Coleção PSICOLOGIA TRANSPESSOAL 5/11
Orientação editorial DR. PIERRE WEIL
Da mesma coleção: 1. Pierre Weil: A Consciência Cósmica. 2. Swami Krishnananda: Meditação Oriental. 3. Maria Helena Andrés: Caminhos da Arte. 4. Pierre Weil: Fronteiras da Regressão. Em prepa ro: Leonard G. B.: Educação e Êxtase.
CIP-BrosiL Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
P479
Pequeno tratado de psicologia transpessoal / Pierre Weil ... | et al. |. — Petrópolis: Vozes, 1978. (Coleção Psicologia transpessoal; n. 5/1 a V). Conteúdo: Vol. 1: Cartografia da consciência humana. Vol. 2: Mística e ciência. Vol. 3: Psico fisiologia da consciência cósmica. Vol. 4: Expe riência cósmica e psicose. Vol. 5: Medida da cons ciência cósmica. Bibliografia. 1. Psicologia transpessoal I. Weil, Pierre II. Série. CDD — 154 78-0153 CDU — 159.96
MÍSTICA E CIÊNCIA Pequeno Tratado de Psicologia Transpessoal, vol. II
PIERRE WEIL ANTHONY SUTICH CHARLES A. TART DANIEL GOLEMAN LAWRENCE LESHAN
VOZESJ Petrópolis
1978
Os Direitos desta edição revertem em benefício da SÍNTESE (Sociedade de Integração Transpessoal, Estrutural, Social e Energética de Minas Gerais, Av. Álvares Cabral, 441, Belo Horizonte), organização de fim não lucrativo. Foram cedidos por Dr. Jim Fadiman, em nome da Revista Transpersonal Psy chology, dos EUA.
Direitos de publicação reservados à Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25.600 Petrópolis, RJ
Diagramação Valdecir MeIIo
SUMÁRIO
Pierre Weil l. QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL, 7 Anthony Sutich II. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL, 21 Charles A. Tart III. ESTADOS DE CONSCIÊNCIA, 37 Daniel Goleman IV. PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA, NA REALIDADE E NO ESTUDO DA CONSCIÊNCIA, 81 Lawrence LeShan V. FÍSICOS E MÍSTICOS: SEMELHANÇAS NA VISÃO DO MUNDO, 101
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I QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
PIERRE WEIL Universidade Federal de Minas Gerais
Mostramos aqui qual a contribuição que os diferentes ramos da psicologia podem oferecer à psicologia transpes soal. Para cada um deles, indicaremos os trabalhos que podem ser realizados, as investigações possíveis, e alguma bibliografia para quem estiver interessado em aprofundar o assunto. São mais perguntas que vamos fazer, perguntas que na sua maioria carecem de investigação. 1. Psicometria O uso de testes, questionários, inventários de toda ordem já tem um precedente no domínio da consciência cósmica; os trabalhos de Rhine e Soai têm sido pioneiros neste domí nio, mas se restringem aos poderes parapsicológicos. Eis os problemas que a psicometria pode investigar no que se refe re à consciência cósmica. • Existe um fator geral de consciência cósmica ou fatores isolados ou ambos, isto é, um problema de análise fatorial da experiência cósmica ou de análise de conteúdo. • Quais as variáveis que levam à experiência cós mica? Qual, por exemplo, a influência da idade, do sexo, da prática da meditação, do uso de in censo, de mantras, de restrições alimentares, de exercícios respiratórios, de restrições de atividade sexual, da fé, do nível cultural, do conhecimento prévio da existência da CC?
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• São as experiências cósmicas comuns numa popu lação de pessoas normais? Qual a sua incidência? • A mesma pergunta pode ser feita para uma po pulação de doentes mentais. • Qual a correlação entre experiência transcenden tal propriamente dita e poderes parapsicológicos? Praticamente esta pergunta poderia ser transfor mada, de modo operacional, na seguinte: Qual a correlação entre os testes PSI e PK e respos tas positivas em questionários sobre experiência transcendental? Ou ainda: Quais as correlações entre respostas positivas a perguntas sobre ex periência transcendental e sobre poderes parapsicológicos num questionário? • Existe uma dispersão gaussiana da capacidade de entrar na consciência cósmica? Ou por outra: É ela uma aptidão que obedece à lei de distri buição normal de Gauss e Dalton, ao mesmo título que a inteligência, a memória, etc.? • Quais as correlações entre a consciência cósmica de um lado e as variáveis da personalidade e do comportamento de outro lado? Existem tipos de pessoas mais propensas ao emergir da consciên cia cósmica?
2. A Psicofisiologia A análise instrumental das interações da atividade fisio lógica e psicológica ou comportamental tem se revelado ultimamente rica em ensinamentos no que se refere à cons ciência. Eis alguns problemas em estudo e que poderiam ser estudados, ou aprofundados. • Estudo fisiológico da experiência meditativa. Qual a influência da meditação e das diferentes espé cies e variedades de meditação, sobre o ritmo
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cardíaco, respiratório, circulatório, metabolismo, eletromiográfico, eletrocutâneo e eletroencefalo gráfico? • Neste último caso, quais as relações entre os ritmos Alfa, Beta, Delta e Teta e diferentes esta dos de consciência cósmica? Quais os que são específicos desta experiência? 3. Farmacopsicologia O estudo da influência de certos produtos químicos ou de certas drogas sobre o comportamento e os estados de consciência também tem se revelado em ensinamentos. É talvez o ramo mais promissor no que se refere à psicologia transpessoal. • Fazer estudo comparativo dos estados de cons ciência produzidos pelas diferentes drogas exis tentes, por exemplo, entre marijuana, LSD e álcool. • Estabelecer mapas da consciência e dos diferen tes estágios positivos e negativos existentes. • Catalogar os fenômenos produzidos. • No caso de fenômenos parapsicológicos, contro lar a sua veracidade. • Analisar e descrever as fases regressivas, os ní veis e limites da regressão. • Conhecer as correlações entre dosagem e fenô menos obtidos. • Determinar o grau e espécie de periculosidade de cada produto, visando analisar o fundamento das proibições legais existentes. • Determinar os efeitos terapêuticos das experiên cias psicodélicas e sua natureza. • Estudo comparativo dos estados de consciência produzidos por drogas e os obtidos por outros meios; saber se se trata de fenômenos idênticos
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ou diferentes. Mais especialmente, comparar as descrições de experiências psicodélicas com expe riências místicas. 4. Psicologia Comportamental e ReflexoIogia As escolas de Pavlov e Skinner têm também a sua pala vra a dizer no que se refere à consciência cósmica; as primeiras experiências se revelam bastante promissoras no que se refere ao equacionamento de vários problemas. Va mos citar os principais. • Se grandes iogues em estado contemplativo con seguem controlar funções que não são submeti das normalmente ao controle voluntário, tais como a circulação ou as ondas eletroencefalográficas, e que deve existir possibilidade de controlar estas funções por meio de reforço. Estudos recentes de biofeedback estão demonstrando esta possibilida de. Daí surgiram as seguintes perguntas: • Será possível, a partir do biofeedback eletroence falográfico, e do reforço de certos comportamen tos, provocar em laboratório estados de consciên cia cósmica? • Que tipos de comportamentos precisam ser mo delados para tais fins? • Que cadeias complexas de comportamentos levam à experiência cósmica? 5. Psicopatologia O estudo dos estados ditos «anormais» em psicologia tem muito que dizer no que se refere à consciência cósmica. Como já vimos, até recentemente, muitos psicólogos e psi quiatras consideravam a experiência mística como um fenô meno ilusório patológico, como uma alucinação. Eis as prin cipais questões levantadas a este respeito:
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• Quais as diferenças e semelhanças entre aluci nação e experiência cósmica? Como estabelecer um diagnóstico diferencial? • Qual a incidência dos fenômenos místicos nas diferentes categorias das chamadas doenças men tais? • Por que certas doenças mentais acusam maior número de místicos do que outras? • Quais as diferenças entre regressão patológica e regressão para consciência cósmica, caso for acei ta a tese regressiva levantada pela psicanálise (ver mais adiante)? • Quais os riscos de descompensação no caminho da experiência cósmica e por que estes riscos? • Certas alucinações são reais? • Existiriam pessoas internadas erroneamente por confusão entre experiência cósmica e alucinação? 6. Psicanálise Quando Freud criou a psicanálise foi muito mais como investigador do que como terapeuta. Até hoje, além de tera pia, a psicanálise continua sendo uma metodologia de inves tigação dos processos evolutivos do homem a partir do seu «inconsciente». A psicanálise como tal tem a sua palavra a dizer na investigação da consciência cósmica que Freud chamou de «experiência oceânica». Várias são as perguntas que podemos fazer e que estão sendo estudadas pela psi canálise. • É a consciência cósmica o ponto terminal de uma regressão a serviço do ego? • É ela o resultado de uma regressão à unidade pri mordial com a mãe? • Onde se situa esta fusão primordial? No nível oral ou no nível intra-uterino? Ou antes? • Não existiriam estados regressivos fusionais em nível pré-uterino? Neste caso a consciência cós
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mica seria uma regressão à unidade primordial da fonte da energia. Isto implicaria numa conti nuidade da vida até este nível, passando pela vida animal, vegetal, mineral e atômica; isto impli caria também numa memória ancestral e filogenética. Qual a função dos arquétipos de Jung na entrada na consciência cósmica? Quais as relações entre o conceito de inconsciente coletivo e a consciência cósmica? Quais os efeitos evolutivos e terapêuticos da ex periência cósmica? Qual a influência da contratransferência na ati vação ou inibição da consciência cósmica? Quais os recursos técnicos para se chegar à consciência cósmica?
7. Psicologia e terapia existencial A terapia e psicologia existencial têm focalizado já há muito tempo a importância da dimensão fenomenológica do «aqui e agora» para emergência do «encontro existencial» e das suas relações com os valores superiores da humanidade, tais como a beleza, a verdade e o amor. Para autores como Laing e Maslow, a consciência cósmica constitui o meio e objetivo final da terapia. Neste terreno também há proble mas a levantar e a solucionar. • Existe uma necessidade pulsional de se chegar à consciência cósmica? • Os valores ligados a ela são «instintóides»? • Como chegar à consciência cósmica sem os riscos de descompensação? • Por que a experiência cósmica tem o valor tera pêutico que se lhe tem atribuído? • Como conseguir que todos os esquizofrênicos ter minem a sua «viagem regressiva e retornem à vida dita «normal».
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• Quais as relações entre a realidade da experiên cia cósmica e a realidade da vida quotidiana? 8. Psicologia evolutiva É próprio da psicologia evolutiva determinar estágios, fases na evolução de variáveis da personalidade, tais como a inteligência ou o caráter: a sua experiência metodológica neste terreno pode ser colocada à disposição da psicologia transpessoal. Eis alguns problemas que ela poderia abordar: • Quais as fases que se encontram no desenvolvi mento da consciência cósmica? Este problema po deria ser abordado simultaneamente por vários métodos. Poder-se-ia entrevistar pessoas que pas saram por esta experiência. Pode-se também des crever o seu comportamento social e pedir uma descrição das suas experiências íntimas. Pode se analisar também e confrontar biografias e auto biografias. Pode-se ainda confrontar o que já é conhecido atualmente sob o nome de «mapas da consciência». Há aí problemas a enfrentar, tais como o da comparação entre as fases descritas pelos santos do cristianismo e os místicos do judaísmo, do budismo, do sufismo e ainda dos que se submeteram às experiências de LSD. A conjugação de vários métodos está se revelando bastante interessante. • Um outro problema difícil de tratar é o da apa rente ou real incongruência entre os que afirmam ao mesmo tempo ser a experiência cósmica uma regressão e uma evolução. Como pode uma re gressão ser uma evolução? A psicanálise parece nos oferecer uma sugestão útil; não há evolução possível sem uma regressão prévia que permita «exorcizar os demônios»; são regressões ao ser viço do ego.
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• Também será interessante confrontar os modelos evolutivos da psicologia ocidental com os modelos orientais de evolução da consciência? 9. Psicossociologia A influência da sociedade e da cultura, assim como dife rentes aspectos das relações interpessoais e entre pessoas e os seus grupos, são aspectos importantes a levar em con sideração no estudo da consciência cósmica. A metodologia própria à psicologia social pode ajudar a responder às se guintes perguntas: • Por que certas visões diferem nos místicos de di ferentes culturas? • E correlativamente, por que há certas visões arquetípicas idênticas em todas as culturas? • Qual a influência dos estereótipos e preconceitos na percepção da realidade na experiência quoti diana e na experiência cósmica? • Qual a relação entre estereótipos e os paradigmas em que se fundamenta a ciência ocidental? • Estudar a definição da superstição em relação à percepção da realidade quotidiana e da realidade na experiência cósmica. • Qual a influência da sugestão nas relações entre mestres e gurus de um lado e discípulos de outro lado? • Influência e eficiência de atitudes diretivas, não diretivas, centradas no guru ou centradas no dis cípulo, no desenvolvimento da consciência cós mica. • Fatores sociais no inconsciente coletivo de Jung. 10. Hipnologia A reabilitação recente da hipnose e o desaparecimento quase total dos preconceitos que se tinham difundido nos
meios científicos permitem a esta ciência trazer uma impor tante contribuição à psicologia transpessoal. Inúmeros são os problemas abordados ou ainda por abordar. Vamos citar os que nos ocorrem no momento: • É a experiência cósmica uma hetero ou auto-hipnose? Quais as relações entre estados hipnóticos e a consciência cósmica? • É a consciência cósmica um estado de transe profundo? Caso positivo, como conseguir este es tado permanecendo em estado de consciência de vigília ou pelo menos se lembrando disto? • Se a consciência cósmica for um estado regres sivo pré-uterino, como usar os métodos hipnóti cos de regressão para chegar a estes limites da cosmogênese e da fonte única da energia? 11. Abordagem experiencial por psicólogos Um método específico da psicologia transpessoal, inspi rado na psicanálise, é o de conseguir que psicólogos expe rimentem estados de consciência cósmica. Como é bastante sabido, só conseguimos compreender bem o que é a psica nálise e o que se passa dentro de uma pessoa que se sub mete ao processo analítico, submetendo-se a ele. Tart suge re o mesmo no que se refere à psicologia transpessoal. O psicólogo transpessoal precisa, em primeiro lugar, passar por experiências cósmicas, para depois as submeter a uma abor dagem científica mais tradicional. É o que podemos chamar de método «experiencial». Tart assinala o maior obstáculo deste processo: é o caráter noético da experiência. Com efeito, o conteúdo da experiência é tão evidente, que muitos são os que se perguntam, depois, para que gastar tantos esforços para demonstrar o óbvio. É o que aconteceu com Timothy Leary, por exemplo, que abandonou progressiva mente todo trabalho experimental para se dedicar a uma apologética lírica da experiência psicodélica. O mesmo se deu com José Silva com a sua psico-orientologia: após vá
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rios anos consagrados a demonstrar com pesquisas cienti ficas a possibilidade de desenvolver poderes parapsicológicos, e diante da dificuldade de transmitir as suas conclusões por meio de artigos, resolveu disseminar diretamente o seu método de Mind Control, deixando a cada psicólogo ou psi quiatra tirar as suas próprias conclusões experienciais. É o ponto de vista adotado também por todas as escolas eso téricas e ocultas. Estamos de acordo com Tart quando afirma que não devemos, do ponto de vista metodológico, nos deixar levar apenas pela certeza ontológica em nível experiencial. Há uma necessidade de demonstrar, a posteriori, o acerto e a realidade destas experiências, mostrando o seu caráter uni versal. Por processos psicométricos de análise de conteúdo e talvez outros métodos ainda, deve ser possível confrontar as experiências ditas «subjetivas» entre si, da mesma ma neira que se conseguiu confrontar entre si descrições de manchas de tinta (Teste de Rorschach). O maior problema ainda será de semântica: dar nomes a fenômenos desco nhecidos do homem comum; o Oriente tem uma grande con tribuição a nos dar neste sentido. 12. Tanatologia Estudando os fenômenos psicológicos que cercam a mor te, tem-se revelado possível localizar certos fenômenos se melhantes aos descritos pelos que entraram na dimensão da consciência cósmica. Vamos enumerar alguns problemas que estão sendo ou podem ser abordados pela tanatologia. • Quais as semelhanças e quais as diferenças entre as descrições de experiências interiores de pes soas que estiveram em estado de morte aparente, ou que foram reanimadas depois de mortas, e as descrições de consciência cósmica? • Quais os efeitos da consciência cósmica sobre ati tudes diante da morte?
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• Qual a influência da cultura, idade, formação místico-religiosa, sobre o aparecimento de expe riências interiores de pessoas em estado de morte aparente? • Estudo da correlação entre os fenômenos parapsicológicos e as experiências interiores que pre cedem à morte. • Investigação dos fenômenos interiores que prece dem à morte. 13. Onirologia Desde os tempos da Bíblia até as análises de Freud e de Jung na época contemporânea, a análise dos sonhos tem despertado o interesse dos homens. No que se refere à psicologia transpessoal, também há certos problemas que estão sendo investigados ou merecem sê-lo. • Qual a semelhança e a diferença entre um sonho e uma visão real em estado de sono? • Pode o nível de sonho ser controlado pelo homem como fase para alcançar a consciência cósmica? • Qual a semelhança e quais as diferenças dos símbolos oníricos e dos símbolos em consciência cósmica?
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II ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
ANTHONY J. SUTICH Paio Alto, Califórnia
Num artigo anteriormente publicado, o autor anunciava o aparecimento de uma nova força na psicologia. Esta seria uma expansão daquela «Terceira Força» que se desenvolvia rapidamente — a psicologia humanística. Reconheciam-se alguns pontos de contato dessas duas tendências, apresen tando-se também uma definição representativa daquela nova força: a psicologia transpessoal. Além disso, declarava-se que «Uma exposição mais ampla do aparecimento da «Quar ta Força» na psicologia seria incluída no primeiro número do Journal of Transpersonal Psychology». Tal declaração constitui o assunto principal deste artigo. Antes de mais nada, peço desculpas ao leitor pelo modo de apresentação. A seqüência dos fatos no surgimento da psicologia transpessoal, e sua relação com o autor, é de tal ordem que se torna inevitável um certo número de referên cias pessoais. Background humanistico. Parece ao autor que a melhor ma neira de levar aos leitores do Journal of Transpersonal Psy chology um conhecimento breve e substancial do background relativo ao surgimento da psicologia transpessoal é começar por um esboço da sua opinião a respeito das definições e declarações de objetivos em relação ao aparecimento histó rico de novas forças na psicologia. As definições e decla rações de objetivos são entendidas como formulações sujeitas a modificações, na medida em que elas forem exigidas pelo desenvolvimento das condições objetivas de vida, de suas
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relações, das forças que elas possam representar. As formu lações que se seguem são consideradas, portanto, como re presentativas das condições e desenvolvimentos nas datas indicadas. A definição da «Terceira Força» foi escrita pelo Dr. Abraham Maslow no verão de 1957 e incluída na Intro dução do primeiro número do Journal of Humanistic Psychology (Sutich, 1961). A Revista de Psicologia Humanística foi fundada por um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, interessados naquelas capacidades e poten cialidades humanas que não encontram uma consideração sistemática nem na teoria positivista ou behaviorista, nem na teoria psicanalítica clássica, tais como criatividade, amor, sélf, crescimento, organismo, necessidades básicas de satis fação, auto-realização, valores superiores, transcendência do ego, objetividade, autonomia, identidade, responsabilidade, saúde psicológica, etc. Esta abordagem se caracteriza também pelos escritos de Goldstein, May, Fromm, Horney, Rogers, Maslow, Allport, Angyal, Btihler, Moustákas, etc., do mesmo modo que por certos aspectos dos escritos de Jung, Adler, e dos psicólogos psicanalíticos do ego. A declaração de objetivo da revista, baseada na de Maslow, foi escrita por Anthony J. Sutich (1961) para a página de rosto e ainda é a definição básica da revista: A Revista de Psicologia Humanística ocupa-se com a publicação de pesquisas teóricas e aplicadas, con tribuições originais, ensaios, artigos e estudos sobre valores, autonomia, ser, self, criatividade, identidade, crescimento, saúde psicológica, organismo, autorealização, necessidades básicas de satisfação e con ceitos relacionados. Logo após o aparecimento do primeiro número da RPH, tornou-se clara a necessidade de um novo veículo para a nova força, e a fundação de uma associação foi sugerida ao Dr, Abraham Maslow pelo Dr. Jerome Frank. O Dr.
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Maslow pediu ao autor que assumisse a responsabilidade de organizar a associação. O trabalho nesse sentido foi iniciado durante o verão de 1961. Uma nova definição e declaração de objetivos foram formuladas e incorporadas aos esta tutos da American Association for Humanistic Psychology (Sutich, 1962). A Associação tinha como patrocinadores e responsáveis os membros do Conselho de Editores da Revis ta de Psicologia Humanística. Em agosto de 1963 realizouse o encontro de fundação da Associação, em Filadélfia, Pensilvânia. Em agosto de 1965, durante o seu terceiro encontro anual, em Chicago, votou-se uma proposta de a Associação se tornar uma organização independente e isenta de taxas fede rais. Sob a direção eficiente de seu novo administrador executivo, John Levy, e do editor associado da RPH, Miles A. Vich *, conseguiu-se logo tal intento. No ano seguinte, a Associação já realizava seu encontro anual como uma organização independente. A definição atual da organização (1969) confirma o nosso ponto de vista de que as definições e declarações de objetivos são processos dinâmicos. Ela reza em parte: Identificada com uma ampla concepção do método científico. . . Empenhada fundamentalmente na psi cologia como uma ciência. . . Interessada em tópicos que ocupam pouco espaço nos sistemas existentes, tais como amor, criatividade, espontaneidade, jogo, calor humano, transcendência do ego, autonomia, responsabilidade, autenticidade, significado, expe riência transcendental, coragem. Ao contrário da definição e declaração de objetivos ado tados em 1963, a definição atual é mais clara, mais simples e se refere mais diretamente aos objetivos da Associação. Na primavera de 1969, a American Association for Humanistic Psychology era uma organização independente e 1. Mlles A. Vich sucedeu a Anthony J. Sutich como editor do Journal of Htimanistic Psychology em setembro de 1968.
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próspera: isso menos de seis anos após o encontro de fun dação. Dentro de curto período, ela havia evoluído de um pequeno grupo de protesto a uma força atuante, interessada na expansão da orientação humanística na psicologia e em campos relacionados. A própria revista já possuía uma posi ção de liderança na orientação humanística, agora solida mente estabelecida. E embora não exista nenhuma ligação formal entre a associação e a Revista de Psicologia Huma nística, as duas organizações trabalham intimamente ligadas. Background transpessoal Em janeiro de 1966, vários membros do Conselho de Edi tores da RPH foram convidados a participar de um semi nário intitulado «Teologia Humanística» com o Padre Me Namara, chefe do Inter-Faith Spiritual Life Institute de Sena, Arizona. O seminário se realizou em Hot Springs, Big Sur, Califórnia, e foi co-patrocinado pelo Esalem Insti tute. O Dr. Abraham H. Maslow, que dirigia um outro semi nário simultâneo, foi persuadido a deixá-lo para falar bre vemente no Seminário de «Teologia Humanística». Nos meses seguintes, talvez como resultado em grande parte do que havia transpirado naquele seminário, ficou evidente para o autor que a nova psicologia humanística já estava se im pondo e fora identificada erradamente com uma outra força emergente na psicologia. Foi uma manifestação surpreen dente, que encontrou expressão na troca de várias cartas com o Dr. Maslow, que se iniciou a partir de então, e tam bém em muitas discussões com outras pessoas. Em janeiro de 1967, o termo «trans-humanístico», cunha do por Sir Julian Huxley (1957), tornou-se palavra-chave para essa nova força. E foi recomendado pelo Dr. Maslow, que o preferiu ao termo «humanisticismo» anteriormente suge rido por mim. Concordei tranqüilamente com esta preferên cia. Seguiu-se uma correspondência com Sir Julian Huxley e no final do verão de 1967 tomou-se a decisão do lança mento de uma revista que representasse a nova força emer
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gente. No dia 14 de setembro de 1967, numa conferência na First Unitarian Church em São Francisco, o Dr. Abraham Maslow2 fez a primeira apresentação pública da «Quarta Força» no campo da psicologia. Três dias mais tarde, em um seminário no Esalem Institute, Big Sur, Califórnia, o Dr. Maslow anunciou o lançamento, num futuro próximo, do Journal of Transhumanistic. Psychology Todos concordavam que o autor deveria assumir a res ponsabilidade de dirigir a organização tanto da revista quanto de projetos relacionados. Formou-se um comitê de organização constituído por Joe K. Adams, James Fadiman, Harriet Francisco, Sidney Jourard, Abraham H. Maslow, Michael M. Murphy, Miles A. Vieh e Anthony J. Sutich, presi dente. O autor assumiu a responsabilidade de formular a definição e a declaração de objetivos da psicologia transhumanística. (Foi preciosa a ajuda dada pelo Dr. Abraham H. Maslow e por Miles A. Vich nessa formulação, comple tada em dezembro de 1967). No princípio de 1968, durante uma discussão em que tomaram parte o Dr. Abraham H. Maslow, o Dr. Viktor Frankl, o Dr. Stanislaw Grof e o Dr. James Fadiman, aproveitou-se a insatisfação geral criada com relação à escolha do termo «trans-humanística» para o título da revista. O resultado dessa discussão foi a recomendação de que «trans pessoal» seria um título muito melhor para a nova revista. Essa substituição significava um aperfeiçoamento tão óbvio que foi imediatamente aceita. Títulos Parece importante aqui uma nota sobre os títulos. O pri meiro título proposto para aquilo que é atualmente a orien tação humanística na psicologia foi «ortopsicologia», ado 2. Uma versão escrita dessa conferência está incluída • neste número do DPT.
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tado no verão de 1957. Dois anos mais tarde, durante a longa fase de lançamento do Journal of Ortho-Psychology, criou-se uma confusão entre «ortopsicologia» e «ortopsiquiatria». Em conseqüência, para evitar dificuldades inúteis, o termo «ortopsicologia» foi abandonado, como cortesia ao Journal of ortho-Psychiatry, de há muito estabelecido. Foi então adotado um título substitutivo temporário: Journal of Self-Psychology. Subseqüentemente, quando o Conselho de Curadores da Brandeis University confirmou o seu patrocí nio da revista, em março de 1960, estava implícito que só experimentalmente a nova revista se chamaria Journal of Self-Psychology. (Para aqueles curiosos em saber o porquê da objeção geral ao termo «Self», é suficiente dizer que em 1960 e por vários anos seguintes «Self» era um termotabu nos círculos oficiais no campo geral da Psicologia). No início de 1961, quando teve de ser tomada uma decisão final a respeito de um título representativo para a nova revista, o autor sentiu que o termo «Humanística», como havia sido sugerido pelo Dr. Maslow, era tão amplo que provavelmente cobriria por muitas décadas qualquer desen volvimento previsível no campo da Psicologia. Em menos de uma década a Psicologia Humanística se tornou uma parte integrante no campo geral da Psicologia, tendo seu futuro assegurado. Contudo, o seu rápido desen volvimento evidenciou claramente que a expansão da Psico logia Humanística, que parecia ser incalculável, foi acompa nhada do aparecimento de certas possibilidades que não foram explicitamente consideradas na definição original. As novas possibilidades estavam diretamente relacionadas àqui lo que o Dr. Maslow, entre outros, chamou de «Estados Finais». * Outros nomes também foram dados a esta área. Para alguns, ela era o campo do «significado último», do «objetivo último», do «ponto ômega», das «universalidades», de «uma psicologia das relações últimas», etc. Algumas 3. O autor (1967) também considera que os impulsos para o crescimento afe tivo são "contínuos”.
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dessas possibilidades pareceram sobrepor-se, ou estavam contidas na definição da Psicologia Humanística. Entretanto, as diferenças eram tão significativas que leva ram inevitavelmente à conclusão de que uma área nova e de características próprias da pesquisa psicológica estava se manifestando. Era uma área de pesquisa «pessoal», mas que ia além dos limites usuais da investigação científica. Além disso, a nova área diferia de maneira significativa do Transhumanismo (Huxley, 1957) pelo fato de enfatizar princi palmente o indivíduo experienciador mais do que a raça humana como um todo. Por isso foi bastante natural que, de acordo com aquilo a que Sir Julian Huxley (1959) tinha se referido como «a importância de uma terminologia vivida e impressionante», a nova área recebesse o título de «Psico logia Transpessoal». Definições Transpessoais Talvez seja este o local mais adequado para a apresenta ção da definição da Psicologia Transpessoal no seu atual estágio de desenvolvimento. Psicologia Transpessoal (ou «Quarta Força») é o título dado a uma força emergente no campo da Psicologia, re presentada por um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas capacidades e potencialidades ÚLTIMAS que não possuem um lugar sistemático na teoria positivista ou beha viorista («Primeira Força»), na teoria psicanalítica clássica («Segunda Força»), ou na psicologia humanística («Ter ceira Força»), A Psicologia Transpessoal emergente («Quarta Força») ocupa-se especificamente do estudo científico empírico e da aplicação das descobertas importantes dos seguintes assun tos: metanecessidades, no âmbito individual e da espécie; valores últimos; consciência unitiva; experiências de pico 4; 4. Historicamente, o primeiro reconhecimento daquilo que atualmente é a orientação humanística na psicologia foi formulado no cabeçalho de uma nsta postal compilada pelo Dr. Maslow em 1954.
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valores B; êxtase; experiência mística; respeito; ser; autorealização; essência; felicidade; milagres; significado último; transcendência do self; espírito; singularidade; consciência cósmica; sinergia individual e da espécie; máximo encontro interpessoal; sacralização da vida cotidiana; fenômenos transcendentais; alegria e diversão cósmica; consciência sensorial máxima; responsividade e expressão; e dos conceitos, experiências e atividades relacionadas. Como uma definição, esta formulação deve ser entendida como sujeita a interpre tações opcionais, sejam elas individuais ou de grupos, com relação à aceitação de seu conteúdo como essencialmente naturalista, teísta, sobrenaturalista, ou qualquer outra clas sificação que lhe for dada. Na presente formulação da Psicologia Transpessoal fo ram omitidos os nomes dos indivíduos relacionados ao seu desenvolvimento, tanto de projeção atual quanto históricos, por ser a lista muito longa e porque poderia haver contro vérsias desnecessárias caso fosse omitido algum nome. A Declaração de objetivos A declaração de objetivos do Journal of Transpersonal Psychology, impressa no frontispício deste número, é uma aplicação específica da definição geral. «A Revista de Psicologia Transpessoal ocupa-se da publi cação da pesquisa teórica e aplicada, de contribuições ori ginais, estudos empíricos, artigos e estudos sobre metanecessidades, valores últimos, consciência unitiva, experiência de pico, êxtase, experiência mística, valores B, essência, felici dade, respeito, milagre, auto-realização, significado último, transcendência do self, espírito, sacralização da vida coti diana, unidade, consciência cósmica, jogo cósmico, sinergia individual e da espécie, máximo encontro interpessoal, responsividade e expressão, e sobre os conceitos, experiências e atividades relacionadas. Como uma declaração de objeti vos, esta formulação deve ser entendida como sujeita a interpretações opcionais individuais ou de grupos, tanto par
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cial quanto totalmente, com relação à aceitação de seus conteúdos como essencialmente naturalistas, teístas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra classificação que se lhes dê. Esperam-se outras aplicações específicas da definição a partir de outros projetos relacionados. Como exemplo, pode mos dizer que está sendo atualmente organizada uma Asso ciação, baseada na definição geral da Psicologia Trans pessoal. Periodicamente, nos últimos dez anos, têm surgido críti cas com relação à extensão das definições e declarações de objetivos. Superficialmente, não há nada contra a pro cedência de tais objeções. Realmente, algumas definições mais se parecem a catálogos, que chegam a concorrer com a Sears Roebuck! Entretanto, o real objetivo de uma defi nição detalhada, que visa inicialmente representar uma força emergente, é de que ela se isente de generalizações e de supersimplificações. Os conceitos concretos e específicos parecem possuir um valor educacional na delineação e deli mitação de uma nova força ou área. Além disso, a experiên cia indica que o acréscimo de uma frase aberta como «e conceitos relacionados» atinge dois objetivos. Em primeiro lugar, possibilita estabelecer limites ao número de conceitos específicos quando um corte se torne necessário. Em segun do, deixa a definição aberta, de maneira explícita, a concei tos relacionados inicialmente não aparentes, mas que certa mente se manifestarão mais cedo ou mais tarde durante seu desenvolvimento. Assim, as definições e declarações de obje tivos podem ser consideradas por certo tempo como se asse melhando ou possuindo o caráter de um processo educacional. Algumas Hipóteses Logo após eu haver iniciado o trabalho de lançamento da Revista de Psicologia Transpessoal, tornou-se evidente a necessidade de um critério claro e estritamente definido para facilitar a seleção do material adequado. Não era sufi ciente colocar que a abordagem era científica. Diversas re
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vistas funcionam assim, muito embora seus conteúdos e metodologias empregadas sejam tão difusos que se torna difícil dizer se eles são realmente relevantes em relação ao objetivo visado. De modo típico, o conteúdo não é rigorosa mente limitado em termos de conceitos específicos e de hipóteses relacionadas a um dado campo de pesquisa. Além disso, não existe uma ênfase sobre a metodologia que parece ser a mais apropriada na abordagem dos fenômenos rele vantes. Deixe-me esclarecer o que quero dizer através da colocação de algumas das hipóteses que acredito serem sub jacentes à abordagem do campo transpessoal na Psicologia. Primeiro. Com algumas exceções (Kamiya, 1968), é quase impossível a utilização de procedimentos de laboratório — atualmente — na investigação científica de fenômenos transpessoais. Segundo. lÉ necessário operar, baseando-se em algumas hipóteses sobre o homem, antes que possa haver um estudo adequado daqueles aspectos psicológicos da natureza hu mana compreendidos no termo transpessoal. Uma das hipó teses, por exemplo, é a de que há impulsos ou necessidades contínuas inerentes à natureza humana, ou de que existe um drive ou tendência, dirigidos para estados «últimos» de ser, experienciar e relacionar-se. Terceiro. Indo-se ainda mais longe, estas tendências são consideradas como de natureza «instintóide», como foi des crito por Maslow em seu livro Motivation and Personality (1954). Quarto. As tendências transpessoais são consideradas positivamente, ou seja, boas, desejáveis, benéficas, essenciais, últimas, «divinas», etc. Quinto. As necessidades transpessoais, ou metanecessidades, podem ser investigadas cientificamente. Sexto. Dispõe-se atualmente de uma respeitável metodo logia científica para tais investigações. Sétimo. Pode-se considerar que os problemas determi nam a metodologia ou mudanças metodológicas, à medida que se desenvolve uma área específica da pesquisa cientí
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fica, e novas metodologias se desenvolverão quando for necessário. Oitavo. Indo-se ainda mais longe, pode-se considerar que os fenômenos representados pelo título Psicologia Trans pessoal já estão explicitamente diferenciados, embora de maneira incompleta, em nossa definição, em termos de esta do, condições, ou conceitos específicos. Tais fenômenos podem ser também descritos como problemas, na medida em que a investigação neles se focalize. É desnecessário dizer que muitos de tais fenômenos serão dificilmente isola dos para um estudo científico. O autor é o único responsável pela formulação e apre sentação das hipóteses acima mencionadas. Elas não repre sentam ou não coincidem necessariamente com as de cada um dos membros do Conselho de Editores ou de outras pessoas ligadas aos fenômenos transpessoais. Uma Nova Área de Pesquisa Um pouco de fé e de coragem e uma disposição para aceitar os desafios da pesquisa das necessidades e possi bilidades últimas e positivas do homem parece ser tudo o que é a princípio necessário, se as incríveis aquisições do passado nada nos tivesse ensinado. A «coragem para ser» (Tillich, 1952) implica a «coragem para pesquisar» — mesmo a pesquisar a natureza e as funções dos fenômenos psico lógicos «últimos». Neste sentido, Maslow escreveu um artigo extraordinário, a respeito daquilo que ele chama «Metanecessidades». Em tal artigo, que tem o título de «Uma Teoria da Metamotivação: A Raiz Biológica do ‘Valor-Vida’», ele se defronta com o que poderíamos descrever tanto como a necessidade quanto como alguns dos principais problemas da Psicologia Transpessoal. Nas «27 Proposições Testáveis» que ele apresenta, acompanhadas de suas descrições, Mas low faz uma profunda contribuição teórica para a nova área da pesquisa psicológica científica. O mesmo pode ser
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dito a respeito de trechos dos seus livros Toward a Psycho logy of Being (1968) e Religion, Values and Peak Experiences (1964), e de outros numerosos artigos. O autor tem tido, nas últimas duas décadas, o privilégio de conhecer, observar e trabalhar com o Dr. Maslow. A extensão e a profundidade de suas contribuições teóricas sistemáticas qua lificam-no não só como o principal iniciador da Psicologia Humanística como também da Psicologia Transpessoal. Aplicações Futuras Deve-se enfatizar que a Revista de Psicologia Transpes soal deve ser considerada como somente uma das aplicações da Psicologia Transpessoal. Uma outra aplicação, que foi mencionada de passagem, já está sendo organizada atual mente: a American Transpersonal Association (o nome é experimental). O breve mas espetacular desenvolvimento da Psicologia Humanística — encerrando agora a sua primeira fase — pressagia positivamente o desenvolvimento da Psico logia Transpessoal, com a qual está integralmente relacio nada. Está funcionando ativamente um número grande e cada vez maior do que podemos chamar Centros de Cresci mento Pessoal (o nome varia de um centro a outro), que, operam no que se denomina comumente «domínio afetivo». Não seria muita pretensão esperar-se que surja dentro em breve um protótipo de um Centro ou Instituto Transpessoal, primariamente interessado nos fenômenos transpessoais, de certo modo semelhante ao protótipo Esalen Institute, que trabalha no domínio afetivo. Nos últimos anos têm-se desenvolvido, descoberto, ou redescoberto muitos «meios» ou técnicas de crescimento, e muitos outros estão sendo continuamente projetados. Pode-se esperar que além das técnicas já desenvolvidas e de outras que provavelmente se desenvolverão, serão encontradas muitas técnicas ‘antigas’ relevantes em relação à aplicação de descobertas transpessoais na vasta literatura acumulada
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durante milênios. Já estão em função atualmente alguns psi cólogos transpessoais, e seu número crescerá rapidamente, à medida que a nova tendência se desenvolver. Tradução de Ricardo de Britto Rocha BIBLIOGRAFIA American Association for Humanistic Psychology, Definition and statement of purpose (brochura). São Francisco, Calif., 94117 (584 Page St.) 1969. Huxley, J. In P. Teilhard de Chardin, The Phenomenon of Man. Nova Iorque: Harper Torch Books, 1959 (p. 13). — New Bottles for New Wines. (Mentor Book, Knowledge, Morality and Destiny). Nova Iorque: Harper & Bros., 1957. Kamiya, J. Conscious control of brain waves. Psychology Today, 1968, 1, 11, 56-60. Maslow, A. H. Personal communication; Mailing List, 1954a. — Motivation and Personality. Nova Iorque: Harpers, 1954b. — Religion, Values and Peak Experiences. Columbus: Ohio State Univer. Press, 1964. — Toward a Psychology of being (2* ed.). Princeton: Van Nostrand, 1968. — A theory of metamotivation: the biological rooting of the value-life. /. Humanistic Psychol., 1967, 2, 93-127. Sutich, A. j. Statement of purpose. /. Humanistic Psychol., 1961, 1, i. — íntroduction. /. Humanistic Psychol., 1961, 1, vii-ix. — Progress report. American Association for Humanistic Psychology, 1962. — The growth experience and the growth-centered attitude, /. Humanistic Psychol., 1967, 2, 155-162. — Transpersonal Psychology: an emerging force. /. Humanistic Psychol., 1968, 1, 77-78. Tillich, P. The courage to be. New Haven, Conn.: Yale Univer. Press, 1952.
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m FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS PARA O ESTUDO DE ESTADOS ALTERADOS DA CONSCIÊNCIA
CHARLES A. TART' University of California, Davis
Uma das tendências mais significativas da cultura ameri cana atual é aquela que pode ser considerada uma tendência antiintelectual ou anticientífica. Duas de suas principais manifestações são o uso extraordinariamente difundido de drogas psicodélicas, tais como a maconha e o LSD, e o interesse por elas que tem crescido de maneira assustadora, em várias religiões místicas e orientais. Os estados de cons ciência produzidos por drogas ou pela meditação são fenô menos dos quais sabemos, cientificamente, muito pouco. O volume da pesquisa sobre estes assuntos, embora esteja se desenvolvendo rapidamente, tem sido bastante pequeno em relação à extensão do envolvimento social que tem havido neles. Além disso, pode-se afirmar com segurança que muito dessa pesquisa, embora bem intencionada, é relativamente insignificante se comparada à natureza dos fenômenos. Para citar um exemplo, uma recente pesquisa do Instituto Gallup indicou que aproximadamente a metade dos univer sitários americanos já experimentou a maconha, e que gran de parte usa-a bastante regularmente. Fazem isso com o risco de passarem vários anos na cadeia e de arruinarem suas carreiras. Por quê? A pesquisa convencional sobre a natureza da intoxicação causada pela maconha nos diz que 1. Este artigo foi extraído da revista Journal of Transpersonal Psychology. uesejo agradecer a Ida Rolf e a Seymour Carter por sua assistência na elaboração deste artigo. Ida Rolf é a descobridora da Integração Estrutural e aeu-me a primeira aula, produzindo grande liberação de energia e fazendo tom que os temas básicos deste artigo me viessem em poucas horas após aula, com os quais concluí o presente estudo poucos dias depois.
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seus efeitos primários são uma ligeira aceleração cardíaca, congestionamento dos olhos, alguma dificuldade de memó ria e um pequeno decréscimo de desempenho em testes psicomotores complexos. Você se arriscaria a ir para a cadeia só para ter maior aceleração cardíaca, os olhos congestionados, a memória vacilante e o desempenho em complexos testes psicomotores diminuído? Estes fatos «objetivos» a respeito dos efeitos da intoxicação de maconha parecem ser bastante insuficientes para explicar a razão pela qual as pessoas utilizam esta droga. Um fumante de maconha que escutar um cientista ou um médico se referir a estas descobertas como sendo a na tureza básica da intoxicação de maconha, provavelmente sorrirá ironicamente e terá a sua atitude anticientífica ainda mais reforçada. Para quem faz uso da maconha, tal cientista está perdendo seu tempo e não possui nenhum conhecimento real a respeito do que realmente constitui a intoxicação de maconha. Expressando de um modo mais formal as observações acima, podemos dizer que na nossa cultura atual há um número significativo e crescente de pessoas que está fazendo experiências pessoais e não sistemáticas de indução de esta-\ dos alterados da consciência, chegando freqüentemente a resultados de extrema importância em relação à sua filo sofia e estilo de vida. As percepções e experiências (por exemplo, êxtase, união mística, outras «dimensões», arrebatamento, beleza, transcendência de espaço/tempo, conheci mento transpessoal e coisas semelhantes) nestes estados alterados de consciência chocam-se com as atitudes e sis temas emocionais-intelectuais que se desenvolvem nos esta dos normais de consciência. Este conflito sem solução parece ser um fator principal da alienação crescente de muitas pessoas em relação à ciência convencional. Não se pode negar a utilidade da maioria das pesquisas convencionais sobre problemas perifericamente relacionados a estados alterados de consciência. Contudo, é meu objetivo neste artigo mostrar que o conflito acima discutido é desne
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cessário e é possível investigar e trabalhar com os impor tantes fenômenos dos estados alterados de consciência, de um modo perfeitamente compatível com a essência do méto do científico. Estados de Consciência De modo bastante conciso, um estado de consciência (SoC) é aqui definido como um padrão generalizado de funcionamento psicológico. Um estado alterado da consciên cia (ASC) pode ser definido como uma alteração qualitativa no padrão comum de funcionamento mental em que o experienciador sente que a sua consciência está radicalmente dife rente do seu funcionamento ‘normal’. Deve-se notar que um ASC não é definido por um conteúdo particular da cons ciência, por um comportamento, ou por uma modificação fisiológica, mas em termos de seu padrão total. Os ASCs experienciados por quase todas as pessoas são o sonho, os estados limiares do sono (os estados de transição entre o sono e o despertar, hipnagógico e hipnopômpico) e a into xicação alcoólica. Alguns dos ASCs relativamente novos que estão reper cutindo atualmente na nossa cultura são estados tais como aqueles produzidos pela maconha, pelas drogas psicodélicas mais poderosas (LSD), estados induzidos por narcóti cos, estados meditativos, de possessão, hipnóticos e autohipnóticos. Estados de Consciência e Paradigmas É ilustrativo comparar este conceito de diferentes estados de consciência com o conceito de paradigmas na ciência, elaborado por Thomas Kuhn (1962). Segundo Kuhn, um paradigma é uma espécie de «superteoria», uma formulação teórica composta de dados impor tantes e amplos de tal maneira que ele organiza a maioria ou todos os fenômenos conhecidos de seu campo. O para
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digma não é completamente fechado: dentro dele existem muitos problemas a serem resolvidos. É uma aquisição inte lectual e científica, subjacente à ciência normal, que atrai e guia o trabalho de um «paciente» grupo de adeptos em sua atividade científica. A astronomia de Copérnico, a dinâ mica newtoniana e a teoria da evolução são exemplos de importantes paradigmas da história da ciência. Todos os paradigmas são inicialmente introduzidos como teorias e como tais estão sujeitos à exigência de fazer pre dições verificáveis empiricamente. Por possuir a virtude de ser extremamente bem sucedido em suas predições, um para digma torna-se uma estrutura englobante que organiza os dados conhecidos e guia o cientista na sua investigação do desconhecido, na sua busca de temas de pesquisa que «pro vavelmente» produzirão resultados úteis. Entretanto, por cau sa de seu sucesso excepcional, os paradigmas resistem a mudanças, o que em princípio não acontece a uma teoria científica comum. Uma teoria científica comum está sempre sujeita a dúvidas e a testes posteriores, à medida que se ex pande: é sempre uma tentativa. Um paradigma, entretanto, por causa de seu sucesso extraordinário, torna-se uma estru tura implícita para a maioria dos cientistas que trabalham dentro de seus limites, ou seja, ele se torna um modo «natural» de ver as coisas e de fazê-las, superior a uma teoria sustentada a título de ensaio e que sempre corre o risco de ser testada mais uma vez. Não ocorre seriamente a seus seguidores questioná-lo daí por diante (até que os efeitos de uma revolução científica sejam sentidos). Como exemplo histórico, podemos citar o fato de os livros de física elementar não ensinarem a «teoria» da gravitação, mas sim a «lei» da gravitação. Esta teoria particular tem funcionado tão bem que acreditamos que seja uma lei. Quando soltamos alguma coisa no ar, sabemos que ela cairá de acordo com certos princípios. Realmente, tudo o que nós sabemos é que uma quantidade incalculável de observações tem concordado com esta teoria particular. Podemos supor
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que é altamente provável que a próxima observação também se ajustará à teoria, mas nós realmente não o sabemos. Um paradigma possui vantagens e desvantagens: ele ser ve para concentrar a atenção dos pesquisadores em áreas de problemas «úteis» e «sensatos», evitando assim que per cam seu tempo no que poderiam ser problemas triviais. Por outro lado, pelo fato de definir implicitamente algumas áreas de pesquisa como triviais ou impossíveis, o paradigma fun ciona como uma viseira. A semelhança entre um paradigma e um estado de cons ciência é clara. Tanto um paradigma quanto um estado de consciência são um conjunto complexo de inter-relações de regras e teorias que têm como objetivo interagir e inter pretar experiências dentro de um determinado contexto. Em ambos os casos, as regras e teorias tornaram-se amplamente implícitas. Elas não são reconhecidas como hipóteses de trabalho experimentais: elas operam automaticamente e a pessoa sente que está fazendo a coisa «óbvia» ou «natural». O Conflito do Paradigma A concepção de Kuhn a respeito da importância dos para digmas na ciência é uma forma de levar o elemento humano ao empenho científico. A imagem estereotipada do cientista é aquela de uma máquina calculadora fria e sem emoções, que está constantemente recomputando todos os seus dados, sempre alerta para a menor discrepância. Mas, na realidade, os seres humanos tornam-se emocionalmente ligados às coi sas que lhes dão prazer e um cientista realizando um im portante progresso dentro de um paradigma torna-se emo cionalmente ligado a ele (Maslow, 1966). O paradigma valorizado pode mergulhar num nível abaixo de sua cons ciência, tornando-se desta forma implícito. Quando dados que «não fazem sentido», em termos do paradigma, são trazidos à sua atenção, o resultado comum é, não uma rea valiação do paradigma, mas uma rejeição ou distorção dos dados. Esta rejeição parece «racional» para aqueles que
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compartilham do paradigma e «irracional» ou «racionalizante» àqueles comprometidos com um paradigma diferente. O artigo de Price, «Science and the Supernatural» (1952), publicado já há alguns anos, referente a dados que supos tamente demonstravam a existência de percepção extra-sensorial, nos fornece um exemplo disso. Em essência, seu artigo afirmava que nenhum homem inteligente poderia ler as evidências da percepção extra-sensorial e duvidar de sua existência, mas, como sabemos que a percepção extrasensorial é impossível, devemos concluir que toda a evi dência se devia à fraude e ao erro. Portanto, são impossí veis certos tipos de resultados dentro de uma estrutura paradigmática, e caso haja a reivindicação da descoberta de tais resultados, deve haver alguma coisa errada com a descoberta ou com quem a reivindica. O conflito que existe atualmente entre aqueles que experienciaram certos ASCs (inclusive muitos jovens cientistas) e os cientistas que não tiveram estas experiências é, em grande parte, um conflito paradigmático. Por exemplo: um sujeito toma LSD e declara ao investigador que «Você e eu, todos nós, nós todos somos um, não há ‘eus’ separados». O investigador relata que seu sujeito mostrou «um senso de identidade confuso e processos de pensamento destorcidos».* O sujeito relata aquilo que lhe é ÓBVIO; o investigador, do mesmo modo, também relata o que lhe parece ÓBVIO. O paradigma implícito do investigador, fundado no seu trei no científico, no seu background cultural e no seu SoC normal, indica que uma interpretação literal da afirmação do sujeito não pode ser verdadeira e que portanto ela deve ser interpretada como uma disfunção mental de sua parte. O sujeito, cujo paradigma está temporariamente modi ficado por ele estar em um ASC, não só relata aquilo que é uma verdade óbvia para ele, mas também percebe o inves tigador como padecendo de uma disfunção mental, por ser incapaz de perceber o óbvio! 2. Deve-se notar que a confusão ou o funcionamento diminuído constituem certamente um aspecto de alguns estados induzidos por drogas, mas não representam o objetivo principal deste artigo.
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Historicamente, os conflitos de paradigmas têm se carac terizado por amargos antagonismos emocionais e pela total rejeição do oponente e de sua proposição, por ambas as partes envolvidas numa disputa dessa ordem. Na verdade, estamos assistindo ao mesmo tipo de processo: o respeitá vel psiquiatra, que não tomaria qualquer daquelas drogas «psicotomiméticas», ou que não se sentaria para fazer aque la meditação «maluca», realiza pesquisas para mostrar que aqueles que fazem uso de drogas são escapistas e os meditantes, doentes mentais. Por outro lado, as pessoas que fazem uso de drogas ou praticam a meditação vêem tal investigador como uma pessoa de visão estreita, cheia de preconceitos e repressiva. Conseqüentemente, tais pessoas podem abandonar a universidade ou evitar o envolvimento na empresa científica, que julgam criticamente a partir das atividades de tais investigadores. A comunicação entre tais indivíduos é quase nula, porque o significado implícito de grande parte de sua tentativa de comunicação é tão dife rente, que eles falam literalmente mais um do outro do que um com o outro. Estou convencido de que esta rejeição mútua não é necessária, e de que a ciência pode chegar a um acordo com os aspectos importantes dos ASCs através da utilização da essência do método científico. A Aquisição do Conhecimento Embora eu não deseje entrar em difíceis questões filo sóficas, devem ser esclarecidas algumas das hipóteses bási cas que fundamentam toda a minha tentativa de expansão do nosso conceito de ciência. Em primeiro lugar, eu, en quanto cientista, não entendo completamente a minha natu reza ou a das coisas que me cercam. Não obstante, tomo como dado que possuo consciência não só de mim, mas de muitas outras «coisas», coisas estas que posso conside rar como aspectos de mim mesmo ou de «alguma outra coisa» fora de mim, uma realidade exterior. Esta última hipótese é, de fato, uma hipótese que não pode ser com
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provada; contudo, a minha experiência com certos tipos de fenômenos tem sido tão consistente, que não duvido da exis tência de uma realidade totalmente independente das per cepções que dela tenho. Em segundo lugar, é também claro que vivemos num grande universo: a extensão das experiências é incrivel mente ampla, senão infinita, e desde que nós, como cientis tas, somos relativamente novos no jogo de tentar esboçar um quadro total dessas experiências, convém sermos humil des em relação ao nosso nível atual de conhecimento. * Qual é a natureza do nosso conhecimento? Para dar uma definição produtiva, podemos considerar o conhecimento como uma sensação de congruência, como uma ligação entre dois tipos diferentes de experiências. Um dos conjuntos de experiências pode ser considerado como o conjunto das per cepções do mundo exterior ou das percepções de si mesmo. O outro conjunto de experiências é geralmente considerado como o que é representado por uma teoria, um esquema ou um sistema de compreensão. A sensação de congruência é algo dado pela experiência imediata, embora se tenham desenvolvido sutilezas para avaliar graus de congruência. Todo o conhecimento é, então, basicamente um conheci mento experiencial. Mesmo o meu conhecimento pessoal do mundo físico se baseia em certos conjuntos de experiências que eu, por hipótese, atribuo à ativação de meu aparato sensorial pelo mundo exterior. Posso compará-las a expe riências puramente interiores (memória, conhecimento pré vio) e predizer, com alto grau de confiança, outras expe riências que também atribuo ao mundo exterior. Pelo fato de as experiências que atribuo ao mundo exte rior me terem levado a predições que adquirem graus de confiança incrivelmente maiores do que as predições a res peito dos meus processos interiores, eu, do mesmo modo que a maioria das pessoas da minha cultura, tendo a atri3. Um dos aspectos mais interessantes da história da ciência é a freqüência incrível com que cientistas de renome prediziam que isso ou aquilo seria impossível, e esses impossíveis se tornam uma realidade cotidiana. Parece que os cientistas ainda não aprenderam nada desse fato histórico.
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buir um maior grau de «realidade» ao mundo físico. Con tudo, não é aceita neste artigo a posição filosófica de que o mundo físico é, de algum modo, mais real do que os mundos experienciais. Previsibilidade não é sinônimo de realidade. O processo cotidiano pelo qual adquiro novos conheci mentos, ou expando o meu conhecimento atual, começa ba sicamente por uma experiência, por uma consciência de «alguma coisa». Se eu não for curioso, ou se existir uma congruência imediata entre esta consciência de alguma coisa e uma experiência que eu rotulo de conhecimento preexis tente, provavelmente aceitarei a experiência como ela é. Por outro lado, se por alguma razão eu me sentir intri gado diante desta experiência, se eu tiver um sentimento de insuficiência ou incongruência e quiser saber mais, eu tentarei compreendê-la de maneira mais completa e/ou ad quirir mais conhecimentos a seu respeito por outros meios. Usualmente, farei a sua classificação dentro de algum tipo de experiência: direi que ela pertence ao mundo físico ou ao meu próprio mundo interno, psicológico; ou ainda, em alguns casos que são de maior interesse, posso atribuí-la a um mundo que possui uma existência independente, mas que não obstante é um mundo não-físico (Tart, 1971b). Esta classificação é útil na decisão de quais são os tipos de ins trumentos úteis para trabalhar o problema e que espécie de conhecimento histórico é mais apropriado no seu trata mento. Em seguida iniciarei um processo de resolução de problema que consiste da combinação variada de três ele mentos básicos. Posso querer de algum modo expandir ou aumentar minhas observações se sentir que não possuo uma clareza perceptual adequada daquilo que está me intrigando. E/ou posso decidir aumentar a minha experiência do pro blema recorrendo a experiências de outros, conversando com estas pessoas ou através de outros registros mais perma nentes. E/ou posso pensar a respeito do problema, tentar «imaginá-lo» de algum modo que ele faça sentido para raim> Estes três processos básicos são experimentados de
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vários modos, são recombinados de várias maneiras até que eu tenha a sensação de ter adquirido uma nova compreensão, um sentimento de congruência entre a «alguma coisa» ori ginal que estava na minha consciência e o novo conheci mento agora obtido a respeito daquela «alguma coisa». Posso me satisfazer com este sentimento de congruência cognitiva e/ou tentar generalizar esta nova compreensão pela observação de sua aplicabilidade a situações semelhantes. Infelizmente, apesar de toda a satisfação que o processo de conhecimento possa nos oferecer, é agora amplamente reconhecido o fato de estarmos freqüentemente errados. Aquilo que inicialmente parece ser congruente, posteriormen te se torna incongruente ou não possui generalidade. Colo cando de outra forma, podemos dizer que o homem tem se cientificado de que seu raciocínio é, com freqüência, total mente imperfeito, que suas observações são freqüentemente incompletas e errôneas, e que tanto fatores emocionais quan to outros fatores não conscientes podem destorcer seria mente os seus processos de raciocínio e de observação. A confiança em autoridades e a elegância racional e formal não são critérios seguros para atingir a verdade.4 O desenvolvimento da ciência, ou, mais especificamente, do método científico, pode ser visto como um esforço reali zado no sentido de sistematizar o processo de aquisição de conhecimento de tal modo que minimize, e em grande parte anule, as armadilhas da observação e do raciocínio. De certo ângulo, a ciência pode ser considerada como uma descon^ fiança institucionalizada em relação ao «óbvio». A Essência do Método Científico Os fundadores da ciência enfatizaram que todas as idéias devem ser testadas, no sentido de estarem de acordo com a experiência de alguém. Isto rapidamente veio a significa^ fisicamente demonstrável, ou seja, demonstrável pela recor-^ 4. Historicamente falando, poderíamos dizer que é difícil chegar a esta cons tatação, pois o desenvolvimento da ciêijcia é um fenômeno bastante recenti na história humana.
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rência à observação externa. Muitas das características que se desenvolveram na ciência, por sua aplicabilidade parti cularmente bem sucedida no estudo do mundo externo, vie ram a ser consideradas como partes essenciais da ciência. A minha tese é a de que estes «acréscimos» não são essen ciais, mas antes são desenvolvimentos especiais que servem para abordar um assunto particular, ou seja, o mundo exte rior. Tentarei mostrar que a essência do método científico é perfeitamente compatível com o estudo de vários estados alterados da consciência. Existem quatro regras básicas no método científico: Regra número um: boa observação. O cientista está em penhado em observar os fenômenos de seu interesse tanto quanto possível e em buscar constantemente melhores méto dos para fazer tais observações. Regra número dois: observação universal. O cientista é obrigado não só a relatar aquilo que observa, mas também as técnicas e condições de observação em detalhes suficien tes que possibilitem a replicação das observações por qual quer observador treinado. Regra número três: coerência teórica. Um cientista pode teorizar e hipotetizar sobre suas observações quanto desejar, mas a teoria que ele desenvolver deve explicar coerentemente tudo o que ele observou até o momento e deve possuir uma estrutura lógica que possa ser compreendida por outros cientistas. Regra número quatro: conseqüências observáveis das teo rias. Qualquer teoria que o cientista desenvolva deve ter conseqüências observáveis, fazer predições que, pelo menos a princípio, possam ser verificadas pela observação. Caso não ocorra tal verificação, a teoria deve ser invalidada, ainda que seja elegante, lógica, ou tenha qualquer outro atrativo. Consideremos detalhadamente a aplicação dessas quatro regras.
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Boa observação É do consenso geral que nós não parecemos capazes de observar mais do que uma pequena parte do vasto universo, de cada vez. Além disso, nossos compromissos paradigmá ticos, nosso SoC, nos predispõem a observar certos aspectos e a ignorar ou observar de modo falho outros aspectos deste universo. Existe um compromisso inicial (filosófico) em rela ção a o que há para ser observado. A insistência de que só aquilo que é físico é real, de que os processos mentais e outros semelhantes são epifenômenos, «subjetivos», «efême ros», «incertos», ou «acientíficos», tem impedido que os cientistas observem os ASCs de maneira adequada. É fato reconhecido que as observações de processos internos são provavelmente muito mais difíceis de serem realizadas do que aquelas de processos físicos, devido à sua maior com plexidade intrínseca. Não obstante, a essência da ciência é que observemos aquilo que existe para ser observado, seja isto difícil ou não. Portanto, devemos considerar uma abor dagem «fislcista», como é geralmente conhecida, como só parcialmente útil na investigação dos ASCs. Embora haja uma possibilidade de que todos os fenômenos comumente rotulados de «internos» ou «mentais» possam ser reduzidos a fatores físicos, ela é improvável e não nos deveria afastar da observação dos fenômenos que nos interessam. Eu pre firo trabalhar com a proposição de que as experiências são tudo aquilo que temos na experiência direta. Riscar as ex periências internas do domínio científico, por causa das difi culdades que há em observá-las, significa cegarmo-nos des necessariamente. Visto que as experiências em outros SoCs podem agora ser consideradas como dados legítimos, merecedores duma observação científica detalhada, desejaremos aumentar as nossas observações. E isso pode ser comparado a uma mu dança de posição em relação a um objeto para o observar mos de diversos ângulos. Ou pode envolver uma amostra gem sistemática de observações do fenômeno de interesse sob uma variedade de condições.
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A alta variabilidade freqüentemente encontrada na obser vação de fenômenos internos tem levado muitas pessoas, de maneira equivocada e prematura, à posição de que não existe estabilidade, e não ao desenvolvimento de procedi mentos de amostragem sistemática para uma observação mais adequada. Um outro meio de aumentar as observações é variar o modo de observação, modificação esta que deve se realizar internamente. Por exemplo, quando estamos con fusos na solução de qualquer problema específico, reconhe cemos o valor de um descanso, de ver o problema de um modo diferente e de algum modo modificar a nossa dis posição interna para observarmos os mesmos dados, mas com uma disposição interna diferente. Ela pode nos possi bilitar a visão de aspectos importantes dos dados, dos quais anteriormente não tínhamos consciência. Uma mudança no SoC do observador constitui freqüentemente uma tal reno vação de ponto de vista. Um outro modo pode ainda resultar da constatação de que as nossas percepções de fenômenos, internos ou exter nos, são altamente seletivas. Percebemos através de um com plexo conjunto de «filtros» mais do que por um contacto direto. Desse modo podemos tentar aumentar nossas obser vações, procurando examinar as nossas tendências e predis posições internas, compreendendo a natureza de nossa pró pria seletividade. Isso nos possibilita compensá-las em maior ou menor grau. Deve-se notar que o nosso conhecimento atual da maioria dos fenômenos dos ASCs tem sido obtido por pessoas não treinadas, das quais quase nenhuma compartilha do com promisso científico de constantemente reexaminar suas pró prias observações, em detalhes cada vez maiores. O fato de que tais observações sejam imperfeitas e irreplicáveis em comparação com as da ciência física não significa que os fenômenos internos sejam intrinsecamente inobserváveis ou instáveis: estamos comparando primeiras observações com outras que se submeteram a séculos de aperfeiçoamento.
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observação Universal Uma segunda exigência principal do procedimento cientí fico é a de que as observações devem ser universais, as condições de observação especificadas em detalhes suficien tes para que qualquer observador treinado possa replicá-las e fazer as mesmas observações. Uma outra maneira de dizer isto é que se deve descrever em detalhes suficientes as con dições experienciadas que levaram ao relato de certas expe riências, para que outros possam estabelecer a experiência de condições similares e conseqüentemente ter experiências que pareçam essencialmente idênticas. Na medida em que qulaquer outra pessoa estabeleça condições similares e não tenha as mesmas experiências, as condições e observações foram descritas incorretamente e/ou não se teve consciência de certos aspectos essenciais das condições e assim elas não foram especificadas. Um outro modo de formular exigência é dizer que os cientistas procuram uma validação consensual. Mais do que se confiando exclusivamente nas próprias observações, sen timo-nos muito mais seguros se outras pessoas puderem repeti-las, ou seja, se outros relatarem experiências seme lhantes em condições semelhantes. O acréscimo fisicista, não-essencial, a esta regra é o de que, por serem os dados físicos os únicos «reais», os fenô menos internos devem ser reduzidos a dados fisiológicos ou comportamentais, ou então serem completamente ignorados. Realmente, acredito que a maioria das observações dos fenô menos físicos sejam muito mais facilmente replicáveis por qualquer observador treinado, porque são intrinsecamente fenômenos mais simples do que os fenômenos internos. En tretanto, a validade consensual de fenômenos internos por um observador treinado é, em princípio, completamente possível. observadores Treinados: Em ciência, a ênfase dada às observações universais tem adquirido uma qualidade adicio nal enganosa, na medida em que implica que qualquer ser humano inteligente pode replicar as observações de um cien
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tista. Isto pode ter sido verdade no início da história da ciência, mas atualmente não podemos enfatizar demasia damente que só o observador treinado pode replicar obser vações. Eu, por exemplo, não posso entrar no moderno labo ratório de um físico e confirmar as suas observações. Não possuo o treinamento necessário e as leituras de seus ins trumentos não possuem nenhum significado para mim. Na verdade, o relato daquilo que descobriu em seus experimen tos provavelmente me pareceria «místico», do mesmo modo que muitas descrições de estados internos soam como «mís ticas» para aqueles que possuem um background das ciên cias físicas. Dada a alta complexidade dos fenômenos ASC, a neces sidade de replicação por um observador treinado é excep cionalmente importante. Quando constatamos que a produ ção de um cientista, em qualquer das nossas ciências tra dicionais, leva de quatro a dez anos de intenso treinamento, não deveríamos nos surpreender pelo fato de que tem havido muito pouca replicação de observações referentes aos fenô menos ASC, pois o nosso conhecimento atual consiste quase que totalmente de relatos de pessoas não treinadas. Além disso, estamos somente nos primórdios de uma ciência dos ASCs e desta forma não podemos especificar muito bem em que poderia consistir um treinamento adequado. Neste sen tido, devem ser realizadas muitas experiências de tentativae-erro. Deveríamos também reconhecer que muito poucas pessoas podem ter a capacidade de aproveitar-se do seu treinamen to e verificar sistematicamente as observações alheias. Algu mas pessoas não possuem as características inatas necessá rias para se tornarem físicos, outras não as possuem para se tornarem, digamos, investigadores científicos de estados meditativos. A observação universal e a verificação univer sal, portanto, se referem sempre a um público limitado, espe cialmente treinado. É a concordância básica entre estas pes soas especialmente treinadas que constrói os dados básicos para o desenvolvimento de uma ciência. O fato de os leigos
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não poderem replicar as observações é de pouca relevância científica. Comunicação de Estado Específico: Um outro problema é a comunicação adequada de suas observações, que um ob servador faz a um segundo observador, para que este possa tentar uma replicação. Isso nos leva ao possível fenômeno da comunicação de estado específico (Tart, em prepara ção). Dado que um ASC é uma mudança total, qualitativa e quantitativa, no complexo funcionamento da consciência, tal vez envolvendo novas «lógicas», novas percepções e uma mudança de paradigma, é bastante razoável hipotetizar que a forma de comunicação possa tomar um estilo diferente. Para dois observadores experientes e fluentes na comunica ção num dado SoC, a comunicação de observações feitas em tal estado pode ser algumas vezes inteiramente adequa da, e outras vezes realçada ou deteriorada em aspectos específicos. Para um observador externo, num SoC diferente, toda comunicação verbal e não verbal entre esses dois obser vadores pode parecer «deteriorada». De fato, praticamente toda a pesquisa sobre a comunicação em ASCs refere uma «deterioração» das habilidades de comunicação. Os esboços desses estudos não considera, entretanto, o fato de que o padrão de comunicação pode ter se modificado. Se estou escutando duas pessoas falando em inglês, e elas subitamente começam a falar em polonês, eu, como observador externo, notarei uma deterioração flagrante na comunicação. De modo semelhante, um biólogo e um físico podem encontrar grande dificuldade de se entenderem mu tuamente, pois estão acostumados a pensar em paradigmas completamente diferentes. Portanto devemos reconhecer que a validação consensual pode ser restrita ainda mais pelo fato aparente de que só os observadores no mesmo SoC são capazes de se comuni car adequadamente entre si, e de que podem não ser capazes de fazê-lo a alguém que se encontre em outro SoC, como, por exemplo, a consciência normal. Além do fator treina mento, uma ciência de estado específico pode parecer ao
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leigo incompreensível e esotérica, porque os dados básicos não podem ser comunicados, a menos que ele se treine (o que pode levar muito tempo) a desenvolver aquele SoC e a funcionar bem dentro dele." O observador imparcial: Um dos tradicionais estereótipos da ciência, o «observador imparcial, descomprometido», não mais possui um lugar no tratamento de fenômenos internos de SoCs. O observador deve ser reconhecido como parte das observações. Isso significa que devemos reconhecer que suas percepções são seletivas, que elas podem afetar os fenômenos que ele está estudando, e devemos tentar com preender as características de cada observador, a fim de classificá-las em campos teóricos ou pela comparação de observações de observadores com características pessoais diferentes, o que nos possibilitará a avaliação de seus efeitos. Um reconhecimento da irrealidade do «observador impar cial» nas ciências psicológicas está se tornando cada vez mais difundido, na forma de predisposições do experimentador (Roshental, 1966) e de pretensões características (Orne, 1962). Um reconhecimento semelhante ocorreu já há algum tempo em algumas áreas da física, quando se constatou que em níveis subatômicos o objeto observado era alterado pelo processo de observação. Em se tratando de ASCs, onde o próprio cientista é o observador, o experienciador do estado alterado, este fator é de suprema importância e deve ser considerado. Coerência Teórica Um importante passo no processo da aquisição de conhe cimento, que é também a terceira regra básica da ciência, é a especulação, a teorização feita em relação às obser vações. Entretanto, a exigência de teorizar de maneira lógica ? f ra complicar ainda mais, um cientista de estado especifico pode achar seu próprio trabalho bastante misterioso ou incompreensível quando ele não T lver em tal SoC devido ao fenômeno da Memoria de Estado Especifico: oha P 1 não ter a capacidade de relembrar adequadamente os fenômenos de t 6i Qertá invest*gando ou o seu plano experimental quando está fora
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e coerente com os dados não é tão simples quanto parece. Lembremo-nos de que qualquer lógica consiste de um con junto de suposições básicas e de um conjunto de regras de manipulação da informação baseadas nessas hipóteses. Modificações nas hipóteses ou nas regras podem levar a resultados completamente diferentes, a partir dos mesmos dados. Em geometria, por exemplo, pode-se supor, com Euclides, que linhas paralelas sempre guardam a mesma dis tância entre si, independentemente de sua extensão. Ou podemos supor que elas gradualmente se encontrem no infi nito, ou que elas se desviem gradualmente em direção ao infinito. Três diferentes geometrias resultam dessa mudança de hipótese. Também um paradigma é uma lógica: ele pos sui certas hipóteses, coisas que não são questionadas, e regras de trabalho que se derivam dessas hipóteses. Pela modificação do paradigma, pela modificação do SoC, a natureza do encadeamento «lógico» do raciocínio, da cons trução de teorias, pode se modificar radicalmente. Deste modo, alguém no SoC =f=2 poderia chegar a conclusões muito diferentes a respeito da natureza dos mesmos eventos observados por alguém no SoC *j=\. A pessoa no SoC =fcl não pode fazer, entretanto, nenhuma afirmação a respeito da validade da teorização da pessoa no SoC =f=2. Pode-se rejeitar as suposições de outras pessoas, mas isso não pode ser estabelecido por meios científicos. Por outro lado, pode-se aceitar as suposições da outra pessoa e afirmar que ela seguirá incorretamente as suas próprias regras. Assim, cientistas no mesmo SoC podem testar mutuamente as suas teorizações, para verificar se as regras estabelecidas de comum acordo têm sido seguidas de modo consistente. Temos portanto a possibilidade de uma lógica de estado especifico subjacente à teorização, em vários SoCs. A regulação deste processo de verificação mútua de teorizações é o fator de uma comunicação de estado específico anteriormente mencionada. Até que dois cientistas estejam razoavelmente convencidos de que podem se comunicar de
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forma adequada (Tart, em preparação), lhes será difícil ou impossível uma verificação mútua de seus raciocínios. Portanto, está claro o fato de que alguém que não esteja num dado SoC pode não estar apto a decidir se os pro cessos lógicos de tal SoC se deterioraram (no sentido de haver erros freqüentes), ou se eles estão corretos mas seguem uma lógica diferente. Assim, no terceiro estágio do processo de aquisição de conhecimento, o cientista deve experimentar diversas estra tégias cognitivas para retirar um sentido de seus dados. Ele pode experimentar aplicar ao problema os princípios apro priados àquele SoC; ou tentar a aplicação randômica de princípios, caso não possua uma direção particular a seguir; ou utilizar-se de processos cognitivos correntes mas que estão fora de sua consciência, ou seja, o tipo de processos a que chamamos intuição. Na medida em que ele puder des crever seus processos de raciocínio e comunicá-los a outra pessoa que esteja no mesmo estado, sua validade pode ser verificada, e assim está sendo observado um bom procedi mento científico. Além disso, mesmo que alguma teorização seja não consciente ou «intuitiva», ou que diferentes cien tistas, partindo dos mesmos dados e empregando a «intui ção», cheguem ao mesmo resultado, embora não sejam ca pazes de descrever como chegaram a ele, temos uma veri ficação da validade da intuição. Em termos de processo de aquisição de conhecimento, chegamos agora ao que é freqüentemente um estágio final, à experiência de uma nova compreensão daquilo que inicial mente nos confundia. Se isto não for alcançado ou se o novo conhecimento for só parcialmente correto, os passos ante riores devem ser revistos até que um certo tipo de expe riência, uma sensação de compreensão ocorra. Conseqüências observáveis da Teoria Enquanto os processos comuns da aquisição de conheci mento terminam no estágio acima descrito, uma exigência fundamental da ciência é a de que o novo conhecimento
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seja aceito só após as predições de conseqüências obser váveis, inerentes à teoria, terem sido verificadas pela obser vação. Apesar de elegante, formal, matemático ou estetica mente agradável, o novo conhecimento deve ser sujeito à verificação em termos de conseqüências observáveis. Mas, embora pensemos geralmente em validação «empírica», em validação em termos de conseqüências testáveis que produ zam efeitos físicos, não se exige isso necessariamente. Nova mente devemos notar que qualquer efeito considerado como físico é, em última instância, uma experiência que ocorre na mente do observador. Essencialmente, tudo o que se exige para validar uma teoria é que ela possa predizer que «Quan do tais e tais experiências ocorrerem (as condições de obser vação), um outro tipo de experiência se seguirá (a predição), sob condições experimentais especificadas». Desta maneira, uma teoria perfeitamente científica pode se basear em dados que não possuem uma existência física, mas que dão origem a uma teoria, a um conceito, que outro obser vador pode experienciar. Na medida em que esta conse qüência observável for realmente experienciada, a teoria será provisoriamente considerada como válida, até que uma expansão posterior do processo de pesquisa exija uma for mulação mais adequada. Congruência de Estado Especifico: Deve-se notar que este processo de validação experiencial exige que uma expe riência (dados observados) seja congruente com uma outra experiência (a estrutura teórica, cognitiva). Os critérios de congruência (a experiência confirma realmente a teoria?) podem também variar de um SoC a outro, dependendo do tipo de modificações cognitivas globais que se deram num SoC particular. Devemos lembrar também o problema da comunicação de estado específico. Ele pode complicar a questão de se dois observadores que estão no mesmo SoC concordam que uma teoria foi realmente confirmada em ter mos das conseqüências previstas. Ciências de Estado Específico: Na prática humana das regras básicas da ciência, o quadro básico que se nos afi
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gura é este: um interesse centrado numa determinada ex tensão de um assunto, um pequeno grupo de pessoas alta mente selecionadas, talentosas e rigorosamente treinadas, que gasta um tempo considerável realizando observações deta lhadas sobre o assunto de interesse. Eles podem ou não possuir locais especiais (laboratórios), instrumentos ou mé todos que nos auxiliem na obtenção de observações mais refinadas. Eles se comunicam numa linguagem especial, lin guagem que percebem como um veículo preciso e sucinto para os fatos importantes de seu campo e que com freqüên cia não possui nenhum sentido para o leigo. Usando esta linguagem, eles mutuamente confirmam e expandem seu co nhecimento de certos dados básicos de seu campo de inte resse. Teorizam a respeito desses dados básicos e constroem sistemas elaborados, que freqüentemente apresentam pouco ou nenhum significado para o leigo. Validam esses sistemas teóricos recorrendo a observações posteriores. Algumas vezes os efeitos observados por um leigo parecem ser obviamente importantes, mas com freqüência tal não acontece e/ou não fica claro de nenhuma maneira como e por que eles vali dam um conjunto bastante misterioso de teorias. Este grupo de pessoas treinadas possui um compromisso com relação a um constante refinamento da observação e do desenvol vimento da teoria. Esta discussão geral é igualmente aplicável a uma varie dade de ciências, ou áreas que poderiam se tornar ciências, se pudéssemos chamar tais áreas de biologia, física, química, psicologia, compreensão de estados místicos, obtenção de prazer pela utilização de drogas, etc. As aparências seriam bem diferentes, mas o método científico básico que atravessa todas elas é o mesmo. A discussão acima nos permite agora definir uma ciência de estado específico: um grupo de profissionais altamente especializados e dedicados e treinados têm a capacidade de adquirir um certo SoC e concordam mutuamente que che garam a um estado comum. Dado tal SoC, eles podem in vestigar outras áreas-problema de seu interesse, sejam elas
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fenômenos totalmente «internos» desse SoC, a interação de tal estado com a realidade «externa», física ou com pessoas em outros SoC. Possuímos um exemplo de uma tal ciência de estado espe cífico — «a ciência da consciência comum» — que tem sido muito bem sucedida: a ciência ocidental. Quase qual quer ramo dessa ciência teria parecido caótico e cheio de erros a alguém que tivesse assistido somente ao seu início, mas no seu atual estado de evolução a maioria deles tem alcançado um alto grau de sofisticação e de sucesso. * Dentro da nossa tradição científica ocidental, ainda não desenvolvemos ciências de estados específicos para outros estados além do nosso estado de consciência normal, de vigília.' Ciências de Níveis Específicos Dentro de uma ciência de estado específico talvez seja possível a existência de ciências de níveis específicos. Isto significa que muitos SoCs mostram gradações claras ao longo de alguma dimensão, a qual é freqüentemente cha mada de profundidade, nível, alcance, intensidade. Exis tem traços comuns que percorrem todos estes níveis e por esta razão nós os consideramos mais como níveis de um único SoC do que como SoCs separados (Tart, 1972). Con tudo, os tipos de alterações nos processos perceptuais e cognitivos num nível mais intenso de um dado SoC, se com parados àqueles de ura outro nível menos intenso do mesmo SoC, poderiam originar ciências de níveis específicos bas tante diferentes. Por enquanto devemos deixar este proble ma para o futuro. * 6. Esta ciência de estado específico não é completamente "pura", pois muitas descobertas desta "ciência do estado normal de consciência” resultaram de penetrações ou de insights obtidos em outros SoCs. O que freqüentemente chamamos de descobertas científicas "criativas” em muitos casos ocorreram em estados de fantasia, de sonhos, de estados semelhantes a estados mediativos, etc. 7. Estamos fazendo uma suposição bastante forte da uniformidade da cons ciência normal entre as pessoas. Esta suposição é bastante pobre, mas no atual estado de nossos conhecimentos ela fornece uma discriminação útil. 8. Alguns dados experimentais e algumas tradições de várias escolas místicas sugerem que, em níveis bastante profundos de alguns ASCs, as experiências se tornam bastante semelhantes, embora elas fossem bastante diferentes em
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\ Natureza Seletiva de Ciências de Estados Específicos Em princípio, o investigador que não desenvolve a habi lidade de funcionar num SoC particular não pode esperar ser um bom investigador de tal SoC. Ele simplesmente não será capaz de ter um acesso direto a uma variedade de dados, e/ou não poderá validar diretamente o raciocínio de sua própria teorização, muito embora possa ter a capaci dade de tratar aspectos periféricos da ciência ou de inves tigar as suas manifestações a partir de outro SoC, como será discutido na próxima seção. Deveríamos enfatizar novamente que, pelo fato de o experimentador não mais estar separado do experimento, as características do observador-experimentador, na medida em que afetam suas observações e teorizações, são muito im portantes de serem conhecidas. Um dos aspectos mais im portantes do treinamento de um cientista de estado especí fico pode ser um prolongado treinamento psicológico, que lhe possibilite aprender a reconhecer as suas próprias ten dências e fontes de distorção. Uma vez que a intenção, a vontade ou o desejo podem criar experiências vividas em alguns SoCs, é muito mais importante para o investigadorobservador de ASCs estar consciente de seus próprios dese jos e tendências do que, por assim dizer, para um investiga dor das ciências físicas, onde o raio de ação típico dos sentimentos em relação ao resultado de um experimento pode não produzir erros flagrantes na leitura dos instrumentos. Experimentador-Observador-Sujeito O fato de que o experimentador deve estar apto a fun cionar habilmente no SoC relevante não significa necessa riamente que ele seja sempre o «sujeito». Embora com fre qüência ele seja sujeito, observador e experimentador simul taneamente, é totalmente possível que ele consiga coletar dados de manipulações experimentais de outros sujeitos naJjiveis mais superficiais.
Isto sugere que as amp1as relações entre níveis de ôoLs podem seguir leis semelhantes, a despeito das diferenças de conteúdos particulares e na organização global dos estados. Este é um problema muito interessante que deveria ser investigado.
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quele SoC e estar ele mesmo em tal SoC durante a coleta de dados e/ou durante a redução dos dados e a elaboração da teoria. O problema discutido sob o título de comuni cação de estado específico muito se aplica à coleta de dados de sujeitos em ASCs. Ilustrando uma Ciência de Estado Específico Seria de grande valor a apresentação de exemplos con cretos de dados e de teorias de ciências de estados especí ficos. Contudo isto não pode ser feito, pelo fato de não termos ainda desenvolvido tais ciências. Além disso, qual quer de tais exemplos poderia ser muito bem insuficiente para ilustrar a necessidade do desenvolvimento dessas ciên cias: se elas fossem facilmente compreensíveis para o leitor (que está provavelmente num SoC comum), não ilustrariam como uma ciência de estado específico poderia manipular certos tipos de dados de um modo que não pudesse ser feito em um SoC comum. Não posso recomendar ao leitor, que gostaria de sentir as dificuldades existentes na compreensão dos dados e teo rias de um ASC, as excelentes considerações de um antro pólogo, Carlos Castaneda, sobre suas tentativas de com preender os efeitos e crenças de um ASC de um feiticeiro índio Yaqui, chamado D. Juan (Castaneda, 1968, 1971). Não sei dizer se o sistema de D. Juan incluía uma ciência de estado específico desenvolvida (com um compromisso de constante refinamento), ou só um sistema de fé de estado específico acompanhado de uma tecnologia. Contudo as considerações de Castaneda de compreender o sistema, a partir de seu SoC comum e de seu treinamento científico ocidental, são insuperáveis ao ilustrar o problema que há na tentativa de compreender um SoC a partir do «exterior». Arte de Estado Específico Enquanto não dispomos de nenhuma outra ciência de es tado específico desenvolvida, que ilustre seus trabalhos
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atuais, além da ciência da consciência normal, temos um exemplo contemporâneo de campo algo semelhante: uma arte de estado especifico. Esta arte é o estilo de música co nhecido como acid rock, ou, de maneira mais geral hoje em dia, simplesmente como rock. O acid rock desenvolveu-se a partir do estilo musical conhecido como rock and roll, quando o uso do LSD e da maconha se tornou relativamente comum entre muitos mú sicos jovens. Embora seja chamado acid rock por esta razão, provavelmente a maior parte dessa música seja tocada e preferida por pessoas que estão num ASC causado pela maconha. Esta arte é de estado específico, por usar certo número das qualidades experienciais comuns da intoxicação de ma conha (Tart, 1971a) (também encontradas no LSD), para expressar certas coisas e para produzir certos efeitos que não podem ser alcançados na consciência comum. Embora alguns dos efeitos especiais possam ser transferidos entre vários SoCs, ou seja, o acid rock é apreciado em alguma extensão por ouvintes no estado de consciência comum, para a maioria das pessoas ele parece caótico e estridente, e elas não conseguem entender as letras das músicas. São efeitos comuns da maconha a capacidade de escutar quali dades novas e sutis dos sons e entender melhor as letras das músicas, bem como a estruturação do espaço poder ser feita mais em termos auditivos do que visuais, em níveis mais altos de intoxicação. Portanto, o acid rock mostra uma co municação de estado específico, na medida em que muito dele só pode ser entendido por pessoas em tal SoC. Este exemplo difere de uma ciência de estado específico por ter como objetivo mais a produção de efeitos estéticos do que um conhecimento de validação consensual. Ciências de Estados Específicos e Religião Superficialmente, muitos aspectos da religião organizada parecem ser semelhantes a ciências de estados específicos,
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Existem técnicas para permitir que o crente entre num ASC e tenha experiências religiosas naquele ASC que são a «pro va» de sua crença religiosa. As pessoas que tiveram tais experiências descrevem-nas geralmente como inefáveis em importantes aspectos, isto é, elas não são totalmente com preensíveis em um SoC comum. As conversões tão comuns em encontros de pregação intensa são os exemplos mais comuns de experiências religiosas que ocorrem em vários tipos de ASCs, através da indução feita por uma atmosfera religiosa intensamente emocional. Examinando-se os sistemas de treinamentos esotéricos de algumas religiões, parece haver uma semelhança maior entre tais meios místicos e ciências de estados específicos, pois aqui encontramos um quadro de especialistas dedicados, de técnicas complexas e de repetidas experiências de ASCs, que têm o objetivo de promover o conhecimento religioso. As ciências de estados específicos são simplesmente uma religião sob novo aspecto? Não. O uso de ASCs na religião pode envolver o tipo de compromisso de busca da verdade, que é necessário ao de senvolvimento de uma ciência de estado específico, mas pra ticamente em todas as religiões, que conhecemos, tudo o que encontramos é uma tecnologia de estado específico operada a serviço de um sistema de fé a priori. Ou seja, os experimentadores de ASCs, na maioria dos contextos religiosos, já foram completamente doutrinados num sistema de fé par ticular, antes de experienciarem qualquer ASC. O sistema de fé pode moldar, desta forma, o conteúdo de ASCs, criando experiências específicas, que reforçam ou «validam» o siste ma que «provam a fé». Na pregação, por exemplo, a pessoa que possuir um sistema de fé cristão e sujeita a uma pressão emocional incrivelmente intensa, até que, em muitos casos, o SoC normal se rompe temporariamente, ocorrendo um ASC (no momento não sabemos o suficiente para sermos mais específicos a respeito desse ASC). A pressão que pro duziu o ASC o estrutura agora de tal modo, que as crenças
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cristãs tomem o aspecto de experiências diretas, de «reve lações». A distinção crucial, então, entre uma religião que usa ASCs e uma ciência de estado específico, é o compromisso do cientista de reexaminar constantemente o seu sistema de fé, de «questionar o óbvio», a despeito das atrações inte lectuais e/ou emocionais que ele lhe possa oferecer. Os investigadores certamente encontrarão uma imensa varieda de de fenômenos rotulados de experiência religiosa ou de revelação mística no desenvolvimento de ciências de estados específicos, mas terão de permanecer ligados ao compromis so de examinar mais cuidadosamente estes fenômenos, dis cutindo as suas observações e técnicas com outros colegas e sujeitando as crenças (hipóteses, teorias) resultantes de tais experiências ao teste de predição exigido. Na prática, sabendo-se do imenso poder emocional que possuem as ex periências místicas, isto será uma tarefa difícil, mas que deve ser empreendida por investigadores disciplinados, se pretendemos compreender diversos SoCs. Irtter-relações entre Ciências de Estados Específicos Qualquer ciência de estado específico, ou quaisquer ramos de uma tal ciência, podem ser considerados como constituí dos de duas partes: observações e teorias. As observações são aquilo que pode ser percebido de uma maneira relati vamente direta; as teorias são as inferências feitas sobre as observações. Algumas teorias estão bem fundamentadas por testes feitos através de observações posteriores; outras são experimentais, aguardando o desenvolvimento de meios que as testem adequadamente. Comparando várias ciências de estados específicos, pode ríamos constatar que aquilo que em uma delas eram dados de observação, em outra é uma inferência teórica. Deste modo, ciências de estados específicos diferentes poderiam fornecer visões complementares dos mesmos fenômenos, como tam bém visões particulares de fenômenos específicos de cada SoC.
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Seria prematuro falar sobre a possibilidade de que as observações de uma CEE (Ciência de Estado Específico) possam validar ou invalidar as observações de uma segun da CEE; prefiro a posição mais conservadora: quando uma ou mais ciências diferentes se superpõem, elas fornecem pontos de vista completamente diferentes, com respeito a certos tipos de teorias e dados, portanto complementando-se mutuamente. Num sentido mais amplo, a extensão do método científico às CEEs, que é proposta neste artigo, não valida nem invalida as nossas atividades científicas comuns: uma ciência específica de um SoC normal. O que fazemos atual mente na ciência «normal» merece tanta expansão e conti nuação quanto possível, mas a possibilidade do desenvolvi mento de certas CEEs significa que certos tipos de fenô menos podem ser manipulados mais adequadamente dentro destas novas ciências em potencial. Fecundação Cruzada Como foi anteriormente mencionado, é bastante real a possibilidade de fecundação cruzada entre CEEs diferentes. Muitos exemplos de investidas criativas da ciência do SoC normal têm ocorrido quando o cientista entra temporaria mente num ASC, onde obtém uma visão do problema intei ramente diferente, e onde tipos de raciocínio diferentes, cons cientes ou inconscientes, levaram a resultados testáveis den tro da ciência do SoC normal. Um exemplo atual de fecundação cruzada, que começa a se dar entre a abordagem científica tradicional e o que se poderia chamar de uma CEE, é a descoberta de que na me ditação zen (uma disciplina altamente desenvolvida no Ja pão) existem correlatos fisiológicos de experiências medita tivas, por exemplo, uma freqüência reduzida de ritmo alpha (Kasamatsu & Hirai, 1966). Isto pode ser reproduzido atra vés de técnicas de aprendizagem por feedback instrumental (Kamiya, 1969). Este método tem a possibilidade de lançar alguma luz sobre os processos peculiares a cada disciplina.
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É difícil, presentemente, predizer a que os vários ASCs po deriam levar em termos de CEE, porque o nosso conheci mento da fenomenologia e das potencialidades desses esta dos é geralmente muito grosseiro e incompleto. Dada a imensa importância que alguns praticantes destes ASCs lhes atribuem, e considerando-se as drásticas mudanças que re sultam em seus modos de vida, poder-se-ia seguramente dizer que CEEs manipularão muito bem certos tipos de fenômenos importantes, embora na verdade não possamos especificar em detalhes quais serão eles. Estados «Superiores» de Consciência Embora o termo «superior» seja usado com freqüência por praticantes de alguns ASCs, ele raramente é definido de maneira clara. Ele geralmente leva a conotação de que o SoC que está sendo relatado é de algum(uns) modo(s) superior ou mais profundo do que a consciência comum. Os fenômenos particulares que levam freqüentemente a este tipo de afirmação incluem sensações de insights sobre si mesmo, insights com relação aos outros, compreensões intuitivas na natureza do universo, ou compreensões do lugar do indiví duo no esquema geral das coisas. Vamos definir um SoC como inequivocamente superior a outro, se todas as funções disponíveis no SoC inferior forem não só disponíveis no SoC superior, mas se também (1) algumas ou todas estas funções funcionarem mais eficiente mente e/ou (2) algumas funções novas, de valor positivo, estiverem presentes exclusivamente no SoC superior. Deste ponto de vista, e baseando-nos no nosso conhecimento atual dos ASCs, não conhecemos nenhum estado inequivocamente superior. Os vários SoCs que conhecemos parecem possuir qualidades e fraquezas, aumentos e diminuições, de modo que um SoC pode ser superior a outro com respeito a algu ma função específica, mas «inferior» em relação a outras. Por exemplo, um estado de intoxicação por maconha po deria produzir insights mais criativos do que a consciência
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comum, ao pensar-se a respeito do significado da vida; mas poderia ser inferior à consciência comum em seus efeitos sobre tarefas psicomotoras complexas. Diferenças Individuais Uma das suposições mais comuns e difundidas, que im pede o desenvolvimento de CEEs e confunde suas inter-relações, é a hipótese de que, por serem duas pessoas «nor mais», isto é, seguramente não insanas, seus SoCs comuns sejam essencialmente os mesmos. Sabemos, entretanto, que existem enormes diferenças entre os SoCs de pessoas nor mais. Pelo fato de que as sociedades treinam as pessoas a se comportarem e a se comunicarem em linhas socialmente aprovadas, estas diferenças são encobertas, deixadas de lado, sob o pretexto de serem «subterfúgios, idiossincrasias, dife renças pessoais», etc. Por exemplo, algumas pessoas pensam por imagens, ou tras pensam por palavras. Algumas podem anestesiar volun tariamente partes de seus corpos; a maioria não é capaz de fazê-lo. Algumas recordam fatos passados, imaginando a cena e «olhando» para os detalhes relevantes; outras usam complexos métodos associativos verbais, sem a presença de imagens. Isto significa que a pessoa A pode ter a capacidade de observar certos tipos de dados experienciais que a pessoa B não pode experienciar, em seu SoC comum, independente mente do esforço com que a pessoa B tente fazê-lo. Disso podem resultar diversas conseqüências. A pessoa B pode pensar que a pessoa A é «tonta», muito imaginativa, ou mentirosa, ou então sentir-se inferior a ela. A pessoa A pode também se sentir «bizarra», caso tome a pessoa B como padrão de «normalidade». Entretanto, em alguns casos, B pode entrar num ASC e experienciar coisas semelhantes àquelas que A lhe relatou. Um campo de conhecimento que é «comum» para A é, assim, um conhecimento de estado específico para B. De modo
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semelhante, algumas das experiências de B em seu ASC podem não ser acessíveis à observação direta de A em seu estado de consciência comum. Como exemplo prático, consideremos o fenômeno da sinestesia, cuja forma mais comum é a visão de cores, na mente, quando se é estimulado por sons. Embora alguns indivíduos possuam esta capacidade em seu SoC comum, tal não acontece com a maioria das pessoas. Também mui tos indivíduos que nunca experienciaram isto em seu SoC normal podem fazê-lo quando se encontram no ASC pro duzido pela intoxicação por maconha (Tart, 1971a). Podemos assim conceber quais conhecimentos que são específicos de um ASC para determinado indivíduo fazem parte da consciência normal de outros. Mais do que dis cutirmos sobre a utilidade do conceito de estados de cons ciência (como ocorre na literatura científica atual), deve ríamos dedicar-nos à compreensão de como os vários indi víduos diferem. Uma outra fonte importante de diferenças individuais, pouco compreendida atualmente, é o grau em que um indi víduo pode fazer uma observação (ter uma experiência) em um SoC e depois ser capaz de reexperienciá-la em outro SoC. Isto é, muitas informações que eram de estado espe cífico na observação inicial podem ser «aprendidas» em alguns aspectos e transferidas (total ou parcialmente) a um outro SoC. As diferenças entre indivíduos, o número de combinações de SoCs e os tipos de experiências serão pro vavelmente enormes. Problemas, Citadas e Riscos Pessoais A julgar-se pela experiência prática do homem ocidental com ASCs, torna-se claro que, num nível prático, o desen volvimento de CEE será cercado de inúmeras dificuldades. Tais dificuldades são de dois tipos: primeiro, os problemas metodológicos gerais suscitados pela natureza de alguns ASCs; segundo, os riscos e perigos pessoais que o inves
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tigador potencial terá de enfrentar. Devemos discutir estes assuntos separadamente. Problemas Relacionados a Estados: O primeiro problema importante que surge no desenvolvimento de CEEs é um fenômeno que pode ser descrito como a percepção «óbvia» da verdade. Em muitos ASCs, a experiência que se tem é a de estar experienciando direta ou obviamente a verdade, sem nenhuma dúvida a esse respeito. Um resultado imediato disto pode ser a extinção do desejo científico de um maior questionamento, de uma maior investigação do «óbvio». Realmente, um modo de ver a ciência é a constatação de que aquilo que aparentemente não necessita investigação freqüentemente leva a avanços importantes no conhecimento. Além disso, esta experiência da verdade «óbvia», embora não impeça necessariamente o investigador de ulteriormente examinar seus dados, pode não despertar nele o desejo de uma validação consensual. Isto pode constituir um sério retrocesso, pois uma das maiores forças da ciência é a sua insistência na validação consensual dos dados básicos. Ao tentar desenvolver CEE, os investigadores devem aprender a suspeitar do óbvio. Outro problema principal que pode ser encontrado no desenvolvimento de CEE é que, em alguns ASCs, as capa cidades humanas da visualização e da imaginação são imen samente aumentadas, de tal modo que qualquer coisa que se imagine parece ser perfeitamente «real». Por isso há possi bilidade de que se imaginem observações (baseadas em de sejos pessoais não-conscientes) e de que elas sejam experienciadas como dados diretos. Se alguém pode fazer apa recer magicamente qualquer coisa que deseje, e vê-las como dados básicos, como poderemos chegar à verdade? Um dos modos de se enxergar esse problema é considerar quaisquer de tais imaginações vivas como efeitos potenciais: elas são dados, no sentido de que tudo aquilo que possa ser vivamente imaginado em um dado SoC é importante de ser conhecido. Pode não ser o caso de que qualquer coisa se
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imagine com igual facilidade, e que as relações com o que pode ser imaginado mostrem um modelo sujeito a leis. De um modo mais geral, a maneira de se abordar esse problema é a verificação de que ele não é privativo dos ASCs. Pode-se experimentar todos os tipos de ilusões e de enganos na consciência comum. Na verdade, antes do avanço da ciência física moderna, todas as espécies de coisas que não podiam ser diretamente refutadas eram imaginadas a respeito da natureza do mundo físico. A abordagem que eliminou estas ilusões nas ciências físi cas é a mesma que as eliminará em CEE (Ciência de Esta dos Específicos) que lidam com dados não físicos, ou seja, é a tentativa de sujeitar todas as observações a uma vali dação consensual e/ou a elaboração de suas conseqüências teóricas acompanhada de um teste das predições de tais teorias. Na medida em que as experiências forem imaginações puramente arbitrárias, elas não mostrarão padrões consis tentes nem propiciarão replicações de interobservadores; e assim serão discerníveis daqueles fenômenos que exibem uma regularidade. Os efeitos destas imaginações exacerbadas em alguns ASCs deveriam ser também compensados em relação a dois outros importantes problemas: o problema das propensões do investigador, atualmente cada vez mais reconhecido na psicologia comum; e o fato de que as ilusões de uma pes soa num dado ASC podem ser comunicadas a uma outra pessoa no mesmo ASC, levando a uma espécie de falsa vali dação consensual. Mais uma vez, a única solução a longo prazo para estes problemas é a exigência da verificação experiencial das predições baseadas nos conceitos provenien tes de várias experiências. Um terceiro problema principal no desenvolvimento de CEEs é o fato de elas provavelmente não poderem ser de senvolvidas para todos os ASCs. Alguns ASCs podem envol ver uma verdadeira deterioração das habilidades de obser vação e de raciocínio, ou uma deterioração da vontade, de
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tal ordem que não se possa desenvolver uma CEE de ma neira adequada, ainda que se deseje. Os SoCs que parecem ser prováveis candidatos para o desenvolvimento de CEEs serão discutidos na próxima seção. Entretanto, deve-se notar que isto deveria ser determinado em defintivo como um resultado de experiências realizadas, e não como decisões a priori baseadas no raciocínio do nosso SoC normal, no qual podemos não estar aptos a avaliar de maneira adequa da os potenciais de um outro SoC. Um quarto problema é o da irtefabilidade. Algumas expe riências são inefáveis no sentido de que: (1) uma pessoa pode experienciá-las mas ser totalmente incapaz de expres sá-las ou conceitualizá-las adequadamente para si mesma, e/ou (2) embora a pessoa consiga conceitualizar uma expe riência para si mesma, a experiência é inefável no sentido de que a pessoa é simplesmente incapaz de comunicá-la de modo adequado a qualquer outra pessoa. Por isso certos fenômenos do primeiro tipo podem ser simplesmente inaces síveis à investigação científica. Os fenômenos do segundo tipo podem ser acessíveis à investigação científica, somente na medida em que estivermos prontos a reconhecer que uma ciência, no sentido de seguir as regras básicas, possa existir exclusivamente para uma pessoa. Isto é, uma pessoa pode ser tão científica quanto possível na tentativa de compreen der suas experiências pessoais. Uma tal ciência careceria de todas as vantagens obtidas por uma validação consen sual e não poderíamos esperar que ela possuísse todo o vigor da investigação científica. Deve-se notar que muitos fenômenos considerados atual mente como «inefáveis» podem realmente não sê-lo. Isto pode ser simplesmente um problema da nossa carência gene ralizada de experiências com ASCs e da falta de uma lin guagem adequada para a comunicação a respeito dos fenô menos de ASCs. As únicas linguagens bem desenvolvidas que conhecemos são de estado específico para um SoC nor mal. Nenhum fenômeno deveria ser considerado inefável aprioristicamente, mas somente após longas tentativas de uma investigação e de uma comunicação adequadas.
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Um quinto problema no desenvolvimento de CEEs pode ser o fato de que alguns fenômenos «internos» são tão ex clusivos para um indivíduo, que simplesmente não há nada que possa ser aprendido de modo generalizado a seu res peito. Um tal fenômeno pode ser útil para uma «ciência solitária», mas não para uma CEE generalizada. Contudo, uma abordagem enormemente negligenciada nas ciências psi cológicas é o estudo da regularidade de fenômenos que pode haver ao nível individual. Ou seja, um indivíduo terá expe riências totalmente únicas, não obstante haver padrões regu läres dentro de suas experiências, acessíveis ao estudo cien tífico. A regularidade dos padrões será realmente generalizável entre indivíduos, mesmo que as experiências individuais sejam totalmente únicas. Finalizando, deveríamos reconhecer a possibilidade de vá rios fenômenos dos ASCs serem demasiado complexos para a compreensão humana. Pode haver uma tal complexidade de variáveis, que não compreenderemos de maneira adequa da a natureza de tais fenômenos. Assim veríamos vários fenômenos tão instáveis e incertos que não chegaríamos a compreendê-los. Entretanto, na his tória da ciência, muitos fenômenos que inicialmente pareciam muito complexos acabaram sendo compreendidos. Por isso em nosso campo devemos simplesmente tentar e ver o que acontece. Riscos Pessoais Os riscos pessoais, encontrados pelo investigador que ten tar desenvolver uma CEE, são de dois tipos: os que pode ríamos chamar de riscos de bad trip e os de good trip. As possibilidades de um bad trip, que é uma reação emo cional extremamente desagradável que se dá num ASC, com possíveis conseqüências duradouras adversas no ajustamento pessoal de um indivíduo, geralmente se devem ao fato de que o treinamento e a educação na sociedade americana não preparam a maior parte das pessoas para experimentar
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uma alteração radical de seu SoC. Defrontamo-nos aqui com várias necessidades de segurança, com o medo do desco nhecido, com uma rigidez pessoal (de tal modo que a mu dança para um estado diferente parece ameaçadora), e com vários tipos de tabus pessoais e sociais. Por exemplo, minha experiência pessoal é de que durante o curto período de orgasmo sexual há uma modificação nítida no meu SoC, acompanhada de fenômenos de estado específico, incluindo memória de estado específico e outros efeitos intrigantes. Contudo estou relutante em escrever esta observação, devido aos tabus sociais e à dúvida que tenho de que possa receber grande apoio para iniciar uma investigação a respeito da consciência de orgasmo, e muito menos para desenvolver um projeto mais amplo de desenvolvimento de uma CEE deste SoC! A tradição generalizada da nossa sociedade con sidera os ASCs como sinais de loucura e isso geralmente induz grande medo nas pessoas que começam a experienciá-los. Um outro aspecto do risco de um bad tríp reside no fato de que, em muitos ASCs, as defesas contra impulsos pessoais inaceitáveis são alteradas, tornando-se total ou parcialmente inefetivas, de tal modo que a pessoa é inundada de materiais traumáticos que ela não é capaz de manipular. Todas estas coisas resultam num medo e numa evasão generalizados de ASCs, que dificultam ou impossibilitam muitas pessoas a funcionarem em tais estados de modo coerente com o de senvolvimento de uma CEE. Maslow (1966) considerou estes casos como patologias da cognição, que interferem seriamente tanto na pesquisa científica em geral quanto na vida cotidiana. Em princípio, uma seleção e um treinamento adequados reduziriam esses riscos, ao menos para algumas pessoas. Mas alguns pesquisadores também estariam sujeitos a tais riscos, ficando assim impedidos de investigar os ASCs. * 9. Em geral, as pessoas que desenvolvem um interesse pessoal em ASCs ou em SoCs "superiores” pensam que, uma vez que elas se tornaram interessadas por estes assuntos, lhes será bastante difícil errar, acham que transcende ram os problemas e as relações humanas comuns. É fato que todas as várias espécies de neuroses e de patologias que ocorrem no contexto da vida cotidiana podem também ocorrer no desenvolvimento espiritual ou da compreensão superior, sendo aqui de um reconhecimento muito mais ífiflcil.
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A segunda maior categoria de riscos pessoais seria a obtenção de um good tríp muito intenso, isto é, a obtenção de experiências em ASCs tão recompensadoras, que nova mente haveria uma interferência na atividade científica do investigador em potencial. A percepção da «verdade óbvia» acompanhada do despertar da necessidade de uma maior investigação ou de uma avaliação consensual e a habilidade de imaginar ou criar experiências vivas já foram anterior mente mencionadas. De modo semelhante, o apega a boas sensações, ao êxtase e a coisas semelhantes sufocam o progresso da investigação. Estes riscos pessoais enfatizam a necessidade do desen volvimento de um treino adequado, pelo qual possam passar os cientistas que desejarem desenvolver CEEs. Atualmente é difícil prever a forma que um treinamento desse tipo possa ter. Contudo, impõe-se duas observações bastante importan tes: primeiro, é claro que muito do treinamento científico convencional dado nas ciências atuais é de um tipo diferente daquele que seria necessário para o desenvolvimento de uma CEE. Muito treinamento convencional produz rigidez e fuga de um envolvimento pessoal com o objeto de estudo, mais do que abertura mental e flexibilidade. Em segundo lugar, muito do treinamento terá de ser aplicado à autocompreensão, para que sejam minimizados os efeitos (inconscientes) de tendências pessoais. Devemos ainda notar que serão necessárias uma experiên cia e uma adaptação a um SoC consideráveis, para um cientista de estado específico. Uma das maiores deficiências do nosso atual conhecimento experimental de ASCs é que quase todo ele tem sido recolhido de sujeitos ingênuos, que não possuem praticamente nenhuma experiência de tal ASC. Por isso quase todas as reações de tais pessoas têm sido reações de oposição, tentativas de adaptação a uma situação estranha e possivelmente ameaçadora. O envolvimento total Uma grande contribuição será feita por alguém que desenvolva uma Psico patologia adequada do caminho espiritual, possibilitando assim que as pes soas tenham consciência das distorções no pensamento, que se devem à fé, e de perigos semelhantes que possam ocorrer.
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numa tentativa de adaptação não possibilita boas observa ções, a não ser as das próprias reações de adaptação. Muitos de nós conhecemos exemplos infelizes de cientistas muito bem sucedidos nas ciências convencionais antes de se envolverem pessoalmente com ASCs e que se tornaram a seguir cientistas medíocres, ou experienciaram crises psico lógicas pessoais, Apesar disso seria prematuro concluirmos que tais resultados infelizes não possam ser evitados através de um treinamento e de uma disciplina adequados. No início da história das ciências físicas tivemos muitos fanáticos, pessoas desequilibradas e não objetivas em relação às suas investigações. Embora os riscos possam ser maiores no desenvolvimento de ciências para ASCs, nem todos os experienciadores de ASCs desenvolvem patologias a partir deles. Muitos deles, na verdade, parecem consideravelmente mais maduros. Somente as tentativas eficazes e de desenvolvi mento de CEEs nos possibilitarão saber quais SoCs ou que tipos de pessoas são inadequados para tais fins e quais SoCs produzem resultados úteis.10
Expectativas Acredito que o argumento mais forte para mostrar a necessidade tanto do desenvolvimento de CEEs quanto de um delineamento dos benefícios potenciais de tais ciências pode advir de uma visão retrospectiva da nossa atual situa ção social e da história humana. Um dos fatores mais im portantes da história humana é aquilo que poderíamos cha mar de fator espiritual ou místico, que se evidencia nas religiões que atraem grandes massas humanas. As experiên cias espirituais e místicas, tanto quanto as compreendemos, são um fenômeno primário de vários ASCs. Muitos dos atos mais nobres, como também atrocidades das mais horríveis, 10. Os ASCs que resultam do uso de algumas drogas bastante perigosas (heroí na ou álcool, por exemplo), podem ser de interesse científico, mas os riscos pessoais serão muito grandes para justificar o desenvolvimento de CEEs para tais ASCs. As conseqüências pessoais e sociais na avaliação de tais riscos estão fora do alcance deste artigo.
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têm sido cometidos por causa dos ASCs. Além disso, durante toda a existência da ciência ocidental, ainda não foi feita nenhuma tentativa real de compreensão de tais ASCs em termos científicos. Houve a esperança de que as religiões fossem simples mente uma forma de superstição e de que a superstição seria deixada para trás em nossa era «iluminada, racional». Esta esperança não só falhou historicamente como também a nossa própria compreensão da natureza do raciocínio de monstra a impossibilidade de sua realização. A razão é uma ferramenta empregada a serviço de hipóteses, crenças e necessidades não sujeitas à razão. O irracional, ou, melhor ainda, o arracional não desaparecerá da condição humana. O imenso sucesso alcançado no desenvolvimento das ciên cias físicas não tem ajudado muito na formulação de me lhores filosofias de vida nem favorecido um maior conheci mento de nós mesmos. A ciência que temos desenvolvido até agora não é uma ciência muito humana. Ela nos diz como fazer as coisas, mas nos dá pouco insight científico sobre as questões: o que fazer, o que não fazer, ou por que fazer determinadas coisas. Grande parte da atual crise de nossa cultura se origina do fracasso do funcionamento de nossos antigos sistemas reli giosos e da incapacidade de uma visão «científica» de subs tituí-los por algo mais funcional. Não só a juventude atual treinada tecnologicamente como também muitos cientistas maduros estão se voltando sempre mais para as religiões orientais, para a psicologia humanística e para o uso pessoal de drogas psicodélicas. Isso se deve ao fato de que os fenô menos encontrados nos ASCs, freqüentemente associados a tais atividades, são mais satisfatórios, mais relevantes do que a «razão pura» na formulação de uma filosofia de vida e na escolha de modos de vida adequados. Minha impressão pessoal é que um número muito grande de cientistas está hoje em dia explorando pessoalmente os ASCs, mas muito poucos começaram a ligar esta exploração pessoal às suas atividades científicas.
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Uma questão básica é se devemos continuar a deixar os ASCs exercerem sua profunda influência sobre a vida humana como fragmentos de conhecimentos dispersos e caó ticos, sujeitos às más interpretações, ou se devemos tentar expandir nosso conceito de ciência e desenvolver CEEs que poderiam aumentar as nossas habilidades de funcionar, de compreender e de aprender tais ASCs. É difícil sermos mais específicos na indicação de quais são as perspectivas de ganhos que existem no desenvolvi mento adequado de CEEs. O nosso conhecimento daquilo que pode ser compreendido dos ASCs na consciência normal é ainda bastante disperso, caótico e indireto. Acho bastante provável o desenvolvimento de CEEs para SoCs tais como auto-hipnose, estados meditativos, sonho lúcido, intoxicação por maconha e LSD, auto-recordações, fantasias e estados induzidos por feedback. Em todos estes SoCs parece haver uma retenção da vontade, de tal modo que um observador pode realmente realizar experimentos em si mesmo e/ou em outros. A intoxicação alcoólica, o sonho comum, os estados hipnagógicos e hipnopômpicos e os high dreams seriam outros estados de consciência, durante os quais desaparece ria a vontade de experimentar, embora possa ser realizada alguma experimentação pelo estabelecimento de condições especiais antes de entrarmos neles. Não me oponho a reli giões e a grupos místicos, embora tenha preferências pes soais, pró e contra, em relação a alguns. Suspeito ainda que a grande maioria desses grupos religiosos e místicos tem geralmente desenvolvido mais um sistema de fé que induz ASCs do que uma ciência de estado específico. Haverá uma expansão do método científico para o desenvolvimento de CEEs, que talvez possibilitem uma situação humana melhor do que a fornecida por diversas seitas e cultos? Assim espero. BIBLIOGRAFIA Castafíeda, C. The teachings of Don Juan: a Yaqui way of knowledge. Ber keley, Califórnia: Univ. California Press, 1968. — A separate reality: further conversations with Don Juan. Nova Iorque: Simon & Schuster, 1971.
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Kamiya, J. Operant control of the EEG alpha rhythm and some of its reported effects on consciousness. In C. Tart (Ed.), Altered states af consciousness: a book of readings. Nova Iorque: Wiley, 1969, p. 507-18. Kasamatsu, A., e Hirai, T. An electroencephalographic study on the Zen meditation (Zazen). Folio Psychiat. Neurol. Japonica, 1966, 20, 215-36. Reeditado em C. Tart (Ed.), Altered states of consciousness: a book of readings. NoVa Iorque: Wiley, 1969, p. 489-501. Kuhn, T. The structure of scientific revolutions. Chicago: Univ. Chicago Press, 1962. Orne, M. On the social Psychology of the psychological experiment: with particular reference to demand characteristics and their implications. Amer. Psychol., 1962, 17, 776-83. Price, G. Science and the supernatural. Science, 1955, 72, 359-67. Maslow, A. The P s y c h o l o g y of S c ie n c e : a r e c o n n a is s a n c e . NoVa Iorque: Harper & Row, 1966. Rosenthal, R. Experimenter effects in behavioral research. NoVa Iorque: Appleton-Century-Crofts, 1966. Tart, C. (Ed.) Altered states of consciousness: a book of readings. NoVa lorue: John Wiley & Sons, 1969. »n being stoned: a psychological study of marljuana intoxication. Palo Alto, Califórnia: Science & BehaVior Books, 1971 (a). — On the reality of non-ordinary reality. Paper, Third Interdisciplinary Con ference on the Voluntary Control of Internal States, Council Grove, Kansas, 1971 ( b) . — Measuring the depth of an altered state of consclousness, with particular reference to self-report scales of hypnotic depth. In E.Fromm
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IV PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA, NA REALIDADE, E NO ESTUDO DA CONSCIÊNCIA
DANIEL GOLEMAN Harvard University
Uma característica comum aos organismos em todos os níveis de organização é a sua apreensão limitada da reali dade. A estrutura do corpo humano determina a nossa expe riência da realidade: nossa percepção é limitada por nossas restrições biológicas. O sistema nervoso central recebe men sagens de algumas partes do ambiente, mas em geral está aquém ou além do que percebemos. Nossa realidade é cons truída com base nestas pequenas partes que percebemos. Mannheim (1936), na sua sociologia do conhecimento, descreve como a realidade é ulteriormente moldada pela sociedade e suas normas. Os grupos humanos constroem uma realidade a partir de inúmeras suposições implícitas. Whorf (1964) demonstra como estas suposições modeladoras da realidade operam na linguagem. Cada língua oferece um conjunto arbitrário de categorias e de normas sintáticas para a interligação destas categorias e, deste modo, o desen volvimento e o fluxo contínuos da realidade são retalhados artificialmente em um aspecto exclusivo. Dentro do contexto mais amplo da cultura, à experiência é ainda mais codifi cada e organizada pela ciência. Como observa Whorf, além das restrições da realidade definida culturalmente, cada sublinguagem técnica incorpora certos pontos de vista e certas resistências padronizadas contra outros pontos de vista am plamente divergentes. Do mesmo modo que no caso do sistema nervoso central ou de uma dada cultura, a ciência também está sintonizada para certos aspectos da realidade.
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mas outros aspectos escapam a seu foco. Dentro da ciência em geral, cada um de seus ramos e especialidades repre senta um foco mais refinado e pode ser considerado, até certo ponto, como uma subcultura auto-suficiente, que possui uma linguagem própria e uma visão do mundo especial. Kuhn (1970) descreve o elemento de arbitrariedade implí cito à história natural das escolas científicas e a maneira pela qual elas enxergam o mundo e nele praticam a ciência. Suposições tais como a natureza das entidades fundamentais que compõem o universo, a interação dessas entidades com os sentidos e as perguntas legítimas a serem feitas, do mesmo modo que as técnicas empregadas na busca de res postas, formam a base da iniciação educacional num campo da ciência. Estas suposições exercem um controle poderoso sobre as atividades de pesquisa, do mesmo modo que as categorias conceituais, fornecidas durante a educação pro fissional, nas quais o cientista subseqüentemente tenta dividir a natureza. A suposição subjacente àquilo que Kuhn chama de «ciência normal» é a de que a comunidade científica conhece profundamente o mundo. Um corolário desta supo sição é que a ciência normal freqüentemente suprime as novidades que são subversivas em relação aos seus compro missos básicos. Na psicologia, temos um exemplo de tal supressão nas primeiras reações dos médicos vienenses ao trabalho de Freud; um outro exemplo mais recente é a luta interna na AAAS (American Association For Advancement of Science) pelo reconhecimento da parapsicologia como uma área legítima da pesquisa científica. Do mesmo modo que a ciência normal pode reconhecer algumas áreas de pesquisa, pode também desconsiderar outras. Kuhn usa o termo paradigma para denotar «o conjunto total dos valores, técnicas e etc. que são compartilhados pelos membros de uma comunidade científica». Neste sentido — de construtos compartilhados — um paradigma em ciên cia se assemelha às outras visões do mundo compartilhadas pela comunidade, como por exemplo o budismo. Os meios pelos quais os paradigmas são transmitidos e perpetuados
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são semelhantes ao processo de socialização a qualquer outra realidade específica de um grupo. O treinamento profissio nal é uma socialização secundária, na qual o cientista prin cipiante adquire um paradigma específico de seu papel. O agrupamento e a reorganização dos fenômenos em termos de padrão científico específico é reforçado pelos resultados satisfatórios obtidos no tratamento de algumas coisas como reais e de outras coisas como irreais (isto é, sem conse qüências). Além de técnicas e modelos eficazes, o cientista em treinamento é pressionado a aceitar a definição do real que lhe é oferecida e um certo modo de ver as coisas seguro e recompensador. O local exato de situação do para digma assim inculcado é uma «escola», em que cada um de seus membros considera os outros como seu grupo de refe rência. Polanyi (1958) descreve a rede intrincada de avalia ções sobrepostas que os cientistas usam para estabelecer um tal grupo, cujos membros se confirmam mutuamente como observadores cuidadosos, respeitáveis e competentes, que reforçam a visão da realidade inerente ao paradigma daquela escola. Esta socialização a um paradigma de modo algum se limita à ciência, mas se aplica igualmente, por exemplo, ao lama noviço e ao cientista iniciante: ambos adquirem as regras implícitas a seus respectivos papéis, jogos e cosmologias, juntamente com o seu treinamento formal específico. Tanto o cientista quanto o lama entram num subuniverso de significado específico a seu papel que é socialmente diferen ciado, subuniverso esotérico em relação aos conhecimentos comuns e pertencente a uma coletividade particular. E em ambos os contextos culturais, a função do especialista é compreender e organizar a realidade para os leigos. Ao refletir sobre a sua própria educação profissional, o psicó logo Liam Hudson (1972) descreve o processo pelo qual ocorre a socialização a um paradigma científico. Ele nota que, juntamente com os conteúdos manifestos dos cursos, os professores também comunicam a seus alunos «suposi ções, preconceitos e metáforas implícitas», de uma maneira
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encoberta. As próprias lições de psicologia a que assistiu «eram — nas palavras de Goffman — as diretrizes de nossa realidade. . . poderosas porque tinham um livre controle da nossa definição daquilo que valia ou não a pena discutir», A teoria psicológica é modelada, até certo ponto, pela autobiografia, pela história pessoal dos teóricos, que influen ciam diretamente a sua articulação da teoria, como também sua ênfase nela. Por exemplo, na introdução ao Desconten tamento na Cultura, Freud comenta uma carta que recebeu do poeta Romain Rolland, que se tornara discípulo do grande santo indiano Sri Ramakrishna.1 Rolland descrevia a sen sação de algo «sem limites ou fronteiras», que viu como «a base fisiológica de grande parte da sabedoria do misticismo». Freud classificou este sentimento de «oceânico», e, admi tindo o seu embaraço e a sua falha em descobrir este senti mento oceânico em si mesmo, reinterpretou esta experiência de modo consoante com a sua própria visão do mundo, colo cando nas suas origens um sentimento de desamparo infan til, que considerou como a fonte do sentimento religioso. Freud aplicou assim explicitamente um padrão, por ele deri vado, para a compreensão de experiências de uma ordem diferente daquela experiência descrita por Rolland, mas que parece ter tornado os dados mais cômodos para Freud, que disse: A idéia de os homens receberem uma sugestão de se liga rem com o mundo que os cerca, através de um sentimento que desde o princípio está dirigido para este objetivo, parece tão estranha e se encaixa tão mal dentro da estrutura da nossa psicologia, que se justifica uma tentativa de desco brir. .. uma explicação psicanalítica de tal sentimento... Nas palavras finais da mesma introdução, Freud demonstra sua atitude com relação a este e a outros aspectos de esta dos alterados da consciência, que a partir dai se tornam uma suposição implícita de muitos, senão da maioria daque 1. O significado desta passagem foi apontado por R.D. pessoal).
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Laing
(comunicação
les que seguiram a linha psicanalítica que ele estabeleceu. Não seria difícil encontrar aqui conexões com diversas mo dificações obscuras da vida mental, tais conto transes ou êxtases. Mas eu sou levado a exclamar nas mesmas palavras do mergulhador de Schiller: ‘Deixe regozijar aquele que respira aqui em cima, à rósea luz’. As tentativas de elaboração de uma compreensão siste mática e abrangente do comportamento humano de modo algum surgiram com a psicologia ocidental contemporânea. A nossa psicologia formal, como tal, tem menos de cem anos, representando assim uma versão recente de um empreendi mento tão antigo quanto a própria história humana. É tam bém o produto das culturas, das sociedades e das histórias intelectuais européia e americana, sendo portanto apenas uma das inúmeras «psicologias» (embora para nós ela seja a mais familiar e a mais cômoda) articuladas como parte implícita ou explícita da estrutura da realidade, em todas as culturas, presentes e passadas. Se pretendemos chegar à plena compreensão da psicologia humana, é conveniente que nos voltemos para estes outros sistemas de psicologia, não como curiosidades a serem estudadas do nosso ponto de vista superior, mas como lentes especiais, através das quais pode mos ter visões e insights que as nossas perspectivas psico lógicas tornam obscuros. Do mesmo modo que podemos en contrar algumas perspectivas alternativas irrelevantes para a nossa própria situação, podemos também descobrir outras bem valiosas. Dorothy Lee (1950) observa que os indivíduos de cada cultura codificam a experiência segundo as categorias do seu próprio sistema lingüístico, compreendendo a realidade somente como é apresentada em seu código. Cada cultura registra e categoriza a experiência de modo diferente. O antropólogo reconhece que o estudo de um código diferente do nosso pode nos conduzir a conceitos e a aspectos da realidade automaticamente excluídos pelo nosso próprio mo do de ver o mundo. A maneira pela qual uma perspectiva
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cultural pode condicionar o antropólogo que falha em manter um ponto de vista imparcial em relação aos seus próprios sistemas de conceitos é apontada por Riesman (1972), ao comentar estudos antropológicos que apenas tendem a confirmar aquilo que pensamos que já sabemos da natureza humana, da sociedade, da condição humana. Pois, ao estudarmos «outras culturas». . . admi timos em princípio que «compreensão» significa «explana ção» em termos do que já estamos familiarizados pela nossa experiência e conhecimento do que é o mundo. Colocandose de outro modo, a compreensão antropológica é uma maneira de fazer o mundo sentir-se seguro, uma maneira de estender os limites da ‘ordem’ .. . Riesman vai mais além, sugerindo que um dos significa dos dos trabalhos de Castaneda (1969, 1971, 1972) reside em compartilhar com o leitor a sua luta pessoal para se desligar da sua visão ocidental padronizada da realidade e das suas hipóteses profissionais de antropólogo e final mente aceitar os ensinamentos do seu «informante», o xamã Yaqui, em seus próprios termos. Uma abertura semelhante por parte da psicologia contemporânea pode ser um requi sito para que possamos alcançar a sabedoria e os insights referentes à consciência contidos nas psicologias tradicio nais. Cada cultura possui um vocabulário especial para aquelas áreas de experiências mais importantes no seu modo de experienciar o mundo. Visto deste ângulo, é curioso que a nossa própria cultura tenha como o seu principal voca bulário para a descrição da experiência interior uma nosologia altamente especializada da Psicopatologia, enquanto as culturas asiáticas, como no caso da índia, possuem voca bulários igualmente intrincados para estados alterados da consciência e para os estágios do desenvolvimento espiritual. La Barre (1947) observa que a expressão exterior da emoção varia enormemente com a cultura, até mesmo ex pressões como riso e choro, geralmente considerados como
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determinados biologicamente. Do mesmo modo acontece com a experiência e comunicação de estados de consciência: a cultura modela a consciência para conformar-se a certas normas, limita os tipos de experiência ou categorias de expe riência acessíveis ao indivíduo e determina a conveniência e o grau de aceitação de um dado estado de consciência, ou de sua comunicação na situação social. Como Goffman (1962) demonstrou, estes princípios se aplicam à Psicopa tologia de nossa própria cultura, onde os estados alterados de consciência podem estar sujeitos às mesmas influências. Historicamente a cultura ocidental foi repressiva com rela ção a alguns estados alterados da consciência, como suce deu, por exemplo, com as heresias gnósticas da Idade Média, que provocaram a criação da Inquisição. Em outros contex tos, os estados alterados da consciência foram favorecidos, como nos Exercidos Espirituais de Santo Inácio de Loiola, no monaquismo católico. A maior negatividade com relação aos estados alterados de consciência pode ter ocorrido no último século. Uma razão para isso é que, em termos de Trabalho Ético, o estado mais funcional de consciência é o estado normal de vigília, que apresenta o padrão Beta de EEG. Outros ritmos de EEG estão literalmente fora de sin cronia com o padrão Beta e são caracterizados por sensações diferentes de tempo subjetivo. William James sugeriu que um estado de consciência produzido pelo metabolismo a 98,8° pode ser o estado ótimo para todas as situações ou para se estar no mundo, de modo geral. King (1963) tem uma observação curiosa: «Todos nós nos convencemos mutuamente de que o estado de vigília é uma condição sadia e adequada, pela única razão de que todos somos suas vítimas comuns.» A nossa realidade cultural normativa é de estado espe cífico. Na medida em que a «realidade» é uma convenção validada consensualmente, muito embora arbitrária, um estado alterado de consciência pode representar um modo de ser anti-social e desregrado. Segundo Ramanujan (1973), um tal estado alterado de consciência constitui uma impro-
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priedade contra uma ordem cultural implícita, sendo, por tanto, «um desmasearamento, uma anulação dos feitos hu manos. É um ato de violação contra as esperadas fidelidades comuns, uma quebra daquilo que é predizível e segu ro». É este mesmo fator de imprevisibilidade que pode ter levado ao policiamento público da hospitalização involun tária dos psicóticos. Pelo fato de que os estados alterados de consciência podem subverter do mesmo modo a ordem social, este mesmo medo do imprevisível pode ter sido um fator principal da repressão dos meios de indução de estados alterados na nossa própria cultura, por exemplo, as drogas psicodélicas, ou da suspeita mais generalizada contra técni cas como a meditação. Embora o sistema de valores culturais que exaltou o estado de vigília e a obstrução dos estados alterados (exce to a intoxicação alcoólica) da norma cultural tenha se reve lado funcional em termos do produto nacional bruto e do crescimento econômico, ele também nos forneceu uma cultu ra relativamente sem sofisticação em termos de estados alte rados da consciência (ASC). Outras culturas «primitivas» e tradicionais, embora menos produtivas em termos mate riais do que a nossa, possuem um conhecimento muito mais amplo do que o nosso a respeito das complexidades da consciência. Algumas culturas educam, de modo explícito, alguns ou todos os seus membros, para as alterações de consciência, e muitas delas desenvolveram «tecnologias» para este fim — por exemplo, os bosquímanos, que são treinados a entrar em transe através da dança, e que usam o estado de transe para práticas curativas (Katz, 1963). Outro exemplo é o do índio Yaqui guerreiro, que treina novamente seus hábitos perceptuais com o objetivo de apre ender mensagens e forças naturais que são geralmente des percebidas (Castaneda, 1973); ou do uso sistemático dos conteúdos oníricos para a manutenção de relações inter pessoais harmoniosas na vida da comunidade que os Senoi malásios fazem (Stewart, 1969). As culturas asiáticas possuem vocabulários bem desenvol vidos para a descrição e delimitação de distintos graus, níveis
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e tipos de estados alterados específicos da meditação, dos quais a nossa linguagem só começa a se aproximar de modo vago e grosseiro. Um destes sistemas enumera oito graus distintos de JHANA, enquanto que as palavras «concentra ção», «absorção» e «transe» nem de perto alcançam o seu sentido exato. Os dezoito estágios de consciência que levam ao nirvana descritos no mesmo sistema não possuem equi valentes na língua inglesa (Goleman, 1972). Embora o inglês tenha tomado emprestado o termo «nirvana», o seu emprego comum é uma distorção daquilo que ele original mente indica; embora tenhamos adotado o conceito, negli genciamos totalmente a experiência à que ele se refere. A base experiencial destes ensinamentos orientais pode ser bastante mais conseqüente tanto para o nosso sistema de psicologia quanto para a nossa cultura em geral, do que os conceitos que eles oferecem. Pesquisando o impacto dos ensi namentos religiosos orientais na juventude americana, Needleman (1970, p. 6) observa: Nossa moderna concepção de psicologia está sendo seria mente desafiada por estas novas doutrinas... Estes ensina mentos encontram ressonância em algum aspecto das pes soas que nunca foi tocado por nada em nossa cultura, algo que de certa perspectiva não «faz sentido», mas que de outra toma o sentido mais urgente e essencial. Os ensinamentos religiosos orientais contêm teorias psico lógicas, do mesmo modo que as nossas psicologias refletem cosmogonias. Dentro do contexto de suas respectivas cosmologias, as psicologias orientais tradicionais são equivalentes às nossas em termos de adequação «empírica», determinada não pelos cânones processuais da ciência empírica, mas como esquemas interpretativos aplicáveis aos fenômenos experienciais da vida cotidiana. Berger e Luckman (1967, P- 178) observam:,
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Na medida em que as teorias psicológicas são elementos da definição social da realidade, as suas capacidades de gerar realidades é uma característica compartilhada com outras teorias legítimas.. . Se uma psicologia se tornar socialmente estabelecida (isto é, caso ela se torne ampla mente reconhecida como uma interpretação adequada da realidade objetiva), ela há de se comprovar pela força nos fenômenos que ela pretende interpretar... As psicologias produzem uma realidade que, por sua vez, serve como a base de sua verificação. Berger também observa que a teologia forneceu o modelo para a conceituação científica do cosmo; na medida em que a ciência, de um modo geral, e a psicologia em parti cular articulam a estrutura para a nossa interpretação da nossa experiência da realidade, elas são equivalentes fun cionais da teologia, são componentes intercambiáveis dentro de um sistema de fé. Mas a validação tanto da teologia quanto da psicologia é feita através de sua interação com uma experiência individual da realidade. Um fator crítico na importância crescente que os ensinamentos orientais assu mem em nossa cultura, como ressalta Needleman, pode ser a freqüência cada vez maior de experiências de estados alte rados da consciência, sejam eles induzidos por drogas, pela meditação ou por quaisquer outros meios. As nossas teologias e psicologias atuais têm muito pouco a dizer com relação a estas transformações da consciência experienciadas por muitos; por outro lado, os ensinamentos orientais podem nos esclarecer muita coisa da freqüentemente con fusa experiência de ASC. O domínio de muitas das psicologias tradicionais abarca não só o território do estado de consciência normal, de vigí lia, como também se estende aos estados alterados de cons ciência, dos quais só recentemente o ocidente tomou conhe cimento (e cuja existência pode ser ainda um mistério para a maioria dos psicólogos ocidentais que ainda não os experienciaram, ou que ainda não ouviram nada a seu respeito).
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Os modelos da psicologia contemporânea, por exemplo, impedem o reconhecimento ou a investigação de um modo de ser que é a premissa central e o Summum Bonum de virtualmente todos os sistemas psico-espirituais orientais. Este modo de ser que recebe diversos nomes, como por exemplo «iluminação», «libertação», «o estado desperto», e assim por diante, simplesmente não possui nenhuma cate goria totalmente equivalente na psicologia contemporânea.1 Contudo, as psicologias tradicionais asiáticas possuem a capacidade de incluir as principais categorias da psicologia contemporânea tão bem quanto este outro tipo de consciência. A Roda da Vida Tibetana, por exemplo, retrata, através de imagens, seis campos de existência, cada um dos quais é uma metáfora de um estado psicológico diferente. * Um destes domínios, o da «besta estúpida», significa o nível de comportamento que é totalmente condicionado, e que cor responde ao mundo estudado pelo behaviorismo, onde o princípio determinante da ação e do pensamento é um sim ples hábito e a relação estímulo-resposta. Os domínios do inferno representam estados de ansiedade e de agressão e simbolizam todos os comportamentos baseados na ansiedade; este é o domínio da Psicopatologia descrito pelos psicólogos contemporâneos como Freud, Sullivan e Laing. O domínio dos Pretas, ou fantasmas famintos, corresponde ao apetite ou necessidade insaciável — aquilo que Maslow caracterizou como «motivação defeituosa». O domínio do céu retrata seres divinos que representam a felicidade sensual e a grati ficação da mais alta ordem; tanto a «experiência culminante» quanto muitas das experiências que surgiram a partir da psicologia humanística se incluiriam nesta categoria (expe2- O conceito de "experiência culminante” de Maslow (1970) é uma aproximaÇão existente na psicologia contemporânea; o conceito de "estados finais” (ultimate states) de Sutich (1973) pode também se incluir nesta categoria. As psicologias populares do Ocidente (p. ex., Norman Vincent Peale, Vincent Sheehan) empregam termos como auto-realização num sentido vago, para descrever o autodesenvolvimento em geral. * g?ta interpretação se baseia em explanações dadas por Chôgyam Trungpa Kimpoche, Herbert Guenther e Bhagvan Das (todas através de comunicaçoes pessoais). As extrapolações finais com relação à psicologia contemporânea sao minhas. Uma explicação mais completa e autorizada da Roda da Vida »ibetana é dada por Chôgyam Trungpa (1973).
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A Roda da Vida Tibetana representa, na psicologia budista, a criação e o desenvolvimento do ego. Cada um dos seis dominios da existência (circulo interno) é uma metáfora de um estado psicológico diferente e reflete espécies diferentes de projeções, ou mundos oníricos, que cria mos dentro de nós mesmos. O círculo da existência condicionada (circulo externo) envolve quatro tópicos gerais: 1. a singularidade da existência humana, 2. sua transitoriedade, manifestada pela morte, 3. a relação entre causa e efeito das ações do indivíduo, e 4. a insatisfação geral do mundo. O “sendeiro”, ou evolução, é a alteração dos processos •d'a consciência comum, o que proporciona o fim do sofrimento.
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riências que têm sido desenvolvidas em centros de cresci mento como Esalen). Juntamente com os deuses do céu aparecem os «deuses ciumentos», que representam uma atitude modelada não pela necessidade, mas pela inveja; eles refletem um estado motivacional de competição e de autoglorificação intensas — um estado mental amplamente estudado pela ciência social ocidental, como por exemplo por Veblen e Lorenz. O sexto domínio é o dos seres humanos e revela o potencial de insight da condição humana; este insight é bastante semelhante ao conhecimento formulado na trágica visão de Freud: não se pode escapar ao sofrimento. Freud, ao desenvolver este insight, não viu nenhum modo de fugir ao sofrimento, a não ser lutar com ele; o psicólogo budista, ao expressar este mesmo insight como a «Primeira Verdade Nobre», oferece uma alternativa: altere os proces sos da consciência comum e deste modo o sofrimento ces sará. O estado de consciência que transcende a todos os estados de existência comuns é o «Domínio do Buda», re presentado na Roda da Vida fora e além do círculo da existência condicionada que abarca os seis domínios comuns. O estado búdico é alcançado pela transformação da cons ciência ordinária, principalmente através da meditação, e este, uma vez alcançado, se caracteriza pela extinção de todos aqueles estados — por exemplo, ansiedade, carência, orgulho — que indicam os domínios comuns da existência. O lama tibetano Geshe Wangyal (1973) é bastante explícito na sua formulação da metamorfose radical que se opera: «O estado búdico não é simplesmente a constatação mental de algumas qualidades búdicas internas que já possuímos, mas uma transformação física de todo o nosso ser, em todas as suas inter-relações e interseções». O estado búdico é uma integração de uma ordem superior a qualquer uma sugerida pelos esquemas de desenvolvimento da psicologia contemporânea. Por exemplo, os principais atributos da «integridade do e?o», que é o estágio psicossocial final na epigênese do
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ciclo vital, formulado por Erickson (1950), incluem o se guinte: uma aceitação, por parte do indivíduo, de sua pró pria história; uma apreciação da dignidade e do amor; uma prontidão para defender o seu modo de vida único que é a fonte de sua própria integridade; e uma integração emocional que lhe permite tanto seguir aos outros quanto liderar. A falha numa integração bem sucedida neste estágio é caracterizada pelo desespero, pelo medo da morte e por um autodesprezo que se expressa na forma de um desprezo pelos outros. Esta lista de características contrasta com aquela fornecida por um clássico (Goleman, 1972), que descreve os atributos daquele que alcançou o estado nirvânico, o ponto final do desenvolvimento na psicologia budis ta. Uma lista parcial inclui o seguinte: um desaparecimento do interesse próprio ou do ressentimento como forças motivadoras do comportamento e de toda ligação ou aversão em relação à perda, desgraça, dor ou culpa; a ausência de «inimigo» ou de «aversão» como construtos significativos para o indivíduo, a tranqüilidade em relação a todos os obje tos sensíveis, o desvanecimento das ansiedades e sentimentos de «eu», e a transformação dos atos de uma maneira tal que eles são funcionais, tanto para a manutenção do corpo do indivíduo quanto para o bem dos outros. Existem alguns pontos comuns entre o estágio final de Erickson e a perso nalidade pós-nirvãnica, principalmente em termos de acei tação das circunstâncias de vida individuais, da ausência de ressentimentos e da ausência de medo (no caso de, Erickson, esta ausência é específica do medo da morte). As diferenças que existem entre os dois esquemas são mais óbvias no que diz respeito à defesa do modo de vida indi vidual: embora isto seja o «selo oficial» da integridade do ego, um tal comportamento seria bastante improvável no «estado búdico», devido à extinção da própria identidade: do ego. Um outro aspecto do estado búdico que não é característico da integridade do ego é o predomínio dasações que são guiadas pela consideração do bem alheio mais do que pelos próprios desejos, o que é um subproduto
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do desaparecimento da identidade, no sentido de auto-interesse. Isto significa um passo além do estágio final do desenvolvimento do ego, de Erickson; o mesmo se dá com a noção de que esta integração final pode se dar através de uma transformação da consciência. Um fato particular mente intrigante no esquema de desenvolvimento budista é que ele não só expande os construtos da visão daquilo que é possível ao homem da psicologia contemporânea, mas também fornece detalhes dos meios através dos quais uma tal modificação pode ocorrer. Muitos dos princípios psicológicos implicados pelo modelo de estado búdico tibetano foram de certa forma antecipados no Ocidente pelo pensamento de William James (1910): ele reconheceu a existência de estados de consciência além do comum, sugeriu a possibilidade de um retreinamento de «hábitos» neurais e viu a importância dos processos atencionais. Contudo, não desenvolveu as mesmas interligações teóricas entre estes fenômenos, como acontece na psicologia budista, ou seja, que através da meditação — uma mani pulação da atenção — pode-se entrar num estado alterado, e através do retreinamento sistemático dos hábitos atencionais pode-se alterar a consciência, como se fosse um aspecto do modo de ser. Uma tal alteração duradoura da estrutura e dos processos de consciência não é mais um ASC, mas representa um Traço alterado de consciência, ou ATC, onde os atributos de um ASC são assimilados aos estados de consciência comuns. O «testemunho» que é mantido durante a vigília, o sono e o sonho representam um ATC, enquanto que o jhana ou o samadhi são exemplos de ASCs. Embora as psicologias contemporâneas e tradicionais possuam alguns pontos em comum, p. ex., um interesse comum pelos processos atencionais, ou por uma compreen são da natureza ineseapável do sofrimento humano, cada uma delas explora territórios e técnicas completamente igno rados, ou abordados superficialmente pelas outras. O pen samento psicanalítico, por exemplo, esquematiza aspectos daquilo que no Oriente seria chamado de «karma», de uma
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maneira bastante mais rica em detalhes e em complexidade do que qualquer escola oriental de psicologia, do mesmo modo que as escolas orientais desenvolvem um conjunto de técnicas para uma alteração voluntária de consciência e para a estabilização em um ATC, estabelecendo deste modo uma tecnologia para lidar com realidades que estão além da mente, tal como é conceitualizada na psicologia contem porânea ou como é experienciada no nosso estado de cons ciência comum. Na medida em que a biografia é o progenitor da psico logia, estas diferenças paradigmáticas entre as psicologias orientais tradicionais e as psicologias ocidentais contempo râneas refletem diferentes experiências de estar-no-mundo. O pensamento psicanalítico, por exemplo, põe em evidência o conceito de teste-de-realidade, que do ponto de vista da relatividade dos estados de consciência é um teste limitado da realidade, mas que não se ocupa de uma concepção de níveis de realidade ou de ASCs, que existem na Roda da Vida Tibetana. O «teste-de-realidade» implica numa dicotomia «isto-ou-aquilo»; a concepção tibetana permite uma perspectiva «isto-e-aquilo» dos estados de consciência. A patologia ocidental da percepção é estabelecida pela compa ração da «realidade» com o mundo tal qual é percebido no estado de consciência de vigília, que exclui portanto o acesso ou a credibilidade à realidade que é percebida em outros estados de consciência. A patologia oriental complementar é ver a realidade como um todo diferente do da consciência de vigília, que assim rejeita o mundo físico considerando-o como ilusório. Tanto no caso da ciência em geral, quanto na resolução de quaisquer conflitos aparentes de perspectiva, de para digma ou de visão do mundo, entre as psicologias orientais e ocidentais, um esforço integratório poderia gerar resolu ções que poderiam ser formulações de uma ordem superior que nos ofereceriam uma compreensão dos estados de cons ciência e de realidades de estados específicos. Esta com preensão seria mais complexa e teria bases mais sólidas
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do que qualquer uma das que possuímos atualmente. Murphy e Spohn (1968, p. 110) descrevem de outra maneira a necessidade generalizada de exorcizarmos os «demônios dos auto-enganos» através de um processo de autocorreção que oferece a possibilidade de um maior contato com a reali dade e também de uma constatação de realidades poten ciais. A chave para uma transferência progressiva para modos de apreensão mais amplos, tanto para a psicologia como um todo quanto para o indivíduo: ... é o reconhecimento, como disse William James, de que «sempre existe algo mais» que excede os limites atuais da apreensão da realidade presente; e o desenvolvimento de uma abertura através da qual as potencialidades germinais — ou que ainda não são germinais — de novas realidades podem vir a existir. .. não somente do real que pode ser independentemente demonstrado por. .. métodos mais sen satos, mas do real que pode se apresentar de uma nova forma, à medida que a evolução se desenvolva. Tradução de Suzanne Beaudette Drummond e Ricardo de Britto Rocha BIBLIOGRAFIA Berger, P. L. e Luckmann, T. The social construction of reality. NoVa Iorque: Anchor, 1967. Castaneda, C. The teachings of Don Juan. NoVa Iorque: Simon and Schuster, 1969. — A separatereality. NoVa Iorque: Simon and Schuster, 1971. —* Journey to Ixtlan. NoVa Iorque: Simon and Schuster, 1972. Erickson, E. Childhood and society. NoVa Iorque: W. W. Norton and Co., 1950. Goleman, D. The Buddha on meditation and consciousness. Part I: The teachings. /. Transpersonal Psychol. 1972, 4, I, 1-44. Hudson, L. The cult of the fact. London: Jonathan Cape, 1972. James, W . Psychology: Briefer course. Nova Iorque: Holt and Co., 1910. Katz, R. Education for transcendence: Lessons from the IKung Zhu/twãsi, /. Transpersonal Psychol., 1973, 5, 2, 136-155. King, C. D. The states of human consciousness. NoVa Iorque: UniVersity Books, 1963. T* s * The structure of scientific revolutions, Chicago: UniVersity of Chicago Press, 1970.
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FÍSICOS E MÍSTICOS SEMELHANÇAS NA VISÃO DO MUNDO
*• Esta monografia foi escrita sob os auspicios de uma subvenção dada pelo °r. Frederick Ayer II.
LAWRENCE LESHAN, PH.D. Mills College of Education, Nova lorque
O propósito desta monografia é tentar mostrar as seme lhanças que existem entre os quadros de «como-o-mundofunciona» derivados dos dados de pesquisa acumulados por duas disciplinas diferentes. À primeira vista, estas duas dis ciplinas não parecem possuir nada em comum. Elas partem visando metas diferentes, têm metodologias completamente diferentes e parecem ser Totaliter Aliter: separadas uma da outra em todos os sentidos. Contudo, é interessante notar que em suas descrições gerais do universo elas parecem estar descrevendo as mesmas conclusões. O fato de que as conclusões sejam isomórficas, apesar de todas as suas dife renças de ponto de partida, de método e de objetivo, pare ceria indicar uma probabilidade muito maior da validade destas conclusões. Os dois grupos cujas conclusões queremos comparar são o dos modernos físicos teóricos e o dos místicos sérios. Dizer que os místicos possuem uma «disciplina», pode pare cer a muitos uma séria distorção do significado dessas pala vras. O estereótipo ocidental típico do místico é o de um indivíduo sonhador, desligado do mundo, que se prende a uma visão da realidade subjetiva, dirigida pela fé, habitada por Deus. Entretanto, se examinarmos os místicos importantes, dos quais possuímos extensos registros, vem à luz um material interessante. As semelhanças de seus relatos, inclusive da queles que indubitavelmente não tiveram nenhum contato
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com os fatos, são impressionantes. Na índia antiga, na Roma clássica, na Europa medieval e na Inglaterra do século XX, é bastante claro que em todas as épocas e lugares eles descrevem os mesmos fenômenos. Comentando este fato, diz o filósofo inglês C. D. Broad (1953): Para mim, a ocorrência da experiência mística em todos os tempos e lugares, e as semelhanças entre as declarações de tantos místicos de todas as partes do mundo, são um fato realmente significativo. Sugere prima facie que existe um aspecto da realidade com o qual estas pessoas estiveram em contacto, em sua experiência mística, o qual, posterior mente, eles tentam descrever na linguagem da vida cotidiana, muitas vezes em vão. Eu deveria dizer que esta objetividade aparente que surge à primeira vista deveria ser aceita por este seu valor aparente, até que se encontre alguma expli cação suficientemente satisfatória das semelhanças (p. 242). Evelyn Underhill (1912), uma das místicas mais sérias e profundas deste século, e provavelmente a estudiosa mais informada do assunto em nosso tempo, descreveu a mística da seguinte maneira: os ramos mais altamente desenvolvidos da família huma na têm em comum uma característica peculiar. Eles tendem a produzir — na verdade, de modo esporádico, e geralmente sob condições externas adversas — um tipo de personali dade singular e especial: um tipo que recusa a satisfazer-se com o que os outros homens chamam de experiência, e que, como dizem seus inimigos, se inclinam a «negar o mundo para poder encontrar a realidade'». Encontramos estas pes soas no oriente e no ocidente, tanto no mundo antigo e medieval quanto na atualidade... Qualquer que seja o tem po ou o lugar de sua existência, suas aspirações, doutrinas e métodos têm sido substancialmente os mesmos. A sua ex periência, portanto, forma um corpo de evidência, curiosa mente autocoerente e, com freqüência, mutuamente explica
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tivo, que deve ser considerado antes que possamos realizar a soma das energias e potencialidades do espírito humano, ou antes de especularmos racionalmente sobre as relações deste mesmo espirito humano com o mundo desconhecido que se situa além dos limites dos sentidos (p. 3). A grande coerência que caracteriza os relatos dos místi cos foi descrita admiravelmente por Bertrand Russel (1925), William James (1958), W. T. Stace (1961) e outros. Basicamente, o ponto de partida do misticismo sério é que os dados da realidade fornecidos pelos sentidos não são válidos, enquanto são influenciados pela natureza do homem e do seu sistema e técnicas de percepção. O místico acredita que através de um treinamento especial ele pode disciplinar, harmonizar e preparar todo o seu organismo (de uma ma neira semelhante àquela pela qual um atleta campeão disci plina, harmoniza e prepara o corpo), de tal modo que ele estará apto a transcender estas limitações e a perceber a realidade de uma maneira mais acurada. Todas as escolas sérias de treinamento místico (ioga, zen, misticismo cristão, o «trabalho» de Gurdjieff, etc.) concor dam sobre a necessidade de um treinamento longo e extre mamente árduo. Embora os procedimentos e as técnicas de treinamento variem superficialmente, tanto sua estrutura quanto sua orientação básicas são bastante semelhantes. Uma boa descrição de um destes métodos de treinamento (zen) pode ser encontrada na obra de Philip Kapleau (1967). A abordagem de Evelyn Underhill ao misticismo cristão pode ser um guia útil para aqueles que se inte ressam pela comparação de métodos de treinamento. Os objetivos do físico e do místico são tão diferentes quanto as suas técnicas de treinamento e pesquisa. A meta do físico é compreender e controlar a realidade física; a do místico é «estar mais em casa» no universo, compreender a realidade, ser uma parte dela e atingir a serenidade, a paz e a alegria. O fato interessante a respeito desses dois objetivos é que as técnicas empregadas por ambos os
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grupos estão claramente adaptadas a eles. Ambas as téc nicas «funcionam»; o físico alcança uma compreensão e um controle sempre maiores da realidade; o místico sério rela ta a crença profunda de ter alcançado um estado de sere nidade, de paz e de alegria e de estar mais «em casa» no cosmo. Os observadores externos dos místicos relatam que estes se comportam e agem como se isso fosse verdade. ’ Embora tenham dois pontos de partida teóricos diferen tes, dois conjuntos diferentes de técnicas e de objetivos (exceto pelo fato de ambos concordarem que os fatos sensoriais nos fornecem, no máximo, um quadro muito limitado da realidade, e que seus objetivos são compreender esta realidade de maneira mais ampla), tentemos comparar os dois grupos. Desde que ambos tentem compreender a essên cia da realidade de um modo mais completo, e desde que ambos descrevam suas conclusões sobre esta essência, tente mos compará-las. Isto eqüivale a dizer que ambos chegam a um «quadro-do-mundo» e o descrevem em algum detalhe. Existe também uma concordância bastante generalizada dentro de cada grupo, o que nos permite fazer uma descrição composta do seu «quadro-do-mundo» que ofereça coerên cia, com a qual todos os membros qualificados do grupo estariam de acordo. Vamos comparar estes dois Weltbilder, estas duas concepções de «como-funciona-o-universo». Um modo de verificarmos quão similares ou diferentes são estas duas opiniões seria tomarmos afirmações ou parágra fos que resumem um aspecto da visão do mundo e verifi carmos se podemos dizer com facilidade se eles foram escri tos por físicos ou por místicos. Se as visões destes dois grupos forem muito diferentes, não deveremos encontrar 2. Talvez seja importante notarmos aqui que o estereótipo do místico como uma pessoa sonhadora e fora do mundo parece não corresponder aos dados. Todos os historiadores sérios do misticismo relatam o grande número de casos místicos que foram ativos e influentes, demonstrando ser grandes administradores (como Teresa de Avila ou São João da Cruz) e que "sua capacidade de trabalho é curiosamente notada em um grande número de casos” (Inge, 1950, p. Xvii). É verdade, de fato, que do mesmo modo que existem físicos sonhadores e desligados do mundo, também existem místicos sonhadores e desligados do mundo. Entretanto, em ambos os casos, parecem não ser a regra.
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dificuldades na sua identificação. Se forem muito seme lhantes, não seriamos capazes de fazê-lo muito facilmente: não seriamos capazes de dizer se o escritor foi um místico ou foi um físico, se foi Buda ou Max Planck! Na seção seguinte desta monografia, propomos um expe rimento desse tipo. Será apresentada uma lista de afirma ções, cada uma das quais provém de um dos dois conjuntos de fontes que citamos abaixo (Tabela I): um deles é com posto pelos escritos de místicos, o outro por escritos de físicos teóricos modernos. A tarefa será a identificação do conjunto do qual provém cada uma das citações.3 Esforçamo-nos ao máximo no sentido de não deslocar as citações de seus contextos. As citações curtas parecem refletir de uma maneira breve e satisfatória o que o autor estava di zendo numa extensão maior. Elas foram retiradas de textos onde os físicos estavam escrevendo como físicos e os mís ticos como místicos. As únicas modificações ou omissões que não são indicadas nos textos consistem no não emprego de maiúsculas em palavras tais como Absoluto, Espaço, Uno, que nos originais aparecem com esta grafia.4 Tabela I FONTES DE CITAÇÕES
Místicos
Físicos
Evelyn Underhill Dogen (Mestre Zen do séc. XIII) Plotino O Dhammapada O Surangama Sutra Suzuki Eugen Herrigel
A. Eddington A. N. Whitehead H. Dingle P. Schrödinger P. W. Bridgeman J. R. Oppenheimer H. Weyl
3. Talvez seja mais fácil e interessante marcar cada citação com um "F” (para os físicos) ou um “M” (para os místicos) e Verificar posteriormente na tabela 2 se aresposta está certa ou errada. 4. Uma palavra de advertência: muitos desses textos são traduções (p. ex. do latim ou do sânscrito) e talvez revelem um estilo mais moderno do que original. De fato, todas as traduções usadas são sérias e conservam o significado e o conteúdo do original.
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Sri Vivekananda O Svetasuatara Os Upanixades Meister Eckhart Dionisio Areopagita Rudolf Eucken Artigos da doutrina sufi O Majjhima Nikaya Sutra Coomaraswamy, A. K. Sri Aurobindo Classificação zen de crescimento Pessoal durante treinamento zen Santo Agostinho
W. Heisenberg A. Einstein L. de Broglie Max Planck James Jeans Bertrand Rüssel Henry Margenau H. Reichenbach N. Bohr
No primeiro grupo de citações, nos ocuparemos do pro blema da relação do homem às suas percepções: em que medida o quadro da realidade fornecido pelos dados sensoriais é objetivo e satisfatório. 1. Com relação às características mais amplas, vemos na natureza aquilo que procuramos ou que estamos preparados para procurar. Na verdade, com isso não quero dizer que possamos «arrumar os detalhes da cena», mas que, através da luz e da sombra de nossos valores, colocaremos em cena coisas que terão as amplas caracte rísticas que admiramos. Neste sentido, o valor dado à permanência cria o mundo da aparente substância; neste sentido, talvez, o Deus interno crie o Deus na natureza. 2. A natureza recebe honras que, na verdade, deveriam ser reser vadas a nós mesmos: a rosa, por seu perfume; o rouxinol, por seu canto; e o sol, por sua luminosidade. Os poetas estão comple tamente enganados. Eles deveriam dirigir seus poemas a si mesmos e deveriam transformá-los em odes de louvor à excelência da mente humana. A natureza é algo inerte, que não possui som, perfume ou cor. É meramente a precipitação de coisas, infindavelmente, inexpressivamente. 3. Fica imediatamente manifesto que este mundo sensível, este uni verso externo de aparência real, embora possa ser útil e válido em outros casos, não pode ser o mundo externo, mas só a imagem dele projetada pelo eu. É uma obra de arte, não um fato científico; e embora possa possuir o profundo significado próprio às grandes obras de arte, é perigoso, se tratado como sujeito da análise. A investigação bastante superficial mostra que ele é um quadro cuja
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relação com a realidade é, no máximo, simbólica e aproximada, e não teria significação para seres cujos sentidos ou canais de comunicação estivessem dispostos num plano diferente. A evidência dos sentidos, portanto, nâo pode ser aceita como evidência da natureza da realidade última. Ós sentidos são servos úteis, mas são também guias perigosos. 4. O homem se dispõe e constrói esta disposição como o mundo. 5. Não há dúvida que não deveríamos falar do ato de ver, mas ao invés de objeto visto e sujeito que vê, deveríamos nos referir cora josamente a uma unidade simples. Porque neste «ver» não distinguimos e nem existem duas coisas. 6. É a mente que dá às coisas a sua qualidade, seu fundamento e sua existência. 7. Quando pensávamos que estávamos estudando o mundo exterior, nossos dados ainda eram as nossas observações; omundo era uma inferência feita a partir delas. 8. . . . a razão pela qual o nosso ego que sente, percebe e pensa não é encontrado em nenhum lugar do nosso mundo, pode ser facil mente expressa em sete palavras: porque ele próprio é este quadro do mundo. Ele é idêntico ao todo e portanto não pode estar contido neste todo como uma de suas partes. 9. . . . todos os fenômenos e seus desenvolvimentos são simples mente manifestações da mente; todas as causas e efeitos, desde os grandes universos até a fina poeira que só é vista à luz do sol, tomam uma existência aparente apenas através da mente discriminante. Mesmo o espaço aberto não é o nada. 10. . . . a substância do mundo é a substância mental. 11. . . . o jogo de dar e receber que se verifica entre a consciência humana e o mundo exterior. 12. Geralmente falando, nunca deveríamos pensar no mundo que nos rodeia sem ao mesmo tempo considerarmos a «aparelhagem» nervosa de nosso cérebro, através da qual adquirimos o conheci mento deste mundo. 13. . . . ao buscarmos a harmonia na vida, nunca devemos esquecer que no drama da existência nós mesmos somos os atores e os espectadores.
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No segundo grupo de citações nos ocuparemos da com paração de dois modos de ver a realidade: «o senso comum», o modo cotidiano dos sentidos, e a outro, da visão mais profunda da realidade. 14. Cada vez mais — como o ser e o devir, a eternidade e o tempo, a transcendência e a imanência, a realidade e a aparência, o uno e o múltiplo — essas duplas de conceitos dominantes, essas necessidades, esses instintos imperiosos do homem reaparecerão, na urdidura e na trama do seu universo completo. 15. Estes dois conjuntos de pensamentos, o tempo e a história, e o atemporal e a eternidade, são ambos partes dos esforços do homem para compreender o mundo em que vive. Nenhum dos dois está compreendido no outro, nenhum dos dois é redutível ao outro. .. cada um complementa o outro, nenhum deles conta a história toda.
Na citação seguinte, e em várias outras, uma palavra do texto original era um «presente», ou seja, evidenciaria clara mente o grupo a que ela pertence. Ofereci uma alternativa para esta palavra; uma alternativa que pertence à linguagem do outro grupo. Pode-se ler a citação de ambos os modos, usando a primeira ou a segunda palavra entre parênteses. 16. A teoria do(a) (Satori) {Relatividade) pode ser definida como um perscrutar intuitivo da essência das coisas, que se opõe a uma compreensão analítica ou lógica dessa essência. Na prática, isto significa a revelação de um novo mundo até então despercebido na confusão da mente treinada dualisticamente. Ou então, podemos dizer que com a teoria do(a) (Satori) (Relatividade), tudo o que nos cerca é visto de uma perspectiva completamente inesperada e diferente da percepção... que é formulada logicamente: todos os seus (os mundos) opostos e todas as suas contradições são unidas e harmonizadas num todo orgânico e coerente. 17. Ao que me parece, a primeira característica da nova maneira de ver é que, à sua luz, todas as coisas possuem a mesma importân cia, desde a mais trivial até a mais significativa (segundo os padrões humanos típicos). Todas elas parecem ter adquirido um valor abso luto, como se tivessem se tornado transparentes, revelando uma relação que não é obtida dentro do campo comum de visão. Esta relação não é horizontal, não liga uma coisa a outra, assim per-
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maneeendo dentro do mundo dos objetos; pelo contrário, ela é vertical: penetra no âmago das coisas, vai até o seu ponto de origem. Desta forma as coisas são vistas... a partir de sua origem, independentemente do «ser» que se manifesta nelas. Nesta medida, todas elas possuem o mesmo valor, todas possuem as características ilustres de sua origem. Elas não são objetos isolados em si mesmos, ao campo comum de sua existência, embora este campo só possa ser percebido através delas, através daquilo que existe, embora ele seja a origem de toda a existência.
O próximo grupo de citações se refere à relação entre cognição e lógica, e uma compreensão da realidade. 18. Através da (Ciência) (Meditação) constatamos cada vez mais que a nossa compreensão da natureza não pode partir de nenhuma cognição definida, que ela não pode ser construída sobre um ali cerce sólido, mas toda a cognição está, por assim dizer, suspensa sobre um abismo infinito. 19. O pensamento puramente lógico não nos pode fornecer nenhum conhecimento do mundo empírico: todo o conhecimento da realidade começa e termina na experiência. As proposições a que chegamos por meios puramente lógicos são completamente vazias de realidade. 20. Entretanto, desde que a percepção sensorial só nos fornece informações indiretas do mundo exterior, só podemos compreendê-lo pela especulação. 21. As leis da matemática, na medida em que se referem à reali dade, não são certas; e, na medida em que estão certas, não se referem à realidade.
O grupo de citações que se segue se refere aos dois as pectos da realidade: o «absoluto» (o continuum quadridimensional, o «uno»), e o mundo da realidade aparente. 22. O absoluto (é ). . . tudo o que existe. . . este absoluto se tornou o universo... (como nós o percebemos) através da experiência do espaço, do tempo e da causalidade. Esta é a idéia central de (Minkowski) (Advaita)... Tempo, espaço e causalidade são como o vidro através do qual vemos o absoluto, e quando ele é visto... aparece como o universo, A partir daí concluímos que no universo
in
não há nem tempo, nem espaço, nem causalidade. . . aquilo que podemos chamar causalidade começa após, se nos for permitido assim dizê-lo, e não antes da degeneração do absoluto do fenomênico. 23. No (Uno) (Espaço-Tempo) tudo aquilo que para cada um de nós constitui o passado, o presente e o futuro é dado em bloco, e toda a coleção dos eventos, sucessivos para cada um de nós, que formam a existência de um (a) (objeto) (partícula) material é representada por uma linha, o mundo-linha do(a) (objeto) (par tícula) . . . Cada observador, à medida que seu tempo passa, des cobre, por assim dizer, novas «fatias» do (Uno) (Espaço-Tempo) que lhe aparecem como sucessivos aspectos do mundo material, embora na realidade a totalidade dos eventos que constituem o (Uno) (Espaço-Tempo) tenha uma existência anterior ao conheci mento que este observador tenha a seu respeito. 24. Este mundo não possui existência? O que significa isso? Signi fica que ele não possui uma existência absoluta. Ele só existe em relação à minha mente, à sua mente e à mente de todas as outras pessoas. Nós vemos este mundo através dos cinco sentidos, mas se possuíssemos um outro sentido, veríamos no mundo algo mais. Se possuíssemos outro sentido, o mundo se nos apareceria algo diferente. Portanto, ele não possui nenhuma existência real; não possui nenhuma existência imutável, imóvel, infinita. Também não pode ser chamado de não-existência, vendo-se que ele existe e que temos que conhecê-lo. 25. Se do espaço e do tempo extraíssemos o conceito do absoluto, isto não significa que o absoluto desse modo esteja banido da existência, mas que ele é remetido para algo mais específico. . . esta coisa mais fundamental é o (uno atemporal) (a multiplici dade quadridimensional). 26. Se observarmos a praia enquanto navegamos num barco, senti mos que a praia está se movendo. Mas se olharmos mais próximo do barco, sabemos então que é o barco que se move. Quando a lenha se torna cinza, ela nunca volta a ser lenha. Mas nós não deveríamos considerar que aquilo que é finalmente cinza foi inicialmente lenha. O que deveríamos compreender é que. . . a lenha permanece lenha. Existem estágios iniciais e posteriores. Não consideramos que o inverno se torna primavera ou que a primavera se torna verão. 27. Qual é a causa do universo?... tempo, espaço, lei, acaso, maté ria, energia primordial, inteligência — nenhuma destas coisas, nem
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uma combinação delas pode ser a causa final do universo, pois elas são efeitos... este universo é constituído do perecível e do imperecível, do manifesto e do não manifesto. . . verifique se a mente, a matéria e a força que une mente e matéria são apenas três aspectos da realidade una. 28. Esta(e) (região divina) (block universe) (multiplicidade quadridimensional) é uma imobilidade unificada, imóvel em si mesma. Porém, desta imobilidade todas as coisas são movimentadas e rece bem vida. 29. Porque no absoluto não há nem espaço, nem tempo, nem causalidade... Tudo é um.
No próximo grupo, nos ocuparemos com realidade, exis tência e não-existência. 30. Portanto, o mundo material. . . constitui o mundo total da apa rência, mas não o mundo total da realidade; podemos imaginá-lo como um corte transversal do mundo da realidade. 31. O (Supremo) (continuum) não pertence nem à categoria da nãoexistência, nem à da existência. 32. Tenho receio da palavra «realidade», que não constitui uma característica comumente definível das coisas às quais a aplicamos, mas a usamos como se fosse algum tipo de halo celeste. Duvido muito que alguém de nós possua a mais pálida idéia do que sig nifica a realidade ou a existência de outra coisa que não sejam os nossos próprios egos.
Nas duas próximas citações ( como também no caso dos números 59a e 59b) modificaremos um pouco o quebracabeças, para variarmos a brincadeira. Serão apresentadas duas citações, uma delas podendo ser uma paráfrase da outra (na linguagem do outro grupo), ou ambas podem ser válidas. Isto quer dizer que uma ou ambas as citações são verdadeiras. Escolha qual delas (ou ambas) é a citação legítima. 33a. A realidade última é unificada, impessoal e pode ser compreen dida se a buscarmos de um modo impessoal, além dos dados for necidos por nossos sentidos.
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e/ou 33b. I. A realidadeúltima é una. 2. A realidade última é impessoal. 3. A realidade última pode ser conhecida nhecimento impessoal, supersensorial.
alcançando-se o co
34a. Vaccha perguntou a Buda: Você afirma que a alma do santo existe após a morte? Eu não afirmo que a alma do santo exista após a morte. Você afirma que a alma do santo não existe após a morte? Eu não afirmo que a alma do santo não exista após a morte. Onde o santo renasce? Dizer que ele renasça não viria ao caso. Então ele não renasce. Dizer que ele não renasce não viria ao caso. e/ou 34b. Se perguntarmos, por exemplo, se a posição do elétron perma nece a mesma, devemos responder «não»; se perguntarmos se a posição do elétron muda com o tempo, devemos responder «não»; se perguntarmos se o elétron está em repouso, devemos responder «não»; se perguntarmos se ele está em movimento, devemos res ponder «não».
As citações que se seguem se referem ao aspecto dinâmicoestático da realidade. 35. (A nova perspectiva é) (O sábio diz que é) inteiramente dife rente. Os conceitos fundamentais são atividade e processo . .. A natureza é um teatro para as inter-relações de atividades. Todas as coisas se modificam, as atividades e suas inter-relações... Em lugar da noção aristotélica da seqüência de formas (nós). . . substituímos as formas de processo. 36. (O budismo) (A ciência moderna) classifica o mundo. . . não em diferentes grupos de objetos, mas em diferentes grupos de rela ções. .. e assim o mundo parece ser um complicado tecido de eventos, no qual as relações de diferentes tipos se alternam ou se sobrepõem ou se combinam e deste modo determinam a tessitura do todo. 37. (A ciência moderna) (A compreensão mais profunda) tem de monstrado que no mundo real que nos cerca não são as formas
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geométricas, mas as leis dinâmicas referentes ao movimento (vindo à existência e se perdendo) que são permanentes. 38. Estamos enganados se nos permitirmos acreditar que há con tinuamente pausas no fluxo do devir, que há um lugar de repouso onde a existência positiva é alcançada pela menor duração de tempo. Só fechando os olhos para a sucessão dos eventos é que falamos de coisas, e não de processos. 39. Substância é um dos conceitos mais dominantes da nossa pers pectiva comum do mundo da experiência sensorial, e é um dos conceitos com o qual (a ciência) (a sabedoria) se acha constante mente em guerra. 40. A crença de que aquilo que é, em última instância, real, deve ser imutável, é bastante comum; ela deu origem à noção meta física de substância, que encontra, mesmo atualmente, uma base ilegítima em doutrinas científicas, como a conservação da energia e da massa. 4L É uma forma primitiva de pensamento o de que as coisas ou existem ou não existem; e o conceito de uma classe de coisas que possui existência resulta de forçarmos o nosso conhecimento a uma estrutura de pensamento correspondente. Todo mundo o faz ins tintivamente . .. 42. Há algo de inefável com relação ao real, algo que é ocasional mente descrito como misterioso e aterrorizador; a propriedade à qual isto se refere é indubitavelmente a sua espontaneidade, a sua falha em se apresentar como a conseqüência perfeita e articulada do pensamento racional. 43. O (corpo) (sólido) sempre tem uma posição definida no espa ço; (a alma) (o elétron) aparentemente não tem. Um (corpo) (sólido) ocupa uma determinada quantidade de espaço; (um(a) (alma) (elétron)... bem, a discussão de quanto espaço (um(a) (alma) (elétron) ocupa é provavelmente tão sem sentido como a discussão a respeito de quanto espaço ocupa um medo, uma ansie dade ou uma incerteza.
Este grupo se refere ao tempo, ao espaço, à matéria e à causalidade. 44. O mundo objetivo simplesmente è, ele não acontece. Somente aos olhos da minha consciência, que se arrasta para cima junta
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mente com a linha vital do meu corpo, uma seção deste mundo vem a existir como uma imagem passageira no espaço, que se modifica continuamente no tempo. 45. O tempo, então, está contido na diferenciação da vida; o incessante movimento de avanço da vida traz consigo um tempo interminável; e a vida, à medida que adquire seus estágios, constitui o tempo passado. .. a eternidade, como dissemos, é a vida em repouso, imutável, sempre infinitamente completa. . . a origem do tempo, de um modo claro, deve ser traçada a partir das primeiras tendências de atividade da (alma) (mente) dirigidas à produção do universo sensível, juntamente com o ato consecutivo que se dá . . . a (alma) (mente) produz ao mesmo tempo o universo e o tempo. 46. A importância do tempo é mais prática do que teórica, se rela ciona mais aos nossos desejos do que à verdade. Uma imagem mais verdadeira do mundo. . . é obtida, se concebermos as coisas como entrando no fluxo do tempo a partir de um mundo eterno exterior, e não a partir de uma perspectiva que considera o tempo como o tirano devorador de tudo que existe. 47. Esta é a razão de se dizer que (o espaço-tempo) (sunyata) é um reservatório de possibilidades infinitas e não somente um estado de mera vacuidade. Diferenciando-se e também permanecendo indiferenciado em si mesmo, e isto se dará eternamente no mundo da criação . .. podemos dizer que ele é uma criação a partir do nada. 48. A despeito de quão profundo possa ser o abismo que separa a natureza intuitiva do espaço da natureza do tempo em nossa Expe riência, nada desta diferença qualitativa entra no mundo objetivo que (a hatha-yoga) (a física) empenha-se por cristalizar a partir da Experiência Direta. É um (uno atemporal) (continuum quadridimensional) que não é nem espaço nem tempo — somente a consciência que passa por uma parte do mundo experiencia o peda ço isolado que vai ao seu encontro e o deixa para trás, como história, que é um processo que avança no tempo e se realiza no espaço. 49. Todas as tentativas de solução das leis de causalidade, tempo e espaço serão fúteis, pois a própria tentativa teria de ser feita admitindo-se a existência dos três. 50. Nada obstrui... o conhecimento da(e) (realidade) (Deus) tan to quanto o tempo e o espaço, pois o tempo e o espaço são frag mentos, enquanto que (a realidade) (Deus) é uma unidade. . . co-
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nhecer (a realidade) (Deus) é conhecer além do tempo e fora do espaço, pois (a realidade) (Deus) não é isso ou aquilo como são todas as coisas manifestadas. 51. Assim, desde o princípio podemos ser bastante claros a res peito de um fato muito importante, ou seja, que a validade da lei de causalidade para o mundo da realidade é uma questão que não pode ser decidida no campo do raciocínio abstrato. 52. Uma pedra cai e nós perguntamos por quê. Esta questão só é possível a partir da suposição de que nada acontece sem que haja uma causa. É bom ter esse conceito bem claro em mente, pois sempre que perguntamos por que alguma coisa acontece, estamos admitindo que tudo que acontece deve ter um porquê, ou seja, deve ser precedido por alguma outra coisa que age como causa. Esta precedência na sucessão dos eventos é o que chamamos de lei de causa e efeito. Isto significa que tudo no universo é ao mesmo tempo causa e efeito. 53. Devemos esperar por um desenvolvimento ulterior do(a) (cres cimento) (ciência) antes que possamos esboçar um quadro verda deiro e detalhado da contextura da Matéria, da Vida e da Alma. Mas o antigo determinismo clássico da(e) (visão cotidiana da vida) (Hobbes e Laplace) não precisa mais nos oprimir. 54. A Matéria se manifestou eventualmente como uma formulação de alguma Força desconhecida. Também a Vida, mistério ainda insondável, começa a se revelar como uma obscura energia da sensibilidade aprisionada em sua formulação material; e quando esta ignorância divisora, que nos dá o sentido da existência de um golfo entre vida e matéria, for curada, é difícil supor que mente, vida e matéria serão vistas como sendo nada mais que uma única energia de formulação tríplice.
Neste último grupo de citações nos ocuparemos com pro blemas mais gerais: a filosofia dos líderes, os métodos de treinamento e os objetivos dos estudantes, etc. 55. Quando eu, em certa ocasião, perguntei ao (professor Einstein) (senhor Buda) como ele descobriu (a teoria da relatividade) (a Iluminação), ele respondeu que a descobriu porque estava intensa mente convencido da harmonia do universo. 56. Atrás dos incansáveis esforços (daquele que busca) (do inves tigador) se esconde um impulso mais forte e misterioso: o que se
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deseja compreender é a existência e a realidade. Mas a pessoa em geral se abstém do emprego de tais palavras, pois ela logo se acha em dificuldades quando precisa explicar o que realmente signi fica, numa definição tão geral, Realidade e Compreender. 57. É necessário, portanto, que o conhecimento ascendente se baseie num intelecto claro, puro e disciplinado. É também necessário que ele corrija seus erros, algumas vezes através de um retorno ao fato sensível, às realidades concretas do mundo físico. O contato com a Terra é sempre revigorante para os filhos da Terra... o suprafísico só pode ser realmente controlado em sua totalidade. .. quando mantemos nossos pés firmemente apoiados no físico. 58. O objetivo do treinamento e da educação dos estudantes é torná-los aptos a compreender (contemplar) a infinidade espacial em sua homogeneidade, a infinidade da consciência, a transcendên cia do espaço e da consciência, e mesmo a distinção entre espaço e consciência. Sem este (a) treinamento (educação), seu trabalho não estará no nível mais elevado que ele pode ter. 59a. Quando você tentar compreender o continuum quadridimensional, tenha todo o cuidado em evitar que a coneeitualização se faça em termos sensoriais ou corporais. Ele não pode ser representado deste modo e as imagens deste tipo são erradas e enganosas. e/ou 59b. Quando você pensar em Deus, se uma representação sensorial ou corporal (de Deus) vier à sua mente, afugente-a, rejeite-a, ne gue-a, expulse-a, esquive-se dela. 60. . . . o homem é o ponto de encontro de vários estágios de realidade. 61. Eles são os empíricos mais completos na história da filosofia. 62. A religião e a ciência natural estão numa batalha conjunta, numa segunda cruzada infindável contra o ceticismo e o dogmatismo, e contra a superstição. A palavra de chamada para esta cruzada sempre foi e sempre será: «Caminhar para Deus».
DISCUSSÃO Talvez o fato mais significativo com relação a este pro cedimento de trabalhar com citações não seja a impossibili dade de classificá-las em um ou outro grupo (linguagem,
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estilo de pensamento, etc., capacitam a maioria dos indi víduos treinados em uma das áreas a decidir com bastante exatidão), mas o fato de ser uma tarefa «difícil». Esta difi culdade e necessidade de pensarmos seriamente a respeito da classificação correta em muitas das citações é, por si, uma boa indicação da semelhança geral das conclusões al cançadas pelos dois grupos com os quais estamos lidando. Quais são as implicações desta semelhança de conclusões? Talvez aqui só possamos dizer que existe alguma validade em nossas conclusões. Se aqueles que buscam dentro de si mesmos e aqueles que buscam no exterior chegam às mesmas conclusões (numa ausência patente de muita comunicação entre os dois grupos) e são obtidos os mesmos resultados, podemos nos assegurar um pouco mais destes resultados. Existe uma antiga idéia budista que parece ser relevante para esta discussão. É a crença no fato de que, à medida que a pessoa busca cada vez mais profundamente dentro de si mesma, rompendo véu após véu de ilusão, ela chega finalmente a Atman, a verdadeira essência do eu. E também que, à medida que a pessoa busca cada vez mais profunda mente na realidade exterior, vencendo véu após véu de ilu são, ela chega enfim a Brahman, a verdadeira essência da realidade. É que Atman e Brahman são a mesma coisa. Tradução de Ricardo de Britto Rocha Na tabela 2, a primeira coluna indica o número da cita ção, a segunda a qual dos grupos pertence o autor ( «F» para físico e «M» para místico). Tabela 2 ÍNDICE DAS CITAÇÕES N» da
citação categoria Referências de autor 1 2 3
(F ) (F ) (M)
Eddington (1931, p. 330) Whitehead (cit. em J. de Marquette, 1949, p. 15) Underhill (1912, p. 6)
119
5 6 7 8 9
(M) (M) (M) (F )
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27
(F ) (M) (F ) (F ) (M)
28 29 30 31
(M) (M) (F ) (M)
32 33a 33b
(F )
34a
(M)
34b 35 36 37 38 39 40 41
(F ) (F ) (F ) (F ) (M) (F ) (F ) (F )
4
(M)
Dogen (cit. em Kapleau, 1967, p. 297) Plotino (cit. em W. T. Stace, 1961, p. 104) Dhammapada (cit. em Huxley, 1962, p. 179) Dingle (1952, p. 266) Schrödinger (cit. em Fischer, 1967, p. 16) Surangama Sutra (cit. em S. Cummins e R. Linscott, 1947, p. 145) Eddington (1931, p. 414) Underhill (1964,, p. 27) Bridgeman (1966, p. 154) Bohr (cit. em Schlipp, 1959, p. 236) Underhill (1912, p. 41) Oppenheimer (1966, p. 69) Suzuki (cit. in W. T. Stace, 1969, p. 90) Herrigal (cit. em W. T. Stace, 1969, p. 100) Heisenberg (1966, p. 132) Einstein (cit. em P. A. Schlipp, p. 391) Einstein (cit. em P. A. Schlipp, p. 248) Einstein (cit. em P. A. Schlipp, p. 250) Vivekananda (1949, p. 90s) de Broglie (cit. em P. A. Schlipp, 1959, p. 114) Vivekananda (1949, p. 42) Planck (1933, p. 197) Dogen (cit. em A. Watts, 1957, p. 123) Upanixade Svetasuatara (cit. em W. T. Stace, 1969, p. 39s) Eckhardt (cit. em W. T. Stace, 1961, p. 175) Vivekananda (1949, p. 93) Jeans (cit. em Cummins e Linscott, 1947, p. 381) Dionísio Areopagita (cit. em W. T. Stace, 1961, p. 196) Eddington (1931, p. 419) Paráfrase da citação seguinte Artigo da Doutrina Sufi (cit. em J. de Marquette, 1949, p. 175) Majjhima-Nikaya Sutra (cit. em W. T. Stace, 1969, p. 70) J. R. Oppenheimer (1966, p. 40) Whitehead (1934, p. 36) Heisenberg (1958, p. 107) Heisenberg (1966, p. 64) Coomaraswami (1964, p. 95) Eddington (1958, p. 132) Russell (1925, p. 21) Eddington (1958, p. 155)
120
42 43 44 45 46 47 48
(F.)
49 50 51 52 53 54 55 56 57 58
(M) (M) (F ) (M)
59a 59b
(M)
60 61
(M) (M)
62
(F )
(F ) (F ) (M) (F )
Margenau (1959, p. 250) Jeans (1966, p. 28) Weyl (1963, p. 116) Plotino (cit. em R. M. Gale, 1967, p. 33s) Russell (1925, p. 21) Suzuki (cit. em W. T. Stace, 1961, p. 176) Weyl (cit. em O. C. de Beauregard em Fischer, 1967, p. 412) Vivekananda (1949, p. 92) Eckardt (cit. em W. T. Stace, 1961, p. 196) Planck (cit. em M. Gardner, 1961, p. 243) Vivekananda (1949, p. 92) Weyl (cit. em M. Gardner, 1961, p. 244) Aurobindo (cit. em W. T. Stace, 1969, p. 58) Reinbach (cit. em P. A. Schlipp, 1959, p. 292) Einstein (cit. em P. A. Schlipp, 1958, p. 249) Aurobindo (cit. em W. T. Stace, 1969, p. 57) Classificação de Treinamento Zen (cit. em J. de Marquette, 1965, p. 101) Paráfrase da citação seguinte S. Agostinho (cit. em J. de Marquette, 1969, p. 195) Eucken (cit. em Underhill, 1912, p. 34) Descrição de Místicos (cit. em J. de Marquette, 1969, p. 195) Planck (1949, p. 113)
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COLEÇÃO PSICOLOGIA TRANSPESSOAL/5 Pequeno tratado de Psicologia Transpessoal VOLUME II
A Psicologia Transpessoal cujo objetivo principal é estudar o fe nômeno da consciência cósm ica por m eio demetodologia c ie n tífic a está penetrando recentem ente no Brasil. Havia necessidade de co locar à disposição do público, mais especialm ente dos psicólogos, psiquiatras, m édicos, filósofos e sacerdotes, assim como de to dos os interessados nos aspectos das descobertas mais recentes no campo tradicionalm ente conhecido como “experiência m ís tica" ou “transcen dental”, um pequeno manual que contenha textos hoje já considerados clássicos, dos pesquisadores mais recentes e mais conhecidos no assunto. Foi pensando nisso que a Vozes fez um acordo com a SÍNTESE (Sociedade de Integração Transpessoal, Estrutural, Social e Energé tica ) para publicar a tradução ou originais em português de a rti gos reunidos em cinco volum es que constituem as grandes linhas atuais deste novo ramo da Psicologia:
Volume Volume Volume Volume Volume
I: Cartografia da Consciência Humana II: M ística e Ciência III: Psicofisiologia da Consciência Cósmica IV: Experiência Cósmica e Psicose V: Medida da Consciência Cósmica
Quais as fases e fronteiras da evolução da consciência no homem? Como abordar a experiência m ís tica de modo c ie n tífic o e quais as relações atuais entre m ís tic a e ciência? Quais às pesquisas já realizadas no sentido de m edir os concom itantes fisiológicos da experiência cósmica? Como disting uir o autêntico estado de cons ciência cósmica e os estados ditos psicóticos e quais as relações entre psiquiatria, Psicopatologia e psicologia transpessoal? Como usar e s ta tís tic a e métodos de psicom etria e psicologia experim en tal em psicologia transpessoal? A estas e a outras perguntas é que ajudar a encontrar uma resposta.
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cinco volum es
ATENDEMOS PELO REEMBOLSO
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