Neste estudo de um caso curioso e sin tomático, Francisco de Oliveira trata de ver como a peculariedade duma política regional, a implantação da SUDENE - a tentativa mais estruturada de coordenar o desenvolvimento do Nordeste - se resolve no movimento de reprodução do capital no Brasil. O particular se esgarça assim num feixe de determinações abstratas, as quais se cruzam para gerá-lo. Daí o desen canto daqueles que buscarão neste ensaio a narração duma estória, pois vão encon trar tão-somente uma história armada pelo capital. Mas se a singularidade se esfumaça para frisar o movimento do uni versal, nem por isso o caso SUDENE per de seu relevo: o empreendimento de ho mens, tecidos por intenções, violência e paixão, exemplifica o drama da interven ção do Estado capitalista. O projeto mais imaginoso e refletido se converte numa arma que o capital, sediado no CentroSul, dispara com o fito de absorver, no seu movimento de reposição, uma fímbria econômica e social, que se desdobrava em outro ritmo. Fracassa o empenho das classes populares, encarnadas na figura do Governo Àrrais, mas esse fracasso, que as contém em limites convenientes, é o instrumento pelo qual a velha oligarquia é solapada. Aqui nasce a dimensão trágica deste caso; o projeto de homens é tritura do pelas maxilares do destino.
Série ESTUDOS SOBRE O NORDESTE
Vol. 1 Direção de: Francisco de Oliveira (CEBRAP) Roberto Maia Martins (UFPe) Moacir Palmeira (Museu Nacional)
Ficha catalográfica (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ)
047e 047e
Oliveira, Francisco de. Elegia para para uma uma re(li) gião: S U D E N E , Norde ste. Pla Pla neja men to e con fli to de classes. classes. 3ª ed. R io de Janeir o, Paz e Terra, 1981. 132 p. (Es tud os sobre o No rd es te , v. 1) 1. Brasil - Região Nordeste - Condições econômicas 2. Brasil Brasil - Re gi ão No rd es te - Con di çõe s sociai sociaiss 3. Bra sil. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste 4. Co nf li to social social I Tí tu lo II Série
77-0255
ED ITO RA PAZ E TE RR A Conselho Editorial Antônio Cândido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso
C D D - 309 309.1 .1812 812 330.9812 301.637009812 C D U - 308(812 308(812/814) /814) 338(812/814) 301.162.2(812/814)
FRANC ISCO DE OLI VEI RA
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ELEGIA PARA UMA RE(LI)GIÀO SUDENE, NORDESTE. PLANEJAMENTO E CONFLITOS DE CLASSES
4ª EDIÇÃO
Paz e Terra
Copyright © 1977 by Francisco de Oliveira
Capa: Elifas Andreato Diagramação: Mario Roberto Corrêa
Direitos adquiridos pela E D I T O R A P A Z E T E R R A S/A Rua São José, 90 - 18º andar Centro - Rio de Janeiro, RJ T e L 221-3996 221-39 96 Rua Carijós, 128 Lapa - São Paulo, SP T e L 864-0755
1985
Printed in Bruzil Impresso no Busil
À sua memória, Orieta, querida. Aos trabalhadores, operários e camponeses do Nordeste. A Miguel Arraes de Alencar, Francisco Julião e Mário Magalhães da Silveira.
" Fo ge s, que és somente sombra, perfume, ressonância, imagem." (Elegia nº 2, Mauro Mota, in Elegias) Não é saudade, eu mesmo quero crer. É o homem velho que se vem rever Na paisagem do tempo de menino." (Fragmento de um soneto de Eugênio Coimbra Jr.)
Sumário
Prefácio I - Intr oduç ão 1. Breves considerações e marco teórico 2. Conceito de região econômica e política 3. Conceito da região "Nordeste" no Brasil II - Oli gar qui a agrária e interv enção do Estado Estado no No rd es te 1. As bases econômico-sociais da oligarquia agrária não açucareira do Nordeste 2. A intervenção do Estado: O Departamento Nacional de Obras contra as Secas 3. A manutenção do status quo: o Estado capturado ou o Estado oligárquico III - Burguesia Agroindustrial e Int erve nção do Estado no Nor des te 1. As bases econômico-sociais da burguesia agroindustrial do Nordeste 2. A intervenção do Estado: o Instituto do Açúcar e do Álcool IV - Expansão capitalista no Brasil e des envo lvim ent o regiona l desigual desigual 1. A mudança pós-30: desenvolvimento industrial do Centro-Sul e a re-divisão regional do trabalho à escala nacional 2. O aumento das disparidades regionais como sinal e momento da integração nacional
13 21 22 27 32 . 45 45 50 52
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73
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V - Des en vol vim ent o regional desigual e conflit os de classe classe . .. 1. Breve advertência 2. Sociedade, economia e Estado no Brasil do Centro-Sul 3. Sociedade, economia e Estado no Brasil do Nordeste VI - As condições de criação criação da S U D E N E 1. Breve introdução 2. A transição para o capitalismo monopolista no Centro-Sul 3. Decadência da burguesia industrial nordestina, destruição da pax agrariae e crescimento das forças populares: a ameaça à hegemonia burguesa à escala nacional 4. O Novo Estado no Nordeste: a SUDENE 5. A SUDENE: Planejamento da expansão hegemônica do capitalismo monopolista
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PREFÁCIO
Este trabalho foi escrito sob o signo da paixão: paixão de Orieta, do Nordeste, paixão dos operários, trabalhadores e camponeses do Nordeste. Paixão no mais amplo e estrito sentido. Paixão no sentido de Gramsci: o de colocar-se em uma posição e, mediante essa coloca ção e por causa dela, tentar entender uma tragédia. O processo social que se procura entender não é um objeto de investigação: é uma cau sa, uma paixão. Esse posicionamento causará arrepios e um dar de ombros por parte de muitos: é uma obra engajada, que não é, portan to, residência da ciência. Haveria uma multidão de argumentos teóri cos para replicar, mas prefiro não seguir seguir esse esse ca mi nh o. N ã o inda guei , pois, do surgimento da paixão: apaixonei-me apenas; e entrei na cor rente, deixei o barco correr. Paixão de Orieta, que surgiu, cresceu, amadureceu e deu frutos no Nordeste, e que se transformou em dor e perda fora do Nordeste, quando ela se foi. Paixão do Nordeste. Que veio com a vida, cresceu despreocupadamente pelas ruas da Boa Vista, metamorfoseou-se nos bancos escolares, no trabalho, na experiência política, na SUDENE, e virou reflexão fora do Nordeste. Paixão dos operários, trabalhadores e camponeses do Nordeste: engatinhou no contato com as donas de ca sa, deteve-se no assovio do carroceiro que passava, cheirou os cheiros mistos de suor e açúcar nos embarcadouros dos antigos Cais do Apoio e Santa Rita, começou a mudar nas lutas estudantis, engajou-se nas lu tas políticas, e cresceu em tragédia quando soube que não era apenas a saudade da infância, a música do carroceiro, o cheiro forte dos estiva dores, mas o vago idealismo estudantil, a superfície dos embates elei torais. Quando soube que era tudo isso e muito mais: a miséria, a opressão, o aviltamento, séculos de latifúndio, milhões de mortes e vi13
das das severinas. Qu an do soube que era impotê imp otênci ncia a para mudar o ru mo das coisas: SUDENE; planejamento que amadureceu no exílio, fora do Nordeste, mas que não chora; cresce e se revitaliza em esperança, quando entende que todo o Brasil é um imenso Nordeste; e recusando a impostura, não se fantasia: sabe que seu próprio campo é específico e limitado; não substitui os atores reais, mas soma-se a eles, na imensa e generosa aventura da construção do futuro, do socialismo. Futuro que se está inscrito na história é inscrição feita pelos ho mens, a cada passo, a cada momento, com paixão. Um futuro não teleológico, mas apaixonadamente histórico, forjado, conquistado. Pertencente aos quadros da S U D E N E desde sua fundação até o ano de 1964, estive em posição privilegiada vendo, participando, dissentindo, perd endo dentro do processo. Este trab alho, ainda ainda que apr o veite de minha própria experiência, não é um relato dela. Não tenho nenhum sentimento de culpa por ter participado daquele processo. Não constitui o trabalho, pois, um substitutivo do divã: não se trata de uma crônica de caracteres, do caráter dos homens. Prima facie, a expe riênci riência a da S U D E N E parece parece excessivamente marcada pela pela força ou fra queza de alguns dos seus personagens principais: o vigor intelectual de um Celso Furtado, o vigor político de um Cid Sampaio, o messianis mo de um Francisco Julião, o maneirismo pessedista de um Miguel Arraes, a falta de caráter de um João Goulart, o desvario brasílico de um Juscelino Kubitschek. É preciso, porém, entender tais personagens como personas no sentido sentid o de Marx: Mar x: representam represen tam forças sociais; seus seus no mes privados são nomes próprios das classes e grupos sociais que re presentavam, e dos processos contraditórios a que o embate e o con fronto dessas classes davam lugar. Este trabalho tenta entender esses processos. Assim, é atuando sob tais circunstâncias, emolduradas pelo embate entre as forças do velho e do novo Nordeste, do velho e do novo Brasil, que o caráter desses homens adquire relevo, ganha subs tância, e não se transformam eles numa crônica de caracteres, mas re cuperam-se como se fossem máscaras da antiga tragédia grega: seus no mes são o latifúndio, o campesinato, o proletariado urbano, a burgue sia regional impotente e perdulária, a nova burguesia internacional as sociada; o velho e o novo Estado brasileiro e seus processos de dissolução, redefinição, passagem ao primeiro plano da cena política, aniquilamento; e, por fim, no que é apenas uma tendência, a de soma algébrica de todas as contradições para constituir isso que é hoje o capitalismo monopolista no Brasil, o Estado ditatorial que não é apenas o braço armado da burguesia mas que é, ele mesmo, um novo agente explora dor, a vasta classe trabalhadora nacional que engloba agora também o proletariado rural, um país sem fronteiras regionais, a não ser as da memória. O trabalho que se pretende não é um processo de homens contra homens. Quando estes se expressam no discurso e na ação, ao buscar mos as citações para precisar aquele discurso e aquela ação, não o fa14
zemos para encontrar os "desvios", as "traições", os equívocos. A his tória não é um pátio ferroviário, nem uma conspiração, nem um espe lho fixo. O trabalho pretende ser um processo do social, enquanto síntese de todas as determinações; é por isso mesmo contraditório, alinhando forças diferentes aqui para realinhá-las diferentemente acolá. Não re presenta, porém, um encontro de acasos: se nada estava escrito "desde siempre y para siempre", é entre os limites do "desde siempre" - o lati fúndio, os barões do açúcar - e do hoje - o capitalismo monopolista e suas formas nacionais e internacionais - que se abre o espaço do futu ro, onde precisamente os homens exercitam sua escolha, dentro das circunstâncias que lhe são legadas. Tragédia grega e não drama intimista: heróis pugnam ferozmente, sem arrumações nem conchavos. Ao sucumbirem uns e vitoriarem-se outros, mudam os heróis, o con texto e a tragédia: não é Prometeu acorrentado porque desafiou Zeus, mas Zeus conjurando todas as divindades, porque aquele que foi sub ju j u g a d o cres cr esce ce na subj su bjug ugaç ação ão.. É a r e fo r m a agrá ag rári ria a co nt id a pela pe la li quid qu id a ção das Ligas Camponesas, agora transformando-se em oposição en tre o capital e o trabalho, este crescendo na mesma medida em que aquela foi contida; são os sindicatos de trabalhadores, destruídos para dar lugar à mais impiedosa acumulação de capital, mas todo o país transformando-se numa imensa força operária, na mesma medida em que cresce a acumulação de capital. É o velho Nordeste dos "coro néis" e da burguesia açucareira, convocando as forças da burguesia internacional-associada e do imperialismo para liquidar as classes popu lares que lhes roubavam a hegemonia política, mas desaparecendo agora, como classes sociais com poder econômico e político, submer gidas pela força avassaladora do grande capital monopolista. Não se encontrará neste trabalho uma teoria do planejamento, e não por desambição; ao contrário, a pretensão é sempre maior que a capacidade, assim como ao se tentar dar um passo mais largo que o permissível pelo arco da perna. A impossibilidade de uma teoria do planejamento reside essencialmente em que este - o planejamento - é uma forma: aqui, parece encontrar-se uma contradição radical, pois precisamente os esforços de teorização fazem-se, na maior parte dos casos, sobre as formas que os processos sociais assumem; e a contradi ção é real, pois as teorizações sobre o planejamento trabalham uma forma sem tentar realizar ou entender sua concreção: advém disto que quase tudo que se escreveu sobre planejamento termina por desembo car em " m o d e l o s " , que se pretendem de generaliza generalizada da aplicabilidade. A postura teórica e metodológica deste trabalho recusa os "modelos", por entender - no que suscitará divergências - que essa forma de con flito social, que é o planejamento, não constitui apenas uma capa nova que recobre um corpo antigo, ou uma retórica. Essa mudança essen cial de forma do conflito que é o planejamento revela uma das facetas mais características do capitalismo monopolista, a sua dilacerante ten dência anárquica de grandes grandes pr op orç ões , suas suas novas novas formas de relação com o operariado, o campesinato e, por que não adiantar desde logo, 15
sua oposição com a Nação. É uma forma típica da "rationale" do ca pitalismo monopolista, e ao mesmo tempo do Estado anti-Nação, que tenta reconstruir pelo planejamento a "comunidade ilusória", pela qual diz representar a Nação. Há entretanto um longo caminho teóri co e metodológico a percorrer, até que se possa construir uma teoria do planejamento, que requer como passo essencial uma nova teorização sobre o caráter do Estado. Essa teoria há de ser especificamente determinada: já passou o tempo em que se confundia planejamento em qualquer latitude, em qualquer sistema social, como se planejamento - ainda que no estrito sentido técnico do termo - fosse a mesma coisa em economias capita listas e socialistas: o planejamento não é a mesma coisa em qualquer espaço social do capitalismo monopolista. Planejamento é, sem sombra de dúvida, uma forma técnica da divisão do trabalho; mas não é apenas isto, nem principalmente isto. Enquanto forma técnica da di visão do trabalho, num sistema capitalista, é uma forma técnica da di visão do trabalho improdutivo que comanda o trabalho produtivo; já num sistema socialista, é ele uma forma indissociável do novo caráter da propriedade dos meios de produção. Enquanto forma técnica no sis tema capitalista contínua e explícita, até onde as condições sociais o permitem, a manutenção e até até a radicalização - o caso caso da da S U D E N E é eloqüente a respeito - da expropriação e separação entre trabalhado res e meios de produção. No sistema socialista, porém, encarna uma relação dialética entre gestão e propriedade coletiva dos meios de pro dução; por isso mesmo, até os próprios agentes sociais mais ligados a essa forma técnica da divisão social do trabalho - os planejadores não podem ser indistintamente nomeados como burocratas ou tecno- cratas num e noutro sistema; tal procedimento, encontrado até mesmo em textos insuspeitos, confunde mais do que esclarece: concede aos conceitos de burocracia, e ao mais moderno de tecnocracia, uma extraterritorialidade social que é rigorosamente incorreta. Denominar burocrata, por exemplo, o procedimento de um técni co num sistema capitalista, que no aparelho do Estado fixa preços, e igualmente denominar burocrata o procedimento de um técnico num sistema socialista, que não apenas ao nível do aparelho de Estado mas no conjunto das forças produtivas também fixa preços, é chamar pelo mesmo nome duas relações sociais radicalmente distintas: no primeiro caso o chão social da fixação dos preços pelo lápis ou computador do burocrata, é, em primeiro lugar, a separação entre produtores e meios de produção, em segundo, o processo de extração da mais-valia, a margem que ela oferece à elevação ou rebaixamento dos preços, e nes ta medida é alterar a sua distribuição entre as várias formas do capital; no segundo caso, o chão social do planejador de uma economia socia lista é, em primeiro lugar, a unidade entre produtores e meios de pro dução e, em segundo, a unidade de trabalho socialmente necessário despendida no processo de produção, e a sua necessidade de preserva16
ção que não pode ser dilapidada. As margens de manobra são, neste caso, muito mais estreitas que num sistema capitalista. Isto é denomi nado freqüentemente de rigidez burocrática, o que revelaria a incapaci dade de uma economia socialista ser flexível. Essa confusão, quando não há má-fé, revela total incapacidade para conhecer a especificidade da relação social que funda um e outro sistema.
Elegia para uma Re(li)gião é, sim, um canto de amor: principal mente, do novo amor. Canta o amor que se foi, pela ausência da pes soa amada. Canta o amor pelos milhões de nordestinos que perece ram, vítim as de um sistem sistema a de opressão e opr ób ri o, e jo ga ra m suas suas vi das não na inutilidade de desafiar Zeus, mas na audácia do desafio; ao agir assim, legaram ao futuro aquelas circunstâncias de que falava Marx no O 18 Brumário; nada, nenhum desdobramento do Nordeste futuro futuro e do Brasil Brasil,, pod erá passar passar po r cima dess dessee leg ado . N ã o se pode , contudo, fazer aqui mistificação: nenhuma ciência social poderá recu perar suas vidas; apenas o futuro da libertação, reconstruindo e dando sentido à História, instaurando a nova História, poderá recuperar o seu sentido. Esta Elegia não canta o amor do Nordeste passado, que foi o domínio dos latifundiários e dos "barões" do açúcar, Nordeste esse que se projeta agora num folclore que é, sob muitos aspectos, a glorificação de um passado de servidão. Esta Elegia canta o amor do futuro. Não esquece porém que, ao cantar, esse futuro realiza-se pelo aprofundamento da exploração, nesse futuro imediato. Um dos meus críticos, o professor professor Al be rt Hirschm an, aconselhou-me aconselhou-me a adotar a mesma posição com que Marx saudou a implantação da ferrovia na Índia: no Nordeste, o grande capital internacional-associado estaria, a seu ver, desempenhando o mesmo papel daquelas ferrovias, destruin do para sempre a servidão, a ignorância e as relações sociais que as fundavam. Respondi a Marx com o próprio Marx: "Tudo o que a bur guesia inglesa pode ser forçada a fazer não irá emancipar nem melho rar materialmente as condições sociais da massa do povo, o que de pende não apenas do desenvolvimento das forças produtivas, mas da sua apropriação pelo povo. O que ela não deixará de fazer, entretanto, é criar as premissas materiais para ambos. Alguma vez fez a burguesia mais do que iss o?" (M ar x, " T h e Future Results Results of the British of the British Rule in Índia", in Marx and Engels, On Colonialism). Conside rar, ainda mais, que o grande capital internacional-associado possa desempenhar algum papel civilizatório no Nordeste, na segunda meta de do Século X X , não é apenas uma ilusão ou uma uma esc apat ória : tratase de uma colocação rigorosamente infeliz, pois se no Século XIX, o novo, o socialismo, mesmo nas mãos de Marx não passava de uma pré-visão, na década de 70 do Século XX o socialismo é mais que uma previsão: é uma possibilidade concreta. E meu canto não pode reconhecer nenhum papel civilizatório para o grande capital no Nordeste; ali, como em todas as outras partes do Brasil, é ele a opressão, o obscurantismo, a negação do futuro. Esta 17
Elegia é, pois, o canto de amor da região do futuro e esta região é si multaneamente todo o Brasil e a nova forma de sociedade, isto é, a Nação socialista. Muitos dos antigos companheiros das jornadas iniciais da SUDE NE permanecem no Nordeste, e seguem trabalhando na agência de planejamento regional. Este ensaio pode parecer-lhes algo que, che gando mais de quinze anos depois, esteja a dizer-lhes que tudo foi inú til, que a S U D E N E foi uma uma farsa. farsa. Me no s pela minha minha direta participa ção naquelas jornadas - pois não me considero, hoje, como tendo sido farsante então - e mais pela minha posição teórica, devo explicar-lhes q u e a S U D E N E não foi uma farsa: precisamente porque foi um emba te de raras proporções na história nacional, travado pelo tipo de forças sociais que o travaram, a SUDENE foi um empreendimento de uma audácia inédita na história nacional. Ela anunciava um dos dois novos: se os vencedores tivessem sido as forças populares, o Nordeste e o Bra sil de hoje seriam muito diferentes; tendo sido vencedoras as forças do capitalismo monopolista, chamadas a socorrer combalidos latifundiá rios e barões do açúcar, essa vitória também mudou o curso da histó ria. A SUDENE, na sua ambigüidade, anunciava as duas possibilida des. Não cabe aos que nela continuam trabalhando qualquer senti mento de culpa, de traição. A velha lição volta a dizer, entretanto, que a história quando se repete é farsa e não tragédia. Neste sentido, não pode pensar que a SUDENE de hoje é a de ontem e a de sempre. A de hoje encarna apenas a vontade social do capitalismo monopolista e do Estado no Brasil; não encarna mais as aspirações populares. Há aqui, por isso, uma elegia que deveria ser um requiem para essa religião do planejamento neutro. Algum trecho do ensaio pode parecer ofensivo aos companheiros que permanecem funcionários da agência de plane ja j a m e n t o ; sei q u e , no fund fu ndo o das co is as , a S U D E N E para pa ra a qual qu al deseja des eja riam trabalhar é a de ontem, e não a de hoje. Perdoem-me, assim de antemão: é a força do amor que dá o tom ao ensaio. Pensei mesmo, em algum momento, em dedicar-lhes este trabalho: creio porém que, em compasso com a maioria dos que labutaram e continuam labutando na SUDENE, sabemos que este trabalho somente poderia ser dedicaUo. aos operários, trabalhadores e camponeses do Nordeste. Encontrei no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento . C E B R A P -, instituição instituição à qual pertenç o desde 197 1970, o clima pr op íc io à metamorfose de minha reflexão sobre o Nordeste; aqui, entre os com panheiros dessa aventura intelectual, foi possível recuperar a dimen s ã o da criação da S U D E N E , a salvo tanto da crônica crônica de um partici partici pante, quanto de um infantilismo saudosista. Aqui, encontrei o am biente propício ao trabalho de "preservar o encanto" da experiência, sem voltar a "cair na puerilidade". Os agradecimentos, ainda que lon gos demais, serão feitos: a Fernando Henrique Cardoso, pelo estímulo intelectual que chegou até a assumir a co-autoria do trabalho, para fins externos, sem perguntar pelo seu conteúdo, o que revela um senti mento e uma confiança que extrapola as fronteiras simplesmente inte18
lectuais; a José Arthur Gianotti, sempre disposto a tolerar os equívo cos metodológicos, quando percebe que algo brilha em meio ao lixo; a Octávio Ianni, valorizador de qualquer esforço intelectual que esteja disposto a assumir um lado da História; a Vinícius Caldeira Brant, pela fértil discussão e ferrenha disposição em não deixar passar "gatos por lebre"; a Paul Singer, pela sempre afável e generosa disposição em discutir e ajudar mesmo aqueles que, como eu, contrastam pelo es tilo e pouco verniz com seu cavalheirismo; a Geraldo Muller, "ché" sempre inclinado a encontrar em meus trabalhos as virtudes que so mente sua amizade é capaz de exagerar; a Carlos Estevam Martins, testemunha da história, que não permite o uso dos desvãos da memó ria; a todos os demais companheiros do CEBRAP, que transformam nossas discussões no "Mesão" numa extraordinária oportunidade de crítica intelectual vigorosa e sem ademanes acadêmicos. Devo fazer também uma referência ao professor Albert Hirschman que, em se minário realizado em Bogotá em julho de 1976, valorizou a perspectiva por mim adotada, cobrando-me a mesma posição que Marx assumiu quanto à implantação das ferrovias inglesas na índia; peço-lhe descul pas por não se ser Marx.. . a Ma ri a do Ca rm o Bayma de Ca rv al ho , tra balhadora infatigável, sempre disposta a fazer a revisão dos nossos textos, com seu jeito peculiar de sugerir mudanças que "deveriam estar na nossa intenção quando escrevemos", o que nem sempre é verdade. E aos demais companheiros, trabalhadores anônimos do CEBRAP, cujo convívio nos devolve ao chão humano onde se forja a esperança. Sou o responsável direto pelo que aqui está escrito, o que é evidente; ao contrário do convencional, porém, estou certo de que aquilo que es crevi deve muito aos meus companheiros do CEBRAP. Este trabalho, agora em forma de livro, é dedicado em primeiro lugar à memória de Orieta, minha companheira. Uma mulher simples, que deu a nossos filhos e a mim uma extraordinária dimensão para a aventura de nossas vidas. Saída do mesmo grupo social ao qual per tenço, filha do Nordeste, amor do Nordeste, aceitou sem passividade e com coragem os percalços de uma vida sem paradeiro, quase cigana nesses últimos doze anos. Persiste em mim, querida, a mágoa irrepará vel agora e para sempre de tê-la perdido. Este livro é dedicado, em segundo lugar, aos trabalhadores, operários e camponeses do Nordeste: os Joãos, os Josés, os Severinos, os Bastiões, as Marias, todas as Marias que entendem a inversão da dedicatória e que, em um momento é pico, chamaram-se politicamente Miguel Arraes de Alencar e Francis-_ co Julião. Junto a estes o nome do meu mestre Mário Magalhães da Silveira, que sem impostura lançou-se à aventura do Nordeste, ele também nordestino e nordesterrado, e a quem devo, do pouco que sei, o método de "desvendar as aparências". Nomes do passado? Não; no mes do futuro. S. Paulo, janeiro de 1977, no primeiro aniversário da morte de Orieta.
Francisco de Oliveira 19
I - INTRODUÇÃO
" U m ho mem não po d e vol tar a ser ser criança sem cair na puerilidade. Mas não acha prazer na inocência da criança e, tendo alcançado um nível superior, não deve aspirar ele próprio a reproduzir sua verdade? Em todas as épocas, o seu próprio caráter não revive na verdade natural da natu reza infantil? Por que então a infância histórica da humani dade, precisamente naquilo em que atingiu seu mais belo florescimento, por que esta etapa para sempre perdida não há de exercer um eterno encanto? Há crianças mal educa das e crianças precoces. Muitos dos povos da Antigüidade pertencem a esta categoria. Crianças normais foram os gre gos. O encanto que a sua arte exerce sobre nós não está em contradição com o caráter primitivo da sociedade em que ela se desenvolveu. Pelo contrário, está indissoluvelmente ligado ao fato de que as condições sociais insuficientemente maduras em que esta arte nasceu, e somente sob as quais poderia nascer, nascer, não pode rão retornar retornar j am ai s ." - Kar l Marx, Introdução à Crítica da Economia Política. "José Arcadío Buendía, que era el hombre más emprentje-: dor que se veria jamás en la aldea, había dispuesto de tal modo la posición de Ias casas, que desde todas podia llegarse al rio y abastecerse de agua com igual esfuerzo, y trazó Ias calles con tan buen sentido que ninguna casa recibía más sol que otra a la hora dei calor. En poços anos, Macon do fue fue una aldea más orden ada y labor ios a que cualquiera de las conocidas hasta entonces por sus 300 habitan tes. Era en verdad una aldea feliz, donde nadie era mayor 21
de treinta anos y donde nadie habia muerto." pp. 15 y 16. "Sin embargo, antes de llegar al verso final ya habia comprendido que no saldría jamás de ese cuarto, pues estaba previsto que la ciudad de los espejos (o los espejismos) seria arrasada por el viento y desterrada de la memória de los hombres en el instante en que Aureliano Babilônia acabara de descifrar los pergaminos y que todo lo escrito en ellos era irrepetible desde siempre y para siempre, porque Ias es tirpes condenadas a cien anos de soledad no tenian una se gunda oportunidad sobre la tierra." p. 351. Gabriel Garcia Marquéz, Cien Anos de Soledad.
1. Breves considerações metodológicas e marco teórico As citações que iniciam esta introdução não são feitas como um exercício pedante, "snob", que quase nunca tem a ver com o trabalho e. a pesquisa a que se propõe. Muito ao contrário, as citações, de um clássico da Economia Política e de um moderno clássico novelista lati no-americano, demarcam bem o objeto de trabalho da pesquisa, que se propõe a examinar as relações do Estado brasileiro com a sociedade brasileira e nordestina, através da janela propiciada pelo estudo da emergência do planejamento regional, particularmente pelo exame das causas próximas e remotas da criação da Superintendência do Desen volvimento do Nordeste, mais conhecida pela sigla SUDENE. É inegável o fascínio fascínio que a experiência da S U D E N E exerceu e continua a exercer no Brasil, e mais remotamente na América Latina. Esta experiência pareceu a cientistas sociais, técnicos e políticos, um caminho extremamente inovador, em todos os sentidos. A experiência da SUDENE teve e tem, como é moda dizer-se, "leituras" diversas, para as categorias citadas, divergentes e até antagônicas; este é apenas um, dentre outros aspectos, que denota a riqueza da experiência. En tretanto, quase nenhuma literatura tentou aprofundar a questão da criação da SUDENE no contexto econômico, político e social do Brasil de fins da década dos cinqüenta e começo dos sessenta; felizmente, começam a ser mais numerosas essas tentativas, abordando o tema de ângulos tais como a crise política regional e nacional, a interferência dos Estados Unidos e os possíveis erros e acertos do diagnóstico sobre o Nordeste e conseqüente avaliação do desempenho da SUDENE ( ) . 1
Este trabalho inscreve-se nessa recente linha de preocupações, abandonando a literatura apologética que se produziu abundantemente no Brasil na última década, a partir da própria SUDENE, do Banco do Nordeste do Brasil e de outras instituições oficiais; apologia escrita que entra em flagrante contradição com o estado de espírito da maio ria daqueles que labutam nos organismos de planejamento, e especifi camente no organismo de planejamento criado para o Nordeste, cuja 22
frustração é um segredo de Polichinelo. As citações iniciais demarcam o terreno desta pesquisa e anunciam seus objedvos: pretende-se ofere cer uma versão e uma interpretação da história econômica, social e política do Norde ste e do Brasi Brasill dos dias da criação da S U D E N E com o indispensável retrospecto e a também indispensável prospecção, esta muito mais no terreno das hipóteses - que nos salve de "cair na puerilidade" de um lado e evite as interpretações eminentemente técnicas e instrumentais do tipo de "trazar las calles con tan buen sen tido..." Isto é, pretende-se tratar a questão de forma a preservar seu "encanto" histórico e advertir que a tentativa de reeditar esse "encan to", sob outras condições e noutro momento histórico, corre o risco de "cair na puerilidade". Quando for possível "decifrar los pergaminos" da S U D E N E e de sua experiência experiência - e este este trabalho pretende oferecer uma contribuição neste sentido - ficará claro que "todo lo escrito en ellos era irrepetible desde siempre y para siempre..." Este trabalho centra suas possibilidades de compreensão e desvendamento da emergência de um padrão "planejado", por oposição ao espontâneo, de condução e orientação das atividades econômicas, no método dialético. O padrão "planejado" não é, desse ponto de vis ta, senão uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito, envolvendo as diver sas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e políticos. O pla nejamento não é encarado, p ort ant o, apenas co mo uma técni técnica ca de alo cação de recursos, em qualquer nível, nem como uma panacéia; esca pa, pois, a este trabalho a discussão muitas vezes bizantina sobre a "n eut ral id ade " do planejamento planejamento e seu seu opost o, sobre sobre seu seu cará caráter ter "r ev o lucionário". As revoluções sociais, quaisquer que sejam, constituem uma classe de acontecimento e de ruptura que não pode ser compreen dida nos estreitos limites de uma teorização sobre o planejamento. Este trabalho pretende, no entanto, abordar a emergência do referido padrão "planejado" em toda a sua complexidade: não se isolará os fa tores e agentes econômicos daqueles políticos e sociais; a riqueza de processo não pode ser sequer conhecida se os diversos fatores e agen tes forem considerados como variáveis que se vão agregando para resultarem num certo vetor ou vetores de atuação. Resumindo, poderse-ia dizer que a ambição deste trabalho é a de vir a ser uma "econo mia política" do planejamento regional para o Nordeste do Brasil. Convém, entretanto, adiantar ainda algumas questões relativas ao planejamento, recusada já inicialmenfe a discussão bizantina sobre seu caráter "neutro" ou "revolucionário". Marco de um sistema capi talista de produção, a possibilidade do planejamento é dada pelo caráter mesmo das relações de produção e portanto sociais que fundam esse sistema: o cálculo econômico, antes mesmo de ser reconhecido pela teoria econômica, é o fundamento das decisões dos agentes econômicos do capitalismo, a burguesia, no caso. Tal possibilidade de cál23
culo econômico é dada em primeiro lugar pelo conteúdo de valor das mercadorias, pela reiteração das trocas e do movimento de circularidade do capital, e afinal pelo estabelecimento de um equivalente geral. Marx, nos capítulos iniciais de O Capital, explicita esse movimento que parte da mercadoria até o estabelecimento do equivalente geral ( ) . O que o método da teoria econômica fez foi incorporar correta mente esse movimento, a partir da contribuição dos clássicos, desde Quesnay. Assinale-se, de passagem, a insistência nessa circularidade do movimento real, que é encontrada no "Tableau Économique", pas sando pelos esquemas da reprodução simples e ampliada de Marx, até as matrizes de insumo-produto de Leontref. Essa correta assimilação do movimento real ao método é a responsável pelo fato de que a Eco nomia Política tenha sido a primeira das ciências sociais a quantificar os fenômenos, possibilitando o enorme avanço instrumental e analíti co que experimentou ( ) . 2
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O que o planejamento não pode realizar é a superação da contra dição básica do sistema de produção capitalista, que se instala no co ração da própria mercadoria: a antítese dialética entre valor e maisvalia, entre trabalho morto e trabalho vivo, trabalho pago e trabalho não-pago; mas desde que o planejamento no sistema capitalista limitese a recolocar no início do ciclo produtivo os elementos finais que es tão no produto, isto é, limite-se a repor os pressupostos da produção capitalista, sua possibilidade torna-se perfeitamente plausível: em síntese, o planejamento num sistema capitalista não é mais que a for ma de racionalização da reprodução ampliada do capital. Pode ope rar, exatamente neste sentido, na mudança da forma da mais-valia que deve ser reposta para a continuidade do ciclo; para dar um exemplo, que cabe como uma luva no caso do planejamento regional para o Nordeste do Brasil, desde que o Estado foi capaz de transformar uma parte da mais-valia, os impostos, e fazê-los retornar sob o controle da burguesia como capital ( ), tornou-se capaz de operar uma mudança de forma do excedente que retornou ao processo produtivo. Isto, e so- mente isto, é o que o planejamento pode fazer num sistema capitalista. Mesmo assim, convém advertir, a própria composição do produto so cial impõe severas limitações ao planejamento, não apenas pelo lado da produção com o pelo lado da ap ro pr ia çi o: se as propo rções de alte ração da forma da mais-valia que deve ser reposta no início do ciclo produtivo não corresponderem à base real dada pelo nível de desen volvimento das forças produtivas, o capital se esterilizará: se não hou ver força-de-trabalho para ser comprada, se não houver capital sob a forma de trabalho-morto cristalizado em máquinas, instrumentos e processos para serem postos em produção, os limites de transforma ção da forma da mais-valia logo aparecerão. São eles os limites do ca pital enquanto relação social; no caso sob exame, do planejamento re gional para o Nordeste do Brasil, esses limites eram bastante elásticos, sobretudo quando se considera que a região Centro-Sul podia fornecer, 4
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como forneceu, os elementos do capital, enquanto o próprio Nordeste podia fornecer, como forneceu, os elementos da força-de-trabalho. Esse aspecto será, entretanto, mais detidamente examinado no lugar apropriado desta investigação. O m arc o teór ico desta desta inve sti gaç ão recus recusa, a, pelas consid eraç ões já expostas, a compreensão da emergência do planejamento regional no Nordeste do Brasil sob o enfoque dos "desequilíbrios regionais", para examiná-los sob a ótica da divisão regional do trabalho no Brasil, vale dizer sob a ótica do processo de acumulação de capital e de homoge neização do espaço econômico do sistema capitalista no Brasil. O en foque tradicional, inclusive aceito pelos diagnósticos que fundamenta ram a criação da SUDENE ( ) e que continuam a informar as políti cas de desenvolvimento regional no Brasil e alhures, é não-somente um enfoque que parte de uma base estática, tomando como dados uma um a certa situação da divisão regional do trabalho para então desdobrar-se na medição de "desvios", como é sobretudo uma abordagem que se centra sobre os resultados dos desenvolvimentos diferenciais interregionais, e não sobre o processo de constituição desses diferenciais. A sua base teórica, ainda quando permeada pela tradição estruturalista do pensamento econômico latino-americano, é de inegável extração neo-clássica: constitui a ótica da alocação ótima de fatores, dos dese quilíbrios na função de produção regional, de que os diagnósticos do desemprego e da inadequação da economia da zona semi-árida do Nordeste são os exemplos mais conspícuos. Ironicamente, a prática da política de desenvolvimento regional do Nordeste do Brasil, que cen trou suas potencialidades na expansão para o Nordeste das empresas oligopolistas do Centro-Sul ( ), é radicalmente diferente da abordagem dos "desequilíbrios regionais", embora a retórica continue a mesma: outro não é o caráter do sistema de incentivos fiscais conhecido como 34/18. Ê surpreendente, pois, que a retórica dos planos, programas e políticas de desenvolvimento regional siga seu curso, completamente divorciada da prática real da pplítica implementada. Poder-se-ia dizer com Paul Baran, Baran, em conferência pronunciada pronunciada na própria S U D E N E em 1963 e que lame ntave lmen te se perd eu, que " n ã o é o pla nej ame nto que planeja o capitalismo, mas é o capitalismo que planeja o planeja mento"... 5
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Uma abordagem centrada no exame da divisão regional do traba lho e nas suas mutações, sob o controle hegemônico da produção capi talista no Brasil, pode ao contrário propiciar o entendimento da natu reza do conflito que levou à criação da SUDENE, pelo exame do desenvolvimento desigual inter-regional, da desigualdade de caráter e de ritmos dos conflitos sociais nas diversas regiões que polarizavam e ex pressavam as contradições da expansão capitalista no Brasil, pelo exa me dos diferenciais da acumulação global em todo o país, e finalmente pela investigação do que é uma região num num contexto nacional hegem o25
nicamente controlado pelos setores mais avançados da produção capi talista. Ela indica, no final, uma redefinição do próprio conceito de re gião num sistema de base produtiva capitalista e talvez até uma com pleta desaparição dessas "regiões". Afinal de contas, qual é a diferen ça essencial, num país capitalista plenamente desenvolvido como os Estados Unidos da América do Norte, entre a Califórnia e New York, entre Michigan e a Nova Inglaterra? À parte certas diferenças que cha maremos aqui de "culturais" - e que a própria evolução capitalista, sob a forma das comunicações, da televisão, da indústria "cultural" em suma, se encarrega de dissolver - na essência do movimento de re produção do capital, na estruturação das classes sociais, não há mais "regiões" no país norte-americano; há zonas de localização diferencia da de atividades econômicas. O exame de um caso como o da SUDENE, pode fornecer no limi te, importantes elementos para uma teoria do planejamento regional em países como o Brasil, cuja estrutura de produção é reproduzida sob as leis imanentes do movimento do capital, hierarquicamente subordi nada ao capital internacional. Uma tal teorização, que escapa aos ob je j e t i v o s dest de stee t r a b a l h o , d e ve cent ce ntra rarr-se se m u i t o mais ma is no e x a m e das Ten dências de homogeneização monopolística do espaço econômico, no exame do caráter diferenciado que pode persistir na reprodução do sis tema global, no exame das contradições que esse caráter diferenciado pode colocar; neste sentido, as regiões seriam definidas pelo caráter di verso das leis de sua própria reprodução e pelo caráter de suas relações com as demais( ) . 7
Finalmente, a metodologia deste trabalho recusa qualquer teleologia, qualquer "finalismo" na análise da emergência do processo de planejamento regional. Mais que declarações metodológicas de princí pio, o desdobramento da investigação tratará de ater-se ao desenrolar dos fatos, ao ritmo e momento de atuação/interação de cada agente econômico e político. Apesar das intenções, não era absolutamente certo que a SUDENE, por exemplo, chegasse a ser a forma da transferên cia da hegemonia da burguesia do Centro-Sul para o Nordeste; esse re sultado somente se deu - adiantando-nos um pouco na matéria - ten do em vista o caráter desigual da luta de classes e do conflito social no Nordeste em relação ao que se passava no Centro-Sul. A própria SU DENE, em suas formulações iniciais, pensava muito mais num fortale cimento e expansão da burguesia regional que se somaria às demais frações burguesas nacional e internacional no processo da expansão capitalista em todo o país. Por outro lado, o projeto inicial da SUDENE, apesar de sua flamante retórica, provavelmente esgotar-se-ia num esforço de coordenação - de duvidosa eficácia, segundo a experiência dessa categoria de planejamento - se não lhe tivesse atribuído a tare fa de ser a "correia transportadora" da hegemonia burguesa do CentroSul para o Nordeste, pela via dos incentivos fiscais do sistema 34/18. Nenhum desses resultados estava previsto; uma vez mais, alerte-se 26
aqui para que não se confunda a leitura do trabalho, que necessaria mente tenta ordenar o andamento do processo do conflito social, com uma tentativa funcionalista de arranjos factuais que componham um determinado esquema. A opção metodológica desta investigação não se reduz à montagem de um jogo de quebra-cabeças, em que há um de senho que, antecipando-se predetermina o lugar de cada uma das pe ças.
2. Conceito de região econômica e política Não se desconhece as dificuldades para precisar o conceito de re gião; a região pode ser pensada praticamente sob qualquer ângulo das diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais, antropológi cas, geográficas, históricas. A mais enraizada das tradições conceituais de região é, sem nenhuma dúvida, a geográfica no sentido amplo, que surge de uma síntese inclusive da formação sócio-econômica-histórica baseada num certo espaço característico. Esta investigação não recusa, inicialmente, quaisquer das perspectivas assinaladas, mas conforme o esboço teórico e metodológico apontou, privilegia-se aqui um conceito de região que se fundamente na especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classes peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas da luta de classes e do conflito social em escala mais geral( ). Desse ponto de vista, podem e existem "re giões" em determinado espaço nacional, tanto mais determinadas quanto sejam difererfeiados os processos assinalados, e, no limite, con forme já se sugeriu anteriormente, num sistema econômico de base ca pitalista, existe uma tendência para a completa homogeneização da re produção do capital e de suas formas, sob a égide do processo de con centração e centralização do capital, que acabaria por fazer desaparecer as "regiões", no sentido proposto por esta investigação. Tal ten dência quase nunca chega a materializar-se de forma completa e aca bada, pelo próprio fato de que o processo de reprodução do capital é por definição desigual e combinado, mas em alguns espaços eco nômicos do mundo capitalista, de que talvez a economia norte-a mericana seja o exemplo mais completo, é inegável o grau de homogeneização propiciado pela concentração e centralização do capital, de forma a quase borrar por inteiro as diferenças entre os vários segmen tos do território nacional norte-americano. É óbvio que essa exacerba ção da homogeneização ocorreu no caso norte-americano precisamen te por ser o país líder da economia capitalista mundial: a face interna do imperialismo é essa incoercível tendência à homogeneização do espaço econômico, enquanto sua face externa na maioria das vezes não apenas aproveita das diferenças regionais reais, como as cria para seu próprio proveito. 8
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Tr T r a t a n d o - s e de espa es paço çoss e c o n ô m i c o s qu e nasc na scer eram am ou f o r a m inin sertados na divisão internacional do trabalho do capitalismo mercantil como reservas e produtores de acumulação primitiva e que, posterior mente, continuaram subjugados à divisão internacional do trabalho do capitalismo imperialista, a existência de "regiões", no sentido aqui considerado, é de uma evidência histórica irrefutável. Tais regiões as sim se constituíram ligadas ao comércio internacional de mercadorias, sendo essa sua lei de reprodução ao nível mais geral, mas, ao mesmo tempo et pour cause, mantendo ou criando formas de reprodução do valor bastante diferenciadas; o caso mais extremado é o das "regiões" - "enclaves", cujo grau de articulação entre si era ou foi débil, que per mitiu às potências imperialistas a criação da multidão de pequenos países hoje independentes. Assim, pois, parece ser que a proposição de "região" que aqui se faz lhes é especialmente adequada, por dar conta do modo próprio específico de sua reprodução no concerto da divisão internacional do trabalho. Essa dupla face do imperialismo, e principalmente de suas rela ções com as "regiões", não tem o significado que a teorização sobre o Te T e r c e i r o M u n d o c on fe re às rela re laçõ ções es c en tr o- p er if er ia . É ce r t o que qu e na etapa do capitalismo mercantil a criação das colônias deu lugar ao posterior surgimento das nações; mas a diferença significativa entre as formas de expansão internacional do capital no período colonial e no período imperialista é, precisamente, o fato de que no período impe rialista, sob as determinações da própria reprodução do capital, essas classes dominantes locais que emergiram em contradição com o capi tal internacional têm interesses coincidentes, agora, com a forma de reprodução do capital internacional; mais: essas classes sociais domi nantes locais são absolutamente necessárias para a "nacionalização" do capital, sem o que o capital internacional não existiria senão como abstraçã o. Ass im, a teoriza ção terceiro-mundista mais mais corrente não dá conta dessa dimensão da "heterogeneidade" externa do imperialismo; a oposição entre nações mais desenvolvidas e menos desenvolvidas, no contexto do sistema capitalista em escala internacional, que é o núcleo da teorização terceiro-mundista, deveria, para ser correta, demonstrar qire persistem conflitos de interesses entre o imperialismo e as classes sociais dominantes locais, conflitos cuja raiz deve ser buscada nas for mas de reprodução do capital. No atual estado da divisão internacio nal do trabalho do capitalismo, a possibilidade desses conflitos resultarem antagônicos é cada vez mais reduzida. A recuperação possível da noção de conflito entre nações no sistema capitalista somente pode ser viável quando se incorporam os interesses populares como se opon do à coa liz ão imperialismo-classe imperialismo-classess dominantes locais, e, port anto , passafa reconhecer que a Nação na periferia do mundo capitalista so mente pode ser construída pelas classes populares, e seu vir-a-ser é o socialismo. 28
Uma "região" seria, em suma, o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e por conse qüência uma forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição. Tal especificidade é passível de determinação rigorosa, no contexto metodológico e teórico esposado por esta investigação. É possível reconhecer a existência de espaços econômico-político-sociais onde, por exemplo, o capital co mercial comanda as leis de reprodução sem no entanto penetrar pro priamente na produção; tal região se diferenciaria de uma outra onde o capital penetrou no próprio sistema produtivo, onde seria o capital industrial - em sentido lato, pois a agricultura capitalista também é uma indústria - o responsável pela reprodução do sistema; assim, su cessivamente, as diversas formas de reprodução do capital conformariam " r e g i õ e s " distinta distintas. s. Cla ro está está que não se pen pensa sa em uma tipolog ia de "regiões" caracterizada por sua vez por uma tipologia do capital; além de ser estranha ao contexto metodológico deste trabalho uma conc eitu ação t ipológic a, é evidente que as diver diversas sas formas de reprodu ção do capital nunca se apresentam nem em "estado puro" nem isola das, mas sem nenhuma dúvida existem estágios em que há uma sobredeterminação principal da forma de reprodução, que subordina as de mais. As relações de produção guardam estreita aderência às formas de reprodução do capital, e determinam por sua vez o caráter da luta de classes e, em sentido lato, do conflito social, mas é preciso que se esteja advertido para não se transpor mecanicamente para o nível da política a aderência assinalada; precisamente no descompasso entre nível das forças produtivas ou formas de reprodução do capital e relações de produção é que reside uma das contradições básicas do sistema capita lista de produção, e exatamente essa perspectiva é que abre as possibi lidades mais ricas para o estudo concreto dessa combinação desigual. A especificidade de cada "região" completa-se, pois, num quadro de referências que inclua outras "regiões", com níveis distintos de repro dução do capital e relações de produção; pelo menos quando se está em presença de uma "economia nacional", que globalmente se repro duz sob os esquemas da reprodução ampliada do capital, é que o enfo que aqui adotado, de diferenças na divisão regional do trabalho, pode encontrar terreno propício para o entendimento das relações interregionais e abandonar a abordagem dos "desequilíbrios regionais" por uma formulação que centre suas atenções nas contradições postas e repostas exatamente pelas formas diferenciadas de reprodução do capital e das relações de produção. O planejamento emerge aqui como uma "forma" da intervenção do Estado sobre as contradições entre a reprodução do capital em escala nacional e regional, e que tomam a aparência de conflitos inter-regionais; o planejamento não é, portanto, a presença de um Estado mediador mas, ao contrário, a presença de 29
um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da repro dução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogenei zação, ou conforme é comumente descrito pela literatura sobre plane ja j a m e n t o r e g i o n a l , n o ru mo d a " i n t e g r a ç ã o n a c i o n a l " . N e m ai n da o planejamento é uma forma "neutra" dessa presença; ao contrário, ele é no mais das vezes uma forma transformada da própria luta de clas ses, tanto ao nível das contradições na reprodução global do capital quanto ao nível das contradições entre as formas diferenciadas, "re gionais", daquela reprodução e as mesmas formas das relações de pro dução. Voltando a um ponto assinalado de passagem na nota de rodapé nº 8, convém insistir que o conceito de "região" aqui esboçado não nos remete de volta à questão do modo de produção, isto é, a "região" não seria um outro modo de produção, nem uma formação social sin gular. O que preside o processo de constituição das "regiões" é o modo de produção capitalista, e dentro dele, as "regiões" são apenas espaços sócio-econômicos onde uma das formas do capital se sobre põe às demais, homogeneizando a "região" exatamente pela sua pre dominância e pela conseqüente constituição de classes sociais cuja hie rarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são perso- nas do capital e de sua contradição básica. E enfatiza-se, uma vez mais, que uma "região" assim tende a desaparecer - embora alguns exemplos históricos atuais dêem conta de sua longa resistência aos processos de câmbio mais abrangentes - na mesma medida em que as várias formas do capital se fusionam, primeiro pela predominância do capital industrial, depois pela fusão entre capital bancário e industrial, dando lugar ao capital financeiro e posteriormente, na etapa monopo lista do capital, pela especial fusão entre Estado-capital. Não reconhe cer, entretanto, que existem marcadas diferenças entre as várias for mas de produção do valor dentro do capitalismo é não reconhecer, em primeiro lugar, e a nível mais abstrato, a lei do desenvolvimento desi gual e combinado, ( ) e mais concretamente, o processo de constituição do próprio capital enquanto relação social. 9
No caso sob exame, que será tratado mais acuradamente no capí tulo seguinte, a forma predominante de capital que elevou o Nordeste algodoeiro-pecuário à hegemonia regional é uma forma que, em últi ma instância, encontrava-se fora da região Nordeste: encontrava-se na Inglaterra e em outros países centrais. A forma de produção de valor que esse capitalismo mercantil fecundou no Nordeste algodoeiropecuário não era, porém, uma forma capitalista, embora sua lei mais geral de reprodução estivesse voltada para o mercado, e comandada pelas exigências que o capitalismo mercantil fazia para constituir esse mercado mundial de matérias-primas. É absolutamente necessário, re conhecer a última instância que dá e marca o caráter do processo mais global e mais abrangente, mas não reconhecer que a forma pela qual aquele capitalismo mercantil se "nacionalizava" ou se "regionalizava" 30
num determinado espaço extra-metropolitano não era capitalista, é não passar pelas determinações concretas que fazem do capital não apenas uma relação social, mas um movimento de reprodução. T a m p o u c o o c o n c e i t o qu e se tenta te nta expl ex plic icit itar ar p o d e reca re cair ir na dis dis cussão sobre a existência ou não de "feudalismo" no Brasil; pois o feudalismo não pode ser caracterizado por sua subordinação às leis de mo vimento do capital. Claro está que, nos casos onde o capitalismo surgiu das entranhas do feudalismo, várias formas deste último permanece ram e conviveram com a nova forma de produção social, até que esta o dissolvesse completamente. No caso brasileiro, porém, um dos trave ja j a m e n t o s bási bá sico coss da estr es trut utur ura a de re la çõ es do f e u d a l i s m o , a poss po ssee e propriedade dos meios de produção pelos produtores diretos, não existiu desde o princípio: ao contrário, a escravidão era a forma pecu liar pela qual se separou produtores e meios de produção como pressu posto da própria fundação da colônia nos quadros do capitalismo mer cantil. Nem pode reviver, por via do conceito de "região", a questão do dualismo da economia nacional, colocada agora de uma forma em que as várias "regiões" representassem os pólos opostos da dualidade. A c ont rad içã o teórica teórica do duali smo n ão reside reside na na simples justap osição de duas ou mais economias que se regem por princípios e pressupostos diferentes; sua inconsistência teórica reside mais em não saber distin guir precisamente as várias formas que a produção do valor toma, su bordinadas a uma dinâmica mais geral. Uma vez mais, a experiência histórica mostra que ess essas as form as pod em se antagonizar na hege monia pelo controle completo do modo de produção, e em alguns casos, ocorrer um processo de frustração em direção às formas mais caracteristicamente capitalistas do modo de produção. Jamais existirão, po rém, casos de coexistência como se fossem duas linhas paralelas, cujo encontro se dá apenas no infinito. Quando tratarmos mais concretamente do caso do Nordeste, tornar-se-á mais explícito o quanto o con ceito de "região" aqui esboçado afasta-se do terreno conceitual do dual-estruturalismo de inspiração cepalina. T a l v e z a e l a b o r a ç ã o m ai s c u i d ad o s a d o c o n c e i t o d e " r e g i ã o " que qu e se queria introduzir seja a da dimensão política. Isto é, de como o con trole de certas classes dominantes "fecha" a região. Essa dimensão política não é uma instância separada da econômica; pelo contrário," é ou será da imbricação das duas instâncias que poderá surgir mais com pleto o conceito que aqui se propõe, pelo menos na tradição teórica do marxismo. O "fechamento" de uma região pelas suas classes dominan tes requer, exige e somente se dá, portanto, enquanto estas classes do minantes conseguem reproduzir a relação social de dominação, ou, mais claramente as relações de produção. E nessa reprodução, obstaculizam e bloqueiam a penetração de formas diferenciadas de geração, do valor e de novas relações de produção. A "abertura" da região e a conseqüente "integração" nacional, no longo caminho até a dissolu ção completa das regiões, ocorre quando a relação social não pode 31
mais ser reproduzida, e por essa impossibilidade, percola a perda de hegemonia das classes dominantes locais e sua substituição por outras, de caráter nacional e internacional.
3.
Conceito da região "Nordeste" no Brasil
Vale ressaltar, de início, que o conceito econômico e político de "região" exposto anteriormente é de natureza dinâmica por definição, fundamentado que está no movimento de reprodução do capital e das relações de produção. Essa dinamicidade choca-se, até certo ponto, com o conceito geográfico de região, que se baseia em características físicas; mas, sem dúvida, não apenas o conceito de região de geografia humana ultrapassa os limites estreitos da geografia física, como tam bém os recentes avanços no sentido de conferir um caráter dinâmico à ciência geográfica em geral, contribuem para aproximar a abordagem da moderna geografia da esposada por este trabalho. Quando se passa ao nível do concreto, no entanto, o choque mais profundo ainda não reside no que foi exposto anteriormente, mas centra-se no conflito en tre a abordagem que aqui se propõe e os limites territoriais-políticoadministrativos das regiões. No caso sob exame, do Nordeste do Bra sil, dificilmente se conseguirá evitar o ter que enquadrar a "região" econômica e política nos limites das divisões territoriais-políticoadministrativas dos Estados que compõem o Nordeste brasileiro. En tretanto, vale a pena também argumentar a favor desse enquadramen to, não apenas pelo caráter inacabado e tentativo da proposta de "re gião" que aqui se contém, mas sobretudo porque os limites territoriais-administrativos dos Estados que compõem o Nordeste brasileiro estão carregados da própria história da formação econômico-política nacional e de suas diferenciações; tão-somente em períodos mais re centes é que o processo de "integração nacional" impele no sentido de um progressivo distanciamento entre as determinações formais da re produção do capital e aqueles limites político-administrativos. A própria consciência ou reconhecimento da "região" Nordeste tem sofrido mutações importantes no curso da história econômica e social nacional. É possível constatar, sem recuar muito no tempo, que o Nordeste como "região", tanto no sentido aqui proposto quanto no sentido mais corrente na literatura, na opinião pública e nas políticas e programas governamentais, somente é reconhecível a partir de meados do Século XIX, e sobretudo neste século. Há, pois, na história regional e nacional, vários "nordestes". Reconhecia-se, no período da Colônia, "regiões" dentro do que hoje é o Nordeste, com amplitudes muito mais restritas: sobretudo no que corresponde hoje aos Estados de Per nambuco, Paraíb Paraíba, a, R io Gran de do Nor te e Ala goas , a " r e g i ã o " era era re re conhecível como o locus da produção açucareira, enquanto os espaços dos Estados que hoje corrrespondem ao Ceará e Piauí eram relativa32
mente indiferenciados, desenvolvendo atividades econômicas de pouca expressão na economia colonial e quase nunca assimilados ao que se poderia chamar de "Nordeste"( ). O Maranhão era um caso à parte, pois ligou-se ao capitalismo mercantil através de formas diversas da quelas que regulavam a produção da riqueza dos espaços mais ao les te. Os Estados da Bahia e Sergipe, ou melhor falando, os espaços que hoje correspondem a esses Estados, não eram considerados como "Nordeste"; embora ali, sobretudo na Bahia, predominasse também a atividade de produção do açúcar determinada, como nos Estados mais ao norte, pelas suas relações com o capitalismo mercantil europeu. A classe social proprietária era, de certa forma, muito autônoma em re lação aos seus parentes sociais dos Estados mais ao norte; em outras palavras, nos espaços de produção açucareira de Pernambuco, Paraí ba, Alagoas e Rio Grande do Norte, a classe proprietária fundada na produção do açúcar era praticamente a mesma, sobretudo porque sua reprodução enquanto classe social dependia de sua hegemonia sobre a totalidade dos espaços que hoje correspondem àqueles Estados, o que se comprova historicamente pela própria crônica das grandes famílias senhoriais. Essa cissiparidade das famílias do "baronato" do açúcar era a sua forma de assegurar-se o controle sobre a terra. Os adágios populares diziam que "quem não era Cavalcanti era cavalgado" em Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte, adágio que poderia ser entendido aos Maranhão, Albuquerque e uns poucos nomes familiares mais. O próprio ditado popular era uma forma pela qual as classes dominadas se reconheciam nas dominantes. Não se encontra essa ligação com os grandes ramos familiares da Bahia - nenhum habi tante das classes dominadas da Bahia reconheceria um Cavalcanti como um dominador -, o que significa dizer que a reprodução do capi tal, ou mais precisamente a produção do valor que era apropriada pelo capitalismo mercantil, no espaço do que hoje é a Bahia, fechava-se sobre si mesma, isto é, completava sua circularidade na relação BahiaMetrópoles coloniais; em outras palavras, nesses termos, a Bahia era outra "região". 10
É possível, pelo exposto, reconhecer "região" nos termos teóricos e metodológicos aqui propostos? Em outras palavras, onde residiam as diferenças na circularidade do processo produtivo, na estrutura de classes e no conflito social? Algumas constantes podem ser anotadas, o que viria em desfavor da perspectiva deste trabalho: a relação colonial, que fundou os "arquipélagos" da história econômica nacional( ) na base escravocrata da produção, são constantes não apenas dentro do Nordeste mas válidas para o resto da Colônia. Algumas diferenças marcantes são suficientes, entretanto, para sustentar a proposição: em primeiro lugar, se bem que a relação espoliadora Metrópole-Colônia pudesse ser geral, não o eram os níveis de desenvolvimento das forças produtivas em cada uma das "regiões" que compunham o que hoje é o Nordeste, nem o das outras "regiões" em formação no resto da Colô11
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nia( ). Em segundo lugar, tanto a relação Metrópole-Colônia quanto o nível de desenvolvimento das forças produtivas começaram a engen drar novas formas de capital no interior de cada uma das "regiões": é fato notório da história nacional a hegemonia comercial do Recife sobre os espaços em torno, estendendo-se para os territórios da Paraí ba, Alagoas e Rio Grande do Norte e, mais remotamente, até o Ceará e Piauí. Essa hegemonia significava uma forma de capitalismo mercan til no interior da própria "região". Não é sem razão que as revoluções "nordestinas" foram apenas aquelas que tiveram por sede exatamente os espaços da hegemonia açucareira, e onde aparecem pela primeira ve z contradições entre as diversas formas de produção e apropriação do valor: a revolução dos "mascates", que opunha exatamente os co merciantes contra os "barões" do açúcar, pode ser considerada uma revolução pré-burguesa; a Confederação do Equador, que se estendia desde Pernambuco, passando pela Paraíba, Alagoas, Rio Grande do N o r t e e ating indo até o Cear á, opun ha os inte interes resse sess internos da pro du ção do valor às formas de apropriação desse valor, intermediados ago ra pelos interesses da Inglaterra, como potência capitalista hegemôni ca. Esse movimento separatista encontrava suas bases sociais reais na diferença de interesses e na diferença entre as várias formas do capital, na esfera da produção e da circulação. Não foi um recurso meramente ideológico, nem um mero transplante de idéias francesas e norteamericanas, a proclamação de uma República no espaço disputado pela produção do valor da economia açucareira e pelas formas emer gentes do capital comercial interno, umas em contradição, outras em aliança com a reprodução do capital em escala mundial, comandado pela potência imperialista emergente, mas já contestado pelo surgi mento da concorrência inter-imperialista. l2
As primeiras décadas deste século, e quase todo o século XIX, vão configurar outro Nordeste, ou outros "Nordestes"( ). Essas no vas configurações estão marcadas sobretudo pela emergência, consoli dação e hegemonia de outras formas de produção e conflito de interes ses em outros espaços; em suma, pela constituição de outra "região" no contexto da nação que se independentizava. Essa outra "região" é a do café, constituída preliminarmente pela mesma determinação ex je j e r n a , isto is to é, pelas pe las suas rela re laçõ ções es c o m as p ot ên ci as im pe ri alis al is t as , e fun dada também preliminarmente pelo mesmo modo escravista de produ ção, mas que se diferenciava na mesma medida em que a circularidade do processo de produção e apropriação do valor se esgotava na rela ção externa-interna e nos requisitos que essa relação recolocava como pressupostos do processo de produção; isto é, na subordinação aos in teresses do capital financeiro inglês sobretudo, mas francês também, e no caráter distinto da competição inter-impérios: a disputa pelos mer cados que começava a intensificar-se sobretudo entre o capital inglês e norte-americano. Internamente, a constituição da "região" do café desdobrava-se na mesma medida em que avançava desde o Vale do 13
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Paraíba até o Oeste paulista, homogeneizando-se internamente e diferenciando-se da outra "região" - o Nordeste açucareiro - na mesma medida em que esta era excluída dos novos circuitos de produção e apropriação do valor gerado pela mercadoria café. Essa hegemonia constantemente reiterava os pressupostos da produção, que por sua vez apareciam tanto no produto quanto na forma da repartição do ex cedente : o financiamento inglês, co m o pressuposto, pressuposto, e os jur os do capi capi tal inglês como parte da repartição do excedente. O Nordeste "açuca reiro" era deslocado pela competição inter-imperialista, que centrava sua disputa agora na apropriação e controle da produção do açúcar no Caribe. Em outras palavras, a forma de produção do valor da econo mia açucareira daquele "Nordeste" não encontrava formas de realiza ção pela via do comércio internacional( ) . 14
Enquanto o Nordeste "açucareiro" semiburguês tinha sua ex pansão cortada pela simbiose dialética da constituição de outra "re gião" com o capital internacional, um outro Nordeste emergia gradual mente, submetido e reiterado pelas mesmas leis de determinação de sua relação com o capital internacional: o Nordeste "algodoeiropecuário". Sem penetrar na esfera da produção, o capital internacio nal apropriou-se da esfera da circulação, da comercialização, e por esse fato, a política econômica do Segundo Império e da República Velha, que centrava suas atenções na manutenção de uma taxa de câmbio que era simultaneamente condição da reprodução e forma da apropriação internacional de parte do produto social, compatibilizava os interesses da reprodução do capital na "região" do café e na "re gião" - no novo Nordeste - do algodão-pecuária. Não é sem razão que tanto o controle político da Nação começou a escapar das mãos da burguesia açucareira do "velho" Nordeste, quanto o controle polí tico interno do "velho" e do "novo" Nordeste começou a passar às mãos da classe latifundiária que comandava o processo produtivo algodoeiro-pecuário, reiterado pela sua subordinação aos interesses do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano. A imagem do Nordeste, que as crônicas dos viajantes de fins do Século XVIII e princ ípios do Século X I X descreveram em termos da opulência dos "barões" do açúcar, e que depois iria inspirar a nostálgica pseudosociologia de Gilberto Freyre, começou a ser substituída pela imagem do Nordeste dos latifundiários do sertão, dos "coronéis"; imagem rús tica, pobre, contrastando com as dos salões e saraus do Nordeste "açucareiro". Nesse rastro é que surge o Nordeste das secas. A funda mentação do Estado unitário que prevaleceu por todo o Segundo Im pério e continuou, República Velha adentro, sob a forma da coligação "café-com-leite" residia sobretudo na homogeneidade dos processos de reprodução do capital, na sua subordinação aos interesses do capi tal comercial e financeiro inglês e norte-americano: "coronéis" do al godão, pecuária e "barões" do café e Estado oligárquico são os agentes.e a forma da estrutura do poder( ) . 15
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Esse "Nordeste" algodoeiro-pecuário, oligárquico, cujas leis de reprodução/subordinação serão tratadas em outra parte desta investi gação, submeteu o "velho" Nordeste açucareiro, em trânsito para for mas burguesas de produção e apropriação do valor, e permaneceu in tocado até praticamente a década dos cinqüenta deste século. Os im pulsos de industrialização, que tomaram forma na conversão dos "en genhos" de açúcar em usinas, fenômeno que arranca do último quartel do século X I X e se esgota nas nas primeiras décadas deste, e de out ro lado na implantação da indústria têxtil, foram abortados pelas mesmas ra zões e causas que contribuíram para refrear a própria industrialização da "região" do café: pela reiteração/subordinação aos interesses do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano. Essa submis são do "Nordeste" açucareiro ao "Nordeste" algodoeiro-pecuário chegou inclusive a fazer retroagir o próprio movimento da reprodução do capital e das relações de produção no "Nordeste" açucareiro, fa zendo-o adotar, como condição de sobrevivência, ainda que marginal, leis de reprodução que eram próprias do "Nordeste" algodoeiropecuário. Premida pelas tenazes, de um lado da reiteração dos pressu postos da produção agro-exportadora da "região" do café, que se con substanciava na política econômica de valorização/sustentação dos preços do café, e de outro pela emergência do "Nordeste" algodoeiropecuário, a economia açucareira recriou internamente mecanismos de uma acumulação primitiva, que tomaram a forma do "cambão" e de outros processos de relação de produção pré-capitalistas. Esse impasse gerou de um lado a descapitalização da própria economia açucareira, o abortamento da completa constituição de uma força-de-trabalho assalariada, o abortamento da dissolução do semicampesinato que se havia formado em suas franjas - o caso das zonas do Agreste dos Esta dos mais orientais - e por fim a própria reconversão da estrutura fun diária em latifúndios. O andamento das leis de reprodução do capital e das relações de produção tomava rumos diversos na "região" do café. Rompido o me canismo de reposição da economia agroexportadora, em parte pela própria inviabilidade de sua sustentação devido à porção do excedente do produto social, que era apropriado pelo capital financeiro inglês e norte-americano sob a forma de juros da dívida externa, o que impos sibilitava a acumulação; e em parte devido à quebra da economia in ternacional capitalista na crise dos anos trinta, emerge a industrializa ção. Não se descreverá aqui esse processo( ); importa observar a mu dança operada nas formas de reprodução do capital, que acarretou da mesma maneira mudanças nas leis de repartição do produto social, au mentando a fração do excedente que se acumulava internamente, e as mudanças nas relações de produção, com a explosiva emergência do proletariado urbano. Surge a diferenciação das formas do capital: tan to se expande e consolida o capital industrial, quanto emerge o capital financeiro, e a intervenção do Estado na economia assume outro cará16
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ter, prejudicando a forma de reprodução da economia agroexportadora. A estrutura do poder sofre importantes mutações; depois de um breve período de transição, quando as necessidades da acumulação tornaram imperiosa a convivência do capital industrial com a oligar quia do café, tem início um período em que a hegemonia do capital in dustrial e seu controle sobre o aparelho produtivo, as relações de pro dução e o próprio Estado são claramente reconhecíveis. A "região" do café passa a ser a "região" da indústria: São Paulo é o seu centro, o Rio de Janeiro seu subcentro, Minas Gerais e o Paraná seus limites e a expansão da fronteira dessa "região" começa a capturar os espaços vazios do Centro-Oeste. A conversão da "região" do café em "região" da indústria come ça a redefinir a própria divisão regional do trabalho em todo o conjun to nacional( ). Seu papel nessa divisão regional do trabalho no que respeita à "região" Nordeste passa a ser de um lado, sistematicamente, a reserva do exército industrial de reserva: as migrações Nordeste-São Paulo chegam a constituir um formidável contingente que vai suprir os postos de trabalho criados pela industrialização, e contribuir para manter baixos os níveis de salário real de toda a massa trabalhador a ( ); por outro lado, os diferenciais da taxa de lucros começa a drenar o capital que ainda se formava no Nordeste; e ainda sob outro aspec to, a mudança da política econômica que se centrava agora na viabili zação da reprodução do capital industrial, favorecendo sistematica mente uma taxa de câmbio subestimada, ao mesmo tempo que elevava nacionalmente as taxas alfandegárias para proteção da indústria de transformação, deu lugar a um mecanismo de triangulação das trocas de mercadorias Nordeste-Exterior-Centro-Sul-Nordeste que deprimia a taxa de realização do valor das mercadorias produzidas no Nordes te, inviabilizando ainda mais a reprodução do capital na região nordestina( ) . 17
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As contradições da reprodução do capital e das relações de pro dução em cada uma ou, pelo menos, nas duas principais "regiões" do país, sinal de uma redefinição da divisão regional do trabalho no con junto do território nacional, começam a aparecer como conflito entre as duas "regiões", uma em crescimento, outra em estagnação. É nesse contexto, e tendo por objetivo explícito a atenuação ou pelo menos a contenção da intensificação das disparidades regionais, a correção dos "desequilíbrios regionais", que nasce o planejamento regional para o Nordeste. A SUDENE, sua forma institucional, é uma espécie de Re volução de 30 defasada de pelo menos duas décadas; seu surgimento, segundo um diagnóstico muitas vezes equivocado - matéria para dis cussão em outra parte deste trabalho - incorpora elementos do falso conflito inter-regional; para ganhar força e dar maior dimensão ao conflito, a própria definição da "região" Nordeste, em seu sentido político-adminis político-administrativo, trativo, é ampliada: o Nordeste da S U D E N E estend estendeese agora do Maranhão à Bahia, incorporando inclusive uma pequena 37
faixa do território mineiro, cujas características climáticas asseme lham-se às do sertão nordestino. Como quase sempre acontece, o Nor deste da SUDENE assume os contornos da ideologia da classe domi nante da "região" da indústria: desde que os movimentos migratórios do Nordeste para São Paulo ganharam força e intensidade, os migran tes de todos os Estados do Nordeste e mesmo os dos Estados do Nor te são apelidados em conjunto de "bahianos".
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Notas (1) É ainda reduzida a bibliografia a respeito. Entre os textos mais importantes, tha t never was, Northeast Brazil Braz il convém anotar: PAGE, Joseph A. - The Revolution that York,, Grasma Grasman n Publisher Publishers, s, 197 1972 e ROE ROETT TT,, Riordan Riordan - The Politics of 1955-1964. New York Foreign Aid in lhe Brazilian Northeast. Nashiville, Vanderbilt University Press, 1972, que realizam exaustiva análise da política norte-americana em relação ao Nordeste e à SUDENE; COHN C OHN,, Améli Amélia a - Crise Regional e Planejamento; Edit. Perspectiva, S. Paulo, 1976 976, 1972 1972,, que se dedicou dedicou ao exame das condições condições políticas de criação da SUD SU DENE; EN E; KOCK-WESER, Caio Caio K.-La SUDENE doce años de planificación para el desarrollo des arrollo en el Nordeste brasileiro, Santiago de Chile, Instituto Latinoamericano de Investigaciones Sociales - IL I L DIS, 197 1973, que, fazendo um apanhado apanhado geral geral da situação, situação, pôs ênfas ênfasee na ava liação do desempenho da SUDENE; FURTADO, Celso - Social Reconstruction in Societies Dominated by Traditional Groups, documento apresentado à Social Planning Conference, Porto Port o Rico Rico,, 1966 1966,, que enfatizou o aspe aspecto cto do conflito confli to entre o planeja planejament mento o da SUDE SU DENE NE e as forç forças as socia sociais is conse conserva rvador doras as do Nordeste; CAS C ASTR TRO O , Antônio Antôn io Barr Barros os de - "O "O Desenvolvime Desenvolvimento nto rece recente nte do Nordes Nor deste" te",, in 7 Ensaios sobre a Economia Brasilei ra. Rio Ri o de Janeiro, Forense Editora, Editora, 1972 1972,, que procedeu procedeu a uma uma análise critica das propo prop o sições da SUDENE à luz dos resultados do desempenho mais recente das economias nordestina e brasileira; OLIVEIRA, Francisco de e REICHSTUL, Henri-Philippe Mudanças na divisão inter-regional do trabalho no Brasil, in Estudos CEBRAP 4. São Paulo, Editora Brasileira de Ciências, 1973, que procederam a uma análise dos efeitos da aplicação do mecanism mecanismo o do 34/1 34/18 8 sobre a estr estrut utur ura a industrial e as tendência tendênciass do mo vimento de centralização do capital; IANNI, Octávio - "As origens políticas da SUDE NE ", in in Revista Mexicana de Sociologia. México, (4) (4 ) Octobre-Dici Octobre-Diciembre, embre, 1971 1971,, que que es tudou a emergência da SUDENE no contexto da expansão do capitalismo no Brasil; MORE MO REIR IRA, A, Raim Raimun undo do - El proceso industrial en el Nordeste brasileno y el proceso de Buenos Aires Aires,, Instituto accumulacion de capital a escala nacional naciona l en la década del 60. Buenos Torcua Torcuato to Di Telia, Telia, Cen Centr tro o de Es Estúdi túdio os Urba Urbano noss y Regio Regiona nales les,, 1975, que que es estudou a re re cente industrialização do Nordeste sob os auspícios do 34/18 e sua relação com a acu mulação de capital na economia brasileira. Também importantes, ainda que mais anti gos, sem a perspectiva dos desdobramentos posteriores, são os estudos de HIRSCHM A N Albert Albert O., O., Journeys Toward Progress. New Yor Y ork, k, The T he Twentieth Centur Centuryy Fund, 1963 e Desenvolvimento Industrial no Nordeste Brasileiro e o mecanismo de crédito fis cal do artigo artigo 34/1 34/18. 8. in Revista Brasileira de Economia. Rio Ri o de Janeiro, 21 (4) ( 4) Dez. 196 1967, e ROB R OBOC OCK, K, Step Stepha han n H. - Brazil's developing Northeast, a study of Regional Planning and foreign aid. Washington, Brookings Institution, 1963. (2) MARX, Karl - El Capital, capítulos I, II, III e IV; Traducción de Wenceslao Roces. México, Fondo de Cultura Econômico, 1973. (3) (3 ) Sobre a disc discus ussã são o do método na Econom Economia ia Política em Marx, veja-s veja-see além além de El Capital, e da famo Fundamentales para la Critica de la Eco famosa sa Introdução, os Elementos Fundamentales nomia Política (borrador) 1957 957-195 -1958 8; traduc traducció ción n de Pedro Searor. 4 ed. Siglo XX X X I , Ar A r gentina Editores - de LOWE, Adolf - A ciência da economia política; Trad. de Fausto Guimarães, Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1969, SCHUMPETER, Joseph A.-Histi- ria da Análise econômica; Trad. de Alfredo Moutinho dos Reis, José Luís Silveira Mi rand randa a e Renato Rocha. Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1964. 64. (4) Esse proc proces esso so é descr descrit ito o em O L IV EIR EI R A, Fran Franci cisc sco o de e REIC RE ICHS HSTU TUL, L, Henri-" Philippe Philippe,, op. cit., cit., em H I R S C H M A N , Albert O., O., "Desenvolvimento "Desenvolvimento Indu Indust stri rial al no Nor deste...", op. cit. e MOREIRA, Raimundo, op. cit. (5) Ver Uma política de desenvolvimento econômico GT DN, Rfo de de econôm ico para o Nordeste, GTDN, Jane Janeir iro, o, Cons Consel elho ho de Desenv Desenvolv olvime imento nto:: Depto. Depto. de Impr Impren ensa sa Naciona Nacional, l, 1959, o docu docu-. mento básico que fundamentou a criação da própria SUDENE. Inclusive abordagens criticas do diagnóstico da SUDENE, como o de CASTRO, Antônio Barros, op. cit., continuam prisioneiras do enfoque dos "desequilíbrios regionais". 39
(6) Ver OLIVEIRA, Francisco de e REICHSTUL, Henri-Philippe, op. cit., e MO R E IR A. Raimun Raimundo, do, op. cit. cit. (7) As teorizações mais correntes sobre planejamento regional derivam, quase to das, de matrizes teóricas de inegável extração neo-clássica e marginalista; são aplicações espaciais de teorias do equilíbrio geral. Assim são as teorizações sobre localização das atividades econômicas, sobre modelos de gravitação, sobre rendimentos decrescentes, sobre modelos modelos de base base territ territoria orial, l, que encontram encontram expressõe expressõess mais acabadas acabadas nas nas obras obras de Hoover, Walter Isard, August Lõsch. Perroux e seus seguidores, discrepam um pouco dess dessa a tendênci tendência a geral, introduzindo com o conceito conceito de polarização, um modelo de espa espa ço econômico como um "campo "campo de força forças" s" que que acred acredit itam am mais mais próximo da realidad realidadee da competição oligopolística; ainda assim a teorização de Perroux é do tipo de "equilíbrio geral". Myrdal dissentiu radicalmente do "equilíbrio geral", através do conceito da "es piral cumulativa", de que o próprio diagnóstico do GTDN sobre o Nordeste recebeu notável influência. Uma bibliografia seleta incluirá: HOOVER, Edgar M. - The Loca- lion of Economic Activity. McGraw-Hill, McGraw- Hill, 1948: ISA I SARD RD,, Walter Walter - Methods of Regional Analysis. MIT Press, 1961; LOSCH, August - The Economics of Location. Yale University versity Press Press,, 1954; PERR PE RROU OUX, X, François François - L'Economie du XXeme Siécle - 2. ed. Paris, Paris, Presses Universitaires de France, 1964; MYRDAL, Gunnar - Teoria Econômica e Re tradução ão de Ewaldo Ewaldo Correia Lima. Rio R io de Janeiro, ISEB, 1960. giões Subdesenvolvidas; traduç RICHAR RIC HARDSO DSON, N, Harry W. - Elementos de Economia Regional; tradução de Christiano Monteiro Oilicica. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1973, fornece uma exposição sintéti ca das principais teorizações neo-clássicas, marginalistas e keynesianas sobre economia e planejamento regional. (8) - A bibliografia sobre o conceito de região é basicamente a mesma citada na nota anterior, no que respeita á economia. A teorização marxista sobre o tema não é muito rica, tanto no terreno da política quanto no da economia, e tem se centrado sobretudo no caráter diferenciado da divisão do trabalho entre cidade e campo. Pare ce-me que o autor marxista que mais pensou a respeito do tema regional foi precisamen te Gramsci, particular particularmente mente em A Questão Meridional e Il Risorgimento. Para Gramsci apenas o entendimento das relações entre os industriais do Norte e os proprietários de terras do Sul seria capaz de revelar a "estrutura do bloco de poder da burguesia" (Macciocchi): "O Mezzogiorno pode ser definido como uma grande desagregação social: os camponeses, que representam a grande maioria de sua população, não têm entre si ne nhuma coesão... A sociedade meridional é um grande bloco agrário constituído por três camadas camadas sociais: sociais: pequen pequena a e média média burguesia, os grandes grandes latifundiários e os grandes inte lectuais. lectuais. Os campon camponese esess meridionais meridionais estão em estado estado de revolta latente, mas mas enquanto massa são incapazes de exprimir suas aspirações e suas necessidades de forma corrente. É a base base campo campones nesa a que impulsio impulsiona na a atividade política política e ideológica da camad camada a média média dos intelectuais. Os latifundiários, no domínio político, e os grandes intelectuais, no plano ideoló ideológic gico, o, centraliz centralizam am e dominam dominam enfim todo todo esse esse conjunto. conjunto. E, como é fácil compreen compreen der, é no plano ideológico que que a centralização centralização se most mostra ra mais mais eficaz eficaz e mais mais precisa." In A Questão Meridional, Meridional, citado F avor de Gramsci. citado por Maria-Antonieta Macciocchi, A Favor tradução tradução de Angelina Peralva, Peralva, Editora Editora Paz e Terra, Rio Ri o de Janeiro, 1976 976. Fica Fica claro que a noção da região do Mezzogio Mez zogiorno, rno, para para Gramsci, não sugere sugere que se está está em presen presença ça de outro modo de produção que não o capitalista, mas a formação de sua economia, suas relações relações com a economia industri industrial al do Nort No rtee italiano italiano e a peculia peculiarr composição composição de clas classe sess a que as relações exter externas nas-in -inter ternas nas dão lugar, confor conformam mam uma "r " re gi ão" fechada fechada.. E que o conjunto conjunto dess dessas as relações relações Norte-Sul Norte-Sul contraditoriamente contraditoriamente é parte parte imprescindível imprescindível da gêne se do capitalismo na Itália e de suas debilidades. (9) (9 ) - Ver, sobre sobre o cará caráter ter desig desigua uall e combinado combinado das das leis leis de desenvolvimento do ca pitalismo, pitalismo, V.I. V. I. Lenin, Lenin, El Desarrollo del Capitalismo en Rusia. in Obras Completas, Tomo I I I , Editorial Cartago, Ca rtago, Bue Buenos nos Aires, Ai res, 1957 e León Trotsky, História da Revolução Russa. Editora Saga, Rio de Janeiro, (10) Está ainda para ser escrita uma boa história econômica e social do Nordeste, chamado aqui de "algodoeiro-pecuário", que corresponde, em suas grandes linhas, à 40
zona zona semisemi-ár árid ida a ou aos aos sertõe sertõess do Nordeste como um todo. t odo. Entretanto, Entretanto, Djacir Menezes em seu seu O Outro Nordeste, Livraria José José Olympio Editora, Rio Ri o de Janeiro, 1937 1937,, já se ha via dado conta da profunda disparidade entre as duas "regiões" enquadradas dentro do Grande Nordeste Nordeste.. E atribui atribui corretamente ao ca caráte ráterr extensivo, quas quasee extrativista, extrativista, da pe cuária dos sertões do Ceará e do Piauí, penetrando igualmente pelos sertões secos do Rio Grande do Nort Norte, e, Paraíba, Paraíba, Pernambu Pernambuco, co, Alagoas e Bahia Bahia,, o caráte caráterr frouxo e relati vamente pouco diferenciado da sociedade desses sertões, onde não houve escravismo, por exemplo. exemplo. Assinala, também, embora sem sem explorar o tema, que a produção pecuária pecuária desses sertões vai servir para abastecer os grandes centros da produção açucareira do "outro Nordeste", o que sentava as bases para uma subordinação dos sertões ao capi talismo mercantil que se esboçava no Nordeste açucareiro, e, em última instância, aos movimentos movimentos de reprodução da própria atividade açucareira. açucareira. É ou será será exatamente exatamente nesse nesse Nordeste de pecuária extensiva, quase extrativa, que vai se implantar a exploração do algodão de fibra longa, que dará lugar ao futuro Nordeste algodoeiro-pecuário de que aqui falamos. (11) A noção de arquipélago é introduzida apenas para evocar um tipo de entendi mento que presidiu às interpretações da formação da economia brasileira. A expansão do capitalismo capitalismo irá borrar borrar aquele aqueless "arqui "ar quipél pélago agos" s" na medid medida a em que que a realização realização do va lor pass passar ar a ser, predominantemente, de caráter caráter interno. Mas não convém joga j ogarr fora ex- abrupto parte parte do que que a noção noç ão de arquipélago revela: em primeiro lugar lugar a subord subordina inação ção variada variada de cada cada região da Colôn Colônia, ia, e em segu seguid ida a do país independente independente aos vários centros do capitalismo mercantil e em seguida do capitalismo imperialista. Essa subordinação variada reflexiona-se dialeticamente com as forças produtivas de caráter local, para criar a "região", no conceito aqui adotado. É fato notório, por exemplo, que o Mara nhão, nhão, uma "reg "r egiã ião" o",, teve o desenvolvimento de su suas forças forças produtivas subordinado subordinado em primeiro lugar ao capitalismo mercantil francês, e essa invasão foi respondida pela me trópole portuguesa com a criação da Companhia do Grão-Pará, uma forma de subme ter as forças produtivas do Maranhão às necessidades de reprodução do capital da bur gues guesia ia lisboeta. Essa relação relação externa externa-int -intern erna a é que que dá o caráte caráterr de " r e g i ão" que que depois o Maranhão assumiria. Da mesma forma, a Holanda vai imprimir no Nordeste oriental, açucareiro, do Rio Grande do Norte a Alagoas, o monopólio da Companhia das Índias Ocidentais, Ocidentais, e vai vai "fech "f echar" ar",, por ess essa forma, a "re " regi gião ão"" às outras outras formas formas e propriedade propriedade do capital. A relação externa-interna não é nunca a mesma, embora formalmente assim possa parecer. Enquanto no caso do Maranhão, por exemplo, o monopólio se exerceu apenas na esfera da circulação das mercadorias, inclusive o escravo, no Nordeste orien tal açucareiro açucareiro a relação relação externa-interna externa-interna do capital holandês holandês com as forças produtivas lo l o cais penetrou até a produção, assistindo-se a um extraordinário período de aumento da produtividade da indústria açucareira ali localizada. No caso do Ceará, por exemplo, a Guerra de Secessão americana abriu as portas para o algodão do Ceará, e as ligações que a partir dai se estabeleceram com os centros manufatureiros da Inglaterra, através de Liverp Liverpool ool,, introd introduz uz o Ceará, pela pela primeira vez, no movimento de mercadorias mercadorias em es cala mundial, desfazendo os tênues laços de sua subordinação ao capital mercantil de Pernambuco, e estabelecendo, assim, uma uma relação externa-int externa-interna erna que redefinirá o cará cará ter da economia cearense, cearense, suas suas ligações com o resto do país, e con conform formando ando,, agora, agora, uma "região" fechada onde o especial caráter de suas relações externas-internas vai dar lugar à formação da oligarquia. (12) A melhor obra sobre a formação da economia e sociedade colonial no Brasil Econômi ca do Brasil. 4 ed. São cunt cuntin inua ua sendo sendo a de PR P R A D O Jr., Caio - História Econômica São Paulo, Editora Brasiliense, 1956. A Formação Econômica do Brasil, de FURT FU RT AD O, Celso Celso,, 8. ed. São Paulo, Editora Nacional, 1968 é sem dúvida, no conjunto, mais integrada, po dendo fornecer e sugerir pistas para o entendimento da seqüência das várias etapas de crescimento. (13) Uma boa descrição do Nordeste é dada por ANDRADE, Manoel Correia de em A Terra e o Homem no Nordeste - São Paulo, Paulo, Edil. Brasiliense, Brasiliense, 1964. 1964. Parece-nos, Parece-nos, entretanto, que Correia de Andrade partiu do Nordeste físico para o econômico-político, que que não não é o anda andame mento nto privilegiado privilegiado por nossa opção metodológic metodológica. a. Nas ciência ciênciass sociais sociais 41
e especialmente na Economia Política, não há uma boa história econômica-social do Nordes Nordeste; te; a conheci conhecida da e reputa reputada da obra de Gilb G ilbert erto o Freyre, Casa Casa Grande & Senzala: For ed . Rio Rio de Janeiro, Editora Jo José sé mação da família brasileira sob o regime patriarcal. 9. ed. Olymp Oly mpio. io. 1958, 958, é não apen apenas as um uma reificação mitológica mitológica da "ha " harm rmon onia ia"" entre senho senhores res e escravos, como a sua sua própria concei conceituaçã tuação o do "No " Nord rdeeste" st e" açucarei açucareiro ro como uma uma "socie "so cie dade patriar patriarcal" cal" deixa deixa escap escapar ar o caráter caráter pré-bur pré-burguè guèss dess dessee "No " Nord rdes este te", ", esse essenc ncia iall a nos so ver para o correto entendimento da formação sócio-econômica. A literatura "regio nalista" nordestina, nas linhas de José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiro Queiroz, z, José José Améric Américo o de Almeida é, a nosso nosso entender, muito mai maiss rica e conseg conseguiu uiu cap turar o espelho multifacetado dos vários "Nordestes". Ver, ainda, Djacir Menezes, op. cit. (14) (14) As relações relações externas externas-int -interna ernass da economia do algodão algodão e as da economia açuca açuca reira. a primeira inserida inserida na circulação circulação internacional de mercadorias mercadorias e, portant portanto, o, sua re produção sendo compatível com a política do café, e a segunda voltando-se sobretudo para uma realização interna do valor e sendo excluída, naquela etapa da circulação in ternacional ternacional de mercadoria mercadorias, s, e tendo sua sua reprodução reprodução incompat incompatibil ibilizad izada a com a política do café, pode ser vista ainda no triênio 1937-1939, quando a emergência dos interesses do capital industrial no Centro-Sul, na "região" do café, obrigava-o a uma política de sus tentação da exportação do café, única forma de carrear para a economia nacional os bens de capital que poderiam materializar, de forma ampliada, sua reprodução. Os qua,dros seguintes indicam as tendências em curso: ALGODÃO EM PLUMA Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Valor da Produção, Valor da Exportação para o exterior, Valor da Exportação por cabotagem para outra". Unidades da Federação e suas relações VP(a) VP(a ) 1937 1938 1939 Not as:
(contos de réis) V.Exp. V.Exp. Ext.(b) Ext. (b) V.Exp. Resto Resto País País (c)
418.891 379.942 383.308 Exp orta ção
277.426 213.549 150.195
147.623 114.528 127.507
(n)/(a) %
66,2 56,2 39,2
p a r a o E x t e r i o r , a l g o d ã o e m p l u m a e p a r a o R e s t o d o P a í s, s, a l g o d ã o e m r a m a .
(c)/(a %
35,2 30,1 33,3 Para o resto do
P a i s , a p e n a s e x p o r t a r a m o s E s t a d o s d o C e a r á , R i o G r a n d e d o N o r t e e P a r a í b a . A s di di f e r e n ç a s e n t r e o t o t al al d o Va lo r da P rod uçã o e as demais variáveis, ora n ão chega ndo o conjunto da expor tação a perfazer 100% do Va lor da Pro duç ão, ora sob repassa ndo-o levemente explicam-se pela interme diação nas várias etapas e també m, po r probl ema s de estocagem de uma para outra safra. No últi mo ano, deverá ter havi do, apesar de tudo , for tes retraç ões nas expo rtaç ões.
42
AÇÚCAR Estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Valor da Produção, Valor da Exportação para o Exterior. Valor da Exportação por cabotagem para outras Unidades da Federação e suas relações. VP (a) 1937 1938 1939
(contos de réis) V.Exp. Ext. V.Export. V.Export. Resto Resto País País (b)/(a (b) /(a)) (b) (c) %
195.025 205.901 266.627
177.999 222.154 316.234
N o t a s : N ã o h o u v e e x p o r t a ç ã o p a r a o Exte rior , nos anos citados
(c)/(a)
% 91,3 107,9 118,6
As expor taçõe s por cabot age m para o resto resto do Pais.
f o r a m r e a l i z a d a s a p e n a s p e l o s E s t a d o s d e P e r n a m b u c o e A l a g o a s , q u e c e r t a m e n t e c a p t a r a m p a r t e s d e p r o d o , . ;* ;* çôe s de E sta dos contígu os. As diferen ças de val or entre as diversas variáveis po de m ser deb ita das à interme di aç ão comerc ial, mais at enu ada s já em vir tude d e já existir existir à época o IA A. e o Tato Tato de a exp or ta ção pa ra o reato do Pais ser superior, em dois anos, ao total do valor da produção pod e ser também debitada ás questões de estoca gem entre as safras. N ã o hou ve exp ort açã o para o Exterior de nenh um outro Est ado produ tor de' açúcar.
Fo nt e pa ra Iodas as inform ações desta nota de rod apé: de
A n u á r i o E s t a t í st st i c o d o B r a s i l . A n o V - 1 9 3 9 - 1 9 4 0 .
IB GE , St io \
Janeiro.
(15) (15) Pode-se Pode-se dar dar um uma idéia da importância de economia economia do algod algodão ão vis-a-vis à eco nomia açucareira do Nordeste, mediante os seguintes números, que se referem ao triênio 1937 1937-1 -193 939, 9, época em que o país país já se havia havia lançado} decididamente, decididamente, à industrialização. industrialização. Compreende os Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte. Paraíba, Pernambuco e Alagoas, que correspondem mais precisamente aos dois "Nordestes" que estamos tra tando, tinha-se naquela data:
Algo Al god dão em Pluma Pluma Produção de açúcar Algodão/açúcar
(em contos de réis) 1938 1937 1939 418. 418.89 891 1 379. 379.94 942 2 383.308 266.627 195.025 205.901 2,14 1,84 1,44
Fonte. Anuário Estatístico do Brasil-Ano V- 1939-1940 - IBGE, Rio. O peso da economia do algodão algodão na formação formação das economia economiass estadua estaduais is e, de certa certa forma,forma,portanto, na estrutura do poder, é muito mais uniformemente distribuído no conjunto dos referidos Estados, inclusive Pernambuco; neste concentra-se o peso da economia açucareira. açucareira. Enquan Enquanto to que que para para o algodão, algod ão, no triênio sob exame, o valor da produção repartia-se entre os extremos de 23.680 contos de reis para o Piauí e 342.150 para a Paraí ba: o Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco acusavam valores de produção em torno de 250. 250.00 000 0 contos de reis, situando-se situando-se Alagoas Alagoas abaixo dess dessee nível com um valor de produção trienal trienal da ordem de 100. 100.00 000 0 contos de réis. A economia da produção açucarei açucarei ra já era muito mais mais concentrad concentrada: a: os extremos eram eram de novo novo o Piauí, com uma uma produção trienal da ordem de 5.000 contos de réis, para uma de Pernambuco que atingia 400.000 contos de réis, oitenta vezes mais. O Estado mais próximo de Pernambuco era Alagoas, com uma produção trienal trienal de cerc cerca a de 150.000 contos contos de réis, enquanto Ceará, Rio R io 43
Grande Grande do Norte Nort e e Paraíba compareciam com produções em torno de 25.000, 37.000 e 12.000 contos de réis, respectivamente. Fonte: Annuário Estatístico do Brasil. Ano V1939-1940. IBGE, Rio. (16) Existe hoje vastíssima bibliografia a respeito, e mesmo assim submetida a forte revisão revisão crítica. (17) Um esboço dessa redivisão regional do trabalho encontra-se em OLIVEIRA, Francisco de e REICHSTUL, Henri-Philippe, op. cit. (18) Sobre as migrações internas, ver BALAN, Jorge - Migrações e Desenvolvi mento Capitalista no Brasil: ensaio de interpretação histórico-comparativa in Estudos CEBRAP 5. São Paulo, Edit. Bras. Bras. de Ciências, 1973; G R A H A M, Doug Dougla lass H. an and HO Migra tion,, Region Re gional al and Ur Urban Growth Gro wth and an d Deve- L A N D A FILH FI LHO, O, Sérgi Sérgio o Bua Buarque - Migration lopment in Brazil. São Paulo, Paulo, Instituto Instituto de de Pesquis Pesquisas as Econômicas, Econômicas, 1971. Mimeo; LOPES, Ju Juarez R. Bra Brandã ndão - Dese Desenv nvol olvi vime ment nto o e Migr Migraç açõe ões: s: uma abord ordage agem hist histór óric icoo6. São Paulo, Edit. Brasil de Ciências, 1973. estrutural, in Estudos CEBRAP 6. (19) Esse Esse aspecto aspecto foi levantado e sistematizado pela primeira primeira vez no Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste. G T D N , Rio Ri o de Jane Janeir iro, o, Depto. Depto . de Impr Impreensa nsa Nacion Nacional, al, 1959, documento básico básico de criação da SUD S UDEN ENE, E, cuja uja autoria é legitimamen legitimamen te creditada a Celso Furtado.
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II - OLIGARQUIA AGRÁRIA E INTERVENÇÃO DO ESTADO NO NORDESTE As bases econômico-sociais da oligarquia agrária não-açucareira do Nordeste 1.
São evidentemente complexas as causas da formação da econo mia não-açucareira do Nordeste. Alguns autores, como Celso Furta do, atribuem-na principalmente à penetração sertões adentro da pe cuária, em caráter extensivo, movida pelas relações que se estabelece ram entre o fornecimento de animais de trabalho tanto para as ativi dades da zona açucareira quanto para a região de mineração que se esta beleceu sobretudo no interior de Minas Gerais; em outro sentido, o for necimento de carne às populações litorâneas do chamado Nordeste Oriental, e também à referida zona de mineração pode ter constituido aliciante para a fundação da economia pecuária típica dos sertões. Esta última causa deve, no entanto, ser minimizada, se for considera do que o consumo de carne no Nordeste açucareiro, principalmente para alimentação da população trabalhadora escrava, dava-se sob a forma do charque, uma carne-seca e salgada que até hoje faz parte da dieta alimentar de grande parte da população do Nordeste; verdade é que a produção dessa forma de carne teve início no Ceará, transferin do-se depois para o Rio Grande do Sul, que, juntamente com a Argen tina, vieram a ser os principais fornecedores de charque ao Nordeste. É incontestável, porém, o fato de que essa economia pecuária nunca teve maior expressão na economia colonial, nem para o próprio Nor deste, nem para o resto da Colônia. Encontra essa debilidade sua afir mação no fato de que essa economia pecuária nunca esteve fundamen tada nos padrões de reprodução da economia escravocrata; pode-se adiantar, como hipótese, que a formação dessa economia - se é que essa expressão pode ser usada com rigor para designar as atividades pecuárias do sertão nordestino - era uma forma de desdobramento, marginal, da atividade econômica principal, sendo seus agentes do 45
tipo dos que Maria Sylvia de Carvalho Franco descreveu e interpretou admiravelmente como uma forma de inserção de "homens livres na ordem ordem escravocrata" ( ). É evidente que neste sentido tal economia ex tensiva não podia dar lugar senão a uma estrutura social pobre, pouco diferenciada, cuja posição na estrutura do poder regional não chegava sequer a ser notada. Esse caráter frouxo da atividade econômica e da estrutura social podia ser constatado pelo tato de que, em muitas par tes do sertão nordestino, a terra não foi sequer apropriada, senão nos estreitos limites das fazendas, sendo o resto um espaço livre, onde o gado de quem quer que fosse podia pastar à vontade. Uma formação desse tipo é encontradiça em muitos outros lugares e países, caracteristicamente de atividades econômicas extrativas; a pecuária nordestina, nestes termos, podia ser considerada uma atividade extrativa; sua mais remota ligação é com o capital mercantil interno da "região" do açú car. Advirta-se, desde logo, que não se está em presença de proprieda de comunal, embora alguma semelhança formal possa sugerir esse tipo de formação: os rebanhos eram de propriedade privada, e a terra não era propriedade de ninguém, em vastas porções do sertão nordestino. 20
A fazenda e, mais tarde, o engenho de açúcar, dedicavam todas as suas forças à produção de cana e à fabricação do açúcar; a força-detrabalho escrava era exclusivamente dedicada a essas atividades, e marginalmente ao serviço pessoal dos "barões" do açúcar; deve-se anotar, de passagem, que o possível caráter autárquico das unidades prod utor as de açúcar açúcar é, até cert o pon to , um resultado das crises cíclicas da produção, derivadas das flutuações internacionais e, no limite, a própria "região" do açúcar recria formas de acumulação primitiva, mesclando a atividade de produção do açúcar e as chamadas "culturas de subsistência" como resultado de sua subordinação aos esquemas de reprodução do capital vigentes na "região" do café e que, simultanea mente, pelas mesmas causas, fizeram passar a primeiro plano a "re gião" algodoeira-pecuária no interior do próprio Nordeste. A mono cultura exclusivista da cana-de-açúcar já havia começado, antes dessa decadência/subordinação, a dar lugar à formação, em suas franjas, de uma economia semicamponesa, voltada para o abastecimento de gê neros afimentícios da própria "região" açucareira. A lei de reprodução dessa economia semicamponesa era determinada basicamente pelas suas relações com a "região" açucareira, e seu mecanismo de reprodu.ção baseava-se na produção de sua própria subsistência que era, na es sência, parte dos fundos de acumulação da própria economia da "re gião" açucareira. O "Nordeste" agrário não-açucareiro começará a ser redefinido completamente pela entrada em cena de outro ator: o algodão. Como seqüela da Revolução Industrial, e principalmente, do avanço da in dústria têxtil na economia inglesa, a demanda mundial de algodão co meça a crescer exponencialmente. O Nordeste semi-árido é ecologicamente propício à produção do algodão de fibra longa, conhecido ali 46
como algodão-mocó ou seridó, sendo esta última denominação o pró prio nome de batismo de uma vasta zona que se estende desde o Rio Grande do Norte até a zona central do Estado da Paraíba; dado o nível de desenvolvimento da tecnologia têxtil, sobretudo da fiação, o algodão de fibra longa pôde ser melhor aproveitado industrialmente, devido às suas características físicas. Várias regiões do globo passam a ser "regiões" algodoeiras: o Egito, o Peru, a Índia - de milenar tradi ção têxtil, destruída pelo capitalismo inglês - o Sul dos Estados Uni dos e o Nordeste do Brasil. Inclusive na brecha propiciada pela eclo são da Guerra de Secessão norte-americana, a cultura do algodão no Nordeste experimentará sensível avanço, sobretudo nos Estados do Maranhão e do Ceará, no primeiro desenvolvendo-se um tipo de algo dão muito semelhante ao que era produzido pelo Sul dos Estados Uni dos. O Nordeste agrário não-açucareiro converte-se num vasto algodoal, desde o Maranhão à Bahia. Não é a "plantation", porém, a es trutura de produção dessa nova mercadoria; esse vasto algodoal é na verdade constituído pela segmentação sem fim de pequenas e isoladas culturas. A rapina internacional encontra terreno propício à constitui ção de uma estrutura de produção em que o capitalismo internacional domina a esfera financeira de circulação, deixando a produção entre gue aos cuidados de fazendeiros, sitiantes, meeiros, posseiros. Emerge aqui a estrutura fundiária típica do latifúndio: o fundo de acumulação é dado pelas "culturas de subsistência" do morador, do meeiro, do posseiro, que viabilizam, por esse mecanismo, um baixo custo de re produção da força-de-trabalho e, portanto, um baixo valor que é apropriado à escala de circulação internacional de mercadorias, sob a égide das potências imperialistas. Deve-se fazer aqui a inversão entre o discorrer do discurso e o andamento da constituição da relação real: não é a estrutura típica do latifúndio-minifúndio o que determina o baixo valor do algodão, pois apenas o reproduz. O baixo valor é deter minado, em última instância, pelas modificações que estão ocorrendo na composição orgânica do capital nas indústrias têxteis da Inglater ra e dos Estados Unidos: no primeiro dos países, a quebra do abasteci mento do algodão norte-americano obriga-o a recorrer a outras fontes de suprimento, mantendo baixo o preço do algodão, a fim de não pre cipitar uma queda da taxa de lucro, que em presença de fortes inova ções tecnológicas na parte fixa do capital constante produziria, se so mada a esta última acréscimos de preços da parte circulante do capital constante - as matérias-primas - induziria a crises; em segundo lugar, as próprias inovações tecnológicas na parte fixa do capital constante, sobretudo na fiação, obrigam à busca de um tipo de algodão que, por suas qualidades físicas, possa acompanhar o aumento do ritmo de in tensificação do trabalho. A Guerra de Secessão nos Estados Unidos, com seu conhecido resultado histórico que é o fim da escravatura, vai redefinir as relações entre o Norte industrialista e o Sul escravocrata; 47
nessa redefinição, a desorganização da economia do Old South é parti cularmente aguda no setor da produção de algodão, o que abre espaço para novos produtores mundiais, até que na retomada da expansão ca pitalista no próprio Sul o protecionismo da burguesia industrial do Norte redefine as relações da economia norte-americana com o resto do mundo, dando início à expansão imperialista norte-americana; contraditoriamente, embora a produção de algodão no Sul venha a se reconstituir, expandindo-se enormemente, a produção de algodão em outras partes do mundo não vai concorrer com a produção do Old South, mas vai constituir-se em um segmento a mais da expansão ex terna da economia norte-americana. Fazem sua aparição grandes trustes internacionais que controlam a circulação internacional dessa mercadoria: o "abc" do Nordeste agrário agrário algodoeiro-pec algodoeiro-pecuário uário começa começa pela pelass sigl sigla as S A N B R A e C L A Y - ' T O N , e essa é a a lf ab e ti z aç ão do t r ab a l ha d o r rural rur al desse dess e " N o r d e s t e " . O fazendeiro apropria parte desse valor, tanto sob a forma de sobreproduto, resultado da partilha do algodão entre ele e o meeiro, quanto sob a forma de sobre-trabalho, no "cambão", uma forma muito similar à clássica corvéia da economia camponesa européia; sob as duas formas oculta-se uma terceira, a renda da terra que raramente é explí cita. O proprietário quase nunca exige um pagamento do meeiro pela uti liz ação da terra. O faz end ei ro, em su sua id eol ogi a, ''dá'' a terra de graça para seus moradores. Aparece agora o algodão, nos vastos espa ços do sertão nordestino, onde a pecuária extensiva reinara soberana durante séculos, vai se combinar com a própria pecuária e com as "culturas de subsistência" na estrutura peculiar, típica, do latifúndiominifúndio. O capital internacional, sob a égide das "três irmãs", SANBRA, C L A Y T O N e M A C H I N E C O T T O N , r e a l i z a , i nt nt er er na na ci ci on on al al me me nt nt e, e, sob seu controle, o valor dessa mercadoria. E cria, aproveitando a es trutura de reprodução do latifúndio-minifúndio, um intermediário co mercial que vai desempenhar a tarefa de recoletar, das milhares de pe quenas plantações de algodão, os resultados da colheita: os fazendei ros, principalmente os grandes, convertem-se nesse intermediário co mercial, que faz as vezes também de intermediário-financeiro, por conta própria ou com recursos das "três irmãs", para financiar as entre-safras, ou o período morto que medeia entre uma e outra colheita. Ele se desempenha com os mecanismos das "três irmãs" nessa opera ção: compra na "folha", isto é, fixa de antemão o preço que irá pagar ao meeiro pelo algodão que ele colherá, independentemente das varia esse preç o possa e xperime ntar no m erc ado interna interna ções para cima que esse cional; mas não independentemente das variações para baixo: se as "três irmãs" fixarem um preço mais baixo, ele descontará do meeiro a diferença entre o valor ou o preço ajustado na "folha" e o preço que será efetivamente pago por ocasião da colheita. Aduzirá a esse meca nismo, também um de invenção própria: financiará, em espécie, as 48
poucas mercadorias que o próprio meeiro não produz: o parco sal, o querosene que alumiará a miséria, a roupa e o calçado dominical. Des contará na colheita, cobrando preços exorbitantes, esse fornecimento em espécie: no fim, restará ao meeiro tão-somente sua própria forçade-trabalho e a de sua família, com a qual recomeçará o círculo infer nal de sua submissão. Que mecanismos ou lei de movimento assegurará a reprodução dessa estrutura, desse "Nordeste" algodoeiro-pecuário? Os mesmos que asseguram a reprodução e expansão da "região" do café: sua sub missão aos caprichos - às vezes, no vocabulário popular, uma palavra de amor? - do capital internacional comercial e financeiro, inglês e norte-americano. Ao capital internacional comercial e financeiro pou co interessa a produtividade, o incremento da produtividade do traba lho; sua rapina ocorre no mecanismo da circulação, não no da produ ção; do lado interno, dos interesses dos agentes produtivos da "re gião" do café, sua preocupação centra-se no estabelecimento de uma taxa de câmbio que lhe assegure apropriar-se de parte do excedente so cial. E a política econômica do Segundo Império e da República Velha centra-se exclusivamente nessa preocupação ( )- Através dessa estra nha convergência de contrários, o mesmo mecanismo e a mesma polí tica viabilizam a expansão da "região" do café e da "região" algodoeira-pecuária; se ao nível das estruturas internas de produção de cada uma das "regiões" no entanto, existem e começam a aprofundar-se importantes diferenciações, a subordinação de ambas à circulação in ternacional de mercadorias, as homogeiniza. 21
Funda-se o Brasil oligárquico sob a determinação férrea dessa su bordinação, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. E, politicamente, toma formas distintas: no Segundo Império será um Estado unitário, e na República Velha será uma federação oligárquica, com a "política dos governadores", sob a égide da coligação "café-com-leite" substituindo o chamado Poder Moderador. Tal reiteração da sustentação do café e do controle da escala internacional das mercadorias café e algodão abortará a emergência do modo de produção de mercadorias no país, no sentido de fazer avançar a divisão social do trabalho no rumo da indústria ( ). São seus agentes internos, na "região" do café, os "ba rõe s" paul paulis ista tas, s, e na " r e g i ão " do algodão-pec algodão-pecuária uária,, os "co ro né is ". At é mesmo no apelido que receberam, tanto por sua própria iniciativa quanto pela sabedoria popular, anotava-se a diferenciação na produ ção e apropriação do valor, na hierarquia da estrutura do poder. Ba rões sem nobreza e coronéis sem exércitos? Decididamente, não: "ba rões" com a nobreza que a rapina sempre conferiu e "coronéis" com exércitos de cangaceiros e jagunços que realizavam a apropriação das terras e reafirmavam, pela força, contra os camponeses recalcitrantes, o preço na "folha", as obrigações do "cambão", o pacto da "meia" e da "terça", o "foro" da terra. A luta de classes, nesse contexto, assume formas também clássicas: serão os "rebeldes primitivos", da admirável 22
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interpretação de Hobsbawn ( ), que tentarão opor-se a esse círculo de ferro, com a debilidade própria desses movimentos, estruturalmen te determinada pelo caráter ambíguo de sua posição dentro do contex to latifúndio-minifúndio: eles ainda não estão completamente expropri ado s dos meios e instrumentos instrumentos de prod uçã o; o que se lhes lhes expropria é o produto, não sua força-de-trabalho. O romanceiro popular desse "Nordeste" redefinido cantará as vitórias de Lampião apenas no In ferno, já que no Céu da terra é-lhes destinado amargar o pó da derrota do "c a m b ã o" , do do preço da "f ol ha ". Nasce dessa ambigüidade ambigüidade o pró prio movimento pendular da violência no "Nordeste" algodoeiropecuár io: cangaceiros e jag unço s ora estão contra, ora a favor dos "c o ronéis", ora punem, ora defendem meeiros e pequenos sitiantes. Essa ambigüidade estrutural da luta de classes no Nordeste algodoeiropecuário marcará no futuro o próprio movimento de explosão da pax agrariae nordestina: as Ligas Camponesas reivindicarão inicialmente o direito à terra, a extinção do "cambão"; será a dialética própria da es trutura intima do latifúndio-minifúndio, que não pode resolver uma das pontas do dilema sem afetar a outra, que levará o movimento cam ponês do Nordeste expressado pelas Ligas Camponesas para além das suas iniciais reivindicações ( ) . 23
24
A intervenção do Estado: O Departamento Nacional de Obras contra as Secas
2.
Começa a constituir-se já quase um consenso entre estudiosos do Nordeste brasileiro considerar-se a intervenção do Estado no combate às secas, c om o a primeira manifestação do planejamen to da atividade governamental para resolver os problemas da economia regional. O próprio diagnóstico Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste, que fundamentou a estratégia da SUDENE, aceita explici tamente essa interpretação, colocando sua divergência apenas no que respeita propriamente à estratégia de "combate às secas"; entre outros estudiosos, estudiosos, principalmen principalmente te "br azi lian ist s" norte-americanos, foi talvez talvez Albert Hirschman quem primeiro veiculou essa interpretação, em seu Journeys Toward Progress. É verdade que o Departamento Nacional de Obras Contra as Se cas, mais conhecido pela sigla DNOCS, que nasceu sob a denomina ção de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS - na pri meira década deste século, representou, em alguma medida, um esfor ço racionalizador; é notável, mesmo nos seus primórdios, o esforço desprendido no estudo da ecologia regional, recrutando até especialis tas estrangeiros que, ao lado de alguns nacionais, formaram uma exce lente equipe de engenheiros, agrônomos, botânicos, pedologistas, geó logos, hidrólogos; sob a batuta de Miguel Arrojado Lisboa, no nível mais alto, e a condução científica de José Augusto Trindade, cuja tra50
dição foi continuada por José Guimarães Duque, avançou-se muito no conhecimento físico do Nordeste semi-árido, de suas potencialida des e limites de solo, água, botânica, de sua flora nativa e das possibili dades de adaptação de outras espécies. Não se avançou nada, porém, em termos do entendimento e desvendamento de sua estrutura sócioeconômica; interessa notar, de passagem, que o melhor pessoal cientí fico da antiga IFOCS e depois do DNOCS quase sempre esteve em opo siç ão à política de obras executadas executadas pelo D epa rta men to; mesmo ti midamente, e em termos conservadores, pode-se anotar na obra mais conhecida de Guimarães Duque, Solo e Água no Polígono das Secas, um clássico da ecologia do Nordeste semi-árido, uma denúncia das condições sócio-econômicas, da exploração dos camponeses, peque nos sitiantes e meeiros pelos grandes fazendeiros do algodão-pccuária. Anos mais tarde, ao calor dos debates parlamentares em torno do pro j e t o d e c r i aç ão d a S U D E N E , o se na d or A r g e m i r o F i g u e i r e d o , d a P a raíba, típico representante da oligarquia agrária algodoeira-pecuária, afirmava que o proje to da S U D E N E e as idéias idéias de Cels o Furtado eram uma tentativa de implantação das idéias "socializantes" de Gui marães Duque ( ) . Seria apressado demais, porém, e cientificamente leviano afirmar que a IFOCS, e posteriormente o DNOCS, representam algo parecido com planejamento, ainda que no âmbito restrito do gasto governa mental. Note-se, de passagem, que mesmo o problema das secas não era concebido como um problema exclusivamente do Nordeste semiárido: o DNOCS era um departamento nacional, concebido para atuar no combate a esse fenômeno climático onde quer que ele se apresen tasse no território do país. O fato de nunca ter realizado nenhuma obra fora do Nordeste, é um resultado de sua captura pela oligarquia regional, e não uma intenção ou objetivo inicial. À pressa e leviandade em considerar o DNOCS como a primeira manifestação do planeja mento em escala regional não leva em conta alguns aspectos funda mentais para a emergência de um padrão "planejado" da reprodução econômica e social. Convém, em primeiro lugar, não desconsiderar o fato de que sequer havia, na época de criação da IFOCS e do DNOCS, uma teoria de planejamento ou, num sentido mais amplo, teorizações sobre planejamento num sistema capitalista. Claro está que nem a ex periência socialista da URSS, além de recente e de inspirar repugnân cia certamente não apenas ao Ocidente mas às classes proprietárias ru rais do Brasil e do Nordeste, não poderia servir de modelo, nem mes mo os êxitos do planejamento socialista estavam à vista. Era a época das teorizações antiplanejamento de Von Mises e Hayek, que "de monstravam" não ser possível a alocação de recursos econômicos à margem e contra as "leis" do mercado, sem o barômetro "infalível" de um sistema de preços. Seria, parafraseando Lênin, uma "teoria sem re volução" ( ) . 25
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Um segundo aspecto reveste-se de importância ainda maior que o anteriormente assinalado. Trata-se do próprio caráter do planejamen51
to num sistema econômico de base capitalista. O planejamento num sistema capitalista é sobretudo, conforme sugerido na introdução des te trabalho, uma forma de reposição transformada dos pressupostos da produção; isto é, uma forma transformada da mais-valia que se repõe no processo produtivo: a ação do Estado, para ser planejada, deve ocorre r essencialmen essencialmente te na passagem entre os resultados do produto e a reposição do ci clo pr od ut iv o. Or a, ainda que se aceite aceite que os gastos do DNOCS eram investimentos do Estado, não significavam eles em abso luto transformação das formas do ciclo produtivo; não tiveram, sob ne nhuma nhuma circunstâ circunstância, ncia, o co nd ão de transformar as cond içõe s da produ ção social do Nordeste algodoeiro-pecuário. Significaram simples mente um reforço das condições da própria estrutura produtiva, tanto na esfera da produção quanto na esfera da circulação e da apropria ção. Essa impotência de os gastos federais, através do DNOCS, leva rem a um padrão "planejado", por oposição ao "espontâneo", da re produção da estrutura econômica e social do Nordeste algodoeiropecuário, não é uma questão meramente teórica, abstrata; não é uma dedução que decorre da observação dos não-efeitos dos investimentos do DNOCS sobre o ciclo produtivo do Nordeste algodoeiro-pecuário. É um aspecto ou uma conclusão que se impõe ao se considerar, con forme as indicações teórico-metodológicas desta investigação, o anda me nt o e o estad o da luta de classes classes no interi or da estrutura do " N o r deste" algodoeiro-pecuário. A ação "planejada" do Estado, no senti do aqui proposto, ocorre somente quando a luta de classes chega a um ponto de ruptura, em que não apenas a estrutura existente não tem mais condições de continuar a reproduzir-se, como se vê seriamente ameaçada pela emergência política dos agentes que lhes são contrários. Não é a estagnação que força ao planejamento, nem apenas a situação de miséria das massas camponesas e trabalhadoras do "Nordeste" al godoeiro-pecuário. Essa estagnação era, na maioria dos casos, apenas a aparência das transformações que se operavam na hierarquia do po der entre as classes dominantes: no Nordeste como um todo, essa es tagnação refletia sobretudo a submissão da burguesia industrial aos interesses da oligarquia agrária algodoeira-pecuária e portanto a dinâ mica dessa oligarquia, sua expansão. Quanto à miséria, essa era e é se cular; o que existiu de novo em tal miséria, transformando o conflito de classes - matéria que se tratará de explicitar em outra parte deste trabalho - é sua politização: é a sua insolubilidade nos mesmos termos de reprodução da estrutura produtiva do "Nordeste" algodoeiropecuário.
3. A manutenção do status quo: o Estado capturado ou o Estado oligárquico oligárquico A dialética da oposição "Nordeste" algodoeiro-pecuário versus "Nordeste" açucareiro, a reiteração da economia agroexportadora da 52
"região" do café e sua coincidência, do ponto de vista de realização externa do valor, com as formas de reprodução do "Nordeste" algo doeiro-pecuário; a própria divisão regional do trabalho no território nacional, que se redefinia conforme o andamento da expansão da "re gião" do café; a estrutura de classes e de poder que emergiu numa e noutra "região": "barões" do café e "coronéis" do algodão-pecuária; o estado da luta luta de clas classes ses no No rd es te al god oei ro- pec uár io, que se caracterizava por "rebeldias primitivas" cuja base era a própria ambi güidade da inserção das várias classes, dominantes e dominadas, na es trutura produtiva; tudo isso levou a que a intervenção do Estado sob a forma da ação e dos gastos do DNOCS mantivesse, mais do que trans formasse, as condições de reprodução da estrutura econômica e social: conduziu, em suma, a uma forma de Estado oligárquico, onde se fusionavam e tornavam-se indistintas as esferas próprias do Estado e da sociedade civil. O Estado foi capturado por esse "Nordeste" algodoei ro-pecuário, e mais do que isso, num mecanismo de reforço, o Estado era esse "Nordeste" algodoeiro-pecuário. Uma descrição, ainda que sumária - existem sobre o assunto al gumas dezenas de obras, documentos e relatórios inclusive do próprio D N O C S - pod e servir servir aos prop ósit os de concre tizar ess essa a captura, captura, ess essa a imbricação Estado + "Nordeste" algodoeiro-pecuário. Criados para combate com baterr os os efeitos das secas secas,, a I F O C S, S, prim eiro ei ro,, e o D N O C S, de pois circunscreveram-se ao chamado Polígono das Secas, uma demarca ção no interior do próprio Nordeste geográfico mais amplo, que apresen tava as condições climático-ecológicas propícias ao fenômeno da falta e ir regularidades das chuvas. Essa própria demarcação era em si mesma eco nômica e política, pois foi concebida precisamente na época em que se ex pandia o "Nordeste" algodoeiro-pecuário, em detrimento do "Nordeste" açucareiro. E também por essa razão que se tornou o D N O C S um paradigma da ação do Estado. A IFOCS e depois o DNOCS orientaram sua ação para a cons trução de barragens, que represassem água para os períodos de se ca; para a perfuração de poços, ali onde não havia rios para represar; para a construção de barragens que visassem a propiciar uma agricultu ra irrigada; para a construção de estradas de rodagem no interior da zona semi-árida; e finalmente para a elaboração de estudos ecológicos num sentido amplo, geológicos, botânicos, pedológicos, hidrológicos, que lhes fornecessem o necessário acervo de conhecimento para a ado ção das técnicas mais adequadas para a expansão agropecuária no trópico semi-árido. Vale dizer que os estudos técnico-científicos co nheceram um breve período de florescimento, sob o comando de José Augusto Trindade, e posteriormente passaram a ser uma espécie de "filho enjeitado" do DNOCS, ainda assim graças à perseverança de homens como José Guimarães Duque. A construção de barragens para irrigar bacias para a gricultura não conheceu, comprovadamente, grandes êxitos. Além de alguns erros iniciais, plenamente justificáveis dado o grau de desconhecimento da ecologia regional, que termina53
ram por resultar em barragens que não tinham bacias irrigáveis como os arqui-conhecidos casos do açude Curemas, na Paraíba, e do açude do Cedro, no Ceará -, após mais de cinqüenta anos de atuação da IFOCS e do DNOCS, a extensão da agricultura de irrigação no Nordeste não ultrapassava modestos 5.000 hectares. Já no que qu e se refe re fere re aos ao s outr ou tr os p ro g ra m as , os ê x i t o s f o r a m m e s m o notáveis, em alguns casos; como exemplo, pode-se citar a construção de uma rede de estradas não-pavimentadas, mas de boa qualidade, na zona do Polígono das Secas, sobretudo em alguns Estados, de uma forma que, antes dos grandes programas rodoviários nacionais da dé cada dos cinqüenta, o Nordeste semi-árido contava com uma rede de estradas superior em quantidade e qualidade à do resto do país, em proporção à sua área. Essa rede de estradas servia sobretudo à circula ção da mercadoria algodão: aqui pode-se dizer que qualquer outra mercadoria poderia transitar pelas estradas, o que não demonstraria qualquer viés na atuação do DNOCS; entretanto, só havia essa merca doria. As outras, de produção agrícola, eram pequenas quantidades das "culturas de subsistência" que, vendidas nas feiras próximas, nem necessitavam de transporte rodoviário nem agüentariam o sobre-custo imposto por esse tipo de transporte, dado o fraco poder aquisitivo das populações pobres das cidades da zona semi-árida. O D N O C S dedicou dedicou-se, -se, sobretudo , à construção de barrag barragens ens para para represamento de água, para utilização em períodos de seca, e a cons trui-las nas propriedades de grandes e médios fazendeiros: não eram barragens públicas, na maioria dos casos. Serviam, sobretudo, para sustentação do gado desses fazendeiros, e apenas marginalmente para a implantação de pequenas "culturas de subsistência" de várzeas, as sim sim chamadas as ribeir ribeiras as das barragens. O investimento do D N O C S reforçava, num caso como noutro, a estrutura arcaica: expandia a pe cuária dos grandes e médios fazendeiros, e contribuía para reforçar a existência do "fundo de acumulação" próprio dessa estrutura, repre sentado pelas "culturas de subsistência" dos moradores, meeiros, par ceiros e pequenos sitiantes. O caso da perfuração de poços é semelhan te: mediante acordos com os grandes proprietários, o DNOCS perfu rou para encontrar água, que se destinava sobretudo à sustentação dos rebanhos. Não há, que a literatura registre, casos de poços públicos perfurados pelo DNOCS em todo o sertão nordestino, a não ser em al gumas cidades, para fins de abastecimento d'água potável. A descrição anterior caracterizava a ação do DNOCS em épocas normais; é fora de dúvidas que nessa ação não se constata nenhum "planejamento", nenhuma mudança de forma dos pressupostos da produção. A ação do D N O C S revest revestiu iu,, nas nas seca secass ou nas "emergênc "eme rgências" ias",, como são denominadas as épocas em que a intensidade da irregulari dade se agrava, formas típicas de uma acumulação primitiva. Recruta va-se a mão-de-obra desocupada pela estiagem, apenas depois que os magros recursos de pequenos sitiantes, meeiros, parceiros, haviam-se 54
esgotado em duas ou três semeaduras, à espera das chuvas, e emprega va-se na construção das barragens e das estradas; o pagamento dessa mão-de-obra dava-se, na maioria das vezes, sob a forma de espécie, isto é, fornecendo-se os alimentos - farinha, feijão e a indefectível carne-seca, esta nem sempre presente -; os resultados desse trabalho con cretizavam-se nas barragens feitas nas propriedades dos grandes fazen deiros e nas estradas, às vezes estradas privadas no interior dos grandes latifúndios. Utilizava-se também essa mão-de-obra na construção das grandes barragens, mas alguns estudiosos críticos dos próprios qua dros do DNOCS chegaram a calcular que, se essa mão-de-obra, em to das as secas de que há memória no Nordeste desde a criação da IFOCS, tivesse sido utilizada na construção das barragens públicas, a grande maioria delas estaria construída há muito tempo. Tal acumula ção primitiva utilizava os recursos do Estado para a implantação de benfeitorias nas grandes propriedades, e sua forma de financiamento chegou a constituir-se em outro pilar da força e do poder político dos "coronéis", da oligarquia algodoeira-pecuária. Chegando quase sem pre atrasados os recursos fiscais que a União devia fornecer para as "emergências", o DNOCS utilizava o crédito junto aos grandes fazen deiros e comerciantes do Nordeste semi-árido, quase sempre as duas formas do capital reunidas numa só pessoa, personae dessa forma de reprodução, para adiantamentos. O dinheiro passava imediatamente, com a chegada dos recursos, às mãos dess desses es fornec edo res. N ã o é preci so nenhuma imaginação, antes é ela desnecessária porque mais fraca que a realidade, para advinhar que os preços dos mantimentos forneci dos ao D N O C S para ess essas as frent frentes es de trabalho eram na verd ade uma uma outra forma dos "preços na folha": mais altos que os preços que se po deria conseguir mediante uma estrutura de compras diretas do DNOCS nas outras zonas produtoras do país. Uma estrutura de enri quecimento que a literatura de oposição à oligarquia algodoeirapecuária chamava de "ilícita". As "emergências" criaram outra forma de enriquecimento e de reforço da oligarquia: não apenas os eleitores reais dos "coronéis" tinham prioridade para engajamento nas frentes de trabalho, como os eleitores-trabalhadores-fantasmas pululavam. Obras-fantasmas e trabalhadores, "cassacos" - fantasmas, povoavam as frentes de trabalho das secas. Não é ocasional que o controle político do DNOCS tenha perma necido durante décadas nas mãos dos políticos particularmente os oligárquicos, do Estado do Ceará, talvez entre todos os Estados do Nordeste o mais encarniçadamente oligárquico. Não havia no Ceará "Nordeste" açucareiro, nem qualquer outra atividade produtiva que não fosse determinada pela estrutura típica do latifúndio-minifúndio. O Ceará era, antes da entrada do Nordeste na divisão intemacional do trabalho pela via da produção do algodão, um vasto e subpovoado curral de gado, com algumas micro-zonas como a do Cariri, onde me drou também a atividade açucareira (com razão era o Cariri do Ceará 55
muito mais ligado às estruturas de reprodução vigentes no "Nordeste açucareiro de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas). Era, em suma, um es pa ço de ati vida des ext rativas - já se esclareceu que a pecuária, nessas condições, não passava de uma atividade extrativa - que reforçou-se inclusive no começo do século pela descoberta da utilização da cera de carnaúba, nativa em vastas porções do estado cearense e também no Piauí, sobretudo em sua metade nor te. O algodão reunir-se-á com a pecuária e á carnaúba para transfor mar o Ceará num vasto algodoal segmentado em milhares de peque nas plantações, e a imbricação latifúndio-minifúndio, comerciantefazendeiro, fazendeiro-exportador, não ocorreu em nenhum outro lu gar do No rd es te com maior profundidade que ali. As primeiras grangrandes obras da IFOCS e do DNOCS foram no Ceará, e daí por diante o controle desse organismo estatal, sua captura pela oligarquia algo doeira-pecuária, aprofundou-se e tornou-se completamente indistinta a linh linha a divisória entre D N O C S e a mesma olig arqui a. Fal ar do D N O C S no Cear á, era o mes mo que fala falarr da oligarquia e vice-versa. vice-versa.
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Notas
(20) Ver FR F R A NC O , Maria Syl Sylvi via a de Carvalh Carvalho o - Homens Livres na Ordem Escravo crata. São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiro, 1969. A autora descreve o processo de inserçã inserção o de agregados, pequenos pequenos sitiantes, pequenos pequenos comerciantes, comerciantes, na divisão divisão do traba traba lho da economia cafeicultora do Vale do Paraíba em meados do século XIX. (21) Sobre a política econômica da República Velha, ver VILLELA, Annibal V. e SUZI SU ZIGA GA N, Wils Wilson on - Política do Governo e crescimento da economia econom ia brasileira. 1889- 1945. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973, (Série Monográfica, 10). (22) Esse mecanismo de reiteração da economia agro-exportadora é tratado teori camente em OLIVEIRA, Francisco de - A emergência do modo de produção de merca dorias: uma interpretação teórica da economia da República Velha no Brasil, in Boris Fausto, organizador. História Geral da Civilização Brasileira, III: O Brasil Republicano. Repub licano. I: Estrutura de Poder e Economia. São Pau Paulo, lo, DIFEL DI FEL/DIF /DIFUSÀO USÀO EDIT E DITORI ORIAL AL S A 1975. (23) HOBSBAWN, HOBS BAWN, Eric Eric - Rebeldes Primitivos: estudos estudo s sobre as formas arcaicas de de movimentos sociais nos séculos XIX e XX; Tradução Tradução de Nice Ni ce Rissone. Rissone. Rio R io de Janeiro, Janeiro, Zahar, 1970. (24) JUL J ULIÀ IÀO, O, Fran Franci cisc sco o - Que são as Ligas Camponesas?. Rio Rio de Janeiro, Janeiro, Edit. Edit. Ci vilização viliz ação Brasileira Brasileira,, 1962 1962.. Ver também também a intere interessa ssante nte tese tese de EID E ID,, Arthur Shake Shakerr Fauzi Fauzi Dissert rtaçã ação o de Mestrado. São Paulo, Depto. Depto . de de - Pelo Espaço do Cangaceiro, Jurubeba, Disse Ciências Sociais da FFLCH da USP, 1975.' (25) (25) Ver os Anais do Senado Senado Nacion Nacional, al, do ano de 1959 1959.. De De José José Guimarã Guimarães es Duque, Fortaleza, Minerva, 1953 953. Solo e Água no Polígono das Secas, Fortaleza, (26) MISES, L. Von - Economic Calculations in the Socialist Commonwealth, in Routledge, 19 1935. HA H A Y E K , Friedric Friedrich h A. - The Collectivist Economic Planning, London, Routledge, Road to Serfdom. Chicago, Chica go, Chicago Chicago University University Press Press,, 194 1944. É intere interessa ssante nte notar a evolu ção do pensamento econômico ocidental a respeito da "infalibilidade" do sistema de preços e de seu papel na locação dos recursos: a teoria dos "shadow prices" veio exata mente tentar demonstrar que apenas a intervenção no siste sistema ma de preços poderia melho rar rar a referida referida alocação. alocação. Hoje Hoje,, apenas apenas um grupo reduzido de economistas, economistas, à frente frente o sus- peitíssimo senh senhor or Milton Mil ton Friedman, Friedman, defend defendee ess essa "inf " infalib alibili ilidad dade", e", cuja prática requer sempre sempre o uso uso da força armada; não fosse fosse o deslavado cinismo dess desses es senhores, senhores, o que faz faz suspeitar que não acreditam no que dizem, fácil seria demonstrar-lhes sua própria con tradição: infalibilidade versus uso da força; somente assim existe esse sistema de preços "livres".
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III - BURGUESIA AGRO-INDUSTRIAL E INTERVENÇÃO DO ESTADO NO NORDESTE As bases econômico-sociais da burguesia agroindustrial do Nordeste 1.
A base econômica da burguesia do Nordeste foi indiscutivelmente a constituição da atividade de produção da cana e do açúcar; este é um truísmo sobre o qual não pode haver nenhuma divergência de fundo. A economia do açúcar fundava-se na Colônia e durante o Primeiro e o Segundo Impérios, no trabalho escravo, compulsório, como de resto em toda a extensão territorial do futuro país, e assim mesmo nos de mais espaços não-metropolitanos que o capitalismo mercantil criou como um dos pilares de sua acumulação primitiva. A diferença que ocorre entre a Colônia e o Império é nas relações externas, sobretudo: isto isto é, a inter medi ação da Cor oa portuguesa, seu seuss direitos de de mon op ó lio ou do "exclusivo comercial", como chamou Fernando Novaes ( ) , desaparecem e as relações externas do agora país independente passam a dar-se diretamente com a emergente potência capitalista, a imperial Inglaterra. N ã o se deve mini miza r ess essa a passage m, apesar de a base es cravocrata ter permanecido constante: nessa passagem, dá-se uma re definição da repartição do produto social, retendo-se agora, interna mente, uma parcela maior do excedente econômico, cuja reiteração produzirá exatamente a burguesia como classe social. Novas formas da repartição do produto social começam também a projetar sua sombra nessa redefinição criando o que viria a ser depois conceituado como o capitalismo imperialista: uma sobredeterminação financeira da circu lação internacional de mercadorias, sob a égide do capital financeiro inglês e depois norte-americano. 27
Não se está afirmando, é claro, que a produção do açúcar no Nordeste fosse burguesa desde a Colônia ( ). O que se está querendo afirmar é que um tipo de produção como a do açúcar, pela complexi dade de sua base técnica, que exigia a passagem necessária para formas 28
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de trabalho cooperativo, e manufatureiro em seguida, e pela sua compe tição com o açúcar de beterraba na própria Europa, continha em si mesmo o germe da produção de mercadorias, o germe do capitalismo; germe que foi levado pelo próprio capitalismo mercantil e pela sua evolução em direção a formas superiores da divisão social do trabalho nesse sistema sócio-econômico de produção de valor: essa exigência do trabalho cooperativo estava projetando o outro da produção capitalis ta - o proletariado -, com o que se fundava plenamente o capital como relação social. Historicamente, tanto a forma como penetrou o capita lismo mercantil nas colônias quanto, no caso especial do Brasil, a for ma especial que o Estado português imprimiu a essa penetração, pre pararam de antemão certas condições que, no caso clássico do capita lismo europeu, somente ocorreram mediante a destruição da econo mia feudal. Referimo-nos aqui, sobretudo, à concentração de terras e de propriedades que a forma mercantil do Estado português implan tou na sua colônia: essa concentração de terras e de propriedade, arqui-conhecida dos estudiosos da história brasileira, transformou-se em riqueza concentrada quando a própria passagem do capitalismo mer cantil para industrial, em escala internacional, forçou a redefinição do papel das colônias e, já agora, dos países independentes na divisão in ternacional do trabalho movida agora pela produção de mercadorias. O que se está querendo afirmar é que a forma da divisão social do tra balho, concretizada em certa forma de divisão técnica, presente na produção do açúcar, não poderia nunca sustentar-se num extrativismo nem num primitivismo de reprodução do tipo da economia campone sa. A produção do açúcar exigia investimentos, inversão e reinversão de capital, aumento de produtividade, enfim uma forma de reposição dos pressupostos da produção, que continha em si mesma a circulari dade própria de reprodução do capital ( ). Vale ressaltar que neste caso a forma adotada, de trabalho compulsório, resultou tanto de me canismos de acumulação primitiva do capitalismo mercantil - o tráfi co e o comércio de escravos, a par da destruição das antigas economias comunais ou tribais - quanto ao fato de, nos novos espaços nãometropolitanos do tipo do que se criou no Brasil, inexistirem socieda des que pudessem ser interpenetradas pelo capitalismo mercantil para, numa simbiose já assinalada por Marx e Engels, insertarem-se na divi são internacional do trabalho. Essa simbiose deu-se, por exemplo, no caso dos espaços como o do antigo Peru e o do México, onde o capita lismo mercantil penetrou e fundou-se sobre as formas de cooperação já j á exis ex iste tent ntes es n o c h a m a d o " m o d o d e p r o d u ç ã o a s i á t i c o " 29
Inexiste aqui qualquer proposição teleológica; tenta-se identificar se a forma de produção do açúcar no "Nordeste" açucareiro - parece uma redundância - era determinada pelo caráter dos seus pressupos tos e pelo seu movimento de reposição, e se esses pressupostos e repo sição eram capital. O fato de ter chegado a ser ou não uma produção de tipo exclusivamente burguesa é toda a tarefa desta investigação, 60
através através exatamente da obs erva ção da reposi ção dessa dessa circularidade, de seus momentos de ruptura, de seus impasses. É da dialética desse mo vimento que deve surgir a resposta. A ec on om ia açucareira continha em si mes ma, c on fo rm e já se as sinalou, elementos de reposição que se fundavam numa forma de gera ção de valor de caráter capitalista. A ^contradição entre capitalismo e escravidão já foi analisada pelo p róp rio Ma rx , e não po de ser ser entendi entendi da em termos restritos à produção do valor do espaço do "Nordeste" açucareiro; é a circulação global do capital que resolve essa contradi ção, No que se refere a essa contradição em outras "regiões" do Brasil, o brilhante Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, de Fernan do Henrique Cardoso ( ), dá conta dessa especificidade. A escravidão, aqui, era uma forma específica do capitalismo, pois separava, desde o início produ tore s e meios de pro duç ão. É apenas apenas mais tarde que a opo sição entre escravidão e desenvolvimento das forças produtivas vai co locar-se como antagônica para os processos da reprodução ampliada. Importa reter, pois, que o "Nordeste" açucareiro que transitava em di reção a formas de reprodução nitidamente burguesas, fazia-o sob o impe rativ o das mesmas mesmas leis. Deve-se adic ionar, c onf orm e já se ressal ressal tou na Introdução, que essa forma de produção criou, internamente, no próprio "Nordeste" açucareiro, outra forma de capital, centrado na circulação de mercadorias: o capital comercial dos comerciantes do porto do Recife, cuja hegemonia se estendeu por todo o "Nordeste" açucareiro, chegando até os confins do Ceará e Piauí. Anotou-se já, também, a forma embrionária de contradições de intereses de cada forma de capital, de que a história do "Nordeste" açucareiro é rica em exemplos: Revolução dos Mascates, Revolução de 1817, Confedera ção do Equador, Revolução Praieira. A expansão da "região" do café começou a relegar a segundo plano o "Nordeste" açucareiro durante todo o Segundo Império, não por nenhuma conspiração aristocrática, mas sobretudo porque o próprio "Nordeste" açucareiro havia sido deslocado pelo capital internacional de sua antiga posição, centrandose agora os novos produtores sobretudo nas Antilnas e no Caribe ( ) . 31
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As mesmas razões que nos finai finaiss do Século X I X l evav am inclusi inclusi ve a economia da "região" do café a libertar-se dos limites impostos pelo trabalho escravo, numa dialética que firmava um dos pólos exata mente nas mudanças da composição orgânica do capital nos países imperialistas, começaram a reativar a economia do "Nordeste" açucarei ro. È a época da primeira conversão dos "engenhos" em usinas, e da fundação da indústria têxtil, fecundada também pela expansão do al godão na brecha fornecida pela Guerra de Secessão norte-americana. O setor têxtil "substituía" - para usar a expressão moderna - as im portações de tecidos e panos para as próprias populações escravas, além de abastecer o débil mercado urbano formado pelas classes nãoproprietárias; a burguesia continuava a importar sedas da China - da China mesmo, ou tecidas na Inglaterra? -, o linho irlandês - que fun61
dou uma longa tradição de uso desse tecido no Nordeste - e as casimiras - no clima quente do Nordeste? - inglesas. As relações entre o setor açucareiro e o têxtil são por demais conhecidas; não apenas uma inter dependência técnica e de demanda - tecidos para a população traba lhadora e sacos de aniagem para o ensacamento do açúcar - alimenta va essas relações. A origem do capital confundia-se na maior parte dos casos nos mesmos troncos familiares, e neste caso eram uma só perso- na do capital: sua forma de reprodução era a mesma e portanto inexistiam contradições a esse nível. Essa forma de reprodução unificou as personas do capital: uma poderosa coalizão de interesses entre os dois ramos industriais amalgamou de tal forma essa coligação, que prova velmente não teve paralelo na história da formação da classe burguesa no Brasil. A burguesia agroindustrial desse "Nordeste" açucareiro e têxtil conheceu, pois, um período de expansão, cujos limites podem ser fixa dos no final final dos anos setenta do século X I X e pri mei ra década do sé sé culo XX. Essa expansão beneficiou-se, em alguma medida, da substi tuição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, da mesma forma que a expansão expansão da econom ia da " r e g i ã o " do café. Se agora as base basess da produção passavam a ser, porém, de corte nitidamente capitalista, qual a razão que explica a decadência que se seguiu a esse período de expansão? Teoricamente as duas "regiões" tinham, agora, a mesma forma de reprodução e, portanto, sua expansão deveria ser condiciona da tão-somente pelos aumentos de produtividade do trabalho que lo grassem. Um importante fator dá conta da dissimilitude das curvas de crescimento de ambas as economias burguesas: é o caráter da realiza ção da mais-valia. Enquanto o valor da "região" do café realizava-se externamente, daí a sua dependência do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano começar a imprimir sua marca às formas de repartição do excedente social do seu produto, o valor da "região" do açúcar-têxtil realizava-se internamente. A forma de reiteração da eco nomia da "região" do café, pelo caráter de sua realização externa, pas sou a ser sobredeterminada pelo capital financeiro inglês e norteamericano, do que decorreu que o eixo da política econômica passou a ser a manutenção de uma taxa de câmbio que, simultaneamente, reali zasse externamente o valor do produto da "região" do café, pagasse as dívidas externas contraídas para sustentação e valorização daquele produto e tornasse rentável para o produtor interno as atividades de produção. O sistema financeiro da economia brasileira atrofiou-se, como segunda decorrência, sendo quase todo externo - as dívidas ex ternas na verdade constituíam o suporte financeiro da economia cafeicultora - e tornou inviável o financiamento interno da realização do valor de mercadorias de consumo interno. Foi exatamente a mesma convergência de mecanismos de reiteração que freou a divisão social do trabalho na própria "região" do café, abortando sua industraliza62
cão, que somente ganhava impulso quando, por razões de crise interna cional, a reiteração externa era cortada ou atenuada ( ) . 33
É por ess essa a mesma época, époc a, finais do século X I X e princípi princ ípios os do sé sé culo XX, que o algodão vai constituir o novo "Nordeste" algodoeiropecuário, cuja estrutura e mecanismos de reprodução já foram descri tos anteriormente. A expansão do algodão e desse novo "Nordeste" vai encontrar sustentação nos mesmos mecanismos que reiteravam a produção cafeeira, inclusive porque também era uma mercadoria de realização externa, razão pela qual o capital comercial e financeiro in glês e norte-americano também se apossou da esfera de circulação. A emergência desse novo "Nordeste" algodoeiro-pecuário vai impor suas próprias leis de reprodução à economia industrial emergente do "Nordeste" açucareiro-têxtil. Premida pelas duas tenezes, da expan são da "região" do café e da emergência e expansão do "Nordeste" al godoeiro-pecuário, a economia burguesa do "Nordeste" açucareirotêxtil têxtil recriou recriou form as de rep rodu ção quase anticapitalistas, com o que se condenou à estagnação. Tomando-se como ponto de vista a sua in terdependência com o próprio "Nordeste" algodoeiro-pecuário, seu abastecimento da fibra vai depender, primeiramente, das condições de produç ão e de realização do valor do produ to alg odã o; a indús indústria tria têx til nordestina acomoda-se ao padrão de fornecimento ditado pelos grandes trustes internacionais, de tal forma que, surgindo nas frontei ras da "região" que produzia algodão de boa qualidade, vai se especia lizar, contraditoriamente, na produção de tecidos grossos: aqui é não apenas a pobreza de seu mercado, das classes de renda baixa, mas sua subordinação aos padrões impostos pelos grandes trustes internacio nais, SANBRA, CLAYTON e MACHINE COTTON, que determina essa especialização. Um caso que inclusive passou ao romanceiro po pular é a saga do industrial Delmiro Gouveia: tentando concorrer com a M A C H I N E C O T T O N , que que contro controlav lava a boa part partee da comerc comercial ializa iza ção do algodão de fibra longa para abastecer suas fábricas de fio e li nhas de algodão na Inglaterra, aquele pioneiro montou o primeiro aproveitamento hidrelétrico das quedas de Faulo Afonso, comprou todo o equipamento industrial necessário e iniciou uma longa luta que terminou com seu seu assass assassina inato to e a compra post erio r pela próp ria M A C H I N E C O T T O N dos equipa equipament mentos os que ele havia havia ins insta tala lado do na Fábrica da Pedra, em Alagoas, jogando a maquinaria dentro da própria cachoeira; suprema ironia: a cachoeira foi berço e túmulo da tentativa de ruptura dos padrões de subordinação ao capitalismo imperialista. ( ) 34
As conseqüências para a reprodução do capital açucareiro-têxtil do Nordeste foram mais danosas e mais profundas no nível das rela ções de produção. Nenhuma economia industrial - no sentido dado por Marx a esse conceito - pode expandir-se senão sob a condição de que se venha a constituir um equivalente geral, que se transforma em dinheiro e capital-dinheiro, nos circuitos da produção e da circulação. 63
Essa mercadoria específica não é um bem, no sentido neo-clássico do termo. É a constituição da mercadoria específica como força-detrabalho que confere ao capitalismo sua elasticidade, que será tratada teoricamente por Marx no Terceiro volume de O Capital, sob a forma da teoria dos preços de produção. A solidariedade entre valor e preço, com os desvios que estes podem apresentar em relação àqueles, so mente se mantém porque o que flutua é na aparência os preços, mas na realidade as relações e proporções entre trabalho pago e trabalhonão-pago; é a taxa de mais-valia, em suma. Essa flutuação apenas pode ocorrer porque a força-de-trabalho converteu-se ela própria em uma mercadoria. Essa breve digressão serve para apontar o fato de que, emergindo a economia do "Nordeste" algodoeiro-pecuário, que se centrava nas formas de reprodução já descritas, produziu em pri meiro lugar uma mão-de-obra que, pelas flutuações internacionais da economia algodoeira-pecuária, converteu-se parcialmente em forçade-trabalho disponível nas entressafras para alugar-se na produção da cana; a constituição desse semiproletariado levou para o coração da economia capitalista do açúcar-têxtil uma forma de mão-de-obra que não era força-dff-trabalho, que não era totalmente mercadoria, já-que cuidava de sua própria subsistência. Tendo agora como produtor um contendor não-antagônico, o capital industrial do "Nordeste" açucareiro-têxtil caiu na armadilha preparada pela "região" que lhe era concorrente na hegemonia das forças produtivas e das relações de pro dução; e recriou, no seu interior, formas de trabalho semicompulsórias, o "cambão", mercados "cativos" de trabalho nas usi nas ( ), formas de apropriação e expansão do trabalho não-pago ca racterizadas pelo "barracão", em que o trabalhador passou a ser pago em espécie. Recriou, portanto, formas de defesa anticíclicas não- capitalistas: não ocorria o desemprego, nas crises da economia açucareira: ocorria apenas a volta de parte da população trabalhadora às "economias de subsistência", a formas quase-naturais. Essas formas de defesa foram-lhe extremamente eficazes para não desaparecer, ma s cobraram seus direitos na medida em que a impediam de expandir-se. 35
Existe aqui um aspecto que deve ser estendido. Essa necessidade decorre da crítica dos meus colegas, José Arthur Gianotti e Vinicius Caldeira Brant, que me apontaram o "equívoco lúcido" introduzido com a questão do equivalente geral. É evidente que a força-detrabalho não pode ser o equivalente geral, sobretudo no capitalismo, embora em algumas economias coloniais onde o trabalho escravo foi introduzido, tenha este funcionado, em alguns casos e momentos, como moeda. A força-de-trabalho no capitalismo não pode ser o equi valente geral, porque não é a força-de-trabalho que compra todas as mercadorias: ela está presente nas demais mercadorias, mas quem compra as últimas é o produto do trabalho da força-de-trabalho, a mais-valia. Não só o dinheiro, porém, é o equivalente geral no capita lismo: neste, o dinheiro é equivalente geral apenas quando se transfor64
ma em capital-dinheiro, isto é, um dinheiro pressuposto metamorfoseado, valorizado, pela mais-valia. Mesmo quando, para os trabalha dores, o dinheiro funciona apenas como meio de compra das mercado rias para sua reprodução e, portanto, para os trabalhadores este di nheiro não é capital-dinheiro, a negação consiste em que como meio de compra para os trabalhadores ele é simultaneamente capital-dinheiro para os capitalistas, que produzem as mercadorias que serão compra das pelos trabalhadores. O aspecto a que se procura dar ênfase, com essa discussão, é o de que a hegemonia do Centro-Sul sobre a burguesia industrial do Nor deste começa a ocorrer exatamente pela troca de mercadorias, pela in vasão de mercadorias produzidas no Centro-Sul, onde a produtivida de do trabalho estava em crescimento. O "fechar-se" de uma fronteira nacional, que é a marca peculiar dos anos pós-30, a reposição do capi tal constante - que é o que faz avançar a produtividade do trabalho, em primeiro lugar e/ou simultaneamente com o barateamento das mercadorias de consumo das classes trabalhadoras - será determinada pelos setores - ou, no caso, "regiões", onde a produtividade do traba lho é mais alta. Essa produtividade percola por toda a estrutura da produção apenas e quando a própria força-de-trabalho, como merca doria na sua plenitude, consome outras mercadorias. É esse segredo dialético do rebaixamento do custo de reprodução da força-detrabalho, sem que se altere a chamada distribuição funcional da renda capital e trabalho. É neste sentido que é permissível dizer que, entre "regiões", uma produtividade do trabalho mais alta numa delas con verte-se numa espécie de novo equivale nte geral, o qual, por suas suas deter minações quantitativas, antecipa no capital-dinheiro pressuposto os resultados no produto, ou seja, a taxa de mais-valia e a taxa de lucros. Essas diferenças fazem parte do que aqui se está chamando "especificidades" regionais, ou "regiões": enquanto ocorre no Centro-Sul esse desdobramento e aprofundamento da força-de-trabalho como mercadoria, no Nordeste açucareiro-têxtil essa nova circularidade vêse embotada pelo fato de que a forma do capital ali predominante acha-se empatada pelas formas não-capitalistas de reprodução da pró pria força-de-trabalho. A ruptura da "região" açucareira-têxtil, po rém, no sentido de sua invasão pelas mercadorias do Centro-Sul e, portanto, da imposição da nova forma de circularidade do capital que se projeta e introjeta na própria mercadoria força-de-trabalho, não se dá automaticamente; isto é, a troca de mercadorias, mesmo quando, uma delas contém composição orgânica do capital superior, é insufi ciente: as classes sociais hegemônicas no espaço de uma "região" - e essa hegemonia faz parte ela mesma do conceito de "região" - dis põem de defesas para além da inferioridade da produtividade da sua força-de-trabalho. A ruptura requer, para se completar, a imbricação dialética de nova hegemonia de um capital extremamente superior, e simultaneamente a erosão insuportável das condições em que a "re65
gião" mais atrasada reproduz sua força-de-trabalho; requer, em suma, a quebra da hegemonia política das classes dominantes locais. Este é o ponto que se estudará em seção posterior deste trabalho, quando se tratar das condições de criação da SUDENE. Não foram afetadas apenas as relações de produção no roteiro dessa involução, utilizada aqui a expressão no sentido de nãoexpansão; a economia burguesa do "Nordeste" açucareiro-têxtil, as sim como a do "Sul" não-cafeicultor, não conseguiu transformar seu produto, sua mercadoria, no equivalente geral de toda a economia e, portanto, não encontrava meios de financiar a expansão do capital. Em que sentido pode ser entendido esse abortamento? Havia dinheiro na economia brasileira, sem nenhuma dúvida; mas sua forma de equi valente geral ocorria nas relações internas-externas; em outras pala vras, o equivalente geral da economia brasileira era a libra, e não o mil-réis. Os excedentes, na circulação do dinheiro e na possibilidade de sua transformação em capital-dinheiro, eram portanto aplicados em ouro, em libras esterlinas, em letras de câmbio que financiavam a impo rt açã o-e xp ort açã o, e não em alguma form a que facilitas facilitasse se a circulacirculação de mercadorias de realização interna e portanto o fluxo de capitais para a inversão na produção dessas mercadorias. A ambigüidade que se instalou no coração da economia burguesa do "Nordeste" açucareiro e têxtil, tanto no nível das relações de pro dução quanto no nível de desenvolvimento das forças produtivas, transferiu-se por inteiro para as classes dominadas, o operariado das usinas e o semiproletariado (simultaneamente um semicamponês) da produção da cana. Essa ambigüidade fundou uma cisão no conjunto dos trabalhadores: enquanto o operariado da produção do açúcar lu tava por salários, o semiproletariado da produção da cana lutava por terras. A burguesia tirava dessa cisão as "castanhas do fogo com mão alheia": a imbricação salários-culturas de subsistência contribuía, na verdade, para manter baixos os salários reais, mas seu resultado a lon go prazo será danoso para a acumulação, pois esta passou a não re pousar sobre os aumentos da produtividade do trabalho. A luta de classes opunha dois pares de agentes no coração da mesma "região", e refletiu-se de um lado na impossibilidade de organizações dos traba lhadores em sindicatos e, de outro, na impotência da burguesia; esta, no desdobramento dessa dialética, foi gradualmente subordinando-se tanto à própria oligarquia agrária algodoeira-pecuária, quanto às no vas determinações da reprodução de sua riqueza. Essa burguesia tornou-se no limite, para usar um termo paradoxal, oligárquica também: o que era condição de sobrevivência para o "Nordeste" algodoeiropecuário tornou-se também sua condição de sobrevivência. Torna ram-se indistintos os limites entre uma e outra "região". A condição quase natural desse desdobramento foi também sua passagem para uma posição subalterna, não-hegemônica, com a conseqüente perda do poder político. A última imagem que o país como um todo tinha da 66
burguesia açucareira-têxtil do Nordeste, antes da emergência da SU DENE, era a de uma classe social perdulária, que esbanjava nos car navais do Recife o financiamento recebido dias antes no Banco do Brasil, já sem nenhuma missão histórica a cumprir. Ironicamente, esse esbanjamento era sinal contraditório de decadência e não de vitalida de. Pilar da constituição de uma classe social burguesa nacional, sua decadência começa a aparecer, aos olhos da burguesia em expansão na "região" industrial de São Paulo, como um risco para a sobrevivência de todo o Brasil capitalista.
2. A intervenção do Estado: O Instituto do Açúcar e do Álcool Nos primórdios da década de 30 deste século, na seqüela da Re volução, o Estado intervirá na economia açucareira do país como um todo, criando o Instituto do Açúcar e do Álcool, cuja missão primor dial era na verdade estabelecer uma divisão regional do trabalho da ati vid ade açucareira em tod o o país, em er gi nd o já com muita força a produção de açúcar nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essa intervenção caracterizava-se por estabelecer um mecanismo de quotas de produção para cada uma das "regiões" açucareiras do país, garantir preços mínimos, relações entre fornecedores de cana e as usi nas, e financiamento da produção. A direção mais alta do IAA, sigla mediante a qual passou a figurar no dicionário institucionaladministrativo do Estado e da economia, esteve entregue desde seus primórdios, e até há bem pouco tempo, a membros da burguesia açu careira do Nordeste, sobretudo pernambucanos. A ironia da História consiste aqui precisamente no fato de que foi sob a direção nominal de membros da burguesia açucareira do Nordeste que o eixo da produção do açúcar passou do Nordeste para a "região" industrial comandada por São Paulo. Foi, sem dúvida, uma intervenção para a mudança que, ao lado de fatores específicos da reprodução do capital na "região" de São Paulo, contribuiu para torná-la hegemônica na produção do açúcar à escala nacional. Ainda aqui, uma vez mais, essa intervenção não pode ser caracterizada como "planejamento", no que se refere à reprodução do capital na "região" açucareira do Nordeste, se bem que no sentido da mudança já assinalada revista-se de características "planejadas". Não pode também ser caracterizada, exatamente pelos mesmos motivos por que a intervenção sob o DNOCS não foi para a economia algo doeira-pecuária; em outras palavras, a intervenção do IAA na econo mia do "Nordeste" açucareiro não mudou a forma da reprodução do capital, contribuindo antes para reforçar certas características "primi tivas" que tal economia tinha recriado em seu interior. No embate de suas próprias contradições com a acumulação do capital na "região" 67
do café e com a emergência do "Nordeste" algodoeiro-pecuário. Uma breve descrição dos mecanismos mecanismos utilizados pelo I A A pod e forne forne cer os elementos de concreção dessa política, que terminou por reiterar os elementos "primitivos" do "Nordeste" açucareiro. O mec anismo bá sico do I A A - que, diga-se de passagem, tinha tinha também como um dos seus objetivos básicos defender a atividade açucareira no Nordeste - era a fixação de quotas de produção para as di versas "regiões" produtoras, até o debate de que, dentro de cada "re gião", cada unidade produtora, cada usina, taníbém tinha sua quota pré-determinada. Como a etapa iniciou-se nos anos trinta, logo após um breve período de transição em que a luta pelo poder ainda não estava completamente definida entre os "barões" do café e a nova burguesia industrial, a acumulação de capital na "região" industrial de São Pau lo caminhou celeremente. Foi garantida por novos mecanismos de proteção do Estado Nacional, e parte dos capitais empregados na ati vidade cafeicultora desviou-se rapidamente para a produção de açú car; isto também pode ser interpretado, como parte de um estratagema político que visava de certa maneira desacelerar a produção do café, debilitar a posição dos "barões" na estrutura do poder; enfim, criar contradições entre as várias formas do capital no coração da própria "região" que se industrializava. Pouco importa que a origem dos capi tais fosse a mesma: o importante aqui, como em outros casos, é que sua reprodução se diferenciasse, diferenciando em conseqüência os in teresses, e fundando classes sociais díspares, ainda que dos mesmos troncos familiais. Nestas condições, e tendo por pano de fundo uma diferenciação progressiva nas relações de produção no interior de cada uma das "regiões", o mecanismo de proteção do IAA contribuiu, na verdade, para acelerar a capitalização da economia açucareira da "região" de São Paulo, e manter as mesmas condições de reprodução da economia açu careira do "Nordeste". Em outras palavras, enquanto a débâcle do ca fé rapidamente "descolonizou" as relações de produção, isto é, liqui dou com relações de trabalho típicas do colonato, na "região" do " N o r d e s t e " açucareiro, os mecanismo mecanismoss do I A A serviram serviram para para reforçar reforçar as características arcaicas que ela havia recriado como mecanismo de defesa. defesa. O I A A passou passou a estabelecer preços míni mos - vale a pena re cordar que sua alta direção estava entregue a elementos da própria burguesia agroindustrial do Nordeste - que na verdade defendiam o produtor marginal, isto é, o produtor que produzisse a custos mais al tos. Tais condições de monopólio ou oligopólio, isto é, de preços fixados em todo o território nacional, não permitindo às "regiões" con correrem umas com as outras na base do preço, os preços mínimos para o Nordeste transformaram-se em preços máximos para a produ ção do açúcar na "região" industrial de São Paulo. É fácil perceber que essa oligopolização da demanda ou um oligopsônico aumentou os diferenciais de acumulação em favor da "região" onde os aumentos da 68
produvitidade do trabalho eram maiores. A questão residia, uma vez mais, no caráter "arcaico" que a economia do "Nordeste" açucareiro tinha incorporado, principalmente no seu setor de produção de cana, onde a existência de um semiproletariado havia sido condição de de fesa anticíclica de caráter anticapitalista. Estudos realizados por di versos versos especialista especialistass do pr óp ri o I A A dem onstra ram até à saciedade que os diferenciais de produtividade do trabalho na ativividade industrial propriamente dita, de produção do açúcar, não eram muito grandes entre as duas "regiões", o Nordeste e São Paulo, podendo o Nordeste até levar vantagem devido aos salários reais mais baixos. Onde os diferenciais de produtividade do trabalho já eram grandes e começaram a agravar-se, era exatamente no setor produtor agrícola da cana. Conforme já se assinalou, portanto, o que se havia revelado como um eficaz mecanismo para a defesa, para a nãodesaparição da economia açucareira do Nordeste, revelava-se ineficaz como mecanismo para a expansão. O arcaísmo cobrou seus direi tos ( ) . 36
Progressivamente, cada unidade produtora que não conseguisse atingir suas suas quotas de pro duç ão dev olv ia ao I A A a faculdade de atri bui-la a outra; o mecanismo de concentração e centralização do capi tal em plena atuação na "região" industrial de São Paulo absorveu gradualmente as quotas que o Nordeste não conseguia preencher, e o próprio debilitamento da acumulação de capital no "Nordeste" açu careiro impediu o mesmo movimento de concentração e centralização do capital. As famosas "economias externas" incrementadas na "re gião" industrial de São Paulo, sob a forma de menores custos de trans porte entre centros produtores e centros consumidores, às quais tem-se atribuído relevante papel na mudança do centro de gravidade da pro dução do açúcar à escala nacional, não foram senão mecanismos de reforços secundário: sob condições de oligopsônio, essas "externalidades" se reforçavam; sem elas, teriam sido de eficácia pouco significati va, va, já que as ec ono mia s de transporte não pod eri am, por definição, Tefletir-se nos preços ao consumidor. O próprio financiamento que o IAA passou a dar ao parque açucareiro não representou, por fim, ne nhuma mudança significativa para o "Nordeste" açucareiro, servia apenas para financiar o mesmo mecanismo de reprodução do setor agrícola da atividade como um todo, nos mesmos termos. Em outras palavras, enquanto para a "região" industrial de São Paulo, o financiam ento do I A A poderia financiar tant o o capital variá vel quanto o constante, no "Nordeste" açucareiro financiava êle a reposição arcaica das relações de produção e, portanto, dialeticamente tornava nula a possibilidade de financiar ou, em outras palavras, "moderni z ar " o capital constant e das das usina usinas. s. A p róp ria m anutenção de um agente como o fornecedor de cana e os tradicionais "senhores de enge nho" que não haviam conseguido dar o salto em direção à condição de "u si ne ir os ", reforçav a nos nos esquemas esquemas do I A A o arcaísmo arcaísmo das das relações 69
de produção no Nordeste açucareiro, embotando-lhe a expansão das forças produtivas justamente no setor agrícola da agroindústria, que apresentava as maiores desvantagens em relação a São Paulo. O forne cedor de cana ou o "s en ho r de en ge n ho " é uma espécie de lúmpenburguês; transformou-se na verdade num "renter", cuja geração de ri queza residia muito mais na renda da terra que no capital. A imbricação "senhor de engenho" + força-de-trabalho semicamponesa ou, em outras palavras, semiproletária, selou definitivamente as possibilida des de melhoria da produtividade do trabalho num importante seg mento da produção agrícola da agroindústria. É significativo que a Revolução de 30 vá encontrar no poder de um Estado como Pernambuco, centro de gravidade desse "Nordeste" açucareiro, representantes daquela lúmpen-burguesia açucareira, como o senhor Estácio Coimbra; e depois, após o breve período da in tervenção de Carlos de Lima Cavalcanti, ele próprio um decadente "barão" do açúcar, chegarão apenas ao ápice do poder, naquele como em outros Estados do "Norte" açucareiro e do "Nordeste" algodoei ro-pecuário, representantes da oligarquia algodoeira-pecuária, até os anos sessenta. Sem se fazer uma redução simplista entre o movimento da reprodução do capital e a representatividade política, não deixa de ser surpreendente o paradoxo. Paradoxo este que pode ser interpretado como um primeiro sintoma da "integração nacional", sob a égide da burguesia da "região" industrial de São Paulo, cujas possibilidades de hegemonia se realizariam mais facilmente eliminando da estrutura do poder um possível concorrente burguês. As relações, portanto, entre Estado e sociedade civil no Nordeste tomam uma feição extremamente contraditória: oligarquia algodoeira-pecuária e Estado se interpenetravam no "modelo" DNOCS, enquanto o Estado, controlado agora pela burguesia industrial de São Paulo, praticava uma política de re forço ao debilitamento das bases autóctones da burguesia regional do Nordeste, requisito para a expansão capitalista em escala nacional. Olhando-se esse movimento pelos olhos míopes dos interesses "regio nais", não se podia deduzir, aparentemente, para que lado caminhava o Estado no Nordeste; apenas com as lentes de aumento do movimen to de acumulação, concentração e centralização do capital à escala na cional é que se cons egue apanhar to do o se seu signifi cado.
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Notas (27)N (27 )NOVA OVAES ES,, Fern Fernan ando do - Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial in Ca derno CEBRAP 17. S. Paulo, Edit. Brasileira de Ciências, 1974. (28)0 debate e controvérsia sobre o caráter feudal ou não-feudal da economia colo nial nial no Brasil, Brasil, e sua projeção até até o present presente, e, está está excelentem excelentemente ente apresen apresentad tado o em PAL AL MEIRA, MEI RA, Moacir Moacir - Latifundium et Capitalisme. Lecture critique d'un dêbat. Paris, thése thése de 3e. cycle presentée a la Faculté des Lettres et Sciences Humaines de l'Université de Paris, 1971, mimeo. (29)Ver sobre esse aspecto reflexionante do capital, GIANOTTI, José Arthur - O ardil ardil do trabalho, trabalho, in Estudos CEBRAP 4. São Paulo, Edit. Brasile Brasileira ira de Ciências Ltda., Ltda. , 1973, e o próprio Marx, El Capital, op. cit. (30) (30) MAR MA R X, Ka Karl rl - Formas que proceden a la producción capitalista; introdução introdução de de Eric Eric J. Hobsbawn. Hobsbawn. Cordoba, Cord oba, Ed. Pasado Pasado y Presente, Presente, 1972. 72. ENG E NGEL ELS, S, F. — Carta de Engels a Kautsky, de 16 de fevereiro de 1884, in Karl Marx y F. Engels - Sobre el sistema colonial del capitalismo, citado citado por por BART BA RTRA RA.. Roger Roger - El Modo de Producción Asiático. México, Ed. Era, 1969. (31)CA (31 )CARDO RDOSO, SO, Fern Fernan ando do Henriqu Henriquee - Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridio nal. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1962. (32) (32) FURTA FUR TADO DO , Cels Celso o - Formação Econômica do Brasil, op. cit. (33) OL O L I V E I R A , Fran Franci cisc sco o de - A emer emergê gênc ncia ia do modo de produç produção ão de mercad mercado o rias rias.. .... op. cit. Ver tamb também ém GN G N A C C A R I N I , José José C. - "A econo economia mia do açúc açúcar ar.. Proc Proces esso so de trabalho trabalho e processo processo de acumulação", in Boris Boris Fausto, organizador, op. op . cit., cit., onde tan to a breve expansão quanto os sina sinais is de decadênc decadência ia da indústria indústria do açúc açúcar ar no Nordeste Nordeste são estudados. (34) Ver sobre Delmiro Gouveia, de Mauro Mota, "A "Estrêla" de Pedra: Delmiro Gouveia, civilizador de terras, terras, águ águas as e gentes.", gentes.", in Boletim nº 9, do Instituto Joaquim Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Recife, 1961. (35)Ainda (35)Ainda em nossos nossos dias, essa essass práticas são utilizadas. Sobre as formas dos merca merca dos de trabalho "c " cativ at ivos os"" nas usinas do Nordeste, Norde ste, ver a intere interessa ssante nte tes tesee de José José Sérgio Leite Lopes - O Vapor do diabo: o trabalho dos operários do açúcar. Editora Editora Paz e Terra, Terra, Rio, Ri o, 1976, uma abordage abordagem m antropológica da relação operário-patrão e da situação situação do operariado na zona açucareira do Nordeste. (36) Ver COUTINHO, Nelson - A Agro-Indústria Canavieira do Nordeste, in Vo l. I. Rio Ri o de Janeiro, Janeiro, Edição Edição Anais do Seminário para o Desenvolvimento do Nordeste. Vol. Desenvolvimento & Conjuntura Conjuntura,, Confederação Nacional Nacional da Indústria, 1959. 959.
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IV - EXPANSÃO CAPITALISTA NO BRASIL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DESIGUAL A mudança pós-30: desenvolvimento desenvolvi mento industrial do Centro-Sul e a redivisão regional do trabalho à escala nacional 1.
É já um consenso entre os estudiosos da história brasileira, que a Revolução de 1930 foi a "revolução burguesa"; que ela tenha partido e se viabilizado pela ruptura do pacto oligárquico, exatamente tendo como centros deflagradores e seus agentes principais as oligarquias da "região" Extremo-Sul - Rio Grande do Sul -, de Minas Gerais, uma periferia da "região" do café, e de oligarquias de Estados como a Pa raíba e Pernambuco( ), indica apenas que os interesses econômicos dessas "regiões" e sua expansão viam-se sistematicamente coartados pela política econômica do café, cujo valor se realizava externamente, em contraposição à produção de valor das outras "regiões", cuja reali zação era de caráter interno. O caso de Minas Gerais é um pouco me nos claro, mas é possível reconhecer que a preeminência do capital fi nanceiro inglês e norte-americano barrava o passo ao avanço do capi tal bancário mineiro, que se havia constituído exatamente na confluên cia da produção de subsistência do interior de Minas Gerais e do abastecimento de grandes cidades, como o Rio de Janeiro. O capital bancário mineiro se havia formado apropriando, na esfera da circula ção, o excedente do produto social da economia agrícola e pecuária de Minas em sua passagem para o abastecimento de outras regiões do Brasil, notadamente o Rio de Janeiro, e começava a desviar-se para financiar o próprio café. É, em si mesmo, um caso interessantíssimo de análise e investigação, que escapa aos propósitos deste trabalho, mas cuja cujass pistas pistas teórica s encontram-se em vári os escritos de M ar x e Engels, particularmente nos estudos referentes à formação do capital financei ro francês e sua ligação com a economia camponesa francesa( ) . 37
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Os estudos do desenvolvimento industrial da "região" que passou a denominar-se, na literatura especializada, como Centro-Sul, e que ti73
nha São Paulo como centro de gravidade, são abundantes e dispensam exaustiva repetição. Importa reter suas características principais. A primeira é o fato de que, o impulso da continuada expansão do café, debilitado nos termos de sua relação com o capital comercial e finan ceiro inglês e norte-americano - o café conheceria outra inusitada ex pansão pansão na décad a dos cinqüenta, mas já agor a em termos com pl eta mente distintos - crise essa que foi uma crise de acumulação e não de demanda, como a maioria dos estudiosos a interpretam, emerge o modo de produção de mercadorias em todo o seu vigor, na direção da diferenciação da divisão social do trabalho marcada pela indústria. Agora, para uma produção de valor que se realizava internamente, criam-se os mecanismos financeiros que permitem essa realização e sua expansão. Na verdade, em termos teóricos, a produção de merca dorias de realização interna impunha seu equivalente geral a todo o conjunto da economia. A inflação, que é crônica desde então, é apenas um entre outros sintomas dessa imposição do equivalente geral( ) . 39
Quanto às relações de produção, por outro lado, a legislação tra balhista trata de tornar a força-de-trabalho uma mercadoria comple tamente desenvolvida e específica, com preços uniformizados, guar dando diferenças regionais, dissolvendo o dualismo que tendia a for mar-se entre os distintos mercados de trabalho; persistiam diferenças regionais, diferenças entre cidade e campo, mas isso está muito longe do dualismo; a referência básica passou a ser o custo de reprodução da força-de-trabalho, e as gradações no mercado urbano da força-detrabalho partiam do mínimo de subsistência necessário à reprodução. Essa regulamentação das relações capital-trabalho conferiu, por si mesma, enorme potência à acumulação, que se materializou na indús tria, nos equipamentos, na criação da infra-estrutura necessária( ) . Potenciada por essa regulamentação e materializada nas próprias fábricas, para a expansão das quais a emergência da II Guerra Mun dial serviu como substituto das barreiras alfandegárias, a acumulação de capital na indústria do Centro-Sul "disparou". Já nos anos imedia tamente após a Revolução de 1930, o produto industrial real cresceu a taxas de 11% ao ano( ). A conjugação desses fatores, salários reais mantidos baixos e produtividade do trabalho em crescendo, deu lugar a taxas de acumulação reais muito superiores àquelas calculadas pela contabilidade nacional. 40
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O desenvolvimento industrial da "região" de São Paulo começou a definir, do ponto de vista regional, a divisão regional do trabalho na economia brasileira, ou mais rigorosamente, começou a forjar uma divisão regional do trabalho nacional, em substituição ao "arquipélago" de economias regionais até então existentes, determinadas sobretudo pelas suas relações com o exterior. Derrocaram-se as barreiras alfan degárias existentes entre os Estados, na rota das transformações opera das pela Revolução de 1930, pois existiam na forma de um imposto es tadual sobre as importações provenientes de quaisquer outros Esta74
dos; instituiu-se o Imposto de Consumo sobre todas as mercadorias produzidas no país, e aboliu-se a capacidade que detinha cada Estado de legislar sobre comércio exterior. Estava-se, em verdade, em presen ça da implantação de um projeto de estado nacional unificado, em sua forma política, que recobria a realidade de uma expansão capitalista que tendia a ser hegemônica( ); voltada agora para uma produção de valor cuja realização era sobretudo de caráter interno, podia a mesma impor ao conjunto do território nacional o seu equivalente geral: essa imposição do equivalente geral criava o espaço econômico capitalista nacional unificado. 42
A imbricação Estado-burguesia industrial da "região" Sul, agora não mais uma dentre outras "regiões", mas o centro capitalista nacio nal "par excellence", é mais que evidente nessa etapa; não se trata de nenhuma conclusão "a posteriori". Tal evidência surgiu não apenas na criação dos mecanismos político-institucionais, que davam as con dições para viabilizar a imposição do equivalente geral da economia industrial ao conjunto do país, mas na ação suplementar que, como Estado em sentido restrito imprimia a seus gastos: estradas de roda gem que tornavam fisicamente possível a circulação nacional das mer cadorias produzidas no Centro-Sul é, ou foi, ao lado da quebra das "barreiras alfandegárias" entre os Estados, um outro fator que refor çou o poder de competição das mercadorias produzidas no CentroSul, vis-a-vis àquelas produzidas nas outras "regiões". Não é o mo mento agora de tratar a especificidade dessa imbricação ao nível da es trutura social e política que se geria no Centro-Sul; esse ponto será abordado mais adiante, mas é evidente que essa imbricação impunha outro caráter às relações de produção, à estrutura de classes, à estrutu ra do poder e, sobretudo, à teia de relações entre classes dominantes e classes dominadas, à burguesia industrial de um lado e ao proletariado urbano de outro, para somente citar os dois principais atores e agen tes.
2. O aumento das disparidades regionais como sinal e momento da integração nacional A expansão do sistema capitalista de produção ocorre mediante ciclos sucessivos, determinados pela mudança na composição orgânica do capital. Tais ciclos, ou o ciclo capitalista, de forma genérica, são a forma que tomam as mudanças na composição orgânica do capital; elas correspondem, por sua vez, ao movimento de concentração e centralização do capital. No momento, pois, em que a expansão do sistema capitalista no Brasil tem seu locus na "região" Sul comandada por São Paulo, o ciclo toma espacialmente a forma de destruição das economias regionais, ou 75
das "regiões". Esse movimento dialético destrói para concentrar, e cap ta o excedente das outras "regiões" para centralizar o capital. O resul tado é que, em sua etapa inicial, a quebra das barreiras inter-regionais, a expansão do sistema de transportes facilitando a circulação nacional das mercadorias, produzidas agora no centro de gravidade da expan são do sistema, são em si mesmas tantas outras formas do movimento de concentração; e a exportação de capitais das "regiões" em estagna ção são a forma do movi men to de centralização. Apa rentem ente, pois, sucede de início uma destruição das economias "regionais", mas essa destruição não é senão uma das formas da expansão do sistema em es cala nacional. Nota-se em tais condições de agravamento do chamado aumento das disparidades regionais de crescimento( ); em verdade, rigorosa mente, não se está em presença de nenhuma estagnação das "econo mias regionais"; o que existe e impõe sua lei é a nova forma de cresci mento do capital. A estagnação, quando existe, é ela própria uma fase do ciclo. Quanto às relações entre a "região" Centro-Sul comandada por São Paulo e o "Nordeste", tanto açucareiro-têxtil quanto algo doeiro-pecuário, esse movimento começa exatamente pela destruição dos capitais no "Nordeste": são fábricas que não conseguem competir em preço e qualidade, são atividades antes protegidas pelas barreiras, são as próprias formas anteriores de reprodução do capital, nos "Nor des tes ", que são post as em xeq ue; suas suas circularida des específicas específicas de re produção são ultrapassadas e dissolvidas pela nova forma de reprodu ção do capital da "região" em expansão, tendo em vista o caráter cu mulativo que os aumentos da produtividade do trabalho imprimem ao processo processo de gera ção de valor ; nisto reside reside a metam orfo se da imp osi ção do equivalente geral a todo o conjunto da economia, isto é, na troca de valores iguais ganha o que tem em si maior produtividade do trabalho. Claro está que esse movimento não é puramente econômico, no senti do em que os economistas o empregam; sem o correspondente movi mento na estrutura do poder, sem a captura do Estado pela nova coli gação de forças que reproduzem o capital de forma agora diferente, a lei do valor não se impõe sozinha( ) . 43
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As disparidades são, concretamente, o sinal do movimento dife rencial de acumulação nas relações entre os "Nordestes" e o CentroSul, e assiste-se à destruição ou fechamento de fábricas, à invasão de produtos agrícolas do Centro-Sul, a ritmos de acumulação diferenciais que implicavam, no final, no predomínio das mercadorias do CentroSul Sul sobre sobre as dos "N or de st es ", em todos os setores. setores. " N o r d e s t e " açu açu careiro perde posição de forma alarmante, o próprio setor têxtil entra em decadência, o próprio "Nordeste" algodoeiro-pecuário começa a perder terreno para o algodão herbáceo produzido no Centro-Sul. A diferença desse processo, quando comparado aos efeitos que a expan são capitalista do Centro-Sul exerceu sobre outras "regiões", é ilustra tiva: o efeito inicial destruidor sobre os "Nordestes" somente ocorre 76
porque nestes existiam "economias regionais", com circularidades es pecíficas do processo de reprodução. Não se nota o mesmo efeito em relação a uma região como o Centro-Oeste: aqui, a redivisão regional do trabalho comandada pela expansão capitalista do Centro-Sul to mou claramente as formas de "criação" e não de "destruição": é a ex pansão pecuária em direção a Minas e Goiás, a do café e da pecuária em direção a Mato Grosso; é a expansão do café sobre o Paraná. Já no que se refere ao Extremo-Sul, por exemplo, tendo o Es tado do Rio Grande do Sul como locus de uma certa circularidade es pecífica da produção de valor, os efeitos da "integração nacional" são muito semelhantes ao que se passou em relação ao Nordeste, defasado talvez de uma década: a recente grita contra a "desgauchização" da economia sulina não é outra coisa senão um sinal da homogeneização do espaço econômico nacional, a dissolução da circularidade específi ca do modo de crescer da economia gaúcha. Convém insistir na questão da integração: em passagem anterior, às páginas 64-65, ex plici tamos a utili zação que est está á sendo feita feita do con ceito de equivalente geral; o suficiente, cremos, para que não se arme uma confusão ou uma interpretação imprópria da utilização; é, na ver dade, como se o novo custo de reprodução da força-de-trabalho no Centro Sul funcionasse como um equivalente geral que determina, agora, os limites e as possibilidades de expansão das outras "regiões". Entendida assim, a integração de que estamos falando é um momento do processo de "nacionalização" do capital; isto é, enquanto as econo mias regionais ligaram-se ao Exterior, o capital internacional se reali zava "regionalizando-se"; quando uma das "regiões" assume o co mando do processo de expansão do capitalismo, voltado agora sobre tudo à realização interna do valor, há necessariamente que realizar um processo de "nacionalização" do capital. Este processo de "nacionali zação" do capital estava parcialmente cumprido, seja porque a auto nomia política dos Estados federados havia sido gradualmente reduzi da, característica política mais marcante do pós-30, seja porque, do lado da força-de-t rabalho, os movim ent os migr atório s que que se intensifi intensifi cam no pós-guerra haviam transformado uma "população para as re giões" em uma "população para a nação". Restava, para completar a "nacionalização" do capital, submeter o próprio capital das outras "regiões" às leis de reprodução e às suas formas, que passavam a ser predominantes na "região" que assumiu o controle do processo de in dustrialização. Tal "nacionalização" operou-se por vários modos: ora succionando os excedentes de capital que não podiam "reproduzir-se"* nas suas "regiões" originais, o que é fato notório na história nacional, ora impondo as mercadorias de produção da "região" que se industrializava sobre as que se produziam nas demais "regiões" e, para completar, penetrando como capital nas outras "regiões": isto é, pene trando como pressuposto: o simples succionamento dos excedentes de capital e o simples movimento de balança comercial entre as "regiões" 77
eram insuficientes para completar o processo de "nacionalização". É tão necessário penetrar como capital propriamente dito, quanto obri gar os capitais das "regiões" a serem capturadas a procurar seguir os passos da "região" que busca ser hegemônica, nos pressupostos e no produto: isto é, nas formas do capital-dinheiro e nas taxas de maisvalia e de lucro. Frente a impossibilidades que podem expressar-se de vários modos haverá, no limite, destruição dos capitais das "regiões" que estão sendo invadidas pelo processo de "nacionalização".
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Notas (37) Ver FAUS FA USTO TO,, Bori Boriss - A revolução de 1930: Historiografia e história. S. Paulo, Brasiliense, 1970. (38) Karl Marx, The Civil War War in France, France, in Karl Marx, The First International A After. Political Writings Volume III. Edited and introduced by David Fernbach. The Marx Library. Vintage Books. A Division of Random House, New York, 1974 e The Class Slruggles in France, 1848 to 1850, in Karl Marx, Surveysfrom Exile, Political Political Wri tings Volume 2, Penguin/Allrn Lane, 1973. (39) Ver OLIVEIRA, Francisco de - "A emergência do modo...", op. cit. (40) Ver OLIVEIRA, Francisco de - A economia brasileira: Crítica à razão dualista - in Estudos CEBRAP 2. São Paulo, Editora Brasileira de Ciências, 1972. (41) Ver VILLELA, Annibal V. e SUZIOAN, Wilson, op. cit. (42) A história de um país sem história é, na maior parte das vezes, uma mistifica ção que pode servir a vários fins: assim é apresentada e interpretada, mesmo em níveis acadêmicos, a história brasileira. Suas classes sociais não existem e se existem não têm consciência de seus interesses; qualquer um dos que veiculam esse tipo de interpretação, acei aceita tam m e lêem, no entanto, a história história da Revolução Revolução Fran Frances cesa a como o parto do capitalis mo, realizado pela burguesia com o concurso de outras classes sociais; aceitam e lêem a história da Revolução de 1917, como o parto do socialismo, realizado pelo proletariado russ russo o também também com o concurso concurso de outras classe classess sociais. sociais. Somente Somente o Brasil, ou mais generalizadamente, os chamados "subdesenvolvidos" são países, nestas versões, dirigidos pela "Mão da Providência". Assim é que, a maior parte das modificações operadas no póspós-30 30 em direção simu simult ltân ânea ea da industrialização e da integração integração do mercado nacional, é interpretada como obra do acaso. desenvo lvimen (43) É esse esse o núcleo núcleo da argumentação argumentação do documento Uma política de desenvolvimen seus conseqü conseqüent entes es desdobram desdobramentos entos ideoló ideológi gi to econômico para o Nordeste, op. cit., com seus cos. Alguns dos críticos da SUD S UDEN ENE E e de Furtado, em especial especial,, negar negaram am o diagnóstico diagnóstico contido naquele documento, argumentando que Furtado havia tomado como base um período de baixa das atividades econômicas do Nordeste, com uma seca - a de 1953 pelo meio; entretanto, tais tais críticos continuavam continuavam presos, presos, sob outras outras base basess estatísticas, estatísticas, do mesm mesmo o modelo de interpretação interpretação de Furtado. Furtado. É inequívoco que as desigualdad desigualdades es aumen aumen tavam. Genival de Almeida Santos, trabalhando sobre as Contas Nacionais do período 1947 1947/5 /54, 4, havia chegado às mesm mesmas as conclu conclusões, sões, de crescente distanciamento. Ver, do au au tor citado. Renda Renda Social Social do Nordeste, in Revista Brasileira de Economia. Rio Ri o de Janeir Janeiro o 10(2), junho de 1956. O Nordeste de Genival Genival de Almeida Santos, Santos, à época chefe chefe do Gru po de Contas Contas Nacionais do IBRE, IBR E, exclu excluía ía Sergipe e Bahi Bahia. a. Ignácio Rangel aponto apontou u cer cer teiramente para o aumento das disparidades como sinal de "integração", mas sua pró pria pria visão tinha tinha muito muito de "mão "mão da Provid Providênci ência", a", e na tradição tradição do ISEB, repre represe senta ntava va a ideologia da burguesia nacional, não se dando conta de que a referida "integração" era nacional mas seus agentes desbordavam a camisa-de-força da burguesia nacional. Ver, do autor, Financiamento Financiamento dos empreendime empreendimentos ntos regionais, in Anais do Seminário para o Desenvolvimento do Nordeste, vol. II, op. cit. (44) Ver, sobre a formação dos Estados Nacionais, Maurice Dobb, A evolução do capitalismo, trad. de Affonso Blacheyr Blacheyre, e, 2ª ed. Rio, Ri o, Zahar, Zahar, 19 1971 e Vladimir Ilitch Lenin, Sobre el derecho de Ias Naciones a la autodeterminación autodeterminación e El Estado y la Revolucion, in Obras Escogidas, Tomo Tom o I e II I I , Ed. Progresso, Moscú, 1970, e a obra clássi clássica ca de Frederico Frederico Engels, The Origin of lhe Family, Private Property, and lhe State, in Karl Marx M arx and an d Fre- Fre- derick Engels. Selected Works in Three Volumes, Vol. Vol. II I, Progre Progress ss Publishe Publishers, rs, Moscou, Moscou, 1969.
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V - D E S E N V O L V I M E N T O REGI RE GIO O NA NAL L DESIGUAL E CONFLITOS DE CLASSE
1.
Breve advertência
Será feita, aqui, uma tentativa para compreender como o desen volvimento regional desigual da economia capitalista brasileira ou, o que é o mesmo, como a divisão regional do trabalho nacional dá lugar a conflitos de classe; em termos mais precisos, a luta de classes de cará ter desigual funda-se na própria aceitação do método dialético. Tal de sigualdade do conflito de classes não é apenas uma questão de grau, isto é, não implica em se dizer que, se na "região" industrial que tenta impor sua hegemonia - seu equivalente geral, sua forma de reprodu ção - ao conjunto da economia nacional, o conflito de classes passa a basear-se na nova especificidade das classes sociais que aparecem ago ra como agentes políticos distintos; ou, mais concretamente, se na "re gião" industrial começa a aparecer de um lado uma burguesia indus trial e de outro um proletariado urbano, nas outras "regiões", e espe cialmente no Nordeste, o conflito de classes tomará a mesma forma; sua própria subordinação criará as mesmas classes, e estas aparecerão como agentes e atores políticos, como na "região" industrial; esse mecanicismo levaria à suposição de que as diferenças que surgem serão apenas de grau, isto é, existirá nas outras "regiões" uma burguesia mais fraca e um proletariado mais débil, menos organizado, menos combativo. Um mecanismo desse tipo que, reconheça-se, foi de certa forma muito incentivado por uma classe de marxismo vulgar, está longe de cor responder e de utilizar o método dialético em toda a sua riqueza; mais radicalmente, está longe de ser dialético. Infelizmente esse mecanismo penetrou a fundo, também, na interpretação da história política e so cial do Brasil pós-30. A história política e social do Brasil foi exagera81
damente "homogeneizada", uniformizada, do ponto de vista teórico, da chamada "interpretação" do Brasil, para além do que a própria tendência de homogeneização da reprodução do capital em escala nacional conduzia. O Brasil que se reconhece nessas interpretações é o Brasil "populista", de Norte a Sul, de Leste a Oeste; o Brasil da práti ca política era o Brasil da burguesia "progressista", com uma missão histórica a cumprir: a de formar uma Nação, e um proletariado que deveria pactuar com ela taticamente para, no roteiro desse pacto, to mar-lhe o poder na seqüência posterior. O Brasil que surgia do lado das teorizações conservadoras, reacionárias, de direita, ainda mais pobres maniqueístas, era reconhecido como um Brasil que substituiu a "estabilidade" do Segundo Império e da Primeira República pelo caos: burguesia que não sabia governar e proletariado que não sabia obedecer. Ironicamente, ambos os estilos de "interpretação" nascem das mesmas matrizes: a da concepção linear da História; e tornaram-se estas, por sua vez, meta-ideológicas: sem nenhuma capacidade para perceber o movimento real, o caráter das transformações, e portanto, formular programas políticos coerentes com seus próprios novos inte resses de classe.
2. Sociedade, economia e Estado no Brasil do Centro-Sul A expansão capitalista no Brasil no pós-30 e sobretudo na década de 50, que tem seu locus na "região" industrial de São Paulo, cria pelo próprio movimento diferenciado da reprodução do capital uma estru tura social que começa a diferenciar-se crescentemente e, simultanea mente, pela lógica desse próprio movimento, começa a polarizar-se, assumindo essa polarização novas formas. O duplo movimento, de di ferenciação e polarização, dá lugar à emergência de uma estrutura de poder que, no percurso da diferenciação-polarização toma ou reveste aparências de indiferenciação, fenômeno que algumas vertentes da sociologia e da ciência política indentificaram como o de uma anomia. Ta T a l f e n ô m e n o ou apar ap arên ênci cia a tinha tin ha c o m o fu nd am e nt os , para pa ra os que qu e sus tentaram essa tese, de um lado uma classe dominante que não se dife renciada em seus interesses, uma burguesia que havia nascido do café, uma industrialização que não entrava em conflito com a oligarquia agrária, um Estado que era dirigido por representantes dessas oligar quias agrárias mas que impulsionava a industrialização; e de outro um proletariado de recente extração rural, cuja consciência de classe era embotada, seja pelo seu próprio movimento de migração campocidade, seja pela sua "inadaptação" ao meio urbano-industrial e, por tanto, pela manutenção em meio urbano-industrial e, portanto, pela manutenção em meio urbano de uma "cultura" rural. A síntese dessa anomia era o populismo, encarado e interpretado como um simples expediente manipulatório; vale a pena ressaltar que não se reconhecia, 82
como bem o assinalou Octávio Ianni, que o populismo não era, não eqüivalia à estagnação da luta de classes, da diferenciação-polarização de interesses, e com toda a probabilidade era muito mais a forma dessa diferenciação-polarização( ) . 45
O que é evidente, e dispensa tabelas estatísticas que reproduzam o óbvio, é que havia surgido, se consolidando pela expansão, uma bur guesia industrial cujos interesses de reprodução do seu capital, de for ma geral, não podiam mais ser confundidos com a forma de reprodu ção do capital controlado pelas oligarquias, e que, por isso mesmo, havia capturado o Estado, levando-o a implementar sistematicamente políticas econômicas cujos objetivos eram o reforço da acumulação in dustrial e cujos resultados, em grau surpreendente, corresponderam àqueles objetivos. Uma política cambial que sistematicamente subesti mava a taxa de câmbio para facilitar as importações e que em certas ocasiões chegou a proibir certas importações, uma política alfandegá ria que elevou a níveis nunca dantes alcançados as barreiras alfandegá rias para proteção da indústria "nascente", uma política de confisco cambial que capturava parte do excedente produzido pelas exporta ções justamente para financiar o câmbio favorecido para as importa ções industriais, uma política de crédito consubstanciada em institui ções como o Banco do Brasil e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, para só citar essas três variantes de uma única política econômica global, não podem ser entendidas como produto do acaso, da "mão da Providência" de corte smithiniano; de "atirar no que viu e matar o que não viu"; de "Deus escreve certo por linhas tortas"( ) . O fato de o fulcro dessas políticas ter como ponto fundamental de re ferência os crônicos problemas de balanço de pagamentos, é apenas a prova de que se tratava exatamente de impor o equivalente geral da indústria a salvo das perturbações que a concorrência imperialista pudesse acarretar à forma de reprodução interna, mas não a salvo pelo contrá rio, requerendo-o, do concurso do capital internacional para reforçar a forma de reprodução interna. É insustentável, pois, uma proposição do tipo da que faz Carlos Lessa, em seu Quinze Anos de Política Econô mica, que a expansão industrial tenha sido um resultado fortuito das políticas de balanço de pagamentos e de combate à inflação( ) . 46
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A questão da convivência com as oligarquias agrárias e, ate certo ponto, da preservação da forma pela qual essa oligarquia reproduzia sua riqueza, é tão-somente uma questão de subordinação; subordinação que não exclui contradições entre os interesses da burguesia indus trial e os das oligarquias agrárias, entre o latifúndio e a indústria, entre cidade e campo. A política econômica ditada pelos interesses da repro dução do capital industrial reduziu as formas de reprodução da econo mia agroexportadora até o limite necessário para que estas não conti nuassem a impor sua própria forma de reprodução ao conjunto da economia nacional, mas foi suficientemente elástica para permitir a sobrevivência dessa forma de reprodução, até mesmo porque as divisas 83
necessárias para a importação dos bens para a indústria continuavam a ser, sobretudo, advindas da realização externa do produto da econo mia agroexportadora. Seria ingênuo, porém, não perceber que nessa convivência o capitalismo industrial começara a redefinir o próprio caráter da reprodução da economia agroexportadora, transforman do-a gradualmente em capitalista "tout court". É fácil perceber que, no contexto da polêmica travada nos anos cinqüenta, em torno do chamado "confisco cambial", o pano de fundo era dado por essa im posição do capitalismo industrial, que forçava a economia agro exportadora a redefinir sua forma de reprodução: de um lado, a ele vação da renda da terra no próprio Estado de São Paulo, tornando im produtivas as culturas de café cujos detentores persistiam nas práticas do "colonato", expandiu a fronteira do café para o Paraná e Mato Grosso, onde a participação da renda da terra no produto social era mais baixa; de outro lado o "confisco cambial", quando levado além de um certo limite, realmente significava ruína para os cafeicultores, já que pela destruição do "colonato" era simplesmente impossível supor tar uma redução da lucratividade que, forçosamente, afetaria a repro dução do valor sob as mesmas condições. O ultimato do capital indus trial à economia àgroexportadora podia ser sintetizado em: "ou te re produzes como eu, ou te extinguirás". A resposta freqüentemente to mou duas formas: uma, a forma da expansão da fronteira onde era possível, até certo ponto, continuar a reproduzir a economia agro exportadora nas condições anteriores; a história do café no Paraná e em Mato Grosso dá conta dessa forma; a outra, uma forma de concen tração peculiar aos estágios iniciais da indústria em sentido lato: uma concentração em forma de capital variável, isto é, uma transformação nas relações de produção. O fenômeno, hoje tão visível, dos "bóiasfrias" e da criação do proletariado rural em São Paulo nasceu há mais de duas décadas, exatamente pela dialética das relações capital indus trial versus economia àgroexportadora do "colonato" e da oligar quia. É importante esclarecer aqui os mecanismos mediante os quais a renda da terra interfere nos processos de destruição do "colonato", de sua recriação na fronteira agrícola em expansão, e de redefinição das relações cidade-campo ou burguesia industrial versus oligarquia do café. O "confisco cambial" foi a forma inicial de redefinição das rela ções cidade-campo na "região" do café, que se convertia em "região" da indústria. Forçava, pois, a uma redução da lucratividade da ativi dade cafeicultora ao nível do produtor, já que o forte oligopólio na co mercialização e a influência do capital financeiro transferiam para o produtor o confisco que o Governo operava, ao nível do Instituto Bra sileiro sileiro do Caf é e das operações de exp ort açã o. Fren te a ess essa a reduç ão, o produtor de café tinha algumas opções: a primeira, teoricamente mais óbvia, era elevar a composição orgânica do capital e, mediante aumen tos da produtividade do trabalho, manter ou recuperar um nível de 84
taxa de lucro que compensasse o "confisco". Tal elevação da composi ção orgânica do capital encontra consideráveis óbices na cultura do café: o primeiro é que dificilmente pode-se elevar muito a composição técnica da parte fixa do capital constante, pois a cultura do café não é facilmente mecanizável, e os outros elementos da parte fixa do capital constante não podem crescer muito se não cresce na mesma proporção a pr od uç ão ; expandir os terreiros de secagem secagem do café, por exe mp lo, so mente é possível expandindo-se a própria produção; não houve aí mui to aumento da produtividade do trabalho, senão numa fase muito recente, mediante processos mais intensivos de secagem e beneficiamento, que não estavam então disponíveis. A segunda opção era ele var a composição técnica da parte circulante do capital constante co mo, por exemplo, os adubos e defensivos agrícolas. Assim, as condi ções de suprimento externo desses elementos circulantes do capital constante, a operação resultaria provavelmente num desequilíbrio da composição de valor, tendendo a reduzir ainda mais a taxa de lucro. A terceira opção era começar o processo de concentração pelo próprio capital variável, isto é, ao nível das relações de produção; e foi uma das opções concretizadas que deu origem, muito mais cedo do que se pensa, aos trabalhadores volantes no Estado de São Paulo, os hoje co nhecidos como "bóias-frias". Tal processo de concentração, que co meça pelo próprio capital variável, tem fôlego curto se não se puder operar, mais dia menos dia, concentração pelo lado do capital cons tante, pois neste caso os salários reais tendem a crescer, ameaçando outra vez a taxa de lucro. O processo de proletarização no campo, ape nas apoiado na atividade cafeicultora, caminhou por isso tão lenta mente, tendo sido mais veloz nas atividades de exploração agrícola da cana-de-açúcar mesm o em São Pa ulo , e só tendo ganho expressividade mais recentemente, quando culturas como a da soja e do trigo, permi tindo enormes mudanças na composição orgânica do capital, criaram definitivamente o proletariado rural no Centro-Sul. Essas restrições "a mudança na composição orgânica do capital na agricultura, e sobretudo na do café, elevaram a primeiro plano a questão da participação da renda da terra no produto, induzindo às modificações que se seguiram, umas na direção da expansão da fron teira agrícola, outras na direção da mudança nas relações de produ ção. Predatória por excelência, a cultura do café tende a diminuir sua produtividade, seja pela velhice dos cafeeiros, seja pela perda da fertili dade natural da terra; essa característica predatória só pode ser compen-. sada por mudanças na composição orgânica do capital, que se de monstrou de difícil realização àquela época. A cultura do café, e pre sença de condições de fortes concentrações fundiárias, não experimen tou, como outras, grandes dificuldades para trasladar-se em direção a outros espaços. Aqui, a renda da terra em presença do "confisco cam bial" ganha relevância; este último tendia a reduzir a lucratividade da atividade produtora de café e, neste caso, a renda da terra tende a ele85
var-se, em termos absolutos, do ponto de vista da formação do produ to; mesmo tendendo a elevar-se, ou principalmente por isso, bloqueia o processo de acumulação, porque sua forma no produto dificilmente pode ser acumulada em termos capitalistas: pode sê-lo em termos mais gerais de riqueza. Tal elevação da renda absoluta dá lugar à introdu ção da renda diferencial, que vai operar a translaçãc da cultura do café para outros espaços, onde a fertilidade natural é mais alta; onde a ren da da terra, mesmo sendo mais alta em termos absolutos, que nas zonas decadentes, é mais baixa relativamente, isto é, em termos de sua participação no produto. A renda diferencial relativa que se estabelece entre as zonas decadentes e as zonas novas beneficia estas últimas, com o que estas conseguem romper as restrições à lucratividade que o "confisco cambial" impunha. Freqüentemente, também para onde transladou-se a cultura do café, também implicou essa translação em mudanças nas relações de produção, introduzindo o proletariado ru ral, com o que a produtividade econômica do café voltou a crescer. Não é paradoxal, portanto, que nas antigas zonas do café tenha per manecido o "colonato", e estas zonas decadentes tenham se transfor mado, na maior parte dos casos, em zonas de pecuária extensiva, com alta concentração fundiária e uma recriação do binômio latifúndiominifúndio dedicado agora à pecuária leiteira, como é o caso do Vale do Paraíba. Pecuária que, com sua peculiar estrutura de produçãoapropriação fundada no latifúndio-minifúndio, reduz novamente a participação da renda da terra no produto. O proletariado urbano cresce, por outro lado, na medida mesma da expansão industrial e mais além, isto é, além dos limites que são fornecidos pelos indicadores da força-de-trabalho em funções; cresce, também, simultaneamente, o exército industrial de reserva, agora nas próprias cidades. A redefinição das formas de reprodução do capital e o desenvolvimento das forças produtivas vai produzir um novo prole tariado, diferente do anterior em quantidade e em qualidade; em quantidade, pela própria incorporação aos postos de trabalho criados pela expansão industrial e pela função que no ciclo exerce o exército industrial de reserva; em qualidade, pelo fato, em primeiro lugar, de que persistindo taxas diferenciais de lucro inter-setoriais, na diferen ciação atinge e marca o proletariado; mas em períodos anteriores tam bém funcionava a lei de taxas de lucro diferenciais. A inovação agora é que esses diferenciais são comandados pelos ramos ali onde a concen tração do capital é mais intensa, e portanto a composição orgânica do capital desses ramos é que comanda a própria diferenciação intersetorial de lucros; em segundo lugar, e num movimento simultâneo, essa diferenciação é acompanhada por um movimento de uniformiza ção: isto é, tanto pela ação da expansão das forças produtivas, quanto pela implantação da legislação trabalhista, o proletariado é redefinido pela sua base. O duplo movimento cria ou recria em novos termos a contradição capital versus trabalho: em primeiro lugar, cria locus eses 86
pecíficos da luta de classes, e em segundo lugar cria um locus unificado da mesma luta. Tanto a ascensão do proletariado urbano ao primeiro plano da cena política quanto as suas diferenças internas são resultados desse duplo movimento e explicam ao mesmo tempo, em boa me dida, sua n ova força e suas suas específicas debil idades ou d ivi sõe s internas. A descrição e compreensão da nova sociedade no Centro-Sul do Brasil, ou no que estamos chamando de "região" industrial de São Paulo, não pode ser completa nem esclarecedora se não for considera da presença do Estado, sob novas roupagens e desempenhandc-se de forma diferente na reprodução do capital. O Estado é já um Estado capturado pela burguesia industrial, mas não se resume nisto: é a pró pria contradição da reprodução do capital. Entrando na esfera produ tiva o Estado realiza em outros termos uma espécie de "acumulação primitiva" cujos frutos, sem lugar a dúvidas, vão parar nas mãos da burguesia industrial; sua crescente intervenção ocorre nas crises, para viabilizar mais e contornar as crises do ciclo capitalista; mas sua nova forma de intervenção é agora positiva e não apenas negativa, isto é, in tervém sob formas diretamente ligadas ao capital em funções e não apenas intervém como se não o fizesse, colocando-o, em certas oca siões, em confrontação direta com a burguesia industrial. O próprio caráter de sua intervenção é resultado muitas vezes da debilidade de acumulação direta da burguesia industrial; não pode, pois, ser ela deti da arbitrariamente, sob pena de colocar em risco de desmoronamento o novo rumo da acumulação industrial e da acumulação em escala glo bal. O Estado é, por outro lado, um ente ambíguo quase por defini ção, no que se refere ao proletariado urbano emergente. Principalmente para assegurar as leis de reprodução que agora devem beneficiar sobretudo as formas de mais-valia industrial, o Estado colocou sob sua guarda o próprio movimento operário; não se trata, neste caso, como certas interpretações do populismo sugerem, de cooptação do opera riado pelo Estado. Observando-se bem as coisas, a legislação trabalhista, seu estilo corporativista, a presença aparentemente mediadora . do Estado no conflito capital-trabalho não é uma cooptação: é uma guarda, uma vigilância, uma prisão do movimento operário pelo Esta do: daí certas concessões, que foram vistas freqüentemente como "vantagens" para o operariado; e ainda é exagero chamá-las de "con cessões". Foram, na verdade, formas pelas quais o Estado realizava a "acumulação primitiva": por exemplo, as "vantagens" do proletaria do ligado às empresas do Estado, ou as "vantagens" de certas porções do operariado localizado nas atividades do transporte (ferroviários, portuários, etc), não afetavam na verdade a acumulação que o Estado transferia para a burguesia industrial. As empresas do Estado nessa fa se são sobretudo agentes da divisão técnica do trabalho; em outras pa lavras: mediante a captura de impostos o Estado, pelas suas empresas, realizava apenas a transformação material. O custo de produção dessa transformação não estava diretamente determinado pela massa de sa87
lários pagos: sua determinação vinha de fora, da massa de impostos captados. É por essa razão que o Estado pode "beneficiar" mais os trabalhadores ligados às suas atividades, sem com isso afetar a "acu mulação primitiva" que realizava e que transferia à burguesia indus trial. Foi apenas nos últimos anos da década de cinqüenta e primeiros da década década seguinte, seguinte, qua ndo o vo lu me de impost os captados já nã o dava lugar à simultânea existência dos "benefícios" aos trabalhadores e à transferência da "acumulação primitiva" para a burguesia, que essa contradição específica da ação e intervenção do Estado apareceu e tomou o primeiro lugar da cena: foi apenas então que os "deficits" do Estado tornaram-se insuportáveis. A ambigüidade do Estado em relação ao proletariado, movida basicamente pelas suas novas funções na reprodução global do capital e não pelas "benesses" distribuídas cobrava, entretanto, certos direi tos. O Estado não tinha necessariamente que ser repressor contra seus trabalhadores, pois não havia contradição entre a massa de salários que fazia parte da transformação que ele operava e o volume dos bens e serviços que ele transferia para a burguesia industrial; e à medida que a própria reprodução do capital simultaneamente operava a diferen ciação e a unificação do proletariado, as frações desse proletariado, li gadas às atividades do Estado, uniram-se às demais frações do proleta riado, com o que o nível de consciência global dos interesses do proleta riado elevou-se. Unificando-se o movimento operário, a especificidade das suas suas frações fraçõ es que trabalha vam para o Es tado ta do ganh ava uma forç fo rça a desproporcional à sua própria expressão numérica no conjunto da classe operária: aqueles podiam fazer parar todo o sistema, parando o Estado. Sociedade, economia e Estado no Brasil do Centro-Sul não podem ser compreendidos senão no cruzamento dessas articulações assi naladas. O pacto populista era a forma da hegemonia burguesa, uma hegemonia que se afirmara sem liquidar com o seu antigo contendor, a oligarquia agrária cafeicultora; uma hegemonia que se afirmara diri gindo pod erosam ente a ação e a inte rvenç ão do Estad o co mo sustent sustentááculo e mola de sua expansão; uma hegemonia que se afirmara utilizan do o Estado para vigiar o proletariado urbano sem necessariamente ser repressor ostensivo; não é paradoxal, portanto, que a luta de clas ses específica da sociedade do Centro-Sul tivesse o Estado como centro da contradição: nessas condições, ela não podia nunca tomar a forma clássica da luta de classes que opunha burguesia de um lado contra proletariado do outro, tendo o Estado apenas como mediador. O Es tado não era um mediador nas condições concretas da expansão capi talista no Centro-Sul do Brasil mas, ao contrário, o núcleo da contra dição; e portanto sobre ele, sobre sua forma, sobre sua direção, diri giam-se as contendas das duas principais classes sociais e, por força destas, das demais que eram periféricas, latifundiários e massa urbana não-operária. Não é, pois, nem um "desvio" da burguesia industrial, 88
nem um "desvio" da classe operária, que muitas leituras e interpreta ções sugerem, que estes e aqueles dirigissem suas petições e reivindica ções ao Estado: crédito e proteção, de um lado, e pedidos de aumento de salários de outro eram as duas faces da contradição que o Estado representava, na forma pela qual o capitalismo se expandiu no CentroSul do Brasil. Entender de outra forma pode ser muito bonito e estar muito rente às interpretações clássicas, mas não comporta o real: o real é a acumulação de capital, que no capitalismo é somente uma e igual em toda parte: a extração de mais-valia mas cujas formas, his tórica e concretamente determinadas podem variar enormemente. As diversas formas da luta de classes não podem ser vistas como "des vios" dos padrões clássicos. Assim sendo, não haveria nunca mais, des de a primeira revolução, a possibilidade e a probabilidade de outras revoluções. O "planejamento" desse Estado do Brasil do Centro-Sul assume, necessariamente, formas setorializadas: trata-se de intervir de forma não-espontânea não sobre o conjunto da reprodução do capital, mas sobre debilidades localizadas dessa reprodução. Tal "planejamen t o " n ão é, por isso, uma uma crise crise irred utív el entre classe classess antagô nic as, mas uma forma especial de diferenciação da taxa de lucros. Esse "planeja mento" e o Estado que o opera abrem, ao mesmo tempo, um espaço enorme para a superação parcial dos conflitos de classes básicos. Será somente quando as necessidades de reprodução do capital em escala global, inclusive e principalmente pela forte penetração do capital inter nacional no capitalismo brasileiro, tornarem insuficiente a forma de intervenção do Estado, ou o que é o mesmo, esse "planejamento pri mitivo", que se baseava sobretudo na transformação da forma "im posto", que o conflito de classes entre os atores e agentes sociais fun damentais emergirá toda a sua força e ultrapassará os próprios e es treitos limites do Estado, matéria de que se tratará no capítulo seguin te.
3. Sociedade, economia e Estado no Brasil do Nordeste *
Ressalve-se aqui, uma vez mais como mera advertência, que não se encampa nem se trabalha sobre uma dualidade ou multiplicidade de "Brasis", ao estilo Jacques Lambert ou mesmo ao modo cepalino. Es ses "Brasis" não são mais que a força diferenciada da expansão do ca pitalismo. A imbricação e as relações "sociedade, economia e Estado" ocor rem, portanto, no Brasil do Nordeste, de forma diferente das que pre valeciam no Centro-Sul. Essa diferença é ao mesmo tempo o resultado da herança histórica e da redivisão regional do trabalho que a expansão capitalista no Centro-Sul comanda. A burguesia industrial do "Nor deste" açucareiro-têxtil havia se submetido, como herança, às leis de 89
reprodução da economia da "região" do café, que teve seu "partner" nordestino na economia do algodão-pecuária; na etapa da industriali zação, em que a divisão regional do trabalho no Brasil vai se redefinir conforme os andamentos da acumulação industrial na "região" de São Paulo, aqui também chamada Centro-Sul, a burguesia industrial desse Nordeste encontrava-se de braços atados para participar e co mandar, no que deveria ser seu espaço, a expansão expansão capitalista. capitalista. T al p ro cesso já foi descrito com anterioridade neste trabalho, pelo que não re produziremos passo a passo as condições em que já havia ocorrido. Vale ressaltar apenas que, exatamente quando a expansão capitalista passa a ocorrer sob a forma de realização interna do valor, isto é, de industrialização voltada para o mercado interno, a burguesia indus trial trial do No rde st e cai cai na armadilha do I A A , que que se se lhe lhe viabi lizav a man ter-se, coartava-lhe a expansão, exatamente porque a mantinha sob as mesmas condições de coexistência com formas de acumulação nãocapitalista. A integração do mercado nacional, ou a criação do mercado na cional unificado, resultado da imposição em escala nacional do equi valente geral da economia da "região" de São Paulo, vai encontrar aquela burguesia extremamente debilitada, incapaz de redefinir seu próprio esquema de reprodução, incapaz de impor, sob seu comando, e no seu espaço de reprodução, a seu favor, o equivalente geral da eco nomia industrial( ). A penetração das mercadorias produzidas no Centro-Sul, além de ver-se favorecida pelas medidas de cunho político-institucional e pela melhoria dos transportes, será tanto mais facili tada por essa incapacidade da burguesia industrial nordestina adaptar seus esquemas de geração de valor às novas determinações que tinham seus locus na região Centro-Sul. A conseqüência política de todos esse processo é a total perda do poder político da burguesia industrial açucareira-têxtil sobre sua própria "região": aqui, a imbricação da econo mia e da política apresenta-se em notável ponto de fusão. Essa perda de poder político impedia-lhe de utilizar o próprio Estado, capturado pela burguesia industrial do Centro-Sul e, no Nordeste, pela oligar q u i a algod oeiro -pec uária , para para redirecionar se seus esquemas esquemas de repro dução. A dupla incapacidade revela-se mortal para sua existência, enquanto classe que tinha um espaço próprio de reprodução; suas relações com a própria classe operária, que lhe era subordinada no es quema da geração do valor, serão gravemente afetadas. 48
A classe operária do "Nordeste" açucareiro-têxtil, em seus seg mentos urbanos e rurais, havia se formado ao longo de toda uma tra dição de confrontação aberta com a burguesia açucareira-têxtil. Tal confrontação tinha suas raízes no próprio fato de que, atada a esque mas de reprodução que haviam inclusive recriado relações de produ ção não-capitalistas, a burguesia industrial do Nordeste tinha sido in capaz de gerir novas formas de geração de valor, e portanto, um novo tipo de relações com a classe subordinada. Não poderia haver, dentro 90
desse contexto, nenhum ganho de produtividade que, mesmo margi nalmente, pudesse afetar as condições de vida da classe trabalhadora desse "Nordeste" açucareiro-têxtil. Não havendo mudanças quantita tivas e qualitativas substanciais na composição orgânica do capital, de um lado, não se gerou um novo proletariado; de outro, mantendo-se atada à armadilha da recriação de mecanismos de acumulação primiti va, os operários enfrentavam-se também com a burguesia como se fos sem camponeses. Essa dupla determinação da situação da classe prole tária do Nordeste açucareiro-têxtil a levava a enfrentar a burguesia in dustrial em dois terrenos: no terreno das relações de produção capita listas, em que a reivindicação dos ganhos de produtividade incorpora das aos salários reais não podia ser atendida, e no da reivindicação de terras ou da eliminação das formas de trabalho semicompulsório, das formas do "cambão", das formas de sobre-trabalho, que punha em xeque a própria existência da burguesia industrial. Não é estranho, portanto, que no "Nordeste" açucareiro-têxtil não se tenha formado, salvo no breve período do Governo Cid Sam paio, em Pernambuco, nenhuma coligação política do tipo "populista" tal como aconteceu na "região" de São Paulo. Apesar dos que têm interpretado o Brasil dos anos cinqüenta pela caracterização homogênea do "populismo", no Nordeste açucareiro-têxtil, a oposição proletariado-burguesia sempre foi muito clara: Em todo o decorrer dos anos da chamada experiência democrática no Brasil, que vai desde a queda de Vargas Var gas em 1945 até 1964, 1964, a burguesia indust rial do No rd e s te jam ai s conseguiu conseguiu formu lar essa essa aliança, aliança, com ex ce ção do bre ve per íod o já citad o, em 1958 1958,, qu ando se elege gov ern ado r de Pernamb u co o usineiro e industrial Cid Sampaio. Todos os candidatos da bur guesia a governador nesse Estado, cuja preeminência no processo polí tico se explica exatamente pelo fato de que ali havia se formado uma burguesia industrial são, pelo contrário, fragorosamente derrotados. Pode-se dizer, não sem audácia, que a coligação política típica era de um tipo antipopulista, um antipacto populista; e embora certas seme lhanças formais possam ser encontradas, derivadas do fato de que o poder esteve sempre com a oligarquia agrária, o que para o Brasil como um todo também pode ser reconhecido na preeminência do Par tido Social Democrático, uma tal interpretação formalista arrisca-se a não entender nada tanto do processo de reprodução da economia do Nordeste quanto do seu processo político. A aliança da burguesia in dustrial com a base agrária oligárquica, representada pelo PSD, era no Centro-Sul a forma de dissolução da economia àgroexportadora; no Nordeste, a preeminência do PSD era a forma de manutenção da eco nomia algodoeira-pecuária. A integração nacional, agora comandada pelas leis de reprodução do capital industr al do Centro-Sul, expressava-se no Nordeste pelo agravamento das tensões burguesiaproletariado. 91
A pax agrariae nordestina, simultaneamente condição e resultado da hegemonia da economia algodoeira-pecuária e da oligarquia dos "coronéis", já começa a ser erodida no Nordeste nos anos cinqüenta, pelas mesmas razões ditadas pelas leis de reprodução do capital indus trial do Centro-Sul: de um lado, na mesma medida em que a burguesia industrial do Nordeste entra em decadência e recorre cada vez mais a formas de reprodução não-capitalistas, parte do proletariado, que era também e simultaneamente semicamponês, reivindica terras e a desaparição das formas de trabalho semicompulsórios; esse fenômeno vem na esteira da penetração das mercadorias produzidas no CentroSul industrial pelo Nordeste adentro. Esse proletário semicamponês somente encontra saída para defender-se do rebaixamento constante do seu nível de vida, na tentativa de aumento de suas "culturas de subsistência". O semicampesinato que, por outro lado, se havia for mado nas franjas da zona açucareira, principalmente localizado nas zonas que são chamadas de Agreste, em Pernambuco, Brejo, na Paraí ba, voltando para a produção do algodão em pequena escala, para a venda dos seus seus excedentes de "c ult ura s de subsis tênci a" nos mercados das pequenas cidades e mesmo no Recife, João Pessoa, Maceió, Natal, Fortaleza e Salvador, e disponível nos "picos" da safra da cana-de-açúcar como semiproletários, havia entrado em processo de redefinição cujo resultado será a destruição da pax agrariae. A redefi nição, que apontava para a completa dissolução dessas formas de re produção, era motivada também pela expansão do capitalismo do Centro-Sul. Essa forma apresentou-se na elevação da renda da terra e na elevação do trabalho semicompulsório, do sobre-trabalho. A pe netração das mercadorias produzidas no Centro-Sul, não apenas in dustriais mas agrícolas - o arroz e o feijão do Rio Grande do Sul, o próprio algodão de São Paulo, aves e ovos também de São Paulo, por exemplo - significava, pelo custo mais baixo dessas mercadorias, um constante retrocesso do preço das mercadorias produzidas por esse semicampesinato. A baixa de preço, um mecanismo clássico da competição, obrigava a que esse semicampesinato produzisse mais para manter-se no mesmo patamar de condições de vida; na impossibilida de de produzir mais, tendo em vista o bloqueio da estrutura fundiária, o resultado que aparecia ou era uma elevação do "foro" ou, na verda de, da renda da terra cobrada pelos latifundiários; ou uma expansão por cissiparidade dos pequenos tratos de terra, mecanismo esse muito bem retratado e interpretado por Francisco Sá Jr. em seu já clássico "O desenvolvimento da agricultura nordestina e a função das ativida des de subsistência" ( ). Os dois mecanismos convergiam para um mesmo resultado, que se apresentava sob duas formas: a dissolução desse semicampesinato, quer pela expulsão das terras - a elevação da renda da terra abria para os proprietários uma possibilidade de espe cialização nas antigas culturas de subsistência, isto é, uma forma de concentração em capital variável - quer pelo aumento do sobre49
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trabalho, reforçando os mecanismos do trabalho semicompulsório, o "cambão". É nesse contexto, e exatamente nessas zonas, que a pax agrariae nordestina entra em colapso, e esse semicampesinato aparece como ator político por excelência, sob a égide das Ligas Camponesas de Francisco Julião. É necessário verificar-se a posição do Estado para o entendimen to das reações e dos conflitos de classe nesses "Nordestes", amalgamados agora pela redefinição da divisão regional do trabalho à escala na cional, comandada pela forma de expansão capitalista industrial do Centro-Sul. Já se fez referência à intervenção do Estado sob a égide do DNOCS, que terminou sendo capturado pela oligarquia agrária algo doeira-pecuária, transformando-se ao mesmo tempo em resultado e pressuposto da hegemonia oligárquica. O caso da intervenção do Esta do na economia açucareira também já foi suficientemente relatado, tendo-se obtido como resultado que aquela intervenção, pelas carac terísticas de que se revestia e pelo estado da economia burguesa no Nordeste, transformou-se em um mecanismo a mais que viabilizava a expansão capitalista no Centro-Sul e a imobilizava no Nordeste; essa interv enção do Estado, sob a égide do I A A , era era já em si mesma mesma um mecanismo que fazia parte da redefinição da divisão regional do tra balho em escala nacional. A intervenção do Estado não assumiu, pois, formas diretas nos dois casos; a presença do Estadto no Nordeste como produtor era portanto praticamente inexistente: a não ser a encampa ção das ferrovias deficitárias, compradas dos ingleses, e a partir de 1953, com a construção da Hidrelétrica do São Francisco, cujas reper cussões sobre as relações de classe no conjunto do Nordeste teriam que ser evidentemente pouco significativas, dado o raio de abrangên cia dessas duas atividades, essa não-presença do Estado como produ tor direto deveria quase compulsoriamente influir de outras maneiras, dessemelhantemente ao que se passava no Centro-Sul. A não-presença deu lugar, portanto, a não-ambigüidade nas rela ções "sociedade, economia e Estado" no Nordeste, do ponto de vista da inserção do Estado. As presenças anteriores, oligárquicas e protetoras da economia do açúcar, situavam-se no interior mesmo das classes sociais que, de certa forma, haviam capturado o Estado ou, como no caso do açúcar, protegendo-se sob ele, condenavam-se à inanição. Essa presença não se situava porém no meio, na passagem entre as re lações daquelas classes sociais com as classes sociais que lhes eram su bordinadas, o semicampesinato e o proletariado. A não-presença do Estado como produtor direto não criou, portanto, um segmento de qualquer classe social dominada, fosse semicamponesa ou operária que estivesse amarrada na sua função - do Estado - como agente da divisão técnica do trabalho. E não criou também, por outro lado, a ambigüidade entre o Estado e as classes sociais dominantes, fosse a oli garquia agrária algodoeira-pecuária ou a burguesia industrial açucareira-têxtil. Estas não viam o Estado como presença contraditória: 93
viam-no como se mirassem no espelho, no caso da oligarquia agrá ria algodoeira-pecuária, e como um sustentáculo para sua nãodesaparição, no caso da economia industrial açucareira. Aqui vale a pena fazer um parêntese para o caso do Estado da Bahia, onde preci samente a presença do Estado como produtor direto através da PE T R O B R Á S havi ha via a cr ia d o c on di çõ e s seme se melh lhan ante tes, s, r e la c io n am e n t o se melhante com a sociedade, quase da mesma natureza que no CentroSul; mas o volume dessa ação do Estado não chegou nunca a poder moldar ou modificar a natureza das relações entre ele e ao resto da socie dade para o conjunto do Nordeste, precisamente porque essa interven ção não correspondia a desenvolvimentos semelhantes das forças pro dutivas sob o comando da burguesia local; essa intervenção assumiu o caráter de um "enclave". As relações de classe, e portanto o caráter do conflito entre elas, no No rd es te , não pod eria jam ais assumir as mesmas mesmas feições, nest nestes es termos, que no Centro-Sul ou na "região" industrial de São Paulo. O Estado, não sendo o centro da contradição, criou precisamente, ao contrário do que se passava no Centro-Sul, um amplo cspaço para a confrontação direta, em que o seu papel era o de simples mediador, ao nível regional; nas fases mais agudas do conflito de classes, estas não fazem por isso mesmo, petição ao Estado: ou apelam ao seu conteúdo j u r í d i c o , d e m e d i a d o r , f o r m a i n i c i a l das da s p e t i ç õ e s d o s e m i campesinato que apelavam para a Justiça, tendo o Código Civil como instrumento dessa apelação; ou vão diretamente ao recurso da força, como no caso dos latifundiários que, em resposta à atuação das Ligas Camponesas, armam-se e tentam derrotar o antagonista no ter reno da luta direta, pela eliminação de suas lideranças, pela expulsão forçada dos trabalhadores das terras que consideravam "usurpa das( ) . 50
O Estado que fica no Nordeste é um Estado imobilista, do ponto de vista das relações entre as classes "regionais", ainda que do ponto de vista da acumulação à escala nacional operasse francamente, reite rando õs termos de reprodução da economia industrial. Tal imobilis mo serve também a esse processo em escala nacional, como bomba de sucção; através dos mecanismos da taxa cambial, por exemplo, o Esta do descapitaliza a economia do Nordeste em favor do centro da acu mulação. Mesmo em 1953, quando se cria o Banco do Nordeste do Brasil,.apontado agora por muitos como precursor da SUDENE, a in tervenção do Estado fica muito aquém de sua própria atuação num caso-como o do BNDE: não apenas o Banco do Nordeste do Brasil vi verá amarrado aos recursos orçamentários, sendo portanto ainda uma forma rudimentar de transferência de imposto, como é importante res saltar que nessa transferência, o BNB, sigla mediante a qual ficou sen ão conhecido, operava por exemplo nas mesmas taxas bancárias que o BSnco do Brasil, com o que sua capacidade de redefinir o esquema de reprodução do capital no Nordeste minimizava-se enormemente. 94
Além disso, o BNB pode ser considerado ainda como a última instituição estatal capturada pela oligarquia agrária algodoeira-pecuária do Nordeste; sua própria faixa de atuação ficou restrita ao chamado Polí gono das Secas, excluindo de seu raio de ação as cidades da faixa lito rânea do Nordeste, sedes da fraca indústria regional; pela própria na tureza dos seus recursos, todos eles de curto prazo, o BNB ficou con denado a financiar as mesmas atividades agropecuárias, com a impor tante exclusão da própria atividade produtora de açúcar. Apenas com a criação da SUDENE é que o BNB passa a fazer parte da intervenção "planejada", no sentido de que o conceito é entendido por este traba lho. É relevante notar-se que será quase uma década após sua criação que o BNB fará suas primeiras aparições no financiamento industrial de longo prazo, tendo antes disso se limitado a financiar apenas capi tal de giro para indústrias dentro do Polígono das Secas. Não é sem propósito, também, que a direção superior do Banco do Nordeste do Brasil, desde sua criação, após a breve presidência de Rômulo de Almeida, ficará entregue a representantes típicos da oligarquia agrária algodoeira-pecuária do Nordeste, particularmente a políticos conser vadores do PSD do Estado do Ceará, para quem os investimentos in dustriais se lhes afiguravam como uma "aventura", dada a pouca " t r ad i ç ã o " dos industr industriai iaiss da regi ão, e outros pretextos mais que escu escu davam-se fortemente nos próprios regulamentos do Banco e em leguleios próprios das regras de jogo da oligarquia agrária. A própria questão da sede do BNB ilustra sua captura pela oligarquia agrária al godoeira-pecuária: sua sede será Fortaleza, uma das duas capitais de Estados do Nordeste que ficam no Polígono das Secas, e exatamente uma das menos industrializadas. A outra opção era Recife, na época da discussão do projeto do BNB no Congresso Nacional, que termi nou sendo deslocado pela força dos congressistas representantes da oligarquia agrária algodoeira-pecuária e pelo seu oposto, isto é, pela fraqueza e debilidade dos representantes da burguesia industrial. A es colha da sede do BNB ilustra para além de quaisquer discussões bizan tinas, e ademais cretinas, de "bairrismo" local, o caráter inicial da ação do Banco, sem exagerar-lhe as dimensões. ( ) 51
O caráter da cena política, das relações de classe, dos conflitos de classe no Nordeste, não podem ser entendidos, em resumo, sob a mes ma rubrica rubrica do " p o p ul i s m o " , que foi a forma de de im pos içã o da hege hege monia da burguesia industrial no Centro-Sul. Faltavam no Nordeste os conteúdos específicos do "populismo": uma hegemonia burguesa que se impôs sem romper abertamente com a oligarquia agrária, um proletariado urbano que emerge em novas condições de expansão das forças produtivas, um Estado produtor que tornava-se gradual e cres centemente o próprio núcleo da contradição, pela ambigüidade de suas suas relações com as classes classes domina ntes e dom ina das . N ã o po r ironia da História, que como uma Deusa estivesse a sorrir das contradições entre os homens, mas pelo férreo desdobramento das condições mate95
riais da expansão capitalista no Brasil será ali, na "região" atrasada, que os conflitos de classe tomam a feição mais próxima da que se tem chamado de "clássica"; mas esse "classicismo" é antes de tudo um ar caísmo, pois no capitalismo monopolista a presença do Estado muda as formas do conflito social básico; a tarefa da investigação não é, por tanto, a de rotular de "clássicos" ou de não-clássicos os conflitos de classe, de identificar "desvios" ou posições corretas, mas de descobrir determinantes da conduta dos homens e das classes sociais que for mam e a que pertencem.
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Notas (45) (45) Ver Ver IA I A N N I, Octá Octávi vio o - O colapso do populismo. 2ª ed. Rio Ri o de Janeiro, Edit. Edit. Ci vilizaçã vilização o Brasileira, 19 1971 e A Formação do Estado Populista na América Latina. Rio de
Jane Janeir iro, o, Edit. Edit. Civiliz Civilizaçã ação o Brasi Brasile leir ira, a, 1975. (46) Outra vez uma interpretação da história econômica, social e política oiasileira do tipo de "história sem história", infelizmente, para seus adeptos, contra os fatos.
(47) (47) LESS LE SSA, A, Carlos - Quince Quince Anos Ano s de Política Econôm Econômic ica a en Brasil, in Boletin Eco- Santiago de Chile, 9 (2) ( 2) 1964. nômico de America Latina. Santiago (48) (48) Não é paradoxal paradoxal mas mas complexamente complexamente contraditório, que que o Nordeste Nordeste exportasse exportasse capitais para o Centro-Sul. É que o capital é uma relação, que que não não podendo reiterar reiterar-se -se no Nordeste, podia fazê-lo no Centro-Sul. (49) SÁ JR., Francisco - O desenvolvimento da agricultura nordestina e a função 3, Edit. Brasile das atividades de subsistência. Estudos CEBRAP 3, Brasileira ira de Ciências S Pau Pau lo. 1973 (50) Ver JULlA JUL lAO, O, Franc Francis isco co - Que são as Ligas Camponesas, op. cit. (51) Ver Banco do Nordeste do Brasil - Origens I. Fortaleza, BNB, 1958. A inter pretação de que o BNB BN B é o prelúdio da SUDE SU DENE NE e, mais mais,, que est esta a nasce nasceu u de recomen recomen dações do próprio Banco, é defendida por Raul Barbosa, em A Política Federal para o Nordeste, in Indústria & Produtividade. Janeiro, 1 (2) ( 2),, julho de 1968 1968.. Tal Tal interpre Produtivida de. Rio de Janeiro, tação é apen apenas as uma uma pobre tentativ tentativa a de ficar com as glórias de duvidosa duvidosa glória, glór ia, e feita feitass por Raul Barbosa num contexto em que Celso Furtado não podia responder. A pergun ta que, lamenta lamentavelm velmente ente já não se pode fazer fazer ao velho político po lítico cearen cearense, se, é a de porque o BNB não implementou sua própria recomendação, aliás, sugerida não por ele, mas por Stefan Robock, quando assessor do Banco. Ver, deste último, Um projeto de planeja- mento global para o Nordeste. Fortaleza, Fortaleza, BNB, BN B, 1956.
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VI - A S C O N D I Ç Õ E S DE C R I A Ç Ã O DA SUDE SU DENE NE
1.
Breve introdução
O extenso discurso anterior aos propósitos de identificar a nova natureza das relações "regionais" no Brasil, sob a égide da expansão capitalista que se opera a partir do Centro-Sul; poderia ser entendido como "causas remotas" da criação da SUDENE. Um posicionamento desse tipo poderia, entretanto, levar a leituras do tipo "evolucionista", de que a criação da S U D E N E estava estava inscri inscrita ta desde o mo me nt o em em que se fundaram as diversas "regiões" econômico-políticas no território nacional. Nada mais longe da pretensão metodológica deste trabalho: se é verdade que a criação da SUDENE não pode ser entendida sem a tentativa de retrospecto que se fez, verdade mais elementar é que esse mesmo retrospecto busca apenas definir as situações concretas do sis tema sócio-econômico de geração de valor da economia brasileira; ne nhum determinismo cego pode ajudar na pré-visão do que ocorreria depois: a criação da S U D E N E não estava estava inscr inscrita ita "d es de siempre siempre y para siempre". Faz-se necessário, por isso, avançar na investigação das transformações mais recentes que, trabalhadas sobre uma herança histórica, determinaram em algum momento uma intervenção estatal "planejada"; nem mesmo a própria natureza do sistema capitalista em expansão é suficiente para fornecer uma previsão; sob determinadas condições históricas, mesmo a forma de expansão das relações capita listas de produção pode não chegar a homogeneizar, de forma acaba da, " r e g i õ e s " que exist existem em e persis persistem tem no território ou espaço onde já impera o sistema capitalista em sua plenitude: bastaria citar o próprio Sul dos Estados Unidos, o Mezzogiorno da Itália e a Irlanda, no Rei no Unido, para darmos conta de que certas especificidades "regio nais" no contexto de espaços econômico-capitalistas altamente dinâ micos não foram dissolvidas, algumas senão muito recentemente,
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como é o caso do Sul dos Estados Unidos. O propósito desta seção não é, pois, o de terminar por desfiar o novelo de lã, a partir do pri meiro capítulo, e atingir o clímax de uma novela barata em que o final já está insc in scri rito to no p r i m e i r o c a p í t u l o ; m ui t o ao c o n t r á r i o , é o de cont co nt i nuar a investigação para tentar responder à questão crucial: por que foi adotada uma forma "não-espontânea" de intervenção estatal, por que se implantou a forma "planejada", por que se criou a SUDENE?
2. A transição para o capitalismo monopolista no Centro-Sul A expansão capitalista nacional, tendo agora a indústria como centro motor da divisão social do trabalho, conheceu desde os anos trinta um largo período de crescimento, quase sem interrupções, até o final dos anos sess sessen enta ta.. Esse Esse per ío do caracteriz ou-se, p recis ament e, por repousar numa crescente realização interna do valor gerado interna mente; isso explica que o chamado grau de abertura externa da econo mia brasileira, medido pelos coeficientes das exportações e importa ções sobre o Produto Interno Bruto, tenha se reduzido até chegar a al cançar, já por volta dos fins da década de sessenta, um nível bastante baixo. Essa crescente realização interna do valor não teria sido possí vel sem um simultâneo crescimento do grau de financiamento interno da economia. Geração do valor e sua apropriação interna combina ram-se para produzir a expansão assinalada, para o que a intervenção do Estado sob todas as formas, e não menos na esfera financeira, cons tituiu-se num fator capital; no início dos anos cinqüenta e sobretudo na sua segunda metade, sob o Governo Juscelino Kubuschek, produz-iu-se uma diferenciação setorial no interior da própria expansão in dustrial, que requereu o concurso do capital estrangeiro. Tal concurso viu-se facilitado, apesar da oposição das políticas nacionais dos países capitalistas mais importantes - remember Foster Dulles - pela expan são do capitalismo em escala internacional: crescimento dos países do Mercado Comum Europeu e do Japão, principalmente. O salto de qualidade operado na diferenciação setorial industrial induziu, seja pela própria escala da diferenciação, seja pelo concurso ao capital estrangeiro, à incorporação na economia brasileira de esti los de competição oligopolista, estilos que podem ser encontrados na estruturação das grandes organizações, nos esquemas de reprodução protegidos, de mercado "cativo", como no caso das indústrias auto mobilísticas, de construção naval, e no caso das empresas estatais, aos monopólios do Estado em setores produtivos. A competição oligopo lista é, em si mesma, uma exacerbação do movimento de concentração de capitais: é a concentração da concentração, ou mais simplesmente, a centralização do capital, no dizer de Marx: como seus componentes intrínsecos, viajam juntos tanto a plenitude do modo de produção de 100 100
mercadorias, ou seja, a transformação do sistema em puro produtor de mais-valia, como um novo papel do capital financeiro. Essas duas contradições vão se chocar contra certas características da economia nacional no período imediatamente anterior, e colocar em xeque todo o estilo da expansão, suas formas, a imbricação com o Estado e as re lações de classe. A centralização realiza-se, em primeiro lugar, sempre às expensas do capital já existente; claro está, apenas para advertir os que costu mam querer enxergar "revisionismos" e quejandos, que ela é em si uma uma exacerbação da pr od uç ão de mais-valia, mas apenas oc or re se essa mais-valia já estiver sendo extraída por ou tros capitai s. Rea liz ando-se às expensas dos capitais já existentes, necessariamente desloca agentes e proprietários, e redefine de par com a estrutura produtiva a própria estrutura do poder; sua primeira contradição surge e se passa na esfera das próprias classes dominantes. A segunda contradição surge na esfera das relações com a classe dominada, com o proletariado urbano principalmente. O movimento da centralização, ainda quando não explore diretamente fá-lo indireta mente, por instaurar pela taxa de direfenciação setorial dos lucros uma competição muitas vezes mortal entre os próprios capitais, uma exa cerbação da exploração, uma elevação sem par da taxa de exploração. Não se necessita de "poupanças", como pensam marginalistas, neoclássicos e keynesianos: criam-se essas "poupanças". Alguns estudos recentes ( ) expõem a elevação da taxa de exploração do trabalho no Brasil, que se acentua sistematicamente desde os anos cinqüenta. Uma elevação da lucratividade é condição essencial para que, setorialmente, ramos industriais e dentro deles, grupos específicos, assumam o con trole do processo de centralização. Essa segunda contradição eleva o ponto de fusão do conflito de classes antagônicas, superado em outras etapas e em período mais recente por uma série de fatores - entre os quais o papel do Estado não pode ser minimizado - e transforma o ca ráter do conflito. 52
O movimento de centralização, nascendo de dentro das próprias determinações do sistema capitalista, vai por fim realizar ou tentar, em plenitude, a transformação completa do modo de produção de mercadorias em puro modo de produção de mais-valia. Opera o mila gre de Midas: tudo o que toca transforma-se em ouro, todo e qualquer recanto das atividades econômicas transforma-se em produtor de mais-valia, mais-valia, redefinindo inclusive inclusive o carát caráter er pro dut ivo e imp rod uti vo do trabalho. A redefinição termina por desembocar no próprio caráter do Estado e de suas relações com as classes sociais, dominantes e domina das. Um a parte do j o g o polític o do populismo , que centrava-se centrava-se na ma nutenção da ambigüidade das relações "Estado e classes sociais", se esgota: em outras palavras, certas produções de mercadorias, mas sobretudo de serviços, já não poderão revestir-se do simples papel de divisão técnica do trabalho: elas deverão revestir-se agora, emanando 101
de sua condição técnica, de divisão social do trabalho, isto é, de relações de geração e apropriação do valor, de relações de produção. Um fato, por exemplo, que deu lugar inclusive a certas caracterizações "clientelísticas" do populismo, como a expansão do emprego no Estado; a produção não-capitalista ou, mais rigorosamente, não-lucrativa, de serviços como saúde, educação; o "distributivismo" de certas interpre tações, passam a não poder reproduzir-se: na mesma medida em que o capital penetra em todas as esferas e setores, a utilização dos exceden tes em mãos do Estado passa a não ser viável em termos antilucrativos, Ainda que, por exemplo, para dotar-se de água certos con ju j u n t o s d e p o p u l a ç ã o , se a d o t e s ol uç õ es técn té cnic icas as t ão di ve rs as c o m o a construção de chafarizes ou de grandes reservatórios e redes de distri buição, que pareçam indicar opções, a primeira não reproduz o capi tal, enquanto a segund segunda a o realiza realiza por compl eto , mesmo que as tarifas não se elevem - geralmente se elevam - pelo simples fato de que a pro dução de mercadorias que a segunda envolve é superior à da primeira. Essa centralização necessita porém ser financiada, e a extração da mais-valia e a própria elevação da taxa de exploração não podem fazêla; elas podem apenas assegurá-la, isto é, fazer com que o movimento de centralização não se transforme nem em papel ou títulos mortos, mas em títulos de propriedade sobre o trabalho que assegura sua pró pria reprodução. Faz-se necessário utilizar para o financiamento da centralização todo o potencial inscrito no próprio nível de desenvolvi mento das forças produtivas, isto é, toda a riqueza nacional. Parte des se potencial está nas mãos do Estado, que o capta como imposto; e a utilização do imposto como crédito é a forma pela qual aquela parte da riqueza nacional captada pelo Estado financia o movimento da centralização. Assiste-se no Brasil, concretamente, à própria transfor mação do Estado: este criará ou utilizará o imposto como crédito para financiar o movimento de centralização dos capitais, recusará sua uti lização como gasto improdutivo, e lançar-se-á em esfera produtiva, transformando o caráter de sua intervenção de simples agente técnico da divisão do trabalho para o de um agente da divisão social do traba lho. O Estad o se transformará tam bém em prod utor de m ais-va lia, daí a transformação operada nas próprias empresas do Estado, que pas sam de deficitárias a superavitárias: esta transformação não é de natu reza contábil, como se pode pensar: ela é radical. Deficitárias, as em presas do Estado apenas utilizavam o imposto arrecadado para trans formá-lo em bens e serviços; o caráter técnico da PETROBRÁS não se alterou, nessa passagem de empresa que vivia amarrada aos impostos do Estado para uma empresa que gera parte substancial dos seus pró prios fundos de expansão: a PETROBRÁS, nessa transformação, não consegue extrair um centímetro cúbico a mais de gasolina do petróleo, pois isso é determinado pelo nível tecnológico dos seus equipamentos. O que ela vai transformar agora é uma operação de simples transfor mação da matéria numa operação de geração e apropriação de valor, 102 102
isto é, ela vai passar a produzir mercadorias. O movimento de centrali zação do capital leva, pois, a uma direção que, à época dos grandes debates, pré e pós-64, centralizava-se numa definição apriorística e jurisdicista do Estado: leva a uma expansão da intervenção do Estado no pró pri o terreno pr odu tiv o, apesar apesar da ideologia contrária mas que é, na verdade, determinada pelo próprio caráter expansionista e centraliza dor do capitalismo monopolista. O Estado, localizado nos "nós górdios" da estrutura de relações interindustriais da economia, é, pelas suas empresas, o mais capaz de expandir-se mais rapidamente, o que nesta fase quer dizer centralizar. A "débâcle" do populismo não é outra coisa senão a dissolução da ambigüidade do Estado, determinada pelo movimento de centrali zação do capital. A dissolução naturalmente revela sua face oculta às classes subordinadas, principalmente ao operariado urbano: o Estado é agor ag ora a prod pr od ut or de mais-valia, mais-valia, e segue-se segue-se a isto que o seu seu caráter opressor e repressor não pode mais ser mascarado. O Estado não diri ge mais a parte do excedente que capta na manutenção de serviços im produtivos; na raiz da transformação porque passou a maioria da pro dução de bens e serviços do mesmo, está agora o caráter próprio de. produtor de mais-valia, e nesse sentido não pode ele apresentar-se mais como oferecendo indiscriminadamente esses bens e serviços por debaixo do seu custo. Essa transformação desfaz a ambigüidade do Estado em relação às classes dominadas, principalmente o operariado urbano. Não adianta mais dirigir petições ao Estado como administra dor do bem c om um, da justi ça igual para todo s; as petições transfor maram-se em reivindicações, e no limite, em uma contestação do pró prio Estado, agora não como ente do bem comum, mas como produ tor de mais-valia, explorador, opressor e repressor. Opera-se também uma dissolução da ambigüidade do Estado do ponto de vista das classes dominantes: burguesias industrial e financei ra, e, secundariamente, os remanescentes das oligarquias agrárias. Não é agora apenas um transformador da matéria que será repassada às burguesias para apropriação sob as formas do lucro privado; é agora um elemento da própria centralização do capital e, como tal, peça es sencial para a expansão do sistema. As ideologias antiestatizantes esgrimem com o fantasma do Estado liberal, mas a reprodução do capi tal na verdade tem nesse novo caráter do Estado um elemento essen cial, talvez o mais dinâmico dentre todos. A imbricação Estadoburguesia chega ao seu ponto máximo de fusão; o movimento de cen tralização do capital, como Juno, tem duas faces: o capital privado e o capital público, mas na verdade ele é um só: é capital. A contradição que agora aparece entre esse Estado produtor e as formas privadas da riqueza nacional é uma contradição do capital, mas não uma forma mortalmente antagônica de oposição de interesses. Claro está que na corrida pela centralização, o Estado, guardando não apenas em rela ção às classes dominadas, mas guardando também em relação às pró103 103
prias classes dominantes o seu poder de coerção, é um competidor temível, como capitalista. A herança histórica do processo de consti tuição das burguesias industrial e financeira, que concedeu ao Estado a primazia no processo de centralização, cobra agora fortemente seus próprios direitos. Essa transformação do Estado é de crucial importância, e seu des dobramento requer uma "démarche" que desborda os limites deste trabalho. Trata-se, na verdade, da pergunta: o que é o Estado no capi talismo monopolista? As respostas a essa questão têm sido, a nosso ver, insuficientes em quaisquer das direções. A corrente mais forte, na teorização marxista, é a que vê o Estado como mero suporte para não deixar que se concretize a tendência da taxa decrescente de lucro. A compreensão do que é o Estado no capitalismo monopolista deveria, a nosso ver, dirigir-se para a pesquisa das funções que o Tesouro Públi co, em sentido mais amplo, desempenha como capital financeiro geral. Isto significaria, neste sentido, avançar teoricamente no desdobramen to que realizou Rudolf Hilferding, em seu El Capital Financeiro, tradu ção de V. Romano Garcia, Madrid, Editorial Tecnos, 1963. Hilferding deu um passo adiante quando demonstrou o surgimento do capital fi nanceiro como uma forma de fusão do capital industrial com o bancá rio. A questão agora é tentar ver como o Tesouro Público funciona como pressuposto geral de toda a produção capitalista, confundindo, nesse processo, as fronteiras entre o público e o privado e, particular mente para os fins da discussão sobre estatização, redefinindo comple tamente tanto o processo real da capitalização, quanto o discurso. A verdadeira verda deira revoluçã revo lução o copernicana coper nicana sobre o Estado no capitalis mo monopolista foi anunciada, na verdade, por John Maynard Keynes, em seu clássico Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, tra dução para o português publicada pela Editora Fundo de Cultura, Rio; os economistas, tanto os que se filiaram a Keynes quanto seus oposicionistas - e nestes inclui-se a grande maioria dos marxistas têm encarado, uns a Teoria Geral apenas como uma poderosa revitali zação da teoria da demanda e do ciclo, enquanto seus críticos marxis tas o vêem, em geral, como um brilhante mas mero apologista do capi talismo, interessado sobretudo em sua manutenção. É claro que esses aspectos são relevantes na Teoria Geral; nem se pode imaginar que Lord Keynes estivesse interessado na destruição do capitalismo. O que geralmente passou despercebido, porém, é que a teoria do "déficit spending" keynesiana é um anúncio de que, no capitajismo. monopolista, o Estado tem que ser, necessariamente, parte ativa da reprodução do capital, abandonando a postura dos seus antecessores neoclássicos e marginalistas, de um Estado do "laissez faire". A teoria do "déficit spending" é a explicitação de que o Tesouro Público tem que ser colo cado como pressuposto geral de toda a atividade econômica, sem o que a economia capitalista ver-se-ia a braços com crises cíclicas da maior 104
gravidade, exatamente porque o forte processo de centralização do ca pital ampliaria, ao invés de reduzir, a anarquia do sistema, desta vez em proporções catastróficas. O Tesouro Público assume, assim, como pressuposto geral do capital que se valoriza, funções de capital financei ro geral que busca, também, a valorização, embora não a realize dire tamente em alguns casos. A transformação crucial que se quer assinalar no caso sob exame, das relações do Estado com o capitalismo monopolista, refere-se não apenas ao seu seu papel de pr od uto r dir eto; esse esse papel é extr emam ente im portante, sem dúvila: ao contrário da teoria que postula a intervenção do Estado apenas para contra-reptar a tendência decrescente da taxa de lucro, o que ocorre no Brasil é exatamente o contrário: alguns dos ramos e setores industriais onde o Estado é praticamente monopolista são dos mais dinâmicos, em termos de taxas de crescimento, de taxas de lucro e da importância crucial que têm na formação dos coeficien tes técnicos da reprodução dos outros setores e ramos industriais. Há, claramente, nesse papel produtor direto do Estado, valorização do va lor, pois não se conceberia que uma simples função de sustentação do valor crescesse mais que as próprias atividades onde, segundo o ponto de vista aceito, gera-se o valor. Mais importante que esse papel de pro dutor direto, porém, a conversão do Tesouro Público em pressuposto da atividade econômica, a que ocorre sob o rótulo de empresa estatal e a que surge como empresa privada. O Tesouro Público no capitalismo monopolista é algo completamente diferente do Tesouro Público no capitalismo concorrencial, para não falar do Tesouro Público no siste ma feudal. O Tesouro Público no capitalismo monopolista é um ex- ante que fixa de antemão o comportamento da economia como um to do; é ainda um vir-a-ser: os recursos, sob a forma de impostos ou sob outras quaisquer formas, ainda não estão na caixa do Tesouro, mas o simples anúncio de sua previsão já condiciona, em grande medida, o comportamento da economia como um todo. O Tesouro Público no capitalismo concorrencial é um ex-post, daí sua utilidade no surgimen to das cris crises es ser ser pouc o signi ficativ a, pois elas já haviam oc or r id o ou es tavam ocorrendo; o restabelecimento da curva ascensional do ciclo acontecia sempre mediante um processo de destruição/concentração, até que se chegasse ao estabelecimento de uma nova taxa média de lu cros, que funcionaria daí por diante como parâmetro para direcionar o fluxo de capitais, capitais, sua sua aloc açã o neste ou naquele setor. N ã o se quer di zer, com isto, que o papel do Tesouro Público como um capital finan ceiro geral retire o caráter cíclico do sistema capitalista, e mais, seu ca ráter anárquico; mas esse papel muda, certamente, as formas do ciclo e o proces so pelo qual qual se estabelece a taxa de lucros para o sistema c o m o um todo. A profunda imbricação do Estado com as grandes corporações, que é a característica mais saliente do capitalismo monopolista e simultaneamente do Estado moderno, coloca em primeiro plano a necessidade do estabelecimento ou da fixação da taxa de lucros para o 105
capital monopolista, e nisto reside a característica política mais salien te do Estado; continua a existir, por certo, na faixa das médias e pe quenas empresas, uma espécie de capitalismo concorrencial entre elas. mas no geral, mesmo a taxa de lucros dessas faixas de empresas é dada a partir do conluio Estado e grandes corporações oligopolistas. O ca ráter anárquico do capitalismo permanece, mas et pour cause, ampliase extraordinariamente: daí qualquer crise na economia capitalista de hoje ser também e simultaneamente uma crise do Estado. Essa função de capital financeiro geral que cumpre o Tesouro Público antecipou-se de certa forma no Brasil, talvez mesmo em com paração com o resto do mundo capitalista; e antecipou-se precisamen te em decorrência da condição caudatária no contexto do capitalismo internacional, e sobretudo do papel do capital estrangeiro na econo mia nacional. A questão do financiamento do processo de centralização do capital foi o fator crucial dessa antecipação, pois a centralização não podia repousar apenas na produção de valor que se reinveste nas próprias empresas; e por outro lado o Estado, na forma em que preva leceu até os anos sessenta, embora produzisse serviços e bens que be neficiavam e potenciavam a acumulação privada, passou a ser um ele mento obstaculizador: colocado nos ramos mais dinâmicos e mais cru ciais das relações interindustriais, não valorizando o valor, consumia uma parte do excedente, quando o requerimento dos processos de con centração e centralização do capital exigia a todo custo uma massa maior de excedente reinvestível.
3. Decadência da burguesia industrial nordestina, destruição da pax agrariae e crescimento das forças populares: a ameaça à hegemonia burguesa em escala nacional O processo que titula esta seção foi suficientemente descrito an teriormente, dispensando, pois, sua repetição. Importa reter seus ele mentos políticos, que exprimem-se ao nível da representação das for ças sociais e econômicas. O resultado mais evidente foi o da gradual e firme ascensão das forças que chama-se aqui, conjuntamente, de "po pulares", designação esta que se lhes dá não apenas por oposição às forças das classes sociais proprietárias, mas sobretudo devido ao seu caráter de amálgama de forças socialmente subordinadas, mas hetero gêneas tanto entre si quanto em relação às próprias classes sociais doipinantes. Tais "forças populares" são constituídas pelos semicamponeses, pequenos sitiantes, meeiros, arrendatários, cuja expres são política mais evidente passou a ser as Ligas Camponesas, mas que também estavam representados em sindicatos, de diversa filiação e orientação, inclusive da Igreja Católica: o fato político notável entre tanto é seu aparecimento na cena política por fora, à margem e em opo sição aos "coronéis", senhores de engenho e usineiros. Essa massa 106
agrária aparecia pela primeira vez, na história social e política do Nor deste, como agente político autônomo, de perfil definido, que não po deria mais ser confundido com os "eleitores de cabresto", com o "voto de curral". Não se está reduzindo aqui a política a mero episódio elei toral mesmo porque, ainda quando tenha claramente emergido como agente político autônomo, a representatividade das classes sociais agrárias dominadas nas câmaras e parlamentos continuará sendo inex pressiva. O outro agente político fundamental na constituição dessas "for ças populares" é inegavelmente o proletariado, tanto urbano quanto rural, que não emergiu como agente político autônomo no momento em que se centra este trabalho, isto é, década dos cinqüenta. Tem exis tência antiga, sua opo si çã o à burguesia é já trad içã o na hist ória polí ti ca do Nordeste, principalmente em Pernambuco, e seu perfil já era tanto mais nítido quanto sua integração enquanto força-de-trabalho nos esquemas de reprodução do capital fosse antiga; nos limites da re criação pela burguesia industrial açucareira de processos de acumula ção não-capitalistas, parte dessa força-de-trabalho passou também a ter uma dimensão quase-camponesa, mas isto não foi suficiente para fazer desaparecer seu perfil proletário. O que é novo no quadro dos anos cinqüenta é que o proletariado urbano e rural vai modificando sua relação de força com as outras classes sociais dominantes, e tam bém dominadas; quanto às segundas, sua junção com o conjunto de classes sociais agrárias dominadas, vai dar no movimento popular a inusi tada força que conheceu nos anos cinqüenta e princípios dos anos ses senta. Quanto às classes sociais dominantes, o proletariado urbano e rural vai modificando sua relação política; durante o período que vai de 1945 a 1964 1964,, essas essas rel açõ es conh co nh ecer ec er am, am , sum ariam ar iam ente en te,, as seguintes modificações: a) entre 1945 e 1950 o proletariado emerge com feição própria, inclusive através de um partido operário, o Partido Comunis t a , situan situandodo-se se na corre c orrelaçã lação o de forças políticas autonomamente no contexto regional, e ligando-se nacionalmente ao proletaria do do resto do país, principalmente no Centro-Sul; b) no pe rí od o que vai de 1950 1950 a 1958, 1958, o pr ol et ar ia do submerge numa coligação de forças comandada pela oligarquia agrária algodoeira-pecuária, em oposição à burguesia industrial nor destina, apesar de que a nível nacional a coligação populista fosse hegemônica; as causas por assim dizer estruturais dessa assimetria foram suficientemente analisadas em capítulo ante rior, já referido; c) no per ío do que vai de 19 1958 a 1961, 1961, o pr ol et ar ia do muda de "partner" político; juntar-se-á à burguesia industrial nordesti na, esta sob o comando de Cid Sampaio em Pernambuco, mas numa coligação em que a subordinação do proletariado era 107
mais mai s for mal ma l que real: aí , real mente me nte , é já uma uma forma de potência igual à da burguesia industrial; d) no período de 1961 a 1964, o proletariado comanda pela pri meira vez a coligação de forças; seu "partner", por estranho que pareça, será a oligarquia agrária algodoeira-pecuária, esta claramente subordinada. As raízes estruturais dessa mudança foram descritas e analisadas no capítulo anterior. Convém esclarecer que essas correlações de forças não são intei ramente homogêneas para o conjunto do Nordeste; seu epicentro é, sem nenhuma dúvida, o Estado de Pernambuco, mas se o conceito de "região" econômica e política esboçado neste trabalho tiver alguma validade, as mudanças que ocorrem em Pernambuco direcionarão em certo sentido as mudanças que ocorrem em outros Estados. As mu danças assinaladas nos demais Estados não têm a mesma clareza que as de Pernambuco, nem o mesmo perfil; em alguns Estados, como o Ceará, por exemplo, o mais oligárquico de todos os Estados do Nor deste, esse direcionamento pode ser percebido através da gradual aliança entre forças políticas de caráter nacional e as forças locais; por exemplo, o eixo da política cearense começa a deslocar-se do PSD para o PTB; esse deslocamento é, na verdade, uma aliança da burgue sia nacional com as oligarquias do Ceará, num movimento de dissolu ção destas últimas. Importam aqui menos as siglas partidárias e mais o sentido do movim ent o; num num ou tro per íod o, a U D N se apossa apossará rá do go verno cearense, mas o sentido dessa mudança permanece o mesmo: trata-se de uma captura do poder local pela projeção da burguesia na cional do Centro-Sul; em um Estado como o Rio Grande do Norte, a correlação de forças e suas mudanças indicam o mesmo movimento: a cisão que se opera opera na U D N , entre as alas alas Dinarte Mari z e Alui sio Al ves, é uma cisão produzida pela penetração da burguesia do CentroSul: a ala Dinarte Mariz continuará sendo a mais lídima expressão da oligarquia agrária algodoeira-pecuária, enquanto o "populismo" de Aluisio Alves é um resultado da penetração do Estado nacional bur guês. As relações de força também mudam de forma em um Estado como a Bahia, e as coligações refletem tanto andamentos da luta de classes a nível local, quanto seu relacionamento com a crescente hege monia burguesa no Centro-Sul. O revezamento no ápice da estrutura do poder d o Estado baiano entre P S D e U D N , no per íodo analisado analisado e na fase imediatamente anterior a 1964, de ascensão do PTB, revelam a dissolução da hegemonia da oligarquia agrária e a assunção de interes ses de classe mais ligados à reprodução do capital do Centro-Sul, neste caso representado pela forte presença do Estado como produtor dire to. ( ) 53
O que importa reter do conjunto analisado é que, salvo em brevís simos períodos, uma correlação de forças políticas do tipo "populista" ja j a m a i s t e v e vigê vi gênc ncia ia c o m p l e t a n o N o r d e s t e , incl in clus usiv ivee in te rpre rp re taçõ ta çõ es 108
como a do Governo Miguel Arraes em Pernambuco, ao representar esse "populismo", equivocam-se redondamente ao dar um rótulo for mal a um movimento ou a um conflito de classes que tem bases estru turais completamente diferentes. Os conteúdos estruturais do populis mo, tal como se deu no Centro-Sul, jamais estiveram presentes no Nordeste, e portanto os conflitos de classes não poderiam guardar ne nhuma semelhança, a não ser pela utilização abusiva das siglas políti cas por parte dos intérpretes. O Governo Miguel Arraes em Pernam buco não era uma coligação que incluísse a burguesia industrial regio nal, e mesmo a participação nela de um industrial do porte de um José Ermírio de Moraes é insuficiente para lhe mudar a feição. Tal partici pação de um representante de um dos grandes grupos industriais oligopolistas do Centro-Sul pode ser na verdade interpretada como uma tentativa de contenção da força emergente do conjunto "proletariado urbano e rural mais classes sociais agrárias dominadas". O Governo Miguel Arraes em Pernambuco estava, em verdade, em oposição não apenas à burguesia industrial regional, mas principalmente em oposi ção à burguesia industrial que se tornava nacionalmente hegemônica a partir do Centro-Sul. É esse caráter de oposição à burguesia industrial que se tornava nacionalmente hegemônica que vai conferir à coligação de forças po pulares que emerge no Nordeste, sob a liderança de Miguel Arraes e Francisco Julião, sua marca específica enquanto o movimento político para além do populismo. A perda de poder da burguesia industrial nordestina, a dissolução da pax agrarie nordestina, começa a ser per cebida pela grande burguesia nacional como uma ameaça mais que poten cial à sua sua hege mon ia. N ã o se quer aqui supe rva lori zar esse esse fenô meno: ele atinge na verdade seu clímax no mesmo momento em que o pacto populista no Centro-Sul começa a entrar em declínio, a esgotarse, pela dissolução da ambigüidade das relações entre o Estado, a pró pria burguesia industrial e financeira nacional-internacional, e o prole tariado urbano e rural; nem a ênfase que se dá aqui a esse aspecto deci sivo leva água ao moinho das forças da reação, que se desencadearam e terminaram por desembocar no movimento militar de março de 1964. O reconhecimento da essência do conflito de classes não é uma apologia à vitória da reação, a confirmação de sua "razão" histórica, . do seu "direito de classe": analogamente à Comuna de Paris, pode-se diagnosticar a incapacidade de as forças populares, no Nordeste e no conjunto do país, terem soçobrado ao movimento militar de 1964, pela força do próprio movimento de expansão do capitalismo monopolista no Brasil, que conseguiu captar uma peça essencial do aparato do Es tado que são as For ças Arm ad as , mas esse esse "as salt o aos cé us " não deve ser lamentado; ele é não apenas um marco decisivo da história brasilei ra, mas além disso um enorme salto qualitativo na luta de classes no Brasil, Brasil, e seu seus des dobr ame ntos est ão lon ge de ser ser perce bid os em su sua in in teireza. Encerra todo um período de mistificação e revela, agora, os 109 109
rostos próprios dos agentes econômicos, sociais e políticos da socieda de brasileira. Em que sentido a coligação de forças populares que emerge no Nordeste torna-se antagônica à hegemonia da burguesia internacional-associada do Centro-Sul? Trata-se apenas de uma força de expres são, reificada agora pela perspectiva que se tem dos desdobramentos posteriores a 1964? É evidente que esta, como qualquer outra investi gação "a posteriori" recupera, necessariamente, a perspectiva do pas sado frente aos desdobramentos do presente; mas não se trata de uma reificaçâo, senão de uma reconstituição. O antagonismo entre a coli gação de forças populares do Nordeste e a burguesia industrial do Centro-Sul, está caminhando para a total hegemonia nacional, vai centrar-se em primeiro lugar no próprio papel do Estado. A ascensão das forças populares no Nordeste, que não chega a capturar o Estado mas apenas governos nominais, impedia no entanto a dissolução da amb igü id ade do Estado no se ntido já indica do, e apo nta va para outra dissolução, noutro sentido, direcionado este pela pressão das forças populares e pelas suas reivindicações. Esse impedimento, ainda que parcial, era suficiente para constituir-se em antagonismo. Um episódio ilustra esse antagonismo: ainda na prefeitura do Recife, a coligação de forças populares sob a liderança de Miguel Arraes teve pela frente, en tre outros, o problema de como abastecer de água potável vastas por ções da população mais pobre do Recife, que vive nos mocambos dos morros e alagados recifenses. Achava-se à frente do Governo Estadual o industrial Cid Sampaio, que através do seu Departamento de Sanea mento propõe outra solução para o mesmo problema: a patrocinada pela Prefeitura do Recife preconizava soluções economicamente acessíveis à população pobre, na forma de chafarizes públicos; aquela patrocinada pelo Governo Estadual propunha uma solução conven cional, na forma de estações de tratamento, redes de distribuição a do micílio; entre as duas existe não apenas um abismo de perfeição técni ca, discutível enquanto válidas ambas: existia um abismo de orienta ção social, e de direcionamento dos gastos do Estado. A primeira reque ria ou sustentava-se num gasto que se traduziria em baixo volume de produção de mercadorias, e sua utilização pela população não induzia à exp lo raç ão pelo Estado, en quan to a segunda segunda requeria e induzia a um volume muito mais alto de produção de mercadorias para a realização do serviço de abstecimento d'água, e sua utilização requeria sua explo ração pelo Estado. A segunda é tipicamente uma solução que se en quadraria no movimento de expansão do capital que no estágio mono polista do capitalismo requer não apenas a expansão dos gastos do Es tado - e não sua contração, como pensam os economistas "'equilibradores" - sob formas crescentes de mercadorias, e mais, que tem preci samente na conversão em capital do excedente que o Estado capta sob a forma de imposto, uma das alavancas da acumulação monopolística. Este caso, na sua singeleza, revela uma das facetas da contradição en110
tre a emergência das forças populares no Nordeste e a expansão hege mônica da burguesia industrial do Centro-Sul. Diga-se de passagem que a soluç ão adota da na épo ca foi a patro cinada pela Prefeitura da capital pernambucana, cujo árbitro foi a própria SUDENE, preocu pada na ocasião em elevar ao máximo a racionalidade de suas aplica ções. Exatamente porque a solução adotada foi uma solução política no sentido mais amplo do conceito, isto é, no sentido de o que fazer com o Estado, o Governo Cid Sampaio passou a denunciar a existência na SUDENE de uma conspiração contra ele. O antagonismo entre os dois tipos de força política revela-se por inteiro, em um outro sentido tão importante quanto o anterior. Cres cendo a ação política das massas camponesas ou semicamponesas, crescendo a presença política das massas trabalhadoras urbanas, suas reivindicações vão chocar-se contra a essência do processo de cresci mento oligopolistico a partir do Centro-Sul, no núcleo da própria es trutura do processo de concentração e centralização do capital. A pe netração das mercadorias produzidas no Centro-Sul, e posteriormente a própria penetração de grupos econômicos do Centro-Sul, que prece de à própria SUDENE, destruía as bases da economia "regional", tanto agrícola quanto industrial. Essa destruição propiciava uma acu mulação diferencial extraordinária ou uma super-acumulação, em ou tras palavras, cuja base residia seja no mercado nordestino capturado, seja na implantação de empresas com capitais do Centro-Sul que, re pousando numa composição técnica de capital superior, passavam a realizar uma composição orgânica de capital mais favorável, devido exatamente ao diferencial de custos de reprodução de força-detrabalho nordestina. Ora, as reivindicações das forças populares no Nordeste, tanto rurais quanto urbanas, centravam-se agora exatamen te na aplicação rigorosa das leis de propriedade, por um lado, e das leis de regulamentação trabalhista por outro, entre estas a estrita obediên cia ao pagamento do salário-mínimo. Se no Centro-Sul, na origem da expansão industrial dos anos trinta, a aplicação dessas regulamenta ções funcionou de certo modo como alavanca do processo de acumu lação, no movimento de expansão oligopolística elas funcionam nou tra direção, roubando à burguesia industrial do Centro-Sul uma opor tunidade de acumulação diferencial; não é estranho a esse processo que, mesmo após 1964, e mesmo após o pleno êxito do mecanismo de transferência da hegemonia burguesa do Centro-Sul para o Nordeste, na forma dos incentivos fiscais da SUDENE, tenham persistido as di ferenciações nos níveis do salário-mínimo, por exemplo. Aqueles que, na linha da Joan Robinson, pensam que o conceito de "valor" não é mais que um palavrão dentro da ciência econômica, e que o mecanis mo da acumulação no capitalismo monopolista está completamente desligado do custo de reprodução da força de trabalho, deveriam refle tir um pouco mais ante evidências "empíricas" desse teor, que deve riam satisfazer às suas exigências de "demonstrações empíricas". 111
O conflito de classes entre as forças populares do Nordeste e as combalidas forças dominantes locais, burguesia industrial e oligarquia latifundiária, num processo que estava desembocando claramente na perda de hegemonia daquelas classes dominantes, expressa-se bem sob outros aspectos, e nesse sentido é antagônico, também, com a expan são do capitalismo monopolista a partir do Centro-Sul. O conceito de hegemonia é aqui utilizado inspirado em Gramsci, sem dúvida. As for ças populares do Nordeste evidentemente ainda não tinham conquis tado as alavancas do poder econômico, mas caminhavam no sentido do controle político, e mais, o que é muito importante: estavam im pondo sua hegemonia cultural, se assim quisermos chamar, ou sua he gemonia ideológica, ao nível das instituições da superestrutura. É no Nordeste que surgiram os chamados "movimentos de educação de ba se", primeiro baseados na ação da Igreja Católica, cuja raiz consistia no abandono dos conceitos tradicionais de educação formal e na ten tativa de rejeitar a escola como uma instituição que reproduz as estru turas turas formais de domin ação : é no Nor de st e que uma instituição c om o a Igreja Católica começa a tomar posição aberta pela forma agrária, quando no Centro-Sul a voz isolada de um Cardeal Carmelo Mota submergia em meio à maré com and ada pelos D on s Sigauds da vida ; os sucessivos encontros dos Bispos no Nordeste, o primeiro em Campina Grande em 1956 e o segundo em Natal em 1959, no acender das luzes da própria SUDENE, questionam o direito a uma propriedade socialmente inútil. Pode-se dizer que isso não era mais que um eco distante da Rerum Novarum, mas mesmo sendo assim foi a maior parte da hie rarquia católica da região que assumiu as novas posições. É no Nor deste que vai emergir o chamado processo de educação, orientado teo ricamente por Paulo Freire, cuja raiz residia na conscientização, isto é, inverter o processo tradicional do aprendizado que começa pelo co nhecimento para terminar - se acaso chegar lá - à consciência das si tuações sociais; é no Nordeste que o Movimento de Cultura Popular do Governo Miguel Arraes, desde a Prefeitura do Recife, não apenas põe em prática o método Paulo Freire, mas começa a valorizar os elementos da cultura popular para, a partir deles, desmitificar os pro cessos de dominação e exploração; é no Nordeste, mais precisamente sob o Governo municipal de Djalma Maranhão que se produz o magnífico movimento educacional cuja sigla era "de pé no chão tam bém se aprende a ler", que não se reduz a uma questão de economia de investimentos, mas propunha uma educação para o poder. É no Nor deste, finalmente, para não tornar mais longa a relação, que o movi mento das Ligas Camponesas utiliza o Código Civil para combater a propriedade, o sobre-trabalho, o "cambão". Todos esses aspectos re velam que o avanço no nível da superestrutura obrigaria, levado às suas últimas conseqüências, a um novo caráter na condução dos negó cios do Estado: a questão, para resumir uma última análise, era o que fazer com o Estado. Essa corrosão da hegemonia ideológica das classes 112
dominantes locais vai aparecer como contraditória com o movimento de expansão do capitalismo monopolista no Centro-Sul; neste, apesar de existir também em curso uma certa erosão ideológica, as classes do minantes mantinham e até redefiniam o papel das instituições superestruturais: por exemplo, no que respeita à educação, a redefinição que se propõe, muitas vezes rotulada como "democratização", era sem dú vida o abandono da concepção elitista da educação e sua substituição para uma pedagogia para o desenvolvimento, isto é, voltada para dar maior eficácia aos quadros dirigentes, nos níveis intermediários, da condução dos negócios econômicos. Colocado nessas condições, o conflito de classes que aparece sob as roupagens dw conflitos regionais ou dos "desequilíbrios regionais" chegará a uma exacerbação cujo resultado mais imediato é a interven ção "planejada" do Estado no Nordeste, ou a SUDENE. A burguesia industrial do Centro-Sul, caminhando rapidamente para a hegemonia, não tem escolha: é preciso submeter as classes populares do Nordeste ao seu tacão, mas numa situação em que suas próprias bases, seu "po pulismo", começam a entrar em declínio, ela não atacará diretamente as classes populares do Nordeste, num movimento que visava evitar a confluência das forças populares em escala nacional: submeterá pri meiramente sua irmã gêmea no Nordeste, a própria burguesia indus trial trial regiona l. A S U D E N E é esse esse ataque pelos flancos, sugeri do inclu inclu sive numa citação do conhecido estrategista inglês Liddell Hart, que abre um dos livros de Celso Furtado, elaborado ao calor da luta no Nordeste: Dialética do Desenvolvimento ( ), mais tarde refundido pelo autor na obra Teoria e Prática do Desenvolvimento Econômico: " a v o i d the the frontal frontal atta ck" . A S U D E N E será será um mecanismo de destruição destruição acelerada da própria economia "regional" nordestina, no contexto do movimento de integração nacional mais amplo; certamente tal integra ção processar-se-ia em termos menos acelerados, podendo mesmo, no limite, o Nordeste permanecer ainda por largos anos como uma "Ir landa" no Brasil. Precisamente por ser um mecanismo de aceleração da integração é que a intervenção do Estado é "planejada", pois tratase de deslocar os esquemas de reprodução próprios da economia do Nordeste por outros que têm sua matriz noutro contexto de acumula ção: o "planejamento" é, pois, essa forma de transformação dos pres supostos da produção, essa passagem da mais-valia captada pelo Es tado como imposto, e sua conversão em capital entregue à grande bur guesia do Centro-Sul. 54
É interessante notar como esse antagonismo se expressa na luta ideológica que se trava pela própria criação da SUDENE. Tal antagonis mo expressa-se de forma disfarçada em todos os textos que preparam a criação da SUDENE: nos debates parlamentares, nos próprios pla nos, programas e projetos do novo órgão, sob o argumento da "segu rança nacional". Certamente nenhum texto é mais exemplificativo a respeito que a própria conferência de Celso Furtado no Instituto Su113 113
perior de Estudos Brasileiros - ISEB -, mais tarde como A Operação Nordeste - note-se, de passagem, o próprio uso de uma ter minologia militar, presente inclusive em outros programas do período Kubitschek, como sua política externa batizada de "Operação Panamericana" -, e no próprio e clássico documento Uma Política de De senvolvimento Econômico para o Nordeste ( ). Enfatiza-se explicita mente, nesses documentos, o risco que correria a "unidade nacional" se o agravamento dos "desequilíbrios" entre o Nordeste e o CentroSul persistisse na direção e na intensidade indicadas pelas estatísticas disponíveis. E em A Operação Nordeste, apontou Furtado para o fato de que esse risco para a "unidade nacional" decorria principalmente do antagonismo que se criaria entre a classe trabalhadora do CentroSul e os imigrantes nordestinos, que pela sua elevada oferta, contri buíam para manter baixos os salários reais do operariado e de outros segmentos de trabalhadores do Centro-Sul ( ). Ora, o que de fato es tava apontando era o risco de que o antagonismo entre a classe traba lhadora do Centro-Sul e a burguesia do Centro-Sul entrasse em pro cesso de agravo, pela competição que o próprio mecanismo de acumu lação instaura no conjunto do proletariado como um todo, servindose da abundante oferta de mão-de-obra que, no caso, nem era exclusi vamente nordestina: os contingentes mineiros sempre tiveram uma participação na migração para São Paulo de magnitude igual ou supe rior aos contigentes nordestinos. Curiosa mas não contraditoriamente, as próprias proposições de política de desenvolvimento para o Nor deste apontavam como uma das condições de viabilidade da economia nordestina, vale dizer da expansão da economia capitalista no Brasil, para a existência de oferta abundante de força-de-trabalho cujos dife renciais de salários em relação aos do Centro-Sul deveriam funcionar como um dos poderosos indutores da localização de indústrias na re gião. 55
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Documentos posteriores, produzidos pela própria SUDENE, rea firmam o caráter antagônico da luta de classes que se travava no Nor deste e o risco que representavam para a "unidade e a segurança na cional", fórmula eufemística que no fundo queria dizer "risco para a expansão do capitalismo no Brasil". Nos "Projetos apresentados ao Governo da República Federal Alemã", in SUDENE-BOLETIM ECONÔMICO, vol. 1, n° 1, 1962, faz-se referência explícita à quebra da pax agrariae nordestina: "A crescente pressão demográfica que se constata constata no Nor des te tem suscitado suscitado prob lemas sociais e políticos de suma gravidade - grifos nossos - que podem ser sintetizados nos se guintes fatos: a) - clima geral de insatisfação; b) - criaç ão de ressentimentos em relação às áreas mais dese nvol vidas do pais; c) - aparec iment o de associações camponesas com vistas a resol ver o problema imediato de acesso à terra;" (grifos nossos). 114
As Ligas Camponesas, que são essas associações citadas no texto da SUDENE, precedem à criação da mesma, e fazem parte do cli ma político propício à sua emergência; sustentam, portanto, sua utili zação nesta investigação, ao arrepio de uma narrativa cronológica. O que é indiscutível é que se estava apontando para o fato de que os cam poneses e semicamponeses do Nordeste apareciam agora como atores e agentes políticos per si, desvinculados do coronelismo e do voto de "cabresto". Tal surgimento na cena política de um novo ator, com as qualidades da nova forma de sua aparição, constitui ameaça ao sistema capitalista como um todo no Brasil. Outro documento produzido pela própria SUDENE, que alinhava os argumentos que sustentavam sua autonomia como autarquia no contexto do sistema administrativo da União Federal diz, agora, não apenas como argumento ideológico ao calor das lutas pré-criação, mas com a autoridade adquirida pelo pró prio organismo de planejamento regional, que "... estava assim, cons tatado que esta desigualdade econômica, num pais da extensão territo rial do Brasil, poderá acarretar a formação de grupos regionais anta gônicos, comprometendo a própria Unidade Nacional" (em maiúscu las e grifado no original) ( ). Deve-se acrescentar, para que não se pense que o artigo refletia apenas a opinião de seus autores, que o refe rido artigo é a própria cópia do texto preparado para que a Procura doria Geral da República, aprovando-o, como de fato o aprovou, con solidass solidassee e confirmasse confirmasse o caráter caráter de autarquia autarquia da da S U D E N E , que o tex tex to da lei de sua criação não havia deixado claro. De que "unidade na cional" se falava, senão da "Unidade Nacional" da burguesia? Talvez até por ironia, essa "unidade nacional" é escrita em letras maiúsculas: a nação de que se trata no caso não é outra senão a nação burguesa, es es paço de expansão da forma capitalista de produção; e essa "unidade" é a unidade produzida agora pela expansão capitalista do Centro-Sul. A miséria nordestina tanto não era nova quanto se estava, na verdade, em presença de um movimento que tendia a dissolver a própria identi dade da economia regional do Nordeste, ao contrário do que aponta va o documento citado e os demais que enfatizam esse risco. 57
4.
O Novo Estado no Nordeste: a SUDENE
A S U D E N E foi criad cr iada a em 1959 1959,, pela lei lei nº 3.692, de 15 de de zembro do mesmo ano, do Congresso Nacional, emanada de projeto do Executivo da União que, no curso dos debates e transações parla mentares, recebeu diversas emendas. O processo propriamente parla ment mentar ar de criação da S U D E N E reflete, reflete, admirav elment e, o posiciona posiciona mento das diversas classes sociais, no Nordeste e fora dele, em relação à nova atuação do Estado na região. Tal processo foi descrito por Amélia Cohn, em seu brilhante estudo Crise Regional e Planejamento; as atas das sessões do Congresso Nacional, tanto ao nível da Câmara de Deputados quanto ao do Senado, relativas ao ano de 1959, relatam 115 115
igualment e ess essee processo. Con stitui para muitos observad ores um mis tério que os representantes parlamentares do Nordeste tenham-se constituído, na verdade, na mais formidável oposição à criação do novo organismo e que, pelo contrário, o apoio lhes tenha sido dado principalmente pelos parlamentares do Centro-Sul, aliados a poucos e expressivos congressistas mais ligados à burguesia industrial nordesti na. O mistério permanece apenas para quem não analisou devidamen te o conflito de classes do Nordeste, o processo de expansão do capita lismo no Centro-Sul e o decorrente posicionamento das classes sociais e de grupos para os quais a criação do novo organismo poderia repre sentar a morte ou a vida. O Executivo da Un ião , entretanto, antes antes da criação pel o Cong res so Nacional, havia criado através de decreto a pré-SUDENE, na for ma de um Conselho Conselho de Desenvolvimento Desenvolvimento do Nordeste - C O D E N O -, -, a quem coube a própria tarefa de elaborar o anteprojeto de lei. Era esse Conselho constituído por um Secretário-Executivo, de nomeação da Presidência da República, Governadores dos nove Estados do Nor deste, e representantes de Ministérios federais; o Conselho Deliberati vo da S U D E N E reproduzirá essa essa estruturação. estruturação. H ou ve quem visse visse nes nes sa estruturação a marca de um "novo federalismo"; entretanto, essa estruturação é sobretudo a marca da concentração de poder em mãos do Executivo Federal e, portanto, a morte da Federação. A S U D E N E traz inscr inscrita, ita, desde desde a su sua or ig em , a marca da inter inter venção "planejada" no seu programa, que se reflete mesmo nos textos das leis de sua criação e de seus planos-diretores, isto é, de uma tentati va de superação do conflito de classes intra-regional e de uma expan são, pelo poder de coerção do Estado, do capitalismo do Centro-Sul. Isto não é uma dedução que se permite apenas por um exame "a posteriori": o que não estava garantido era o sucesso do empreendimento, mas seus objetivos não poderiam ser mais claros. O novo organismo detinha, entre suas funções, a capacidade de criar empresas mistas, combinando capitais da União, dos Estados e até do setor privado. T a l c a p a c i d a d e é i n t e i r a m e n t e i n éd it a n o q u a d r o p o l í t i c o administrativo do país; e o objetivo era precisamente o de tornar o Es tado também produtor no Nordeste, dissolvendo sua antiga ambigüi dade, que era a marca estrutural do populismo. Praticamente em qual quer ramo das atividades econômicas poderia a SUDENE implantar essa s empresas estatais, co m o de fat o as im pla nto u, desde empresas destinadas ao abastecimento d'água nas cidades até uma unidade de produção industrial tão inequívoca quanto a USIBA - Usinas Siderúr gicas da Bahia. O Estado nunca tinha sido produtor no Nordeste, salvo em pouc os casos; esse esse nov o Estad o no No rd es te já se apresentava sem a marca de sua ambigüidade no Centro-Sul. A S U D E N E passo passou u a deter, deter, entre seus seus poderes, a capacid ade de dar "câmbio de custo" para a importação de equipamentos industriais 116
e agrícolas, agrícolas, sendo sendo obrigatoriame nte ouvida pela pela S U M O C - precede precedesssora do Banco Central - nos casos em que essa concessão conflitasse com problemas de balanço de pagamentos; podia recomendar isenção alfandegária para a importação de equipamentos, tendo assento no próprio Conselho de Política Aduaneira; automaticamente, por impo sição da pró pria lei nº 3.692, isentavaisentava-se se totalm ente do im po st o de ren da as novas empresas que se instalassem para aproveitamento das maté rias-primas regionais e parcialmente as empresas que já transformas sem as referidas matérias-primas. Uma imensa bateria de favores, que podem ser vistos na legislação própria, além dos já citados, compunha na verdade um elenco de mecanismos cujo objetivo era o de transfor mar parte da mais-valia captada pelo Estado, sob as formas de impos tos e de taxas, em capital. Tratav Tratava-s a-se, e, na verd ve rd ade, ad e, em ter mos mais teó te ó ricos, de converter toda a riqueza nacional, especialmente a parte que era captada pelo Estado, em pressupostos da nova produção: um me canismo típico do capitalismo monopolista e de seu correlato, o Esta do monopolista. Abstratamente, esses mecanismos não desfavoreciam necessariamente a burguesia industrial regional; mas concretamente, em presença de composições orgânicas de capital diferenciadas, e por tanto de taxas de lucro e de massas de valores diferenciados, a grande burguesia internacional-associada do Centro-Sul era quem, inevitavel mente, poderia retirar essas "castanhas do fogo". A debilidade da bur guesia industrial regional tornava-a inapta para reciclar seus esquemas de reprodução, e as isenções tornaram-se na verdade um mero expediente de adiar-lhe a falência completa, salvo poucos casos de grupos burgueses regionais que realmente já eram parte da grande burguesia nacional e internacional-associada, justamente por terem expandido sua reprodução para além da economia regional nordestina: para citar somente alguns, o grupo Baptista da Silva, através de suas atividades industriais e bancárias, o grupo Bezerra de Mello, através de suas in dústrias no Centro-Sul e de sua presença na hotelaria nacional, o gru po Lundgren através da cadeia nacional das Casas Pernambucanas, o grupo Mariani Bittencourt, através do Banco da Bahia, o grupo Calmon de Sá, através do Banco Econômico da Bahia, o grupo Brennand, na indústria de azulejos e cerâmica, o grupo João Santos, na indústria do cimento. A estratégia de concepção da SUDENE seria em si mesma uma brilhante aplicação do "avoid the frontal attack"; poderia ser apresentada como um "casus belli" aplicado à política. Essa formalização tem, p oré m, raízes no pró pr io confl ito de classe classe regional e nacional, no papel do Estado e nas suas relações com a sociedade, assim como a estratégia militar não é um puro movimento sem real: se não existirem soldados, equipamentos, condições diferenciais em força e qualidade, qualquer estratégia não passa de um mero jogo de "war", muito popu lar hoje em dia, quando as condições concretas da competição interimperialista e da competição entre capitalismo e socialismo já relega117
ram exatamente para as fábricas de brinquedo as concepções de estra tégia tégia de uma uma época ultrapassad ultrapassada. a. As propos ições da S U D E N E evi tam, p or um lad o, o ataque frontal às condições de repro duç ão da eco nomia agrária nordestina, deslocando o eixo do problema para uma suposta inviabilidade da economia da zona semi-árida; o que se estava flanqueando com isso era, na verdade, o conflito agrário; colocam o problema da economia açucareira nordestina como uma questão de inadequação entre recursos naturais de boa qualidade e uma divisão técnica inadequada do trabalho, saltando outra vez sobre o caráter de conflito que estava no âmago da reprodução da economia açucareira; abordam o problema das migrações de nordestinos para o Centro-Sul, seja do lado da inadequação da economia da zona semi-árida, seja do lado de um falso conflito entre migrantes nordestinos e classe traba lhadora do Centro-Sul, evitando falar do agravamento do conflito de classes no próprio centro da acumulação capitalista; enfatizam o "inchamento" das cidades litorâneas e o subemprego, evitando ter que refletir sobre a natureza desses movimentos da força-de-trabalho, cuja pedra de toque é a redivisão regional do trabalho em escala nacional, comandada pela industrialização do Centro-Sul. Qual a direção do "ataque frontal" da SUDENE? A captura do Estado no Nordeste pela oligarquia agrária algodoeira-pecuária, sob a forma de intervenção do DNOCS: parafraseando Lênin, dirige o "ata que frontal" contra o "elo mais fraco da cadeia", exatamente aquele que permitia a confluência de todas as forças sociais, classes populares, burguesia industrial regional, burguesia internacional-associada do Centro-Sul e classes populares do próprio Centro-Sul. Todas essas for ças sociais estavam interessadas em "descapturar" o Estado no Nor deste, mas por razões completamente diferentes. As proposições da SUDENE para "descapturar" esse Estado levam, porém, necessaria mente à sua captura pela burguesia internacional-associada do Cen tro-Sul, através das formas que propõe para a reinversão do excedente captado pelo Estado em capital. É evidente que a história da SUDENE não pode ser entendida li nearmente; se seus objetivos eram, desde o princípio, aqueles já assina lados, sua implementação não pode seguir uma trajetória retilínea. N ã o pode fazê-lo exatam ente por que a força força das das cla classe ssess populares em emergência no Nordeste cobrará, em algum momento, os direitos que tem nessa confluência de forças para "descapturar" o Estado; e essa confluência é uma coligação de desiguais, com interesses desiguais: en tre o ano de sua criação e até a aprovação do seu primeiro Plano Dire tor, que somente surgirá em 1961, 1961, dec orri dos dois anos de sua sua cri açã o, a SUDENE conhecerá desdobramentos cuja lógica dependerá do ali nhamento e realinhamento do conjunto das forças sociais que a apoia vam, e no limite, do realinhamento mesmo entre forças que se opu nham. É o caso, por exemplo, do realinhamento entre as forças da burguesia industrial nordestina e da burguesia internacional-associada 118 118
do Centro-Sul com a própria oligarquia agrária algodoeira-pecuária do Nordeste, no momento em que o questionamento da viabilidade da economia da zona semi-árida começou a passar necessariamente pelo questionamento da estrutura fundiária e do direito de propriedade. É o caso, também, da própria dissociação de forças entre a burguesia in dustrial nordestina e a burguesia internacional-associada do CentroSul, no momento em que a primeira começa a perceber que os favores administrado administradoss pela pela S U D E N E vão parar, inevitavelmente, às mãos mãos da segunda. É o caso, por exemplo, da crescente gravitação da própria SUDENE em relação às forças populares do Nordeste, no momento, em que começa a gerir-se a oposição da própria burguesia industrial do Nordeste ao organismo regional de planejamento, e este começa a depender mais das forças populares do Nordeste para destruir seu opositor principal, o "velho" Estado cristalizado no DNOCS, para implementar a passagem da economia do Nordeste à economia nacio nal integrada. Momento esse que tem seu ponto de fusão, por exem plo, no movimento popular, que talvez pela primeira vez na história nacional vai reivindicar em praça pública, em comicio, a aprovação do Primeiro Plano Diretor. A captura do Estado no Nordeste pelo capitalismo monopolista em expansão a partir do Centro-Sul não se completa necessariamente com a simples declaração de funções e objetivos da SUDENE, nem se quer com a prática da administração de favores, em sua forma origi nal. Ela é tanto irresoluta enquanto o conflito de classes não se define, quanto o próprio papel do organismo de planejamento é mutável devi do ao próprio movimento das classes sociais. Tal captura vai ganhar contornos mais definidos a partir de dois aspectos. O primeiro deles é a inserção, no texto da lei do Primeiro Plano Diretor, do mecanismo de dedução do imposto de renda para as empresas que aplicaram essa dedução em investimentos industriais no Nordeste. Deve-se frisar que essa inserção, que vem a ser o artigo 34 da lei nº 3.959, é de autoria de um parlamentar do Nordeste ligado à burguesia industrial açucareira, o então deputado Gileno De Carli, ele mesmo antigo presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool; De Carli introduziu um dos elemen tos que faltavam para o financiamento da expansão monopolista: a quase completa transformação do excedente captado pelo Estado em capital. Evidentemente, essa regra é de ouro para o capitalismo mono polista em e xpan são no Centr o-S ul, pois , p or defin içã o, deduz mais mais quem tem mais imposto a pagar. A SUDENE, através da regulamen tação da lei, e em outro artigo da lei do Segundo Plano Diretor, tentou transformar essa dedução num fundo de acumulação global, que seria destinado aos projetos industriais por ela aprovados; mas essa regula mentação nunca chegou a ser implementada, e a orientação transfor mada em lei, pela aprovação do Segundo Plano Diretor, nunca chegou também a ser implementada, porque era uma opção: o dedutor do Im posto de Renda poderia colocar seu imposto diretamente em algum 119 119
projeto industrial ou destiná-lo ao fundo global de acumulação, co nhecido como Fundo de Desenvolvimento do Nordeste - FIDENE -é fácil deduzir que a primeira opção sempre foi preferida pelos dedutores, sendo que o próprio FIDENE, em legislação posterior, seria extinto. Estava criado o mais poderoso mecanismo para a transferên cia da hegemonia burguesa do Centro-Sul para o Nordeste. A SUDENE levou longe demais sua própria ideologia e seus ar gumentos ideológicos, travestidos em linguagem técnica "neutra" e apolítica, na exacerbação do fantasma da "região-problema", a "área mais pobre do Hemisfério Ocidental" "a ameaça à unidade nacional", a área de onde emergiriam os conflitos que poderiam pôr em risco essa "unidade" - no fundo uma "unidade da nação burguesa". A presidência Kennedy estava inaugurando, nos Estados Unidos da América do Norte, um novo estilo de relacionamento internacio nal, adaptado às novas condições da competição inter-imperialista e da competição capitalismo versus socialismo. A "New Frontier" para a América Latina chamar-se-á "Aliança para o Progresso". Os olhos dos serviços de inteligência norte-americanos, da até então intocável Central Intelligency Agency, de há muito estavam voltados para o Nordeste. Um documentário elaborado pela cadeia de televisão norteamericana ABC, sob o título "The Troubled Land", enfocava direta mente a emergência política das classes agrárias dominadas, sob a égi de das Ligas Camponesas, já no ano de 1959; sutilmente, o referido documentário parecia tomar o partido dos camponeses e dos trabalha dores rurais do Nordeste, enfatizando os aspectos da violência dos "coronéis" e senhores de engenho, em "close-ups" onde aparecia um velho e conhecido político pernambucano, misto de latifundiário e in dustrial, brandindo ameaçadoramente um brilhante Smith & Wesson em direção a um alvo que não aparecia, mas que era evidentemente os camponeses. Filmando trabalhos de "mutirão" comandados pelas Liga s Cam pone sas , com Franc isco Julião em pessoa à frente o que o documentário pretendia na verdade era, mais pelo segundo caso que pelo primeiro, mostrar que os camponeses e trabalhadores rurais do Nordeste estavam em vias de tomar as terras. Logo nos primeiros meses da presidência Kennedy, uma legião de "olheiros", que incluía o então obscuro Mr. Henry Kissinger, esteve no Nordeste observando suas condições. Após algumas reuniões com a embaixada americana no Brasil, a Casa Branca convida Celso Furta do, em julho de 1961, para ir a Washington, a fim de debater direta mente com o Presidente John Kennedy o problema do Nordeste e a possível ajuda que o Governo dos Estados Unidos, sob a égide da Aliança para o Progresso, poderia proporcionar ao processo de trans formações por que passava o Nordeste, consubstanciado nos progra mas da SUDENE; em poucos momentos da história brasileira, e sobretudo das relações brasileiro-norte-americanas, a interferência e a 120
ingerência da potência imperialista do Norte nos assuntos internos do Brasil foi tão grande e tão descarada. O amor-próprio de alguns im portantes personagens, a própria mística de que se cercou o período Kennedy, que continua a ser alimentada, e o caráter especial das rela ções que o regime político brasileiro atual mantém com os Estados Unidos impediram, até agora, uma completa denúncia e avaliação dessa ingerência. Recentes trabalhos, como os de Roett, em seu The Politics of Foreign Aid e o de Joseph A. Page, em The Revolution That Never Was, mostram, pelo menos parcialmente, a profundidade dessa interferência. Assim mesmo, parece que os referidos autores ainda continuam presos à retórica da Aliança para o Progresso, pois atri buem o insuc insucess esso o das relações entre a S U D E N E sob o com and o de Celso Furtado e a USAID, a "disfunções" de ótica de política econô mica, de que resultavam critérios distintos de prioridades para os pro gramas, e até as dificuldades de comunicação lingüística: os nordesti nos não falavam inglês... Resultado desses entendimentos, chegou ao Nordeste, nos fins de 1961, uma missão da Aliança para o Progresso, sob a chefia do antigo embai xador Me rw in Boh an, q ue já havia havia trab alha do no Brasil Brasil anteriormente, na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Os trabalhos da Missão concretizaram-se num relatório intitulado Northeast Team Sur- vey Report, que em princípios de 1962 circulou em duas versões, uma em inglês e outra em português. A redação original do relatório Bohan, como ficou conhecido o documento, que é a citada neste tra balho, fazia recomendações tão claras no sentido de conter o movi mento das Ligas Camponesas, de uma forma tão descarada, que o Go verno Brasileiro não tinha condições de aceitá-la ( ); a segunda reda ção, com as correções e supressões solicitadas pelo Governo Brasilei ro, é a que é reconhecida como o programa da Aliança para o Progres so. As menções expressas às Ligas Camponesas, e à coligação de for ças populares do Nordeste, nesta segunda redação são eliminadas, mas o conteúdo dos programas continua o mesmo. A primeira parte do programa recomendado pela Missão Bohan consistia num programa-impacto, de caráter estritamente assistencialista, cujo objetivo ex presso era o de esvaziar politicamente o movimento das Ligas Campo nesas, solapar a liderança das forças populares emergentes no Nordeste, em base aos resultados que o programa-impacto poderia propor cionar. Essa visão míope dos policy-makers norte-americanos, cer tamente ficaria míope mesmo, se não fosse completada pela segunda parte do programa, chamado de "longo prazo", cuja aparência era o de cooperar com verdadeiros programas e projetos de desenvolvimen to econômico. A segunda parte das recomendações do Relatório Boham consistia, na verdade, num programa de esvaziamento demográfico do Nordeste, para fazer baixar as pressões agrárias e urbanas, que se configuravam agora sob novas roupagens políticas, num pro grama de obras públicas cujo cariz assistencialista e imediatista não 58
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podia ser escondido, e simultaneamente, ou para usar a expressão in glesa, que os americanos certamente entenderão melhor - para evitar "dificuldades de comunicação lingüística" - last but not least, num conjunto de projetos que na verdade servia aos propósitos de montar uma estrutura capaz de ser posta imediatamente em ação para o caso de que uma ação militar de envergadura se lhes afigurasse - aos norteamericanos - como a única saída para evitar a caída do Nordeste nas mãos das forças populares ( ). Os norte-americanos não confiavam nem na SUDENE, nem no próprio Governo Brasileiro, e mais que is so, trataram de boicotar deliberadamente os esforços da SUDENE; no que se refere a programas que realmente pudessem promover algo pa recido com desenvolvimento econômico, as recomendações do Relató rio Bohan quando não eram cautelosas, como a de não mexer na es trutura da zona canavieira, eram negativas: não ampliar a capacidade geradora da CHESF em Paulo Afonso ( ). Tais cautelas e negatividades são explicáveis: tanto não interessava aos norte-americanos hosti lizar a burguesia industrial nordestina, quanto não lhes interessava fortalecer uma empresa estatal, cujo controle político estava agora em mãos de uma coligação de forças em escala nacional que considera vam adversa. 59
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A ação da U S A I D no Nor des te visava visava concretamente minar minar a própria autoridade da SUDENE, oferecendo ajuda diretamente aos governos estaduais julgados capazes de se contraporem politicamente às forças políticas populares rotuladas de "radicais": o primeiro acor do é firmado com o Governo de Cid Sampaio em Pernambuco, quan do ainda o próprio Acordo do Nordeste não estava em vigência; o se gundo acordo é firmado com o Governo Aluisio Alves, no Rio Gran de do Norte, imposto à SUDENE goela abaixo com o beneplácito do próprio Presidente Goulart, cuja tática política centrava-se numa mío pe manobra de desgaste das forças políticas à sua esquerda, no caso as forças sob a liderança de Miguel Arraes. O Consulado norteamer icano em Recife chegou às pro por çõe s de uma verdad eira embai xada, com mais de onze vice-cônsules e uma legião de funcionários que incluía os indefectíveis agentes da CIA, disfarçados em Corpos de Paz, pessoal técnico e pessoal diplomático. Além dos programas que faziam parte do chamdo Acordo do Nordeste, o Governo norteamericano deslanchava com uma série de iniciativas, através de pro gramas como o da CLUSA, na verdade um organismo da CIA - ver li vro de Joseph A. Page, citado - cujo objetivo era o de infiltrar agentes nos próprios sindicatos rurais controlados pela Igreja Católica no Nor deste. O objetivo de solapar a autoridade da SUDENE era estratégico para a U S A I D e Ali anç a para o Progr esso, na mesma medida em que o próp rio papel papel da S U D E N E ainda ainda era era indefinido, na mesma mesma medida medida em que a própria intervenção do Estado sob a égide do organismo de planejamento regional passava a depender mais e mais do apoio das 122 122
forças políticas populares do Nordeste. A ação perturbadora da USAID eliminou, na visão ingênua de Page e Riordan Roett, a possi bilidade de uma "revolução sem violência", e contribuiu para manter o status quo, reforçando o poder da oligarquia agrária nordestina, nes te caso incluindo a própria burguesia do açúcar: em verdade, a ação perturbadora da U S A I D não ajudou ajudou a manter o status quo, mas a transformá-lo no sentido da implantação da completa hegemonia bur guesa guesa em escala escala n acion al, heg emo nia essa essa já co mp le ta me nt e perm eada pela presença de capital internacional, vale dizer também norte- americano ou sobretudo norte-americano. Aliás, em diversas passa gens, o próprio Relatório Bohan enfatiza essa necessidade: o problema do Nordeste somente se resolveria mediante sua completa integração à economia nacional ( ). A operação tresanda a maquiavelismo: a SU DENE aparecia publicamente de braços dados com o imperialismo, ainda que em relação tensa - quem tem medo de Virgínia Woolf, no caso? caso? As si m, o ap oi o que o orga nism o de plan ejam ent o recebia das forças populares debilitou-se, com o que o possível direcionamento da intervenção do novo Estado no Nordeste, no sentido de dissolver sua ambigüidade em favor das reivindicações populares, perdia sua base; a total captura captura da S U D E N E pela burguesi burguesia a internacional-associada do Centro-Sul passou a depender apenas da resolução do conflito de clas se em escala nacional. A oposição das forças populares do Nordeste à S U D E N E , nas nas vascas vascas da agon ia do regime pol íti co populista, era já ir remediável: esta havia capitulado frente à conjunção de forças do im perialismo e da burguesia internacional-associada do Centro-Sul, ca pitulação que se expressa bem no anteprojeto do Segundo Plano Dire tor, onde a própria SUDENE havia retirado a restrição de utilização pelas empresas de capital estrangeiro do mecanismo da dedução fiscal, antes somente permitida a empresas de capital cem por cento nacional. 61
O Governo Miguel Arraes em Pernambuco denuncia os acordos da U S A I D no setor setor de educação, justamente justamente um dos primeiros projetos-impacto, firmado ainda sob o Governo Cid Sampaio. O núcleo da argumentação do então governador de Pernambuco era o de que um Estado da União não tinha poderes para firmar convênios diretamente com uma uma potência estrang eira, com o que se procu rav a refor çar a já débil posição da SUDENE; esta omite-se da questão seguindo, nesse particular, a mesma tática míope do Presidente Goulart, que consistia em isolar isolar as forças populare s à sua sua esquerda. A S U D E N E ajuda ajuda a USAID nos seus intentos de desmontar a força política das associa ções camponesas: num dos episódios mais demagógicos de que se tem notícia, o irmão do presidente John Kennedy, o atual Senador Edward Kennedy, foi ao Recife para doar aos camponeses do Engenho Galiléia, o símbolo das Ligas, em nome de seu irmão e como prova do inte resse dos norte-americanos pelo sofrimento dos camponeses do Nor deste, um gerador de energia que mal saiu de sua embalagem. Curiosa mente, quando o jovem Edward Kennedy perguntou a um dos líderes 123 123
de Galiléia que presente lhes seria mais grato, o camponês respondeu, em síntese admiravelmente dialética: "retirar a polícia do Engenho Galiléia". A SUDENE patrocina o projeto Tiriri, que consistia no ar rendamento de engenho do mesmo nome, na zona sul de Pernambuco, para fundar um projeto de exploração cooperativa, que deveria servir como efeito-demonstração contra as ligas e os sindicatos rurais, e si multaneamente salvar a estrutura de controle da propriedade na Zona da Mata pernambucana; a SUDENE insiste no projeto de colonização do Alto Turi, no Maranhão, apesar da límpida evidência de sua invia bilidade, como forma de esvaziar a pressão sobre a terra exercida pelos camponeses e outros trabalhadores rurais do Nordeste, agentes políti cos agora autônomos.
5. A SUDENE: Planejamento da expansão hegemônica do capitalismo monopolista A crise de 1964 funde todos os elementos do conflito de classes, tanto a nível regional quanto nacional; na verdade, é apenas pelo agra vamento das tensões no coração da própria região que comandava o processo de expansão capitalista e pela forma que tomou, de uma in tervenção aberta das Forças Armadas, que o conflito de classes no Nordeste também se resolve - advertindo-se, desde logo, que o termo "r es ol uç ão " é empreg ado aqui em em seu sentido sentido dia lét ico -; e por conse conse qüência, que o direcionamento do processo de planejamento regional assume sua forma definitiva. Embora seja verdade, conforme este tra balho intentou demonstrar, que as causas da emergência de um pro cesso não-espontâneo de intervenção do Estado estivessem fundadas nas contradições da própria economia nordestina, nas suas contradi ções com a expansão capitalista do Centro-Sul e nos conflitos de classe desiguais a que ambos processos davam lugar, nada de antemão estava irremediav elmente det ermi nado ; é por isso isso que se intentou perseguir, a grandes pinceladas como permite o nível de ensaio deste trabalho, as diversas situações, as mudanças na correlação de forças, o alinhamen to e realinhamento das forças sociais, para não se traçar um quadro fatalístico, determinado desde o princípio. Pode-se aventar, por pura es peculação, a hipótese de que, se o conflito de classes no Centro-Sul não tivesse chegado ao ponto em que chegou, a forma de resolução particular do conflito de classes no Nordeste poderia ter seguido lineamentos distintos dos que aqui foram caracterizados; não se pretende avançar nesse terreno de especulações, inclusive porque a verdade é que uma das causas para que o conflito de classes no Centro-Sul assu misse as formas que assumiu, e sua resolução tomasse a forma que to mou, encontra-se precisamente no antagonismo criado pela emergên cia das forças populares no No rd es te . En fim, quer-se cham ar a aten çã o é para para o fato de que a S U D E N E pós-64 pós-64 é mui to mais o resultado 124
da forma de resolução do conflito de classes em escala nacional do que regional. A SUDENE anuncia, por ironia da História, através especialmen te do mecanismo de incentivos fiscais conhecidos como 34/18, uma das das formas de financiamento da exp ansã o mo no po li st a no Brasil pós 64. Não é por acaso, mas por uma exigência das leis de reprodução do capitalismo monopolista, que a "invenção" do 34/18 é copiada para propiciar a expansão monopolista em outras "regiões" e setores da atividade econômica em escala nacional: os incentivos foram primeira mente estendidos à Amazônia, logo em seguida à pesca, ao reflorestamento, ao turismo. Foram estendidos, sob outras formas, ao financia mento das exportações, ao financiamento da "obsolescência progra mada", enfim a um conjunto de atividades, que expressam na verdade a transformação do conjunto da riqueza nacional em pressupostos da reprodução do capital; e a aceleração da imbricação Estado-burguesia internacional-associada é anunciada também, até certo ponto, pela SUDENE. A SUDENE é, neste sentido, um aviso prévio do Estado autoritário, da exacerbação da fusão Estado-burguesia, da dissolução da ambigüidade Estado-burguesia, a tal ponto que um se confunde com o outro, e os limites de Estado e sociedade civil parecem borrar-se completamente. Os resultados do programa de industrialização, sob a égide do 34/18, são fartamente conhecidos no campo da transferência da hege monia da burguesia internacional-associada do Centro-Sul para o Nordeste. Os principais grupos econômicos do Centro-Sul transferi ram-se para o Nordeste, implantando fábricas e unidades produtivas que, em alguns casos, mesmo quando operem a capacidade ociosa, mesmo quando representem duplicação de produções que, numa visão marginalista, poderiam ser mais econômicas no Centro-Sul, assegu ram a homogeneização monopolista do espaço econômico nacional. Ainda quando os resultados do programa de industrialização deixem a desejar em termos de criação de empregos, ou que se afastem do pa drão "labour intensive" que preconizava a SUDENE nos seus primór dios, é inegável que a economia do Nordeste integrou-se completa mente à economia nacional. Perde, pois, qualquer sentido continuar a falar de "economias regionais" no Brasil, e o fato de que a própria S U D E N E continue a tocar uma músi música ca antiga, vem apenas em desa desa bono do organismo de planejamento regional, que, por sinal, deixou de ter qualquer sentido de "planejamento". Far-se-á correta avaliação dessa transferência de hegemonia da burguesia internacional-associada e da conseqüente captura do Esta do, através da transcrição de trechos do estudo de Francisco de Olivei ra e Henri-Phillippe Reichstul, já citado: 125 125
"A expansão em direção ao Nordeste, via mecanismo do 34/ 18, satisfaz to dos ess esses es requisitos. requisitos. Em primeiro primeir o lugar, por definição, definiç ão, sendo as pessoa pessoass jurídi juríd i cas cas dedutores dedutores e aplicadores, aplicadores , conduz, condu z, inevitavelmente, as pessoas pessoas jurídicas mom onopolisticas ao ápice da pirâmide de dedutores e aplicadores. Essas pessoas jurídicas podem aplicar diretamente, dir etamente, em projetos própri pró prios, os, ou indiretamente em projetos de terceiros. Num caso como noutro, o resultado mais importante é a formação ou a expansão de conglomerados. Alguns dados ajudam a me lhor compreender o processo da expansão. Tomando-se a condição de aplica dores em projetos próprios - já que a aplicação em projetos de terceiros não pode ser conhecida com os dados que se dispôs - tem-se que das 100 maiores empresas nacionais (ver Revista Visão, "Quem é Quem na Economia Brasilei ra", 16/30 agosto de 1971), incluindo-se empresas estatais, de capital prepon derantemente estrangeiro, de capital preponderantemente nacional e toda a classe classe de d e mistas, 24 dela delass têm têm projetos projetos próp pr óp rios ri os ( ), implantados ou em implan tação no Nordeste. Isto satisfaz à primeira condição de que o mecanismo este ja sendo usado usado como regra geral para expansão da empresa de tipo monopolístico. Essas 24 empresas ou grupos estão presentes em 07 dos principais proje-. tos industriais da área da SUDENE, selecionados a partir de um corte ao nível dos 10 milhões de cruzeiros de incentivos fiscais aplicados ou a serem aplica dos; detêm, em todos os projetos selecionados, posição majoritária Ou pelo menos igual à do outro ou outros maiores acionistas. Interessante é observarse a origem do capital das empresas ou grupos que estão na situação acima. Das 24 empresas com projetos próprios, 4 são estatais, 6 são de propriedade privada predominantemente nacional (não sabemos o grau de associação que possa existir), e 14 são de propriedade estrangeira (totalmente, com participa ção, se existir, de capital nacional apenas simbólica). Uma outra forma de verificar a hipótese anterior consiste em saber se as estã o presentes presentes empresas mais importantes em seus respectivos ramos industriais estão à expansão que se dá no Nordeste. Em caso afirmativo, ter-se-ia que o proces so é não somente de homogeinização monopolística global, mas setorial, isto é, tendem a ser principais no Nordeste as empresas ou grupos de empresas empresas que já são principais no Brasil. Brasi l. Neste Nes te caso, dado d ado que o que se procura não é, essen essen cialmente, conquistar mercados, deve-se pensar que a estratégia desse tipo de empresas, ao expandir-se para o Nordeste, é a de preservar mercado consoli imp ortante. te. No limite, limite , essa essa dando suas posições no ramo industrial em que já é importan estratégia estratégia levaria até a implantação implant ação de unidade unidadess no Nordes Nor deste te que não tivessem tivessem lucratividade imediata. Uma análise que considere as 10 principais empresas por ramo industri industrial al no Brasil Brasil (novamente (novame nte os dados são da revista Visão) ofere ce os seguintes resultados: a
(a) Esse número pode estar subestimado, em virtude de não ter sido possível, face à preca riedade das fontes que utilizamos, identificar a propriedade de todos os projetos ou pelo menos o grupo líder. Os dados a respeito dos projetos foram tirados de uma lista consolidada do Banco do Nordeste do Brasil, complementada com uma lista publicada pela revista Veja. n. 185, "Guia de Incentivos Fiscais". Genericamente, do ponto de vista do mecanismo do 34/18, está se assi milando o restante do Brasil à região Sudeste; isto porque não se dispôs de dados mais recentes sobre a participação percentual das pessoas jnrídicas de cada região no montante de depósitos do 34/1 34/18. 8. Sem embar go, em 1965 1965,, por p or exemplo , as pessoas jurídicas jurídic as dos estados componentes da região Sudeste constituíam 82,6% do volume total de depósitos, V. Hirschmann, op. cit.. tab.
126
Entre as 10 principais, quantas têm Ramo industrial*
Mineração Minerais metálicos metálicos Minerais não-metálicos Transformação Metalúrgica Cal e cimento Cerâmica, artefatos de cimento, gesso e amianto Transformação Metalúrgica Siderurgia Não-ferrosos Produtos metalúrgicos diversos Mecânica Máquinas, motores, m otores, equipamentos in dustriais Aparelhos elétricos. elétricos. Comunicação Material elétrico Aparelhos domésticos, lâmpadas Material de Transporte Veículos automotores Autopeças e carroçarias Trator Tra tores, es, máquinas de terraplenagem Borracha Pneus Química Química e Petroquímica Plásticos e Derivados Produtos Farmacêuticos Perfumaria, Higiene Dom. Têxtil Fiação Fiaçã o e tecelagem tecelagem Art. de vestuário e acessórios Produtos A limentícios Laticínios Produtos alimentícios diversos Bebidas Indústrias Diversas Conglomerados
projeto próprio no Nordeste
1 (a 6ª maior empresa) 1 (a 1ª maior empresa) 1 (a 1ª maior empresa) 2 (as 1ª e 2ª maiores empresas) 1 (a 1ª maior empresa) 2 (a 2ª e a 5ª maiores empresas) 1 (a 4ª maior empresa) empr esa) 2 (a 1ª e a 5ª maiores maiore s empresas) 2 (a 1ª e a 4ª maiores mai ores empresas) 2 (a 1ª e a 5ª maiores maiore s empresas) 1 (a 2ª maior empresa) 1 (a 10ª maior empresa) 1 (a 6ª maior empresa) 1 (a 3ª maior empresa) 5 (a 1ª, a 2ª, a 3ª, a 4ª e a 9ª. maiores empresas) 1 (a 1ª maior empresa) 1 (a 1ª maior empresa) 1 (a 3ª maior empresa) 1 (a 1ª maior empresa) 3 (a 1ª, a 7ª e a 8ª maiores empresas) 1 (a 9ª maior empresa) 2 (a 1ª e a 3ª maiores empresas) e mpresas) 2 (a 1ª e a 2ª maiores empresas) 4 (a 1ª, a 2ª, a 3ª e a 4ª maiores) m aiores)
A classificação é da revista Visão e não corresponde corresponde rigorosamente à classific classificação ação ado tada pelo IBGE. 127 127
Portanto, dos 16 subsetores que resumem a estrutura industrial do país, 11 estão se reproduzindo na estrutura industrial do Nordeste; além disso, são as empresas mais importantes dos subsetores e dos ramos, que estão, direta mente, implantando unidades de produção no Nordeste, e é lógico pensar que não o estão fazendo para para concorrerem concor rerem com sua suas matrizes na região regiã o Sudeste Sudeste ou em outras regiões do Brasil. É lógico também que a não-presença de todas as principais principa is responde à manutenção do grau de competividade que existe no ca pitalismo monopolista (este não significa a ausência total de competição, mas como com o é sabido, o estreitamento estreitamento da faixa faixa de competição, e a redução da compe tição dos grandes grandes grupos); grup os); portan por tanto, to, algumas algumas empres empresas as estão não somente ten tando manter suas posições no mercado brasileiro como um todo, mas adiantando-se a possíveis expansões de demanda, para o que a implantação de uni dades no Nordeste pode ser estratégica no sentido de ganhar uma porção maior ainda no mercado nacional. O resultado resultado da ação desse dessess mecanismos, e da estratégia estratégia implícita implíc ita ou explí expl í cita da manutenção e elevação nos espaços periféricos da taxa de lucro do sis tema, toma a forma concreta, no Nordeste, de uma estrutura industrial que nada tem a ver com a formação e a distribuição da renda a curto prazo da própria região. Isto é, a estrutura industrial não é função de um mercado regional, mas função do mercado nacional mais amplo. Vale a pena comparar a estrutura industrial do Nordeste, até uma década atrás, e a estrutura indus trial em ser, derivada do 34/18. A primeira é evidentemente função do merca do regional em primeiro lugar e das fracas participações da indústria do Nor deste nos totais nacionais do setor, enquanto a segunda reflete inegavelmente o processo da redivisão interregional do trabalho entre os setores industriais do país como um todo, que se analisou nesta secção:
Sub-setores
Estrutura do Valor Inversões por classe de Adicionado na indústria segundo pro- Indústria em jetos aprovados até 1962 (%) 1969
a) Bens de Capital e Intermediários Minerai Min eraiss não-metálicos não-metá licos Metalúrgi Meta lúrgica ca Mecânic Mec ânica a M at. at . Elét. e Ma Mat. t. de Comunicações M at. at . de Transporte Made Ma deir ira a Papel e Papelão Borracha Borrac ha Cour Co uros os,, peles e similares Química Quím ica e Farmacêutica Farmacêu tica
29,2 6,3 6,3 2,7 2,7 0,2 0,2 0,1 0,4 0,4 1,0 0,9 0,9 0,9 1,2 15,5
67,1 11,2 11,2 18,7 1,7 1,7 3,5 2,6 1,6 1,6 3,6 0,7 1,6 21,9 21,9
b) Bens de Consumo Mobi Mo bili liár ário io Têxt Tê xtil il
70,4 1,5 26,7 26,7
32,7 0,3 0,3 16,1
128 128
Vestuário, calçados calçados e art. de tecidos Produtos alimentícios Bebidas Fumo Editorial e Gráfica Diversos
1,7 30,4 3,9 3,9 4,3 4,3 1,9 0,4 0,4
2,9 4,2 4,2 3,6 0,1 0,4 0,4 0,2 0,2
Nota: Existe ainda um resíduo de cerca de 5% não distribuído na estrutura das novas inversões, por problemas de classificação. Fontes: Para a estrutura industrial de 1962, 1962, Hirschmann, Hirsc hmann, op . cit. tendo como fonte original, origi nal, SU DENE e BNB/ETE NE. Para a estrutura das inversões, SUDENE DEZ ANOS, op. cit.. pág. 164.
As duas estruturas não são rigorosamente comparáveis, pois uma se refe re ao Valor Adicionado e a outra é simplesmente uma estrutura das novas in versões patrocinadas pelo 34/18; a forma como esta segunda se concretizará em termos de valor adicion adi cionado, ado, dependerá de outra outrass variáveis tais como remu neração do fator trabalho, taxa de lucro etc. Ainda assim, algumas considera ções podem ser extraídas do confronto entre as grandezas que se contrapõem. Em primeiro lugar, salta aos olhos a inversão total da ordem de importância; na estrutura industrial do Nordeste, que é função do seu mercado, são as in dústrias de bens de consumo que têm a predominância, aliás bem de acordo com os baixos níveis de renda regionais; na estrutura das inversões patrocina das pelo 34/18, são as indústrias produtoras de bens intermediários e de capi tal que têm a absoluta predominância. Aliás, o fato de que as inversões do 34/18 se dirigem preferentemente para as áreas das indústrias consideradas "dinâmicas", confirma indiretamente a característica da redivisão do trabalho operada entre o setor industrial do Sudeste e o do Nordeste, no sentido da homogeinização monopolística do espaço econômico nacional, com a conse qüente estratégia de preservação e consolidação de posições no mercado nacio nal. Esse é também o sentido da mudança geral na estrutura industrial do país, que no caso do Nordeste, sob a égide do 34/18, e tomando como referência a estrutura das novas inversões, avança ainda mais no processo de mudança da estrutura global da economia brasileira. Apesar de ser um tanto "descolada" do curto prazo da formação e distri buição da renda regional, a nova estrutura em formação não o é inteiramente da constelação de recursos de que dispõe a região. Se bem verificarmos, as maiores concentrações de inversão se dão nos subsetores de Minerais nãometalúrgicos, Metalúrgica, Química e Farmacêutica, e entre as "tradicionais" no Têxtil. Têxti l. 6 particularmente reconhecido que o Nordest Nord estee dispõe de uma uma exce lente dotação de recursos naturais para essas classes de indústria, propiciada pela existência de abundantes reservas de calcáreo,.amianto e gás natural (pa, ra processos modernos de siderurgia), petróleo e gás natural para a petroquí mica, sal e fibras têxteis. Assim, desde que viabilizado pela redução do custo do capital, isto é, pela elevação da taxa de lucro real, a exploração desses re cursos naturais tornou-se um excelente campo de aplicações, penetrando o es paço econômico da região pelas estruturas oligomonopolísticas que coman dam a indústria nacional. Assim, ao lado do efeito de elevação das taxas lucro pela penetração num espaço "periférico" ao eixo já estruturado monopolisticamente, a produtividade dos empreendimentos crescerá também em razão da 129
qualidade dos insumos utilizados. Este é outro aspecto interessante da redivisão inter-regional do trabalho entre os setores industriais do Nordeste e do Su deste. À margem desse aspecto, que se refere diretamente ao controle dos ramos industriais no Brasil como um todo, ocorre um outro, muito interessante, e que não guarda relação diretamente com a redivisão do trabalho entre setores industriais, mas está ligado ao processo geral de oligo-monopolização da eco nomia brasileira. O mecanismo do 34/18, por definição conforme já se ressal tou, beneficia as pessoas jurídicas na razão direta do seu tamanho (incluindose aqui volume de vendas, capital, lucro); ora, existe um sem número das prin cipais empresas ou grupos de empresas no Brasil que não aparecem direta mente patrocinando projetos próprios na área da SUDENE. Uma relação publicada em seis volumes pelo Banco do Nordeste do Brasil arrolava cerca de 75.000 pessoas jurídicas que se haviam beneficiado, no exercício de 1970, dos incentivos fiscais, em todo o Brasil, optando pela área da SUDENE (Banco do Nordeste do Brasil S/A, Departamento de Crédito Geral, Depósitos para Investimentos no Nordeste, Fortaleza, s/d). Entre estas estavam, obviamente, todas as demais principais pessoas jurídicas, isto é, empresas, que existem no território nacional nacional ( ) . Que fazem com seus seus incentivos fiscais, estas estas outras em presas? Aplicam em projetos de terceiros, numa política não somente de diver sificação do risco, mas, principalmente de diversificação do seu campo de ati vidades, isto é, estão se transformando em conglomerados. O mercado de capi tais tais cativo dos incentivos fiscais fiscais transforma transforma-se, -se, assim, na parteira dos cong c onglo lo merados no Brasil, radicalizando, talvez precocemente, uma tendência do ca pitalismo em escala mundial. As conseqüências não apenas econômicas mas políticas desse processo são óbvias: uma imensa concentração de renda e de poder é gestada como subproduto desse processo, que se soma à tendência ge ral ral de qualquer qualquer economia capitalista. É obv o bvio io que essas essas empresas ou grupos de empresas não aplicam em qualquer projeto: ao lado de análises econômicas ri gorosas, que levam levam em conta a rentabilidade do novo no vo empreendimento, empreend imento, os cri térios principais da decisão de aplicar neste ou naquele projeto revelam a es tratégia peculiar de cada tipo de empresa: empresas bancárias e financeiras procuram aplicar em projetos de clientes conhecidos, ao mesmo tempo que, sub-repticiamente, vão assumindo o controle de um sem número de novas em presas; grandes empresas industriais procuram aplicar em projetos que de mandem os bens (incluindo-se equipamentos) que elas produzem; outras apli cam em projetos que vão suministrar matérias-primas ou bens intermediários que são inputs dos seus próprios processos produtivos; algumas outras aplicam em projetos de terceiros, terceir os, dentro dent ro do ramo em que já são líderes ao lado de outros grandes concorrentes, como uma forma de procurar evitar que um grande concorrente venha a assumir, no futuro, o controle do novo em preendimento; outras simplesmente aplicam em projetos considerados bons do ponto de vista econômico, entrando com uma forte participação, nãob
(b). Entre as pessoas e empresas que operam na captação de recursos do 34/18, hoje uma faixa especializada do mercado de capitais, conhece-se apenas um caso - por isso mesmo insóli to - de uma grande empresa de capital estrangeiro que não se utiliza dos incentivos fiscais, em qualquer área onde eles estão disponíveis, recolhendo integralmente seu imposto de renda. A ex plicação usualmente encontrada é a de que no país-sede desta empresa não se reconhece a dedu ção fiscal no Brasil como não-lucro, o que faz com que a empresa caia numa faixa de incidência tributária mais alta, que não lhe é interessante.
130 130
majoritária. A teia teia de relações que se tece é no no sentido, sentido , de um lado l ado,, de aumen aumen tar o grau de concentração da propriedade do capital e, de outro, de solidari zar cada vez mais o destino do próprio capital. Nem se contradiga esta argu mentação com uma variante surrada da democratização do capital e da pro priedade, desde que todas as pessoas jurídicas podem deduzir e aplicar; uma seleção de 526 projetos da área da SUDENE mostra que 3 empreendimentos, com utilização de incentivos fiscais acima de CrS 100 milhões, absorvia 12% do total de incentivos; somando-se os seguintes 4 projetos até Cr$ 50 milhões de utilização util ização de incentivos fiscais, a porcentagem acumulad acumulada a do total de incen tivos chegava a 21% 2 1%;; os 60 seguin seguintes tes projetos, até o nível de Cr$ 10 milhões de absorção de incentivos acumulava cerca de 60% do total de incentivos. Os 459 projetos abaixo de Cr$ 10 milhões de absorção de inventivos apropriavam apenas os restantes 40% do total de incentivos (Ver quadro que se segue.).
LISTA DE PROJETOS DA SUDENE Foram levantados 526 projetos totalizando CT% 3.290.468.966 tendo a seguinte concentração por extrato:
Participação nos projetos acima de 10 M % Das
% Dos Do s
Participação no total de projetos % Empresas Empresas
Empresas Incentivos
% Incentiv Incentivos os
Acum.
Acum.
1º Extrato. Projetos co m 34/18 acima de 100 Milhões 3 empresas: Cr$ 405.043.120
4,5
20,7
0,6
0,6 0,6
12,3
12,3
2º Extrato: Projetos com 34/18 entre 99 999 999 999 999 e 50 Milh ões õe s 4 empresas: Cr$ 289.964.806
0,6
14.8
0,8
1,4
8.8 8.8
21,1
3º Extrat o: Projetos Proje tos com 34/18 34/18 entre 49 999 999 999 e 20 Mi lhõ es 25 empresas: Cr$ 796.839. 796.839.137
37,3
40,8
4,8
6,2
24,2
45,2»
4º Extrato: Projetos com 34/18 entre 19 999 999 999 e 10 Milhõ Mi lhõ es 35 empresas: Cr$ 462.717.023
52,2 100,0
23,7 100,0
6,7
12,9
14,1
59,4
87,1
100,0
40,6
100,0
5º Extrato: Projeto s com 34/18 34/18 abai xo de 10 Milhões 459 empresas: Cr$ 1.335.904.880
Fonte: Dados da revista Veja "Guia de Incentivos Fiscais", nº 185, consolidada com uma lista do Banco do N or de st e do Brasil referente a projeto s que em 197 1971 ainda não haviam ter minado a captação de recursos.
131
Coisa diversa é pensar que os problemas do povo do Nordeste, dos seus camponeses, dos seus trabalhadores, foram resolvidos. A "resolução" do con flito de classe regional e mesmo nacional deu-se exatamente pelo desmantela mento das forças políticas dessas classes sociais, pela sua repressão. Assim, a resolução, desta vez sem aspas, das questões ligadas ao levantamento do nível de vida das classes trabalhadoras do Nordeste une-se, inapelavelmente, ao destino de toda a classe trabalhadora no Brasil. É por isso que advertimos em algum momento deste trabalho que o "assalto aos céus" representado pelo de safio que as classes trabalhadoras do Nordeste e do Brasil impuseram à bur guesia não deve ser lamentado: ele é um marco decisivo, inclusive e talvez principalmente pelo fato de que, inexistindo agora especifícidades regionais, a forma como o Estado monopolista resolveu o conflito de classes numa situa ção particular da História brasileira tem desdobramentos que não podem ser minimizados. A insistência da burocracia da SUDENE, impregnada talvez de nostalgia nostalgia e certamente calçada nas nas melhores intenções em continuar a co lo lo car os problemas do Nordeste como "regionais", é agora, historicamente, rea cionária: apenas serve para azeitar os eixos dos mecanismos do capital monopopulista." Quanto à burguesia industrial nordestina, esta pagou um preço que jamais sonhou; e sua existência é "irrepetible desde siempre y para siempre", para retomarmos os termos admiráveis de Gabriel Garcia Márquez: no movimento de concentração e centralização do capital no Brasil, e na forma particular que lhe imprimiu o "planejamento" da SUDENE, não há lugar para ela.( ) Os poucos e contados grupos econômicos regionais que sobreviveram fizeram-no porque consegui ram elevar-se ao mesmo nível dos grandes grupos monopolistas da economia nacional e, em certos termos, já o eram ou estavam cami nhando para sê-lo à época da criação da SUDENE; os favores fiscais administrados por esta serviram-lhe igualmente como mecanismos de concentração e centralização do capital. O resto da burguesia indus trial trial nordes nordestin tina a foi irremediavelmente jo ga do ao l ixo da Histó ria. Dies irae, dies irae. 62
A oligarquia agrária algodoeira-pecuária do Nordeste, que por tanto tempo acaparou o Estado, e que momentaneamente pensou ter ven cid o em 1964 1964,, sobrevi sobr eviveu veu apenas para pode po derr escrev er, se souber - e na maior parte dos casos, não o saberá - o seu próprio epitáfio. Sobre vive apenas porque na verdade quase toda a agricultura brasileira ain da é um largo campo de acumulação primitiva; mas os movimentos de concentração do capital também acabarão por atingi-la: que o digam as recentes expansões do capitalismo no campo no Centro-Sul, espe cialmente em São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. De te fábula narratur. Alguns dos seus membros sobrevivem como espectros, fan tasmas que falam; alguns, porque na verdade transformaram-se em funcionários do Estado: essa sobrevivência, essa transformação, é o si nal de sua futura e completa dissolução. Já não são lideres de sua clas se: são funcionários do partido governamental, e rigorosamente, fan tasmas de um fantasma. 132 132
A expansão do capitalismo monopolista no Brasil aponta, no li mite para a dissolução das "regiões", enquanto espaços de produção e apropriação do valor especiais e diferenciados; por certo persistirão diferenciais setoriais, mas ninguém pode na verdade dizer que a repro dução do capital da Rhodia no Nordeste - para dar um exemplo - é diferente da reprodução do capital da Rhodia em São Paulo. Tal mo vimento de dissolução/centralização constitui a base da centralização do poder no Brasil, ao nível do Executivo Federal, mais rigorosamen te, já que o Parlamento não é mais o locus da representação dos inte resses da burguesia internacional-associada e dos monopólios do Esta do; restar-lhe-á, apenas, se for digno desse papel, ser um dos fóruns da vontade popular, da verdadeira Nação, que o Estado não mais repre senta. Constitui essa oposição entre o Estado e a Nação o "impasse" mais sério da história contemporânea nacional: o peso excessivo dos interesses estrangeiros, a harmonia-competição entre a burguesia in ternacional-associada e os monopólios do Estado, a luta mortal no processo de concentração e centralização do capital tornaram o país ingovernável, mesmo para os interesses das classes dominantes; é, sem dúvida, um dos fulcros da permanente crise do Estado brasileiro, e sua quase permanente tendência aos golpes de Estado, golpes dentro dos golpes. Outro "impasse", mais sério e mais profundo, é a relação de força desnudada, desmascarada, que esse poder mantém com as clas ses subordinadas, com o operariado dos campos e das cidades, com os camponeses, estudantes e intelectuais. Tal "impasse" revela a profun da incompatibilidade a que chegou o regime político no Brasil e, para além do catastrófico, tende a transformar-se num "impasse" para o capitalismo; sua resolução tem um futuro e um nome: socialismo.
133
Notas (52) Ver, principalmente, SINGER, Paul - O Milagre Brasileiro: causas e conseqüências in Cadernos Cadernos CE C EBRAP RA P 6. São Paulo, Edit. Brasilei Brasileira ra de Ciências, Ciências, 192 1927. (53) (53) Existe Existem, m, para para a maioria maioria dos Estad Estados os do Nordeste, Nordes te, anális análises es de result resultado adoss eleito eleito rais no período períod o 194 1945-19 5-1964 64;; na maior parte dos casos, entretanto, entretanto, a tais análises análises esca escapa pa o conteúdo do conflito de classes. Ver: CASTR AS TRO O , F.F. F.F. - A campa campanh nha a eleitoral de 1958 no Piauí, in Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte (8) abril 1960, SOARES.GIaucio A. Dillon - El sist sistema ema electoral y Representaci Representación ón de los Grupos Sociales en Brasil, 1945 1945-1 -196 962, 2, in Revis ta Latinoamericana de Ciência Política. Santia Santiago go de Chile, FLA F LAC C SO, SO , 2(1), 2(1 ), abril abril de 197 1971; M O N T E N E G R O , A.F A .F.. - Tentativa Tentativa de interpr interpreta etação ção das das eleições eleições de 1958 no Ceará, Ceará, in cit.; SA S A MPAI MP AIO O , Nelson Nelson de Souz Souza a - Elei Eleiçõ ções es Revista Brasileira de Estudos Políticos, op. cit.; baianas, in Revista Brasileira de Estudos Políticos, op. cit.; cit.; VEI V EIGA GA,, Gláuc Gláucio io et al al Brasileir a de Estudos Políticos, Políticos , op. cit.; Geografia eleitoral de Pernambuco Pernambuco,, in Revista Brasileira COHN CO HN,, Amélia, em se seu Crise Regional e Planejamento, op. op. cit., cit., realiza um dos pouc poucos os inten intento toss para para enten entender der a criação da SUDE SU DENE NE como co mo expressão expressão de crise crise política. Ao nível das das lege legend ndas as partidárias, partidárias, as correlações de forças forças vitoriosas vitoriosas nos Estado Estadoss do Nordeste, nas eleições para para governa governadore doress em 1958 e 1962 1962,, foram as seguintes:
Maranhão Piauí Ceará R. Grande do Norte Paraíba
Pernambuco AÍagoas Sergipe Bahia
134 134
1958
1962
PSD PS D (Gov. eleito: Mattos Leão) PTB (G ov. ov . eleit eleito: o: Chagas Rodrigues) PTB (Gov (G ov.. eleito eleito:: Parsifal Barroso) U D N (1955) (G ov. ov . eleit eleito: o: Dinarte Mariz) UDN + PSD (Gov. eleito: Ribeiro Coutinho, mas o mandato foi quase quase todo exercido por Pedro Gondim, vice-governador)
PSD PS D (G ov. ov . elei eleito to:: Newton Bello) PTB PT B (G ov . elei eleito to:: Petrônio Portela) UDN (G ov. ov . eleit eleito: o: Virgílio Virgílio Távora ) U D N (1960) (G ov. ov . eleit eleito: o: Aluizio Aluizio Alves) Al ves) PSD + PTB (G ov. ov . eleit eleito: o: Pedro Gondim)
UDN + PTB + PC (G ov. ov . eleit eleito: o: Cid Sampaio) PSP (Gov. eleito: Muniz Falcão) UDN (Gov (G ov.. eleito eleito:: Leandro Maciel) UDN + PTB (G ov. ov . elei eleito to:: Juracy Magalhães)
PS + PTB + PSD + PC (G ov. ov . eleit eleito: o: Miguel Arraes) UDN (G ov. ov . eleit eleito: o: Luis Cavalcanti) U D N diss dissid iden ente te + PTB + PSD PS D (Gov. eleito: Seixas Dória) PTB + UDN (Gov. eleito: Lomanto Júnior) Júnior)
(54) FURTADO, Celso - Dialética do Desenvolvimento. Rio Ri o de Janeiro, Janeiro, Editora Editora Fundo de Cultura, 1964 1964,, e Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. 3. ed. São Paulo, Editora Nacional, 1969. (55) "... ". .. A experiênci experiência a histórica indic indica a que as desigual desigualdad dades es regionai regionaiss de níveis de vida, quando quando assu ssumem mem as características características de sist sistem emas as econômicos isolados, tendem tendem a ins titucionaliz titucionalizar-se: ar-se: os grupos grupos sociais das econom economias ias de mais mais elevado padrão padrão de vida ten dem dem a articular-se na defe defesa sa dos níveis de salário e da própria própria estrut estrutura ura do mercado mercado cria da por esse essess níveis salariais. A persisti persistirem rem as tendência tendênciass atuais, há o risco real de que se diferenciem cada vez mais os dois sistemas econômicos já existentes no território nacio nal, e de que surj surjam am áreas áreas de antagonismo antagonismo nas nas relações entre as mesmas". Uma política de desenvolvimento ... op. cit., p.8. (56) (5 6)". "... .. A desigu desiguald aldade ade econômica, econômica, quando alcan alcança ça certo ponto, se institu institucio cional naliza iza (...) Quando uma economia subdesenvolvida cresce - como é o caso em todo o Brasil, mesmo na região de São Paulo - os salários não tendem a crescer com a produtividade. Disso todos sabemos. Cresce a economia e os salários salários podem não crescer crescer com a produti produti vidade, pelo simples fato de que há sempre uma oferta de mão-de-obra pressionando por todos os lados e impedindo a organização da classe trabalhadora. (...) Quando se venc vencer er ess essa etapa em São Paulo Paulo,, uma uma das áreas mais mais desenvolvidas do Brasil, os salários tenderão tenderão espontaneam espontaneamente ente a pressiona pressionarr para para cima, à proporção proporção que aumen aumenta ta a produti vidade. E então, a classe classe trabalhado trabalhadora ra se organizar organizará á eficientemente, eficientemente, como em todos os países industrializados do mundo. Terá força quando se tornar um fator relativamente esca escass sso. o. (...) Em tais circun circunstâ stânci ncias, as, a clas classe se trabalhadora, trabalhadora, seja seja qual qual for o regime, se or or ganiza ganiza eficie eficiente ntemen mente te e assu ssume posição posição política pod poder eros osa. a. E, a partir partir dess dessee momento, momento, não mais permite que seus salários sejam condicionados por uma afluência desorganizada de mão-de-ob mão-de-obra. ra. (...) Se tal fenômeno fenômeno vier a ocorrer no Brasil, Brasil, pais pais de grande exten extensão são geo gráfica, a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a maior conquista de noss nosso o passa passado do:: a unid unidad adee nacional." FU F U R T A D O , Celso - A Operação Nordeste. Rio de Janeiro, ISEB, 1959. pgs.14/15/16. (57) OLIVEIRA, Fernando Henrique Menezes de; ROCHA, Zenaldo Barbosa; MACI MA CIEL EL,, Márcio Ribeiro e GOME G OMES, S, Jos José de Melo - A Natu Nature reza za Jur Juríídica dica da da SUDE NE in SUDENE-Boletim, Econômico 1 (1) 1962. (58) (58) "Nas regiões nordesti nordestinas nas de canacana-de-a de-açúc çúcar, ar, como pode o trabalhador trabalhador rural rural sa sa ber que há uma possibilidade de mudança e progresso sem o recurso à violência? (...) Quando o cortador de cana-de-açúcar em Pernambuco ou o colheteiro (sic) de abacaxi na Paraíba tem um problema, problema, uma questão questão premente, volta-se volta-se agora para as ligas cam pone ponesa sass para para pedir auxilio. Afora Afor a a sua doutrina doutrina revolucionária, o atrativo básico das das li gas é o seu serviço de conselhos conselhos de simpatia simpatia (sic (s ic)) e sua assistê assistênci ncia a quase-j quase-jurid uridica ica ao tra balhador rural. Na realidade, as Ligas pouco fazem pelo camponês nos tribunais (atri buindo tais fracassos como prova de necessidade de uma drástica revisão da ordem so cial) cial ) mas o trabalhador, trabalhador, tal como uma masco mascote te judiada, fica fica tão impressi impressiona onado do com a simpatia demonstrada que se transforma num adepto leal e incondicional das Ligas.". português, datilografada, Relatório Relatóri o da Missão Missão ao Nordeste do Brasil, versão original, em português, Anexo I, Programa a Curto Prazo. B. Relativo à Zona do Açúcar e Comunidades Ru rais. 1. Centros de Trabalho Aliança para o Progresso. "... Tal fato tem deixado o campo de representação das reivindicações dos traba lhadores rurais entregue a esforços organizacionais sem controle e, portanto, extralegais. As ligas camponesas, de inspiração comunista, tomaram vantagem deste vácuo criado pela pela lei e têm angariado apoio devido a sua sua boa vontade em ouvir as reclama reclamações ções individuais do camponês, assessoriá-lo (sic) quanto a relações interindustriais (sic, no original), e aliviar outras necessidades sociais. Por esta razão propomos no nosso programa a curto prazo o estabelecimento de centros na zona açucareira e, possivelmente, em algumas áreas urbanas onde as ligas camponesas têm sido mais ativas. (...) Além des dessa medida a curto prazo, prazo, també também m nos problemas mais mais básicos, que é o de assistir os elementos anticomunistas entre os trabalhadores rurais e industriais na for135
macão de organizações trabalhistas mais duradouras como único meio de combate a Castro e outras influências comunistas, assaz volátil segmento da sociedade (sic). Um dos esforços mais promissores neste sentido foi feito pela Igreja Católica. No Rio Gran de do Norte Norte,, sob a lideran liderança ça do Bispo Bispo de Natal, Nat al, Dom Eugênio Salles, Salles, e o se seu Serviço de Assist Assistênc ência ia Rural (S ( S A R ) , cinco sindicat sindicatos, os, abrangen abrangendo do 28 municípi municípios, os, já foram foram criados.. I I. Prog Progra rama ma a Longo Prazo. Relatório da Missão ao Nordeste do Brasil, op. cit.. Anexo II. E. Trabalho e Potencial Humano. (59) "O progra programa ma a curto prazo é de desti stina nado do a impacto impacto mediato mediato e no meno menorr prazo possível, sobre todas as camadas camadas da população nordestina. nordestina. Conforme Conforme acentuado acentuado acima, o tempo tempo é de supre suprema ma importância; importância; o progra programa ma a curto prazo não é primariamente primariamente des des tinado a solucionar o problema econômico básico da região." Relatório da Missão.... op. cit. B. O Programa Qüinqüenal de Desenvolvimento. Problemas do Desenvolvimen to e o Potencial da Região. "Acontecimentos recentes têm salientado o perigo inerente que esta situação apre sent senta a para o progresso econômico econômico e social da área, e, além além dos seu seus confins, para para o Bra Bra sil e o Hemisfério." Ibidem. "O "Survey Tea T eam" m" tem um ponto de vista vista conservador, conservador, ao ao estima estimarr os ganhos ganhos a se se rem obtidos pela maior industrialização, no que se refere à reabilitação (sic) da região nordestina." Ibidem, 2. Melhora na infra-estrutura econômica: Transporte Rodoviário e Energia, Energia, um dos principais componentes componentes do Programa Qüinqüenal, Qüinqüenal, consis consiste te no melho ramen ramento to dos dos transp transport ortes es rodoviários, com com um duplo objetivo: objetivo: (1) (1 ) o de facilitar facilitar a emigra emigra ção do excedente de população e (2) o transporte de gêneros agrícolas das áreas de pro dução aos principais mercados urbanos..." Ibidem, ibidem. "...constituindo a base para um programa a longo prazo destinado a transferir um número substancial de habitantes para fora da região. (...) Como um meio adicional de estabilizar o mercado de trabalho rural e urbano, a formação de legítimas organizações traba trabalhi lhista stass dever deverá á ser ser estimulada..." Ibidem, Ibidem, (b) (b ) Trabalho, Trabalho, Mão-de-Obra Mão-de-Obra e Migração. "Impressionados "Impressionados pela pela urgente urgente,, persist persistente ente e grande grande necess necessida idade de de reduzir reduzir a popu lação lação no Norde Nordeste, ste, os autores autores deste deste relatório relatório propõem um número número de providências providências des des tinadas a facilitar a colonização permanente de emigrantes nordestinos agrícolas e in dustriais no Sul." Ibidem, 6. Colonização Agrícola em Goiás e Mato Grosso. "Em face do problema de combinar um projeto de desenvolvimento econômico e social com uma operação militar..." Relatório da Missão, op. cit., Anexo I. Programa a curto prazo. D. Assistência aos novos entrantes (sic) na Força de Trabalho. 2. Projetos de acampamentos CCC. "Seria "Seria ideal que 1.5 1.500.0 00.000 00 famílias, famílias, acrescidas acrescidas de 100. 100.00 000 0 anualmente, anualmente, devam even tualmente encontrar oportunidades em outras regiões. (...) As famílias que preferirem perma permanec necer er nas nas atividades agrícolas terão que migrar de suas suas atuais atuais comunidades." Ibi dem, idem, I. Melhoramento do Aproveitamento de Recursos Materiais. Condições de vida rural e a oferta de alimentos para o Nordeste. 6. Fixação das populações rurais. (60) "Em virtude destas considerações o "Survey Team" recomenda que não se em preen preenda da nenh nenhum uma a ação sobre a proposta de ampliar ampliar a capacidade geradora, pelos próxi próxi mos cinco anos, até que os necessários estudos estejam concluídos." Relatório da Mis são, op. cit. Anexo II. Programa a Longo Prazo. C. Energia elétrica. (61) "Conforme foi declarado anteriormente, a solução para o problema do Nordes te tem de ser ser encontrada na integração mais estreita estreita dess dessa a região com o resto do país que se acha em rápida expansão." Relatório da Missão, op. cit. B. O Programa Qüinqüenal de Desenvolvimento. A tese adotada pelo relatório do "Survey Team" é a de que o problema do Nordeste não pode ser resolvido dentro de suas próprias fronteiras, mas apenas pela integração com o resto da economia brasileira. Ibidem, Programa a Longo Prazo. B. Plano Qüinqüenal - Desenvolvimento Rodoviário. (62) (62) - Harry Makler, Makler, em pesqu pesquis isa a realizada realizada em 197 1970, estudan estudando do o que ele chamou chamou a "elite industrial do Recife", constata a decadência e a perda de importância da burgue136 136
sia regional seja na propriedade, ou na gerencia dos meios de produção. Distinguindo entre entre "nati "na tivo vos" s",, isto é, memb membro ross da elite originário originárioss da própria região, "migra "m igrantes", ntes", isto isto e, membros que se haviam haviam transladado transladado de outros estados estados do Brasil Brasil para para funda fundarr e/ou di di rigir novas empresas no Grande Recife, e "estrangeiros" originários de outros países. É inte intere ress ssan ante te anotar que, ap apes esar ar da predominân predominância cia global global dos "na " nati tivo vos" s" na amostra amostra total traba trabalha lhada da por Makler - 59% 59% -, os "migrantes já perfaziam perfaziam 19% e os "estra "estrange ngeiro iros" s" 18%. 18%. Quando te examina as porcentagens, porcentagens, segundo segundo o setor industrial, percebepercebe-se se já uma absoluta predominância dos membros "migrantes" e "estrangeiros", no setores "têxtil e vestuário", "indústria pesada", "metalúrgica", "máquinas e equipamentos elétricos", "papel "pa pel", ", "mineração "mine ração"" e "ou " outr tros os", ", e um relativo relativo equilíbrio equilíbrio nos set setor ores es "alimentos, "alimentos, açú açú car car e bebidas", bebi das", "plásti "plásticos" cos",, "produtos químicos". qu ímicos". Perc Perceb ebee-se se do ponto de vista vista da data data de fundação das empresas, que a forte entrada de "migrantes" e "estrangeiros" deu-se de 1960 para cá, exatamente coincindindo com a entrada em operação da SUDENE, que que foi foi criada criada em 1959; de fato, 50% 50% dos "migra "m igrantes" ntes" e 61% dos "estrangeiros" "estrangei ros" tinh tinham am ido para o Recife fundar e/ou gerenciar empresas de 1960 em diante. O grupo que ele chamou de elite "nativa" estava do ponto de vista do tamanho das empresas, regular mente distribuído entre empresas de 50-99 empregados, 100-199 empregados, 200-499 empregados, 500500-99 999 9 empregados e 1.000 e mais, enquanto os "mi "migr gran ante tes" s" estava estavam m conce concentr ntrado adoss no extrato que ele ele cham chamou ou de grandes, que enquadra as empresa empresass com 500500999 empregados. Os "estrangeiros" estavam concentrados no extrato de grandes, e, surpreendemente, mais concentrados ainda no extrato de regalares, isto é, entre 100 a 199 empregados. Isto te explica, segundo Makler, porque em tal extrato ettão as mais mo dernas fábricas têxteis, de fios e vestuário, que empregando tecnologia "capitalintensive", empregam poucas pessoas. Estes resultados, ainda que a metodologia de Makler, seu seu conceito de elite, e um uma cert certa a imprecisão imprecisão entre entre "migran "mig rantes" tes" e "estrangeir "est rangeiros" os" deixem a desejar, sugerem até certo ponto a perda de importância da burguesia regional no comando das forças produtivas, produtivas, e consequent consequentemen emente te seu seu quase quase nenh nenhum um peso polí po líti tico co Pr oblems of Nati Nativ ve. Migram, and an d Foreign-born Foreign -born members mem bers atual. atual. Ver Harry Makler Labor Problems Reprint Serie Seriess nº 73, Institute for the the Quantitativ Quantitativee Analysis of the Recife Industrial Elite. Reprint of Social Social and Economic Policy, Policy, University of Toro Toront nto, o, Canada, Canada, 1975 ,
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Francisco de Oliveira não assiste, com olhar impertubável, essa subversão da proposta primeira, não segue, tal qual um analista, este exemplo de como um proces so de racionalização se escraviza diante do movimento de um Estado que, no final das contas, nada mais faz do que raciona lizar a irrazão capitalista. Participa do episódio duma forma ativa - chega a ser s u pe p e r in i n t en e n d en e n t ee - s u bs b s t it i t u to to d a S U D E N E - e mais tarde passa a refletir, amorosa e apaixonadamente, sobre sua própria e a experiência coletiva. Na escrita tudo se identifica e se distingue: o subjetivo, seu amor por Orieta, transpassa para o lado de sua matriz social; o objetivo, o desem penho dos atores históricos, se projeta no discurso do investigador situado, agarrado às suas próprias raízes, posto que per deu sua inse rçã o nordes tina. O vôo retardado do pássaro de Minerva em teses ou sadas e controvertidas, prefere arriscar uma interpretação apenas entrevista nos fatos coletados, do que pecar pela omis são esvaziada de futuro. Por isso este livro fascinante é, de preferência, o disparo dum intelectual cangaceiro, que nos desa fia a pensar m elho r, t anto a ref orm ular nossas próprias idéias quanto a reexami nar as teses propostas pelo autor. Haverá perspectiva mais nobre para um ensaio? José
Arthur
Giannolti