1do o responsável por urna primctra revisao publicada em 1970 (A Revoluriio de 1930: Históna e htstoriogrnfia, subtítulo 1novador) torna-se uma rcferenciU obrigatória. Ao analisar o legado do marxismo cm dtws vcrtentes, aponta as linhagens da matriz da idéia de ruptura marxista vmda dos anos 30, seJa na visao dualista de um antagonismo em !'.uas vanantes, seja na revolu9ao das cla-.ses médias 1 representadas pelas for~as a• mudas e o tcncnttsmo.~ Essa ver~iio ganhara forcra nos anos 50 porque 1a de encontro ao pensamcnto da esquerda e a!> formuln<;ocs de um projeto de capitalismo naciOnal Ao refutar as duas vcrtentes explicativa~ anteriores. Fausto nega a existencia de da:,ses nactonais CUJOS conflitos polares no'> anos 20 poderium explicar a revoluyáo de 1930. 175
Pelo conjunto de sua obra, podc-'>c di1cr que a "revoluc;ao <.le 1930" é analisa<..la como urna ruptura. um conflito 1ntra-elitt>' e c0m configura\ao marcadamente regional (talvez 111tlucncwdo pel.t análtse de Barbo~a Ltma e Por interprctar;oes trotsk.istas de epoca) ~ 1 Representa o fim da hcgemoma <.la burgue~ 1 a cafcc1ra e o início de grande-, mudantyas na .t~ao <.lo E~tado centralizado intervcncioniMa, básico para a mdu,tnaltzac;iio. além eJe muc..lar as rela~oes em~ poder e'tatal e operanado. Ao aceitar o "Fstac..lo de compromisso" que explicana nao .\Olllente O lllOVImentO. llla\ O LOnjunto c..Jo \I\IC111a pOlÍtiCO pOSterior. \'é Um 'ano de poder pela crise de hcgemonw, a partir da' anáh~es de Antonio Gramsc 1e 'J1cos Poulantzas, que cntlcam o cconomiCI'>IllO marxi,ta. E!'.se "Estado de compromisso" explicana niio ~omeme o movimento. ma-. o conJunto do o;istema polítiCO postenor. Bons Fau,to parece ace1tar uma temporalidade processual una. com um sentido determinado, ao encerrar sua rev1siio d1zendo que entiio o Brasil "entra na maiondade", marcado certamente pelo desenvolv1menti<>mo que considera o E'\tado como o ma1or agente hi'ltórico, em func;ao da nao-constitUJ<;ao definida de classes. Após ~ua revisao, a no~ao de dualismo explicativo desapareceu na maioria das mterpreta~oes marxista~, embora desde os anos 40 Já llvesse s1do rejeitada por Ca1o Prado: provavelmente o grande 1mpacto do hvro deste último, publicado em 1966 (A revolw;ao brasileira) ajudou a enterrar o dualismo na academia. Entretanto, com a mterpretayao de Bori/) Fausto nao de~aparece na<> ciencias sociaís a problemática da revolu~ao burguesa. A idéia de urna nova forma de Estado vai se tornar quase que consenso: 30 seria uma ruptura com um Estado oligárqUico De forma genérica. podemos dizer que o corte cm 1930 assim aparece nas análi<>es da-; cienc1as socia1~: antes de 1930 o E~tado era liberal. oligárquico, federativo, baseado na economm de exporta~ao: depoio; de 1930 (por vezes depo1s de 1937), esse é autoritáno, centralizado, e voltado para o mercado interno. A maioria das interpretayües de ruptura em 1937 vai nessa direc;ao do fim do Estado liberal. Assim, marxismo e ciencias soc1ai' 1mbncados é urna vertente modular que chega a histonografia dos ano<; 70, vmda através da e; CH~ncta<; socims.53 A influencia do ma1xismo era muito ampla, mao; mesmo dentro de uma história vista como propriamente marxista há um largo espectro de trabalhos. Entre esses, Nelson Werneck Sodré é aqueJe que apresenta uma interpretayao histórica mms reductonista. Ele escrevia desde 1939, mas su a Formartio hi,tórica do Brasil, ·'resultado de um curso" que min1strava no Jseb a partir de 1956 - me parece 54 cxemplar. Nessa obra ele ve a hi~tóna do país como uma sucessiio dos modos de produyao que desembocariam no capital1smo. Paru ele, a históna é o desenvolvunento progressivo das for~as produtlva-;, os evento~ políticos sao reajustamentos ao desenvolvimento material. sfío passos i't frente num processo progre-...;;l~la. Ve um dualismo nas contradi<;5es bá\ica'í que afirma ex1st1rem entre 176
Bra:o;il pré capitalista, feudal, de setorcs agráno" assocmdos ao unpenali,mo:
1 un,t: J ••0 vdho"; o ''nO\ o" -;cría o Brasil d:t hnrt•ne,ta 1' do mercado interno e5pitalista. O" dois teriam -.e chocado na revoluc;ao de 1930. que é vp. ta asstm
~:nrro desse proce...,-.u mc.ti.., a.mpl~. ~firma a cxistcn.cia de uma burgu~sia n'Iucionana (na lmha de uma 111nuenc1a do PCB Jctcnmnada por uma C\trategta ~onal do mo\imento comum,ta e pela política de allan~a' de ~.:laS\C..., dos anos tzinqücnta). A cn'>c do' ano' 20 seria a pressiio burgue\a por ...eus 1nteresscs de um ~rcado interno e cm 1937 rer-\e-ia dado fmalmente o "atra . . ado" míc1o do apitali . . mo no Bra-.;d. Ilustra perfeitamente. a-;sim, no campo da htstória. o u'-to do' ~,Jclos da-. c1t!ncia..., sociais: parte-se dt! um ponto determinado. com um refcrcnctal que determ1na sua part1da, seu percurso. sua chegada. a pesqUI ...a vem ,(,nfinnar seu referenctal, ou vem estabelecer o que varia cm fun~iio do modelo, o;eja de E... tado, de dcsenvolvimento, de revolu9ao. O referencial é que é 'empre o parametro explicativo. d1ficultando o desvendamcnto de formas hl<;tónca!'. part11.:ulares Em 1957. Leoncio Ba<;baum publica a Htstória \Íncera da Reptíblica, na qual faz urna exposic;:iio cronológica definida a partir de sua vivencw de mtlltante comuni!>ta. As "causas do movimento de 30" se encontrariam nas condic;oes internac1ona1s, nn crise de s1stema em 1929: "já nao causa espanto ou ceticismo afirmar que a mtervenc;ao americana foi fator decisivo da Rcvoluyao de 30". Nao ve "s¡gnificado técn1co ou político" no termo revolu¡¡:ao, pois o que houve foi a "sub-.titUiyflO de um sctor das classes dominante' por outro. sem que nada mais se altcra!'-.'!C no país" Porém. no volume que cobre de 1930 a 1960, a primeira parte sobre 1930-1937 é mtl!ulada de "'O Brasil No\ o··. No 1níc10 do<> anos 70. surge a Pequena hwtma da Reptíblica. de Joao Cruz Costa, que é, segundo o autor, resultant~ de nota~ para !'-.eminários e art1gos. "ráp1do en,aio'', um "depotmento" escrito num "impres<>iom~mo" No momento havia muita gente no Brasil e fora que, fazendo estudos e tese\, procuravam-no para di!-.cuttr os anos 20/30 e as "causas imedtatas de nossa Rcvolu~ao de Outubro de 1930". Ass1m, qUis lanyar a di<;cus~ao "a marcha das idé1as e dos acontecimentos que conduzem a essa importante encruzilhada da Hio;tória brasileira que é a Revolu<;ao de 1930" Acentua bastante a 1déia de ruptura, cmbasado cm bibliografía em que se notam tanto análises de época quanto O'l trabalhos de Nélson Wemeck Sodré e José Maria Bello. Em sua interpreta~ao ~e destacam clas-;es, fra<¡:oes de cla..,~e mas também elttes e ind1víduos. Em meados dos ano-; 70. os histonadores come¡¡:aram a fazer a crítica aos model os, pensando a pesqui1>a em seus pontos de ~aída e de chegada, a partir do que de-,tacava-sc a "indetcrmina~ao". 55 Além disso, procurava-se <;ubordinar a pcsqlll~a do~ objetos da no.'>sa lmtória a urna determina9ao interna e nfío cm fun~ao Jo fator ;xtcrno que prcponderava. dev1do a predominancia nas análiscs eJe uma idéia Undamental Je dependcncm como fator explicativo e ao u~o de modelo.., externos. 177
A nega~ao da1. clas~e1. e a vio;ao do btado foram objeto de críttcas acerbas, e c"pectal de M~nl~na Challl Ctntnáno internacional d0 Univer-;idadc de Brac:;ília cm conJunto com a Funda<;ao Getúlio Vargas do Rio d~ Janctro pretendeu ''avaliar a importancia, o "igniftcado e as tmplicac;:oes d~ movunento rcvolucionário de 1930 no proces1.o de moderniza~ao da sociedad~ bnt..,tletra. bem como tdet1tlficar suas repcrcussoes no" diversos segmento1. '>OCtat\ ~ na estrutura de poder".<~ Alguns autores trata m da problemática de 1930 como ruptura ou continuidade de forma explícrta. Por exemplo. Aspasra Camargo, aiJ rever tntrepreta~oes ne<;<;a<; duas ltnhas, acaba por conclutr que, entre 1932 e 1937. houve "uma renovas:ao gerac10nal das elttes políticas".~~~ Gerc:;on Moura, lembrando uma drscussao centralizada na "natureza conservadora ou transformista dos novo, equtlíbrioo; de poder" que se estabcleceram depois de 1930, ve urna clara continuidade na política externa brasileira ~em qualqucr ruptura significativa. Ao reavaliar mterpretas:oes, Luciano Martms concluí que nao hoL~ve ruptura em 1930: "o que se contesta, em síntcse, é a oligarquía e nguanto elite drngente e nao enguanto classe dominante". Para ele há um ··procesc;o inicrado na década de 20 e que vat culmmar na implanta<;ao do Estado Novo··, com inclusao -;eletiva de nO\O' grupo~ 1.0ciars a vida polítrca, e de novos atores ao poder". Interpreta que someme cm 1937 se fecharía um "procec:;so" (termo emprcgado constantemente por ele), que re.,oh·e que'-fóes colocadas desde a década de 20. Em 1973, fora criado no Río de Janeiro (a partrr de um arquivo de Getúlto Vargas, hoje com mais de urna centena), o Centro de Pesquisa e Documenta9ao 59 H ist6rica - CPDOC. Essc implementou pesquisas e publtcar;oes, o que permití u. segundo afirma Aspásia Camargo, coordenadora dessas pesqutsas, "retras:ar com surpreendente clareza as etapas sucessivas do movimcnto revolucionáno [ .. ] a.' grandes linhas de um proces~;o que os registros disponíveis pincelavam de forma tumultuada e incerta. Evidenctaram-se. ne~ta leitura, as graves omissoes de nossa precána historiografía, que ora apresentava o bloco revolucionáno coe:-.o e monolítico [. ], ora o recon<;tituía anarquicamente. como urna suces,¡¡o de.,ordenada de confl1tos pessoais fragmentados e erráticos[. ] "Diz ela amda· Ao optar por uma and li~e conjuntural Jo período que se inicia coma Revoluc;i'ío de 1930 e se cstcndc até o guipe de 1937, f1cou patente que o lio condutor do proccsso de con:.ollu.l\=iío da nova classc política - ekmcnto ordenauot d.t lóg1ca e da :.uces:.ao dos dtfcrcntes pe1 íudos - era o etxo dos conflllos 4uc conlrapunham U'> tendencia<. regionai~ (cm gr;tnde parte
178
responsávcis
pela cclosao rcvolucionária) ao projeto de política ~ssum1d1 prh fnn;n' hrgcméimca<> que defimram a nalurcLa du regimc.61' ccntrah1.a~'io
Ángela de C. Gomcs, outra coordenadora do centro, retoma análises de hi~tória do Bra~il como a de urna séric d~ •fases descontínuas' cm que acontecimentos revolucionários assinalariam u m ~vo tempo [ ... ][que] nao só teriam o efeito de amenizar as linhas de continuidadc ~e nossa lustória, como pnnctpalmente posstbilitariam o obscurecimento de pennanencia da domma~üo, que o exito das elites políticas só viria confirmar e refor~ar". Prop6e que seJa repensado "um tipo de penodiza~ao que toma como b)OC, evtdenciava-se a intens:ao ofictal de !igar 1930-1937 e a pluralidade políttca do momento. Essa n~ao de pluralidade Implica mais do que uma simples men~ao a oposis:iio existente no período entre esquerda-comunismo e direita-fasctsmo/integralt!>mO, a qual a maioria dos trabalhos necessariamente ~e refería Em torno da discussao de urna "revolus:ao de 1930" (corn as mais diversas grafías) -..ista como ruptura ou continuidade- que, em artigo em 1983, Boris Fausto c lassíficou como ''cl cla1.ses-médias e finalmente, na segunda metade dos anos 70, a classe operária ()~
f ncisco Weffort de que há ··a imagem da
179
Yesentini. em mais um arligo, mo~tra as falas do poder enguanto con-;tituindo sua própri.t crvnologra e sua legitimtdade.6<' A per<;pectiva de urna retomada de urna "rnemória oficial dos vencedores" mostrou quao "ideologtcarnente" essa problemáttca ti nha s.e cons.tttuído, quao de 67 forma oficial ou oficiosa a hi'>tóna da revolu~ao de 1930 tinha .,tdo contada A concep9ao da história nao como um processo úntco e por vezes inexorável, ma' como u m campo de po5.sibi lidades, comc<;ava a despontar para alguns htstoriadore,. Os trabal ho~ lembrados aprcsentavam a memória e a histonografia como produzida~ dentro de um campo de Jutas soc~ e o próprio conhcctmento por esses prodlwdo tarnbém o fot dentro das Jutas soctais de um novo tempo. Algun' htstonadore¡., se almharam niío ~amente como cidadao~ ao<; openinos do ABC pault,ta. Um analt~ta, mats tarde, a-;sinalou a con~tru~ao de um objeto "movimento!-. sociais" - como manrfesta~ao des-,e compromi~so, no que chama de "neo-rnr litancia" 68 E mesmo a pnmcira rev tsño rmus impactante dcssu memória ofictal de 1930 (que foi O silé!ncw do;, t•enciJo;,) conser"a a idéia de ruptura a partir - 69 d e ourro prm;esso e propostas d e revo 1u<;ao. Yescntin i, pouco depois, Ltprofunda a "memória ht'ilórica" de 1930 de uma forma mai:-. ampla, como algo de social. de colctivo e marcada pela perspecti'·a
fi¡;tal já anteriormen~e e~~uda~a .. Drscute_ urna "cna~ao do fato" cm rela\ÜO a ltJadc do.'> posstvcts e a "tnsttlttt<;'lO de '-tn mem0tt1' . :1 r·trttr dt• lltn;:t t'tur·'. , . . , 10 d' erstdade dc fontes de dtfetentc<, momentos. tV Minha pesqui"a sobre f'enentls/1/o e revoluriio bnw/eira fot publtcada no •• · dos ano'> 90. A parttr da ruptura jurídtco-polítu.:a inqu~~tionávd de outubro ¡OIL 10 d ¡910, ao e~tudar o:-. documt:nto'> Ja época para recupaar a conceps:ao de e, nltu;ao, a pluralidaJe de conceitos. imagens e intcrprcta~6cs se patemeou. A ~ ..j~l Jc; htstóna por tras des:-a pc,qui-;a nao era mats a de uma históna-proce-,•;o, rna' .., 1m a de hl\tória como um cttmpo de po.,.,thrlidadt!.. A pluraltdadc. por con..cgutnte ....e colocav.1 tanto do ponto de vtsta Jo objeto. quJnto do ponto Jc 'i ... ta da conccp~ao de história E.. sa pluraltdade aparece em algun., trabalho., recente,. Ka¿umi Munakata. elll artigo, pin~a algumas da.. idéias pre..entes no debate político do~ ano!\ 10: autnnwrio;mo. educa~ao. nacionalismo, racionalizu<;iío. todo'> ternas que remetem 71 um E..tado autoritário cm con~trw;ao. Ilk.a S. Cohen, em te~e de Joutoramento. 3 emprega as bali7a<; tradtcronai~ de 1930-1937. procurando repensJ.-Ia., a partir da idl!ia de pluralidade e nao de processo. 72 Mostra como a revoluyao de 1930 P'!rmanece como referencia de ruptura durante es.,es ano~ e é a partir de~.,a idéta . ' 1 . 7' de ntptura que se de l meavam as tnumeras a ternattvas A retomada da "memória dos vencidos" (que por vezes adquiriu um irritante carátcr de modismo, como sót acontecer entre historiadores. e nao ~omente os brasileiros), nao fot a única preocupa~ao teórico-metodológica que impul s10nou o final da di-,cussao em torno da revolu9ao de 1930 como ruptura ou contt nutdade. O reexamc de uma htstóna marxista grosso modo militante, a vi sao da hl\tória como um forma de discurso ~obre o passado e a retomada do conccitual políttco de época, entre outrao, muitas formas de se repensar a história política (com tudo que "urgiu de influencia interd t-;c tplinar a partir da psicanúlisc, da ftlosofia política, da antropologia) levou os histonadores para outros interes-.es 7 e outra~ preocupa~6es de pesquio,a sobre o que pa-.-..amos a chamar de "ano o; 30" . ~ Fa7endo um paralelo entre essa história-proces!-.0 e a denominada "história em migalhas" (com uma pluraltdade de temporaltdades, abordagens e objeto<~) l~mbro-me d~ ima~e~s ~ue representariam u m certo percur'>O hístonográfico da regua ao calc tdoscopto. · Ao se uproximarem os anos 90. estava jogada uma pá de cal no problema da rcvolu~ao; ..e ~e discutira ba,tante ncssa década sobre a' alternattvas políttcas de reforma o u revoluc¡:áo, pas~ou-<;e depots a di.,cuttr a "questao dcmocr áttca", reaherta na 'cgunda metade do'> anoo; 80, no debate político-Intelectual bra-;iletro. Etn arttgo na segunda metade dos ano-; 80, Edgar De Dccca chamava a atcnc¡:ao Para a<; "representa<;oe<~ da revolu~ao elaboradas sobrctudo a partir da<~ ~:xpcricncia!' política" dos anos "cs~enta". E concluía afit mando que ·'no debate Políttco e no campo historiogrüfico a que-.tao da rc\olu~ao st: esvanccc··.
180
181
CONCLUlNDO: DA RFPRESF:NT \(.:ÁO
R ÉGUA
AO
CALEIDOSCÓPIO OU
DA
[OEOLOGIA
0
A os poucos, foi se e-;gar~ando a concentra<;ao da-; anál i!-.es cm torno de~ ch.o de pcriodiza<;ao e interpretar;ño. acabando por perder t¡ualquer importanc 1a ~ produ~ao hi-;tórica que <;e pretende renovadora. A crítrca aos modelo!- se agregou já antiga crítica ao¡., finaltsmos, ao hr-;toriador visto como um profeta do pa!-.sadoa pois ele. colocado no que por veLes é vr-.to como ponto de chegada, procur.J.Il¡ con-;tnm corretamente o percur-;o de u m "proce-;so" percorndo, vrsto como o \inico po.,sível. A crítica da problemática da nature¿a da rcvolu~ao de 1930 e de urn percur~o revolucionário pO!>.tenor fot descnvc-lvrda. amda nos anos 70. por Edgarct De Deca e Carlos Alberto Vcscntmt; um artigo do~ doi<; ~urgtu cm 1977, com caráter de denúncia da mcmóna de!>.!'.e tema e ~e tornou mai' urna referencia obngatóna. Quatro ano\ depois. Edgar De Decca em O silénno dos l'enculot afirma: aprco;cntada como untl<íria e monolítica e et~ a ltígtt.a tlo excrckto da domina~ao. divtde a históna, mcmottt.ando-a e a hislonograf'ia, alravé:-. de enfoques diversos, ,tssume de ponla a ponta a~ oposi~oe\ constituída" no intcnor .l . bO'1 ICO .. (.~ uC!.Se campo SIITI A Revolu~ao é
7
lembrando a-, vertentes inglesa e francesa que marcara m es !le percurso d. denunCia. . . 76 "\<;SJm. A .¡: 1! SU bl"lll h O maJS urna \'Cl urna passag~.:m. de l. l"~_;lelell~o;las il\ mterprctay6c:-. da revolu~ao a partir do conccito tle ideologw, para um enfoque ma, 1 amplo, em torno do concelto de repre.,entacrao. n A
•
ESTADO NOVO: NOVAS HISTÓRIAS Maria Helena Robm Cape/ato w.sP)
Para Mara
182
populismo, fcnomcno amplamente analisado por sociólogos. c1cntlstas polít1cos e economi:O.t mais recentes sobre o vargui~mo bu~cam esclarecer a'>pectos dessa hbtória nao contemplados nas análisec; anteriores. Os modelos e tipologi ac; construídos para explicar o fenómeno populista na América Latina em geral, ou no Brasil em particular. nao levaram devidamente em canta as particulandade.!> nacionais nem ac; especific idades conjunturais; visto em conjunto, o populismo é enfocado de forma genérica, o que impo..,-.ibilita a recuperayao do evento na sua plena hi\loricidade. Me.!>mo no tratamento dos casos isolados, os e~pec1ali s tas reahzaram grandes ~;íntese~. abarcando períodos extensos da história doc, países Os estudos sobre o popuhsmo braslle1ro elaborados até a década de 70 tcndiam a e nfocar o processo h1stórico mais gcral, tomando como baliza~ a,<, décadas de 30 a 60: a "Revolu~fiio de 1930" é mdicada como marco inicial e a "Revoluyiio de 1964" corno marco fina l. Nessa perspectiva, vános trabal hos se referem ao popuhsmo como um todo indiferenciado, sem levar em conta as diversas conjumuras que permitem explicar. de forma mais aprofundada, a "Revolu~iio de I930", o Governo Provio;óno de 1930 a 1937, o advento do Estado Novo, a redemocratizayi'íO de 1945, o segundo período Vargas, a polít1ca des.envolvimentista de JK, os confl1t0" políticos do início do-; ano~ 60 e o desfecho na "Revoluyiío de
O
183
196-f' O método explicativo mais amplo nao permite a coloca9iio de que.,tee t'<;!1t'(~lfaca<; "nnn;. ("ld:t n:omt'ntr> tksse proccsso. interpretado .::omu Ulll mouc·J~ econom1co e poht1co particular que t1p1flca uma etapa do cap•tallsmo brasileiro. A nova h1storlografta propoe um ~.:aminho •nverso· privilegia . partJ~ularidaJe-. naciona1s e O'> recorte." mai-; espct1flcos. Em lugar das grand~: -.ímeses e das genernliza~oes teóncas - que. ccrtamcntl!, trouxeram contribui oc 9 mu1to importantes para a COI1ll)l"l!en-;fio do período -. os pt.!squi.;adores na árc~ buo.;cam hoJe a "reconstlllll~·¡]o hJ..tórica concreta" dos vános populismos. Nc~-.,c contexto. o vargui-;mo ganhou destaque na prouurrao l11stonográfica braslleira. mas a atcn~ao se voltou. '>Obretudo. para a fa-.c de 1930-1945, o Estado Novo aí -.e colo(;a como tema de especwl 1nteres.;e, pnnc1palmente para os que se dedicaram ao estudo dos aspectos políticos e culturcus de.;sa experiénc1a Em contrapartida. 11 segundo governo Vargas fo1 relegado a um plano \ecundário, regi-.trando-se pouc0 , trabalhos na área de Hi•aória referentes a es'\c momento. Cabe indagar sobre 0 sign1 ficado dessa escolha. 1 A resposta a essa quest5o implica levar em cont~ o contexto interno e externo que motivaram a proliferayüo de estudos no campo da história política Muitoc; autores estrange1ros e bru~ileiros tem fe1to refercncm~ renova<;ao na área.~ Ele., consideram que a hi<>tória política se impós, na~ última-; décadas, como uma r~a9ii0. nao !>Ó a enfase no estrutural enguanto definidor do processo hi<>tórico. ma' também aos enfoques determinista" que nao Jevavam dev1damente em conta a liberdade de escolha e de a~iio do!> sujeitos na hi"tória. O tema da revolw;ao. que norteou as mterprcta96es "obre a sociedade brasilcm1 até os anos 70. estimulou pesquisa~ sobre as estruturas económica~ e \OCJais. Mas, a medida que os diferentes modelos de rcvolu9ÜO foram demonstrando su a fragi lidade, os esquemas teóricos predominantes entrara m em crise. O questionamento dos paradigma:- estruturalistas, de d1ferentes tendencias, provocou dcsconfiant;as com rela9a0 as análJses generalizadora<;, que privi legiavam OS atores colctivos e baseavam-<>e em explica96es racionali~tas/materialistas. Segundo Ángela Ca'\tro Gomes, foi nesse contexto que a história política ganhou espa~o. trazendo cons1go algumas orienta~6es movadoras. ' Concordo com a autora quando afirma <>er unpossível compreender 0' avanyo-; dos estudos polítiCO' no Brasil tanto sem urna "remissao aos debate' intcrdisc1plmares travados no n1vel internacional, quanto sem uma clara referencia ao 1mpacto dramático trazido pelo reestabelec1mento do autoritarismo e da aberta repre.'lsiio polít1ca, particularmente desde fins da década ele 60". Nao é portanto casual que nos anos 70 tenha surgido uma literatura voltada para u cornpreensiio tN fenómeno do autoritarismo e das causas do golpe de 1964. Nes'>e contexto. hou''t' um significativo retorno ao pré-1964, orientado pela bu<;ca das raízes mal' profunda.;; do autontari-;mo bra-.IIc1ro (Gomes, 1996 63-5). E.;;-.a realldade levou 0' estudi0\0., da sociedade brasikira a se indagar .;;obre <1 const1tui~ao e natureza tll1
a
184
ritarismo no pa-.sado rnais recente e no de langa dura~ao. e a dar destaque ao
1 ,uHwJo . Novo{llJ3 7-1Y4))
~ O .;;urgimento. no' ano~ 70. de movimentO\ c;ociais com caractl!rÍ,tlcas rticnlares e do "novo sindicalismo'' explica a prolusao de esrudo~ histónc.os .,obre p.1 , 11nento operário rcallndo~ no fmal de-. ... a década e míc10 dos anos 80. Náo o 1110na~ os soc10 . '1 ogos e os c1ent1stas . . po1'1t1cos se vo 1taram para esse campo de ~atho. mas também os historiadores, que passaram a se dedicar üs pc ..;qu•sas ~re a format;üo da classe trabalhadora e "eu comportamento polít1co. <~uas ~onJi-;oes de vida. formas de organiza9iio e a-.p1ra~oes políttca'-. Os estudo. . mai" ¡eccntes sobre partidos. '>indicatos e movimento operano apresentam um elemento comum: a recusa das teses predominantes até os anos 60170, que in\lst1am na fragilidade. no desvio e na inv1abilidadc de orgamza9fio dos trabalhadores As análises referentes ao' ano' 30 buscaram recuperar tra9os de resistencia de trahalhadores a nova política trabalhista, ou a~ ra7oes da sua aceitayao. A tese de Ángela Castro Gomes sobre A invenrao do trahalhismo explica a adesüo dos trabalhadores a essa política varguista a partir da existencia de urna "dupla lógica" no processo histórico, que conferiu poderes ampliados ao Estado e possibilidades de intervir na soc1edade: se essa adesao, por um lado, pode ser explicada pela lógica matenal - os interc<>ses nos benefíc1os trazidos pelo d1re1to trabalhista -. por outro pode ser entend1da segundo urna lógica simból1ca de forma9ao e mobilizayao de idenudade. Esta última relia as demanda<> e valores dos trabalhadores, transformando seu atendirnento num ato de generostdade que reclamava, impllcitamente. reciproc1dade (Gomes, 1988: 327). Maria Célla Paoli, referindo-se espec1ficamcnte ao Estado Novo, comentou que a história das classcs populares durante esse período nao pode ser reduzida a urna história institucional. poi<> nao se enquadra num modelo paradigmático previamente construído. Os trabalhadores t1nham suas próprias experiencias, suas práticas políticas e cultura1s cotidianas, que nao se enquadravam cm modelos teón cos bem definidos . O Estado Novo "produziu 1deologicamente .;;ua própria significa9ao ao emitir um d1scurso que procura apagar o espayo social. despohtizá1~. ao tentar representar este espat;o em suas le1s e fazer desta representa9ao 0 Significado de seu tempo" (Paoli. apud Schemes. 1995: 8).
A LITERATURA SOBRE 0 POPULISMO POSTA EM QUESTÁO Um dos elementos apontados pelos modelos e tipologias construído-; em tomo do popuhsmo como t1p1f1cador do fenómeno. di7 respeito aos movimentos sociais entendidos como reflexos de variáveis <>OCIOeconómJcas Nessa perspectiva, explica-se o comportamento político das c.lasses a partir de determinante-; e,truturais (proce:.'o de mdu-.tnahza~ao. ongem rural da classe trabalhadora). A
185
adesao ::~o populismo é cnü'io entendida a partir da estrutura social, sem se levar elll cont::~ qualqucr elemento de ordcm poi íttLa ou ~.-ullural. Tal enfoyue, yue descrev. os processos históricos em seus resultados, sem se preocupar com o ato de produ~ao, foi contestado pelos analistas que revisitaram o período (Piozzi, 1982).
su:
186
Trilhando outro caminho, que permite pensar essa experiencia em termo~ d wtalidad~ nau-di:-:,uctaJa, ¿ pu~::.ívd conccbcr o mundo capitalista rcproduzmdo .~ contraditonamente no tempo e no espa9o. Con::. id erando o "moderno" e o ~~dicional" como partes constituttvas de um mesmo todo onde se integram de f,rma contradttória, pode-se encarar o populismo como um momento específico da ~njuntura histórica mundial (o período entre-guerras), em que novas formas de ~(lntrole social foram engendradas com vistas a preserva9ao da ordem amea9ada por ~ontlitos sociais. Num movimento si multaneo e internactonal, as sociedades c.'ttropéia:- e americanas buscaram solu96e::. específicas, adequadas a suas realidades hio;tóricas. Quando partimos do pnncípio de que as dtferentes realidades nao se mantern tsoladas, havendo entre elas um movimento constante de circula9ao de mercadorias, experiencias e idéias, cabe indagar de que forma as vivencias externas for:un interpretadas e reproduzidas entre nós, como indicou Maria Sylvta Carvalho Franco em suas análises sobre a ~ociedade brasileira. As pesqutsa::. realizadas na década de 80 recusaram as teses que apontavam para a fragilidade e inconsciencia da classe trabalhadora e da classe burguesa, pnvilegiando o Estado corno sujeito do processo histórico. Os estudos de Francisco Wefforr sobre o populismo representaram urna contribui9ao importante para a revisíio das anál1ses. O autor interpreta o populismo a partir de dois níveis: o das determina~6es estruturais e o das conJunturas (campo da história). As determina<;6es estruturais constituem um nível de abstra~áo válido somente porque 'e inscrevem na história das relar;6es sociais e das estruturas de urna forrna9ao ~ocia!, mas sao as determina96es históricas que posstbtlitam a passagem das determina96es estruturais para as análises concretas. Nesse sentido, propós o estudo das situa<;6es históricas específicas para se chegar a compreensao do popuhsmo na América Latina, apresentando como tra9o comum a emergencia das classes populares no cenário político (Weffort, 1980).
A POLÍTICA DF. MASSAS NOS ANOS 30 E AS ANÁLISES SOBRE 0 ESTADO NOVO
A revisi:io das interpreta¡;6es sobre o populismo no Brasil come9a pela ()eriodiza<;ño. Os historiadore::. de hoje recusam os marcos cronológicos consagrados nas amilises antenores - 1930-1964 -, argumentante que esse período ~b.arca conjunturas muito diversas; mesmo quando o populismo é circunscrito a Era Vargas", o investigador def1onta-se corno problema de e nglobar numa mesma conceitua<;ao experiencias üio distintas como a de 1930- 1937, 1937-1945 e 1950!954. Terá que se colocar, amda, a pergunta: em qua! desses momentos se configura com maior nitidez a política populi::.ta?
187
Para alguns autores. só se pode considerar como populista o "segund . , que o:- pnmctrO$ . J .r deftni<,:ao de populismo ftca comprometida pelo caráter autoritáno e imposittvo dil novu organtta~ao política. Resta, portanto, o período final, que cunosamentc te~ despertado pouca aten~ao do' htstonadores atuat .... mutto mai" voltados para os ano~ 30 e para o Estado Novo. · Retomemos agora a indaga~ao colocada no mício o porque do mterc,'l! do-; hi!-.tonadores pelo Estado Novo. O procc%o de Juta para a consolidacrao da democra<.:ia no Brasil detxou cvtdente gue, alcm dao; dtftculdades relacionadas ao, problemas de natureza c;oc10economica (dív1da externa, inrlac¡:ao, conccntra¡;an extrema de riquezas e conscqüente aprofundamento da dcsigualdade social e miséna). a persio;tencia de traeros autoritáno ... na política bra-;ileira representa obstáculo ao jogo democrático. Na tentativa de compreender a natureza des11e, elementos autontárioo; e sua!'> raízes histónca\, os pesqutsadores <,e voltaram para , 0 anos 30. clemonstrando especial interesse pelo Estado Novo. Nesse período, ocorreu a consolidayiio de uma nova cultura política, a polít1ca de massas, que deixou marcas atnda visíveis entre nós. A polít1ca de massa<; no Bra.;;il, como em oulrao; partes do mundo. configurou-<;;e a partir das crít1cas ao Sistema liberal, conc;iderado incapaz de solucronar problemas sociais. O mundo do "entre-guerras" vtvenciou, de forma genénca, uma crise do Liberalismo. Os tmpactos da Pnmetra Guerra e da Revolu9ao Ru ssa provocuram, '>egundo inúmeros autores. uma crise de consciencta generalt7ada. que por sua ve7 resultou em crít1cas democracia representativa parlamentar Individualista O pensamento antiliberal e antJdemocrátJco de diferenle<; matizes revelava grande preocupa¡;iio coma problemática das massas. o~ ideólogos nacionalistas de extrema direita contrnuavam, na trilha das teses de Gusta ve Le Bon, Sighelh e out ros, maní festando desprezo e horror as massa~ ·'primttrvas e irraciona1s". Ma.,, nessa época, outras vozes se levantaram, colocando novas solu96es para o controle popular: para evttar a eclosilo de revolucróes. propuseram que o controle social fosse feíto através da presen9a de um Estado forte comandado por um líder carismáttco, capaz de conduzir as massas no caminho da ordem
a
A integra~iio políttca das massas também preocupou as elites de paí<;e.~ latmo-americanos. O cre!'>ctmento de moví mento<, soctats e políticos nos anos 20 fet com que o fantasma da Revolur¡:ao Russa assombrasse ainda mais os mantenedorc~ da ordcm. A quesUío social <.:olocou-se. desde entao, no centro das críticas ao Libe1 altsmo. As econonmls latino-amencanas foram mullo afetadas com o "erad.'' da bolsa de Nova York, cm 1929. A conjuntura de crise favorcceu ao; mudan<;<'~ política-. c. em alguns países, como no ca-;o do Brasrl. as con·entcs anttlibenli" ~l'
188
rtalec.:cnun e pa<;saram a atuar com vistas
aderrocada das
institUÍ90C'i vigentes A
~ volw;ao J~.- 1930" prcparou o terreno para o ::tdvent0 de mn<1 novfl cu ltura ~tic.:a, que se defimu a part1r de um rcdtmensionamento do conceito de ~mocracia, norteada por umu cont.:cp9ao partrcular de represcntac;ao política t.: de ·dadanra: a revisao do papel do Estado se <.:omplemenla com a propo'>ta inovadora
~papel do Jí~er na integra<;ao da~ massa'> e a aprcsenta9ao de uma nova forma de
dentidade nacronal. Contrariando as rnterprcta¡;oeo; que apontam como pnncipal característi<.:a dCl populio.,mo a manipula~ao e controle da., massas e ... ua pas!>.ividade enguanto ator ~~·tal. OS pesqUisadOrCS procuram expJiCdl, por llOVO!-. anguJos de abordagem. a ~de,ño da maioria da'> classe!\ populares ao vargui.,mo, mclustvc ao Estado Novo, período marcado pela extrema rcpressao política e forte controle social. O intercsse mai-. específicio sobre o Estado Novo, -;ua natureza política, a.~pt!ctos ideológicos e culturais, data. como J<Í foi dito. do inícto dos anos 80. quando o regime estadonovrsta passou a ser abordado. como um objeto particular de estudo. 1
A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA REVISITA NDO 0 ESTADO NOVO Na década de 70. foram realizados alguns trabalhos relacionados a ou sobre o Estado Novo - a ma10ria por especialista\ de outras áreas O arttgo de René Gertz, "Estado Novo: um inventário histonográfico", corrobora esta afirmativa. O autor comenta que os estudos sobre o rcgime sao poucos, especialmente quando comparados a vastíssima literatura relacionada ao naz1smo e ao fascismo. O importante a salientar é que. no elenco de trabalhos por ele mencionados, a grande maioria produzida até os anoo., 70, é de autoria de .,ociólogos e ctentistas políticos. A bibliografía mars co,pecífica sobre o Estado Novo está agrupada em tres linhas: estudoo; que procuram moo;trar a política trabalhista como uma conquista da classe trabalhadora, e nao como uma doacrao (como, por exemplo, o de Evaristo de Moraes); cstudos que defendem a tese da hegemonía e da autonomw do Estado na condu~ao do processo h1stórico (como. por exemplo, os de Leoncio Martm' Rodrigue,). e estudos que rclacronam o proce ...so de forma d1reta aos mteresses do capital rndu-;tnal (como. por exemplo. o de Lu17 Werneck Vtanna). René Gert7 Comenta que, apesar da importancia dos temas e das polemrcas insugantes, a tnaiori a desscs textos carece de embasamcnto empírico e se fundamenta em fonte!'> 'ecundárias; as posit;oes si'io defendida-; através da reinterpreta<;ao de dados antigos, !>Ouca<; fontes novas sendo exploradas For ne~-,c a-;pecto que u contribuicrño do' hi,toriadores a part1r da década de 80 veio preencher !acunas tmportantes (Gert7, 1990).6
189
René Gertz procurou explicar a pouca representatividade dos e~tudos "Oh o período, apontando tres ordens de problemas: 1) a ambivalencia relacwnada .r~: fato de que "o Estado Novo foi urna ditadura, teve trat;os fascistas, mas mu¡ 1~' - conseguem negar avan~os na economJa, na constm~ao - do Estado \ autores nao - socm · 1" ; 2) os art1'f'1ces do Estado Novo a fi1rmavam que o regime ' e. na questao autorítário, mas nao fascista ou totalitário; analt~tas modernos concordam com 1118 :~ ma" temem expressar tal te¡,e, que poderia identificá-los como mancomunados c01 · o poder; cm conseqüencia, procuraram temas menos comprometedores; e 3¡ : predommilncta das análises estruturais, de longa dura~ao, que privilegiaram u "história '>ocia!", Jeixando de lado a "história política", que focaliza os período~ curtos. Comenta que mesmo o "Primeiro Governo Vargas" como um todo (qu 10ze anos) foi merecedor de maior aten9ao do que o E~tado Novo (curto período de atto anos) . Concordo com o autor quando afirma yue os historiadore~ ~e interessaram pouco pelo Estado Novo, campo ma1s explorado pelos espec1altstas de outra~ disciplinas. 7 Mas as duas primeiras raz6es que apresenta para explicar o problema parecem pouco relevantes, porque nao penmtem explicar por que os estudiosos da.\ outras áreas refletiram, com mais intensidade, sobre o tema. Considero o último aspecto abordado por René Gertz o mais importante. Cabe ressaltar que, até os anos 70, havia urna tácita divisao de trabalho entre os historiadores e outros cientista' soctais. A historiografía colocava para si como limite temporal a década de 30, e raramente os histonadores avanc;avam para além desse marco. Prevalecía a concept;ao de que o distanc1amento no tempo era 1mprescindível a boa reconstituic;ao historiográfica. Com ns revis6es interpretativas da história nas últimas décadas, e sobretudo com a renova9ao da vertente política, o "tempo presente" ganhou prestígw. Na Franc;a, o grupo de "Histoire du Temps Présent", ligado ao CNRS, passou a ter grande repercussao a partir dos bons resultados de pesquisa sobre décadas mai~ recentes. Para seus representantes, o desenvolví mento dessa prática está relacionado ao "retorno a história política'', que repousa sobre uma definic;ao repensada do "acontecimento''. A novidade nao tem a ver com a oposit;ao entre os dois tempo~. mas com a análise das intera96e~ entre o tempo curto e o tempo longo Insurgindo· se contra a idéia de que o historiador do poi ítico se ltga ao efemero do instante. ~ diferenciando-se do~ analistas da história social ou das mentalidades, citam Rene Remond. que afirma: "Essa oposi~ao [tempo longo versus tempo curto] despreza 3 pluralidade de ritmos que caracteriza a história política. Esta se desenvolve simultaneamente sobre registros desigu:Hs: ela articula o contínuo e o descontínutl. combina o instantaneo e o extremamente lento" (Peschanski, Pollak, Rousso, 1991:
unica~ao, que metamorfosearam os modos de percept;ao do real (passado, te. futuro). os referidos historiadores consideram que o acontecimento mudou 11 pre;imensao: é agora imediato, posta em cena e comparttlhado por mdivíduos. de e nay6es. Nesse aspecto, insistem que o historiador nao pode, como antes, 05 ~~rar desinteresse pelo acontec1mento do tempo presente, devendo, ao contrário, Jll(lS . . ) ferir-lhe um lugar espec1al (1dem: 4). con Os historiadores brasileiros motivados pela discussao que atribuiu enorme portancia ao conhecimento histórico do tempo presente, passaram a encarar, com :tor seguran9a, a possibtlidade de contribuir. partmuo de novas abordagens, para a melhor compreensao dos períodos ~ail> recentes. Nesse contexto. inserem-se os últimos estudos sobre o Estado Novo. As revis6es histonográficas acorridas no Brasil na década de 80 estao, ao mesmo tempo, relacionadas com as mudant;as que ocorreram na historiografía no plano intemaci?nal e coma~ tran~forma~6es da conjuntu:a ~o.lítica do país, co.t~o ~á foi dito antenormente. Procurando compreender o srgmf1cado da expenenc1a autoritária mais recente, os olhares se voltaram para o período do Estado Novo na tentativa de esclarecer melhor a problemática relat;ao entre autoritarismo e democracia. Essa questao, colocada numa perspectiva histórica, rnotivou os historiadores a penetrarem nesse tempo já antes percorrido por estudiosos de outras áreas. Trata-se, pois, de urna novidade que muito beneficiou a historiografía brasileira. C001 •
0 ESTADO NOVO SOB NOVO PRISMA
Levando em conta a~ grandes transforrnat;6es que ocorreram no mundo n(l~ últimos anos, e também o enorme desenvolvunento das tecnologías dLI
Os historiadores que revisrtaram o período procuraram compreende-lo a partir de novas angulos. As quest6es po~tas pelo presente nao poderiam ser respondidas a partir dos dados já pesquisados. Abriu-se, entao, a possibilidade de reconstituir essa história a partir da pesquisa de material inédito. O Estado Novo foi muito fértil na produt;iio de textos: as memórias, as biografías, os escritos políticos, os discursos foram pouco explorados nos estudos anteriores. A figura de Getúlio inspirou uma produc;ao muito vasta de obras de natureza biográfica: cerca de 30 títulos desse genero foram publicados no período, lllas eram textos laudatórios que colaboraram na constru\ao do mito Vargas. Esse 9 ~ema tem despertado muito interesse nos historiadores de hoje. Além di~so, as otos. objetos, músicas, livros escolares, filmes, cartazes, punfletos. obras ~rquitetonicas e outros produtos culturais ou de comunicac;ao compóem um elenco e fontes origina1s que permitem lanc,:ar novas luzes sobre a época. Sob , A hipótese de que. nos a~os 80. ~s-historiadores se vo~tara~n para os estud?s re o Estado Novo tendo em v1sta as diflculdades de consoltda9ao da democracta, confilrtna-se quando se leva ern canta as nova¡, questóes postas para o estudo do
190
191
27-8).
período. Es;;a, quec;t6e-; motivaram a escolha de novos objetos e a busca de fo . ·¡· . n~
mee ltao;. Importante.; para n cnmpreensac do fenomcno ··.ob outros iinguJ
..-.~lt!r
político,
libcrdade/controle social, \ gr.mdc 1 eptJVJdade do trabalho se exphca pela con juntura vivida nos anos 80 e pela rec,.¡dade das questóes apresentadas. f!C'I Ángela Cao;tro Gomes se indaga ...Por que no Brasil a vtvéncw pohuca tcnnscorre, cont_raditoriamente, entre a 'de-,co~tfian<;a · ~os p~l ít1cos e o . ~ult_o an ... mático da 1magem pes..;oal? Como ~e dcftnem a c1daJan1a e a cxperH:nc.:ta
r,;;, 1Juokoldi '
e
o
significado
das
oposis:ocs
iJad~. .mtontari~mo/dcmocra . . ia, ..:idadamaltrabalho
novidade' exigiram um trataménto teórico e metodológico adequado ao exarne dOs matena1s de pesquisa. O d1álogo com a hi'\tonogrJii.t lntcrnactOnal aux11iou 0\ clabora<;ao de Instrumentos adequadus para as amíll';es. A históna polí/ll relaciOnada a cultural fo1 privilegiada ne<;se retorno ao Estado Novo. 10 le, Além das obras anteriormente referidas, cabe mencionar os trabalhos de organiza<,:ilo bibliográfica e de acervos fotográficos '>Obre o período Vargas Ana Líg1a Mede1ros e Mónica Hir'>t, Biblwgratia Histónca. /930-1945 ( 198'> :-..1argarete Tavares, Bibliograjia so/m: GetlÍ/io Varga.\ ( 1983); Ana Maria de Li~ Brandao, O acervo fotográftco do CPDoc/FGV ( 1980). e Cá;;<;ia Maria Mello da Silva, Acervo fotográfico CPD{)( ( 1986). O livro Estado Nm·o: ideo/ogw e poder publ1cado em 1982, é composto por um conjunto de artigos de pesquisadoras do CPDoc. A obra contribuiu para mo'>trar a importancia do tema e incentivou a reallzas:ao de outros trabalho1.. Os lmtonadores que deram cont111Uidade aos estudos sobre o Estado Novo tomam esses textos como marco no redimens10namento da hbtonografia sobre o assunto. 11 Na apresenta~ao do trabalho, Lucia Ltppi Olivcira faz um comentário significativo· "O período conhecido por Estado Novo. que va1 de 10 de novembro de 1937 (promulgac;ao da nova Con<;tituic;ao) a 29 de outubro de 1945 (depos1~iio de Vargas), permanece envolto em uma nuvem de relativo e<;quecimento. O espínto da redemocratizac;ao que marcou o pós-1945, aparentemente JOgou urna pá de cal no período anterior, na supo<>i~ao de ter <;ido uma época de exces:ao, que deve ~er esquec1da o mais rápido po.,~ívcl. Nada melhor que o silenciO para garantir o esquecimento" (Oiive1ra, 1982: 7). Os arttgos da colctiinea mdicam a especificidade do Estado Novo; nesse sent ido, contestaram identtfica~ao simplista com o fasc1smo europeu , posi~áo adorada por muitos contemporaneos que procuravam explicar esse regime como um momento de excec;ao, semelhante ao que ocorreu em outros países, m~ definitivamente ultrapassado pela vitória definitiva da democracia liberal. Paro~ melhor compreender a naturcza do regime que se mspirou naquela reahdade européJa, as autora~ se colocaram como meta "desenhar o perfil doutrináno do E<,tado Novo". Essa propo'>ta a<; remeteu nao só ao estudo dos princípio~ doutrinários, mas também a explora~ao das relac;óes entre a cultura, as fonna.., de 01 ganizac;ao política e econón11ca e o modo de comprecnder a existencw humana na -;ocicdadc brasileira. Segundo as autoras, os princípios estadonovistas nao fonll11 formulados e m 1937, mas reccberam aí uma roupagem of1c1al e foram utilizadOS como 1nstmmentos de poder Os amgos exploram temas como a contribui<;ao dos intelectuais na constnt9ÜO doutnnána do estado Novo, a naturen do Estado nacional que ,e fundamenta na 1dém de dcmocrac1a <,acial e justu;a 'o<.:jal, a rela~ao entre cuiLUn1 e
dentocrattca. . Essas interroga<;ócs expressam as inqUJeta<;oes de alguns grupos intelectuais e pt1 1ít1cos ante o-. problemas colocados pela tran"I<(ÜO política; a abertura ncgocmda ~lo alto e os de-;afiO'> relaciOnados _a consolida<;ao da dem?cracia provocaram uitas reflex6es 'obre como se reahzana a conqul<,ta de d1re1tos socw1" e da 01 cidadama em novo1. moldes. A tese A invenriio do trabalhi!>nw. JÚ menc1onada, inspirou outros trabalho" sobre o assunto. Traba/hadares do Brasil. O 1magináno popular, de autona de Jorge Ferreira, incorpora essa nova abordagcm ao estudar a rela~ao doc; trabalhadores como Estado no período 1930- 1945. Na apresenta~ao dcsse l1vro, Ángela Castro Gomes refere-se "as conexóes entre o discurso vargu1sta do pós-30 e a... demandas da clao;se trabalhadora no pré-30, ressaltando a importancia de se comiderar que os 'verdadeiros' interesses dessa classe se definem em uma complexa interas:ao com a ac;ao do Estado e também do empresariado, longe dos 'desvíos' ou da 'tra19ao'de um cur~o preestabelecido como 'natural e prevJ<;Ível"'. Jorge Ferreira estuda oc; trabalhadore-., nao <.:omo "objetos" da política varguista, mas como SUJCÍtos políticos, com relallva margem de autonomJa para realizar escolhas. Para demonstrar a sua hipótesc de trabalho, procurou reconslltuir "idéias, crenc;as, prát1cas política~ e estratégias de vida de grupos socia1s", no pnmeiro governo Vargas. Nesse caminho procura explicar como foi possívcl a construc;ao de um pacto entre "povo e presidente", o que permite também entender como. Vargas- ditador do Estado Novo- transformou-se no maior m1to da política bras1le1ra (Ferreira, 1997). A histonografia sobre o Estado Novo na década de 80 recebeu outras ~ontnbUJs:óes 1gualmente importantes pelas questóes levantadas e abordagens tnovadoras. Mana Luiza Tucci Carneiro publicou. em 1988, o polemico hvro O anu-senutismo na era Vargas: famasmw de uma 8l'ltl{'iio, no qual mostra que altos representantes do poder, como Oswaldo Aranha, estavam afinados com as teses racia1s do naz1smo e maní festavam preconceitos contra os JUdeus; essas e out ras tnforrnac;óes méditas sobre o assunto provocaram acalorado debate sobre o conteúdo interpretativo da obra. A autora orientou vürias pesquisas sobre o período, ~nfocando outro' aspectos da polít1ca repress1va do btado Novo: por excmplo, a l\sena<;ao de mestrado de Stella Mana Flore'>étnl Jorge ~obre Felu1to Mulla: hleJnória e mtto ( /933-42), apresentada ao Depamunento de Hic;tóna da USP cm
192
193
e
,.
?"
11.)9l e'tuda os mecanJ<;mo... de poder atravé' dos qua1" o ramoso chefe de polící
rer--egulq'\0 e runlc;1n df's que ~nm cnno;ider'ld0<. "munigO<.. da Pátria'' .... O Departamento de lmpren"a e Propaganda também foi objeto de estudc1 Jo, h!~tonadmt!~. S!lvana Goula1t, em ldeologta. propaganda e censura 110 Estado Nm•o. realitou anál1"e mmu~tosa Jt:..,:-.t: meean1:-.mu de pode1 pu~to t!m prática a partir do~ ano~ 30 e eon~ulidado no E~tado Novo para cxercer o controle da comunica<;iío social. A pesqu1sa .-.obre o DIP tcvc como objetivo investigar o¡, procc..,,os de sua organtnc;ao. a" conjunturas e O.\ atores que. entre 1930 e 1Y4~'\. condutnam a monopoliz.a~au dos meto.'> de comunicayao '>U~tal no país: o E... lado llllltll o monopólio da mídta e procurou elimin ..u .J (.:Ontrapropaganda do, oposttores. hse órgao foi cnado para atuar na difu<>iio ststemática do proJeto polítu.:oidcológtco do Estado Novo, 'to.;ando cnar uma base social capaz de confcnr lcgitimidade a<; propostas de unidade nacional, de harmonta social, de IntervenciOnismo económico e de centrctltzayao política. 12 A organtza9ao amontária do<~ meio-; de comunicac;:ao nao desapareceu com o fim do E~tado Novo: as e~truturas e dispositiVO'\ elaborados naquela época permancceram até os anO!, 80. deixando a Con<;tttlli9UO de 1989 a tarefa de de:.montagem desse arcabouc;o, que cerceou a liberdade de expressao no país por cerca de ctnqüenta anos. R<;sas pnmeiras tnve<;ttgac;oes que retomaram o tema do Estado Novo i.!prc~cntam cm comum a tntegrar;ao do' aspecto'> polít1coo; e culturats. característtca do" novo!- e~tudos na área da hi.,tóna política Neste campo, cabe mencionar a análto.;e do hi-.toriador Arnaldo Daraya Contter. que explorou o tema Música. nariio e modemulade: os anos 20 e 30, em sua Tese de ltvre-docencia. O autor discute as conexoe~ ~ntre música e podet, apontando as fortes marcas ideológicas que permetam toda a produc;ao mus1cal bras!le1ra nos anos 20 e 30. Tendo como etxo de reflcxüo a ideología nacionalista, a tese mostra que, na pnmetra fase (anos 1O e 20), e la <;e configurou numa dctcrmtnada ví'>ao estética da ...ociedade. propiciando o <::urgimcnto de novas expcnmcnta96es no ámbtto da compo-.i<;ao musical propnamente dita. Numa segunda fase (pós-1 930). tran-.figurou-se em arma de propaganda do regime político. A<:. obras escritas por Heitor VIlla-Lobos e Lorenzo fernandez contribuíram para a mitificayao e a -;acralit.ac;:ao de um conceito ~ob t c a mústca bra~IIeira que 1mpo~ um caminho a ser tri !hado pelos compositores. Na verdad e, procurava-se privtlcgtar o nacionalismo musical como a única alternativa possível para criar-se, no Brao;tl, um pólo cultural indcpcndente dos centros artístico~ tradicionais. comenta Arnaldo Contier. O trabalho explora o <>ignif1cado do projeto de V tila-Lobos ~obre o canto orfcontco, ap01ado pelo regtmc que. nao;; manifestay6e" cívtco-atttsticas, tentava vetcular, através dos son.;, a grande¿a, a riqueza e a '\tngulandade do Brasil. "Sob tl unpul'o da Ideolog1a nactonal-popult~ta, Villa-Lobos orgamzou grande~
anife.;ta<;6es culturais nos cstádios de tlltebol ou na~ pra~as públicas. procurando tde:ll'- de rrahalhn ctvt-.mo 1:' dJ<.ctplina. e tran•..fonnando canal de propaganda das realtzay6e~ do govemo Varga:-". \rma o autor Estabele~endo eorrcla~oe~ entre o éstado f\iuvo e o ·'totalitan~mo". ~¡, ...erva que em reg11111.!' Je......e tipo (httknsmo, \Laltntsmo) n::futou-.;c o st.!ntido ~utónomo da arte musH.:al. tentando 1mcri-la nos quadros da vtda políttca A \ mculac;ao - arte + política pode ser observada e m alguns textos e~cntos por Villa-Lobos e Loran?o FernanJes (Contter, 19R8. p. IV e VI). Esta analtse ¡110vadora, que explora as conexoes entre cultura e política é, também. n:presentantt\a do!-. novo-. estuJo~ realizado... sobre o Estado Novo, a parttr da Meada de 80. No elenco de trabalho" "obre o período, o tema da educac;ao ganhou Jestaque. Além das publtca<;oes de Helena Maria Bou'>quet Bomeny, referidas anteriormente, há que se mencionar a Dis<;ertac;ao de mestrado de Lui7 Retnik. Tt·cendo o amanhü (a ht vtórw do Brast! no ensi1w .H'cwu/ário: programas e ltvros tlidáticos. 1931 a 1945). apre~entada ao Departamento de História da UFF em 1992. Esses trabalhos, além de mostrarem o can.ítct político-ideológico da cducas;ao no período, permitem compreender a transformayao do processo educacional e dos imtrumentos pedagógico~ e m arma de propaganda do regi me. O "rede...cobnmento" do E'>taJo Novo, além de mot1var a realizayao de pesquis~ sobre política e cultura. incentivou alguns ht-.tonadores a acettarem o desafio de desvendar o' -.igniftcados dos tmagtnário" polít1cos construído~ no período. Alcir Lt!nharo fot p10neiro: reconstitutu, através de textos político~ e ltterários, a constrw;ao do tmagtnário polítiCo com Vt'>ta~ a reafirmac;ao do controle ~octal. Interpretou o <:.igniftcado de vánas tmagen'> dtfundida<~ no período Estudou, por exemplo, o senttdo da "marcha'', utilizada como imagem na obra de Cassiano Rtcardo para compor um ttincráno mítico que vai da:. bandeiras paulistas ao c~tado Novo, e a emcrgencta do "corpo" como metáfora da nayao, assoctando a imagem cnsta do Corpo Mí... uco de Cnsto (sentido rehgio-;o) (.:Om o corporativt~mo (senttdo político), tal assoctayao o lcvou a conclUir que, no Estado Novo, produz.1u-sc uma ").acraltzayao da política" v1~ando dotar o Estado de uma legitimidade capa¿ de tornar mais eficientes o~ novas dtspo~itivo-. de dominac;ao engendrados pelo poder. 14 O h1stonador esclarece, na apresenta':raO do ltvro, que o interesse pelo tema foi motivado por que~toe~ colocadas pelo pre~cnte. Ne~~e senttdo, afirma: "A dect!pyao para o ht ~toriador tensamente ltgado a rela<;ao pas<;ado-prescnte ongtna-~e do receto ele nao se investtr, de fato. na aventura democrática; sob a capa do~ contornos fonnai.;; re'>t:.lm o contmuísmo e a' ahan<;a' obstacultzadora<> da gcstao do novo". A decepc;:ao de Lenharo e de muito<> outros relac10na-se ao fato de que as forc;a \ conservadora~ con:-.egUtram Impedir a realtz.a<;iío da primetra escolha de um Pfi!'>Ídeme Cl\ ti pelo voto popular: ··o fa7er da democracia por VIUS nao
194
195
:nuan
111
111
- c:utir. nas ma\sas 0'11 111• a arte num forte
\,¡
democráticas" dava contmuidade a um padrao político de exclusao e de tratam~.: · · , · d ntn d tscnmmatono os que nao se cnquadravam em pa o-; anm. 30 e o Estado Novo. 01 ,, deparamos com pala' ra-;. gestos. imagen.,, idéia-;, projetos e -.oluc;ocs polít1cas qu~ o período h1.,tónco recente reproduztu e contmua rcproduzmdo, com reestrutura~an de signtftcado, mas scmpre na per11pectt va de domínio político e controle "ocial. A retomada do-. anm 30 pela historiografía brastle1ra inspirou outros esrudos na lmha Jo., un,tginários \OClUÍ'- A Te"e de doutorado de Eliana Fn.!tta' Dutra, O tmlil totabtcírio ou a dupla face na co/1.\lruriio do Estado Novo ( 1990). reexamina o período ne'>'ia per'>pectiva. O trabalho se destaca pela cutdado,a elaborarrao de um instrumental teórico e metodológico, que incorpora, inclu~.;ivc, O\ conceitos da psicanálisc Des~.;a forma, fo1 possível interpretar, de maneira origmal. o significado das represcnta~oes expreo.;sas na vasta documentacrao pesquisada. A autora afirma ter se deparado, no momento da pe-.quisa, com um quadro esbo~ado em torno de dispositivos, estratégtac; e conteúdos que revelavam uma d1sposi~iio totalitária na soc1edadc de entao. Reconstituindo os embates entre anticomunista<> e comuntstas, e os -.eu~ respectivo~! projetos de cnar;ao de uma identidade nacional, a análise destaca ~ polandade-; temáticas que altcerr;am a constm~ao do ed1fício totalttário. Es~e ed ifício se sustenta sobre quatro pi lares (anticomumsmo/revo lu~fto. trabalho, pátna, moral), a partir dos qua1s se definem normas e valores para orientar prátic~ destinadas a preservayiio da ordem. ao controle das relacroes sociai11 e ao enquadramento do mundo do trabalho. A leitura desse texto deixa ev1dente que o campo do tmagináno é o campo do enfrcntamento político, ande a lutadas for~as simbóltcas provoca mudanc;;as na sociedadc Como as imagens rt:spondem aos connitos sociat!-1 e as rela. elas tcm um peso nmito grande nas prúticas política!'> Je arregunentae aos anos 30, o texto guarda 1mpress1onantt' atualtdacle· nos di-;cur!'>os político._, nas repo1tageno.; JOrnalí"tica!-1, na propagund•1 elettoral. na~.; falas do poder e até mesmo em siruat;:oes do nosso cottdiano, podemO' perceber a representacrao de um JOgo de símbolo-. e imagcns Já presemeo; n(l tmagmário político que Eliana Freitas Dutra mo<,trou cm seu trabalho. Na linha de estudos do imagináno. Jorge Lutl Ferreira apresentou, em 1996. sob minha orientac;flo, o doutorado, com o título Prrsionetros do nuto. cultura t"
Em 1986, o Estado Novo fez cmqúenta anos sem ter nada a comemorar. Mas. para lembrar que também nao deve ser esquec1do, foram organizado-; colóquios visando propic1ar reflcxoes sobre o tema. A obra O feixe e o prisma· uma '€'\'iwlo do Eswdo Novo recupera contributc;oes do colóquio promovido pela Univcrsidade Federal do Río ele Janeiro. Publicada em dois volumes (l. O fel)::e O Ulltoritansmo como questiío teórica e hi'ltorio¡:ráfica, 2 O autorttai/Hno como Pfúttca do Estado Novo), a coletanea de textos aí apresentados coloca quest6es ~ova-. sobre o penodo e promove a d1scu,sao sobre O!'> conceitos deftnidores do E,tado Novo. . O histonador José Lutz Wemeck, orgamzador do pnmeiro volumc, deixa evidente. na Introdu~ao, o o;ent1do político do encontro que deu ongem a P~hltcac;ao Lembra que, Já na abertura do evento, fo1 <;ugcndo que a'> discu:-soes nao !'le restringi~'lem ao~ marcos cronológico!'> de sua dumcrao formal - os doi" Jlnlpt!¡, de Estado, de 1937 e 1945. Tai-; estudos deveriam ter uma conccpc;ao ma1s
196
197
110 Brasil (1930-IY5ó). Há uma aproxtmac;ao ,¡tica entre C!->lC trabalho e o de Eliana Dutra. atnbu-. pel~egltl.!lll u tema Ju 111 "' 11111 ¡smo mas com obJCtlvos diferentes. Enguanto O ardil totalitcírio ... contrapoe "'~na~>rtnário comunista ao ant1-comumsta. apontando s1mtlandades, a análtse de o 11·~ - Ferreira -;e vo 1ta para a cu 1tura e o tmagtnano . ' po 1'. 1t1co do' comumstas , do sta11111sta, rcsgatan d o VIvencia!'> e cxpenenc1as d O!'> m1 ("1tantes ros bJOff ,¡1e no peno 1 1 ; mvé" do di!->CUr.\0 dos grande.., líderes, o autor pnvtlegiou os militante<; cornun~. 1 fl comunistas e u~ 1magens que deltnearam a 1dent1dade do' militante<; , tanto na sua v1Ja partidária quanto na sua vida pnvada). o perfil do-; inimigo-;, o-; modelo!-> exemplares da sociedade e dos líderes. O autor tndica, baseado em Mircea Eliade, 0 , elementos de rcligiosidade que -;e integram na concepcrilo materialista/profana da vtda: parte da h1pótese de que "embora o~; comunista!'> se apresenta'isem como produto mais acabado de um longo processo de dessacraltza~ilo do mundo, eles nao con!>eguiram repudiar, por completo, a heranya religiosa das sociedades do pa...-.ado" (Ferre1ra, 1996: 4). Cabe lembrar que, com objetivos e obJetos diversos, Ak1r Lenharo e Eltana Freitas Dutra também procuraram interpretar o stgnificado da' represemac;oe., reltgtos;b presentes no tmaginário polít1co do período.
. tll:inario político do.\ con/11111.\tas
jJrl
A
•A
•
A REVISÁO DO CONCEITO DE TOTALITARISMO
.
ampla, de tal maneira que o seu eixo fossc a nnálise do fenomeno do autor·1¡ ~~ no<; multtplos tempos em que ele ocorrcu no procc~::.o iJt:olúgtl-u bra~iletro d ' enfuse as perspectiVa de lmtória comparada, nacional e internacional. E' ando .d 1 - ' . - ,, . , 11Uil¡;¡ evt ente a u~.;ao a expressao para nao esquecer ', subtítulo do colóquio al participame~ mantfestaram o receto de que regtmes autoritáno~. como os d~ l9~ns 1964, poderiam voltar u acontecer no país se os sctores progressistas e democrát~ e • r 1' . tco, do pat~ nao !-le organtza~<,ern numa 10rc;a po tttca capa7 de fazer frente a nov tentativa~ de unplantac;ao do autoritarismo (Werneck da Silva, 1990: 23). a, Na mc~ma coletanea, alguns autore-; dtscutiram a adequac;ao de certo conceitos nas análtses sobre o E~tado Novo Já fot mostrado antes que : historiografía mats recente sobre o período a~!)imilou, de diferentes maneiras. 0 conceito de totalttarismo na interpretac;ao da época. Isto em grande parte se expltc..:u pela repercussao que tiveram, na intelectualidade brasiletra, as reflexoes crítica~ sobre o <>talmismo, que introduziram o totalttari~mo como noc;ao definidora des~a expenencia política. Essas análtses abnram uma nova perspectiva para a compreensao do poder, mdtcando a importancia do imaginário e do simbólico em estudos dessa natureza. O referido conceito fot utilizado para redefinir o Estado Novo, mas nao se restnngiu a ele. Alguns autores estabeleceram relac;oes entre o golpe de 1937 e o de 1964. e paralelos entre o Estado Novo e o Regime Militar, com base ne<>Sa concei tu a¡;: ao. Passado o momento em que a contraposic;ño do totalitarismo a democracia cumpnu seu papel políttco de críttca e denúncia dos vários tipos de violencia e repressao comettdos em vános países, observa-se, já no final da década de 80, que houve uma mudanc;a de interpretac;ao no que se refere ao totalitarismo. Segundo Pien·e Birnbaum, os novos dados de pesquisa impuseram urna reflexao maís sistemática sobre os conceitos, para gue se pudessem distinguir mclhor situa~oes totalitárias (como nazismo, fascismo e stalinismo) que, embora próximas em certos 15 aspectos, diferenciam-se fundamentalmente em outros (Bimbaum, 1986: 725). A discussao sobre o totalitarismo também se introduziu entre nós. Em O con.ceito de totalitarismo na América Latina, o filósofo Roberto Romano argumenta que a noyao nao se aplica, ern sua plenitude, a nenhum país americano. Mesmo no campo europeu, que apresenta uma constela<;ño de discursos e prática~ definido~ como tal, apena!> em alguns momentos históricos mais agudos, e dentro de certO!espa<;:os nacionais, pode-se falar em coincidencia entre o termo e sua efeuva realizayao. Numa perspectiva ideal , o totalitarismo impltca a untao absoluta entre massas nac10nais e Estado: "Mesmo nos momentos mais críticos, sob o regirne nazista, fascista estalinista, nao é possível dizer que desapareceu absolutamente a oposic;ao ao podet no interior da sociedade". Na América do Sul, acrescenta o autor. mesmo os caso~ mais conspícuos de regimes autoritários dos anos 30 e 40, .0 argentino e o brastleiro, nao se mostram adeguados a noc;ao. Apenas em nívet!>
}WJI1ano, 1Y96: 31 l ). ( Concordo com o argumento de que os trac;os totalitános ..,a.o 1dentificáveis dtscursos e práticas de Varga<>, mas nao se pode dizer que tenha havido, no 110;iodo, "efetivac;ao htstónca do conceito em plano macro-institucional e pectetário'', como diz Roberto Romano. Durante o Estado Novo, as oposic;:oe!-> so . • do vargUJsmo . .J . dell1ocráttcas e o<> a dversanos na 1uta pe 1o pouer contmuaram ruando. A repressao foi intensa, e as l!berdades foram anulada<>, mas nao ocorreu o 3 Jll(~nnpólto absoluto do Estado no plano físico, juríd1co ou económico O imaginário wtalitário tinha receptividade numa parte significativa da sociedade, como mostra o trahalho de Eliana Freitas Dutra, mas a imagem da socicdade UNA. homogenea e harmónica veiculada pela propaganda política, esteve longe de se traduzir numa pránca de constituic;ao da optntao única em torno do regime e de seu líder. Cabe re-;(,altar que nem mesmo entre os ideólogos do regnne havia convergencia quanto a acetta<;ao do nazifascismo como modelo de organizac;ao da soctedade e do Estado. O conceito de totalitarismo nao se 3JU!)ta, pottanto, á caracterizac;ao do regime denominado Estado Novo Esta é a conclusao que as pesquisas mais recentes sobre o período permitem apontar. Contestando as análises que, afinadas com os teóricos do "totalitarismo" aproximaram o governo Vargas dos regimes políticos de Hitler e Stalin. Jorge Ferreira, na obra já mencionada anteriormente sobre os Trabalhadores do Brasil, afirma que ''Multiplicando muitas vezes a capacidade da repressao policial, até elevá-la a categoría de terror generalizado, e ampliando ao máximo a eficácia da propaganda política, comparando-a as prática<; nazistas e stalinistas, Vargas passou a ser definido como um líder "totalitário". Sem querer minimizar a capacidade repressiva e, sobretudo, persuastva do projeto político estatal, o autor argumenta que a repressao policial e judiciária, a propaganda e a doutrinac;ao políticas, por mais avassaladoras que sejam, nao garantem o sucesso dos governantes. Nao há propaganda que transforme um personagem em líder político, ern ftgura legendária, ~em realizac;oes que afetem a vida material e simbólica do" hornens e mulheres que o reverenciam. Partindo do princípto de que o reconhectmento político dos trabalhadores ern relac;ao a Vargas, bem como a permanencia de seus feítos na memória popular, nao podem ser apenas reduzidos a uma eficiente máquina de fabricar mitos; procura mostrar em sua pesqmsa como os trabalhadores e as pe1.>soas comuns receberam o líder, aproxtmaram-se dele. reagtram e mesmo re~istiram a ele. Argumenta que as ideologías dommantes naqueles anos, por mats dominantes que tenham sido, nao poderiam ter e\immado completamente d~ icléias, crenc;as, valores e tradic;:oes anteriormente presente~ na cultura popular Esta é a questao central de ~tta anál1se (Ferretra, 1997: 15-6) As considerac;oes do historiador Francisco C. Falcon sobre o fascio;;mo tarnbém s5o váltdas para se pensar a adequac;l'io clessa noc;ao nas análises sobre
198
199
idc>ais. propagandístiCOS, ou em tentativas 1!-.0ladas, pode-se falar em totalitansmo
1110
certos períodos úa história brasdeira. No artigo "Fascismo: autoritari~ totalitarismo", o autor afirma que. ne-.,e campo de estudo, hoje se busca "perce~c a.'. diferen<;as. [... ] desconfiando-se das generalizac;oe~ apressadas, produz das r 1 calor da hora, tal vez eficaze~ para a prática político-ideológica, mas de pequena nenhuma valía para o trabalho sério do histonador''. Observa que a tendenc¡~1 historiográfica mais recente destaca a visao das e~pecificidades: "tem-se, entao ~ impre~:,ao de que - passado o tempo das grandes sínteses. ou das brilhan¡e~ general rza<;oes 'teóricas·, tremendamente ambic1osas nas abrangenc1as de su a\ pretensoes - buscam os historiadores a reconstitui9ao histórica concreta dos váno, fenómenos de natureza similar" (Falcon, 1991 · 41-2).
:o
Essas observac;oes podem ser perfeitamente incorporadas as discussoes em tomo da caractenzac;ao do Estado Novo. A amplia9ao das pesquisas empínca, sobre o período perm1te apontar os tra9o.s comuns da experiencia universal e as particularidade1> da experiencia brasileira. Nesta perpectiva, os estudos comparativos ganham unportancia, porque permitem identificar as semelhanr¡:as sem perder de vista as especificidades dos fenómenos históricos comparáveis . O método comparativo tem se revelado muito profícuo na investigac;ao que venho desenvolvendo, nos últimos anos, sobre a propaganda polít1ca varguista e peronista, de forte inspirac;ao nazifascista . P rocuro refletir sobre aspectos importantes da política e cultura no Estado Novo, comparando-os com a experiencia peronista; nessa compara<;ao, tenho encontrado novas possibilidades de compreensao da política de massas posta em prática nos dois países. 16 O grande interesse dos jovens historiadores sobre os aspectos da cultura e política no Estado Novo resultou na constituir;ao de alguns grupos de trabalho em torno desses temas. Estimulada pelos resultados das pesquisas mais recentes sobre o período, optei por orientar trabalhos que também contribuíram para a revisao de teses e conceitos, sobretudo no que se refere ao poder de manipula9ao das consciencias através dos meios de comun icac;ao e produ9ao cultural. Esses trabalhos, que serao mencionados mais adiante, mostram, por um lado, os limites do controle do Estado sobre a sociedade e, por outro, a partic1pa9ao de grupos sociais junto ao Governo, reivindicando maior intervenc;ao do Estado em certas áreas. [sto significa que a construc;i.io do regime autoritário do Estado Novo foi, ao mesmo tempo, resultado do trabalho de lideranc;as políticas e intelectuais e de setores da sociedade, interessados na elaborayi.io de urn novo tipo de política. A preocupayao comurn a essas análises res1de na tentativa de compreender de que forma as experiencias naz1fasc1stas foram assimiladas e remterpretadas no período. Em meu próprio trabalho, parto do princípio de que as diferentes realidades (fasci!>mo, nazismo, varguismo, peronismo) nao se muntem separadas, havendo entre elas um movimento constante de circula~ao de idéias, imagens e prática~ políticas que, ao se transportarem da Europa para a Aménca, sao apropriadas e reproduzidas, ganhando novo 1>Jgn1ticado. Nao há, portanto, possibi lidade de se
200
b rJar os doi!> casos latino-amencanos sem levar em conta a sua relar;ao com as t~nda~ experiencms européia.; lnve,tJgar es-.a rela~ao é indispensável para a re Jllprcensao da propaganda polít1ca varguista e pcronista. co Como bem frisou AJen· Lenharo, nos ano~ 30 os regimes fascistas. o atisrno e o stalinismo, nao necessariamente Identificados entre si, intercambiaram ~oriJmente fórmulas e experiencias que pretend1am congelar os focos de tensao da hi~tória e resolver, definitivamente, a questao social, redimindo da exploras:ao a~ ¡x pula~t6es trabalhadoras (Lenharo, 1986: 13). Ne . . ~e contexto. houve, na política bra,iJe¡ra, uma incorpora~ao de imagens e símbolos ~t propaganda vargui~ta que ve culou mensagen~ carregadas de carga~ emotivas com vistas a gerar respostas no 1 me~mo nível, ou seja, rea<¡:oes de consentimento e apo10 ao poder A propósito dessa gue1>tiio, Roberto Romano adverte: "Para quem v1ve em sociedade.'> como a nossa, a construc;ao dos 1magínários tem urna unportanc1a particular. [ ...] Niio se mexe com símbolos impunemente Eles sao o resíduo ético de tradi~oes seculares, preconceitos arraigado.'> nos cora~óe1> e mentes" (Romano, 17 1986: 31 6). Imagens e símbolos d1fundidos pela propaganda nazi-fasc1sta foram incorporados a propaganda estadonovista; muitos deles encontraram terreno cultural fértil para penetra~ao na sociedade brasileira, habituada ao uso e culto de imagens e símbolos que o catolicismo propagou desde a coloniza9ao. Desconstruir esse imaginário, ana1isar seus elementos constitutivos e relacioná-lo como contexto histórico da sua produ9ño é tarefa a que alguns historiadores tem se dedicado ao revisitar o Estado Novo. 3
1
A PROPAGANDA POLÍTICA E A CONSTRUyÁO DOS IMAGINÁRIOS
A propaganda política, entendida como fenómeno da sociedade e da cultura de massas, adquinu enorme importancia nas décadas de 30 e 40, quando ocorreu, em ambito mundial, um avan~o considerável dos meios de comunica~ao. A versiio nazista, que se mspirou na publicidade comercial norte-americana, teve enorme impacto nao só na Europa, mas também na América. O regime brasileiro procurou seguir esse modelo. Alguns autores reahzararn estudos relevantes sobre a propaganda polít1ca do Estado Novo, mostrando sua enorme importancia na constru9iio e manuter ·;iio do regime. 18 Ele~ representaram um ponto de partida para a pesquisa que me prc-pus a realizar sobre a propaganda varguista. Seguindo noutra dire9ao, procuro estudar os aspectos político.'. e culttuais abarcados pela propaganda, privilegiando a análise 19 do imaginário político divulgado pelos diferentes cana11> de comunica9ao. . A propaganda política se vale de idéias e conce1tos, mas os transforma em nnagens e símbolos; os marcos da cultura sao também incorporados ao imagináno,
201
que é tran~m•tido pelo~ meio~ de cornun•cayao A rdúcnc•a básica é a ~cdu 'a elemento de ordern emoc10nal de grande eficác1a na atra~ao da., ma"""' \= (), '\¡e~~c terreno ondc pohtica e cultura se me~darn com 1déias, •mage , 11 .,ímbolo!>. defme-~e o Objeto propaganda política como um e-.tudo de representa~Oce: políticas. Tal perspectiva de
Na~ ~ociedade'i contcrnpon1nea", os mc1os de cornumcayao de ma., ;.¡ 11 pa'>~ctram a dispar de aparatos tL'cn•cos e científico" altamente <;ofi.<.tJcado!), que permitcm a fabnca\ao e a manipula~ao do~ idea•s colct1vo~. o. . me1o<; de comtm•ca<;iio fabncam nece!l<;idade<;, abrindo pos.<.ibllidades méd1ta~ a propaganda. gul.. -.e encarrega. ela mesma. de -;atJsfaze-las. Em qualquer rcgunc, ela é estratég1ca para o exercíc1o do poder. mas adquire uma forlia muno rna10r naqueles em que 0 estado exerce censura rigoro ...a sobre o conJunw das 111forrnd~óes. manipulando-a, com u ObJetivo de bloquear toda allvidade cspontanea. como aconteccu no Estado Novo A propaganda estadonov1sta recorreu amplamente a imagem da ~ociedadc unida e harm6nica, orgamzada cm torno do líder Varga:;. A ilusao do UNO. ~egundo Claude Lefort, oferece o acabamento perfe1to para o ocultamento do~ 'ill1aJ!' de d1visóes e confltto., -.ocial'l; <;erve. também, para elimmar a mdetermina~ao que persegue a existenCia democrátiCa e tende a ''solddr" O poder a SOCiedade (Lefort. 1983) No Estado Novo, o poder util!zou meios espetaculare'l pc.1ra marcar sua importancia na história A cxemplo do que acontec1a na Alemanha e Itáha. organi:wu comemorayoe~ e fe~tas de todo tipo. Cláudia Schcmes analisou as Festa\ cívtcas e esportivas no popultsmo, mostrando a importancia das comemorayocs 20 .· ne~ses regunes. · N essa. . ocas10es, o t·lc1a1s procura-se ostentar a gran d eza d o pod er.· além dis!>o, as festas sao propícms para exaltar as sen<~ibil•dade!-.. Em organizayocs polít1cas dessa natureza, os ~entirnentos sao manipulados de forma mtensa com o obJetivo de provocar forte comoyao. As emoyóes tendem a se exacerbar no., e~petáculos fest1vos organizado~ pelo poder (Ansart, 1983). No campo da propaganda polí11ca, nao apena., as 1magens, símbolos e manifesta~oes cívicas foram 1ntercambJUdos entre os reg1me.'- brasile1ro e europeu. mas também técnicas de man1pula~iio e formas de organ•za9üo/planejamento dos órgao.., encarrcgados do controle dos meios de comun•cayfio. No entanto, apesar da fo1te prc-.en~a do modelo naL.i-fascJ'>ta na organizayño da propaganda estadonovista. el.¡ apresentou caracterí. . tJcas pa1 t1cularcs e produziu efcitos distintos das congéneres curopéias. A propaganda política desencadeia uma luta de for~as !)Jmbólica~. que visa ao refor~o da dominayao, ao consentunento em relayao ao poder e a imenonzayáo
202
dll~ normas e valores impo<;to'> através da~ men-.agcns propagandt.,tas. No cntanto. wt.!sclarecem De \t>rt<'an t> \hart1er. a 1ncomorad.io da domina<(aO pelo receptor
=:
1
excluí a possib11ldadc de desvíos. A efidcm das mensagens depende do" c)digos de afetJVJdadc. costumes e elementos h•stonco-cullurai<; dos receptare., Por ~ - efeito n;'ío é unívoco, e mensageno.; <;Jmilares podem ser mterpretada.., de 0 0 ¡s:n ·e1ras diferentes, produzindo a~oes diferente-; Essa constata~ao ajuda a expht:al ~ r que uma propaganda polít1ca brasileira organizada a partir do modelo curopcu prLxlu71U resultados hem d1ver~os . 1
1
O CONTROLE DOS MEIOS DE COMUMCA(,:ÁO NO ESTADO NOVO A propaganda política orgamzada por Goebbel.., na Alemanha impre-.-.IOnou fortemente algun-. homem. do poder, mtelectua•' e jornalistas braslleiro' que passaram por esse paí-; no'> pnmeiros tempos do naz1~mo. Em 22 de setembro de 1934, Stmoes Lopcs, assessor do presidente Getúlio Vargas, em visita oficial a Alernanha, escrevcu-lhe para dizer da sua admirayiiO pela organizayao da propaganda política: "O que mais me impressionou foi a propaganda sistemática, metodizada do governo nacional-social ista. Nao há em toda a Alemanha uma só pessoa que nao sinta dianamente o contato do 'naztsmo' ou de Hitler, . . eja pela fotografía. pelo rádio, pelo cinema, através de toda a amprensa alema [ .. ]. A orgamzayflO do M. da Propaganda fascina tanto que eu me permito sugerir a cnar;ao de uma mmiatura dele no Brasil. [ ... ]O M. da Propaganda é uma espéc1e de -.upermuw.tério que ;;uperintende todos os outros e também as 'camaras' especializadas (nidiO, cinema, etc.), que -;Jo autónomas até certo ponto [. .]' Após enaltecer a figura de Goebbels, Lopes acrcscentou que, do controle da vida política. resultava a forr;a csmagadora do governo alemao, capaz de hquidar ou absorver as últimas resic;tencias dos inimigos do nazismo (Jornal da Tarde. 12 abr. 1997, Caderno de Sábado, p. 1). No ano ~eguinte. A-;<;¡~ Chateaubriand acomelhou Getúlio Vargas a !leguir a ri<;ca o modelo de propaganda alemao, cuJa "técnica obtém resultados até a hipnose <.:oletiva [ ... ]: o número de heréticos se torna cada vez mais reduz1do. porque o e;,foryo de sugestao coletiva é desempenhado pelas trés armas ma1s poderosas de combate da técmca material de propaganda· o JOrnali!--mO, o rádio e o cinema [. ]" Wiário de S. Pauto. 30 abr. 1915, editorial) Durante o "pnmeiro governo Varga . . " '>Uigiram os pnme1ros órgao<; de controle e repres::.ao das 1déias e atos. A organ1za<¡:ao da propaganda foi senda feíta ao longo da década de 10. mas com o advento do E"tndo Novo consolidou-se a pe~a fUndamental para a realinrr5o desse trabalho: o Departamento ele lmprensa e Propaganda (DLP). que rc-.ultou do aperfei
203
Além da censura, o DIP era encarregado da produqao e clivulgac;:ao tht mensagens propagandistas, para esse fim foram produ7Jdos livros, revi¡,¡a,!> lolhetos, foros, cartazes, programas de rádio, cinejornais, documentário~ cinematográficos, etc. O órgao esta va cstruturado da seguinte forma. Divisao de Divulga~ao. Divisao de Radiodifusao, Divisao de Cinema e Teatro, Divisao de Turismo, Divi<;iio de fmprensa e Servi~os Auxiliares. 11 lmprensa e nídio foram os veículos privilegiados para transmissao da~ mensagens ele propaganda. A" empresas JOmalísticas só podiam se estabelecer se obtivessem registro no DIP, e as atividadcs profisswnais também ficaram sob seu controle, a partir de 1940, 420 jornais e 346 revistas nao conseguiram registro no departamento. Os que insistiram em manter sua independencia tiveram sua licen~a cassada. A imprensa desempenhou as tarefas que lhe foram atribuídas sem nenhuma mdependencia. Em Sao Paulo, os Jornais liberais, que tiveram importante atua9ao política, sobretudo a partir dos anos 20, foram praticamente silenciados, e tiveram que aceitar em suas reda96es elementos nomeados pelo governo. Os proprietários do jornal O Estado de S. Pauto tentaram reagir, e o resultado foi a expropriayao do JOrnal, em 1940, por representantes do Estado Novo, que o converteram em órgao oficioso. Este periódico, juntamente comA Noíte, de Sao Paulo, e ODia, doRio de Janeiro, foram os principais encarregados de fazer a propaganda do regime. A coopta~ao de jornalistas foi significativa. O fato se explica, em parte. porque o govemo atendeu as reivindicayoes da categoría, regulamentando a profissao, e, de outra parte, pela dependencia da atividade em relayao ao Poder Público, que sobre el a exercia forres press6es (Capelato, 1989). De fato, a imprensa foi o setor mais atingido pelo controle do DIP. No que se refere ao rádio, considerado meio fundamental para a divulga~ao da propaganda política, houve brechas para atividades relativamente autónomas. O veículo era encarado pelos regimes de massa como o mais Importame em termos de manipulayao, tendo sido alvo de extremo controle na Alemanha e ltéília; no Brasil, o desenvolvimento da radiodifusao apresentou características distintas. 22 Desde 1932, O governo Vargas estabelecera que a radiocomunicayáo constituía um serviyo público CUJa utiliza9iio dependía de concessao do governo. O sistema firmou-se nos anos 30, adquirindo grande prestígio entre os ouvmtes, grayas aos programas humorísticos, aos musicais, as transmiss6es esportivas, ao radiOJOrnalismo e as primeiras radionovelas. Em 1937 havia 63 esta~oes e, em 1945. o número se elevara para 111. A quantidade de rádio-receptores aumentou, durante o Estado Novo, de 357 921 para 659 762 em J 942. O uso político do rádio esteve voltado para a reprodu~ao dos discursos, mensagens e notícias oficiais. E m 1931, foi cnada a " Hora do Brasil", reestruturada em 1939, após o surgimento do DIP. O programa tinha tres tipos de finalidade: informativa, cultural e cívica; divulgava os discursos oficiais, os atos do governo,
204
ro~:urava estimular o gasto pelas artes populares e exaltava o patriotismo, ;.t:memorando os feitos gloriosos do pa~<;ado. Nas prac;as das cidades do intenor, era r!!produzido por alto-falantes (Jahar Garcia, 1982: 103-4). A Divisao de Rádio do DlP controlava toda a programa9i'io radiofómca: em l94l, por cxcmplo, foram examinados 3 971 programas. 487 peya<; rad10fomcas e l-l-l8 esquetes. proibindo-se 44 programa<; (em 1940, o número Je proibi96es fora bem maior: 108) (Goulart, 1990: 69-70). Além de divulgar as rnensagens e atos oficiais, os diferentes programa<; Jeveriam decantar as belezas naturais do país, descrever as característica<; pitorescas da~ regioes e cidades, Irradiar cultura, di vulgar as conquistas do homem e m todaE. as anvidades, incentivar relayúes comerciais. Muito se m~istia no fato de que o rádio deveria estar voltaclo para o homem do intenor, com o objetivo de colaborar para o :-en desenvolví mento e integrat;ao na coletiviclade nacional. Fernando Limongeli Gurgueira, na Disserta~ao de Mestrado sob minha orienta9ao, intitulada A íntegrafiiO nacional pelas ondas. O rádio no Estado NovoH, analisa os sigmf1cados dos proJetos constituídos em torno do rádio nesse período. O autor mostra o embate entre os objetivos expressos por um grupo de intelectuais ligados ao Estado Novo, que concebía o rádio como instrumento político-ideológico, e os interesses da esfera comercial de radiodifusao que atuavam. igualmente, junto ao poder, buscando transformar o rádio em instrumento de publicidade comercial; essa proposta se chocava com os ideais educativos e culturais relacionados ao veículo. Apesar da Importancia política que o governo atribuía ao rádio e do controle exercido sobre esse veículo, nao foi possível impedir que o sistema se desenvolvcsse para além das esferas de educa9ao e cultura. Do contlito entre os diferentes projetos resultou a definiyiio do sistema de radiodifusao brasileira: um Sistema misto em que o Estado controla e fiscaliza a atividade, deixando sua explora9ao a cargo da miciativa privada. A conclusao a que chega o autor contraria as teses que msistem na capacidade de manipula9üo total das consciéncias pelos meios de comunica9ao: o controle do rádio pelos órgaos do regime nao foi tao rígido ou tao eficaz como se pretendía. O projeto de "integra9ao nacional pelas ondas" permitiu que as idéias e as mercadorias fossem "vendidas" num mesmo pacote; portante, pelo que se constatou, o controle do rádio no Estado Novo nao foi rigoroso, a ponto de anular os Interesses divergentes. Um plano para a criayao de urna grande rád10 estatal com objetivos propagandísticos. no esti lo do que existta na Alemanha de Goebbels, foi apresentado por Lourival Fontes, diretor do DlP, mas nao teve acolhida. O projeto de Genolino Amado para a utilizar;ao intensa do rádio na propaganda do regime também caiu no vaz10. Na verdade. o controle do rádiO durante o Estado Novo foi fragmentado: Fontes controlava a "Hora do Bra~il", o ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Filho, tinha sua faixa própria de atua9ao dentro do horário
205
O Lllll'lll·' n.ttur,¡j, J\, Gr,emo. ou a' qul' rt.:a!Jta,,em rl'L'l'lll,llllll\liL'' hJ:-.IoJ'ILa'. ll1\lllU\.JOI1allzou-,e. no penodo. uma política de prote<;ao ;, md¡j,¡¡ i.t ..:Jn~m,llo~r<íft~a qu~..· ,·,nha ao cnl-ontro das rl:i\ indie<~\'Ol:S dos cinLw. ta'>. C.\pre'""' tksdc a d~c.tda c.k 20. h'a indú,tna. até L'nt:to tlefJcJtána. pode cont.tr cnm o .tpow do pre,ic.kntc. que eoncebia o c1nema ..:umo \ckulo dl' in ... trw;ito. tenc.lo. ne"e 'entJJo. Jcdarado. "() Llllt' 'erá o livro de ima~eno., lumJno,as em que noo.,,as populac;0es pr.ueira' L' rurai' aprcnderilo a amar o lkl\ll 1\tra .t ma~<.,a de analfahctos. :-.erú a di'>t:lplina pcJagógic.t mai~ perfeila e l'.kil'' (apuJ Mello Ban·cto r\'. 1{)41 : l::l.'i-6). No fim J¡¡ década de 20. o cinemajá c~tava 'oh controle: pwihw-'c o que er.t eon<;tderado pcngoso para a~ mulherc-, e as <.JJ.!n\'a'>. havendo o.;c.,o.,oc' '><Í para humen'>. De poi~ da Pnme11 a Guerra. o cinema nonc-amL·ríe~mo penetrou no Brasil de n1.1ne1ra a\'a~;sal..tdora. A partir de ent.io. os l limes e a'> ag~ncw' publicllÜJt.t\ dos ¡.._,tado' L1Hdo' empcnharam-se em "ender o "amcncan \\<1) ol lite". introdu7lndo n Lllll\lll11l> de dl\ero.,uo., pmdutoo.,. LOmo a Coca-Cola ... , re' i'tas e o~; própno~ li llllL'"· O comportamt.!nto 11 he raJo da mul her pro ¡et.tdo lh!..,,t!., filmes prO\ ocou rL·ac,:ilu ent re o" delen,ores do' " hon' co,tume,", preocupados com o efci to "contamJnadoJ do!'> conteúclos noc ivo, .. A <.o!U<;iin c-.tava na educayJo pela imagem (Souta, 1990 29-46) 1\ lgun-. nomeo., do eJnem.t. dentre eles Humberto l'v1auro e Carmem Santos. lutaram. de-.de e!'>sa época. para fa7er do E ... tado o grande meeena~ da atl\ Jdade. rL'l\ Jntlic.mdo que ck de,empenha,~e um papel atl\o e protetor. Como L'lllhL'qu~nu ob11gatoriedade de c\lhu,:üo de filme.., lHIL'lona,.., O tJtccntl\o ocorreu. ponamo. no pós-19}0, numa tcnt.ltl\.t de o..e faLL'r frente .10 unema norte-:.HnCnL.mo \, •nc..J,tltvas do go,crno ne,sc c..amp11 h7er.tm c.um qtJL' Gl'llilw Vargas losse con..,lder.tJo ··o pa1 do c..incma hr¡l\Jie¡m" Mello Barreto Filho. no l1vro Ancluera e (;clulw Vwgft\', tran.,creve a Jala de unl entu<> la'imado "'c.. Jill'lllat6logo'' que enallccc o govcrnante: cum o intllllO tk p1Ptege1 o cJncma n.ll'lllll,ll . que. "coitatlJnhn. eJa llll1 l'edelho raquíuco. l'nluado. tJli.l"e ,¡ 11101 rer il míngu.1. alimentado . .1(1L'll.l'> pl'la tenacidade e pt.!l:t ,,¡,...tJJla\'<ío de .tlgun'> \ 1\JOJl:tJJO, ... o gO\crn.tntc <.ku l:\ht0ncta real ao ...c-wr. "Ton¡fi..:ou-lhe o anenllt.tdo organ"mo. m¡ewu-1111..· forc,.l. energ1a. dcscobnndo.
,tra 1s,n. L·nmo o;t· dl''>L'nhn."L' 1.111 O\ u JL' Cnlomho. a 111,11, he1115fica ~..· pto\ Hkn..:Jal ~.l' \it::n1!!'" n ·,hort ' hra,il~ll:~ de c\lhil•ll' ubJJ~,ItiÍfl,l. e'tabclceida ¡K·Iu del.'rL'lll úrnero 21 241l. dl' ah1 d dL· 19.<~ 1 ~kilo Barreto h> .. 1941 lllJ ) 11 L m Itlll tb 1-Ju~..·.t\;in h;u\llll ino;tru~,":ÍO tomandn ollil).!atnn,l a ,,io de Ulllol •p ...·li... ul.t hr.tsdt:na no~ j)rt'!.!r:tllhl' L'llll' lll;lln!!r.ífico' ¡\ L'l:t'>'-L' do' ¡J) Clu. . • . ~ rodurore' <..''\uhou L 'L l.lll~ pre,wram ''gn1l 1\..JLJ\.J IHltll• n.t~cm .tl> ... e hl'k tb !\ac,a<' RtlllliL~IL P1n1o . o ~r.tnde delen'>PJ e lllll'lltl\adur do L'Jlll'J1la Llid.ttll'll. tornou-">..:, ~m 11J ~<1. Dtn:tor do ln,titlll<' nll>lll~nto d.1 po.....,e. afirmou . "() ~ inc 111.1 dt.:\'t' .:ada \el mat' .tu\iiJar ;¡L·duca\'Jll do po,·o" Com .1 L'lta<;:io dtl DIP. a Di' iUr.t tndJca\'am L'l)Jll!l l':l'll'- tk \'eto dtntrL· uutn,, o ncitamento contra o re!!lllle '1gcntc. a ordcm puhiJLa <:,¡o, autundade, ..:ull,lillllda..... 1 As orienta<;i"1e~ era m tao .¡mpl.ls que penmuam a prOJhi\-Clo de qualqUL'r C.:L'IHL J o!'>t' Inác10 de Melo Sou1<1 cita como excmplo a proib1c,::to JI.! um ~.in~jornal por Vinic1us de Morac,. descnta por ele meo.,mo. ao rclat:u 'll"' experiencia' C.:1.llllO ...:en,orc;ubsututo do uo Prudeme de Moraes :'-Jeto A pnHbJc,:üo 'e fct em nome do 'bom gosto" tratava-se <.k um ttlml' '>Obre uma eo,c..ola púhlica do JntcrtuJ do Rio. Crlltcando o .:megr.tfí,ta que realtzou o trahalho num Jta de chu\'a. L':-Jnlo,, o nan1 l''-UHn.:nd(lJ 1.111 frente 21 tal e:-cola (um barrac..Jo troncho de t¡IJpa'> __ l e p6s-o,e a l.ttcr .t 'ua reportagem. A ·re-.,ora', lod.t prosa. ia e vinha. arrumando o g1upo. batcndo paln1ao,, dando ordeno.,. Lvendo o pe'\soal ma1ehar mtlllo dentro do mem. 1:. que akgna para eleo.,! Meu.1m o deJao eom vontacle na tcrra encharc.tda. mo~rrando a<; eancl•hts da dentadur,¡ e Cll)..U!!ando o re-.friado nc1 manl!a Ja cam1..,a ml'smo. 1\unc.t lJll'" t,mto be m ao .. llO'i\0'- p~cllnho' c.nmo naqude d1,1 ~- ( )outa. l 1)Y0: 2 U) ()., document,mo' uncmatografieo,. de e-..:ib1~ao oh11gatóna. nlo'>lr¡i\·arn a' comemom<;óe' e le'li' 1daJes públicas. "" r~.tiJta\ül'' do g.o,erno L 11' ato' d..t' autond.tdcs A 1nten,tdadL' d.t proJu<;ao pelo DI P gcrou protesto' Jo, pwdutore,. 1 que a nms1deravam uma forma Jc lOilC.:llJ r~nc1a de,propnrcJunal. 1•' quc l ' extbidorc' prt.:fcriam ~.umpn1 a lc1 Je ohng.ll\lJ'ICd:ttk ~:nm o' filme' pnldutJdtl!-> pelo govcrno. Havia ulnc..ursL)'· cnm pr~tn l ll'- em dinheiro. para u:-. ntclhoJe!'> document.írin .... o l]liL' kv.t\'a a aborud¡.!él11 de tl'Jild' dtl agr.¡J~) do rl'¡!II11C (Ciar~:J.l, 1982: 104-)) A ccthur.t al1ngia. t.unhém. o' tilllll'' c.... trangelln\. PnHhlll-'>t.:. o~té ilJJ9. a entrada de fJin1e' .!llll'lll'·IIHI' ,mtin.vi-..la'. para 1q;on¡n da -\lcmanha
206
207
,!.!ll\l'fll.lllll'lltal. C'ap;ml'ma Ullllml:l\·;¡ n ">1'-lcma de Radinclilti'•Jn 1-:dueativ:. ("a,,Íóllll\ ~ ll';tl'cfO ~'f)C IIT\'":1\',1 - 't' rf,, f kP.trl'lll1<'1111l 1 lt• ( ), , .,,,., ., •.¡ , Pnl ;, ;, •..., ('t¡'¡'"'• e • - •· · .. ' .._ • UraJ ~.'·' R.tdlll i'\,tuonal Sc).!undo Jn:-.L' ln.ÍL' Hl dt.: ,\klo Souta. o I'CL'L'Io do go\'erno de later ll\ll tk um lllL'H t.to polkro'o tk mollrllla._;a,l poptll.u· L'.\plh:.t ,¡ lr
O projeto do ministro Capancma para o cinema consi,tra em retirar caráter de diversao desse vekulo para trnnsfonn,i-lo em ino;trmnento de cduc..t<,:iio <~ ... ~::u 1110tlelo ern a. ··t Umone Cincmatografrca Educatrva". c1 LUCE da Itália fasci!-.t¡¡ O trabalho rcalwtdo no INCE era scmpre alvo de sua aprova<¡:ao e elogio "Excelentes '>ao os 'shorts' nacwnais que tlemonstram o trabalhu e as ativtdades d~ governo (abertura' de estrada~. con-.tru~iio de obras de arte, montagcm de fábncas vida de portos. etc.)". No que se refería a atua<_;ao da Divisao de Cinema do DIP. ~ mtnistro reclarnava da falta de uma "censura cnérgrca". falta essa que factlttava J exibr~üo de filmes ··rmorars. tendencro!'o.-.. corruptores". Além do controle da produc;:ao cmematogdt rca, o Jmbiente poi! treo da epoca estimula va a CI ia~ao de filmes de fic:~¡-ao que reprotluzisscm os valore~ apregoados pelo regime. Como exemplo, cabe mencionar a película Argila. produ¿1da com rotciro de Roquete Pmto e d1re~ao de Humberto Mauro, que expressava muito bcm os componentes itleológico.-. do Estado Novo A es~c respeito. Cl<íudio Aguiar Almeida escreveu O cmema como ''at:ttador das almas" Argi/a, uma cena do E.1tado Novo. 2 ~ O trabalho aborda a trajctória do cinema brasileiro desde os anos 20 até 1945. mostrando as reivindicas:oe<> dos cinea~tas, as forma~ de organiza~ao do ci nema, as dificuldades enfrentada:. peloc; cineastas, a rela~ao do cmema com o poder, as tendencias Cinematográficas e sua~ perspectivas até a realiza~ao de filme~ de carátcr educatrvo e engaJados polrticamente, como foi o caso do refendo longametragcm, CUJa estréia ocorreu em 1942. Argtla foi resultado do trabalho de atores, técnico:-. e educadores (Humberto Mauro, Carmcm Santos, Roquete Pinto. 0-;waldo Tcixeira. Lídra Mato.-. e Celso Guimaraes), que pretendiam colocar o público em contato com personagen:. e situayoes capazes de modificar sua conduta. lnserindo o filme no contexto da produ9ao cinematográfica do Estado Novo (filmes de curta metragem e longa metragem). Cláudro A. Alme1da mterpreta o conteúdo ideológico da obra: o roteiro indica a preocupa9ao de condenar a atitude de grupos burgueses alienados, consum1dores de cultura cstrangeira, que vivem em meio ao luxo. óc1o. fau'\to, orgías de festao;, sem se preocupar com os problemas do paí" . Em contraste com es:-.es personagens, sao valorizados os trabalhadore~ honrados, de moral impoluta. cup conduta é pautada pelos valores cnstaos Para -;e contrapar a cultura burguesa estrangeira, o filme valonza a cultura autóctone. expressa na arre marajoara, que inspirava a fabrica~ao artesanal de va<;os e potes A conclu~ao mai<; importante des~e estudo dt7 respeito. porém. recep~ao do frlme pelo público: o "desa'>troso fracas"o de Ar¡::ila", '>egundo o autor "acabaría expondo nao apenas a.-. dificuldades do cinema b1asileiro. mas também os 1tm1tes daquela cstratégra que pretendía conquistar as massas para a causa nac1on:Jiista através do filme educativo". Comparando a prodw;ao Cinematográfica brasile1ra da época com a do~ regime.-. nazista e fascista, constata-se que. tanto na Alemanha como na Tttil1a, a
a
208
,rJnde maíona do-. frlmcs protluz1do' era de tliversau. g~n~ro COiblderatlo mai-. tfident~ para a Jivulga~rao Jos IÚl:ais tlu~ 1egime~ t:lllte a!'> platéia:. lJlll- awJc~ 11au s1.. ~ , :un corvert1do ao credo nazi-fa:-.císta. Con~iderando que os filmes de propaganda rolítica explícita se lllnltavam a "galvanrzar os ftel~". sem ..persuadir os mditerentes e , adver-.ários''. LLugi Freddr. o Jrretor da Divtsao de Cinema do Mrmstério da ~(tura Popular. impnmiu essa orienta~ao a produ~üo cinematográfica ttaliana, acreditando que. movidos pelo amor ao cinema. c<~<~e público compareccrra ¿ts -;alas de ex bi~ao. travando contato com 0' tema.-. de propaganda oficial. sugcndos de forma ..ub-reptlcia cm cnred0s aparentemente apolítico-.. Filmes como Argila. Rm11a11ce Proibido. A~·e~ 1e111 mnho e Cammhos do dtt tinham um conteúdo pedagógico explíc1to. 0 que os tornava indigestos. Alem di~.,o. disputavam público com as produ~oes norte-amencanas. Sem possu1r uma Indústria cinematográfica capaz de supnr a\ neccs.-.idades do mercado. Já convertidO em bom receptor dos filmes hollywood1anm, o cinema educador/nactOnalista brasile1r0 resultou em fraca<:so ele bilhcteria: o<; tema<; que devenam cammhar a reboque de enredos espetaculares capazes de seduzir o espectador convertram-se em lemas nacionalistas. Sem con~eguir penetrar no mercado exibidor nem atingir seu grande público, Argila e outros longa~-metragem. nao cumpriram a "fun~ao dmamica de constante agitador das almas" deftnida por seus realtzadores. A" "almas" bra<;tleiras contmuaram entregue<: ao culto de heróis, divas e 1deai~ \'eiculados por Hollywood (Aimeida, 1993: 3-12 e 200-3). O texto reconstitUI o debate entre os que defendtam a rdéia do cinema como agente pedagógico e os que o viam como entrctenimento e mercadoria capaz de gerar lucros. Tanto no caso do cmema como no do rádio, os pro_1etos pedagógrcos/ideológicos formulado' pelo~ adeptos do rcgime tiveram que competir comO.!> intere.-.ses do setor privado- no caso do cinema, mteresses estrangeiros que utiltzavam es<;es mesmos vcículo'i para ··vender" mercadorias. Como estes últimos d1spunham de melhor técmca de producrao e sensibiltdade empresanal para captar o gosto do público consumidor, ohtrveram melhores resultado., que os ideólogos 16 11sta'i d a epoca, . nac10na
31 1
A CONCEP<;.:ÁO DE CULTURA E A PARTICIPA<;.:ÁO DOS lNTELECTLA IS Os ideólogos estadonovi:-.ta<>. alegando que o Estado liberal separara o homem. cujo domínio é o da cultura. do ctdadao, cujo domímo é o da política, dcfendiam a necess1dade de umf1car as esferas política e soc1::tl através do ~'labelecimento de uma ..cultura política" Nessa perspecllva, a polít1ca era ~:ompreendida como for~a d1sC1plinaclora. coordenadora e organizatlora das for~a" 'r>ciai:-.; ao; manifesta~óes cultura" só poderiam ocorrer sob :J ''tutela" da ordem Política (Velloso, 1982: 88)
209
A revista Cultura Política, encarrega<.la da produ~ao do dtscur~o idcoló . do r.\tado Novo e-xpllclt'lva ·.t~ conccp<;6cs da tntcl~l..lualiJaJé oficial l5l\:o colaborava at1vamente nC!)!)e vcículo. Segundo O\ c<.l1tore!> da publica~ao. a eultqllt , •. l ~ocw . 1 • ·¡ e u m sentido~ Ura se mtcgrava ao po 11t1co e devc11a ter u m contt:uuo mente utJ oncnta¡;ao para o bem comumcoerente com ,, <.lm~tn7 geral do 1:-.stado e com a vi~ nac10nal. A fun~ao do artl\ta e1a <.lcf1ntda como '-OCI:ll!zadora: cumpnndo a , ua mtssao de tcstemunhar o soc1al. ultrapa,,a,a a mera \Ctcula~ao da beleza. Para cxpnmtr O\ valore~ nacional\. ele de vena se m'ptrar cm nossos temas e moti, _ us mate; típicoc; (Goulart. 1990. 100). A .trtc se vohava para tins uttlttários. e nao omamentais. através del a. bu-,ca\ a-\e ampltctr a d1vulga<;ao da doutnna oficial. O discurso estadonovt\ta aftrmava a co1nctdcncm de interesses entre a 110,a política e o<; ansetos do<; intelectuai .... Atribuía-se papel vital a estes últtmos na "nova ordem", porque constituíarn o 'oetor "mai., dmilrnico da soc1edade". Eram VIsto<; como intermediários entre o govcrno e o povo, porque pensavam e cria'am. f1cando encarregados de mdicar O'> rumos estahelecidos pela nova política. ding111do ou assegurando o proce<;so de mudanr;a no Bra<;il. Eram apontados, ainda. como as express6es mais lúctclas da soctcdade o que nas massas ainda era uma idéia mdecisa ou aspira~ao maldcfimda, clcixa de !>e-lo por intermédio do~ intelectuais. seus intérpretes (Velloso, 1987. 15-8) Considerava-se, ainda. que o intelectual, antes isolado no seu mundo interior, havia tido a oportunidade de mtegrar-se na políttca a partir de 1930. especialmente com o advento do Estado Novo, quando se desfez o divórcio entrl! a inteligencia e o Estado (Yello-;o. 1982: 93-4). Enquanto a polít1ca liberal se comportara .;omo a "madrasta da inteltgencia". na medida em que a excluía do~ processos decisórios. no Estado Novo o govcrno tramformou-'>e em tutor ou pat da mtelectualtdade. e esta devena converter-\e em ~ua fiel colaboradora, por ter um de ver para com a pátria (ídem 14). Ern tomo da rev1sta Cultum Políttca (dingida por Alrn1r de Andrade) e do~ JOmais ofic1ais A Manhii (do Rto, dingido por Casc;iano Ricardo) e A Noite (de Sao Paulo, d1rigido por Menolli del Ptcchta). reuntram-se as correntes ma•~ heterogeneas da intelectualidade bra,ileira hcreviarn nessas publicay6es autore~ de grande proje~ao e perfil políttco menoc; marcado. ma<; também representantes da extrema direita católica e comunista~. dentre ele~ Carlos Drummond de Andrade. Cecília Metrcles, Gtlberto Freyrc. Y1n1ciu-; de Moraes, Jo<;é Lms do Rego, Manuel Bandcira, Nelson Werneck Sodré. Graciliano Ramos, Ol1veira Vmna e Gusta\'tl Barroso A revista Cultura Política af1rma va aceitar a colaborayao de todo~. tndependentemente de seu cunho ideológtco (Velloso, 1987. 40). Jntelectua1s de diferentes tendí!nt.:tas também gravitararn em torno Jl1 Mini~téno da Educayao Segundo Sérg10 Micelt, a gestao Capanema erig1u unt.t espécie de território ltvre infenso a' salvaguan.las ideológicas do regime (Miceh. 1979. 161 ). Dentre os no mes que ocuparam postos JUnto ao l'vlmistério d.t 210
d .L ~uo. mutlo~ deles nao se identificavam tdtologtcamente com o regtme \1imstro: e m ]Q4 'i, declarou-... t' ~· ati 1 ante do cornunio;mo Capanema convidou M< no de Andrade para Jmgtr o .af!l~ rtarnento de Teatroc; e para part1cipar do Instituto ~~actonal do Ltvro: o escntor 1 ~·~u Intensos contlitos a propO'>ItO da parucipa~ao ou 1oito no'> órgao.., Jo pot.kr. A ' 1 .;en~Ja de tntelectuats renomados no Mmisténo nao irnpllcou uma adesao ao ~cntansmo: ele-. se colocuvam na posu;ao de funcion,ino' públicos. e deles nao :ll'-"~tda. como de outros. fidelidade 1deológtca. Na compo'>t~ao do!> cargo~ governamcmai' e'>tavam presentes tanto os penll!s de grande proJe~ao como os de escntore' menore..,, ptt!tH...Jnte\ dL uma chamada subliteratura. que trabalhavam sob encomenda, com o que procuravam retnbUtr os favores de seu<> protetore~ nos serv190s públicos. afirma Sérgio Micelt. o autor ec;tabclece uma Jisttn<;ao entre essas duas categorías de intclectuais· os primeiros .,;:¡o denominados "escritores funcionános'' e os segundos "funciomírio~ e~critores". l:nquanto aqueJes ocuparam postes de dm!<;iio de 111'>lituty6es culturais, e~tcs se valeram de o;;eus instrumentos de produyao intelectual para o cumpnmento de tare fa!) subaltet nas nas institui~óes de di fu sao cultural, de propaganda e de censura (M1celt, 1979: 150-3). Apesar do alto índice de participa~ao dos intelectuais na políttca do E<;tado Novo. nao o;;e pode dizer que a produ~ao literári::~ varguista tenha sido significativa. Também nao se tem notícia de obras antivarguistas publicadas no período. A literatura bra<;tleira da época nao <;e constttuiu num elemento importante de exprcs,áo das emo~oes do'> atores políticos indtviduai" ou coleuvos, ou dos contlitos -;octais e políticoc;. A polít1ca de con~enso talvcz. tenha desmotivado os literatos a e<,crever c;obre o período. Como dt'isc Graclliano Ramo': "O Estado ~ovo nao nos impecllu de e<;crever: tirou-nos a vontade" (Memórim do cárcere). Os intelectuats brac;lletros foram. ao mesmo tempo, vitimadoc; pela reprco;-,ao e favorec1dos pela pos1s;ao pnvi!eg1ada que lhes foi atribuída pelos tdeólogos e<,t,tdonovistas, que os convocaram a participar da orgamzayao do novo go\Cino e a teori7ar sobre a ·'que~tao naciOnal". Essa convoca~ao, cm última in~tancta, servta para legitimar o regime oriundo de um golpe. Nao se observava, da pm1e de Getúlio Vurgao;, um grande cmpenho na mobllinyao das mac;sas para participar da política O autontamrno do l:.stado Novo \C caracterin. como já fo1 d1to, pelo <;eu aspecto desmobilin1Jor. Considerando o Povo brasilc1ro inepto para a parttcipa~áo política (a grande mas\a de analfabetos 'Crvia de reforr;o para esse argumento), propunha-se a organit.ayflo do novo Estado Pelo alto, o que explica a preocupa~ao do governo em ganhar o apoio das el1tes tntelectua•s A propo<;ta de consenso era dirigida a elas, e nao aos setores populares. ~ . A abertura do regime em dire<;ao a es!>e grupo nao ficou sem rcsposta 1uuo-. deles se preocupavam em con~tnm o "sentido da nacionaltdade", retornando ¡,, "raíze.., do Br.t..,il" para forjar uma untdadc nac10nal O L:.stado Novo,
1 e u~nntollJ. pot l.Xt..lllplu, fui \.h~...fc de Gabinete do
211
além de ptrmitir l1bcrd:Hle de criac;ao, de~úe que nao implicasse críticas ao govtrn valonzou 0 papel das ·'elite~ bcm pen!)antes" e as considcrou a ''opiniao púbh 0 4 digna de expressao. Cabe lembrar que Gctúlio, em nome dos intercsses nacion~ atendeu a rcivindica~ocs de vários grupo~ ligado!) a cultura, apoiando a organizar;! de as~ocia-;üe~ e ofereccnJo 1ecur!)u~ J iniciativa~ culturai.s.
CONCLUSÁO
Procurei mostrar, neste texto, como os novos e:.tudo:. sobre o Estado Novo penmtem repensar a naturcza do regime, refletir sobre aspectos da política e cultura do período nao abordados pelos estudos anteriores e apontar a especificidade dessa experiencia em relac;ao aos modelos externos. Tomei como exemplo aspectos da propaganda política relacionados aos meios de comumca~ao e cultura para mostrar que, mesmo nesse terreno, onde o influxo externo foi forte, os resultados brasdeiros foram particulares, deixando evidentes os hmites do controle do Estado. A existencia de perspectivas distintas em relayao a radtodtfusao e interesses divergentes na área cinematográfica revelam que nao houve um enquadramento total dos veículos de comunicac;ao nos moldes Ideológicos do Estado Novo. A diversidade de projetos indica o caráter multifacetado da política estadonovtsta; o regime, embora apresentado pela propaganda política como um organismo homogeneo e harmónico, capaz de pairar actma dos anseio~ individuais e de grupos, foi palco de interesses conflitantes. No embate das for~a.' políticas, houve a eliminac;ao de planos ou de parte deles e a integra~ao de proposta.' distintas, que resultaram em algo diverso do que fora idealizado micialmente pelo~ diferentes grupos em dtsputa pelo controle dos meios de comunicac;iio. A política varguista, embora tenha inovado em muitos aspectos, em outro~ dcu continuidade a proccdimentos arraigados na tradic;ao política bra~iletra. como~ o caso da prática de valorizac;ao das elites e exclusao das rnassas, que explica :.1 limitada preocupac;ao em mob1llzá-las para uma atua9ao mais próxima do poder. Esta~ constata96es corroboram a idéia de que o conce1to de totalitarismo~· inadequado a caracteriza~ao do Estado Novo. Cabe ressaltar, como Já fo1 mostrado antes, que o governo desca1 tou os projetos mais radicais de uso intenso dos meio~ de comunicac;ao para fins de propaganda políttca.
212
A política cultural do regime, cmbora tenha M! 1nspirado nas cxpencncias -,c 1 ~tas. distanc10u-se dela' em mllttn-; :t'>pecto:-.: enquanto na Alemanha e na J/1- . . 0 :¡ja houve u m grande esforc;o para -..e orgamzar urna "cultura de con-;enso". )ta vés da conquista de uma ~óltda ba~c de apoio cnvolvendo diferentes .;;ctorc" atnl . lCHliS (popu !are~. especwlmente), no Brasil o govcrno prcocupou-se e m estmturar ~\,;~ política de con'>enso que envoh ia. prioritanamentc. os c;;ctore~ de elite. onde Ul . . _ d . foi buscar a leg1t1ma9ao o rcg1mc. Os novos cstudos ~obre o período mo'>tram que. na esfera da propaganda pl J¡tica e da po~ítica ct~ltural, ~~o. identificáve1~ trac;o~ de conccp~occ;;_totalit(ma:- na 1 constm~i.ío do~ nnagmarto~ ~octats. tra~o'> que, assoc1ados a concep~oes e condutas autoritárias onundas de um pa.ssado mais dt~tante, ::.ervtram de refercncta para a elaborac;ao de novas forma'> de controle social nos ano-, 30. que se mostraram tao eficazes naquela conjuntura a ponto de garant1r sua continuidade até o presente. A persistencia, por su a ve?, de componentes da cultura política introduzida pelo varguismo dificulta a consolida~ao de práticas democr<1ticas na ~ociedade atual. Por essa razao. a preocupa~iío dos estudiosos em revtsitar o Estado Novo. além de enriquecer a historiografía brasiletra, permitmdo que se compreendam melhor aspectos da polít1ca de massas pouco explorados pelas análises antenores, possibilita uma reflexi.i.o mais apurada sobre o presente, abrindo perspectivas para dto;cussiio sobre o significado da permanencm do passado e mudanc;as possíveis no campo da cultura política, que engloba todas as questoes traztdas a baila neste texto.
ta
213
~ ~
~ ......
C':
~
lJJ ~
o lJJ o
=
~ .. < ~ ~
~
~ ~ ~ 00
~
00
< > ~ o z = < ~ ~ < < ~ ~ ~
~
00
o E-e~ ~ z o o~ E-e
~
lJJ
=
< > o z
HISTÓRIA DAS MULHERES: AS VOZES DO SILENCI0 1 Mm}' Del Priore (Usr,
HOMENS
E MULHERK~, U.\IA QUI<.:STÁO COl\JPLICADA!
urna obra clássica, O segundo sexo, publicada em 1949, Sunone de Beauvo1r fez umn ob1>ervac;iio fundamental: as mulheres nao tmham história, niio podendo, conseqüentementc, orgulharcm-se di! o;1 próprias. Ela diz1a, ainda, que urna mulher nao nascia mulher, mas tornava-se mulher. Para que isto acontecessc, e la devcria submeter-se a um complexo processo, no seio de urna con<;tmc;ao histónca cujo espírito determinana seu papel socml e <>eu comportamento diante do mundo. Beauvoir sabia que o território do historiador manteve-~e. durante muito tempo. exclusiv1dade de um só sexo. Paisagem marcada por esra'ros onde os homens exerciam seu poder e seus contlitos, empurrando para fora destes lim1tes os lugares femminos. A.-;.,lm, sendo. elipa~o comum de homens e mulhcres, a família, acabou por tornar-se urna regi5o particular, urna espécie de geografía msular. Sobre este solo de históna, a-. mulhcres, de forma precána, tornaram-se herdcira:-. de um presente sem passado, de um passado decompo..,to, di'>perso. confuso. O alerta dado pela fil ósofa francesa, scrviu como um dos textos fundamentais para o movimento feminio;ta, movimenlo na<;cido de outro, em prol dos direito-. civ1s. Um dos primeiros objetivos do mov1mento consistía em apreender o passado legítimo das mulheres, mtroduúndo-as, definitivamente, na históna. Mas como ouv1r suas vozes, cxtraindo-as do limbo da memóna, tirandolhcs o próprio limo? Como melhor legitimar este campo de pesquisas, abrindo-o crítica externa, colocando cm termos históricos urna difcren~a de sexos, pouco e:tudada pela histonografia que era produLida, cntao? Como dar destaque a dlfercn~a de sexo~ e ¡¡., mulhere.-;, quando es.;a., eram tradicionalmente 'i~ta.., como e~pcctadoras do teatro no qua! se dcfrontavam seu~ mestres e senhores, os hornen~ ? Na filo~ofia, a difercn~a de sexo' é a primeira da~ diferen~as; aquel.t sobre a., quai<; todas as outras diferen~as se expressam e se fubricam. No seu A ongem da f~mília, Engel" Já apontava a diferenc;a de sexos como o fundamento me-.mo da '" 1dtt social, afirmando que a primcira divisao do trabalho e a prime1ra opo-,iyao de clas~¡e C<,tabelccia-sc. basicamente. entre homem e mulhcr. 2 Ele pcrcebJa,
N
a
217
objt:tl\'amentc. signif1ca ¡ogo. tensao. ca~ a ca¡¡¡ emre o 1dentKo e o diferente. lugar no qua! 'l: fabnl."a o pensamcntu Pensamento que encontra na du,did<~de e na alteridacle \tta follle permanente d . . e retkxao V 1'ta por e\tc pnsma. a emp1na da ddcren<;.t sexual estana no fundamento mcsmo do cxercu.:10 do 'aber Algun" lugares do saber filosófico confirmam e"ta preocupar;ao. Desde a clllllguidade, e\tC" lugdres sao claramente observexos. A4 reprodw;ao ~cxual, também nao C'itá ausente nem cm A Fúíca. nem em A Alma. A vida '>OC1al, famil1ar e conjugul, solicita amda mais a aten¡;ao do filósofo; veja-<;e, por exemplo '>Ua Ética a Nicomano. 5 Aristóteb atravc-;o;a, 'istematicamente. os campos do saber, sem eludir e1>te preci'IO objeto, ou .,eja, a '·cf¡fcren~a de sexos" ~le nao se esquiva, jama!.\, como bem demonstrou uma hi<,tOI wdora, ao problema da defini9ao. 6 A época moderna é, sobre C1>te tema, bem surpreendentc. Descartes prefere pe1har a questao do amor Spinoza. por sua vez. in-,iste em !>ublinhar a irracionaiidacJe da mulhcr. e no seu Tratadn da twtondade política acaha por deixar inacabada a demon.,tra~ao da exclu,iio da.., mulhcres na v1da pública 7 Observa-'>e aí urn de'-.locamento Importante no pen.,amento filo.'>ófico Ele toma-.\e ma~<, ab1>trato e ponador de um pcnsamcnto ... ufJclentemente idealista para e.-.quecer a diferen9a de sexos Até o final do 'éculo XVlll, os filó~ofos ~e esfor9aram para nao abordar, de frente, a quesüio dos sexos O aparecimento do conceito de "igualdade". neste período, talvez aJude a entender tantas ret1céncms. Corn efcito, Platao, Aristótele~ ou o-; Pai ... da Ign~Ja nao rece,lVam. anteriormente, cm afirma1 a desigualdade do~ '>CXO'>. Para ele.\, trarava-se de um fato da natureza. ou mclhor, de um fato da natureza que deveria obedece¡ a um fim qualquer. Um exemplo Jo comportamento dessc ... pen..,,tdorc., em face da que ... tao é o mal-e:-.tar de An.,tórelc\ diante de uma ju:-.tlftcativJ para a escravidao. cu.ra naturalidade lhc parccw mcerta. enguanto a 'UJei<¡:ao das mulheres soava-lhc e' 1dentc A épocd moderna torna menos "imple:-- a taref'a filosófica de justificar a domln
f'lil 111 cslll<~ época, Conc~?~t.et é outJO a _da~ um excmplo csclaret.e~or Co!n cxce<;~?
· ,cu celcbrt.. texto St,hre r1 flrllllt\.\tUI da.1 mulliere\ no d1re/fo a ndade . de blicado em 1790, ~eus e~cnto1> celebres pel.1 dcfesa da-, mulheres. pa-.sam pll·anercebidos e -.ao publicado:-. de forma di ...crcta. mi<;turados i1 leituras ma1s , des,.,r:•> E como se os texto' e-.-.t!nCiills -;obre as mulhcres nao est1ves.,em lá onde (\t:O'• . . 1 esp¿ramos que estepm, obngando-no' a procurar -.uas P"ta~. Há. tamb¿m. uma outra ra¿ao para entender o quanto a questao da l ualdude é in.-.ufic1entc par,t ... eparar a anttgUidadc da 1dade moderna. é o :rgumento da paixao. ou seja. da scpara<¡ao do tndivíduo entre raúio e pa1xao. 1\nteriormente, a binandt~de Jo hotncm, '>Ua d!Stlll<;ao entre dois "cxos emanava da ~osmol og1a e da ontolog1a. A btnandade era qualqucr cot~a que 'e dc<..hnava ,10 nfinito numa escala que 1a do trio e o calor, ao seco e o úmido aré o ativo e o 1 pass1vo. Um h1storiador ingle~ mostrou como e"'a tradu;ao. egressa do pitagon ... mo, perdurou até o Renasc11nento. 10 Ne.., te período, em que o 1ndiv íduo pcrd1a \Uas referenc1a1> cósm1ca'i centrando-~e na própria unidade. a opos1~ao entre sexo~ nao era mats formulada da mesma maneira. O humant"ta colocava-se no centro de tudo, de<>qualificando a razao feminma. agora. nao mais pelo jogo da~ binaridades, mas. por um outro regl'>tro: aquele do1> limite., A razao d.ts mulhere~ nao lhe parecía lógica. Por faltar-lhes o controle, atributo do homem moderno, sua ra:Wo era considerada fraca. frágil, -;em parametros. o que a dobrava obrigatoriamente a dependencia da raziío masculina. Ma1s além, esta peculmndade obrigava as mulheres ao aprendizado das \lrtude., e da\ rcgra-; de conduta. Por nao possuírem razao. as mulheres seriam dotadas de paixoes desenfreuda:., paixóes, tal como a mziio, 1>em lim1tcs. Daí a educar;ao moral que. de Fénclon a Rousseau, altmentará o discurso sobre a-; mulheres; uma educas:ao moral que, segundo estes autores, as afa:-.tana do acesso ao '>aber e do exercícto de "ua raziio. Educa<;ao que impona um lim1te a vontade. sem freios, da criatura ¡nsat15-fe1ta que era a mulher. Nesta perspecti va podemos entender a in~istenc1a de Hume em querer unpor a ca"tidade as mulhere~. 11 Ba..,eado no argumento ba.,tante comum na época -,obre as nefastas comeqtienc1as as quai.., levava o adulténo fermnino, o pensador 1ngles tmr;ava uma linha entre a paixao masculina - ... empre sob controle - e o apet1te femmmo. sem peias e de resultados 1mprevisíveis. Temas como este, repassados do 'éculo XVIll ao XIX, mostram como o homcm pa"sa a pensar a difcren~a dos <>exos: nao rnai . . a partir do mundo. mas de s1 ITIC!>mo O parad1gma desta desigualdade nao se encontrava mais no Ser. mas no próprio homem Por u m lado, este nao :-.e preocupa mm1mamcnte com -.ua difercn~a da mulher. Descarte-; e Spino1a estavam alt par.1 mo-;trar o quanto se e..,qu1vt1Vam de pensar a dtferens:a dos ~;exos. Por outro lado, o homem racional marg1nalizava m, lllulheres, c-;ttgmat¡zando sua dependencia e sua 1>emclhanc;a com a natureza Hume e Rousseau que partilhavam esta opmiüo afirmavam que tal como '>e faz com a natureza. era preciso adestrá-las. dominá-las 219
Q¡
.~ 1
11 •• ~
..
••
:a ~
11
a
Fundada, pois, na constatac;:ao da negas;ao e do esquecirnento, a história da mulher emergiu e ganhou musculatura, a partir de 1970, atrelada a explosao do feminismo, articulada ao florescimento da antropología e da história das mentalidades, bem como ás novas aquisic;:oes da h1stória social e as pesquisas, até entao méditas, sobre a memória popular. Este fo1 um período fundamental, no qual as fem inistas fizeram a história da mulher, antes mesmo dos historiadores. Depo1s de um primeiro impulso dado quesüío, as universidades abriram suas porras ao1> grupos de pesquisa, criaram laboratónos para abngar reflexoes sobre o tema. encorajaram trabalhos e monografías. Deis pólos fundamentais de reflexao ou dua'i preocupa~6es estruturavam esta efervescencia intelectual : fazer surgir as mulhere~ no seio de urna história pouco preocupada comas diferens:as sexua1s e demonstrar a opressao. a exploras:ao e a dommayao que sofriam e que as subjugava. Neste contexto inicial, em que ideología e identificayao consutuíam-se el11 partes 1megrames do objeto estudado, a história das mulheres ma1s parecía uTTI
a história geral; um "algo a mais". Em vánas teses, historiadores chegaram 00 aeft'"·re\er um capítulo suplcm¡;ntar sobre as mulherc", numa espécic de generosa 8 e~~Ja com que se premia va o nascente movimenlo feminista. Agraciavam, de!.ta ,sJll eira. o feminismo mas niio a história das mulhere1., e embora vigorassc urna ~u<;áO ardilosamente alimentada emre ambas era prectso <;eparar o feminismo e cOO h st6ria da h1stória das mulheres. por tratar-se de deis objetos em ., .. A questao 1 sua qual deles era subparte do outro, e parte de uma parte já dtficilmente ~~nhecida pela. discipltna histórica? A_ ar.ti~ula9ao_ et~l~e um e ~utro objeto nao n..:w tanto mats complexa quanto o lemtn1smo hl'itonco parecta engolfar, com questionamcnto<;, a hi<.tória me~ma da-; mulheres 0 De todas as manci ras. no que Jiz respeito aos resultados concretos das pesqu1sas. a h1stória das mulheres cootinuava, nos anos 70, rnajorítariamente um trabalho de mulheres, 12tolerado ou marginal izado, mas sem interferencia direta sobre a disctplina histónca. Paralelamente a tantas incerten<>, a hi-;tória dita tradicional ganhava, nesses tempo!-1, uma nova fisionomía devido a inflcxoes di1.cretas, mas definitivas em sua tragt:tória. Uma notável pleiade de autores, tanto da área de etnología quanto de bistória, faziam sua irups:ao no campo de trabalho sobre os papéis sexuais e sua diferencia9ao. Georges Duby é, o;;em dúvida, um neme emblemático dessa espécie de tomada de consciencia 1 ~ Essa mesma tomnda de consciencia afirmou-se gracras ao aparecimento de uma tendencia que estendeu-sc. en tao, a pesqmsa histórica; essa tendencia coloca va em cena objetos inédito1. como a sexualidade, a criminal idade, a morte, a alimentas:ao, os desvíos . Tais questoes, extremamente valorizadas, neste momento, deixaram, posteriormente, de se-lo, e os problemas que mtroduziram na disciplina histórica ainda nao foram resolv1dos. Mas nao foi só isso. Outros grandes temas. cujo risco maior era o de fazer desaparecer a leitura das rela~oes sociais, emergiram entao· o medo, o pecado, as relas:oes entre vida privada e vida públ1ca. Neqe percurso um novo campo de pesquisas se inagurava: a históna das 14 representas:oes culturais e socwis- em escala menor, a das políticas. foi neste cenário que surgiu a no~iio nova de "cultura feminina", no mterior da qual gestos e práticas sao pensados e analisados como formas de cultura. Sem nenhuma dúvida, o sucesso da história cultura l e das representas;oes, alérn do cre~cente aporte das abordagcn-; etnológicas ou antropológicas, permitiram. aos 1 esrudos sobre os papéis sexuais. a aquisic;:ao de um novo perfil na historiografia. ' Perfil que passou a ser escrutado tao mais atentamente quanto este tendia a se 1mpor entre cientistas europeuo;; e americano~ e que, mais além, tinha a caucrao de uma C()rrente historiográfica movadora e brilhante. Procurando descrever os papé1s femminos, chegou-se a decifrar um certo número de prát1cas e~pccífit:as que por llleio de um jogo de compensas:oes, de interferencias ou de significa~6es snnbóltcas terrnmaram por esbocrar os tractos de uma cultura fcminina sem a qual o sentido soc1al nao existiría. Na mesma perspectiva, o jogo de oposicr6es simbólica-; entre lllascul ino e feminmo, jogo variável ao longo do tempo e de acorde corn as
220
221
Como século XlX, chegaram as mudanc;as. Dcpoís de Hegel, que pensou "diferencwc;ilo <>nnal", n jogo entre o mesmo e o outro, o rcconhCi...llllentu <.le ., a 1 outro, temas centrais na tese da d1alética, e com a prática da idéia de "Igualdad~~ dos sexos e o declímo da metafísica, tudo mudou A que!.tiío da igualdade entre "exos nao podía maJ-; ~er Jgnoratla. Os pensadores da emancipas;ao, os filósofos d· política, de Fourier a Marx, passando por .Jol111 Stuart Mili, procuravam (excetuanct~ Proudhon) defin1r a liberdade, a emancipa~ao, ou a 1gualdade entre homens t· mulhere<.. E no <.éculo XX? As mulheres continuam a ser pensadas, só que agora fora do exclusivo campo filosófico, invadindo o espa~o das "ciencias sociais e humanas": sociología, antropología, psicanálise e história. A empiria passou a ser entao, o ponto de partida para "C pensar a diferens:a. Mas o problema é que ela na~ 111duzia a um pensamento sobre diferens;a. Daí a solus:ao da h1storicidade corno ponto de partida para uma reflexao a partir do material histórico. Uma historicidad~:: que, concretamente trabalhada, retomasse a nos:ao de fato histórico e de conJuntura. de ruptura e de cronología, para compreender a part1r de que referencias podemob entender a diferens:a e falar de hislória da mulher. Donde também a Importancia, nos últimos anos. de fazer a história das mulheres, para a compreensao deste enorme problema, antes filosófico e agora histórico, que é a diferen~a dos sexos. Ancorada na riqueza de representas:oes sobre a diferens;a sexual na história, convencida da insuficiencia de urna reflexao sobre as invariantes antropológicas. esta história é, conseqüentemente, prornessa de diversidade tanto nos fatos quanto nas representas:oes.
A HTSTÓRIA DA HISTÓRIA DAS MULHERES: CIRCUNVOLU<:OES
a
:u.
corH.Ji\=li~,;!-. hr,tórrca~. jogo 'ernovente e po..,,urJor de Jrferente!'. !'. rgnifica¡;:oes, sen • . . lll par¡¡ lllu!'.trat 4ul- u~ pap~t:-. '>I.:AUdJ~ ~e ~.uu:-.ltllllallt para lut..1r ~.:ulllra qualquer Ion
de rndifcrencia~ao sexual. con~iderada mortal para todas a~ !->O<.:redades. 1 Co,:~ ' . . veremos ad .rante, dez ;mo.s mars tare:1e, as pro bl cmatrcas rntro d uztdas, nc,,11¡ momento, pela histórra cu ltural e da!> repre,enta<;:oe-., \Criam retomada::. hrstorrografla das rnulhercs ~ Outras questoc-. meno~ teóricas c-.tavam. contudo. em cur~o nos ano, 7fr Vale krnbrar que o rno\ tmento femini\t,t comporta\a, nesse momento, unw dimem,üo utópica da qual extraía toda a o.,ua for<;:a Tratava-se, entao. de mudar 11¡¡0 apenas a cond r ~ao das mulheres. ma~ a socic<.laJc interra, oponJo a glorifica~ao da produti vidadc. da compcti<;:ao e do suce ...so económico, valores voltados para a qualtdadc de vida. a rcalizar;ao pessoal e uma <>ocicdade mais humana. O projcto femtlll\ta se propunha revolucionário e. ne..,..,e '>entido. ele fraca ....ou O mundo do trabalho como o mundo da política. que rmplica domínio do' sentimento,, do~ emo<;:ao cm face das exigencia.., da concorrcncia ou da brutalidade da" rela¡;:oe, de poder. eram pouco compatíveis com o frescor da 'ua utopta. Ma~ mesmo que es,c~ objetrvos tcnham se dissolvido na integrac;ao como mundo real , o olhar femmino e feminista sobre o mund0 procurava trazer urna outra dimensao as coisas. Na prática. os anos 70 foram rambém aqueJes do controle legal da procriac;ao. pela contracep~ao. bem como do aborto. Contudo, os obstáculos ao controle contraceptivo ligado a questoes religiosa., ou a situac;áo do., países cm desenvolvrmento, como o Brasil, faziam pe<;ar, "obre os ombro.s das mulheres. um pesado fardo. Havia outro:- freros a realiL:ac;:ao uas mulhercs, mesmo no<; países dilO\ ricos O desenvolvimento da crise economrca e o das famílias monoparenrais. na~ quai.;, a o., mulheres desempenham o papel de chefcs. assumindo ao mcsmo tempo a educa~üo das crianrya<~ e -;ua subststencia. conduzru-as, no mats Jas veze~ it margrnalrL:ac;ao Poder-se-ia. ainda, faJar de realiza~ao pessoal quando o limite da pobrt:!z.a nao permitía sonhar com outra coisa que a sobrevt vencra drária? 17 A prática científica, por meio da pesqur'ia e da produc;ao intelectual, sornada a concli<;:oes de vida matenalmente drfícei s e hostis a implanta~ao do projt.:l0 femintsta, levaram as pnmerras revisoe.s sobre a htstoriografta ua mulher. Nos tlOll.'i 80 e depoi' de urna farta produc;ao. os hrstolladores se perguntavam em que 0~ estudos .sobre a mulher teriam modificado a htstória tradrcronal ou renovado seu~ método-;. Algumas hrstoriadoras afirmavam que "sem tazer novas perguntas" era difícrl fa7er urna histórra dtferente. 18 A verdade é que, dtferenternente de outrJS crencras humanas, como a -;ociologia, a história nao tinha conseguido concretrzar a.~ necessánas rupturas epistemológicas a fim de realrzar uma redcfini¡;:ao e utll alargamento de noc;oes tradicronais na ciencia hr.,tórica. Rupturas - diga-<.e Je passagem - nas quars se levasse em conta a experiencia pessoal e subjetiva. <1'·~ 1111 como as attvidades públrcas e políticas Hi..,toriadora<; americanas rcagrJtll sugerindo errar nao apenas uma nova h1stória da~ mulheres. mas urna nova h1stórtll (>
Pt./
222
• ut court"! 1'1 Mas tu do se esboroava. Nao se tmha consegUidO revolucronar a ~~nc.:ia lli!-.tónca de dentro para fora m'crevenclo aí uma diferen~a \exual que fosse das fun<;oes e papéis coJrficados pela-; soctcdades mascultnas Constatava-se 8 ee csrno tendo revelado episódros inéditos do passado das mulhcres. como as 111 ~~a~ femilll\tas. a história Ja~ J¿sbica~ ou o papel das mulheres no trabalho e no lar, ;tava-'-e condenando a fazer uma hi!->tória paralela Dua' ra70eS erarn invocada" para explicar o-; problemas acumulados pela tusll)ria da!> mulheres: a falta de retlexao sobre a especificidade do oLJeto e a aplic.:a<;áO de categorías de pcn-.amcnto que nao eram egressas da história das rnulhcres. mas da história "trauicional". A nova ft-.ionomia que a disciplina histórica tinha adqurrido nos anos 70, com a inclusílo de "novos problemas e 21novos objetos" an bém foi alvo de críticas.~0 O estilhac;amento - ou "émietrement" - da história, 1 1 que se seguiu, parecía enfraquccer o sentido mcsmo da história e, mais ainda. da história das mulheres. Ao lado de e\tudos sobre a coltnha ou o clima. acumulavarn--.e biografias de rnulheres célebre~ e romance~ histónco~ num cmaranhado resultado. A história demográfica. por cxernplo, com a pretensüo de mferrr a atitude das populac;oes em face da contracep~iio, as taxas de fecundidade e de ilegitimidade, ignorava que nao existía adcqua'fiiO entre as resposta..o., mstitucionais das mulheres ao casamento e seus comportamentos sexuai'> e afetivos. ''Era como se as mulheres 22 dissessem tudo o que fazem e fizessem tudo o que dizcm"! Em vez de deixar-se contaminar pela corrida da pesquisa histórica na direryiío de "novos objetos", fuga que, apenas, mascarava o vazio deixado pela teorra marxi!.ta da hrstóna que alimentara. até entao. uma grande parte das pesquisas. era tempo de perguntar-se por que fa7er a história das mulheres nao era a mesma coisa que fazer a hrstória do movimento operário ou mesrno, a história do corpo e da sexualidade. E por que? Porque o movrmento operário. por defini9iío. já tinha um lugar bem preciso na dinamica social e tornara-se. por isso mesmo, um ator inelutável de uma histórra económrca e 'ocial. enguanto as mulhcres nao tmham papel, senao aqucle sublinhado pelo padre Manuel de Arcenraga de!>de 1724:
c;:Jll
A mulhcr úcvc esta1 SUJCila a scu marido, revercnciar-lhe, qucrcr-lhe, ob~cqu~:~r-lhe, nao devc fa;cr coisa alguma scrn ~cu con~clho; scu principal cuid.ulo devc '-1.!1 educar e mstruir a scus filhos criqamcntc. cuiúar com drligcncia das cor~as de t:asa, nao ,arr úcl.t '\Cill necessidadc e permi'>!>:lo de '\CU 21 marido.
Outra razao para a~ dificuldade!> cm fa7cr urna história das mulheres era a ~:n!>~ata~ii~ do silenc~o a que 'e era confrontad~ ao fazer uma interpretac;a? ~as . nt~.:s Nao havra pr!->tao., nem m;1rcas. EJa.., nao nos derxaram suas propna" ltnpressoe, no material ht!->tónco levando os crítico.., dos anos 80 a outra pergunta· o
223
que é a hi.,tóna quando se é mulher e de que mancira ~e participa, ou nao, enquant mulher do proce.,,o hi,tónco> Era preci'o nao e-;queccr que "" h•c;tonador.¡" rauoc111avam -;obre fato-;. evento!., si-;rema-. polít1cos. estrutura~ socia1, ~ 1deológ•cas CUJO !.enttdo, para as mulhere-, do pa~sauo, conllnuava de:sconhectdo. Uma coisa diziarn é afirmar que a~ rnulhcrcs nño tmharn condi<;oes d. 1ntcrft:rir diretamente sobre os fatos históricos, outra é mterrogar-se sobre ~ d11ncnsao de um tal fato na vida das rnulheres. Os hrstonadorcs estavam sensíve ~ ao fato de que a percep~ao do tempo nas mulheres nao era a mesrna dos homcn, clas cstavam eternamente encarregadas de perpetuar e mantel a vida, enquanto ele~ tmharn a cscolha potencml ele transmitir uma heran~a. defender ou estender o seu temtóno farmliar ou nacionaL ou seJa, de fazer a guerra que fora, até entiio, um do, pnnc1pa1s motores de transformac;ao e domina~i:i.o. Era prec1so admitir que a história das mulheres só come~a\a quando urna delas romp1a com o círculo infernal da hl'>tóna mao;culina e de suas lers, para tornar-o;e fonte e maténa da dinámica social. Era, também, preciso nao esquecer que nos anos 70, o interesse pela históna da, mulheres man1festou-se como fruto de vánas rupturas que as levou a buscar, no passado, uma exp li ca~ao para a sua opressao e para a sua rebelrao. Ao final des!la década, as historiadoras femini stas admitiam que a história das mulheres nao podía rcduzir-<;e nem a um combate por um estatuto igualitário ne m a urna guerra de o;cxos. e que era difícil reconc;tituí-la na sua divers idade e complexidade. Parecialhes que a h1stóna só retinha na ~ua mernória aqullo que c la era capa¿ de entender, quer d1zer, tudo o que ernanava da norma masculina e de urna rntegras;ao a h1stóna 24 dos homens e de suas leis No rnício dos anos 80, a história da~ \ 1tónas desconhecidas ou da~ conhec1das humtlhas;oes da~ mulhere~ de1xa de mtere~~a r um grande número de histonadores. 25 Eles reconhec iam que fora preciso tirar as mulheres do silenciO e do esquecimento, mostrando os incessantes episódios de sua lutas, as incansávers forma~ de resistencia com que se inscrev1am no tecido soc ial e histórico, o !>CU abandono pela memória colet iva. Até reconheciam que o poder masculino Jhe~ cedera u m lugar no "hit parade'' da hi stória: e las vendiam, apareciam nas vitrine~ da~ lrvranas e assim nao podiam queixar-se de que nao tmham eo;pa~o . Ma-; era preciso, contudo, reconhecer que a manobra era deliberada. O tal espa~o era controlado, tratava-se de um lugar prev.amente assmalado, do qual nao se saía !>CIU algun\ arranhoes. Para estar na C\tante de bibliotecas e Ir vrarias, as mulheres tinhJJn que abrigar-se sob o guarda-chuva das minorías étnica<;, nacionais, religiosa'> ou !lexuais. Era importante, entao, mterrogar-se sobre essa rcabilita~ao. Existiría, da. de fato? A tolerada diferen9a nao seri a urna dusao? A solus;áo foi mudar a abordagem. T ornnva-<;e urgente abras;ar o canlP0 históm:o como um todo, sem re.,tringi-lo ao território do femin ino . Era preci~O 1nte1 rogar as fontes documentai-; -;obre as mulheres de outra maneira. Doravante. a 11 div¡-,Jo se.xual dos papéis é que ~eria sublrnhada.~ 6 Tena sido Jm,tamente sobrt:
1
224
parulha entre homens e mulhercs que o silencio da história se abatcra com maior
JIC'o Des<;e c;ilencw, o mascultno <::aín wnn ·dN ín'-'crito na trama dos fat m hi!-tóncos. enquanto o feminino desaparec1a dua'i \Ctcs urna primeira vet. -;oh a Jomina<;ao efctiva do poder masculino e sua knta 1ntegrar;ao u um papel que lht. lo1 impo'>to. Uma "egunua vez, c:-.conu•da pclu lllt.:IIIUI ia t.ukt1va e política que nüo falla surgir das ..,ombras do evento masculino. Eo;ta segunda ocultac;ao parec1a ma1s escandalosa. A mulhcr que se cncontrava no-; arqu1vos impunha urna prescn¡¡a. ao mesmo tempo natural e par.ldoxal. Natural. pois. evidentemente, ela estava lá todo o lempo. bla eslava prt:~en te de forma rmportante. necc,-.,ária. .10 mesmo tempo pacificatlora L re\oluc10nária. Ela era prescnr;a eloqüente. trabalhadora, móvel, agitada. tecunda. dt:'l.'jante e deseJada. Presen~a em rela~ño com o mundo e. entre outros. com o mundo mao;culino. Natural e parndoxalmente no lugar onde se instalara, \cm pcrcal9os. a supremacta ma~;cul ma: o político e a memória. Urna 1mensa '>aga de amnésia a submerglll. A prova é que nos arqurvo., a encontramos entre a arraiam•úda, os "de baixo", o povo. Ora, asseverava-sc importante destrinchar a h1stóna de outra mane1ra, buscando nas atitudes e sensibilidades colet1vas, nos fat os e práticas cotidianas, os espar;os onde se abrigava a rela~ao homem-mulher. E'>te olhar diferente obrigava, inicialmente, a 1dentificar a rnulher em cada lugar observável, e eles nao eram pouco11. Era preciso nomeá-la, reconhece-la e compreender em que circunstiinc•a-.. nem sempre evidentes. ela fo i espoliada na sua rela~ao ofk1al com o mundo masculino Explorada nao por falta de pre<,en~a, mas exatamente em fun~ao dessa presen'ra. Intere~~ava, entao, muito ma1s saber como func ionaram os mecanismo~ famili ares. sociais e políticos para sufocar a mulhe r ou dela fazer pior imagem, do que denunciar em altos brados que os textos do século XVIII eram mrsóginos e que colocavam a mulher nos bastidores da história Poucr-se-.a afirmar, sempre, que tal e qua( escritor, padre, pregador, filósofo ou méd ico do século XVII. tinha enorme de..,prezo pela mulher Esta'> afirma~oes nao csclareciam coisa alguma e fazmm o hi,tonador cair na armadilha fácil de achar que o passado era "um <~traso. um horror''!. Era muito mai-; importante conhecer O'> instrumentos e engrenagen., que motivaram ta1s imagen-; e por que elas o;ub-,istiram, era muito ma1s rmportante entender quais mccan1-;mo" ordenaram o poder masculmo no sent1do de -,ubmeter a mulher, ocultando toda a <.,ua atr v1dade ... Ma~ enguanto esses questionamentos e\oluíam no estrangc1ro. vejamos o que acontec1a no Brasll. 27
A HJSTÓRIA DA MUUIER NO BRASIL Urna pnmeml pcrgunta: em que medida esta" c•rcunvolu~oes da hi,tória da tnulht.:r, feita~ entre Europa e Estadoo; Unido'>, atmg•rarn a produ<;ao da me..,ma
225
h1~tóna,
no Bras1l? Tratar-se-ia do~ mesmos silencios, da~ mcsmas faltas, do, mc.;.~rno~ obJdo~ t! abotJagc.;.n~? Qu~... tipo Je refkxao ~e fazia, dcstc lado do munJo? Como recentemenle diagno<,t1cou urna hi<;toriadora, O!> e~tudo!> sobre bra1.ileira.,2~ -;endo vistos ora como exprcssao de um problema fcmtntsta, ora como simple~ curiosidade. penódicos sobre o assunto '>iiO raros e circulam em círculo~; fechados. arendcndo a urna clientela restnta e que se alterna, ela me..,ma, enrre a lettura e a prodU<;ao de artigos l
6
in:-.ttga, cerramente, a urna crítica sobre o papel das pesquisas e sua eficácia no . gera 1'4 • contexto aca demtco mats . O diagnó.,tico já mencionado·~ aponta para outra característica importante! para o desenvolvimento de urna h1stória das mulheres no Brastl: ela tena passado por urna verdadeira revolu<;ao documental, pela redescoberta da pesqutsa etn arqu1vos. por temas no <>eJO dos quai:;, descortinavam-se as mulhcre~: sobretudo a f.unílta ou a demografía. A mfluencta da Nova Hutóna em curo:;o na Europa colocara também entre nós o de!>afio de pensar a sexualtdade, a cnminaltdade. o~ desv1os. As obras de Michel Foucau lt, entao traduzidas e publicadas, incenttvararn. por -,ua vez, o que no jargao academtco convencionou-se chamar de "hi\toriografia
da transgressiio".' Y<1rios historiadores, dcbrw;ados :.obre as f'ontcs egressas das n~titUJ90C" de poder ., lgreja ou n hstado varriam o.., c"caninhos da vidu social ~() Bra~il colonial e tmpcnal, e também republicano, em bu~ca de prática~ que se Jesv 1avam Ja norma no campo dos amores e do imagínário Surgtram, a-.~un, em 1h d . . . d as concu b.1na:-..·17 , d as prostttutus . rtiuos, tese!> ou l.tvros, a" 111stona" , as cscravas ll ew olll • • .¡¡ .p .¡ 1 ~beldes , das fretra-, , da~ le~btcas , da., dcflorada~ -. das "mal falada-;" , das 4 46 1 47 44 · . t'emtntsta' . D eva..,o.;avampt:cadora'> , das ·'d01'd as " ·~ . das pob res , uas escntoras ~L' procc'>sos de toda a ordem, lugar me:-.mo da tran'>gres..,ao Interrogavam-se , p mulheres do Norte.ts ou do S ul 4'> do pa1s. or oulro lado, procurava-sc compreender a perseguu;ao movida por alguma., mstituic;:ocs de poder masculina., (a TnquiSt\=ÜO, a Igreja, a mag1!>trarura, a polícta) contra e~~a~ que eram apresentadas t:omo <...apazes de urna surpreendente bricolagem cotidiana, quando bricolagcm ~ign1ficava invenqao, engcnhostJadc, e a capacidade de criar, na prccariedade do dw-a-d1a, a mal ha ma1s ftna do tempo ~ocial e m torno do qual a história ~e fazia. ~o A msptra~ao vmda de fora, na escolha do., tema~ e no recorte das abordagens era mequívoca. Muttos htstonadores bombearam na história da família feíta na Fran~a. Inglaterra e Estados Umdos, temas que foram, dcpois, escrutados contra as fontes documentais encontradas nos nossos arqutvos. Era normal que assim o fosse. Nesse momento, o casamento entre a vulganza~ao da história e a iniciatt va de editores arrojados 51 ..,ervta para fazer ctrcular, pnmeiro no estrangetro e depois aqui, urna enorme massa de publica9óes sobre temas hisróncos que acabaram por tornar-se verdadeiros marco!> dentro da disciplma. A pre-;en~ta de histori adores americanos, trabalhando na mesma área, acabou por estabelecer um diálogo agradável, digerido posteriormente, no coro da produ9ao brasileira.n A explora~tiio de fontes documentais e arguivos, que até entáo nao susciravam ma10r interesse. foi fundamental para o desabrochar de urna ht'>tóna da mulher no Brasil. Na e!>teira dos demógrafos histonadores e dos historiadores da família, os arquivo<; passaram a ser visitados e seus documentos compulsados no !>entido de deles extrair alguma luz sobre a história do.., grupos subalternos. ~ 3 As mulheres sao encontradas "nas margens" junto com outros grupos como os 7 "' , d' H . d . V> -.liCravoc., ~.¡ , os m tos·· , O!> JU eus e cnstaos-novos , os e as homosexua" ~ s-ao martas e mortos que falam, contando sobre a violcncta ou a humilhac;:ao que l>Ofreram, sobre os pra¿eres que tiveram. Essas vidas corrique1ras, absolut.tmente ordinárias, capturadas nos arqu1vos de polícta ou ecle~iástico permüem, de fato, aU\CU)tar as VOZeS fcmtninas, mas naO nOS enganemos· eJas SaO OliVtdaS a Juz do~ constrangimcntos 1mpostos pela<> prát1cas de poder que orientam tal e qual tnterrogatóno A partir de resto.; de discurc.,o, de fragmento!> de vidas é que o ht,toriador con:-..egue, entao, perceber as formas de rac10naltdade que modclavam as Práttcas e as attvidadcs, as rela<¡:oes \OCiats, él'> rela96es entre mulhcre.o; e homen\ 511 h' . f. Importante lembrar que neste momento os utensíl1os de trabalho do lstonadol ganhavam um almdo importantíssJmo: o computador. A explorac;:iio de
226
227
o..,
Mu/her, mufheres, Rebeldtu e submtssiio, Emre a virtude e o pecado, Novas olhares: mufheres e relaroes de genero no Brasil, além de um número especial do Caderno de Pesquisas, revista trime~tral da Funda9iio Carlos Chagas. No ano de 1996, a Funda9ao resolveu suspender os concursos para h1swnadores. A dec1s1ío
grandes fontes senms permitía dominar corpu.\· até entao inaccssívci<; por su amp!Jdao. transfonn::mdo o.-. ~·m quadrm de cilrJs e gr:íficns M·.ts nao só. ~ computador introduziu a possibll idade de trabalhar com u m número mais elevado de vari;}v~.;ls, a.Judando o hí~loriador a re~titu1r o objeto a um cenáno bcm mal\ dtversificado, cm vez de cruzt~r, símplcsmcnte, doi.., ou tn!s t:kmentos. A informat1ca, pernuuu. também. que o hi tarde. quando a ht'>tóna retomava <;eu intcrc..,,c pelos mdivíduo-, e suas rraJC!6nas. o computador passou a .,er um dtligentc ge-.tionáno de dados qual1tativo-. O poder do computad~r permlliU, cntao, identificar individuos descrito-. por fonles difcrl.!nte-;, estabelecer a listu e o l.!ncadeamento de textos, de idé1as, de opinioes, de reconstituir o campo semantico de urna palavra ou de um nnpus. Documento" como a!. lio;tas nomtnativa-. de populac;oes, o" processo'> e denunc~ar;oc<; d código~ e regras que lhes eram impostes. Partindo das per-;onagcn~. ou das autoras. os histonadores tra9avam '>eus pcrcurso" tnte rrogando-se sobre suas experiencta" 1! c;;obre o modo de formar;ao de suas Identidades '>Oc1a1s. Nao apenas as fonn: ' lireránao; foram extremamente úteis ma<; a colaborac;ao direra de c1ent1stas vmdo~ da área de literatura foi fundamental. E por que? Nosso'> colegas literános. egressos dL' urna disciplina precisa. que pos-.UI discur.<,o e métodos própnos, intervteram sobrL' algun'> ponto" nevrálgicos da clocumenta9iio cm questao. Esta intervcnyiio, extern•• ao trabalho do histonador, permitiu-lhe importar conccitos e confrontar interpreta<;oe~. Tal acréscimo de mobiltdadc e ltberdade <>Ó resultou em mattlr 1nteligib1ltdade das fontes Como nao há uma epi-,tcmologia tn<>tituída. a prion. ntl' esrudos ..,obre a mulher. a colnbora~ao re;;ultante de pesqutsa'> tranwersais resultnll
na importarrao pontual de conceito~ ou mc-.,mo na comparac;ao de discur..,os - o htt!r.ílio ~ o htstórico. O encontrn de dtl:l" dt,ctpllnas e de duao., metodología.., nan refor~ou nenhuma teoría .,obre e-,tudos fcminino,.,, ma-., certamente, revelou trabalhos de grande qual1dadc.c.<> Das fontes litcrárias imprcssas, passou-sc ao e~tudo dac:; fontes seriais, uu nao, da mídia L:Ontcmporanea A~ revistas feminina-; re,·elaram-se um terntóno fértil para pensar ou reler a hi-,tória das pequenoburgue..;as, das leitoras urbanas. fazedoras de urna cultura cono;;ervadora e ¡J¡;nrtficada com as regra~o, 1111posta~ pelo btatlo e a lgreja. Nas p<ígma!i coloridas do~ magazmcs Jesfilam modelos enraizados cm símbolos "a rainha do lar". "a amií tdeal', "a abelhtnhc~ trabalhadora" , condutores de todas a<; forma'> de 111 expressao que penmtcm as mulheres reificar, scm resistencias aparentes, saberes e autudes dtante da vida. As revl'ilas feminina\, mvasmas dos espa<¡:os públicos e do" pri· ados, a.Judam ainda a intcriorizac;ao da domina9ao ma<;culma pela mterferencia J1ret.l no imagináno feminino A.., tensóe-.. ;' ontudo, exploJcm nas '"canas da" (eitoras" onde se descobre o frilgil equilíbno t:!ntrc as aspirac;oe.'> e ac;, realidades das mulhere~ e,, A mesma invasüo do imagimíno encontramos nos retratos dao;; heroínas 61 . - ou nas 1ctras d as mus1cas , . de f..1l mes67 , d e nove 1as d a te 1cv1sao popu l ares. · A s representay6es visuais tém, elas tarnbém, nma correspondencia como modelos ideológicos de urna soctedade. e elao; aJudam o histonador a percebe-los. Estudos sobre o unagincirio da mulher na cultura brastleira permitiram reconstituir um conjunto de representar;oes que transbon.lam para além da-, constatac;oe<; da experiencia da'> vida<; feminmas ou do encadeamento dedutívo que e~tas autonzam Os historiadores continuaram a proceder de forma eclétH.:a, t1rnndo daqu1 e dali. o que lhes parecía ma1~ imporrante para "fuzer história", maic;; eficiente para compreender as fontes documcntais. mai<; vülido na determinayao da abordagem a ~cr utihzada. E<,Le empincismo - nao nos engancmo.., - é o solo no qual se con<;trol a própria disciplina e é parte de sua mextndvcl natureza. Nesta perspectiva, outra abordagem utilizada com exito para ouv1r a hi.-.tória vínda de baixo baseou-c;;e na históna oral e na recuperuc;iío da memória feminina. Tomava-se, cntao, indispensávcl reabilitur a subjetividadc e tntroduzi-la na 1ntcrpretar;ao da.;; fontcs, ao nívcl do observado mas. também, do observador. A hi'>tória oral msiste sobre e~te aspecto que, altá!., desabrocha nao; entrevl'>tas A consciencia de falar de um ceno lugar- aqucle. emre outro-, da opressao. da ocultar;ao e mesmo aquele que '>Cpara pcsquisadores de pc~qUtsados - acabou por destruir a preten-.a neutralidade da ciencia histónca. E\ocando a 'ubjetividade Jo pnvado. a história oral <.1Judou a restitu1r-lhe a d1mensao 1 Política. dando r.;ignificac;iío polít1ca aos di-,curso.., pessoais da~ mulheres. w A oralidadc perm1tiu, assim, 1csgatar a identidadc e a vida daquel.ls que vtvcm no anonimato: donJs de cao;a, soltcirona.-.. viúvas, empregada~. trabalhadoras. ou rruscrávc1s Quanto mu1or a sua opressao. tanto mais importante dar-lhe-, voz. pots ~0 ntar a '-lltoriaJorcs bra-,ileiros tem d.tdo extrema atenc;ao ao fato Je que tal'-
228
229
lembran¡;al> e memória-. apóiam-'\e em convcntr6cs e no<;6es culturais capaze::. ou 11 ~ de dar crcdibiltdade aos relatos de mulhcrcs.~>~ Há toJo un1 ~ullll:>..tu ~.;ulturaJ u~ h1stórico que os embasa, que imga estas vozes do silencio. Mas diante dos preconcenot: contra a h istória oral ¿ 1mportantc, contudo, niio esquecer que a oralidade é subjaccnt ~ a ludo o que se escreve em Hi-.tória e que grande parte dos documentos antrgos sobr~ os qua1s trabalha o historiador foram produz1do., pela trad1~ao oral. Mas a hi~tóna pode 'e faLer também a partir de palavras, ditas na privactdade, que se transformaram em texto-; esenio\- em l.hários, por exemplo Aí nes::.a infin1ta divers1dadc de palavras. na unensa complex1dade dos fato~ cotidianos, o hil>toriador trabalha, ordenando as particularidades. Reagrupando a\ memóna-; femin1nas derxadas em cartas ou diários. o historiador ve-se diante do campo dcsconhec1do das rela<¡:oes e eventos cotidi<:nos, das rela~oes de for~a e dt: poder microscópicas mas re;us que emanam do campo da pnvacidade ou do campo económiCO e socral. As memórias femminas 'iiiO entao convertidas pela linguagem e pela escritura do própno historiador. pot" é ele que lhes dá sentido, ordem e legibilidade.cm Pnvacidade e intimidade nos remetem a outra questilo da história das mulheres: a mulher e :;eu corpo. Quantas vezes os médicos e alienistas o interroga1 a m, aventurando-se e m exphca~oes sobre o o;eu func1onamento ou o;obre os mecani'>mos do parto, da nmfomania, enfim, da loucura? Nos livros e teses escntos por homens, o corpo feminmo parece uma ctdadela a ser submetida a~ regra-; de um novo saber: a medicina. Deste corpo escapam tantos segredos que é absolutamente necessário rcduzi-lo e adestrá-lo. Por trás da idéia de um corpo que é também terra desconhecida, cartografía ilegívcl a ser devassada pelo conhecimento ObJetrvo. exrste rgualmente o reconhecimento do corpo enquanto uma potencia que desafia as argúcias do saber mesmo quando ele chega a compreender as obscuridades da fisiologra feminina . Os textos médtcos defronram-se com a descoberta da violencia femmina: a vtOiencJa que brota do corpo da mulher no paroxrsmo de seus síntomas, de .'o.Uas cnac;oes. Embora nao esteJa e.'o.crito em parte alguma que ela possa ser vJolenta e poderosa e o que se lcia, na maior parte do tempo, seja sua fragihdad e e vulnerabilidade ante o homem, os casos médicos revelam outra hi~tória. Eles nos contam sobre a inacredttável vitaltdade feminina, J vrolencra de suas entranhas, os sobressaltos de seu ventre, a for<;a de seu punho. a voragem de seu inconsciente. No,., documentos dos séculos XVI ao XfX, os médtcos parecem apavorado!-1 d1ante de u m tal caos de possJbJiidadcs e eles parecem ~alocar sua técnica a servi~o do medo que a mulher lhes insp1ra; eles estilo lá para exorcizá-la (,? Violencia, medo, dcsejo, tudo 1sso se mi•ltura e o encontro com tantas diversas realidades os inc1ta a cnar estratégiao; que setao ao; da dommas;ao Prostitutas, maes pobres Jnfantit:tdas, loucas, desesperadas desfilam ao~ olhos do' histonauorc.'o.. A soctedadc sobre a qua! eles ...e debru<;am parece-lhes aprisionada
230
uJlla contradic;ao que só -.creí rc.,olv1da mais tarde. a mulher precisa ser protegida
:. ~ da pO.'o.'-lll urna fon¡:a e u m leque 1.k pussibtliJaJc;;.-, l.jUC dt:~armam qualqucr um 1 Uma outra maneira de saber. afinal. qucm é a mulher na história é detcr-se
1
os trabalhos sobre a históna do femrn1smo. lnicialmente efervescente e combativo,
~ tllovimcnto femimsta no Brasil encontra-se. hoje. num estado de mterroga~oes, ;tmbtvaléncias e contradi<;6es. resultante,., de -,eus sucessos. ma~ também de seus
fraca~so:.. No campo da pesqu1sa, o femrnismo cnou. por sua vez. uma traJetória a parte. Na~ há nenhu~a rela~ao en~r~ a históna da rnulher, ~omo e la vem send? _fetta
por histonadores soc1ats, e a htstona do femrmsmo. A pnmetra nasceu de vana~ e va'i abord<.~gcns e métodos da história socwl e n segunda, do trabalho de pesquisa 00 de cientista" o;ocrais feminic;tas. No primeiro caso, a transdicipl1naridade dá o tome hrstoriador inscreve a história da mulhcr em um objeto de discussao ma1"' 0 abrangente. podendo este o;er a demografía. a família. a ferttc;aria. o ::.exo. a crinunaltdade, a literatura, o trabalho, etc No segundo. destaca-'\e o esfor90 de desenvolver uma reflexao, nao necessanamente dentro da univer.,rdade. :nas a sua ~ombra. Grupos feministas infonnats, alternativos, comumtárioco; extraem a energw de seus trabalhos da experienc1a e da vivencia cotidianas. Mas seu isolamento intelectual e as caracteríc;ticas tautológtcas de ~uao; teses os tornaram uma categoria a parte na historiografia. Até o~ anos 80. algumas teses foram defendidas tentando6 unificar as duas tendencias, cu¡as diferen~as. a partir de entao, '>e aprofundaram. R Depot~. os caminhos se b1furcaram e os avan~o~ político!> feítos pela mulher deixaram de ser objeto de estudo para hrstonadorc<;. No início dos ano~ 90, um conceito importado chegava ao Brasil: género. Seria o ftm da história da mulher e o iníc1o da história de genero? Acreditamos que nao. Mas veJamos, primeiro, o que se entende por "genero".
HISTÓRIA DE GENERO ÜU HISTÓRIA DAS MULHERES: MUTA<;ÁO, UMA ALTERNATIVA PRAGMÁTICA ÜU UMA NOVA LINHA DTVISÓRIA?
Na metade dos anos 70. histonadoras americanas como Natalie Zemon Davie ... e Joan Kelly. entre outras, registraram sua cren9a na necess1dade de estudar e compreender os grupo., de genero no pm....ado, a cono;tru<;áo dos papéis ::.cxua1s, seus o;cntidos e signifJcatr5es. É 1mportante sublinhar que essas dua~ histonadoras. especwlic;tas em históna moderna européia. tJnham sido veementemente exposta~ aos novos rumos que vinha tomando a hi<~tóna social - voltada, entao, como já explicamo" para históna da~ mentalidades, da vida matcriíl l e a antropologw histórica - na Europa. A mesma Europa que sediara suas pesquisa<; na abordagem 69 rnars tarde conf1gurada como urna ampla hi<..tón,l cultural. O mteresse pelo concelto cresceu a partir de urna di-.cus-.üo fetta por Jo,m 70 l
23 1
necc~'idadc de encarar o sexo como urna categoria necessána para a anülisc ~Octal . a~ relacoes entre o' ~ex o" refencl(l" 1.. mudan~f1s htstón cas. Ob: ~crvc-,~.,. quee coinc1dentememe. na han~a Ja se fazta urna hi ... tóna da~ relarroes entre home ~
No Brasil, esta questao ainda nao fo1 explicitamente fagocttada o;ob o ponto de v1sta teórico, pelo menos entre histonadores. 7 ' Nao podemos afirmar que já exto;ta, aqui, urna tendencta epl.sternológtca definida '>obre o ac;sunto. Na sua grande maioria, os historiadores conttnuam preocupados com as mulhcres, nas suas rela¡;oes corn o' homens, no interior de recortes temático-; que como mostramo~. podem ser os mais variado<; Por outro lado, inúmeros grupos de pesquisa imerdtsciplinar, muitos deles localizados em faculdades de Educa¡;ao ou Higiene e Saúde, outros em torno de centros de estudo populac¡onal ou de trabalho, acabaram por adatar o conceito ern busca de urna catcgoria analítica que de canta da forma pela qua! homcns e mulheres v1vcnciam suas expenencias- históncas ou nao -de forma específica A impreci<;ao conceitual e o desconhecimento de uma compreensao homogenea sobre o que seja "género" conduz, muitas vc7es. a equívocos como a utilizar;ao da varíável genero cm tabela.., sobre 11cxo. Algun~ centr•)~. originalmente transdisc1plinares, acabaram optando pela cria~ao de núcleos com rec..ortes bem definidos do t1po: "genero e hí,tóna da educa9iio" ou "genero e afetividade'', na buo;ca de resultados mais objetivos para <;uas pesqutsas. Além de nao ter ..,,do sul1cienremente digerido por historiadores, o conceito de genero nao dá conta de algun' problemas que 'iurgtrarn na hio;tonografia
brasilctra mai11 recente. Nesta, ex1stem dois eixo'> que organinm, grosso modo, a p1 ,,Ju~á0 Dt> um lad~ trahalhos e en<>aiO~ _sobre .~, r~~reser~.ta~o:" da m_ull~e~ (na literatura. na ll:onograt1a, nos d1-.cursos metltco~. ctenltftcos, ftlosof1cos e JUmllcos) e Je outro, trabalhos e ensaio-. sobre u htstória -.ocial das mulheres (famílra. econonua, dl!mografia. etc.). O conceito de genero, 'íegund0 algun" autMe<; devena servir para corngtr o empmsmo. um pouco ingenuo. que caracterizaria a hl!-.tóna da rnulhcr feíta até entao Esta corre¡yao permitiría me~mo o quase desaparecimento da rnulher. poi-, do ponto de vtsta teórico ela nao exi-.tma. Sena. apenas, o resultado da "con..,tru~ao de discur ... o<> convergente\ filosóficos , reltgio .... o-.. médicos. ctemíftco'>. enltm, de urna "constnt~ao" que tem que ser desconstntída . nos moldes sugeridos pl1r Jacques Derrida. 7 Como bem lcrnbra Gtanna Pomata .¡. a lmtória do genero compreendida como história da construyao social, através de di"cursos e pníticas, de categona' do ma~culino e do femmtno é legítima e representa um lerritóno útil a pesquisa ht,tónca. Ma' nao podemos confundi-la com a h1stória das mulheres nem, tampouco, obliterar a nece<;sidade de uma hl!-.tóna soc1al da' mulheres. A tarefa da h1stória das mulheres- insiste a mesma autora, com a qual concordamos- nao é a dcsconstmc;ao dos d¡<;cursos mascultnos sobre as mulheres, ma<>, s1m. a ultrapassagem da pobreza do.., fatos que tomou a vida dessas atoras socmt'> tao descarnada. É prectso fazer urna históna erudita, baseada num máx1mo de informayócs, guiada por um f10 que condun, através da realtdade concreta, ao fato matenal e soc1al, históna capa¿ de criar um entorno que nos ajude a compreender qual o efello prát1co des'ia avalanche de Jrscursos ~obre a vida da mulher ou qua1s ~ao as rela<;:oes entre di.,cursos e práticas. A respe1to dos esrudo'> sobre a' mulhere-,, Roger Chartter fez algumas observa96es que também devem ser levadas em conta, uma ve7 que rncitam a reflexiio sobre de como pensar a d1ferenc;a, além de rcflettr O<; pressuposto:> da história cultural na hrstória da<; mulhcres É fundamental niio redu7ir as clivagens entre homem e mulher a um único princíp10 de dtferencra9ao (o sexo ou o genero), mas focar a aten<¡:ao sobre os usos sexualmentc diferenciados de modelos culturai<; comuns aos dois sexos. Nao devemos, poi11, nos contentar com o diagnósttco apressado que caractenza a cspecific1dade a partir de uma d1fercn<¡:a (sexo masculino ou feminino, genero masculino ou fermnino) mas defimr a nalureza de~ta diferenc;:a. d1ferenc;:a que imprime sua' marcas nas práticas feminina..,, ma!- que encontra sua lógica no código de comportamentos partilhado pelos do1s sexos. O cssencial nao é opor urna defini9ao htstónca e urna deftni~ao biológ1ca da opos19ao masculmo/fcminmo, mas de tentar identificar, para cada configuracrao htstónca, os mecani'>mos que enunciam e representam, como um dado "natural". logo, b1ológico. a divisao social - logo, 7 hi~tónca- dos papéis e fun~oes exerc1dos por homen'> e mulheres. ~ Se todos estes comentários trat.em lu7 ao debate sobre a históna das 76 mulheres. ele-. nao definem a' caracterí!.ttcas do que fazemos no Brasil. Aqut. a
232
233
111
mulher, e nao apenas do fcmmino.
Na miTo dos h1~toriadore' Ja cultura. a Ji,tinc;ao ~exual tomava-se u 111 instrumento analíttco a ser utilizado da me,ma forma que o eram a' d1stinc;oc, de cla-;o.;c -.oc1al ou rac;a. Ncsta per~pcctiva, homens e nmlhere~ tornavanH;e o produto de um proces'o de acultura<;ao. eles eram. por a'sim dtzer. fabricados e nau nasc1am corno -;e apreo;cnta,am '-OCtalmcnte Diante do fechamento dos "Womcn'.<; Studics" de'icnvolvidos nas un1versidade~ americana~, purecia-lhes aruficial e exagerado tsolar o homem quando este era tao Importante quanto a mulher para a compreensiio da dinamtca cultural de uma dada -.ociedade Contra as práttcas elíptica<; dos "Woman's Studies", esta abordagern contnbuía para transformar a história da, mulheres em h1<>tória do genero. ou em "Gender Studies''. A noc;ao de uma htstória atrelada ao processo de defin1c;ao do masculmo e do feminino numa dada 'iociedade. em ve7 de urna história exclusivamente voltada para a~ mulheres f01 1111ccl latamente . . . 71 S egundo am . da urna renomada 111stona . dora 72, a mane1ra ace1ta. como a hio;rória de genero iria mcluir e apresentar a expenencia ti
produr;ao mcide ~obre as mulhere~. mas também sobre o va~to território no quuJ elas se movtmentam. A htstóna da., mulheres en~loba. portamn a h•-;rñna de sue fazem <.obre eJa.,, representa~oes que fa¿em sonhar, como as que giram em torno da "ca~ta", da "boa espo~a e miie'', da "sedutora"; rna, represcntw;oes que fncm odiar, como as que cercam as fe1ticeira'l, as lésbicas, al> rebeldes. as anarquistas. a-; pro-.tttuta-. ou a,~, loucas. As mulheres cxudam de uma cronología drtada pelas fontcs documentais, fontes das mesmas tradutoras de mudanc;as estruturais no mundo polít1co, económico, relig1oso Elas ctrculam em documentos de toda a sorte. proces'>os da lnquisi<;ao, proccssos-crime, lets, liHoc, de mcdicma, crónrcas de viagens, atas de batismo. casamento e óbito, diário\ cartas, fotos, relatórios médicos e policrais, jornais e prnturas, ltvros de sua própna autoriu, revistas. filmes e letra-; de mú'lica, textos produzido\ em sindicatos ou no mtcnor de movimentos sociaio;. O cxame e a interpreta-;ao desses documentos fa eu 1ta u real izac;ao de u ma h1stória relacJOnal, u ma h1stória que en vol ve a~ aspira96es e realizacyoes, parceiros e contempodineos, constru96es e derrota~ fcminmas. marcando a produr;ao hi~toriográfica com a complexidade e a divero;idade das experienc1<1., vtv1das por nossas mulheres.17 Outra característica tnteressante é que, contrariamente ao que ocorre na Europa ou Estados Umdos, a ht'itóna das mulheres é feíta, aquí. por mulheres, mas, também, por homens. Homcns que cstudam- é certo - as mulheres dentro de suas espectalidatles mas que, como qualquer historiadora tem habtltdade para erguer o véu que cobre sua intimiJade, revelando os comportamentos da vtda dtária, as formas de violencia das quats elas sao vítimas ou os sutis mecanismos de defesa de - 78 que lanr;am mao. Na historiografia sobre a mulher, cerros problema,~, sao, contudo. bastante visíveis O prime1ro deles diz respetto aos documentos comumente utilizados. Trata-se de documentos fragrnentários em que na ma10r parte das vezes encontramos vozes masculina~. vozes estas que no passado raramente separavam o mundo do homem daquele da mulher. A informa~ao documental dtsponível é pouca, para os primeiros século~ da colonizacyao, tomando-se caudalosa a produc;ao de fonte:-. impressas a parttr da 'legunda metade do século XIX até os días de hoje. Outro problema é que faltam ht~toriadores, homens e mullteres, que mterpretetn com maior freqüencia o estabelecnnento, a genese e a importancta dos fatos htstóricos que cnvolvem as mulheres, como falta um ma10r número de pesquisas regionai' ou sínteses. que nos perm1tam resgatá-las de regioes tlo país onde o tetna ainda nao despertou vocar;oes Outro problema, atnda, é o fato de que. diferentemente do que ocorreu em países estrangeiro<;, a chamada Históna Soctal da
234
~tulher nao teve entre nós tanta repercussao a ponto de inundar o mercado editorial dt.: publica~oe ... dtver";t" in.;p1racla<. por engaJUmcnto' ou convtc<.;oes éttca'>. ou atnda por pesquisas academ1cas que forneccssem sobre o as-.unto urna bibhografta mais vasta do que a extstentc. O htstoriador tem dificuldadc cm dialogar com um número representativo de par\!..,, al¿m do grosso da b1bliografia publicada concentrar se nn .,udeste. Faltam debate~ '-Obre a hi'>tóna da mulhcr, fora do círculo re.,trito da" pioneiras e ainda hOJC, pouca'>, fcmimstas. e como -;uhlínhou hem uma hi~toriadora: ··Até hoje nao conscgum1o~ realizar um congrc-'>sO IMctonal sobre e;,tudos de htstória da mulherl" 79 ÚISt. but 110t lea::.t, a ahortlagem metodológica, utilizada pela maiona dos historiadores. a da hi-;tória '>Octal. encontra-se vinc que a cercam e pelus dificuldades de transformar o material htstónco em alavanca do própno trabalho. Mas ao cabo dcste capítulo poderíamos no-; perguntar: para que -;et ve a hístória das mulhere~? E u resposta viria s11nples: para faze-las exi~tir, viH!r e ser. E!>la é, afinal, uma das fun<;oes potenctais da Históna. Acredttamos que nao intcressa ao histonador fa¿er a história das mulhcres em termos de erros ou de acertos sobre o seu pa~sado, contar a saga de heroínas ou mártires, o que seria de um terrível anacromsmo. Sua fun~ao maior dcvc ser a de enfod-las através da submJssao, da negocta<;ao. das tensoes e das contradt~oes que se estabeleceram, cm diferentes épocas. entre ela" e seu tempo; entre ela<; e a !>Ociedade nas quais estavam insendas. Trata-\e de desvendar a~ intricadas relar;ocs entre a mulher, a sociedade e o faro, mostrando como o ser social que ela é art1cula-<;e como fato <;ocia! que ela mesma fabrica e do qua! faz parte integrante Trata-~c. igualmente. de um desafio no senttdo de fazcr uma hi\tóna total da mulher, na qual se contemplem as grande-. evolu~oes, profunda'> e silenciosas, dos comportamentos, aquetas, dos senttmcntos religiosos ou das mentalidades, as demográficas e as técnicas. Mas história da qual nao estejam ausentes os pequenos gesto-;, ao; pnit icas miúdas e repetití vas do cotidiano, as furttvas formas de consentimento e mteriorizacyao das pressoes, simbólicas ou concretas, exercidas contra as mulheres. Se sabemos que a empina da diferen<;a -;exual funda o conhecimcnto e mcita a pensar as d1feren<;as, as vozes femmtna-. na históna. essa~ "'"ozes do silencio" talvez no-. ajudem a responder se a igualdade entre homens e mulhere'> pode extsttr. em detnmento da diferenr;a? Ou -.e o vcrdadeiro e<>pa-;o da mulher nao passa. exatamcnte, pela sua dtferenc;a, pelo fato de ~cr mulher? Porque ainda há sth~ncios e porque esta htstória ainda está por ser fella, e contada, é que ela é tao necessária. Se hü, ainda, tantas quest6es e pet guntas é porque esta históna .;e abre para novas histórias e para novas maneiras de fa1.cr a htstória da mulher e dao;; rnulheres.
235
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DAS CIDADES, UMPERCURSO ManaSte/la M. Brescianm !UNIC/\MP>
t.id de tudo urna expcrienc.:ia vi ... ual. Traqc~dn de ruas, e~sas vías de cirt:ula~tüo lad~ada" de constrw;oes, o<; vazio-. da~ praryas cercada-. por 1gre1as ~ ed1fíc10s públicos, o mov1mento de pes..,oas e a aglta~ao da" ativ1dade" concentrada<~ num me'>mo espa<;o. E ma1s, um lugar saturado de signif1car;6e.., acumuladas atravé~ do tempo, uma produr;ao soc1al sempre referida a alguma de suas forma'> de insen;ao topográfica ou particularidades arqu1tet6111ca .... Em um trecho do longo poema "Prelude", o ingle'> Wordsworth compoe literanamente o impacto vi-;ual da chegada a C!dade de Londres na virada Jo século XVIII para o XIX
A
!'.
R1~e
up. thnu monl>trou.., ant·hlll on the pl.11n
of a wo bu~y worltl! Befare me flow. 1 Thou endlcss strcam ol men and moving thwg), ' (Wortl!>worth, Prclude, 1799-1805)
O recurso a metáforas, tais como, "Levanta. oh! Tu monstruoso forrmgueiro na planíc1e". se por um lado const1tui figura de hnguagem poética. por ourro logra passar, através de uma representa<;ao estét1ca a impres<;ao emocional causada por cenas Jamais vistas, ou revisitadas com igual perplex1dade. A imagem do form1gueiro irnenso, evidencia "de um mundo muito atarefado", completa-se coma !-.Ubscquente unagem do olhar marav!lhado perante o fluxo infindável de pessoa-. caminhanclo pelas rua'>, face a face, lado a lado, anonimamente, confundmdo-se coma mult1plicidade de objetos, cores. luzc'> e formas. Traduz o olhar do viajante e dos transeuntes mais atentos ao contraste como bucólico da-; paisagens campestres. Aqui, na capital inglesa, Wordw;orth as'\inala o~ brasees na" fachada<; da ... lojas, outra imagem metafónca, anunciando a pre~cn~a de uma nova ari'itocracia baseada no dinhe1ro. Sem clúvida urna representa~ao que dá conta do impacto \i'\ual anunc1ando uma nova cena urbana, que fala da dificuldade dt! nomear coisa' inéd1tao,.
237
A CIOADF, UMA REFERENCIA ESTÉTIC"-
Entre as po~sibihdades de entrar na c1dade moderna, escolh1 aqueJa que ~e detém na -;ua materialidade: unplantaqao no terreno, trayado de ruus e pra¡;ao;, a.s formas arquitetóntcas de seu'> edifíc1os público' e paruculare~ . Proponho, poi\ acompanhar como e\sa experiéncia do olhar ~e expres..,ou formulando aprecia-rae., que constituíram contrastes peNstentes, nao só, entre campo e c1dade, mas também. entre a-.pectos considerados pos1ti\os e o lado obscuro. negauvo até, da vida urbana. Sño aprccw~ocs acumulacl,ts, '>Obrepostas. umalgamadas ou polariladas e fazem parte das opint&' comumente expres<;as. das maJS \aJ·iaJas manl.!ira .... por aqueJes que v1vem ou falam da cidade, por aqueJes que, de um ponto de vista literário, técnico ou ,¡cadem1co (memorialistas, poetas. romancista\, c;oc1ólogos. , urbanistas, economista., historiadores. entre outroo;) dedicam-se ao-. temas urbanos.Cornecemos com um trecho da cromca de Mário de Andrade, publicada no Duírio Nacional cm 11 de novembro de 1927'·
.
A tardmha descrnboc.tva apena-. pro lado Ja Lapa Todo mundo cnveredava já para cas.t e Sao Paulo num chinfnm de hondes e automóve1s, e1 a unM glori f1c:u,:ao do pó Encontre1 se u Mm·condes na esquina do CorTeJo. De:-.cn~6es
baMante extensas das <.:1dades estfio sempre pre:-.entes nos escrito~ de viaJante~. Referéncwc; a certos lugares, descnqoes de bairros ou de transforma~6e~ em determmadas áreas sao <.:onstantes nos relatos de memorialistas e textos de literatos. Pontos de referenCia para o lellOr, ma;, também algo relacionado a permanencia das fmma<; do traqado urbano e déLS edifica<;6es, ou me::.mo da sua rápida transfonna~ao. fazem da materialidade do<; núcleos urbanos um suporte da memóna, recorte prec1so com contornos apreensíveis, capaz de orientar o conhecimento ou o rcLonhccimento dos que por clas passam ou nelas moram. Nem sempre a experiencia visual resulta em impress6es agradávc1s. Se parü Wordsworth, a paisagem de Lomlres lhe pareceu assustadora por sua variedade e d1mensao, daí sublime, para Alfredo Moreira Pmto, a Sao Paulo que reve em 1900. após trinta anos de ausencia, nao causa nurn primeiro momento um impacto posttivo. Seus rcg1stros do reencontro ao chegar a c1dade dizem da má tmpressi'ío causada pelo aspecto do nasLente bam·o industrial e operáno '-eparado. por terrenos alagad1<;os cortados pelo rio Tamanduateí, da área central ma1s ant1ga, o triangulo irregular formado pela-; ruas 15 Je Novembro. Dire1ta e Sao Bento, celebrado por memorialistas e literatos: Para quem desembarca na estarrao do Norte. da Estrada de Fe1To Central do Br:vrl, o a~pecto d.l c1Jade niio 1mprcs~10na
23R
bcm Com el reito. o vwpnte depara logo com 0 Braz., arra balde muito populos0. mas que nao pnma pelo asscio. nem pela bellezil de ~cus prediO!> particulurcs: dep01s pa-;sa por urna c .xten-;a vanea. muíto maltratada. da qual se av1sta a cidade em 1 um alto com os fundo'\ da~ ca... a "ollado~ para o viapntc
No entanto. nas palavra.., de apresenta<;:ao do ltvro. quase pcde desculpas pelé\ u<;adia de ''descre_ver a be!la c1dade d_c S. Paulo" ·, P~rece me~mo ~e ameci~~r. 0 nunimizando a dcscn<;:aO negatiVU que fara aJguma'> pagmas depOIS, dtzcndo, 'sao tantas a-. belletas que ella enccrra que receto fazer uma descrip~ao que nao estep na altura a que ella tem diretto" , Esta 1magem positiva se funda na 1déia de progresso. E a expansao territonal e a vanedade da'> con,tru~oes e da popula~ao, antes pauli,ta. agora c!lltremeada de imigrantes, que o encanta É o passc10 através dos novos b burgueses rec~m abertos, peh1' pra~a' e jardms cuidado\, que em <:.ua' anota~oes de viagem falam do efeito visual das mudan<¡as e da ampl1dñ.o da ctdade. Ruas de tra<;ado regular. amplas. arborizadas e Jlummadas, mans6es cercadas de prdms, a natureza dornec;ticada e reelaborada para o prazer estético do homem. Suas palavras expressam a familiaridade com os sinats do "progresso", as~1nalados por tantos outros autores, que. nesses anos imciais do <;éculo. registram lado a lado o aumento de ativ1dades na área central da cidade como resultado da mstala~áo de cafés. confettaria!>, b,ues e cervejanas, de hotéis luxuosos e confortáveis, quiosques e inúmeras lojas com suas vitnnes bem arrumadas. a instalar;áo de indústrias e fen·ovias. Sao vários momentos da seqüenc1a de modifica~6es a modelar uma c1dade. conferir-lhe "a condir;ao de metrópole do café".5 Momentos que a separam do burgo pequeno, mal desenhado 6na área onde <;e originara. percur-.o asstm descrito por Paulo Cursino de Moura , Jembrando a forma~ao de Sao Paulo "su as ruas tortuosas serpenteando no cabe~o da colina". irregulares. Momentos comun" ~" cidades brastle1ras: Para a fonna~ao Je uma rua. primeiro fazem os pés dos vmndantes o trilho. [. }. Dcpoi!-. vem o c:-umnho. Aí a enxaJa trabalhou. l .1 Mais tarde. a estrada. Com nome, com cerca. com algum pcdarro de muro. com dua;; ou tres casas, com a venda na cncru7ilhada. F1nalmente. surge a rua. A cidaue. cntao. JÚ te m Cámara Municipal, ji te m v1gário.
Frase que corresponde
a e ...crita
por Waltcr Benjamin décadas depOIS,
definindo Já conce1tualmentc a rua, qualquer rua. Para ser comprcendtd.l <' " rua" dcve ~e descmbarayttr da not;Jo ma•-. anuga de ··cammho'" [ .) O caminho leva cm si O'>
239
tcrrore~
ni'imade~
uu
errancw. que aurcolarnm o~ chelc-; uas lribos
1.. 1 J::.í aquel e que toma urna ru.t niln trlll,
aparentemente, necessidaue de uma rnao que o aco n~elhe e o gure Na rua. o homem niio se entrega a erriincra ao cnntnírio, ali ele ~ucumbe ao fascínio da faixa de asfalto que se desenrola frente a ele monólona. 1
E-.,te contraste entre o caráter rude, agressivo mesmo. atribuído a nature 74 maltratada ou descuidada e a avalia~élo positt\U da naturcza transformada Pl:lu, habilidades humanas remete certameme para uma da" rcprcsenta~oc.\ simbólica, mal\ anttga<; que temos, da Ca'ia, e da caverna sua antecc~sora, como Jugar tle refúgto e conforto, e da ctdade como aglomerado dessas unidades, ampliando para 0 plano colctivo a protec;ño e a seguran~a. Dtvtsar ao longc os muros de urna cidadc .'.tgnificou para o viajante, de<.,dc tempos imemoríai.'.. a certe7a de estar \e aproxtmando do final da jornada fattgante e che1a de pcngos através dos campo\ desertas. montan has, mares e rio' Se m dú\ 1da, a -.ensa~ao de conforto que 'entimos ao fmal de urna v1agem ou no regrcs'o a ctdade em que vivemos repoc cm um regtstro <;cmclhante essn anttga concep~ao de acolhimcnto. A CIDADE, ENTRE VíCTOS E VIRTUDES
Contudo, nos dot<; último-; !'.éculoc;, imagens e representa~oes elaborada!'>Obre as cidades tem lhe~ confendo avalia~oe., nem sempre positivas. Edmund BurJ...e, autor de importantes textos políttcos e estétiCO!-, considerou, no final do o;éculo XVJTT, que "no e~tado de rude narureza nao é poc;sível existir um povo". Faz-,e necessária, prossegue, a idéw de corpora~ao, um constructo. portanto algo totalmente artifictal, urna fic~ao legnl. ou seja, o contrato que forma a soctedade acordado em comum comcnttmento. Com essas atirma~oes, reproduzia uma no~ño antenor, já presente nos textos de pensadores políticos ingleses do '>écu]o XVJI. uma no~ao, entretanto, talvez tao antiga quanto o mito do roubo do fogo por Prometeu, mito que confería as habilidade'> e a'túctas do homem ~ua condi~ao de c;obrevtvencta independente dos humores de Zeut>. Nos tempos da Rcnascen~a [d11 Kcith Thorna.,s. c~tudioso das rela~6cl. entre o homcm e a nature~a no<, tres séculos que. precede m a format;ao ua moderna '>OCJedade rndustrialJ, a cJuto e da -.ofi~tKa~ao Jolm Lod.e, no '>éculo XVII, .tfirmn que os habitantes ··crvis e raciona1s" da' <..idades conlrastavam com os mor adores "1rracionais e ignorante!> dos bosque!> e llorcstas"
240
Esta imagem pcrsrstentc. já que "séculas a lto o:- muros das c1dades ¡,oli1aram tanto a seguran~.l qu:mto 0 cmprecndirnt'l110 pmprramt:>nte humano". 51 1 ~ 0 a conviver no gerados com a :nnenta~~o d~ c~rveja: a ~intura tle roupa~. ~ fabnca¡_;:ao de goma!> e tijolo<;, e todas ouua!'. tndu!-.tnas [la] tnstalada~. [.. ] alcm da super popula~üo que a tornou ~salubre··. Entretanto. ao lado de afirmac;oes como as actma indicada-.. cram ~qücntes. segundo Thomas, as expres<;oe.., de -.attsf the understaJl(.lJng. lt 1s made up ol f1ntte~. short....harp. mathcmattLal lincs, all calculable Is rs lull ot varietJc~. of succcs!>Jon~. ot ctmll ¡vanees. [... ] b ts the Sdwul of the Rcason. 9
A opiniao, expressa no século XIX, fora refon;ada por homens culto~ do Século das Luzes, tat-; como Adam Smith e Voltaire, que vtam na ctdade a dtniimtca da civiliza~ao, acompanhada contudo por seu cortejo de artificialidade e dependencta do campo. 10 Essa concep~ao perdura, com tra~o~ acentuados e muitas vezes radtcalmente contrastantes. como contraponto e referencta dac; formas de vida na moderna sociedade industnal. Assím, se autores críttcos das grande-. ctdades, entre eles Fnedrich Engels, nclas identificam, já na primeira metadc do !'.éculo passado, a rela~iio perversa de cna~ao da riqueza diretamente proporcional ao aumento da pobreza mtserávcl, essa dupl ictdade é reiterada por pen ambo~ pela concorn~ncia e atomismo remante entre os habttante<; dos grandes centros urbanos, tem sido a tónica do!> argumentos de autores, como Lcwic; Mumford que. desde os anos 30 propoe bu!-.car nos pequenos agrupamcntos a qualid.tde de vida das cídades pré-tndu-,triaisu. deles fazendo um antídoto para a expansüo e congestao, movtmentos complementares da vtda na lllegalópole Permanece, dessa maneira, outra constante. a estretta rela~ao entre a repr~sema~iio intelectualtzada da \ida urbana e a perccp'fÜO da cidade pela!> pe,,oas CUlta!.. Mai-; ou menos idealizadas. francamente favorávei-. ou cnttcamente exacerbadas, essas avalia~oe.., se encarregam de apresentar uma explicacyao 241
apa~.tguada.
porque tr~dut.tda cm ten:nos racionais: da vtda citadina, mesmo quancJl, tlltl.t..pu~I'J-dl• ~.-um uma 1111.1gcm ll.:rrncl e aso.;ustadora do "monst urbano" Afina!. desde meados do <;éculo XVIII, pelo menos. \abemos corc¡ l:.dmund Burke, que equac10nar um problema, por mai' complicado qut! seja, rcdulll o 1mpacto emocional. ou o "efeito do :.ubllmc". provocado em nossas mentes Po' d 14 t f enomcno-; as:-u,ta ores. O acúmulo de a\illia\óes complexa' e contradit6n.,, tnicialmentt! rt!allzad¡¡, por filósofo..,, lllamropo.,, médico-.. logo dcpoic;, por engenhc1ro.., sanitário, I11Stonadore.-., sociólogos e urbanistas compoe o campo dos cstudos sobre a~ wndicroes de vida no" núcleos urbanos. Podc-'le diLer que, se durante o século XVIII. nac; teorias <.,obre ao; cidades prevalecia a dimensao projetiva e Idealizada, no .;éculo XTX, ,,., cidades, \!111 espcctal as grandes capitais européias e os nasccnte\ mkleos indu..,triais, ofercccram material abundante para observa<;:ao e avaltacyé)e~ dos cfeitos matenais e intelectuais do crescuncnto urbano nas sua.., populacróes. É 'lobre c;;<;a ba<;e, constituída pelo.., estudos desenvolvido-. na primcira metade do ~o,éculo passado, que mtelectuais - acadermcos e homens de governo - elaboram propo.:;tas de intervenc;ao, escolhida-; e exccutada~ pela iniciativa privada e pelo~ poderes públicos Penso que apó-. e-.ta introdw;ao, pos~o propor como suporte teónco para o en~aio de avaliacyiio dos estudos urbano<>, que as forn1a~ de represcntacyao da Cidade foram e contmuam solidárias as política~ urbanas e pnílicas de intervcnc;:ao. Importa cnfat1zar que oo; saberes con'>tituídos formam Imagens e representat;óeo; das Cidades. constructos intelectum.., que colaboram na format;ao de campos conceituais que orientam a observac;:ao e a avaiiat;ao dela~ . Em outras palavra~. nao por acaso vána• di sci pl111as "e formaram a partir de preocupacyóes sobre a vtda nas grandes cidades moderna~ e, com ba~e no conhecimento recolhido, con\tituíram .;eus recortes di'>Ciplinare~ específico~. Nessa ampla gama de estudoo; da questüo urbana, a hrstóna repre<>entou parcela pouco <>ignificativa até há pouco tempo. A <;olidariedade sugerida entre reprcsentacyoes e avaliacróes de aspectos da vida urbana e um dado saber con~tituído acontece exa1amente pela forma como se define uma <írea de competencia academica e/ou técmca através dos registros ferto~ pelo olhar amparado conceitualmente e a subseqüente problematizat;iio dos aspecto~ observados Pode-se faJar de "invcn~óes" eruditas que elaboram problema-; com ba..,e cm cenas do cotidiano, antes pouco merecedoras de atenc;ao si~temáuca. atenc;ao esta que nao <~e confunde com as observar;oes dos memorialistas. poeta' e: literatos. Um movimento de conhccrmento que vai da observacrao ''mteressada'' dJ Cldé.lde, a clabora<;iiO de tmagens e rcpresenta<;ÜeS que forneccm .'>Ubsídios parJ :.I constituir;ao de campos concenuai' e práticas políticas. En'>~llemo' trabalhar c0111 e.,-.e pressupo~to. A
242
~ (ONSTITUI<,:ÁO DE UM CAMPO TEMÁTICO
A trajetória de..,tc artigo mapcia uma pequena parcela da \!xtensa produc;ao "Idérrúca sobre a~ qucstoes relativa~ as tidades. Percorre llltcialmcntl' a ¡l~< • 1. Jtl' que a., cr'J ade' f ormad as ou cm expansao - nos come~·os hihhografia rntemac1oncl da industnaliLar;ao con'>lltuíram o recorte temático básico da prohlematiza<;iio da" cnndr<;:6es de \ rda do' núcleos urbanos e ponto de partida de mm ha pr6pna trJ)t:tóri a. Pas-.o em ~egurda para a produ<,.iio acadernic:a voltada para as cidadc' ora~ileiras, fa7endo, por rmpossibiiidadc de dar contado<., murtas trabalho<> recentes ,<)brc vária' JeJas, med1da de cmltela poi-;, um recorte na cidade de Sao Pauto do J"!ríodo republicano Con..,Idero e-.umulante, e um de~afio para nós, a leitura crítica di! parte da extraordimíria quantidadc de trahalhos exi-.tentes m11na área temática ;ttravessada por vúrias di'-<:iplinas, ondeos hr.,tonadores representam uma minoria. Reconhecidamente, o tema urbano tcm ~ido, entre os estudiosos das cidades hrasiieiras. objeto das pesqm<.as de geógrafo..,, arqmtetos e urbanista'>, sociólogo<>. l!l'onomistas e, mais rccentemente, de antropólogos e histonadores. É Importante notar que somenle na década de 1980, uma área temática específica ~obre Cidades ganha definr<;ao precisa como linha de pesqui"a em programas de pó.;-graduacrao na ~mversidade brasiieira, dando lugar a forma~ao de grupos de pesqUisadores e t:!~tlmulando os estudos urbanos no.., domímo<; da histonografia. Estará, ass1m, expresso ne..,te texto muito de uma trajetória recente de producyao de trabalhos. sem dúvida um percurso pcs-;oal como responsávcl pela implantas;ao da Linha de Pesquro;a "Cultura e Cidadcs" do Programa de Pó<;graduacrao cm Históna Social na Unicamp em 1985. Ne.,te percurso, marcado por mdicat;óes de colegas, de ....cobertas ao acaso e, cm especial, pelas disc.:ussoes cm ~ala de aula, laborató rio<~ e semmários, acompanhamento de pesquisas e participa<;:ao em bancas examinadoras de monografiao; de me'>trado e Te!>es de doutorado, se impós de mane1rn irrecusável a rmportancia do<: estudos interdisciplinare~. A troca de informacroe~o, e de resultados de trabalho e a presen<;a ern eventos reunmdo arquitetos-urbani<>tas. sociólogos, economista<.. antropólogos e histonadores Indicaram a necesstdade de ampliar a avalia<;iio da prodw;ao academica sobre temas urbanos de maneira a acolher essa produt;ao de origem drvcrsificada. Contudo, obcdecendo a um impulc;o afetivo e ético, escolh1 iniciar este balancyo bibliográfico pela que~tiio das conJr\oes de vida da populat;ao pobre das grandes cidade~. a pre\en~a das multrdoes permanente<. nao; rua'> e lugare~ plÍbiicos, Indo e vindo do trabalho, mas também, em certos momentos, reivindicando o direito a l!xpressao polítrca. Prevaleceram as leituras da ampla brbliografia tnternactOnal. já que a preocupa~ao com os "barrros ruins" aparece corno resultado d~., apreen...óes relativas as epidcrnws de cólera e tifo. que desde os anos miciai.; da dccada de 1830, assol:.lram a Europa dando lugar ;l observa¡;oes detalhadas e '''temática.; das área~ de ma10r propaga<;ao da~ doencras. Forma-se uma
243
¡¡
e
'
1
1• 1
prt.!oc:upa~ao constame relariva ao meto ambiente dos centros urbanos qul.! até h. preva lt>t't' ac:re,ctcla c0m ;1 recente atcnr;iio ecológica para o d<.!senvulvirn c~lt , 1. Cllto ~ustentave
O art1go de han~ots Begum, publicado no número 29 da revtsta Recheri'Jr constitut um marco Hnportante nesse pen.:urso. Com ele pudemos acompanha/' probkt~la~tz~u;ao da\ cidade-. atrav~s da clabu~
1
a
Acompanhando os argumentos de Beguin, pode-se identificar o come~o do que v1rá a '>er o urbanismo modemo no encontro necessário entre o saber médtco e as técnica<. da engenhana, configurando as bases das práttcao; c;anJtánas que até as pnmeiras décadas des te sécul o manti vera m-se como referencia para as interven~oes nas c1dades. Pode-se também acompanhar o delmeamento de uma estratégia para disciplinar os comportamentos da popula~ao através do conforto proporcionado por equtpamentos coletivos que foram no decorrer de quase dois séculos multipltcandllse de maneira a fazer dos habitantes das grandes cidade" -.;eres doméstico~. voluntariamente apmionados pelas comodidades da água queme, das notícia.' fornecidas pelos jornais, rádio, televisao, Internet. 1solados mesmo guando na' rua' ern .seus automóvets ou coletivamente ensimesmados nos meios de transp01te de massa.
rnt.!rO 13 dessa mcsma rcvbta, dedicada ao e..,tudo dos "EqUipamento., do ~r . l'·' autores aderem ;1 sugcstao de Fot 11"111 lt ele que "u ma ded \UO do poder ra nde internar;ao de 1656 17] est<í na origem da dtvJsao entre Raáo e Desrazfio", e a Justtr;a, como instrumento material do poder, silenciosamente criou a divi-;ao que1ra ·natural') entre o pruletanaou e a \ ..analha nao prolctarizada"' IJSl A disCiplina indu~trial, descrita cm mmút.:1as por Marx em O capital. pnha,·a a-;sim uma le1tura l:Omplementar. Ncla sena enfattzada a forma instdtO'ia, u~ uner.,a em stlénc10, da domesllc Wl moderna'> metrópoles: seu des~onforto perante a voracidade da sociedade industrial, na qual o homem deixa de '!era ftnalidade de st mesmo, tendo !->eu lugar ocupado pela mcrcadoria, abriu uma perspectiva críttca ao progresso, a "modernidade··. 21 entremeada pela faceta romantica dos escritos de Marx . A ele dcvo a percep~ao de urna sensibi lidade para as cotsas urbanas tornando-se nítida no homem do século 22 XIX Na trilha de outros autores, entre eles Georg Snnmel , Benjamín ofercceu a po~'ibilid ade de se ler a ctdade dentro do seu própno tempo e ritmo: a veloctdade acelerada e a simultanetdade A percep~ao da vida urbana, nao mats tao-somentc como opostyao a tranquilidade da vida campestre ideahzada, porém com sua lógica própria, voraz, criativa, anónima, niveladora e por isso mesmo lempo frustrante para a mtenyüo humana de se destacar entre seus iguais. Entre nós, autores como Willi Bole, Olgária Matos e Jeanne Mane Gagnebin realizaram leituras extremamente instigantes da obra de Walter Benjamín fomeccndo ~ubsídtos para Ufilmt!lhor conhecimento da., suas reflexoes, com fregüencia permcada~ por alusoe-; 110
ora
alegóri ca-.. 2 ~
Produztdo no colet1vo do Cerfi ', traduL os embate!-> e conflttos Jll~ intelectuat<; marxistas após mato de 1968 Deleuze e Guattan, mas pnncipalmt!nte Mtchel Foucault, aparecem em cena, e introduzem nas pesqui ... as um campo ~e preocupac;oes '!Obre a dimen-;iio produtiva do "poder". Nas pnlavras de aprescnta~'1ll
Cabe aqu1 mmbém uma referenci<1 ao' trabalhos de Raymond Wil11am' ~-~ sobre literatura, sociedadc e históna, que com ~uas observayoe., orientaram a leitura da produ~ao literária, ticcional e ensaística, sobre o mundo ingles da era mdustrial A, nova~ palavras e o s1gnificado de ant1gos vocábulos re~~emanuzados a parttr da d~cada de 1780, os contrastes entre considera~ocs pos1tivas e negativas sobre as ~tdaues moderna..,, entre a '1da no campo e no' centros urbano' surge m e m .,eu:-. 1'r?s, alertando o lenor pc~ra o contexto em que foram produztdo-., para a posi~ao \octal e política dos observadores socmis e literato.,.
244
245
11
Esta seqüéncia de lctturac; realizadas nos comeyos da década de oirenta n· se completa sem urna referencia ·~órica fundanh..:llt ..tl. o~ Lrabalho~ da ftló~( ~~ Franc;:o1se Choal~. Com le~ tornou-se possível relacionar os registro~ ~¡¡ ob~crvc~.dores ~ocia1~; com a formac;:;:o de um domímo de saber específico '>obre e: cidades, o urbanismo. Seus textos pcrmtt1ram relac1onar o pensamento político co~ as políticas urbanas e concep<;o~s arquitetónicas Leituras de Lewis Mumford 1'11 . 1o·'6, aprox1mac;:oes . . Leonardo Benevo antenore<> e o bngatonas aos temas urhano e as~umtran· sua devtda propon¡:iio no quadro clas~tftcatório sugerido pela autor;· EsforC¡:o bem o;ucedido de rettrar o urbanismo e a arquitetura da ncutralidade a el~, atribwda pelos teóncos da arquHetura functonal e moderna. hssas lettul"'d' aprec;entadas em sala de aula e base da orientac;:ao de diversa~ pesqUtsa~ pós~ graduada-; sob minha responsabilidadc, te m perstst1do enquanto referencial teónco e estímulo intelectual. 27
SEM CASA, NA CIDADE
r¡;ado de trabalho ofereccr emprego a Lodos e !lalários digno-; a uma grande tJ1t!¡\:da da popula(¡ao? p8 A convivencia dtária com camelos, moradores <.le rua, assalto'>, tdlnsito Jifícil. poiUtyao, ou seJa, ~o.m urna l~ng.a séne de pr~blemas •. fa7 do morador da nde cidade uma presa lactl da vtolenc1a, das cond190e., de v1da Jegratlada. Fala1 ~ vtolencw urbana, considerando semente v1timada a parcda formalmente . .1Jada da populac¡:ao, con'itllui se m tlúv1da u m ato \ iolento. O drama urbano tem 1 dua' face.-., e com certeza a mats . bárbara const1tu1 a da nega<;ao de condtc;:oc' humanas mínimas para a popula~iio pobre, desempregada e me~mo para parte da tom1almente msenda no mercado de trabalho.
-·
AS MORADIAS, UM PROBLEMA ANTIGO 0-. despeJO~ unem oo; pauh~tanol>. A o:. a¡;oes de despeJO unem a popul.11,:ao da Pauliccia. Dia11amente sobe e de!.cc as cscadarias do Palácio da Ju~tic;a uma multid1ío de velho:,, moc;o!>, homcn., e mulhcre!. que ali vao c..om as nolilicac;oes ern punho, nos 1<\biO'> a pergunta InqUieta· 'onde morar'? [ .. ] A populac;ao está mesmo condenada a morar na rua.
Em tese, este c;ubtítu lo parece negar a própria concepc;:ao e fmaltdade da cidade. Entretanto, nada mats corriquei ro, para nós, do que as cenas de pessoas morando na-; ruas das modernas metrópoles mundiai~. Al iás, Sao Paulo tem assisttdo ulttmamente a versiio urbana do movtmento de inva~ao de é:Íreas agrícolas pelos trabalhadores rurais "sem-terra". A ocupac;:iio de casaroes no perímetro central da cidade, como que reproduz urna ant1ga forma de resolver a questao da moradia, a formac;:ao de cortic;:os. Nao se trata. o que poderia parecer a primetra VISta, de um movtmento expontaneo . A extstencia do "Fórum de Cort1c;:os" moc;tra que há organizac;:ao e lideranrra, e o intuito de resolver um problema que anige boa parcela da populayao urbana dac; grandes metrópoles. Fic.:a· se sabendo, pelos artigos da imprensa, que o estímulo incicial para a forma9ao do movimento dos "sem-teto" partiu do próprio Estado, tendo o governo de Sao Pauto patrocinado em maio de 1996 o "Fórum da C1dadania dos Cortryo~". incentivando dessa maneira a organizac;:ao das pesc;oas sem moradia certa. Apropria96es de terrenos em áreas periféricas da cidade ocorrem de mane1ra simultanea, mostrando a outra face da que~tao da pobreza urbana . .A.~ JUstJI'Jcativas para as invasoes repetem a mesma relas:ao da disparidade entre 0 prec;:o do aluguel e a remunerac;:ao salanal A" pessoa<> deixam muitas vezes ca~as de alvenan cl para morar em barracas autoconstruído" Os "invasores" nao teJll segu ran9a alguma de permanecerem nos locats ocupados, mo~trando enfaticamente que o acesso a moradta encont ra-~e entre oo; ma10res problema<; da metrópole paul1stana. Ev1dencia trrefutável de que, inserida na cidadc formal , uma cidade informal, clandestina e mdesejável se faz cada dra mai~ presente 28 Falencia da ctdade') Má formulac;:ao ou n5o apltca9ao <.le políticas urbanas? Incapacidade dO
Este trecho da matéria publicada pelo Correw Paulistcmo de agosto de 1946 foi citado pelo arquiteto Nabtl Bonduki em artigo sobre a crise de habita'r50 em Sao Paulo. 2? As vilas operána~, soluyao corrente no final do o;éculo passado e inicio do atual para manter o trabalhador próximo da fábrica e, mais importante, controlar scu comportamento nas horas de descam,o. manteve-se, na compreensao da socióloga Eva Blay. como duplo mecanismo de extrac;:ao da mais-valia, enquanto representou u m investimento lucrativo parn os empresários. ' 0 A rela~iio entre o pós-Segunda Guerra, o fim do Estado Novo e a mob1lizac;:ao popular incentivada pelo Part1do Comuni~ta, em breve período de legalidade, sublinha o problema habitac1onal presente nos bairros tradicionais e con.,olidados da metrópole paulistana. Casaroec; d.1 rua da Asc;embléia e prédios de apartamentos da praya da República, situados pois em áreas centrais da c1dade, Pas-.aram a ser objeto de demanda da parte de scuo; proprietários, descontentes com 0 ~ baixos prec;:os do aluguel, incentivados também pelas possibiltdades de empreendimentos imobtliários mais rentci veis ne~sas áreas bem servidas por equipamentos urbanos. O proce.,..,o de expul<>ao da populac;:ao de bmxa renda desses locais coincide ~0 1'11 a abertura de loteamentos clandestinos que, afirn1am Bonduki e Kowarick S~)C.tólogo) em outro art1go da mesma coletanea, "de~respe 1tavam O'i padr6es l'llm 1rno¡, cx1g1dos pela legt~la~iio urbanística e código de obras" Esse movimento
246
247
de ocupa\-·ao de regioe\ da periferia urhana acontece com o conhecímcn¡c 1 benepbkito do poder muntcipal CJll<' cht>oa ml''-t~n 1 mc_entivar. a. ~onstnt~rao ~ casa~ "cm plantas prcv1t~mcntc aprovada" pela Prde1tura. JUque a 1n1c1at1va Pnv· d .1 • - ,uc 1 ua . de1xara ue 111tcressar-sc pe 1a conslruyao morad'tas populan::~. " As solu~~ estatai-.. atra\'és do~ ln\tltuto' dc Apo~cntauotw e Previdencia e a Funda~¡¡ d~ 0 Ca~a Popular de~locam. para áreas mais afastada..,, a construr;ao da\ casas barat~ ex1gmdo a C'l.pansao do scn· 1~o de transporte colctivo. A Lronologta da que,tao habttac10nal na capital paultstana contírma-sc.: na lcitura .~a pe:-.qui!->a da socióloga Mana Ruth Sampa1o e Jo arquiteto Cario, Lemos:'· A Le1 do Inquilinato de 1942, promulgada ern plena Jitadura de Getulio Vargas, 1nJica a estreita rclt~~ao entre podere.'> públicos, a leg1<.layao e modalidadc, de enfrenta memo do problema. configurando u m longo período no gua) prevalece <• "modelo de ocupa<;ao periférica". prolongando-"e até o final da década de 70. Loteamcnto-; Irregulares e clande<>tinos. sttu.tdos cm cai.;; sujeito" a inunda<;óe~. lote' mínimos subdivididos entre duas ou mai~ famílias e vendidos cm prestac;óe~ de longo praw con<;tituíram a tonica de todo cs"c período. Só em fins da década de 70 e início da de 80, com a "abertura política", desta ve7 do governo militar inicmdo como golpe de 1964, as reivindicac;óes do, moradores comer;am a se fazer ouvir no .senttdo de ser regularizada a situa<;ao jurídica trregular dos loteamentos. Os autore~ afirmam que "a palavra participarüo comcr;a a penetrar no u1scurso oficml, mesmo que ainda com um sígn1f1cado destorc1do. beirando a coopta<;ao''. Em todo o período. o processo Jc autocon..;tru<;ao impos-~e como forma po~sível de o;;e "por Je pé" a própna casa acompanhando o mov1mcnto de ampliar;ao das áreas faveladas da c1dade que. segundo o~ autores, cresce, entre 1973 e 1987, 1 OOOCk, enguanto o aumento global da popular;ao mantém-se em torno de 60% H Na pesquisa realizada em duas etapa,. mício do~ anos 60 e em 1972, os autores preocuparam-se também em acompanhar o partido arqllltctónico das ca"a~ autoconstmída<., na tentativa de obtcr uma resposta a indaga11fiu inicral, de que "os projctos 'eruditos' saído~ da' prancheta<> civilizadas dos arqu1tetos, na vcrdade, podenam nao acolher as expectt~tivas proletárias a respeito do que fosse a casa ideal". Em mai..; um art1go da coletanea JÚ Citada, Lúcio Kowa11ck e Clara Ant sugerem uma cronología dos p10blemas da \Ílll
248
Só rccentementc, Mari'a Carpmtéro '~. htM011adora. ou..,ou enrrar no do.., estudn<: rt>lat•vn' i1 guestao da morad1a operária, deles fazcndo uma ·alia~ao críttca. Sobre~'>al na rclac;üo dos trabalho" por ela analts<1dos a parca ll" ntribut<;ao . - espcc1'f'tea de 111stona . d ore~. num untvep. o d e pcsqtusao; . rea l.1zad as por ~uitetos, ctenllsta... políticos e sociólogos. Com scu trabalho, pode-se seguir os pa~.;os da formulac;:iío de uma política habitacional na década de 10, na sequenc1a dl1.., debatt!)> do 12 Congresso de Habitac;:ao organin1do pelo lmtituto Je Engenharia e prcfcJtura de Sao Paulo cm 1931. A e~tratégia proposta na.., ~e.,es do ... .;l gres<;ista.., ahava a prcocupa~ao de pro¡etos de "hab1tac;ao econom1ca 111 ~uhordinad o~ .10s preccitos htgienico.., e morui-: do sanitari-;mo, ~ conquista do.., operário'> para o "sonho da l:a~a própria, conJi11ao para ascender a cidadama plena numa ...ociec..lade de proprictános. Superava-sc. a ... -.im, a práttca san1tária antcnor circunscnta a avalta~óes tópicas dao; más condi~oe<. amb1el1la1<. re~ponsáve1s pela proliferar;ao dos agentes mórbidos causadores de sunos epidernico" sucess1vo~ ou de aspccws do comportamcnto opcrário, alcooll.,mo. freqüencta de bordéts e outra-. práticas qualtficadas como nocivas a própna saúde e prejudicia1~ a descendencia. Mana Al ice Ro~a Ribeiro e Li ane Mana Bertucci l('¡ acompanham, atravessando cammhos hl\tonográficos um poucu diver<>o~. a aplicac;:ao dos procedimentos méd1cos de erradicac;ao de doen<;a<. mfecto-contag1osa'> desvendando também a mane1ra pela qua! a populac;ao operária apropria-se dessc <>aber médico em proveito de suas própria., reivind1ca~óe~ por melhorias ern <,uas habttac;:oes e ba1rros. A relac;:ao entre a fonna~¡iio do mercado de trabalho livre no e~tado de Sao Paulo com popula~iio imigrante européia e as epidcmw!> vindas do Velho Continente e~timu la a corrclw;üo pobrcza-docnya. o que num pnmeiro momento rec.:ai na enla~e a formula~ao da polícia ...anitária. para depms se estruturar como política de saúdc pública. Para a c!dade do R1o de J~neiro. a mes~a rela~ao doe~Ta-pobren foi pesqtnsada p01 htstonadore..,. Em do1~ estudo~ Mynan Bahta Lope<>· relacJonou as reformac; da reg1iio portuána a práticas méd1ca-; contra as doenc;a.., endem1cas e ep1demica~ . ¡..o¡ além e avaliou, através dos e. . critos médicos e da variada carnpanha pela impren-;a, a-; posi<;oe.., políticas que -.u-;tentavam o debate "científico'' pró e contra a vacina. tanto no Brasil como na Inglaterra, país no qua! o confhto dt.: 0 Pint6es percorre todo o século XIX. O \Ínculo entre más cond1<;6es de moradia doen~a-pobreza e as polítJLas higienistas na c.orte imperial brasileira mereceu uma extensa pc..,qu1~a de S1dncy Chalhoub, qut! J<Í dedicara um trahalho anterior ¡,.., c.:ond1<;ocs de vtda do~ trabalhadores na cidade do R1o de Janetro. ~~ A inda relacionada a trilogía acima refenda, a c1dade do Recife fo1 ohjeto de pesquisa' ~centes de doi" arquitetos. Telma Correa, cm trabalho sobre ..t expenencia dt.: De!mtro Gouvcia na implanta~ao da cidade mdustnal de Pedra. analisa também a Urban1 za~ao da área do Det b) .,,; José Tavares Lnna faz u m recorte c;obrc a qucstJo da habnac;iio popular. tra1cmlo uma contnbu~<;ao médita para o debate entre cJollllllÍO
249
concep<;:oes arquitetóntcas (regionalismo versus modernismo) e nacionaJi 5 m 0 n~. . . . . d o sccu , 1o. 40 , das tntct.ltS ... d eca Contudo, devcmos lembrar que, na área htstonográftca, vários trabalh ptonetros ::.obre a dts~.:iplina de fábrica e condu¡:oes de vida operária resultaram ~ estímulo proporcionado pela pesqUisa colettva coordenada por Déa Fcné( 0 Ribetro. junto ao Departamento de Htstória da Umcamp. no final da década d~ 7 tnícto dos anos 80. Nesses e"tudo5 con,tatou-se que bairros e casas operári e salários e dtcta alimentar, organizar;ao familtar e lazer foram foco de preocupac;~ para diversos analistas sociats nos pruneiros quarcnta ano¡, da República, fomecendo "ubsídios tanto para as medtdas samtána'>. quanto para inten,ao de hterarqut7ar o espa~o urbano em áreas para ocupa~ao dtferenciada. A pc~quisa de Mana Auxiliadora Guzzo Decca recorta o cotidiano operano em Sao Paulo, nos momentos em que se encontra fora do.;; locais de trabalho e a de Margareth Rago pontua os comportamento" operários considerados inadequado~ á boa produttvtdade, dentro das fábncas e no espa~o urbano, e as dtsciplina5 voltadas para a adequada fonna~ao familiar, tema que voltou a tratar a partir das preocupa<;oes da ''boa" sociedade ante os comportamentos desregrados dos 1 freqüentadores das noites paulistanas e sua'> parceiras, a1. prostitutas.~ Pesquisas desenvolvidas em outras instttur~oes detiveram-se na.;; condi~oes de vtda do trabalhador na capital paulista, como a de Maria Inez M. Borges sobre os 42 trabalhadores mformai s no período micial da República .
;n
de"cutdO, repettdas tnúmeras vc?es em jornais escntos e notictários televtsivos, a il' sáO J essas representa~oes sobre a populac;ao e o governo. ~· Mas nao só transttar motoriL.ado pela.;; ruas tornou-se urna tarefa ~ remamente cansativa, demorada e perigosa; também percorrer a cidade a pé nao ':'' ¡(Jea uma atividade amena. Na edi~ño de domingo, 23 de mar~o último, o título -:.ma maténa do caderno Cidades do mesmo JOrnal, diz em letras garrafais: Andar pela calyada vira prova de obstáculos. [E em seguida dclalha o problema diz.endo que] entre llxciras, orclhüe~. bancos. tloretras, catxotc!>, mesa), e cadeiras, lll~talados a pout:a distanera, os pauho;tanos tem drftculd.1dc de camtnhar, especial mente na re grao central. 1Os problema!. nao se C!>gotam aí. O articulista prossegue prOJetando urna imagem extremamente negativa ao afirmar que] caminhar pelas rua!-1 de Sao Paulo é uma temeridadc. É expor-se a cada passo ao su!>LO de um empurrii.o 5úhito e queda de mau jctto, a dor de urna cotovelada, a humilha¡;ao de ser roubado cm plena luz do dia [ ...) La situa<;:áo torna-se a cada dia ma1s complicada Mais amedrentadora. E conciUl.) assim é a idéia e a imagem da capital que -;e propagam pelo Bra.;il e mundo afora.
O recente problema com a Ponte dos Remédios, nas imediay6e!> d~ "Cebotao" que passa sobre o lugar de encontro dos ríos Ptnheiros e Tiete, constitut um índtce evidente e preocupante da má manuten~ao das vías públicas na ctdade de Sao Paulo. Rodízios de automóvei'i na época do inverno tornam-se uma neces~idadt para tornar o ar paulii>tano respirávcl, alivtam o tran'itto da ctdadc reduz111do os cngarrafamentos de 100 a 150 km na hora de pico do movimento de veícuiO" a aceitáveis 30 a 40 km. O prOJelo de um anel vtáno em torno da cidade para possibilitar o tráfego ent re estradas, evitando a travessia dtária de camtnhoes pdJS avenidas JÚ saturadas, ganha destaque depots dt; passar anos esquec1do nas gavetas J as autondadcs. Conftrma-se dessa forma, com informac;oes esparsas e as imagc:ns
Sem dúvida, se a questao habttacional constituí um problema persistente em Sio Pauto e nas outras grandes cidades brastleiras, nao é contudo o único. A predria manuten~ao do equipa mento urbano- calyamento de ruas, avenidas e demais vías de circulayao. cuidado com jardins e pra~as arbonzadas, vistoria.s em vias elevadas e inúmeras pontes e vtadutos -, a incapacidade das autoridades públtcas em resolver as demandas dos meios coletivo'> de transporte, e mesmo do transporte de cargas que congestiona as avemdas margtnais e atravcssam área<; densamente povoadas da cidade, se pontuam questoes bástcas nao resolvidas no mumcípto de Sao Paulo, reaparecem de manetra pouco diferenciada cm outras cidades menores. As propostas de interven<;ao no trayado das cidades constitut a dimensao COmplementar das preocupa~oes sanitárias das autoridades públicas. Planos de saneamento das várzcas, esforyos para hierarqutzar os espa~os da cidade cm áreas ~omerciais, industriais, residenciais ricas e operárias, a ltmpeza das ruas e coleta de !U-o domésttco, a regulamentac;ao das atividades do'> vendedores ambulantes, a ~stalayao de equipamentos coletivos, particulam1ente a extensiío dos ~erviyos de distributyiio de água e coleta de esgotos, a tnstala~áo de energta e létrica, servi~os te~efonicoc; e gás, percorrem a documentayüo oficial de Sao Paulo desde os Plimórdios da Repúbltca. Bu..,cando forma~ao universitána cm instttui~oes e&trangeiras e parttcipando de encontros científico'> tnternactOnats, médtcos llnttaristas e engenhciros civis brasilciros, mostraram-se bastante atuali1ados a ltspeito das coordenada<; da nasccnte disciplina do urbantsmo.
250
251
SANITAR ISMO E R RMODELA<;:AO DAS CIDADES
Prefeitura mic1a obra!> em quatro ponte~ . Além de recupcrayáO de estrutura, Ponte Cidade Umversitárta, na Marginal Pinhetro~. Fr~guesta do Ó, Ptqucri e Anhangüera, na marg1nal Tiete, terao ptsta alargada O Estado de S. Paulo, 19 JUn. 1997
Se os COrti~Ol> mercceram a Hlt!I19ÜO da admini!>trac;ao da cidade de s~ Paulo. J<Í nos prim..:iro¡., ano-, Ja República. fur como parte da ... questoes 'anrtárré!o mar-. amplas de saneamcnto de várzeas e melhoramentos das condi~oes : mercado'\. matadouros e dcmars locais de venda de produtos comestíveis, .tlém dc. regulamenta<;ao da venda de alunentos nos "qurosqucs'' e.spalhado-; pelas rua: centrars. Essa preocupa~ao com "um plano de saneamento bcm combinado" Vern expres ...a no relatórro da "Comrssao de examc e inspeC(;ao das habitac;oes operárr,. e corLÍ\=O'> no drstricto de Santa Ephigrenra". do ano de 1893. Era idéia expressa ern seu texto que nao bastava "tomar toda., as medrdas para manter em nível elevado a hygrcnc de urna cidadc que cre~cc rapidamente, e cupt popular;üo triplicou em dt•z annos. é preci'io cuidar da unidade urbana. a habrta~ao". Nao a habJLa~ao privada ma-; "aquella em que se accumúfa a cfasse pobre, a cstafagem r... J, O COftlyO com~ vulgarmente se 1chamam eo;sas con ... tru~Oe.'> acanhada... In!.alubres repulsiva, 41 a1gumas.. ., competa.
"'
C'hama a aten9ao no relatório o inllllto explícrto de definir o tipo di! habitar;ao e de vilas operária<; a serem adotadas para satisfazer o... requisito\ necessános a conceps;ao de habttas:oes higicnrcas, mao; também o de indrcar a localizar;ao conveniente para a con<;trw;ao de1>sas vilas. A área escolhtda é a regiao suhurbana de Süo Paulo, onde "nurn raio de 10 a 15 kilornetros", dizem, "nao faltam lagares preenchendo estes rcqursitos", rcfenndo-se "a facilidade de cornmunrcas:ao [menc;:ao aos trens ele subúrbio] e barateza dos terrenos". O dctalhamento dao; área~ disponívci,, alguma<; bastante próximas ao centro da ctdade, bem corno dos servr~os de abastectmento dessas áreas e transpone coletivo. '>ugerem coordenada' bastante definidas para reordenar a ocupa~ao da regrao de implanta~ao mat., antrga e estabelecer u m plano de expan<1ao para a cidacle..~ 4 No que diz respetto a reforma da área centraL além da erradicac;:áo dos cortic;:o~. o trac;:ado das mas centrai<. também mereceu amplo espaqo nos jornar!l e debates na Ciimara Municipal, Assembléia Legislativa e Scc.:retarras municipais e do E<;tado. Dar a Sao Paulo o "aspecto de urna cidade moderna, proo;pera e civilizada" e ao me... mo tempo atender "a urgente necessrdade de facilitar as communicar;OI!~ de..,,e centro com os batrro-;", dc~rgna a subordina<;ao dos destinos da crdade aos imperativos do "progresso'', kma que nao mais deixará de ser a bandeira de combate de autoridades públrca<; e empresários, assumrda também pela grande maioria da popular;ao pauliMana. Lema fundante da representac;:ao estética que dará as diretn7es para a conformar;ao de urna imagem prOJCtiva. futura, da cidade. onentando as políticas de mterven9iio do poder público e as inic rativa¡., d(lS empreendrmenros pnvados. Em frase dita "com convrcc;:ao", cm 1891, o preferto Raymundo da stfvJ Duprat, afirma ter "chcgado o momento, para que a crdade de Sao Paulo entre cofll resolu~ao no caminho que lhe é tra~ado pelo !.eu ráprdo movimento de progn:'-~l,· [ .. 1 curdar do futuro, trm;ar o programma do <>eu crescimento normal, do .,eu
252
d s~nvolvunento esthetico [... ] medidas reclamadas pela sua grande1.a e • eporl planos de reforma e urbaniza~rao da udadl. O estudo de Richard Mor<>e·" úmco que pen:orre quase quatro século., de história de Sao Paulo, con1>titui referencia obngatóna por fomecer um amplo painel de informa.yoes e indrcac;:oes de documentos. além de ampla bihlrografia. Contudo, na!. mais de quatrocentas pá!!Hl, a capital do café, ''pnncesa do Oeste", ganhou reccntemcnte amplo estutlo hr~toriográfico ~ 1 , ahSm de urna séne especial edrtada pelo Centro de Mernóna da Unicamp. A crdade portuária de Santo!->, no litoral paulrsta, mcreceu trabalhos unportantes nessa úrea de interven<;6cs urbana.'>, focalinndo um período ern 4uc o engenheiro Saturnino Brito, rdealizador de vário!-> projetos para sancm e ernhclezar cidadcs bra-.ileiras. realrza a reforma que dar
253
estímulo espec~al: a prco;enr;a do autor no comando da prefeitura por do1s períU(J entre 193~-1945 e 1961-1965, assegurou a •mplantaciio de <;eu proJetn Contuuc: ~· mereccu uma Tese de doutorado cm arquitetura de Maria Cristina Le le~ Importante, porém pouco ace<;sÍ\'el, porque mio pubhcada, e, no ano pa'\sado ' magnífico livro do arquiteto Benedito Lima de Toledo repleto ú~.- informar-oc: 0 :r Pcl .,, e rndispensável, \Obretuc.lo, pela-; 1magcns excelentes pe'>qlllsadas e coletada<; autor Um estudo sobre os ano.., 50 e o "Plano Reg1onal para Siio Paulo", de Anhai~ Mello e o "Ante-projero de um Sistema de Transporte Rápido" de Prestes Ma~ também permanece m na forma de tese defendida pela arqu1tcta Regma Meycr." Acaba de ser publ1cada a Tese de c.loutorado da arqu1tcta Raquel Roln k\1, cobrindo parte do período republicano num cstudo amplo do ponto de vista1 ~ leg1c;la~iio e das política., urbana ... Trata-o;e de um exame da h1pótese de que "a Iet. aparememente func1ona como unw cspécie de molde da cidade ideal ou desejável" Cruzando dl.,pOslli\'os legais com "forma<. concretas de produ~ao 11nobiliána da cidaúe", a autora envereda por caminhos mteressantcs na rela~5o entre a cidade legal e formal e a cidade clandestina, ou cm suas palavras, "territórios dentro e fora da lci, [. ] regioes de plena cidadania e regioes de cidadania fimitaúa". Embora sejam novamente as décadas in1ciais do século o período ma1.s detidameme c~tudado, o trabalho se impoe desde já como referencia Importante para os estudos ~obre urbani¿aqao da cidade de Sao Paulo.
1
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E PATRIMÓNIO CULTURAL
Nas vésperas do quarto ccntenáno de Sao Paulo, duas auloras Emma Debcnedettr e Anita Salmon1, concorrem a um premio de concur'o organ izado pelo Instrtuto Cultural Ttalo-brasdeiro, com uma monografía <;obre a arquitetura italiana na cap1tal paul1sta. Nas palavrao; mtrodutórias vem expresso o entusiasmo prevalecemc na época em relas:ao ao vertiginoso crescimento da cidade: Negl1 ultuni sessant'anni San Paolo si e d!lar:Ha com vclocili.i eccezionalc, cspandenc.losi in ogni c.lirczJOne, tran.,formando, nel gu·o d1 poche c.lccad1, collrne brulle in sonc b a Hale e len·enr panranosr rn n.c.lcnlr quartrerr grar . d mo. '7
e~cntas
Palavras que contrastam vrvamente com as de BenedJto Luna de Toledo. no comec;o da década de 80: A crdade de Sao Paui1J é urn palrmpsc,lo - urn rmen.,o pergarninho cuja C\crna é rn~pac.la de lcmpos em Lempo~. para recebcr ourra nova. de qualidadc litcráJ ra mfcr1or, no geral. Uma crdadc recnn¡,rr uída dua., vc1es ~ohre '' mcsma no últ1 mo século
0
Nclas, nos deparamos com a feitura pe.\simtsta das transformacroes sotndas Ja ~: 1 Jad~ dt! Sao Paulo. Na seqücncra do texto a avaha¡;:ao se desJobra e cxpoe ~ , ,1rgumentos :
0
Urna cidad~.; captat de gcrar um parque como o Anhangahaú. um do:- mai:. bclos centro-; de c1c.ladc das Améncas, para destruí- lo cm poucao; décadas. e sem ncccssidade, apena' por imcdialismo e rmprcvtdéncia. Capat de crwr urna Avcnidn Paulista, un1ca por :-.ua po\it;ao na crdadc e msub:-trluívcl cm sua elegancia, para aol> poucos dc\Lruí-la minuciol>a e rcra---.ndamenrc. E, ),CI11 rel110f),() 58 Essa hi-;tória come~a há u m ~éculo com um s1lvo de trcm.
Aquí a nos:ao de "progrcs'>o" JÚ assumiu se11 stgnificado pleno como movimento "cnadoramente destrutivo··. Nada permanece, a própria materialrdade da cidade afigura-<;e fugidia, p,ermancce .;empre, porém sob diferentes formas. Ou como relembra David Harvey 9 citando Baudcla1re: "a modernidade é o transitório, 0 fugidio , o contmgentc: é uma metade da arte, ~endo a outra o eterno e o imutável". Cabe cntao uma pequena indica~ao dessa contraditória sensa~ao de prazer e temor para quem vive nas megalópoles. A convivencm com um tempo violentamente acelerado modtfica radicalmente a experiencia visual dos que por elas transitam: sao imagens fugídias as que se apresentam ao olhar de qucm se desloca por meio.; motorizados. A simultaneidade nao exige mais urna composi~ao artística de objetos extraídos de lugares e tempos diferentes e colados em urna única obra; faz parte de nosso dw-a-dra. Qual enUio o significado de se elaborar um proJeto, algo necessariamente vinculado ao tempo futuro? Urbanizar e conferir um aspecto moderno, regular o presente 1.! prever a..\ demandas futuras. Tal foi a inten~ao do<; vános planos de interven~ao nas cidades. Trac;:ado de rua:., abertura de novos ba1rros, zoneamento, ado~ao de técn1cas con'>trutívas atualinda\, estilos adequados para expressar visualmente a "modernidade". Haussamnn exigiu dos proprietários de imóveis Implantados ou projetados para "erem constl uídos nas laterais dos grandes bulevares e avcnrdas da cap1tal franceo;a a padron1za~ao das fachadas neoclcíss1cas ou ecléticas, coadunando em \Ua concep~ao de modern1dade a func10nafidade da<; vías de circula~ao desafogadas, o grande cruzamento central atravessando de norte a su! e de leMe a oeste a cidade, a:. rotatórias cm "estrela", a monumentalidade das per~pectivas e das Pra9a~ prOJCtadas ma1s para serem vistas, seus monumentos centrais admirado<. Peloc; tran.;euntes, do que scrvirem como local de encontro para a popula~ao Nao descuidou dos equ tpamcntos colet1vos mas c;ua maior aten~ao ficou com o descnho das ruas e a massa arqtlltelonica disposta de mane1ra tcarral. O aspecto da cidade, hoje congelado pelas leis de pre,ervac;ao, confere-lhc a magníficá aparencia de
254
255
museu Afirma-se mcsmo que os parisreno;cs '>e \'CI11 abrigados a ficarcm alorallos no trabalho e t>m ~"~l~ mnradi:1\. imp.:dido~ J~.- ntodifi'!la srgnrf~~.:ativamcntc O\ amrgo-. edrfícros. Urna modcrnrdade congelada, ''figée'' lt~r cxprL''-'-iiO france-;a Contratli<;~to nos termo~·~ Tahet ~ 114 Em Sao Paulo, os pl.mo' JI! n.:fonn.t e o-. pn>JCto<; de urbanr?a~ao de área~ com re'iultados e~pressos no.; belos p~rquc~ _do Anlwngabatí e D. Pedro H. nos an,~ t' 10. ohedecram a eso;a concepc;ao csta\'cl. duradoura lle moklar a<; crdade ~ e20ontuc 1o. O\ de bates entre ur..L.. anr~t¡¡.., • •' , mostrava exr-.;trr Ja ncssa epoca adeptos dS, manutent;iio do trac;ado e forma-, arquitctoni~,;¿" c.la cidade em ~ua parte ¡~ con..,olrdada, aves\O'\ ao ímpetc arra".1dor c.las pH:arl'las. ddendido por alguns. certo ponto, a área ~,;entra! c.lu cidade mantém amela, talvez mais por desinteresse de investimentos moJerniL:adorcs nes-,a regiao. parcela ~rgnificativa das , traficantes e consumidores de drogas, uma ocupa~·ao cqurlibrada com 0 u~o comercial, financerro, profissional cm ~urna, da ma10ria dos imóveis. Há urna relac;ao solidária entre essa~ preocupac;oes, cm parte motivadas pelas apreeno;oes da popula.;ao obngada a transitar pela-; rua.) ccntrais e, em clecorrcncra, da¡, autondadcs públrcas, e a fonna<;ño de uma "consciencia de patnmonio" fr~üentcmente airada a~ not;6es de idemidade, memória e cidadania. Cario-, Lemos expoe a concepc;ao atual de "Patrimonio Cultural, também composto de bens de'itituídos de valor estético ou histoncidade relevante", na me::.ma linha de argumentos do colega Nestor Goulart."' Um,t marca identificatóna de Sao Paulo, seu cosmopoliti~mo, seus mi lhare.s de profíss10nais estrange1ros com nova~ sollll;6es arquitctónicas decorrentes eJe novo¡, rnateriais e de novas "saber fazer" Para Lemos, e:-tudio-.o das técnrcas con<;trutrva<; emprcgadas cm Sao Paulo. '>fio os profis.'.ronais de várias nacionalidades, sobressaindo mestr·es de obra italiano.' e alvanéus portugue.ses na longa .sequcncia de pedrciros, calceteros, marceneiro~. C\tucadores... que lhe conferern um aspecto de "ecleti ... mo novidadeiro", em espccral quando se trata da~ edi frcac;6es encomendada~ pela classe média paulr~tana Seu esruclo da "alvcnarra burguesa" é uma excelente e Impre<;crndí\'d rntrodu<;Jo U'i técnrcas con<~tn.Jtrvas, padree.. e partidos arqurtetónicos, disposrti\O:> legai~ relacionado!> as transformac;oc<, na caprtal pauli-;ta. DJ .,equencia, em molde~ academrcos, ao trabalho pionerro de Emma Dcbenedctti e Anita Salmonr sobre a pre.sen<;a mareante Je edrfica<;oes eclétrca!-. corl\truída<~ pelo<; capi mcu!sm pen rn~u la re!..
At;
l'\es~e e~tudo, Lcmo~ d<í contrnurdade .t trabalho antenor que 'iC soma ao dl' Ne.stor Goulart62Rei:. Frlho, ao de Maria Amélra Salgado Lourciro e ao~ trabalho!i ck Muri lo tvlarx Out ro' ec;tudos vrcram rct:t:ntcmente amplrar e-;<,a árl!a Jl' conhccrmerlto" de moJo a fi \ar. ao meno~ junto upopulat;ao culta, urna con!-.ciend:J 256
de prc.servac;ao fundamentad,¡ na fonnac;ao de um gasto por e~t!los arquitctómco-. p.tdr6e-; c:ultur'll" vnlormtclos rntelectualmenh.. A arqurtetura do ferro e o ~ll'tismo na arquitctura bra!-.ilerra, as formas urbana~ de morar da elite cafeerra ( de modo a formar um funJo d~ pcc;qtnsas ,¡ serem levada... ·di para o harToco e a arquitctura moderna. Impossívcl deixar de sublrnhar arnda uma ve7 a estrerta rela<;ao entre e~r.:riencta vi-.;ual, o ... aber culto e a valori1a~ao de parte da cultura material da crdaJe; relacrao que -.e completa nas polítrcas de rntervenr;ao, ne'>tc caso, niio de ~fnrma. mas de presena~ao e con'>titUtt;'ÜO de uma memória rmagétKa. uma hi"tóri a exprcssa em pedra, tljolo~, ferro, vrdro ...
ÁGUISA DE CONCLUSÁO Ncqe percur"o pela produ~ao bibliográfica ~obre a cidade moderna, e ma1s c!specificamente sobre a c1dade de Sao Paulo no período republicano, a opt;:fio pela materralidade da crdade- edrfica~ocs, trat;:ado-. de ruas. intervenc;oe.s, urbanizac;ao inúmeros trabalhos rmportantes ficaram nas prateleiras $em serern menciOnados. Mesmo para o recorte específico C!>colhrJo, for impossível recolher e comentar todos os resultados de pe,quisas realizadJs nas várias u ni verstdades púbhca.s e privadas de Sao Paulo. Reafirmo o carátcr de traJetória pe~soal. Assim, !>erra uma falha rmperdoável nao mencionar ao meno.s a importante colabora~ao para a área de c!~tudos da~ crdatles, dt: revr<,¡as e colctiineas de trabalhos apresentados em cursos, congressos e reunioes congéneres ou reunido~ sob o estímulo de pessoas intcressada" em ampliar e\'>e campo de conhecimcnto.s. Novamente deixo claro que relacrono .só o materral a que tive accsso de maneira variada. Na área historiagráfica, por exemplo, lembro o número duplo 8/9 da Revista Brasiletra de Hi.\tória, reunindo cm 19g5 um conJunto de artigo~ \Obre o tema cidadc Foi o únrco! Urna coletanea Imagen' da Ctdade. Séculos XIX e XXH, organizada alguns unos depois, traz comunica'T6cs apresentadas em urna rcunrao da 'Cdc pauli~ta da As~ocia~ao Nacional de Professore\ de Hl\tória (ANPUH) Lcmbro ainda, os dois volumes do!> Cade11ws de Histária de Silo Pauto "obre o tcllla "A ctdade e,¡ rua", cditaJo pelo Museu Paulr,ta (USP). preparada~ pela inicrJtn a de U\\ocia<;oes profrssiomm ou programa!'! p6 ... -grac.luado:- na área de arqurtetura e Urhan1smo Cidude & Hi1tória, 0/hare' sobre a Cidade e lnwgens Urbana1 66 rcúnem e-;tudo., de e'peuali'IHis de área' Ji,ersas e con::.trtuem refcrcncr.t~ 'mponantcs para o tema Mai<; recentemente, Ctdade, ptJt•o e na,·i'ío comp6e um Unrverso de ~,;ontrrbuit;6cs ao e~tudo dt~ gene~c do urhamsmo moJcrno com
257
pe-;qUJsadores de disctplinas e imtttutc;óe~ dtvcrsas, bra,!)iletras, de países latin • o de Imgua t>panh<,la e 1.rance-.as Há também os texto'i doo; Anats do IV Semmáno de Históna da Ctdade e do Urbani,!)mo (novcmbro 1996) e O\ que compóem os tre.-. volume ... do,!) Anat,!) do ~ Lncuntro Nacional Ja ANPUR. n::(lltzaúo em Ret:tfe no mes úe mato pas~ado 6K. Esta rela~ao ficaria 111completa se nao mcnciona..,o;e o' Cademos IPPUR da UFRJ e a importante Revista de Estudos Regionais e Urbano<; Esparo & Debares, que há muito.., ano' vem sendo a pnnctpal publtca~ao penódica na úrea de questóe.., urbana..,, e a mats ret:ente, Oculwn, Revi~ta Univcr-.,ttána de Arquitetura, Urbanismo e Cultura úa FAUPUCCAMP. CUJO padrfw de edi~rao com nÍ\cl intemactonal corresponde a excelencta dos artigos publicados. ~
·¡mencano~
7
SOBRE HISTÓRIA, BRAUDEL E OS VAGALUMES. A ES COLA DOS ANNALES E O BRASIL (OU VICE-VERSA) Pau/o M1celt
rdlexóe<. intctais de Amonio Candido no prefácio a t¡uinta cdtrrao de Raí~e.1 do Rmsi/ 1 apontaram para o -;ign1ficado que o ltvro de Sérgio Buarque de Holanda tJvera no proces,!)o de constituiyao da-, novas formas de se pensar o Brasi 1, a parttr da segunda metade dos anos 30 "os homens que estao hoje [ 1967] u m pouco para cü ou u m pouco para lá do" cmquenta ano~ aprendcram a reflettr e a se mteressar pelo Brasil sobrctudo em termo,!) de pa<>~ado e em func;ao de trés livros: Ca\a-Grande & Sell':.ala, de Gilberto Freyre. publicado quando estávamos no gtnásio; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarquc de Holanda, publicado quando estávamos no cur\O complementar; Formar,:üo do Brwd contemporáneo, de Caio Prado Júnior, pub! 1cado quando está vamos na escola superior".~ A tmportancia de Ca~a Grande & Scll':.ala, de 1933. vinha de sua ··composic;ao libérrima" e da franqueza com que o autor tratara de temas pouco U\uais nos cstudo" sobre a ht,!)tóna do Brasil, espectalmente relacJOnado\ a sexualidade; do 11vro de Sérg10 Buarque de llolanda, editado cm 1936, Antonio Cundido de•;t.tcou o fato de que a obra, "con-.truída sobre uma admirável metodología dos contrários", investía contra o dogmattsmo e abna campo para '"a meditac;ao de tipo dialético". ao mesmo rempo que punha sob suspeita ··o saber aparente, CUJO fim cst;í crn SI mesmo e por isso deixa de aplicar-se a um alvo concreto. sendo procurado -;obretudo como fator de prestígto para quem sabe··. Finalmente, o grande livro de Caio Prado Júnior, de longe o mats competente hi~tonador marx1sta brasiletro. caracten¿ado por "urna cxposic;ao de ttpo factual. inteiramentc afastada do en<;aísmo (mareante nos dots anteriores)".l Além de nssinalar. <.:om prectsao, tlln proce,!)so de nítida ruptura com o P
A
258
"
w¡-.:rc.\MPl
259
As rela~oes de Caio Prado Júnior com a universidade, por e.x emplo, nurka foram de murta cordialrdade. apcsar da enormt• mfltu~nc r~t que scus texto~ reflexoes excrceram sobre alguns professores e muitos estudantes. Sérgio Buarqut: de Holanda. por sua vez, que ingressara na Univcrsidadc do Distrito Federal~ quando Raí-:e' d(l Bra .~il ¡á estava concluído, só foi lecionar Hrstóna (Económica) do Brasil, em 1948, ocupando a cadcira que fora de Roberto Srmonsen na EscoJa de Socrologia e Política (SP), esperando até 1956 para ingrcssar na Universidade de Sao Paulo, onde assumiu c1 dtedra de História da CiviliL.a~iio Brasilcira, conqur<;tada por concur-.o. em 1958, com seu magi<;tral V/Sao do Paraíso. Embora seja extremamente sedutora a idéra de acompanhar a-. influencra~ que esses dois autores exerceram na Unrversidade de Sfto Paulo, rmporta reter apena<; os tra~os mai<, gerais desse quadro e arri<.car a síntcse quase grosseira. 0 pensamento de direita, 1amais apagado na universidade, produziu escas~os resultados, prefer indo 'leus representantes aproximar-se do-; degrau" rnfenores da hrerarqura em que -;e dispoe o poder político, or:upando postos adminrstratlVO.., que atingiram a própria reitoria. Quanto a hrstoriografia marxista, muitas vezes com sacrifícro da própria qualrdade, foi sem dúvida a mars prolífica, gerando frutos e produ7indo influencias que se e<;tenderam inclu)ive para outras áreas do saber academico, como a socrologia. a filosofia e a crítrca lrterána, por exemplo. Entretanto, afora alguns cxemplo!> quase isolados, apesar de valiosos, a abundancia e, princrpalmente, a onginalidade correram por fora da u ni versidade, tantas vezes esquecrda da~ advertencras que Sérgro Buarque de Holanda pusera no ~exto capítulo de Ratzes do Brasil ("Tempos novos"), quando apontou algumas da!. razoes do sucesso que o posrtrvi"mo (de todos os matize~ ... ) sempre teve no Brasil· "um amor pronunciado pelas forma~ fixa" e pelas leis genéncas, que circunscrevern a realidade complexa e drfícil dentro do ambito dos nossos tlesejos".~ Além di~so. "essac; construc;:oes de rnteligencia representam um repou..,o para a imagrnac;:ao. comparável a exigencia de regularidade a que o compasso musical convrda o corpo do danprino. O prestígio da palavra escnta, da frase lapidar, do pensamento intlexível. o horror ao vago, ao hcsítante, ao fluido, que obrigam a colaborac;:ao, ao esfor~o e. por conseguinte, a certa dependencra e mesmo abdrcac;:ao da personalrdade tem determrnado assiduamente no..,sa formac;:ao espintual. Tudo quanto drspensc qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as rdéias claras. lúcidas. definitivas, que favorece m urna espécie de atonía da rntcligencia, parece mnos constituir a verdaderra essencra da sabcdoria".6
fral1cesa encarrcgada de organrzar a Universrdade de Sao Paulo. Tinha rníciO, desse uma estadc1 d~;; tr-::s anos, rcsponsávcl pela transforma~ao de um obscuro rrotcssor de Hrstória da Civiliza~ao num dos grande~ nomes da historiografía do
moJO·
século A .rmportancw ~ . que Brau d e 1 atn.b uru . a. sua passagem por s-ao P au 1o e. tema recorrcnte em todas as entrcvrstas onde tratou do processo de conform;u;áo de seu pen-.amento. Aqui, ao invés de compleXO\ conct!itus elaborado~ a partrr da'> tter. n~as e desdobramentos em que, de htíbito. <;ustentam-se as reflexoe<; sobre o-; 1 proce..,sos formadore.., do saber. aparecem palavras como anu-:ade. comporramento , umental, 5 11
U m ano antes da primeira edic;ao de Raí-:.e\ do Brasil, em fevereiro de 1935. Fernand Paul Achille Braudel chcgava no porto de Santos. a bordo de um luxuo!>O navro. Nascido no mesmo ano de Sérgio Buarquc de Holanda ( 1902), Braudd .;ubstiturra um professor da Sorbonnc. recentemente falecrdo, rntegr
etc. Quando se le, por exemplo, a entrevtsta que Fernand Braudel deu a um Jornal paulista por ocasráo do cinqücntenário de funda\áO da Univer-;idade de Sao Paulo7, percebe-se a importáncia que o historiador atrrburu sua permanéncra no 1 Bm!>il. Como entender, entao. que no prefácio a 1' edi9ao do Mediterrfmeo, assrro como na<> edr~oes subseqüentes. nao <>e far;a qualquer alusao a urna influen-:ra con ~rderada fundamental pelo orientador de sua tese, Lucien Febvre, para querr <;ua mudanc;a fora maior com o Brasrl, onde escreveu grande parte do livro, do que com próprio Medrterdineo, seu tema maior? A resposta que se arrisca é que, em Sao 0 Pauto, Braudel encontrou apena., um ambiente para dialogar consrgo mesmo, refletir -;obre Hrstória e testar sua~ rdéias nas aulas e conversas que mantinha com os alunos e alguns mtelectuais. modestos inrcrantes cm urna área do saber cuja for~a renovadora. allás. chegava de fora da unrversidade O Bra•;il teria srdo, assrm. um vasto universo, cujos ritmos vrnham do tempo mars lento das elires que tomanun para sr a func;áo de organizar e administrar o pen-;amento dentro da universidade. Mais do que um ambiente intelectual, o Bra-;il foi urna parsagem, um jardim que até podra ser aberto pela biblioteca de Cruz Co!>ta, mas que se oferecw principalmente para a vida contemplativa do estrangeiro que, por olhar de fora, scm a forr;a determinante do compromrsso, consegue enxergar melhor a vida que se arrasta no rmenso laboratóno social. Sérgio Buarque de Holanda desafrava a intehgencra em repouso dos mtelectuais positivrstas; Caio Prado Júni or alinhava-se com o pensamento militante. para o qual o saber -.e define e justifica como fcrramenta para transformar a sociedade. Enquanto isso. Braudel mergulhava a Históna numa grande nmpulheta, onde o tempo - matérra-prima fundamental de toda a teoría da Hi~tória -fluí com desesperadora lentidüo, alheia e imune aos projeto.; e sonhos de tOdas OCiai-.. O Mediterdineo, mar rnterior e fechado que ~ompnmiu a história conhecida do mundo durante séculos, opunha-se ao Oceano e a lcrra qua<;e sem fun que se abria para além de um horizonte que só se c.ompreendia no c<;pa~o do pensamcnto Entre esse-. dois universos inconciliável'>. Fcrnand BrauJcl estendcu com palavrao, a pome de ...eu tempo longo. de~afinndo Para urna trave<,<,Ía que poucos .,e atrevcram a segutr. Por io.,so, o excmplo de ~o nao póde ser repetido. A diferen~a do proJeto man.ista. a histonografia
260
261
a
braudchana tem por objetivo a insprra~ao. um exemplo a ser conhecido e qu . - rmrta . . do. u'm ~dber J.Mra 'l!l apreendrdo e para despertar ti\...... "ab ore:tdo. mas nao 1crtor .'o1Hano - · ur~ ~entru? ·.1 .1 · H' - · . llo ua propna •~tona, pnm:rpa1.men~c pelo espetáculo qu~ aproxrrna da hrstona v•vu.Ja pelas personagcns que o h1stonador nos dá a conhec.0 ao colod-las quase imóvei!> nos Jargubsimo~ cenános socia1s que desenha em ~c~r Jivro-;, 111\:!~lllO quando co..,se e~pas:o parece reJuz1r-se a casa OU a mesa de U~ famíl 1a carnponesa.
¡clc!ClUal qua~c esquecida pelas novas gcrac;:oes: "conheci um filósofo adm1rávcl, ( ruL. cu~ta, u m humarw.ta de rcqumtc cxtraordinário. Lcmbro-me de <,LJ'.I b~blíotcca e de sua cadeira de balan~o. Foi nessa biblioteca que ele me ensinou a ver 'arasil. Ele estava sempre pronto a nos dizer o que tínhamos que ler sobre o Bra~ll 11 0 ' . 'f-1co~. canludo, em que comportar" . · E' m termo' h'1stonogra como no\ d evtamo~
~fl áO
~se o ménto JSola~o de alguns _de seu.,_ trabalhos, nenhum de~~es int~lectuaio..,
Mats de urna vez. o h1stonador relac1onou, com admira~ao. alguns desse:-. estudante!> e intelectuaJs brasileiros de quem guardou Jembran~a. aludindo a sua mortc para explicar as ra¿oes pelas quars declinara do convite para comparecer ao Sses, Braudel lembrava-se de Paulo Prado- "u m homern prod16io:-.o que escrevcu O retrato do Brastl" e que "tmha um
produLiu qualquer co1sa de cornparavel a Serg1o Buarque de Holanda ou CalO Prado Jún 1or, por cxemplo. valendo registrar. apenas. que a curípede-. S1m6es de Paula. o aluno prefendo de Fernand Braudel, deverno-. a Rev1sra de 1lisrória, de -.u.t ínic1ativa e propnedade, e que fo1 sempre um Importante espw;o para d1vulgac;ao Je 14 ensaios e renexoes sobre história e hístoriograha. Assim, em síntese. o Brasil ofereceu a Fernand Braudcl urna grande lrc;ao de hrstóna Na viagem. a presenc;a insistente de tras:os característrcos e refor~adoreo.., de um multis..ecular pas~ado colonral. Na chegada. um dos pólos conformadores da grande cltvagem em que <,e as~o,enta a sociedade brasileira, representada ¡:ela pujanc;a material de Sao Paulo, pobremente ilustrada por seu primerro arranha-céu, de ande se poderia enxergar, a distancia. os bairros operários e cortic;os 4ue a valanzac;ao imoblli ána afastava cada vez ma1s da regiao central. Além d1sso, durante os anos de permanencia, a amizade que, no Brasil dos 1ntelectuais, costuma-se dedicar ao estrangeiro. Finalmente. a poss1bilidade de efetJvar seu trabalho, grac;as a uma espécie de longa dura(:iio em que se d1spoe o trabalho acadern1co. ao <.er perguntado se sua tese sobre o Mediterriineo fora escrita no Brasil, Braudel respondeu: ''Foi. Grande parte deJa. Eu tinha toda a documenta~ao. Os estudantes trabalhavam pouco e os profes~ores também. Hav1a muitas d1strac;:oes e feriados no Brasil. E como é possível a v1da sem drstrac;:oes? um dia era a festa da descoberta da América, depois festas de Sao Joao. etc. E nao tmha aulas. Havia dms em que a faculdade estava fechada e i~<;o nao era m1nha culpa. Dessa forma, tinha mullo 1 tempo para ir escrevendo a tese cscondidinho ..." . ~ Por essas raz6es, mais do que renetir sobre as influencias da EscoJa dos Atznales no Brasil, parece ma1s correto conc;iderar. numa relac;ao dialética, as influencias no sentido mverso. Por Jsso. Braudel jamms publicou um livro sobre o Brasil: nao estavam aquí os seus problema-; e questóes, mao; apenas e princrpalmente um vasto laboratório para afens:ao e desenvolv1mento de seu-; conceito~ fundamentai..,, o que pode ferir um pouco o orgulho de alguns de -;eu~ "herdeiros", que. aliás, qua~e nada produziram de sigmficativo, JéÍ que nao adianta alisar as pedras tocada~ pelo historiador, na esperanc;a de apreendcr o sentido de sua filosofía da História, mesmo porque ela é sobretudo urna história elaborada a partrr da expenencia- como faziam alguns antigos VIaJantes -, e expenencia é corsa que mars ~e exibe do que ~e transmite. Sena prectso, portanto. considerar a historiografía braudehana no terreno pouco objetivo, mas fundamenral, da 'ensíbll rdadc u m nsco exce~s1vo que pode comprometer as sólidas e antigao..,
262
263
A . . . . lm. a exemrlo UO\ ant•gos viajante~. Fernand Braudel cncontrou llC) Brasil ü e~pelho !>Obre o qual v1u rdletida a 1magem da velha Europa, libertad¡\ de ~Lw .... longuí-;~imas prisoes tc111porms e e~pacJUi~. grar¡:as ao Atlantico, apenas quandu os pavo.., de suas praias enfrentaram a neces~idadc de lanr¡:ar-se ao mar: "para mnn _ rel1etJU Braudel - vir ao Bra..,il foi mu1to ma1s importante do que para voces virem para a Franc;a".~ Essa rmportancia carnec;ou a o..,er percebida J:Í no navío, ande podt! travar cantatas corn repre~entantes do~ con'iórcios norte-arnerrcano.,, da, cornpanh1ao; ~eguradorao; francesas e outros hornens "que dominavam. no exterior, a vida económ1ca do Brasil" .'> Logo em segu1da, as nnagcns do desembarque e da pa1sagem. "jama1s havia v1sto algo de companível ao que pude ver em Santos. a ferrovia de crcmalheira que <.ub1a a serra de Santos até a esta~ao da LuL [ ... ]. Chegar a Sao Paulo foi maravllhoso Nao ~e tratava da ctdade que voces conhecem, isto é. magnífica e absurda. Só hav1a um arranha-céu, o Martinelli". 10 De espanto em espanto, Braudel comec;:ou <>ua aprendizagem sobre o Brasil: um procc~so que exrgiu, de mícia, o esquecimento de rudo quanto <;abia de sua~ leituras sobre o país. MaiS do que isso, renctJU, "um dia ou outro temas que nos separar Jo que j
pn.,óes onde germma a_ pouco fecunda mcntalida?c de nossos historiador-e~ pos1tn Jsta\, com seu espmto 1111er'o e m lnngn e profundo rcpouso: uma lcntid¡¡ que fo1 lembrada com '-Uave 1r0n1a pelo próprio Braudel que. ao ser indagado '-Ob: o' efei!O\ JdcológJco~ da revolut;ao russa ao tempo dL 'ua pcrmanéncía em Sao Paulo, de-;viou-se e rc,pondeu que o' braslleiru:-. "t1nham como referencia a revolut¡ao francesa. Eles csperavam por uma revolus:üo dessc tipo. Acho que CMao esperanc1o ate' agora ,. .16
Quanto aos vaga-lumc'i e sua luz efCmera, a lembran~a f¡cana, ajudando ..t compor uma surprccndentc dcfini¡;ao de acr•ntccimel!f(l- que<.tan centnl ra compreender ,, C\\Cncía da teoría da hJ..,tóna da c~cola dos \111udl'.\. "o'> ~ ecrmento1> -;5o como vaga-lume::- IHI\ nolle... lm.t'>lieJras: brilham, mas náo srtiüJcl
0111
,.
ad¡¡ram .
1~
Em Santos, no ano de 1937, o acaso pó..; Braudel no mc\mo navío em que Lu<.:icn fcbvre embarcara em Buenos Aires a cammho da buropa. O país que ele dc:!Jxava, cm bre\e mergulharia na profunda tirama do Estado Novo, que tantos e t:to pc~ado., llano., provocou na vida social brasileira e, consequentcmente. nos esfor\ 0 , rcalit.auo~ para refletir sobre ela. A Europa, seu destmo, logo depo1s também, '>cna soterrada por uma guerra CUJO" efe1tos podem ser sent1dos até o presente, mas que cxerccria papel decis1vo no proces<;o conformador do pem,amento de Braudel. Na memória do passage1ro, lembrans:as de um país que, para ele, apresentava tra'Tos característicos da Europa quinhentista. como o mateiro que, a facao, abnu caminho na floresta v1rgem próxima do litoral paulista reprodu7ira a ..;ua frente 1magens que o fizeram lcmbrar a vida camponesa na Tdade Média. Mai" amda, gravada na lembram;a, uma cena própria de noite~ distantes das luzes da cidade, de onde Braudel extraiu pecullaríssima conccnua~ao de acontecimento 111\tórico. O ano era 1935 e o lugar a Bahía, para onde fora com a mulher, Paule, por <;ugesrao de Júlto Me~quita Fllho. Em certo momento, por canta de um defeJto mecan1co, o automovel que o., levava de Feira de Santana para Salvador parou no meio da no1te. De repente, o espctáculo, e a pequena comttl va foi cercada por urna nuvl!m de vaga-lumes que o historiador persegu1a como cnans:a, enquanto pedía a mulher que vestisse a roupa de couro comprada naquela tarde para que pude~se escapar de Lampiao e seu~ cangaceiros ... A hi~tóna de tampiao e scu bando seguJU seu próprio caminho pelo~ espas:o' <Írido~ e m1seráve1.., do Bra\11 intenor, sem jamai~ cruzm-se. a -;ério. coma~ preocupas:oc~ do historiador A roupa de vaqueiro. anos depo1s. fo1 dada por Pauk Braudel a filha de Luc1en Febvre, que a procurou a buc;ca de agasalhos. parJ defender-se do frío que a guerra tornava ma1s duro. Naquelc lempo, Braudel j<í eslava preso e Febvre fugia dos na7ista-; que, em 1944. fuzllaram Marc Bloch. o grande hi<;tonador de A wciedade.fl!uda/. Entretanto, no navío, csquec1do Jo.s cangacciros, Braudcl reencontrava-~c com scu onentador. e parece que foi nessa torna-v~agem que Felipe JI perdeu de modo dcfmltivo o papel central no imenso e~petáculo que o Meditcn·aneo ofercát. Parae. J<Í que poucas h1stória., esconderam-se tanto por tr<Í'> dos acaSO/> cofllll aquel.t\ com que setenta expl1car a tnlJCtória mtelectual de Fernand Braudel 17
Isso também t¡ucr dizer que a~ grandes cxpllca~6es históricas podcm -;er, por assim dizer, Ilustradas pelos acontecimcntos. tendo pouco resultado os esforyos enl sentido contní.no. Nada disso, contudo. ::-ignifica uma consideraliao menor do ll'l)J11CCII11ento, que Braudcl entenuia ser a ba-.c indispt:!nsável para se chegar a rdleXÜO e a mterpreta~ao - tarefa fundamental tlo hi~toriador. Por CXt:!mplo, ao rratar da quesüio do ensn1o de H1stóna na han9a e de urna espéc1e de apagamento Jo-. fatos e acontecJmcnto'-. praticada "ob alegada intluenc1a da chamada Hi,tóna Nova. Braudel afirmou que ··querer refletir ante'> de conhecer é urna cstup1dei', ou se a. o., cstudantes dcvcm ser levados a reflexao h1stónca a partir do acontecí mento, 1 c~mo fez, num '>entido ma1s amplo, Georges Duby no seu importantí1>simo livro sobre a batalha de Bouvines e suas diferente.<, reconstrw;oes produzidas ao fungo ' 1 19 do~ secu os. Fernand Brauclel, importa lembrar, sempre considerou o ensino uma das principais razoes da prodw;ao do conhecimento histórico, abnndo-se aí valioso espas:o para discussao de <;eu pensarnento, principalmente:! num país como o Bra-.11. onde a formayao de professores tem '>JUO pJ<;ta cm segundo plano nas umverstdades, verificando-<;e uma espécie de abandono dos cursos de gradua~ao e promovendo-se lastimável distanciamento do ensino básico, em beneficiO de uns poucos e presunyoso<; especialistas em quase nada, e para os quais- orientadores e onentandos -, quase sempre, ensinar é at1vidade menor e de pouco prestígJO. A pesqu1sa, como se sabe, é intlispcnsável para a renova aprendi?es como para o guia, atravéo; do tempo e do espayo Sejamos francos. vmgem penosa, que há de exigir atens:ao, reflexao, esforyo, comprccnsáo e, direi ainda, viagem que é, e nao poderia deJxar de ser, tao somente instrutJVa. Nao é possível Ín<;truir-sc r . ] 'Cnao pelo constrangimcnto. Devemos repetir qu~.: a viagem hi~tórica é um Juro constrangimento" 21 Mms ainda, é preciso que a viagem nao aporte em "terra-. rnortas", devendo con'itJtuJr-sc numa "pcnetras:ao na vida passada em toda a sua cbuli¡yao". E Já que "o adole~cente que no~ ouve tende a prefenr o presente a csse Passado de idéias ab,tratas", é preciso faze-lo "v¡vc:!r na rcalidade da hi-;tóna. entre
264
265
1
coisa ... concretas. ~ É no<.,sa m1ssiio, talveL, fazer com que entre largamente a vida n mmultn clt> ioéia.; que rwvocam o espínto da mfancia e Ja juH:ntude [ ... ] A v iStiU semprc na importancia 1da vida das co1sas: "todo o acontectmento que tere1s para contar tem um lugar n~ espa~o e nao .,e cumprcende fora de seu ambiente" 2 ~
A recon-.tittu~ao de grandes cenános capazes de comportar a elabora~ao du vasto e<.,petáculo da H1.,tória era para Braudel urna tarefa que nao deveria ficar .'>ubmetida apenas ao~ proccdimentos trad1ciona1s da ve! ha dl<.,c1plina. Impunha-c;c a multidiM;iplinaridade, já que as questoes poo;ta., pela História, ou mes mo enhando, niio idé1as e mais idéias e, menos ainda, um s tstema de idéia\. mas 1magens aos mllhoe~, o fabuloso espetáculo da históna, 111J~lurando o ontem com o hoje. Em tudo isso, nenhuma preocupa~ao com a lógica. Ante~ de tudo, o prazer da descoberta".-'6 Ante a frustra~ao que freqüentemente expenmenta o pesqUisador por nao encontrar nos arquivos o que lá fora procurar, Braudel fascinava-se com as coisas que o Imprevisto lhe punha a frente: ames de armar-se previamente com aqullc que se convcnc10nou chamar concepc¡:ao braudeliana da Históna, o autor do Mediterráneo parecía carregar na cabec¡:a "uma fantá:.tica fantasmagoría decores, de pISta, representava para Fernand Braudel urna porta aberta a unagina~ao, como recordou Paule Braudel: ''lembro-me da emoc¡:5o que sentiu um dia, em Valladolid. Colocaram sobre nossa escnvanm ha enormes ma~.o~ de papéi.... Nao tinham :.ido abertos desde o século XVI. era difícil destacar as folhas. havia cada vez um barulho de papel se rasgando e a areia dourada, que outrora havm secado a tinta, ainda estava ah. Braudel sonhava, passando os dedo~ ~obre e-....a areia. Durante mu1to tempo, ele con<,ervou um saqui nho com essa arda dourada. 2''
~pt!Íil.l dO que ve, nO momentO em que O vé. estJ OCUpado em USUfrUlr de tudO IS~O ~ poeta". ' 0 Este é um do-. trn\o" e<.<.encHlls da ec.,cola dos AnnaleL antes mesmo
1110
d coloca9ao de novo' tema)> e problemas, novo<; modos de <;e perguntar -;obre ;~stóes tiS vczes antigas, J come<¡:ar pelo próprio sentido da Hi stória. Desse modo, , fontcs pa,-;am a depender claramente do que faz dehts o historiador. ">na :n.,ortanc1a ou insignificancia decorrem de scu uso e do que se constrói com cfa;,. ara por _em func10namento aquilo que Marc rerro chamou de "usina dt: sonho.,". p E da1 que vem a propo<.,ta de avan<;:ar para além do cstudo ex~luo;tvo das cfl't!:o. políticas ou das guerras, por exemplo, como aconselhou Lucicn Febvre muna conferencia realtzada em Sao Paulo, cm 2 de ~etcmbro de 1949, e<.,colhida, aliñs , para abnr o número inaugural da Revista de Histórw ( 1950), criada sob inspirac;ao direta de Fernand Braudel. Na oca-.iao, Febvre propós u m vcrdadciro programa para estudo da História, '>ugenndo temas e questoes que apenas recentementc 0 come~aram a ser percebidos, e ainda t1m1damente. por algun~ histonadores br~tlc1ros. O ponto de part1da deveria ser o e.c,tudo do "Homcm, desde o iníc10 o homem, o homem que age, aflito, sofrendo e trabalhando. criando estes magnífico~ encantamentos da arte e da literatura, construindo, medida de suas necessidades, a.' grandes rellgioes e as grandes filosofías, dotundo-se, mental e sentimentalmente de um futuro humano que po!>sa projerar para além de si mesmo e que o leve a libertar-<,e de seus humildes princíptos de bruto, de pobre bruto, mal dotado pela 31 natureza, tnferior a tantos brutos podero!>OS, feroze, e bem armados" E para que a Históna possa se tornar a c1encia do Homem, o orientador de Brnudel conclamou o~ histonadores a encontrar "problemas onde nmguém ve problema algum", propondo, em desafio, que se fiz.esse, por exemplo, uma h1~tória do amor, outra do ciúmc, ou da crueldade, do medo e do precro que, a cada época histórica, atnbui-se á vida humana As<;1m. para compreender o homem do sécu lo XVI, seu tema maior, Luc1en Febvre propunha o estudo de suas percepcroes sensoriat~. com destaque para a audu~ao. que teve importancia crucial naquele século. Exemplo disso é a "tempestadc rabel iana que se passa em gritos, em urros, em assobws de vento e cm 12 estafo., de navíos. Só é visível porque pode ser ouvida".
a
Do1s anos depots de Braudel voltar
a Europa, come~ou a guerra. n
No ano
~eguimc, o historiador fo1 preso pelos na11<.,tas, e foi ne...se confinamento for~ado
Nos pequenos ou no~ grandes sinais de human1dade, e ncontrados durante o garimpo nos arqu1vos ou recebidos grac;as aos oferecimentos do acaso, Fernand Braude l parecia ver e, acima de rudo, <;entlr ou quase :,aborear a Hi<;tóna. dispen~ando. mclusive, a necess1dade de dar explicac¡:oes sobre seus procedimenro:-. ·'porque esta é amda uma das comrad 1~oes de Braudel: espontaneamt:nte, ele náo '>ente a nece~~1dade de dar explicac¡:oes a .,¡ mcsmo, log1camente, metodicamentl.!. J
que ele desenvolveu sua concepc¡:ao longa do tempo. A prisao na linha Maginot ( '.?40- 1945) foi de ce1 to moJo providencial, já que o catlveiro ~m Mof,rúncw e Lubeck acabou por enredá-lo nas reflexoe~ que o levaram a formular as ba'c" e\\enciai-; de <.uas concepr;ocs sobre a Hl\tória· "Tive a má .. ortc, ou boa 'ortc. Ut' pa,sar pouco mais de cmco anos na prisao [ . ). T1ve urna ...orte ingrata e padee1 largamente''.
266
267
Em 1941, Braudel encontrava-::.e na cidadela de Mogúncia, h Jcsaparec1da : "uma pn,ao tcrnvel cm ab~oluto. poi., nao havia t~.;pa~o". Ele era ·~.lt Jos poucos que ha atentamenrc a impren~a alema, o que lhe colocou um probj~ ulll "l1vrar-.,e ~?" acontecimento~ que ~e ouv1am a nos.,o redor, dizendo-nos, nao Importante
é:
O h1stonador .acabara de d~egar do Bra~JI e nao se pode c,ompreender \eu pen~amento sem cons1derar a:-, 1nflucnc1a-; dessa estada, assoc1adas a experienc a d 1 '1 o que tm1a · ¡ a, VIsta . 'Id cat1 vc1ro. NB o ra-,1 1, " o espetacu era u m c:-,pclacu o e hit..tón· 0
um tal e~pdáculo de gcntllcta '-OCia! que comprcenJi a vtda de outra mane ra~· chegando a afirmar. "o' anos mai., belos de minha vida pa:-,sci-os no Brasil, qu~ 0 tc\:e consegtienctao; para m1m e me expatnou. de cena forma' F\sa expama~ao atmg1da no Brasil acabou por completahe paradoxalmente. no e.x1guo espa9o do cat1veiro, cmzando-~e as<>lm a experienci~ pe.,.,oal, e traumática. com a história mai~ longa das forma~oes sociais. De.,'>e modo, também com Braudel, a 1llé1a de que o historiador é pris1oneiro de seu tcmpo encontrou formas efetivas de concretizar-se, tornando-se claro o sentido das reflexoes que incluiu na mtroduyao da coletanea que pcsquisadores polone~es e espanhóis organizaram na segunda metade da década de 1960. ' 4 "Antes de ludo", avaliou, "esses artigos relidos, um após o m1tro, evocam para mim circunstancia' antigas. Revejo-me com Hcnn Bnm~chw1g, medindo o campo de Lübeck durante nossa mtcrmmável pnsao."
1
Por tuda ISSO, rernand Braudel propunha uma hístóna orgamzada -.,obre o Jongo e qtJa'-e 1móvel. preferível ao tempo do~ acontecimentos. "o tempo. t:xcelencJa do cronl\ta, do JOrnalista'· l-. Já que cc;sc "tempo curto é a mats ...,_f"~richosa, a mais enganadora dao; dura~oc-.,'' , Braudcl c;ugenu que o htstonador 16 ~rocura::.se "o abngo da longa dura~ao": Referindo-c;e ao período de pri,ao, P -. "pessoalmente, no decorrer de u m cativeiro bastante moroso. lutei muito nra escapar da crónica de..;c;e-; anos difíce1s ( 1940-1945). acrescentanJo que ~rl.'cusar os eventos ~:. o tcmpo do~ eventos era se por a marg:em, ao .1brigo, para oJhar um pouco m:lis longe. melhor Julgar e nao crer muito". Entendem-sc as raz6c~ pelas quais a univer-.idade jamais conviveu cm p
Ora, Braudel nao protc<.,tou contra o modelo, mas contra a utJIJza~ao que dele ~e f:u., que muitos -;e Julgaram autonzados a fazer. O gén10 de Marx, sustenta ele, "o '-t::gredo de seu poder prolongado, deve-se ao fato de que foi o pnmeiro a fab1 ic.:ar verdade1ros modelos sociais, e a partir da longa dura~ao histórica". O problema, avalia, é que "esses modelos foram congelados na sua simplicidade ao lht:s ser dado valor de leí, de cxplica9ao prévia. automática, apl1cável em todos 0' lugares. a toda.:; as sociedade,, com o que ·'se 1im1tou o poder criador da mal' potkrosa .máli::.e soc1al do últ1mo ~éculo", o que "nao é culpa de Marx".' 5
Mas, a Braudel parecía nao incomodar o fato de nao ser bem compreendido, como deixou claro nas "Jornadas Fernand Braudel", realizadas no final de outubro de 1985. Na ocas1ao, foi perguntado pelo histonador ingles Theodore Zeldin se sua Hisróna da Franra sena ou nao compreendida. A resposta de Braudel, como aliás a maior parte de suas afirma~6e" durante o colóquio, tem urna cspéc1e de valor testamental, já que sua morte ocorrena no mes seguinte: "Seret compreenJido obhquamente, ma ... j:í é urna satisfac;áo. poi'> a medtda que as pessoas nao nos compreendem, definem-nos. Meu livro -,erá acolhido seguramente com gentileza e com atcn~iio, mas seret compreendido? Passei a v1da sem ser comprcend ido, e por m11n mesmo'' n Há um certo exagero quando se afirma a dificuldade de compreendcr Braudel e sua::. idéias. Nele próprio estao as chaves que nos abrem seu pensamcnto. ~o texto sobre a longa durac;ao ele escreveu "Para mim, a história é a soma de toda<, a ... h1stória-; po.,sívci~. uma cole~ao Je misteres e de pontos de vio;ta, Je ontcm, d~ hoje, de amanha. O único erro". ponderou. "sena e~colher uma des~as hl-.,tóna., com exclusao das outras " Entretanto, para tornar possível essa história sena necessário abrir-se para os vizmhos: "Ei'> o yuc dá ao nosso mister estranha-; fronteiras e cstranhas curiosidades ( ... ]. toda~ as cienc1as do homcm, até mesmo a históna. cstfto contammadas umas pela~ outras". Falam a mesma linguagem. Sozinha, a h1stóna nao podena dar canta de 'eu'> largos objetiVOs, qu~. para Brautlel, envolvtam nada meno-; que seu uso para explicar "a v1da Jo., homen-; e tccer sob nOS\OS oJhos. C0111 enfase moJifica~aO OU trad1c;:i:ío. agUICSCCI1CI. recu-.,a .... cump!Jcidades ou abandono-.". Mas, quanto a ba-.,car-se ncssa
268
269
A expatna~ao que Braudel constderava md1spen~ável para o htstoriador. as-.ociada a<> crítica~ que - '>e nao a Marx - d1rigm ao marx1smo, além de sustentar sua:-, concepr;oes sobre h1stória, acabou oferecendo um alvo para -;eus críticos, já que. ao sugenr um di::.tanciamento Ja história do presente e atnbuir aos homens um papel qua~e-pa-;s1vo no largo cenário de uma h1stoncidade que se move apenas lentamente, Braudel produz1ria urna espéc1e Je h1stóna de diversao, de pouca utilidade. Na verdade, o hbtoriador confundiu-se ao atnbuir a Marx um modelo de capitaiJ-;mo comercial, no que evidentemente nao está sozmho, princtpalmente no Bras1l, mas fornece valio~o matenal para reflexao quando, depois de afirmar que "o mc1rxismo é urna mult1dao de modelos", incorpora parte das crít1cas que Sartre lüera a rigidez. ao esguemati'>mo e a insufictencJa dos modelos, que desconsideralll o pctrt 1cular e o mdi v1dual.
a
a
explica~ao para prever ou mesmo imagmar o futuro, Braudel era reticente. Ertt 1985. urna longa pcrgunta, que lhe foi dmgada por um participante do refenu colóquao, termmava por andagar "que recursos pode dar Femand Braudel para 0 0 futuro, a luL de sua sabedoria e de seu conhecimento da história lenta?". Na também longa e divertida respo-,ta. o historiador afirmou: "Est· pergunta é maravilhosa, mas é necessáno dirigir-se a Deus Pai para obter : resposta. [... ] Na hora atual, estamo!) mai\ ou menos seguro'\ de que todos ~ modelos de recupera~ao que experimentamo ... nao serao convenientes enquamo a crise nao fizer a gentileza de desaparecer. [... ] A pergunta que me faz evoca "minha sabedona". FaJando com ngor, contestou, "algul!m é sábio para si mesmo -e cu duv1do. Sáb10 para os dernais já é mais difícil. Mas sábio para o porvir, é impo<;Sível''. Braudel d1sse compreender bern que "nossas sociedades tenham necess1dade de um alimento maravilho ...o. A decadencia temporária ou prolongada da igrcja católica criou um vazio terrível. é necessário preenche-lo com bons ou maus elementos", já que "o homem nao pode vi ver sem o maravilhoso, nao pode deixar de criar fábulas, nao pode deixar de justaficar sua presenya na Terra". Mesmo que para isso tcnha de valer-se dos vaga-lurnes ...
JIISTÓRIAS QUE OS LIVROS DIDÁTIC OS CONTAM, DEPOIS QUE ACABOU A DITADURA NO BRASIL*
0
270
Kazwni Munakata
!PLC·SJ>l
os ano~.¡ 70 e 80. urn genero literáno fez relativo sucesso no Brasil o que se poderia denommar "As Bela'> Mentira.,". Tendo talvc¿ como matraz a obra Mentira.\ que parecem verdades. de Eco e Bonaz7I ( 1980), ou também A manipulartio da Justó ría 110 ensi110 e nos me tos de comunicariio, de Ferro ( 1983), uma séric de pe:.quisas acadcm tcas uedicaram-se a flagrar nos li vros didáticos e paradidáticos brasileiros a presenrya insidiOsa da mentira, da manipularyiio. do preconceito. da mistiticac;ao, da legitimayao da 1 dominayao e da exploraryiio burguesas - em suma, da ideología Os títulos e O'> subtítulo'> de alguma<> dessas pesquisas já mdtcavam-lhe-; a inten9ao: ··ver<>ao fabricada", "história mal contada", "bela<> mentiras".: Certamente, es11e genero literáno nutriu-se de urna conjuntu ra polítu.:a cm que, para mllltos setores da <:ociedade brasileiru, era fundamental a crítica do regimc militar e de seu" "entulhos autontános" (como se dizia a época). Livro didático (e paradidáttco) era comprceno.,ivelmente objeto de suspeiyao, do mesmo modo que era su'>peita- e nao sem razao - toda a organizayiio escolar consolidada pela ditadura. Em partiCular, nao foi desprezível a Juta do<; educadores, hiStonadores e geógrafo., contra o expurgo da grade curricular de História e Geografia, que cederam lugar ao' Estudos Sociab, inclumdo Organizaryao Social e Política do Brasil (OSPB) e Educa<¡ao Moral e Cívica 1 Por isso, nao surpreende que livros dtdáticos de Históna e Estudo..; Socims tives:-.em sido alvo preferencial do genero ''As Belas Mentira"" Segundo Cordeiro ( 1994), nos anos 70 e 80 publicaram-se, entre ru·tJgos e livros. treze textos sobre livro~ didáticos de História, cuja "maioria [... ] tem operado em termos da anáJise adeOJÓgica, examinandO OS SCUS teXtO~ quantO a C011SI\téncaa teórica e aos conteúdos vciculados" (p. 141 ). Nao há dúvida ele que muitas bcla.:; (e também feias) mentiras foram Perpetradas em livros didáticos (e paradiclático'-). Mas nao se pode deixar de constatar que e~"e tribunal de hela-. mentiras func10nou também como carya as bruxa-., InquisiifliO terrorista. O Terror, como observou Hegel em Fenomenología do es¡nrtto, é a suspei9fío erigida como cntério do entendimemo e da a<;iío Assim como a~ agencias de mforma9ao do Estado descobnam subversao por toda a parte. também se
N
27 1
!'>U'>pCitava da presem;a Insinuante da ideologw ali, a esprcitar, por Irás da:-. fr~t\~ (apar~rllcmt!nte) inocente., do., livro ... Clarn t'h t'~t1va l:í. nos linos apolog~tr~.:o, ú' ' . . regrme mr 1rtar, mas tnmbem nos que ;:¡' pnmerra vrsta parecram "neutro~" ou at¿\) mesmo "crítico<;": a neutraiJdaúe, ~abe-se, ~ u m engodo e a "po!->tura crítica" Pode.: muita..; w;rc<; fazer o "jogo do rnimigo" Franco ( 1982), por cxemplo, ao anali!iar trata mento conferido no" lrvros drd:íticos de 1lrstória ao.\ mO\ imemo' de Cabanugelll0 e Balaiada. no Brasil regenera!. constata que até nas obras com "uma vi!'.ao rnaj, progrcs<;r-;ta da Hi~tóna". hOCtais" (p. J 0). N urna linguagcm arcaica. pode-:-.c di7cr que os auton!, de<,se' livros. ape<>ar de \Uas boas intcn~Cie'i, aprcsentam sérios "des' ios" e "objetivamente" fazem jogo do "out ro lado". udver<,ário ou inimrgo. Nesse procedrmento. tudo o que nao correspondesse a ortodoxia (literalmente, opiniao correta) era suspeito, e a suspei9ao já servía como pe~a de acusac;ao. Por exemplo, num lrvro de Portugue!> héi frases bem ~ingclas: Numa manha, bcm ccdinho. parar e cu fomos regar siris; Num domtngo cu fut pescar como papai ( ... ], Há algun~ dias, na hora do almor;o. rapai chegou c0m uma novidade: -Vamos para a rrata (apuu Deiró, s.d.: 37)
Srngelas apenas na aparencia! - o lcitor é logo despertado do seu torpor ídeológrco pela crítrca vrgrlante: A mensagem tdcológtca, claramente presente neste~ textos. reproduz, de mancm1 fixa, a figura paterna, lim tlando-a a dois cornrortamcnto:- fu ndarnentais: sustentar o lar e fazct passeios. Isto teria a ftna lidauc de csvaziar a nqucLa da pcr~onaltuade de cada pai, tot nando-o urn tndtvítluo únt~:o Há semprc uma tlllpOStr;ao de cornportamentos C!>tanques. tanto para OS rats como para o~ ftlhos. que correspondem a atiludes de~eJada' ror Ulll determinado IÍpo de ~OCtedadc. rara ,¡ rreservar;ao UC ... uas cslrutural>. (Dctr<í :-..d 37 ¡
A ideología estava em toda pune onde se quio;esse enconlr
272
ubltcou unM série dL· .trtigos sobre os trabalhos de urna "comr:-.sao de ::n pf'\Jti:-.sOn.!s lllll \el~ttár iu-., J~: toJo O país", con:-.tituída para ~1\ ,\1 iar OS li vro~ ~¡dJticos de 1o grau e que concluí u que muitos des~e" livro.-. "apre~entavam •di!!tor~fóe!> e crros crasso.;;' de informa<;iio" (Follw de S.Paulo, 21 abr 1994). Nurn utro artigo da -;éne. o 1ornal .tlrrmou: as "cnllcas mais duras sáo regi11rradas pela 0 0011 ~sfio que anali~ou o' lrvros de estudos ..,ocrars'', na rnedrda ern que tai' obrus ~nfío levam os alunos a compreensiio da rcaltdade e ainda impedem que eJe, ·,e ~ 11ucm no cspa~o e no lempo da realidade socral brasrleira. índispensüvei" para a f¡1rn1a¡;üo da crdadania'" (Folha de S.Paulo, 23 abr. 1994). Pior que tudo. como denunciou o título dessc me!'.mo arttgo, "livros drdático~ estimulam o preconccito".
A família brancn é pa,~ada ao alunn como padrlo e o negro. frcquentemcnte aparece em posi~ocs ~ocralmente inrenotcs. As foto~ e gravunh cnlattzam. na m.uot ta da' -vezes, o branco Em algun~ livro .... rcpctem-se anttgo~ prcconcctto~, JÚ ... upcrados h~i muito tempo pot pesquisas hi~túrt~
Nesses arttgos, o que importa nao ~iio exatamente os erros e preconceitos apontado'>, mas o alarde a es~e respeito, o escandalo - aquilo que, no jargao jornalístico, "dá matéria". Vale mais a pena ressaltar que uma comissao de especialistas condenou livroo; por "diston;ocs e erros crassos" do que examinar o criténo de composí<;ao de tal comi'>sao ou de avaliu~ao que cla efetivou. É mais ~en sacronal rcgistar que 0'> livros nao "levam os nlunos a compreensao da realidade" do que indagar -.,e há, de fato, algum sígmficado relevante em tal as'>ertiva para além dos chav6es da autodenominada "concep<;ao hístóríco-crítrcu". Produz mais impacto jornalístico noticiar a per~>i~tencia de "antigos preconceitos" já "superados há muito tempo por pesqursa~ hic;tóric~s" do que lan~ar urna reflexiio sobre as possibi lidades de a-; pesquisas históricas "superarcm" preconceitos. Em suma, identifica~ao de erros realmente preocupantes e críticas fáceis e subjetivas mi'ituram-se apenas para produzrr notícia Por exemplo, é um erro graví'lsrmo afi rmar, como faz um livro dtdático de H r~tória para 8a série, que nos ··.,éculos XVI h ic] e XYU [sic], desernolveu-se uma forma de pensamento. baseada na razao. denominada iluminismo".~ Mas tal vez SeJa apenas <;mal de intolerancia, má vontade ou mesmo incompreens5o do ava liador do livro, urna crítica como a que se publicou na Fo!ha de S.Paulo. cm 21 de abril de 1994: 0~
livros de C'itUUil~ SOCtatS (ht~t6na C geogratia) ~;¡O, cm -;ua maioria. atemporats. Nunca u~am fotogratia-; qu..: podenam
273
contextuali7ar as atrvrdadcs propo~tas cm um dctcrmrnado local e época. O zelo<>o guardiño da ortodoxia nos livros didát1coo; nao informou. Poré onde ohter essas fotos do Eg1to ant1go ou do Medievo europeu (c.1 nao ser de ruin~m. - ). e 1.1 ustrar;oes
É esse espa~o. mostra Fomeca ( 1993). que possibilita a renova~ao doc: dtdJticos, com a participac;üo do meto academic0, cada ve7 mn1" atmíci0 pel,1 ~:'! ...,.;.ziM'itria cultural: No final do~ ano~ 70 e iníLio do~ ~O. u 111ovimento de ampltaíno de História, ocone um fenómeno intcressantc. Na medida cm que se amplia o campo das pesqu1sa' hist61 ica;, [... ]. atravél. da amplia~ao do~ campos temátiCO e doc..:umcnt.ll. ao mesmo ternpo que comc¡;arn a ser publicadas expcncnc1as alternativas no ensino de H1st6rm, o mercado editorial aponta também ~uas novidades. Constatamos urn duplo movimento de rcnova¡¡:ao. Um tratou de rever, aperfei~oar o livro dtdáuco de História. Como uma mercadona altamente luaauva, procuraram aJUStá-la ao~ novo~ m1ercsses do' cono;um1dores. Renovaram os concc i to~. as expllca¡¡:oes de acordo com ru. nO\ as b1bl iografias Propuseram mudan~as na hnguagem, na forma de aprcsentar;ao e muitas huscaram alternativas. tais como a sele¡yao de documentos esC11tos, fotos, desenhm e sclc«fio de tc" de llvros visando atmg1r o Jcitor méd10. 0~ llvros destas cole¡¡:oes, denommados paradidáticos, tornaram-se um novo campo para as publica~oelt dos trabalho~ academicos. A no"a produrrao htstoriográfica, abordando temas até cntao pouco estudado~. tornou-sc mercadoria de fáci l accitarrao no mercado de llvros da~
PROFJSSIONAUZAc;,\o DA INDÚSTRTA EDITORIAL
h-;o tuda cau~a urna ~ensayiio de cstranhamento. É como se oc, livrO <;e traduz, na disc1pltna de Hi<~tória, na valoriza<¡ao de abordagens que presumtvelmente propictem a ·'rellexao'', a "crítica", a "conscientiza((üo" e a "promo¡yao da cidadania", a empresa capttalista que produz livros a esse re!>peiro preferc atender a essa demanda do que permanecer fiel a sua <;uposta "ideologta". Ou melhor, o mercado é a própna ideología dessas empre!>as. Indagado se a ed1IOfd Álica - a maior no setor de didáticos e paradidáticos, no Brasil - manrém uma Op((ao políttco-ideológica e pedagógtca, responde o gerente ed itorial Joüo Gumo. responsüvel pela área de Estudos Sociais: Nao. isso nao Realmente, o pen;,amento educacional. a 1deoJogia. a 111C!OdoJogia - ISSO lUdo !Cill que atender a nccesstdadc do mercado. A gente procura ter diversa~ colc~oes em cada úrea, diversa~ cole¡¡:oe:-. Assim, por exemplo, um llvro com uma Visi'io urn pouco ma1l. tradicional, um livro com uma vrsao um pouco rna1s avam;ada, mais críuca, assun po1 dwntc. Entao, ~e vocc tcm trélt, quatro. cinco cole¡¡:oes, a área está praucamentc atendida. dc!.uc que 'e tenha uma \cnda boa, porque ~e eu tenhu tres cole~iics, mas nenhunu vende, cntao te m cspa¡¡:o p.tra out1 a~.'
274
(p. 142-3 e 144-5)
Eso;a
renova~ao
nao contou apenas coma
1ncorpora~ao,
nos livros
didáttco~.
de "no vos p1 oblemas, nova~ abordagens, no vos objetos" propo!>tos pela chamada ''Nova H1'-tória". Ou melho1, para que isso se tornasse possível, as próprias ed1toras reorgan1nram o proces~o de trabalho, consolidando-se como verdadeiras tndústria~. E.rnpresas que antes funcionavam com tres ou quatro traha lhadores capaze<> e d~sposto!'> a fazer todo tipo de scrvi9o foram recrutando mais e mais profissiona1-;, dtstnbuindo-os numa mmuciosa divisao de trabalho de acordo com fun~oes cada Vez mats espectaltzadas: ed1~ao e copidesque, leitura crítica, revtsao, edi9ao de arte. dtagrama~ao e pagma¡yao. ilu,tra~ao, pe-;qui.'>a iconográfica etc. MUltas dcs-;a,
275
func;ües também passaram por especializac;ao interna: a edic;ao e o copidesque e su· equipe especializarn-se por üreas (Estudos Sociais. Ciencias etc.). Urna edito,: paullsta chegou ao requmtc de contar corn urn especwlista em fotografía históric· com nível de doutorado. para curdar da pesquisa rconográfica dos livros didátrc~ \ . , de Hrstorra. A figura do copidesquefl (ou editor de texto) é fundamental. É nessa funr;ao que o orrgrnal do autor passa por v1írias alterar;6es, desde a revisao gramatical até a "normaliza<;iío" do texto, isto é, a sua adequar;ao as normas esti lísticas previament~ definidas (grafia dos mrmerais, uso de maiúsculm. ou de ubrevias:oes etc.). Nüu raraml.!nte, o copidesque rntervém na organiza~ao do texto ou até mesrno em \t:U conteúdo caso identifique incorrcc;ocs ou ambigiiidades. Num caso rumoro~o noticiado pelo jornal O E.Hado de S. Pwtlo, ern 1996, u m copidcsque. contratado para fundrr dors livros drdátrco' de Hrstória para tran\form¡í-los em urna única obra, foi acu!>ado de ter coprado trecho-. rnteiros de um terccrro llvro. Essa funr;ao de a(du)lterar textos alheios é murtas vc7es vrsta com desconfianr;a. mas muitos do\ erro-; que se rdentificarn nos llvros (didátrcos ou nao) seriarn evrtados se houves.'lc urna coprdescagem competente Por exemplo, um bom copidcsque nao teria deixado passar, num livro didático de História, a legenda de uma ilustrar;ao com pintura~ rupestres que diz: "A arte for a primeira forma de comunicar;ao do homem". Por sinal, crros e fonnulas:oes inadequada-, ocorrern principalmente (ma~ nao exclusrvamentc) em publica96es de editoras de pequeno porte, scm estrutura nem know-ho11 profissionais, e que quase se lrmitam a enviar para a gráfica os originais do autor. Toda essa profissionalizar;ao da indústria editorial, que se verificou nos anos 70 e. com maior intensidade, nos 80, também corncidiu, nao por acaso, com fortc processo de concentrac;iio do setor, liderado por editoras da área dos didático~. Em 1990, u m nrtigo da revista Leia faz urn balan~o de.sse crl!scrmento: Após um período de intenso crescimento, até 1987 [ano base= 1984], a prodU<;ao ctlitorial no país cstabilrzou-sc num patamar de 72 mrlhflcs de exemplarc-., com crcsc1mento praticamentc t.em entre 19RR e &9. [ ... ] O halanc;o excluí as puhlicac;oe~ ofic1a1~. emhora mclua as maiore., editoras universitánas. A editora Ática, de Sao Paulo, lidera [cm 19&9) o ranking de puhlicac;ocs cnm 609 títulos. seguida pela Saraiva Em volumes imprcs)>os, .1 rccordista do ano for a FTD, também paulista, com quase 12 rnilhoes de cxcmplarcs. A Ática passou a liderar o rankingJá cm 19XX, quando subiu da quarta posic,:iio. A Sara1va c..;tcve na tcn:cira colm.:ac,:iio cm 88 e na quinta cm &7. En11c as dcz ma10rcs do ano, a editora que ma1s cresccu foi a FTD. com um tncrcmcnto de 75o/r no volume de títulos publicado~. segUitla pela Editora do Bra'>ll. com 45%.
r...J 276
[Bon-. descmpcnho,. apesar da innac;iio Lew Urna Revista de r 1vro' Autores e Idéias. ano XII. n. 142. a¡!n. 1990. p. 25 ] Todas a'> editoras mencronadas, r<>to é. as que apresentaram born de~empenho, dedicam-sc principalmente aos livros dtdáticos. A drsparidade de •mas dfras em relayao as demai~ edrtoras é rmen-;a: cm 1987, enquanto a tiragem média dll Record. que tem como sua principal fatia o mercauo nada desprezíve) de hest"·1/en, era de 9.948 e>.cmplarcs por título. as da Edrtora do Brasil, dn Auca e da saraiva. todas aruando na úrea de didáttcos. foram, rc.,pectrvamentc. 35 133. 29 321 e 25 680. Es~a drspandadc pode também ser t:on,tatada numa mesma editor::~ cm t9S7, a "Saraiva [ ... ) mantevc urna médra dt: tiragcm de 5 200 exemplares para oo., li\fOi> jurídicos e 52 mil exemplare~ para os drdático~· (Leía, ano X, n. 116. jun 1988, p. 25) De acordo com José Olavo Dutra. drretor do Sindrcato do-. Empregados em l:::.mpre.,as Editoras de Livro" e Publu.:w;6e!> Culturais de Sao Paulo (SEEL), as orto maiore' !.!ditoras brasrleiras dedrcam-se basrcamente a didátJco" e 7 ..:oncentram cerca de 70'/(1 dos trabalhadores do setor editonal.
SI:WONIA COM 0 "MUNDO EXTERIOR"
Entre es~es trabalhadore<> das grandes editoras, o-. que detém cargo" de chefia tem, em ~ua maroria, formas:ao em um ou mars cursos univer~itário~. geralmente ligados á área temática em que trabalham. Nao sao. portanto, alhciO\ a produ<;ao acauémrc.l, cujo dcsenvolvimento acompanham com certa regulandade Também os autores, ao menos das grandes editoras, tem formaliao universitária e experrencia no magistério (em graus drversos). A maioria, acompanhando a profi.,..,ionaliza~ao do selor, acabou se profrssionalizando também, pas~ando a destinar boa parte (senao a totalrdadc) do seu tempo de trabalho ao ofício de autor. Diz. por exemplo, Gilberto Cotnm, autor de livros didático'> de Hr.,tória: Eu re!lervo ao ltHO pelo menos quatro. cmco hora<> por tita E eu di\ ido. entao, cm períodos de e::.tudo e período::. de e!.cnta Para cscrever. vocc tem que estudar. E i~~o é urna co1sa rmportante de ~er dtta. Exige urna prolis<>ionaliL.ac;ao, c,sa co1sa de vocé e~crever con..,tantcmcnte o ltvro. Vocé tcm que c~tar estudando. Vm:c tem que C'\tar lendo o que c~tá saindo aí Eu preciso ler cs~cs livros. Eu preciso sentar e ler Eu trahalho muito com Jnrnm-;, arugo de jornais. artigo de revista~. Entüo. eu preciso tr de ve7 cm quando ¡¡ Biblioteca da Cflmara Municipal de Sao Paulo e llcar lá uma tarde mterra. lendo o que me mtcressa, tirando xem\ Eu \OU um cac;ador de tell:tlh vmculados a mmh;l
277
utividadc. bntao. cu prcc1so estudar, cu preciso cac;ar COI'>as nova~ e prcci!>o csLrevcr. Entao. cu divido n meu 1\'mpn ~rmpre
A diversificayao do público tambérn nao pode <;er de-;prezad
J...lljnea'> Jt: Souza L1ma
la~cndo IS'io
E escrevcr livro é reescrevcr Entiio, cu vivo rccscrevendo os meus l1v1ns constantemente Fu nao tcnho mUitm livro~ cm quant1dadc. de ve1 cm quando eu sollo uma nova edic;ao de .llguma co1-.a Entao, cu estou semprc reescrevendo as minhas coi~as E e impres~10nante como e!>!>C processo é brutal, é de uma .. , porque VOLC rccscrevc e percebe que ali o texto p1ecisava \Cr mai\ CllXUtO
Por cxcmplo, a gente percebe: C~>~>C llvro aqut vendeu tantos lrvro,. está l.oncentrado cm Mina~ Gcrai' ls!>o é um !>Ínal. Se nó~ divulgamos no Bra!>d rnterro, por que vendeu exatamentc cm Mma<> Gcnm e nao aquí? Tsso é um dado importante para vocc analisnr. o currículo de M mas, o tipo ele profc~>sor de Mrna<; Ou vendeu demai<; na escold publrca. mas nao nas escolas partrculare~. Há algun~ livro-. que cm algurna~ c::.colas a gente nem d1vulga. Porque a gente sahc que é urn lrvro murto srmplc~. mullO bitolado, que lá a coordenadora var cli7cr "Nao lsso aqur é muitu brtolado, rnu1to decoreba"'. Mas, ao rnesmo lempo. vocé vai lá no 1nlc1 ior do Nnrde~te, a professora 4uer cxalamente aqucle. que ela !>Ó sabe trabalhar a"'1m: ela quer respostinha, ela qucr tudo certinho, ela nao quer probl\!ma. né? Entao, é urna coisa bem bitolada Mas é rsso que elas sahem fazcr Entao, vocc sabe que esse livro va1 vender ma1s no Nordeste. Pegue Minas Germs. cheio de teoría e tudo. esse lrvro nao adranta, né'1 Niio vai vender. Entao. exi!>tC coisa que vocc !>abe que pcdagogicamente é rUim, mas o professor ~ó sabe trabalhar com . '1 .lquele Ir vro.
Como tambérn na Hbtóna vocc va1 pcn.:ebendo as n0v1dades temáticas: cx1stem temas que estavam c~quccidos. aí C0me~am a ser rev1s1tado!>. nao é! Faz p.lrle dessc processo. quando digo que liw procurando textO!> e o uu ao; c01sas. E u procuro ler o que as autoridades cduc.1C 1nna1s c!>tao pensando ~obre o cnsino Isso llllplica voce ler CUJ ríe ulos c-.wlare~. o que o MEC está produzmdo em termos de par :\metros cunrculares Voce prcc..1sa se abastecer des!>as coisas toda!>. Leio mullo também, clemais, o que a universrdadc está apontando cm te1 mos de algumac; pesqursas. algumas tendencras. O ve~llbular também nos dá ccrtas É um trabalho de realimenta~ao. Eu sei que o vestibular u-,a muito l1vro didático para elaborar questoes. E, por outro lado, o autor le muito 0 que o vestibular coloca para ver se está dentro Utá o mcu llvro, se ele está dando conta dcl>sas questücs.8
0 "MODELO M INEIRO"
Com esse grau de profissronulizayao, nao é de estranhar que e~s~s trabalhadores, editores e autore!., piocurem sempre se atualizar em relaqao protlucriio academica, propostas curricu lares elaboradas pelos órgaos do govcrno demandas do público f inal a que seus produtos se desti nam - os alunos e também e, <>obretudo, os professores. Esclarece Lizaneas de Souza L1ma, editor da~ áreas de H 1..,tóna e Geografia de 2° grau, da FTD (Sao P
as
a
as
Se voce se fecha aqur dentiO rda editoraj, vocc está perdidO. Por cxernplo, agora os ltvros estao ~aindo corn h1stória do cot•d•ano, hi~tória das mentalidades, que e urna coisa que na univcrsidade J:Í tern uns 15, 20 ano~. niio e) O editor tcrn que estar ligado nisso. Por cxemplo. no tim do mes, agora, nó!> ternos urna paler.tra aqur com urna profe~sor a, discutmdo a rnudan<;a do currícul o Nós ternos uma reuni5o rnensn l de editorc¡,, cm que a gente disculc 1sso. p.t~s.t informa~ao.
278
A rnen¡¡ao a M i nas Gerais nao vem por al:aso. Nesse Estado, ern 1986, já sob um governo eleito por vía d1reta - e, em certa medida, identificado como oposrqao ao regime militar-, a Secretana da Educac;ao promoveu a reformulayao do!. currículos, entre eles o de História. Na avulmc;ao de Fonseca ( 1993), esse currículo fundamenta-~e na teoría marxl';ta de Hrstória. a valorrza~ao do método como garanlia da ohjctividacle e cientil"icidade, a val01 rzac;ao da teona, dol> com.. cito!> mstltuído~ para a producriio do conhecunl.!nto hi-;tór ICO. E. mars que r!>sO, a 1déra de m homens, -.ua::. rdéia-.. reprcscnta~oes e va l01cs sercm condicionados pelo modo de produ~ao de ..,ua vida material e por um determinado desenvolvrmento das forcra., produtlva::.. Catcgorras marxrsta;; de anál1se da soc1edadc sao utilizadas como contraponto á h1stórra po:-.ltivi.,ta preconintda no programa anterror Entretanto. a versiío marxista utdi7ada,
279
mullo ~rmplllrcadnra. aproxirna-\c' do que lcm \Ido t:rrticado por h: l nadP:\~' l·t'n '.~·nlr{'t~n(''": f l ''· crH'~r.:úUo~· pro p. l'>lo~ re\ clar11 a op\'llh'>lrl Lrrr a cronolo,gra mecanil'ista ~tnlerror pda e\ olu~s'iio do' modo.., de prndU'.
bse currículo. "cheio de tcona e tudo", municia o conteúdo, por exemplo. Jt. C011.\(ruindo a Hi,lfírw. para l ' grau. puhltcado cm 19~8 pela editora Le, d~ Befo Hori;onte (MG). Scu.., autores :-.Jo Rtcélrdo de Moura f·¡¡na. Adhemar Martins Marque" e Fl.ívro Cmta Beruttt, todo-. ele .... graduados em Hi'>tcína e profc,..,ores em Mina" Gerats. f'\a introduc;ao da obra, imnubda "Bate-pélpo inicial". eles "Ltgerem· Para que \OL'C ro~~il tirar () mclhllr proverlo de ~cu lnro. é Jundamcnt,ll l:onhccer uctenmnado!> concctto~ que :,cr:io ulil11ac.los. Niio -;e preot:upc cm decorar eMes conceitos. Discuta-o!> corn ~cus wlcga~ e se u pmfc.,.,or. (\. l. 2. 3 ou 4, p
9)
O "voctY' a que o texto ~e rcfere ~o,ao aluno-.. de 5!! a 8~ !lt!nc::.. já que essa introúuc.-ao se re pete no-.. quatm vnlume!l da obra. cada qual co1 re.,pondenúo a urna série o~ conceitos ~o,i'ío: trabalho: mcios de trabalho. objeto ... de trabalho; meio~ de produ~5o; fon;a de trabalho: for~as proúut1va-;; modo de produc;ao: rel<1r;oc-. sociais de produc;ao; e classe.
Após cssa rntrodu~ao, o com:eJto-chave "modo de produc;Jo" 10 apa1ece pela primeira ve¿ no Capítulo 2 da Unrdade 2, quando já 'iC afirmou que as "comunidades pnmiti\a~" (Untdadc 1) ceúeram lugar a "soc1edade de cla......es". com O'- homcns dl\ idrndo-se e m ··neos e pohres" ( Unidade 1, Capítulo 1): bn \iÍrio, a'pectos cxt~tcm . . crnclhanc,;.ls na hi.st\Írra c.lo!> povos .tnlrgo.... 1 anto é que os hl'>tortadorcs dass1 J'n.:arn e-;las '>O<.:ICdJde ... agrup.Hldo-a-. corn nornc., vanados. Alguns a~ dwrnam uc Comunid.rdc., Anlrg~"· outro~ de Sot:rcdadc.., Anlrga' e outro' utili1.tm o conccuo de Modo de Pmdu.;Jo Ao;J;Íiico para dclrnir com ma10r cl.ue¡a a ~llua~ao econc'imtca. ;.ocr.rl, p~Ji r tu.:a e cultlll.rl cmyuc clas vrveram (v . l. r 55)
todas
;,J-..
Ob\·t.uncme, pr
2HO
) e!:
~~·ruc.l..id..: .... C'arímln 4t ¡; f<~cilmente 'uperada pda :-.lllllllludc.
O'-
inca"
() nome ''¡¡,j¡ílko" pode parecer c~ uanho, pnr., o-. Inca' n5o llhJr:l\ :un na ,\,¡;¡ c ,¡m na ,\¡m_:, ica Enlretanlo. apc ... ar da t!rantll· di,tilnna geográfica. havi.1 urna -.érrc de !' entre c,.,a \Ocicdadc que se dc,cn' oh e u na -\mérica e aqueJas qul~ se· dc ... cn vnl vera m n.t Á s1a. ( \. l. p 6'i 1 f,,,e, comentano..,. na realidade. apena.., pontuam a va~o,ta ..,ck<,:ao de tex.los de que ~e con-..tttui a nbra. Obedecendo ,to curm:ulo propo~h> pel.t Secretan 1 da Educat,:iío de Mmas Gerat!'<. mesc.:lam-se Hi-,tóna Gcral e Hrstóna do Bra~il, scnúo esta cu,\0 c.laquela. O me .... mo e . . qucma fot retomado pclm. autore:- que. cm 1991. publicaram. também pela editora Le. a ohra Os mrnerros. É mutto mais certo afirmar que o currículo minerro nao fe¿ mar~ que expre,~ar e oficraltzar urna cena tcndetH.ia que crcscia na pas~ag~m do., anos 70 para o-. RO entre urna nova gera<¡ao de autores, que ~e lan<;aram a prodU<,:iio de livros didcíticos de Hi~tória nao apenas para desenvolver seus prOJetos edu(..ctt:tonai". ma' conccbcndo C\'>C'i me\tnO'> projetos como forma de combate ao regune militar. 1-:. a linguagcm bastante dt.,ponível ü época, embora nao a únrca, era aJa vertenre cstruturali,ta, althu.,-,enana, de marxismo. com todo o '-CU viés teoricista c.le construrr a ht ... tória - ou rnclhor. a Hrstória - mediante conceito-. (mesmo porque Althu\\er era filófo~o. n.:io htstonador). hso .,e evrdencta, por excmplo. na obra. já cf<í..,,h.:a, intitulada Hi.Hórw dm .wciedade\·, para o :t grau. publicada pela Ao LrHo Técnrco. do Rro de Janeuo O \Olurm: que tem por '>Ubtítulo "Da-. comunidade'> primitt\'a,<, a~ \OCtedade:... medievai,'' tevc <.,Ua primerra edi~ao em 1980 e .;eu' autores. -;obre os qu.ti" o li\rO n5o fornec:e nenhurna inform,t~ao. 'Jo Rubim Santos Le.:io de Aquino. Deni/e Je A.zc\cdo Franco e Osear Guilher me Pahl Campo:... Lopcs. O "egunc.lo vol u me "Da:... sociedaues moderna-; ¡¡.., socrcdade' atuar.;", aoque parece. leve \Ua primeira edu;ao em 1978. e cont,t com um quarto autor. Franci-.co Jacque-; Morerra de Ah·arenga. além do-. trc' já . 1, • tnenctonaJo.., - E ne.,..,a obra que -.e pode ler. por C\emplo: Todo o pct íoJo c:omprccndrdo entre os s~culo XV e XVIII vulg.lrlllcnte ch.r111auo tle Idadc Modcrn.1. caraLtcrÍ/(lU 'e pm
1HI
urna séne de transforma~oe~ na csll utura da socicdadc européta OCrdcntaJ. f... ] b~o é O me~Jll(l que drLer que C1C01TCfam tr.m.,for rna!fóe:,. em todo' os nívcis da rcahdadc social ao nível do jurrdico-político. do ccon6mtco, do social e do ideológico Melhor ainda scrr•l duer que ocorrcram transforma~oe' ao nível da infta-estrutura - cconómtca e -.ocial - que. por ::.ua vez, detcrmtnam as mudan~a~ da supere~trulura -JUrídico-política e tdeológtca. Vod! comprecndc. agora. o que sigmtica faJar ern penodo de transi~ao·) Ma1s ou mcnos' 1 .. Uma era de transt~¡ao aprescnta a cocxt~lcm.:ta do vclho com o novo. Na Época Moderna era velho tudo o que era feudal e novo tudo o que era capitalista No cntanto, esse período é conhso, pots ncm '>empre podemos dtstingutr hem o que c;eja o vclho e o que representa o novo. Voce devc se lembrar de que os ní"Vei~ da realrdade soctal sao interdependentes, entretanto as mudan~as nao ocorrem srmultancamente em todo1-. os níveis da realtdadc. Emhora o que dctermme as tran~forma~oes estruturais sejam as mudan~as na'> bases materiais, ncm sempre o aspecto domlllante do período é o económico. [vol. "Das sociedades modernas as soctedades atuats", p. 7]"
IMPASSES EM SÁO PAULO
Enquanto em Mmas Gerats a reforma curricular, como mostra Fonscca
( 1993), fez-se a toque de caixa, em Sao Paulo uma inictattva semelhante arra~tou-se por anos, ao menos em rela~ao a tlisc1plina de História. Em 1986, a Coordenadoria de E!>tudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgao da Secretaria de Educa'rao de Sao Paulo, con~tituiu uma equipe encarregada de elaborar uma pro~osta curricular de 4 Hi~tóna, em subslltui<;iio a entao vigente, de Estudos Sociais. Dua!. versoes da P•vposta foram redtgida~ ante~ que uma terceira viesse a público para um amplo debate. Ass1m como em Minas Gerai~. tal empreendimento era visto ~.:omo parte do proce~so de constru<;áo do Estado democrático e pattic1pativo, em que um dos SUJCito<> era um governo estadual identificado coma opos11;ao ao regimc militar. Do mesmo modo. o processo de elabora<;ao da proposta curricular de Históna representaría emblematicamente 011 1mpasses e as dJficuldade!. dessa constru<;1ío do Estado democrát ico e participat1vo. A grande 1mprensa paulista mamfe!.tou sua oposi<;ao a propo1.1a: "Sao Paulo: Um governo servindo ~ subversáo da educa<;ao", d1z o título de um editorial do Joma/ da Tarde (4 ago. 1987). "Amea~a a liberdade de em.mo" (O Eswdo de S Paulo 9 ag<'. 1987); "a proposta foi preparada segundo o discurso da c
282
Jc> cliché' mai< conhecido>, das cri,tahn,ii<> mai>
cnn>agrada> de todo_ um, fl.)(e,.-;so de ultrapolttrzas:üo. de ultra--.octologtLa~ao do ~.:onhc~.:ttnl:!lllv ~..t~.:nlllt~..,J Pf( Jiw de S. Pauto, 30 JUl. 1987) - foram algumas das condenac;ocs também 1 \¡culadas nos JOmais (apud Revista Brasileira de 1/istória, \987). No campo 'nl)"to isto é, "nao-conservador", houve também mu1tas dtvergencias. Segundo ll¡· . • ( \993), em "\986, no encontro regional da ANPUH-SP1 ~ , rcaltzado na f onseca durante apre.,enta<;üo e debate da Primcira Vcrsao da Curncular Je !-listóna. o proccsso de difusao e debate dJ mc~ma foi ah'o de críticas da parte do:\ professores" (p. 88). Qucm partictpou des!>e debate dcve <..,e recordar que uma Oa" divergencta~ ocorrcu entre partt~.:tpantes identtficado'> com o Partido Comttl1l'>ta do Brasil (PCdoB) e o~ "pett!'lta-;'' (do PT, Partido dos Trabalhadores). que
rnt~amp,
Propo~ta
supostamente estanam apotando a Proposw Curricular Em meio a essas polemicas. desentendimento<> e desencontros, a Pwposta permaneceu no limbo. até que uma nova versao. bem diferente das anteriores, veio a luz em \991. Seus formuladorcs nao eram os mesmos, o govemo era outro e a conJuntura política já havm 110terrado os sonhos do tipo "democracta partJcipativa pela base". do período anterior. Ao Estado cabía apenas cumprir seu papel tradicional de baixar regulamentayoes e normauzay6es que dts~essem respeito as attvidade1> de sua competcncta e responsabilidadc Em 1992, sem nenhum alarde. a proposta tomou-<..,e definitiva. Durante todo csse tempo, a indt'tstria editorial paulista - que, por sinal, praticamente monopoliza o mercado nacional - vm-se obngada a elaborar seu próprio currículo de H1stória. E também os próprios professores numa época em que os livros dJdátic01> cram ~istematicamente denunciados pelos e'\tudos academicos, em que o "currículo of1cial" estava em suspen110, ma11 em que a qualquer momento a proposta de \986 poderia ser "ofictaltzada" , vário-. professores de Históna da rede estadual pauhsta passaram a elaborar seu "material'', com base no que ented1am -;er o espírito daquela proposta - a chamada "h istóría temáttca" . Nisso, os profe~sores demonstraram ser rnu110 mats persptcazes do que a imprensa, que apenas conseguiam enxergar subvcrsao, populismo, ortodoxia marxista (mesmo quando a proposta fazta-\he críuca explícita) etc. Percebcram que se defrontavam com uma concep~ao de hi~tória diferente, muito mais voltada para a investigac;ao de temas e nao de períodos. Sentiam-se, no entanto, intciramente desamparados no 6 maneJO dcsse modo de desenvolver o conteúdo da d1~ciplina.' De certo modo. ele~ !>e deparavam com urna situayao semelhante a que Le Goff descrcveu a re11pe110 da:>11 dtficuldade1> suscitadas coma implantas:ao da htstória temática no ensino de 1 2
~e
grau na Ftanpe1t0 da introdu~áo da Htst6ria por temas no en,tno secund:irio. nao fot, evidentemente. cm reht~iío ao pnncípto cm si Ma., é preCISO ver qual é o dtseurso
283
',, l,
1'
..IJ ~
~ !1
.¡che:, mais conhecidos, das cristalizac;ocs mais con~agradas de todo um 1 de ultrapolitizac;ao, de ultra-sociologtza'iao do conhé\...imenlu ...:tl.!ntífico" de S. Pauto, 30 jul. 1987) - foram algumas das condenar;oe1.. também no~ jornais (apud Revista Brasileira de História, 1987). No campo isto é, "nao-conservador", houve tarnbém muitas divergencias Segundo ~~lU• • . : ¡;a ( 1993), em "1986, no encontro reg10nal da ANPUH-SP ¡~ , realizado na
urna série de transforma¡,:ocs n.l e~trulura da socicdadc européia o~:a.lental [ ...] Isso é o mcsmo que UILCI que ULOITeram transforma<,:oes ern todos os níveis da realidade social: ao nível do jurídico-político, do económico, do social e do Ideológico. Mclhor ainda seria dizcr que ocorreram transforma¡;:ocs ao nível da infra-estrulura - cconornica e social - que, por sua vez, determinam as mudanyas da supercstiutura- JUrídico-políl!ca e Ideológica V oce compreendc. agora, o que signi l'ica fa lar e m período de transi¡¡fio? Mais ou meno!>? .. U ma era de transic;ao apresen la a coexistencia do velho com o novo. Na Época Moderna crn velho tudo o que era feudal e novo tudo o que era capitalista. No entanto, csse período é conbso, pois nem sempre podemos distinguir bem o que seja o velho e o q ue representa o novo. Voce eleve se lembrar de que os níve1s da realidade social sao intcrdependentes, entretanto as mudan¡;:as nao ocorrern simultanearnente em todos os níve1s da realidadc. Ernbora o que determine as transfonna¡;:oes estruturais sejam as mudan¡;:as nas bases materiais, nem sempre o aspecto dominante do período é o económico. [voL "Das · dades mo dernas as ' soc1e · da des atua1s · ,., p. 7] 11· soc1e
"
IMPASSES EM SAO PAULO
~
JI
Enquanto em Minas Gerais a reforma curricular, como mostra Fonseca ( 1993), fez-se a toque de caixa, em Sao Paulo uma iniciattva semelhante arrastou-se por anos, ao menos em rela9ao ñ disciplina de História. Em 1986, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgao da Secretaria de Educar;áo de Sio Paulo, constituiu urna equipe e ncanegada de elaborar urna proposta cunicular de História, em substitui9ao a entao vigente, de Estudos Sociais. 14 Duas versoes da P• vposta forarn redigrdas antes que urna terceira viesse a público para u m amplo debate. Assim como e m Minas Gerais, tal ernpreendimento era visto como parte do processo de construr;ao do Estado democrático e participativo, em que um dOS sujeitos era u m governo estadual identificado com a oposi9ao ao regirne milit~· .D." mesrno modo, o processo Je elabora~ao da proposta curricular de representaría emblemattcamente os impasses e as dificuldades dessa constru~ao Estado democrátic~ e participativo. . . _ , .... 80 A grande 1mprensa paultsta mantfestou sua opostc;ao a proposta. S_JI Paulo: Um governo servindo a subversao da educac;ao'', díz o título de um ed110\ do Jornal da Tarde (4 ago. 1987). "Ameac;a a liberdade de ensino" (0 Estado d~rdJ Paulo . 9 ag0. 1987); "a pro posta foi preparada segundo o discurso da esqll' radical" (O Estado de S. Paulo, 25 ju L 1987); "uso da linguagem mais desg~U>!ildJ.
H•:!O:
282
~HlP• durante aprcsenta9ao e debate da Prirnetra Yersiio da Proposta Curricular Ht~tóna. o processo de dtfusao e debate da mesma foi alvo de críticas da parte ~ profes~ores" (p. 88) . Quem participou desse debate deve se recordar que urna • ~ diH•rgencias ocorreu entre parttcipantes identificados com o Partido Comunista Brastl (PCdoB) e o~ "petistas" (do PT, Partido dos Trabalhadore~). que SIJPO~tarnente estariam apoiando a Proposra Curricular. Em meio a essas polemicas , desentendirnentos e desencontros, a Propostu permaneceu no limbo, até que urna nova versao, bem diferente da!': anteriores, veto lluz em 1991. Seus fonnu !adores nao era m o.:; mesmos, o governo era out ro e a conjuntura política já havia soterrado os sonhos do tipo "democracia participattva pela ba:-e", do período anterior. Ao Estado cabia apenas cumprir seu papel wadicional de baixar regulamentay6es e nonnatizar;oes que dissessem respeito as atívidades de sua competencia e responsabilidade. Em 1992, sem nenhum alarde, a proposta tornou-se definitiva. Durante todo esse tempo, a indústria editorial paulista - que, por sinal, praticamente monopoliza o mercado nacional - viu-se obrigada a elaborar seu próprio currículo de História. E também os próprios professores: numa época em gie o~ livros didáticos eram sistematicamente denunciados pelos estudos academicos, em que o "currículo oficial" estava em suspenso, mas em que a c¡ualquer momento a proposta de 1986 poderia ser "oficializada", vários professores • Hi1>tória da rede estadual pauhsta passaram a elaborar seu "material", com base 10 que entediam ser o espírilo daquela proposta - a chamada ·'história temáttca" . Nisso, os professores demonstraram ser muito mais perspicazes do que a imprensa, que apenas conseguiam enxergar subversao, populismo, ortodoxia marxista (mesmo filiando a proposta fazia-lhe crítica explícita) etc. Perceberam que se defrontavarn corn uma concep9ao de história dtferente, mutto mais voltada para a investigar;ao de lemas e nao de períodos . Sentiam-se, no entanto, inteiramente desamparados no 16 lnanejo desse modo de desenvolver o conteúdo da disciplina. De certo modo, eles :fid~paravam com uma situar;ao sernelhante a que Le Goff descreveu a respeito da1.. 2 tculdades suscitadas com a irnplant:19ao da história temática no ensino de 1~e 2 &rau na Fran~a: Se c.m1ti algurnas reservas a rcspeito da introdu¡;:ao da H1stória por temas no enSillO SCCUndário, nao foi, evidentemente, cm rela¡;:ño ao princípio cm si. Mas é preciso ver qual é o discurso
283
escolar ~ohre o tema, e a m1m parece-me que é o velho discurso. Lx1::.1~.- u111 ~,.~;;llo prugre~so quando 'e la7. uma H1stóna narrativa desde a carro~a ao aviao ~upersOnico. Mas ~e é. cm pnme1ro lugar, de novo um,t H1::.tória narrativa e, em segundo lugar, uma H"tó11.1 que, !unge de ~cr a dos po~l>ível~ e da liherdacle na Il1stóna, ( .j 'e torna. ao contrário. uma H1stóna nl.\IS determmi..,ta que nunca, que d:i a entender qu\; ~e dev1a forc;:o!>amentc passar da c..:arroc;a ao harco a vapor. ao comhoto, ao automóvcl e ao aviJo 1>uperséinico. rcceio que se tcnham tornado as co1~as ainda p10re~ do que estavam, na med1da cm que o contcúdo dcste cn1<1no tcm '\Cdu~ÓC!-1 óhvias e d1m1nu1 ainda mai1< o espírito crít1co dos alunos. Todos os que aqu1 estao saudaram a entrada de novos obJetos na H1stóna a H1stóna Nova pode fazer-~c através do cstudo de um objeto a parttr do qual toda a História de uma soc1cdade !>C desmonta aos nossos olhos. Ma~ o que cu noto ncsta H1~tória temática. tal como cla se csboc;a, é umn H1stória que se cncerra no tema e que nao explica por que é que a ca11 oc;a e o automóvcl aparcceram, e como isso se m'icrcvc na História geral das sociedades. É urna História difícil de fazcr, e se a H1stória temática se fi7essc a'sim, entiio eu d1ria "bravo" [Le Goffet al, 1983, p 15-16] 17
HISTÓRIA EM F ATlAS
A proposta da htstóna temática acarrctou, ao menos entre os professores da rede paultsta, urna conseqüencia, embora invoJuntána: a produ~iio em massa da tgnorfincta. 0<; profe<;<;Ores nao apena<; tmham dtficuJdades em agrupar por temas OS conteúdos histórico~ , mas quando tentavam fazé-lo percebiam que nada c;abiam sobre o tema assim construído. Uma coisa é, por exemplo, faJar da caravcla em meio a narrattva sobre a forma~ao dos Estados nac1onais, o mercantilismo, a~ grandes navega~oes e a chegada dos portugueses as terras que se chamariam mais tarde Brasil. outra cotsa é falar deJa numa eventual história de transportes. O mesmo ocorreu em relacriio a históna do cotidtano. também mc;inuada na ProposTtl Curricular, cuja terceu·a versao afirmava· "nesta Propoc;ta, o cotidiano assume sua dtmen,ao histórica, revelando-\e conforme Jacques Le Goff. 'como um dos Jugare~ privilcgtados nas Juta<., sociai-;'" (p. 6) Como abordar, por excmplo, o cotidiano dn engcn ho colonial, se este cm até cntflo apenas um doo; tóptcos económico~ Jl, "Btastl Colónta')" Talve7 essa carcncta ao;stm procluztda explique o suce-;..,o de urna public:u;;ll' como O e11genho colmual. de Luiz Alc.xandrc Tetxeira Jr. (pscudonimo de Antontl' Augu..,to da Costa Faria, Antonio Mcnde<; Jr., Edga1d Lur ¿ de Barro<; e Rtcardl' ~ ' "0 Marnnhüo), lunr;ado cm 1981 pela At1ca E~ta obra inaugurou a coleyflo
284
CJtidiano da História", urna série do" chamado" "paradidatico~ de cunho liccional". r arraretn, segundo Joao GUtzzo. pO 11 urna h1~tóna c,tlc..:ada no momcnlO histónco, ma~ uma hl\tória ficcional, simulando pcr~onagen" da épocn. caracterizados de acordo com a época e a a~ao se passando em torno de fotos da época, fatos com;retos. O recurso a fíc~ao frequcntementc o;erve para <;imular a reconstituir;ao de ""' ~ottdtano alt onde há aw.encta de pesyuisa hl\tórtc.l. Ape!--ar de~sa.., e outra" deficiencias. apontadas por Glazer (1984) e Zambont (1991), a colecriio "O couJiano da História", com um estilo que aproxima seu.., volumcs a Jivros infantis _formato e letras grande-;, farta 1lustra<;aO e reduzido número de páginas (32) pode ter <;crvido para desmitificar as histónas temática e do cottdiano, até entao encontráveis apenas em volumosos exemplares de autore" eruditos Havia as~im um terreno fértil para a prohfera¡;ao dos chamados paradidáticos. É certo que o boom dessc género literáno obeclcceu a clinamtca própria do mercado editorial e nao se restringiu apenas a área de História, mas também nao se pode desconsiderar que a mdefinicrao do governo em rela<;ao a proposta curricular de História e a possibilidade da adocrao de um currículo baseado nas histórias temática e do cotidiano criavam urna situa~ao favorável para tal. O catálogo da Ática para 1997 regi<;tra, na cole
2R5
da obra sobre Qy mdios do Bnwl. de Herniini Donato. Sao na verdade ''lmlatau 1'ro e, colc~_;oe' de edlloras estrangemls (no caso, MacDonald Edu~"t¡) "' e na( Macdonald & C~ .. Inglesa). de quem. <;C COl~pram n~o apenas os dm~ito-. \O~Oita texto. ma" tambem sobre o u~;o das Ilu!.trar;oe<; e are mesmo da diagra a , • 111 ~itO .a . basta 11u b~tJtUJr . . o texto ong1na . . 1 peJo texto traduzido no e d 1tora a d qUJrentc ~, · ." .l • · E ' b' d 1 A E ' · · , uas pagmas. sse e tam em o ca\o os 1vros .\ tecas, gtpcto<; amcgos, lncl;( tolno planíáes e Vi/..ings. assllladm. por Fiona ~lacDonclld, da colec;ao "Dcsafi ..,~1 da Moderna. nu os volumes das colc~oes ··como Seria Sua V1da" (Na /dad(· Na Grécia anti~a etc.) e "Cnam;as na História". da Scipione (Sao Paulo) \;a \t . a ~olecrao "Gue~ras qu~ Mudaram l\~undo'' é de ''enlat~dos" e. acabou ; ~ ongem a um Similar nac1onal: a cole9ao 'Guerras e Revoluc;oes Braslleiras" Um outro padrao de paradldático-. é maJ\ sóbrio. com caracterí~tica\ de ¡¡,ro comum, tanto no for~ato, quanto no tamanho das letras e no U!-o das ilu•arar;oc... Ncssc padrño. a Atica mantém as colec;6es "l l1stória cm Mov1memo" e "Rctro!>pectJva do Século XX": a Atual (Silo Paulo). "H istória Viva", "Oi.,cutmdoa H1stóna", "D1scutmdo a H1-;tória do Brasil", "História em Documentos··, ''História Geral ern Documentos" e "Vida no Tempo"; a Scipione, "História em Aberto'': 1 Global (Sao Paulo). "História Popular", a Contexto (Sao Paulo), "Repen~ando 1 História", a Editora do Brasil (Sao Paulo), "Lutas do No!->so Povo"; etc Algumas cole<¡:oes me!.clam livros de História com os de outra~ áreas. como ''Ponto de Apoio", da Scip1one. e "Pergunte ao José". da Le Os paradidáticos de Hi'>tória da FTD (colc<;ocs "Cinco Séculos de Resistencia", ''Comtruindo Nossa Memória" "Pa~a Conhecer Melhor") maniém um padrao próprio. com formato um pouco ma1or do que o~ livros normai~. mUJta ilu~tra<;ao (mas nao em todas as páginas) c. no caso de "Cinco Séculos de Resistencw", utiliza¡;ao moderada de texto ficc1onal Apesar de-.sa diver-;idade da oferta e da inesgotabilidade de títulos que a abordagem temática propicia, o elenco de temas dessa.!. colc<;óes 1 cons1deravelmente restnlo, mesmo porque muitas colec;oes lanr;am livro~ cOII temas s1milares ao., dos concorrente!.. Por exemplo. o tema da Aboli,ao cll escravatura no Brasil é tratado, pelo menos, pelas editoras Moderna (Aboli~ colecrao "Polemica"): Global (A Abolirao, cole<;ao "História Popular''): .A 11 (Reinventando a liberdade, colecriio "Di~cutindo a H1stóriJ do Bra-.il"): (/JOs maio. Abo!trao re.)o/ve u?, coler;iio "Con~;trui ndo Nossa Memóna") e ~w:a (di abolinoniHas, colec;ao "O Cotidiano da Hi'itória"), além da obra já mencwnad~ f cole<¡:ao ''Vuamundo", da Moderna Também se repetcm temas como .PnnJearadt Segunda Guerras Mundial~, Revoluc;ao industnal. trans1<;ño no Bra.-,!1 (fil11 regime militar), queda do Muro de Berlim (e assunto-, conelatos) etc. ~ Todos esse-, temas. de modo geral, podem se class1f1car em quatro !!111 ,. 111 O pnmeiro deles rcfcre-sc a obra<> que tratam da Hi~;tória Geral, destacando ~) ~eu-. tema-. consagrados (fcudali-,mo. Rena~cimento. Revoluc;ao Fmnccsa t.'_1~~ '>egundo grupo também aborda temas consagrado". ma!'> 1efen::nte~ ii Hi ... w fl
0Até;}:
<:
1
n:o
286
(Je~cobrimento,
escravrdao. Inconfidcncaa. lndcpendencta, República etc.). O títulos que abordam acontecJmento-. recente<.. geralmente polítiCOs. ainda nao chegaram aos capítulo-. dos 11 vros didáticos. Nesse grupo, a pela atualidade maio, imediata é ac1rrada: logo que ruiu a Uniao ~ cu'-"' a Ática antecipou-se as tkmai:. editora~, lan~ando um caderno especial a VI respeito ( URSS. Formar;üo e queda de um império. de Alceu Luiz Paainato e Helena Vakntc Senl'>e) e distribuiu-o gratuitamente pela mala d1reta Por -p. 0 quarto grupo engloba livros cujos tema!'> nao sao usuais em hvros d1dáticos H ..,róna. Tais tema~ podem -,er quest6es polcmacas da atualidade, como o 11 1 (Ractsmo 1w Hwória do Brasil. cole\Jo "Históna em Movimento", da t-:-jtjca; Racismo, coler;ao "Pergunte ao José" , da Le) e a reforma agrária (Reforma níria, cole~ao "Polemica". da Moderna: Reforma agrária, cole~ao "Pergunte ao 11 j)Sé". da Le). Ou entao abordam pequenos episódJO-. que normalmente nao .,eccm ma1s do que um ou outro parágrafo num livro de história "global" (As t-fturtk.\ armadas ao regime de 64. Guerrilha ou terror?, colec;ao "Lutas do Nosso L..avo". da Editora do Brasil; A Colwza Prestes, coler;ao "Históna em Aberto", da e Uma epopéia hrasileira - a Coluna Prestes, coler;:io "Polenuca", da As lzeresws medievai.'i, colec;ao "D1scutmdo a H1stória", da Atual: etc.). temac; também podem rastrear uma questao no tempo e no esparyo, lancrando :. tópicos. como cotidwno e cultura. que ficam geralmente obscurecidos 'idades em tempos modernos, cole~ao "A Vida no Tempo", da Alual; Movwzentos adturais de juventude, colcc;ao " Polem1ca". da Moderna, ou Hi:;tória da saúde Jliblica 110 Brasil. coler;ao "H1stóna em Mov1mento". da Ática). Como se pode observar, apenas os livros desse quarto grupo .'>eguem ~imamente os protocolos de uma históna temática, operando deslocamentos da :-ativa hrstónca em relac;:ao a pnmazia da penodizar;ao e dos "grandes t..::Pntecimentos". Nos dois prime1ros grupos, os "temas" nao passam de atens do Dunário de qualquer livro d1dático convenciOnal de História e que sao recortado" receberem aprofundamento vertical. No caso do terceiro grupo, "tema" corresa sinopse - com certo grau de c laborar;ao, é verdade - de notícias da idade O receio de Le Goff ( 1983) em rela¡;ao a sortc da h1stóna temática na aplica-<;e também no Brasd: reún~
O que é ccJlO, mfelinnente, é a falta de 1ntcrc~~e dos poderes, das pcssoas que 1mpócm os programas. O que me preocupa é o fato de me parecer que a Hi\tóna Nuva está prec1snmcnte a desahrochar no ensino ~ecundáno. Ma' aí desabrocha duma mancira bastante pengo,a, porque nao colocou o problema do ensmo e da d1vulgac;:ao de Hb1ória. As\Jm, faz-se no cnsino sccundáJIO, duma forma ·lll<írquic.l, selvagcm, mal compreend1da. um esfon;o. allá., lntere ... <;ante. de acllmatac;:ao da
287
Histórt<~ Nova. que leva a cm~as pcr igosas e nhsurdJs. Consa!!rar. como me dr7cm qur <:r fat , 11m ano intciro dL Hrstóna, numa dasse, a um lc.:ma hrstónco. é levar a' crrnn~as a nao comprccndcrcm nada dl Hhtórr,l. F -.uhstiturr urn saber hist<ím:o arcaico por ah-.ohllamentc 11l'nhum. Repare, por excmplo, na H1~t<Í11a dos Trnnspor tes. do segundo ano. Oc certo modo. C'>lamos hastante sat1sfcito:s. porque esse é o tipo de Histórra que tentamos prommcr. ma' csquecem-'c de que, ainda que a Histórra Nova scp uma Histór1a cm rmgalhn~. corno o clr~scmos talvct um pouc(l npressadamcntc. ela continua a pretender ...cr urna Hr~tória total. A Hr,1<11 ra Nova cm lauas é a p1or d<1s histórra\. (p. 13-14)
Vale observar, no entanto, que no Brasil é unprovável que algum profe~~ ded1que um ano letivo inte1ro a u m tema apenas. Além disso. convém lemhrar qtlea Proposfa Curncular de 1986. exatamente para e" itar o n sco de drsper-..ao ena rmgalhas, propunha como e1xo um tema sufrc1entemente amplo: o trabalho, "C!II 1>Ua1> tnter-relaq.oes com o social" (Proposta Curricular, p. 7). Bem entendido: 0 fatiamento da história, de que se fala aqui, refere-se tiio-somente a liYI'GI paradidáticos de Hr ~tórra, ou melhor, a sua marona.
Un1
2 0
tXC,lliO ~OJlll)
dt:\olfiO ~nnodJ pela 'nnqmMa do mundo Unod IV O~ brancos dJCg.uarn 1 O~ r1111iu' do Bm"l ~
A
Uoud l.,\ Jl;¡n,i~Ju dos 1\."fllf'O~ lllCll~rnm,
d,,,.. J1('rtU~lle\.C\ ao
1 AC""P·IIh ..l\) ult•otnMnrl:l
llr."ol t:Urtll~t~l
A An~nl·a Pr1:· Colomhoana
6 O n~n.dnu l isnli.J ~a culoniz.w~n doo
Unotl V A~úcar o ouou boancn dJ colonia 9 A t.:COIM)Il\13 1 Na' oo~ ""$~oro~ a '1.1~cm sem 'oh;, l .1rt..1v1eir~l 2. Ncgm4¡ e br.:\11\.l.l\ lhl'
tOioOIZ3\·ln
<<,.,ocJade brasolcora
17 As onsllluo~c)c' colonia O>
8. A lgreJa cnlnnial 9. O Br.osil e .1 unojo
Um 81asll
h o l ~uu.J ~s·J
10 A' ""·"
7 A""- lllV·•~Oes
holamlco,as (a guerra do ,I\UC31)
u-cs~c
t:
aparec.c
l. A 'onquosta
••1'4'""
~~lli'k!\ ~ . [m
288
6 O J~úca r e a
b. A lorn~1~ao da
GERA<;ÁO DA RESISTENCIA DEMOCRÁ IICA
No caso dos didátrcos propriamente d1tos, a esmagadora rnaioria optou pelo desenvolvímento de conteúdos já consagrados pela tradi\ao. A següencra des.w conteúdos podía <>ofrer varia96es, algumas obras me~claram a Hi'>tória Geral coma Hrstória Jo B rasi 1; out ras prestara m tributo a "no vos objetos", incluindo flwhts do cotidi ano ou mentalidades, mas o fundamental permaneceu inalterado. O quadro a seguir compara, a título de exemplo, partes do1. sumários de algumas da ... obras • Histórra do Brasil para 1!! grau lan~adas por ed1toras paulrstas nesse período • indcfini9ao currrcular:
portugues 5 O BIJ>II e a l·rao¡,;u
Unod. 11. O Aoou¡;o RegonlC ~
Am:nc• 4 O lm(..értn ~olonial
bu
~89
1O A> lul:o<
Evidentemente, há diferenlfa:-. entre e:-..sc:-. ltvros, o que se percebe ill: mesmo na cnumera~fau du:-. Lúptt.u~ Ju ~>UIIlát iu. A ubt <~ Ut. Carlu¡, Guilht!rme Motn ~ Adnana LopeL (no Quadro, CGM/AL), por excmplo, nao esconde sua ongc, "uspiana" (da USP, i~to é, Umverstdadc de Sao Paulo), com scu curso de Histórt que valonza a históna ibénca. A.s abordagen" adotada<; nco;ses hvros ea principalmente, os modo-; de expo¡,i~ilo - ou melhor, as estratégtas editonai-. ~ gráfica-; também diferem entre SI. Mas haveria divergencias fundamentais? Tudo Indica que nao Esses e outro<; livro.s parecem percorrer o caminho o;eguro du consen\O, daqueles contcúdo.s que já estilo solidamentc assentados desde a época em que livro dtdáttco de História era ¡,tnónímo de Joaquun Stlva ou Borgc, Hermida - ou mesmo antes. Teriarn entao razao o~ crít1cos dos livros didáticos que nele" dcnunciam urna conccp~ilo de história "pronta e acabada", que impede a reflexao e que nao ÚlL mat'> que repor a sucessilo de fatos, datas e peP>onagen\ da "históna ofictal''- um hi,tóna ideológica, em <;uma? A referencia a Borges Hermida é propo<~1tal. Um folheto publicitário da FTD, anuncia e m 1995· Ele está de volta, pelas maos da FTD. A colcc;ao de HTSTÓRlA de BORGES HERMIDA foi atualiLada e rccchcu um cuidadoso tratamento de texto e imagem Tudo para mantcr a característica que a consagrou a objctividadc.
A o folhear o li vro, surpresa: o velho Borges Hermida (que, por sinal. morreu em 1995), aquele sempre crit1cado por fazcr ''lmtória of1cial", rornou-se "progressista". até mesmo "esquerdista"! O esquematismo de causas (política,. económi ca<~, soctais, reltgiosas etc.) e conseqüencias (políticas, económicas, sociab. religiosas etc.) permanece lá, intacto (e até mcsmo valorizado pela referida per;a publicítária , que destaca· "texto esquemático, pontuado por destaques de conceitos. fatos relevantes e curiosidades), mas agora a servir;o de cau<;as sociais! Ba~ta. porém. cxarnmar o expcc..liente da col e~ao para lUdo <.,e esclarecer lá aparece colll(l copidesquc o nome de um competente e veterano redator e Jornalt sta O excmplo, por ser um caso-limite. revela o sentido do consenso acuna mencionado: fazer res.saltar, rnesmo no conteúdo tradicional , certo'> valores, certo!' raciocínto". certas hi <>tórM.s que possam a pontar para as !utas sociai<>, as artimanhas dos dommantes e exploradores. os desejos de emanc1par;ao "dos de baixo". Por i..,..,o, há (! ffi todos esses li vro-;, na -,ua p<~rte mtrodutóna, urna espécie de cleclar
290
Pcrcehcndo Í<;).O, perguntamos De que forma o~ dolllllladorc-. consl'guiram L"Onlinu<~r cforninando"' P dl' qut• lnrma n~ tlomtn.1tlo~ reagtram? Calaram-,c? Lutar.1m? Fugiram"l E ho¡c"l Como agem os poderoso!>·} Como reagem o' out ros? E~'as pcrguntas cstrvcnm 'emprc prc,cnte~ enquanlo cscrcvíamos e-.tc livro. que é a nossa manetra de contar a tw.. tória. (Sonta Irene do Carmo e Elrane Couto Hi ... tória tlo Brasil (1 2 grau), v. 1, "Aprcsenta~an") A Hr'>tnna serve para Interpretar o passado. tendo cm vtsta a compreensao do presente. O obJellvo e adqUirtr Ctli1\Ltencra do que lomos para tram.fonnar o que Mimos. Transtormar para mclhor As.,im, num país como o Bra~rl. marcado por tantas ÍnJuStrrras 'octai..,, o cstudo da história pode ~ervir para ampltar no~sa conscrencia sobre a imensa e urgente tarcfa de ~.;onstruir uma M>credade mar<, JUsta, mais digna e mar!> fraterna (Gilberto Co1rim. Htstórta & cunsctencta do Br.tsil, v. l. p. 9) Cabe a nós, como profissionais dcssa crencta humana e como pc~<,oa.., prcocupatlas coma ju..,li<;a socral. promover a rellexao e a vr~ao crítica do e-.tudante, para que ele pm.'>a avaltar ~ua próprra importiincta como agente dmamico do proce).'>O htstórrco. Essc deve ser o nosso principal obJctrvo. [ . .] Nao bast:.1 tltLCr que houvc nu que h:i opressorcs e oprimidos. É preciso que e n~in c mos nosso<; alunus a rc lletir sobre o rcl.lctonamento entre os que oprnncrn e os que sofrem opressiio, e tiremos disso urna li~ao provcuosa que no!. leve a entender o porque de nossa!> a~éics. (Francisco tic Assrs Stl va Históna do Brastl. l. Colónta " Aprcsentarriio")
Mesmo quanclo o autor nao empunha bandeiras tao explícitas, nao é difíctl fa7endo parte do consemo basta ler suas págmas dedicadao; ao período do reg 1me militar no Brasil. Há, desse modo, nos li vros didáttcos, uma certa cultura, se nao progressista ou esquerdi.sta, ao menos democrática e a favor da abertura, pela parlicipar;ao e pela Prorno~ao da cidadania. Seria inj usto diLer que 1sso nao passa de urna JOgada lllercadológica. Se as editora-. fazem dt!.ssa cultum c.,ua fonte de lucro, 1sso nao s1gntfica que os trabalhadore.s dessas e mpresas scjam igu.:~lmentc movidos apenas J>elo desejo de cnnquecimcnto. Esses autorc" e esses ed 1tores sao, quasc todos, da lllesrna gera<;iio do<~ 'iind1caltstao;, intelectuats, estudantes. religiosos, donas de ca<.,a que part1ciparam de vánJs jornadas da re!-..lstencia democrática contra a d1tadura llllittar. Li zan1a... de Sou.w Lt ma conta como concebeu UIJl:l cole~ao de Paradidáticos in vertenJo O!-.. -;i nats da~ data:-. cív1cas: ~urpree nde- l o
291
Há urna colcc;ao paratlitlática que eu fi1, para o ]0 grau, que \t:nJeu Jo;.;llllllu. Do;.;\~;; h,t\CI "ulume que j;í vendeu mar~ tlc 100 mil exemplares . E a venda do parad1dático 1! -.cmpre hcm menor que o tlidático. Qual a idé1a que e u 11 ve'! D.llte, né'1 l::.ntao, qual a 1dé1a que cu ttve? Ahordar a data cívica rclac1onando com a que!'tao da construyan da memóna. Cad;t g1upo lenta constrUir a históna de acordo corn o~ seus intcre~scl. , de acordo coma sua Vl<;ao Rntiio, cx1sle data cívica que é cnada a parttr de um ceno momento. Tiradentes, por cxernplo. T1radcnte' foi mventado pelos republicanos. Antes nmguérn falava de Tiradentes. Até pouco lempo. 20 de novembro, que é. ho¡e, D1a NaciOnal da Consc1cnc¡a Negra, nao era data. Enüio, o que lcvou a se criar cssa data'! Algum grupo da soc1edade tcve condi<;óe1> de fazer outra lellura do passado e criar urna outra n11.:móna. Entao, a data, ou o monumento, é urna mancma de vocc tentar cnstallzar uma detcrmmadn visiio do passado. Entrctnnto, a data cívica tcm :-;iuo l.cmprc VISta com desconfian9a, porque, as ve7es, a mesma data é comernorada com sentidos dd'erentes Urna data que dcsapareceu fo1 o 31 de mar~o Essa data era comcrnorada, hoJC nao é mai~. passa batido Nem o~ militares qucrem lembrar d1s<;o mais. Houve uma época cm que era desfile, era o d1abo a quatro. Enüio. eu fiz uma coleyiio11nha assim. tratando a<> data<¡ cí" icas dcssa mane1ra E pu<; o nome "ConstrUindo a Nossa Mcmó1 1a". Faz1a exatamente C!.!.a abordagem: uma hl'\torinha de fú.. yiio que era para esquentar o al uno; depois havia um texto mtermed1ário que era para mostrar como é que essa data nasceu, com que sentido. Dcpo1s, no fina l, havi.1 uma biografía com um pcr:-.onagcm de cada data. Entao, cssa (;Oic~ao fez muito sucesso. Outra coleyiio que eu lil de parad•dát1co - cssa nao dcu certo, nao vendeu naua - fo1 com aqueJa idéi,, <.le pegar eventos históricos que nao ~5o valori7ados pela hl~tonografia Qucr dizer. a h1stóna dos vcnc1dos. Sao venc1dos até pela memóna, né? Entao, po1 excmplo, hou\e a Guerra dth Tupmambá'> e quase nmguém aborda csse terna. Há por cxcmplo. a greve dos cochc1ros. que foi uma grcve popular contr.1 o progresso cntao, ISSO nao é abordado. Era n~sim que 'e chamava "Cinco Séculos de Resistencia", esse foi vencido até pelo mercado
,J) , A guerra civil es¡wnlwla, cole~ao "Históna em Abt!rto", da Scip10nc; A1
~as wcialtstas no Brast!, cole~ao 'Polémica", da Modema. Pulíticu puw t¡ué:'. ,.., ~ · "História Vida". da Atual: e asstm por diante. Chico Alencar, antes de ter sido candidato a prefeito do Río de Janetro pelo _prtido dos Trabalhadore<> na~ elei~f6es de 1996, C'lcreveu, juntamente com Marcu~ \'eflt..:ÍO Ribeiro e Clau~IU'i Cecean.' Bras.il , ~ivo - Uma. nova história da Jzossa ntr. da Vozes. Es<;e e talve7 o ltvro dtdat1co que m:.us espelhe a gera~.üo da ~istencta democrática. Sua linguagem descontraída, qua~e urna fabulac;iio. e sua lfjaer.1ma9ao lembram muito a chamada "unprensa nanica" - de Pasqwm a ~ : de Movimellfo a Bondinlzo e Ex-. na qua!. por sinaL milttou o cartum<,ta CJaudJUS (Cecean), responsável pelas ilustra~oe~ e pela programac;ao visual da obra. Trata-se de urna tentativa de e~crever urna h1\tóna dos venctdo~ (ou contra ..en¡;edores) mvertendo O'> o;ignificados e os sent1do~ da cronologw e da penodizayao tradicional
ALGUMAS INDAGA<;ÜES
Na mesma época em que muitos pe~quisadores universitários denuncwvam livros didáttcos as "betas mentiras". que favorcceriam a classe dominante, 111tores e editores produziam ltvros dtdáticos procurando, além de ganhar d inhetro, partic1par da !uta pela cono;olida~fiiO da democracta e da cidadania no Brasil Para isso. valeram-~e de urna ht!->tória con<>oltdada, com <;eu!-> remas, períodos e personagens bem assentados. ma" invertendo-lhes o ~ignificado ou reorganizando• mediante certos conceitos como "modo de produc;áo". Ma~ sabe-se, desde Vesentini e De Decca ( 1976), que o vencedor da históna é também aqueJe que Ílstitui a memória da <;ua vitóna como a História. cancelando nesse ato a história do 1encido. Em outras palavras, a história do vencedor com sinais trocados (ou com litros conceitos) continua senda a htstória do vencedor; inverter-lhe o significado llo restitui a históna do vencido Tenam cntao raziio os inquisidores da<> "beta., .~tira\". que souberam flagrar a ideologta que se ocultava por trás da-. boas lOS
-.ren~oe~?
A questiio prát1ca, no entanto, é outra: para além des~es cxcrdcio' lativos, o que ,<,e pode fazer efetivamentc cm rela(j'ao aoo; livros did<ítico'i'? r::I1Zln•as de Soual Lima, que tem pós-gradua~iio cm Históna, clesabafa·
Convém lembrar que além dcssas cole~oes, vános li vros paradid:~ti: vcr•;am sobre temas que '>C podenam denominar "progressi-;tas". O capiw/ls ~ cok<;ao ·'Vi<>ao do Mundo",
A di.,cu ... sfio do livro didático no Brasil é muito desfocada, porque o mdiviúuo cntica o livro didático pelo conteúdo E crit1car o livro dtdáttco pelo conteúdo é t.ríucar aqullo que ele tcm de rnais frágil Enliio, vou dar um cxcmplo aqui na área élc Hist6na. Nós podemos pegar qualquc1 ,1\\UnlO Yamo'> pegar,
292
293
por ~xcmplo. Roma Antiga . A bibllografla sobre Roma Anltga é uma ..:o1sa a~~u~taJu1 <~ • .sal) 111ilhü~..:~ J~.: pügm.a:.. Vocé tem uma quantldade de do~umentos, de texto~ histonográtlcos e de ns6e~. de Intcrprcta¡yocs e Jc Ji.,cus~üc~ entre os htstonadores. E essa complcx1dadi.! vo..:i! nao ~lllhcgue traLcr para o livro didáttco de mane1ra nenhum..1. Fntao. cscre,cr um hvro dtdático é fazer urna cscolha Tudo 1sso que cu conhc<;o de Roma e todo esse problema, vou snnphfu.:ar Eu \'OU rcdu11r as coisas mutto consen:.uats Além d1sso. vou :unJa ter que "d1datizar" a linguagem. Entao, log1camcnte. se cu pegar pelo criténo da produ~ao h1~tonográfka , a c.tda hnha cu pos~o dtzcr que nao é aquilo Claro. é 6hv10 1 Agora. eu acho que o l1vro didátiw tcria que ser julgado pela sua caracterí!>tic.l es..en<... lal, que c.! o seu <:ar;íte r didáuco. Se ele con~egue colm:ar a-. co1sas com clareta, se tem um encadcame nto, se respclla a matu11Jade do a luno. Um aluno de 01to anos é inc:1paz de f'ate r Jbstra.yoc~. ele é incapaz de fazer múltiplas rclac;oes, se vocc c hama a ate nc,:fto de le para o espac;o ele esquece o lempo, ~e chnma para o lempo ele esquece o cspac;o Entiío, ib vetes, o 111d1víduo que nao tem essa vivencia pedagógica. did:it1ca, pcnsa "Eu se1 Históna, e ntiio para dar aula eu [naoj preciso saber ma1s nada". No entanto, nao é assim. É rnais impo rtante, talvcL, um profe!-.sor que nao tenha um conhecimento tao profundo - sempre é born que ele tcnha, talvez é até e~~cn c ial que tenha -. mas, as veLe:.. um professor que nao tenha nem t.tnto conhcc1mcnto a<;snn, mas ele tern uma boa d1dát1ca. uma boa rnane1ra de expor, ele tem um conhec1mcnto pr111c1palmcnte da p~1cologia da cn.:. .. ~a. as etapas de dcscnvolvunento mental deJa, ele acaba tendo mats sucesso do que um que tenha, talvcz, título:. etc e tal. No entanto, as crítica~ ao ltvro didattco no Bra!>il pega pelo conteúdo, que é o lugar m;us fáctl Pelo conteúdo, qualquer ltvro aquí eu pOS!>O d1;;er que c:.t.i cerio ou errado: "Ora, Imagina, isso aqut nao é ,¡<;slm" LógiCO que nao é as~im. nós estamos sabendo. também! Só que vocc tcm o ito págmas e vocé vai fa lar para urna crtan~a des·· séne. E, :1s ve7es, escrevo o livro me d1ngindo quase que ao professor E o pro fe~!>OI tamhém embarca ne!>:.a Ele gosta do livro, ele adota. Dcpoi~. o l1v10 c m na müo do aluno e o aluno que tem que le1 aquiln nfio e ntcnuc. Quer di7er, como é que o livro vm para sala'! Entao, c¡;se ltvro aquí para o aluno é mútil. Dito de modo mai'l atrevido: n hi<,tó ria que é pesquisada nas univer~- r~ 1 p e lo.'. h1s tonadores de ofíc10 é drferentc d.t hrstórra que é narrada no~ didáticos e que é e ns111ada nas escolao; Como ohscrva Goodson ( 1990):
294
Anált~es mais atentas das matéri:.h escolares revela unm ~c.!nc de paradoxos 1nexpltcaJo:.. En1 pt imcuo lug.lü ..,~.;ol.ll é. sob muttos aspectos, mutlo diferente do contexto umversitáno [ .. ] Em segundo lugar. u!> matéri.t~ e!>colan:s sao, com frcquenc1a, ou divorciada-; Jc !>Ua Jis~.-1pltna-ha~c ou na,) tcm uma Jtsctplina-hasc. Muita!> matén.ts escolares. portanto. reprc!>cntam comunidades autonoma<> l .] [p 214;
Empregando urna terminologia dtstinta, Chervd ( 1990) aponta para a
1
•'"w questao· Na opm1üo cumum, a escala ensma a.' cl.:;nctas, a~ quat'> fi7cram suas comprova96es em outro local. Ela ensina a gramática porqu~ a gratmíttca, cna9ño secular do~ lingui~tas, cxprcssa a verdadc da língua; ela ensina as cicnc1as ex ata~. como a matemática, e, quando cla se e nvolvc com a matemátic,, moderna é, pensa-se, porque acaba de ocorrer um..1 revoluctüo na ciencia matemática; cla ensina a história do~ hts to nadores, a civilita.yao e a cultura latinas da Ro ma antiga, a lilo!>Ofia dos gra ndes lilósofos, o inglés que ~e faJa na Inglaterra ou nos Estado), Un1dos, e ~' francés de todo o mundo f 1 M a-; tres resultados da anáhse h1~tórica impedem defimu vamente q ue se cons1derc cs..a maténa [gramática escol.tr] como uma vulgamayiio c1entíf1ca. Ela mostra. primciro, que contrariamente ao que se tena pod1do acreditar, a "teona" gramallcal ensmada na escola nao é a cxpres..,ao das cicnctas dita<;, ou presum1da!-. "de rderéncw··. mas que cla fo1 historicamente cnada pela própria escota, na escota e para a escola. Em segundo lugar, o conhecimento da gran"íltca e<,colal nao faz parte [ ... ]da cultura do homem c ult1 vado. l . 1Enfnn. a própna génesc dessa gramát1ca escolar nao deil(a nenhuma dúv1da sobre sua fi nalidade real. A cri.u;ao de seu-. diferentes conce1tos 1em constantemente comcidido no te mpo com seu cnsmo, a~sim como com o cns1no da ortografia 1 •. [. Na sua rea ltdade d1dát1ca, cot1d1ana, como nas s uas lina ltdadcs, a gramática escolar francesa e mban:ou, de fato, na g ra nde empresa nac1onal de aprcnd1zagem da ortografia, empresa que nfto iem nada a ver com qualquer vulgat ILayfto. 1p. 180-2]
É pos!>ível (e deseJável) introduzir a pes qui sa 'lis tó rrc a unive rsitána nas de aula do 1u e 2!! g raus? Le Goff, no trecho c rtado, alerta va para os ri scos de lrr a Nova His tó riu no 1>ecundário sem atentar para "o prohle ma do e ns m o e
295
da d1vulga<;Jo", o que oca~ionana a ~uh ... tituic;iio de ··um saber hrstórico arcaren IIL"ItÍIUIII '<10L'I··. ~() Brlio Jo mercado de II\To_, did;ítu.:o" de todo o paí~ (mclu\t\~ de cdi~c~ks regional\), nao ¿ e.xagcro ..;upor que tal ··currículo" informal tcnhc akanc;ado abrangéncia nac10nal Orante dev,e fato con-.wnado, a Propol~ Curnc ular de 1992 canr no hlZIO, mc-.mo porque a enumcra<;ao do, contcúdos _a despeito da -.ua introduc;Jo teórica. que propüe llllla abordagem próx1ma .1 da hrstóna do cot1drano tendo como eixo quatro temas - em quasc nada difere dos Já con<..agrado-; ,,1 ,, lui,uueuh..
O que os profe..,sore-; e o-; alunos fa7em cfetivamcnte com tudo r.,so é uma outra hrstória, a ser pesquisada.
REGIONALISMO E HISTÓRIA DA LITERATURA: QUEMÉ O VILÁO DA HISTÓRIA ? 1 Mm isa La jo/o ll ';-.;tc,,.\tr,
( ) lJUe\llonamenlo de Lonceiros ~ul:hJanLiallstas de liLer,llura e hl~l()ria. um rcdut.1ndo ilteraturistemas snc1ais mterauvm - ~uscita. como consequenc1a. 1 modelos mal'> dcn-.os e pJUJ Jlacctados [ .. ] nao htí tms coisa... como os ~igmficados, as ohras de arte, a hl ... tónt~, a rcalldadc. mas cm ve/ di-;so. '>lgni fil.:ados. obras de arte, hi'>IÓrias e realidades. Sua nbJetiv1uadc mLuJti\ amente sentida pode \Cr explicada t:cllno o re~u l tndo da lnler:-.ubJCi lVIcladc, ocas10nada por um,l soLialita\-:lo bastante homogcnea dm grupos snc1ais que c:-.t:lo integrados por 1111crcsses. ncccssidadc-; e 1ntcn~oes sunila1eo; ~ E o;e amso o sabipéridcs·· na laranjc1ra de :-eu qumtal. Aldro\ando e~rogueteava-o com apó:-trofcs: - S.11tn fora rcgl(lnall,mo de m5 a,-,oniincia 11
m.tcn~ao dc-.te cnsaro é discutir algumas hi-;tórias lit.erária' na cxpectat¡va de que isto permita falar de lfi-.tóriu Litenírrn. Stm .. das mmúscul objetivos. tran-.fornJ.Indo--.c a-.-,rm '-Clls contcúdo-. - autore-., ohras e Cl!ltlos- cm pretextos para a dr:-cussao do papel que o di-.curso da história liten1ria-
A
296
297
ou, vá lü... o dt'icur!:.o de algun.., de seus espécimcns - ensina sobre o que.: a Htstó 1 tterál ia p0de enc;in:J.r o.;obrc outras cois:1o.; que nao apena. a literatura. ~ O recorte será o tratamento dispensado ao regiOnalismo e a hipóte<,e história L;OlllO texto escorregadio e -.inuoso, que diz scmpre muito ma1c; ou m ..: ll ' ' lUI!Q menos do qut: parece estar dt.tendo. A LII'ERA'IlJRA DA A.\-IÉRI(..\ PORTOGl'ESA E ,\1 Boun:RWI<:K E SISMONDJ E No Ül HAR SOLIDÁRIO E DJD,\ IICO DF FERDI'IA:\'D DENIS E DE ALl\lf.m.\ CARRETT
Friednch Bouterwek, profcs\Or da Universtdade alemii de Gouingen convidado por scu colega Eichhorn para a"'sumir a parte ibérica de u~ monumental História da poesw e da elnqiiencia (doze volume:-. publicados entrt 1801 e 1819). no vol u me dedtcado a Hi.1tóna da poesw e da eloqitihzcia ponuxu~Ja volume, publicado em 1805) inaugura o olhar europeu que se volta para nossa literatura. Em scu texto, ao lcvantamento das influencia~ europétas em escritores brasileiro<. (i<;to é, portugue.1es da América, no correto dizer dele .. / alinham-se conselhos sobre os mai<; recomendávei" rumos a serem assumtdos pela tnctpiente produvao ltterária da entao colonia portuguesa. O lratamcnto dispcn'\ado por Bouterwek a Cl:iudio Manuel da Costa é exemplar da metodologia que tanto se utiliza de paráfrasc... e de le1turas amob10gr:.íficas de textos literános, guanto do 7elo do historiador na enumcra~iio das inlluen<.:ta1> europétas muntfestadas pelo poeta-inconfidente. E~te eurocemrisnw fica menos estranho -;e se levar em conta que, petra Bouterwek, Cláudio Manuel da Co-;ta era, fora de qualquer dúv1da, um autor lusitano. A obra de Bouterwek trabalha com categorías que lembram a prolixa Bib!tmeca lusitana ( 1741) de Diego Barbo•;a Machado Na obra do prelado portugues Barbosa Machado, a interferencia da crenc;a traz, para a história que narra em verbetcs trar;os de maravifhoso'' que podem ser crcditados a formac;ao católica do autor. Já os proccdimentos agenct.td01> por Bouterwek parecem con verter para 0 mundo leigo. reformado e untver-.itáno do professor alemao, as hojc pouco credenctada.., cmegonas de providencl(l/ismo e boa:. inlenroes:
(-r
Após regres~ar ao Bras1l. t:onltnuou a eulllvar a poe:,ia. n.t.., montanha' aurífera'> e na~ tcrr ••~ do ti ~amante. mas essas riquc;:.as altamente mio o udu,·rram. Naquelas montanha~ dis¡;c ele - nao havw regatos ar<:¡ídtcos, cu¡o ~uave murmúno mc;pirasse melodioso~ verso~ As águas turvas e fctas do~ riachos apena!> suscil,l\ a m idéta\ ligadas il d1 rícil e ambtciosa minerat;ao, que poluía essas mcsm.u. águas. (p.9) Mas em conjunto. nenhum pollugues. m1' úllimos l:em .mo.... conseguira escrcver <><>neto<; como os de Co~la. os quaiS \C as'>emelham, de manemt mai:-; em.:antauora. aos de Pemuca [ . ] 1:m ~onctm podem ser considerados os mais perlcitos da literatura portuguesa. Por vezes, pcnsamol> ouvir o tom ingenuo de amigas l;an~ues pottuguesas, que nos fosse reslltuído pelo eco Italiano. Ma~ (l go~to francés, do mcsmo passo, exerl:eu cena innucncta, embor;¡ meno'> acentuaJa, sobte a poe~ta de Co~ta (grifos mcus) (p. l 0)
Em ..,equencia ao projeto para o qua! Bouterwek contribu1 com a pune telativa a Portugal (e, por mclusao colonial, ao Brastl. .), a próxima obra a cuidar das poouc;oes literárias hrasileiras é a do suí<;:o Simonde de Sismondi, cuja De la Lilteruture du Midi de I'Europe fo1 editada em 18 13 e teve várias reedi<;ües Cotejo clesta obra coma de Bouterwek sugere algumas semelhanc;as e outras tanta.-. diferenc;as As pn meiras referem-se sobretudo ao corpus ao qual ambo1> os historiadores recotTem: aparentemente, Sismondi in~ptrou-se bastante na obra de antecessor (que ele, aliás, refere em rodapé), de quem chega a parafra-.ear texto-. Veja-se a semelhan~a entre o parágrafo no qual Sismondi trabalha elementos biográficos de Cláudio Manuel da Costa e o Já transcrito excerto de Bouterwek: tomo o historiador alemao, também Si-.mondt mterpreta literalmente a., mesmas {llssagens do Prólogo que Cláuuio Manuel da Costa apoe as <>uas Obras, texto já COmentado por Bouterwek:
nos cinl;o Jno~ cm que freqüemou a untverstdade de Coimbta, ali continua .. a a imperar, segundo mformacyoes do próprto poeta, a t:onompida moda poélica do marintsmo portugucs. Por sorte (e •~so t:onslitm a pt imeira ¡nm·a de que estam predestinado a melhor !01 ma~ao ), o jove m Co.'''' wmc<;ou a e~tudar e i mtlar os poetn;; Italianos mais antigo~. ao lado de Meta~t:bto, durante ~ua e:otada cm Coimhra Ten1ou, mesmo, escrever ~onetos a manetra de Peuarca. em língU
Durante c.i neo ano-; recebe u ele cduc.a<;~O européta; m a., nc1:.ta cidacle, a cscola de Góngora clomtnava amda, e f01 o gos10 pesso.tl de Costa que o decidiu a buscar modelo~ nos anllgo-; poetm, italianos e em Meta~l.ísio De regres~o ao Bra\tl. conunuou O!> seus e-.IUdo:, poéllt:O~ na' nunas de ouro e de diamante, l:Ujas riqucta\ parece que nao o la<;cinaram Naquclas montanha ... d11. ele. nao :.e veem regato~ da Arcádia. cujo doce murmúno produza '>nns harmoniosos a torrente que '>e de.,penha. turva e imunda, lembra ~omcnte a arnbiyao dm homens que 1 epresatam e t:ompurt:aram as á guas cm busca. de tesOUIOS. (p.23-4)
298
299
As diferen<;as vao por canta dos tra<;os proféticos e pcdagóa1co d s· 1 F.l . . . . 1:>' !) o te , lsmom J. • e se melina a vattcmar futuro grandioso para a produca- ¡· Xto .c. 1. . . 3' o tter¡¡ . .. co on1~- p01~tu~ue!)a e a. ~~lanzar a cor loc:ll: isto é, 0 ~merícanismo que aplaufta dt pr~tl~r;ao ~e ~l~ns a1cades.' numa e~pect~ de apl1ca<;ao pioneira de id¿¡ d~ reldyao cntt e litewturu e .wcteJade <.¡ue cornam soltas nas dlscussoes d as IL¡ 0 Schlegel e de M me. de Stael, círculo tntelectual freqüentado por Sisnlond . grupo dos , . . l. . . . E a propos1to de Manuel Inac10 da Stlva Alvarenoa e de S'ta G/ . . e ' aura q penclo1 para o aconselhamemo leva S1smond 1 a americanizar os olhos .... , Ue o · ·t11· d 01-.· quats, para a¡· · a produrao li'terária bras ·¡ ~.:. cruenos 1 pdl cm d e ¡ere aval1ar . 1 T . , 1 eua. ann..._ cam1n 10.s para cla. Com~ntanclo o que bem ma 1s tarde e com muita p _,-~,.. ,. . B ropnert-aS erg.1o u arque de Holanda va1 chamar de conquista de cidadania p , .. ~01\C. ·¡ . 7 S d' . oetl< a da 11at ure::a 1Jrast etra , 1smon 1 regl<;tra que O principal atrativo desses poemas é ainda a sua cor local, as imagcns sugeridas pelas árvores, pdas borboletas, pelas serpentcs da América; ou o convite para mitigar os calores de dezemhro nas rrescas ondas de um regato. (p.26)
O tropicalismo, ativado, rende ainda mai.s dividendos, ao prognosttcar para a literatura brasile1ra futuro brilhante e gui~á superior ao da Metrópole. É como se Si.!>mond i inaugurasse (do avesso, de vez que sua perspectiva é européia) o daí para frente con·ente me-ufanismo dos o lhos que viram e anal isaram nossas primeiras manifestayoes literánas . Observador atento da política européia que, ao tempo de elabora~ao de sua obra assistia a expansao napoleónica, Sismondi inscre\c na transferencia da Coroa Portuguesa para o Brastl os bons auspícios do desenvolvimento literário da colonia, para o qual, na retórica da pergunta que fecha a transcri~ao abaixo, ele vaticina futuro resplandecente: No mais aprazívcl dos climas e no mais rico dos solos, fundaram [os portuguc~esJ uma colonw que ultrapassa dozc vezes a superfície da antiga máe-pátria; para lá transportaram hoje a sede de seu governo, sua marinha e seu exército; acontecimentos de todo Imprevistos conferem a na¡;:ao outra JUventude e novas energías; e nao estarao pr6ximos os tempos em que o Impéno do Bra~rl venh::t a produ7ir, em língua portuguesa, dignos sucessores de Cam6es'! (p. 26) . el
. Mas, assim co~o Bout~rwek, Sismondi ~onhecia a colonia que ~ra~1:0 ~ 1 literatura que por aqu1 :-.e faz1a apenas de ouv1do, e (tal vez ... ) de lettu1'•1 · .ef.O (re)mterpreta9ao de tais leituras inscrevia-se dentro de monumental continental De la Litteratw e du Midi de l'Europe no qua!, tal vez, nao fosse de: 1 relevo o papel representado por Portugal e suas colonias ...
6
pro!-
300
só nos arredores da Independencia hrasiletra que o redesenho do mapa . ' h d d·l Europa favorece novo ful•rulo para oc; olho~ europeus que. nos ol an o, . lftJCO , o . . oriz.am-nos. É 0 caso dos _próximos historiadores, o pnmetro dos qua1s, u.,ive. viveu no Brastl _por mutto~ anos. . . . . . 1 A estréia de Ferdllland Dent~ em a!)~ untos braslietros deu-se e m S cene.~ de rous le~ rro¡1iques el de leur influence sur la poesie de 1824. Nessa obra, o JWIUrl' ·• · ·. . t'rances fa~cinava-se coma brasthdade que, cxpre.!>sa nas cores e formas da - · ,1 ¡1nte · · . . · .vJaJ • , vai ser decisiva na sistemat1zacao com que. do11-. ano<; depot'> ( 1826), no · · du porruga,1 sulvt · · r.u 1 R' · · __ un:/U, , tfe l'Histotre Litteratre esume• de f'r¡Lf of01re E<.
Jírumc
, .
.
. .
· , . re du Brésil Ferdinand Denb trataria da htstona da ltteratura bra~tle1ra. <>'m ' x , . . . Já 0 subtítulo do Résumé' , revela ~eu carater normativo: Dent.s anuncta-o . d . N ~como ··Considerayoes gerais sobre o c~ráter que a poesta eve assunur no o~o ·Mundo (p.35, grifo meu)", atnude d1dáuca que se derrama pelo texto: A pedagog1a g¡amfe.,ta-se tanto nas .reflexoe~ mai~ gerais ~obre a cultura__bra<;tlelra, c?m? nos !'"-'momentos em que Dems se detem mmdamente na obrad: d1fercntes escntOJe!) . O projeto educativo materializa-se, por exemplo, na sucessao de verbos normativos (grifados por mi m) que se esparramam pelo seu texto :
,
Se essa parte da Aménca adotou uma língua que a nossa velha Europa aperfeic,;oara, deve rejeirar as idéias m1tológ¡cas devtdas as fábula!> da GréCia. [ .. } A América, estuante de JUVCntude. deve ter pensamentos novos e enérgicos como ela mesma; nossa e>lória llterá1'i.t nao pode sempre dummá-l::t como um foco que ~e enfraquece ao atravcssar os mares. e destinado a apagar-se completamente diantc das aspira¡;:6es primitivas de uma nac,;ao cheia de energ1a. Nessas belas paragens, tao favorecidas pela natureal, o pensamento deve olargar-se como o espetáculo que se lhe ofercee; mnjestosn, grac;as as obras-primas do passado, tal pcnsamento deve permanecer mdependente, nao procurando outro guia que a observa¡;:ao Enfim, a América deve ser livre tanto na sua poe~ia corno no seu governo. (p.36) Mais adiante. Denis anuncia o premio ao aconselhado abandono dos topoi gicos: a inspira~iio na natureza americana o francés creclita a possibilidade de poetas brasileiros v1rem a suplantar os europeus. Sohdariedade tropical explic1ta, de refolhos contrad1tórios, v1sto que a literatura européia (e o público europeu) constitui matriz da linguagem (inclus1ve das metáforas) e horizonte em que de poesía· A aurora da Grécia, com scul- róseo:. dedo:-.. abnrá aquel~ céu ofuscante de esplendor, cujo bnlho rana empalidecer o mcsmo 301
1
/\poi.,
Se •':-.
f'L'IIL'lf¡fi'L'Ill
fh>t'l.t~ dc,,a~
J.t ~/,IJJdt•/;¡
rq•l(>c' lllrtn·111 a llitllttl'.t;t, 'l' <>k'r l ' ( l' tkrtl ro d,· !'""'''"
d.,
\l'I:IO lfii,IJ\ ,¡ 110\, l:tfll'/ 110\\th IIIL'.\lrl'\
fo:-.~a
-;e
ll.tlllll.:/:1, llllll(o
la1 or:i1·L·I .ll> rk'l'rt\'oh lllll'llltl do . ~.:11111. l'~p.ir/l' pm lnd,¡ parlL' 'L'll' L'lll',lfllo,, cirL'Unda ''' l·,·n¡n ,, 111ha11o' l'IHlt "' "1''' helt•s don,: ·~ nao l: l'(lfllp l'lll ll0:0.\,1\ l'ldade,, ondc a de''' •nhv.·('fll. Oll
¡;
Ja,¡ i m:n el lfll(' n.io '" l'llumrrc no Rr.htf uru Conpcr r:•ra l.l' das caprlo~nra, Jl'\Gta'. ¡ I' :" 3: 1 ,., dalkll ""'''lile
'-''bo,·o hi,ron¡;o tk lknrs Ul'Upa-.,~,· d~.· irHímcro... c'crl!on.•, cuja '~ iHtll~nttca IIH.Jtkrcntetncnrc pcln nas~.·Jilh.'lllo uu p~.·la ll.:márJca 0 e n~t·tle pl.'la frdelrJadc ilJwture/a rrnprcal e ah,tndono da linguagcm pn~llt',J :urnpéia a quaiJdack pnétka. pontilhandt 'éli !t.~.\lo. quer Je cxcertos comentados de poema .... quer de alu'o'-'" a hi,tonadores d.t ll!cratma que u prcccderam. ,\o 'L dL•bru<,:ar analirkameme 'ohrc O\ te\to:-. que Lornenta. Den" n:lo abre m;ío do, \,!In re., que d(l\·oga L'. f¡l'f a propo,¡,¡ Je ruptura com a mitulogia d;í,sica. C.\ proba em Gurvaga 'Cll 1)
(I/IWnr anir/{((/e
rcircrnun Clllprcgo úc llld,ifim" MlgLIIú.t, pela muologra. e de ''" llla~ de J10C)lf0 paslor" uif'unúrJa\ rm Fontcnelk Ulli;J \ Cl que tuúo ""' pout:o <'onv..:m ao pocla hr.~,,kllo habitante úc rcgicico; onde a n.llurc;,, mai' oo;lcn¡., C'>plcnJor e rna¡c~t.Jdc
(p.66 7¡
Tami1L;m ClC que co;ILJdou o.,ohrctuúo O\ Halt.lno,, ma' (,¡1\ ct se lenh.t tornado dcm.J'>~:tdo ~.·uropcu na' su;h mcláfora' 'LI,J~ t5doga.., 'L nos a lrgur ,JnJ 'llhnu ......as a:-. lm lll,h poélicns i mpmta\ pcfw, \el'UJo, antC/It ll'l''>, ~111110 'C lS h,lhll,llltl'\ tfds carnpanhas do Novo J\1unuo de\'C.\\Cill tle\l'llt:.tlar lfli,Jgcrh 'cmclhalllc~ ús anll'llonncn rc li'>,Jda-. . tp 6 1J¡
1-::uropeu tk
lll.tl:-.
ou arnerrtano de rneno ....
11/fl\' Olf
11(1{
111¡1\ ;
u"'"
ff; .• :.ír:.:
pOtW!:IIl'lll.
.
llllt:nlo Jl~ IL'LKiagt.:m de u m te\ll' ljtiL' mJgllwhncnle t.:unstlltll:l aprt:,...:nta.,)o de antolngra, dando-liJe " dtll•llhlllli.I dt..• uma publi,:at.ao '"1lad.J repd ._,, llllll \'arnha~en qt11.:. L'lll 1'<:"( rqmblict e int11ul.1 Hll'forio rla lttewtum bnHiláro o en'ln:lla o pmcnte:-.1..1• t:rrtrc .JIIIOIL>gi.t' ~.lll'•ttína' lilt'J:tri.I'L tahei' clwgiiL'. lltclthl\l.', ;, Tcona Literio. com a' melhon.:s can.;on~ta' do delicado poeta italtann' l e r~cnmlll .t-lhc , ¡ p.trcrm6nHt de Wll<'lintmdatl<·. como Dcn1,, Je.:lamantln mat' cor local e mai' c\ori-.mo cm 'uas c.:ompo~ic;oc~: () lllO\
a' m:qc,lo\a' e novas l:cnao; d.l naturct
t\a, re,tri~·óe, de Den" a obra tk Cl;íudio. h
l)lll l kn1.., I.Jn<..," -..:u N< .\111/W t 1X2úl. AlnwrJa (lanl'll .:!-:·, ... ;,,,¡" ''" lllll'llct e tJot'\ltl r'olfrt.r.:ue'u publll.'ada ~.·oJtHI jntrodltl;i'io a antolO¡.!Ía qu.: tl.'tínc 'oh o IÍIUio d.: l 'aii/<1.\0 lil.\itono ou f111<'1W.\' rlo1· atlfOH'' ¡)()r/llgll< vn allll,l:til <' Jllot!cmo.l :vtaJ ... larde a Hi,tríria é rcpubl icada elll volullll' inJ~.·pendt.:ntc. com u títulu !Joi,JIICÍO du J¡¡,,,;,.¡(/ ,¡o 1'"1'\'Ítt f'lll lilll!llo
N u me:-.mo ano c111
~scr~' e
'flwr i.1 tht•
A propÓ\ItO dc Gnrl/aga. a alrlud~.· il da raun.l t.: da flor.1 cuja pre'L'Ilt;
302 \().)
Nao causa e'-pécic ao zclo.,o crítico da identidade cultural alheta ser trancé -ergo t>nrorcu - n mndeln
pr0p0~t"
~
Exrli<.:o-mc. qUiscra <.:u que um ve;. dt.: no~ dchuxar no Brasil cenas da 1\r<.:;klia. quadrm lnlt.:iram~,;nt..: cumpeu~. pllltal>se os ~cu~ painé1~ <.:t'lll a~ corcs do país ondc o ... situou Oh' e quanto nao perdeu a poe~ia neste fatal crro 1 'oC ec;~a amável. -;e cssa mgenua Marili-1 fo....,c como a \'¡rguua de Samt-Picrrc. sentar'c a ~omhra da' palmcuas, e enqu.tnto lhc rC\Oav:un cm torno o cardcal ~oberho com a rúrrura dos reís. o sabiá. terno e mclodio~o. que saltassc pelo-; monlcs c~pcssos a cotia fuga? como a lebrc da Europa, ou grnve p
tlll1a<;aO final do parentesco entre antologías e histórias literárias F""a alianc;a J!ldcrna va1 en~,;uulwl c:xpiv.,:--dU tanto na pioncira e popular "érw Nnnm· (lantrrH EJ¡LOfU Agir, como, um pouco depo1s, as utilís-.imas !:>énes Ja PreH!nra da ra porttl~uesa e Presenra da literatura fnasileira E-.tre•ta-se. assim, o parcnte&co entre Jw.tóna literátia e antologías, -o;e entre amba'i curio..,o c1clo de retroalimenta~ao. a históna lnerána .;e produz a part1r de uma antología torna arti~ulados e coesos os textos da ::ologia que íntroduz Por outro lado. os textos con<,tantes da antología tornam-sl? ¡¡mite e o horizonte da reflexao htstónca que. aliccn;anJo-s~ naqueles textos e nao outros. erige-os em canon, e a..;¡ mesma canonl/a. Januário da Cunha Barhosa, que entre 1~30 e 1834 dirige a lmprensa Rég1a. organiza cm 1829 o prime1r0 tomo de c.;eu ?amaso brmileiro. Na<> considera96e.., . ~~ ·r b 1 - · a Ao piÍ" o amor a· patna, 11tco entre as JUstt 1cat1va<; para c.;ua o ra. e e1~cam-se 1 aJis..,üo CJ\ilintória da<> antologi,t<. e histórias 1Itcrárias ~. acre...centando-..,e a elas a cfificu)dade de ilCC'>'-.0 a<; obra<. antenores \Obre a literatura brasileira. a precaricdade ctaconst.rvac;ao de manuscntos e as vantagens da impren'>a. Emprend1 esta colc<;ao da-. mclhore~ Poc-.ta'> dos no%o~ Poetas. com o iim de tornar amda mais conhecido no mundo hterário o GeniO daqueles brasile1ros, que. ou podcm servir de modelo.,, ou de estímulo a nm.sa briosa mocidadc, que Já come~a a tnlhar a estrada da~ Bel.ts 1 etra~. qua~e abandonada nos úhimo' vinte anos dos nossos acnntcnmentos PoiiUCO'> Os que se deram a scmelhante t!:-.0 O'> esenio~. por In partes. diferente' do' que saíram da pena de ~eus autores.
1-'ica convidativo conduz1r ao implo~cável diva de Sigismundo eMe11 pnmeiros histonadores Je 110\'>a literatura, CUJO'i ensaÍOS dao supenoridade virtual a literatura bra..,ileml sobre a portuguesa. Enguanto intelectu o papel de agente~ duplos: -;ao. de Utn laJO, homens da VIrada f0111Uill1Ca, filhos que prCCÍsam matar O pai; de OUtrO, homen~ de seu tempo, o.;ao pa1s de si me~mos. e a~~im, cand1Jatos exemplares ao papel Je vítima deste Édipc de espelhos ...
A HISTORIOGRAFIA D A LITERATURA BRASILEIRA SE:\1 SOTAQUE EUROPEU
A hi<;toriografia da lneratura brasile1ra come9a a perder o ~otaque europeu no projeto que a acopla a organiza9ao de antologtas de nossa produc;:ao poética. confírmand0-c.;e aqui a hipótese de Carpeaux" para que m a alian~a antolog~as/hi'>tórias da literatura é rnuito anliga . No Novo MunJo, e particularmente no Laso brasileiro, fonaleccm a históna literána pira. em 1840, Pereira da Silva que publica o !>egundo volume de -;eu ParrzaW brmileiro, o qual, em 1850-18~3 ressurge como paradigma quando Varnhagt:JU seleciona o Flonlégio do poesw brast!etra, obra sobre a qual Sílv10 Romt:ro e<;tabelet:eu cm 1888 sua Histf),if¡ da litewtura bra\ileira, numa cspéc1e Je
304
. Em 1850, os dois pnmciros tomos Jo Nmilégio da poesía brasileira de Varnhagem 16 vcm u luz, com subtítulo que apresenta a obra como colc<;ao da~ mai' not:Í\ e1s composi~úe~ dn'> poeta~ bra.. IIcuns falccido~. contendo as biografía., de muito!. deles. 17tudo precedido de um fn,;uo lmtórico -,ohrc as letras no Bra~II.
::'a
Esta obra de Varnhagcm. e ..,crita num paí.., j
305
1
1 1
•
americanismo (forma de designar, cntao, o regionalismo) é uma <.la~ categ . "d . onas llh: .,... f ore t mente cnvo 1VI as e constantemente Invo~aJtt:>. Em Yarnhagem avulta a oposi9ao regional/universal tao assídua h" . , . d . B ·¡ , . , na Istñ...:_ l tterana ma e tn razt . Ja vtstvel e pressuposta em obras anteriore ........Varnhagem que e la se explicita: quando de 1847, o crítico expoe os crit's•. é en. enos n... - d e poemas. d o Flon·t'egw. nortearam a se1ec;:ao '1\IIC nao queremos por l!>SO diL.Cr que ofcrccemos O mclhor dcsta, porém s1m o que por mai!> americano ti vemos ...
Opondo de um lado o que é bom aoque é americano, Vamhagem sug~ que ambos os predicados - qualidade estética e americanidade - nao andatn, necessariamente, juntos. E que, no caso de discreparem, sua antología favorece a americwzidade, amparando-se em argumentayao nao muito distinta daquela de que dois séculas antes lan~ara mao Barbosa Machado para justificar o vemaculismo de sua obra. Em trecho subseqüente do mesmo prólogo, a!-. razóe!-t da eventual antinomia qualldade versus americanidade ganham luzes, quando Varnhagem p6e na mesa suas crens:as e pressupostos relativos ü qualidade artística :
A esta implacável censura do canibalic;mo segue-se mventáno de funy6es . 1/ reg10na 1. que.a .. ,a, ret..olocando-sc, no texto, a ten sao entre os p0'1 n-; un1ver<: scu:> heróis e os ~cu::, pastores, as suas montanhas e as sua:> fontcs: nao passem da Índw as suas cxtraordinárias crenc;:as, a sua ru1do~a teogonía e a~ Jutas estupendas de seus semideuscs, de que sflo verdadc1ros interpretes os Vedas, o Mahabárata e o Sncuntala, fique a Alemanha com a sua atmosfera carregada e a:> inspirar;oes sombrías que lhe produziram o Fausto e o Werther; permane~am na ltália os páltdos gondoleiros, o scu azulado céu e a sua poesía cismadora; nao transpon ha os montes da Escócia o eco dos misteriosos .;antos do bardo Morven; deixemos, afina!, il Franr;a a sua literatura multiforme, porque novos e brilhanles mundo~ se palentearam, nos voos da pocs1a, desde que Colombo, transpondo as balizas da velha navegac;:ao e atirando-se aos tenebrosos mares do ocidcnte, franqueou um imenso estádio as imaginac;:oes ardentcs e aos espfritos empreendedores. De impress6es completamente estranhas, de uma nalureza liio cheia de esplendores como a da América, dessas florestas se..:tllares, desses rios colossais, nao deve por ccrto surgir senao urna literatura original, melancólica e ao mesmo lempo pasmosa, impregnada dessc poderosíssimo sentimcnto religioso que por si só se expande toda vez que o homem curva-se ante o Senhor, abismado pelos portentos da crinr;ao. Pocs1a soberba ! poesía filha do assombro e da admirar;ao ! Foi da contemplar;ao uos magníficos cspetáculos do encantado novo mundo, que nasceram os Ercilla, os Chatcaubriand, os Cooper, os Durao e os Basílio da Gama. (p.l 0)
enganar-se-ia o que julgasse que, para ser poeta original, havia que retroceder ao ABC da arte, em vez de adotar e possuir-se bem dos preceitos do belo, que dos ant1gos rcccbcu da Europa.
Varnhagem discorda, assim, frontalmente, das normas que os primein» historiadores da literatura bra~ileira trac;:aram para ela e, no mesmo gesto rebeldt. insurge-se contra o espírito moderno patrocinador de todo o projeto ocidental de história literária do qual a sua obra faz parte: para o Visconde, existiam, sim. preceitos do Belo, que vinham dos antigos e o habitar deles era a Europa ... Mais adiante, ao ocupar-se do nascente indianismo (também parente, e agora ancestral próximo ... do regionalismo) Yarnhagen também ajusta comas com anrigliS sugestoes de Sismondi, de que certos árcades sairiam lllcrando se substituíssem suas rosadas pastorinhas por acobreadas índias: mais uma vez o texto de Varnhagen é do contra, e. porque do contra, de:, venda o~ limites de suas-apostas no americanismo: O contn1rio [isto é, o abandono dos prece1tos do bclo] podía comparar-se ao que, para buscar originalidade, dcsprczasse todos os elementos da civiliza~ao, todos os preceitos da religiao, que nos transrnitmlm nOS!>OS pais. Nao será um engano, por exemplo, querer produ1.ir cfcito e ostentar patriotismo exaltando as a~oes ele uma caterva de canibais que vinha assaltar uma colonia de nossos antepassado~ só para os devorar?
306
Já
ve o leitor pac1ente que estes primórdio<; de nossa história !iterária foram
t-..fOntn::~rl~r por repeti~oes, como se vé no texto de Araripe que no sentimento entre
307
nmt1co e proféuco (nao obstante normativo) dos pnmeiros estudioso~ uc n literawra nhrc esr.w;o para a pa1~agcm amencana. entregando se a urna ptospe 0~lt que. nao obstante a r!.!llgio~idatle, tem eco" de um ceno pos1t1vi•ano. enriqucc c~lo mu1to a rela~ao litcratura/soclcdade, bem mms frouxamcme postulada por Mrr~e~ll Stael e '>t!U~ ~onv1vas. • -- ·de
ante~ de tudo, é certo Yentimen/0 ímww, [grifo meu] que o torne homcm de 'eu tcmpo e uo !>CU pJís. ainda quanuo lratc de as!> untos remotos no lempo e no C!>pac;o. (p.804)
SIS'l EM \TIZA<;ÁO E ESPECIALIZA( \o NA HISTÓRIA DA LITF.Rnult\ BRASILEIRA: DE MACHADO DE ASSJS AO REGIONALISMO EM GRAN))¡ OCULAR DE ALCEL A~tOROSO LIMA
3.
l Onginalmente e..,cnto para o jornal Novas Mund(ls, que circulava nos Estados Unidos, o Urt1go Notícia da atual literatura braslleira: illslillto dt 19 Nacinnalidade , de Machado de Assi<; é de 1873 e jú no título, registra a aparente hegemon1a do (por assim dizer) localümo no momentoso embate entre o cá e 0 Id que tanta'> palmeira<; e passannhos renderam a Gon~alves D1as. A supremacía do localismo de que '>e ocupa Machado nao é apenas 0 da produs:ao IJterária, ma<> também o do discUI so sobre a literatura. da crítica e da hlstóna literána, dando fon;a a hipótese de que tanto a literatura quanto o di\curso sobre ela se retroallmentam harmomosamente. nao obstante a.-. polemicas que ls vezes parecem azedar o 1díl10:
implacável balanr;o da produ~ao brasileira que empreende, o texto de mscreve suas observac¡:oes num outro patamar Av mlorizar diferenlemenre ¡Jjft'tt!llfes modalidade\· e diferenres género\ lirerários parece fazer. com as obras que precec.km. o _mesmo que ~lencar. preparando a chegada_do seu ~ guarCi!ZJ fez com 0 A col!fálerarao dos twnows de Gonr;alvcs de Magalhaes. Ass11n como Alencar a epopéia llldianic;ta opondo a ela o romance indianista. Machado t;:.~ualiti~ estratégw-; romanesca\ machadianas. Do romance plll amente de anál 1se r.lll~~i 1110 cxcmplar ou porque u nossa índole nao no:- t:hame para aí, ou porque ~cja e~ta ca..,tu de obras ainda incompatível com a no~sa adolesccncw hterária (p.805) Pelo que respeita ü análise das paixoes e caractere!> sao muito menos comuns os exemplos que podem satislazer a crítica [... j Esta é, na verdade, uma das pa1tes mats difícc1~ do romance, e ao mc!.mo tempo das mais supcnores. Naturalmente exige da parte do e!>tntor dotes niio vulgares de observa9ao que, inda cm lltcmtura~ mai~ .tdwntad,l\, nao andam a rodo nem sao a parttlhu do maior número. (p.805) temo~.
Quem examina a uwal lneraturu bras1leira rcconhece-lhc logo, como pnme1ro uac,:o, certo in..,llnto de nacmnalidacle Poe!.ta, romance, todas as formas literüna~ buseam vestir-se corn as <.:ores do pa1s, e nao há negar que semelhantc preocupac,:ilo é smtoma de vnalldade e abono de futuro [ ] (p 801) l· ] man1festa-<;e a), vete~ uma opiniiio que lcnho por erronca. é a que '\CÍ rct:onhecc Cl>pírito nacional nas obra~ que tratnm de assunto local, doutrina que, .1 ~cr cxuta, lim11aria muito os cabedais de nossa literatura. (p 803)
nao há dúv1da que uma llteralura. sobretudo uma lncratura nascente dcve pnnc1palmente alimentar-se do~ a~suntos que lhe oferece sua regiiio; mas niio c~labc lcyamm. doutrin.J'> tao ah~olula~ que a empoh1cyam O que '>C devc cx1gir uo c~clltor,
Nesta espécie de legi ~la~ao em causa própria, e que de qualquer forma nao R encanta com nada que se aprox1me do regionalismo, parece ouvir-se sub-reptícw 4ueixa de um escritor ainda nao ungido pelas ben~aos do público, e que tinha a br-lhe o;ombra, por exemplo, a verde-amarela, nacionalistíso;ima e muito beriada pelo leitv; figura de Alencar no romance. Senda, n0 entanto o texto de Machado urna espécie de panorama para «rtranxe1r01 -afina! Novos mundos era editado em Nova York - é só na caudalosa ;¡¡ Clb~ de Sí! vio Romero, em sua H1stória da literatura brasileira, de 1888. que o com a tradi9ao crítica e h1stórica questao as-.ume a sistematJZar;ao até entao e na qual nao se di;;far9a- ao contrário, se al9a- a imensa simpatía de pelo niio urbano, sobretuJo se o nao urbano vier do norte. E..,ta obra de Sílvio Romero, a muitoc; respeito'> fundadora e a muitos outro~ de águas 20 inspira. a partir do fim do século passado outra~ tantas h1stórias que, aliás, multiplicam-se na e~teira de um desenvolv1mento ma10r das culturais.
308
309
Entmndo na questao, e nao obstante o travo naturalista que reponta .. expressao in1·tinto, Machado comeya a desbastar a assertividade de receiruá;i<~ tema vinha acumulando em defco;a de sua po<>i9ao convoca um tal sentido 111111~1:.. nacionalidade, em tomo ao qual gravltuna uma espécie de alma ntJCU' personugem esta que fa7 carreira nos estudo.-. llterános brasdeiros:
que;
t
Da 1\cadernra Bra-.ilc!ra de Letra ... fundada cm 1897 e' tll'lll p 1 ('/(('/l{l'.\ da literatura hra-,ilerra bu,cando em tradrc;oe... lrterána~ c\lrangerra.... termo'i de cornpara~·fto para tar:- vertente.\: "•nhJ"•"
lhl
1.\o..l\......_u.-.
lt.l\,. .... (.l\.
: '-\...\.UHI
.-'\..1\..,
C '111 nl~rnardo Guím.rr;k~ ll\emn~ a-. pr irníci:" do ... enaru ... rno. Jo romance L·.rrnpc~rrhr. que Ar ino~. no., r:.~prdos tontos de fJI'!o ~-Cilcio. polru l' de ...ern·oln:u de um modo qua-;c defrnllr\o. LT\andn do.~ llh!\mo;, proct.:\\O~ d~: 1urgucni 11 nas fltsuírws dt• utn Cor(l(/01 l r 287 l
A mud.mc;a qualrtativa no drscurso 'obre frcc;ao nao urbana vem de forma dcfinitt\1 a com Akcu Amoro'o Lima, ao inscrevcr -;cu C'-tudo -;obre Afonso Armo:- ~ numa reflexao \llbre a queslfío do regronalt\1110 na literatura hra<.deira. Seu cn ... ~uo. longo c competente, atribuí genealogra ilustre (rsto é, européra) a e\-:a vertcntc de nos'a tradir;:5o lrtcrária. accm1panha as tran<;formac;oe' sofridas ao longo do lempo por c,;,as lllarllk\lac;óc;, e estahelecc paralelo entre o de....envolvimento de:--sa vertente na lrteratura brasilcrra e na de out ras conmnid:.~Jes lati no-amem:anas. Ao l.tdo da mesti«;agem de no..,,a~ letra,, Amoroso Lima regrstra a fu ni lamento progrC\\JVO no recorte regronalr:--ta. tradut:r ndo-sc tal a fu ni lamento na!> \Uces!-.iva!» Je-.ignar;oc:- que recobre m o percur'o tnlhado pela \ ertcntc literária que desemboca em .;fon:-o Arrnos a :--uce\sao do'i termo\ a111ericanismo. nacionalismo (patnott\1110. hra-;ilciri,mo) e rcgiunali11110 'ugere um lllO\tmcnto do :oom .10 clost•. ger,mdo uma c'>pecifica\=flO cada Vt.!t maror d,r rmagcm que c:--ta tradiqao da literatura bra'>i lcira ttnha de"' mcsma e de !-.eus conte:>.to... correr de tod:J a rro,-.;~1 hro.;lúr ia lil~:dr ia. loi o t'lllllato da lrt.:rrn ..;..,..,,,, c<~rll.·f,l:~ l.' con!(>' do povo- quc pr O\"O<.nU « dtlcr cn1.. r.1.,:ao nauonal dl no"' a lllcr.rtura e c ... pcel.rlmcnlt: de cerl
310
f:
no mtennr dL'\ta suct·..,sao cronológtcl uc modo.1 de de.\ignorito Je no:..'>.t(Sl lrma l''lahclccc a' -.ubdrvr,oe' ncnor,¡f~ea:-dentre a' quars o rcgronalr-,mn \JI de..,crnoher-...~.. ..:nquarrtucontcxtn e cnqu,mtulrrnitt'. ~l.• 11J¡J·'''I n·t•·•nn·lll>-.1 c1111' .\mnrn;;n t ~ . ~n
.
.-
:--
.•
[,¡~,. hr:"rlerrr'IJ • lrt• 1 ,írtn. qr • 1 n io l'HI ' .mr' rcani 11111 dt• aparencia dm IL'Illl'o' L·olonral' t' .rinda nii11 the:::ma "" ret!ton.rJr,mo tk a11 Jo, tenrr• ,., uc ho.Jl l rr,Ktcr 1 , t•·'-l'. ~·,lwtiallllentc duranlc o . . ~:~..ulo XIX. por unr.t c.:orhC'Icncra nJcuor da naL'tl'unJo e ~in
Jaco dc.1.wt rcalulmlc 'lll< wnal. (p.5Y3¡ (gnlo mcuf Ctncn p.ul.'<.:l!lll \CI L'Til g..:ral ,~..,-...::.. mero~ dtlen.'nle!'>. us e idculcs. a jltülll\ ll uun¡,os. tt,. sdra1 e a rnra Ante ... dl' cncará-hh j,olad.rlllt'llte l' mi\ICI' kmtlt
dt/Uc'/1/l .1
con-.tituru tambt5m uma e~p~L'IL' p.rrtil'ul.rr de h,,,..,tklrl\lll.cmplo. ap:.~rcnt casos mai.., cspecr ficamentc regionalr~;ta'>. ~obretudo em O l'lllllfiin de ~Juquém. erra tom t: mt:lodra. ma' .tnll~.., que a htpótC\C ~e enn,1ec,:a em tese. vale regi~trar que o dc'>alrno. rnlolenivel d ouvtJos críticos. parece nao ter rncomodado em absoluto o re-.peitá\'el públrco que corhtuntu e continua con ... umindo murto\ e muito'> rnilharc.., de c ...crava' baura' que. rnclu-;rve tnrgram cum ba'>tante 'uce-.:-o para outra~ rnídras. Pro:-.seguindo. no cntanto. no encalt;o Jas origcns do n:gronalrsmn. Amoros,l Lima .ts cncontr,l. no que Llenorllin,l de hmsiletrismo do w•cttlo '
311
Estudando mais detalhadamcntc o sertani !'lmo, Amoroso Lima frisa, junr com todos o-; clemat<. i~mo,· <.eu p:1rcntesco onginal como mdianismo, subhnha ~ no entanto seu caráter mat.\ nacional (p.595), e estabclecendo a obra de Bernardo Gu1maracs como seu marco 1111cral (O ermitüo eh Muc¡uém, 1858):
11
Dissipada a Jlu,ao da~ .selvas, mas \Cntmdo \empre a nece:.stdadc de procurar urna originalidade local , voltaram-se para o~ campos hahitados por cssa ra9a Crulada. Já nacionalizada e mtegrada no <:orpo da na~ao: o mcstJ~o sertaneJO. Daí resultou o scnanismo. (p.596)
,a segunda fase do sertanismo, a partir de entao de inspirac;ao naturali'>ta e de region.1l. yu~.. g~::ra uma literarura Jas secas (p.604) qual "'' c(¡;<.~aca a ~ rorJ de Oltveira Paiva (Dona Guidinha do poro, parctalmentc publicado em 1897 : Rt'\'tsta Brasdeira). ficando a<; vertente~ mineira e pauhsta respectivamente pn!'entadas por Aflonso Annos e Valdomtro Silve1ra ~ É a propó~ito de Valdomtro Silvetra que Amoroso Lima de novo embarca cawgorias além de extratextuab para a discus:-.ao da maior 011 menor qualufade 111 ~ unla' ou de out ras obras, já agora defimt1vamemc regiOnall,tas: Se ltv c.:atptn!>mo literáno. sem o menor grau Jc anifício, é c¡ue \'ll'<:lll' deixou de vi ver a wda que aninut os ~eu\ con1o.1. Viveu. e a tra:- porwmo Rravada em seu cnrw;iio. Dctxou de Vl\é-la e pode entao ob-;ervá-la. comprecnde-la, e traduzi-la como :-ó e quase ~empre po'>sível a quem considera as cot:-a' de fora e de cuna, depots de a~ ter constderado do scu amago. Literariamente, ¡,entir é a conscténcta de ter sentido Vivcu. porém, essa vida com tanta absorcrao e detxou de vive-la com tanta lut:tdc7 que nela ~e clispersou, e a vida que anima seus conlm regionaltsws é a da stta alma, revivendo, trre<.:onhecível e tran!>ubstanctada, no próprio ambiente local . Nao se sente. portante, o criador nesses quadros ~ucessivos e nagrantes de ahsolula veracidade As próprias dcscn~ocs da naturen sao fcttas em notas tao sóbrias e de tanta propricdade, que evocam irresistivelmcnte o quadro cc;bo~ado. É que a natu reza está em sett corm;iio. [grifos meus) (p.61 0) Eue C'IIÍmufo it eJponwnetdade e el origina!tdade é t()da a justifica
ac,
Nao obstante tantos acerto.!t. ao discutir a natureza das manifesta 9 literárias chamadas sertanrsras da literatura, Amoroo;o Lima destempera e, a semelhan~a de seus pares. invoca razocs extra-textuai'>. remcidmdo na metafísica ao comentar a fon;a de autores e textos ccarcnses no Regionalismo. Derrama-,t:. proclamando o "Ceará, terra predestinada arte pelador [ ... ] Nao podiam deixar dt: possuir expressao literária própna cssa terra e essa gente predestinadas" (p.602t fundando aí o julgamento de valor, a partir do qual desqualifica essa vertente da lite ratura, a propósito da qual ressurgem categorías tao inconsúteis como o sentimenr.? ínrtmo que brandia Machado de A s1>1s:
a
Era o brasileirismo de enl1io mats tetírico que espontiineo, e o mesmo aconteceu naturalmente com o sertanismo, ramo daquele. Procurava-se o sertao para ;\\~unto ou para ambiente de ltteratut a. ll(/o porque eua fon-e a tendencl(( 11/l'encível da alma do awor fgnfo meu]. mas por ver nesse sertao o meio própno para criar uma literatura nactonal. (p.597) O equívoco nao impede, porém, que um pouco depois, o crítico, de novo. mamfeste intuivao lumm o~a. ao amarrar a questao reg1onalis ta a questoe" de lmguagem, justificando por dunensoes formais do texto a <;upremacia Iiterária de Inocencia de Taunay sobre outras obra~ do me!-tmo recorte. Outro motivo da supenondade de lnocencw sobre os romances regionalistas da época cst.í na língua cmpregacla. Já nao :,e fala do sertfio em linguagem chísstca ou apenas vulgar, mas com a língua renovada pelo contacto com a terra, e mbora apenas no léxico. (p.598) A partir daqui envcrcdando pelo mapeamento dos debates sobre fíng~ brasileim. língua portuguesa e língua nacio11al que entao se trnvavai11S 75 assinalando ainda as rupturas entre Romant1 smo e Naturalismo, o crítico dá 1 di (ano Ja publtca~ao de O cacauliwa de Ingles de Sousa) como marco da abertura
312
n-'
1111 ril!llta<;ao
Amoroso L1ma, como se ve, erig1a a autenticidade como selo de qual1dade
produ~ao .\errwusta, que considera renovada por Monteiro Lnbaro (p.61 1), de comenta, ao lado da obra doutrinária de Lobato, A onda verde, a ficvao de
L-¡ern
l'lllando Caiuby, Sapezais e Tigueras, e de Oliveira e Soun, Pimquara.\ E.,te te xto recapttula a a.vassaladora influencia européia na literatura lcira . ismo a ismo, Amoroso Ltma Inventaria a importa9üo de csttloo;, de ....,.uagcns, de temas e de as&untos, mscreve ndo a importanc ia de Lobato na mptura cade ia de impo1 ta~oes
313
Se o~ ven101> de além-mar sopram p, 1..0111 raJ excc~ot:.\. Se a agulha indtca o arcadi~mo, árcadcs ~eremos. Se o romantismo :tl:ompanha a no~~a independen~.-til políttl..d é meno~ por independencia lllcr•in.t que rcpt:rcus..,iiu do movimento universal. Se na Europ.1. cm nome da vcrdadc CIClllÍfiea I>C rcage COntra a fanta~tperamentc aqueJe-, que ~e comprnzcm cm formas arttficiat~ de civihzac;ao, ma ... n5o para detxá-los crnba,bacados, cm cotllcmplnc;ao pcrantc umn plítrta de compendio I..Í\lco, ma., perante um paí., CUJa ctvdtt;:u,:Jo é apena-. de fachada e cujo corpo ao desamp.tro se cstende por hont.ontes scrn rim. (p.465)
0 REGIONALISMO EM BANHO DE MAll H UMOR: LUCIA MIGUEL PEREIRA Também na Htstória da lilem/ura hra \'tleira. Prnsa de fiq·iío 1X70 ICJ2U. 1 22 Je Lúc1a M1gud P~reira , publicada em 195W , o reg10nallsmo '>ai contund1do a partir de concep9óes essenciaiJ~ta:-. de literatura, que parecem acn-;ofar-<>e aqm. intensificando a visiío 1mplacavelrnente negativa do rcgiOnall-;mo que parece ter cornes:ado a si:-.temat Llar-se cm 1873. com o já mencionado O mstilllo da Machado de A:--..,i:-., onde, como v1mos, o antenor 11 aciona/ídade de cncaminhamento positivo da que,tao 1nvertc 'eu rumo. Grande achado ou equívoco ahar? pcrgunta-se o regionall..,mo. entre ..ts extremidades do arco em que '>C d1 .. poe, em diferentes long1tudes no:-.-;a melhor crítica. na qual ~e incluí Dona Lúc1a. No primeiro movm1ento do capítulo Regwnalomo. ela propóe que se considere regiOnalista
qualquer livro que Intenctonalmcnte pcc.:uh.tridnde' locm~. (p.l79)
ou
niio,
tradu7.t
1 '1
para afunilar a defini9ao, restringindo-a a A di ..cussao do sertanismo moderno lido a partir da extratextualidade prossegue com Mário Hora (Tahuréus e Tabaroas), Ca1los Días Fernandes (Os cangacetros) e Roque Callagc (Rmciio), adcnnclo Amoro1>o L1ma a uma visao aním1ca da produ~iío literária que, para descartar-..e da per~pectiva taineana, Identifica valor estético com uutenttctdade:
Nao devemos re!.tringir-nos a indagar se os llvro~ que surgem contirmam ou nao as caracterí!>tiCa!> de nossa ra~a. a civilita~ao de nosso me1o, a~ tdéias de nosso lempo. Tudo o que criamos é naiUr.tlmcnte 'Jtuado no scio des~.~~ Circunstancta~ e, para cada ca~o. dcvernos dosar as mflucncm.;; respectivas. Essas inve!.tigac;oes, porém, nada rcsolvem do problema estético que contém cada verdade1ra obr.1 de arte. Dcvcmos procurar se o poema, ~e o romance. ~e o conro, \e a p•ígma literária que dcfrontamos pussui o u nao uma for~a inte1 ior de perpetua~flo, se é viva, pura, VCidadcJra, c.:omovida. ~e é livre. ~e revela uma pcrsonalidade ongmal e fortc, se no.\ prende e repercute em no:.sa alma, ~e pus-.ui cssa ~implicidadc natural d,¡~ coísa1> s mceras e essa radicac,:ao profunda da~ eoil.as vividas. Essc o c.:nténo JU~.>to <.:om que llevemos julgar a:-. obra~ de ane, pouc:o no' 1111ponando que rcveJam cm \Ua ~uperftcie um trecho do ~.>crtao, umJ calc,:ad;t de avenida ou uma p~u:,agcm do<> antípoda,
(p 677)
314
obra., cujo tim pnmordial for a ftxa<,:ao de llpo<,. co!>tumes e ltngungen~ locai~. cujo contcúdo perderia sem esses elemen to~ cxtenores, e que !>e passcm cm ambientes onde os hábttO!> e o:. C!>tilo~ de vida se difcrenc1em do' que impnmem a cJvilua<;ao niveladora (p 179) A ensaísta acerta em parte, ao menos pelo avesso: o nao regionaltsmo enquanto literatura articula-se, efetivamente, com o que se pode chamar de civilizaran niveladora; ma'> o recurso a categorias extratcxtuais e quase tao metafísica<; quanto as mvocadas por Amoro1>0 Lima também leva a discussao para forad o texto, ao amarrar o regionali..,mo a finalidade da obra. Ao longo do texto, a menyao ao regionalismo acompanha-sc de expres<;óes como rurali!lmo, provincianismo, pitoresco, cor local· no sent1do pejorativo com que comparecem ao texto, cssa-; palavws guardam a poetra do longo caminho por elas trilhado. desde os ingenuo.. textos fundadores de Sismondi e Den1s até este requmtadamente exigente me10 do século XX. É a part1r deMe chao, já lcx1camente minado, que Lúcia M1guel Pere1ra tece outra~ considcra\=oes 'obre o regionall'.. mo, frisando ~ernpre scu..; a<,pectos negativoo;; uu deficitários:
pela ~u a naturcLa (o habuual da fic.:c;iio
1 eg1onal i~mo)
des" ia-sc do cam111ho
re~er vando, com is~o, a categoría do lwhitual (é claro que a anos-luz da noyiío Positiva de e!ltronhamento. .) a fic~iío lf{LO re8ionalista que, na seqüencta e de
315
'1
lambuJa, ganha também atavíos de universalldade. Para Lúcia Miguel Perl!ira, . fic~dO nüo regionalt ... ta ' '' vé um homem cm :-~u mcio ou ~.-nntra o seu meto ma:, ve também o homcm. alguém que por -.uao; tea~ües m:us profundas se 1mana, por ~nhre tb dtvcr-;idades de cxpres-;fio, aus outros seres, intcressa-se pelos mdi,íduos especificamcnte, mas na medida e m que se integram na hurnan1dadc (gn fo-. da autora) (p.180)
enguanto a fic~ao regionali'-la entcnde o md1víduo apenas como síntese do meio a que pcrtence e na medida cm que desmtcgra da humanidade [.. ) buM;a nas personagens nao o que encerram de pessoal e relativamente ltvre mas o que as liga a seu arnbtente. (p 180) Opera-se, com isso. brutal radicalizayao da postura etnocentrica que ve no olhar branco, urbano, hurgues e moderno, e nas linguagens a ele correspondentes. modelo correto de olhar e padrao de linguagem scm sotaque. Ou seja: estudos literários como este de Lúcm Miguel Pereira talvez sejam. por deformayao do ofício, baluarte de visoes extremamente conservadoras· afina!, desde os anos 30 e sobretudo nos anos 50, brasilianistas nativos de-;cobrcm de novo o Brasi l, tentando evitar, nas rcpresenta¡;oes que constroem para o país os preconceitos etnocentrico~ que vincavam grande parte da produyao das c1encias humanas e da literatura do (supostamente já) extinto século XIX. Assim, postulando como naturais, atributos, valores e comportamentos que sao culturws, o texto de Miguel Pereira desistonza a no~ao de homem com que opera. Tais comportamento-;, valores e atltudes, tidos em primeira instancia como apanágio dos seres humanos em geral sao, logo a segu1r, representados como uníversais pela literatura, ao menos na le1tura que da flccyao (ou, melhor dizendo, de wna cet1aficriio) faz a crítica (ou. melhor dizendo. uma certa críflca). Em conseqth~ncia deste a-historicisrno, elementos como conduta socwl e linguagem ganham foros de extenoridade ao serem convocados para a desqualificayiío do regionalismo, que, segundo a autora, é fatalmente levado a conferir as extcnondades a conduta social. a ltnguagcm uma tmportiincta exclu:.iva, e a procurar osten~tvamcnte, o cxóttc..:o, o estranho. O ponto é cruc1al: de que linguagem fala a crít1ca, para considcrá-la com¡' elemento exterior? exterior a que? Trata-se da linguagem relatada. da linguagl!tll colocada na boca das pcro;onagens? Nao seria isto um grande viés empobrecedor'>
Seria, e é . A quec;;tan da literatura regionalista é, como todas as qucstoes hterána'>, ,na questao de linguagem: por um lado, linguagem como o código de que se rece a ra, e, de outro, conceprüo da literatura como finguagem. Este duplo enfoque reno\ a o parentesco do<> e"tudo" da literatura com o-; __.udoS da linguagcm e a questao que coloca nao é normativa nem valorativa. mas ·m e~peculativa: que raz6eo; levam, a partir de um certo momento histórico, SI • d a cnt1ca ' ' . d a 11tcratura a exc 1u1r . ¡·1•1guagens ,egtncntos representattvos e da h1stona ¡o urbanas nem cultas do horizonte de possibilidades de expressao literária? A resposta cmaranha-se nas enrrelinha<> de texto<; como o de Lúc1a M1guel 11 o qual, ao pros!>eguir na discussao de modoc; de ser do romance reg onalista. condena, na metáfora do turismo. a posicráo do autor rcgionah!>ta: 1 Há, na sua alitude, alguma c..:oJsa Jo turi'>ta an~toso por descohnr ns encantos pccultarc!> de cada Jugar que visita, sempre pronto a cxtastar-se ante as novtdadc~ e a cxagcrar-lhcs o alcance. (p. ISO) Talvez nao seJa descabida a
expre~sao
discus~ao,
comprometlmento do vmJante cm face dos locais percomdos, paisagens vistas e pessoas encontradas. Turismo e turista sao sugestivos, s1m, mas nao para necessariamente representar a posiyao do escntor regionalista em face da sua matéria, mas sim para metafonzar a posit;áo da crítica e da história hterána em face Este d1~tanciamento nao comprometido parece ser a relacrao da instituiyao literária posterior ao XIX com a literatura nao urbana, em meio qual destacam-se, por antiguidade e vigor. as manifesta outros, seJam este., outros a literatura de caip1ras. de criancra~ ou de negros, o que traz a literatura regiOnalista pura o contexto das literaturas adjetivadas, 24 1\tO e , literaturas marginaii:,adas, como, com justicya, a<; nomeia Amaldo Saraiva ... ou, para ficar numa formulacrao leve, como d1zia a senhora portugue~a de quema esposa de Rui Barbosa comentava o sotaque. - Pois minlw nca senhow, se a língua é minha. o sotaque é seu ... Moral da h1stória. o sotaque é sempre do outrol Reconhecer como mcvitávcl a face urbana da literatura nao fortnlccc o argumento de qualquer fiteramlade 1numente: a face urbana da literatura esculpe-se no boj o do modo de prodwrii.o e de circularclo dos objetos (li vros) nos quais c1rcula 0 texto litcr(uto, e na galáxta de discurso'> (hbtóna. crítica e teoria da-literatura) que