TICIA IC IANA NA M. C ARVAL VALHO STUDAR DART
2006
Hidrolog ogia Ap A licada
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. INTRODUÇ INTRODUÇÃO ÃO À HIDROLOG HIDROLOGIA IA Não é a toa que o Planeta Terra é chamado de “o Planeta Azul” - dois terços de sua superfície são cobertos pela água de mares e oceanos (Figura 1.1). Na realidade, existe água em praticamente todo lugar: sobre a superfície terrestre, na forma de rios, lagos, mares e oceanos; sob a superfície terrestre, na forma de água subterrânea e umidade do solo e na atmosfera, na forma de vapor d’água. A água, em certos locais, pode ocorrer de forma quase ilimitada, como nos oceanos, ou em quantidades praticamente nulas, como nos desertos.
Figura 1.1 – Planeta Terra
Apesar da maior parte da água do Planeta, em qualquer momento, estar contida nos oceanos, a mesma está em contínuo movimento, em um ciclo cuja fonte principal de energia é o sol e cuja principal força atuante é a gravidade. A esta transferência ininterrupta da água do oceano para o continente e do continente para o oceano (Figura 1.2), dá-se o nome de Ciclo Hidrológico.
Hidrolog ogia Ap A licada
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. INTRODUÇ INTRODUÇÃO ÃO À HIDROLOG HIDROLOGIA IA Não é a toa que o Planeta Terra é chamado de “o Planeta Azul” - dois terços de sua superfície são cobertos pela água de mares e oceanos (Figura 1.1). Na realidade, existe água em praticamente todo lugar: sobre a superfície terrestre, na forma de rios, lagos, mares e oceanos; sob a superfície terrestre, na forma de água subterrânea e umidade do solo e na atmosfera, na forma de vapor d’água. A água, em certos locais, pode ocorrer de forma quase ilimitada, como nos oceanos, ou em quantidades praticamente nulas, como nos desertos.
Figura 1.1 – Planeta Terra
Apesar da maior parte da água do Planeta, em qualquer momento, estar contida nos oceanos, a mesma está em contínuo movimento, em um ciclo cuja fonte principal de energia é o sol e cuja principal força atuante é a gravidade. A esta transferência ininterrupta da água do oceano para o continente e do continente para o oceano (Figura 1.2), dá-se o nome de Ciclo Hidrológico.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
OCEANOS
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CONTINENTE
CICLO HIDROLÓGICO Figura 1.2 – Transferência da água oceano x continente
1.1. Etimologia e definição de Hidrologia A palavra HIDROLOGIA é originada das palavras gregas HYDOR, que significa “água” e LOGOS, que significa “ciência”. Hidrologia é, pois, a ciência que estuda a água. Definição 1: Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação e
distribuição, suas propriedades físicas e químicas, e sua reação com o meio ambiente, incluindo sua relação com as formas vivas relacionada com toda a água da Terra, sua ocorrência, distribuição e circulação, suas propriedades físicas e químicas, seu efeito sobre o meio ambiente e sobre todas as formas da vida. (Definição proposta pelo US Federal Council for Sciences and Technology (Chow, 1959)). Por ser muito ampla, é difícil pensar numa ciência que não esteja incluída nesta definição. definição. A Botânica, ao estudar o transporte de água através dos vegetais ou a Medicina, ao estudar a água no corpo humano, fariam parte da Hidrologia. Na prática, a definição de Hidrologia é: Definição 2: A Hidrologia estuda as fases do ciclo hidrológico, descrevendo seu passado,
tentando prever seu futuro.
2. CICLO CICLO HIDROL HIDROLÓGI ÓGICO CO A água diferencia-se dos demais recursos naturais pela notável propriedade de renovar-se continuamente, graças ao ciclo hidrológico. Embora o movimento cíclico da água não tenha princípio nem fim, costuma-se iniciar seu estudo descritivo pela evaporação da água dos oceanos, seguida de sua precipitação sobre a superfície que, coletada pelos cursos d’ água, retorna ao local de partida.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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A descrição acima simplifica sobremaneira o processo que realmente ocorre (Figura 1.3), uma vez que não estão computadas as eventuais interrupções que podem ocorrer em vários estágios (Ex. precipitação sobre o oceano) e a íntima dependência das intensidade e freqüência do ciclo hidrológico com a geografia e o clima local.
Figura 1.3 – Ciclo Hidrológico. (Fonte: Dnaee)
Alguns tópicos podem ser destacados: 1. O sol constitui-se na fonte de energia para a realização do ciclo. O calor por ele liberado atua sobre a superfície dos oceanos, rios e lagos estimulando a conversão da água do estado líquido para gasoso. 2. A ascensão do vapor d’ água conduz à formação de nuvens, que podem se deslocar, sob a ação do vento, para regiões continentais. 3. Sob condições favoráveis a água condensada nas nuvens precipita (sob forma de neve, granizo ou chuva)(1) podendo ser dispersada de várias formas: (1) Quando a precipitação se dá sob forma de neve ou granizo, a retenção no solo é mais demorada, até que ali se processe a fusão.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
Retenção temporária ao solo próximo de onde caiu;
Escoamento sobre a superfície do solo ou através do solo para os rios;
Penetração no solo profundo.
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4. Atingindo os veios d’ água, a água prossegue seu caminho de volta ao oceano, completando o ciclo. 5. As depressões superficiais porventura existentes retém a água precipitada temporariamente. Essa água poderá retornar para compor fases seguintes do ciclo pela evaporação e transpiração da plantas. 6. Os escoamentos superficial e subterrâneo decorrem da ação da gravidade, podendo parte desta água ser evaporada ou infiltrada antes de atingir o curso d’ água. 7. Atingindo os veios d’água, a água prossegue seu caminho de volta ao oceano, completando o ciclo. 8. A evaporação acompanha o ciclo hidrológico em quase todas as suas fases, seja durante a precipitação, seja durante o escoamento superficial. Dotado de certa aleatoriedade temporal e espacial, o ciclo hidrológico configura processos bem mais complexos que os acima descritos. Uma vez que as etapas precedentes à precipitação estão dentro do escopo da meteorologia, compete ao hidrólogo conhecer principalmente as fases do ciclo que se processam sobre a superfície terrestre, quais sejam, precipitação, evaporação e transpiração, escoamento superficial e escoamento subterrâneo.
3. UM POUCO DA HISTÓRIA DA HIDROLOGIA Os mais antigos trabalhos de drenagem e irrigação em larga escala são atribuídos ao Faraó Menés, fundador da primeira dinastia egípcia, que barrou o rio Nilo próximo a Mênphis, com uma barragem de 15m e extensão de aproximadamente 500 metros, para alimentar o canal de irrigação. Também no Egito encontram-se os primeiros registros sistemáticos de níveis de enchentes. Estes registros datam de 3.500 a.C. e indicavam aos agricultores a época oportuna de romper os diques para inundar e fertilizar as terras agricultáveis. Nota-se que, aos egípcios, pouco importava o estudo da Hidrologia como ciência e sim. A sua utilização.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Muitos conceitos errôneos e falhas de compreensão atravessaram o desenvolvimento da engenharia no seu sentido atual. Os gregos foram os primeiros filósofos que estudaram seriamente a Hidrologia, com Aristóteles sugerindo que os rios eram alimentados pelas chuvas. Sua maior dificuldade eram explicar a origem da água subterrânea. Somente na época de Leonardo da Vinci (por volta de 1.500 d.C)a idéia da alimentação dos rios pela precipitação começou a ser aceita. No entanto, foi apenas no ano de 1694 que Perrault, através de medidas pluviométricas na bacia do rio Sena, demonstrou, quantitativamente, que o volume precipitado ao longo do ano era suficiente para manter o volume escoado. O astrônomo inglês Halley, em 1693, provou que a evaporação da água do mar era suficiente para responder por todas as nascentes e fluxos d’água. Mariotte, 1em 1686, mediu a velocidade do rio Sena. Estes primeiros conhecimentos de Hidrologia permitiram inúmros avanços no Século XVIII, incluindo o teorema de Bernoulli, o Tubo Pitot e a Fórmula de Chèzy, que formam a base da Hidráulica e da Mecânica dos Fluidos. Durante o Século XIX, foram foram feitos significantes avanços na teoria da água subterrânea, incluindo a Lei de Darcy. No que se refere à Hidrologia de águas superficiais, muitas fórmulas e instrumentos de medição foram criados. Chow (1954) chamou o período compreendido entre 1900 e 1930 ficou conhecido como o Período do Empirismo. O período de 1930 a 1950 seria o Período da Racionalização. Racionalização. Datam desta desta época o Hidrograma Unitário de Sherman (1932) e a Teoria da Infiltração de Horton (1933). Entre 1940 a 1950 foram feitos significantes avanços no entendimento do processo de evaporação. Em 1958, Gumbel llança as bases da moderna hidrologia estocástica. A partir da década de 70, a Hidrologia passa a contar com o avanços computacionais, o que levaram ao desenvolvimento de muitos modelos de simulação
4. DISPONIBILI DISPONIBILIDADES DADES HÍDRICAS HÍDRICAS MUNDIAI MUNDIAISS Segundo Lvovich (apud Raudikivi, 1979), a ordem de grandeza e a distribuição das disponibilidades hídricas no mundo são as mostradas na Tabela 1.1.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Tabela 1.1 – Distribuição das disponibilidades hídricas no mundo
Fonte
Superfície 6
Oceanos Águas Subterrâneas Geleiras e Neve Perpétua Lagos Umidade do Solo Água na Atmosfera Rios
2
Volume 6
(10 Km )
(10 Km )
360 16 510
1.370.323 64.000 24.000 230 75 14 1,2 1.458.643
Total
% do Volume Total
2
93,93 4,39 1,65 0,016 0,005 0,001 0,0001 100
Fonte: Raudikivi (1979)
Deste total, cerca de 94% é de água salgada e apenas 6%, de água doce. Desconsiderando a quantidade de água doce sob forma de geleiras, geleiras, águas subterrâneas subterrâneas e umidade atmosférica, atmosférica, ínfimos 0,0161% do total da água do Planeta estão disponíveis em rios e lagos (Figura 1.4), os quais não se encontram eqüitativamente distribuídos sobre todo o Planeta.
Figura 1.4 – Água doce disponível em lagos e rios
Para se dar uma pequena idéia da má distribuição espacial da água, cita-se o exemplo do Brasil, que possui cerca de 12% das reservas hídricas superficiais do mundo, mas com aproximadamente 65% destes recursos concentrados na Amazônia.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Questões a se pensar:
1. Por que se preocupar com as várias fases do ciclo hidrológico? 2. Se o estudo da Hidrologia não era importante há 30-40 anos atrás, por que o deveria ser hoje? 3. Se essa quantidade de água doce nunca foi motivo de grandes preocupações, por que o seria agora?
5. A ÁGUA E O DESENVOLVI DESENVOLVIMENTO MENTO A água sempre desempenhou desempenhou um papel fundamental na história história da humanidade. O surgimento surgimento das cidades sempre se deu ao longo os rios. Entretanto, não se tinha a percepção da importância da água como hoje, uma vez que sua qualidade e quantidade eram adequadas às necessidades da época – abastecimento, diluição de dejetos, pesca, geração de energia, entre outros. Como as fontes hídricas não eram desenvolvidas no limite de sua possibilidades, havia pouco interesse em se obter dados e conhecimento a respeito de suas capacidades máximas, e assim a Hidrologia, como ciência, pouco se desenvolveu. Hoje, o cenário é outro. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo mundial de água doce dobrou nos últimos 50 anos e corresponde, atualmente, à metade de todos os recursos hídricos acessíveis. Explorar tais recursos foi o motor do desenvolvimento econômico de muitos países, sobretudo na agricultura, abastecimento humano e animal, geração de energia, indústria e transporte. Porém a competição por água entre tais setores vem degradando as fontes naturais, das quais o mundo depende. O ciclo natural da água tem sido interrompido ou alterado em regiões muito artificializadas, como as megacidades. É consenso geral que a gestão das águas é uma necessidade. E assim, a Hidrologia ressurge, hoje, como ferramenta indispensável para tal fim, uma vez é a ciência que trata do entendimento dos processos naturais que dão base aos projetos de suprimento suprimento de água. Só ela pode avaliar avaliar como e h idrológico pode ser modificado pelas atividades humanas. quanto o ciclo hidrológico No passado, já existiam estes sinais de desconhecimento da Hidrologia, mas os mesmos só afetavam pequenas parcelas da população e tinham pouca divulgação. Isto tem mudado significativamente nos últimos 30 anos. Hoje já se tem o entendimento que a prosperidade e a sobrevivência da humanidade é função da disponibilidade de água doce e potável e que, a cada ano nascem mais alguns milhões de consumidores e não é criada, sequer, uma gota d’água a mais no Planeta.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Os múltiplos usos e usuários disputando um mesmo litro de água e a perspectiva de demandas ainda maiores no futuro indicam que mais e mais profissionais – e não somente o engenheiro – necessitam ter conhecimentos de Hidrologia. Somente assim os tomadores de decisão poderão avaliar as vantagens e desvantagens de cada alteração proposta no ciclo hidrológico. Exemplos da falta de conhecimentos de Hidrologia na sociedade moderna:
1. Construção nas planícies aluviais de rios 2. Reservatórios superdimensionados 3. Problemas de drenagem urbana 4. Construção e reservatórios pouco profundos em regiões com altas taxas de evaporação 5. Perfuração de poços secos em regiões cristalinas 6. Problemas de salinização de solos em projetos de irrigação em regiões áridas e semiáridas Exemplo concreto 1: o Açude Cedro – Ce
O Açude Cedro foi construído em 1906, no município de Quixadá, Ceará. Exemplo clássico de falta de conhecimento hidrológico, o reservatório foi superdimensionado, construído com capacidade de acumulação equivalente a seis vezes seu volume afluente anual. Tendo sangrado pouquíssimas vezes desde sua construção, a Figura 1.5 mostra uma das ocasiões em que esvaziou totalmente, em 2001.
Figura 1.5 - Açude Cedro – Ce (vazio em em novembro de 2001)
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Exemplo concreto 2: Inundação em Fortaleza, Ce
A Figura 1.6 mostra um problema de drenagem urbana característicos das grandes cidades, no caso, Fortaleza, Ce.
Figura 1.6--Enchente em Fortaleza, Ce em 1997
6. APLICAÇÕES DA HIDROLOGIA À ENGENHARIA A Hidrologia não é uma ciência pura, uma vez que o objeto de estudo é usualmente dirigido para aplicações práticas, sendo assim, o termo “Hidrologia Aplicada” é freqüentemente utilizado. Eis algumas das aplicações da hidrologia:
Escolha de fontes de abastecimento de água
Subterrânea - locação do poço e capacidade de bombeamento Superficial – locação da barragem, estimativa da vazão afluente e da vazão a ser regularizada, dimensionamento do reservatório e do sangradouro
Drenagem urbana – dimensionamento de bueiros
Drenagem de rodovias – dimensionamento de pontes e pontilhões
Irrigação – fonte de abastecimento, estimativa da evapotranspiração da cultura
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Controle de enchentes – dragagem do leito do rio, construção de reservatórios de controle de cheias
Exemplo concreto 1: cheias e secas no rio Capibaribe
A Bacia do rio Capibaribe, Pernambuco, tem sua história intimamente ligada a episódios de cheias catastróficas, notadamente na Região Metropolitana de Recife. Entretanto, nos últimos anos, a cidade vem sendo atingida por uma grave crise no abastecimento d’água, sendo obrigatório o uso extensivo de carros-pipa. Os quatro maiores açudes da bacia – Jucazinho, Carpina, Goitá e Tapacurá, representam cerca de 91% do total acumulado nos açudes mais importantes da bacia e são utilizados tanto para controle de cheias como para o abastecimento. A operação de reservatórios com múltiplas finalidades é feita tradicionalmente com a divisão do volume total armazenável em zonas para o atendimento de seus diferentes objetivos. Na prática, a divisão consiste em se alocar volumes de reserva para as respectivas finalidades. Objetivos diametralmente conflitantes, como controle de cheias – que requer que a parte do volume destinada a este fim permaneça seca para que a cheia possa assim ser contida – e conservação – que precisa que a água seja efetivamente armazenada para usos futuros em irrigação e abastecimento municipal e industrial – não são fáceis de conciliar. As figuras 1.7 e 1.8 mostram, respectivamente, um esquema da bacia hidrográfica do rio Capibaribe com seus barramentos construídos ao longo de seu leito, e Recife em um episódio de inundação.
Figura 1.7 -- Bacia hidrográfica do rio Capibaribe (Pe) e seus barramentos
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Figura 1.6--Enchente em Recife, Pe
7. RELAÇÃO DA HIDROLOGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS Devido a natureza complexa do ciclo hidrológico e suas relações com os padrões climáticos, tipos de solos, topografia e geologia, as fronteiras entre a hidrologia e as outras ciências da terra, tais como meteorologia, geologia, ecologia e oceanografia não são muito distintas. Na realidade, tais ciências também podem ser consideradas ramos da hidrologia:
Meteorologia e Hidrometeorologia – estudo da água atmosférica.
Oceanografia – estudo dos oceanos.
Hidrografia – estudo das águas superficiais.
Potamologia – estudo dos rios.
Limnologia – estudo dos lagos e reservatórios.
Hidrogeologia – estudo das águas subterrâneas.
Sendo assim, poucos problemas hidrológicos podem ficar limitados a apenas um desses ramos. Freqüentemente, devido a grande inter-relações do fenômeno, a solução do problema só pode ser dada através de uma discussão interdisciplinar com profissionais de um ou mais desses ramos. Muitas outras ciências podem ainda ser utilizadas na Hidrologia, tais como física, química, geologia, geografia, mecânica dos fluidos, estatística, economia, computação, direito, etc.
2 O ciclo hidrológico, se considerado de maneira global, pode ser visto como um sistema hidrológico fechado, uma vez que a quantidade total da água existente em nosso planeta é constante. Entretanto, é comum o estudo, pelos hidrólogos, de subsistemas abertos. A bacia hidrográfica destaca-se como região de efetiva importância prática devido a simplicidade de que oferece na aplicação do balanço hídrico.
Segundo Viessman, Harbaugh e Knapp (1972), bacia hidrográfica é uma área definida topograficamente, drenada por um curso d’ água ou um sistema conectado de cursos d’ água, dispondo de uma simples saída para que toda vazão efluente seja descarregada.
O primeiro passo a ser seguido na caracterização de uma bacia é, exatamente, a delimitação de seu contorno, ou seja, a linha de separação que divide as precipitações em bacias vizinhas, encaminhando o escoamento superficial para um ou outro sistema fluvial. São 3 os divisores de uma bacia: Geológico Freático Topográfico
Dadas as dificuldades de se efetivar o traçado limitante com base nas formações rochosas (os estratos não seguem um comportamento sistemático e a água precipitada pode escoar antes de infiltrar) e no nível freático (devido as alterações ao longo das estações do ano), o que se faz na prática é limitar a bacia a partir de curvas de nível, tomando pontos de cotas mais elevadas para comporem a linha da divisão topográfica.
Cap. 2
Bacia Hidrográfica
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Figura 2.1 – Corte transversal de uma bacia (Fonte: VILLELA, 1975)
As características físicas de uma bacia compõem importante grupo de fatores que influem no escoamento superficial. A seguir, faremos, de forma sucinta, uma abordagem de efeitos relacionados a cada um deles, tendo como exemplo os dados da Bacia do Riacho do Faustino, localizada no município do Crato, Ceará.
A área de uma bacia é a área plana inclusa entre seus divisores topográficos. É obtida com a utilização de um planímetro. A bacia do Riacho do Faustino tem uma área de 26,4 Km2.
Cap. 2
Bacia Hidrográfica
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Figura 2.2 – Bacia hidrográfica do Riacho do Faustino (Crato-Ceará)
Após ter seu contorno definido, a bacia hidrográfica apresenta um formato. É evidente que este formato tem uma influência sobre o escoamento global; este efeito pode ser melhor demonstrado através da apresentação de 3 bacias de formatos diferentes, porém de mesma área e sujeitas a uma precipitação de mesma intensidade. Dividindo-as em segmentos concêntricos, dentro dos quais todos os pontos se encontram a uma mesma distância do ponto de controle, a bacia de formato A levará 10 unidades de tempo (digamos horas) para que todos os pontos da bacia tenham contribuído para a descarga (tempo de concentração). A bacia de formato B precisará de 5 horas e a C, de 8,5 horas. Assim a água será fornecida ao rio principal mais rapidamente na bacia B, depois em C e A, nesta ordem.
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Bacia Hidrográfica
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Figura 2.3 – O efeito da forma da bacia hidrográfica (Fonte: WILSON, 1969)
Exprimir satisfatoriamente a forma de uma bacia hidrográfica por meio de índice numérico não é tarefa fácil. Apesar disto Gravelius propôs dois índices:
É a relação entre os perímetros da bacia e de um círculo de área igual a da bacia:
K c =
π r 2 = A
P 2π r
com
∴ r=
A π
Substituindo, temos:
P
K c = 2π
A
K c = 0,28
P A
π
onde P e A são, respectivamente, o perímetro (medido com o curvímetro e expresso em Km) e a área da bacia (medida com o planímetro, expressa em Km2). Um coeficiente mínimo igual a 1 corresponderia à bacia circular; portanto, inexistindo outros fatores, quanto maior o K c menos propensa à enchente é a bacia.
É a relação entre a largura média da bacia ( L ) e o comprimento axial do curso d’ água (L). O comprimento “L” é medido seguindo-se o curso d’ água mais longo desde a cabeceira mais distante da
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bacia até a desembocadura. A largura média é obtida pela divisão da área da bacia pelo comprimento da bacia.
L A K f = , mas L = L L então,
K f =
A L2
Este índice também indica a maior ou menor tendência para enchentes de uma bacia. Uma bacia com K f baixo, ou seja, com o L grande, terá menor propensão a enchentes que outra com mesma área, mas K f maior. Isto se deve a fato de que, numa bacia estreita e longa (K f baixo), haver menor possibilidade de ocorrência de chuvas intensas cobrindo simultaneamente toda a sua extensão. A bacia do Riacho do Faustino apresenta os seguintes dados: A = 26,4 km2 = 26.413.000 m 2 L = 10.500 m P = 25.900 m Assim,
K c = 0,28
P = 0,28 A
25.900 = 1,41 26.413.000
K c = 1,41 K f =
A 26.413.000 = = 0,24 L2 (10.500) 2
K f = 0,24
O sistema de drenagem de uma bacia é constituído pelo rio principal e seus efluentes; o padrão de seu sistema de drenagem tem um efeito marcante na taxa do “runoff” . Uma bacia bem drenada tem menor tempo de concentração, ou seja, o escoamento superficial concentra-se mais rapidamente e os picos de enchente são altos.
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As características de uma rede de drenagem podem ser razoavelmente descritos pela ordem dos cursos d’ água, densidade de drenagem, extensão média do escoamento superficial e sinuosidade do curso d’ água.
A ordem dos rios é uma classificação que reflete o grau de ramificação dentro de uma bacia. O critério descrito a seguir foi introduzido por Horton e modificado por Strahler: “Designam-se todos os afluentes que não se ramificam (podendo desembocar no rio principal ou em seus ramos) como sendo de primeira ordem. Os cursos d’ água que somente recebem afluentes que não se subdividem são de segunda ordem. Os de terceira ordem são formados pela reunião de dois cursos d’ água de segunda ordem, e assim por diante.”
Figura 2.4 – Ordem dos cursos d’ água na bacia do Riacho do Faustino.
A ordem do rio principal mostra a extensão da ramificação da bacia.
A densidade de drenagem é expressa pelo comprimento total de todos os cursos d’ água de uma bacia (sejam eles efêmeros, intermitentes ou perenes) e sua área total. l Dd = ∑ 1 A
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Para a Bacia do Riacho do Faustino:
∑ l1 = 39.900 m ∴ Dd =
39.900 = 0,001511 m/m2 26.413.000 l
Este parâmetro indica a distância média que a água de chuva teria que escoar sobre os terrenos da bacia (EM LINHA RETA) do ponto onde ocorreu sua queda até o curso d’ água mais próximo. Ele dá uma idéia da distância média do escoamento superficial. A bacia em estudo é transformada em retângulo de mesma área, onde o lado maior é a soma dos comprimentos dos rios da bacia (L =
∑ l i ).
Figura 2.5 – Extensão média do escoamento superficial (Fonte: VILLELA, 1975)
4. l x L = A
assim, l =
A 4L
Para a Bacia do Riacho do Faustino: l
l
=
26.413.000 4 x 39.900
= 165,5 m
= 0,165 km
É a relação entre o comprimento do rio principal (L) e o comprimento do talvegue (Lt) Sin =
L Lt
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Figura 2.6 – Comprimento do rio principal (L) e comprimento do talveque (L t)
Para a Bacia do Riacho do Faustino: L = 10.500 m Lt = 8.540 m Sin =
10.500 = 1,23 8.540
Sin = 1,23
Obs.: Lt (comprimento do talvegue é a medida em LINHA RETA entre os pontos inicial e final do
curso d’ água principal).
A declividade dos terrenos de uma bacia controla em boa parte a velocidade com que se dá o escoamento superficial (VILLELA, 1975). Quanto mais íngreme for o terreno, mais rápido será o escoamento superficial, o tempo de concentração será menor e os picos de enchentes maiores. A declividade da bacia pode ser determinada através do Método das Quadrículas. Este método consiste em lançar sobre o mapa topográfico da bacia, um papel transparente sobre o qual está traçada
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Bacia Hidrográfica
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uma malha quadriculada, com os pontos de interseção assinalados. A cada um desses pontos associa-se um vetor perpendicular à curva de nível mais próxima (orientado no sentido do escoamento). As declividades em cada vértice são obtidas, medindo-se na planta, as menores distâncias entre curvas de níveis subsequentes; a declividade é o quociente entre a diferença da cota e a distância medida em planta entre as curvas de nível.
Figura 2.7 – Método das quadrículas
Figura 2.8 – Declividade média da bacia do Riacho do Faustino.
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Após a determinação da declividade dos vetores, constroi-se uma tabela de distribuição de freqüências, tomando-se uma amplitude para as classes.
Tabela 2.1 – Declividade média da bacia do Riacho do Faustino
CLASSES 0,0000 I ⎯ 0,0500 0,0500 I ⎯ 0,1000 0,1000 I ⎯ 0,1500 0,1500 I ⎯ 0,2000 0,2000 I ⎯ 0,2500 0,2500 I ⎯ 0,3000 0,3000 I ⎯ 0,3500 0,3500 I ⎯ 0,4000 0,4000 I ⎯ 0,4500 0,4500 I ⎯ 0,5000 0,5000 I ⎯ 0,5500 0,5500 I ⎯ 0,6000 Σ
Fi 16 12 13 4 0 7 0 0 0 0 0 2 54
Declividade média da bacia =
f i (%) 29,63 22,22 24,07 7,42 0,00 12,96 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 3,70
f i acum (%) 100,00 70,37 48,15 24,08 16,66 3,70 3,70 3,70 3,70 3,70 3,70 3,70
6,700 ≅ 0,1241 m/m 54
ou
Ponto Médio da Classe 0,0250 0,0750 0,1250 0,1750 0,2250 0,2750 0,3250 0,3750 0,4250 0,4750 0,5250 0,5750
2 X 5 0,400 0,900 1,625 0,700 0,000 1,925 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 1,150 6,700
12,41%
A distribuição de freqüências pode ainda ser plotada no gráfico declividade x freqüência acumulada (curva de distribuição de declividade). Diferentes bacias podem ser plotadas num mesmo gráfico para fins de comparação; curvas mais íngremas indicam um escoamento mais rápido.
Figura 2.9 – Declividade de duas bacias (Fonte: WILSON, 1969)
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A orientação da bacia é importante no que diz respeito a ventos prevalecentes e ao padrão de deslocamento de tempestades. O método da quadrículas também é utilizado, pela determinação do ângulo “θ” formado pelo vetor conforme diagrama abaixo:
Figura 2.10 – Base para medição dos ângulos.
A amplitude das classes consideradas no agrupamento de vetores foi de 22,5o . Feita a distribuição de freqüência, lançamo-la no diagrama Rosa dos Ventos. Tabela 2.2 – Orientação da bacia do Riacho do Faustino
Classes de Ângulos
f i
f r(%)
o
1
1,85
o
45
3
5,56
67,5o
2
3,70
90o
5
9,26
112,5o
3
5,56
135o
3
5,56
157,5o
2
3,70
180o
2
3,70
180o
202,5o
2
3,70
202,5o
225o
5
9,26
225o
247,5o
10
18,50
247,5o
270o
5
9,26
270o
292,5o
4
7,41
292,5o
315o
5
9,26
337,5o
2
3,70
360o
0
0,00
o
0 22,5
o
45o 67,5o 90o 112,5o 135o 157,5o
315o 337,5o
22,5
54
Cap. 2
247,50o
270o
Bacia Hidrográfica
12
292,50o
225o
315o
202,50o
337,50o
180o 0o 20o 157,50o
22,50o
135o
45o 112,50o
67,50o 90o
Figura 2.11 – Rosa dos ventos (a partir da tabela 2.1).
Representa o estudo da variação da elevação dos vários terrenos da bacia com referência ao nível do mar. Esta curva é traçada lançando-se em sistema cartesiano a cota versus o percentual da área de drenagem com cota superior; para isto deve-se fazer a leitura planimétrica parceladamente. Os dados foram dispostos em quadro de distribuição de freqüência.
Cap. 2
Bacia Hidrográfica
13
Tabela 2.3 – Distribuição de freqüência (bacia do Riacho do Faustino).
Cotas (m) 680 640 600 560 520 480 440 400 360
Ponto Médio (m) 660 620 580 540 500 460 420 380 340
640 600 560 520 480 440 400 360 320
Área (Km2) 0,0466 0,1866 0,3533 2,6600 5,3666 6,5333 7,0933 2,800 0,3733 26,4130
Área Acumulada (km2) 0,466 0,2332 1,5865 4,2465 9,6131 16,1464 23,2397 26,0397 26,4130
% 0,17 0,71 5,12 10,07 20,32 24,74 26,86 10,60 1,41
% Acumulada 0,17 0,88 6,00 16,07 36,39 61,13 87,99 98,59 100,00
2 x 3 30,76 115,69 784,91 1.436,40 2.683,30 3.005,32 2.979,19 1.064,00 126,92 12.226,49
Figura 2.12 – Curva hipsométrica
A elevação média da bacia é obtida através do produto do ponto médio entre duas curvas de nível e a área compreendida entre elas, (coluna 7 da Tabela 2.3), dividido pela área total. E =
∑ P
m
x A i
A
Cap. 2 E =
12.226,49
E =
26,413
Bacia Hidrográfica
14
= 462,9
462,9m
Consiste de um retângulo de mesma área e mesmo perímetro que a bacia, onde se dispõem curvas de nível paralelas ao menor lado, de tal forma que mantenha sua hipsometria natural. O retângulo equivalente permite interferências semelhantes às da curva hipsométrica. Seja: P = perímetro da bacia A = área da bacia L = lado maior do retângulo equivalente l = lado menor do retângulo equivalente
K c = coeficiente de compacidade da bacia A = L x l P = 2 (l + L ) Dado Kc, utiliza-se o ábaco ao lado e determina-se o valor de
Figura 2. 13 – Ábaco
L A x K c
L A
(Fonte: VILLELA, 1975)
Cap. 2
Bacia Hidrográfica
15
Para a Bacia do Riacho do Faustino, tem-se:
K c = 1.41 →
L = 2,02 A
Com A = 26,4 Km 3
→
L = 10,4 Km.
P = 2 (l + L )
Mas,
l
=
P −L 2
P = 25,9 Km l
= 2,5 Km
Figura 2.14 – Retângulo equivalente
Para determinar a distância entre as curvas de nível no retângulo equivalente, usou-se os cálculos da Tabela 2.3. dividida por 2,5.
Cap. 2
Bacia Hidrográfica
16
Tabela 2.4 – Cálculo da distância entre curvas de nível
Cotas (m) 680 640 620 580 540 500 460 420 380
640 600 560 520 480 440 400 360 320
Fração de Área Acumulada 0,17 0,88 6,00 16,07 36,39 61,13 87,99 98,59 100,00
Comprimentos Acumulados (Km) 0,0184 0,0918 0,6249 1,6725 3,7862 6,3594 9,1531 10,2559 10,4030
A velocidade de escoamento de um rio depende da declividade dos canais fluviais; quanto maior a declividade, maior será a velocidade de escoamento. A declividade do álveo pode ser obtido de três maneiras, cada uma com diferente grau de representatividade. S1 : linha com declividade obtida tomando a diferença total de elevação do leito pela extensão horizontal do curso d’ água. S2 : linha com declividade obtida por compensação de áreas, de forma que a área entre ela e a abscissa seja igual à compreendida entre a curva do perfil e a abscissa. S3 : linha obtida a partir da consideração do tempo de percurso; é a média harmônica ponderada da raiz quadrada das declividades dos diversos trechos retilíneos, tomando-se como peso a extensão de cada trecho. Tabela 2.5 – Cálculo da declividade do álveo.
Cota
Distância (m)
354,67 360 400 440 464
840 6.300 2.100 1.260
Distância Acumulada (na horizontal) (km) 0,84 7,14 9,24 10,5
Declividade por segmento 0,00635 0,00635 0,01905 0,01905
d 0,07969 0,07969 0,13802 0,13802
Dist. Real (na linha inclinada) (km) 0,84006 6,30013 2,10038 1,26025 10,50082
Colunas 6/5 10,5416 79,0579 15,2179 9,1309 113,9483
Cap. 2 S1 =
464 − 354,67 = 0,0104 m / m 10.500
S2 =
h 80,21 = = 0,08 m / m 10.500 10.500
Bacia Hidrográfica
17
⎛ ⎞ ⎜ ⎟ 2 ⎜ Li ⎟ ⎛ 10,50082 ⎞ ∑ ⎜ ⎟ S3 = =⎜ ⎟ = 0,00849 ≅ 0,0085 m/m ⎜ ⎛ L ⎞ ⎟ ⎜⎝ 113,9483 ⎠⎟ ⎜ ∑⎜ i ⎟ ⎟ ⎜ ⎜ Di ⎟ ⎟ ⎝ ⎝ ⎠ ⎠
___ perfil longitudinal do curso d’ água principal
Figura 2.15 – Declividade do álveo
Elementos d de Hidrometeorolo ia
3
A hidrologia de uma região depende principalmente de seu clima e secundariamente de sua topografia e geologia. A topografia influencia a precipitação, a ocorrência de lagos, pântanos e a velocidade do escoamento superficial. A geologia, além de influenciar a topografia, define o local de armazenamento da água proveniente da precipitação, ou seja, na superfície (rios e lagos) ou no subsolo (escoamento subterrâneo ou confinada em aqüíferos). O clima de uma região é altamente dependente de sua posição geográfica em relação à superfície terrestre. Os fatores climáticos mais importantes são a precipitação e o seu modo de ocorrência, umidade, temperatura e ventos, os quais diretamente afetam a evaporação e a transpiração. Neste capítulo serão abordados os três últimos, uma vez que à precipitação se dedicará um capítulo a parte.
Existe sempre alguma água, na forma de vapor, misturado com o ar por toda a atmosfera. A condensação deste vapor é que origina a maioria dos fenômenos do tempo: nuvens, chuva, neve, nevoeiro, orvalho e etc., assim a compreensão do estudo do vapor d’água na atmosfera é de grande importância para a hidrologia. A quantidade de vapor d’água no ar expressa-se simplesmente pela relação peso/volume (ex.: gramas/m3) Existe um limite para a quantidade de vapor d’água que um dado volume de ar pode suportar, e quando esse limite é alcançado, diz-se que o ar está saturado. O ar quente pode suportar mais vapor do que o ar frio, para cada grau de elevação da temperatura, verifica-se, também um aumento do conteúdo do vapor d’água para a saturação. A pressão atmosférica decorre de uma composição de pressões parciais exercidas pelos gases que a constituem. A parcela de pressão devida a presença do vapor d’água é denominada pressão de vapor d’água (e). Suponha uma superfície de água em evaporação, em um sistema fechado, envolta em ar.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
2
Sob a ação de uma fonte de calor, a água vai sendo evaporada até o estado de equilíbrio, quando o ar está saturado de vapor e não pode mais absorvê-lo. As moléculas de vapor d’água exercerão então uma pressão, denominada pressão de saturação de vapor d’água (es), para determinada temperatura do sistema. O valor de es muda com a temperatura como mostra a Figura 1.
Figura 3.1 – Pressão de saturação de vapor (Fonte: Varejão-Silva, 2001) A Figura 3.1 mostra que ocorre com a parcela de ar P, com pressão de vapor “e” e temperatura “t”.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
3
Uma vez que o ponto “P” se encontra abaixo da curva de pressão de saturação de vapor, está claro que a massa de ar pode absorver mais umidade. Teoricamente a saturação do ar pode se dar por três processos básicos: 1. Processo isotérmico – a temperatura é mantida constante e o vapor d’água é incorporado ao ar para suprir sua deficiência de umidade (ds). ds = es – e
(3.1)
2. Processo isobárico – a pressão é conservada constante e o ar é submetido a um resfriamento até interceptar a curva de saturação de vapor. Está temperatura corresponde a temperatura do ponto de orvalho (td). 3. Livre saturação – se a água evapora livremente dentro da massa de ar, a saturação é atingida a pressão e temperaturas diferentes das que tinha inicialmente, uma vez que a evaporação necessita de calor (calor latente de evaporação), que é retirado do próprio ar. Assim a medida que a umidade e a pressão aumentam, a temperatura diminui. O ponto P irá se mover na diagonal até atingir a curva de saturação a uma temperatura tw denominada de “temperatura do bulbo úmido”.
Em geral o ar não está saturado; contém apenas uma fração do vapor d’água possível. Essa fração, expressa em percentagem, é denominada umidade relativa (ur).
u r
= 100
e e s
(%)
Tabela 3.1 – Conteúdo de vapor d’água no ar em várias umidades relativas (Fonte: Forsdyke, 1969)
Conteúdo de vapor d’água (g/m3) Temperatura
59,3
34,0
18,7
9,8
4,9
40°C
100%
57%
31%
17%
8%
30°C
---
100%
55%
29%
14%
20°C
---
---
100%
52%
26%
10°C
---
---
---
100%
50%
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
0°C
---
---
---
---
4
100%
O Psicrômetro é o instrumento empregado para a medição da umidade atmosférica. Ele consiste de dois termômetros – o de bulbo úmido e o de bulbo seco.
Figura 3.2 – Diagrama de um psicrômetro, mostrando o princípio do termômetro de bulbo úmido. (Fonte: Villela, 1975)
O valor de “e” para uma dada temperatura é obtido pela equação:
(e
w
− e) = γ (t − t
w
)
(3.2)
Onde: tw – Temperatura do termômetro de bulbo úmido t – Temperatura do termômetro de bulbo seco ew – Pressão de vapor correspondente a temperatura tw (Tabela 3.2) – Constante do psicrômetro (γ = 0,6, se e (mb), t (°C) e velocidade do ar entre os bulbos de 3m/s e γ = 0,485 se e (mmHg) )
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
Tabela 3.2 – Pressão de saturação de vapor (es) em mmHg em função da temperatura em °C. es t (o C)
0.0
-10
2.15
-9
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
0.8
0.9
2.32
2.30
2.29
2.27
2.26
2.24
2.22
2.21
2.19
2.17
-8
2.51
2.49
2.47
2.45
2.43
2.41
2.40
2.38
2.36
2.34
-7
2.71
2.69
2.67
2.65
2.63
2.61
2.59
2.57
2.55
2.53
-6
2.93
2.91
2.89
2.86
2.84
2.82
2.80
2.77
2.75
2.73
-5
3.16
3.14
3.11
3.09
3.06
3.04
3.01
2.99
2.97
2.95
-4
3.41
3.39
3.37
3.34
3.32
3.29
3.27
3.24
3.22
3.18
-3
3.67
3.64
3.62
3.59
3.57
3.54
3.52
3.49
3.46
3.44
-2
3.97
3.94
3.91
3.88
3.85
3.82
3.79
3.76
3.73
3.70
-1
4.26
4.23
4.20
4.17
4.14
4.11
4.08
4.05
4.03
4.00
-0
4.58
4.55
4.52
4.49
4.46
4.43
4.40
4.36
4.33
4.29
-------
-------
-------
-------
-------
-------
-------
-------
0
4.58
4.62
4.65
4.69
4.71
4.75
4.78
4.82
4.86
4.89
1
4.92
4.96
5.00
5.03
5.07
5.11
5.14
5.18
5.21
5.25
2
5.29
5.33
5.37
5.40
5.44
5.48
5.53
5.57
5.60
5.64
3
5.68
5.72
5.76
5.80
5.84
5.89
5.93
6.97
6.01
6.06
4
6.10
6.14
6.18
6.23
6.27
6.31
6.36
6.40
6.45
6.49
5
6.54
6.58
6.54
6.68
6.72
6.77
6.82
6.86
6.91
6.96
6
7.01
7.06
7.11
7.16
7.20
7.25
7.31
7.36
7.41
7.46
7
7.51
7.56
7.61
7.67
7.72
7.77
7.82
7.88
7.93
7.98
8
8.04
8.10
8.15
8.21
8.26
8.32
8.37
8.43
8.48
8.54
9
8.61
8.67
8.73
8.78
8.84
8.90
8.96
9.02
9.08
9.14
10
9.20
9.26
9.33
9.39
9.46
9.52
9.58
9.65
9.71
9.77
11
9.84
9.90
9.97
10.03
10.10
10.17
10.24
10.31
10.38
10.45
12
10.52
10.58
10.66
10.72
10.79
10.86
10.93
11.00
11.08
11.15
13
11.23
11.30
11.38
11.75
11.53
11.60
11.68
11.76
11.83
11.91
14
11.98
12.06
12.14
12.22
12.96
12.38
12.46
12.54
12.62
12.70
15
12.78
12.86
12.95
13.03
13.11
13.20
13.28
13.37
13.45
13.54
16
13.63
13.71
13.80
13.90
13.99
14.08
14.17
14.26
14.35
14.44
-------
-------
-------
5
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
17
14.53
14.62
14.71
14.80
14.90
14.99
15.09
15.17
15.27
15.38
18
15.46
15.56
15.66
15.76
15.96
15.96
16.06
16.16
16.26
16.36
19
16.46
16.57
16.68
16.79
16.90
17.00
17.10
17.21
17.32
17.43
20
17.53
17.64
17.75
17.86
17.97
18.08
18.20
18.31
18.43
18.54
21
18.65
18.77
18.88
19.00
19.11
19.23
19.35
19.46
19.58
19.70
22
19.82
19.94
20.06
20.19
20.31
20.43
20.58
20.69
20.80
20.93
23
21.05
21.19
21.32
21.45
21.58
21.71
21.84
21.97
22.10
22.23
24
22.27
22.50
22.63
22.76
22.91
23.05
23.19
23.31
23.45
23.60
25
23.75
23.90
24.03
24.20
24.35
24.49
24.64
24.79
25.08
25.09
26
25.31
25.45
25.60
25.74
25.89
26.03
26.18
26.32
26.46
26.60
27
26.74
26.90
27.05
27.21
27.37
27.53
27.69
27.85
28.00
28.16
28
28.32
28.49
28.66
28.83
29.00
29.17
29.34
29.51
29.68
29.85
29
30.03
30.20
30.38
30.56
30.74
30.92
31.10
31.28
31.46
31.64
30
31.82
32.00
32.19
32.38
32.57
32.76
32.95
33.14
33.33
33.52
Figura 3.3 – Psicrômetro
6
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
7
A Figura 3.4 mostra o mapa da umidade relativa média anual no Brasil, medida pelo INMET, no período de 1930 a 1990 (Normais Climatológicas).
Figura 3.4 – Umidade relativa anual (Fonte: INMET(http://www.inmet.gov.br/produtos)
Geograficamente, há uma tendência de elevação de temperatura a medida que se aproxima do Equador. Verifica-se, entretanto, que a topografia e a vegetação pode comprometer este comportamento. Durante o dia, a incidência da radiação solar provoca o aquecimento da superfície, que alcança sua temperatura máxima algumas horas após o sol ter alcançado o seu zênite. As camadas inferiores da atmosfera são aquecidas pela radiação de onda longa emitida pela superfície terrestre. Devido a diversos processos de troca de calor no sistema Terra-Atmosfera, existe uma distribuição de temperatura também segundo a direção vertical, conhecida como gradiente vertical de temperatura (0,65°C/100m). O estudo desse gradiente é importante para a influência da estabilidade atmosférica. Associados aos processos de evolução do ar, são definidos três gradientes teóricos:
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
1. Gradiente de temperatura adiabática seca (
8
d)
•
Parcela de ar ascendente
•
Expande-se devido ao decréscimo de pressão
•
Temperatura decresce (-1°C/100m)
2. Gradiente de temperatura adiabática saturada ( s) •
Quando a parcela de ar em ascensão atinge o nível de condensação, a pressão continua decrescente.
•
Gradiente menor (-0,54°C/100m)
3. Gradiente de temperatura pseudo-adiabático
Figura 3.4 – Formas de precipitação. (Fonte: Raudikivi, 1979).
Uma vez que ar aquecido decresce em densidade, ele tende a se tornar mais leve. Entretanto a superfície terrestre não é homogênea e faz com que o ar seja aquecido de forma desigual, o que resulta no aparecimento de camadas de ar com diferentes densidades; surgem então forças ascendentes que elevam o ar mais quente (mais leve) através do ar vizinho mais frio (mais denso). Obviamente, o gradiente de temperatura dentro de uma camada atmosférica é diferente daqueles referentes a adiabática seca e a adiabática saturada. A relação entre o gradiente e a temperatura do ambiente atmosférico ( ) e o gradiente da adiabática seca é que determina a umidade convectiva do ar. Seja, por hipótese, que uma partícula de ar seco em equilíbrio térmico com o meio ambiente seja levada, por algum motivo, a uma altitude maior que a inicial. O movimento ascendente da partícula
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
9
não modifica a estrutura da atmosfera circunvizinha. Como a parcela sob verticalmente, ela esfria a uma taxa (Γ) (adiabática seca), enquanto que a temperatura ambiente decresce a uma taxa ( ). a) Se γ < Γ : Γ (parcela)
tparc < tamb
γ (ambiente)
mais frio, mais denso, parcela desce (estável)
b) Se γ > Γ : γ (ambiente)
tparc > tamb
Γ (parcela)
mais quente, menos densa, parcela sobe (instável)
Figura 3.5 – Estabilidade e Instabilidade Convectiva (Fonte: VILLELA,1975)
Caso a parcela não esteja saturada, começará, no inicio a comportar-se como ar seco em ascensão (
d).
Entretanto, em um dado momento, chegará à temperatura de ponto de orvalho e passará a
comporta-se como ar saturado ( s). A umidade que foi condensada do ar resfriado em ascensão tornase visível como nuvem, sendo a sua base representativa do nível de condensação. O topo da nuvem continua a se desenvolver até alcançar uma camada estável.
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Figura 3.6 – Nuvem cumulonimbus (Fonte: INMET)
O ar está em movimento e isto é sentido como vento. Ele influencia processos hidrometeorológicos, uma vez que, ao retirar a camada de ar saturado próxima ao solo e substituí-la por uma com menos umidade, faz com que o processo de evaporação seja contínuo. São necessários dois fatores para especificar o vento: direção e velocidade. Os instrumentos utilizados para medida destas grandezas são os anemômetros, que medem a velocidade do vento (em m/s) e, em alguns tipos, também a direção (em graus), e os anemógrafos, que registram continuamente a direção (em graus) e a velocidade instantânea do vento (em m/s), a distância total (em km) percorrida pelo vento com relação ao instrumento e as rajadas (em m/s).
Figura 3.7 – Anemômetro
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
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Figura 3.8 – Anemógrafo
Devido a sua posição em relação a circulação geral da atmosfera, o Nordeste tem vento prevalecentes do sudeste, que podem se tornar mais zonais de acordo com a época do ano (estação chuvosa).
Figura 3.9 – Direção média dos ventos de superfície em janeiro. (Fonte: Raudikivi, 1979)
Capítulo 1 Hidrologia Aplicada
Figura 3.10 – Campos de umidade relativa, movimento vertical (500mb) e campos de vento (200mb e 850mb) (Fonte: NMC/SAD).
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Capí tulo
Aspectos Climáticos do Nordeste Brasileiro
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1. INTRODUÇÃO A história do Nordeste brasileiro (NEB) está intimamente ligada à história da seca. A falta d’água necessária à subsistência do homem do campo é uma faceta do problema; uma outra, que também deve ser destacada, não tem propriamente natureza climática, mas econômica e social. Os efeitos da seca se apresentam sob várias formas, seja pelo aumento do desemprego rural, pobreza e fome, seja pela subseqüente migração das áreas afetadas. A adversidade do clima, aliada à anaptidão do homem para superá-la, resultou sempre em trágicas conseqüências para a população atingida, cujos suportes econômicos básicos, a agricultura e a pecuária, são dimensionados invariavelmente para os anos mais chuvosos. Muito se tem estudado sobre os vários aspectos do clima do NEB no sentido de uma melhor compreensão acerca dos fatores determinantes de suas condições anômalas. A meteorologia empreende a várias décadas tentativas de desenvolver métodos científicos capazes de prever o clima da região, seja por métodos estatísticos ou métodos baseados na fenomenologia física. Muitos progressos já tem sido alcançados na compreensão da interação oceano-atmosfera. Entretanto, os mecanismos dinâmicos intervenientes não estão propriamente identificados, devido ao nosso ainda tão limitado conhecimento frente a fenômenos de tão grande complexidade.
2. ASPECTOS DA GRANDE ESCALA DA CIRCULAÇÃO ATMOSFÉRICA RELACIONADOS AO CLIMA DO NORDESTE BRASILEIRO. Era de se esperar que, por sua posição geográfica (1 o – 18o S, 36o – 47o W), o NEB apresentasse uma distribuição pluviométrica semelhante a de regiões próxima ao Equador; Entretanto, a precipitação média anual sobre a região, a qual se encontra ao leste de uma grande floresta tropical, a Amazônica, é bem menor que a precipitação média equatorial (Moura & Shukla, 1981). A região tem um clima típico das regiões semi-áridas, apresentando em quase toda a sua totalidade baixos índices pluviométricos (menores que 800 mm) e estação chuvosa bem definida, concentrada em poucos meses.
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Essa semi-aridez parece ser determinada, primordialmente, pela circulação geral da atmosfera, ou seja, um fenômeno externo à região. Neste sentido, consideram-se duas circulações de escala planetária responsáveis pelas enormes variações espaciais do clima entre regiões situadas a uma mesma latitude – as de sentido leste-oeste (Walker) e norte-sul (Hadle y). É um fato amplamente aceito que as circulações tropicais de escala global são, em grande parte, controladas pelos sumidouros e fontes de calor nos trópicos (aquecimento diabático ocasionado principalmente pela liberação de calor latente devido à convecção cúmulus). As regiões que visualmente constituem as fontes de calor latente são as regiões tropicais da Indonésia/Norte da Austrália, da África e Amazônia, que se apresentam, em média, com máxima cobertura de nuvens, especialmente durante o verão do Hemisfério Sul (HS); por outro lado as regiões de sumidouro de calor localizam-se nas regiões tropicais do Atlântico e Pacífico (Krishnamurti et alii, 1973; Newel et alii, 1974; WMO, 1985; Kayano, 1987). Das fontes de calor citadas, a região da Indonésia é, no globo, a de maior atividade convectiva. O ar quente e úmido sobre esta região sofre intenso movimento ascendente desloca-se nos altos níveis para leste, onde se resfria, indo subsidir na região do Pacífico Subtropical Leste, perto da América do Sul. Essa massa de ar seco desloca-se então para a região de origem, desta vez em baixo níveis, esquecendo-se durante o percurso. Este ciclo fechado sobre o Pacífico recebe o nome de “Célula de Walker” e faz parte da circulação de mesmo nome, que atua na direção leste-oeste sobre a faixa tropical e subtropical do planeta. A Figura 4.1 ilustra esquematicamente no plano vertical e nas latitudes equatoriais, as circulações leste-oeste bem como as áreas de fonte de calor.
Figura 4.1 -
Diagrama esquemático das circulações atmosféricas de grande escala (célula de Walker) (Fonte: Houghton, 1985)
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Observam-se nas regiões de movimentos ascendentes (nos tópicos), baixas pressões ao nível do mar, convergência nos baixos níveis e circulação ciclônica. De modo contrário, as regiões de subsidência (nos subtrópicos) são caracterizadas por altas pressões, movimentos divergentes em baixos níveis e circulação anticiclônica. A massa de ar que se desloca de leste para oeste, próxima à superfície, na região equatorial, constitui os ventos alísios que, no caso do Pacífico Sul, sopram de sudeste. A circulação anticiclônica é também responsável pela Corrente Marítima de Humbolt, que costeia a América do Sul arrastando águas frias das latitudes sub-antarticas para a região equatorial (Figura 4.2). Quando atinge o Equador, a corrente é desviada para o oeste chamando-se, então, Corrente Equatorial, que vai sendo progressivamente aquecida para, já como corrente de águas quentes, ser finalmente desviada para regiões polares onde volta a se esfriar, completando o ciclo.
Figura 4.2: Célula de Walker com ascensão do ar quente e úmido sobre a Amazônia e sua descida lenta (subsidência) sobre o Atlântico Tropical e o Nordeste do brasil (Fonte: Ciência Hoje, 1985).
A segunda das três principais células formadoras da Circulação de Walker está localizada sobre o Atlântico. A Floresta Tropical Amazônica constitui-se numa área de intenso movimento ascendente. O ramo descendente desta célula situa-se sobre o Atlântico Subtropical Sul e, ao incluir o Nordeste, atua sobre a região inibindo a formação de chuvas. Similarmente às fontes de calor da circulação leste-oeste, existe sobre o Atlântico Equatorial uma faixa latitudinal denominada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), local de intensos movimentos ascendentes de ar, alta nebulosidade e precipitação: seus ramos descendentes situam-se sobre as
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latitudes subtropicais de ambos os hemisférios. Esta circulação, que se dá na direção norte-sul, é conhecida como Circulação de Hadley, e embora distinta da de Walker para fins didáticos, não pode ser efetivamente separada, vez que as duas geralmente ocorrem simultaneamente. As principais causas das secas no NEB parecem ter origem externa, porém a semi-aridez da região é provavelmente acentuada por características locais, tais como o albedo (alta refletividade de sua crosta) e a topografia (Ciência Hoje, 1985). Segundo Charney (1975), um alto albedo, conseqüência de inexistência de vegetação, desenvolve um mecanismo de perpetuação das condições desérticas, vez que o contraste térmico resultante entre a atmosfera sobre a região mais fria (em função da maior refletividade do solo) e a de suas adjacências (mais quentes devido ao menor albedo) induz uma circulação friccionalmente controlada, a qual importa calor nos altos níveis e mantém o equilíbrio através de movimentos descendentes (Gomes, 1979) que, por sua vez, e no caso específico do NEB, intensificam os outros movimentos de subsidência associados à crculação Hadley-Walker.
3. VARIAÇÕES SAZONAIS DA PRECIPITAÇÃO O curso sazonal da precipitação na maior parte do NEB é caracterizado pela sua concentração em poucos meses, o que torna a estação chuvosa bem definida (Figura 4.3). As partes norte e central do NEB (Ceará, oeste do Rio Grande do Norte e interior dos Estados da Paraíba e Penambuco) incluem o semiárido e apresentam máxima precipitação durante março e abril (Aldaz, 1971), coincidente com a posição mais sul da ZCIT (Ratisbona, 1976) e com o aparecimento de Linhas de Instabilidade (LI). As áreas da costa leste (do leste do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia) recebem a máxima precipitação durante maio e junho, e são influenciadas pelo escoamento médio e brisas terra-mar (Ramos, 1975), pelos aglomerados convectivos que se propagam para oeste (Yamazaki e Rao, 1977), pelos vórtices ciclônicos de ar superior (VCAS) (Kousky e Gan, 1981) e pelos remanescentes dos sistemas frontais na parte sul. A concentração de chuvas no setor sul (interior da Bahia) ocorre de novembro a março, com um máximo em dezembro e está associada com as incursões dos sistemas frontais na direção equatorial. Existem ainda certas regiões cujos regimes de precipitação apresentam dois máximos anuais, resultantes da existência de distúrbios de escala sinótica que atuam em época distintas. Isto ocorre no setor centro-norte da Bahia (dezembro e março) e no seu litoral (dezembo e maio) (Strang, 1972; Kousky, 1979).
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Figura 4.3 - Distribuição espacial do mês no qual a precipitação média mensal atinge o máximo. Dados do período 1931 – 1960. Kousky, 1979).
(Fonte:
3.1. A ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL (ZCIT) Reconhece-se como mecanismo organizador de conveccção nas porções norte e central do NEB a proximidade da ZCIT. Esta zona é um verdadeiro cinturão de baixa pressão formado sobre os oceanos equatoriais e é assim denominada por se tratar da faixa para onde os ventos alísios dos dois Hemisférios convergem, constituindo uma banda de grande convecção, altos índices de precipitação e movimento ascendente. Ela se aproxima de sua forma quase linear sobre o Oceano Atlântico, (Figura 4.4), onde se apresenta, geralmente, como uma faixa latidudinal bem definida de nebulosidade, onde interagem entre si a Zona de Confluência dos Alísios (ZCA), o Cavado Equatorial, a zona máxima Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e a banda de máxima cobertura de nuvens convectivas, não necessariamennte a uma mesma latitude, mas muito próximos uns dos outros ( Uvo, 1989).
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A verdade é que o conjunto acima, como um todo, tem um deslocamento meridional durante o ano, podendo a ZCIT ser representada pelo deslocamento de apenas um dos elementos integrantes, devido a alta correlação existentes entre eles. É comum considerar o deslocamento da banda de máxima cobertura de nuvens como respresentativo do movimento da ZCIT (Figura 4.5). Era de se esperar que a ZCIT se situasse sobre o Equador, porém, devido a maior parte dos continentes se encontrar no Hemisfério Norte (HN) e a cobertura de gelo ser maior na Antártica, a faixa de água do mar e ar mais aquecidos se localiza não no Equador geográfico, mas ao norte dele, no chamado Equador Meteorológico, região esta onde aa ZCIT permanece grande parte do ano. Ela se desloca na direção meridional, entre 14 o N e 02o S de latitude, seguindo, com certo atraso, o movimento intra-anual do sul (Climanálise, 1986).
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Figura 4.4 -
Imagens do Satélite METEOSAT no Canal Infra-vermelho no Dia 06 de fevereiro às 15:00hs mostrando a Influência da ZCIT sobre a Precipitação do Nordeste Brasileiro.
a) Global
b) Setorizada.
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Figura 4.5 - Posição geográfica média do eixo de nebulosidade convectiva (indicativo da posição da Zona de Convergência Intertropical-ZCIT) sobre o Oceano Atlântico de 00o W a 45o W, estimada nas imagens do canal infra-vermelho do satélite METEOSAT, médias de cinco dias indicadas na figura para ABRIL/89. As posições geográficas de Fortaleza e dos Rochedos de São Paulo estão indicadas na figura com as siglas F e RSPSP, respectivamente. (Fonte: ORSTOM/DAKAR)
As variações variaçõ es sazonais s azonais da precipi p recipitação tação no setor norte do NEB parecem estar intimamente intima mente ligadas ligada s às às oscilações latitudinais da ZCIT sobre o atlântico, sendo a estação chuvosa coincidente com a posição mais ao sul que a ZCIT atinge durante os meses de março a abril. A medida que essa começa o seu retorno para o HN, atingindo sua máxima posição norte em agosto e setembro, o ar ascende sobre a ZCIT e descende sobre o Atlântico Subtropical Sul, criando condições pouco propícias à formação formação e nuvens sobre a região (estação seca).
3.2. LINHA DE INSTABILIDADE (LI) As brisas marítimas maríti mas e terrestres terrest res (Figura 4.6) são circulações circul ações locais locai s que ocorrem em resposta respost a ao gradiente horizontal de pressão que, por sua vez, é provocado pelo contraste de temperatura diário entre oceano e continente (Chandler, 1972 e Hawkins, 1977).
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Figura 4.6 4.6 – Diagrama esquemático de: (a) brisa marítima ou lacustre e (b) brisa terrestre. Os símbolos ∆ z 1 e
∆
z2 apresentam a espessura sobre a
água e sobre a terra, respectivamente, para a camada p1 (Fonte: Cavalcanti, 1982).
→
p2 .
Uma das características da brisa marítima consiste na formação de uma linha de Cumulonimbus (Cbs) ao longo do extremo norte-nordeste da América do Sul, que pode se propagar como uma LI, ocasionando chuvas nas áreas anterores do continente; o grau de penetração pode ser maior que 100 km, dependendo do escoamento de grande escala (Kousky, 1980). Este desenvolvimento ao longo da costa sofre variação sazonal tanto na localização como na freqüência de aparecimento (Figura 4.7). Variações na intensidade intens idade também tam bém ocorrem ocorr em no decorrer de correr do ano.
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Figura 4.7 4.7 – Localização da linha linha de Comulunimbo (área hachuradas) e nebul osidade da ZCIT (áreas claras indicando nuvens) para o período de janeiro, abril, julho e dezembro. (Fonte: Cavalcanti, 1982).
Os fenômenos de grande escala reforçaram ou inibem os efeitos provocados pelas circulações locais (Riehl, 1979). Uma série de distúrbios de escala sinótica (1000 a 7000km) influenciam diretamente essas circulações no sentido de aumentar (ou diminuir) suas atividades. Entre estes sistemas podemos criar o deslocamento de massa de ar frio para regiões mais quentes formando zonas frontais e a mudança sazonal de ar frio para regiões mais quentes formando zonas frontais e a mudança sazonal do escoamento atmosférico nos centros de pressão e da posição da ZCIT. As Lis são mais freqüentes ao norte do Equador no inverno e primavera do HS, embora as mais intensas ocorram, em geral ao sul do Equador durante o verão e outono do HS, quase sempre associadas à intensa atividade convectiva da ZCIT. Nos meses em que não há desenvolvimento da linha convectiva na costa Norte-Nordeste do Brasil, a ZCIT está deslocada para a sua posição mais ao norte ou há forte convergência na parte oeste do continente produzindo movimento subsidente e ausência de precipitação na costa Norte-Nordeste do Brasil.
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Os sistemas frontais oriundos do continente sulamericano podem, em alguns casos, apresentar uma localização no sentido sudeste-noroeste em latitudes mais ao norte, o que influencia a formação de Lis, pelo aumento de convergência na costa (Cavalcanti, 1982). Embora o desenvolvimento das Lis associadas à brisa marítima sejam dependentes da localização e intensidade de sistemas sinótios, tal atividade convectiva pode, em alguns casos, formar-se isoladamente sob influência apenas da diferença de aquecimento superficial diurno (Cavalcanti, 1982; Hubert et alli, 1969; Seha, 1974; Grubep, 1972).
3.3. FRENTES FRIAS
Zonas frontais, sistemas frontais, ou simplesmente frentes são regiões de descontinuidade térmica separando duas massas de ar de características diferentes. São, em geral, delgadas zonas de transição entre uma massa de ar quente (menos densa) e uma de ar frio (mais densa). O deslocamento relativo das massas de ar é que define a denominação; frente fria, por exemplo, é aquela no qual o ar frio proveniente de altas e médias latitudes avança em direção ao ar quente, empurrando para cima, provocando sua ascenção e posterior condensação ( Gedzelman, 1985).
Figura 4.8 – Secção transversal esquemática das frentes e da movimentação das massas de ar associadas. As iniciais representam os tipos de nuvens (Ci-cirrus, CuCumulonimbus, NS-Ninbustratum, Cs-Cirrostratus e Sc-stratocumulus). (Fonte: Houghton, 1985).
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A penetração de sistemas frontais no NEB ocasiona prolongados períodos de chuvas no centrosul da Bahia e desempenham um importante papel no seu regime de precipitação, cujo máximo é atingido nos meses de dezembro e janeiro. Sabe-se ainda que, remanescentes desses sistemas podem também organizar alguma atividade convectiva ao longo da costa original do NEB, durante o outono e inverno, ocasionando um acréscimo de precipitação na região (Kousky, 1979).
Figura 4.9 -
Diagrama esquemático indicando a posição mais ao norte de sistemas frontais os quais afetam o Norteste e a nebulosidade convectiva associada a eles. (Fonte: oliveira, 1986).
Figura 4.10 - Imagens do Satélite METEOSAT no canal infra-vermelho do dia 16 de março de 1991 às 15:oohs. Mostrando a incursão de uma frente fria no Nordeste brasileiro. A) Global; b) Setorizada. (Fonte: FUNCEME).
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3.4. AGLOMERADOS CONVECTIVOS: DISTÚRBIOS ATMOSFÉRICOS DE LESTE PROVENIENTES DO ATLÂNTICO SUL TROPICAL. Ao longo da costa oriental do NEB, desde o leste do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia, o máximo pluviométrico ocorre durante os messes de maio e junho (Kousky, 1979). Os mecanismos associados à produção da precipitação neste setor do NEB parecem ser os agrupamentos convectivos detectadas por Yamazaki e Rao (1977) sobre o Atlântico Tropical Sul. A periodicidade associada a esses distúrbios foi de vários dias, com uma velocidade média de propagação de cerca de 10 m/s (10 o longitude por 1 dia). Estas perturbações, conhecidas como “Ondas de Leste” são semelhantes as que se propagam no HN. A situação no Atlântico Sul é, entretanto, distinta daquela, vez que em nenhuma estação do ano as perturbações se desenvolvem em ciclones ou mesmo em intensas perturbações tropicais (Yamazaki and Rao, 1977).
Figura 4.11 – Regiões prováveis de ocorrer propagação dos distúrbios leste. (Fonte: Yamazaki and Rao, 1977)
Ainda segundo Yamazaki and Rao (1977), estes distúrbios originam-se na costa da África e deslocam-se até a costa brasileira; em alguns casos aparecem até mesmo adentar um pouco sobre o continente sulamericano. Outra observação feita é que, ratificando estudos feitos por Wallace, estes “ Distúrbios de leste” surgem somente durante o inverno do HS, período coincidente com a estação do setor leste do NEB.
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Figura 4.12 - Imagens setorizadas do Satélite METEOSAT no canal infra-vermelho mostrando a incursão de “distúrbios de leste” no Nordeste Brasileiro nos dias: a) 01 de julho de 1990, b) 02 de julho de 1990, e c) 03 de julho de 1990. (Fonte: FUNCEME).
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3.5. VÓRTICES CICLÔNICOS DE AR SUPERIOR (VCAS) As estações chuvosas dos setores norte e leste do NEB que, climatológicamente apresentam os máximos em março-abril emaio-junho, respectivamente, são influenciadas, além de outros, por vários sistemas meteorológicos transientes que atuam como forçantes para organizar a convecção nessas regiões. Um desses sistemas é o VCAS (Kousky e Gen, 1981).
Figura 4.13 - Imagens do satélite METEOSAT no canal infra-vermelho no dia 02 de fevereiro de 1991 às 15:00hs. Mostrandoa influência de um VCAS na precipitação no Nordeste Brasileiro. a) Setorizada e b) Global. (Fonte: FUNCEME).
Kousky e Gan (1981) utilizando campos de ventos e 200 hPa e imagens dos satélites SMS/ GOES e NOAA-5 dos canais visível e infra-vermelho analisaram os VCAS procurando conhecer sua gênese, propagação, climatologia e seus efeitos sobre as condições de tempo no Brasil.
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Esses vórtices formam-se sobre o Atlântico Sul principalmente durante o verão do HS (sendo janeiro o mês de atividade máxima) e adentram freqüentemente nas áreas continentais próximas a salvador (13o S, 38 o W) tendo um efeito pronunciando na atividade convectiva sobre o NEB. Os VCAS geralmente se concentram entre 25 o – 45 o W e 10 o – 25o S, região correspondendo ao eixo médio do cavado de 200 hPa sobre o Atlântico durante o verão do HS (Gan, 1983). As “baixas frias da alta troposfera” (ou VCAS) constituem sistemas de baixa pressão, cuja circulação ciclônica fechada caracteriza-se por baixas temperaturas em seu centro (com movimento subsidente de ar seco e frio) e temperaturas mais elevadas em suas bordas (com movimento ascendente de ar quente e úmido) com relação às características de tempo relacionadas a estes sistemas, observamse condições de céu claro nas regiões localizadas abaixo de seu centro e tempo chuvoso nas regiões abaixo de sua periferia (Figura 13.14). Em geral as partes sul e central do NEB apresentam diminuição de nebulosidade à medida que o vértice se move para a costa; a parte norte, por sua vez, experimenta um aumento de nebulosidade associada a chuvas fortes.
Figura 4.14 - Ilustração esquemática de nuvens médias e altas associadas ao VCAS. (Fonte: Kousky e Gan, 1981).
Comparando as configurações da circulação a 200 hPa, observa-se que o escoamento é mais meridional para latitudes baixas durante o verão do HS (período de maior freqüência dos VCAS), enquanto para os meses de inverno do HS, as linhas de corrente apresentam-se mais zonais (Figura 4.16). O caráter meridional deste escoamento é resultado de um grande aquecimento sobre a América do Sul, África e Oceania que induz o desenvolvimento de fortes anticiclones nos altos níveis sobre os três continentes e cavados sobre as áreas oceânicas vizinhas ( Kousky e Gan, 1981).
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Figura 4.15 - Nebulosidade associada com: a) VCAS estacionário b) VCAS movendose para o oeste. (Fonte: Kous ky e Gran, 1981).
Figura 4.16 -
Linhas de corrente representativas o escoamento médio. (Fonte: Kousky e Molion, 1981).
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Figura 4.17 - Esquema da seção transv ersal de um VCAS. (Fonte: Kous ky e Gan, 1981).
Os mecanismos de formação dos VCAS de origem tropical não são totalmente conhecidos. No entanto, Kousky e Gan (1981) sugerem que a penetração de sistemas frontais, devido a forte advecção quente que os procede, induzem a formação dos VCAS, especialmente nas baixas e médias latitudes. Esta advecção amplifica a crista de nível superior, e consequentemente o cavado a leste formando, em pultima instância, um vórtice ciclônico sobre o Atlântico (Figura 4.18).
Figura 4.18 - Seqüência esquemática para a formação de um VCAS no Atlântico Sul. (Fonte: Kousky e Gan, 1981).
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4. VARIAÇÃO INTERANUAIS
A precipitação no NEB apresenta, além das variabilidades sazonais grandes flutuações interanuais que são mais acentuadas (variabilidade relativa superior a 40%) no semi-árido (Kousky, 1979). Isto causa extremos climáticos caracterizados por secas severas ou enchentes com sérios efeitos econômicos e sociais para a população local. Assim, desde o início do século o clima NEB tem sido investigado e apontado alguns de seus aspectos relacionados com as causas dinâmi cas da grande variação ano-a-ano.
4.1. INFLUÊNCIA DO HEMISFÉRIO NORTE Nobre (1984) analisou para diversos períodos a inter-relação entre fontes anômalas de calor nos tópicos e a propagação meridional (norte-sul) de energia por ondas de escala planetária. Os campos de desvios de vorticidade (medida de rotação de um fluído) vento e TSM, so bre o oceanos Atlântico e Pacífico, apresentam características distintas durante os períodos chuvosos e secos do NEB. Configurações semelhantes a trens de ondas foram encontradas. Uma delas inclui o centro do Atlântico Tropical (padrão Atlântico Norte – Leste Asiático/ANLA) e atinge a costa leste da Ásia, contornando o Polo Norte pela Europa. Uma outra inclui o centro do Pacífico Equatorial (padrão Pacífico Central-Leste EUA/PCLE), descreve um grande circulo e atinge a costa leste da América do Norte. Uma terceira configuração (Padrão Cinturão Circumpolar/CCP), observada no HN, constitui-sede alternâncias de centros de vorticidade positiva e negativa em torno da latitude de 50 o N. Conclui-se que, a existência dessas configurações e a variabilidade da precipitação no NEB são as respostas remota e local da ocorrência de anomalias de TSM positivas (negativas) ao norte e negativas (positivas) ao sul, no Oceano Atlântico Equatorial, e relacionam-se a anos secos (chuvosos) no norte do NEB. Em relação às configurações de ondas de escala global observa-se que a configuração CCP anecede as outras duas (ocorre geralmente em outubro-novembro). A configuração ANLA, que ocorre principalmente em dezembro-janeiro, encontra-se mais nítida durante os episódios de seca e parece explicar melhor a variabilidade da pluviometria sobre o NEB do que a configuração PCLE que apresentou menor ocorrência temporal relacionada a essa precipitação.
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a)
b)
Figura 4.19 -
Desvios da circulação média na troposfera superior. Ar regiões marcadas com pequenos círculos indicam circulação circlônica (baixa pressão) e as com pequenos “ v “, circulação anticiclônica (alta pressão). a) Meses de dezembro de 1969, novembro de 1971, dezembro de 1975 e dezembro de 1979, que precederam a ocorrência de secas no Nordeste. b) Meses de dezembro de 1963, dezembro de 1972 e janeiro de 1974, que precederam a ocorrência de anos chuvosos no Nordeste. (Fonte: Nobre, 1984).
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4.2. PRESSÃO AO NÍVEL DO MAR (PNM) NO ATLÂNTICO TROPICAL
A variabilidade dos sistemas de altas pressões subtropicais do Atlântico Norte (AAN) e Sul (AAS) está diretamente relacionado com o deslocamento meridional da zona de máxima nebulosidade convectiva sobre o Atlântico Oeste, associada a ZCIT. Hastenrath e Heller (1977) mostraram que a escassez e excesso de chuvas no semi-árido nordestino estão ligados a esta variabilidade. Em anos chuvosos, o anticiclone do Atlântico Norte (alta dos Açures) está mais intenso que o normal, assim como os ventos alísios de nordeste, fazendo com que a ZCIT seja “empurrada” para posição mais ao sul. Em anos de seca o inverno ocorre, ou seja, o anticiclone do Atlântico Sul e os ventos sudeste estão mais intensos, de modo que a ZCIT é deslocada para posições mais ao norte (Climanálise, 1986).
Figura 4.20 –
Aspectos de grande escala da circulação atmosférica e típica da distribuição de TSMs no Atlântico para: a) anos chuvosos e b) anos de seca no Nordeste. A área bachurada indica a posição média da ZCIT e a linha pontilhada, o eixo de confluência dos ventos alísios de ambos os hemisférios. O “A” estilizado representa a alta pressão subtropical e as linha grossas com flexas indicam a intersificação dos ventos alísios. (Fonte: Nobre and Molion, 1986).
Cap. 4 Aspectos Climáticos do Nordeste Brasileiro
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O dipolo de PNM observado em anos chuvosos, com anomalias negativas no Atlântico Sul e positivas no Atlântico Norte, é função do dipolo de TSM.
Figura 4.21 –
Pressão ao nível do mar em Abril/89, analisada numa grade de 5o em projeção Mercator para visiualização. O intervalo entre os contornos é de 2 hPa : 1000 hPa devem ser domados aos números indicados nos contornos. (Fonte: CAC/NWS).
4.3. TEMPERATURA DA SUPERFÍCIE DO MAR (TSM) Anomalias de grande escala na circulação atmosférica sobre o Atlântico e nas temperaturas da superfície deste oceano modificam significativamente a posição da ZCIT que, em anos de grande precipitação, localiza-se ao sul de sua posição normal. De um modo geral, para anos chuvosos, as anomalias do Atlântico Subtropical Sul são positivas enquanto as do Atlântico Subtropical Norte são negativas, indicando um maior aquecimento anômalo da superfície do mar no Hemisfério Sul. Em anos secos, o “dipolo de temperatura” , com esta configuração é conhecida, se inverte apresentando anomalias de TSM positivas no Hemisfério Norte.
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Figura 4.22: Composição do período março-abril para casos secos e chuvosos da anomalia de TSM em 0,1o C. A área sombreada indica valores positivos. (Fonte: Hastenrath e Heller, 1977).
Correlacionando índices de precipitação no Ceará com as médias mensais de temperatura da superfície do mar no Oceano Atlântico Sul, MARKHAM et alii (1977) consideraram ser possível prever a qualidade da estação chuvosa.
Cap. 4 Aspectos Climáticos do Nordeste Brasileiro
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Moura & Shukla (1981) utilizando um modelo numérico (equações que mostram o comportamento da atmosfera no tempo e no espaço) procuraram explicar os possíveis mecanismos da ocorrência da seca e enchentes sobre o NEB. A presença de anomalias quentes de TSM ao norte do Atlântico Tropical e anomalias frias de TSM ao sul, produz um efeito combinado de subsidência termicamente forçada, reduzida evaporação e divergência de fluxo de umidade sobre o NEB e adjacências que, como conseqüência, causa condições de seca severa sobre a região. Foi sugerido que esses eventos extremos poderiam ser previstos através do monitoramento da TSM, pois suas anomalias persistem por vários meses. Outro estudo que analisou as correlações lineares entre os desvios normalizados de precipitação anual sobre o NEB e anomalias de TSM em áreas compreendidas no Atlântico Norte e Sul foi o de Rao et alli, (1986). As correlações encontradas indicaram que baixa precipitação sazonal sobre o NEB está associada com anomalias positivas de TSM no Atlântico Norte (NA) e anomalias negativas no Atlântico Sul (AS).