FILOSOFIA Volume 08
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Existencialismo: Heidegger e Sartre Autor: Richard Garcia Amorim
17 A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo Autor: Richard Garcia Amorim
FILOSOFIA Existencialismo: Heidegger e Sartre A corrente losóca que mais chamou a atenção após a Segunda Guerra Mundial foi o existencialismo, que tem suas raízes no pensamento de importantes lósofos do século XIX, como Kierkegaard1 e Nietzsche. Nos anos de 1940 e 1950, o existencialismo surgiu surgiu como uma resposta às tragédias vivenciadas pela Europa durante a 2ª Guerra, consistindo em uma corrente losóca que ultrapassou as grades das universidades, inuenciando o jornalismo, as conversas e as produções dos intelectuais, a poesia, os romances, o teatro, as produções cinematográcas cinematogr ácas e as demais manifestações culturais culturais daquela época.
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Contrária ao positivismo e à sua crença de que todas as coisas poderiam ser apreendidas pelas experiências, a corrente existencialista considerava que não existiam determinações naturais ou de qualquer outra espécie que zessem o homem seguir este ou aquele caminho, tampouco havendo uma essência predeterminada que direcionasse a vida humana a um destino imutável. Segundo o existencialismo, o homem necessitava de, devido à sua estrutura mental, atribuir sentido lógico ao mundo e a si mesmo, sendo que tal sentido não era previamente determinado por nada.
1 Soren Kierkegaard (1813-1855) é considerado, em geral, o fundador do existencialismo. A composição de seus se us escritos se deu em uma época na qual predominavam as ideias de Hegel, recém-falecido, o qual, segundo Kierkegaard, explicava tudo em termos de enormes ondas de ideias nas quais as coisas reais, as entidades individuais, não eram nem sequer mencionadas, apesar do fato de só existirem coisas individuais. Para Kierkegaard, as abstrações, as generalizações, igualmente não existem: elas são auxílios que os homens inventam para si mesmos a m de
poderem pensar e fazer fazer conexões. conexões. Se quiserem quiserem entender entender o que de fato existe, os homens têm de encontrar um modo de se chegar a um acordo com as entidades exclusivamente individuais, individuais, porque elas são são tudo tudo o que que existe. existe. Isso vale vale especialm especialmente ente para para os seres humanos. Hegel via o indivíduo realizando-se apenas quando absorvido na entidade maior e mais abstrata do Estado orgânico, quando, de fato, para Kierkergaard, Kierkergaar d, o próprio indivíduo é a entidade moral suprema e, portanto, os aspectos pessoais, subjetivos, da vida humana é que são os mais importantes. Devido ao valor transcendente das considerações morais, a atividade humana mais importante é a tomada de decisão: é por meio das opções feitas pelos homens que se constrói a vida humana e os homens se tornam eles mesmos. Kierkegaard acreditava que tudo isso tinha implicações religiosas, sendo que, pela tradição central do protestantismo cristão, o que importava mais que tudo era a relação da alma individual com Deus. MAGEE, Bryan. História da Filosoa. Filosoa . Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola, 2001. p. 208-209.
d r a a g e k r e i K n a i t s i r h C s l i e N
Kierkegaard é considerado o fundador do existencialismo. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 15 Assim, o centro das reexões do existencialismo foi a existência humana, o homem concreto, que vivenciava problemas e se encontrava em uma realidade caótica, a qual ele deveria ordenar para si mesmo de acordo com suas escolhas. Diante das inúmeras possibilidades de ser e de criar sentido, o homem deparou-se, frequentemente, com a nitude, sendo a morte um elemento importante da condição humana, já que, mesmo nito, o homem deveria buscar um sentido autêntico para sua existência, que está além dele mesmo, encontrando-se no mundo e em suas inúmeras possibilidades, as quais se defrontam o tempo todo com a nitude e com a possibilidade de erro humano. Para o existencialismo, o homem não deveria se ar em uma esperança futura, em uma vida após a morte, como o objetivo e sentido de sua vida, devendo buscar, no cotidiano, o sentido e a realização de sua existência. Os lósofos existencialistas negam a crença de que o sofrimento possa levar a uma realidade transcendente melhor e que, por isso, o homem deveria assumir uma postura de passividade diante do mundo e de si mesmo. Ao contrário, para o existencialismo, o homem deveria buscar, com suas próprias forças, transpor os obstáculos que se colocam à sua realização e construir sua vida a partir de sua própria consciência, empenhando-se para superar suas limitações, sem ilusões e superstições, construindo a si mesmo e buscando a felicidade na vida concreta. Uma das origens do existencialismo encontra-se na fenomenologia, movimento losóco elaborado por Edmund Husserl.
A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL Edmundo Husserl nasceu em 1859, na região da Morávia, localizada atualmente na parte oriental da República Tcheca. Estudou Matemática em Berlim e, depois, na Universidade de Viena, dedicou-se ao estudo da Filosoa juntamente ao lósofo alemão Franz Brentano. Atuou como livre-docente em Halles e, em 1916, lecionou em Freiburg, onde trabalhou como reitor até 1928, quando foi licenciado pelo regime nazista devido à sua origem judaica. Husserl faleceu em 1938, tendo deixado diversas obras importantes para a Filosofia, como Investigações lógicas (1900), A Filosoa como ciência r igorosa (1910), Idéias diretrizes para uma fenomenologia (1913), Lógica formal e lógica transcendental (1929), Meditações cartesianas (1931), Fenomenologia transcendental e a crise das ciências européias (1954, obra póstuma).
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Edmundo Husserl, fundador da fenomenologia, corrente losóca
que defendia que o homem conhece do objeto somente aquilo que representa em sua mente.
Acompanhando o pensamento de René Descartes, Husserl armava que a representação do mundo na mente (consciência humana) era inquestionável e consistia na origem de qualquer conhecimento. Assim, a investigação acerca do mundo e das coisas materiais não ocorria na coisa em si mesma, mas na sua representação na mente humana, no fenômeno dessa coisa. O homem não deveria buscar o objeto em si, uma vez que ele não poderia ser alcançado e nem sequer poderia ser provada a sua existência, pelo contrário, para conhecer o mundo, o sujeito deveria se prender unicamente na consciência do objeto representado em sua mente. Nesse sentido, Husserl armava que o homem deveria abandonar as perguntas sobre o mundo em si mesmo, porque ele não era acessível, devendo se preocupar com a representação do mundo em sua mente, já que não havia dúvidas quanto à existência dessa representação, a qual estava diretamente aberta à investigação humana.
Existencialismo: Heidegger e Sartre A fenomenologia pertenceu a uma corrente conhecida como losoa da consciência ou losoa da subjetividade, sendo que sua preocupação não era fundamentar o conhecimento cientíco, mas, sim, pensar a consciência reexiva do homem sobre o mundo. Logo, de acordo com essa corrente losóca, não haveria mais problemas para escolher entre o realismo (o ser tem uma realidade em si que deve ser apreendida pelo homem para o conhecimento do mundo) e o idealismo (o homem é quem determina a ideia do ser), uma vez que o conhecimento consistia em nada mais do que uma representação do mundo na mente do homem, ou seja, toda consciência é entendida como consciência de alguma coisa, a qual o homem traz à mente de acordo com sua intenção dirigida a um determinado objeto do mundo.
O método fenomenológico O método fenomenológico baseia-se na observação e na descrição do fenômeno, fundamentando-se na observação e na descrição daquilo que aparece à consciência na mente humana. Constitui-se como uma investigação sistemática da consciência e de seus objetos, os quais se denem precisamente na relação que mantêm com os estados mentais, não havendo distinção possível entre aquilo que é percebido e a percepção humana. A experiência inclui, assim, não só a percepção sensorial, mas todo objeto do pensamento.
Fenomenologia:
1. Termo criado no séc. XVIII pelo lósofo J.H. Lambert (1728-1777), designando o estudo puramente descritivo do fenômeno tal qual este se apresenta à nossa experiência. [...] 3. Corrente losóca fundada por Husserl, visando estabelecer um método de fundamentação da Ciência e de constituição da Filosoa como ciência rigorosa. O projeto fenomenológico se dene como uma “volta às coisas mesmas’’, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência que se dá como seu objeto intencional. O conceito de intencionalidade ocupa um lugar central na fenomenologia, denindo a própria consciência como intencional, como voltada para o mundo: “toda consciência e consciência de alguma coisa” (Husserl). Dessa forma, a fenomenologia pretende ao mesmo tempo combater o empirismo e o psicologismo e superar a oposição tradicional entre realismo e idealismo. Fenomenologia pode ser considerada uma das principais correntes losócas deste século (XX), sobretudo na Alemanha e na França, tendo influenciado fortemente o pensamento de Heidegger e o existencialismo de Sartre, e dando origem a importantes desdobramentos na obra de autores como Merleau-Ponty e Ricouer. Fenomenologia. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de janeiro: Zahar, 1996.
O método fenomenológico de Husserl serviu como uma das mais importantes bases para o existencialismo, uma vez que essa corrente losóca se deteve não no mundo em si mesmo ou na crença de que existiriam essências anteriores ao homem e à sua consciência, mas, sim, na ideia de que era possível fazer uma análise fenomenológica do mundo moral, da vida social e de outros aspectos da vida e das experiências humanas sem que, para isso, fosse necessário prender o pensamento em algo preestabelecido ou com uma existência independente do homem. Nesse aspecto, encontra-se a ideia mais importante do existencialismo sartreano, a qual arma que a existência precede a essência, ou seja, que o homem constrói, a partir de seu pensamento, a essência para a sua vida de acordo com as representações de sua existência. No campo do existencialismo, dois lósofos merecem destaque: Heidegger, um dos mais importantes lósofos do existencialismo, e Sartre, considerado o mais representativo pensador existencialista.
MARTIN HEIDEGGER Heidegger nasceu em 1889, em Baden, Alemanha. Com a intenção de se tornar um religioso da ordem dos Jesuítas, estudou Filosoa e Teologia na Universidade de Freiburg, onde foi aluno do renomado Husserl, a quem sucedeu no cargo de reitor dessa mesma universidade. Sua eleição à reitoria deu-se pelo fato de ter aderido ao Partido Nazista. Uma vez participante do nazismo, entretanto, Heidegger buscou apagar seu passado de ligação com Husserl, que era judeu. Com a derrota dos alemães na 2ª Guerra Mundial, Heidegger teve sua reputação manchada e foi proibido de ensinar durante seis anos como pena por seu passado. Sua obra mais importante é Ser e tempo, publicada em 1927 e reconhecidamente um dos pilares do existencialismo. Além dessa obra, publicou, dentre outras, Kant e o problema da metafísica (1929), A doutrina de Platão sobre a verdade (1942) e Introdução à metafísica (1953). Heidegger morreu em 1976.
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Martin Heidegger, um dos mais importantes lósofos alemães,
defendia que o homem é um ser presente no mundo, mas que não pode se comportar simplesmente como um objeto. Editora Bernoulli
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O homem como dasein Em sua principal obra, Ser e tempo, Heidegger preocupou-se com a elaboração do problema acerca da busca do sentido do ser, o que signicava ir além da simples pergunta: “o que é o ser?”. O lósofo desenvolveu uma teoria analítica existencial quando se propôs a pensar no homem que busca investigar o sentido do ser, cujo referente é a linguagem. Embora aparentemente complicada, a ideia de Heidegger pode ser traduzida de forma mais simples na seguinte proposição: antes de buscar compreender o sentido do mundo e das coisas, o homem deve se preocupar em conhecer o sentido dele mesmo, do homem que busca o conhecimento. Para Heidegger, “elaborar a questão do ser signica, portanto, tornar transparente um ente – o que questiona em seu ser” 2. Por isso, a proposição do sentido do ser volta-se para o homem, uma vez que é ele quem procura tal sentido e deve, antes de mais nada, reetir sobre si mesmo, conduta que lhe é própria e que o diferencia dos outros entes. Heidegger diferencia o ser dos entes (do latim ens, signica ser) para diferenciar o homem dos demais entes, já que o homem é o único que se coloca a pergunta sobre o sentido do ser. Colocar-se a perguntar sobre esse sentido é um modo de ser do homem, uma conduta que o diferencia dos demais entes. “O perguntar mesmo tem, enquanto conduta de um ente, daquele que pergunta, um peculiar caráter de ser” 3. Buscando responder o que é o homem, qual o sentido do ser que procura respostas sobre o mundo, Heidegger armou que o homem era um dasein, neologismo criado na língua alemã que signica ser-aí (traduzido também como presença ou pre-sença). Ao usar esse termo, o lósofo quer dizer que o homem é um ser que está no mundo e em relação íntima com ele. O homem, assim, embora não tenha escolhido estar no mundo, nem tenha optado pelo espaço e tempo em que se encontra, encontra-se sempre em determinada situação dentro desse mundo, tendo sido lançado nele em um projeto existencial. Esse projeto refere-se à tentativa humana de encontrar, indo além da busca pelo sentido do ser, o sentido de sua própria existência, que, para Heidegger, não estava previamente determinada. 2 HEIDEGGER. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 33. 3 HEIDEGGER. El ser y el tiempo. Tradução de José Gaos. México: FCE, 1971. p. 15 (Tradução nossa).
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Para Heidegger, o homem não é uma simples presença no
mundo, um simples objeto, como são os seres inanimados, mas ele é, mais do que ser, o ente para o qual as coisas são presentes, uma vez que, por não possuírem consciência, essas coisas não podem ser presentes para si mesmas, mas podem ser para o homem, que é o único capaz de reetir sobre a existência de tais coisas. O homem é, assim, existência, sendo que sua própria natureza, sua essência, consiste em sua existência. A essência da existência, por sua vez, é a possibilidade do homem de denir-se, de construir-se, de fazer-se da maneira que lhe aprouver, dependendo única e exclusivamente de si mesmo para fazer da sua existência o que achar melhor, podendo perder-se ou conquistar-se, ter uma vida autêntica ou uma vida inautêntica, de acordo apenas com suas escolhas. Os existencialistas, tanto Heidegger quanto Sartre, consideram o homem um ser livre para fazer de si o que quiser, pois, ao contrário dos outros seres, ele é consciente, é capaz de reetir sobre sua existência, e tal consciência converte-se em total liberdade. Mesmo tendo nascido sem um sentido predenido, sendo um ser-aí colocado no mundo em determinada situação com tempo, local, família e convivência não escolhidos por ele, o homem é um ser de possibilidades, podendo se denir de acordo com as suas escolhas.
O ser-no-mundo Segundo Heidegger, o homem, enquanto ser-aí, estando no mundo, não é um objeto e, sim, possibilidade, encontrando-se, dessa forma, diante da necessidade de alcançar o que o lósofo chama de transcendência existencial: não basta existir, é necessário transcender a existência, ultrapassá-la, projetando-se e indo além do que está posto para se construir enquanto ser. Nesse sentido, a exist ência é poder-ser, é possibilidade de ser. O homem possui a necessidade de se projetar, e, nesse aspecto, o mundo apresenta-se como uma ferramenta para que ele alcance seu objetivo, projetando-se e construindo-se no próprio mundo. Por essa razão, Heidegger armava que o homem é um ser-no-mundo, pois é diante do mundo e por meio dele que o homem precisa se construir. O mundo é, assim, uma construção humana: construindo-o e modificando-o, o homem constrói e modica a si mesmo.
Existencialismo: Heidegger e Sartre O termo estar-no–mundo, muito utilizado por Heidegger, signica que o homem deve ser transcendência, utilizando esse mundo como ferramenta para as suas ações e comportamentos. Essa transcendência é, em si, liberdade, uma vez que o homem, de posse das ferramentas oferecidas pelo mundo, pode se construir da maneira que quiser. No entanto, ao mesmo tempo que se apresenta como ferramenta para a construção do homem, o mundo é limitado, já que possui certas restrições e necessidades que ultrapassam o querer humano.
O ser-com-os-outros Segundo Heidegger, o homem se constrói e se dene na liberdade, utilizando o mundo como ferramenta, no entanto, nesse mundo, existem outros homens que também se encontram na mesma situação de plena liberdade e que não podem ser desprezados ou desconsiderados. Não há, portanto, um sujeito sem mundo e muito menos um “eu” isolado no mundo sem os outros sujeitos. O mundo é, assim, um conjunto de “eus” que se relacionam de alguma forma, pois todos participam do mesmo mundo. Por esse motivo, assim como é impossível viver no mundo sem as coisas que o compõem, é impossível viver nele sem existir o cuidado dos homens uns com os outros, o que Heidegger chamava de “cuidar dos outros”, sendo essa a base da vida em sociedade. Nessa relação com os outros, o homem possui duas possibilidades: “Estar junto” ou vida inautêntica: quando o outro é
submetido a uma vida que não foi escolhida por ele, e, com isso, há o estabelecimento de uma relação de submissão. “Coexistir” ou vida autêntica: quando uns ajudam aos
outros a conquistarem a liberdade de assumir o cuidado sobre si mesmo.
O ser-para-a-morte Para Heidegger, o ser-aí possui duas condições: ele é e ele tem de ser. Isso signica que, ao mesmo tempo que está inserido no mundo, o homem precisa se transcender, devendo sair da condição de objeto e encontrar um sentido para a sua existência, projetando-se ao futuro com ns a um objetivo. De acordo com as escolhas feitas, a vida humana pode ser inautêntica ou autêntica. Vida inautêntica: É a vida em que o sujeito se
prende às coisas em si mesmas, sem considerá-las como instrumentos que o levarão a um projeto maior, sendo esta uma existência anônima. A essa
vida Heidegger chama de dejeção, que é a queda do homem no plano das coisas do mundo. A existência humana torna-se vazia e sem sentido, e o homem ca, a cada dia, mais preso às coisas, buscando nelas algo que o satisfaça, o que é impossível. Em vez de ser utilizado como instrumento, o mundo é visto com m em si mesmo. Segundo Heidegger, há, no entanto, a voz da consciência, que chama o homem do simples apego aos fatos e às coisas para um sentido autêntico da vida, à busca não do ser em si, mas do sentido do ser, ao sentido de existir. Vida autêntica: A vida autêntica só é possível quando o
homem aceita a ideia de que ele é um ser-para-a-morte, ou seja, que a morte é a maior de todas as possibilidades e que ela certamente se concretizará. Para Heidegger, a morte é a possibilidade de que todas as outras possibilidades tornem-se impossíveis. Portanto, a consciência remete ao homem o sentido da morte e revela que todos os planos são nulos, ou seja, todo projeto deve trazer em si a consciência de que tudo pode acabar de forma inesperada com a morte. Se, por um lado, essa ideia poderia levar o homem à desesperança, por outro, a consciência da nitude é o que impede o homem de xar-se em uma situação fática, mostrando-lhe a nulidade do projeto e a historicidade da sua existência, a qual é passageira. Assim, a autenticidade da vida está no reconhecimento de que qualquer projeto é em vão, pois tudo irá acabar com a morte – a impossibilidade da possibilidade. [...] A cura é ser-para-a-morte. A de-cisão antecipadora foi determinada como ser próprio para a possibilidade característica da absoluta impossibilidade da pre-sença. Nesse ser-para-o-m, a pre-sença existe, total e propriamente, como o ente que pode ser “lançado na morte”. Ela não possui um fim em que ela simplesmente cessaria. Ela existe nitamente. HEIDEGGER, Martin. Língua de tradição e língua técnica. Lisboa: Veja, 1995. p. 124.
A angústia A vida autêntica é, para Heidegger, o viver-para-amorte, o modo de vida consciente de que tudo terá um m, antecipando a ideia da morte e impedindo o homem de estar simplesmente preso aos fatos e às circunstâncias. Tal antecipação da morte leva o homem ao sentimento de angústia, que o coloca diante do nada, da ausência de sentido da existência e dos projetos humanos. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 15 Segundo Heidegger, existir de forma autêntica só é possível àquele que tem a coragem de encarar a possibilidade da morte e sentir a angústia do ser-para-a-morte, aceitando a própria nitude e não se iludindo ao pensar que a vida presa às coisas e aos fatos traria sentido para a existência humana.
O pensamento de Sartre ultrapassou os limites da França e se espalhou pelo mundo nas décadas de 1940 e 1950, inuenciando consideravelmente a política, os movimentos sociais, as mentes dos intelectuais e a arte. Sartre viajou por todo o mundo, tendo sido recebido por políticos e ativistas famosos, como Che Guevara, em Cuba, e Khrushchev, na Rússia.
O homem da vida inautêntica, por sua vez, teme a angústia, desviando o pensamento da nitude e se iludindo com as coisas do mundo, acreditando que elas podem trazer sentido à sua existência, inebriando-se com o agora. Para Heidegger, a angústia é aquilo que
[...] abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo. Não é primeiro a reexão que abstrai do ente s n o m m o C e v i t a e r C
intramundano para então só pensar o mundo e, em conseqüência, surgir a angústia nesse confronto. Ao contrário, enquanto modo de disposição, é a angústia que pela primeira vez abre o mundo como mundo. Isso, porém não signica que, na angústia se conceba a mundanidade do mundo. A angústia não é somente angústia com... mas é também angustiar-se por [...] o por que a angústia se angustia não é um modo determinado de ser e uma possibilidade da pré-sença. A própria ameaça é indeterminada [...] A angústia se angustia pelo próprio ser-no-mundo. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2002. p. 252.
Sartre e sua esposa Simone de Beauvoir em visita a Che Guevara em Cuba.
Publicou inúmeras obras em diversos campos, como na Filosoa e na Literatura, tendo escrito romances, ensaios, dramaturgia, roteiros cinematográcos, além de proferir conferências em diversas partes do mundo. Sartre faleceu em 1980. Suas obras podem ser divididas em: Romances: A náusea (1938); A idade da razão (1945);
O adiamento (1945); A morte da alma (1949). Teatros: As moscas (1943); A portas fechadas (1945);
Para Heidegger, o medo é diferente da angústia. Na vida inautêntica, tem-se o medo diante da morte, atitude esta que nega o m, iludindo-se cegamente com os fatos. Já a angústia é uma atitude da vida autêntica, que assume a morte como possibilidade, aceitando-a como o m inevitável, mas nem por isso prendendo-se às coisas e aos fatos do mundo como se pudessem trazer sentido à vida.
Sartre Jean-Paul Sartre, considerado por muitos como o mais representativo de todos os pensadores existencialistas, nasceu em Paris, em 1905. Estudou na Escola Normal Superior de Paris e foi professor de Filosoa nos liceus de Le Havre e de Paris. Convocado para a Segunda Guerra Mundial, foi preso pelo Exército alemão e levado à Alemanha. Ao retornar para a França, fundou, juntamente com MerleauPonty, o grupo de resistência intelectual denominado ”Socialismo e Liberdade”.
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A prostituta respeitosa (1946); Mãos sujas (1948); O diabo e o bom Deus (1951); Nekrassov (1956); Os seqüestradores de Altona (1960). Panfletos políticos: O anti-semitismo (1946);
Os comunistas e a paz (1952). O ser e o nada: ensaio de uma ontologia fenomenológica (1943) (sua obra mais importante); A transcendência do ego (1936); A imaginação (1936); Ensaio de uma teoria das emoções (1939); O imaginário, Psicologia fenomenológica da imaginação (1940). Filosofa:
Ensaios: O existencialismo é um humanismo (1946);
Crítica da razão dialética (1960).
O “em-si” Uma das ideias mais importantes de Sartre era a de que não havia qualquer espécie de determinismo em relação à realidade humana, sendo que o homem era totalmente livre e nada poderia tirá-lo dessa condição de liberdade.
Existencialismo: Heidegger e Sartre Nesse sentido, não havia, para o lósofo, uma natureza humana predefinida ou anterior ao homem que o determinasse. Ao contrário dos animais, que nascem com uma determinação natural representada por seus instintos, o homem seria livre de qualquer determinação prévia e faria a si mesmo, a partir da liberdade que possuiria dentro de certo contexto, o que Sartre chamava de “liberdade situada”. O lósofo defendeu essa ideia ao armar que a existência precedia a essência.
O existencialismo ateu, que eu represento [...], declara que, se Deus não existe, há ao menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser denido por algum conceito e que esse ser é o homem ou,
O ser não é relação a si, ele é ele mesmo. É uma imanência que não se pode realizar, uma armação que não se arma, uma atividade que não pode agir, porque é empastado de si mesmo. BORNHEIM, Gerd. A. Sartre. São Paulo: Perspectiva, 1971. p. 34.
O “para-si” Sartre diferenciava o ser “em-si” e o ser “para-si”, dizendo que o primeiro era o “ser do fenômeno”, a coisa em si mesma, o objeto sem consciência que simplesmente está no mundo, enquanto o segundo, por oposição, era o “ser da consciência”.
como diz Heidegger, a realidade humana. O que signica aqui que a existência precede a essência? Isso signica que,
O “em-si” é incriado e atemporal, o “para-si” autocria-se
primeiramente, existe o homem, ele se deixa encontrar,
continuamente no tempo. Enquanto que o primeiro é sempre
surge no mundo, e que ele só se dene depois. O homem,
idêntico a si próprio, o segundo “não pode coincidir consigo”
tal como o concebe o existencialista, não é denível porque, inicialmente, ele nada é. Ele só será depois, e ele será tal
MORAIVA, João da. O que é existencialismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 38.
como ele se zer. Assim, não existe natureza humana, já que não há Deus para concebê-la. O homem é apenas não somente tal como ele se concebe, mas tal como ele se quer, e como ele se concebe após existir, como ele se quer depois dessa vontade de existir – o homem é apenas aquilo que ele faz de si mesmo. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte e Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 24.
Sartre defende que a consciência humana é sempre consciência de alguma coisa que está inserida no mundo e que, diferentemente dos homens, nenhum objeto tem a consciência em si mesmo. Para se referir a esses objetos, Sartre usa o termo “em-si”, que representa o mundo das coisas materiais e dos seres que não passam daquilo que eles aparentam ser, idênticos a si mesmos, esgotando-se naquilo que são, sem que possam ser nada além disso. Trata-se do simples ser-no-mundo, desprovido por completo de atividade reexiva, sendo esta exclusividade do ser humano, capaz de ter consciência das coisas e de si mesmo. Dessa forma, a negação e a armação não se apresentam para o “em-si”, já que ambas são frutos da consciência e têm como pressuposto a presença do pensamento.
O “para-si”, dessa forma, é a consciência do homem, a qual, por sua vez, está no mundo e no “ser-em-si”. Essa consciência, no entanto, é radicalmente diferente do mundo, não sendo dependente dele. A consciência, que consiste na própria existência do homem, é absolutamente livre e, sendo pura liberdade, o homem ou a consciência, entendidos como uma mesma coisa, ao contrário do “ser-em-si”, que está pronto e completo, é incompleta, podendo se constituir naquilo que quiser. Para Sartre, a “liberdade não é um ser, ela é o ser do homem, isto é, o seu nada de ser. 4”
A náusea Segundo Sartre, uma vez lançado no mundo de forma contingente, gratuita e desprovida de sentido, o homem experimenta a náusea, que consiste na constatação do absurdo da existência do homem, o qual não tem, em sua natureza, qualquer necessidade de existir ou qualquer sentido de vida. O homem existe absurdamente como um ser-aí, um ser-no-mundo, que, ao se dar conta de sua existência e, consequentemente, de sua falta de sentido, tem, então, o sentimento da náusea, que faz com que seu estômago se revire ao compreender que a existência humana é 4 REALE, Giovanni. História da Filosoa Antiga. 2. ed. 7 v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VI. p. 228. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 15 simples contingência, não sendo o homem necessário para o mundo: ele existe, mas poderia muito bem não existir, e ainda assim o mundo continuaria a ser do mesmo modo. Para Sartre, a existência do homem é pura gratuidade e absurdo.
A existência precede a essência
Uma vez lançado no mundo, o homem é responsável por todas as sua ações e pelos rumos de sua vida, anal, uma vez que não há natureza ou essência dada, por exemplo, por Deus, o homem será o que zer de si mesmo na mais plena liberdade. Nesse sentido, Sartre armava que o homem estava condenado a ser livre.
Essa frase de Sartre resume o princípio fundador do existencialismo. Segundo o lósofo, se a existência precede a essência, primeiro o homem existe e só depois ele dene o que será, determinando, na mais absoluta liberdade, a sua essência. Dentre todos os seres, somente o homem é livre, sendo os outros predeterminados pela natureza. Nessa ideia, encontra-se o sentido particular do conceito de existência proposto por Sartre, que arma que somente o homem existe, enquanto as outras coisas simplesmente são. O lósofo propôs, assim, uma nova forma de ver o mundo, na qual existe a valorização do indivíduo que constrói a si mesmo.
O nada Sartre traz para o centro de seu pensamento e de sua obra o homem, que é, segundo o lósofo, o único ser “para-si”. Toda preocupação de sua losoa está em pensar o indivíduo concreto a partir de sua existência cotidiana desprovida de qualquer sentido ou relevância especial. A partir dessa condição humana, Sartre elabora o conceito do nada, que se refere à consciência, ou seja, ao próprio homem que não tem em si um sentido ou uma essência a priori determinada, mas consiste tão-somente na possibilidade de fazer a si mesmo a partir de sua livre escolha. Uma vez que é livre e que não traz em si nenhuma predenição, a consciência é o próprio nada. Para o lósofo, é própria da condição humana a falta de sentido e de determinações. No entanto, se, por um lado, essa falta de sentido pode parecer um problema, por outro, é justamente ela que leva o homem a buscar algo que traga sentido à sua vida, e ele faz isso por meio de suas próprias escolhas, uma vez que é plenamente livre.
“O homem nada mais é do que aquilo que ele faz a si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo.5”
O homem deve criar a sua própria essência; é jogando-se no mundo, lutando, que aos poucos se define [...] a angústia, longe de oferecer obstáculo à ação, é a própria condição dela [...] O homem só pode agir se compreender que conta exclusivamente consigo mesmo, que está sozinho e abandonado no mundo, no meio de responsabilidades innitas, sem auxílio nem socorro, sem outro objetivo além do que der a si próprio, sem outro destino além de forjar para si mesmo aqui na Terra. SARTRE, Jean-Paul. Carta de 1º de outubro de 1944, dirigida a Jean Paulhan, para responder “O que é o existencialismo?”. In: Cadernos de História Memorial RS – Centenário de J.P. Sartre. Disponível em: < http://www.memorial.rs.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2011.
Uma das ideias mais interessantes do existencialismo sartreano é a de que o próprio homem é quem decide o seu caminho, podendo optar por ser herói ou covarde, sendo, assim, o único responsável por suas decisões, sejam elas boas ou más, dignas ou indignas. [...] o existencialismo arma é que o covarde se faz covarde que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e para o herói, de deixar de o ser. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p.14.
Sartre e sua parceira Simone de Beauvoir. Mantendo uma relação aberta por cerca de 50 anos, eles formaram o casal-símbolo das esperanças libertárias dos tempos modernos.
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5 SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 6.
Existencialismo: Heidegger e Sartre A corrente existencialista foi amplamente acusada de pessimista, devido à sua suposta visão decadente e precária acerca da existência humana. Porém, indo contra essa visão, Sartre defendia o existencialismo como a mais otimista das visões sobre o homem, já que era a única que lhe possibilitava fazer de sua vida o que quisesse, sem que houvesse desculpas ou predeterminações que pudessem impedir a sua realização. Segundo a corrente existencialista, como não existe nada de antemão realizado no homem, ele é o único responsável por sua felicidade ou infelicidade, construindo sua essência durante a sua existência. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e denitiva, ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9.
Neste sentido, Sartre armava que o existencialismo era um humanismo, “humanismo, porque recordamos ao homem que não existe outro legislador a não ser ele próprio. 6” Em um primeiro momento, o homem simplesmente existe e, só depois de sua existência, ele se descobre, aparecendo no mundo e denindo-se segundo sua liberdade para escolher.
A liberdade Para Sartre, uma vez que a existência é anterior à essência, o homem deve então se construir de forma livre de toda e qualquer determinação. Apesar da aparente contradição, Sartre armava que a única determinação do homem é ser livre, ou seja, a sua única determinação é não ter determinação, sendo a liberdade o seu fundamento. O homem, usando sua liberdade, escolhe o que projeta ser. Seus valores são aqueles que ele mesmo cria por livre escolha, sendo que a única coisa que o homem não pode escolher é deixar de ser livre, pois, ainda que ele decida abandonar a sua liberdade, para escolher isso, ele precisa ser livre. Nesse sentido, Sartre arma que “a escolha é possível, em certo sentido, porém o que não é possível é não escolher.7”
s n o m m o C e v i t a e r C / z e u q z a l e V i v a J
Para o existencialismo, o homem é totalmente livre para escolher ser o que quiser, ou seja, o homem é o que ele faz de si mesmo. Porém, todas as consequências de suas escolhas são de sua inteira responsabilidade. A possibilidade do fracasso é inevitável quando se tem plena responsabilidade sobre a própria vida.
Para o lósofo, não há meio termo para se pensar a liberdade: ou ela é absoluta ou ela não existe, sendo o seu fundamento o nada, o indeterminismo absoluto do homem e daquilo que ele fará de si mesmo. Somos separados das coisas por nada, apenas por nossa liberdade; é ela que faz que haja coisas com toda sua indiferença, sua imprevisibilidade e sua adversidade, e que nós sejamos inelutavelmente separados delas, pois é sobre um fundo de nadicação que elas aparecem e que se revelam como ligadas umas às outras. A liberdade é o único fundamento dos valores e nada, absolutamente nada, me justica ao adotar tal ou tal valor, tal ou tal escala de valores. Enquanto ser pelo qual os valores existem eu sou injusticável. E minha liberdade se angustia de ser o fundamento sem fundamento dos valores. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de P. Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 591 e p. 76.
A liberdade, no existencialismo sartreano, é diferente da ideia de liberdade entendida como simples livrearbítrio ou como a capacidade de escolher coisas de forma descompromissada. Para Sartre, o conceito de liberdade traz consigo a responsabilidade incondicional pela própria vida e pelos erros e insucessos que possam ser decorrentes das escolhas feitas pelo homem. Nesse sentido, no existencialismo de Sartre, o conceito de liberdade refere-se
6 SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 21. 7 SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo . A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 17. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 15 a uma liberdade responsável, que não pode ser confundida com simples libertinagem, uma vez que a liberdade humana está situada na realidade e, por isso, é condicionada ao contexto histórico e limitada pelas regras da sociedade às quais todos devem se submeter. Por essa razão, a liberdade humana não é innita. Sartre, em sua obra O ser e o nada, armou que “[...] eu sou responsável por tudo, salvo por minha própria responsabilidade, porque eu não sou o fundamento de meu ser. 8” A submissão do homem à comunidade faz com que seus interesses muitas vezes entrem em conito com os interesses da sociedade. No entanto, o homem, ao compreender que é totalmente livre, deve compreender que todos os outros homens também o são, sendo assim, ao desejar a sua liberdade, o homem se compromete também com a liberdade dos outros homens, e, assim, ser livre assume um caráter universal. Desse modo, Sartre arma: Sem dúvida, a liberdade enquanto denição do homem, não depende de outrem, mas, logo que existe um engajamento, sou forçado a querer, simultaneamente, a minha liberdade e a dos outros, não posso ter como objetivo a minha liberdade a não ser que meu objetivo seja também a liberdade dos outros. SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 199.
A má-fé Atualmente, entende-se por má-fé as atitudes inescrupulosas tomadas por determinado homem com o intuito de enganar e ludibriar outro homem. No entanto, para Sartre, o conceito de má-fé possuía um sentido diferente, referindo-se às atitudes do homem contra ele mesmo. Para o lósofo, quando o indivíduo mente para si, buscando justicar seus atos por meio de essências, naturezas ou determinações prévias, ele age de má-fé, pois não assume as responsabilidades sobre seus atos e dissimula sua vida ao considerar que suas ações seguem um caminho denido anteriormente às suas escolhas. Para Sartre, um homem que se esconde atrás de desculpas de suas paixões, baseado em um determinismo imaginado, é um sujeito dotado de má-fé, a qual, segundo o lósofo, “[...] é evidentemente uma mentira, pois dissimula a total liberdade do engajamento9”. Sartre considera a má-fé um pretexto dos homens que, por medo ou ignorância consciente, insistem em se esconder 8 SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de P. Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 641.
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sob o véu da mentira, armando que suas vidas já estão determinadas por um ser superior ou por uma natureza, sem assumir o risco de viver e de tomar decisões, inventando desculpas para si e para as suas ações.
Deus O existencialismo ateu de Sartre coloca o homem no centro da própria vida como único responsável por sua existência. De acordo com essa teoria, é impossível acreditar em um Deus anterior aos homens, pois, se ele existisse, haveria uma natureza original criada por esse Deus, o que não é admitido pela losoa de Sartre. Para o lósofo, tornando-se responsável por sua existência e pela consequente construção de sua essência, o homem é também responsável pelos outros homens, “[...] portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira 10”. Essa responsabilidade leva o homem ao sentimento de angústia, uma vez que, como Deus não existe, tudo é permitido e não existem regras essenciais a serem seguidas. Diante disso, o homem está só, sem o apoio de Deus ou de qualquer outra entidade para legitimar ou apontar as suas escolhas. Por essa razão, o homem está condenado à liberdade, já que não há paradigmas que legitimem as suas escolhas, podendo, por isso, escolher errado, tomando o pior por melhor. Nessa situação, como o único responsável por suas escolhas foi ele mesmo, não há culpados pelo seu fracasso e por seu insucesso, devendo o próprio homem assumir a responsabilidade pelos rumos de sua vida. É necessário ressaltar que o ateísmo do existencialismo não tem a intenção de provar a inexistência de Deus. Com essa teoria, Sartre está preocupado com a liberdade, buscando defender que o homem é livre de qualquer determinação e que, por isso, ele é o único responsável por si mesmo e pelo mundo. Essa responsabilidade defendida por Sartre foi um dos motivos para que o lósofo se tornasse um intelectual profundamente engajado em movimentos políticos, intelectuais e artísticos de contestação e busca pela liberdade. 9 SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão zde método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 19 10 SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 7.
Existencialismo: Heidegger e Sartre 03. O nada, impensado para Parmênides, encontrou em Sartre valor ontológico, pois é o ponto de partida da existência humana, uma vez que não há coisa alguma anterior à existência. Essa tese foi amplamente defendida por esse lósofo, principalmente em sua obra O ser e o nada. REDIJA um texto explicando, de acordo com a losoa
existencialista, o título da obra de Sartre.
EXERCÍCIOS PROPOSTOS 01. Buscando responder o que é o homem, o sentido do ser que procura respostas sobre o mundo, Heidegger arma que o homem é um dasein, um ser-aí.
Sartre acreditava que os intelectuais deveriam desempenhar um papel ativo na sociedade. Foi um artista militante e apoiou com a sua vida e a sua obra causas políticas de esquerda. Por esses e outros motivos, recusou-se a receber o Prêmio Nobel de Literatura de 1964. O existencialismo não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria, eis nosso ponto de vista. Não que acreditamos que Deus exista, mas pensamos que o problema não é de sua existência, é preciso que o homem se reencontre e se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 22.
02. A pre-sença é sempr e sua possi bil ida de. Ela não tem a possibilidade apenas como uma propriedade simplesmente dada. E é porque a pre-sença é sempre essencialmente sua possibilidade que ela pode, em seu ser, isto é, sendo, escolher-se, ganhar-se ou perder-se ou ainda nunca ganhar-se ou só ganhar-se aparentemente. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1993. p. 78.
Para Heidegger, a pre-sença ou o ser-aí é sempre possibilidade, o que signica que o homem tem liberdade, a qual se manifesta em suas decisões, podendo levá-lo a uma vida autêntica ou a uma vida inautêntica. REDIJA um texto explicando a diferença entre
autenticidade e inautenticidade para Heidegger.
03. O ser em relação aos outros não é apenas uma relação de
O projeto fenomenológico se dene como uma “volta às
ser autônomo e irredutível: enquanto ‘ser-com’ ele é uma relação que, como o ser do ser-aí, já está aí. É indiscutível que um intenso conhecimento pessoal mútuo, fundado no ser-com, depende freqüentemente de até onde cada ser-aí conhece-se a si mesmo na ocasião; mas isto quer dizer que esse conhecimento depende apenas de até onde o essencial ser-com-os-outros de alguém o tem tornado transparente e não o tem disfarçado. Isso é possível somente se o ser-aí, enquanto sendo-no-mundo, já é com os outros. A ”empatia” não é o constitutivo primeiro do ser-com; unicamente enquanto fundada no ser-com a empatia pode tornar-se possível. Ela recebe sua motivação da insociabilidade dos modos dominantes de ser-com.
coisas mesmas’’, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência que se dá como seu objeto intencional.
HEIDEGGER, Martin. Todos nós... ninguém. Um enfoque fenomenológico do social. São Paulo: Moraes, 1981. p. 46.
Fenomenologia. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
A partir das informações do trecho anterior e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando por que só é possível ao homem encontrar-se existencialmente se ele se tornar ser-com-os-outros.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 01. Para a corrente existencialista, oposta à positivista, que acreditava que todas as coisas poderiam ser apreendidas pelas experiências, o homem não é um ser determinado por nada. REDIJA um texto explicando a contraposição entre
positivismo e existencialismo a partir da frase anterior.
02.
De acordo com o trecho anterior e com outros conhecimentos sobre o pensamento de Heidegger, REDIJA um texto explicando o sentido do termo dasein.
Com base na citação anterior, REDIJA um texto explicando as bases do método fenomenológico.
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Frente A Módulo 15 04. O homem é antes de mais nada um projeto que vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-or. Nada existe anteriormente a
esse projeto; nada há no céu inteligível, e o homem, diz Sartre, será antes de mais nada o que tiver projetado ser. Se no homem a existência precede a essência, ele será aquilo que zer de sua vida, não havendo nada, além dele
mesmo, de sua vontade, que determine o seu destino. PENHA, J. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 45. REDIJA um texto explicando por que, para o
existencialismo, não basta ao homem simplesmente ser.
05. A escolha é possível, em certo sentido, porém o que não é possível é não escolher. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 17.
Tendo como base a citação anterior, REDIJA um texto explicando a seguinte frase: “Somente a liberdade é determinante”.
06. [...] não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justicativa e nenhuma desculpa.
Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Rita Correira Guedes. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9. REDIJA um texto posicionando-se contra ou a favor da
seguinte armação: “Estamos sós, sem desculpas.”
07. A má-fé é evidentemente uma mentira, pois dissimula a total liberdade do engajamento. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 19.
De acordo com a citação anterior, EXPLIQUE o conceito de má-fé na losoa sartreana.
08.
Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe; ca
o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para e le.
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Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrá s de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justicações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1978.
De acordo com o trecho e com outros conhecimentos, REDIJA um texto explicando por que o homem está abandonado no mundo.
SEÇÃO ENEM 01. Leia com atenção a citação do lósofo existencialista Jean-Paul Sartre: [...] o existencialismo arma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e para o herói, de deixar de o ser . SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 14.
De acordo com o texto anterior, o homem é A) fruto da sociedade e não pode fugir das limitações naturais dadas por ela, uma vez que é político por natureza. B) livre de qualquer determinação, seja de ordem natural ou cultural, pois, apesar de existirem forças contrárias, o homem é capaz de superar tais limites em um movimento de autoconstrução. C) relativamente livre, uma vez que existem determinações de ordem natural que impedem que o homem faça o que quiser de si. D) absolutamente livre, uma vez que ele é o único responsável pelo que faz de si mesmo, tendo em mente que sua vida é resultado de fatores externos e internos. E) totalmente livre na medida em que segue seus instintos, sendo que liberdade é possibilidade de escolha de acordo com a natureza própria e anterior que constitui o que o sujeito é.
Existencialismo: Heidegger e Sartre
GABARITO Fixação 01. Segundo o positivismo, todas as coisas do mundo podem ser compreendidas por relações de causa e efeito encontradas por meio da experiência. Desse modo, a natureza e a sociedade funcionam a partir de uma lógica determinista, uma vez que, se há causa, sempre haverá um efeito certo. As leis da natureza são, assim, manifestações inteligíveis dessas normas da natureza. O existencialismo, indo em direção contrária a essa tese, defende que nada determina a vida e os comportamentos humanos. Segundo essa corrente, ao nascer plenamente livre, a essência, que para pensadores como Sócrates constitui a parte inata ao homem e a qual determina sua vida, é construída após a existência, não havendo nada previamente estabelecido. Por essa razão, para o existencialismo, o homem é o que ele zer de si mesmo, sem qualquer determinação anterior às suas escolhas. 02. Desde a Antiguidade Grega até o Período Moderno com pensadores como Descartes e Locke, acreditava-se que seria possível conhecer os seres do mundo de forma real e em si mesmos. Ao contrário dessa posição losóca, a fenomenologia, corrente losóca fundada por Husserl, defende que o conhecimento só é possível por meio de um processo intencional do homem que busca no objeto os seus fenômenos. Para a fenomenologia, o conhecimento é somente conhecimento do fenômeno, ou seja, daquilo que o homem percebe do ser, não sendo conhecimento do ser em si mesmo. Por isso o homem não deve buscar o objeto em si, pois esse não pode ser alcançado, nem mesmo é possível provar a sua existência. Para conhecer o mundo, o sujeito deve ater-se unicamente na consciência do objeto que está representado na sua mente. Desse modo, entende-se que a frase “voltar às coisas mesmas’’ signica voltar a atenção para os fenômenos sem se preocupar em buscar uma realidade dos seres impossível de ser conhecida. 03. De acordo com a losoa de Sartre, o homem é, ou seja, é ser. Nada existe anteriormente ao homem que possa lhe conferir uma essência prévia e que o determine substancialmente de uma forma ou de outra. Portanto, o ser simplesmente existe, é ser. A ideia de nada refere-se à armação de que não existe absolutamente nenhum ser que esteja além do homem, mas tão somente o vazio. Por isso, armar o nada é armar que só existe o ser e não existe uma essência humana previamente determinada. Porém, após constatar que o homem existe e é ser, esse homem deve sair
da simples existência através da transcendência existencial, que consiste em encontrar um sentido pessoal para sua vida. Cabe ao homem, portanto, construir para si, por sua própria conta, sua essência a partir de suas próprias experiências.
Propostos 01. O termo dasein, segundo o pensamento de Heidegger, signica, numa tradução pouco precisa do alemão para o português, ser-aí. Com essa ideia, o lósofo quer chamar a atenção para o fato de que o homem é um ser que simplesmente está lançado no mundo, mantendo uma relação íntima com a realidade na qual se encontra. O homem está sempre em uma situação real e determinada no mundo, e tal situação não foi objeto de sua escolha, pois ele não escolheu o tempo, o lugar, a família, a aparência, ou seja, ele não escolheu nada daquilo que ele é. Assim, o homem é simplesmente um ser-aí que, além de buscar o sentido do ser, ele é um ser que deve responder sobre o sentido dele mesmo, reetindo sobre sua existência. 02. Para Heidegger, a vida inautêntica é aquela em que o sujeito resume sua vida ao apego às coisas em si mesmas, sem utilizá-las como instrumentos que poderiam levá-lo a um projeto maior. A inautenticidade caracteriza uma existência anônima, que o lósofo chama de dejeção, consistindo na queda do homem no plano das coisas do mundo, o que faz de sua existência algo vazio e sem sentido, sendo que, dessa forma, o homem vive cada dia preso às coisas e busca nelas algo que o satisfaça. A vida autêntica, por outro lado, é aquela em que o sujeito compreende que as coisas não podem ser vistas em si mesmas, devendo ser utilizadas como instrumentos que levam o homem além da simples materialidade das coisas. Para Heidegger, a vida autêntica só é possível quando o homem aceita a ideia de que ele é um ser-para-a-morte, sendo que essa consciência da nitude o impede de se xar nos fatos, mostrando a nulidade do projeto de sua vida, que é em si passageira. A autenticidade da vida consiste, portanto, em reconhecer que qualquer projeto ou plano é em vão, pois tudo vai acabar com a morte, a impossibilidade da possibilidade. 03. O existencialismo considera que os homens devem buscar um sentido pessoal para a sua existência, podendo levar erroneamente a uma concepção pessoal e individualista de existência humana. Contudo, o existencialismo não prescinde, em absoluto, dos outros homens na busca pela essência pessoal a ser construída. Pelo contrário,
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a ideia existencialista é a de que os homens são fundamentais para a construção do sentido pessoal da própria existência, uma vez que esse sentido pessoal só pode acontecer a partir da coexistência. Desse modo, a ideia de ser-com-os-outros se torna fundamental para a existência humana, pois, segundo a corrente existencialista, todos os homens vivem juntos e o outro é, em si, causa de possibilidade da realização de cada homem. 04. A premissa principal do existencialismo é a de que cada homem existe e deve, saindo da simples existência, transcender-se existencialmente. Tal transcendência existencial acontece quando o homem é capaz de denir a si próprio, construindo, na autonomia, uma essência que possa trazer um sentido individual à sua vida. Por isso, não basta existir, pois a simples existência é uma característica trivial dos objetos inanimados, como ca claro na citação da questão, que se refere a um creme ou a uma couve-or. É necessário ao homem ir além dessa simples existência e construir a si próprio pela transcendência. 05. Segundo o existencialismo de Sartre, o homem é absolutamente livre. Isso signica que, independentemente de qualquer condicionamento, o homem permanece livre e por isso é o único responsável por si mesmo. Não há determinismos de ordem natural ou divina que guiem a vida e direcionem as ações humanas, pelo contrário, o homem pode fazer de si o que quiser e escolher. Nesse sentido, apenas uma coisa não pode ser escolhida, ou seja, o homem possui somente uma determinação da qual ele não pode se libertar, que é o fato de ser livre. Assim, justica-se a famosa frase de Sartre que diz que o homem está condenado a ser livre. 06. A resposta para essa questão é subjetiva. Espera-se que o aluno seja capaz de se posicionar argumentativamente contra ou a favor da ideia proposta. Em questões desse modelo, não existe resposta certa ou errada, mas espera-se que o candidato, posicionando-se de um lado ou de outro, argumente adequadamente sua questão. É muito útil, quando for possível, valer-se de outros lósofos em sua argumentação. Estar só e sem desculpas signica armar que o homem é o único responsável por si mesmo. Segundo o existencialismo, somos totalmente livres e essa liberdade traz como consequência a responsabilidade por aquilo que somos ou que escolhemos ser. Dessa maneira, por sermos absolutamente livres, não há desculpas para nossos erros e insucessos, pois eles são tão-somente consequências de nossas escolhas.
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A favor: Acredito que o homem é o único
responsável por si mesmo e, dessa forma, a sua liberdade torna-se, ao mesmo tempo, graça e fardo, pois, se o homem escolhe errado diante das possibilidades da vida, ele será o único responsável por suas escolhas. Por outro lado, se escolhe adequadamente, sua vida será fruto de suas boas escolhas. A racionalidade capacita o homem a pesar e medir o que ele é e o que quer ser, e a liberdade permite a ele transformar sua realidade pessoal e superar suas limitações. Contra: Não acredito que o homem está só e
nem que ele é totalmente livre nas escolhas que faz, já que os condicionantes materiais, sociais, biológicos e culturais inuenciam em suas escolhas, determinando, em alguma medida, sua liberdade e, consequentemente, aquilo que ele se torna. Apesar de o homem trazer consigo a sua liberdade, esta sempre é condicionada e restrita, pois não há como superar algumas determinações exteriores, o que torna o homem, necessariamente, fruto de seu meio. Portanto, não estamos sós, nem somos totalmente determinados. 07. Para Sartre, o conceito de má-fé refere-se ao homem consigo mesmo, ou seja, é uma atitude em que o sujeito se esconde de si próprio, tentando se enganar diante da vida e da responsabilidade de dar um sentido para sua existência. Sartre arma que a má-fé é a atitude daquele que mente para si tentando justicar ou fundamentar suas ações ou omissões a partir de essências preestabelecidas que existiram em sua vida. Agindo desse modo, o homem abre mão de sua responsabilidade por si mesmo, e se esconde, dissimulando que seus atos são escolhas próprias, colocando na sociedade, em outro ser ou em Deus as responsabilidades por seu fracasso. O lósofo arma que a má-fé é a atitude do homem que tem medo da vida e prefere se esconder a assumir sua responsabilidade diante de sua própria existência. 08. Segundo o existencialismo sartreano, não há uma razão para a existência humana, uma espécie de plano, destino ou missão pela qual o homem veio ao mundo e a qual ele precisa cumprir. Dessa maneira, o homem simplesmente existe, sem justicativas ou motivos. Porém, o que aparentemente representaria um problema torna-se a força que conduz o homem à busca de um verdadeiro sentido para sua vida. Estar abandonado, signica, então, não ter qualquer determinação prévia para a vida e, assim, o ser humano será aquilo que zer de si mesmo.
Seção Enem 01. B.
FILOSOFIA A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo UMA BREVE CRONOLOGIA DA FILOSOFIA ALEMÃ A história da Filosofia alemã pode ser dividida, cronologicamente, em cinco momentos distintos, seguindo uma classicação que abrange os pensadores do nal do século XVIII ao início do século XIX, período também conhecido como século de ouro da Filosoa alemã, chegando até a primeira metade do século XX, com a criação da Escola de Frankfurt.
MÓDULO
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Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Jürgen Habermas (1929-). Apesar da relevância de todos os pensadores denominados frankfurtianos, trataremos em nosso estudo apenas de três que apresentam maior relevância para a tradição losóca: Horkheimer, Adorno e Habermas.
A ESCOLA DE FRANKFURT
O primeiro momento da Filosoa alemã correspondeu ao chamado “idealismo clássico”, representado por Immanuel Kant (1724-1804), Herder (1744-1803), Fichte (1762-1814), Schelling (1775-1854), Hegel (1770-1831) e Schopenhauer (1788-1860). Dentre as posições losócas desse primeiro período, não é possível identicar uma mesma linha de pensamento, ainda que alguns pontos entre eles digam respeito ao mesmo problema. Dos lósofos citados, Kant e Hegel destacam-se como os pensadores mais importantes desse período. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), companheiros de luta e pensamento, marcaram o segundo momento da Filosoa alemã, abrangendo, principalmente, os anos de 1850 a 1880. Dentre suas posições losócas destacaram-se a crítica ao capitalismo, principalmente à ideologia, e a defesa do materialismo histórico dialético. O terceiro momento teve como principal representante Friedrich Nietzsche (1844-1900), que elaborou uma crítica à moral cristã ocidental e defendeu a necessidade de se estabelecer uma nova ordem de valores que pudesse libertar os homens da vida pobre e indigna, restabelecendo a importância da condição humana a partir de valores naturais. Já situado no século XX, o quarto momento caracteriza-se pelo pensamento fenomenológico de Husserl (18591938), pela ontologia de Hartmann (1882-1950) e pelo existencialismo de Heidegger (1889-1976). O quinto momento, por sua vez, foi marcado fundamentalmente pelo pensamento desenvolvido na Escola de Frankfurt, tendo como principais representantes
FRENTE
s n o m m o C e v i t a e r C
Integrantes do simpósio sobre marxismo, núcleo fundador da Escola de Frankfurt (1923).
Inicialmente chamada de Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, a Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 pelo jovem Félix Weil, então com 25 anos, lho de um rico industrial judeu que nanciou o Instituto. O primeiro diretor da Escola foi o economista austríaco Carl Grünberg, que ocupou esse cargo de 1923 a 1930. Nesse primeiro momento, o veículo de comunicação do Instituto recebeu o nome de Arquivos Grünberg. Em 1931, Horkheimer assumiu o cargo de diretor do Instituto. O órgão ocial de divulgação das ideias da Escola de Frankfurt passou a ser a Revista de Investigação Sociológica (Zeitschrift für Sozialforschung, no original), concentrando-se nos estudos losócos, modicação importante no seu foco de pesquisa, que anteriormente priorizava, com os Arquivos Grünberg, os estudos econômicos. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16 A Escola era formada por professores alemães, na maioria sociólogos marxistas, e era ligada ao Ministério da Educação e Cultura da Prússia, tendo cumprido um importante papel em sua época como uma das primeiras escolas a romper com o posicionamento anticomunista que vigorava no período. Enquanto a maioria das instituições acadêmicas se opunha à losoa marxiana e deixava de lado a importante reexão sobre o movimento trabalhador e o socialismo, os frankfurtianos preencheram essa lacuna, propondo uma nova linha de pensamento que tivesse por base as ideias de Marx aplicadas à Sociologia, à pesquisa social e à Filosoa. É importante destacar que, embora de inspiração marxiana, a Escola de Frankfurt não nutria qualquer desejo de promover uma revolução, restringindo-se à atividade de centro de divulgação de ideias e de estudos que compreendessem o mundo contemporâneo. Com a crescente inuência do nacional-socialismo e com a ascensão de Hitler ao poder em 1933, os fundadores do Instituto perceberam a necessidade de transferir a Escola para outro país, estabelecendo-se temporariamente em Genebra, Suíça, antes de mudar para Nova Iorque, em 1935, onde o Instituto foi aliado à Universidade de Columbia. A Revista de Investigação Sociológica passou a se chamar Estudos em Filosoa e Ciência Social (Studies in Philosophy and Social Science, no original) e, nesse momento, muitos trabalhos do Instituto começaram a emergir, ganhando uma recepção muito favorável nos meios acadêmicos ingleses e estadunidenses. No início de 1950, Horkheimer, Adorno e Pollock voltaram para a Alemanha Ocidental, sendo que outros lósofos do Instituto, como Marcuse, Lowenthal e Kirchheimer, preferiram permanecer nos Estados Unidos. Somente em 1953, o Instituto foi formalmente restabelecido em Frankfurt. Partindo das teses de Marx, Freud e Nietzsche, os quais exerceram grande influência no mundo e provocaram profundas mudanças no modo de ver e compreender o homem, a cultura e a sociedade, a principal tarefa dos frankfurtianos consistia, essencialmente, em reinterpretar as ideias desses pensadores com o objetivo de compreender as novas realidades surgidas com o desenvolvimento do capitalismo no século XX. Os frankfurtianos produziram, assim, a chamada Teoria Crítica, que consistia em uma incorporação do pensamento de lósofos tradicionais a partir da leitura da realidade do mundo contemporâneo, com a intenção de compreender a realidade a partir da Filosoa. Ao abordar de maneira crítica aspectos contemporâneos das formas de comunicação e da cultura humana, nascem os conceitos de “indústria cultural e cultura de massa”, os quais tiveram grande relevância nesse período, estendendo-se até os dias de hoje.
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Coleção Estudo
Os estudos da Escola de Frankfurt, buscando uma aproximação entre Marx e Freud e, por vezes, Heidegger, criaram um gigantesco trabalho de interdisciplinaridade e síntese entre tais pensadores. Entre 1930 e 1950, os frankfurtianos escreveram e pensaram sobre Filosoa, Economia, Sociologia, Cultura de Massa, Psicologia Autoritária, Estética, Cinema, Música, tecnologia, ideologia, capitalismo, desemprego, Literatura, autoritarismo, Fascismo e sobre a Psicanálise e os efeitos da repressão sexual. Dentro dessa gama de temas, trabalhados de forma original, os pensadores da Escola de Frankfurt puderam revelar a crescente importância dos fenômenos da mídia e da cultura de massa na formação social e no modo de vida contemporâneo. Para eles, os modos de comunicação só poderiam adquirir sentido quando em contato com a realidade social, da qual são, antes de tudo, uma mediação, um instrumento, precisando, por isso, serem estudados à luz do processo histórico global da sociedade.
As gerações da Escola de Frankfurt De forma geral, é possível dividir as correntes losócas da Escola de Frankfurt em três gerações, as quais denem também as linhas mestras do pensamento da Escola. São elas:
o r i p a h S . J y m e r e J
Max Horkheimer e Theodor Adorno, dois dos maiores representantes da Escola de Frankfurt. ●
1ª geração
Formada pelos pensadores Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin, a 1ª geração caracteriza-se pela denúncia das ideologias que impediam que o homem visse de forma clara e correta o mundo e pudesse, portanto, conhecê-lo. Esse primeiro momento da Escola de Frankfurt é marcado pela elaboração de uma ciência social reexiva, feita a partir de projetos interdisciplinares envolvendo a Sociologia, a Filosofia, a Economia, entre outras ciências.
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo Os pensadores dessa geração preocupavam-se em fazer uma análise do totalitarismo presente na indústria cultural a partir das ideias de Marx e Freud, buscando mostrar como a ideologia capitalista presente nos meios de comunicação e na cultura de massa servia apenas aos interesses burgueses, perpetuando os ideais capitalistas. Dedicaram-se também a tentar compreender a consciência não revolucionária da maioria dos trabalhadores, embora estivessem inseridos em uma situação objetivamente revolucionária. Um dos pontos de destaque dessa primeira fase foi o uso de métodos qualitativos e não simplesmente quantitativos da ciência social para expor a ideologia responsável por diversas patologias sociais. ●
A 3ª geração da Escola de Frankfurt manteve o compromisso com a herança iluminista, segundo a qual, por meio da razão, deve-se libertar os homens da ignorância que os afasta da sociedade e os impede de reconhecer sua real condição. Além disso, nessa fase, tem-se o claro reconhecimento do fracasso do capitalismo liberal e de suas consequências para o mundo contemporâneo, havendo, também, embora de maneira tímida e limitada, a preocupação com as questões feministas e étnicas.
Theodor Adorno
2ª geração
A 2ª geração da Escola de Frankfurt teve como expoentes os pensadores Jürgen Habermas, Albrecht Wellmer, Ludwig von Friedeburg e Oskar Negt. A “Teoria da Ação Comunicativa” (1981) de Habermas orientou o pensamento da 2ª geração. Essa teoria buscava compreender as condições sob as quais as interações humanas estariam livres da dominação, rompendo com a ideologia e a alienação que levavam à coisicação do homem pelas forças capitalistas e burocráticas. O objetivo da Teoria da Ação Comunicativa era dar um novo rumo para a Teoria Crítica da 1ª geração, buscando caminhos viáveis de interação entre os homens e as culturas, que superassem a razão iluminista a qual representava e perpetuava apenas os interesses burgueses. Por meio dessa nova comunicação, seria possível fornecer uma nova análise da reprodução social, das patologias sociais e das diretrizes para a transformação emancipatória da humanidade, buscando restaurar, proteger e radicalizar os valores da democracia liberal, da racionalidade processual e da cultura modernista. ●
3ª geração
Representada principalmente por Axel Honneth, a 3ª geração da Escola de Frankfurt surgiu a partir das preocupações com os movimentos de 1968 e com os movimentos sociais da década de 1970, no contexto da queda do Muro de Berlim e do avanço da mundialização dos valores e das informações. Essa geração esteve focada em uma reexão sobre a História e sobre a sociedade, com base na constante luta dos grupos sociais por reconhecimento de suas particularidades e demandas, apontando para uma maior atenção àquilo que os pensadores desse período chamavam de o “outro” da razão, ou seja, o outro deveria ser considerado em sua importância para o diálogo e para o desenvolvimento social e humano. Buscou-se, nessa fase, perceber as injustiças de uma maneira geral, dentro das diversas culturas, com as experiências dos indivíduos que não tinham seus interesses e particularidades atendidos, sendo violados em suas expectativas morais. Ao mesmo tempo, os pensadores dessa geração perceberam que o desprezo pelas demandas dos diferentes grupos sociais gerava a sensação de engano no interior dos indivíduos encontrando sua expressão nas lutas sociais, como forma de armação moral.
A I F O S O L I F Theodor Adorno, um dos mais importantes pensadores da Escola de Frankfurt, criticou duramente a razão instrumental do Iluminismo e elaborou o conceito de indústria cultural.
Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno nasceu em Frankfurt, em 1903, lho de um negociante alemão de vinhos e de uma cantora lírica italiana. Na Universidade de Frankfurt, estudou Filosoa, Música, Psicologia e Sociologia e, com apenas 21 anos de idade, já defendia sua tese sobre Edmund Husserl. Foi nesse período que conheceu seus companheiros Max Horkheimer e Walter Benjamin, com os quais participou ativamente da Escola de Frankfurt. Entre 1921 e 1932, publicou cerca de cem artigos sobre crítica e estética musical. Com o m da Segunda Guerra, Adorno foi um dos pensadores que mais lutou pelo retorno do Instituto de Pesquisa Social a Frankfurt, tornando-se diretor-adjunto e codiretor da Escola em 1955 e, com a aposentadoria de Horkheimer, em 1958, passou a ocupar o cargo de diretor.
A dialética negativa Enquanto Hegel defendia a dialética da conciliação e da síntese, segundo a qual o processo dialético ocorria na História por meio de sínteses sucessivas, tornando-se, consequentemente, responsável pelo ensejo ao desenvolvimento e ao progresso da História e da humanidade, Adorno adotou o conceito de dialética negativa, negando a conexão entre realidade e pensamento, armando, portanto, que a Filosoa não seria capaz de captar a realidade. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16 Quem escolhe hoje o trabalho losóco como prossão deve renunciar à ilusão da qual partiam anteriormente os projetos losócos: a ilusão de que, por força do pensamento, é possível captar a totalidade do real. ADORNO. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VI. p. 472.
Para Adorno, a pretensão de captar a realidade tal como ela é não passa de uma ilusão losóca. Ao adotar essa posição, o lósofo nega as posições losócas da metafísica, do positivismo, da fenomenologia, do idealismo, do iluminismo e mesmo do marxismo tradicional, correntes de pensamento que, segundo Adorno, ao acreditarem que apreendem a realidade, estão apenas elaborando ideologias, as quais servem somente para mascarar o real. Nesse sentido, constata-se a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Adorno arma que, somente quando o homem reconhece que não há identidade entre realidade e pensamento, é possível descartar toda e qualquer ideologia, seja ela capitalista ou losóca. Segundo o lósofo, como não há uma ideia absoluta, uma vez que a verdade universal pretendida pela Filosoa não é possível, deve-se levar em conta as diferenças e as particularidades, ou seja, aquilo que a tradição dos sistemas losócos desconsiderou. Valorizando o individual, as diferenças, o qualitativo, em oposição ao universal, ao igual e ao quantitativo, foge-se dos dogmas losócos e se reconhece que a realidade apresenta-se em múltiplas facetas. Ao reconhecê-las, valoriza-se as diferenças que constituem os homens e as culturas e reconhece-se a incapacidade da Filosoa de criar verdades absolutas sobre o mundo Seguindo essa linha de pensamento, na obra Dialética do Iluminismo (1949), Adorno e seu companheiro Horkheimer criticaram a ideia iluminista. Segundo eles, essa ideia, que tem como base a busca de compreender completamente o mundo, iniciou-se com o pré-socrático Xenófanes, que defendia a apreensão da realidade pelo homem de forma racional, tornando-a compreensível por meio de verdades sobre o mundo. Para Adorno, o Iluminismo entendido dessa forma caminharia para sua autodestruição, pois a razão seria vista somente como razão instrumental, ou seja, um instrumento de compreensão e de dominação da realidade. O verdadeiro objetivo da razão iluminista deveria ser compreender a realidade de forma crítica, devendo ser este o grande motivo pelo qual o homem buscaria compreender o mundo. Segundo Adorno, uma sociedade guiada pela razão instrumental teria nela o meio para a dominação das classes detentoras do conhecimento sobre aquelas que não o têm. Essa razão, visando à dominação da natureza, ao invés de libertar o homem, o aprisionaria ao conhecimento técnico dos dominadores, servindo apenas como mais uma ideologia. Para o lósofo:
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O aumento da produção econômica, que, por um lado, gera condições para um mundo mais justo, por outro lado, propicia ao instrumental técnico e aos grupos sociais que dele dispõem imensa superioridade sobre o resto da população. Diante das forças econômicas, o indivíduo é reduzido a zero. Estas, ao mesmo tempo, levam a um nível jamais alcançado o domínio da sociedade sobre a natureza. Enquanto o indivíduo desaparece diante da máquina a que serve, é por ela aprisionado melhor que jamais o fora. No Estado injusto, a impotência e a dirigibilidade da massa crescem com a quantidade de bens que lhe são fornecidos. ADORNO. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VI. p. 474.
A indústria cultural
o ã ç u d o r p e R
Selo comemorativo do centenário de nascimento de Theodor Adorno, celebrado em 2003.
Um dos conceitos mais importantes difundidos por Adorno foi o de indústria cultural, que, segundo ele, consistia em uma poderosa máquina que funcionaria em favor daqueles que detinham os conhecimentos ou que eram proprietários da razão instrumental. Para o lósofo, a sociedade tecnológica contemporânea utiliza os meios de comunicação midiáticos (cinema, televisão, rádio, música, publicidade, etc.) – incluindo a Internet (que ainda não existia na época de Adorno) – como mecanismos de dominação, através dos quais divulga ideologias de consumo que supostamente levam à felicidade do homem, felicidade esta própria dos dominadores, que tendem a tornar necessário aquilo que é supéruo. Adorno acredita, assim, que a classe dominadora, por meio da mídia, impõe modelos de comportamento e consumo, valores, linguagem, modos de ser e de viver que correspondam apenas aos seus interesses. Esses modelos transmitidos pela mídia são amorfos, uniformes e alienantes, em nada contribuindo para a vida e para a racionalidade humana, uma vez que são desprovidos de pretensões à liberdade, à emancipação do homem, não estando comprometidos com o crescimento cultural e crítico do ser humano. Ao contrário, tais modelos colaboram para uma passividade acrítica, visando a uma modelação irracional dos homens, a valores predeterminados por outras pessoas.
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo Por meio desse mecanismo, o divertimento não é mais visto como o lugar da recreação, da liberdade, da criatividade, da genialidade e da verdadeira alegria, mas sim como um modelo imposto pela indústria cultural e que deve ser consumido. Muitas vezes, o cinema, a televisão, a música e a literatura determinam um modelo a ser seguido pelo homem, que simplesmente repete ou aceita como criativo o que lhe é dado para consumir. O “sistema” desenvolve, assim, aquilo que lhe é interessante, com fins puramente econômicos, sendo tais modelos assimilados pelos homens como a única maneira de prazer e divertimento. A indústria cultural perdamente realizou o homem como ser genérico. Cada qual é cada vez mais somente aquilo pelo qual pode substituir qualquer outro: ser consumível, apenas exemplar. Ele próprio, como indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada [...] ADORNO. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VI. p. 474.
A crítica de Adorno ao Iluminismo se dá nesse sentido: para ele, enquanto o ideal de libertação do homem era o foco dos pensadores do Esclarecimento, a razão iluminista, ao se resumir em razão dominadora e técnica da natureza (razão instrumental), criou uma forma de ideologia que não liberta o homem, mas que o aprisiona em modelos de vida predeterminados. O indivíduo passou a ser considerado um nada, devendo repetir a ação de outros homens, as quais são determinadas por interesses capitalistas de consumo e de aumento de renda. Dessa forma, ca claro que, nessa visão capitalista, o “destino” do homem é consumir tudo aquilo que o “sistema” produz. Embora Adorno e Horkheimer reconhecessem essa situação, eles acreditavam, de maneira otimista, que a própria razão iluminista reconheceria a situação em que se encontrava e trabalharia para se libertar dela.
Segundo Adorno, a indústria cultural não se preocupava com as contradições presentes em suas várias formas de manifestação, sendo tais contradições absorvidas pela própria cultura de massa, tornando dispensável o combate de qualquer ideia ou valor que representasse alguma ameaça ao desenvolvimento dessa cultura, uma vez que tais valores eram também utilizados como instrumentos de divulgação de outros valores, os quais, consequentemente, se reverteriam a seu favor. A cultura de massa, portanto, alcançaria a hegemonia, elevando ao seu próprio nível de difusão e de exaustão qualquer manifestação cultural, tornando-a, assim, efêmera e desvalorizada.
Max Horkheimer Max Horkheimer nasceu em Stuttgart, Alemanha, em 14 de fevereiro de 1895. Filho de um rico industrial judeu, abandonou os estudos em 1911 para aprender um ofício e ajudar o pai em sua fábrica de tecidos. Foi enviado para lutar na Primeira Guerra Mundial e, ao retornar, concluiu seus estudos em Psicologia e Filosoa nas cidades de Munique, Friburgo e Frankfurt.
A cultura de massas Como consequência do surgimento das tecnologias de comunicação da indústria cultural, bem como das circunstâncias geopolíticas do século XX, a cultura de massa desenvolveu-se a ponto de se sobrepor às demais manifestações culturais, submetendo-as, ou buscando submetê-las a um projeto comum e homogêneo, excluindo toda e qualquer manifestação que não atendesse aos seus interesses ou não utilizasse a sua linguagem. Por ser produto de uma indústria espalhada por todo o mundo, a cultura elaborada e divulgada nos diferentes veículos de comunicação estava ligada intrinsecamente ao poder econômico do capital industrial e nanceiro. Em consequência dessa excessiva divulgação, os valores apreciados pela população passaram a ser, quase que exclusivamente, aqueles propostos pela cultura de massa, o que fez com que a cultura alternativa sofresse uma signicativa depreciação, quer pelo seu abandono, quer pelo pouco investimento que recebia para continuar sobrevivendo.
Max Horkheimer defendia que a Filosofia tinha um papel determinante de denúncia da razão instrumental, a qual atende apenas aos interesses ideológicos do poder econômico.
Em 1926, casou-se com Rosa Rieker e começou a trabalhar na Universidade de Frankfurt, tendo se associado, juntamente com Theodor Adorno, ao Instituto de Pesquisas Sociais – a Escola de Frankfurt –, do qual se tornou diretor em 1931, sucedendo o historiador austríaco Carl Grünberg. Nessa época, publicou a obra Materialismo, metafísica e moral , além de vários artigos que foram veiculados pela famosa Revista de Pesquisa Social . Em 1930, tornou-se professor em Frankfurt, mas, em 1934, diante da ameaça nazista, emigrou para os Estados Unidos, atendendo a um convite da Universidade de Columbia. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16 Crítica à razão instrumental
Jürgen Habermas
Horkheimer construiu sua crítica à sociedade moderna nos mesmos moldes de Adorno. No entanto, ao criticar a razão instrumental, Horkheimer não só questionou a razão utilizada como forma de dominação da natureza, a qual serve somente à classe dominadora que visa o lucro, como também fez uma importante crítica política. Segundo ele, as leis do capitalismo são injustas em sua raiz, pois se baseiam na exploração e no aumento das diferenças sociais, sendo o comunismo tão-somente um capitalismo de Estado. Logo, o poder econômico e o poder político caminham lado a lado, promovendo a exploração de muitos em prol do bem de poucos.
Jürgen Habermas é considerado um dos mais importantes lósofos alemães do século XX. Nascido em Gummersbach, Alemanha, em 18 de junho de 1929, estudou Filosoa, História e Literatura, interessando-se também por Psicologia e Economia. Em 1954, doutorou-se em Filosoa na Universidade de Bona, tendo estudado com Theodor Adorno e trabalhado como seu assistente no Instituto de Investigação Social de Frankfurt entre os anos de 1956 e 1959.
Segundo Horkheimer, o conceito de racionalidade que está na base da civilização industrial moderna é podre em sua raiz, uma vez que a razão instrumental tem como único objetivo dominar a natureza e, consequentemente, o próprio homem. Enquanto o objetivo original da razão iluminista era o bem do homem, que deveria se libertar da ignorância e construir uma realidade melhor e mais feliz, a razão instrumental deteve-se apenas na dominação da natureza, sem levar em conta o bem-estar do homem, fazendo com que a nalidade primeira do Iluminismo fosse esquecida. Logo, as ideias de emancipação do homem, de crítica, de criatividade e de desenvolvimento pleno foram esquecidas, dando lugar a uma razão instrumental que serviria apenas aos interesses econômicos da civilização industrial moderna. Nesse sentido, a razão renunciou à sua autonomia original e tornou-se um mero instrumento para alcançar objetivos predenidos.
A Filosofia como denúncia da razão instrumental Diante desse quadro, Horkheimer armou que a Filosoa teria o papel determinante de denunciar aquilo que os homens chamavam de razão, mas que, na verdade, não passava de uma instrumentalização da razão, ou seja, uma razão menor e menos digna. O lósofo acreditava que, por meio dessa denúncia, talvez fosse possível aos homens enxergar a verdadeira face da razão instrumental, a qual, em vez de libertar o homem e torná-lo dono de si e da natureza, tornou-o escravo de uma lógica perversa, segundo a qual aqueles que detêm o poder da razão instrumental, o poder político e econômico, dominam o mundo, não se importando se essa razão, que antes serviria como caminho para se alcançar a felicidade e a libertação da ignorância, tenha se tornado apenas mais um instrumento de dominação. Para Horkheimer, o homem não deveria se contentar com a realidade em que vive, acreditando ser ela a única possível, pelo contrário, ele deveria trabalhar para denunciar a razão instrumental, de modo a não se render à ordem constituída, buscando ampliar sua liberdade de pensamento para construir uma nova realidade.
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Jürgen Habermas.
Obteve licença para ensinar na Universidade de Marburg em 1961 e, em seguida, foi nomeado professor extraordinário de Filosoa da Universidade de Heidelberg. Em 1968, mudou-se para Nova Iorque, onde lecionou na New School for Social Research. A partir de 1971, dirigiu o Instituto Max Planck, em Starnberg, na Alemanha, e, em 1983, transferiu-se para a Universidade de Frankfurt, na qual permaneceu até sua aposentadoria, em 1994. Atualmente, Habermas continua escrevendo e publicando diversos trabalhos.
A ação comunicativa Considerado um dos principais herdeiros do pensamento da Escola de Frankfurt, Habermas buscou superar o pessimismo de Adorno e de Horkheimer, que viam na razão instrumental uma perversão da razão iluminista, uma vez que essa razão pretendia tão-somente dominar a natureza com ns práticos tendo em vista interesses econômicos, esquecendo-se de seu verdadeiro objetivo, que era a emancipação humana. Com o objetivo de recuperar o potencial emancipatório da razão, Habermas adotou o paradigma comunicacional, acreditando que este poderia superar as ideologias da razão instrumental e levar o homem, pelo caminho da razão, à libertação da ignorância e das ideologias. Para tanto, o lósofo reformulou a ideia da razão instrumental com a Teoria da Ação Comunicativa criando a ideia de razão comunicativa como um meio de restabelecer a comunicação livre, racional e crítica entre os homens e as sociedades, com ns à superação da razão iluminista de dominação da natureza e do homem. Segundo o lósofo, duas esferas coexistiriam na sociedade:
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo Sistema: seria responsável pela reprodução material, a qual seria dirigida pela razão instrumental que visa o poder econômico e político, tal como armava Horkheimer. Mundo da vida: estava ligado à esfera do simbólico, da linguagem, das redes de signicados que compõem as várias visões de mundo, sejam elas relativas aos fatos objetivos, às normas sociais ou a conteúdos subjetivos de cada pessoa. Para Habermas, o mundo da vida havia sido colonizado pelo sistema, de forma que os mecanismos utilizados pelos homens para compreender a realidade por meio de seus signicados foram alterados pela lógica da razão instrumental. O lósofo reformulou, assim, a ideia da razão instrumental em termos da ideia de razão comunicacional, armando que, por meio de relações intersubjetivas, dois ou mais sujeitos interagindo buscariam entender-se sobre determinado assunto ou objeto a m de compreendê-lo de forma clara.
Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ações dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento. À medida que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das inuências recíprocas), pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa. HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. 3. ed. Madrid: Cátedra, 1997. p. 418.
Habermas afirmava que só por meio das relações intersubjetivas seria possível discernir a universalização dos interesses numa discussão. Nesse ponto, o fundamento de uma ética da discussão exigiria a reconstrução de um espaço crítico, aberto e pluralista. A racionalidade passaria a ser vista, então, como uma fonte inspiradora das ações humanas, visando à emancipação dos homens e a um maior entendimento do mundo. A comunicação ou diálogo comunicativo não atuaria mais como espaço de simples convencimento, mas sim como um lugar em que as diferenças seriam manifestadas, o respeito pelo outro e por suas tradições culturais seria cultivado, buscando-se, por meio do diálogo, um novo caminho que não seria o da simples arte do convencimento e da imposição de uma ideia sobre as demais. Na teoria de Habermas, a linguagem, que não deveria ser compreendida somente como fala, ocupou um papel de destaque, sendo esta, como toda e qualquer forma de comunicação, um meio de transformar o comportamento humano. A linguagem, para Habermas, está formada por todos os sinais compreensíveis do meio que chegam ao interlocutor como marcas próprias a uma cultura e como ideias que se expressam de diversas maneiras. A linguagem é concebida, assim, como o caminho de interação entre os indivíduos, possibilitando garantir um processo democrático na tomada de decisões, no qual, através de argumentos, os sujeitos, livres de pressões e medos, buscariam alcançar pontos comuns que atenderiam ao coletivo.
Ao propor a ação comunicativa como caminho para se resolver os problemas da sociedade, Habermas defendia uma ética universalista, deontológica, formalista e cognitivista, a qual não teria conteúdos particulares, devendo garantir a participação dos interessados nas decisões públicas através de discussões, nas quais se avaliariam os conteúdos normativos demandados naturalmente pelo mundo da vida. Para a formulação de regras morais efetivas, todos os participantes do discurso deveriam ter garantidos os mesmos instrumentos e as mesmas condições de, por meio da razão dialógica, se aproximarem da verdade comunicativa. Para Habermas, o discurso ético deve respeitar dois princípios para que seja válido universalmente: Princípio do discurso: determina que todo sujeito capaz de falar e de agir pode tomar parte num discurso moral, ou seja, de uma discussão sobre os valores morais. Princípio de universalização: defende que uma norma só é considerada válida se puder ser aceita por todos os participantes da discussão. Essa atitude de assentimento, também chamada de ponto de vista moral, deve ser racional, sendo que o sujeito deve aceitar ou não esse valor de acordo com padrões racionais e não por interesses particulares. Assim, um certo valor moral deve ser aceito porque ele é correto de acordo com o discurso interpessoal, independentemente de ser ou não vantajoso para os homens.
Axel Honneth
s n o m m o C e v i t a e r C / h c s o r f y n n u B
Axel Honneth, lósofo e sociólogo alemão, é diretor do Instituto
para Pesquisa Social de Frankfurt desde 2001.
Axel Honneth nasceu na cidade de Essen, Alemanha, em 1949. Estudou nas cidades de Bonn, Bochum, Berlim e Munique e lecionou na Universidade Livre de Berlim. Em 1996, transferiu-se para a Universidade de Frankfurt, onde se tornou professor de Filosoa. Desde 2001, é diretor do Instituto de Pesquisa Social, conhecido também como Escola de Frankfurt. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16 Seu trabalho é voltado principalmente para a Filosoa sociopolítica e moral, focando especialmente nas relações de poder, de reconhecimento e de respeito entre os homens e as culturas. Honneth defende que deve haver uma valorização ou reconhecimento do outro nas relações intersubjetivas para que seja possível compreender as relações sociais em que os homens estão inseridos. Para o lósofo, a imagem da sociedade se constrói nas interações entre diversas classes sociais com os conitos sociais, que manifestam a busca de reconhecimento das classes envolvidas. Desse modo, os grupos sociais são as forças motrizes do desenvolvimento histórico. Honneth afirma que, para que um indivíduo possa se tornar alguém, deve ocorrer, fundamentalmente, o desenvolvimento de sua autoconança, de autorrespeito e de autoestima, e, para isso, é necessário o reconhecimento do outro, o que, por sua vez, se dá através das lutas sociais. Enquanto, por um lado, os sentimentos em relação aos diferentes grupos sociais, sejam eles de rejeição ou ultraje, exigem o reconhecimento para se desenvolverem, por outro, a exigência do reconhecimento leva ao questionamento dos arranjos sociais. A abordagem de Honneth aproxima-se da 1ª geração da Escola de Frankfurt, uma vez que esse pensador examina a experiência do indivíduo submetido à dominação no contexto do trabalho.
PÓS-MODERNISMO Além dos filósofos da Escola de Frankfurt, outros pensadores exerceram forte inuência no pensamento contemporâneo, destacando-se, entre eles, Sigmund Freud, com sua teoria psicanalítica, e Michel Foucault, com sua crítica ao mito do progresso. Embora não seja possível identicar uma linha mestra ou uma corrente de pensamento que una esses pensadores, pois cada um deles trata de assuntos distintos e em perspectivas diferentes, esses lósofos inserem-se em uma mesma perspectiva pós-modernista de Filosoa.
Sigmund Freud Sigismund Schlomo Freud nasceu em 1856, na cidade de Freiberg, Alemanha, em uma família judaica, tendo abreviado seu nome para Sigmund Freud aos 21 anos de idade. Com apenas quatro anos de idade, Freud se mudou com sua família para Viena, devido a problemas nanceiros, cidade em que morou até 1938, quando teve de se mudar para a Inglaterra devido à perseguição nazista aos judeus. Em 1881, concluiu sua formação em Medicina na Universidade de Viena, aprofundando-se nos estudos de anatomia cerebral. Casou-se em 1886 com Martha Bernays, com quem teve seis lhos. Freud faleceu aos 83 anos de idade, vítima de câncer.
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A Psicanálise
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Freud, o pai da Psicanálise, cujas teorias ainda hoje são amplamente debatidas, contribuiu signicativamente para o
pensamento moderno ao tentar dar um status cientíco ao conceito de inconsciente.
Médico neurologista e estudioso dos distúrbios do sistema nervoso, Freud acompanhava os procedimentos de sua época utilizando a hipnose – aprendida principalmente com o médico Bernheim, na cidade de Nancy – como ferramenta para curar os problemas mentais. Juntamente com o médico Breuer, Freud dedicou-se amplamente ao estudo da hipnose e propôs sua aplicação para o tratamento adequado da histeria, tendo publicado, em 1895, com Breuer, a obra Estudos sobre a histeria. De acordo com Freud, o sujeito, quando em estado de hipnose, consegue voltar à origem do trauma e superá-lo por meio da catarse, da lembrança daquilo que até então era obscuro à mente, libertando-se do distúrbio mental. Nesse sentido, elucida-se a Teoria Psicanalítica de Freud, ou Psicanálise – inclusive, na obra Para a história do movimento psicanalítico, de 1914, o próprio pensador arma ter sido ele o criador da Psicanálise –, quando surge a pergunta: por que o sujeito, quando em estado de hipnose, consegue se lembrar daquilo que estava esquecido, e, se lembrando, ele consegue vencer os traumas? Para Freud, parecia haver outra realidade, outro mundo, que só se tornava acessível quando o sujeito estava em estado de transe. A partir dessa pergunta, Freud chegou à seguinte conclusão: Todas as coisas esquecidas, por algum motivo, tinham caráter penoso para o sujeito, enquanto haviam sido consideradas temíveis, dolorosas e vergonhosas para as aspirações de sua personalidade [...] E, para tornar novamente consciente o que havia sido esquecido, era necessário vencer a resistência do paciente, através de contínuo trabalho de exortação e encorajamento. FREUD, Sigmund. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VII. p. 64.
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo Freud defendia que, no ser humano, operam tendências ou impulsos que são reprimidos, devido ao fato de entrarem constantemente em conito com aquilo que o sujeito acredita, conscientemente, ser o certo e o errado. Os impulsos reprimidos, no entanto, não desaparecem, mas tornam-se inconscientes. Essa repressão, por sua vez, transforma-se em um problema para o sujeito, que agora se vê diante de algo que, inconscientemente, lhe pertence e que se manifestará de alguma forma. Para Freud, a histeria consiste na manifestação física desses traumas. Ao descobrir que a ideia de repressão é responsável pelos traumas que povoam o inconsciente dos homens, Freud fez uma nova opção terapêutica, não mais caminhando pela hipnose, mas buscando identicar essas repressões na tentativa de eliminá-las quando for propício ou mesmo, se for possível, aceitá-las de forma consciente. A partir desse momento, o método de Freud deixa de se chamar catarse, passando a se chamar Psicanálise ou análise da vida psíquica, que parte da investigação da repressão e não mais do impulso em si mesmo. Esse estudo do inconsciente realizado por Freud tinha como objetivo central curar as perturbações e as doenças mentais – denominadas neuroses –, adotando o método de interpretação das palavras, da linguagem e dos sonhos, que, para o médico alemão, consistiam em manifestações do inconsciente.
A livre associação A técnica psicanalítica de Freud, denominada de livre associação, era inteiramente baseada na fala do paciente. Inicialmente, o paciente, deitado no divã, fazia um exercício de respostas às perguntas elaboradas pelo médico. Freud percebeu que, nos casos que acompanhava, o paciente pedia para falar sem interrupções, o que o fez compreender que deveria deixar de lado as perguntas e dizer, apenas algumas vezes, palavras soltas, as quais tinham efeitos diversos no sujeito. Freud foi percebendo que, na maioria das vezes, o paciente se esquivava das ideias que vinham à sua mente diante das palavras pronunciadas pelo médico, sendo que tais palavras, em outras ocasiões, traziam sentimentos de alegria, de tristeza, lembranças da infância ou de momentos dolorosos da vida, além de, em muitas situações, trazerem à mente do paciente as lembranças dos sonhos que ele tivera anteriormente.
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O divã utilizado por Freud para atender seus pacientes encontra-se hoje em Londres, no Museu de Freud.
Analisando a conversa e as diversas reações do paciente, as quais ocorriam tanto em forma de palavras quanto em forma de linguagem corporal –inquietude ou calma –, Freud foi compreendendo que a vida consciente era, na verdade, a manifestação de algo maior e mais profundo, uma vida inconsciente. O médico percebeu que apenas através da interpretação dos sonhos, das manifestações corporais, das lembranças, das palavras, muitas vezes sem nexo, é que se poderia chegar ao inconsciente. Por meio de suas observações, Freud descobriu que os sintomas histéricos de seus pacientes tinham três nalidades: 1 – manifestar verbalmente a si mesmo e aos outros os
sentimentos inconscientes; 2 – punir-se por ter tais sentimentos; 3 – realizar, nas doenças e nos sofrimentos, um desejo inconsciente que sua consciência julgara intolerável e por isso repreendera, mas que se manifestava de outra forma.
A estrutura do mecanismo psíquico ou os três níveis da vida psíquica Segundo Freud, a vida psíquica é constituída de três instâncias: id (isso), ego (eu) e superego (supereu). A primeira, id, é totalmente inconsciente, a segunda, ego, é consciente, e a terceira, superego, tem aspectos tanto conscientes quanto inconscientes. 1 – Id: Esse primeiro nível da vida psíquica é formado exclusivamente pelos instintos, que Freud denomina pulsões, os quais consistem em desejos orgânicos e inconscientes do homem. O id é regido pelo princípio do prazer, que busca em todas as ações do sujeito sua satisfação imediata. Segundo Freud, tudo o que o homem faz guia-se originalmente pelo id e, por isso, em todas as realizações humanas, há a busca pelo prazer. O id é o reservatório original da energia vital humana, e é por meio dele que o homem age em todas as instâncias de sua vida. Ainda nesse aspecto, o psicanalista dizia que todos os desejos, os instintos e as pulsões são de origem sexual, o que era chamado por Freud de libido. O id, portanto, seria a fonte dos desejos humanos, os quais buscam sua satisfação por meio dos desejos sexuais. Cabe ressaltar, entretanto, que o desejo sexual não se restringe à genitalidade ou ao ato sexual, mas envolve todos os desejos que exigem satisfação imediata, sendo que tal satisfação instintiva pode ser sentida por qualquer parte do corpo humano. 2 – Superego: O segundo nível da vida psíquica é formado pela repressão das pulsões no âmbito cultural, ou seja, é a moral social ou cultural que determina o certo e o errado a partir de valores diversos, sendo que a sociedade impõe ao homem, ao id, determinada censura, impedindo-o de se manifestar de acordo com a sua natureza, de forma instintiva. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16 O homem forma em seu superego modelos de vida e de comportamento de acordo com as ideias de homem virtuoso e correto ditadas por meio da educação e das instituições sociais. Esses modelos variam de sociedade para sociedade, ou mesmo de pessoa para pessoa, pois dependem fundamentalmente dos valores a que o sujeito está submetido e com os quais fora educado. Embora o superego exista conscientemente dentro de cada homem, os valores morais e sociais atuam limitando as ações e o pensamento humano de forma inconsciente. Essa censura cultural serve como um freio à manifestação das pulsões sexuais, as quais não podem ser satisfeitas em qualquer tempo ou lugar, devendo ser, na maioria das vezes, reprimidas. O homem tem consciência indireta do superego quando sente vergonha, timidez ou quando possui a noção de certo e errado diante de determinadas situações, tomando consciência de seus sentimentos e desejos em relação a elas. 3 – Ego: O ego, ou “eu”, constitui a parte consciente
e o terceiro nível da vida psíquica, tendo como função administrar os desejos instintivos do id, os quais querem se manifestar a todo tempo, e as pressões advindas do superego, que determinam o que deve ou não ser satisfeito. Logo, enquanto o id busca o prazer sexual em todas as ações humanas, o superego, representando a censura, deve buscar submeter tais desejos àquilo que é moralmente aceitável, e o ego, por sua vez, deve mediar os desejos e a censura de forma saudável, o que muitas vezes não acontece.
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Detalhe de Triunfo de Vênus. A loucura nasce da incapacidade do ego de manter o equilíbrio entre os impulsos do id e as exigências do superego.
Essa administração por parte do ego é denominada de princípio da realidade, que consiste na necessidade de se encontrar objetos e situações que possam atender ao princípio do prazer do id, sem, no entanto, transgredir ou ignorar o
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superego. Freud chamava o ego de “pobre coitado”, uma vez que ele se encontrava pressionado por três senhores: os desejos do id, a repressão do superego e os perigos do mundo externo. Vivendo sob a pressão do id, que quer se manifestar a todo tempo, o ego não poderia ceder às suas exigências, pois senão viveria uma vida imoral e destrutiva. No entanto, não poderia também se submeter ao superego, pois assim viveria em profunda insatisfação e de forma enlouquecedora. Ao viver, de um lado, sob o princípio do prazer e, de outro, sob o princípio da realidade, o ego tem uma existência tipicamente de angústia, devendo manter o controle das diversas forças do mundo psíquico de forma sustentável. Nesse sentido, o ego tem a função de manter o equilíbrio que ora satisfaz o id, limitando o superego, ora atende às exigências do superego, recalcando o id. Quando essa administração não é bem realizada, surgem as neuroses, e, quando o sujeito torna-se totalmente incapaz de manter o equilíbrio, surge a loucura ou a psicose.
Michel Foucault Paul-Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926, na cidade francesa de Poitiers, em uma tradicional família de médicos. Com expectativas de seguir a carreira promissora de sua família, Foucault tentou ingressar na Escola Normal Superior em 1945, tendo sido, no entanto, reprovado. Devido a esse fato, Foucault foi enviado para o Liceu, uma espécie de escola preparatória na qual teve contato com Jean Hyppolite, importante lósofo francês. Em 1946, conseguiu a aprovação na Escola Normal Superior da França, onde conheceu lósofos como Bourdieu e Sartre e teve aulas com Maurice Merleau-Ponty. Em 1948, Foucault se graduou em Filosoa na Sorbonne e, no ano seguinte, obteve seu diploma em Psicologia. Em 1950, aderiu ao Partido Comunista Francês, permanecendo como membro por pouco tempo. Foucault tornou-se professor de Psicologia na Escola Normal Superior em 1951 e, vinte anos depois, assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento. Aos 28 anos, publicou Doença mental e Psicologia (Maladie Mentale et Psychologie), seu ensaio inicial e considerado até hoje uma de suas mais importantes obras. No entanto, foi com História da loucura (1961, Histoire de la Folie à l’âge Classique), sua tese de doutorado na Sorbonne, que se rmou como lósofo. Nesse livro, Foucault analisou as práticas dos séculos XVII e XVIII que levaram à exclusão do convívio social dos “desprovidos de razão”. Foucault teve contatos com diversos movimentos políticos, tendo se engajado nas disputas políticas nas guerras do Irã e da Turquia. Esteve várias vezes no Brasil, onde realizou conferências e rmou amizade com pensadores de renome, como o lósofo Roberto Machado. Foi no Brasil que pronunciou as importantes conferências sobre a obra A verdade e as formas jurídicas, realizadas na PUC Rio. Foucault faleceu em 25 de junho de 1984, vítima de complicações relacionadas ao vírus da AIDS.
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo
As estruturas epistêmicas
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Uma das principais ideias de Foucault consiste em sua teoria sobre as estruturas epistêmicas da História. De acordo com essa teoria, Foucault critica a ideia de progresso. Para ele, a ideia de um glorioso desenvolvimento do homem ocidental não passa de uma ilusão, já que a História não é progressiva e, por essa razão, não há nenhum tipo de continuidade nela. Para Foucault, a História, sendo descontínua, é governada por estruturas epistêmicas, denominadas por ele de epistemas, as quais agem no inconsciente dos homens.
01. O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravização da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo. Do mesmo modo que está a serviço de todos os ns da economia burguesa
na fábrica e no campo de batalha, assim também está à disposição dos empresários, não importa sua origem. ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. p. 20. IDENTIFIQUE e EXPLIQUE a tese defendida por Adorno
e Horkheimer na citação anterior. Quando falo de epistemas, entendo todas as relações que existiram em certa época entre os vários campos da Ciência. Penso, por exemplo, no fato de que, a certo ponto, a Matemática foi utilizada para pesquisas no campo da Física; de que a Lingüística, ou melhor [...], a Semiologia, a Ciência dos Sinais, foi utilizada pela Biologia (para as mensagens genéticas); de que a Teoria da Evolução pôde ser utilizada ou servir de modelo para os historiadores, os psicólogos e os sociólogos do século XIX. Todos estes são fenômenos de relações entre as Ciências ou entre os vários ”discursos” nos vários setores cientícos que constituem o que eu chamo “epistema de uma época”. FOUCAULT. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VII. p. 87.
Foucault, ao denominar sua losoa de “arqueologia do saber”, buscava compreender os “epistemas” por meio dos quais a História se apresenta. O lósofo concluiu, em seus estudos, que não existia qualquer tipo de progresso histórico no desenvolvimento da civilização, e que a História, ao contrário, era constituída de uma sucessão de epistemas descontínuos, que não possuíam ligação entre si. Foucault distinguiu três estruturas epistêmicas ou epistemas que se sucederam sem nenhuma continuidade na História ocidental. A primeira, que se conservou até a Renascença, era aquela em que as ideias estavam unidas às coisas a que se referiam, ou seja, a palavra tinha a mesma realidade daquilo que ela signicava. A segunda estrutura, que vai dos ns do século XVI ao princípio do século XVII, consistia naquela em que as palavras se desvencilharam das coisas e passaram a ser encaradas como referentes, mas não como as coisas em si mesmas. Por m, a terceira estrutura, que se inicia no século XVIII, é aquela que rege os discursos e considera que as palavras estão cada vez mais distantes da realidade, não se referindo a ela, mas buscando, por detrás dessa realidade, um saber que está nas estruturas ocultas do real. Para se ter um exemplo dessa estrutura, basta pensar na estrutura da linguagem que dá sentido às palavras, não tendo as palavras sentido por elas mesmas. Nessa terceira estrutura, o pensamento e o saber se retraem no âmbito da representação visível para sondar o âmbito das estruturas ocultas.
02. A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a civilização a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em conseqüência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração. O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a m de estabelecer limites
para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob o controle por formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas à identicação e relacionamentos amorosos inibidos em sua nalidade, daí a restrição à vida
sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justicado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra
a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, [1930] 1974. p. 134. IDENTIFIQUE e EXPLIQUE a tese defendida por Freud
na citação anterior.
03. Quando falo de epistemas, entendo todas as relações que existiram em certa época entre os vários campos da Ciência. Penso, por exemplo, no fato de que, a certo ponto, a Matemática foi utilizada para pesquisas no campo da Física; de que a Lingüística, ou melhor [...] , a Semiologia, a Ciência dos Sinais, foi utilizada pela Biologia (para as mensagens genéticas); de que a Teoria da Evolução pôde ser utilizada ou servir de modelo para os historiadores, os psicólogos e os sociólogos do século XIX. Todos estes são fenômenos de relações entre as Ciências ou entre os vários ”discursos” nos vários setores cientícos que constituem o que eu chamo “epistema”
de uma época. FOUCAULT. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. I. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VII. p. 87.
De acordo com a citação anterior, REDIJA um texto explicando o signicado das estruturas epistêmicas para Foucault. Editora Bernoulli
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Frente A Módulo 16
EXERCÍCIOS PROPOSTOS 01. Segundo Adorno e Horkheimer,
“a indústria cultural” pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em
princípio a transferência muitas vezes desejada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 126.
De acordo com a citação e com seus conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando o conceito de indústria cultural.
02. Se as duas esferas da música se movem na unidade da sua contradição recíproca, a linha de demarcação que as separa é variável. A produção musical avançada se independentizou do consumo. O resto da música séria é submetido à lei do consumo, pelo preço de seu conteúdo. Ouve-se tal música séria como se consome uma mercadoria adquirida no mercado. Carecem totalmente de signicado real as distinções entre a audição da música “clássica” ocial e da música ligeira.
ADORNO, T. W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1987. p. 84.
A partir da leitura do trecho e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto argumentando contra ou a favor da seguinte armação: “gosto não se discute, cada um tem o seu”.
03. [...] as pessoas consomem e aceitam o que a indústria cultural propõe, mas como uma espécie de reserva [...] os interesses reais do indivíduo conservam o poder suciente para resistir dentro de certos limites a seu total cativeiro.
ADORNO. T. “Progreso, tiempo libre e notas marginales sobre la teoria y praxis”. In: Consignas. Buenos Aires, Amorrortu, 1973. p. 63. REDIJA um texto explicando a ideia à qual Adorno se refere na citação anterior e RESPONDA : para esse lósofo, há alguma
esperança de mudança na forma de pensar dos homens?
04. Observe a tira e leia o texto a seguir.
QUINO. Toda Mafalda: da primeira à última tira. Tradução de Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 8.
Quando se concebeu a idéia de razão, o que se pretendia alcançar era mais que a simples regulação da relação entre meios e ns: pensava-se nela como o instrumento para compreender os ns, para determiná-los. Segundo a losoa do intelectual médio moderno, só existe uma autoridade, a saber, a ciência, concebida como classicação de fatos e cálculo de probabilidades.
HORKHEIMER, M. Eclipse da Razão. São Paulo: Labor, 1973. p.18 e 31-32. REDIJA um texto estabelecendo uma relação entre a charge e a citação de Horkheimer.
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A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo 05. Por isso, os discursos de fundamentação e de aplicação precisam abrir-se também para o uso pragmático e, especialmente, para o uso ético-político da razão prática. Tão logo uma fundamentação racional coletiva da vontade passa a visar programas jurídicos concretos, ela precisa ultrapassar as fronteiras dos discursos da justiça e incluir problemas do auto-entendimento e da compensação de interesses. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. 1. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 194.
Um das questões mais importantes da obra de Habermas diz respeito à validade do argumento, tratado por ele em sua Teoria da Ação Comunicativa. REDIJA um texto explicando o modelo proposto pelo lósofo para possibilitar a interação entre os homens por meio da linguagem.
06. [...] eu mostrarei que a mudança de paradigma para o da teoria da comunicação tornará possível um retorno à tarefa que foi interrompida com a crítica da razão instrumental. Esta mudança de paradigma nos permite retomar as tarefas, desde então negligenciadas, de uma teoria crítica da sociedade. HABERMAS, Jürgen. Théoriede l’agir communicationnel . Tome 1. Paris: Fayard, 1987. p. 390. EXPLIQUE a defesa que Habermas faz da razão, tendo
como base a crítica do lósofo às ideias de Horkheimer e de Adorno.
07. [O inconsciente] é a parte obscura, inacessível, de nossa personalidade; o pouco que dela sabemos, nós o aprendemos pelo estudo do trabalho onírico e pela formação dos sintomas neuróticos [...] Do id nós nos aproximamos com comparações: nós o chamamos de caos, um caldeirão de excitações ferventes [...] Impulsos de desejos que jamais transpuseram o id, mas também impressões que foram mergulhadas no id pela repressão, são virtualmente imortais, se comportam depois de decênios como se tivessem apenas acontecido. Somente quando se tornaram conscientes por meio do trabalho analítico eles podem ser reconhecidos como passado, ser desvalorizados e privados de sua carga energética, e sobre isso se funda, e não em mínima parte, o efeito terapêutico do tratamento analítico. Freud. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7 v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VII. p. 65.
Com base no trecho anterior e em seus conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando o papel do id para a vida humana.
08. Qual podia ser a razão por que os pacientes haviam esquecido tantos fatos de sua vida interior e exterior, mas podiam recordá-los, quando se lhe aplicava a técnica [da hipnose]? [...] Todas as coisas esquecidas,
por algum motivo, tinham caráter penoso para o sujeito, enquanto haviam sido consideradas temíveis, dolorosas e vergonhosas para as aspirações de sua personalidade. [...] FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume VII. p. 64.
Com base no pensamento freudiano, REDIJA um texto justicando o erro da expressão popular “o que passou, passou.”
SEÇÃO ENEM 01. (Enem–2010) A lei não nasce da natureza, junto das fontes freqüentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror: a lei na sce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo. FOUCAULT, M. Aula de 14 de janeiro de 1976. In: Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
O lósofo Michel Foucault (séc. XX) inova ao pensar a política e a lei em relação ao poder e à organização social. Com base na reexão de Foucault, a nalidade das leis na organização das sociedades modernas é A) combater ações violentas na guerra entre as nações. B) coagir e servir para refrear a agressividade humana. C) criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos de uma mesma nação. D) estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações bélicas entre países inimigos. E) organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados.
GABARITO Fixação 01. Adorno e Horkheimer, dois dos principais representantes da Escola de Frankfurt, elaboraram uma crítica à razão iluminista, que, se em sua origem, tendia à libertação do homem, acabou por levá-lo ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia utilizadas não como mecanismos emancipatórios, mas tão-somente como meio de dominação capitalista através da formação da sociedade de consumo. Por isso, esses lósofos armam, na citação da questão, que o saber que é poder não conhece nenhuma barreira, ou seja, não conhece nenhum limite. O problema consiste na razão controladora e instrumental, que busca sempre a dominação, tanto da natureza quanto do ser humano. Por meio dessa dominação, ocorre a deturpação das consciências individuais,
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assimilando os indivíduos ao sistema social dominante, tornando-os reféns de um modo de vida supercial e consumista que atende apenas aos interesses da economia burguesa. 02. Freud defende a tese de que os homens possuem, em sua própria natureza, um instinto ou pulsão que os leva a querer satisfazer seus prazeres sob quaisquer circunstâncias. Tal natureza é agressiva e, em muitos casos, incontrolável. Por mais que a humanidade estabeleça um conjunto de normas e leis a m de controlar essa natureza, a qual tende ao aniquilamento do outro em vista dos prazeres próprios, muitas vezes esses esforços são em vão, pois é necessária uma força quase que sobrenatural para coibir a manifestação dessa força impulsiva. Segundo Freud, é essa força que faz com que os relacionamentos humanos sejam tão conituosos e é ela que ameaça a existência da civilização humana. Tal força é representada, nos estágios psíquicos, pela energia sexual presente no id, que tende à realização e busca dos prazeres próprios em todas as situações. 03. As estruturas epistêmicas são os paradigmas que prevaleceram durante algum tempo na História da humanidade. Tais paradigmas se sucederam no tempo, mas não guardaram qualquer ligação de dependência um com o outro, de forma que essas estruturas sempre cedem lugar a outras. Foucault critica duramente o mito do progresso, segundo o qual a humanidade está em progresso e, por isso, os tempos históricos e as ideias vão melhorando progressivamente. Para o lósofo, não existe qualquer tipo de progresso histórico no desenvolvimento da civilização, ao contrário, a História é constituída de uma sucessão de epistemas que são descontínuas entre si e que fazem da História algo sem um sentido que lhe dê ordem.
Propostos 01. Indústria cultural foi um termo difundido por Adorno e Horkheimer para designar a indústria da diversão vulgar, veiculada por meios midiáticos como televisão, rádio, revistas, jornais, músicas, propagandas, etc. Através da indústria cultural e da diversão, seria possível obter a homogeneização dos comportamentos e a massicação das pessoas, que passariam a pensar e a consumir de acordo com os interesses das classes burguesas, que promoveriam uma alienação dos homens e de suas consciências.
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02. A resposta para essa questão é subjetiva. Espera-se que o aluno seja capaz de se posicionar argumentativamente contra ou a favor da ideia proposta. Em questões neste modelo, não existe resposta certa ou errada, mas espera-se que o aluno, posicionando-se de um lado ou de outro, argumente adequadamente sua questão. É muito útil, quando possível, valer-se de outros lósofos em sua argumentação. A crítica realizada na citação da questão diz respeito à indústria cultural que fez com que a arte séria e avançada se tornasse também refém da indústria do consumo. Nesse sentido, o que representaria a verdadeira música, a arte desinteressada, para que pudesse sobreviver, teve que ceder à lógica do mercado, tornando-se também dependente do consumo. A favor: Acredito, acompanhando o raciocínio
de Adorno, que a arte não deve ceder à lógica do mercado. Infelizmente, a massa é controlada pelos modismos e, muitas vezes, é desprovida de senso crítico para distinguir o que é verdadeira arte do que é lixo comercial. Dessa forma, não se pode falar de gosto popular, uma vez que quem determina tal gosto é a própria indústria cultural, que o controla de acordo com interesses econômicos. Os pensadores da Escola de Frankfurt se referiam a esse modismo como manifestação somente da alienação do homem, sendo que a massa não sabe nem sequer do que gosta ou do que não gosta, já que suas preferências são determinadas por aqueles que detêm o poder. Contra: Discordo de Adorno, uma vez que o
lósofo demonstra um preconceito próprio dos intelectuais, que acreditam poder determinar o que é certo ou errado, mesmo no campo da arte. Se a massa gosta e se aproxima de músicas e de manifestações artísticas não eruditas, é porque se identica com tais manifestações. Sendo a arte a manifestação dos sentimentos mais profundos e espontâneos dos homens, não há de se falar em arte boa ou arte ruim. Cada indivíduo se aproxima e consome aquela arte com a qual se identica e que representa seu estado de espírito e situação social. Não há de se permitir que a arte seja também burocratizada. 03. Na citação da questão, Adorno faz referência à cultura de massa, produto da indústria cultural que submete o gosto do homem à lógica do mercado presente nos meios de comunicação.
A Escola de Frankfurt e o Pós-Modernismo
Para o lósofo, essa cultura de massa não está preocupada com o ideal de libertação do homem ou com sua melhoria por meio das manifestações culturais, pelo contrário, a cultura de massa leva a uma alienação cada vez maior do homem, que consome um tipo de cultura construída na ideologia e que escraviza o espírito ao capitalismo e àquilo que o mercado quer vender. Apesar dessa situação, Adorno acredita que é possível haver uma libertação da humanidade que, vendo-se aprisionada, pode vir a se libertar de tal cativeiro, buscando alternativas para se ver fora da cultura de massa e da ideologia que a permeia. 04. A Ciência, conforme demonstrado na charge, é utilizada como meio de crescimento econômico. Sua utilidade, nesse sentido, seria produzir objetos e conhecimentos que tenham como objetivo último o retorno nanceiro daqueles que dela se aproveitam e a desenvolvem. Segundo Horkheimer, a razão, em sua origem, não deveria se guiar por tais princípios, devendo ser utilizada como meio de desenvolvimento do próprio homem e de construção de uma vida melhor. A Ciência que visa somente ao lucro é criticada pelo lósofo, uma vez que ela atende não ao bem social, mas tão-somente aos interesses de grupos econômicos que a nanciam e dela esperam retorno. 05. Habermas propõe um modelo ideal de ação comunicativa em que as pessoas possam interagir por meio da utilização da linguagem, podendo, como consequência, organizar-se socialmente, buscando o consenso de uma forma livre de toda coação externa e interna. O processo de comunicação que visa ao entendimento mútuo está na base de toda a interação, pois somente uma argumentação em forma de discurso permite o acordo de indivíduos quanto à validade das proposições ou à legitimidade das normas. Por outro lado, o discurso pressupõe a interação, isto é, a participação de atores que se comunicam livremente e em situação de simetria, permitindo que as igualdades nos instrumentos do discurso se reitam na igualdade entre os homens e na legitimidade das conclusões. 06. Habermas, em sua losoa, buscou superar o pessimismo dos fundadores da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer, que viam na razão instrumental uma perversão do ideal de
razão iluminista. Para eles, essa razão, em vez de buscar a emancipação do homem, passou a ter como objetivo tão-somente dominar a natureza com ns práticos e de acordo com os interesses econômicos. Com a nalidade de recuperar o potencial emancipatório da razão, Habermas adotou o paradigma comunicacional, acreditando que este poderia superar as aspirações ideológicas da razão instrumental e levar o homem novamente à libertação da ignorância e das ideologias. Desse modo, Habermas busca compreender a razão comunicativa como a maneira de restabelecer a comunicação livre, racional e crítica entre os homens e as sociedades, buscando elaborar novas premissas e valores morais que servissem a todos e que fossem legítimos pela participação de todos no exercício do diálogo. 07. O id, segundo a losoa freudiana, é o reservatório primitivo da energia psíquica. Seu conteúdo é inconsciente, sendo algumas de suas ideias inatas e outras recalcadas pelo superego. É no id que se encontra a busca incessante pelo prazer em todas as circunstâncias da vida humana, ou seja, é nele que está a energia vital que faz o homem encontrar, ou pelo menos buscar, o prazer em suas atividades, como também rejeitar a dor potencial nos acontecimentos de sua vida. Segundo Freud, o id faz parte daquilo mais natural que o homem tem e busca, nele se encontrando o desejo sexual, através do qual todas as coisas deveriam possuir sentido para o homem individual. 08. De acordo com Freud, as experiências humanas, principalmente as mais dolorosas, temíveis e vergonhosas, são depositadas no inconsciente, que é constituído, também, por tudo aquilo que fez com que o homem, em alguma situação, tivesse experiências traumáticas ou dolorosas. No inconsciente, tais experiências e ideias são guardadas, mas não esquecidas. De alguma forma, elas se manifestam ao longo da vida do sujeito, seja através de atitudes, falas, comportamentos sociais ou doenças psíquicas. Por isso, o que se pensa que passou, na realidade, não passou. Portanto, de acordo com a posição freudiana, o dito popular corresponde tão-somente ao senso comum e não pode ser aplicado à vida psíquica humana.
Seção Enem 01. E.
Editora Bernoulli
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A I F O S O L I F