Revolução Mexicana: da Derrubada das Oligarguias ao Comprometimento da Revolução
Maycom P. Santiago *
Resumo
Este trabalho tem por objeto de estudo a Revolução Mexicana. Dentro deste amplo tema serão enfocadas duas questões: Até que ponto pode-se falar em um triunfo da revolução e quais processos e acontecimentos poderiam ter figurado como impecílios para a concretização da agenda revolucionária incial posta. Para isso será analisado como a não materialização total do Plan de San Luis Potosí, levou a uma ruptura no seio do grupo revolucionário e comprometeu o desfecho da revolução nos moldes inicialmente propostos. Outra questão abordada diz respeito à revolução como o momento que significou o desmanelamento da ordem oligárquica vigente no México até inícios do século XX. Palavras-chave: Palavras-chave: Revolução Mexicana; Plan de San Luis Potosí e ordem oligárquica.
Introdução
Pouquíssimos dos processos que até hoje se intitularam revolucionários promoveram mudanças dignas do título revolução. A França seria a primeira a reivindicar tais créditos. Atrás dela se listaria a Rússia (e os países que a acompanharam como a China e vários países do leste europeu), os EUA (e sua pioneira independência e a aposta num modelo republicano nunca experimentado), o espetacular levante escravo no Haiti em 1791, a experiência Cubana em 1964 e as mudanças em nome de uma crença, no Irã, em 1979. A lista poderia se estender a uns mais que não se listaram, mas a idéia central é: a dificuldade de se levar a cabo uma revolução explica o número reduzido das que ao longo da história obtiveram êxito 1. Em 1910 o México começou a escrever seu nome nessa lista. Seu nome nela não está, todavia, pelo fato de haver levado a cabo toda sua agenda revolucionária inicial – que de seus vários termos o de maior relevo é a questão agrária -, mas, mesmo sem ter conseguido cumpri-la em sua totalidade, inaugurou, sem sombra de dúvida uma nova temporalidade na história mexicana. É importante então deixar claro desde o começo que aqui se fala não em uma revolução que levou a cabo a totalidade de sua agenda inicial, mas que deflagrou um novo momento na história mexicana e na experiência latino-americana. Ela começou a ser gestada, no mínimo, em meados do século XIX. Suas raízes mais profundas podem ser identificadas no longínquo passado colonial da América espanhola. Apreendê-la significa resgatar questões de ordem social, política, econômica e cultural. É consenso historiográfico que seu estopim se deu no ano de 1910 2, com a publicação do Plan de San Luis Potosí, através do qual Madero convocava todos os mexicanos a se levantarem contra Porfírio Diaz. Não obstante, o desfecho da revolução já rendeu ao longo das décadas um número robusto de trabalhos que versam sobre o
*Graduando em História - UnB 1 É complicado falar em um êxito pleno desses movimentos, afinal, todos eles, em algum momento trilharam um caminho que já não levava à materialização completa de seus respectivos projetos ou intenções originais. No entanto, em termos práticos, admitem-se aqui seus êxitos levando-se em consideração o impacto tido nos países de origem e nos demais. 2 Pesquisadores com ampla ressonância e legitimidade acadêmica, como por exemplo, o historiador estadunidense John Womack Jr., a historiadora mexicana Gisela von Wobeser e a historiadora s brasileiras Maria Lígia Coelho Prado e Gabriela Pellegrino, endossam esta afirmação em suas respectivas obras, “Zapata y la Revolución Mexicana (1979)”, “História de México (2010)” e “Hist ória da América Latina (2014)”.
momento no qual essa revol ução tenha chegado ao seu “fim”, ou em que medida é possível falar em um fim. Outras análises, muito frutíferas, concentraram seus esforços antes no impacto que esta inflexão causou na trajetória histórica mexicana no período pós-revolução, do que na busca pelo estabelecimento de balizas cronológicas. Sob o lema “Sufrágio efetivo. Não reeleição”, marcharam as tropas
revolucionárias sobre as resistências bélicas do exército porfirista. Depois de neutralizado Porfírio Diaz, a heterogeneidade do grupo revolucionário, com distintas intenções para a condução dos processos políticos e sociais do país deflagrou um segundo momento da revolução, aquele que iria pôr radicais (Emiliano Zapata e Pancho Villa) de um lado e constitucionalistas (Venustiano Carranza e Álvaro Obregón), protagonizando um fratricídio que custaria a vida de um número incalculável de mexicanos. O grupo constitucionalista que saiu vitorioso deste embate, conduziu o processo de institucionalização da revolução. E a promulgação da constituição de 1917 daria de certa forma o pontapé inicial para a reconstrução material do país, a reorganização política e a consolidação da revolução sob os moldes, cuidados e orientações do grupo que estava à frente do aparato político-administrativo. Panorama Geral e o Caso de Morelos
O peso de três décadas sob a ditadura de Porfírio Díaz, caracterizadas por uma sólida estabilidade política, garantida pela eliminação das potenciais oposições, começou a vir abaixo em março de 1908 com uma entrevista concedida pelo general a um conceituado jornalista americano, James Creelman, da revista Pearson’s Magazine,
na qual afirmava Díaz: He esperado pacientemente porque llegue el día en que el pueblo de la República Mexicana esté preparado para escojer y cambiar sus gobernantes, en cada elección, sin peligro de revoluciones armadas, sin lesionar el crédito nacional y sin interferir con el progreso del país. Creo 3 que, finalmente, este día há llegado .
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O presidente disse estar disposto a não concorrer mais às eleições. Tinha participado de várias desde que assumiu o poder e ganhara todas, não por meios democráticos. Mas no fundo tais afirmações não passavam de típicas declarações de um estadismo cuidadoso. Numa entrevista para uma revista estrangeira, principalmente americana, era preciso manter uma boa imagem. Mas Porfírio Díaz calculou errado. Suas palavras (que a partir daquele momento amarravam-no a um compromisso) foram um verdadeiro canhão dado a uma oposição não muito articulada, mas que julgava seu governo tirânico e opressor. Em 1910, quando das eleições presidenciais, lá estava ele novamente, apresentando sua candidatura, como se nada tivesse dito dois anos antes. Mas um político do estado de Coahuila, Francisco Ignácio Madero González, não havia esquecido. Assim, a candidatura de Díaz era a pólvora que faltava para estourar no México uma revolução que mergulharia o país em mais de sete anos de lutas fratricidas, das quais o número de mortos é ponto de divergências, mas todas as estimativas falam em termos de milhões de vítimas, com cifras que variam entre 1 e 2 milhões de mortes ao longo de todo o processo 4. Madero, que fundou o Partido Nacional Antireelecionista, começou a organizar algumas incursões pelo país, disseminando o protesto à reeleição de Díaz. Foi preso a mando do presidente, sob a acusação de incitar a rebelião. Ao redor de Madero orbitavam principalmente segmentos sociais representantes de uma burguesia abastada, com pessoas que desempenhariam papéis importantes no desenrolar da revolução, como por exemplo, Venustiano Carranza, uma importante liderança política de Coahuila e mais à frente presidente do país. Em junho de 1910 o resultado das eleições repetia-se como tantas vezes. Porém, Madero consegue fugir da prisão e vai para o Texas, onde reunido com partidários e familiares, elaborou um documento que convocava o México a tomar as armas e derrubar o ditador do poder. Fala-se aqui do Plano de San Luis Potosí (5 de outubro de 1910), o documento sagrado dos revolucionários, que exortava o povo sobre o quadro político mas também o social, destacando-se aí a questão agrária, sobretudo um processo acelerado que se desenrolava no México havia anos de apropriação das terras de pequenos proprietários e das terras indígenas, os ejidos, pelos grandes fazendeiros, a
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O Estado de S. Paulo , São Paulo, ano XXXVII, nº 11.777, 14 mar. 1911, p.02. Os milhões são contados em apanhado geral que tome como baliza o início dos embates entre as forças revolucionárias e a tropas federais, e a promulgação da Constituição de 1917.
serviço de uma robusta economia agrícola de exportação. Esse processo contava com a condescendência do governo Diaz. A questão agrária interessava todo o país, especialmente aos proprietários (pequenos e grandes) do estado de Morelos, envolvidos num conflito de terras bastante espinhoso no sul do país 5. Aglomerados em torno de uma liderança civil, Emiliano Zapata, os descontentes (camponeses) com o avanço latifundiário atenderam ao chamado de Madero, já que uma das cláusulas do plano tocava na questão agrária, problema de interesse direto de todos os distritos do estado. Morelos já vinha entrando em ebulição antes de 1910. Com a morte de Manuel Alarcón6, eleito governador para iniciar seu quarto mandato consecutivo a partir de agosto de 1909, abre-se uma crise política no estado que termina com um final satisfatório para os grandes proprietários: é eleito o general Pablo Escandón, que se revelara grande aliado quanto à permissividade em relação aos avanços que estes vinham fazendo. Assim, quando em 1910 estourou a crise política nacional, Morelos, sob um governador impopular, já pegava fogo. O dia marcado para começar a revolução era 20 de novembro de 1910. Eclodiram no país vários focos de levante, destacando-se aqui o Exército do Norte, liderado pelo famoso Pancho Villa e o Exército Libertador do Sul, sob o comando de Emiliano Zapata. Com a batalha pela tomada de Cuidad Juárez - principal cidade do estado de Chihuahua - e a vitória dos madeiristas, parecia que o conflito se encaminharia para o fim. Apenas parecia. As negociações entre Madero e o representante enviado de Porfírio Díaz, que culminaram nos Tratados de Cuidad Juárez, não tiveram um desfecho bem avaliado pelos líderes revolucionários que se levantaram contra a ditadura e esperavam – como prometido no Plano de San Luis – que a revolução e suas reivindicações quanto à questão da terra fossem atendidas. Salvas as 5
n estos constituídos por el conflicto entre el puñado de poderosos hacendados azucareros (o sus administradores, cuando aquéllos, como de costumbre, estaban ausentes) y la multitud de dirigentes de los pueblos y rancherías y de pequeños agricultores”. Zapata y la Revolución Mexicana . Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 12. 6 A figura política de Alárcon tinha muito respeito em Morelos, por anos ele havia representado o equilíbrio entre o interesse popular e o dos grandes proprietários, numa fórmula política de grande O historiador John Womack Jr. ao falar dos problemas sociais em Morelos, afirma: “Estaba
astúcia, que ao final favorecia os últimos, como afirma Womack Jr.: “Em la práctica, lo único que um
político podia hacer era realizar todos los gestos de uma transacción, simular, hacer malabarismos, fingir, hacer actos de magia; y para isso Alarcón era um auténtico genio, de ahí su êxito”. Zapata y la Revolución Mexicana. Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 13.
devidas proporções, pode-se dizer que nasciam desse contexto dois grandes grupos: aqueles que se davam por satisfeitos com as conquistas obtidas e se preocupavam agora em colocar o país na normalidade e os que esperavam que já que o exército porfirista estava neutralizado, os vencedores poderiam impor as cláusulas dos acordos, o que não foi feito, então por isso, decidiram continuar a luta.
O Plano de San Luis Potosí
Feitas as considerações acima e armado uma espécie de panorama geral do México no alvorecer do século, é preciso debruçar-se sobre um documento chave que muito tem a dizer: o Plano de San Luis Potosí. Mas, por um breve instante, esse relato voltará numa situação análoga do ponto de vista político, a qual vivera a república mexicana. Em 1871, um general de 41 anos do estado de Oaxaca, que havia lutado na Guerra da Reforma (1857-1861), e tinha desempenhado um papel de relevo durante a Segunda Intervenção Francesa (1861-1867) - sobretudo pelo seu desempenho na famosa Batalha de Puebla – rebelou-se contra o governo federal encabeçado pelo aclamado presidente Benito Juárez, acusando-o dentre outras coisas de abuso e perpetuação no poder. Este general, de caráter político e econômico liberal, proclamou então o Plano de La Noria (1871) no qual afirmava: “Que ningún ciudadano se imponga y perpetúe en el ejercicio del poder y esta será la última revolución”7.
Este mesmo general muito provavelmente não imaginava o impacto que suas palavras teriam, mesmo 40 anos depois, como também não imaginou que uma entrevista concedida em 1908 seria o estopim para o maior rebuliço que o México já experimentou. Sim, esse general era Porfírio Díaz. Madero resgatou tais palavras e as pôs no manifesto que redigiu em 1910, assim, o lema “Sufrágio Efetivo, Não Reeleição”, tornou-se
a bandeira dos revolucionários.
Mas o Plano de San Luis não incorporou apenas a denúncia política. De igual importância chamava a atenção para a questão econômica/social.
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O porfiriato caracterizou-se por promover a internacionalização da economia mexicana e seguiu o modelo de vantagem relativa, exportando matérias primas e importando produtos manufaturados 8. Deste modo, cresciam as grandes propriedades no campo, voltadas para a exportação, uma vez que os hacendados se valiam da Lei de Terrenos Baldios9 (1894) cujo texto era passivo de livres interpretações quanto à definição de terras ociosas ou improdutivas que poderiam ser apropriadas. Os maiores prejudicados eram pequenos proprietários (a maioria deles indígenas), que muitas vezes não tinham como comprovar a posse de uma terra herdada às vezes desde o período colonial. Para esses casos o que o Plan de San Luis tinha a declarar era: Siendo de toda justicia restituir a sus antiguos poseedores los terrenos de que se lês despojo de um modo tan arbitrário, se declaran sujetos a revisión tales dispociciones y fallos y se exigirá a los que los adquirieron de um modo tan inmoral, o a sus herederos, que los restituyan a sus primitivos proprietários, a quienes pagarán también uma indemnización por los perjuicios sufridos10.
Justamente sobre este artigo do plano debruçou-se Zapata 11. O processo revolucionário em Morelos é um ponto importantíssimo e peça-chave para compreender em última instância o quadro mais geral. Esmiuçá-lo aqui, entretanto, demandaria distanciar-se do objetivo final, o divórcio entre os madeiristas e as lideranças camponesas (mais populares que a cúpula de políticos que conduziram a revolução). O consagrado historiador John Womack Jr., em Zapata y la Revolución Mexicana , fornece uma brilhante obra de história social na qual é possível tomar conhecimento dos pormenores da situação em Morelos. Como ele mesmo afirma, sua obra é a história de camponeses que não queriam mudar, e por isso mesmo, fizeram uma revolução. Revoluções são processos que implicam em mudanças. No caso do México há uma peculiaridade, especialmente em Morelos, que é o desejo de não-mudança, uma vontade de se manter uma espécie de status quo social onde a posse da terra 8
BETHELL, Leslie. (org.) Historia da América Latina : A América Latina após 1930: Economia e Sociedade, Vol. VI. São Paulo: Edusp; Brasília: FUNAG, 2005. pág. 85. 9 Ley sobre Ocupación y Enajenación de Terrenos Baldios. Disponível em: . Acesso em: 10 de abr. 2014. 10 Disponível em:< http://www.bibliotecas.tv/zapata/1910/z05oct10.html>. Acesso em: 10 de abr. 2014. 11 “Zapata había visto uma copia del plan de San Luis Potosí, de Madero, y estaba estudiando uma cláusula de su tercer artículo”. WOMACK Jr., John. Zapata y la Revolución Mexicana . Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 68.
permanecesse nas mãos dos menos abastados, e não que o estado e também o país se transformasse numa grande fazenda. A batalha pela tomada de Cuidad Juarez representou um duro golpe no porfiriato, em termos militares e políticos. Madero não havia autorizado a operação sobre a cidade, ela fora antes de mais nada uma decisão partida de Pancho Villa e Pascual Orozco, e um indício claro de que não havia uma sintonia perfeita dentro do movimento antireelecionista quanto aos passos que deveriam ser dados contra o governo. Autorizada ou não, a vitória na batalha por parte dos revolucionários os colocou numa posição privilegiada de negociação. Talvez este seja o momento mais importante da história da revolução no México. Os anos posteriores são em grande medida fruto desse embate. Paralela a essa conquista, se desenrolava no sul, sob o comando de Zapata, a tomada de Cualtla, capital de Morelos. Isso significou para os morelenses um importante ganho. Uma vez afastado Escandón, finalmente se poderia dar início à virada do jogo no estado. Agora eram os despossuídos que aplastavam as cercas das grandes propriedades, desencadeando um processo rápido e feroz de efetivação das reivindicações do Plano de San Luis quanto à questão agrária. Enquanto a nível nacional a revolução era de caráter burguês, em Morelos ela assumiu uma face popular. Mas a assinatura dos Tratados de Cuidad Juarez foi um banho de água fria para Zapata. Embora o acordo tenha assegurado a renúncia do presidente e de seu vice, assumindo o cargo, interinamente, até que se convocassem as eleições, o ministro das relações exteriores, Francisco León de la Barra, foi acordado também o fim das hostilidades e isso implicava baixar as armas, num momento em que particularmente o estado de Morelos as tinha muito firme nas mãos. A situação revelou que Madero e Zapata tinham concepções diferentes daquilo que ambos vinham chamando de revolução. Para Madero aquele era o momento de se restabelecer a ordem. Não significava, porém, o abandono das reformas sociais que se julgavam necessárias, mas para ele, essas deveriam operar-se pela via da legalidade, da discussão das questões no âmbito do Congresso, dos tribunais competentes, ou seja, da forma que para Zapata e outros líderes pareceu-lhes uma via que certamente fadaria as
reivindicações populares ao fracasso, haja vista que isso implicava em um tempo que eles já não queriam mais esperar. John Womack Jr. fala em termos de continuidade ao caracterizar os representantes do maderismo 12, e ela se explica em boa medida pela manutenção de algumas lideranças do porfirismo no futuro governo de Madero (1911-1913). Womack Jr. ressalta: Al abandonar el Plan de San Luis, perdieron [os maderistas] lo que era por lo menos uma burda agenda de prioridades. Y los profundos y apremiantes anhelos que habián despertado en todo el país, no lês dieron tiempo, aun cuando hubiesen tenido talento para hacerlo, de poner em movimiento uma revolución com gusto, alegria y buenas intenciones 13.
Essas palavras ilustram muito bem a divisão ocorrida a partir daquele momento, entre maderistas e zapatistas. Entretanto, utilizar o termo “abandono” para referir -se
ao
Plano de San Luis, implicaria pensar que o único objetivo de Madero era o poder (coisa que ele nega no próprio plano) e que ele tenha utilizado o povo apenas como massa de manobra. Não está aqui tentando-se criar em torno de sua figura um puritanismo político desprovido de intenções, mas salientar que o que houve fora um abandono do radicalismo revolucionário e não um abandono total da agenda social do plano. Se for assim que entende Womack Jr., ele deveria ter explicitado. A eleição de Madero à presidência do México deveria representar a coroação de toda uma luta pela liberdade e pela justiça social, deveria traduzir-se na vitória do projeto revolucionário posto em ação em 20 de novembro de 1910. Teve, porém, efeito reverso. Despertou um movimento contra-revolucionário cujo objetivo era derrubar Madero e recuperar a agenda revolucionária primeira. Enquanto o presidente trabalhava por uma política de conciliação nacional, tentativa fracassada, ao sul do país teve de enfrentar o levante zapatista, ao norte o de Orozco e em 1913 fora derrubado por um golpe do general Victoriano Huerta (remanescente do porfirismo), braço-direito do presidente. Assim, volta-se ao ponto central deste debate: os Tratados de Ciudad 12
y ganado por hombres tan obsesionados por la continuidad del orden legal como los autorepresentantes del maderismo de 1910- 11”. WOMACK Jr., John. Zapata y la Revolución Mexicana. Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 88. 13
“Poças revoluciones se han planeado, efectuado
WOMACK Jr., John. Zapata y la Revolución Mexicana . Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 89.
Juarez14 marcaram o abandono do radicalismo revolucionário pelos maderistas e a adoção de uma política nacional conciliatória fracassada, uma tentativa de manter a ordem legal, em última instância, negociar, e por isso mesmo significou a nãoconcretização da revolução, o que não deve confundir-se com a ausência de mudanças 15.
O Desmantelamento da Ordem Oligárquica
Nesse sentido, é possível falar que uma das maiores tranformações feitas no tecido social e político mexicano, foi a derrubada das oligarquias e a ascensão de uma burguesia nacional, composta por lideranças civis protagonistas da revolução e generais pequeno-burgueses, que paulatinamente encarnaram o papel de dirigentes nacionais. Esta nova elite política remodelou a política econômica mexicana que caracterizou-se por um longo período de práticas nacionalistas e protecionistas, diametralmente opostas a política econômica liberal do porfiriato que dava ampla margem de atuação dos interesses estrangeiros, sobretuto ingleses e norte-americanos, dentro do país. As lideranças pós-revolucionárias também conduziram o México a um crescente processo de industrialização, análogo ao que passaria décadas depois vizinhos latino-americanos. A difersificação da economia, com atenção especial para o incremento da indústria, fará surgir o operário urbano-industrial mexicano, que organizado em sindicatos, protagonizará grande parte dos movimentos sociais das déacadas posteriores aos embates da revolução. O desmantelamento da ordem oligárquica foi possível graças aos movimentos populares (em especial o caso de Morelos), a neutralização do aparelho repressivo do porfismo, o exército, e as reformas implementadas pela burguesia nacional que despontava no cenário político. Estas reformas, corporificaram-se em algumas concessões e mudanças agrárias que satisfaziam os interesses da luta no campo, sem todavia promover uma reforma agrária profunda. 14
“Huerta, que había sido uno de los mejores oficiales de combate del ejército porfiriano...”. WOMACK Jr., John. Zapata y la Revolución Mexicana . Cuidad de México: Siglo XXI Editores, 1979, pág. 107. 15
A queda de Porfírio Díaz deixou uma herança que até hoje perdura na política mexicana, qual seja uma aversão profunda à reeleição. Quanto à questão social, a distribuição de terras durante o governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940) é exemplo das mudanças logradas em médio prazo. No campo econômico pode-se falar da nacionalização do petróleo por este mesmo presidente no ano de 1938.
Waldo Ansaldi e Verónica Giordano, em seu livro “América Latina – A reconstrução da ordem ”, salientam o que parece ser o ponto chave para o desmantelamento da dominação oligárquica no México: [...] la mobilización campesina se combinó com el reformismo burgués e las definió com um carácter similar: capitalista. Fue, pues, esta combinación (insurrección campesina/revolución burguesa) la que orientó la mayor transformación: el desmantelamiento del poder terrateniente tradicional y de la dominación oligárquica .16
Os embates da revolução solaparam o poder político da oligarquia latifundiária e os hacendados que souberam apreender as mudanças em curso de seu tempo adequaram-se à nova ordem que se impunha, um modelo industrial-capitalista, passando de grandes fazendeiros à industriais. De fato, o que surge é uma unidade estratégica entre o projeto burguês e parte do segmento latifundiário remanescente dos embates revolucionários. Tal unidade serviu para impedir que as oligarquias se opusessem ao novo projeto de nação, culminando paralelamente a médio prazo na neutralização destas mesmas oligarquias, ao mesmo tempo que serviu para controlar à rédia curta o nascente operariado, sem negar-lhe existência, mas arregimentando-o em organizações sindicais que estivessem afinadas com as diretrizes dessa burguesia. Nesse sentido, é possível falar na inauguração de uma nova ordem política, social e cultural no México, advinda da ascensão de uma elite burguesa nacional, o que implicou na derrocada do domínio oligárquico. Não obstante, foi preciso certo distanciamento temporal para que se percebesse pelos fatos que havia sido a burguesia que havia assumido o poder, como salienta Marco Antonio B asilio Loza em “Revolução Mexicana – antecedentes, desenvolvimento, consequências”. Assim, passado a afã dos embates bélicos que marcaram os primeiros anos da revolução, partiu-se para um segundo momento, qual seja, o da consolidação destes embates pela via do aparato jurídico (exemplo disso é a Constituição de 1917) bem como do lançamento de referenciais culturais que legitimassem a nova ordem. Os anos posteriores à promulgação da Carta Magna de 1917 mereceriam especial atenção como objeto de análise dos processos culturais, sociais, e políticos pós-revolução, sendo no entanto, temática para outras compilações. 16
ANSALDI, Waldo; GIORDANO, Verónica . La construcción del orden. De la colonia a la disolución de la dominación oligárquica. Buenos Aires: Ariel, 2012. p.574.
Fontes Primárias
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