CENTRO DE EDUCAÇÃO – CEDUC CURSO DE HISTÓRIA JONATHAN RAYNNIERE BATISTA RAMOS
A Invenção do Nordeste e outras artes
Campina Grande – PB 28 de Junho de 2012
JONATHAN RAYNNIERE BATISTA RAMOS
A Invenção do Nordeste e outras artes
Análise
Historiográfica
apresentada
à
Disciplina de Historiografia Brasileira no curso de Licenciatura Plena em História, ministrada pelo Professor Mestre Alberto Sobrinho Coura, como requisito parcial de avaliação.
Campina Grande – PB 28 de Junho de 2012
Sumário
O AUTOR ........................................... ................................................................. ............................................ ............................................ ........................................... ..................... 4 ................................................................ ............................................ ............................................. .............................................. ......................... 6 A OBRA ..........................................
ANÁLISE DA OBRA ........................................... .................................................................. ............................................. ............................................. ......................... 9 REFERÊNCIAS............................................ .................................................................. ............................................ ............................................. .............................. ....... 12
O AUTOR Durval Muniz de Albuquerque Júnior nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 22 de junho de 1961. Viveu até os 14 anos na fazenda Nsa. Sra. Aparecida, município de Boqueirão, região do cariri paraibano, onde correu atrás de vacas e cabras, onde limpou mato, plantou e colheu milho, feijão e algodão. Aí também estudou até o antigo quarto ano primário, tendo sido ensinado por sua mãe, todas as tardes, na sala de jantar de sua sua casa. Em 1976, muda-se, com a mãe e os irmãos, da fazenda para a cidade de Campina Grande, onde passa a cursar o antigo científico, no Colégio Estadual Dr. Elpídio de Almeida, conhecido como Estadual da Prata. Aprovado no Vestibular de 1979, ingressa no curso de Estudos Sociais, da então Universidade Regional do Nordeste, hoje Universidade Estadual da Paraíba. No ano seguinte, com a criação do curso de Licenciatura Plena em História, faz a opção por este curso, que conclui em julho de 1982. Participa do movimento estudantil, é eleito secretário do DCE e representante estudantil junto ao CONSUNI. Tendo-se tornado marxista, abandona a Igreja, ajuda na fundação e se torna militante do Partido dos Trabalhadores. É locutor do primeiro comício de Lula em Campina Grande, em 1982. Tendo concluído a graduação, faz seleção para o Mestrado em História Social do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas, para a linha de pesquisa Capitalismo e Agricultura, apresentando um projeto que visava estudar os conflitos pela terra ocorridos nas localidades de Alagamar e Piacas, no agreste paraibano. Aprovado, vai para Campinas, onde passa viver com um tio materno. Faz os créditos em 1983 1983 e no primeiro semestre semestre de 1984, retorna a Campina Grande. Na UNICAMP entrara em contato com o pensamento de Michel Foucault e com a nova história, que mudaram sua forma de pensar seu ofício e, inclusive, seu tema de Dissertação. Em 1988, sob a orientação do professor Robert Andrew Slenes, defende a Dissertação intitulada: Falas de Astúcia e de Angústia: a seca no imaginário nordestino (de problema à solução), 1877-1922. Uma vez
Mestre, passa a fazer parte do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Rural, ministrando disciplinas e orientando suas primeiras dissertações. Em 1990 retorna a UNICAMP para cursar o Doutorado em História Social do Trabalho, apresentando um projeto para estudar o papel dos nordestinos na formação da classe operária brasileira. Em 1994 defende a tese intitulada O Engenho Anti-Moderno: a invenção do Nordeste e outras artes , sendo aprovada com distinção e louvor. A tese após ser 4
escolhida a melhor sobre o Norte e Nordeste, na área de história, ao concorrer ao prêmio Nelson Chaves da Fundação Joaquim Nabuco, foi publicada, em 1999, pelas editoras Cortez e Massangana como o livro A Invenção do Nordeste e outras artes , já em sua terceira edição. Em 1996, torna-se pesquisador do CNPq, já tendo desenvolvido sob seu patrocínio dois projetos de pesquisa, estando hoje como pesquisador nível 1C. Um deles resultou em seu segundo livro: Nordestino: uma invenção do falo – uma história do gênero masculino (Nordeste, 1920-1940). Entre
os anos de 1997 e 2000 foi Vice-Diretor do Centro de Humanidades da UFPB. Em 2001 faz estágio de pós-doutoramento na área de Educação, na Universidade de Barcelona, Espanha, sendo recebido pelo professor Jorge Larrosa. Em 2002, com a criação da UFCG passou a fazer parte de seus quadros até sua redistribuição para os quadros da UFRN, na qual fez concurso, para a área de Teoria e Metodologia da História, no ano de 2004. Tem vários artigos e capítulos de livros publicados sobre temas como: teoria da história, história dos espaços, história das relações de gênero, história da cultura, história regional. É atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFRN e seu Coordenador. 1
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Disponível em: > Acesso em: 28 de maio de 2012.
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A OBRA A invenção do nordeste e outras artes é uma instigante diligência de como e quando se formou o que hoje compreendemos como o Nordeste brasileiro. Durval afirmará no decorrer do livro que o Nordeste é uma produção imagético-discursiva, gestada historicamente. Suas imagens e enunciados sobre a região surgem em formulações naturalistas, positivistas, culturalistas, marxistas, etc. Considerando as artes, a literatura e a história social, esta obra pretende analisar a raiz da região, levando-nos a constatar que o Nordeste é uma invenção recente na história brasileira, ele é um filho da modernidade, porém um reacionário, criado como resistência ao processo de desterritorialização de seus grupos sociais. No capítulo primeiro intitulado Geografia em ruínas, encontramos as transformações históricas que possibilitaram o surgimento da ideia de nordeste. Partindo da emergência dos dispositivos de nacionalidades, passando por uma alteração na sensibilidade social em relação ao espaço, à mudança da relação entre olhar e espaço trazido pela modernidade e pela sociabilidade burguesa, urbana e de massas. É a visão naturalista quem atribui atr ibui a identidade à região. Durval vai tratar especificamente sobre o olhar regionalista e a sua influência sobre o que somos hoje. O antigo regionalismo , surgido do discurso naturalista, considerava as diferenças norte/sul como um reflexo da natureza, do meio e da raça. E esse desconhecimento se dava em decorrência da grande distância espacial entre ambas as regiões. O sul pouco conhecia do norte, e esse escassez de informação era suprida apenas pela imprensa, por isso os sulistas tinham uma imagem depreciativa do nordeste. Intelectuais, como Oliveira Vianna, afirmavam que o nordestino era naturalmente inferior, reflexo da degeneração racial, ao contrário dos paulistas que pela imigração tinha uma superioridade; o nordestino passa, então, a ser utilizado como um bom tipo para espetáculos de humor. Portanto, essa condição elevada do paulista era natural e não historicamente construída. O Norte significava o mestiço, o indolente, o subserviente, o inerte; enquanto o sul era sinônimo de branco, força, empreendedorismo e de dominador. A Antropogeografia dizia que o calor e umidade dos trópicos geravam abatimento físico e intelectual, levando à superficialidade e ao nervosismo. Foi nesse momento que os políticos nortistas se apossaram do discurso da influência do meio sobre a 6
região para requerer recursos financeiros. A seca, descoberta em 1877, mobilizou, emocionou e foi instituída pelos nossos representantes políticos. Desse modo, todo o mal que assolava essa região passou a ser responsabilidade do meio. As manifestações como o banditismo, as revoltas messiânicas e o atraso econômico e social da área, são atribuídas à seca e o apelo por sua solução torna-se um dos principais temas dos discursos regionais. O nordeste passa a ser inventado. O Capítulo 2, Espaços de saudade , aborda a invenção do nordeste, o surgimento do nordeste enquanto um novo recorte espacial no país. E isso foi possível graças à crise da sociabilidade pré-industrial, ao desenvolvimento de códigos burgueses nas cidades, ao crescimento do sul, e aos discursos políticos do norte, ou seja, da seca, do cangaço, do messianismo, da luta de parentela pelo controle do estado. Estes elementos fundaram a própria ideia de nordeste. Elabora, porquanto, a região mais no cultural do que no político. Desse modo, artistas como Gilberto Freyre rememorará os tempos de um nordeste forte, de glória, do engenho, enfim, essa região torna-se o espaço de saudade. Diferentemente da naturalista, percebemos que nesse instante é a visão histórica e cultural quem atribui identidade à região Nordeste. Durval ensina que o termo nordeste é usado inicialmente para designar a área de atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca (IFOCS), a criação desse tipo de instituição fez desta uma região dependente de esmolas institucionais. O Congresso Regionalista de 1926, igualmente contribuiu para o lançamento da ideia de nordeste, através das suas discussões passou-se a falar de uma história do nordeste desde o século XVI, quando se iniciou, para eles, a consciência regional. Ou seja, Mesmo não sendo denominada de Nordeste esta região já possuía intimamente o pertencimento necessário para a sua constituição. E para isso os participantes elaboraram e definiram os argumentos que comprovavam a dita consciência regional, são eles:
Argumentos
históricos:
as
Invasões
Holandesas;
a
Insurreição
Pernambucana; as Revoltas de 1917, 1924 e 1948;
Argumentos culturais: a reação à globalização e à nacionalização das relações de poder, o estado burocrático. Digno de destaque nesse instante é a importância fundamental dos
construtores da visão de nordeste que se apresentava, do chamado novo 7
regionalismo. Um dos expoentes dessa visão foi o sociólogo Gilberto Freyre, com
suas obras nitidamente voltadas para a valorização do passado regional. Além dele, temos os romancistas José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e José Américo de Almeida; os poetas Manuel Bandeira e Ascenso Ferreira; no teatro encontramos o brilhante Ariano Suassuna; na pintura, Cícero Dias e Lula Cardoso; e, finalmente, na música as composições de Humberto Teixeira, Zé Dantas e o Luís Gonzaga. Esses novos regionalistas ou regionalistas tradicionalistas pensa uma identidade regional a-histórica, um espaço estável, apolítico e natural, o interno se defendendo do externo. Procura-se a memória, o passado, relembremos, torna-se um espaço de saudade. Desse modo, combate-se o industrial e urbano do sul do país. Traçam o Nordeste como uma imagem imagético-discursiva que tenta evitar que os homens façam a sua própria história, mas que vivam uma história já pronta pelos antigos. Entendem que estes mesmos homens devam achar “natural” viver
sempre da mesma forma as mesmas injustiças, misérias e discriminações. Finalmente, no Capítulo 3, que Durval Muniz batizara de Espaços de revolta, apresenta a negação, a partir dos anos 1930, da modernidade e do sistema capitalista, em nome da construção de uma nova sociedade. Os artistas da época começaram a tratar do nordeste como região de miséria e da injustiça social; o nordeste como reação à transformação revolucionária da sociedade; o nordeste dos coronéis; nordeste como território de revolta contra a exploração e a dominação burguesa. No entanto os mesmos temas prosseguem, ou seja, o lugar da vítima, dos coitadinhos, dos pedintes, dos injustiçados, etc. A modernidade apavorava tanto a direita quanto a esquerda do Nordeste. Os conservadores
da
direita
temiam
que
ela
abarcasse
transformações
desestabilizadoras da ordem estabelecida. A esquerda, por seu turno, atribuía ao capitalismo todos os males existentes na região, a fome, a miséria, o subdesenvolvimento. subdesenvolvimento. Esse discurso das desigualdades regionais trazia em sua base a falsa premissa de que um dia existiu ou poderiam existir regiões iguais, além disso, partia da naturalização e homogeneização das regiões que põe em comparação.
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ANÁLISE DA OBRA A Invenção do Nordeste e outras artes é mais que um olhar crítico, é um alerta à indiferença pela historicidade e aos perigos dos discursos monológicos de todas as espécies. Durval, após manter contato com o pensamento foucaultiano, adotou-o e mudou a sua forma de abordar o saber. Porquanto até o início da década de 1980, ele escrevia inserido na linha teórica do marxismo. Notamos nas linhas que se seguiram uma característica elementar no trabalho de Albuquerque Jr., qual seja, a análise do objeto a partir do estudo do discurso. Discurso é a operação linguística que atribui sentido a algo ou a alguém. Partindo dessa noção, o autor trabalha a criação do Nordeste enquanto uma invenção operada através do discurso da seca, apropriado pelas elites políticas da região objetivando angariar recursos financeiros junto à Capital Federal. Inobstante, quanto a isso não podemos olvidar daquele que sucedeu o antigo discurso da seca, trata-se do discurso do planejamento, operação inaugurada por Celso Furtado nos idos de 1950 que reelaborou a imagem da região e serviu para articular, veicular e justificar as demandas políticas e econômicas das elites deste espaço. Observamos, igualmente nesse momento, que Durval utiliza o exame do discurso para a compreensão de um determinado espaço em um dado tempo. Nessa esteira, Durval Muniz conclui que tanto o Nordeste quanto o Nordestino são invenções da relação de poder. Faz análise das falas de diversos artistas e intelectuais da época, seja na literatura, na poesia, na música, seja na representação imagética da pintura, batizando-os de construtores da visão de Nordeste. A análise historiográfica sobre a Invenção do Nordeste e outras artes e, consequentemente, sobre Durval Muniz inexiste se não mencionarmos os métodos da Arqueologia do saber e da Genealogia do poder (concebida por Foucault na conhecida expressão saber-poder ), ), presentes e extraídos do pensamento de Michel Foucault. A chamada Arqueo-genealogia lhe permitiu em seus estudos perceber as relações de força que permeavam os discursos instituíntes de uma ideia de Nordeste enquanto um espaço natural. Na arqueologia do saber, o discurso é compreendido como determinado por uma regularidade que permite com que algo apareça como verdadeiro. Neste 9
entendimento, Foucault busca compreender o discurso pela análise do saber, pois “não há saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode
definir-se pelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2005a, p. 205). A arqueologia será responsável por descobrir a formação, o surgimento e a configuração histórica de um discurso legitimado em um determinado campo de saber. Durval Muniz, aplicando esse método em sua pesquisa, conseguiu desvendar os meandros que possibilitaram a inserção da discursividade regional na imagem do habitante desta localidade, bem como do seu próprio espaço. Ele de modo perspicaz percebeu como a visão naturalista do final do século XVIII e início do XIX determinou o surgimento do discurso da seca, que por seu turno, permitiu a criação da região até então inexistente. Quando a análise do discurso toma um caráter político, estamos diante do método da genealogia do poder. A preocupação aqui é a de mostrar que o discurso manifesta e produz poder. O discurso é instrumento de poder quando possibilita seu exercício e é seu efeito quando é produzido por ele. O poder não é a origem do discurso, mas é alguma coisa que opera através do discurso. Perceptivelmente, Durval utiliza esse método na obra para detectar as forças existentes dentro da discursividade regional, poderes que dizem quais saberes devem prevalecer e ganhar legitimidade. Nesse ínterim, os políticos da região irão se apropriar de uma visão que determinava a condição do lugar a um fenômeno do meio, para utilizar o discurso da seca como um mecanismo de obtenção de vantagens no Governo Federal. Essa é uma mostra cristalina da existência da produção e da manifestação de poder no âmago do discurso. Como bem assevera o eminente autor, “essa formulação imagético-discursiva do Nordeste é tão consistente que dificulta até hoje, uma nova configuração de “verdades” sobre este espaço.” (ALBUQUERQUE Jr. p. 49)
Finalizando nossa análise, os métodos utilizados por Durval no Livro A Invenção do Nordeste e outras artes, são sinteticamente definidos em FOUCAULT (1995b, p.172) da seguinte maneira: “Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a genealogia é a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da sujeição que emergem desta discursividade”. Enfim, para o pensador francês o discurso é o espaço aonde vão se 10
alojar o saber e o poder, entendimento muito bem captado e aplicado pelo autor, o nosso “descobridor” da invenção do Nordeste.
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REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Jr., Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 1999. ALBUQUERQUE, Jr., Durval Muniz de. Operando o Nordeste: da região que tem um flagelo a ser extirpado no diagnóstico do discurso da seca à região como uma estrutura estagnada no diagnóstico do discurso do planejamento. In Lúcia M. B. P. das Neves ET alii. (Orgs.). Estudos de Historiografia Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2011, pp.75-92. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 13 ed. Tradução Laura F. A. Sampaio. São Paulo: Loyola, 2006 FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. 7 ed. Tradução Luiz F.B. Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005a. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 11a reimpressão. Rio de Janeiro: Graal, 1995b. VANDRENSEN, Daniel Daniel Salésio. O discurso na arqueologia e genealogia genealogia de Michel Foucault. Disponível em: . _Vandresen.pdf>. Acesso em: 30 de maio de 2012.
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