FILTROS ATIVOS: TIPOS E APLICAÇÕES Daniel Carletti Disciplina Seminário Departamento de Engenharia Elétrica - Universidade Federal do Espírito Santo Cx. Postal 01-9011 - Vitória - ES - 29060-970 – BRASIL
[email protected]
Resumo – Este artigo apresenta uma visão geral acerca dos problemas ocasionados pelas distorções harmônicas de tensão e corrente exemplificando desde o processo de geração das mesmas através da operação de cargas não lineares até os problemas ocasionados no sistema elétrico. Também aborda formas de redução para os harmônicos focando a abordagem na utilização de filtros ativos para este fim. I – INTRODUÇÃO
A qualidade da energia elétrica entregue pelas empresas distribuidoras aos consumidores sempre foi objeto de interesse. Porém, até a algum tempo atrás, a qualidade tinha a ver, sobretudo, com a continuidade dos serviços, ou seja, a principal preocupação era que não houvesse interrupções de energia, e a que as tensões e freqüência fossem mantidas dentro de determinados limites considerados considerados aceitáveis. Durante dezenas de anos, a grande maioria dos aparelhos ligados às redes de energia elétrica consistia em cargas lineares. Por essa razão, e uma vez que as tensões da alimentação são senoidais, as corrente consumidas eram também senoidais e da mesma freqüência, podendo apenas encontrar-se defasadas relativamente à tensão. Com o desenvolvimento da eletrônica de potência, os equipamentos ligados aos sistemas elétricos evoluíram melhorando em rendimento, controlabilidade e custo, permitindo ainda a execução de tarefas não possíveis anteriormente. Contudo, esses equipamentos têm a desvantagem de não funcionarem como cargas lineares, consumindo correntes não senoidais, e dessa forma “poluindo” a rede elétrica com harmônicos
[1]. Os prejuízos econômicos resultantes destes e de outros problemas dos sistemas elétricos são muito elevados, e por isso a questão
da qualidade da energia elétrica entregue aos consumidores finais é hoje, mais do que nunca, objeto de grande preocupação. Normas internacionais relativas ao consumo de energia elétrica tais como IEEE 519 [2] e IEC 61000 [3], limitam o nível de distorção harmônica nas tensões com os quais os sistemas elétricos podem operar, e impõem que os novos equipamentos não introduzam harmônicos de corrente de amplitude superior a determinados valores na rede. É, dessa forma, evidenciada a importância em resolver os problemas dos harmônicos, quer para os novos equipamentos a serem produzidos, quer para os equipamentos já instalados. II – ORIGENS DA POLUIÇÃO HARMÔNICA
A principal causa deste fenômeno, que pode ser visto como um tipo de poluição do ambiente eletromagnético é a crescente popularidade dos equipamentos eletrônicos alimentados pela rede elétrica, tais como computadores, aparelhos de televisão, reatores eletrônicos para lâmpadas, controladores eletrônicos para uma enorme variedade de cargas industriais, etc. Uma distorção de forma de onda é dita harmônica quando a deformação se apresenta de forma similar em cada ciclo da freqüência fundamental. Neste caso, seu espectro contém apenas freqüências múltiplas inteiras da fundamental. Quase todos os equipamentos eletrônicos com alimentação monofásica ou trifásica incorporam um circuito retificador à sua entrada, seguido de um conversor comutado do tipo cc-cc ou cc-ca. Um dos tipos de retificadores mais utilizados em equipamentos de baixa potência é o retificador monofásico de onda completa com filtro capacitivo, que possui uma corrente de entrada altamente distorcida. O elevado conteúdo harmônico da corrente distorce a tensão de
alimentação devido à queda de tensão na impedância das linhas [1]. Cargas que, além de serem não-lineares, também variam ao longo do tempo, produzem distorções variáveis no tempo o que leva ao aparecimento de freqüências inter-harmônicas além de harmônicas moduladas. É o caso dos fornos a arco e de compensadores reativos controlados por tiristores. Por esse motivo, e por sua enorme potência (dezenas de MW), os fornos elétricos a arco são considerados cargas problemáticas para a operação de sistemas elétricos [4]. As figuras a seguir ilustram exemplos de formas de ondas de tensão e corrente para a situação de presença de harmônicos e inter-harmônicos no sistema:
- Excitação de correntes ou tensões ressonantes entre capacitâncias.
indutâncias
e
Casos típicos: associações de capacitores com transformadores, cabos com blindagem, capacitores associados com motores, capacitores operando com reatores, dispositivos de correção de fator de potência, etc. - Aparecimento de vibrações e ruído. Casos típicos: ferro-ressonância em transformadores e reatores, motores de indução Ressonando com a compensação capacitiva, etc. -
Sobreaquecimento ferromagnéticos.
de
núcleos
Casos típicos: aumento de perdas por histerese e correntes parasitas em núcleos de Motores, geradores, transformadores, reatores, relés, etc. -
Sobreaquecimento de capacitores .
Caso típico: ressonância de capacitores shunt, provocando sobre tensão e perdas excessivas no dielétrico. Risco de explosão do capacitor por falta de dissipação do calor gerado internamente. Figura 1: Tensão com componentes harmônicas
- Erro de medição de grandezas elétricas. Casos típicos: medidores de energia com disco de indução, medidores de valor eficaz baseados no valor de pico ou valor médio, etc. - Erro de controle de conversores. Casos típicos: detectores de sincronismo e comparadores de nível, usados como referência para gerar pulsos de controle em chaves eletrônicas.
Figura 2: Corrente apresentando interharmônicos III – EFEITOS DA DISTORÇÃO HARMÔNICA
A presença de harmônicas em um sistema de potência pode acarretar uma série de efeitos indesejados como, por exemplo [4]:
- Erro de atuação da proteção. Casos típicos: relés eletromagnéticos atracando devido à contribuição das harmônicas, relés eletrônicos e digitais com erro de calibração na presença de distorções, etc. -
Sobre corrente de neutro .
Casos típicos: circuitos com lâmpadas de descarga com reatores ferromagnéticos ou circuitos retificadores monofásicos podem provocar correntes de neutro maiores que as de linha, devido às harmônicas de seqüência zero.
- Interferências e ruídos eletromagnéticos. Casos típicos: fontes chaveadas, conversores de freqüência, pontes retificadoras, inversores, sistemas de acionamento controlado eletronicamente, etc. Como se pode ver, a presença de harmônicas na rede pode criar problemas dos mais variados e de difícil diagnóstico com antecedência. IV – SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA DOS HARMÔNICOS
De forma a cumprir com as regulamentações européias sobre harmônicos (normas IEC) os equipamentos de eletrônica de potência devem ser concebidos dentro das normas, ou então, filtros passivos ou ativos devem ser previstos à entrada do equipamento original. Durante muito tempo, as companhias de distribuição de energia elétrica impunham aos consumidores industriais apenas limites para a potência reativa consumida. A solução normalmente adotada pelas indústrias consiste na utilização de bancos de capacitores para correção do fator de potência da instalação, colocando-o dentro dos limites impostos pela companhia distribuidora. Mais recentemente, as companhias distribuidoras de alguns países que já têm preocupações com os harmônicos de corrente que circulam na rede elétrica, obrigam os consumidores a aplicar técnicas de redução de harmônicos baseadas em filtros passivos. Contudo esta solução apresenta várias desvantagens, nomeadamente: apenas filtram as freqüências para as quais foram previamente sintonizados; quando as tensões de alimentação estão distorcidas, mesmo que moderadamente, os filtros passivos absorvem valores elevados de corrente, nas freqüências harmônicas para as quais estão sintonizados; precisam freqüentemente ser sobre dimensionados, uma vez que como não é possível limitar a sua operação a certa carga (muitas vezes acabam por absorver harmônicos de outras cargas ligadas ao sistema elétrico; podem ocorrer fenômenos de ressonância entre o filtro passivo e as outras cargas ligadas à rede, com resultados imprevisíveis; o dimensionamento dos filtros
passivos deve ser coordenado com as necessidades de potência reativa da carga, sendo difícil fazê-lo de forma a evitar-se que o conjunto opere com fator de potência capacitivo em algumas condições de funcionamento [1]. Para ultrapassar estas desvantagens, têm sido feitos recentemente esforços no sentido de desenvolver filtros ativos de potência. V – FILTROS ATIVOS
O termo Filtros Ativos em Eletrônica de Potência é aplicado a conversores eletrônicos utilizados na compensação de harmônicos, que teoricamente podem ser harmônicos de tensão ou harmônicos de corrente. Além de compensar harmônicos, os filtros ativos também podem compensar a parcela de potência reativa da carga [5]. As desvantagens dos filtros ativos quando empregados isoladamente podem ser resumidas a dois pontos. O primeiro aspecto é com relação à capacidade do conversor utilizado: como o filtro trabalha com tensões e correntes nominais, necessita ser de alta potência (mesmo considerando que não manipulará potência ativa, e que podem ser usados transformadores isoladores para adaptar os níveis de tensão). Outro aspecto é com relação à velocidade de operação do conversor: para compensar as harmônicas de mais alta ordem de freqüência (por exemplo, n>17), o conversor necessita operar com uma freqüência de comutação que ainda não é facilmente realizável em alta potência. A associação de filtros ativos e passivos tem por objetivo solucionar tais problemas. As estratégias de controle aplicadas aos filtros ativos são de diversos enfoques, embora baseados no mesmo objetivo. A meta sempre é detectar os componentes harmônicos e a parcela reativa da corrente absorvida por uma carga ou grupo de cargas, para que sejam compensadas localmente. Os filtros ativos podem ser de dois tipos, filtros em série e em paralelo. 5.1 - Filtro Ativo Paralelo: O filtro ativo paralelo comporta-se como uma fonte de corrente controlada conectada em paralelo com a carga. A referência para a fonte de corrente consiste no conteúdo harmônico e na parcela reativa presente na corrente de carga [5].
Na Figura 3 apresenta-se o esquema elétrico de um filtro ativo paralelo trifásico. O filtro é, basicamente, composto por um inversor fonte de tensão com controle de corrente e o respectivo controlador. O controlador, a partir da medida dos valores instantâneos das tensões das fases (va, v b, vc) e das correntes na carga ( ia, i b, ic), produz as correntes de compensação de
referência (ica*, icb*, icc*, icn*) para o inversor. O inversor injeta as correntes de compensação (ica, icb, icc, icn) requeridas pela carga, de forma que as correntes nas fases da rede elétrica ( isa, isb, isc) passam a ser senoidais e equilibradas, fazendo com que a corrente no neutro da rede elétrica (isn) assuma um valor nulo.
Figura 3: Funcionamento de um filtro ativo paralelo 5.2 - Filtro Ativo Série: Se o princípio da dualidade é aplicado ao filtro ativo paralelo, é obtido o filtro ativo série. Por dualidade, o filtro ativo série comporta-se como fonte de tensão, impondo a tensão vt na carga (ou no PAC – Ponto de Acoplamento
Comum). Em certos casos, dependendo da duração dos fenômenos e da energia que o filtro ativo puder disponibilizar, é ainda possível compensar sobre tensões, subtensões ou interrupções momentâneas. A figura 4 mostra a operação do filtro ativo série impondo a tensão na carga [5].
Figura 4: Operação de um filtro ativo série
5.3 - Filtros Ativos Híbridos: Os filtros ativos híbridos são associações de filtros ativos e filtros passivos com o intuito de combinar as características favoráveis de ambos filtros: a robustez dos filtros passivos com o desempenho dos filtros ativos. Os filtros híbridos podem ser [5]: - Filtro Ativo e Passivo em Paralelo: A função do filtro ativo é compensar os harmônicos de baixa freqüência, enquanto o filtro passivo se encarrega dos harmônicos de mais alta freqüência.
introduzir uma alta impedância em série para os componentes harmônicos, enquanto o filtro FA2 funciona como fonte de tensão de forma que a tensão Vt seja senoidal perfeita (ou com pequena distorção harmônica). Entretanto o emprego de dois conversores controlados (filtros ativos) reduz a robustez do sistema como um todo. No segundo caso os dois filtros ativos podem estar em série no sistema rede - carga, com o filtro passivo paralelo conectado no ponto de união entre FA1 e FA2. O filtro FA1 impede a circulação de harmônicas entre a rede e a carga, enquanto o filtro FA2 impõe o perfil de tensão na carga. CONCLUSÃO
- Filtro Ativo Série e Passivo Paralelo: Nesta configuração pode-se aproveitar filtros passivos já existentes na aplicação, adicionando-se o filtro ativo em série com a linha. O objetivo do filtro ativo é funcionar como um curto-circuito para a freqüência fundamental e um circuito aberto para as componentes harmônicas (idealmente), forçando o fluxo de harmônicas pelo filtro passivo. -
Conexão Paralela De Filtro Ativo e Passivo em Série:
O objetivo desta associação é melhorar as características de funcionamento do filtro passivo. O filtro ativo é programado para deixar circular apenas as harmônicas de corrente de carga, bem como sua parcela reativa fundamental. Como o filtro ativo está conectado ao ponto terra, é fácil de obter isolamento e proteção do mesmo. - Emprego de Dois Filtros Ativos Série: Podem ser empregados dois filtros ativos série para melhorar as características gerais de filtragem. A primeira possibilidade é ter um filtro ativo (FA1) em série com a rede, e o outro (FA2) em série com o filtro passivo paralelo. A filosofia de controle é operar o filtro FA1 como isolador de harmônicos entre rede e carga, e o filtro FA2 para manter o perfil da tensão no ponto de conexão da carga. Ou seja, o filtro FA1 vai
Tendo em vista a utilização crescente e generalizada de equipamentos de eletrônica de potência, que “poluem” os sistemas elétricos, e
da necessidade de automatização dos sistemas de produção que obriga a que cada vez mais se utilizem controladores eletrônicos, extremamente sensíveis ao meio eletromagnético em que estão inseridos, a atenção dada a qualidade da energia elétrica é crucial tendo em vista a garantia da qualidade do produto final e a redução de custos de produção. Podemos concluir com este trabalho que a utilização de filtros ativos permite reduzir sensivelmente a circulação de correntes harmônicas pelo sistema de alimentação, sem os problemas colaterais encontrados quando são empregados os filtros passivos. R EFERÊNCIAS [1] Ciclo de Seminários – As Oportunidades das Ameaças: A Qualidade da Energia Eléctrica 2003, EUVEO, ISBN: 972-8063-15-6, pp. 1-35 [2] IEEE Std. 519 "IEEE Recommended Practices and Requirements for Harmonic Control in Electric Power Systems". Edition Oct. 1991. [3] IEC 61000-3-2 “Limits for harmonic current emissions (equipment input current ≤ 16A per phase)”. 1995. [4] S.M.Deckmann e J. A. Pomilio (2010). Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica, UNICAMP/FEEC/DSCE [5] Apostila do Curso de Qualidade de Energia Elétrica, prof. Domingos Sávio Lyrio Simonetti, UFES, 2007. [6] RC Dugan, MF Mcgranaghan, HW Beaty, Electrical Power Systems Quality. McGraw- Hill, New York, 1996.