UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Ermelinda Piedade Mathias Oliveira Erika Barbosa Araújo Glaucia Lima de Magalhães Theophilo
ANÁLISE CRÍTICA DO FILME FALE COM ELA
NOVA IGUAÇU - RJ 2012
Ermelinda Piedade Mathias Oliveira Erika Barbosa Araújo Glaucia Lima de Magalhães Theophilo
FILME “FALE COM ELA” EM RELAÇÃO À BIOÉTICA
Análise Crítica do Filme “Fale com ela” da
disciplina de Ética na Saúde lecionada pelo Prof. Ralph Mesquita para obtenção de nota parcial de AV1- Curso de Psicologia.
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ NOVA IGUAÇU - RJ 2012
Análise Crítica do Filme: Fale com Ela
Ficha Técnica: Nome: Fale com Ela Nome Original: Hable con Ella Origem: Espanha Ano de produção: 2002 Gênero: Drama Duração: 116 min Direção: Pedro Almodóvar Elenco: Féle Martinez, Javier Cámara, Darío Grandinetti, Rosario Flores, Leonor Watling, Geraldine Chaplin, Mariola Fuentes, Chus Lampreave, Loles León, Pina Bausch, Paz Vega. Análise Crítica: Após assistir ao filme “Fale com ela” de Pedro Almodóvar, várias questões
foram despertadas em nossa consciência. Este filme, a nosso ver, provoca uma série de inquietações, tais como a problemática do normal e do patológico, as fronteiras entre a lei, a moral e a ética. É perceptível também, uma narrativa que coloca o espectador em conflito com suas verdades pré-estabelecidas, discutindo o conflito entre os desejos ocultos individuais e o ser social, moral e civilizado. São questões que a primeira vista pode ser entendida como simples, conforme nossas crenças morais, mas que na realidade, frente a uma análise mais profunda, envolvem princípios muito mais amplos e elaborados. Questões como:
Em relação a paciente em coma, ao ser abusada sexualmente e engravidar, o que seria mais importante em caso de necessidade médica, salvar a vida da mãe ou do feto? Nesse caso, um aborto é algo a ser cogitado?
Acreditamos não existir uma resposta pré-determinada a fim de solucionar de modo rápido uma questão como esta. Por isso existe, cada vez mais presente em nosso cotidiano, a bioética, que gera princípios norteadores em relação aos problemas inerentes a vida e á saúde humana. A bioética, centrada em nossa sociedade no modelo principialista, é baseada em 04 princípios norteadores, que são: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Certamente para buscar respostas às questões acima citadas, a bioética se valeria desses princípios. Uma
análise profunda e criteriosa, de um comitê de ética, composta por uma equipe interdisciplinar, buscando um olhar totalizador, se faria necessário, avaliando pela dimensão física, psíquica e social. É possível perceber na análise de DIAS (2007) a abrangência e complexidade desta questão: Essas questões estão no contexto de reflexões da bioética, área do conhecimento que surgiu há, aproximadamente, 30 anos e que tem como objetivo estudar, sistematicamente, a conduta humana no que diz respeito às ciências da vida e da saúde. [...] A bioética possui caráter multi, inter e transdisciplinar: multidisciplinar por ser composta por profissionais de todas as áreas; interdisciplinar porque propõe o diálogo entre as disciplinas e transdisciplinar por transcender especialidades, criando um saber comum entre as áreas, no benefício das pessoas e na resolução de dilemas éticos. Portanto, a bioética é uma ponte entre as ciências da saúde e os fundamentos éticos e filosóficos que devem reger o modo de agir de todos aqueles que estão comprometidos com a assistência à saúde. [...] A todo o momento o ser humano passa por situações em que pode avaliar moral e eticamente suas atitudes e escolhas. Sendo a bioética uma ética da vida, tudo aquilo que diz respeito à pessoa e ao outro está nela contida [...] As questões bioéticas vão muito além do estabelecido em códigos deontológicos; partem de princípios que podem e devem ser flexibilizados para a resolução dos dilemas.
Se uma paciente em coma declara, antes de esta situação lhe ocorrer, não desejar permanecer em estado vegetativo indefinidamente ou ligada em aparelhos, sua vontade deve ser acatada?
Para se responder esta dúvida busca-se orientação no princípio da autonomia, que é aquele que se refere à capacidade que uma pessoa possui de decidir sobre aquilo que julga ser o melhor para si mesma. No entanto, para considerar uma pessoa autônoma, são necessárias algumas condições principais. Primeiramente, ela deve possuir a capacidade para compreender, analisar logicamente uma situação (racionalização) e habilidade para escolher entre várias hipóteses (deliberação) com o objetivo de decidir-se intencionalmente por uma das alternativas que lhe são apresentadas. Além disso, a pessoa deve estar livre de qualquer influência para tomar esta decisão (voluntariedade). O vínculo profissional-paciente é, então, fundamental, pois é o que permitirá o acesso ao indivíduo e deste com todas as informações necessárias a uma decisão. Deve-se partir de uma autenticidade que possibilite o respeito aos desejos do paciente pois, muitas vezes, pode não ser o adequado segundo a equipe. Desta forma, consiste em possibilitar-lhe um espaço para que este possa exercer a sua autonomia nessa relação com os profissionais que o estão assistindo.
É importante, ainda, respeitar o contexto em que se dá a decisão, pois esta diz respeito a um ser humano que possui uma história e um determinado contexto de existência. No entanto, na prática cotidiana, ao se estabelecer um conflito, a equipe de saúde, na maioria das vezes, adota uma postura paternalista e autoritária objetivando o tratamento do paciente sem proporcionar a ele o exercício de sua autonomia. Esta situação não se apresentou no filme, no entanto, valendo-se deste princípio, deve-se acatar a decisão consciente e voluntária do ser humano, o que pode ser bem compreendido conforme declaração de KOVACS (2003): A autonomia se refere ao respeito à vontade e ao direito de autogovernar- se, favorecendo que a pessoa possa participar ativamente dos cuidados à sua vida. [...] Foi o desenvolvimento da tecnologia que favoreceu a manutenção e prolongamento da vida, e então pergunta-se até quando investir em tratamentos e quando interrompê-los. Estes são os dilemas relativos à eutanásia, à distanásia, ao suicídio assistido e ao morrer com dignidade.
Tratar um paciente em coma baseado num profissionalismo distante é tão
eficaz
“
”
quanto trata-lo com amor e proximidade? Até que ponto existe uma relação paternalista da equipe de enfermagem com os pacientes internados nos hospitais?
O ponto alto do filme é a relação do enfermeiro com a moça em coma e toda a polêmica que se coloca sobre o que é saúde e doença, vida e morte também. Parte-se do princípio da beneficência, que estabelece que devessem fazer o bem aos outros, independentemente das situações, ou seja, na obrigação moral de agir em benefício do outro, seja quem for e em quaisquer circunstâncias. O enfermeiro, apesar de estar buscando um tratamento de amor e proximidade conforme sua interpretação, realmente ultrapassa os limites considerados apropriados de beneficência. Compreende-se isto mesmo quando percebemos sua relação emocional e unilateral com a paciente. O tratamento oferecido pelo resto do corpo médico e de enfermagem segue os padrões de beneficência pré-estabelecidos, conforme afirma DUSILEK: O princípio da beneficência declara o reconhecimento do valor moral do outro, considerando-se que maximizar o bem do outro, supõe reduzir o mal. De acordo com esse princípio, o profissional se compromete a avaliar os riscos e os benefícios potenciais (individuais e coletivos) e perseguir o máximo de benefícios e reduzir ao mínimo os danos e riscos possíveis.
Existe também uma preocupação atual sobre o posicionamento paternalista exercido pela equipe de enfermagem, já que, no que se refere às relações com os pacientes, observa-se que há uma tendência a trata-los de maneira infantilizada, no sentido de que se está procurando beneficiá-los, independente de suas vontades.
Tais condutas podem se constituir em artifícios para se induzir o paciente a receber determinado cuidado, remetendo ao critério da Bioética da beneficência. Por outro lado, a proximidade da equipe de enfermagem com o paciente, no cotidiano hospitalar, lhe possibilita um vínculo que lhe confere certo poder, assim como a possibilidade de testemunhar os temores dos pacientes em relação a determinados tratamentos. Partindo desta ligação é que BOEMER afirma a enfermagem pode vir a contribuir com o paciente no exercício de sua autonomia, conforme esclarece: Acreditamos que o enfermeiro, de posse de um poder não institucional que lhe é conferido pela sua proximidade com o paciente e/ou a sua família, mas sim instituído, pode explicitar o conflito velado na relação entre beneficência (médico) e autonomia (paciente) permitindo-lhe ter consciência de seus direitos enquanto ser humano e paciente, fortalecendo-o e possibilitandolhe o exercício de sua autonomia.
Um ato de amor pode ser prejudicial? Em caso afirmativo, existe j ustificativa?
Seria Benigno um psicopata por tratar a jovem como normal e saudável a ponto de manter com ela um relacionamento amoroso? Isto não é simples. Se atentarmos para a forma como as cenas foram sutilmente sendo apresentadas, evidenciando um tratamento carinhoso da parte dele, num esforço de trazê-la à vida, alguns podem se sensibilizar e até tentar justificar seus atos. Para ele, ela estava viva. E estava realmente. Foi o que se constatou mais tarde, quando ela sai do coma. No entanto, apesar da concepção individual dele, pode-se afirmar que o ato sexual realizado por Benigno foi uma violação moral. Numa relação sexual as duas pessoas precisam estar de acordo. Alicia não podia expor sua vontade devido ao coma no qual estava imersa. Ela foi envolvida em uma ação pela qual não poderia responder e não podia ativa e conscientemente participar. É nesse momento que a universalidade da ética entra em vigor. Se “apossar” de um corpo inerte, sem
respostas conscientes é uma violação dos direitos humanos. O cuidar, o tratar bem, o zelar por esse corpo é algo totalmente diferente de entrar na privacidade de uma pessoa em tais condições (coma) e invadir seu mundo interior. E falamos aqui do “mundo” psicológico, biológico, emocional, fisiológico. Benigno ultrapassa todos os
limites e orientações do princípio da não-maleficência, apesar de não ter consciência disto, pois para ele foi um ato de amor. O princípio da não-maleficência é aquele em que o profissional se compromete a avaliar e evitar os danos previsíveis, atitude que o enfermeiro apaixonado não seguiu. Entendemos que não é possível de forma
alguma considerar seu ato como moral, já que infringe a concepção contida em SINGER (2002) que afirma: Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos, com base no interesse pessoal, são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a ideia de alguma coisa maior que o individual. Se vou defender a minha conduta em bases éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo reportar-me a um público maior. [...] Ao admitir que os juízos éticos devem ser formados a partir de um ponto de vista universal, estou aceitando que meus próprios interesses, simplesmente por serem meus interesses, não podem contar mais que os interesses de uma outra pessoa.
Até que ponto deve-se prorrogar uma vida humana? Aquela existência comatosa pode “
”
ser considerada vida? No caso da necessidade de leitos, a quem dar prioridade?
O princípio da justiça envolve a igualdade social e o bem-estar coletivo entendido como equidade: cada pessoa deve ter suas necessidades atendidas, reconhecendo-se as diferenças e as singularidades. Neste contexto, o conceito de justiça deve fundamentar-se na premissa que as pessoas têm direito a um mínimo decente de cuidados com sua saúde. Nos dias atuais, com a crescente socialização dos cuidados com a saúde, as dificuldades de acesso e o alto custo destes serviços, as questões relativas à justiça social são cada dia mais prementes e necessitam ser consideradas quando se analisam os conflitos éticos que emergem da necessidade de uma distribuição justa de assistência à saúde das populações. Encontra-se confirmação deste ponto de vista em DRUMMOND (2011): O princípio de justiça ou de equidade diz respeito à obrigação de igualdade de tratamento, com referência à equipe de saúde, e de justas políticas de saúde, com relação ao Estado. Dos três princípios, este é o mais recente na consciência do médico e na percepção social.
Os profissionais de saúde estão preparados para lidar com situações conflituosas de moral? Conhecem os princípios éticos que regem sua profissão?
Além do modelo principialista, existe outros modelos éticos e, entre eles podemos salientar a importância do modelo personalista. Apesar de não ser amplamente difundido e aplicado em nossa prática na área de saúde, certamente é de grande valia no auxílio e elucidação das questões morais e dos princípios relacionados à bioética. Neste sentido, este modelo busca entender o ser humano na sua essência, em sua natureza, em sua verdade, em sua totalidade e em sua unidade. O modelo personalista coloca a pessoa no centro. Acreditamos que seria de grande valia aos profissionais da área de saúde ter conhecimento desta perspectiva, pois conforme declara DUSILEK:
O ponto de partida é reconhecer a pessoa, reconhecer a identidade da pessoa e sua essência, pois só reconhecendo-a, podemos então saber como respeitá-la. O reconhecimento tem como desdobramento o respeito à dignidade da pessoa humana. Então o ponto de partida é o reconhecimento e o respeito à dignidade da pessoa humana.
Conclusão: Realmente são questões complexas. E aqui, nos atendo aos princípios da ética, é difícil tomar uma posição impensada, sem verificar os aspectos morais, psicológicos, emocionais e culturais envolvidos, sem pensar em bioética. Acreditamos que não apenas de reflexões, mas também de complexidades se alimenta este filme. A intenção desta análise foi priorizar a necessidade de se utilizar um referencial amplo que tenha o ser humano e a vida como um todo e como centro da reflexão bioética, já que são os valores da sociedade, e também os individuais, que irão dar sentido às nossas decisões morais com relação à vida. O debate deve continuar em aberto e nenhuma resposta fechada atenderá a todas as dúvidas, pois, mesmo na tentativa de se definir os princípios e valores da bioética, sempre haverá divergências de perspectiva e dados inusitados. Afinal, a própria vida se apresenta como um sistema aberto e dinâmico, sistema este que a bioética busca dar conta.
REFERÊNCIAS: BOEMER, Magali Roseira; SAMPAIO, Mauren Alexandra. O exercício da enfermagem em sua dimensão bioética . Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 5, n. 2, Apr. 1997 . Available from . access on 04 Sept. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11691997000200005. DIAS, Hericka Zogbi Jorge et al . Psicologia e bioética: diálogos. Psicol. clin., Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, 2007 . Available from . Access on 22 Aug. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S010356652007000100009. DRUMMOND, José Paulo. Bioética, dor e sofrimento. Cienc. Cult., São Paulo, v. 63, n. 2, Apr. 2011 . Available from . access on 22 Aug. 2012. DUSILEK, Darci. Os Desafios Contemporâneos Da Bioética . Palestra Proferida ao Corpo Clínico do Hospital Evangélico do Rio de Janeiro. Disponível em: < www.ufg.br/.../BIOETICA_DESAFIOS_CONTEMPORANEOS.pdf> Acesso em: 22 de agosto de 2012
KOVACS, Maria Julia. Bioética nas questões da vida e da morte . Psicol. USP, São Paulo, v. 14, n. 2, 2003 . Available from . access on 22 Aug. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642003000200008 SINGER, Peter. Ética prática . 3.ed. São Paulo: Martin Fontes, 2002.