Stella Maris Bortoni-Ricar Bortoni-Ricardo do Stella Maris Bortoni-Ricar Bor toni-Ricardo do
educação educaçãoem em língua línguamaterna materna A SOCIOLINGUÍSTICA NA AULA A SOCIOLINGUÍSTICA NASALA SALADE DE AULA
CAPA E PROJETO GRÁFICO : IMAGEM DA CAPA:
Andréia Custódio Copyright © 2003 Maurício de Sousa Produções Ltda. Todos os direitos reservados.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B748E Bortoni-Ricardo, Stella Maris Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula - Stella Maris Bortoni-Ricardo. - São Paulo: Parábola Editorial, 2004 [Linguagem; 4] Inclui bibliografia ISBN 978-85-88456-17-4 1. Língua portuguesa (Ensino fundamental) - Estudo e ensino 2. Sociolinguística. I. Título 04�0361
CDD 469.07 CDU 811.134.3�27
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ISBN: 978-85-7934-051-2 1a edição, 7a reimpressão | julho de 2014 © do texto: Stella Maris Bortoni-Ricado © da edição: Parábola Editorial, São Paulo, março de 2004
SUMÁRIO
Por uma sociolinguística militante Marcos Bagno .............................................................................. A história deste livro ............................................................................
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Capítulo 1: A SOCIEDADE BRASILEIRA: características sociolinguísticas .............................................................................
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Capítulo 2: DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E PLURALIDADE CULTURAL NO BRASIL .............................................................
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Capítulo 3: A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA...
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Capítulo 4: A COMUNIDADE DE FALA BRASILEIRA .................. Grupos etários ............................................................................... Gênero ............................................................................................ Status socioeconômico .................................................................. Grau de escolarização.................................................................... Mercado de trabalho ..................................................................... Rede social .....................................................................................
45 47 47 48 48 48 48
Capítulo 5: O PORTUGUÊS BRASILEIRO ........................................ 5.1 O contínuo de urbanização .................................................... 5.2 O contínuo de oralidade-letramento ..................................... 5.3 O contínuo de monitoração estilística .................................. 5.4 Exame do português brasileiro ..............................................
51 51 61 62 63
Capítulo 6: COMPETÊNCIA COMUNICATIVA ...............................
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Capítulo 7: A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ........................................................ 79 VAMOS EM FRENTE! ......................................................................... 105 SUGESTÕES DE LEITURA ................................................................. 107 ÍNDICE REMISSIVO ............................................................................ 109
À memória de Maria Aparecida Bortoni — a Cida — que me ensinou a gostar de ensinar.
POR UMA SOCIOLINGUÍSTICA MILITANTE Marcos Bagno (UnB)
Há mais de três décadas, os linguistas brasileiros vêm se empenhando
em pesquisas e em elaborações teóricas com o objetivo de compor um retrato o mais fiel possível da nossa realidade linguística, com especial interesse na descrição do português brasileiro, língua materna da quase totalidade dos habitantes deste país. Os resultados desse grande esforço científico se acumulam nos centros de pesquisa, na forma de volumosos acervos de língua falada e escrita que já deram origem a centenas de dissertações, teses, monografias e artigos, publicados em periódicos especializados. Só bem recentemente é que se iniciou um movimento, ainda tímido, de divulgação desses resultados para um público maior e, sobretudo, um movimento de transformação desses resultados em instrumental pedagógico capaz de interferir nas práticas de educação linguística, isto é, nas formas de ensinar a língua portuguesa nas escolas. Uma das pioneiras desse movimento é a sociolinguista Stella Maris Bortoni-Ricardo, que vem se dedicando intensamente a fortalecer o campo de ação chamado sociolinguística educacional , uma área teórico-prática que ela mesma inaugurou entre nós. Ao contrário de muitos outros linguistas, empenhados na documentação-descrição da língua falada pelos brasileiros das classes privilegiadas, nascidos e criados em zona urbana e inseridos na cultura letrada, Bortoni-Ricardo foi investigar, não só a língua, mas também as redes sociais e a cultura específica dos migrantes de origem rural, forçados a se instalar nas periferias das grandes cidades e a enfrentar a sociedade letrada munidos de suas práticas essencialmente orais. Sem dúvida, esta opção se deve à sensibilidade social da autora, tocada pela incontornável evidência estatística de que esses brasileiros falantes das variedades linguísticas estigmatizadas constituem a imensa maioria da nossa população, secularmente negligenciada pelas ações políticas dos sucessivos regimes políticos, especialmente no que diz respeito à educação formal — negligência
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estampada nas cifras de milhões de analfabetos plenos e funcionais que até hoje, em pleno século XXI, figuram ao lado de nossos outros indicadores sociais igualmente melancólicos. Como possibilitar a esses brasileiros o acesso à cultura letrada e, com isso, a chance de lutar pela cidadania com os mesmos instrumentos disponíveis para os falantes já pertencentes às camadas sociais privilegiadas? Como fazer para que a escola — fonte primordial do letramento na nossa sociedade — deixe de ser uma agência reprodutora das agudas desigualdades sociais e dos perversos preconceitos que elas suscitam? Como levar os professores, sobretudo do ensino fundamental e, mais ainda, das séries iniciais, a deixar de acreditar em algo que não existe (o “erro de português”) para, no lugar dessa superstição infundada, passar a observar os fenômenos de variação e mudança linguística de modo mais consistente e cientificamente embasado? Este livro pretende ser uma contribuição efetiva para responder a todas essas perguntas. Stella Maris Bortoni-Ricardo oferece a seus leitores preferenciais — os professores em atividade ou em formação — os instrumentos de análise adequados para lidar, em sala de aula, com as regras características das variedades linguísticas estigmatizadas. Por que muitos de nossos alunos, no início da escolarização, pronunciam “pranta” e não planta? “Trabaiá” e não trabalhar? Por que escrevem “ropa”, “chero” e “bandeija” e não roupa, cheiro, bandeja ? Por que falam e escrevem “as menina bonita” e “os home falava” e não as meninas bonitas e os homens falavam? Antes de mais nada, a autora tenta conscientizar seu leitor de que, em todos esses casos, estamos diante de diferenças e não de “erros”. A noção de “erro” nada tem de linguística — é um (pseudo)conceito estritamente sociocultural, decorrente dos critérios de avaliação (isto é, dos preconceitos) que os cidadãos pertencentes à minoria privilegiada lançam sobre todas as outras classes sociais. Do ponto de vista estritamente linguístico, o erro não existe, o que existe são formas diferentes de usar os recursos potencialmente presentes na própria língua: se milhões de brasileiros dizem trabaio — e não “trabaco”, “trabavo”, “trabazo” etc. — é porque a transformação de “lh” em “i” é uma virtualidade prevista na própria arquitetura fonológica da língua portuguesa. Só se poderia falar em “erro” se cada cidadão errasse, individualmente e de modo particular, no momento de produzir aquele fonema. Como chamar de erro um fenômeno que se verifica de norte
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a sul do país? Como milhões de falantes conseguiram “combinar” para “errar” todos da mesma maneira nos mesmos contextos fonológicos e morfossintáticos? Nas palavras da autora, é preciso enfatizar as tendências imanentes da língua para levar as pessoas em geral, e os professores em particular, a assumir a convicção de que os chamados “erros” que nossos alunos cometem têm explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Portanto, podem ser previstos e trabalhados com uma abordagem sistêmica.
Estas são palavras que, na minha opinião, deviam estar estampadas em letras bem grandes nas paredes de todas as escolas do país. Deviam ser recitadas mentalmente, ao menos uma vez por dia, por todos os professores (e não só os de português!) e por todos os envolvidos nos processos educacionais — pedagogos, psicólogos educacionais, diretores de escola, fonoaudiólogos, orientadores educacionais etc. — como uma espécie de credo íntimo... Para firmar essa convicção, Bortoni-Ricardo procede, ao longo de todo o livro, à análise das principais características das variedades linguísticas faladas pelos brasileiros de origem rural e urbana, mostrando como cada uma dessas características constitui, de fato, uma regra gramatical perfeitamente explicável pelo instrumental da linguística moderna. Se essa regra é tida como “errada”, é simplesmente porque ela é diferente da regra única, categórica (e, muitas vezes, anacrônica), imposta pela tradição gramatical normativa, que se baseia exclusivamente nos usos linguísticos de uma elite de falantes mais letrados. No entanto, como bem sabemos, nas disputas do mercado linguístico, diferença é deficiência. Por isso cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras linguísticas que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertório linguístico, de modo a permitir a eles o acesso pleno à maior gama possível de recursos para que possam adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e diversificada — sem que nada disso implique a desvalorização de sua própria variedade linguística, adquirida nas relações sociais dentro de sua comunidade. No plano teórico, a contribuição decerto mais significativa do trabalho de Bortoni-Ricardo é a proposta de um instrumental de análise das variedades linguísticas brasileiras composto por três contínuos: o contínuo rural-urbano, o contínuo de oralidade-letramento e o contínuo
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de monitoração estilística. Com ele, a autora procura, e consegue!, eliminar as deficiências dos modelos teóricos convencionais que se fixavam apenas em um ou outro desses contínuos ou, pior, analisavam dicotomicamente (e de forma maniqueísta) os fenômenos linguísticos pelo viés do preconceito social embutido na ideologia normativo-prescritiva. A aplicação desse novo modelo em sala de aula representa, sem dúvida, uma promessa de renovação das práticas pedagógicas de educação em língua materna. Faço absoluta questão de encerrar esta apresentação com um depoimento pessoal. Desde que, em meados dos anos 1980, tive a sorte de estudar com Stella Maris Bortoni-Ricardo na Universidade de Brasília, minha vida pessoal e profissional nunca mais foi a mesma. Aquele primeiro encontro com a sociolinguística — tal como conduzido por Stella Maris — me revelou que eu, felizmente, não precisava inventar uma disciplina que reunisse meus dois grandes campos de interesse: o estudo da língua e o estudo da sociedade. Venho me empenhando, desde então, e sempre inspirado no exemplo de Stella, em levar adiante este compromisso — que ela mesma em certa ocasião chamou de “fé quase bíblica” e que eu prefiro chamar de militância —, o compromisso político de converter a sociolinguística num instrumento de luta contra toda forma de discriminação e de exclusão social pela linguagem. Porque não basta descrever e analisar as relações entre língua e sociedade — é preciso, também, transformá-las. E este livro, sem dúvida, é um caminho nessa direção.
Como possibilitar aos alunos das classes sociais desfavorecidas o acesso à cultura letrada e, com isso, a chance de lutar pela cidadania com os mesmos instrumentos disponíveis para os falantes já pertencentes às camadas sociais privilegiadas? fazer para que a escola deixe de ser a reprodutora das desigualAComo HISTÓRIA DESTE LIVRO dades sociais e dos perversos preconceitos que elas suscitam?
Como levar os professores, sobretudo do ensino fundamental e, mais ainda, das séries iniciais, a deixar de acreditar em algo que não existe (o “erro de português”) para, no lugar dessa superstição infundada, passar a contemplar os fenômenos de variação e mudança linguística de modo mais consistente screvi este texto,e cientificamente que agora sai embasado? publicado pela Parábola Editorial, em A2000, como Stella material didático para o cursoum Pedagogia paramais Início educadora Maris Bortoni-Ricardo, dos nomes de importantes Escolarização – PIE, à época, soboferece minharespostas coordenação. Trata-se de da linguística no Brasil, a essas perguntas umneste cursolivro de dedicado formaçãoaos continuada professores da Secretaprofessoresdestinado do ensinoa fundamental e demais que nãodo têmDistrito uma formação específica nas ciências da linguagem, ria leitores de Educação Federal, portadores de qualificação como mas se interessam pela questão premente educaçãodalinguística. Aquide normalistas, e oferecido na Faculdade de da Educação Universidade eles encontram fundamentos teóricos ee aslíngua aplicações práticas, na o Brasília. O texto, os denominado “Educação materna 1”, era forma de bem elaboradas, para transformar a educação emno primeiro deatividades um conjunto de quatro fascículos de língua materna língua materna currículo do curso.num compromisso com a formação plena do cidadão e contra toda forma de exclusão social pela linguagem. Por ser o PIE um curso semipresencial, mediado com tecnologia educacional, o fascículo que elaborei foi escrito com linguagem coloquial, usando pouca ancoragem teórica e muitos recursos que pudessem promover um bom envolvimento dos leitores. Daí as repetições, as ênfases, os exemplos que recorrem à experiência cotidiana dos alunos-leitores. Em mais de vinte anos de trabalho como sociolinguista, tive oportunidade de escrever muitos textos, mas poucos me gratificaram tanto quanto este livrinho. Minha preocupação ao escrevê-lo não era o que incluir, mas o que não incluir para não deixá-lo excessivamente carregado de informações que fossem dispensáveis para a reflexão e o trabalho pedagógico dos professores em formação ou que dependessem de conhecimento sociolinguístico prévio. Assim, fui fazendo uma seleção de conteúdo, principalmente nas searas da sociolinguística variacionista, da sociolinguística interacional e da etnografia da comunicação. Na elaboração do trabalho original, contei com a ajuda de alunos de pós-graduação e de colegas, entre os quais quero mencionar Rosineide Magalhães, Maria Lúcia Resende Silva e Suleiman Gomes Kalil. A versão atual se beneficiou também da revisão de Marcos Bagno.
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