O PARQUE NO DESENHO URBANO PARKS AND URBAN DESiGN
Miranda Marinlli Magnli Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). (FAUUSP). E-mail:
[email protected]
FUNDAMENTOS
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ReSuMo Os parques urbanos são nserdos na urbanzação como parte dos espaços lvres de edfcação. Sob esse aspecto, sua dstrbução nas váras escalas de urbanzação é parte de um projeto da socedade sobre sua cdade como um todo. Por outro lado, o desenho do espaço em s pode ser ldo em face dos contextos em que são mplantados como parte dos mecansmos de controle socal. São levantados sucntamente estes aspectos para receber contrbuções em área que consderamos de ntensa mplcação no desenho urbano. Palavras-chav: Parq, dsnh ran, spaç livr.
AbStRACt The urban parks take part of the urban open spaces system and their existence depends on the social decisions. This paper focuses the insertion of the modern parks in the Brazilian modern city. Ky wrds: Park, urban design, and open space.
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O Parque no Desenho Urbano
O PARQUE NO DESENHO URBANO PARKS AND URBAN DESiGN
Inrdçã
Os parques públcos são, ncalmente (1789), propostos em Munch como espaços de recreação públca. Tra-se partdo, na maor parte dos espaços, de fortfcações em desuso. Com a acepção atual de áreas especfcamente reservadas para utlzação pela população, são desenvolvdos, no século XiX, por desenhos em áreas da Coroa Brtânca (St. James Park e Regent’s Park/1828). O prmero sstema de parques desenhado para Pars não teve como crtéro fundamental a utlzação pela população. É em Nova York, com o Central Park, que se mplanta o maor parque públco que sera desenhado com crtéro, na época, julgado de necessdade da população urbana.
Fotos 1 e 2: Vistas gerais – Regent’s Park, Londres Crédito: Josefina Capitani, 2001
Foto 2
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Foto 3: Vistas gerais – Central Park, Nova York Crédito: Silvio Macedo, 2004
Setores especas dos espaços lvres de edfcação são anda entre nós vstos de manera superfcal, como quantdades de solo, como suporte da flora ou como “pulmões” da cdade. Fragmentados quer no complexo espacal quer no das polítcas urbanas e culturas são relegados como aspectos complementares, de sofstcação e supérfluos, como base para o esplendor de objetos arqutetôncos. No entanto, com forte peso na confguração de modelo urbano, são, freqüentemente, descontnudades físcas nadequadas no tecdo urbano ou na polnucleação global. Localzações de dstrbução de carêncas e de excessos, no mínmo, por falta de globalzação e smultânea especfcdade da questão. Porém, os parques são efetos; o processo não parece tão lnear de causa e efeto, aceto “ o espaço como instância da sociedade” (Mlton Santos). os Parqs urans Sã Par d Sisma d espaçs Livrs d edificaçõs
O espaço lvre é aqu entenddo como todo espaço (e luz) nas áreas urbanas e em seu entorno, não-coberto por edfícos. A ampltude que se pretende dz respeto ao espaço e não somente ao solo e a água, não-cobertos por edfícos; também dz respeto aos espaços que estão ao redor, na auréola da urbanzação, e não somente nternos, entre tecdos urbanos1. Por esse entendmento de espaço lvre (todo solo e toda água não-cobertos por edfícos) o vínculo do espaço é fundamentalmente de localzação em relação aos edfícos, sto é, para com as pessoas que os ocupam, em crculação ou em permanênca. O enfoque de espaço lvre enquanto objeto de desenho só é relevante desde que analsado em face das atvdades e necessdades do homem urbano. 202
A defnção e o enfoque de espaço lvre faz com que seja secundára a questão da quantdade de espaços lvres (quanto-ndíces); transforma, porém, a mportânca relatva a onde estão os espaços lvres e, repetmos, artcula o onde com as permeabldades dos edfícos e da urbanzação (quando se nterpretar a questão) nas dversas escalas desde o barro, conjunto de barros (dstrtos), núcleos urbanos, metrópoles, sub-regões, regões (Ver Fguras 1a e 1b).
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Figura 1a: Representando as edificações em quadrados escuros sobre o espaço livre; em cinza observa-se que a quantidade é a mesma para qualquer arranjo; o que altera é a distribuição vinculada a outras morfologias
Figura 1b: Representando a urbanização e o espaço exterior, volta-se a observar a variação da distribuição com a mesma quantidade. O segundo exemplo mostra maior adensamento com acréscimo de espaço livre. A distribuição do espaço livre tem implicações com a concentração ou as polinucleações
Créditos: Miranda Magnoli
Assm sendo, o espaço lvre de edfcações e de urbanzação consttu-se em um contínuo cuja dstrbução deve ser tal, que propce o enrquecmento das atvdades do homem urbano, na medda em que, vsto em sua globaldade, a dfícl e abstrata polêmca da quantfcação passa a ser um falso problema, pos a quantdade é constante em seu todo; o que vara é a dstrbução e a conFiGURAção dessa dstrbução nas dversas escalas da urbanzação. A apropração dos espaços pelo homem para suas necessdades e atvdades é crada em âmbtos locas, setoras, urbanos, metropoltanos, sub-regonas e regonas em função da proxmdade espacal. A proxmdade espacal, movmento, exge permeabldade entre os espaços por meos dversfcados e amplos de locomoção. A dstrbução de espaços lvres para serem aproprados pelo homem (sstema de parques) fca vnculada às maneras de acessos dsponíves em cada uma das escalas de urbanzação, e à freqüênca dos usuáros. Freqüênca, utlzação, apropração em sentdo amplo dz respeto à duração e perodcdade de tempo dsponível. isso conduz esquematcamente (e anda grosseramente) a usos dáros, semanas, de ferados, de féras curtas ou prolongadas. É pela relação entre o uso dáro e a duração reduzda que se pode observar que são espaços os quas devem estar próxmos da habtação, de nível local. Para atvdades de longa duração, o tempo de acesso passa a ter pequena nterferênca, permtndo localzações regonas. Há toda uma gama de dversfcação de dstrbução espacal que fca nserda entre os dos extremos e é função da freqüênca dos usuáros e da localzação e facldades de acesso. Outro é o caso em que no dagnóstco das capacdades do meo físco, além de ndcar-se os pontos crítcos de mpacto (função de localzação e de elmnação de resíduos), os subsídos para dretrzes de atvdades ao ar lvre, enfatzam-se locas de potencal natural dsponível para utlzação. Nesse caso, mesmo com curta duração, será o caso de propcar acessos a essas localzações. O mesmo se dá em atvdades que exgem localzações específcas dante de requstos topográfcos, clmátcos ou geográfcos. O atendmento do cdadão nas váras escalas de urbanzação e a dversdade de apropração em atvdades varadas, dversfcadas, específcas ou não, “atvas” ou “passvas”, para todos os cdadãos, em dade, sexo, solados ou em grupos, leva à dstrbução de espaços dversfcados no nteror, na perfera e no exteror da mancha urbana. Dversfcados em confguração, em acessbldade, em desenho, em manutenção.
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Espaços lvres de edfcações ou de urbanzação são pressupostamente os mas acessíves por todos os cdadãos; os mas apropráves perante as oportundades de maor autonoma de ndvíduos e grupos; os que se apresentam com mas chance de controle pela socedade como um todo, já que abertos, expostos, acessíves; enfm, aqueles os quas podem ser os mas democrátcos possíves, enquanto sgnfcado ntrínseco da expressão espaço urbano.
No entanto, há um vínculo estrto entre esse deal socopolítco-cultural ncorporado aos espaços lvres e a descontnudade físca dos tecdos urbanos (ao âmbto nterno dos assentamentos) e das váras partes de um organsmo urbano polnucleado (ao redor dos város núcleos). Essas descontnudades físcas são os espaços lvres. Entretanto, essas descontnudades físcas se consttuem muto freqüentemente em “ barreiras de espaços livres não apropriados surgem como cunhas rompendo a continuidade de assentamentos que constituem, de fato, um único sistema sócio-espacial no cotidiano de seus habitantes”2. Levantamos que a questão de desenho, central
está na dstrbução dos espaços lvres; na conFiGURAção global do sstema de espaços lvres. E, nessa conFiGURAção global está mplícta, de acordo com a defnção e o enfoque ncal de espaços lvres, a dstrbução da dversdade de atvdades humanas em espaços fechados (desenho da cdade e desenho dos edfícos). No desenho de cada uma dessas fguras ou no arranjo da nteração entre elas está a contradção, e não propramente na existência de espaços lvres que têm, no mínmo, de permtr acesso, luz e ar às edfcações (além de vstas, crculação, permanênca, apoo a servços locas e urbanos, espaços para vda ao ar lvre, apoo para nfraestrutura e reserva para usos urbanos futuros). O que acontece é que a dstrbução dos espaços lvres exerce forte nfluênca no modelo de urbanzação. os Parqs Sã Par ds Mcanisms d Cnrl Scial
Em um pequeno e nteressante artgo escrto por Cranz3 sobre as mudanças dos papés dos parques urbanos, traça-se uma evolução do “movmento amercano de parques” desde meados do século XiX. Perodza essa evolução em quatro etapas (1850-1900/1900 a 1930/1930 a 1965/1965 em dante) correspondentes a programas e desenho dos parques. Para cada um dos modelos o desenho faz uso dos mesmos elementos – água, árvores, flores, camnhos, vedos, esculturas, edfcações – mas em combnações dstntas e com dferentes predomnâncas. indca específcas metas socas a atngr; dferentes são as maneras de elaborar os mesmos elementos; a cada modelo corresponde uma ntenção de contrbur para a solução de problemas decorrentes das transformações ncadas pelos processos de ndustralzação e urbanzação.
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O pleasure garden (de 1850 a 1900), caracterzado pelos trabalhos de Olmsted 4, é o parque consttuído por amplo espaço (centenas de hectares), alternado em modelados suaves de pradaras e plácdas e extensas águas que serpenteam entre as colnas onduladas. As águas refletem largas faxas de céu e massas de árvores de poucos tpos dstrbuídas, crando dferentes seqüêncas de espaços snuosos com camnhos ondulados elaborados para bucólcos passeos concebdos de forma a sequer o tráfego de carruagens do parque desvar a atenção da atmosfera ”pastoral” crada. É o cenáro dealzado do campo. Flores são evtadas, pos lembram a mão do homem, a não ser como grandes campos slvestres; edfícos reduzdos ao máxmo e envolvdos entre pérgolas e vedos em pedras rústcas; esculturas também são evtadas, assm como equpamentos de lumnação; quando necessáros, foram depostos do vsual de observador. O camnho snuoso, com separação de veículos e pedestres, é a característca sstematcamente utlzada no modelo do período, como contraponto à rígda malha ortogonal da cdade; como os equpamentos para luz a gás, além de produtos manufaturados, lumnam as ruas da cdade e assocam as edfcações à cdade. A malha urbana, fnta e fechada descortna-se em uma experênca de nfnto nos reflexos de céu, na placdez das extensas águas. Nenhum movmento mas dnâmco nas águas sem ruídos, nenhum contraste mas sgnfcatvo na vegetação, nenhum detalhe a enfatzar observações mas reduzdas. A ampltude é procurada em todos o s níves de
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Figuras 2a, 2b, 2c e 2d: Os bairros com índices altos de espaços livres particulares (Z1) aumentam sensivelmente a extensão da urbanização. Alguns desses bairros (entre 5 e 50 hab./ha) ocupam extensão maior que parques setoriais ou metropolitanos. Em São Paulo a totalidade desses bairros é superior à totalidade dos parques públicos Créditos: Miranda Magnoli
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Figura 3 – Freqüentemente os parques estão distribuídos em tecidos em que é alta a taxa de espaços livres particulares (situados em Z1e Z8 nos anos 1980), ocupados preponderantemente por uma população que não faz uso dos parques. Levantamento executado também indica que a população que habita em situações mais carentes não dispõe de transporte coletivo acessível aos parques Crédito: Miranda Magnoli
experêncas; a lusão bucólca é transposta além do perímetro físco do parque pela extensão da contnudade campestre, que, necessaramente, é o entorno desse espaço. São parques localzados além da perfera da cdade para aonde famílas e grupos organzados pelas assocações relgosas e protetoras da moral e dos bons costumes são levados semanalmente para passear, andar de barco, alugar carruagens, ouvr concertos, fazer pquenques.
Foto 4: Vistas gerais – Central Park, Nova York Crédito: Silvio Macedo, 2005
Foto 5: Vistas gerais – Prospect Park, Nova York Crédito: Silvio Macedo, 2001
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Figura 4 – A existência de vários clubes pode dar a impressão de disponibilidade de espaços recreacionais. Porém, é restrita a acessibilidade a esses equipamentos perante as condições de ingresso; os preços dos títulos e as taxas mensais de manutenção marginalizam a maior parte da população; outros poucos, públicos, são restritos a grupos (ex.: centros de campi) Crédito: Miranda Magnoli
As atvdades, sempre em contraste com a rotna urbana, não requerem partcpação, que podera ocorrer no trabalho e na produção e voltam-se para experêncas marcadamente contemplatvas, passvas; sequer atvdades artesanas, smlares à produção manufaturera, são acetas; assm, exercícos mas exgentes em esforços físcos ou em repetção, memorzação e sstematzação. Em um ambente para grupos e atvdades famlares, são enaltecdas e desencorajadas as formas de comportamento consderadas adequadas e nadequadas. É proscrto o alcoolsmo, margnalzados a prosttução, jogos de azar e outras manfestações consderadas da cultura popular e da baxa condção cultural e moral dos mgrantes. As váras classes socas no campo são ntdamente separadas em todos os aspectos; nas cdades, o dscurso democrátco é mantdo como aspração que não deve ser arranhada pela urbanzação e ndustralzação. O parque oferece um espaço de nteração, vsual, das váras classes. São parques localzados além das perferas das cdades; vstos e dvulgados como verdaderos “pulmões” a serem oferecdos semanalmente – as expansões em extensão e os prolongados horáros de trabalho já não permtam a proxmdade espacal dára com o campo, com os espaços “naturas” que permtam dmnur os rgores e agruras da ndustralzação amercana da época. Como elemento defntvo para a mplantação desses novos espaços da urbanzação pesaram as epdemas as quas, anualmente, assolavam as cdades e partcularmente as áreas concentradas no verão. O Central Park fo o antídoto à epdema de cólera que grassou em Nova York em 1852. São atuas duas correntes de pensamento que, fundamentalmente, elaboram: – O programa, mas do que dar alívo ao trabalhador exausto, procurava estmular uma parte relegada da mente humana: aquela da percepção do espaço, das formas, da aprecação artístca ao nvés da lógca, da raconalzação (analoga ao modelo de atvdades dos hemsféros dreto e esquerdo nos cérebros humanos);
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– esses parques seram um freo ao pergo vsto pelas eltes moras em relação aos deas moras de dfícl controle nas cdades. Enrquecendo com negócos urbanos, teram preferdo vver no campo: fnos e educados fazenderos. Os mgrantes ruras no período, freqüentemente, dealzaram a cdade como o lugar de anmação, de mportânca ao anônmo, de luzes, sons, lberdades maores que nas comundades agrícolas e, como subsído básco, de oportundade de saláros em dnhero e não mas em morada, almentação e eventuas espéces. Fca a questão: onde e como seram esses espaços, se pretendessem expressar a aração e as esperanças depostadas nas cdades? O período subseqüente, de 1900 a 1930, é o de maores transformações na evolução dos parques: é o do reform park ou também playground period. Dos são os aspectos que o fundamentam na necessdade de mudanças: playgrounds e espaços locas. Passam a nternalzar-se no urbano, construndo áreas para as cranças. Em pouco tempo a aspração é estendda e mplantada para todas as faxas etáras em organzações programadas e supervsonadas por dades e sexos. É decorrênca óbva que os espaços sejam reduzdos, já que próxmos Foto 6: Vista aérea – Represa Guarapiranga às habtações e aos locas de trabalho. TamCrédito: Silvio Macedo, 2005 bém, totalmente ocupados em caxa de areas para brnquedos, exercícos físcos e classes e ensnamentos subsdáros de hgene, saúde, alguma profssonalzação e naturalzação amercana para os mgrantes. Os edfícos ocupam boa parte do espaço (vsto que reduzdo) para permtr esse tpo de programação a qual se desenvolve além trabalho, para todas as dades ocupadas na ndústra. Gnástcas, atvdades esportvas, representações teatras sempre de fundo hstórco relaconado à cração da nação amercana, são parte da educação de orgulho cívco o qual os város líderes de grupos, dades e sexos mpõem. A morfologa urbana tem aparênca contínua com o aspecto das fábrcas, das habtações, do comérco prolongando-se em alguns dos tantos espaços prevstos para atvdades programadas. É desse período a csão entre os grupos anda lgados à déa do parque do outro período e esse setor que se classfca lgado à recreação. É a dscussão anda comum entre nós, entre recreação “atva” e “passva”: uma sera para Figura 5 – As áreas de reservatórios da infra-estrutura partcpação e outra para aprecação! metropolitana, bem como reservas florestais não têm sido propostas para apropriação pela população. A O começo do século é ndcatvo do aparecpolivalência de usos é possível e adequada em relação mento de város dferentes movmentos socas à urbanização, desde que caracterizadas as restrições em todo o mundo. As eltes empresaras e fna gestão do projeto, implantação e utilização (Represa lantrópcas ao orentarem, com a competênca Mairiporã) Leonardo Coelho, 2006 que se assumam, as necessdades das classes
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trabalhadoras, ndcavam a acetação e raconalzação concreta e objetva da cultura ndustral dentro das normas, regulamentos e valores das les anglo-saxôncas. É uma pergunta que o autor dos estudos faz a s mesmo: como sera o urbano e o desenho dos espaços, se vesse à tona a máquna polítca da época, os favortsmos e as manpulações das eltes e se o trabalhador pudesse dstrbur as cervejaras que almejava e as organzações por grupos étncos, racas e mnortáros os quas germnavam entre eles? As transformações posterores à Prmera Guerra Mundal, os movmentos dos trabalhadores da década de 1920 convergem para a nsttuconalzação da recreação como função do poder muncpal que se estabelece por volta de 1930. É usada para o período de 1930 a 1965 a expressão recreação, alás recreation facility sgnfcando a dstrbução assegurada para todos, em âmbto naconal, no cotdano, em eventos, jornadas, em tal porte, que se passa aplcar a execução e mplantação serada e multplcada de estádos, grandes pscnas, quadras, arqubancadas e panés de jogos e esportes. São programados eventos esportvos de massa, desportes em grupos grandes. É macça a partcpação na recreação consderada atva. Com a evolução, as propostas se refnam para os defcentes físcos, para os dosos, os cegos, os aposentados. A padronzação se estende em todos os locas, em toda a nação, em todas as propostas. Nas crses da Depressão e da Segunda Guerra Mundal esses parques assumam boa parte da sustentação moral oferecda pelos órgãos federas, como demonstração de progresso, lberdade e democraca. É um período de grande aumento da classe méda profssonal e de uma classe que se sente partcpante dos grupos decsóros, uma classe nova entre os propretáros e os trabalhadores: a admnstração efcente e sua capacdade quanto aos servços para a comundade são os aspectos prncpas a regerem as questões de classe. No aspecto da urbanzação, esta se estende em amplas áreas de baxa densdade, habtações unfamlares na perfera da cdade entre gramados contínuos e entre edfcações: procura-se um estlo de vda lgado ao rural, habtando-se na perfera e trabalhando-se na cdade. Na cdade, em espaços concentrados, o poder públco devera oferecer para os habtantes urbanos as facldades que estaram nas perferas como estrutura de vznhança, a qual sera propcada pelos espaços de nteração entre as casas. Os estudos urbanístcos do pós-guerra, especalmente ngleses, e o raconalsmo na arqutetura dstrbuíam pelo mundo índces de áreas verdes classfcadas em playlots, playgrounds, playfields e outros, de forma smlar às casas, escolas, hosptas, comérco, setores ndustras e sstemas de trânsto. A correta herarquzação e a dstrbução sstematcamente planejada nas cartografas, desde a escala local até a naconal, fara com que os parques contrbuíssem com todos os requstos técncos para uma socedade justa, equlbrada, harmonosa, ordenada. Talvez felz, também. De 1965 a 1986 as modfcações são ntensas e extensas. A cdade é essencalmente vsta como toda ela, em ruas, largos, praças, parques, a ser assumda como um espaço de vda dversfcada, heterogênea, que espera poder nebrar-se em revtalzações mas duradouras ou transtóras e eventuas. Os fenômenos da automação, do contínuo acréscmo do lazer são de dfícl ntegração com a deteroração e vandalzação em equpamentos coletvos e largas áreas das zonas centras. Essa evolução não é a nossa. A nossa está para ser estudada, refletda, debatda, elaborada. Uma sére de crcunstâncas da socedade do país mas rco do planeta e do excepconal desenvolvmento do pasagsmo amercano, na prátca, nas nsttuções acadêmcas e no poder públco, faz com que dversos sejam os aspectos nos quas nos cabe um pensamento mas cudadoso e abrangente. No mínmo e, prelmnarmente, podemos observar que a conFiGURAção, a conFORMAção na hstóra dos parques reflete, mas do que se quer pensar, ntenções socas medatas em uma attude e flosofa subjacentes em relação ao fenômeno urbano. Os modelos, em sua seqüênca, vão se sobrepondo por partes em espaço e em tempo nem sempre transparentes em dferentes contextos e dferentes populações.
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Nossos espaços e nossas cdades não consttuem o resultado de um processo homogêneo em uma cadea hstórca, que possa amalgamar o povo, a nação, o Estado. Não podem ser vstos como um acomodamento de nsttuções que vsem à partcpação plena de todos os cdadãos na condução de seus desígnos para os ambentes de vda. As observações as quas n camos5 são anda muto prelmnares e contêm grandes lacunas. Lmtam-se, no momento, a levantamentos de caráter espacal nos város níves escalares da regão metropoltana de São Paulo – nsufcentes até nos levantamentos para as explcações dos modelos urbanos, para ndvdualzar as separações entre atvdades físcas, manuas e as ntelectuas, artístcas, “esprtuas” ndependentes; não conseguem revelar déas, regras, valores, normas daqueles que teram a competênca para essas decsões; fcam a dever na compreensão das expressões, das exterorzações, nas formas concretas com que a cultura se manfesta; as formas de convívo em espaços de presença humana dversfcada, de caráter desgual, heterogêneo, plural, não emergem faclmente pelos códgos representados na lnguagem do tratamento do espaço. Por outro lado, são múltplas as stuações que deverão ser estudadas – por nós todos; não creo que possamos nos valer de alguns poucos processos urbanos e daí generalzar. A população do país não pode ser vsta de forma homogênea só por causa da língua, do futebol e alguns outros poucos hábtos comuns. São números os modos de vda, as expressões culturas vgentes, as tradções, os nteresses, as representações; a unfcação por uma síntese geral que é, no mínmo, problemátca. O papel do Estado é, no mínmo, controverso, especalmente na consttução da Nação. Esses espaços urbanos, enquanto parte de expressão cultural das culturas socas, envolvem as capacdades das socedades para transformar as stuações exstentes em stuações com o sentdo do novo; para um campo de ações e pensamentos que ultrapassem experêncas, desequlbrem, renventem modos estabelecdos de ver, ouvr, pensar sem padronzação, massfcação, smplfcação, repetção. São formas dferencadas as quas, possvelmente, surgrão por meo de grupos, comundades, lugares, tempos, espaços e conteúdos. Procuramos magnar que talvez alguns pontos possam ter despertado algum nteresse e empenho para questões que têm sdo consderadas uma espéce de luxo, de supérfluo, alhea às “cosas séras”.
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Foto 7 – Parque da Independência, desenho da década de 1940 Crédito: Silvio Soares Macedo
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Fotos 8a e 8b – Parque da Aclimação, adaptado na década de 1960 Crédito: Josefina Capitani
Fotos 9a e 9b – Parque Vila dos Remédios, executado nos anos 1970 Crédito: Sérgio Ortiz, 2003
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Parque Ecológico do Tietê dos anos 1980
Foto 10 – Núcleo Tamboré Crédito: Luciana Mantovani
Foto 11 – Núcleo Cangaíba Crédito: Silvio Soares Macedo
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(1) TANKEL, Stanley. La mportanca del espaco lbre en s modelo urbano. in: WiNGO, Lowdon. Ciudades y espacio, el uso futuro del suelo urbano. Barcelona: OiKOS-TAU, 1976. (Coleccón de Urbansmo). (2) HOLANDA, Frederco de. Arqutetura como estruturação socal. in: FARRET et al. O espaço da cidade – Contribuição à análise urbana. São Paulo: Projeto, 1985. (3) CRANZ, Galen. Changng roles of urban parks – From pleasure garden to open space. Landscape, n. 2, 1978. (4) Refermo-nos a Frederck Law Olmsted, consderado o pa do pasagsmo amercano. Nasce em Connectcut, em 1822, e durante os 81 anos de vda exerceu váras profssões que contrbuíram para sua compreensão da época; em sua atvdade de arquteto pasagsta, que ele crou nos EUA, procurou transferr para os projetos suas metas para as necessdades urbanas. Cresceu no campo, vajou à Chna em 1846 e em 1850 à inglaterra; nessa vagem fcou vvamente mpressonado com a vda rural nglesa e com a pasagem do parque “natural” nglês. Em 1858 ganha, com Calvert Vaux, o concurso para o projeto do maor parque de Nova York: o Central Park, hoje bastante transformado nternamente, mas anda se podendo notar característcas essencas. O sucesso desse trabalho levou a város outros em Nova York, Chcago, Boston, Albany, Buffalo, Rochester, San Francsco, Newark, Phladelpha, Montreal, Detrot, Hartford, Trenton, Lousvlle, Mlwakee e Kansas Cty. São parques, novos barros, exposções mundas, áreas nsttuconas, camp unverstáros, áreas de preservação e sstema de parques. É também devda a Olmsted a dfusão dos parques naconas e a cração do parque naconal de Yosemte Valley. Para a época, a vsão de Olmsted é de largo espectro e fôlego, especalmente quando analsada em confronto com os moldes europeus. É decorrênca da contrbução de Olmsted, na vsão global dos espaços do terrtóro e na compreensão da pasagem como nteração entre os processos do meo físco e dos processos da ntervenção antrófca, o surgmento da arqutetura pasagístca como área dscplnar crada, ncalmente, na Unversdade de Harvard em 1900, junto da Lawrence Scentfc-Scholl. Seu brlho, vsão abrangente e local não conseguram manter-se nas décadas subseqüentes, apesar do avanço profssonal e dscplnar que se estende pelo país. Suas lções seram retomadas no
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O Parque no Desenho Urbano
níco da década de 1970 com as grandes transformações da cênca, da tecnologa, dos comportamentos socas e nas expressões das attudes humanas. (5) Refermo-nos a estudos ncados em MAGNOLi, Mranda Martnell. Espaços lvres e urbanzação: Uma ntrodução a aspectos da pasagem metropoltana – tese de lvre-docênca, FAUUSP. São Paulo, 1982. Esses estudos vêm sendo retomados por novos pesqusadores dentro do Programa de Área de Pesqusa Planejamento da Pasagem do Departamento de Projeto da FAUUSP.
biligrafia CRANZ, Galen. Changng roles of urban parks – From pleasure garden to open space. Landscape, n. 2, 1978. HOLANDA, Frederco de. Arqutetura como estruturação socal. in: FARRET et al. O espaço da cidade – Contribuição à análise urbana. São Paulo: Projeto, 1985. MAGNOLi, Mranda Martnell. Espaços livres e urbanização: Uma introdução a aspectos da paisagem metropolitana. Tese (Lvre-docênca) – Faculdade de Arqutetura e Urbansmo, Unversdade de São Paulo, São Paulo, 1982. TANKEL, Stanley. La mportanca del espaco lbre en el modelo urbano. in: WiNGO, Lowdon. Ciudades y espacio, el uso futuro del suelo urbano . Barcelona, 1976. (Coleccón de Urbansmo OiKOS-TAU).
Obs.: Texto publicado originalmente em “Desenho Urbano: Anais do II SEDUR – Seminário sobre Desenho Urbano no Brasil”.
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Pasagem Ambente: ensaos - n. 21 - São Paulo - p. 199 - 214 - 2006