TICA E E STÉTICA STÉTICA EM N IETZSCHE : É TICA CRÍTICA DA MORAL DA COMPAIXÃO COMO CRÍTICA AOS AOS EFEITOS EFEITOS CATÁRTICOS DA CATÁRTICOS DA ARTE .1 ERNANI CHA CHAVES VES à Marco Brusotti.
R ESUMO
O presente artigo trata das relações entre arte e moral no pensamento de Nietzsche, tomando como referência a questão da catarse. Procura-se Procura -se mostrar em que medida a crítica de Nietzsche aos efeitos moralizantes da tragédia tragéd ia e da arte em geral acompanha a trajetória de seu pensamento, culminando, em especial a partir do Zaratustra do Zaratustra,, com a crítica da moral da compaixão em Schopenhauer. P ALAVRAS -CHAVE : tragédia, catarse, compaixão, identificação, empatia. A BSTRACT
This article deals with the relations between art and moral in the thought of Nietzsche taking as a reference the theme of catharsis. Therefore, it intends to show in which way Nietzsche’s critique to the moralizing effects of tragedy and art in general follows the trajectory of his thought, particularly after Zaratustra,, reaching its highest level on the critique of the moral of compassion Zaratustra in Schopenhauer Schopenhaue r. tragedy,, catharsis, compassion, identification, empathy. empathy. K EY W ORDS ORDS : tragedy
I Retomo neste artigo, aquele que é, seguramente, um dos temas do pensamento de Nietzsche, que mais chamou a atenção dos intérpretes. Um velho tema, portanto, que espero, não frustre demasiadamente o Este artigo foi escrito a partir de material recolhido entre janeiro e março de 2003, durante temporada de estudos em Weimar, na Alemanha, dentro do Programa de Intercâmbio de Cientistas DAAD/CAPES, a quem agradeço. Além disso, ele se insere na pesquisa desenvolvida como Bolsista de Produtividade do CNPq, acerca do conceito de catarse no pensamento de Nietzsche. 1
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leitor. Isto porque, creio que a expectativa quando se trata do tema da “ética”, é hoje - mesmo em se tratando de Nietzsche - bem diferente da que me proponho aqui. Refiro-me, em especial, aos desdobramentos do pensamento de Kant na filosofia contemporânea, em pensadores tão diversos como o francês Paul Ricouer, o alemão Jürgen Habermas e o norte-americano John Rawls, apenas para citar alguns. Uma discussão, onde Nietzsche em geral, ou é desconsiderado ou assume o papel de “advogado de um diabo” bem específico: o do irracionalismo irracionalis mo ou o do inimigo da democracia. Com esta observação observaç ão inicial, eu gostaria também de demarcar, com a maior clareza possível, os limites deste artigo: permanecerei no interior do pensamento de Nietzsche, de seus textos, de suas provocações. Entretanto, talvez para me auto-consolar e não parecer tão anacrônico, tentarei mostrar a velha questão das relações entre arte e moral em Nietzsche, a partir de um ponto de vista pouco ou quase nunca explorado pelos intérpretes, qual seja, a partir da questão da catarse. Uma questão que atravessa, de ponta a ponta a sua obra, do Nascimento da Tragédia ao ao Anticristo Anticristo.. O fragmento intitulado “ L´art pour l´art ” do Crepúsculo dos Ídolos ou seja, de um texto tardio, datado de 1887, começa colocando a questão, ou melhor recolocando a questão, presente desde muitos anos antes, no seu primeiro livro: “O combate contra a finalidade na arte é sempre o combate contra a tendência moralizante na arte, contra sua subordinação à moral”. 2 Ora, a questão da “tendência moralizante da arte”, de que fala Nietzsche, está diretamente relacionada à difusão e à recepção da Poética,, de Aristóteles, desde a Renascença. A famosa passagem Poética sobre a finalidade da tragédia como sendo a catarse da compaixão e do medo suscitados pelo espetáculo trágico, provocou inúmeras e diversas interpretações. Dos eruditos da Renascença, passando pelos dramaturgos franceses Corneille e Racine e sua luta contra Shakespeare e chegando à Alemanha, através de Lessing, Goethe e Schiller Schiller,, Herder e Hölderlin, Hamann e Lenz, Hegel e Schopenhauer, acrescido do intenso debate nos círculos dos filólogos, esta é uma das questões mais candentes da História da Estética. Tratava-se de decidir sobre a
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Kritische Studienausgabe, Studienausgabe, Berlin/München, Walter de Gruyter/DTV, 1988,
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verdadeira interpretação interpretação do termo “catarse”: se purificação (Reinigung) e, com isso, sairia fortalecida a tendência moralizante, se purgação (Purgation) ou simplesmente descarga (Entladung) dos afetos em questão, o que produziria um “alívio” (Erleichterung) prazeroso. A posição de Nietzsche no interior deste debate, sempre foi do lado dos críticos da tendência moralizante. Uma posição que lhe rendeu, desde O Nascimento da Tragédia, Tragédia , as mais severas reprimendas. Lembremos que uma das acusações do jovem filólogo em ascensão, Ulrich von Willamowitz-Möllendorf dirigidas ao livro, foi a de que Nietzsche “barateava Aristóteles”, ao deixar de lado o problema da catarse 3. Lembremos ainda que na defesa de Nietzsche, seu amigofilólogo Erwin Rodhe afirmava, que a presença de Aristóteles no livro não poderia ser avaliada pelo número explícito de citações ao Estagirita. Rodhe criticava “os que se prendem de maneira pusilânime a Aristóteles, como faz uma criança nas saias de sua mãe” 4. E mais ainda: insistia, ao contrário cont rário de Willamowitz, Willamowitz, em vincular Nietzsche Niet zsche à melhor tradição de estudos filológicos sobre a Poética Poética,, onde se destacava Jacob Bernays, que como Nietzsche fora também ligado a Friedrich Ritschl e indicado pelo mestre mestr e para uma cátedra de Filologia, desta feita na Universidade de Breslau. Rohde, inclusive, cita explicitamentee Bernays, que em 1857, publicara um longo estudo sobre explicitament s obre o problema da catarse em Aristóteles 5. Cf. Querelle autour de ‘La naissance de la tragédie’. Nietzsche, Ritschl, Rohde, Willamowitz, Wagner , Paris: Vrin, 1995, p. 123. 4 Idem, p. 212. 5 Trata-se do “Grundzüge der verlorene Abhandlung des Aristóteles über die Wirkung der Tragödie”. Nietzsche emprestara este texto da Biblioteca da Universidade da Basiléia em 1871, isto é, em plena elaboração do Nascimento da Tragédia, Tragédia, mas já o conhecia desde seus tempos de estudante de Filologia. O texto de Bernays foi reeditado em 1968 pela Wissenschfatliche Buchgesellschaft, de Darmstadt. Ver a respeito das relações entre Bernays e Nietzsche: Carlo Gentilli, “Bernays, Nietzsche e la nozione di trágico: alle origine di uma nuova imagine della Grecia”. Rivista di Litterature moderne e comparate, comparate , Vol. XLVII, Fasc. 1, gennaio-marzo 1994; Lucas Crescenzi, “Philologie und deutsche Klassik. Nietzsche als Leser Paul Graf Yorck von Wartenburg” in Centauren-Geburten. Wissenschaft, Kunst und Philosophie beim jungem Nietzsche . Berlin/New York, Walter de Gruyter, 1994; Barbara von Reibnitz, Ein Kommenter zur Friedrich Nietzsche „Die Geburt der Tragödie aus dem Geist der Musik” , Stuttgart, Metzler, 1992; J. Glucker et A. Lakas (ed.), Jacob Bernays. Un philologue juive, juive, Lille, 3
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O argumento fundamental de Bernays que Rohde retoma, é a de que o enigma da catarse se resolve, em grande parte, parte , no Livro VIII da Política Política,, onde Aristóteles trata, em franca e direta oposição à República platônica, do papel da música na educação dos jovens e não na passagem tão comentada da Poética Poética.. Uma idéia que não é nova, que já é considerada na Renascença, mas que é utilizada por Bernays de maneira inversa à tradição de estudos sobre a Poética Poética,, que insistia na tendência moralizante. Desta Des ta perspectiva, Aristóteles, ao utilizar-se de um termo médico, transportando-o transportando- o para a música (no Livro VIII da Política da Política)) e, ao mesmo tempo, ao atribuir à tragédia os mesmos efeitos “catárticos” dos “cantos sagrados”, “espera – escreve Rodhe na esteira de Bernays - que seus leitores se aproximem destas impressões musicais, a partir de uma disposição de fato trágica”. Assim, tornar-se-ia explicável – a idéia é ainda de Bernays – que tanto a música quanto a tragédia, pudessem produzir o mesmo efeito “purgativo”. Com isso, Bernays criticava abertamente a tradução de “katharsis” por Reinigung por Reinigung , “purificação”, proposta por Lessing na Dramaturgia de Hamburgo, Hamburgo , preferindo Entladung preferindo Entladung , ou seja, conforme dissemos acima, a “descarga” da compaixão comp aixão e do medo que elevados à máxima excitação, deveriam conduzir após este ápice bastante perigoso para o indivíduo, a um “alívio” prazeroso 6. Rohde acreditava encontrar esta mesma posição em Nietzsche. Como podemos ver, a questão da catarse já estava presente desde a primeira grande polêmica em torno da obra de Nietzsche. Não se pode deixar de observar, que Rohde viu bem o quanto Nietzsche estava afastando-se dos preceitos metodológicos metodológico s que se consagraram na Filologia da época e recolocando as questões ques tões filológicas a partir de um outro referencial. De fato, a única menção explícita à catarse, no capítulo 22 do Nascimento do Nascimento da Tragédia, Tragédia , é antecedida, no capítulo 20, não por acaso certamente, de uma crítica aos “filólogos universitários”. Incapazes, no seu afã de nos devolver o “ser helênico”, de se afastarem das vias abertas pela “nobilíssima luta de Goethe, Schiller e Zürich?New York, Georg Holms Verlag, 1991 e Maris Cristina Franco Ferraz, „Katharsis e Arte no pensamento de Nietzsche” in Nove variações sobre temas nietzschianos,, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002. nietzschianos 6 Jacob Bernays “Grundzüge...”, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft,
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Winckelmann pela cultura”, os filólogos continuavam trilhando o mesmo caminho, que conduzia sempre à veneração de uma Grécia apolínea. Nietzsche viu, com justeza, o quanto a Filologia era também devedora do Historicismo dominante e aproveitava para denunciar, no mesmo diapasão e tendo em vista as reformas educacionais em curso na época, a crescente transformação do “professor universitário”, símbolo e síntese do “erudito”, em apenas uma versão mais aperfeiçoada da figura do “jornalista”. Além disso, ainda no capítulo 21 do seu primeiro e já tão polêmico livro, sem que haja nenhuma referência explícita à catarse, é também dela que Nietzsche indiretamente fala, quando se refere à tragédia como uma “necessária beberagem curativa” (nothwendigen Genesungstrank), como um “remédio” (Heilmittel) que permitiu aos gregos superar sua tendência pessimista para a dor e para o sofrimento: “precisamos lembrar-nos – escreve escrev e ele – da enorme força da tragédia a excitar (erregen), purificar (reinigen) e descarregar (entladen) a vida do povo, cujo valor supremo pressentiremos apenas se, tal como entre os gregos, ela se nos apresentar como a suma de todas as potências curativas profiláticas, (prophylatischen Heilkräfte) como a mediadora imperante entre as qualidades mais fortes e as mais fatídicas de um povo”7. O vocabulário de Nietzsche – erregen – erregen,, reinigen reinigen,, entladen – é, como vimos, aquele comum às discussões filosóficas e filológicas de então acerca da catarse. É flagrante também aí o uso que Nietzsche faz, à semelhança de Aristóteles, Aristóteles, do vocabulário médico. Com isso, se acrescentarmos a vinculação entre música e tragédia a partir dos seus s eus efeitos profiláticos, então Rodhe tem razão ao filiar Nietzsche a Bernays. O próprio Bernays teria razão em afirmar também, para a profunda irritação de Nietzsche, que “O Nascimento da Tragédia seguia suas intuições (Anschauungen), só que com muito exagero” 8. A referência explícita à catarse, no capítulo 22 é, de fato, muito breve. O que não quer dizer, como censurava WillamowitzMöllendorf, que Nietzsche evita a questão. Ele se mantém ao mesmo tempo cauteloso e crítico, mas rechaça, completamente, toda e qualquer compreensão moralizante. Estas poucas linhas sobre a KSA, 1, p. 134. Trad. bras.: O Nascimento da Tragédia, trad. de Jacó Guinsburg, São Paulo, Cia. das Letras, 1992, p. 7
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catarse condensam, com conhecimento de causa, todo o debate filosófico e filológico sobre a questão. O que, para Nietzsche é pretexto, ao mesmo tempo, para fustigar interpretações estabelecidas sobre a tragédia e o fenômeno do trágico, sejam as que destacam a luta do herói contra o destino, sejam as que falam – como Hegel – da vitória de uma ordenação moral do mundo, mun do, ou ainda as que vêem na “descarga dos afetos” (Entladung von Affecten), como o próprio Bernays, a característica e a finalidade mesma da tragédia. Subjacente a todas estas críticas está o conceito de “ouvinte estético” ou de um “ouvinte excitável esteticamente”, que reconhece que o “patético [de pathos] mais elevado pode ser ainda apenas um jogo estético [aesthetisches Spiel]”. Nesta passagem, em que a citação a Goethe como companheiro de crítica aos “efeitos moralizantes” é importante 9, Nietzsche também não aparece como um entusiasta a-crítico da posição de Bernays. A idéia de “jogo” é aqui fundamental. Se insistíssemos nela, iríamos bem mais longe. Entretanto, se faz necessário ressaltar que, exatamente neste aspecto, Nietzsche procede do modo mais próximo de Aristóteles possível: poss ível: com esta concepção de “jogo” ele reforça, de início, sua crítica à concepção de “mímesis” como pura e simples “imitação da natureza” (Nachahmung der Natur), para ressaltar o “jogo” propriamente estético que decorre decor re da forma da obra. Um jogo que se estabelece também entre artista e espectador. Se aquele é, efetivamente, o criador, este, entretanto, não é apenas um “paciente” em busca de sua “beberagem curativa”, mas um participante parti cipante ativo da preparação do seu remédio, que não se confunde nem com o moderno modern o “crítico de arte”, nem com o seguidor do Sócrates, ambos dominados por tudo o que é “abstrato”: por uma educação abstrata (abstracte Erziehung), por costumes abstratos (abstracte Sitte), por um direito abstrato (abstracte Recht) e por um estado abstrato (abstracte Staat). O “ouvinte excitável esteticamente”, ao contrário, coloca em primeiro plano a força do mito para a fantasia artística e, principalmente, a possibilidade de se pensar a cultura, não mais fundada em um “costume originário/primordial” (Ursitz) arraigado e religioso. Trata-se de um trecho de uma carta de Goethe a Schiller, de 09.12.1792. Entretanto, não esqueçamos que em 1827 Goethe escreveu seu “Suplemento à 9
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A retomada de alguns elementos que aparecem no Nascimento no Nascimento da Tragédia deve-se ao fato de que Nietzsche esboça desde o seu primeiro livro, um conjunto de questões que serão perseguidas, anotadas, modificadas, revistas, revi stas, no decorrer da obra. Mais ainda: nos seus últimos anos de vida intelectual, ele retoma concomitante à escrita de seus livros posteriores ao Zaratustra Zaratustra,, tanto em passagens dos livros publicados quanto em inúmeros fragmentos póstumos temas e questões do seu primeiro livro. Ora, o que eu gostaria de mostrar a partir de agora, é o quanto esta retomada do tema específico da catarse ou dos “efeitos da tragédia” e da arte em geral, se relaciona, diretamente, com sua crítica – ainda incipiente no Nascimento no Nascimento da Tragédia – da “moral da compaixão”. II Em um fragmento tardio, do início de 1888, intitulado “O “O que é trágico?”, trágico ?”, assiste-se, mais uma vez, à confrontação de Nietzsche com a questão da catarse: “Coloquei o dedo inúmeras vezes no grande equívoco de Aristóteles, quando ele acreditou reconhecer os efeitos trágicos em dois afetos deprimentes deprimentes,, no medo (Schrecken) e na compaixão (Mitleid). Se ele tivesse razão, então a tragédia seria uma arte perigosa à vida: dever-se-ia precaver-se diante dela como diante de algo suspeito e prejudicial à comunidade. A arte, outrora a grande estimuladora estimuladora da vida, um êxtase na vida, uma vontade de vida, tornar-se-ia aqui, a serviço de um movimento de declínio (Abwärtsbewegung), ao mesmo tempo como serva do pessimismo, nociva à saúde”. saúde”. (KSA, 12, p. 115-6).
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compreendeu Aristótel Aristóteles es – mas a fim de para além do medo e da compaixão, ser por si mesmo o eterno prazer do vir-a-ser – aquele prazer que também encerra em si ainda o prazer o prazer na aniquilação”. aniquilação ”.
Enfim, uma terceira referência, no Anticristo no Anticristo:: “(...) Schopenhauer era hostil à vida: por vida: por isso a compaixão, para ele, se tornou virtude... Aristóteles, Aristóteles, como se sabe, via na compaixão um estado doentio e perigoso, que seria bom tratar, aqui e ali, com um purgativo: entendia a tragédia como purgativo. Seria preciso de fato, a partir do instinto da vida, diante de uma doentia e perigosa acumulação de compaixão, tal como se apresenta no caso de Schopenhauer (e infelizmente também em toda a nossa décadence literária e artística, de São Petersburg a Paris, de Tolstoi a Wagner), procurar por um meio de lhe aplicar uma alfinetada: para que ela estoure estoure... ... Nada é mais insalubre, em meio a nossa insalubre modernidade, do que a compaixão cristã”.
Lidas em cruzamento, estas três referências se iluminam reciprocamente e, salta aos olhos, de imediato, a retomada de diversas questões que já apareciam no Nascimento no Nascimento da Tragédia. Tragédia. Entretanto, se as questões são as mesmas, sua apresentação se dá a partir de outros referenciais, em especial, a partir de um conceito próprio à última etapa do pensamento de Nietzsche, qual seja, o de “décadence “ décadence”. ”. Se desde o seu primeiro contato com o livro de Paul Bourget, Essais de Psychologie Contemporaine, Contemporaine , cujo primeiro volume apareceu em 1883, Nietzsche pensava sobre a questão da “décadence”, foi apenas em 1888, que esta “palavra” se tornou um “conceito” central de sua filosofia10. “Décadence” se associa, inicialmente e na esteira de Bourget, à idéia de “desagregação”, de um processo que torna
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perspectiva, isto é, do predomínio de um estado desagregador, que a compaixão e o medo são chamados por Nietzsche de afetos “deprimentes” e sua dominação sobre o organismo só poderia resultar em um movimento de declínio, perigoso e nocivo à vida. A este movimento, Nietzsche opõe a sua “psicologia do orgiástico”, orgiástico ”, na qual a arte retoma seu lugar como grande estimuladora da vida, proporcionando-lhe a chave para a compreensão do “sentimento trágico”, que o próprio Aristóteles não teria compreendido. Assim, Nietzsche coloca no centro de sua reflexão sobre a tragédia o “sentimento trágico” e não os seus possíveis efeitos catárticos. O “sentimento trágico” implica, para além dos efeitos catárticos, na manutenção, a serviço da afirmação da vida, dos pólos tencionais do prazer e desprazer, constitutivo do ser vivo. Desse modo se o efeito catártico é inevitável, ele o seria apenas enquanto o momento de uma descarga necessária dos afetos deprimentes, para que estes não passem a exercer o domínio. A “décadence” implica, portanto, também numa exacerbação nociva e perigosa, de tais afetos. Considerada esta questão do ponto de vista das forças, trata-se de acentuar o seu caráter dinâmico, em oposição a uma compreensão mecanicista. Se aqui, o mecanicismo implicaria em estabelecer uma relação de causalidade entre a força e seu efeito, o que resultaria em eliminar o confronto e apartar a força de sua efetivação, lá, na concepção dinâmica, ao contrário, uma força sempre se encontra em confronto permanente com outra força, de tal modo que a força consiste, justamente, no seu efetivar-se enquanto confrontação ou ainda enquanto jogo belicoso 12.Trata-se, em última instância, de acentuar o caráter de “jogo” entre relações de força em confronto. Nos últimos textos sobre Wagner, o conceito de “décadence” assume um lugar central e decisivo, principalmente porque neles, Nietzschee recorta, com sua lâmina Nietzsch lâmi na afiada, a obra de Wagner Wagner para revelar
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“décadence”, cuja grafia francesa serve para acentuar sua origem, não é para Nietzsche apenas um acontecimento literário ou o u restrito ao campo das artes, estendendo-se, ao contrário, por todos os aspectos da cultura, passando pela filosofia, pela religião, pela moral, pela política. Segundo Mazzino Montinari, o conceito de “décadence” substitui, no último ano da produção intelectual de Nietzsche, os conceitos de pessimismo e niilismo: “o pessimismo não é um problema, mas apenas um sintoma, o nome justo para isso é niilismo, mas o niilismo à sua volta não é a causa, mas a lógica mesma da décadence décadence””13. Mas, se retomarmos estes textos sob a ótica da catarse, importa neste momento assinalar, o quanto esta antiga temática, com as questões que ela trazia junto, em especial aquela relativa aos “efeitos moralizantes da arte”, retorna, com bastante veemência, nos últimos textos de Nietzsche. A figura de Aristóteles é, nestes casos, severamente se veramente criticada. Ora ele não entende o “sentimento trágico”, ora, ao contrário, é por condenar a compaixão, por considerá-la perigosa e nociva à vida, que exige a sua “descarga”, evitando, com isso, um acúmulo indesejável indes ejável de “afetos deprimentes” no interior do próprio corpo. Daí ser necessário, neste caso, algo que “estoure” esta bolha crescente, que como um tumor maligno, tende a espalhar-se pelo corpo inteiro, desarticulando des articulando e desagregando órgãos e funções. A tragédia agiria neste caso, como um “purgativo”. Embora Nietzsche não associe Aristóteles diretamente à tradição das leituras moralizantes, ele critica o Estagirita num ponto decisivo da Poética da Poética,, qual seja, aquele que afirma, peremptoriamente, que a finalidade da tragédia é a catarse da compaixão e do medo. E mesmo que Nietzsche module a sua crítica e o seu tom, mesmo mes mo que ele reconheça em Aristóteles uma advertência quanto aos aspectos perigosos da compaixão, agora ele recusa completamente a relação entre finalidade da tragédia e catarse. Por que? Para tentar justificar esta posição de Nietzsche, creio encontrar alguns pontos de apoio já um
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Nietzsche acerca da catarse nos seus últimos escritos e fragmentos: aqui, vamos encontrar uma análise, ao mesmo tempo bastante preciosa precio sa e complexa, de dois modos diferentes de “descarga”, aquela do “nobre” e a outra, a do “ressentido” sob o comando do sacerdote ascético. Esta distinção tem um significado decisivo, decis ivo, na medida em que, como veremos, Nietzsche visa, vis a, entre outros, a separar, mais uma vez, o mundo e a cultura grega da nossa modernidade e, com isso, assinalar a (quase) impossibilidade de um “renascimento da tragédia” em nossa época. A ilusão juvenil, de que o “drama musical” wagneriano poderia significar este renascimento, já havia ficado definitivamente para trás. Não por acaso, como sabemos, a “Terceira Dissertação” da Genealogia,, dedicada ao exame do “cerne” do ideal ascético 14, se Genealogia abre com a questão da ascese nas artes, tomando como figura emblemática o autor do “Parsifal”. “Parsifal ”. E na medida em que a análise avança em direção a este “cerne” ela reencontra, no capítulo capítu lo 15, a questão do ressentimento, associada à suprema “astúcia” do sacerdote ascético cujo êxito depende, antes de tudo, de um processo “mimético” em relação aos animais de rapina 15 : é tornando-se ou ainda “representando” o papel de um animal de rapina que, misturado a esses animais, o sacerdote ascético inoculará o veneno do ressentimento para, assim, poder garantir, num primeiro momento, a unidade e a identificação com os sofredores, passe livre para que ele possa se apresentar como o curador, o pastor e o protetor do rebanho. Com isso, ele pode realizar com perfeição o seu papel pa pel de “feiticeiro e domador de animais de rapina”, na medida em que possui as armas necessárias para implodir o mais perigoso dos explosivos, justamente o do ressentimento. Neste contexto específico, Nietzsche vai então se referir ao processo de descarga ( Entladung Entladung ), ) , como sendo a tarefa mais importante do sacerdote ascético: “Descarregar este explosivo - Diesen - Diesen
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Sprengstoff so zu entladen - de modo que ele não faça saltar pelos ares o rebanho e o pastor, é sua peculiar habilidade, e suprema utilidade; querendo-se resumir numa breve fórmula o valor da existência sacerdotal, pode-se dizer simplesmente: o sacerdote é aquele que muda a direção do ressentimento”. 16 Se o herói trágico, como já dizia Aristóteles, é aquele que nem é inteiramente culpado, nem inteiramente inocente – uma concepção que estará também presente depois em Goethe, que Hegel retomará, com outros propósitos propó sitos na sua Estética sua Estética e que chega até Nietzsche - o cristão desfaz o gesto trágico que encontrava sua grandeza nesta ambigüidade permanente, neste misto de culpa e inocência radicais, pois seu móvel tornou-se apenas a culpa, uma culpa que não é do outro, o utro, que não é de ninguém, ningu ém, a não ser dele mesmo, enraizada naquilo que se denominou “alma”. Eis, portanto, a meta “curativa” do sacerdote ascético: a mudança de direção dos afetos explosivos não mais para fora, para o exterior, mas para o próprio interior do sujeito. O que está em questão aqui, nada mais é do que a busca incessante pelo sentido do sofrimento, cuja resposta, neste caso, é o ideal ascético e a promessa da “redenção”. Mas, qual é o resultado deste processo aparentemente curativo? Do ponto de vista vis ta do sofredor, diz Nietzsche, tal “descarga” funciona apenas como uma tentativa de alívio, como um entorpecimento,, cuja ação é análoga à de um narcótico. Trata-se, entorpecimento Tr ata-se, nas palavras de Nietzsche, “de um desejo de entorpecimento da dor
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em um grande “prazer”, que ele certamente é incapaz de reconhecer 18. Neste processo, os sofredores “revolvem as vísceras do passado e do presente” e, com isso, Nietzsche retoma uma questão que a “Segunda Dissertação” já havia tocado e analisado brevemente: o ressentimento se caracteriza pela impossibilidade de esquecer 19. Por isso mesmo, os sofredores “rasgam as mais antigas feridas, sangram as cicatrizes há muito curadas, transformam em malfeitores o amigo, a mulher, o filho e quem lhe for mais próximo”. 20 Este processo de “descarga”, ao contrário das pretensões de Aristóteles, mesmo quando destituídas das interpretações moralizantes, já não significa mais nenhum processo purgativo. pur gativo. E com isso, Nietzsche assinala o abismo que nos separa dos gregos: na nossa época, na nossa “modernidade”, o efeito catártico já não tem mais nenhum efeito terapêutico. Ao contrário, ele significa, antes de tudo, a permanência entorpecida da dor, o prolongamento por vias substitutivas (pois o ressentido, diz Nietzsche, pode descarregar descarre gar seus afetos em ato ou simbolicamente, in effigie) effigie) de um sofrimento que parece e precisa não ter fim. O espetáculo wagneriano cumprirá, no campo da cultura, este papel paradigmático de narcótico, de entorpecimento das massas e, com isso, efetivará as pretensões do pessimismo schopenhauriano. Para a platéia dos ressentidos, trata-se de um espetáculo que joga mimeticamente com seu sofrimento, pois lhes oferece a mesma cena que eles, repetidamente, interpretam nas
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aqui, não por acaso certamente, Nietzsche evita qualquer menção à palavra Entladung palavra Entladung ee seus derivados. Ao contrário, para descrever a relação entre o “nobre” e os afetos reativos, ele diz que o ressentimento, neste caso, se “consome e se exaure em uma reação imediata”- vollzieht und erschöpft sich in einer sofortigen Reaktion 21 - ou ainda que um tal homem, o “nobre”, “sacode de si - schüttelt - schüttelt sich - com um movimento, muitos vermes que em outros se enterrariam”. Temos aqui, como se vê, dois aspectos complementares e que caracterizam a relação entre o nobre e o ressentimento: o primeiro, é que não se trata apenas de uma descarga, resultando num “alívio prazeroso”, mas num consumir e num exaurir-se dos próprios afetos reativos, numa espécie de combustão interna; o segundo, representado por esse “sacudir de si”, por esse “dar de ombros” - Schulter é o ombro -, movimento de recusa em tornar o passado um fardo pesado, de recusa em carregar as feridas como se elas fizessem parte inalienável de seu próprio corpo. Assim sendo, estes dois movimentos, o de “exaustão” dos afetos reativos e esse “sacudir de si” o que pode se tornar um fardo pesado se complementam: trata-se, em ambos os casos, não mais de qualquer processo catártico, de qualquer temporário entorpecimento da dor, mas de livrar-se o quanto antes possível, da possibilidade de tornar a dor uma hóspede preferencial do corpo. No # 10 das “Incursões de um Extemporâneo” do Crepúsculo apol íneo e ao dionisíaco, e dos Ídolos, Ídolos, ao se referir, mais uma vez, ao apolíneo
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mas por distintas maneiras de referir-se ao processo de criação artística: o expressar, express ar, o imitar, imitar, o transfigurar, transfigu rar, o transformar, a mímica e o histrionismo. Trata-se, por conseguinte, no revés de toda tradição, de pensar a “descarga” dionisíaca ligada exclusivamente ao processo de criação artística, sem qualquer qualqu er ligação com a “descarga” de afetos deprimentes. E, mais ainda, trata-se de “descarregar de uma só vez”, ou seja, de um processo de “exaustão”, de combustão interna. A mesma idéia pode ser reencontrada em um de seus últimos fragmentos póstumos, escritos no contexto do Ecce homo. homo. Após criticar a visão de Winckelmann sobre os gregos, essa “naiserie” alemã, como ele chama, assim Nietzsche caracteriza sua própria visão dos gregos: “Vi seus instintos mais fortes, fo rtes, a vontade de poder; vi tremerem diante da violência indomada desses impulsos - vi todas as suas instituições crescerem a partir de regras e medidas de proteção, para se protegerem um dos outros de sua matéria explosiva interior. A extraordinária tensão interna se descarregava (entlud ( entlud sich) sich) então em uma terrível inimizade contra todo estrangeiro: a comunidade se dilacerava, para que, a esse preço, os cidadãos não dilacerassem a si mesmos”23. Aqui, a “descarga” enquanto medida protetora, não visa proteger os gregos da própria culpa - como na “descarga” dirigida pelo sacerdote ascético - nem visa atuar como purgativo desta ou daquela paixão nociva, mas sim de reconhecer a extraordinária e impetuosa força desses impulsos que, de certa forma incompatíveis
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ou melhor, a que resta, depois da frustrante expectativa gerada pela obra de Wagner, Wagner, na medida em que, em vez de desfazer as tensões, ela as explicita e as estimula até o seu limite. Renascimento da tragédia, não mais pelas mãos da música wagneriana, mas sim pela ação controversa e conflituosa, agonística, no interior do espaço público? Nesta teia de questões, a crítica da moral da compaixão aparece repetidas vezes, explícita ou implicitamente. Quando Schopenhauer elege a compaixão como a virtude fundamental, sabemos que uma tal afirmação resulta de um longo caminho iniciado com sua crítica à moral kantiana. Não vamos aqui reconstruir todos os aspectos desta crítica, mas apenas ressaltar o que consideramos o mais importante para nossos objetivos: ao “imperativo categórico”, Schopenhauer opõe o conceito de “ação que tem valor moral”. 24 O “imperativo categórico” é comparado a uma espécie de deus ex machina, machina, enquanto o conceito de ação com valor moral não pretende, como o “imperativo categórico”, ser um fundamento último 25. O juízo moral, ao contrário de Kant, não toma o conceito como guia, mas apenas como um “ponto de ligação” que lhe permite, diante do fato fa to da existência da moral e do juízo moral, mora l, “perguntar a que ações se atribui um valor moral”. Com isso e seguindo a análise de Cacciola, a ética schopenhauriana schopenhaurian a não se coloca do ponto de vista do “dever ser”, pois seu ponto de partida metodológico é o efetivamente dado, a experiência interna intern a e externa que remete o juízo moral “ao conjunto de outros fenômenos ou a um alvo relativamente
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que sofrem e os que não sofrem so frem se encontram irmanados, ou melhor, “identificados” ou ainda em “empatia”. É exatamente por isso que a compaixão se constitui no único fundamento possível das ações morais valiosas, pois ela permite a assunção da idéia de “igualdade”, abolindo abo lindo toda e qualquer diferença entre os indivíduos, que estão na base do egoísmo: “Isto exige, porém, que eu me identifique com ele [o outro], quer dizer, dizer, que aquela diferença total entre mim e o outro, sobre a qual repousa justamente meu egoísmo, seja suprimida pelo menos num certo grau”26. É através do elemento identificatório da compaixão, portanto, que temos a possibilidade de nos tornamos iguais e é com ela e por ela, que desenvolvemos as duas outras virtudes que lhe são correlatas e, da mesma maneira, fundamentais ao homem e à sociedade: a caridade e a justiça. Poderíamos citar aqui uma miríade de textos e fragmentos póstumos, onde Nietzsche critica Schopenhauer e sua moral da compaixão, denunciando nela uma hostilidade contra a vida, um favorecimento aos sentimentos de declínio e uma cumplicidade danosa
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À empatia, Nietzsche opõe o “sentimento da distância”, o “pathos da distância”, ou seja, ao invés do “sofrer “sof rer com”, do Mit-leid , o manter em relação ao sofrimento, uma certa distância, que não o nega ou o desconhece, mas que também não permite o seu comando: “Aquilo que eu denomino pathos da distância, distância, é próprio de todo tempo forte. A força de tensão entre os extremos se torna hoje cada vez menor – os próprios extremos se esfumam afinal até a semelhança...” 28. A “semelhança”, enquanto dissolução dis solução da tensão entre os extremos acaba por se constituir num movimento próprio à “décadence”. A crítica de Nietzsche aos processos de homogeneização, atinge todos os âmbitos da cultura, revelando-se, neste caso, como “o efeito inconsciente da décadence décadence”” e que atinge, num só golpe, tanto teorias políticas e constituições estatais como os “ideais das ciências particulares”. Mas, são nos dois últimos escritos sobre Wagner, que vamos encontrar, com todas as letras, o cruzamento entre moral mo ral da compaixão e efeitos moralizantes da arte, na medida em que o conceito de
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sublime, a fim de garantir o efeito narcótico, hipnotizador, hip notizador, intoxicante: “Wagner não “Wagner não era músico por instinto. Ele o demonstrou ao abandonar toda lei e, mais precisamente, todo estilo na música, para fazer dela o que ele necessitava, uma retórica teatral, um instrumento instru mento de expressão, do reforço dos gestos, da sugestão, do psicológico-pitoresco” 31. O “histrionismo” “histrio nismo” vai se tornar, torn ar, então, a marca distintiva do “ator” “ato r” Wagner. Wagner. Mas, não devemos esquecer, trata-se de um histrião no século XIX, no século da massa, um histrião, portanto, orientado pela suscetibilidade moderna para a doença, para a histeria, para o cansaço e a exaustão, pelos valores da “décadence”, enfim 32. A valorização do sentimentalismo, da representação romântica do amor (em especial nas figuras femininas), pelo privilégio da castidade, do nacionalismo e do patriotismo, de preconceitos arraigados (como é o caso do antisemitismo), torna-se o prato principal, a pièce a pièce de resistence do cardápio wagneriano a ser servido para as massas. Ou seja, Wagner se tornou o mestre dos efeitos especiais e sua obra, cristianizada, tornou-se, no campo da arte, o correlato da de Schopenhauer no campo da moral,
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rebanho hipnotizado, isto é, unido. A vitória vitória da castidade no “Parsifal” serviria então, como anúncio antecipatório do esperado happy end das novelas da televisão. R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
ADORNO & HORKHEIMER, Dialética HORKHEIMER, Dialética do Esclarecimento, Esclarecimento , trad. de Guido de Almeida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. BERNAYS, J. “Grundzüge der verlorene Abhandlung dês Aristóteles BERNAYS, über die Wirkung der Tragödie” in Zwei in Zwei Abhandlungen über die Wirkung der aristotelische Theorie des Dramas, Dramas , Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1968. BOURGET, BOURG ET, P., P., Essais Essais de psychologie contemporaine, contemporaine, Paris, Gallimard,
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GENTILLI, C., „Bernays, „Bernays , Nietzsche e la nozione di trágico: aale origine di una nuova imaginne della Grecia”. Rivista Grecia”. Rivista di Litterature moderne e comparate, comparate, vol. XXLVII, XXLVII, Fasc. 1, gennaio-marzo gennaio-mar zo 1994. GIACÓIA JR., O., Nietzsche O., Nietzsche como psicólogo, psicólogo, São Leopoldo, Ed. da Unisinos, 2001. GLUCKER, J. Et Lakas, A (ed.)., (ed.)., Jacob Jacob Bernays. Un philologue juif , Lille: Press Universitaire du Septentri Septentrion, on, 1996. GOETHE, J. W., W., “Nachlese zu Aristoteles Poetik” in Schriften zur Kunst und Literatur, Stuttgart: Reclam, 1999. GÜNTER, K., “Jacob Bernays und die Streit über die Katharsis” (1968) in Luserke, M. (Hrsg.), Die (Hrsg.), Die Aristotelische Katharsis. Dokummente ihrer Deutung im 19. und. 20. Jahrhundert , Hildesheim/Zürich/ New Ne w York, York, Georg Georg Holms Holms Verlag Verlag,, 1991.
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______________., Obras Incompletas, Incompletas, trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho, 2ª. Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978 [Coleção “Os Pensadores”]. Querelle autour de ‘La naissance de la tragédie’. Nietzsche, Ritschl, Rhode, Willamowitz, Wagner agner ,, Paris: Vrin, 1995. SCHOPENHAUER, A., Sobre o Fundamento da Moral , trad. de Maria Lúcia Melo Oliveira Cacciola, São Paulo, Martins Fontes, 2001.