Análise da obra “Nós Matámos o Cão -Tinhoso”
No início de 1964 foi publicada em Moçambique uma colectânea de contos intitulada Nós Matámos o Cão-Tinhoso, com 135 páginas, ilustrada com desenhos de Bertina Lopes e formato “livro do bolso”. A obra incluía os contos: “Nós matamos o cão-tinhoso”, “Inventário de Imoveis e Jacentes”, “Dina”, “ A Velhota”, “Papa, Cobra e Eu”, “As mãos dos Pretos” e “Nhinguitimo”(
Honwana, 1988:3). Em 1969 o livro viria a ser publicado em uma versão da língua inglesa da autoria de Dorothy Guedes com o título We Killed Mangy Dog & Other Stories. Os contos da obra demonstram as questões sociais de exploração e de segregação racial, como também a distinção de classe e de educação. As temáticas dos contos eram imperativas da literatura produzida em Moçambique na época, que é marcada pelo fenómeno de colonização, incumbindo-se, deste modo, à literatura o seu papel de arma de combate aos males sociais. Cão-Tinhoso
O conto apresenta uma abordagem acerca do sofrimento do Cão- Tinhoso e do menino (Guinho), que apresentava um sentimento de solidariedade e de compaixão perante o cão. Pode-se perceber o sofrimento deste menino, pelo facto dele ter que participar na morte do cão que ele tanto amava e acima de tudo devia ser o primeiro a alvejar o cão, embora esta fosse uma acção involuntária e de certa forma tiraria-se avida de um inocente. Nesse conto que dá d á nome ao livro, o cão é descrito pelo narrador personagem, um menino negro, também chamado Guinho, como um cão feio, de pele velha, cicatrizes é muitas feridas. Isto que de certa forma, mostra-nos o povo moçambicano colonizado, excluído. Como explica Guinho, o cão só consegue despertar o afecto de Isaura, uma menina considerada “maluquinha” e que na narrativa é descrita como duplo do cão. Entretanto, ao longo da estória Guinho, também possui, momentos de afecto e de identificação com o cão, como na passagem em que ambos estão no Clube, observando o Senhor Administrador, figura que representa a autoridade colonial, e o doutor da veterinária, jogarem cartas “sueca”. No momento que o senhor administrador perdeu, Ginho é o cão riram da sua
derrota, o que o deixou zangado.
“ Ele sabia que eu sabia que ele estava a perder. Olhou para mim e para o C ão-Tinhoso sem saber com qual de nós os dois havia de correr primeiro. Enquanto pensava para resolver isso cuspiu para nós os dois, isto é, para um sitio entre nós os dois. Está-se mesmo a ver que o cuspo tanto era para mim como para o Cão-Tinhoso.” (Honwana, 1972:17).
Nesta passagem, percebe-se que, tanto o Cão-Tinhoso quanto o menino negro, eram objectos de desprezo, de nojo. Ora Ginho faz parte da “malta”, ou seja da baixa classe social é, por isso não
era bem-vindo as notariedades do local, mais uma vez, podemos presenciar a segregação racial e social no período colonial. Observa-se também a organização hierárquica no grupo de meninos, na qual Quim, menino branco, é o chefe grupo. Ele insulta os outros meninos de “negralhada”, “cabroada escura”, impondo a sua suposta superioridade de branco é instaura a repressão e o
medo. É importante realçar que ele é quem obrigou Ginho a dar o primeiro tiro no cão. A interpretação representativa de nós matamos o Cão-tinhoso, leva-nos a elaborar um sistema de relações no qual, Cão- Tinhoso representa assim, o sistema colonial. O Cão-tinhoso é abatido a de tiros, do mesmo modo que se pretendia que Moçambique se libertasse pelo fogo das armas. Dina
Neste conto, nos é apresentado algumas formas de nacionalismo, que são caracterizadas pelo empréstimo de termos de línguas moçambicanas, como se pode ilustar nos seguintes enunciados. “O m’tchovelo estava delicioso, todo cheio de gordura.” “O côi já estava muito reduzido, mas Madala tinha a certeza de que ninguém saciara a fome.”( Honwana, 2014:69).
É possível notar sinais de resistência e contestação ao tratamento brutal dos trabalhadores moçambicanos na machamba dos colonos através do comportamento das personagens. Os sinais de resistência das personagens de Dina, embora não manifestados, ganha uma forma nacionalista e revolucionária pela revolta em forma de denuncia das maldades perpetradas pelo Capataz (colonos). Como se pode notar no seguinte enunciado. “O capataz é mau (…), ele demora muito antes de mandar largar(…) também não deixa as pessoas endireitarem- se por um bocado…” (Honwana, 2014: 66).
A Velhota/ Papá, Cobra e Eu/ As mãos dos pretos
Nestes contos é possível evidenciar o conceito da negritude que é a revalorização do negro, em a Velhota, por exemplo, percebe-se que o jovem negro , esta consciente dessa construção social de
sua identidade, ele sabe que esta condição serve para diferenciar o mundo entre os negros e os brancos, como se pode ilustrar no seguinte extracto. “Claro que isso não era nada que se comparasse àquilo do bar, de há bocado, ou de todos os outros bares, restaurantes, átrios de cinema ou quaisquer outros lugares no género em que todos me olhavam de uma maneira incomodativa, como que a denunciar em mim um elemento estranho, ridículo, exótico é sei lá que mais.”(Honwana, 2014:79-80).
Em Papá, Cobra e eu, pode se evidenciar algumas formas de denuncia de diferenciação racial no período colonial. A família de Ginho, apesar de ser uma família que tinha assimilado a cultura do colonizador, não conseguia ultrapassar os mitos de diferenciação racial e também é oprimida pelo Sr. Castro, o colonizador. O Pai de Ginho, tentou estabelecer um diálogo com o Sr. Castro, que alegava que o pai do menino devia indemnizá-lo pelo facto de o seu cão, Lobo, ter morrido minutos depois de ter regressado da casa do Ginho, mas não consegue. “Ó Tchembene , o meu cao perdigueiro apareceu-me morto é com o peito inchado. Os meus pretos dizem que veio daqui da tua casa a ganir antes de morrer. Eu não estou para muitas conversas e so te digo isto: ou pagas-me uma indenimizacao ou faço queixa à Administração!Resolve!” (Honwana, 2014:96).
O pai, sentindo-se humilhado, não expressa o seu sentimento de raiva perante o Sr. Castro, na hora do jantar, disse a família que naquele dia eles não haviam de ler a Biblia, esta que era simbolo de cultura ocidental cristã, como era de costume, mas propôs que rezassem. Durante a oração o Sr. Tchembene, rezava em ronga, o que violava a forma de expressão cultural ocidental, visto que eles pertenciam a uma família assimilada, isto é que tinha deixado de certa forma os valores culturais do negro. “Mal acabamos de jantar o Papá disse: Mulher, manda a Sartina, tirar a mesa, depressa. Meus filhos, vamos rezar. Hoje não vamos ler a Biblia. Vamos rezar simplesment e(…) Tatana, há ku dumba Hosi ya tilo ni misaba…” (Honwana, 2014:96-97).