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Cícero Urban Cirurgião oncológico e Mastologista. Professor de Bioética e Metodologia Científica no curso de Medicina e na Pós-Graduação da Universidade Positivo. Mestre e Doutor em Clínica Cirúrgica pela UFPR. Chefe do Departamento de Cirurgia do Hospital Nossa Senhora das Graças em Curitiba.
A relação médico-paciente é a peça fundamental de qualquer atendimento médico. O sucesso terapêutico de uma consulta – domiciliar, ambulatorial ou em enfermaria – depende não apenas das medicações que foram prescritas, mas principalmente do vínculo de confiança estabelecido entre o profissional e o paciente assistido. Daí decorre o fato de a relação médico-paciente estar intrinsecamente ligada à Semiologia Médica. Dessa forma, ao aprender a Semiologia, o estudante de medicina deverá compreender, estudar e praticar a adequada relação com os seus pacientes e suas famílias [1]. No contexto histórico, a relação médico-paciente sofreu inúmeras mudanças ao longo do tempo. Inicialmente, ela era primorosa, solene e ocupava o ponto central da cena. Havia grande pessoalidade nas relações entre a população e o médico, que muitas vezes era o responsável por cuidar de várias gerações de uma mesma família. Nesse momento, o exame clínico era a única ferramenta a ser utilizada para diagnósticos, de maneira que o contato entre o profissional e a pessoa que buscava auxílio possuía grande proximidade física e emocional. Com o estabelecimento da medicina científica e dos modelos hospitalocêntricos, essa relação tornou-se impessoal, sendo resgatada nos últimos anos como a essência necessária para uma assistência bem-sucedida ao paciente [2]. A primeira importante lição a ser compreendida pelo estudante de medicina durante o aprendizado da Semiologia Médica é que, no contexto do atendimento ao paciente, o acadêmico exerce o papel de verdadeiro médico na concepção do doente. No ato da assistência médica em um ambiente acadêmico, ainda que deva ser realizado sempre sob preceptoria, é ao estudante entrevistador que o paciente irá expor suas queixas, sua história, seus sentimentos e seus pudores. A exposição não é apenas por meio dos relatos subjetivos durante a anamnese, mas também através do desnudamento no momento do exame físico. Portanto, sempre que nos referirmos à importância e ao papel da relação médico-paciente no contexto de um atendimento, esse conceito pode e deve ser extrapolado à situação da relação estudante-paciente. CASO 1
Estudantes de medicina iniciando o aprendizado da Semiologia Médica ficam receosos de entrarem nas enfermarias do hospital-escola, com muito medo de abordarem os pacientes, sentindo-se culpados pelo “incômodo” que causam às pessoas. Os acadêmicos de medicina relatam que não podem fazer nada para ajudar os pacientes. Apenas incomodam, fazem perguntas demais (anamnese) e não dão nada em troca. No ambiente de assistência, o entendimento dos aspectos envolvidos na relação médico-paciente é de extrema importância para que seja realizada uma abordagem holística. O cuidar do paciente abrange muito mais que o componente biológico da doença que o levou ao médico. Significa valorizar e buscar compreender os aspectos biopsicossociais envolvidos no processo de adoecimento que o levou a buscar auxílio. Por isso, aprender a escutar e a dar atenção à narrativa dos doentes é, sobretudo, auxiliá-los, sendo continente com suas dores existenciais. A escuta terapêutica é de grande valia no tratamento dos pacientes, e o estudante de medicina precisa desenvolver essa capacidade, tendo consciência do seu papel de ajuda tão bem recebida pelos doentes que passam por suas mãos. Os principais fenômenos a serem compreendidos pelo estudante nesse contexto têm como origem a psicanálise e consistem nos mecanismos de transferência e contratransferência. É através da relação transferencial que ocorre a escuta terapêutica e a possibilidade de ajuda para além da dispensação de medicamentos ou de procedimentos cirúrgicos. O termo transferência foi concebido a partir da percepção de Freud de que toda a carga emocional vivida em experiências e relacionamentos passados tem influência na relação a ser estabelecida com o profissional no momento da consulta e diz respeito aos sentimentos mobilizados no encontro entre o paciente e o profissional que o atende [3]. A transferência consiste na projeção afetiva inconsciente que o paciente coloca na relação estabelecida com o médico. A maneira como o paciente é recebido, o modo com que é tratado durante a avaliação, a atenção e o tempo que o médico dispõe ao paciente são fatores que influenciam diretamente no mecanismo de transferência desenvolvido pelo doente, o que pode ser caracterizado como transferência positiva, negativa ou erótica não neutralizada [3]. A transferência positiva é estabelecida quando a relação médico-paciente é vivenciada de maneira agradável, atendendo às expectativas que o paciente tinha da consulta. Já a transferência negativa é estabelecida quando o médico, ou o estudante, desperta de maneira inconsciente no paciente a sensação de experiências desagradáveis já vividas em relacionamentos interpessoais passados, comprometendo o estabelecimento de um bom vínculo. A transferência negativa pode desencadear no paciente uma resistência em relação ao que foi proposto pelo médico no transcorrer da consulta, sejam orientações, realização de exames complementares ou mesmo a adesão ao esquema terapêutico proposto. Durante o aprendizado da Semiologia Médica, a resistência do paciente geralmente prejudica a anamnese desenvolvida pelo estudante. Conhecer os tipos de transferência
instrumentaliza os acadêmicos no sentido de poderem mediar a relação com os pacientes, o que facilita a prática do encontro clínico [1]. Os pacientes podem ainda desenvolver sentimentos eróticos pelos seus médicos, o que parece ser mais comum em relação aos estudantes de medicina. Pacientes jovens por vezes carentes de carinho e atenção podem se sentir atraídos por estudantes bonitos, alegres e sensuais. Geralmente este tipo de transferência é considerada meramente um aspecto moderado da transferência positiva e costuma não causar constrangimentos, pois os pacientes tendem a neutralizar tais sentimentos. A neutralização segundo a psicanálise é entendida como uma tarefa do ego, que transforma a energia libidinosa em uma energia produtiva e socialmente aceita. Um exemplo seria uma paciente adolescente que, ao sentir atração por seu médico, transforma inconscientemente essa energia em adesão ao tratamento, procurando a cada retorno ao consultório mostrar o quanto tem seguido as orientações do profissional. O problema se estabelece quando as funções egóicas do paciente não conseguem neutralizar a libido em relação ao médico ou ao estudante. A situação se torna constrangedora e perigosa, podendo comprometer a relação profissional e a ética do atendimento [3]. A contratransferência consiste na projeção afetiva inconsciente que o médico coloca na relação estabelecida com o paciente. Nesse momento, os sentimentos, experiências e fraquezas do médico são preponderantes no desenvolvimento de contratransferência positiva, negativa ou erótica não neutralizada no contexto da consulta [3]. É natural que o profissional relacione o que é trazido pelo doente à consulta a fatos vivenciados em sua vida pessoal. Aqui, faz-se importante que o médico (ou o estudante) desenvolva mecanismos de defesa adequados no intuito de dosar os sentimentos evocados durante a consulta e para que sejam sublimadas contratransferências eróticas que porventura aconteçam. Quando a contratransferência é positiva, o médico consegue estabelecer sucesso terapêutico e conforto ao paciente tanto em consultas únicas quanto no acompanhamento de doentes a longo prazo, em tratamento de doenças crônicas ou fora de possibilidades terapêuticas. No caso dos acadêmicos em treinamento durante o aprendizado da Semiologia, a contratransferência positiva é um facilitador ao encontro clínico, possibilitando um vínculo afetivo importante durante a anamnese. Ao contrário, quando a contratransferência é negativa, pode tornar-se um martírio para o médico ou estudante o acompanhamento do paciente que muitas vezes é encarado como cansativo, chato e irritante. É bastante comum os estudantes rotularem seus pacientes de chatos e poliqueixosos, não percebendo que tal julgamento decorre de suas próprias emoções envolvidas no fenômeno de contratransferência. Mecanismos de defesa adequados são importantes nesse contexto, para que os conflitos não interfiram negativamente na condução do caso. O bom uso de mecanismos de defesa decorre do reconhecimento de algumas situações chamadas de “sinais luminosos” ou “sinais de aviso”. Tais situações funcionam como sinais que apontam para a possibilidade de deteriorização da relação médico-paciente, levando à ruína do encontro clínico. Nesses casos, os sinais luminosos avisam que se torna necessário lançar mão de um mecanismo de defesa para mediar as difíceis relações entre o profissional e seu paciente [4]. Dessa forma, os sinais
de aviso que podem alertar o estudante ou o médico para a emergência de defesas contra o excessivo envolvimento emocional com os doentes são: ansiedade súbita durante a consulta; irritabilidade ao longo do encontro clínico; preocupação quanto à duração da consulta (olhar compulsivamente o relógio); distanciamento e altivez durante a narrativa do paciente; frieza ou “zanga” diante do paciente; cuidado excessivo para não magoar o doente; uso exagerado do modelo biomédico durante a consulta; comportamento “apostólico” (quando o médico dá vários conselhos procurando dirigir o seu paciente de acordo com suas próprias crenças); reforço na educação para a saúde de forma insistente; fixação exagerada às normas e política do ambulatório; identificação muito próxima ao paciente. É óbvio pensar que a boa relação médico-paciente é algo especial, que passa a ser construída na medida em que o estudante vivencia experiências no contato com o doente. Não se aprende a estabelecer um bom vínculo do dia para a noite. Pelo contrário, essa relação é desenvolvida ao longo de anos, e mesmo os bons médicos, reconhecidos pela exímia relação médico-paciente e com alto índice de sucesso terapêutico por longo período de experiência, podem encarar situações em que é difícil o estabelecimento de bom vínculo com o doente. No entanto, é importante que o estudante saiba que existem bases teóricas de estudo da relação médico-paciente que podem auxiliá-lo nas vivências cotidianas. Vale ressaltar que o estudo dessa relação tão especial é de extrema importância para a formação de um bom médico. Da mesma forma que se faz importante conhecer os fundamentos orgânicos das doenças, é o bom vínculo com o paciente que possibilita um exame clínico completo, com as informações necessárias para o reconhecimento da epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento das mais diversas doenças. Saber escutar e enxergar o paciente permite a percepção da fenomenologia do doente, envolvendo seus comportamentos, atitudes verbais e não verbais, preconceitos, expressões faciais, entre outros, o que contribui de maneira preponderante para o aprofundamento da relação médico-paciente e para a realização de um diagnóstico multidirecional nem sempre com predominância orgânica. Atitudes positivas do estudante, percebidas pelo paciente, abrem caminho para que ambos se coloquem mais à vontade, com informações mais completas, com maior segurança e adesão. É o aparato para o desenvolvimento de uma relação terapêutica. Entre as diversas teorias já estabelecidas sobre esse tema, certamente foi a teorização feita por Michael Balint – a teoria balintiana – a de maior importância no contexto da relação médico-
Nazah Cherif Mohamad Youssef
A relação médico-paciente na Pediatria Eduardo Maranhão Gubert Carlos Eduardo Gubert
A relação médico-paciente na Geriatria Vítor Last Pintarelli Maurílio José Pinto
A relação médico-paciente na Cirurgia Eduardo José B. Ramos Julio Cezar Uili Coelho
A relação médico-paciente na Psiquiatria Roberto Ratzke Osmar Ratzke
A relação médico-paciente na Ginecologia Edson Luiz Almeida Tizzot
A relação médico-paciente na Pesquisa Clínica Dalton Bertolin Précoma
Aspectos legais da relação médico-paciente Jorge Ribas Rufino Timi Marcelo Marquardt
A relação médico-paciente na visão do Conselho Regional de Medicina Alexandre Gustavo Bley A relação médico-paciente e a Medicina Moderna Ivan Bartolomei Paredes
AGRADECIMENTOS
paciente. Balint, médico psicanalista nascido em Budapeste em 1896, foi o responsável pela revolucionária mudança de paradigma da relação médico-paciente. A metodologia utilizada por Balint para o aprofundamento no estudo do tema foram reuniões de médicos clínicos gerais na Clínica Tavistok, em Londres. Balint chamou de “seminários” os grupos de discussão em que eram expostos casos clínicos considerados angustiantes e de difícil condução. Durante as trocas de experiências entre os médicos, Balint percebeu aspectos semelhantes nas atitudes relatadas e utilizava seus conhecimentos em psicanálise para analisar os aspectos envolvidos nos mecanismos de transferência e contratransferência estabelecidos nos casos [2]. No livro O médico, seu paciente e a doença [5], Balint descreveu as categorias que fundamentaram sua teoria: “o médico como droga”, a “organização da doença”, a “oferta da doença”, o “conluio do anonimato” e a “função apostólica”. As categorias balintianas são instrumentos capazes de serem utilizados no processo de ensino-aprendizagem dos preceitos envolvidos na relação médico-paciente e podem auxiliar o estudante na compreensão desse universo que envolve o doente e o profissional. Elas proporcionam uma atuação mais segura pelo discente em um ambiente complexo, cheio de inseguranças e novidades, em um meio que envolve não apenas descobertas sobre o íntimo do paciente, mas também aspectos até então desconhecidos sobre si mesmo. CASO 2 O estudante acaba de realizar a anamnese e o exame físico. Durante o encontro clínico, escutou histórias da vida da paciente, como sua relação difícil com seu filho usuário de drogas. Ao terminar sua tarefa e despedir-se da paciente, esta lhe dirigiu a palavra: “Doutor, obrigada por ter vindo conversar comigo. Só de lhe falar sobre meu sofrimento eu melhorei! A dor da cabeça está quase passando... venha sempre que puder para me fazer uma visita!” O médico como droga é a categoria fundamental da teoria balintiana. Um dos tópicos de discussão de Balint com os médicos nos seminários foi o de substâncias que habitualmente são prescritas pelos clínicos gerais. Balint notou que a droga mais frequentemente utilizada na prática clínica era o próprio médico, ou seja, que não importava o frasco ou cartela de remédios receitados, mas o modo que o médico os oferecia ao paciente [5]. Assim, a discussão revelou que o profissional, ao prescrever um medicamento, coloca na receita muito de si e da relação instituída com o paciente, de forma a ampliar, ou não, o efeito do remédio por ele receitado [2]. A função “droga” do médico interfere no tratamento e na adesão do paciente às orientações propostas, resultando na melhora do paciente ou em sua piora, a depender do vínculo estabelecido no momento do atendimento [2] [5]. Assim como os médicos, os estudantes de medicina também têm “função droga” e precisam saber como utilizá-la. A cada encontro clínico o acadêmico pode, através da relação estabelecida com seu
paciente, ajudá-lo a sentir-se melhor ou deixá-lo mais angustiado, ansioso ou preocupado. Saber dosar-se de maneira correta depende do aprendizado teórico-prático da relação médico-paciente e sem dúvida é durante o treinamento da Semiologia Médica o melhor momento para esse aprendizado tão especial. As duas categorias seguintes dizem respeito ao paciente e correlacionam-se entre si. Trata-se da organização da doença e da oferta da doença. Balint pôde observar que a consulta médica é um ambiente propício para o desabafo das angústias, anseios e carências dos pacientes, que estão cercados pelos aspectos psicossociais em que estão inseridos [5]. Ao se consultar, o paciente leva ao médico queixas somáticas, que são organizadas ao longo do tempo para propiciar a busca por auxílio (vide o exemplo do caso 2). Evidentemente que algumas pessoas submetidas a situações de muito estresse podem buscar o médico ofertando queixas vagas ainda não tão bem organizadas. Com frequência o paciente busca atendimento médico inicialmente com uma doença “não organizada”, muitas vezes mal compreendida, até que consiga “organizá-la” em sinais e sintomas coerentes. Vale ressaltar que a organização da doença e a oferta das queixas ao médico não é um processo consciente, sendo, pois, da ordem do inconsciente de cada pessoa. Isso equivale dizer que de maneira alguma essas categorias balintianas apontam para uma situação de mentira ou de simulação. Após organizar a enfermidade, o paciente a oferece ao médico, que pode aceitá-la ou recusá-la. Nesse contexto, talvez o principal efeito adverso do médico na sua função “droga” seja o modo com que ele reage em relação às ofertas do paciente [5]. Assim, percebe-se que a oferta da doença é uma consequência de sua organização realizada a partir do meio social. É importante ressaltar que em nosso meio cultural o termo “organização” costuma ser concebido como algo positivo. No entanto, a organização da doença como categoria balintiana não configura algo bom para o paciente, pois o leva ao adoecimento na medida em que torna de difícil modificação ou desmistificação a enfermidade por ele elaborada, organizada. O conluio do anonimato diz respeito a uma situação cada vez mais frequente e temida vivenciada no mundo atual [2]. Diante de casos difíceis de serem conduzidos, o médico encaminha o paciente a diversos especialistas diferentes, sem que as condutas e tratamentos sejam harmonizados e complementados. Essa atitude resulta em uma falta de “dono” do paciente, um médico que reúna todas as opiniões e sugestões terapêuticas em um único projeto terapêutico e que leve em conta as possíveis interações medicamentosas existentes. Em casos de conluio do anonimato, nenhum dos profissionais envolvidos assume, de fato, a responsabilidade pelo paciente, dessa forma o sucesso ou insucesso do tratamento não pode ser atribuído a nenhum deles [5]. A quinta categoria trata-se da função apostólica. Essa última categoria consiste em opiniões, conselhos e orientações médicas que carregam consigo a personalidade e a cultura do médico. O profissional desconsidera as concepções e a realidade do paciente, impondo a ele aquilo que pensa ser o correto, o que não é seu papel. A função apostólica envolve características históricas de que as opiniões e conselhos do médico são corretos e inquestionáveis, além de indicar a necessidade que o
médico tem de provar a todos que é um profissional bondoso e bem intencionado em ajudar, ainda que envolva orientações baseadas no senso comum. Os acadêmicos de medicina em aprendizado da Semiologia muitas vezes incorrem no erro de praticar a função apostólica por não saberem o que fazer diante de pacientes que choram ou se queixam de situações trágicas. Cabe aos estudantes buscarem a tranquilidade de uma escuta atenciosa e não a pressa de falar palavras vagas e muitas vezes não verdadeiras, como por exemplo dizer a um paciente terminal que ele vai ficar curado de sua doença. Outro ponto importante a ser colocado para a compreensão do estudante de medicina é que deve sempre estar atento à sua própria saúde física e mental. O acadêmico é um profissional de saúde cronicamente exposto a situações estressoras não apenas em relação às demandas do paciente e do curso de Medicina, mas também no que diz respeito a relações interpessoais com os membros da equipe multiprofissional, os professores e colegas [6] [7]. Esse contexto pode resultar em uma síndrome psicológica descrita no final do século XX, a chamada síndrome de Burnout. A síndrome reúne os sinais e sintomas relacionados à tríade de despersonalização, exaustão emocional e diminuição da realização pessoal. As manifestações são orgânicas e psíquicas e incluem cansaço, desmotivação, irritabilidade, frieza na relação com as pessoas e frustração profissional com falta de perspectivas para o futuro. A síndrome de Burnout provoca repercussões não apenas no meio profissional, mas também no convívio do estudante com os familiares, amigos, namorado(a), acarretando um desajuste completo dos meios social e profissional em que está inserido. Dessa forma, é importante o desenvolvimento de mecanismos de defesa adequados no intuito de lidar com os diversos fatores de risco a que o estudante está exposto no cotidiano, objetivando prevenir o desenvolvimento da Burnout e as manifestações a ela relacionadas [6] [7]. Nesse contexto, o conceito de coping faz-se importante, na medida em que atua como fator de proteção à síndrome de Burnout. Consiste no conjunto de estratégias utilizadas para que o indivíduo consiga adaptar-se às situações estressoras. Uma das formas mais conhecidas de coping é a utilização da comunicação interpessoal objetivando compartilhar com outras pessoas as situações e sentimentos angustiantes vivenciados pelo profissional durante experiências adversas. Atividades físicas e de lazer também configuram importantes possibilidades de atuação como mecanismos de defesa a fatores estressores, atuando como coping [6][7] . Ainda, os chamados Grupos Balint, com essência semelhante aos seminários de discussão realizados por Michael Balint na Clínica Tavistok, em Londres, são realizados de maneira curricular e extracurricular em diversas universidades no Brasil e no mundo, configurando mais uma alternativa de coping para os profissionais de saúde. Finalmente, é necessário que o estudante de medicina compreenda que se encontra em processo de aprendizagem. O paciente é capaz de notar quando está diante de um profissional sincero, sendo de suma importância que o acadêmico reconheça suas limitações e esteja sempre sob preceptoria, para que possa ter suas dúvidas esclarecidas. Termos como “não sei”, “precisamos estudar melhor”, “vou perguntar ao professor” são nobres, e ao contrário do que pensa o estudante podem contribuir para que o paciente não se sinta enganado e tenha uma transferência positiva.
Além disso, o acadêmico irá se deparar com situações de pacientes e/ou acompanhantes hostis, que deixarão claro não desejarem ser atendidos por estudantes. É um direito que deve ser respeitado, e o estudante não deve se sentir desencorajado. Pelo contrário, deve encarar esse tipo de adversidade como uma insegurança inerente a determinados pacientes, talvez um desafio a ser vencido durante sua trajetória profissional como acadêmico/residente/médico.
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Gabriela Cunha Fialho Cantarelli Médica especialista em Clínica Médica. Professora Auxiliar do Departamento de Medicina da PUCGO. Especialista em Docência do Ensino Superior. Líder de Grupos Balint.
Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco Médica graduada pela UFGO. Residência Médica em Cardiologia pela UFGO. Título de Habilitação em Cardiopediatria por Proficiência. Especialização em Saúde Pública pela UNAERP. Mestre em Educação pela UFGO. Doutora em Educação pela UFGO. Formação para líder de Grupos Balint: Universidade de Oxford (UK); treinamentos pela American Balint Society em Santa Rosa, Califórnia (EUA), e Portland, Oregon (EUA). Professora Adjunta do curso de Medicina da PUCGO. Líder de Grupos Balint. Psicoterapeuta de base Psicanalítica. Membro da American Balint Society . Autora do livro A relação com o paciente: teoria, ensino e prática (Ed. Guanabara Koogan).
Celmo Celeno Porto Especialista em Clínica Médica e Cardiologia. Doutor em Clínica Médica pela UFMG. Professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFGO. Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciências da Saúde da UFGO. Membro Titular da Academia Goiana de Medicina.
Introdução A relação médico-paciente envolve fenômenos psicodinâmicos quando um indivíduo procura um médico para um atendimento a qualquer questão relacionada à sua saúde. Essa relação dependerá de uma gama de fatores psicológicos, que envolve um paciente e as alterações decorrentes de sua enfermidade diante de um atendimento médico. Assim, será estabelecida uma relação em que a influência do médico possibilitará ao paciente uma participação variável, manifestada por uma passividade, uma atitude colaborativa ou uma atitude ativa. Na primeira, o paciente aceita todas as orientações médicas; na segunda, compreende as orientações e colabora na sua efetivação; e, na terceira, passa a atuar com o médico na tomada de decisões. A relação médico-paciente estabelecida entre os atores dessa relação terá influências no resultado do atendimento, especialmente no tratamento do paciente, que contará então com um melhor resultado caso essa inter-relação seja positiva, através de uma maior participação do paciente em querer realizar as orientações esboçadas pelo seu médico, convicto de que isso será importante para a sua cura ou melhoria. Assim, o paciente e o médico estarão diante de um dilema que será favorável a uma maior participação de ambos, caso essa relação seja mutuamente compartilhada, propiciando uma satisfação profissional ao médico, que verá o seu paciente empenhado em realizar as orientações por ele referendadas para uma melhor efetividade de seu tratamento. O médico bem preparado é aquele que, antes de tudo, está apto ao exercício de seu papel como profissional médico, humano e racional, que transmite ao paciente os seus conhecimentos de maneira adequada para uma melhor compreensão do paciente, que perceberá que tudo o que está sendo transmitido será importante para o melhor restabelecimento. Ao analisar as informações repassadas pelo seu médico, o paciente certamente poderá ser favorecido pela melhor compreensão da doença que apresenta, uma vez que esteja convencido do diagnóstico e então do tratamento. Para tanto, torna-se importante o papel do médico ao atender o paciente.
Nesse sentido, temos que uma relação médico-paciente positiva, na qual o médico preocupa-se em atender bem o paciente desde o primeiro contato, na maneira de tratá-lo durante o exame clínico, especialmente durante a anamnese, com disponibilidade de tempo, certamente terá uma maior efetividade na aderência ao tratamento por parte do paciente. O paciente poderá assim experimentar sentimentos agradáveis diante de um componente inconsciente de transferência positiva, relembrando figuras importantes de seus relacionamentos primários. Entretanto, haverá situações em que o médico enfrentará resistências por parte de seu paciente, que de modo inconsciente passa a contestar a autoridade do médico diante de uma percepção desagradável durante a consulta ou no decorrer do tratamento. [1] O médico deverá estar sempre atento ao comportamento de seu paciente para evitar situações que poderão interferir no tratamento. Para isso, deverá compreender a postura do paciente e a forma como está agindo diante de suas orientações.
Adesão ao tratamento Podemos definir adesão ou aderência como a utilização dos medicamentos prescritos ou outros procedimentos em pelo menos 80% de seu total, observando horários, doses, tempo de tratamento. Representa a etapa final do que se sugere, como uso racional de medicamentos. [2] Uma definição mais ampla considera aderência como uma conduta do paciente em termos de tomar medicamentos, seguir as dietas e executar mudanças de estilo de vida coincidindo com a prescrição clínica, ou seja, aderência não é um problema do paciente ou causado exclusivamente pelos pacientes. [3] Aderir ao tratamento significa aceitar a terapêutica proposta e segui-la adequadamente. A adesão à terapêutica tem sido considerada fundamental para a resolubilidade de um tratamento ou para a redução do número de hospitalizações. De acordo com Leite e Vasconcellos, as razões de não adesão ao tratamento medicamentoso são: o acesso econômico aos medicamentos, o número muito alto de medicações prescritas e o esquema terapêutico, mesmo quando o medicamento é fornecido gratuitamente, os efeitos colaterais e a ausência de sintomas em algumas fases da doença. [2] A análise de quatro décadas de pesquisa sobre a adesão, os seus determinantes e intervenções, bem como o conhecimento acumulado ao longo dos anos sobre a prevalência da não adesão levaram o adherence project [10] da OMS (2003) a emitir um conjunto de mensagens ou recomendações com relevância para a prática dos cuidados de saúde no âmbito das doenças crônicas e que traduzem o “estado da arte”, no que se refere ao conhecimento e intervenção relativos à adesão ao regime terapêutico: a. A não adesão ao regime terapêutico, no âmbito das doenças crônicas, é um problema mundial de grande magnitude. A mortalidade e morbilidade que lhe estão associadas atingem valores desproporcionalmente elevados, com graves repercussões na saúde das pessoas e elevados custos econômicos.
b. O impacto da não adesão aumenta proporcionalmente ao peso das doenças crônicas na economia global. c. As consequências da não adesão incluem, além do aumento das despesas, resultados negativos nos indicadores de saúde. Alguns pacientes não aderem ao tratamento porque se recusam a aceitar que possuem a doença. Apesar da importância de aderir, em muitos casos os pacientes não o fazem. Segundo a OMS, “não há como negar que pacientes têm dificuldade em seguir o tratamento recomendado. A baixa adesão ao tratamento de doenças crônicas é um problema mundial de magnitude impressionante. A adesão ao tratamento de longo prazo em países desenvolvidos é em torno de 50%. Em países em desenvolvimento as taxas são ainda menores”. Além disso, muitos pacientes interrompem o tratamento de longo prazo de sua doença à medida que ela é controlada. No entanto, essa atitude pode representar risco à saúde, como o retorno dos sintomas, o aparecimento de complicações e, em alguns casos, o surgimento de resistência ao medicamento. Segundo a OMS, “melhorar a adesão ao tratamento pode ser o melhor investimento para gerenciar as condições crônicas de maneira efetiva”. Um estudo conclui, por exemplo, que a maior adesão ao tratamento da asma entre idosos acarretou em uma redução anual de 20% nas internações hospitalares entre esse público. Os benefícios da adesão se estendem aos pacientes, às famílias, aos sistemas de saúde e à economia dos países. O paciente passa a ter a sua condição controlada, podendo, na maioria das vezes, manter uma vida normal e economicamente ativa. A família pode se dedicar a outras atividades e deixar de lado seu papel de cuidadora. O sistema de saúde economiza com a redução de internações emergenciais e intervenções cirúrgicas, e a economia ganha com o aumento da produtividade. [5] O tema é relevante para a prática clínica do médico de família e comunidade, pois se observa que mais de 85% dos pacientes podem ser não aderentes em algum momento do curso de sua doença. [6]
Que fatores influenciam a aderência a tratamentos medicamentosos? A realização de aconselhamento por telefone por farmacêuticos e o uso de polipílula para pacientes com doenças crônicas, em dois anos de acompanhamento, demonstraram redução da mortalidade e maior aderência ao tratamento. [7] Mesmo com as evidentes limitações para a generalização, em função de o local de estudo ter uma cultura muito diferente da brasileira, essa estratégia pode ser útil em casos selecionados. O uso da associação medicamentosa comprovou que pode minimizar a não aderência, pois reduz o uso de múltiplos medicamentos em variadas doses. [6] Utilizando a escala ROMI ( Rating of medication influences ou Escala de influências em medicações), demonstrou-se que a “percepção de benefício diário” foi o fator mais associado à aderência, e o sentimento de “desconforto por efeitos colaterais” estava mais associado à não aderência. Em pacientes com esclerose múltipla, observou-se a mesma relação de não aderência com
presença de efeitos colaterais dos medicamentos utilizados. [8] Ao estudar pacientes em uso de anti-hipertensivos, sugere-se que o médico deve abordar os efeitos colaterais. Mesmo que o paciente não expresse espontaneamente, o emprego da expressão efeitos palpáveis pode facilitar a comunicação entre ambos. Além disso, o médico deve reforçar os efeitos benéficos dos tratamentos, mesmo quando surgem efeitos colaterais. Esses efeitos não devem ser minimizados, mas se deve demonstrar que é um dos indicadores do efeito do tratamento, pois para o paciente indicam que o tratamento está dando resultados. [9] Opção semelhante é o método SIMPLE, a partir de revisão narrativa, que sugere o uso de abordagem combinada para melhorar a aderência. Para facilitar o acompanhamento, elaborou-se o seguinte acróstico:
S Simplificar o regime terapêutico I Intensificar a oferta dos seus conhecimentos sobre a condição do paciente M Modificar crenças e mitos P Promover a melhoria da comunicação com pacientes e familiares L Levar em consideração aspectos demográficos E Evolução da aderência Sugere-se aplicar a escala ROMI periodicamente, já validada em português pelos estudos de Rosa e colaboradores. [10] Ela pode ser aplicada pelo próprio médico e está dividida em duas partes. A primeira é semiestruturada e aborda questões sobre o estilo de vida, local do tratamento, regime medicamentoso prescrito, atitude do paciente perante o tratamento, postura da família diante da condição clínica e tratamentos e orientações indicadas. A segunda envolve questões sobre as razões de aderência ou não aderência. Ambas as seções iniciam com uma questão aberta como “Qual a sua motivação primária para tomar a medicação?” ou “Qual a sua motivação primária para não tomar a medicação?”. Na sequência, as seções apresentam uma escala de motivos para tomar ou não a medicação. O paciente atribui um grau de influência, ou um “peso”, para cada item: “nenhuma influência”, “moderada influência” ou “forte influência”, pontuando-se respectivamente com 1, 2 ou 3 e 9 (o 9 é para o caso de não ser possível avaliar o grau de influência do item).
Conclusão A aderência ao tratamento depende de inúmeros fatores e tem sua maior efetividade por meio de uma relação médico-paciente que incentiva o paciente a perceber no seu médico uma figura preocupada com o seu bem-estar, por meio de uma postura empática, reconhecendo as necessidades do paciente, bem como anseios, angústias e temores. Por fim, o médico transfere ao paciente uma segurança que gera um sentimento de que tudo está sendo feito para o seu restabelecimento.
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Luiz Antônio Fruet Bettini Professor Adjunto de Clínica Médica e Semiologia da Universidade Positivo. Mestre em Cardiologia pela UFPR. Professor de Semiologia I e II do curso de Medicina da UFPR.
Semi Haurani Especialista em Medicina Interna e Cardiologia. Mestre em Cardiologia. Coordenador do Programa de Internato no Departamento de Clínica Médica da UFPR.
É rotina na vida de um médico frequentar uma UTI, mesmo não sendo sua especialidade. Atender a pacientes internados, visitar pacientes, familiares e amigos faz com que você, atento, entenda a dinâmica que envolve esse setor. A vida e a morte em constante confronto. Mal sabia eu que logo estaria em uma UTI. Fazemos da vida como se estivéssemos em um trem em alta velocidade, moderno, perfeito, envolto em altas tecnologias, a paisagem passando pela janela em estonteante rapidez, sem que atentemos para os detalhes, as cores, os contornos e a vida que corre lá fora. Estamos muito mais voltados para nossas próprias coisas, para nossa própria viagem, focados em nós mesmos, em atingirmos objetivos pré-traçados, alguns sem lógica alguma, numa correria sem muito sentido. Parece que tudo isso nós já sabemos, porém negamos. Acreditamos que temos que fazer tudo, sem tréguas e pronto. O estresse tornou-se nossa dependência. Sem ele tudo parece não ter muito sentido. “O que conta é a adrenalina”. E a vida segue. Num dia pacato, sereno e tranquilo, num repente, como se parado instantaneamente por uma força descomunal, o trem estanca. O tempo parece parar. Não há barulho algum, nem choro, nem desespero, mas sim uma indescritível sensação de que algo de muito grave está em evolução. Um leve desconforto gástrico, azia talvez? Sim, nada mais sério. Mas e as gotículas de suor na testa em um dia de frio? Talvez o esforço de brincar com o neto? Talvez. As perguntas são muitas e as respostas, difíceis. E o crescente aperto no peito, indescritível, soturno, quieto, opressivo, amedrontador. A lembrança que assoma à mente é a descrição do meu professor de cardiologia, que relatava o momento de enfarto como num dia de céu azul e limpo. Um raio cai sobre seu peito, rasga-o e uma poderosa mão de aço o aperta sem piedade. A imagem que assume a consciência é a de um elefante sentando em meu peito, e penso: “Que merda, estou enfartando!” Eu não sabia que o trem veloz que me levava transportava também um elefante. Eu nem tinha percebido o circo... O que fazer? Como agir? Volta a dúvida que tenta esconder a verdade. Não deve ser nada. O raio caiu mesmo. É tudo. A opressão no peito é contínua, o suor aumenta, respirar só superficialmente, o suspiro não alivia, nem tampouco a tosse... Que falta nos faz o oxigênio! Então, a certeza assume o espetáculo. Está deflagrada a guerra entre Tanatos (a morte) e Eros (a vida). Medo? Não há tempo para sentir! O seu psiquismo muda radicalmente, as percepções são um tanto confusas, irreais, contrastando com a realidade. Um sentimento estranho de solidão. É você e seu corpo. Nada mais. Nesse momento impera a absoluta incerteza. Uma esquisita sensação de que a
luta é somente sua, solitária e é quem vai determinar as ações seguintes. De maneira fria e calculista vem o apelo: “Filho, leve-me ao hospital que estou infartando.” Ele não duvida. A fotografia devia estar assustadora. A negação funciona, não para mim, mas para a família. Ninguém aceita um pedido desses, facilmente. Mas, pelo que viram, o crispar das mãos, a sudorese e a mudança da cor e a súplica, começa a corrida. Agora pela vida. Tanatos e Eros estão empatados. No carro, ora suplicando pressa, ora pedindo cautela, tudo parece muito distante. O pensamento, tentando driblar a dor, também acelera. Tenho dúvidas. Muitas. Um pensamento ridículo: “Pô, não posso morrer, pois nem me despedi da família, meu!” Como o tempo é relativo. O que pareceu uma eternidade na realidade foram alguns minutos até chegar ao hospital. A rapidez do atendimento, desde a chegada à emergência até a mão quente e tranquilizadora de um membro da equipe de atendimento já é a primeira “medicação”. A primeira avaliação ainda na cadeira de rodas confirmou: é infarto! Nesse momento, o que poderia ser meu erro de avaliação teve sua confirmação oficial. É inacreditável que, mesmo sendo médico, a expectativa era de não ouvir este diagnóstico. O que nos matam é a racionalização e a negação. A recusa de nosso psiquismo em aceitar a verdade. Novamente a sensação ambivalente. É como a “briga”, mas agora tenho ajuda. Serão dois contra Tanatos. Incontinenti , peço ajuda aos céus. “Nossa Senhora da Luz! Fica aqui comigo. Não me abandone AGORA, estende teu manto, abrigame!”, rezei, no meio da dor. Interessante esse momento. O sentimento de que a sua crença em um poder superior descortina a você uma força que até então não tinha sido percebida. É irreal estar deitado, olhando as luzes acima de você tal qual tantas vezes assistimos nos filmes. Aquilo não era filme! Era verdade, e o artista principal era eu. A entrada da equipe médica, a precisão da movimentação da enfermagem ao meu redor, os procedimentos, e um agradecimento pela rapidez da chegada e uma súplica, “arranca de mim esta dor”. Tal qual uma orquestra afinada, o espetáculo se desenrolando à minha volta, trouxe-me o alívio da dor maior. Assistir a todo o procedimento, vendo nervosos cateteres buscando a lesão, numa contemplação estranha é, no mínimo, surreal. Meu coração sendo invadido e eu nem aí! Nem penso, observo. Não há medo, é tudo muito rápido, o mundo fora de você não tem muita importância. O importante é cada segundo que se passa dentro da sala e dentro de meu peito. Penso, estou negando? Estou dissociando, isso não é comigo. Entendo melhor, na prática, o que são mecanismos de defesa psicológicos. Aquele órgão pulsante no monitor será mesmo o meu? Sim, desaba a realidade sobre mim. É o meu coração. Novas preces. Que aconteça o melhor! Aí, as palavras esperadas: “OK, terminamos, correu tudo bem!” Que calma absurda. Dá para acreditar no que aconteceu? Comigo? Médico é imune ao sofrimento de estar doente? Não, não é. Por alguns segundos fico sozinho na sala. Aí então penso: e a minha família, como estará? Já sabem o que aconteceu? Então pela primeira vez eu chorei. Não por mim, mas por eles. Tempo para minha mente sair em disparada. E agora? Como? E eu me assusto! Correr, não quero mais! Eros acaba de marcar um gol. Porém, o segundo tempo está para começar. E você mergulha em um verdadeiro turbilhão de emoções. Tenho mil coisas a fazer! Segura, peão. O elefante
acabou de sair de seu peito. Não se esqueça de que ele deixou a sua marca. Sua vida agora muda? Seu status muda? Sua rotina muda? Seus medos mudam? Sou resgatado pela realidade novamente. O convite para passar para a maca e irmos à UTI. Palavra que nunca assustou, passa a ser assustadora. Lembranças das vezes em que acompanhamos pacientes e familiares a esse local de luta pela vida. Eu lá. Nunca tinha imaginado. Ou sabia, talvez, que um dia... Agora, com uma calma estranha, inicia-se a ida ao “centro”. Deitado, atento aos movimentos da maca, as luzes passando sobre mim, tal qual em muitos filmes. Penso, que importante essa dança das luzes sobre mim. Corredores, elevadores... Lembro-me de William Hurt no filme “Um golpe do destino”. A mudança de status! Sim, de médico à condição de paciente. Diferente, para não dizer estranho. Nada mal! Vamos aprender algumas lições, certamente. E elas começam imediatamente. Tubos, conexões, fios, monitores, aparelhos, picadas, apertões, tudo acontecendo como se numa nave espacial. Sinto-me um astronauta. Que viagem! Penso muito. Em tudo que deixei para trás. Minha esposa, meus filhos e meus netos. Já estou com saudades. Não tenho nenhuma possibilidade de ouvi-los. À enfermagem uma chantagem: “Meu reino por um celular, senão serve meu notebook.” Nada. Tudo gentilmente negado por um grupo de jovens enfermeiros e auxiliares, incrivelmente afetivos, humanizados, conscientes do local em que trabalham. Meu elo de contato com o exterior, neste momento “sem conexão”. E aí, a rotina diária, repetitiva, enfadonha. Olhar para o teto e pensar. Pensar e pensar. Lembro-me da música: “Vá pensamento...”, é Verdi? Não tenho certeza. Mas o que importa? Pensar é um ato de bravura, mesmo porque tudo que você planeja não vai acontecer. Pelo menos, enquanto durar meu isolamento. O relógio na parede segue seu ritmo. Mas eu duvido que as pilhas sejam novas. Devem estar fracas. O tempo não passa! Quero que corra! Não, não! Devagar, creio que aprendi a lição. Será que acredito mesmo, ou estou tentando ser bonzinho? Bem, o tempo dirá. Esperemos. Aí, palavras mágicas. Aliás, onde estou é pleno de palavras mágicas! Visita! Deus, como esperei este momento. A família entra. Que situação! Que estranho. Há menos de um dia tudo era diferente! Agora, uma sensação jamais experimentada. O calor do beijo, das mãos, aquece a alma. Não há lamentos, nem queixumes. Somente a aceitação passiva da realidade dos fatos. O agradecimento conjunto à ajuda dos céus. Novamente a ela, Maria, a Boa Mãe! Algumas diretrizes são dadas, comandos. Indispensáveis. Avisar pacientes, amigos no local de trabalho. A mesa de trabalho entulhada de documentos para serem processados, lidos, encaminhados. Nada disso! Para tudo. O alvo sou eu, minha recuperação. Relógio desgraçado, só corre na hora das visitas. Acabam rápido demais! Quero mais tempo! Sossega, leão! Não aprendeu a lição? E o relógio volta ao seu enervante ritmo lento. As horas agora passam a ser contadas de forma diferente. Quanto tempo falta para novas visitas? E assim passam os dias. Se pensamento tivesse peso, certamente eu ganharia uma fortuna vendendo-os. Promessas internas, resoluções, intenções, ideias novas, outras requentadas, partes de um novo começar. E a massacrante rotina continua. E aquele trem? O que foi feito dele? Dane-se. Não quero nem
saber. O que imagino agora é um carro de boi. este que me conduzirá daqui para frente. Ops... Será mesmo? Mentira, estou fazendo média, comigo e com a família. Terei outro ritmo. Não do veloz trem, mas um que permita que eu permaneça vivo, que é o que realmente conta! Com essas reflexões em pleno andamento e já habituado ao espaço onde estou confinado, ouço novas palavras mágicas. “Sai hoje da UTI, vai para o quarto e amanhã... casa!”. Poucas pessoas já experimentaram esta sensação. Ir para casa, voltar ao seu espaço, aos ruídos, aos cheiros que eu conheço. Penso: “Arre, escapei desta! Obrigado, Senhor.” A saída do hospital é outro grande momento. Um ato tão banal, mas ao mesmo tempo tão emblemático. Quem está saindo é alguém muito diferente de quem entrou. Levo na bagagem tudo aquilo que vivenciei, que pensei, que orei e que chorei. Essa lição não é para ser esquecida. E não será! O tempo confirmará. E o elefante? Ah! Este jamais poderá ser perdido de vista. Dependendo de mim, no meu peito ele não senta mais! Retornar à vida normal é uma nova experiência. Enxergamos o mundo de outra maneira. O modelo de vida anterior a tudo isso é revisto. Restabelece-se a autoconfiança. Na reconsulta, após alguns dias, nova experiência. Após o exame físico, avaliação dos exames laboratoriais, de uma maneira empática, serena e assertiva, o cardiologista confirma outro diagnóstico: obstrução arterial grave. Opções: tratamento clínico ou cirúrgico. Opto com muita angústia pelo procedimento invasivo. Intensas emoções ressurgem com os medos e ansiedades, já velhos conhecidos. A postura do cardiologista, empática e serena, decidida em seus movimentos, foi decisiva para enfrentar esse momento crucial. Ter confiança no médico é absolutamente decisivo para o enfrentamento. A partir daí, a verdadeira experiência de ser paciente. Chegar ao hospital para os procedimentos burocráticos é embaraçoso. Constrangedor para quem sempre esteve do outro lado da recepção. A entrada no quarto em companhia da família gera uma estranha sensação de solidão, incerteza, parecendo algo irreal e absurdo. Muitas dúvidas, perguntas que necessitam de respostas imediatas, mas não as tenho. A enfermeira transmite as orientações iniciais sobre quais procedimentos serão executados. Troco de roupa, visto o pijama e me torno paciente. Estar doente implica em insegurança, impotência, sentimentos de perda, insights que nos remetem à infância. Tudo é problemático e incerto. A partir desse momento até o dia da alta, um novo mundo abriu-se à minha frente. Começa com a tricotomia. Ato banal da enfermagem que se transforma no primeiro momento de outros absolutamente constrangedores que serão vividos. Ficar nu, em pé, no meio do quarto. Estar despido a princípio é embaraçoso e absolutamente desconfortável. A partir de então, mesmo tendo pudores, você se habitua a estar nessa situação nas várias ocasiões de invasão à sua privacidade. Sendo assim, para qualquer um, mesmo doente, estar despido pode significar desconforto e embaraço. É a atitude profissional e empática que torna possível a superação dessa experiência. Enfim, assim é e assim será. A chegada do técnico para coleta de sangue representará, a partir daí, mais sofrimento. Dores desconhecidas, até então, farão parte da rotina durante o internamento. Coleta
de sangue arterial, anticoagulantes, angina, levam-me de imediato à UTI. Sedado, não participo das ações pré-cirúrgicas. Acordo cinco dias depois, sobrevivente de um tamponamento cardíaco, experiência de sair do corpo e coma. Nenhuma lembrança, nenhum medo, apenas o despertar confuso e desorientado no tempo e no espaço. A família em torno é uma linda e tranquilizadora visão. Desde a academia, raramente os jovens médicos aprendem a importância do trabalho conjunto com a equipe de enfermeiros, auxiliares, técnicos, etc. Considerados como “concorrentes” no atendimento ao paciente, deixam de merecer o devido respeito. A convivência maior durante todo o tempo de internamento é com essas pessoas. Profissionais responsáveis, éticos, afetuosos, pacientes, mantendo as rotinas e o funcionamento deste espaço o menos traumático possível ao doente, que vê o enfermeiro como o seu depositário de medos, ansiedades, dúvidas, receios. Toda a gama de sentimentos é repartida com o enfermeiro. O médico, por sua rotina diária, necessitando visitar os pacientes sob sua responsabilidade, não pode arcar também com um contato mais prolongado com o paciente. As visitas tendem a ser técnicas e objetivas, não dando ao paciente tempo suficiente para atender seu sofrimento emocional. A perspectiva que o paciente tem da movimentação na UTI faz com que sua atenção esteja focada em todos os detalhes do que se passa a sua volta. Fica-se hipervigilante. Cada ruído, passos, movimentos em torno, pessoas murmurando parecem ameaçadores. Entende-se então a dimensão exata da responsabilidade dos funcionários desse setor. Atender às solicitações incessantes dos pacientes exige empatia, serenidade e profissionalismo. A rapidez de ação em situações de emergência lembra o pit stop em uma corrida. Quando você ocupa o leito, um sentimento muito especial toma conta de você. Estar ali junto com outros pacientes, com os quais você não se relaciona e que não conhece, desperta um sentimento de que estamos juntos numa “corrente” em prol da sobrevivência. A mudança de status é significativa. De profissional que cura agora você se transformou em alguém a ser cuidado. Suas percepções tornam-se muito mais acuradas. É perfeitamente possível identificar as modificações psicológicas que estão acontecendo. A visão a partir do leito com outros pacientes sofrendo tira do médico a possibilidade de sair de onde está para ajudar o outro. É frustrante. Essa experiência vivida mais as lições tiradas de todos os momentos resultam em uma alteração drástica da forma como você passa a ver a sua vida e a própria medicina. A paciente que estava no box ao lado do meu, senhora idosa, em coma há várias semanas. Não conhecia nada sobre ela, nem mesmo sua voz ou cor dos seus olhos. Quando soube que ela tinha falecido senti como se tivesse perdido alguém muito querido. A falta sentida me fez chorar. Senti-me por alguns dias em luto. Muito a refletir sobre esse sentimento! Porém, não podemos negar que estar numa UTI implica também em muito “trabalho” para o paciente aguentar o correr das horas de um dia. Por exemplo: a alvorada festiva (perder o bom humor nestas circunstâncias piora o sofrimento). A alvorada começa bem cedo com eletrocardiograma, radiografia, às vezes tomografia, coleta de material, picada da glicemia, troca de veias, gotejamento endovenoso, medicamento via oral, nebulização, banho no leito, de cadeira depois no chuveiro,
curativos, fisioterapia respiratória, monitoramento cardiorrespiratório, visita do médico e, em algum intervalo, café da manhã. No período da tarde é esperar o tempo passar: a paciência, o pensar em tudo, o pensar em nada, orar, as reflexões, o planejar do estar sozinho, a espera pela família, nada alivia as tensões desse período do dia. Atrelado a um leito em decúbito dorsal, praticamente sem se movimentar grande parte do dia, alternando com o sentar na poltrona é outra experiência dolorosa. Você sente saudades do que seja uma verdadeira poltrona. É estudando o que é vocação que se entende o que é ser enfermeiro nos momentos da hora dos banhos, dos curativos, do controle do gotejamento de soros, do atentar para os dados vitais e do participar dos momentos críticos para o paciente que é a sua higienização depois de idas ao banheiro. A higiene da área genital e perineal são igualmente desconfortáveis. A exposição de sua intimidade gera ansiedade e desconforto. Em momento algum essa atividade da enfermagem é aceita naturalmente. Os primeiros banhos no leito são vividos de maneira estressante: a exposição de sua nudez e a autoestima baixa são constrangedoras. Adapta-se a isso com certa facilidade. Mas, na etapa seguinte, o que já foi superado em termos de banhos recrudesce no banho na cadeira. Experiência muito estranha. Mas, finalmente quando se vai ao banho no chuveiro, tudo é deixado para trás. Não podemos esquecer que a parceria com a enfermagem é que possibilita a transmissão de informações decisivas percebidas durante o plantão às quais o médico jamais teria acesso que não pelo diálogo paciente com os enfermeiros. Nenhum funcionário em contato com o paciente é dispensável. Nutricionista, fisioterapeuta, higienizadora estão fazendo parte dos “invisíveis”, aquelas pessoas nas quais prestamos pouca ou nenhuma atenção. Foi com uma higienizadora que aprendi muita coisa sobre a doença, sobre o sofrimento e sobre a sua responsabilidade na evitação das infecções hospitalares. Também nela identifica-se a forma humanística com a qual desenvolve seu trabalho. Estar internado com dores, angústias, incertezas dá a sensação de desgoverno total de sua vida. Mesmo a autoestima e a autoimagem tão cultivadas durante a vida nessa fase tendem a desesperá-lo. Nenhuma frase de efeito, nenhum estímulo é maior do que você redescobrir a fé. Orações passam a ser sua tábua de salvação. Saber que oram por você fortalece seu espírito e lança-o à luta com muito mais confiança. Acreditar que você não está sozinho e que um Poder Superior, conforme cada um o concebe, é um verdadeiro bálsamo. Ter fé nesses momentos, além da sensação quase física da presença deste Poder, embala você em expectativas de um bom fim, seja ele qual for, além de ocupar sua mente e seu coração, aliviando-os da constante tensão das incertezas, descortinando à sua frente a esperança. O entendimento da fragilidade da vida, da imperiosa necessidade de lutar por ela em um ambiente em que a morte ronda a todos tem que ter por parte de nós, médicos, a compreensão de que as crenças do paciente fazem parte de seu arsenal de sobrevivência. Falar sobre fé e a importância das orações não fragiliza nem expõe o médico, mas sim o humaniza. Saber que médico professa alguma fé e assim se declara permitindo um diálogo dá a sensação de que ele está mais perto de você
e é capaz de entendê-lo melhor. Entre todas as emoções sentidas, a relação de você, médico, com os colegas é a mais emblemática. Estar na posição de paciente exige, sem exageros, uma nova reprogramação psicológica. O que sempre foi lado a lado com um colega passa a ser “do outro lado da mesa”. Não é fácil assumir o papel de paciente. A fragilidade vivida intensamente pelo paciente faz com que mínimos gestos passem a ter uma importância fundamental. Por exemplo: um cumprimento, identificar-se para o paciente, demonstrar interesse não só em relação às queixas ou ao estado clínico, mas também em relação ao seu quadro emocional. Ser empático, colocando-se na posição do paciente, possibilita aos profissionais entenderem que aquele atendimento tão rotineiro é para ele uma nova experiência perturbadora, mesmo que ele já tenha tido outros tratamentos anteriormente. Toda situação nova gera ansiedade. Receber as explicações de como estão seus exames, suas imagens, as explicações sobre quais serão os passos a serem seguidos gera muitas expectativas. Fazer perguntas, dirimir dúvidas é feito de modo mais cauteloso. A terminologia usada não é a da minha especialidade. Nesse momento consolida-se a relação de confiança do paciente com seu médico. A prévia já havia acontecido quando da escolha do profissional para o qual, sem querer ser dramático, você se entrega literalmente. Você entrega nas mãos do cirurgião sua vida, seu coração. A rotina diária não permite ao médico, qualquer que seja sua especialidade, perceber o quanto de sagrado existe na relação médico-paciente. Ser médico não é para qualquer um. Temos que atender ao chamamento (nossos componentes emocionais, racionais, irracionais, idealizações, espirituais e outros), que é a nossa verdadeira vocação. Para um médico psiquiatra, “estar paciente” é uma grande oportunidade de entender melhor como funciona essa relação. A busca incessante nos contatos pessoais é a compreensão e a interpretação do que é dito e principalmente do que não é dito. É fácil perceber, creio que mesmo para um leigo, a quantidade e a intensidade das emoções que estão permeando uma relação. Identificam-se claramente as dificuldades de outros médicos no relacionar-se com o colega doente. É muitas vezes embaraçoso estarmos diante de um colega que necessita de seus cuidados. Entre os médicos mais jovens esse comportamento é percebido muito mais facilmente. Fato que merece também alguma consideração é a comunicação da alta. Nós, médicos, não temos a percepção clara da importância do momento em que é comunicada a alta. Essa palavra mobiliza uma torrente de sentimentos. Por mais paradoxal que possa parecer, abandonar esse local protegido, com atenção permanente, pela volta para casa, gera medo. Abre-se um questionário angustiante. Estarei seguro em casa? Serão os atendentes capazes de identificar alguma ocorrência clínica tardia? Estará o médico disponível para uma consulta, mesmo que pelo telefone? Finalizo com algumas reflexões. A experiência vivida “do outro lado”, pessoalmente ou como profissional e professor, será levada até o fim de minha vida. Descubro como paciente que parece haver outra medicina além daquela que praticamos. Fica muito claro o quanto precisamos, numa era altamente tecnicista da medicina, resgatar o que parece não ser tão importante nos dias de hoje, que é
a relação médico-paciente. Precisamos resgatar o nosso papel de sacerdotes, interessados, empáticos, humanos. Humanização não é resolução, lei ou norma a ser seguida. Não se aprende humanização em palestras, seminários. Humanização é atitude. É o reconhecimento piedoso da importância e da responsabilidade de merecermos a confiança inabalável de uma pessoa em busca de nosso socorro. Enfim, passar por tudo o que passamos no decorrer de nossas vidas exige que aprendamos algumas lições. Eu aprendi muito. Sou outra pessoa e outro profissional. Pratico outra medicina.
Dagoberto Hungria Requião Médico especialista em Psiquiatria. Professor de Psiquiatria da Escola de Medicina da PUCPR. Assessor da Pró-Reitoria Comunitária da PUCRPR na implantação do Programa de Qualidade de Vida. Diretor da CIPAE – Consultoria e implantação de programas de prevenção de drogas e desordens emocionais em empresas e escolas. Ex-presidente da ABEAD (Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e Outras Drogas), atual membro de seu Conselho Consultivo.
No final da década de 1980, então Coordenador do curso de Medicina da UFPR, observei na interação com alunos, professores e egressos uma insatisfação generalizada com o currículo do curso de Medicina da UFPR, tanto interna quanto externamente à Universidade. Na época, numa reunião entre Ângelo Luiz Tesser, Sergio Zuñeda Serafini, Roseli Boerngen Lacerda e demais membros do colegiado do curso de Medicina, além de outros professores interessados em modificar aquela realidade, solicitamos a orientação da Pró-reitora de Graduação, pedagoga Maria Amélia Sabagg Zainko. Foi elaborada uma pesquisa com alunos, professores e egressos e confirmou-se a enorme rejeição ao currículo da época, que era constituído por mais de 80 disciplinas ofertadas de maneira desintegrada, intensamente teórica e superespecializada. Após discussões com os componentes do colegiado do curso foi proposta a realização de uma pesquisa-ação, tendo sido convidados grandes expoentes das mais diferentes concepções curriculares para proferir palestras a professores e alunos acerca das diversas concepções curriculares. As palestras foram gravadas e transcritas para todos os professores e alunos, para que tomassem ciência das várias concepções e optassem pela proposta de reforma curricular que melhor atendesse à opinião da maioria dos participantes do projeto da reforma curricular. Foi elaborado um questionário para ser respondido pelos alunos, professores e egressos. A análise das respostas ao questionário produziram princípios norteadores para a reestruturação do currículo, princípios estes que passaram a balizar as discussões com as diversas áreas da formação, disciplinas e departamentos. A produção e discussão desses princípios tiveram um duplo significado, pois se constituíram em um instante privilegiado de avaliação diagnóstica do curso e da própria perspectiva de trabalho. Objetivamente, na ótica dos docentes e discentes foi importante como guia das reflexões diretamente ligadas ao curso e, concretamente, no próprio Grupo Gestor da Pesquisa, pelas respostas à constante necessidade de análise, problematização e sistematização da diversidade de elementos que se incorporavam à proposta de intervenção curricular. Foi um profundo e rico debate pedagógico, em
que as concepções de médico e de seu processo de formação se evidenciaram. Tanto os momentos de concordância quanto os de recusa – acerca da proposta – constituíram-se na instância de explicitação de uma situação contraditória, que é própria da natureza e da especificidade de uma comunidade educativa. O Grupo Gestor da Reforma Curricular apresentou sugestões para atender a demanda referida e elaborou um conjunto de princípios filosóficos, dos quais se identificavam predominantemente: A definição do profissional a ser formado: com características de Médico Generalista, isto é, capacitado a atuar de maneira abrangente em todas as fases do processo saúde-doença, reconhecendo aspectos biológicos, psicológicos e sociais. A terminalidade do curso: ao término do treinamento o médico deverá ter condições de atuar com resolutividade e eficiência em problemas prevalentes de saúde, devendo ter garantida a continuidade desse processo educacional através de iniciativas pessoais e institucionais. Os demais princípios indicavam formas para se atingir os filosóficos. O Grupo Gestor da Reforma, seguindo esses princípios, enfrentou os impasses surgidos, reavaliando as questões e sempre se norteando por uma ampla consulta, acatando e incorporando as sugestões criativas que apresentavam vantagens na aplicação teórico-prática. Como exemplo de propostas de modificação do currículo, nos ateremos à disciplina de Propedêutica Médica, que foi integrada por professores da Propedêutica e Psiquiatria e incluído o tema relação médico-paciente e relação do estudante de Medicina com o paciente. O Professor Antonio Villela Lemos, da Psiquiatria, foi incorporado ao corpo docente, participando então de reuniões de grupo para discussão de temas da relação médico-paciente e relação estudante de Medicina com o paciente. Posteriormente, foram incorporados os psiquiatras Jaime Bieler, Luciano Souza e Maria Lucia Bezerra. O primeiro texto a ser oferecido aos alunos e depois discutido entre eles e o professor foi A vulnerabilidade do estudante de medicina. [1] O texto traz a experiência de Lorin L. Stephens, que foi um médico ortopedista e professor da Universidade do Sul da Califórnia, sendo muito estimado e considerado não só como profissional, mas principalmente como educador médico. Do seu relacionamento estreito com estudantes de medicina e com médicos, desenvolveu um conhecimento amplo que lhe possibilitou uma visão particular de uma filosofia para a educação dos futuros médicos que seguramente influenciou muitos educadores, médicos e estudantes de medicina. Neste artigo foram apresentadas as suas ideias acerca das possíveis vulnerabilidades pessoais do estudante de medicina, durante os anos de profissionalização. Stephens considerava o curso médico como uma experiência forte, emocionalmente perturbadora “pela qual os estudantes passam”, com pouco ou nenhum apoio formal ou informal dos professores e
dos próprios colegas do curso. Para alguns é compreensível esse tipo de comportamento, pois “a única e justa” preocupação é aquela que é direcionada à aquisição de novos conhecimentos e habilidades técnicas, em detrimento de qualquer ideia que priorize também a formação individual e pessoal. É fato conhecido que nos anos iniciais da transição intelectual do estudante, de uma situação leiga para a de médica, ele irá se deparar com tabus e com muitas situações que são potencialmente traumáticas, e que poucas oportunidades são oferecidas durante o curso para que possa pensar, falar e discutir sobre essas questões. A realidade, infelizmente, é que todos agem como se as experiências pessoais do estudante e do médico não fossem importantes. Logo, esses assuntos não devem ser abordados para não distraí-los do seu trabalho fundamental: o cuidado com o paciente! Evidentemente, é fácil perceber que esse tipo de atitude representa a negação da existência de sentimentos na pessoa do estudante. E, quando um determinado aluno ousar falar dos seus sentimentos para um membro do corpo docente do hospital, ou até para um colega seu, será julgado como “diferente, imaturo e inadequado” para o exercício da medicina. A melhor opção passa a ser: nada a comentar. Silenciar! Stephens pensava que essa situação particular era estabelecida por um acordo informal, como se fosse um pacto não-verbalizado, não-falado, e denominou essa situação de: “A conspiração do silêncio”! É evidente que esse silêncio não é pacífico como parece ser. Produzirá desdobramentos que afetarão as reações e posturas do estudante e que se refletirão no seu relacionamento com os pacientes. Por afinidade com este texto, entendendo que isso é muito importante para os alunos de graduação de medicina durante o processo de profissionalização na área de saúde é que resolvemos ampliar as discussões em grupo para os seguintes temas: Morbidade e Mortalidade Tipos de identificação (Empatia, Transferência, Contratransferência e Desumanização) Responsabilidade As manifestações do inconsciente Importância dos fatores biopsicossociais. Após a incorporação do professor Jaime Bieler, foi iniciada a discussão sobre a escolha da profissão médica e escrevemos um texto sobre esse assunto. A escolha de uma carreira é um processo que ocorre durante certo período de tempo, e a decisão implica na conscientização da necessidade de decidir, isto é, de coletar informações, identificar opções e depois entrar em ação para implementar a escolha desejada. Ela resulta de uma sequência regular ou irregular de modificações da pessoa e do sistema de imagens com que se julga a si mesmo e aos outros. Há certos períodos previsíveis na vida, nos quais
264-270. 2008. [40] VON
FRAGSTEIN, M.; SILVERMAN, J.; CUSHING, A.; QUILLIGAN, S.; SALISBURY, H.; WISKIN, C. UK consensus
statement on the content of communication curricula in undergraduate medical education. Medical Education. v. 42, p. 1100-1107, 2008.
Marcela Dohms Médica de Família e Comunidade. Mestre em Saúde Coletiva. Coordenadora do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba/Feaes. Professora Substituta no curso de Medicina, no Departamento de Saúde Comunitária da UFPR. Professora no módulo de Habilidades Médicas do curso de Medicina das Faculdades Pequeno Príncipe. Coordenadora do GT de Comunicação e Saúde da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
um indivíduo provavelmente se envolve num processo de decisão. Algumas pessoas decidem antes de passar por esse processo, enquanto outros postergam a decisão, ou ainda ficam numa indecisão crônica. Em relação à escolha da profissão médica, os alunos de medicina, neste momento particular de suas vidas (acadêmica e pessoal) estão iniciando o ciclo clínico, ou seja, o contato direto com pessoas, doentes. A cadeira de Propedêutica Médica tem a responsabilidade e a função de prepará-los para esses momentos extremamente delicados e difíceis. O aprendizado se faz através do contato com pessoas biologicamente comprometidas, sendo impossível que não apresentem dúvidas, insegurança, medo e angústia, portanto comprometidas emocionalmente de maneira intensa. Esse encontro gerará uma sobrecarga emocional no médico (estudante), porque o que expõe o paciente também nos expõe. Não me surpreende que se me dedicar unicamente a analisar hemogramas ou interpretar achados radiológicos, além de distante será muito mais fácil e menos comprometedor. Os alunos naturalmente devem estar pensando que estamos diante de um paradoxo: queremos ser médicos para estar junto daquele que sofre e necessita de ajuda, mas “arrumamos” maneiras de ficar à distância. O contato direto entre o médico e o seu paciente (relação médico-paciente) é construído integralmente sobre esse paradoxo. E, como decorrência natural desse fato, os professores constataram que em todos os semestres os alunos apresentavam uma dificuldade importante durante as experiências iniciais no atendimento aos pacientes. A ausência de um texto objetivo e prático sobre o assunto gerava muita dúvida, produzindo angústia, pois à medida que dúvidas não eram esclarecidas a insegurança naturalmente aumentava. Quando se observa o currículo médico da Universidade Federal do Paraná e de quase todas as demais universidades, infelizmente há um predomínio acentuado da informação em detrimento da formação, não havendo praticamente um espaço apropriado para a discussão dos fatos que são relevantes para a profissão médica no momento em que um paciente e médico estão em uma consulta. Para diminuir essa dificuldade elaboramos textos que mostravam a experiência dos autores acerca dos mistérios que envolvem a relação médico-paciente, com o objetivo de que os alunos vivenciassem essa relação de uma maneira menos desgastante, para que se informassem acerca de assuntos que geram indagações, dúvidas e incertezas. Os temas passaram a ser discutidos em grupos sobre a formação médica com a supervisão dos professores, com a intenção de melhorar o conhecimento daquilo que será utilizado durante toda a sua vida profissional. Didaticamente, apresentamos a divisão em fatores inconscientes e conscientes na escolha da profissão médica. [2] [3] Relacionamos em ordem decrescente as principais motivações conscientes: 1. Compreender 2. Ver 3. Prestígio do saber
4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.
Desejo de contato Prestígio social Aliviar os que sofrem Atração pelo dinheiro Necessidade de tornar-se útil Atração pela responsabilidade Atração pela necessidade de aprovação Profissão liberal
É claro que existem os fatores individuais, fruto de acontecimentos, relações e situações especiais, dentro da natureza circunstancial de cada um, e que determinarão as escolhas de vida e futura atividade profissional. Listamos, também, as motivações inconscientes: 1 Necessidade de algum tipo de aprovação 2 Negação de dependência 3 Procura do exercício de onipotência 4 Defesa contra as doenças 5 Defesa contra o sofrimento 6 Defesa, através do mecanismo de negação, diante da morte Em seguida, passamos a fazer uma pesquisa sobre as razões da escolha da profissão médica pelos alunos do curso de Medicina da UFPR e estes são exemplos dos relatos que eles fizeram: “Meu pai queria ser, mas não pôde.” “Ser visto com admiração.“ “Dá fama de inteligente.“ “Como asmático, era comum na minha infância estar internado com frequência, assim como viver nos consultórios médicos. Sonhava desde muito pequeno em ser médico. Passar para o outro lado da mesa e deixar de ser doente.” “Acho que desde que eu me lembro como gente, eu vivia doente.” Muitas respostas tinham a ver com vocação. O vocábulo “vocação” vem do latim vocatio. É a tendência, propensão ou inclinação para qualquer ofício, profissão, índole, talento, disposição natural do espírito, escolha, eleição, chamamento, predestinação. O termo “vocação” se origina da união de vox (voz) e core (coração) – e significa evocar a voz do coração. O sentido original da palavra é, portanto teológico, pois tem sido o chamamento pelo qual
Deus destina um ser humano a uma função determinada. “Vontade de Deus“ “Acho que fui escolhido...” Da mesma forma, na questão da dor, do sofrimento, da doença e da morte, tornar-se médico significa para alguns ter poder e proteger a si e aos outros da morte e da doença. “Desejo de poder” “Ter poder sobre os seres humanos.” “Auto-defesa” “Buscar a imortalidade.” “Saber curar para não ficar doente, não morrer.” “Ter poder sobre os seres humanos.” “Desejo de evitar a própria morte.” “Buscar a imortalidade.” “Saber curar para não ficar doente, não morrer.” Sempre observei a dificuldade de escrever o relatório da anamnese e do exame físico. Assim, em conjunto com dois alunos monitores voluntários da Propedêutica Médica do curso médico (Nilton Salles Rosa Neto e Bruno Iochio Mori), elaborei um pequeno livro a respeito desse tema, que serve como suplemento à disciplina de Propedêutica Médica. Fica a indicação nas Referências bibliográficas no final do capítulo. [4] Vale ressaltar aqui o papel extremamente relevante que os monitores da disciplina desempenham um papel na formação dos seus colegas nesse momento de grande angústia que os alunos vivenciam. Os monitores retribuem a ajuda que receberam de outros monitores que os ampararam em seu momento de angústia no primeiro contato com os pacientes. O contato com pacientes reais é a melhor forma de aprendizado da medicina, mas os alunos precisam de muito apoio para conseguir vencer a barreira de fazer esse contato. Os monitores, dessa forma, têm condições de entender essas questões melhor do que o professor, pois há menos barreiras entre eles e o alunos, de maneira que conseguem ajudá-los a fazer a anamnese e o exame físico. Concluindo, do meu ponto de vista a disciplina de Propedêutica Médica tem a obrigação de ensinar técnica e forma da anamnese, conteúdo e sequência da realização do exame físico, sendo indispensável o aprendizado entre colegas tanto da anamnese como do exame físico, para então somente os alunos serem liberados para realizar os passos com os pacientes, que são a fonte de inspiração para o aprendizado. Sem dúvida alguma, a relação médico-paciente ou estudante-paciente tem de ser amplamente
debatida, pois é fundamental para o preparo do aluno do curso de Medicina, que tem de ser amparado nesse momento de tanta ansiedade e incertezas da formação médica. Tudo o que fizemos foi uma semente e esperamos possa germinar e ser seguida por outras ações subsequentes, que sejam úteis para futuros médicos, no sentido de prepará-los e qualificá-los para uma melhor assistência médica. Ainda uma última questão: aprender não é um processo passivo. Mesmo que apenas fiquemos diante de um professor absorveremos algo apenas se prestarmos atenção e buscarmos entender, refletindo, meditando, comparando e concluindo. Abandonando a postura passiva e fazendo os questionamentos devidos, o aprendizado será maior e a fixação dos conteúdos será mais efetiva. Ser agente ativo do aprendizado conduz a maior eficiência na aquisição de conhecimento. Atuar como agente passivo é mais confortável e mais cômodo. Porém, esse conforto é prejudicial ao aprendizado e pouco condizente com o nosso potencial de crescimento intelectual. O mundo contemporâneo dominado pelas modernas tecnologias de informação nos permite acessar conteúdos e conhecimentos em fontes diferentes e variadas. Devemos sempre buscar os mestres, os melhores que pudermos encontrar, mas nunca entregar na mão deles a responsabilidade total pelo nosso aprendizado. Assim, ser médico não é um privilégio. Ser médico, ser profissional, nos coloca diante de uma responsabilidade diferente e diferenciadora: a responsabilidade social.
eferências bibliográficas WERNER, Edwenna R.; KOLSCH, Barbara M. Pediatrics, v. 57, n. 3, pp. 321-328, mar. 1976. JEAMMET, P.; RAYNAUD, D. M.; CONSOLIS, S. Psicologia médica. Rio de Janeiro: Messon, 1982. KRAKOWSKI A. J. Stress and the practice of medicine. Psychotherapy and Psychosomatics , v. 42, p. 143-147, 1984. ROSA NETO, Nilton Salles; MORI, Bruno Iochio; CERCI, Mario Sérgio Julio. Como escreve r o relatório de um paciente . Curitiba: Editora da UFPR, 2003.
Mário Sérgio Júlio Cerci Professor Associado da UFPR. Mestre e Doutor em Cardiologia pela UFPR.
Introdução O consultório é o local onde a atividade médica mais depende da relação médico-paciente (RMP) para que a qualidade do atendimento seja excelente. Isso ocorre porque é no consultório que o paciente conta sua história e o médico se dedica a ouvi-la. Em seguida, o médico procede ao exame físico, faz a hipótese diagnóstica, delineia um prognóstico e chega a uma proposta de conduta. O momento da consulta, portanto, é o mais decisivo de todo o atendimento, porque é a partir dele que é desencadeado todo o restante da interação do paciente com o serviço de saúde, como a realização de exames, cirurgias e internamentos. Independentemente de o atendimento ser particular (estabelecido e gerido pelo próprio médico), público ou mesmo em atendimentos de emergência, a função do local no fluxo do atendimento é a mesma: é o local apropriado para a consulta. Sendo a consulta o momento principal do desenvolvimento da RMP, os problemas que podem ocorrer nesse momento causam grande impacto no atendimento. Além disso, muitas vezes, no atendimento médico ambulatorial a consulta é o único procedimento requerido. Ela é o próprio procedimento terapêutico: o médico faz uma proposta de encaminhamento da situação para o paciente executar. Assim, é importante abordar aqui os aspectos característicos da RMP no consultório. Para buscar produzir como resultado tanto o bem como a satisfação das partes envolvidas, é preciso, antes de tudo, uma boa relação entre pessoas.
Uma constatação desconcertante Em 1991, uma equipe de estudiosos de vários países se reuniu em Toronto, Canadá, para elaborar uma declaração de consenso sobre a relação médico-paciente. [1] Infelizmente os dados reunidos de estudos existentes à época demonstraram um quadro desfavorável da RMP no mundo. Por exemplo, em um estudo, houve discordância entre o médico e o paciente em 50% dos casos a respeito de que a RMP foi o principal problema apresentado na consulta. Em outro, o tempo médio entre o início da descrição do problema pelo paciente e a interrupção da sua fala pelo médico foi de 18 segundos. A conclusão da declaração foi que existiam evidências de que a RMP passava por problemas graves, frequentes e que afetavam o prognóstico dos pacientes. Ainda hoje não encontramos evidências de que esses problemas tenham sido superados. No Brasil,
por exemplo, um estudo de 2004 na região de Fortaleza, no Ceará, mostrou um tempo médio de consulta de 9 minutos e uma taxa de apenas 47% de consultas em que o médico verificou se o paciente havia compreendido o plano terapêutico. [2]
Modelo de participação mútua e recíproca Hollander [3] descreveu a relação médico-paciente como tendo três diferentes modelos no âmbito da atividade-passividade dos seus participantes: Atividade-passividade: ocorre nas emergências, na UTI e em outras situações em que o médico necessita tomar as decisões pelo paciente, que se encontra em estado de dependência. Direção-cooperação: em situações de menor dependência do paciente, como internamentos em enfermarias, por exemplo, é necessário que o paciente colabore, e o médico assume uma atitude diretiva. Participação mútua e recíproca: é o modelo de relação que ocorre no consultório. O paciente é independente e será ele próprio que deverá tomar a iniciativa de implantar medidas para a correção do problema. Ou seja, o paciente é quem providencia a compra do medicamento, a organização dos horários de tomada, a marcação dos exames, a realização das medidas preparatórias para os exames. É ele que precisa programar e executar as mudanças de hábitos alimentares, atividade física e inúmeros outros detalhes. Enquanto os outros dois modelos se assemelham à relação de um adulto com uma criança – o de atividade-passividade à de uma mãe com um bebê e o de direção-cooperação o de um adulto responsável com uma criança –, o modelo de participação mútua e recíproca é o de uma relação adulto-adulto.
A assimetria da relação médico-paciente Embora sejam dois adultos, a relação médico-paciente ocorre entre um profissional conhecedor de um assunto e um paciente, ou seja, um receptor de um tratamento. Essa característica impõe uma assimetria entre eles em relação ao conhecimento técnico necessário para tomada de decisões. Essa assimetria se encontra em modificação constante desde que a Revolução Digital passou a transformar o modo como o ser humano obtém informação e conhecimento. Muitos pacientes atualmente consultam a internet antes de consultar o médico, e a capacidade da internet de fornecer boa informação aumenta rapidamente. O conteúdo assim encontrado em pesquisas há pouco tempo podia ser considerado inadequado em sua maioria, o que não é mais a realidade hoje. Por exemplo, em 2005 a prestigiosa revista Nature publicou uma comparação em que a Wikipedia, fonte gratuita de informações na rede mundial de computadores, se equiparava à tradicional Enciclopédia Britannica em confiabilidade. [4] Antes na posição de exclusivo conhecedor, o médico agora é obrigado a procurar novas maneiras
de lidar com as relações de conhecimento e autoridade. Em um exemplo de grande repercussão, Jerome Groopman, professor de medicina da Universidade de Harvard, publicou em 2007 o excelente livro Como os médicos pensam [5], em que ele procura dar aos pacientes formas de abordar os médicos, a partir das quais se torne possível a diminuição da probabilidade de erros. Na contracapa ele declara: “Os médicos precisam desesperadamente que os pacientes, seus parentes e amigos os ajudem a pensar.” Há um confronto de autoridades nas decisões que necessitam ser tomadas por médicos e pacientes. O maior conhecimento determina maior autoridade. Outra assimetria vem do fato de o paciente, e não o médico, ser o receptor e o executor das medidas que forem decididas. Dessa forma, o médico, apesar de conhecer tecnicamente os procedimentos terapêuticos e diagnósticos, não conhece as implicações deles para a vida do paciente. Além de determinar a necessidade de uma negociação entre duas autoridades, a assimetria dificulta a comunicação. Segundo o antropólogo Edward Hall [6], a comunicação pode ter um contexto fraco ou forte. Se for forte, a maior parte da informação está no contexto e não na fala explícita. Nesse caso, para que ocorra uma comunicação efetiva, as partes precisam partilhar pressupostos e compreender mutuamente uma grande quantidade de informações. Os médicos aprendem uma nova cultura no seu treinamento e desenvolvem uma linguagem peculiar com um contexto próprio. Ao comunicar-se com o paciente, precisam transformar contexto em linguagem explícita para serem claros no que dizem. Além disso, de acordo com William Innis [7], a passagem da cultura oral para a escrita envolve abstração e elimina grande parte do contexto. Dessa forma, pessoas na nossa sociedade com baixa vivência da cultura escrita (poucos anos de escola) necessitam de mais contexto para a comunicação. Esse fato impõe uma dificuldade adicional para o médico. Ao expressar-se, ele terá que decodificar o contexto do paciente além de explicitar o contexto médico.
O modelo biomédico não explica a maior parte das queixas em consultório Outra característica da RMP no consultório é o conjunto de consequências do fato de que frequentemente as queixas que os pacientes trazem não podem ser encaixadas em um modelo biológico de doença. O modelo biológico é um paradigma antigo. Paradigma é uma parte do conhecimento científico que é tomada como dada. Segundo Kuhn [8], essa parte do conhecimento é necessária para que os cientistas tenham consenso e possam progredir a partir daí. Quando a comunidade científica chega a um acordo a respeito de determinadas questões daquele campo do conhecimento, os questionamentos sobre o assunto param e forma-se o paradigma. Por exemplo, na medicina assume-se que existem entidades chamadas doenças, que são o objeto do estudo médico. A partir do ponto em que se toma isso como verdade, pode-se passar a estudar as doenças e deixar-se de discutir se elas existem ou não. Segundo o paradigma biomédico, os doentes padecem de doenças que podem ser categorizadas
independentemente das pessoas que sofrem delas. Essas doenças são físicas ou mentais ou psicossom psicos somáticas. áticas. Cada doença tem tem um agente agente causal causal e, dessa des sa forma, forma, descobri-lo descobri -lo é a ação aç ão mais mais proveitosa provei tosa para o doente. doente. Esses conceitos se firmaram na metade do século XIX, quando a medicina passou por um progresso vertiginoso vertiginoso ao perceber a correlação corr elação entre entre manifestações manifestações clínicas clí nicas e anatomia anatomia patológica. Eles se ajustam bem a um conjunto de doenças para as quais considerável alívio foi encontrado, como infecções, alguns cânceres e estados emergenciais em geral. Entretanto, para algumas das queixas mais comuns em consultório, como dor no peito [9], dor abdominal [10] e cefaleia [11], estudos no final do século XX não encontraram diagnósticos específicos especí ficos em 50%, 79% e 73% respectivam r espectivament ente. e. Tome-se o exemplo de uma jovem de 18 anos que procurou atendimento em consultório apresentando queixa de cefaleia. Durante uma semana tinha episódios de sensação de pressão ao redor da região parietal par ietal de segun segundos de duração, mas mas de int intensidade ensidade forte. Desde o início do ano, ela havia perdido perdi do um pouco o ânimo ânimo de sair s air para se s e divertir dive rtir aos finais finais de semana semana e apresentava a presentava também também sonolência e falta de iniciativa em relação ao seu normal, mas de intensidade leve, mantendo seus compromissos normalmente. Também desde o início do ano havia aumentado a frequência de uma cefaleia frontal de fraca intensidade que ocorria em momentos de cansaço e durava entre 4 e 8 horas. Os diagnósticos diagnósticos de episódio episódi o depressivo depres sivo menor e cefaleia tipo tensional tensional foram feitos feitos e foi proposta pr oposta conduta conduta expectante expectante para a depressão, dep ressão, analgesia analgesia e uma uma avaliaçã ava liaçãoo im i magenológica agenológica por causa da mudança recente no padrão da cefaleia. ce faleia. Mesmo Mesmo com a categorização categorização precis p recisaa feita no caso acim a cimaa – depressão depress ão menor menor e cefaleia tipo tensional tensional –, com mecanismos ecanismos propostos para cada c ada uma, uma, a correlação corre lação entre sintom sintomas as e a fisiopatologia é errática. Isso porque não é possível possíve l conferir conferir o sint si ntom omaa com uma uma alteração al teração dem d emonst onstrável rável.. Por exemplo, numa cirrose hepática o paciente se queixa de aumento de volume abdominal e a ascite pode ser objetivam obj etivament entee demonst demonstrada. rada. No caso da cefaleia, cefalei a, o padrão mudou, mudou, mesm mesmoo com os exames exames permanecen permanecendo do normais, normais, e não se pode explicar o porquê. por quê. É possível possí vel que, com o tempo, tempo, uma uma explicação explicaç ão bioquím bi oquímica ica para essa mudança udança da cefaleia seja encontrada, mesmo que a sua causa seja algum fato da vida da jovem que sobrecarregou um pouco mais o seu humor já um pouco abatido. Talvez surja um ensaio para detectar uma substância que permita permita conferir conferir que aquele aquele padrão padr ão de cefaleia é causado c ausado por determinado determinado mecanism mecanismoo químico. químico. No momento, porém, essa e uma grande quantidade de outras queixas apresentadas no consultório possuem essa característica car acterística de não poderem ser correlacionadas correla cionadas com algum alguma alteração fisio fisi o ou anatomopatológica. Em pacientes internados, frequentemente predominam as doenças com alterações anatomopatológicas. A falta de um exame ou uma alteração demonstrável que confirme o sintoma do paciente fragiliza o diagnóstico diagnóstico do médico e a sua posição de detentor detentor do saber sobre as doenças, afetando afetando a RMP.
O método clínico Além de fragilizar o diagnóstico, a insuficiência do modelo biomédico afeta a RMP em mais um
aspecto – o método método clínico, cl ínico, que é a forma forma que os médicos usam para abordar o seu pacient paci ente. e. O método clínico foi aperfeiçoado na mesma época em que a correlação entre sintomas e anatomia patológica teve seu grande impulso impulso no no século XIX. XIX. Nessa Nessa época, époc a, ficou clara a necessidade de que a história clínica clí nica contivesse contivesse a identificação, a queixa principal, a história mórbida mórbida atual, atual, a história mórbida pregressa, etc. Decorre disso o fato de que a abordagem abor dagem em geral geral aprendida atualment atualmentee pelos pel os médicos visa vi sa à descoberta de sintomas que possam ser conferidos com achados anatomopatológicos. Há, portanto, uma seleção dos sintomas: em certo grau, somente interessam esses achados, enquanto os outros são irrelevantes. Embora o método clínico vigente há tantos anos tenha um valor inestimável para a atividade médica, é possível possíve l que essa seja um umaa explicação para o fato fato de os médicos int interromperem erromperem os pacientes que que estão explicando sua sua queixa, queixa, o que se constitu constituii em uma grande grande barreira barrei ra à comun comunicação icação entre entre as duas partes.
Signi Signifi ficado cadoss dos sintomas e das doenças para o doente do ente Ian McWhinney, no seu livro Manual de Medicina Familiar [12], explica que o paciente vem à consulta já munido de um plano. Ele tem seus conceitos sobre a doença, ligados à sua cultura e sua experiência de vida e também também atribui atribui sign si gnificados ificados a seus sint si ntom omas as e às suas int i nterpretações erpretações do que eles possam representar. Enquanto o médico está fazendo perguntas, o paciente está correlacionando o que ele int interpreta erpreta que o médico está pensando com os seu se us próprios pr óprios conceitos e confirmando confirmando ou reformulando o que pensa. Ao ouvir a apresentação do plano médico, o paciente o compara com o seu próprio própri o plano pla no e procura entender entender as a s vantagens vantagens de cada um um,, decidindo deci dindo sobre o que fazer. fazer. Portanto, o médico perde uma grande oportunidade de comunicação ao deixar de investigar os significados dos sintomas e das doenças que o doente vem lhe apresentar. Além disso, esses significados podem conter justamente uma oportunidade de verificação dos sintomas sintomas que não podem ser explicados por alterações anatom anatomo-fisiopatológicas, o-fisiopatológicas, conform conformee mencionado anteriomente. Essa verificação ocorre se o significado atribuído ao sintoma ou à doença pelo pacient paci entee proporciona proporc iona um uma possibili possi bilidade dade de explicação, explicação , permitindo permitindo ao médico médico testar a hipótese de que o sintoma tem origem psicológica ou fisiopatológica ou outra.
O fluxo da entrevista A dificuldade do médico de ouvir o pacient paci entee é provavelm provavel mente ente causada por vários fatores, fatores, mas um dos expostos aqui merece pesquisa a respeito. Além de interromper o paciente precocemente na sua explicação do motivo motivo da consulta, consulta, o médico não segu se guee o fluxo fluxo de ideias idei as do paciente, esclarecendo esclar ecendo o que ele diz, quando ele diz. Por exemplo: – Quando Quando começaram começaram seus seus sintomas? sintomas? – Desde o início do ano. – Você Você atribui o início soment somentee neste neste ano a algu alguma coisa? É diferente de:
– Quando Quando começaram começaram seus seus sintomas? sintomas? – Desde o início do ano. – Como Como é a sua dor? No segun segundo do caso, a pista pis ta sobre o início ficou no no ar e seguiu-se seguiu-se o fluxo fluxo de prioridades prior idades do médico. A prioridade prior idade do médico é definir definir se o doen doe nte tem tem uma doença ou não e, se tem, tem, o prognóstico prognóstico dessa doença é o resultado de uma abstração mental da prioridade “O que o paciente tem, seja ou não uma doença, e qual o prognóstico prognóstico disso”. dis so”.
Implementar mudanças O Consenso de Toronto já em 1991 fazia recomendações que vêm ao encontro das questões colocadas até aqui: Os médicos devem inicialmente encorajar seus pacientes a discutirem suas preocupações principais sem interromperem interr omperem prematuramente prematuramente o seu discurso. Os médicos devem também se esforçar para desvendar as percepções dos pacientes sobre suas doenças e os sentimentos e expectativas associados a elas. Dados suficientes suficient es se acumularam para provar que os os problemas na comunicação comunicação entre médicos e pacientes são extremamente comuns e afetam de forma adversa o manejo do paciente. Repetidamente Repeti damente se tem demonstrado que as habili habilidades dades clínicas clíni cas necessárias necessári as para melhorar estes problemas podem ser ensinadas e que os benefícios subsequentes para a prática médica são demonstráveis, demonstráveis , realizáveis realiz áveis rotineiramente rot ineiramente e duráveis... durávei s... Se o conhecimento atual for implementado na prática clínica e as prioridades para a pesquisa forem abordadas, poderá haver melhora concreta na relação médico-paciente. médico-pacient e. (Tradução do autor)
Mais de du d uas décadas dé cadas depois é certam cer tament entee angust angustiant iantee observar obse rvar que não não parece par ece ter havido qualquer qualquer progresso. Entretant Entretanto, o, o problema pode ser olhado sob nova luz luz ao estudarm estudarmos os as evidências evi dências recentes sobre o assun as sunto to da im i mplantação plantação de melhorias melhorias.. A partir do bombástico relatório To err is human: building a safer health system [13], de 1999, do nstitute of Medicine dos Estados Unidos, um grande esforço de pesquisa foi desencadeado em todo o mundo a respeito da segurança e qualidade no atendimento médico. Um dos assuntos centrais dessas pesquisas foram os motivos motivos pelos quais alguns alguns conheciment conhecimentos os bem be m estabelec estabelecidos idos pela ciência não são in i ncorporados corpora dos à prática clínica c línica dissemin di sseminadam adament ente. e. Tome-se um exemplo semelhante ao que é estudado neste capítulo: o do uso de beta-bloqueadores em pacientes que tiveram infarto agudo do miocárdio. Um estudo publicado no ano 2000 mostrou que a porcentagem de pacientes que tiveram prescrição desses medicamentos nos hospitais americanos foi de 36% 36 % em hospitais hospitais não envolvidos em ensino ensino médico, médico, 40% em hospitaishospitais-escola escola menores e 49% 49 % em grandes grandes hospitais-escola. hospitais-es cola. [14] Ao mesmo tempo foi determinado que forte evidência do benefício desses agentes estava disponível na literatura desde 1984.
Esses dois problemas – o da melhoria da RMP e o do uso do beta-bloqueador no infarto do miocárdio – têm em comum o fato de que a dificuldade não está em estabelecer evidências sobre a melhor maneira de lidar com uma questão, mas em como implantar o que as evidências apontam na prática dos médicos. Uma maneira de abordar esses problemas seria fazer hipóteses sobre as possíveis causas da resistência existente à implantação do conhecimento existente. No caso dos problemas descritos para a RMP é possível que os médicos não consigam implantar as mudanças por vários motivos, entre os quais: O aumento de tempo necessário para investigar queixas adicionais às que já são vistas pode ser uma barreira à aceitação por médicos já sobrecarregados no seu tempo com o paciente. A insegurança dos médicos quanto ao seu preparo para abordar problemas psicológicos, familiares ou sociais pode impedi-los de perguntar sobre queixas que possam levar a esses problemas. A inexistência de um ganho econômico previsto ao se efetuar as mudanças dificulta a realização da grande carga de trabalho necessária para programá-las e torná-las realidade. Para cada uma dessas hipóteses, pesquisas poderiam ser feitas para determinar o quanto elas contribuem proporcionalmente, formando assim um maior conhecimento do problema. Entretanto, os problemas podem ser heterogêneos em lugares diferentes, complicando ainda mais a sua avaliação. Como alternativa, surgiram – ou foram adaptadas de outras áreas para as questões específicas do atendimento médico – as metodologias para a implantação de melhorias. Algumas dessas metodologias são usadas hoje para abordar os problemas de implantação de medidas baseadas em evidências científicas em ambientes de trabalho: o Model for improvement , propagado pelo IHI ( Institute for Healthcare Improvement ), o Six Sigma’s DMAIC e o 7-Step Problem-Solving Method são exemplos. O que essas metodologias propõem é que hipóteses sobre as causas da não implantação das melhorias como as que estão descritas acima sejam usadas para formular ações locais de melhoria, levando-se em conta as peculiaridades de cada serviço. Além disso, o efeito das ações implantadas precisa ser medido de maneira que se possa verificar se as medidas são efetivas e adotar outras, se necessário, até que um alvo preestabelecido seja atingido. Foi por meio desse tipo de metodologia que se chegou ao que hoje chamamos de feixes de medidas – tradução mais usada para o termo inglês bundles –, conceito recente de que certas melhorias só são atingidas quando se implanta um conjunto de ações como um pacote completo. A falta de qualquer das medidas do pacote costuma frustrar os esforços. Essas abordagens têm conseguido resultados antes considerados impossíveis, como trazer a zero a incidência de pneumonias associadas à ventilação-mecânica ou a de sepse relacionada a cateter em certos hospitais por longos períodos.
Conclusão Sumarizando, o consultório é o local onde a relação médico-paciente mais exige perícia por parte do médico, por ser uma relação de participação mútua e recíproca, exigindo grandes habilidades de comunicação para o sucesso da relação. Além disso, as queixas apresentadas em consultório com grande frequência não se encaixam em explicações fisiopatológicas, expondo o médico a dificuldades adicionais na RMP. Diante dessas dificuldades, o desempenho dos médicos, historicamente deficiente, não tem obtido sucesso em atingir melhorias significativas. Entretanto resultados promissores em outras áreas da medicina, de dificuldade comparável, lançam esperança de se encontrarem as soluções adequadas. Conta-se que Jean-Martin Charcot, um dos maiores médicos-cientistas do século XIX, saía de seu consultório numa noite fria em Paris. Contava com um guarda-chuva e galochas para enfrentar a neve, quando uma rica carruagem parou a seu lado e seu ocupante lhe disse: “entra aqui, professor, que eu o levo até a sua casa.” Mais aquecido dentro da carruagem, o professor descobriu que seu benfeitor, Pierre, era o jovem que anteriormente lidava com os cadáveres usados para o ensino na Faculdade de Medicina e que sua fortuna vinha de seu trabalho como médico na periferia da cidade. Intrigado, perguntou a ele como poderia alguém que nem era médico ganhar mais que um detentor de títulos de doutor honoris causa pelas maiores universidades do planeta. Como resposta, o jovem mostrou a ponte sobre o rio Sena e disse: “Quantas pessoas o senhor acha que passam sobre aquela ponte por dia?” “Milhares”, ele respondeu. “E quantas delas o senhor acha que têm capacidade para distinguir entre mim e o senhor?” Esta historieta sugere que, além da competência técnica, a relação médico-paciente também é necessária para o sucesso médico. Convenientemente ela ocorre com um dos representantes da época em que surgiu o método clínico atual e, portanto, que possa servir para lembrar que há possibilidade da prática médica mudar de paradigma e evoluir também nesse aspecto, à semelhança do que tem evoluído em muitos outros campos.
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Bruno Spadoni Residência de Clínica Médica pela UFPR. Médico internista no Hospital Marcelino Champagnat (PUCPR). Médico do Tribunal de Contas do Paraná.
Maurício Laroca Médico do Hospital de Clínicas da UFPR. Residência de Clínica Médica pela UFPR. Médico do Tribunal de Contas do Paraná.
Introdução e conceito A prática médica mudou e permanece em constante mudança (de fato, com velocidade cada vez maior) nos últimos anos. Ao considerar a relevância e as dificuldades do ato médico (seja pela consulta em si, pela realização de exames de alta tecnologia, diversos procedimentos ou cirurgias), nota-se que a relação médico-paciente constitui o universo de trabalho da Medicina e envolve regras e compromissos, limitações, erros e acertos de ambas as partes. Até algumas décadas atrás, a relação médico-paciente (RMP) seguia um modelo paternalista no qual se esperava do paciente obediência, confiança e gratidão; e do médico se ansiava autoridade e cumprimento dos seus deveres profissionais. A busca pela valorização do envolvimento entre o médico e o paciente trouxe também para a superfície o debate sobre a importância do humanismo nessa relação. [1] Pode-se conceituar, de modo bastante pessoal, a RMP como uma parceria entre o médico e o paciente que visa à personalização da assistência médica, a humanização do atendimento, o direito à informação e o consentimento informado do paciente em relação a atitudes diagnósticas e terapêuticas.
Modelos de relação médico-paciente Em 1972, Robert Veatch, da Universidade Georgetown, definiu quatro modelos de relação médico paciente: [2] Modelo Sacerdotal: é o mais antigo. Propõe a completa submissão do paciente ao médico, sem valorizar a cultura e opinião do paciente; há pouco envolvimento (relação) e a decisão é tomada somente pelo médico em nome da beneficência. Modelo Engenheiro: é o inverso do sacerdotal. Nesse modelo, o médico tem a função de informar e executar procedimentos. A decisão é inteiramente tomada pelo paciente. O médico tem uma atitude de acomodação (‘’lava suas mãos’’) e possui baixo envolvimento
com o problema clínico apresentado pelo paciente. Modelo Colegial: há envolvimento substancial entre o médico e o paciente. O poder de decisão é compartilhado de forma igualitária através de negociações e não há relação de superioridade/inferioridade. Modelo Contratualista: é talvez o mais adequado. O conhecimento e as habilidades do médico são valorizados, preservando sua autoridade. Existe a participação ativa tanto do paciente quanto do médico. Por causa dessa interação, há uma efetiva troca de informações e comprometimento de ambas as partes. A RMP pode ser entendida, portanto, como interação. Este último termo pode ser percebido como uma “relação profissional de saúde-cliente”. O termo cliente, em vez de paciente (este, preferido pelos autores deste capítulo), pode ser empregado num sentido mais dirigido ao contexto institucional, assim como para caracterizar a visão do paciente como sujeito ativo e coparticipante do encontro terapêutico. Além disso, muitas vezes o cliente (aqui no sentido daquele que busca a ajuda) não é propriamente o paciente (no sentido de quem necessita de tratamento), podendo ser o seu responsável imediato, como nos casos de consultas pediátricas, geriátricas, de emergência, etc. [3]
A ciência e a arte da medicina A medicina não é apenas ciência. É também arte. O avanço tecnológico e o acesso à informação, especialmente na área biológica, proporcionaram a perda de espaço da subjetividade, colocando a RMP em segundo plano. O advento da genética e da biologia molecular, de novas e sofisticadas técnicas de imagens e avanços na bioinformática e na tecnologia de informação contribuíram para a explosão científica que mudou o modo como os médicos definem, diagnosticam, tratam e previnem as doenças. [4] Outra razão importante para o enfraquecimento da RMP se encontra na divisão da medicina em especialidades e ao modo de trabalho vigente, uma vez que o ensino médico mantém como paradigma a concepção do organismo humano como um conjunto de órgãos que deve ser estudado cada um por diferentes especialistas. [5] Além disso, a ausência de políticas públicas eficazes, a deterioração dos serviços de saúde e das relações de trabalho, as deficiências do ensino médico, entre outros fatores, geram problemas que poderiam ser evitados. [6] Quando o paciente apresenta um problema que desafia o conhecimento clínico, o médico deve ser capaz de identificar os elementos principais para o diagnóstico através da anamnese e do exame físico; requisitar os testes laboratoriais e de imagem mais apropriados para o caso; e extrair de todos esses elementos aqueles que sejam determinantes para a resolução. A partir daí, pesar os riscos e os benefícios do tratamento, seja ele clínico (farmacológico ou não) ou cirúrgico. Ainda, refletir se naquele momento o paciente necessita apenas de observação criteriosa e vigilância. E aproveitar todas as oportunidades para exercer a prevenção de doenças e a promoção da saúde. Essa combinação de conhecimento médico, intuição, experiência e julgamento define a arte de exercer a
medicina. [4]
Algumas sugestões para a boa prática da RPM 1. Exercício da medicina baseada em evidências Baseia-se no conceito de que as decisões clínicas devem preferencialmente ser suportadas por dados formais, objetivos, derivados de estudos prospectivos, randomizados, controlados, com fonte de financiamento claramente explicitada. Ao seguir a medicina baseada em evidências, o médico tem um pouco facilitada a adoção das máximas de “primeiro não causar dano” e de “não ser o primeiro ou o último a adotar determinado teste diagnóstico ou método de tratamento”. [4] 2. Consultar as principais diretrizes e protocolos existentes Organizações profissionais (como a Associação Médica Brasileira, por exemplo) e governamentais (Ministério da Saúde) desenvolvem periodicamente guias práticos para auxiliar decisões terapêuticas e diagnósticas que são baseadas na melhor evidência, no equilíbrio de custo-efetividade e que sejam mais apropriadas para um determinado paciente e situação clínica. Essas diretrizes podem também “proteger” os pacientes, ao demandar um cuidado padrão ( standard ) mínimo de saúde, fato importante para aqueles com dificuldades de acesso pleno ao sistema de saúde. Entretanto, devem ser utilizadas dentro do contexto individual de cada paciente, e o conhecimento e a experiência de cada médico devem ditar a palavra final na decisão clínica. [4] 3. Particularizar o cuidado do paciente idoso Na década de 2020, a parcela de idosos na população brasileira passará dos atuais 11% para 14,6%. Já em 2040, os indivíduos com 60 anos ou mais de idade representarão mais de 27% dos brasileiros. Em termos absolutos, o número de habitantes nessa faixa etária deixará o patamar atual de cerca de 21 milhões de pessoas, para beirar os 30 milhões em 2020, chegando a ultrapassar a marca dos 55 milhões de indivíduos em menos de três décadas. (Fonte: Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os problemas de saúde do idoso, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado e equipes multidisciplinares. Na RMP, a atenção deve ser dirigida para condições clínicas prevalentes, como abordagem da depressão, demência, fragilidade, incontinência urinária e também de prevenção de fraturas, entre outras. [4] 4. Adquirir competência em situações de doenças graves, incuráveis e terminais Entre os vários protocolos existentes, o de Buckman, publicado em 1992 [7], ainda é um dos mais utilizados para a comunicação de más notícias aos pacientes. Para promover a melhor RMP possível nessas situações, um acrônimo de 7 passos é empregado (PSPIKES): P ( preparation ), prepare a comunicação mentalmente; S ( setting up), preparação da entrevista, tanto a escolha do lugar ideal como a forma de se apresentar ao
paciente; P ( perception), consiste em avaliar o que o paciente e sua família já conhecem sobre sua doença e a percepção que têm dela; I (invitation and information ), avaliação de até que ponto o paciente deseja saber de sua condição, para que o médico não ultrapasse o limite do paciente e transmita detalhes que este não desejava ouvir; K (knowledge), o momento em que o médico transmite, de fato, a má notícia. É indicado que não se usem palavras técnicas e sim termos de fácil compreensão para o paciente e que se transmita a verdade; E (empathy), fase em que se trabalham as reações emocionais do paciente de forma empática. Por fim, o sexto passo, S ( strategy and summary), seria o momento de apresentar e discutir o plano terapêutico e o prognóstico, alimentando expectativas reais e considerando a autonomia do paciente na escolha do tratamento. [8]
Aspectos jurídicos da RPM Qual a natureza da relação entre o médico e o paciente em geral? Alguns juristas veem apenas uma relação contratual, isto é, entre o médico e o paciente celebra-se um contrato de prestação de serviço profissional; outros admitem duas feições: a contratual e a extracontratual (delitual). Quando um paciente procura os cuidados de um profissional da Medicina, fica claro o caráter contratual da relação que se estabelece. Quando, no entanto, o médico atende uma emergência, quando sequer conhece o paciente ou quando o paciente, por mais de um motivo, não pode expressar seu consentimento, não há como falar-se em vínculo contratual; contrato não há. [9] Essas feições do atendimento médico em nada interferem com os aspectos da responsabilidade legal. Se o médico, em qualquer dessas situações, age com imprudência, com negligência ou com imperícia, comprometendo a vida ou a saúde de seu paciente, envolve-se na má prática: é o ato ilícito, em sua forma culposa. [9] De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo a partir de cerca de 12.000 denúncias registradas entre 1995 e 2001, as principais queixas relacionadas à RMP foram: discussão (descontrole emocional); má-conduta (desrespeito com pacientes e familiares, assédio, não elaboração de relatório médico quando solicitado); agressão (física, verbal ou moral); discriminação (racial, social, religiosa, etc.); divergências (não aceitação de exames, laudos e atestados). [9]
Aspectos éticos da RMP Em vigor a partir de 13 de abril de 2010, o sexto Código de Ética Médica [10], do Conselho Federal de Medicina, em seu capítulo V, que trata da relação do médico com pacientes e seus familiares, tem como principais destaques: É vedado ao médico: Art. 31 Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de
morte. Art. 32 Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Art. 33 Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo. Art. 34 Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Art. 35 Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos. Art. 36 Abandonar paciente sob seus cuidados. § 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. § 2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos. Art. 37 Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Art. 38 Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais. Art. 39 Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal. Art. 40 Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza. Art. 41 Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Art. 42 Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada
método.
Atitudes do médico para melhorar a RMP [6] A atitude principal é realizar uma boa anamnese (do grego anamnesis, significa “recordação”), que consiste na história clínica do paciente, ou seja, é o conjunto de informações obtidas pelo médico por meio de entrevista previamente esquematizada. 1. A RMP implica na presença de certos elementos no desdobrar da interação, tais como: um cumprimento, um sorriso, senso de humor, atenção, gentileza, demonstração de interesse, desejo de ajudar, suspensão de julgamentos e comentários pessoais. 2. Prestar atendimento humanizado, marcado pelo bom relacionamento pessoal e pela dedicação de tempo e atenção necessários. 3. Saber ouvir o paciente, esclarecendo dúvidas e compreendendo suas expectativas, com registro adequado de todas as informações no prontuário. 4. Explicar detalhadamente, simples e objetivamente, o diagnóstico e o tratamento para que o paciente entenda claramente a doença, os benefícios do tratamento e também as possíveis complicações e prognósticos. 5. Após o devido esclarecimento, deixar que o paciente escolha o tratamento sempre que existir mais de uma alternativa. Ao prescrever medicamentos, dar a opção do genérico, sempre que possível. 6. Atualizar-se constantemente por meio de participação em congressos, estudo de publicações especializadas, cursos, reuniões clínicas, fóruns de discussão na internet, etc. 7. Ter consciência dos limites da Medicina e falar a verdade para o paciente diante da inexistência ou pouca eficácia de um tratamento. 8. Estar disponível nas situações de urgência, sabendo que essa disponibilidade requer administração flexível das atividades. 9. Indicar o paciente a outro médico sempre que o tratamento exigir conhecimentos que não sejam de sua especialidade ou capacidade, ou quando ocorrerem problemas que comprometam a relação médico-paciente. 10. Reforçar a luta das entidades representativas da classe médica (Conselhos, Sindicatos e Associações), prestando informações sobre condições precárias de trabalho e de remuneração e participando dos movimentos e ações coletivas.
Atitudes do paciente para melhorar a RMP [6] 1. Lembrar-se de que, como qualquer outro ser humano, o médico tem virtudes e defeitos, observando que o trabalho médico é uma atividade naturalmente desgastante.
2. Considerar cada médico principalmente por suas qualidades, lembrando que em todas as áreas existem bons e maus profissionais. Ter claro que o julgamento de toda a classe médica por conta de um mau médico não faz sentido. 3. Não exigir o impossível do médico, que só pode oferecer o que a ciência e a Medicina desenvolveram. Da mesma forma, jamais culpar o médico pela doença. 4. Respeitar a autonomia profissional e os limites de atuação do médico. Ele não pode ser responsabilizado, por exemplo, por todas as falhas dos serviços de saúde, muitas vezes sucateado por seus gestores. Nesse sentido, é direito do paciente denunciar e reivindicar para que o Estado cumpra sua obrigação. Existem órgãos competentes para isso, como os Conselhos de Saúde e o Ministério Público, além da direção dos próprios serviços. Não exigir dos médicos exames e medicamentos desnecessários, lembrando que o sucesso do tratamento está muito mais na relação de confiança que se pode estabelecer com o médico. 5. Seguir as prescrições médicas (recomendações, dosagens, horários, etc.) e evitar a automedicação. 6. Ter consciência dos seus direitos.
uplemento OVAS ESTRATÉGIAS PARA ENSINO NAS ENFERMARIAS - SUGESTÕES PARA O INTERNISTA Gibran Avelino Frandoloso Mudanças no ambiente de aprendizado clínico ocorridas nos últimos anos nos Estado Unidos, mas também em nossos hospitais brasileiros, têm motivado tentativas de mudanças no processo de ensino médico nas enfermarias. Além das mudanças estruturais ora observadas, o grupo de médicos atualmente em treinamento nos hospitais, conhecida como Geração Y, possui diferentes afinidades com o ensino, mormente representadas por maior uso de tecnologia, aprendizado interativo e em grupos. Um processo mnemônico para essas novas estratégias propostas para ensino nas enfermarias (FUTURE) será apresentada na sequência. Essa estratégia tem por objetivo melhorar ou facilitar o aprendizado em todos os momentos de ensino ou assistência a pacientes nas enfermarias. Nesse novo contexto a figura do Médico Hospitalar (Hospitalista) tem papel importante, senão fundamental, no ensino médico. Uma das estratégias descritas acima para motivar o ensino nesse novo momento é utilizar modelos diferentes de ensino. Um desses modelos, focado especialmente na participação do Médico Internista (Hospitalista) no ensino nas enfermarias é denominado com o acrônimo inglês FUTURE, sendo assim explicado: F = Flipping the Wards. Consiste em orientar palestras, indicar leituras e materiais para estudo individual e solicitar “tarefas de casa”, encorajando o uso de trabalho em grupo para discussão interativa. Exemplos: enviar artigos por e-mail depois das visitas e discutir no dia seguinte. Compartilhar artigos por meio da “nuvem” (ex.: Dropbox). Utilizar chats para discussão de temas fora do período letivo. U = Using Documentation to Teach . Consiste em usar um chat ou blog para educação e estruturas modelo para documentação, com uso destas para ensino. Exemplos: documentar seu processo de raciocínio diagnóstico ou terapêutico nas notas de visita (escritas em prontuários de papel ou eletrônicos). Usar os prontuários para prover reavaliações da documentação dos casos e melhorar a comunicação. T = Technology-Enabled Teaching . Consiste em utilizar a tecnologia (aparelhos e aplicativos) para melhorar o ensino à beira do leito e propiciar discussões interativas. Exemplos: usar aplicativos de smartphones e tablets para esclarecer ou lembrar pontos em discussão (ex.: usar calculadoras de prognóstico). U = Using Guerrila Teaching Tactics . Consiste em explorar o ambiente das enfermarias (suas características e complexidades) para facilitar ensino de pontos didáticos.
médico tem de provar a todos que é um profissional bondoso e bem intencionado em ajudar, ainda que envolva orientações baseadas no senso comum. Os acadêmicos de medicina em aprendizado da Semiologia muitas vezes incorrem no erro de praticar a função apostólica por não saberem o que fazer diante de pacientes que choram ou se queixam de situações trágicas. Cabe aos estudantes buscarem a tranquilidade de uma escuta atenciosa e não a pressa de falar palavras vagas e muitas vezes não verdadeiras, como por exemplo dizer a um paciente terminal que ele vai ficar curado de sua doença. Outro ponto importante a ser colocado para a compreensão do estudante de medicina é que deve sempre estar atento à sua própria saúde física e mental. O acadêmico é um profissional de saúde cronicamente exposto a situações estressoras não apenas em relação às demandas do paciente e do curso de Medicina, mas também no que diz respeito a relações interpessoais com os membros da equipe multiprofissional, os professores e colegas [6] [7]. Esse contexto pode resultar em uma síndrome psicológica descrita no final do século XX, a chamada síndrome de Burnout. A síndrome reúne os sinais e sintomas relacionados à tríade de despersonalização, exaustão emocional e diminuição da realização pessoal. As manifestações são orgânicas e psíquicas e incluem cansaço, desmotivação, irritabilidade, frieza na relação com as pessoas e frustração profissional com falta de perspectivas para o futuro. A síndrome de Burnout provoca repercussões não apenas no meio profissional, mas também no convívio do estudante com os familiares, amigos, namorado(a), acarretando um desajuste completo dos meios social e profissional em que está inserido. Dessa forma, é importante o desenvolvimento de mecanismos de defesa adequados no intuito de lidar com os diversos fatores de risco a que o estudante está exposto no cotidiano, objetivando prevenir o desenvolvimento da Burnout e as manifestações a ela relacionadas [6] [7]. Nesse contexto, o conceito de coping faz-se importante, na medida em que atua como fator de proteção à síndrome de Burnout. Consiste no conjunto de estratégias utilizadas para que o indivíduo consiga adaptar-se às situações estressoras. Uma das formas mais conhecidas de coping é a utilização da comunicação interpessoal objetivando compartilhar com outras pessoas as situações e sentimentos angustiantes vivenciados pelo profissional durante experiências adversas. Atividades físicas e de lazer também configuram importantes possibilidades de atuação como mecanismos de defesa a fatores estressores, atuando como coping [6][7] . Ainda, os chamados Grupos Balint, com essência semelhante aos seminários de discussão realizados por Michael Balint na Clínica Tavistok, em Londres, são realizados de maneira curricular e extracurricular em diversas universidades no Brasil e no mundo, configurando mais uma alternativa de coping para os profissionais de saúde. Finalmente, é necessário que o estudante de medicina compreenda que se encontra em processo de aprendizagem. O paciente é capaz de notar quando está diante de um profissional sincero, sendo de suma importância que o acadêmico reconheça suas limitações e esteja sempre sob preceptoria, para que possa ter suas dúvidas esclarecidas. Termos como “não sei”, “precisamos estudar melhor”, “vou perguntar ao professor” são nobres, e ao contrário do que pensa o estudante podem contribuir para que o paciente não se sinta enganado e tenha uma transferência positiva.
Exemplo: ensinar a partir do que é visto e feito diariamente nas enfermarias (ex.: discussão sobre remoção de cateteres de Foley; higiene de mãos; indicações para isolamento de contato; reconciliação medicamentosa). Checklists e medidas de qualidade incorporados às visitas. R = Rainy Day Teaching . Consiste em separar pontos importantes a serem ensinados para dias com menos tarefas assistenciais (“rainy days”). Exemplo: não discutir assuntos relevantes em pós-plantões ou períodos com alta necessidade de assistência. Designar outros membros da equipe para buscar informações sobre os tópicos discutidos e retornar para discussão no dia seguinte. E = Embedding Teaching Moments into Rouds . Consiste em criar a expectativa de aprendizado em cada visita médica nas enfermarias. Exemplos: voltar a focar a visita médica na avaliação de pacientes, com ênfase em revisão de história, exame físico. Discutir diariamente os exames complementares, explorar um eletrocardiograma ou discutir uma questão pontual (por exemplo: uma questão do MKSAP – Medical Knowledge Self-Assesment Program). Outros modelos que permitem rever o ensino nas enfermarias podem ser utilizados e até estimulados a partir da realidade brasileira, mas certamente devem ser mais dinâmicos e fugir das aulas expositivas como estrutura básica. Resgatar a Semiologia Médica, com ênfase na excelência da história clínica, do exame físico e no uso racional e competente da tecnologia são, além de necessidades desse processo de ensino, responsabilidade social médica, em face de um sistema que despersonaliza o paciente e coloca ênfase excessiva no uso de tecnologias, muitas vezes sem a base lógica que sustenta sua utilização. Educar essa geração e as próximas nesse ambiente em constante mudança exige de nós, médicos e professores, adaptações rápidas e vontade de desafiar nossa tendência a manter o modelo atual ou aquele ao qual estejamos mais adaptados. Adaptado de: MARTIN, S. K.; FARNAN, J. M.; ARORA, V. M. New strategies for hospitalists to overcome challenges in teaching on today’s wards . Department of Medicine, University of Chicago, Chicago, Illinois. J Hosp Med. 12 jun. 2013.
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Gibran Avelino Frandoloso Professor de Clínica Médica da UFPR e PUCPR. Supervisor do Programa de Residência em Clínica Médica da UFPR. Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Grupo Marista (PUCPR). Membro do American College of Physician e American Association of Family Physicians .
Maurício de Carvalho Professor Adjunto de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná. Vice-chefe do Departamento de Clínica Médica da UFPR. Professor Titular de Nefrologia da PUCPR. Research Fellow em Nefrolitíase pela Universidade de Chicago (EUA).
Introdução A relação do médico com o paciente na emergência carrega muitas expectativas. Cabe ao profissional conhecer as influências do ambiente, do quadro clínico, da equipe e da estrutura para obter os melhores resultados na abordagem com os pacientes. Diferentemente de um médico que atende em seu consultório, a situação no ambiente de emergência é mais desafiadora, uma vez que o médico não foi escolhido e, sim, imposto. O encontro com o desconhecido num ambiente hostil demanda que o profissional compreenda as prioridades do paciente. Entre as mais frequentes estão: saber o que ele tem, obter alívio de um sofrimento ou esclarecer dúvidas sobre a necessidade de um procedimento invasivo para diagnóstico. Por sua vez, o paciente atendido numa situação de doença aguda desejaria encontrar um médico conhecido e de confiança naquele momento. Embora saiba que nem sempre será possível, deverá confiar em um profissional que muitas vezes nunca viu antes. Com esses desafios, temos de estar preparados e conhecer os aspectos que influenciam na relação médico-paciente na emergência é de extrema utilidade.
O cenário 1. Ambiente de pronto-socorro A realidade de estar num ambiente hostil e de aparente caos em alguns momentos exige atitudes proativas. A estrutura hospitalar e a equipe de enfermagem podem facilitar ou prejudicar a atuação do médico, uma vez que nesses ambientes a agilidade e a condição técnica da estrutura serão decisivas para o desempenho do médico diante dos quadros agudos de pacientes no pronto-socorro. O médico é um dos componentes da equipe de emergência e deve estar ciente de que a qualidade da relação médica dependerá também das ações de outros membros da equipe. Portanto, se as ações não ocorrerem de maneira adequada, irão refletir na relação com o paciente. Esse aspecto deve ser motivo de uma atenção especial que o médico da emergência precisa controlar e saber como prevenir. CASO EXEMPLO - PROBLEMA 1
Uma paciente de 45 anos chega ao pronto-socorro com sintomas de dor abdominal. Após anamnese e exame físico, o médico percebe que não existem sinais de gravidade e a dor é suportável. Para investigação, solicita exames de sangue e um exame de ultrassonografia. Após 30 minutos, o médico recebe a informação de que o setor de ecografia está superlotado com casos graves e que o exame demorará mais de 1 hora. Com essa informação, uma ação proativa do médico seria: informar à paciente e seus familiares de que existe uma sobrecarga de exames prioritários e que, conforme ele avaliou o caso em questão, poderá esperar e que se houver alguma mudança receberá uma reavaliação. Obviamente ninguém fica muito satisfeito em esperar mais do que o necessário, mas essas situações são muito comuns. A informação recebida pelo médico e transmitida ao paciente ajudará muito para amenizar essa insatisfação, ou seja, passar uma mensagem de que tudo está sob controle, apesar da demora na realização do serviço. Também mostrará que o médico está atento e preocupado com a espera, mas isso não vai acarretar um problema maior para a paciente. 2. A sobrecarga de trabalho em ambiente de stress O tempo para um doente fragilizado e com desconforto agudo é percebido como muito lento. Cinco minutos parecem cinco horas. A ansiedade e o medo da doença podem gerar uma consequência de maior gravidade, como morte ou sequela grave, trazendo muita angústia e pressão ao profissional. O atendimento médico no pronto-socorro é como procurar um rosto na janela de um trem em movimento. Um vagão passa após o outro. Se você se distrair ou ficar desatento, corre o risco de perder a pessoa. Ou, se o trem ganhar muita velocidade, os rostos começam a ficar borrados e você não consegue ver quem está procurando. Essa metáfora citada na obra Como os médicos pensam, de Jerome Groopman, retrata o desafio do médico da emergência que está diante de muitos casos durante um plantão e que muitas vezes não são graves, mas se o a tendimento for rápido demais ele poderá deixar passar um diagnóstico de maior gravidade e causar prejuízo a um paciente, liberandoo do pronto-socorro ou internando-o num quarto quando deveria estar na Unidade de Terapia Intensiva. Nas emergências, os médicos trabalham em forma de plantões, que muitas vezes se estendem por mais de 12 horas. O número de pacientes atendidos por médico aumenta e, consequentemente, o desgaste por cansaço será um fator a ser administrado pelo profissional. Para os jovens médicos, conhecer seu limite é fundamental. Nem todos são bons profissionais para trabalharem em emergências, e aqueles que são devem tomar as precauções para não serem vitimas do stress profissional. CASO EXEMPLO - PROBLEMA 2 Criança com 9 meses de idade estava irritada e não se alimentara bem durante o dia. Em casa
eliminou fezes escuras e mal cheirosas, diferentemente do habitual. Com essa história, foi avaliada por um pediatra que liberou a criança dizendo que não seria nada preocupante. Após algumas horas em casa a criança estava grunhindo e levando as pernas até o peito. Chegando a outro hospital foi constatada uma obstrução intestinal. O primeiro pediatra havia feito uma avaliação apressada e achou que as informações dadas pelos pais não eram confiáveis, uma vez que eram pais de primeiro filho. Reconhecer padrões na pediatria começa pelo comportamento da criança, algo que todo pediatra deve treinar, uma vez que as informações não são transmitidas diretamente pelo paciente e sim pelos pais. Ou seja, crianças que estão sorrindo e brincando enquanto seus pais contam de uma forma exagerada aquilo que é normal faz com que o pediatra fique mais tranquilo, e o contrário também é verdadeiro. A precisão da percepção é maior quanto mais tempo o médico dedicar-se a ouvir a história dos pacientes. Para evitar tais armadilhas, concentre-se em cada paciente e aprenda a conhecer o seu limite de trabalho, especialmente perto do final dos turnos de plantão.
O paciente As principais expectativas dos pacientes quando vão a serviços de emergência devem ser conhecidas pelos médicos, dessa forma poderemos ser mais assertivos na nossa abordagem, característica que na emergência é fundamental e distingue os profissionais que melhor se sairão no contato com os pacientes. As perguntas abaixo devem ser respondidas pelos médicos quando atendem um paciente na emergência, mesmo que elas não sejam expressas por eles. Alguém com deficiências de comunicação ou cognição pode ter dificuldades até mesmo de torná-las conscientes, mas, se o médico apresentar as respostas, certamente serão entendidas pela mensagem que passarão. No livro A nova consulta, de David Pendleton, são propostos os itens a seguir como sendo os principais questionamentos dos pacientes: O que é que eu tenho? Quanto tempo vai durar? Qual foi a causa? Como me afetará e já está me afetando? Pode ser curado ou controlado? Devemos saber que todos os pacientes têm tais questionamentos, mas nem sempre estão claros, uma vez que todos sofrem influências de elementos que englobam questões físicas, psicológicas e sociais que interagem entre si. Esses fatores afetam a relação médico-paciente, logo o médico que ignora tais elementos não será bem sucedido. As questões acima, influenciadas pelas crenças sobre saúde, explicam a origem das expectativas. Sabendo disso, podemos alinhar nossas ferramentas para melhorar a relação médico-paciente. A
satisfação do paciente nessa relação é diretamente proporcional ao fato de o médico: prestar informações, especialmente sobre o problema, sua importância e seu tratamento; construir uma parceria, por exemplo, por meio do encorajamento do paciente para falar e do questionamento sobre suas ideias e opiniões; expressar-se positivamente: uma “fala positiva”, expressando concordância, dando apoio, confirmando e mostrando entendimento e preocupação. CASO EXEMPLO - PROBLEMA 3 O filho de uma senhora de 88 anos liga para o médico da família informando que ela está com sudorese, dor torácica, e a pressão aferida em casa está muito alta. O médico de família, preocupado com as informações, orienta o filho a levar sua mãe imediatamente ao serviço de emergência mais próximo, e que após ser atendida peça ao plantonista para se comunicar com ele. Após a paciente ter sido atendida, o filho pede ao plantonista para entrar em contato com o médico da família, que poderá lhe informar tudo sobre a condição médica da paciente. O plantonista evita fazer este contato, afirmando que não tem tempo e que fará exames na paciente a fim de descobrir o que está acontecendo. Com isso, o filho se sente inseguro e contrariado. A atitude do médico da emergência quebrou a relação de confiança entre a família e ele, pois nesse caso um pedido do filho para que recebesse as informações do médico da família e que conhecia a saúde da paciente foi visto como não querer ouvir algo importante e que poderia afetar o diagnóstico e a conduta.
A consulta Os médicos aprendem sobre doenças e técnicas para diagnosticá-las e tratá-las, porém, quando vão lidar com as pessoas, precisam treinar outras habilidades as quais nem sempre se sentem à vontade de desenvolver. A comunicação é uma dessas ferramentas que devemos exercitar à exaustão, pois ela será percebida desde o momento do primeiro contato visual, em que a forma de se vestir, a expressão facial e a postura física do médico transmitirão informações que irão atuar como facilitadores ou não. A anamnese na emergência, muitas vezes objetiva e dirigida devido à necessidade de obtenção de informações de forma rápida, não deve ser confundida como fria e distante, aliás, deve ser acolhedora, objetiva e direta sem perder a cumplicidade que o momento de se relacionar com o paciente exige. Nesse momento, é importante que o médico se torne o mais livre possível de prévios ulgamentos. Para conseguir essa interação, o médico deve demonstrar interesse e preocupação com o sofrimento que aflige o paciente. O exame físico, também motivo muitas vezes de constrangimento, deve ser sucinto e obedecer a
princípios do respeito à privacidade. Fornecerá informações que ajudarão a construir, além de hipóteses diagnósticas, formas subjetivas de percepção de zelo e cumplicidade para com o paciente. O toque do médico parece primitivo e incerto quando comparado ao que podemos descobrir com as maravilhas da tecnologia. No entanto, a ausência desse toque interfere de maneira negativa nas relações com os pacientes. Todas as etapas acima estarão construindo uma relação médico-paciente eficaz ou não, por isso cada uma tem um papel importante no diagnóstico e no tratamento dos pacientes. Mesmo que o médico não consiga estabelecer um diagnóstico exato, elas ajudarão a não causar danos e passarão uma mensagem de cuidado, questão fundamental na relação com o paciente. O livro O médico, seu paciente e a doença marcou o início de uma mudança de paradigma no atendimento médico, porque foi nele que Balint descreveu o seu conceito de médico como droga, ou seja, o médico é como um medicamento, que será consumido através das palavras, mensagens não pronunciadas e contatos físicos, produzindo efeitos com ou sem reações adversas. A aplicação desses processos seguindo as etapas apontadas anteriormente resultarão em diagnósticos e condutas compartilhadas com os pacientes ou familiares e que poderão ser aceitas ou não dependendo da percepção deles. CASO EXEMPLO - PROBLEMA 4 Num dia de plantão agitado na emergência de um hospital geral, o plantonista inicia o atendimento do seu sexto paciente do turno. A queixa era febre, tosse, dor torácica ventilatória dependente. A primeira hipótese diagnóstica foi de pneumonia. Sem proceder ao exame físico completo, o médico solicitou um raio X, para adiantar o atendimento. Após o resultado do raio X ter vindo normal, o plantonista procedeu ao exame físico mais detalhado e verificou que a dor era na verdade em região lombar direita, com sinal de Giordano, ou seja, a dor e a febre se deviam a uma pielonefrite em um paciente com tosse. O fato de ter pulado a etapa do exame físico interferiu na acurácia diagnóstica, mas além disso serviu para reduzir a confiança do paciente e impactou de maneira decisiva a relação médico paciente. Hipócrates é responsável pelo sustentáculo ético da relação médico-paciente e recomenda ao médico fazer o bem ao paciente e evitar o dano: Primum Nom Nocere.
O médico Paracelso (1490-1541) afirma: “O caráter do médico pode atuar mais poderosamente sobre o enfermo do que todas as drogas empregadas.” Os médicos em muitas questões não são neutros e, assim como os pacientes, têm suas visões que influenciam nas consultas. As habilidades e experiências, sejam técnicas ou pessoais, influenciam o comportamento e a
relação médico-paciente. No livro A nova consulta, David Pindleton cita Roter e colaboradores (1997) pela identificação de quatro estilos entre médicos que atuam nos Estados Unidos: Paternalismo: o estilo centrado no médico. Consumismo: o paciente é firmemente colocado como condutor dos processos. Negligência (ou “deixar correr”): nenhuma das partes assume a responsabilidade, o que produz uma consulta disforme e sem objetivo. Mutualidade: tanto o médico quanto o paciente se envolvem, e as preferências do paciente são ativamente investigadas e comparadas com as do médico. Todo o processo é de negociação. Diante de tais influências e estilos, devemos sem dúvida escolher a mutualidade, e para isso temos de desenvolver algumas ferramentas. A assertividade melhora a comunicação ética entre as pessoas, porque transmite a impressão de autorrespeito e respeito pelos outros. O diálogo assertivo é direto porque faz economia de palavras, não permitindo rodeios, justificativas e desculpas. O profissional deve influenciar o paciente e conseguir que ele faça o que se espera dele: repousar, seguir uma dieta ou tomar a medicação prescrita, etc. Um médico assertivo consegue influenciar através da atenção e negociação, oferecendo ao paciente a opção pela cooperação. Não oferece retaliações e estimula a comunicação de mão dupla. A comunicação tem de atender as necessidades dos médicos, para que possam extrair as informações dos pacientes de maneira adequada e fazer com que eles entendam o que está acontecendo através de uma linguagem customizada. O médico não pode dialogar da mesma maneira em todas as consultas. De acordo com a faixa etária, grau de instrução ou outras características, deve adaptar a linguagem. As mudanças da medicina, do acesso à informação, das relações humanas, das novas mídias e do mercado de saúde influenciam as relações entre médicos e pacientes. Num ambiente tão desafiador como o dos serviços de emergências, a sensibilidade e o preparo técnico do profissional farão com que esses encontros de desconhecidos que ocorrem todos os dias em milhões de oportunidades possam resultar em ganhos para cada um dos lados.
eferências bibliográficas GROOPMANN, Jerome E. Como os médicos pensam. Rio de Janeiro: Agir, 2008. MARTINS, Vera. Seja assertivo: como ser direto, objetivo e fazer o que tem de ser feito; como construir relacionamentos saudáveis usando a assertividade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. PENDLETON, David. A nova consulta: desenvolvendo a comunicação entre médico e paciente. Porto Alegre: Artmed, 2011. PERESTRELLO, Danilo. A medicina da pessoa. São Paulo: Atheneu, 2006. PINHEIRO, Raimundo. Escolha e abandono de médicos: o poder do cliente. Salvador: Ed. Raimundo Pinheiro Consultoria, 2002. SANDERS, Lisa. Todo paciente tem uma história para contar: mistérios médicos e arte do diagnóstico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
Heitor João Lagos Médico especialista em Clínica Médica na área de atuação em Emergência. Especialista em Medicina Intensiva. Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital Nossa Senhora das Graças em Curitiba.
Tradicionalmente, a criação de um local destinado a monitorização e tratamento de doentes graves foi idealizado pela enfermeira britânica Florence Nightingale. [1] Durante a guerra da Crimeia, entre 1854 e 1856, Florence mantinha os soldados gravemente feridos em um local ao redor do posto de enfermagem onde ela poderia mantê-los sob sua visão direta e prestar assistência de imediato se fosse preciso. [1] Durante a epidemia de poliomielite em 1952, em Copenhagen, o médico anestesista Björn Ibsen saiu da sala de cirurgia e levou a tecnologia disponível na época para um quarto onde uma criança de 12 anos sofria de insuficiência respiratória por poliomielite. [2] A partir dessa ocasião criou-se dentro do hospital um local destinado a tratar insuficiência respiratória. Além do uso dos pulmões de aço (ventiladores de pressão negativa que foram utilizados na época), o local unia uma equipe multidisciplinar – médicos, enfermeiros e demais profissionais exclusivamente para esse grupo de pacientes. [1] Uma década mais tarde, nos anos 1960, o conhecimento sobre a parada cardiorrespiratória e a sistematização de seu atendimento deu ainda mais força a esse novo setor do hospital destinado a salvar vidas. [1] As Unidades de Terapia Intensiva proliferaram, propiciando a monitorização e tratamento de pacientes após cirurgias de alta complexidade. [1] Médicos abraçaram essa missão, a especialidade começou a ser reconhecida e as sociedades organizaram-se: em 1971, foi fundada a Society of Critical Care Medicine (SCCM) nos Estados Unidos da América; em 1974, a World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine ; em 1975, a Australia-New Zealand Intensive Care Society ; em 1982, a European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). [1] Em grande parte dos países filiados às sociedades de Medicina Intensiva ao redor do mundo, exigese um treinamento específico para o médico tornar-se um médico Intensivista titulado e reconhecido por seus colegas. [1] Atualmente, não somente o médico intensivista se faz necessário na unidade, mas enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos clínicos, fonoaudiólogos especialistas no doente grave, que proporcionam um atendimento multidisciplinar e focado para o paciente e seus familiares. O líder da equipe, que é o médico, coordena e é responsável pelo planejamento do atendimento dentro da unidade, desde o controle de admissões e altas até a educação continuada com
a constante atualização dos protocolos assistenciais. Além de atuar à beira de leito, o Intensivista é responsável também pelo gerenciamento de riscos e de protocolos que a UTI aplica. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um ambiente dominado pelo conhecimento da Medicina Intensiva e pela tecnologia avançada adquiridos ao longo destes últimos 40 anos. [3] O cuidado dispensado ao doente grave é um desafio constante em conciliar o conhecimento médico e o interesse individual do próprio doente. O médico Intensivista enfrenta uma série de conflitos diários: decisões médicas; cuidados de final de vida e pacientes que frequentemente não têm como se comunicar. A falta de comunicação do doente cria uma dificuldade em entender seus desejos, seus medos, suas ansiedades e suas expectativas. [3] O entendimento do que o médico deve fazer em benefício dos doentes não é guiado somente pelo conhecimento científico, mas também por atributos complexos que envolvem a responsabilidade moral, as obrigações legais e o fato de respeitar uma decisão do próprio paciente. [3] As responsabilidades morais dos médicos em relação aos seus pacientes vêm desde a Antiguidade com o Juramento de Hipócrates (400 a.C.) [4], o código de Nuremberg na primeira metade do século XX (proibição de pesquisa médica em prisioneiros de guerra) [3], o relato de Belmont na segunda metade do século XX (proteção dos pacientes em quaisquer tipo de pesquisa clínica) [3] e os atuais códigos de ética médica. [5] Essas descrições clássicas enfatizam o conceito de responsabilidade baseada na verdade, compaixão, justiça, cuidado e ações em prol do benefício humano. [3] O conceito contemporâneo muda o foco do médico para o doente: envolve o individualismo e a autonomia do paciente em tomar a decisão de cuidar-tratar ou não cuidar-tratar. Logo, os princípios modernos de Bioética [3] que regem a atividade médica na UTI são: Beneficência: médico age em prol dos interesses do doente. Não-Maleficência: médico age com cautela para não prejudicar o doente. Justiça: médico fornece ao doente o tratamento necessário independentemente de condição social, econômica ou étnica. Autonomia: médico e paciente decidem em conjunto sobre o tratamento a ser recebido. Isso implica que o doente receba todas as informações técnicas sobre sua situação atual, que tenha capacidade de entender os riscos e benefícios de uma intervenção, decidir se quer receber tal intervenção e assumir sua decisão. Com base nesses quatro princípios, na UTI há uma situação peculiar: muitas vezes o doente está incapaz de compreender e decidir sobre o que quer e não quer receber como tratamento. [3] Ele é um sujeito vulnerável e precisa que alguém defenda seus interesses. Nessa hora, o médico Intensivista deve tomar as rédeas da situação e assumir a responsabilidade baseada em conhecimento técnico, colaboração com o médico assistente e interação com a família do doente. A discussão de casos clínicos que demonstram os conflitos na prática diária de muitos médicos
intensivistas ajuda a entender melhor a aplicação dos princípios de bioética. CASO CLÍNICO 1 – Diagnóstico de Morte Encefálica e Autorização para Doação de Órgãos JBM, masculino, branco, 33 anos, casado, comerciante, católico, sempre conversava com a esposa a respeito de seu desejo de ser doador de órgãos. BM viajou com a esposa na semana de Páscoa e sofreu uma colisão na estrada com outro carro. Ele e ela sofreram vários traumatismos de crânio, tórax e abdome. Foram atendidos pelo Serviço de Emergência pré-hospitalar e encaminhados à UTI. Dra. NCY informou que JBM estava em coma profundo, com múltiplas hemorragias intracranianas diagnosticadas com tomografia de crânio, dependente de ventilação mecânica invasiva. Sua esposa estava na mesma situação. Após 36 horas de UTI, constatou-se que JBM não apresentava reflexos de tronco cerebral ao exame físico. Dra. NCY suspeitava de morte encefálica (ME). O diagnóstico de ME foi conduzido conforme a resolução 1480 de 1997 do Conselho Federal de Medicina: pré-requisitos clínicos confirmados, feitos 2 exames neurológicos, feitos 2 testes de apneia e 1 exame complementar. [6] Toda a família, pai, mãe, 2 irmãos, 4 tios, 2 tias, 8 primos foram informados e acompanharam cada passo do diagnóstico que se confirmou 8 horas após ter sido feita a suspeita. Foi um desespero total. No momento que houve a confirmação de ME com o último exame feito, a mãe ainda não acreditava que aquilo estava acontecendo na sua família. Aquele menino que ela carregou em seu ventre por 9 meses, amamentou, cuidou ao ter rubéola e caxumba, levou na escola em dias de sol e dias de chuva, viu formar-se em administração, viu casar-se, agora morreu antes dela? Isso é antinatural! Será que não haveria um milagre? Já tinha ouvido falar que muitos doentes em coma acordam após anos. E se esse era o caso de seu filho? Será que todos os exames foram feitos e estavam corretos? Afinal, pode haver algum erro. Todas as explicações foram novamente reforçadas pela Dra. NCY: JBM sofreu um trauma craniencefálico muito grave, tinha coma profundo e múltiplas hemorragias intracranianas. Apesar de ter recebido todo o tratamento disponível com cirurgia, medicações múltiplas, ventilação mecânica invasiva, seu cérebro parou de funcionar. O cérebro é como o maestro de todo organismo. O maestro para, e aos poucos todos os outros órgãos, desgovernados sem liderança, param progressivamente. Esta morte cerebral foi confirmada com vários exames conforme a legislação brasileira. Não havia nada mais a fazer por JBM. Mas havia o que fazer por outros doentes que estavam morrendo e ainda tinham uma esperança. Outros doentes que estavam na fila de transplantes de fígado, rins, pâncreas, córneas, coração, pulmão. Se a família aceitasse, poderia haver doação de órgãos. JBM poderia salvar 8 vidas! Dra. NCY se colocou à disposição para esclarecer dúvidas! A mãe não queria outras 8 vidas! Queria somente a vida de JBM! Queria seu filho novamente! Ela acreditava em um milagre! Seu filho querido seria devolvido a ela, pois acabava de fazer uma promessa a Nossa Senhora Aparecida! Ela iria a pé a Aparecida e levaria uma vela da altura de
JBM. Nossa Senhora sempre atendeu suas preces! Novamente, Dra. NCY reforçou que não havia mais esperanças. Era uma questão de tempo para a parada cardíaca. Ela pediu que a família se reunisse, pensasse na possibilidade de doação e voltasse com uma resposta: DOAR ou NÃO DOAR. Ela aguardaria e respeitaria qualquer uma das decisões. O pai e um dos irmãos voltaram 24 horas após. Perguntaram como estava JBM, se realmente não havia esperanças de vida, se no caso de não aceitarem a doação, o que ocorreria. Dra. NCY novamente explicou o que é morte encefálica, que não há esperanças porque morte é morte, que no caso de não haver doação tudo que JBM estava recebendo seria retirado porque o suporte avançado de vida estava simplesmente mantendo órgãos para uma futura doação. Eles agradeceram e pediram mais um tempo para conversar com a mãe, que ainda não aceitava o fato da morte do filho. Os demais familiares já tinham entendido e queriam a doação. Dra. NCY combinou uma nova conversa para o próximo dia, à tarde. Desta vez, voltaram os pais, os irmãos e 2 tios. Pediram novos esclarecimentos sobre o diagnóstico de morte encefálica e sobre como procede a doação de órgãos. Pediram esclarecimentos sobre quais órgãos doar, caso eles aceitassem. Novamente, Dra. NCY esclareceu todas as dúvidas e colocou-se à disposição. Ao final, a própria mãe posicionou-se e aceitou a doação. Ela assinou o termo de consentimento de doação de órgãos e todos expressaram seu pesar pela morte do ente querido e, ao mesmo tempo, seu consolo e alegria de poder proporcionar uma nova vida a 8 outras pessoas. JBM viveria ainda em 8 outras pessoas. Conflitos do caso e questões a pensar: 1. Estabelecimento de uma relação médico-paciente em um tempo muito curto e em uma situação extremamente adversa. 2. Garantia de que o doente recebeu atendimento adequado e que teve chances de cura. 3. Garantia de que não houve erro médico na condução do caso. 4. Abertura de diálogo para esclarecimento de dúvidas em relação do diagnóstico de morte encefálica. 5. Dar tempo para família entender o que estava acontecendo. 6. Mesmo o paciente tendo expressado em vida sua vontade, ele não teve autonomia de decisão. A decisão final ficou ao encargo da família (responsável legal). CASO CLÍNICO 2 – Alta a Pedido da UTI MLR, feminina, branca, 62 anos, do lar, viúva, procedente de Fortaleza, vem visitar a filha em
Curitiba em junho de 2013 e apresenta crise de asma brônquica grave. A filha a leva para o prontoatendimento de um hospital e lá é indicada internação na UTI. MLR é internada e começa a receber todas as medicações necessárias. O médico plantonista, Dr. MO, vem conversar com a filha. Pergunta se MLR já toma alguma medicação. A filha diz que não sabe. Ele agradece e diz que ainda não sabe o que ela tem exatamente, mas que vai fazer todos os exames necessários e cuidar dela bem. Que a filha volte nos horários de visita e saberá sempre como a mãe está. No dia seguinte, na hora da visita, a filha entrou, falou com a mãe, que estava melhor para respirar. A mãe disse que estava sendo bem tratada pela equipe e que todos eram muito gentis. Nenhum médico veio dar informações. Ao indagar à enfermeira, ela responde que o médico de hoje está ocupado em um procedimento de emergência e no período da tarde outro plantonista fala com ela. À tarde, novamente não recebeu informações médicas. A mãe pediu para ter paciência, pois os médicos conversavam com ela e estava a par de tudo que acontecia. A filha voltou noutro dia de manhã e recebeu a mesma resposta: o médico está em um procedimento de emergência e não pode vir dar informações. Nesse mesmo instante, decidiu transferir a mãe da UTI para o quarto e pediu alta sem conversar com a mãe. Mesmo assim, nenhum médico veio falar com ela e após 2 horas a mãe estava no quarto esperando o médico assistente para continuar o tratamento. Conflitos do caso e questões a pensar: Falta de vínculo entre médico e familiar, apesar de haver vínculo entre a equipe médica e a paciente. Dúvidas se há tratamento adequado. Dúvidas da evolução do caso. Familiar expõe doente a diversos riscos com a alta a pedido. CASO CLÍNICO 3 – Decisão de Final de Vida e Limitação de Suporte LS, feminina, branca, 16 anos, solteira, católica, designer de sobrancelhas, procedente de Curitiba, vem para o hospital após sofrer queimaduras em 80% da superfície corporal por tentativa de suicídio. Chega em coma moderado, com desidratação importante e já com falência de múltiplos órgãos. Recebe todo o suporte avançado de vida como ressucitação + ventilação mecânica invasiva + hemodiálise + antibiótico. Após 72 horas, não há melhora clínica e está refretária a tratamento medicamentoso, mantendo hipotensão e hipoxemia continuamente. A família acompanhou o caso desde o atendimento pré-hospitalar, no pronto-socorro e na UTI. Foi permitida a permanência de um familiar na UTI durante as 24 horas do dia. Todos os passos do tratamento foram informados ao familiar presente na unidade e aos familiares no horário de visitas.
No quarto quarto dia de int internam ernament ento, o, com a não resposta clínica ao tratament tratamento, o, a famíli famíliaa foi chamada chamada para uma uma reunião reunião com a equipe equipe mult multidisc idiscipli iplinnar. Estavam Estavam os pais, pais , 3 irmãos, avós e avôs. Da equipe estavam o intensivista responsável pela unidade, o médico plantonista, a enfermeira plantonista, o fisioterapeuta, fisioterapeuta, a nu nutricionista, tricionista, a psicóloga psicól oga e a farmacêut farmacêutica ica clínica. A família esclareceu as dúvidas e perguntou as chances de sobrevida. Havia menos de 10% de chance de sobrevivência naquela situação. A família, em conjunto, solicitou à equipe multidisciplinar que não deixasse haver nem dor nem sofrimento. Que em caso de óbito, houvesse uma morte com dignidade. A família entendeu que não havia outros recursos curativos a oferecer. Todos se colocaram à disposição da família para quaisquer eventualidades. A paciente ficou recebendo todo o suporte avançado de vida, com exceção da hemodiálise, e foram intensificadas a sedação e a analgesia endovenosa contínua. Em 12 horas o óbito foi diagnosticado e o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (caso de morte violenta). A atitude da equipe descrita nesse caso trata de terminalidade e segue a orientações do Fórum de Terminalidade da AMIB realizado em 2008. [7] O Código de Ética médico prevê tal situação e apoia o médico médico a não mant manter er recursos r ecursos que podem ser considerados considera dos fúteis em casos terminais. terminais. [5] Conflitos Conflitos do caso e questões a pensar: Quando caracterizar que um paciente é terminal? O que que é lim l imitação itação de suporte suporte avançado de vida? v ida? O que é tratamento tratamento fútil? A decisão de limitação de suporte avançado de vida é sempre em conjunto com a família? Estabelecimento de vínculo entre a equipe da UTI e a família é fundamental para decisões que podem ser polêm pol êmicas. icas.
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Nazah Cherif Mohamad Youssef Professora Assistente do Departamento de Clínica Médica da UFPR. Responsável pela disciplina de Medicina Intensiva do Curso de Medicina Medicina da UFPR. U FPR. Especialista Especialista em Neurol Ne urologi ogiaa e Medicina Medicina Intensiva. Intensiva. Fellow em Doppler Transcraniano pela Universidade de Hannover (Alemanha). Fellow em Sepse Grave e Choque Séptico pela Universidade de Jena (Alemanha). Médica da UTI Adulto do Hospital Hospital de Clíni Clínicas cas da UFPR. U FPR.
Introdução Ter confiança no médico é médico é o principal fator para uma boa relação médico-paciente. Confiar um filho a um tratamento ou consulta médica faz da relação médico-paciente-família algo mais do que especial para a pediatria. Este capítulo tem por objetivo caracterizar as particularidades dessa relação. A consulta consulta pediátrica pediátric a possui aspectos as pectos característicos carac terísticos próprios pr óprios,, diferentes da consulta consulta normal normal de um adulto. Ela tem a peculiaridade peculiar idade de não ser uma relação rel ação médico-pacient médico-paci entee direta, dir eta, mas mas sim si m uma relação rel ação triangular: triangular: um médico (pediatra/clínico/ci (pediatra/ clínico/cirurg rurgião), ião), um paciente (lacten (l actente/criança/adol te/criança/adolescente) escente) e um umaa famíli famíliaa (mãe/pai/avós/i (mãe/pai/a vós/irm rmãos/cuidadore ãos/cuidadores). s). Essa Ess a relação rel ação triang tri angular ular exige exige uma uma sim si mbiose, uma relação rel ação mais intensa, um vínculo complexo entre o médico, a criança e os informantes, geralmente a mãe. Se o pediatra conseguir gerar um ambiente de integração na consulta, a cumplicidade entre ele, o paciente e a fam famíli íliaa existirá, e as chances chances de um tratament tratamentoo funcion funcionar ar serão ser ão maiore maiores. s. Para que esse confiança, empatia e empatia e tempo. tempo. triângulo obtenha sucesso, três condições são fundamentais: confiança, empatia com a Na pediatria, mu muito mais mais do que em out outras ras especial espe cialidades, idades, é necessário necessár io criar cri ar uma uma empatia com família e a criança. Desde o início da consulta é preciso recebê-los com sorriso nos lábios, expressar int interess eressee na fala, nas inform informações ações da famíli família, a, principalm pr incipalment entee nas da mãe, criando cr iando condição confiança. Isso inclui honestidade, tanto da família sobre para um bom bom,, rápido e crescent cr escentee estado de confiança. as inf i nform ormações ações prestadas, p restadas, uma uma vez que serão muitas muitas vezes a base bas e do raciocí r aciocínio nio clínico do pediatra, p ediatra, quanto do profissional nas explicações de tratamento, para que a família e a criança assumam aquilo como como verdades verda des a serem seguidas. seguidas. A conquista conquista da famíli famíliaa é im importan portante te para a boa prática da pediatria. pediatria . O comportam comportament entoo do pediatra e seu interesse interesse na consulta consulta contam contam pontos pontos nessa relação. relaç ão. Algumas técnicas de entrevista usadas por profissionais para controlar o tempo da consulta, como pergunt perguntas as de “sim “si m ou não”, não”, podem indicar para a famíli famíliaa uma uma falta de interesse interesse interpessoal por parte do pediatra e piorar essa relação, prejudicando a evolução do tratamento. [1] tempo, sabemos que a consulta pediátrica por si só já demanda um tempo muito Em relação rela ção ao tempo, maior do que a de out outras ras especialida especi alidades. des. Além dos problem probl emas as recent r ecentes es que trazem a famíli famíliaa ao médico, sem s empre pre se s e deve avaliar avali ar as questões questões rotineiras da criança. cri ança. A grande grande dificuldade atual atual da medicin edici na pediátrica pedi átrica brasil br asileira eira é o tempo, tempo, devido devid o ao número número excessivo excessi vo de con c onsultas sultas nos nos postos de atendim atendiment entoo e nos consultórios consultórios de convênios. Os pediatras pedi atras devem interferir interferir nas políticas de saúde sa úde
para equacionar melhor o tempo de atendimento ao paciente pediátrico, cabendo ao médico a direção e o comando do diálogo para poder obter, em um curto período, o maior número de informações precisas sobre o paciente, extraindo-as da mãe/informante sem que haja um sentimento de pressão ou angústia. Outro importante aspecto é o fato de o paciente pediátrico ser muito diferente em cada estágio do seu desenvolvimento. Inúmeras são as diferenças da consulta do recém-nascido, do lactente, do préescolar, do escolar e do adolescente. São diversas características e infinitas diferenças de questionamentos a cada período citado da evolução de um paciente pediátrico. Nessas diversas fases, o crescimento e o desenvolvimento da criança devem ser elaborados e explicados para a família de maneira clara. A consulta engloba sempre o aspecto da puericultura, da tendência natural e lógica da medicina preventiva, da atenção do médico muito mais na função preventiva do que curativa. O tempo volta a ser necessário para boas explicações. Essa atuação é muito importante, principalmente nos primeiros anos de vida da criança, tempo em que a necessidade de informações e esclarecimentos por parte dos pais é maior. Para que a prevenção da saúde da criança aconteça, deverá haver uma relação pediatra-pacientefamília muito adequada. Ela funciona como uma banqueta de três pernas. Só estará segura e apta com as três pernas firmes e proporcionais. Se uma delas quebrar ou não funcionar, não adianta as outras estarem boas, a banqueta cairá. Para melhor exemplificar essa situação, diversos estudos que avaliaram a relação pediatra paciente-família através da comunicação demonstraram a não participação da criança na conversa médica. [2] A relação médico-paciente pediátrico restringe-se muito mais ao contato afetivo. Uma hipótese para explicar esse fato na pediatria traduz-se principalmente na dificuldade do profissional em abordar a criança verbalmente ou na tentativa de protegê-la de informações médicas, evitando perturbá-las emocionalmente. [3] Essa falta de comunicação com pacientes pediátricos pode, porém, ser fonte maior de angústias e fantasias, mesmo que o objetivo inicial seja minimizar seu sofrimento. [4]
Construindo a relação pediatra-paciente-família 1. Comunicação A construção da relação pediatra-paciente-família está intimamente ligada à comunicação do profissional com a criança e sua família. A comunicação é o principal “procedimento” na medicina. [1] Através dela, assuntos como esperança, medos, preocupações com desenvolvimento, sexualidade e transtornos mentais podem vir à tona. Uma boa comunicação é a fonte para o estabelecimento de um melhor cuidado ao paciente. A comunicação na pediatria é uma ferramenta essencial para um diagnóstico preciso e para o desenvolvimento de um plano de tratamento bem sucedido. No caso de notícias que possam gerar estresse, uma comunicação habilidosa permite à família uma melhor adaptação a um novo desafio em relação à saúde da criança. Essa habilidade pode requerer um comportamento que inclui sentimentos de reflexão, com demonstração de respeito, preocupação e compaixão, frequentemente por meio de
uma linguagem não-verbal, como gestos, postura e contato ocular. [1] [5] Por outro lado, a falta de habilidade e delicadeza na comunicação gera angústias, rejeição e comprometer a evolução da criança e de sua família, podendo até levar a situações médico-legais. Nos Estados Unidos, estima-se que 35 a 70% dos processos médicos resultem de uma má comunicação, falha em entender as perspectivas do paciente e da família ou falha em incorporar ou perguntar sobre os valores das duas partes em relação ao tratamento proposto. [1] [5] Existem dois tipos de necessidades do paciente e da família a serem sanados durante uma entrevista médica: cognitivas (que dizem respeito à necessidade de conhecer e compreender) e afetivas (que dizem respeito à necessidade de se sentir conhecido e compreendido). A satisfação dos pais com a atenção à saúde de seu filho é substancialmente influenciada pelas habilidades interpessoais do profissional, principalmente em situações em que os pais e a família se encontram muito ansiosos. [6] [7]
Apesar de a comunicação ser essencial para o bom cuidado à saúde, pouco se ensina sobre a construção dessa habilidade tanto nos currículos universitários médicos quanto nas residências e serviços pediátricos. [1] O estudante de medicina ou o residente de pediatria acaba assumindo posturas diante de pacientes e famílias com base na observação dos comportamentos diários de profissionais da saúde, tanto bons como ruins. Às vezes, a coleta de um dado “difícil” na anamnese é mais premiada pelos professores do que o papel psicossocial, existencial e as necessidades e preocupações interpessoais do paciente e sua família. No início, a comunicação é aprendida por tentativas e erros. Porém, cada vez mais estudos vêm demonstrando que ela pode ser ensinada e aprendida. [8] [9] [10] [11] Dependendo da realidade a ser aplicada, existem relatos na literatura de preceptores não médicos, desde psicólogos infantis a terapeutas especializados na vida infantil, que podem ajudar os estudantes e até mesmo os professores a desenvolver essas habilidades. [12] Utilizar materiais de vídeo gravados em combinação com feedback individualizado em grupos pequenos teve um maior impacto na melhora do comportamento da comunicação, segundo um estudo da Universidade de Cambridge. [9] O estudo também recomendou que o entusiasmo sobre o ensino dessas habilidades depende também de um programa de desenvolvimento da equipe de ensino, bem como de instalações cedidas pelos cursos médicos ou governamentais. 2. Cuidado centrado na família Cada vez mais vem se falando a respeito de entrevistas ou visitas à beira do leito centradas na família. Apesar de ser um conceito antigo surgido nos anos 1960, a ideia de um cuidado de saúde centrado na família na pediatria tomou mais força após o Children’s Hospital de Cincinnati descrever sua experiência de mudar a forma abordada nas visitas médicas hospitalares, a fim de estabelecer esse novo padrão. [1] Esse conceito prevê que uma decisão sobre a saúde da criança deva ser uma decisão centrada na sua família. [9] A criação de um plano médico em conjunto com a criança e sua família permite uma maior satisfação e aderência ao tratamento. A maioria dos pais quer estar envolvida nas decisões
sobre como um assunto de saúde será contado ao seu filho. Para que isso aconteça da melhor maneira, o pediatra deve conhecer a relação familiar prévia, valores culturais, as necessidades da criança, bem como seu desejo em participar de seu plano de cuidados. Três preocupações iniciais surgem quando se aborda o cuidado médico centrado na família: o ensino, o tempo e a confidencialidade. O estudante de medicina ou residente de pediatria pode pensar que o ensino ficaria em segundo plano, uma vez que o foco passa a ser a família. Observando diretamente seu preceptor e participando ativamente dessa relação, provou-se que esse novo estilo de ensinar permite uma qualidade até maior da educação. [9] Não há dúvidas de que visitas centradas na família tomam mais tempo e que poderiam ser um empecilho para a agenda de um médico. O mesmo estudo de Cincinnati demonstrou um aumento de aproximadamente 20% nesse tempo, porém acreditou-se na melhora da eficiência do profissional, salvando tempo de discussões futuras no restante do dia. [9] A confidencialidade de quem participa da visita deve ser reforçada, e a busca pela privacidade da criança e familiar, principalmente através de espaço físico, deve ser constante, independentemente da realidade do local. Os princípios do Cuidado Centrado na Família requerem colaboração dos pacientes, familiares, médicos, enfermeiras e outros envolvidos no cuidado à saúde, bem como àqueles envolvidos na educação desses profissionais. [11] São eles: 1. 2. 3. 4. 5.
A criança e a família devem ser ouvidas. A família é a base de apoio da criança. Crianças e famílias são únicas e diversas. Deve haver um colaboração entre profissionais de saúde e a família. Compartilhar informações honestas, sem desencontros.
6. Reconhecer as forças ou limitações de cada pessoa. [8] [9] [11] A qualidade do cuidado em pediatria melhorará se a criança for seriamente reconhecida como um indivíduo com necessidades emocionais e cognitivas próprias, sendo considerada capaz, inteligente e cooperativa. [1] [8] 3. Permitindo a participação efetiva da criança O convite do pediatra à criança (dependendo da idade) e sua família para contribuir na consulta ou na visita médica hospitalar e expressar preocupações é na maioria das vezes bem aceito pelos pais, e não aumenta a duração, mas sim a utilidade do encontro. [1] [5] [14] Uma revisão da literatura indicou que crianças acima de 7 anos têm mais capacidade que seus pais em fornecer informações capazes de alterar o prognóstico, apesar de serem piores em informar sobre seu passado médico. [15] A prática mais comum, entretanto, deixa a criança mais passiva, com pouco poder participativo no tratamento e com poucas oportunidades de expressar suas preocupações. Além da dificuldade dos profissionais de saúde quanto à comunicação, nota-se também que a família também tem
preocupações e dúvidas sobre informar à criança sobre seu adoecimento. Por exemplo, muitos pais que têm filhos com doenças crônicas, como um câncer, relutam em falar com a criança sobre o adoecimento, pois acreditam que assim o filho será poupado do sofrimento e do estigma da doença. Quando isso acontece é notável o fato que as crianças sabem que algo errado está acontecendo. Elas sabem sobre sua doença por meio de falas ou percepções faciais dos adultos. Muitas vezes, como os pais são os principais negadores do adoecimento de seus filhos, estes percebem os fatos que aqueles querem esconder. [4] O linguajar médico pode dificultar esse processo, pois os termos técnicos (“medicinês”) são incompreensíveis para o universo infantil. Às vezes, a utilização de termos mais técnicos pode ser uma forma de proteção na visão do pediatra, como um código secreto que impede o sofrimento de seu paciente. [4] Um exemplo de como todas essas habilidades na comunicação são importantes é o acesso e tratamento do maior sintoma subjetivo da criança: a dor. Se a criança não estiver incluída, com certeza reconhecer o nível da dor será mais difícil. Para reforçar essa mensagem que a criança sabe sua dor, ela deve estar participando do controle de seu tratamento e confiar no poder das intervenções terapêuticas. [1] Dunbar et al consideraram que crianças acima de 4 anos são capazes de controlar sua dor eficazmente. [16] Existe uma obrigação ética de discutir saúde e doença com o paciente pediátrico, que está embasada em leis de diversos países, como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e Brasil. [1] [17] Envolver as crianças nas conversas sobre sua saúde e em decisões sobre seus cuidados e tratamentos demonstra respeito à sua capacidade, melhora seu processo de tomar decisões futuras na saúde e permite que ela se torne parte em uma tomada de decisão difícil, em que não há uma resposta certa, e sim uma que melhor se encaixe às suas necessidades e de seus familiares. [1] Elas querem ser incluídas no plano de tratamento de uma forma às vezes até profunda, frequentemente se tornando experts no assunto. Adolescentes e crianças mais velhas com certeza se encaixam nesse perfil. E quando não há acordo entre a família e o paciente, uma relação de respeito por parte do médico, com base em todos os aspectos culturais e valores familiares, deve existir. Em muitos casos os pais erroneamente pensam que não informar seus filhos sobre uma doença é o melhor a se fazer. Essa atitude paternalista de segurar “informações pesadas” é difícil de ser contrariada dependendo do ambiente criado entre o triângulo pediatra-paciente-família. A literatura, porém, aponta para uma preferência da criança pela informação. [1] [18] Quando a criança pergunta sobre sua condição, muito frequentemente ela já sabe que há alguma coisa errada e nesse momento está procurando em quem confiar. Deve-se dar a oportunidade do questionamento, porém, se a criança a recusa, a informação não deve ocorrer de maneira forçada. Um estudo antigo de Princeton sobre crianças terminais demonstrou que até mesmo crianças de 3 anos ou mais estavam a par de seu diagnóstico e prognóstico mesmo sem eles nunca terem sido contados por um adulto. [19] Ele também mostrou que isso pode gerar um sofrimento duplo. Os pais sofrem, pois inconscientemente acham que, se contarem para a criança, ela se sentirá abandonada e
menos amada. Já a criança sofre também, pois frequentemente ela responde a isso calada, como uma forma de “proteger” seus pais de suas próprias angústias. Kriegbergs et al [20] analisaram pais suecos que perderam seus filhos e revelaram que todos aqueles que falaram com eles abertamente sobre a doença não se arrependeram de tal atitude, enquanto os 27% dos que não abordaram esse assunto antes da morte de seus filhos não só estavam arrependidos, como também apresentaram maior incidência de depressão e ansiedade. Aconselhar os pais sobre essa possibilidade de incluir a criança na entrevista pediátrica é necessário para um melhor desenvolvimento tanto de coisas boas quanto de coisas ruins ligadas à sua saúde.
Um “bom jeito” de dar más notícias Uma má notícia pode ser definida como uma ameaça à integridade mental ou física de alguém, uma situação na qual passa a se achar que não existe mais esperança, um risco para mudança no estilo de vida ou mensagem que confere a alguém poucas chances de vida. No que diz respeito à saúde de uma criança, esta má notícia normalmente ocorre em um ambiente de UTI pediátrica ou neonatal, prontosocorro, sala de parto ou na discussão de doenças terminais. Muitas vezes a rapidez ou cronicidade do quadro clínico é o principal fator que pode determinar a intensidade da emoção da família e da criança. Mesmo assim, é possível que pais de crianças cronicamente enfermas que sobreviveram a diversos internamentos fiquem chocados, negando uma má notícia de que a criança não se recuperará desta vez. Muitos pais de vítimas fatais de trauma relatam receber a notícia da morte de seu filho em um corredor, numa sala de espera ou em outra área pública do hospital. [21] Convém dizer que nesses lugares a chance da notícia ser tratada de forma impessoal e insuficiente pelo profissional é maior. Essa falta de privacidade, empatia, clareza na mensagem e respeito pelo paciente é percebida por sua família e essas memórias e experiências podem ficar marcadas em suas mentes, prolongando o luto. Dado esse fato, assegurar a preparação do cuidador se faz necessário. Ao ouvirem más notícias, os pais tendem a valorizar o médico que demonstra claramente solidariedade e que permite que eles falem e expressem suas emoções. [22] Pode-se abrir a conversa com: “Me contem o que vocês já sabiam sobre o caso do ou da (nome da criança).” Deixe que os pais exponham suas ideias, corrigindo alguns erros de percepção. Pode-se também perguntar a eles se conheciam outra criança com um diagnóstico ou situação parecida. Isso pode facilitar o estabelecimento dos medos e expectativas da família, e a partir daí abordar os aspectos de piora e gravidade do quadro clínico da criança. Isso pode ser mais difícil na emergência ou sala de parto, visto o vínculo médico-paciente-família ser recente. Nesses casos, dar um “sinal de aviso” que um problema maior está por vir, comunicando-se com mensagens claras e permitindo que os pais vejam que foi feito o possível para salvar a vida de seu filho, por exemplo, gera um conforto maior para a família e facilita sua compreensão de gravidade. Já em UTI pediátrica e neonatal, cada vez mais evidências falam a favor do Cuidado Centrado na
Família, melhorando muito a relação do profissional com a família. [10] As dificuldades envolvidas em ter sua criança em uma UTI, beirando a constante incerteza, tornam as reações negativas dos pais compreensíveis. Isso gera um grande estresse dos familiares, pois muitas vezes veem seu filho triste, com medo e dor e estão impossibilitados de conversar com a criança. O profissional deve entender esse aspecto mental dos pais, uma vez que frequentemente também estão “doentes”. Uma boa comunicação ajudará muito mais para a construção de uma relação de entendimento e respeito, afastando os frequentes confrontos consequentes às frustrações familiares. Aumentar a assistência à família, compreendendo suas necessidades, melhora as relações com a equipe.
Consideração final Apesar das dificuldades que a consulta e a visita pediátrica oferecem, os médicos envolvidos com a pediatria devem ser capazes de modificar atitudes, de abrandar sofrimentos físicos, psíquicos e afetivos, de promover a saúde em todos os seus inúmeros aspectos. A habilidade em indicar caminhos a serem seguidos pode levar a algo que está ao alcance de todos: a felicidade. Sim, felicidade, pois, se perguntarmos aos pais o que mais querem para seus filhos, com certeza a resposta mais frequente e honesta será: “que sejam felizes”.
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Eduardo Maranhão Gubert Professor Adjunto de Pediatria e de Urgências e Emergências da PUCPR. Preceptor de Clínica Médica da Residência de Pediatria do Hospital Pequeno Príncipe. Médico Titulado em Terapia Intensiva Pediátrica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Carlos Eduardo Gubert Professor Adjunto de Pediatria e de Urgências e Emergências da PUCPR. Preceptor de Clínica Médica da Residência de Pediatria do Hospital Pequeno Príncipe. Médico Titulado em Terapia Intensiva Pediátrica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Entre as muitas características que poderiam ser escolhidas para descrever a população idosa, a heterogeneidade, certamente, é uma das merecedoras de maior destaque. A não ser entre os idosos, em nenhum outro grupo etário são encontradas diferenças tão acentuadas, nos mais diversos parâmetros, como condições gerais de saúde, estado cognitivo, funcionalidade, autonomia, independência, grau de satisfação com a vida, etc. Isso representa um grande desafio aos profissionais da saúde que atuam nas áreas de geriatria e gerontologia, tanto em termos técnicos como em matéria de relação profissional-paciente. Diferentemente do adulto jovem, que procura o médico predominantemente devido a problemas agudos, a população idosa que busca atendimento médico costuma fazê-lo com certa regularidade, para diagnóstico, monitoração e tratamento de problemas crônicos, de modo que a figura do médico torna-se uma presença bastante corriqueira em suas vidas. Na verdade, não poucas vezes, os pacientes idosos fazem acompanhamento simultâneo em vários especialistas diferentes, devido a múltiplas comorbidades. Quando esses médicos não se conhecem ou não trocam informações sobre o caso, o atendimento ao paciente se deteriora, o que infelizmente se constata com muita frequência na prática clínica. Além disso, outras peculiaridades do atendimento geriátrico incluem a necessidade de adaptação da metodologia de trabalho às demandas de cada paciente (consultas com longa duração, grande disponibilidade para ouvir, necessidade de interação com familiares e cuidadores), a versatilidade de atuação em cenários diferentes (consultório, hospital, domicílio, instituições de longa permanência), o enfrentamento de questões éticas e a participação na tomada de decisões complexas.
A consulta geriátrica Sem deixar de lado a semiologia tradicional (anamnese e exame físico), a estrutura de uma consulta médica geriátrica apresenta algumas características próprias, como a aplicação da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). A AGA corresponde a um conjunto de instrumentos destinados à avaliação e ao seguimento clínico dos pacientes idosos, que, por características intrínsecas ao processo do envelhecimento e sua susceptibilidade e vulnerabilidade para múltiplas condições médicas, de caráter biológico, psicológico e/ou social, necessitam de uma avaliação médica mais abrangente. A AGA é composta de vários instrumentos de avaliação, muitos já validados no Brasil, com farta literatura científica que comprova não somente sensibilidade e especificidade nesses rastreios, mas
principalmente redução do risco de desfechos indesejados na saúde global de uma pessoa idosa. Embora a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia tenha elaborado um protocolo de AGA reconhecido como o modelo oficial recomendado por essa entidade, os diferentes serviços de geriatria muitas vezes desenvolvem protocolos próprios, com algumas variações na escolha dos instrumentos, para melhor atender às suas circunstâncias de trabalho. Apesar dessas variantes, a AGA inclui ferramentas para avaliação cognitiva (como o mini-exame do estado mental, o teste do desenho do relógio e outros), avaliação nutricional (como a mini-avaliação nutricional e determinados parâmetros do exame físico), avaliação do humor (escala de depressão geriátrica), avaliação de equilíbrio, marcha e risco de quedas ( get up and go test e outros), avaliação funcional (escalas de Katz, Lawton, medida de independência funcional), triagem de déficits sensoriais (cartão de Snellen, teste do sussurro) e avaliação socioambiental. Adicionalmente, outras informações de grande relevância para a atenção à saúde do idoso devem ser coletadas rotineiramente em cada consulta, como a situação vacinal e, de modo muito especial, os medicamentos em uso. Pacientes idosos são os principais usuários de medicamentos, e grande parte das queixas relatadas em consultas geriátricas relaciona-se com os efeitos de fármacos em uso, pois os idosos são também o grupo mais exposto e vulnerável a interações medicamentosas e efeitos colaterais de drogas. Idosos ambulatoriais utilizam, em média, 3 a 4 medicamentos diferentes diariamente e muitas vezes também possuem hábitos como automedicação, utilização de chás, ervas e outros fitoterápicos, vitaminas e drogas homeopáticas, mas podem não reconhecer como medicamentos os produtos utilizados nesses tratamentos, além de frequentemente omiti-los nas anamneses. O mesmo se dá com medicamentos de uso esporádico e outras formas farmacêuticas, como analgésicos, anti-inflamatórios, laxantes, pomadas e colírios. Nesse contexto, uma estratégia frequentemente adotada em consultas geriátricas para identificar os medicamentos empregados pelos idosos consiste em solicitar que tragam no retorno a “caixa” ou a “sacola” de medicamentos. Não raramente, isso leva a descobertas desconcertantes, como a manutenção do uso de fármacos já suspensos, o consumo de medicamentos fora do prazo de validade, o uso cumulativo da mesma droga com nomes comerciais diferentes, a prática de automedicação, etc.
A relação de confiança entre o médico e o paciente na Geriatria Uma consulta geriátrica pode ser motivada por diversas razões, que nem sempre são de ordem técnica biomédica. Muitos idosos procuram o médico não somente por problemas de saúde; embora os tenham, buscam-no também porque sentem necessidade de alguém que os ouça e lhes dê atenção. A relação de confiança estabelecida entre o geriatra e seus pacientes pode torná-lo uma pessoa de referência em suas vidas, a quem os idosos confidenciam suas preocupações, suas angústias e seus sonhos, e a quem pedem conselho, mesmo que o médico tenha idade para ser seu filho ou neto. No entanto, a relação de confiança entre o geriatra e o paciente se faz necessária também para permitir que o idoso expresse livremente queixas que poderiam causar-lhe algum constrangimento, como autopercepção de perda cognitiva, questões relativas à sexualidade, incontinência esfincteriana e outras.
Como em qualquer especialidade médica, na geriatria a relação de confiança entre médico e paciente estrutura-se essencialmente em boa comunicação e transparência de conduta. O geriatra deve sempre explicar de forma compreensível ao paciente e a seus responsáveis as informações necessárias sobre as doenças, seus desdobramentos e prognóstico, os eventuais efeitos adversos dos medicamentosos prescritos e os riscos em torno de procedimentos diagnósticos e terapêuticos. No entanto, essa relação de confiança também pode deteriorar-se, devido a comentários e atitudes de ambas as partes. Para evitá-las, o geriatra deve assimilar com paciência e versatilidade certos problemas corriqueiros em qualquer consultório, como faltas dos pacientes a consultas marcadas ou seu comparecimento em datas e horários errados, motivadas por esquecimentos ou distrações (que não acontecem somente com portadores de demência). Em grau mais elevado de importância, eventuais falhas ocorridas no atendimento ou iatrogenias involuntárias devem ser admitidas pelo médico, que na busca pelo melhor atendimento a seu paciente pode equivocar-se, como qualquer ser humano no desempenho de sua profissão. Nesses casos, a postura ética esperada do médico é a de procurar sanar prontamente os efeitos adversos de suas decisões e atitudes, e a existência de uma sólida relação médico-paciente é o melhor recurso para contornar adversidades que podem ocorrer mesmo aos médicos mais experientes e cuidadosos.
A relação com familiares e cuidadores de idosos A relação médico-paciente na geriatria não se restringe ao médico e ao paciente, mas agrega também os familiares e cuidadores do paciente, guardando certa relação com o que ocorre na pediatria. Isso se manifesta de modo especialmente marcante no que se refere ao atendimento de pacientes portadores de síndromes demenciais, pois são indivíduos necessitados de cuidadores, de modo que o vínculo formado durante o atendimento médico alcança a dimensão de relação médico-pacientefamília ou médico-paciente-cuidador. Entretanto, na pediatria a criança cresce, desenvolve-se, ganha autonomia e independência, torna-se progressivamente mais responsável por si, chegando, nas fases mais avançadas da adolescência, a prescindir da presença dos pais nas consultas médicas. Na geriatria, especialmente em se tratando de portadores de quadros demenciais, verifica-se o oposto: o idoso torna-se funcionalmente mais dependente, devido à deterioração progressiva de suas funções cognitivas, incluindo sua capacidade de comunicação e de percepção dos fatos à sua volta. Desse modo, a participação dos cuidadores na consulta geriátrica é de fundamental importância para a coleta das informações de que o médico necessita e também para a transmissão das orientações sobre os cuidados a serem tomados em relação ao idoso. Adicionalmente, o vínculo formado pela relação médico-paciente-cuidador torna natural que o geriatra não polarize suas atenções exclusivamente no seu paciente idoso, mas o leva a dedicar a devida atenção à pessoa do cuidador, que também deve ser reconhecido como um ser humano necessitado de cuidados. Não se trata apenas de força de expressão, mas de uma realidade observada cotidianamente, pois os cuidadores são, habitualmente, os familiares mais próximos do idoso, como seu cônjuge e seus filhos, que em muitos casos se dedicam em jornada integral ao atendimento do familiar doente, sem remuneração, folgas ou férias. Os cuidadores familiares muitas vezes também
são idosos e portadores de doenças crônicas, que frequentemente negligenciam a sua própria saúde em prol da manutenção da rotina de cuidados prestados ao parente portador de demência. Cuidadores de idosos são altamente propensos a desenvolver sintomas de um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, conhecido como síndrome do estresse do cuidador, ou síndrome de Burnout . Essa é uma entidade clínica de difícil manejo, especialmente quando não há outras pessoas em condições de colaborar numa redistribuição da carga de trabalho correspondente ao atendimento das necessidades diárias do idoso demente.
Os cenários por onde transita o geriatra Diferentemente de outras especialidades médicas, que se vinculam explicitamente a determinados locais de trabalho, na geriatria as circunstâncias obrigam os profissionais a desempenharem seu trabalho em cenários variados, sendo os principais o consultório, o hospital, o domicílio e as instituições de longa permanência. Logo, o geriatra deve ser suficientemente versátil para ajustar-se às peculiaridades de cada ambiente, adaptando sua conduta profissional de acordo com as possibilidades e limitações inerentes a cada local. Nos atendimentos domiciliares, por exemplo, a dinâmica de trabalho requer cuidados especiais, pois se trata do ambiente em que o paciente expõe sua intimidade pessoal e familiar, e no qual ele vivencia seus costumes e impõe suas regras. Em visitas domiciliares, com certa frequência, o médico constata a existência de hábitos nocivos em questões de higiene, alimentação e estilo de vida. Ao tocar nesses assuntos, o geriatra deve proceder com discrição e sensibilidade, sem deixar de cumprir seu dever de orientar, para que o paciente ou sua família não se sintam invadidos ou desrespeitados dentro de sua própria casa. Quanto às limitações impostas pelos recursos semiológicos e terapêuticos passíveis de emprego no domicílio, é preciso reconhecer a necessidade de selecionar os tipos de atendimentos que podem ser realizados nesse local. Entretanto, quando não há possibilidade de remover o paciente para outro cenário mais adequado para atendimento, impõe-se a necessidade de adaptações das condutas tradicionais às circunstâncias locais.
Escolhas difíceis e aspectos éticos O processo de envelhecimento e as doenças crônicas que a ele se associam fazem com que o geriatra seja convidado a se manifestar em momentos críticos, como decisões de grande impacto na vida íntima de seus pacientes. Situações como o aumento da dependência funcional podem tornar desaconselhável que um idoso resida sozinho, pois os riscos de acidentes e a incapacidade para desempenho de atividades básicas de vida diária tornam imprescindível a presença de acompanhantes. Cabe ao geriatra reconhecer esse tipo de situação e alertar ao paciente e a seus responsáveis quanto à necessidade uma solução para essas questões. Entretanto, a decisão sobre as condutas práticas (como a mudança do idoso para a casa de algum filho, mudança de algum familiar para a casa do idoso, contratação de cuidadores, etc.) não deve ser transferida ou assumida pelo médico, mas sim tomada pelo paciente e seus responsáveis, sob a orientação desse profissional. Outras questões
delicadas em que o geriatra é frequentemente chamado a intervir abrangem a interdição judicial de um idoso portador de demência avançada, a orientação a parar de dirigir veículos quando as condições físicas ou mentais não permitem fazê-lo com segurança e a transferência do idoso para uma instituição de longa permanência.
A relação do geriatra com pacientes em processo de terminalidade A morte é um evento inerente à vida do ser humano, e a idade avançada é, por si, um dos fatores de maior relevância estatística para predição do risco de óbito. Desse modo, o atendimento de pacientes que se encontram na fase final de suas vidas faz parte do cotidiano da geriatria, porém isso não é o mesmo que afirmar que se trate de algo rotineiro para o geriatra. O atendimento a cada pessoa que se encontra em processo de terminalidade e morte é único, e por mais que as condutas paliativas devam ser exercidas segundo critérios técnicos, o aspecto humano do cuidado não pode ser padronizado de forma cartesiana. A assistência ao idoso em processo de morte deve incluir o alívio de seus sintomas físicos, mas sem negligenciar as demais necessidades impostas por esse momento, especialmente a atenção aos desejos manifestados pelo paciente, como completar alguma obra inacabada, reunir sua família, ou receber assistência espiritual segundo sua crença religiosa. Para proporcionar dignidade ao paciente moribundo, o geriatra deve ter a sensibilidade necessária para evitar procedimentos desnecessários, que não alterarão o desfecho do caso, ou de benefício duvidoso no controle dos sintomas. Por exemplo, em casos de doença grave terminal, a internação hospitalar ou a transferência do paciente para a unidade de terapia intensiva só se justificam quando se preveem melhorias no controle de sintomas mediante procedimentos que não poderiam ser realizados fora desses ambientes. Por fim, ao abordar o tema da terminalidade, não se pode deixar de tratar das questões éticas em torno dos termos eutanásia, distanásia e ortotanásia. Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. Distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável (“obstinação terapêutica”). Ortotanásia é o termo utilizado para definir a morte natural, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. A prática da eutanásia é condenada pelo Código de Ética Médico e é ilegal no Brasil e na maior parte do mundo. Embora seja permitida em alguns países, como a Holanda, atualmente as comunidades médicas desses locais já organizam movimentos para reverter ou restringir as leis que a autorizam. Isso decorre da constatação de abusos cometidos na prática da eutanásia e ao avanço da medicina paliativa que, ao permitir melhor controle sintomático de pacientes terminais, muda sua perspectiva da morte como única forma de alívio para seu sofrimento. A distanásia, mesmo não sendo intencional, infelizmente é constatada com grande frequência, pois a formação do médico leva-o, instintivamente, a encarar a morte como o “inimigo a ser combatido com todas as armas possíveis”. Contudo, nessa guerra, o maior derrotado acaba sendo o paciente, que mesmo fora de perspectiva de cura é submetido a procedimentos invasivos, dolorosos, caros e
inúteis. Para evitar essas situações, o médico deve avaliar criteriosamente cada passo de sua conduta, considerando de forma realista quais os efeitos esperados dos recursos semiológicos e terapêuticos que cogita empregar. Deve ser dada prioridade a procedimentos que tragam melhor controle de sintomas causadores de sofrimento, em detrimento de outros de necessidade discutível ou eficácia duvidosa. Com relação à ortotanásia, não há infração ética nem crime em omitir o uso de meios artificiais extraordinários para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível. Sobre esse tema, a resolução n. 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina estabeleceu os critérios para a prática da ortotanásia, e essa mesma resolução foi validada pela Justiça Federal em julgamento sobre sua legalidade. Os maiores desafios em torno da ortotanásia consistem na identificação precisa do quadro clínico do paciente como elegível para sua prática, no reconhecimento pelo médico das limitações de sua ação para evitar a morte de seus pacientes. Adicionalmente, deve-se destacar a necessidade de valorização do aprendizado e da prática do cuidado paliativo por médicos de especialidades que atendem a pacientes terminais, como os geriatras, oncologistas e intensivistas.
Considerações finais A relação médico-paciente é um dos fundamentos que torna a medicina, simultaneamente, ciência e arte, e tem como ferramenta principal a comunicação clara e honesta, e como pressuposto fundamental a confiança. Essa confiança é a garantia que permite ao idoso confiar ao médico sua intimidade, revelar suas preocupações e encontrar no geriatra um apoio seguro em seu quotidiano e também por ocasião da tomada de decisões difíceis próprias dessa fase de sua vida. Na geriatria, a relação médico-paciente frequentemente estende-se aos familiares e cuidadores do paciente idoso, que precisam não somente compartilhar da relação do confiança em relação ao médico, como também devem ser alvos de especial atenção de sua parte, pelo elevado risco de síndrome do estresse do cuidador. O atendimento a idosos sob as perspectivas da terminalidade e da opção pelos cuidados paliativos deve levar ao aprofundamento da relação médico-paciente, na qual o cuidado técnico deve combinar-se com a atenção humana às diversas necessidades do paciente moribundo.
eferências bibliográficas CONSELHO Federal de Medicina. Resolução n. 1805/2006. Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. NERI, A. L.; FORTES, A. C. G. Dinâmica do estresse e enfrentamento na velhice e sua expressão no prestar cuidados a idosos no contexto da família. In: FREITAS, E. V.; PY, L.; CANÇADO, Fax; DOLL, J.; GORZONI, M. L. Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006. SIQUEIRA, J. E. A relação médico-paciente em tempo de individualismo. Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. SOCIEDADE Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Avaliação geriátrica ampla modelo oficial SBGG . Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. TONIOLO-NETO, J.; PINTARELLI, V. L. Farmacologia aplicada ao paciente idoso. In: LOPES , A. C.; JOSÉ, F. F.; LOPES, R. D. Guia de Clínica Médica. Barueri: Manole, 2007.
Vitor Last Pintarelli Médico geriatra. Doutor em Ciências pela UNIFESP. Professor Titular de Semiologia da Universidade Positivo. Professor Adjunto de Geriatria da UFPR. Coordenador do estágio em Geriatria da Fundação de Apoio e Valorização do Idoso. Diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), Seção Paraná. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Seção Paraná.
Maurílio José Pinto Professor Adjunto de Geriatria do curso de Medicina da Universidade Positivo. Mestre em Cardiologia pela UFPR. Especialista em Geriatria Clínica pela Universidade de P aris VI (França). Especialista em Geriatria e Gerontologia pela SBGG/AMB. Chefe do Serviço de Geriatria da Fundação de Apoio e Valorização do Idoso.
Esses dois problemas – o da melhoria da RMP e o do uso do beta-bloqueador no infarto do miocárdio – têm em comum o fato de que a dificuldade não está em estabelecer evidências sobre a melhor maneira de lidar com uma questão, mas em como implantar o que as evidências apontam na prática dos médicos. Uma maneira de abordar esses problemas seria fazer hipóteses sobre as possíveis causas da resistência existente à implantação do conhecimento existente. No caso dos problemas descritos para a RMP é possível que os médicos não consigam implantar as mudanças por vários motivos, entre os quais: O aumento de tempo necessário para investigar queixas adicionais às que já são vistas pode ser uma barreira à aceitação por médicos já sobrecarregados no seu tempo com o paciente. A insegurança dos médicos quanto ao seu preparo para abordar problemas psicológicos, familiares ou sociais pode impedi-los de perguntar sobre queixas que possam levar a esses problemas. A inexistência de um ganho econômico previsto ao se efetuar as mudanças dificulta a realização da grande carga de trabalho necessária para programá-las e torná-las realidade. Para cada uma dessas hipóteses, pesquisas poderiam ser feitas para determinar o quanto elas contribuem proporcionalmente, formando assim um maior conhecimento do problema. Entretanto, os problemas podem ser heterogêneos em lugares diferentes, complicando ainda mais a sua avaliação. Como alternativa, surgiram – ou foram adaptadas de outras áreas para as questões específicas do atendimento médico – as metodologias para a implantação de melhorias. Algumas dessas metodologias são usadas hoje para abordar os problemas de implantação de medidas baseadas em evidências científicas em ambientes de trabalho: o Model for improvement , propagado pelo IHI ( Institute for Healthcare Improvement ), o Six Sigma’s DMAIC e o 7-Step Problem-Solving Method são exemplos. O que essas metodologias propõem é que hipóteses sobre as causas da não implantação das melhorias como as que estão descritas acima sejam usadas para formular ações locais de melhoria, levando-se em conta as peculiaridades de cada serviço. Além disso, o efeito das ações implantadas precisa ser medido de maneira que se possa verificar se as medidas são efetivas e adotar outras, se necessário, até que um alvo preestabelecido seja atingido. Foi por meio desse tipo de metodologia que se chegou ao que hoje chamamos de feixes de medidas – tradução mais usada para o termo inglês bundles –, conceito recente de que certas melhorias só são atingidas quando se implanta um conjunto de ações como um pacote completo. A falta de qualquer das medidas do pacote costuma frustrar os esforços. Essas abordagens têm conseguido resultados antes considerados impossíveis, como trazer a zero a incidência de pneumonias associadas à ventilação-mecânica ou a de sepse relacionada a cateter em certos hospitais por longos períodos.
A relação médico-paciente é um ponto fundamental no tratamento de um paciente. O sucesso de um procedimento cirúrgico necessita de uma comunicação efetiva entre o paciente e o cirurgião. Um bom resultado implica que se desenvolva uma cumplicidade, e que o paciente seja informado e educado da natureza de sua doença e das diferentes formas de tratamento. Isso faz com que o paciente e seus familiares estejam envolvidos ativamente nas decisões a serem tomadas e assim se estabelece um vínculo de confiança nas expectativas do tratamento proposto. Um excelente relacionamento melhora a qualidade do atendimento, e não tem necessariamente relação direta com o aumento do tempo de consulta ou com os custos do tratamento. O cirurgião deve demonstrar empatia, preocupação e humanismo. Uma boa comunicação não somente melhora a satisfação do paciente, como aumenta a satisfação do próprio profissional. Outro fator importante é que a falta de comunicação e empatia ou a quebra da relação médico-paciente é o principal fator motivador de processos contra médicos. [1]
Influência do sistema de saúde na relação médico-paciente O grande número de usuários no Sistema Único de Saúde (SUS) e o constante aumento de pacientes nos planos de saúde, associado a uma diminuição de honorários, têm feito com que o médico estabeleça metas a serem cumpridas, fazendo com que o atendimento seja mais rápido. Porém, mais rápido não deve necessariamente significar de pior qualidade. O médico atual necessita ser eficiente e objetivo, mas o paciente não deve sentir que está em uma linha de produção. Uma consulta pré-operatória inadequada faz com que a história seja obtida de maneira inadequada, com dados incompletos, gerando dificuldades de identificar o problema real, tratamento inadequado, perda da confiança, consequentemente mais tempo será dispendido futuramente. Como exemplo, um paciente pode se apresentar no consultório cirúrgico com colelitíase e sintomas dispépticos. É importante que o cirurgião esclareça ao paciente que os sintomas dispépticos poderão permanecer após a colecistectomia. Assim, evita que o paciente fique insatisfeito ou diga que não foi tratado adequadamente se, após a colecistectomia, os sintomas dispépticos persistirem. Um mínimo de boa comunicação no pré-operatório evita um longo tempo de explicações no pós-operatório, principalmente em pacientes ansiosos e com outras comorbidades. O relacionamento entre a fonte pagadora e os médicos também tem afetado inapropriadamente a relação médico-paciente. O sistema de saúde de convênios é competitivo, e isso faz com que
médicos sejam contratados com metas, tanto para um número expressivo de atendimentos quanto para diminuição de custos das companhias. Em outras situações, os médicos são pagos de acordo com o número de atendimentos e procedimentos, para que tentem ser o mais produtivos possível, o que pode piorar a qualidade no atendimento. Em alguns casos, o sistema de saúde, seja público ou privado, não contempla o direito de o paciente ter acesso a um tipo de medicamento ou tecnologia utilizada, fazendo com que o médico informe ao paciente que determinado procedimento cirúrgico não pode ser realizado. Assim, para o paciente, o médico se torna o fornecedor de notícias ruins e é visto como o culpado de não poder fornecer o melhor tratamento. Muitas vezes, o paciente acredita que o médico não quer ajudá-lo ou não tem boa vontade para resolver o seu problema. Quando isso acontece, o relacionamento é deteriorado, e uma barreira é criada. Outro fator importante é que existe alta rotatividade de médicos. Em muitas situações, o cirurgião que hoje realiza uma operação não será o mesmo que acompanhará o paciente durante o tratamento. Como exemplo, em alguns hospitais do Sistema Único de Saúde, o paciente é operado por um plantonista e outro cirurgião é que provém o cuidado de pós-operatório. Outro exemplo: o paciente operado procura o seu cirurgião alguns meses depois e ele já não está atendendo pelo convênio. Essas situações afetam a confiabilidade no médico. Para o sistema de saúde privado ou público, é difícil conciliar os interesses dos médicos, dos pacientes e da fonte pagadora. Assim, tem sido utilizado o princípio da medicina baseada em evidências, e protocolos têm sido criados para minimizar custos e maximizar e garantir a qualidade no tratamento. Porém, pacientes com necessidades diferenciadas no seu tratamento são ignorados, fazendo com que o médico tenha de lidar com essa situação.
Atitudes do cirurgião Uma comunicação adequada deve ser estabelecida. Os objetivos de uma boa comunicação são criar um bom relacionamento interpessoal, facilitar o intercâmbio de informações e incluir o paciente nas tomadas de decisões sobre o seu tratamento. Assim, o cirurgião deve permitir que o paciente expresse seus sintomas, sentimentos e expectativas em relação ao tratamento, com as próprias palavras. O tempo de uma consulta é menos crítico do que a percepção do paciente de que está realmente sendo ouvido apropriadamente. Ele deve se sentir ouvido e possuir liberdade para fazer questionamentos e expressar as suas preocupações. [2] Os principais tópicos a serem seguidos durante a consulta médica estão demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1. Relação médico-cirurgião Avalie o paciente como um indivíduo e não somente como uma patologia Demonstre empatia e respeito. Ouça o paciente e crie um vínculo de confiança.
Informe o paciente das opções de tratamento. Oriente dos riscos e benefícios do tratamento proposto. Responda às perguntas honestamente. Obtenha o consentimento informado. Em avaliações de qualidade do atendimento, tem sido demonstrado que os principais fatores avaliados por pacientes são o quanto o médico os ouve, valoriza as suas queixas, como são explicados o diagnóstico e as opções de tratamento. Assim, principalmente quando o tempo de consulta é limitado, é importante enfatizar a necessidade de uma boa comunicação e a qualidade de interação. Porém, muitos cirurgiões superestimam a sua habilidade de comunicação. Tongue et al. reportaram que 75% de cirurgiões ortopédicos acreditavam que estavam se comunicando satisfatoriamente com seus pacientes, enquanto somente 21% destes reportaram que houve uma comunicação adequada. [3] Quando um paciente se apresenta com um problema para o cirurgião, emergencial ou eletivo, ele procura as habilidades e conselhos de um especialista. O paciente coloca a sua vida nas mãos do cirurgião, fazendo com que os princípios morais, conhecimento e habilidades técnicas do médico norteiem o seu tratamento. O cirurgião deve colocar de lado seus interesses próprios e manter o foco primariamente no paciente, agindo para promover e proteger seus interesses, e assim conquistar a sua confiança. Não é somente o paciente que confia no cirurgião, mas também os familiares que concordam com a conduta a ser tomada. Uma vez que a confiança é estabelecida, surgem várias expectativas. Eles esperam que o cirurgião faça tudo e da melhor forma possível para salvaguardar a vida, assegurando inclusive que outros profissionais da saúde, como anestesistas, enfermeiros, fisioterapeutas ajam da mesma forma. Também criam expectativas de um bom resultado, e esperam do cirurgião honestidade e abertura para discussões sobre como está evoluindo o tratamento. [4] A natureza invasiva e potencialmente com risco de óbito ou de sequelas das terapias cirúrgicas pressupõe um grau extraordinário de confiança do paciente no médico. Inicialmente, o paciente está sob o comando da situação e escolhe o cirurgião para realizar o seu tratamento. Em conjunto, decidem pelo tratamento e, durante a operação, o cirurgião e a equipe possuem o poder de decisões, tendo o controle total da situação. Essa transferência de poder de decisões para o cirurgião raramente é vista em outras áreas da medicina. Assim, a confiança entre o paciente e o cirurgião difere de qualquer outra área da medicina, pois a especialidade cirúrgica é atrelada a resultados imediatos. Um cirurgião frequentemente é avaliado por resultados, complicações e mortalidade, e muitas vezes são realizadas somente uma a duas consultas no pré-operatório, sendo necessário que um vínculo de confiança seja feito rapidamente. Em outras especialidades, a confiança é desenvolvida em um tempo mais prolongado, em que o paciente e médico chegam a um diagnóstico e um plano de tratamento. A evolução do quadro clínico é constantemente reavaliada, e o paciente possui controle sobre o seu tratamento. Assim, a confiança na relação médico-paciente tem tempo para se desenvolver e se estabelecer.
Little e Fearnside demonstraram que, quanto mais grave é a doença, maior é a necessidade de confiança. Porém, quanto maior o risco de vida, maior é o grau de vulnerabilidade desse sentimento. Assim, em casos cirúrgicos, a confiança é um sentimento mais frágil. A decepção com um resultado, por menor que seja, faz com que o paciente muitas vezes aja de maneira desproporcional, devido à vulnerabilidade emocional dele diante da sua doença. [5] A comunicação deve ser adequada para o entendimento do paciente, ou seja, deve-se ter cuidado ao utilizar uma linguagem muito técnica. O cirurgião deve sempre possuir o conhecimento e habilidade técnica de tratar determinada patologia, e ao mesmo tempo ter habilidade de transmitir a informação, construindo uma relação de confiabilidade. Tem sido demonstrado que uma boa comunicação, tanto no pré quanto no pós-operatório, melhora os resultados e aumenta a satisfação do paciente. Existe correlação direta entre uma boa relação médico-paciente e a habilidade de tolerar a dor, recuperação de uma doença, retorno às atividades, melhora do estado emocional e menor tempo de internação. [5] [6] [7]
Sempre deve ser oferecido o melhor para cada indivíduo, independentemente de qual será a fonte pagadora. Isso não quer dizer que os médicos devem ignorar os custos implicados em suas decisões, mas esforços devem ser realizados para minimizar custos desnecessários. A utilização do princípio de medicina baseada em evidência deve ser respeitada, para evitar gastos excessivos em tratamentos fúteis ou não comprovados. O cirurgião deve ter conhecimento de quando a qualidade do tratamento proposto pode ser afetada por restrição na utilização de determinado equipamento ou técnica, e deve colocar a saúde em primeiro lugar. Como exemplo, atualmente alguns planos de saúde não contemplam cirurgia para obesidade mórbida a ser realizada por laparoscopia, e sabe-se que o benefício é indiscutível. Sendo assim, o médico deve orientar a respeito dos benefícios a serem obtidos, independentemente de o paciente ter acesso a essa tecnologia ou não. O cirurgião deve conversar com o paciente e explicar o porquê de utilizar determinada técnica ou tecnologia. Outro fator importante é que o médico não deve possuir conflito de interesse, de ordem pessoal ou financeira. O cirurgião deve prestar atenção para incentivos financeiros ou não financeiros que podem estar sendo obtidos, seja pelo hospital, seja pela fonte pagadora. Ao fazer um diagnóstico da patologia a ser tratada cirurgicamente, o cirurgião deve informar ao paciente e seus familiares dos riscos e dos benefícios do tratamento. Entre os benefícios, deve orientar todas as formas existentes para o tratamento, bem como explicar o porquê de utilizar determinado método e quais são os resultados esperados. Entre os riscos, deve informar a respeito da possibilidade de infecção, sangramento, necessidade de reoperações, riscos de não melhorar os sintomas, cicatrizes e inclusive o risco de óbito. Não existem procedimentos isentos de riscos. Assim, o paciente se sente seguro diante de um resultado inesperado, e o cirurgião não se sente acuado diante do paciente e de seus familiares. Importante também é obter o consentimento informado assinado pelo paciente antes do procedimento a ser realizado.
Consentimento informado O consentimento informado é um documento necessário ao atual exercício da medicina, como um
direito do paciente e um dever moral e legal do médico, pois, sendo o paciente dono de seu próprio interesse, para decidir se prefere manter-se no estado de saúde em que se apresenta ou submeter-se a um tratamento que não é isento de riscos, deve ser devidamente esclarecido pelo profissional que o atende. O consentimento informado representa uma manifestação expressa da autonomia da vontade do paciente, ou seja, é recomendável que seja por escrito para evitar maiores discussões sobre se o consentimento foi fornecido e se foi de modo suficiente ou não. O cirurgião deve explicar para cada paciente ou seu representante legal as implicações de um tratamento cirúrgico, e se assegurar de que o paciente entendeu e que teve oportunidade de ter qualquer o questionamento respondido. Mesmo que o consentimento informado seja um formulário impresso, o cirurgião deve rever com o paciente os termos do consentimento e documentar no prontuário médico os termos do consentimento. Basicamente, o consentimento informado deve possuir as informações apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2. Elementos do consentimento informado Diagnóstico da patologia Orientar sobre tratamento proposto e outras alternativas de tratamento. Indicar riscos e benefícios do tratamento. Indicar consequências do tratamento. Assegurar-se de que o paciente entendeu o tratamento proposto. Assegurar que o paciente teve suas perguntas respondidas. Assegurar que o paciente deseja realizar o tratamento. Importante destacar que o paciente legalmente capaz tem o direito de recusar tratamento, mesmo que essa recusa possa resultar em deficiência permanente ou até mesmo em óbito. O paciente tem o direito de participar no seu plano de tratamento e é responsabilidade do médico assistente assegurar que o paciente entendeu a respeito de sua doença, para que tome, então, suas decisões. O consentimento informado, portanto, é uma garantia de que o paciente foi informado para depois tomar a decisão que julgar correta. Para proteger um cirurgião de processos legais, é importante documentar o processo de comunicação feito com o paciente. Um bom prontuário médico do consultório com a descrição das orientações dadas ao paciente e um consentimento informando padrão específico para uma cirurgia são documentos importantes em um processo ético, além de demonstrar que realmente houve uma conversa entre médico e paciente sobre o tema. Outro fator importante, ao obter o consentimento informado, é que o cirurgião não deve exagerar nos benefícios potenciais da cirurgia proposta nem fazer promessas e garantias. Duas testemunhas capazes e maiores de idade também devem assinar o termo de consentimento.
Para pacientes menores de idade, os pais ou os tutores legais devem participar do consentimento informado e fornecer assinatura em procedimentos eletivos. Quando pacientes são mentalmente incapacitados ou os pais ou representantes legais de menores de idade se recusam a fazer um tratamento, o cirurgião pode requerer assistência jurídica. Atualmente, algumas sociedades cirúrgicas, como o Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, disponibilizam manuais de esclarecimento de várias doenças, para as quais existem termos de consentimento apropriados.
Problemas na relação paciente e cirurgião Existem muitas barreiras que devem ser vencidas para estabelecer um bom relacionamento médico paciente, entre as quais fatores relacionados ao paciente e ao próprio cirurgião, como ansiedade, medo, falsas expectativas, excesso de trabalho, medo de processos, entre outros. [8] Tem sido observado que a habilidade de se comunicar tende a declinar em estudantes de medicina conforme progridem durante o curso e, com o passar do tempo, os cirurgiões também tendem a perder a visão holística no cuidado do paciente. [9] Frequentemente pacientes cirúrgicos são tratados pelo cirurgião por um tempo limitado, retornando ao seu clínico ou médico de família para acompanhamento de outras comorbidades ou para tratamento oncológico clínico. Isso pode ser entendido pelo paciente como uma forma de abandono. Essa situação é muito comum, por exemplo, após a realização de um procedimento cirúrgico realizado para o tratamento da obesidade mórbida. É importante o cirurgião orientar o paciente antes da operação que o acompanhamento clínico será realizado por outro médico, caso assim desejar. Quando acontece um desentendimento entre o paciente e o cirurgião, o médico não pode abandonar o paciente. O abandono do paciente é definido como término da relação médico-paciente em um momento crítico do tratamento, sem que seja oferecida a chance de encontrar outro médico igualmente qualificado para o atendimento. Para provar que foi abandonado, o paciente deve demonstrar que o médico o abandonou em um momento crítico do tratamento sem uma razão adequada e sem tempo para procurar outro médico. Um cirurgião que não finaliza a relação médico paciente de maneira apropriada pode ter sua conduta ética questionada. Assim, caso haja necessidade de finalizar uma relação médico-paciente, o paciente e seus familiares devem ser avisados, os motivos devem ser explicados e deve ser dado um tempo para que o paciente procure outro médico. O prontuário médico e todas as explicações devem ser fornecidos ao outro médico caso o paciente julgue necessário. [10] Vale ressaltar que o cirurgião não pode abandonar o paciente por motivos financeiros ou em uma situação de emergência. Os pacientes geralmente escolhem o cirurgião, mas este pode aceitar ou recusar o paciente. A livre escolha permite que tanto o paciente quanto o cirurgião possam iniciar ou terminar a relação médico paciente. Quando o paciente concorda com um procedimento cirúrgico, porém condiciona ou exige resultados que não podem ser garantidos, o cirurgião deve optar por se retirar do caso. Concluindo, os cirurgiões devem fazer todo o esforço possível para conquistar e manter a confiança
do paciente e seus familiares em todas as fases de avaliação, pré e pós-operatória. Devem assegurar ao paciente tempo e explicações suficientes para o entendimento do procedimento cirúrgico, riscos, alternativas de tratamentos, etc. O cirurgião deve respeitar a decisão do paciente. O termo de consentimento não é um mero documento, mas sim um processo que requer tempo, clareza e explicações. Deve-se demonstrar honestidade, segurança e responder às perguntas e queixas com cortesia e respeito. No momento de tomar uma decisão, o cirurgião deve indicar o tratamento mais adequado, independentemente de pressão do paciente, de outros médicos ou incentivos financeiros. Uma relação de confiança traz bons resultados tanto para o cirurgião quanto para o paciente.
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Roberto Ratzke Professor Assistente do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR. Mestre em Psiquiatria pela FMUSP. Diretor Clínico da Clínica Heidelberg.
Osmar Ratzke Professor Adjunto do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria. Diretor Geral da Clínica Heidelberg.
Introdução Em 1998, Valentim Gentil Filho, Professor Titular de Psiquiatria da USP, proferiu uma palestra aos novos residentes de psiquiatria cujo tema era a “identidade do psiquiatra”. À sua própria indagação “Os psiquiatras são especialistas em quê?”, o professor respondeu: na “relação médico-paciente”. [1] A relação médico-paciente é fundamental em qualquer especialidade médica, especialmente em uma especialidade em que os doentes não aceitam ou percebem que estão doentes. Os portadores de transtornos mentais por vezes são trazidos contra sua própria vontade, por familiares, ou, atualmente, são até mesmo internados por determinação do poder judicial, como, por exemplo, nas internações compulsórias. A relação médico-paciente tem um papel fundamental na psiquiatria, que é o de servir como uma psicoterapia no sentido amplo do termo, que engloba toda relação humana com o propósito de mudança terapêutica. Em psicoterapias, a qualidade da relação muitas vezes tem maior impacto na mudança do comportamento do paciente que a técnica utilizada. [2] Os aspectos característicos na relação médico-paciente em psiquiatria levam a uma relação entre dois seres humanos especialmente difícil e complexa, pois envolvem aspectos psicológicos, culturais, sociais, que não podem ser ignorados, além do modelo biomédico tradicional. Em atendimento primário, relações médico-paciente pouco eficazes muitas vezes têm como pano de fundo os transtornos mentais. [3] Em serviços de psiquiatria, aspectos psicossociais, relacionados à pessoa e não necessariamente a aspectos biomédicos podem ocupar o maior tempo da consulta. [4]
A psiquiatria e os pacientes “difíceis” Os pacientes considerados difíceis ou cuja relação médico-paciente é difícil do ponto de vista do médico, em atendimento primário, são frequentes. São pacientes com maior disfunção ocupacional, utilização de serviços de saúde e insatisfação com o atendimento, isto é, a relação médico-paciente também é vista como prejudicada pelos pacientes. Os pacientes difíceis em atendimento primário apresentam maior chance de transtornos mentais comuns, como somatoformes, do pânico, de ansiedade generalizada, distimia, depressão maior, abuso e dependência de álcool. [5] Isso demonstra a importância do reconhecimento dos principais transtornos mentais em atendimento primário ou programas de saúde da família, do manejo inicial adequado e do encaminhamento a um serviço especializado quando necessário.
Em um serviço ambulatorial de psiquiatria, cerca de 15% dos pacientes foram considerados difíceis, sendo os portadores de esquizofrenia, abuso de álcool ou outras substâncias e transtornos de personalidade os que melhor se enquadravam nessa definição. [6] Uma das principais dificuldades no manejo dos pacientes difíceis com transtornos mentais é a ausência de percepção de seu estado mórbido ou da necessidade de tratamento. Muitas vezes o clínico geral é o único profissional de saúde que esse paciente aceita frequentar. Nesses casos, é fundamental para este médico uma excelente relação médico-paciente, a fim de lidar com os preconceitos e barreiras ao tratamento que impedem uma melhora do quadro clínico e qualidade de vida do paciente.
O papel do paciente na relação médico-paciente em Psiquiatria A relação médico-paciente em psiquiatria pode ser classificada em três níveis de acordo com o menor ou maior papel do paciente como agente na relação: uma atitude do paciente de passividade, de cooperação ou de participação mútua. Na atitude de passividade, o paciente encontra-se impotente, incapaz de participar ativamente no seu tratamento, devido à gravidade de sua doença ou de uma estrutura de ego muito frágil, usando mecanismos de defesa primitivos, como regressão a fases anteriores do desenvolvimento psicossocial, como a infância. Martins considera essa relação semelhante à relação mãe-lactente. [7] São típicas as relações em que o médico tem toda a responsabilidade sobre a ação, e o paciente está em uma atitude de passividade: em cirurgias, por exemplo, em que se encontra anestesiado, ou em UTIs, quando está em coma. Em psiquiatria, tal situação é configurada em pacientes com retardo mental grave ou profundo ou em psicoses graves, como alguns tipos de esquizofrenia. Eles não apresentam crítica alguma de seu estado mórbido e o tratamento acaba sendo involuntário ou compulsório. Muitos desses pacientes acabam sendo interditados, deixando seus direitos cíveis aos cuidados de curadores, em geral membros da família. Nesses casos, a relação se dá através destes, na forma de cooperação ou de participação mútua. A forma de cooperação, segundo Martins, se assemelha na relação entre pais e filhos. Os pais, assim como os médicos, são os detentores do saber, da responsabilidade e têm papel mais ativo na tomada de decisões que o filho ou o paciente. Esse tipo de relação é comum em nossa cultura, na qual a autonomia não é tão valorizada como em outros países, como nos Estados Unidos. Os pacientes, mesmo estando lúcidos, muitas vezes abstêm-se de opinar sobre o próprio tratamento. Essa relação é comum na maior parte dos transtornos mentais, por exemplo, em transtornos somatoformes, conversivos, ansiosos, depressão, em psicoses mais leves. Nesses casos, cabe ao profissional lentamente trazer maior responsabilidade ao paciente pelo seu tratamento, tentando leválo a um modelo de participação mútua entre dois adultos. O modelo ideal de relação médico-paciente em portadores de doenças crônicas é o de participação mútua-recíproca. A maioria dos transtornos mentais é crônica, sem prejuízo da crítica. É um modelo que prevê uma relação de longa duração, entre dois adultos, em que ambos têm papel ativo e dividem
a responsabilidade pela tomada de decisões. Esse modelo auxilia na redução do estigma em relação aos transtornos mentais, e em relação à atividade do psiquiatra. Porém, o médico deve estar preparado para um paciente que preza a sua autonomia, questiona ativamente o tratamento, que procura várias opiniões sobre o seu transtorno, que lê sobre seus sinais e sintomas na internet, exigindo maior conhecimento e atualização dos profissionais de saúde.
O papel do médico na relação médico-paciente em Psiquiatria O médico diante de um portador de transtorno mental inicialmente deve lidar com seus próprios preconceitos. Não deve esperar um paciente que “não tem doença alguma” ou que “quer chamar a atenção”. Deve lembrar que há uma pessoa à sua frente, com história de vida, relações familiares, concepções a respeito do que tem, que podem ser corretas ou não. Estudantes de medicina ou médicos muitas vezes têm medo do paciente psiquiátrico, devido ao potencial de violência ou agressividade. Porém, portadores de psicose, por exemplo, têm risco de violência semelhante à população geral, sendo mais vítimas de violência que perpetradores. [8] Na relação médico-paciente com uma pessoa portadora de transtorno mental grave, é essencial que o médico tenha conhecimento sobre psicopatologia geral e experiência no trato desses pacientes. O paciente, por exemplo, pode ser hostil, agressivo à presença do médico, sem qualquer motivo ou atitude do profissional. Cabe ao profissional aceitar que tal comportamento não é pessoal, não é voltado especialmente ao médico, mas, sim, o modo como o paciente está lidando com seus sintomas, o modo como ele interage com todas ou quase todas as pessoas ao seu redor. Quando o médico percebe isso, é mais fácil manter a tranquilidade para uma boa relação médico-paciente. A comunicação por parte do médico deve ser cuidadosa, sucinta, porém utilizando termos simples, respeitando o nível cultural e educacional do paciente. Há muitos preconceitos por parte de familiares e pacientes dos sintomas de transtornos mentais, sendo muitas vezes tais sintomas interpretados como “problema espiritual”, “falta de fé”, “sem-vergonhice”, assim o profissional assume um papel importante na redução do estigma e correção das distorções de conceitos ligados a transtornos mentais. Quando se relaciona com os pacientes, o médico também deve se relacionar consigo mesmo. Ele deve procurar desenvolver uma inteligência emocional. São características de pessoas com inteligência emocional desenvolvida: percepção consciente acurada e monitorização de suas próprias emoções, modificação de suas próprias emoções tornando-as apropriadas ao contexto, reconhecimento e respostas adequadas às emoções de outras pessoas, habilidade em negociação de relacionamentos próximos, capacidade de focar emoções (motivação) em um objetivo desejado, adiando gratificações e controlando impulsos. (9) O desenvolvimento dessas características pode ocorrer com cursos, psicoterapia ou com a própria prática médica, através da experiência com diversos tipos de pessoas e situações clínicas.
Conclusão A relação médico-paciente tem fundamental importância na psiquiatria. Sem ela, pode-se dizer que
não existe prática psiquiátrica. Na relação, o paciente pode ter diversas posturas que a facilitam ou dificultam. Cabe ao médico conhecer essas posturas, lidar com os próprios preconceitos, conhecer as síndromes psiquiátricas através da psicopatologia, sabendo que as atitudes do paciente não são pessoais, mantendo a serenidade e profissionalismo, através do desenvolvimento de uma inteligência emocional.
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Eduardo José Brommelstroet Ramos Professor Adjunto de Anatomia da UFPR. Mestre e Doutor em Cirurgia pela UFPR. Research Fellow na Universidade Estadual de Nova Iorque (EUA). Clinical Fellow em Transplante de Fígado, Rim e Pâncreas na Clínica Mayo (EUA).
Julio Cezar Uili Coelho Professor Titular e Coordenador da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático da UFPR. Ex-Clinical Fellow da Universidade de Illinois, Chicago (EUA). Doutor em Medicina pela Universidade de Limburg, Maastricht (Holanda). Doutor em Medicina e Ex-Professor Visitante da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Pós-Doutoramento e Ex-Professor Assistente Visitante da Universidade do Texas, Houston (EUA). Livre-Docente pela USP, Ribeirão Preto, SP.
A relação re lação médico-paciente médico-paciente,, base da medicina, assim como os métodos de diagnóstico e terapêutica, precisa preci sa ser cada ca da vez mais mais aprim apr imorada. orada. As relações rela ções sociais soci ais são ext e xtrem remam ament entee dinâmicas dinâmicas e isso i sso impõe um ritmo que faz com que muitas vezes as relações interpessoais fiquem em segundo plano. No entanto, no atendimento médico isso não pode jamais ocorrer, pois, por mais simples ou complexo que seja o motivo que nos leva a um atendimento, o início se fará por meio de uma relação interpess int erpessoal oal de d e confiança confiança e grande expectativa expectativa quanto quanto ao retorn re tornoo da credibilidade credibi lidade depositada no profission profissio nal médico. médico. O sucesso da consulta consulta médica médica está vinculado vinculado à comunicação comunicação estabelecida, estabele cida, à in i nteração e ao grau de empatia obtido. Na ginecologia, habitualmente, as expectativas, desejos e exigências da paciente transcendem à queixa que motivou a consulta c onsulta médi médica. ca. Esses Esse s sentim s entimentos entos fazem com que o atendimento venha a ser direcionado de maneira abrangente à saúde da mulher, tanto nas esferas física e emocional como em todas as relações do universo feminino. Para melhor entendimento do amplo raio de ação de uma simples consulta ginecológica, serão abordados alguns alguns tópicos que ressaltam ress altam esse contexto. contexto.
Acolhimento inicial Este primeiro passo pass o se constitu constituii em e m um im importan portante te alicerce alic erce para que a relação rel ação médico-pacient médico-paci entee se concretize concretize adequadament adequadamente. e. Deve ser s er dado da do propiciando-se prop iciando-se um local seguro seguro para pa ra a consulta. consulta. Para isso, é importante que a paciente perceba uma relação de respeito desde a acolhida inicial pela secretária ou enfermeira. Um consultório bem montado, com o conforto mínimo e condições de discrição e confidenciali confidencialidade dade são fatores fatores im importan portantíssimos. tíssimos. A postura do ginecologista ao cumprimentar a paciente e tratá-la pelo nome poderá demonstrar, logo de início, que se trata de um profissional receptivo e digno de confiança. Durante a consulta a paciente deve sentirsentir-se se acolhida, protegida de interferências interferências externas externas e sem a presença de ruídos ou fatores fatores que venham venham a causar distrações, d istrações, para que possa revelar r evelar as suas s uas queixas queixas sem interrupções interrupções e sem receio de que possa estar sendo ouvida em outros ambientes. A anamn anamnese deve de ve transcorrer da d a maneira maneira mais mais livre livr e e espont es pontânea ânea possível, possível , sendo os dados
registrados em ordem fixa apenas na anotação médica, evitando-se imprimir à sua obtenção o caráter de depoimento engessado na sequência das perguntas. Como veremos a seguir, trata-se de colher dados dos aspectos mais variados, porque a vida íntima da paciente será revelada, merecendo, portanto, portanto, um uma postura postura cuidadosa e técnica do ginecologista. ginecologista.
Anamnese A história clínica em ginecologia, sabidamente, deve compreender vários itens que lhe impõem um fluxo de informações a ser seguido atentamente. Partindo-se de uma saudação inicial que reflita a disponibilidade disponibil idade do médico médico para ouvir a paciente e de uma uma pergunt perguntaa aberta que permita permita a elabora e laboração ção da queixa principal e história mórbida atual, diretamente relacionadas ao motivo do atendimento, seguem-se itens que vão explorar detalhes da vida reprodutiva, do instante hormonal em que vive a paciente, da sua sua sexualid sexualidade, ade, da compreensão compreensão de fenôm fenômenos enos fisio fisiológicos lógicos do seu trato trato genit genital al e das inter-relações com órgãos que se avizinham à pelve feminina. Itens específicos são produzidos no sentido de compor a visão geral do organismo feminino e com isso int interpretam erpretam-se -se adequadam a dequadament entee as respostas, separando s eparando o que pode ser fisiológico de um lado e o que for patológico de outro. Com esse objetivo, serão analisados alguns itens que devem compor a história clínica da paciente sob o ponto de vista das implicações diretamente envolvidas na relação médico-paciente. Antecedentes menstruais: menstruais: com o detalhamento do fluxo menstrual, a frequência e em especial a percepção da paciente, por meio de suas reações, podem-se obter dados importantes sobre o equilíbrio hormonal. É o momento de indagar se os dias da menstruação lhe causam algum algum im impacto pacto que possa ocasionar dificu di ficuldades ldades nas atividades diárias, diári as, quer laborativa, labora tiva, de estudo ou de relacionam relaci onament ento. o. Cria-se Cria- se um espaço livre l ivre para a paciente explanar explanar sobre so bre suas eventuais eventuais modificações físicas e emocionais, emocionais, à procura da quebra do paradig paradi gma da fase pré-menstru pré-menstrual al como período delicado. deli cado. Na maiori maioriaa das vezes, a tensão tensão pré-menstru pré-menstrual al (TPM) está atrelada atrelada a um rótulo rótulo pejorativo, pejo rativo, podendo levar a pacient paci entee a não revelar alterações, ainda que fisiológicas, durante esse período para não expor sua suposta fragilidade. Ante Antece ced de ntes te s obstétricos obstétricos: a vida obstétrica, as gravidezes e os puerpérios, assim como os planos para iniciar ou int interromper erromper a fertili fertilidade, dade, são partes ig i gualment ualmentee indissociáveis indissoci áveis da anamnese. Nesse momento, as pacientes se sentem muito à vontade e receptivas a passarem suas experiências, mesmo quando não bem sucedidas, pois no universo feminino a vida reprodutiva alcança alca nça um um dos maiores graus de relevância. r elevância. O escut es cutar ar atento atento de detalhes dos períodos período s pré-natais ou da adaptação adaptação aos prim pr imeiros eiros dias do recém r ecém-nascido -nascido transform transforma-se a-se em eco claro da plena interação médico-paciente. Exemplo típico da relevância desses dados na vida da mulher observa-se quando está presente no consultório a mãe como acompanhante da paciente. Dificil Dificilm mente ente no mom moment entoo de inquiri inquirirem rem-se -se os dados dad os obstétricos a mãe mãe se deixa
furtar furtar a oportu opor tunidade nidade de revelar re velar experiências por ela vivenciadas vi venciadas durante durante a gravidez da paciente. A ambivalê ambivalência ncia dos sentim sentiment entos os entre entre ser mãe e as consequências consequências à sua s ua vida profissional, assim assi m como como dificuldades no relacionament relacionamentoo com o parceiro, parcei ro, são problem prob lemas as que naturalmente podem emergir e devem ser escutados e orientados cautelosamente. A busca do planejament planejamentoo famili familiar ar consciente consciente e adequado para cada pacient paci entee deve ser a meta do ginecologista, expondo dados que permitam a reflexão da paciente e respeitando a sua decisão. Ante Antece cedente dentess mamári amários os:: diante do temor das doenças das mamas com as quais as mulheres hoje convivem, qualquer alteração, qualquer sintoma, automaticamente, gera a procura de umaa consulta imediata, um imediata, tornando-se tornando-se essencial a pront pr ontaa disponibilida di sponibilidade de do gin ginecologista ecologista em atendê-la e tranquilizá-la. Dessa forma, mesmo ciente de que dificilmente alguma queixa mamária amária passaria passar ia despercebi des percebida da por uma pacient paci ente, e, deve-se deve-s e ressaltar res saltar a im importân portância cia da atenção especial aos sintomas mamários, incentivando o auto-exame. Durante a consulta, o autoexam autoexamee deverá dever á ser demonst demonstrado rado de modo didático. Outro Outro dado da do especial espe cial se refere r efere aos detalhes da amam amament entação, ação, ao incentivo incentivo e ao preparo para a adesão incondicio incondicionnal e por tempo prolongado da amamentação materna exclusiva. Os temores da paciente e os aspectos relacionados relac ionados à autoestim autoestimaa naquela que apresent apr esentee alterações a lterações morfológicas im i mportantes portantes das mamas amas devem deve m ser ex e xplorados plora dos e orient or ientados, ados, pois poi s podem ser causadores de alterações alteraç ões na sexualid sexualidade, ade, in i nicialm icia lment entee não verbalizados verbal izados pela pel a pacient paci ente. e. Antecedentes sexuais: sexuais: detalhes da vida sexual devem ser inquiridos com especial cuidado, pois se trata de um mom oment entoo em que a vida íntim íntimaa da pacient pacie ntee é revelada revel ada e, portanto, portanto, um uma postura postura cautelosa e respeitosa respei tosa deve ser adotada. As disfunções disfunções sexuais sexuais podem ser negligenciadas negligenciadas se o ginecologista ginecologista não procurar dar espaço para p ara que a pacient pac ientee verbalize verba lize as queixas que podem ser o verdadeiro e único motivo da consulta. É importante, nesse momento, trazer à compreensão que dados da vida sexual, como dor ou sangramento, não podem passar despercebidos, desperce bidos, pois poi s podem ser im i mportantes portantes indícios de patologias específicas especí ficas hormonais ou tumorais. Antecedentes de doenças de transmissão sexual, o conhecimento das principais doenças, os meios meios de transmissão transmissão e prevenção pr evenção serão indagados, indagados, corrigin corr igindo-se do-se eventuais erros de entendimento e estimulando os cuidados e a orientação para, diante de sinais de alerta, buscar o atendimento adequado. É o momento de revelarem-se hábitos e gêneros, as relações hetero e homossexuais, estabelecendo-se um diálogo ao mesmo tempo compreensivo compreensivo e técnico, totalment totalmentee isent i sentoo de indício de qualquer juíz j uízoo de valor do médico assistente. Anticoncepção: Anticoncepção: as suas variadas varia das formas formas im i mplicarão plica rão diretam d iretament entee em sintom sintomas as cíclico cí clicoss ou acíclicos, acícl icos, assim como como na adequação da vida sexual. sexual. Trata-se, Tra ta-se, igualment igualmente, e, de expor de maneira clara cl ara a im importân portância cia de a paciente estar atenta atenta à melhor forma forma de se precaver pr ecaver da gravidez se não for o seu desejo. A presença desse item obrigatório na anamnese é um bom
exemplo do caráter educativo do qual se reveste a relação médico-paciente em ginecologia. Em especial, no atendimento de adolescentes, durante a consulta, devem ser expostos abertamente os métodos anticoncepcionais. Uma explanação didática simples poderá ser a porta aberta para que essa adolescente se sinta à vontade e retorne para solicitar a prescrição de um método contraceptivo antes ou logo no início de sua vida sexual. Leucorreia: esse item revela a necessidade de explorarem-se dados da fisiologia feminina para que suas alterações possam ser precocemente percebidas. É preciso entender o grau de percepção da mulher às suas secreções fisiológicas, o muco vaginal e o muco cervical, que podem se constituir, mesmo quando fisiológicos e adequados, em uma queixa importante de desconforto ou não adaptação à vida sexual. Da mesma forma, deve-se destacar a importância da perfeita caracterização pela paciente para que alterações patológicas sejam percebidas e reveladas de imediato. Queixas referentes a outros órgãos e aparelhos: ressaltam-se os sintomas pertinentes aos órgãos vizinhos, em especial dos aparelhos gastrointestinal e urinário. Sintomas específicos, mesmo não sendo relacionados a patologias desses órgãos, mas sim a condições fisiológicas, podem causar repercussões com grande desconforto na região pélvica feminina. Nesse quesito, duas possibilidades devem ser consideradas: primeira, os sintomas refletirem doenças dos aparelhos vizinhos e, portanto, a anamnese cuidadosa revelará que a verdadeira causa da alteração motivadora da consulta não é de origem ginecológica; segunda, se o relato for negligenciado, pode-se deixar escapar a possibilidade de intervir em aspectos fisiológicos do aparelho urinário e gastrointestinal, que se corrigidos levarão a paciente a um maior conforto e adequação. Condições e hábitos de vida: dados gerais do dia a dia da paciente, do seu trabalho ou estudo, atividades físicas, aspectos nutricionais, tabagismo, ingesta de bebidas alcoólicas, uso de drogas ou outras substâncias de uso contínuo irão compor o perfil psicossocial da paciente. Esses dados revestem-se de grande importância e devem ser exaustivamente inquiridos. Exemplificando, o tabagismo aumenta o risco de fenômenos trombo-embólicos quando associado a medicações hormonais que são frequentes na vida da mulher, como os anticoncepcionais orais ou terapias de reposição hormonal na menopausa. Da mesma forma, o incentivo constante à prática de atividade física irá em muito beneficiar a paciente, tanto para o seu preparo para a gravidez e para a recuperação pós-parto como para adequação ao climatério e pós-climatério, enfim, para uma vida sempre saudável. Temas estéticos podem ocupar espaço nesse momento, pois têm reflexo importante na adesão a certos tratamentos e implicação direta na sexualidade da mulher. Esse é o momento da anamnese, em que o ginecologista reafirma a sua condição de participante ativo nos cuidados à mulher, impondo o seu caráter de promotor da saúde em todos os momentos de vida. Essa interação fortalece a relação médico-paciente, tornando-a duradoura e refletindo traços de confiança e amizade. Reflexo desse envolvimento é a continuidade do atendimento ao longo dos anos que se faz
entre o mesmo médico e a mesma paciente. Com frequência, o ginecologista detentor de uma relação médica consistente encontra-se agraciado com a possibilidade de acompanhar a mesma paciente desde a adolescência, nas suas gravidezes, na maturidade e no período de climatério.
A interpretação dos dados da anamnese Na análise das principais queixas motivadoras das consultas ginecológicas, ao contrário de muitas especialidades médicas, vemos que inexiste o predomínio de doenças como suas determinantes. Culturalmente, a mulher brasileira transformou a consulta ginecológica em um elo fundamental para a sua saúde. As mães orientam sistematicamente as filhas para que façam a prevenção do câncer ginecológico, em especial da citologia oncótica de Papanicolaou, que é largamente realizada e se encontra à disposição das mulheres praticamente em todos os municípios brasileiros. Igualmente, as mulheres são condicionadas a receber orientação anticoncepcional, procuram esclarecer sintomas relativos à menstruação e às secreções vaginais. Procuram ter um seguimento exemplar no período pré-natal e preocupam-se precocemente com as alterações que possam ocorrer no climatério. Isso resulta em consultas periódicas e consequentemente o ginecologista irá fornecer apenas orientações, sem a necessidade de prescrições médicas, numa grande parcela dos atendimentos. Evidentemente, não se pode negar a relevância da queixa principal, mas ressalta-se que todos os itens da anamnese anteriormente citados devem ser explorados exaustivamente. A motivação inicial da consulta pode, não raras vezes, ocultar o verdadeiro motivo da procura assistencial. Pode-se citar como exemplo uma adolescente que apresenta queixas inespecíficas de corrimento ou cólicas menstruais, mas que, na verdade, anseia pela orientação de um método anticoncepcional. Mulheres na menacme com queixas menstruais inespecíficas podem estar vivenciando dificuldades na vida sexual e este dado só será revelado se pesquisado pelo médico. Da mesma forma, mulheres no climatério, ao indicarem desconforto com fogachos, muitas vezes estão vivenciando sintomas depressivos que, se não explorados na anamnese, tornam a consulta para ela inútil e frustrante. A postura atenta, não relegando qualquer informação, e estando sempre pronto para dar uma palavra de orientação, fará do ginecologista uma pessoa de especial importância na vida da paciente, o que pode ser verificado pelos retornos frequentes com o mesmo profissional por anos seguidos.
O exame ginecológico O exame ginecológico será realizado após a cuidadosa anamnese, na qual o ginecologista deve ter estabelecido um grau de confiança com a paciente e criado nela a inequívoca percepção do respeito que irá nortear todo o procedimento. Nesse momento, é essencial ter instalações adequadas e protegidas para a paciente se preparar para o exame e ao mesmo tempo sentir-se segura em todos os seus passos. A presença de uma auxiliar é fundamental, e deve ficar posicionada lateralmente à paciente e manter com o médico examinador um diálogo estritamente profissional. Todas as etapas do exame serão realizadas de modo a expor o mínimo possível a paciente, respeitando-se a sua
intimidade, porém sem descuidar da semiologia ginecológica completa. Na eventualidade de solicitação da presença da mãe ou marido na sala de exames, deve-se obedecer à vontade expressa da paciente. Caso assim ela o deseje, o acompanhante será colocado preferencialmente à cabeceira da paciente, obedecendo à determinação do médico assistente, que, ao mesmo tempo em que atende o desejo da paciente, estabelecerá de maneira nítida os limites por ele permitidos para a presença na sala. Ao dialogar com a paciente após o exame, todas as instruções deverão ser dirigidas a ela de maneira não excessivamente técnica e, caso haja acompanhante, a ele será conferido apenas o papel de ouvinte secundário. Nesse momento, independentemente da causa motivadora da consulta, a revisão dos dados referentes à saúde geral, reprodutiva e prevenção de câncer ginecológico devem ser revistos e acentuados enfaticamente.
A finalização do atendimento Como demonstrado, a consulta ginecológica é ampla, sendo mais bem caracterizada como um momento destinado à saúde da mulher. O motivo dessa consulta é variado: orientação relativa a fenômenos fisiológicos do ciclo menstrual; fenômenos hormonais em diferentes fases da vida, como da puberdade ao climatério; procura de controle dos ciclos menstruais e fertilidade; prevenção dos cânceres ginecológicos; ou simplesmente com o motivo de acompanhamento da saúde, intensificando a relação médico-paciente ano após ano na vida da mulher. Na atualidade, em plena era digital, o ginecologista pode utilizar-se de meios que permitam esclarecimentos complementares à paciente e com isso obter maior aderência às suas recomendações. A disponibilidade de ser contatado por mensagens via telefone celular ou via internet deve ser incentivada. Muitas vezes, questões simples como o que fazer com o esquecimento da tomada de uma pílula, o modo de utilizar determinado medicamento, a orientação quanto a um inesperado atraso menstrual, a percepção de uma menstruação com um fluxo pouco maior, cólicas mais intensas ou um novo sintoma no período pré-menstrual podem ser esclarecidas de imediato, tranquilizando a paciente e orientando-a até que possa receber, se necessário, atendimento médico complementar. Existe uma tendência maior para o uso de mensagem via internet pela possibilidade de inclusão de informações mais detalhadas, além da segurança de que essas mensagens somente serão acessadas, por meio de senha, pelo interlocutor. Essa forma de comunicação pode ser oferecida à paciente e, para ser efetivada, deve-se assegurar da anuência dela, bem como disponibilidade e confidencialidade na troca de informações. Por último, ressalta-se a crescente participação dos ginecologistas na atenção primária à saúde, atuando, com destaque, na prevenção e promoção da saúde. Além do caráter habitual da consulta para a pesquisa de processos patológicos, os aspectos educativos e preventivos constituem-se em um importante elo na promoção da saúde da mulher, seja qual for a etapa de vida em que se encontre no momento da realização da consulta ginecológica.
eferências bibliográficas BEREK, J. S.; HILLARD. P. J. A. avaliação e comunicação iniciais. In: BEREK & NOVAK. Tratado de ginecologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 3-19. CANELLA, P. R. B. A relação médico-paciente: instituição em ginecologia na ótica do médico. In: HALBE, H. W. Tratado de ginecologia. 2. ed. São Paulo: Rocca, 1994. p. 3-22. CASTAÑO, P. M.; STOCKWELL, M. S.; MALBON, K. M. Using digital technologies to improve treatment adherence. Clin Obstet Gynec., v. 56, n. 3, p. 434-445, set. 2013. HILL, L.; ERICKSON, K.; HOLZMAN, G. B.; POWER, M. L.; SCHULKIN, J. Practice trends in outpatient obstetrics and gynecology: findings of the Collaborative Ambulatory Research Network, 1995-2000. Obstet Gynecol Sur., v. 56, n. 8, pp. 505-16, ago. 2001. LAMONT, J.; HAMILTON, O. N. Female sexual health consensus clinical guidelines. J Os tet Gynaecol Can., v. 34, n. 8, pp. 769-75, ago. 2012. SARMENTO, R. A relação médico-paciente: ponto de vista psicológico. In: HALBE, H. W. Tratado de ginecologia. 2. ed. São Paulo: Rocca; 1994. p. 23-27.
Edson Luiz Almeida Tizzot Professor Adjunto de Ginecologia e Bioética da UFPR. Mestre e Doutor em Ginecologia. Fellow FAIMER ( Foundation for dvancement of International Medical Education and Research ). Ex-coordenador do Curso de Medicina da UFPR.
A semiologia na pesquisa clínica Abordaremos alguns aspectos importantes sobre o papel da pesquisa clínica na prática médica, que estuda e avalia as terapêuticas e assim contribui para a Medicina Baseada em Evidências. Inicialmente faremos um relato sobre a importância e a estrutura de um Centro de Pesquisa Clínica, tema pouco discutido durante a formação médica e áreas afins. Com isso, esperamos despertar interesse de alunos de medicina e médicos para essa importante área que contribui significativamente com a evolução da medicina e nas tomadas de decisão.
Estudos clínicos Com o objetivo de aprimoramento do conhecimento médico, um estudo clínico é realizado em voluntários humanos obedecendo a todos os preceitos de ética em Pesquisa Médica, regida por princípios da ética e respeito ao ser humano. Além disso, possui uma regulamentação específica e de abrangência universal. Há dois tipos de estudos clínicos: os ensaios clínicos e estudos observacionais. O ensaio clínico ou de intervenção compara uma nova terapêutica ou procedimento com uma já usual, ou ainda com placebos, que não contêm princípios ativos. Esses ensaios clínicos são realizados com base em um protocolo específico, e seguem uma normatização científica contendo um racional do estudo, objetivos, critérios de seleção e não seleção dos pacientes, procedimentos a serem adotados, plano de acompanhamento, estatística e todas as especificações pertinentes à segurança do paciente. Os estudos observacionais avaliam os resultados em um determinado grupo de pacientes após receberem intervenção medicamentosa ou dispositiva terapêutica, como parte da rotina médica, não sendo atribuídas intervenções específicas. 1. Fases dos Estudos Clínicos O desenvolvimento das novas medicações começa geralmente em ensaios pré-clínicos em animais, para demonstrar a eficácia, antes de ser testado em seres humanos. O desenvolvimento de uma nova droga e a sua utilização na prática médica demoram muitos anos e passam por várias fases, a saber: Fase I: realizada em pequeno número de pacientes e testa a segurança da terapêutica. São analisados a tolerância do novo fármaco, os efeitos colaterais e a segurança de doses progressivas até a dose máxima e sua possível toxicidade.
Fase II: é uma fase destinada a avaliar a eficácia do medicamento e inclui um número maior de pacientes, geralmente 20 a 100 com o mesmo tipo de problema. Fase III: é realizada a comparação entre os tratamentos padrões e a nova proposição e avaliados os efeitos colaterais. Geralmente são incluídos um número grande de pacientes, como na cardiologia e endocrinologia, que atingem entre 10 a 20 mil pacientes. Nessa fase é comum à randomização dos pacientes, isto é, os pacientes ficam com seus tratamentos conforme o padrão estabelecido pelo seu médico, e a nova terapêutica é testada com a substância ativa comparada com placebo. Em muitos estudos com embasamento científico prévio é realizada a comparação entre a medicação usual e a nova, na forma aleatória. Com essa fase concluída e a terapêutica avaliada mostrando a comprovação da eficácia e efetividade, os órgãos regulatórios dos governos aprovam a medicação para uso comercial. Fase IV: aqui os pacientes são avaliados geralmente após a comercialização do produto, por tempo prolongado e em número de pessoas muito grande. São monitorados os efeitos colaterais, qualidade de vida e efeitos em diferentes populações. 2. Objetivos dos estudos clínicos Os estudos clínicos possibilitam o aumento do conhecimento médico relacionado ao diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças. O propósito de estudar o tratamento medicamentoso já conhecido é verificar a eficácia e a eficiência em uma nova indicação clínica. Nos novos medicamentos, o estudo visa analisar a evidência científica e fornecer dados para a regulamentação do produto, se comprovada sua eficácia. 3. Etapas dos estudos clínicos e a ênfase na semiologia Na pesquisa clínica os estudos são realizados seguindo uma sequência operacional, que descrevemos sucintamente a seguir: a) Visita de seleção A etapa inicial é a seleção dos pacientes, que serão recrutados para o estudo se preencherem os critérios de inclusão e não os de exclusão. Nessa fase, o paciente e o investigador ainda não decidiram a entrada no estudo. Após análise do investigador e a verificação de todos os critérios, o paciente será selecionado. A partir disso, de maneira voluntária, a decisão é do paciente ou testemunha imparcial, que pode ser um familiar ou acompanhante. Em pacientes menores de idade e em pessoas com dificuldade de decisão, os pais ou responsáveis legais poderão opinar e assinar. b) Visita de inclusão Nos pacientes elegíveis, a próxima etapa é uma dos mais importantes, que é a obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Após verificar que o sujeito da pesquisa preencheu os critérios do estudo, esse termo assegura toda a proteção ética ao paciente, para que o estudo seja conduzido de maneira correta, bem como que todos os pontos do estudo sejam esclarecidos antes do início. Deve ser aceito voluntariamente pelo sujeito, após plena apresentação do protocolo e seus
objetivos. Após o aceite, tanto o pesquisador quanto o paciente assinam, datam e ficam com cópias do TCLE. Esse termo deve ser obtido com tempo suficiente para o paciente ou representante legal decidirem se participarão ou não do estudo. O ambiente deve ser favorável, tranquilo e sem nenhuma interferência da equipe do centro de pesquisa ou qualquer coação. Uma das mais importantes etapas do estudo é a visita inicial, onde o relacionamento médico paciente é instituído, que se refletirá por todo o estudo. A permanência no estudo e bom seguimento do tratamento dependerão desse contato com a equipe do centro de pesquisa. Nessa visita inicial, é fundamental a aplicação da semiologia clássica. Desde a queixa principal e todos os detalhes da história clínica são analisadas pelo investigador. Mesmo que a doença do foco principal do medicamento ou aparelho a ser estudado seja específico, todas as doenças prévias devem ser exploradas ao máximo. Outros pontos a serem especificados são os tratamentos anteriores, com a data de início e final de cada terapêutica. Esses detalhes são importantes para que a análise do novo tratamento investigacional instituído não seja confundido com os eventos adversos que devem ser muito bem relatados durante o estudo. Os hábitos de vida precisam ser relatados e podem refletir em todos os níveis do tratamento prévio ou do produto investigacional. Os dados vitais são obtidos seguindo todos os preceitos técnicos da aferição da pressão arterial, frequência cardíaca, peso e altura. Conforme o protocolo, alguns dados específicos são solicitados, como medida das pregas cutâneas, relação cintura-quadril e circunferência abdominal. O exame físico é iniciado pela inspeção, descrevendo os aspectos ectópicos, a descrição das características das mucosas, pele e fâneros. Na palpação o objetivo é detectar a presença de linfomegalia, massas, verificação do ictus cardíaco, frêmitos, visceromegalias e edemas. A ausculta deve incluir a verificação da presença de sopros carotídeos, cardíacos, campos pleuropulmonares, sopros abdominais e outros. A percussão é útil nos casos de macicez visceral e derrames pleurais e outros. Mesmo que o foco de um produto investigacional tenha objetivos específicos, o exame físico precisa ser detalhado e reportar qualquer alteração. Assim, se os achados forem frequentes e comuns a vários centros de pesquisa do mundo, pode-se estar à frente de um dado relevante na avaliação final do produto. c) Guia de Boa Prática Clínica (GCP) Criado após a Segunda Guerra Mundial com a finalidade de regularizar a pesquisa envolvendo seres humanos, evitando assim as atrocidades observadas durante a guerra. Foi elaborado pela União Europeia, Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Países Nórdicos e Organização Mundial de Saúde (WHO). O Manual Tripartite Harmonizado (Conferência Internacional de Harmonização), aprovado em 17 de julho de 1996, cita: “A Boa Prática Clínica é um padrão de qualidade científica e ética internacional para o desenho, condução, registro e relato de estudos que envolvam a participação de seres humanos”. A aderência a esse padrão assegura a garantia pública de que os direitos e a
segurança de bem-estar dos pacientes participantes desses estudos estão protegidos, consoantes com os princípios que têm sua origem na Declaração de Helsinki, bem como a credibilidade dos dados do estudo clínico. Essas normatizações éticas no Brasil são regidas pela Comissão Nacional de ética em Pesquisa (CONEP), que está diretamente ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). A comissão foi criada pela Resolução do CNS 196/96 como uma instância colegiada, de natureza consultiva, educativa e formuladora de diretrizes e estratégias no âmbito do Conselho. Cada centro ou núcleo de pesquisa precisa estar ligado a um Comitê de Ética em Pesquisa da cidade ou da própria instituição. O Guia de Boa Prática Clínica determina que o investigador principal seja o responsável pela condução do estudo dentro da instituição onde o estudo será realizado. Como geralmente o centro de pesquisa possui vários componentes, o investigador principal poderá ser o coordenador responsável. 4. Estrutura de um Centro de Pesquisa Clínica Além do coordenador responsável, que geralmente é o investigador principal, a estrutura é composta de outros coordenadores que podem ser profissionais da área médica e afins. É necessária uma pessoa que tenha maior contato com o paciente, geralmente uma enfermeira. Além da ajuda ao médico, faz a dispensação e a orientação do produto investigacional. Muitos centros possuem uma farmacêutica para essa função. É necessária uma pessoa treinada para a coleta de materiais fisiológicos (sangue, urina e outros) e com curso e certificação em remessa do material fisiológico para o laboratório central. Uma coordenadora precisa tratar dos aspectos regulatórios, recebimento de material investigacional, documentos, correspondências, correio eletrônico e outros aspectos gerenciais. Além disso, os dados do paciente precisam ser enviados ao centro coordenador através de programas especiais, com conexão direta ao centro internacional, que controla todos os dados do estudo. Os sub-investigadores são médicos que devem ter treinamento na pesquisa, dedicação suficiente e a certificação de Boas Práticas em Pesquisa. A estrutura do centro deve oferecer condições de adequado atendimento com todo o material básico. Os equipamentos especiais podem fazer parte da instituição. Os pacientes são encaminhados de outros serviços e dos setores do próprio hospital, tais como setor de internação, emergência, outras especialidades, ambulatório, etc. O investigador principal é responsável pela divulgação e esclarecimento dos protocolos dos estudos. O prontuário do paciente precisa ser completo e conter todas as informações necessárias: identificação completa, história da doença atual, história pregressa, condições e hábitos de vida, exame físico, detalhamento dos exames complementares realizados e plano de conduta. O arquivo deverá ficar sob a responsabilidade do centro de pesquisa durante 15 anos.
eferências bibliográficas CALIFF, R. M.; HARRINGTON, R. A.; MADRE, L. K.; PETERSON, E. D.; ROTH, D.; SCHULMAN, K. A. Curbing the cardiovascular disease epidemic: Aligning industry, government, payers, and academics. Health Affairs (Millwood), v. 26, n. 1, pp. 6274, 2007. EICHLER, H. G.; ABADIE, E.; BRECKENRIDGE, A.; LEUFKENS, H.; RASI, G. Open clinical trial data for all? A view from regulators. PLoS Me dicine, v. 9, n. 4, 2012. LAINE, C.; GOODMAN, S. N.; GRISWOLD, M. E.; SOX, H. C. Reproducible research: moving toward research the public can really trust. Annals of Internal Medicine, v. 146, n. 6, pp. 450-453, 2007. LAINE, C.; HORTON R.; DEANGELIS, C. D.; DRAZEN J. M.; FRIZELLE, F. A.; GODLEE, F. et al. Clinical trial registration looking back and moving ahead. N Eng J Med., v. 356, n. 26, pp. 2734-2736, 2007. PENG, R. D.; DOMINICI, F.; ZEGER, S. L. Reproducible epidemiologic research. American Journal of Epidemiology, v. 163, n. 9, pp. 783-789, 2006. RODWIN, M. A.; ABRAMSON, J. D. Clinical trial data as a public good. JAMA, v. 308, n. 9, pp. 871-872, 2012. WENG, C.; LI, Y.; BERHE, S.; BOLAND, M. R.; GAO, J.; HRUBY, G. W. ET al. An Integrated Model for Patient Care and Clinical Trials (IMPACT) to support clinical research visit scheduling workflow for future learning health systems. J Biomed Inform., v. 46, n. 4, pp. 642-52, 2013.
Dalton Bertolin Précoma Professor Titular de Cardiologia da PUCPR. Doutor em Cardiologia pela USP. Mestre em Cardiologia pela UFPR. Fellow do American College of Cardiology e da European
Society of Cardiology .
Introdução Ter confiança no médico é médico é o principal fator para uma boa relação médico-paciente. Confiar um filho a um tratamento ou consulta médica faz da relação médico-paciente-família algo mais do que especial para a pediatria. Este capítulo tem por objetivo caracterizar as particularidades dessa relação. A consulta consulta pediátrica pediátric a possui aspectos as pectos característicos carac terísticos próprios pr óprios,, diferentes da consulta consulta normal normal de um adulto. Ela tem a peculiaridade peculiar idade de não ser uma relação rel ação médico-pacient médico-paci entee direta, dir eta, mas mas sim si m uma relação rel ação triangular: triangular: um médico (pediatra/clínico/ci (pediatra/ clínico/cirurg rurgião), ião), um paciente (lacten (l actente/criança/adol te/criança/adolescente) escente) e um umaa famíli famíliaa (mãe/pai/avós/i (mãe/pai/a vós/irm rmãos/cuidadore ãos/cuidadores). s). Essa Ess a relação rel ação triang tri angular ular exige exige uma uma sim si mbiose, uma relação rel ação mais intensa, um vínculo complexo entre o médico, a criança e os informantes, geralmente a mãe. Se o pediatra conseguir gerar um ambiente de integração na consulta, a cumplicidade entre ele, o paciente e a fam famíli íliaa existirá, e as chances chances de um tratament tratamentoo funcion funcionar ar serão ser ão maiore maiores. s. Para que esse confiança, empatia e empatia e tempo. tempo. triângulo obtenha sucesso, três condições são fundamentais: confiança, empatia com a Na pediatria, mu muito mais mais do que em out outras ras especial espe cialidades, idades, é necessário necessár io criar cri ar uma uma empatia com família e a criança. Desde o início da consulta é preciso recebê-los com sorriso nos lábios, expressar int interess eressee na fala, nas inform informações ações da famíli família, a, principalm pr incipalment entee nas da mãe, criando cr iando condição confiança. Isso inclui honestidade, tanto da família sobre para um bom bom,, rápido e crescent cr escentee estado de confiança. as inf i nform ormações ações prestadas, p restadas, uma uma vez que serão muitas muitas vezes a base bas e do raciocí r aciocínio nio clínico do pediatra, p ediatra, quanto do profissional nas explicações de tratamento, para que a família e a criança assumam aquilo como como verdades verda des a serem seguidas. seguidas. A conquista conquista da famíli famíliaa é im importan portante te para a boa prática da pediatria. pediatria . O comportam comportament entoo do pediatra e seu interesse interesse na consulta consulta contam contam pontos pontos nessa relação. relaç ão. Algumas técnicas de entrevista usadas por profissionais para controlar o tempo da consulta, como pergunt perguntas as de “sim “si m ou não”, não”, podem indicar para a famíli famíliaa uma uma falta de interesse interesse interpessoal por parte do pediatra e piorar essa relação, prejudicando a evolução do tratamento. [1] tempo, sabemos que a consulta pediátrica por si só já demanda um tempo muito Em relação rela ção ao tempo, maior do que a de out outras ras especialida especi alidades. des. Além dos problem probl emas as recent r ecentes es que trazem a famíli famíliaa ao médico, sem s empre pre se s e deve avaliar avali ar as questões questões rotineiras da criança. cri ança. A grande grande dificuldade atual atual da medicin edici na pediátrica pedi átrica brasil br asileira eira é o tempo, tempo, devido devid o ao número número excessivo excessi vo de con c onsultas sultas nos nos postos de atendim atendiment entoo e nos consultórios consultórios de convênios. Os pediatras pedi atras devem interferir interferir nas políticas de saúde sa úde
A relação médico-paciente é o pilar fundamental da medicina. Entretanto, o seu ensino é negligenciado na maioria das escolas médicas do Brasil. Apesar da constante e crescente judicialização da medicina no Brasil, ainda é a quebra da relação médico-paciente a principal causa de ações contra médicos e instituições de saúde no país. O Direito Médico tem por característica que um mesmo ato pode levar a vários e diferentes processos. Por exemplo, um paciente insatisfeito, usuário de um plano de saúde de uma cooperativa de serviços médicos, pode buscar seus direitos de forma administrativa junto à cooperativa e junto ao Conselho de Medicina. Pode ainda fazer uma notícia crime, embrião de um processo criminal e, ainda, buscar uma indenização em um processo civil. Do ponto de vista legal, a relação médico-paciente envolve direitos e deveres de ambas as partes. Entretanto, essa não é uma relação direta apenas entre o médico e o paciente, pois também podem estar envolvidos os familiares do paciente, outros médicos e as operadoras de planos de saúde. Exercer a medicina, antes de tudo, é conhecer o Código de Ética Médica (CEM), que é a Resolução do Conselho Federal de Medicina de número 1.931/2009 [1], e as demais resoluções do Conselho Federal de Medicina. Porém, não basta ao médico conhecer apenas o CEM, pois como cidadão tem a obrigação de conhecer a Constituição Federal [2] e as demais leis do ordenamento jurídico nacional, no que se refere à sua profissão, com especial destaque para tópicos do Código Civil [3], do Código Penal [4], do Código de Defesa do Consumidor [5], do Estatuto da Criança e do Adolescente [6], do Estatuto do Idoso [7] e da Lei dos Planos de Saúde [8]. Os dois primeiros princípios fundamentais do CEM definem, de maneira inequívoca, a posição do paciente na relação médico-paciente: I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Como não poderia deixar de ser, a medicina gera direitos e deveres para ambas as partes na relação médico-paciente. O médico tem autonomia e liberdade para exercer a sua profissão. A autonomia está definida no Princípio Fundamental VII:
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
O médico não precisa atender a todos, pois não é obrigado a atender a quem não deseje ou em situações que contrariem a sua consciência. O melhor exemplo de situação contrária aos ditames da consciência do profissional é o aborto legal [4], em que a paciente tem direito de fazê-lo, porém o médico contrário ao aborto não tem a obrigação de executá-lo. Porém, essa não é uma autonomia plena, pois se limita em prol do paciente em três situações: quando não houver outro médico; nos casos de urgência ou de emergência, pois caracteriza omissão de socorro; e nas situações que, mesmo tendo mais de um médico, a atuação de determinado profissional, se não se der, poderá trazer danos ao paciente, como na situação em que, na presença de vários médicos e somente um neurocirurgião, este não pode se recusar a drenar um hematoma extradural em expansão. Além da autonomia, o médico também tem liberdade no atendimento ao paciente, que está definida no Princípio Fundamental VII do CEM: VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.
Essa liberdade não pode ser renunciada pelo médico e serve para que as Instituições com quem o médico se relaciona (hospitais, planos de saúde, sociedades de classe, etc.) não limitem a sua atuação em prol do paciente para o cumprimento de normas burocráticas ou financeiras. Então, são direitos fundamentais do médico a liberdade e a autonomia, porém jamais o médico pode esquecer que quem se trata é o paciente, que tem o direito de decidir sobre a sua pessoa e seu bemestar. Isso é definido no Princípio Fundamental XXI: XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
Entretanto, no respeito à decisão do paciente, o médico não precisa e não deve infringir os ditames de sua consciência, a legislação vigente e a ciência médica. Também deve evitar a obstinação terapêutica nos casos de doentes terminais, como prescreve o Princípio Fundamental XXII do CEM: XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
O Código de Ética Médica de 2009 trouxe em relação ao seu antecessor de 1988 a perda da
punibilidade por infrações aos Princípios Fundamentais, fazendo com que esses princípios sejam reproduzidos novamente nos artigos das secções de Direitos do Médico e de Deontologia do Código. Isso é visto nos Direitos do Médico II, VIII e IX. É direito do médico: II – Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente. VIII – Decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas venha a prejudicá-lo. IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
A parte deontológica do CEM é composta de 118 artigos, divididos em 11 capítulos, sendo o Capítulo V dedicado exclusivamente à relação médico-paciente. Todos os 118 artigos iniciam com norma impositiva: “É vedado ao médico”, seguida do texto dessa vedação em cada artigo. No Capítulo III, que aborda a responsabilidade profissional, o artigo segundo diz: Art. 2º É vedado ao médico: Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.
A vedação é para a proteção do paciente, para que pessoas não capacitadas e habilitadas pudessem atuar, por delegação do médico, atos exclusivos da profissão. Porém, isso foi profundamente alterado pela Lei do Ato Médico [9], que retirou da profissão de médico vários atos exclusivos, a começar pela exclusividade de fazer diagnóstico e propor tratamento. A medicina gera uma obrigação de meio, em que o médico coloca todo o seu conhecimento e a sua técnica a serviço no paciente, não se comprometendo com o resultado alcançado [10]. Porém, essa obrigação de meio não é entendida por corrente majoritária do Judiciário Brasileiro no que se refere à cirurgia plástica estética, que entende gerar uma obrigação de resultado, em que o médico se compromete com o resultado obtido pelo procedimento. O médico é sempre responsável pelos seus atos no atendimento ao paciente, mesmo quando o paciente autoriza o tratamento ou que estejam atuando diversos médicos no caso. Também, o médico não deve assumir responsabilidade por ato que não praticou. Isso é definido nos artigos 3º, 4º e 5º do CEM, que dizem ser vedado ao médico: Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente. Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal. Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou. Os insucessos de tratamento podem acontecer e fazem parte do exercício da medicina. Algumas
vezes são decorrentes da quebra de responsabilidade de Instituições (por exemplo, falta de um material cirúrgico) ou mesmo do próprio paciente (por exemplo, não seguir o tratamento prescrito), mas para fazer essa alegação o médico tem que ter a devida comprovação de acordo com o artigo 6º do CEM: Art. 6º Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado. A omissão de socorro a uma pessoa em necessidade é crime [4] e é mais grave quando cometida por um médico, que por sua profissão tem o conhecimento da gravidade que isso pode trazer para o paciente. O médico pode evitar essa lamentável situação com a observância dos artigos 7º, 8º e 33 do CEM, que diz ser vedado ao médico: Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria. Art. 8º Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave. Art. 33 Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo. O Capítulo IV do CEM aborda os Direitos Humanos e três de seus artigos são altamente relevantes na relação médico-paciente, a começar pelo artigo 23, que diz ser vedado ao médico: Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Obviamente que esse artigo se aplica a todos, médicos e não médicos nas relações interpessoais, pois é uma questão de educação pessoal e um dever expresso na Constituição Federal. Em todas as situações, por mais difícil que seja para o médico, este deve sempre garantir ao paciente o direito da decisão final sobre o seu tratamento, pois é ele que necessita do tratamento e a ele que está voltada toda a atenção do médico, em respeito aos artigos 24 e 22 do CEM, que afirmam ser vedado ao médico: Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Se a decisão final do tratamento é do paciente, cabe ao médico o respeitar o artigo 31 do CEM, que abre o Capítulo V que aborda a relação do médico com pacientes e familiares: Art. 31. É vedado ao médico: Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal
de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
As limitações dessa decisão se fazem quando há risco iminente de morte, quando o médico tem obrigação de atuar em prol da vida do paciente; ou quando a decisão do paciente vai de encontro dos ditames da consciência do médico ou contra os postulados da ciência médica. Nessas situações, o médico deve esclarecer sua posição, solicitando ao paciente que procure atendimento em outro serviço de saúde que concorde com as suas decisões. Mesmo na função de docente, o médico deve obter o devido consentimento do paciente, como se vê no artigo 110 do CEM: Art. 110. É vedado ao médico: Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado. Cabe ao médico utilizar de todos os meios de diagnóstico e tratamento em prol do paciente, evitando, porém, a obstinação terapêutica, nos casos de doente terminal, sem, contudo, jamais praticar qualquer ato que possa caracterizar eutanásia, mesmo a pedido do paciente ou de seus familiares. Isto é visto nos artigos 32 e 41 do CEM: Art. 32. É vedado ao médico: Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Art. 41. É vedado ao médico: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Na maioria das vezes, o primeiro contato do médico com o paciente se dá em uma consulta médica, na qual o médico deve respeitar o pudor do paciente e, preferencialmente, deve sempre estar acompanhado por uma funcionária sua durante o exame físico. Somente após a anamnese e o exame físico é que o medico pode prescrever o tratamento do paciente, em respeito aos artigos 37 e 38 do CEM: Art. 37. É vedado ao médico: Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Art. 38. É vedado ao médico: Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais.
Ao terminar a consulta, o médico deverá informar o diagnóstico e prognóstico ao paciente, ou conforme diz o artigo 43 do CEM, ao seu representante legal: Art. 34. É vedado ao médico: Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os
riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
O médico não deve, em hipótese alguma, exagerar na gravidade da doença do paciente, pois isso não é correto no bom relacionamento com o paciente. Deve procurar utilizar, dentro das condutas possíveis e efetivas para o caso, a mais simples, evitando complicar o tratamento, em respeito ao artigo 35 do CEM: Art. 35. É vedado ao médico: Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.
Também a relação médico-paciente não deve trazer ao médico quaisquer outras vantagens além do usto honorário profissional, com diz o artigo 40 do CEM: Art. 40. É vedado ao médico: Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza.
Dentro do direito de escolha do paciente, este pode pedir uma segunda opinião para qualquer outro profissional, bem como mudar de médico para a continuidade de seu tratamento, cabendo ao médico respeitar os preceitos do artigo 39 do CEM: Art. 39 É vedado ao médico: Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal.
O médico, como cidadão, tem suas convicções pessoais, entretanto elas não devem influenciar em relação às escolhas do paciente, servindo como exemplo o enunciado do artigo 42 do CEM: Art. 42. É vedado ao médico: Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.
O sigilo profissional também é um dos pilares do relacionamento médico-paciente, e o CEM tem o Capítulo IX dedicado ao tema. É fundamental o respeito aos artigos 73, 74 e 75 do CEM: Art. 73. É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. Art. 74. É vedado ao médico: Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75. É vedado ao médico: Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
As hipóteses de quebra do sigilo estão albergadas no artigo 73. É clara a possibilidade da quebra quando há desejo do paciente para isso. Como exemplos de dever legal estão as doenças de notificação compulsória e de motivo justo está o uso do prontuário médico na defesa do médico processado pelo paciente, lembrando que, se o processo for fora da esfera do Conselho de Medicina, é recomendável ao médico que solicite o sigilo de justiça no processo. O Código de Ética Médica prevê a situação em que o médico pode abandonar o paciente que esteja aos seus cuidados, pelo princípio da autonomia, respeitando-se ao artigo 36: Art. 36. É vedado ao médico: Abandonar paciente sob seus cuidados. §1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. §2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos.
Ocorrendo a necessidade de abandonar ao tratamento do paciente, o médico deve registrar o motivo no prontuário do paciente e informar ao diretor médico da instituição o ocorrido. Nessa situação, estando o paciente internado, o médico continuará seu atendimento até que um médico substituto assuma o tratamento do paciente, sempre solicitando a interferência do diretor médico na solução da substituição. Uma situação que pode levar ao desgaste do relacionamento entre o médico e o paciente é a questão dos honorários profissionais. O Direito Médico X do CEM define claramente a questão de que o médico tem direito aos seus honorários: X – É direito do médico: Estabelecer seus honorários de forma justa e digna
Os honorários devem ser previamente estabelecidos e jamais devem ser indevidos, como as situações que caracterizariam infração aos artigos 65 e 66 do CEM, que vedam ao médico: Art. 65. Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que se destina à prestação de serviços públicos, ou receber remuneração de paciente como complemento de salário ou de honorários. Art. 66. Praticar dupla cobrança por ato médico realizado. Parágrafo único. A complementação de honorários em serviço privado pode ser cobrada quando prevista em contrato.
No que se refere à visão legal da relação médico-paciente, importante é o enfoque sobre as normas que regem essas relações e o seu conteúdo dividido entre direitos e obrigações dos médicos e pacientes. Todas as relações da vida civil devem ser tratadas pelas leis do direito privado, salvo quando há o envolvimento de Estado, quando o enfoque legal transmuta-se para o direito público. Aqui se apresenta, de maneira geral, as principais questões jurídicas que envolvem o atendimento médico. Os direitos do cidadão médico e do cidadão paciente estão de certo modo abrangidos pelas leis comuns que estabelecem regras gerais, ao contrário das disposições éticas do Conselho Federal de Medicina, que são direcionadas tão somente para os profissionais médicos. Não constitui tarefa fácil enquadrar o exercício da medicina dentro de uma ou outra forma jurídica. O Conselho Federal de Medicina define que a relação médico-paciente não se caracteriza como uma relação de consumo [1]. Entretanto, a corrente majoritária do judiciário nacional há muito tempo coloca o exercício da medicina como uma prestação de serviço. A medicina é uma profissão bastante específica, que tem por base uma ciência, e por mais avançada que esteja não tem o controle sobre os resultados que determinado ato pode alcançar. Como ciência pode, dentro de seu estudo, orientar condutas tidas como corretas e é dentro destes parâmetros que se entende lícito o seu exercício. De outro lado está o tomador ou destinatário do serviço, chamado paciente, que espera que o profissional exerça a sua profissão observando rigorosamente e da melhor maneira os protocolos da ciência médica. E não é dada ao profissional a faculdade de obedecer ou não aos preceitos da ciência médica. A exceção existe nos casos de pesquisa, que merece atenção importante, para a qual a bioética e a legislação definem seus limites e, quando envolvido paciente, sua aceitação livre e absoluta. A prestação de serviço tem por base a colocação por parte de alguém, seja pessoa física seja urídica, de algum trabalho mecânico e/ou mental, normalmente sob pagamento de alguma quantia, para algum interessado, tomador, que o solicite [11]. Em regra, a prestação de serviços é chamada de contrato bilateral, pois aquele que se coloca à disposição para a realização de um trabalho o faz por vontade livre e aquele que busca este trabalho também o faz de maneira voluntária, ainda que por necessidade [11]. Então, o paciente e sua família procuram determinado profissional ou casa de saúde para buscar um diagnóstico, orientação e tratamento. A instituição pode ser pública ou privada, com pagamento por convênio ou particular, de modo que se estabelece esse vínculo entre a pessoa que quer ou necessita atendimento e o médico que o presta profissionalmente. A medicina é ciência e tem relevante função social e humanitária, mas sob o enfoque das atividades não deixa de ser um trabalho realizado mediante remuneração, tal qual a definição do Código Civil Brasileiro no seu artigo 594, que trata da prestação de serviços, e mesmo quando as partes não assinam contrato a relação é contratual em razão da vontade de ambas as partes na realização desse atendimento. A considerar o trabalho médico como prestação de serviço, uma segunda questão, um pouco mais
complexa, se apresenta: essa prestação de serviços constitui relação de consumo? Neste momento, a visão médica se confronta com a visão jurídica, pois se de um lado o Código de Ética Médica é expresso em afirmar que a “atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo”, de outro, na regra geral do Código de Defesa do Consumidor [5], é estabelecido como consumidor o destinatário final do serviço e como fornecedor toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de prestação de serviço conforme a leitura do Art. 3º. Logo adiante, no parágrafo 2º do citado artigo, define-se prestação de serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”, salvo as de natureza trabalhista. Entrar nessa discussão não constitui objetivo deste artigo, de modo que analisaremos apenas o aspecto prático, ou seja, saber se incidem ou não as regras do CDC nas relações médico-pacientes. O CEM e o CDC são antagônicos, de modo que é preciso analisar inicialmente nesse conflito a hierarquia das normas e nesse primeiro aspecto confronta-se uma norma administrativa com uma Lei de onde se extrai que o que vale é o CDC: esse entendimento é pacífico no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Portanto, a discussão sobre a natureza jurídica da relação médico-paciente atualmente é apenas filosófica, pois no campo prático se considera uma relação abrangida pelo CDC. Conduzida por essa Lei, na relação médico-paciente existem obrigações do médico e obrigações do paciente, em contrapartida direitos de ambos também. O CDC estabelece como direitos dos consumidores pacientes a proteção da vida, saúde e segurança, direitos que são estabelecidos como de todos os cidadãos pela Constituição Federal de 1988; direito à integral informação sobre o atendimento prestado, seja ele diagnóstico e prognóstico de sua situação, assegurada sua liberdade de escolha; direito à informação adequada sobre suas obrigações enquanto paciente, como sobre os hábitos a desenvolver e a cessar, os medicamentos que deverá tomar, seus efeitos esperados, as eventuais contra-indicações e efeitos colaterais, bem como o modo de ingestão; direito de saber, quando possível, os custos do serviço prestado no caso em que o paciente ou sua família arque com as despesas do atendimento; direito a não ser vítima de qualquer método que se aproveite da relação médico-paciente para vender ou fornecer serviços que não sejam necessários; direito à reparação dos danos efetivamente causados. Em contrapartida, tem o médico direito ao recebimento do valor adequado pelo seu atendimento, bem como recusar-se a prestar o serviço quando a recusa não vier a causar prejuízo iminente do paciente. Ainda que se aplique a lei consumerista, para algumas questões no que se refere às obrigações indenizatórias específicas, forma de aplicação de prescrição ou alguma outra lacuna do CDC poderão ser utilizadas regras gerais do Código Civil. Em relação às obrigações de indenizar, o CDC traz o conteúdo mais importante sobre a responsabilidade civil dos médicos em seu art. 14, §4º, quando estabelece que o dever de indenizar dos profissionais liberais deverá ser apurado mediante verificação de culpa. Isso quer dizer que somente poderá ser considerado incorreto e passível de alguma reparação o atendimento em que ficar demonstrada a existência de negligência, imprudência ou imperícia, que é aquele atendimento médico que deveria ter sido conduzido de outra forma sob o enfoque da boa
técnica médica. Se o médico conduziu o tratamento de acordo com os preceitos médicos atuais, não se obriga para com aquele resultado almejado, e se não houver cura ou acontecer outro fato que constitua risco do tratamento, isso não poderá ser considerado como descumprimento de sua obrigação. Se de um lado o paciente, ou alguém por ele, se obriga a pagar, o médico por sua vez se obriga a maior diligência dentro do que se entende como a conduta (ou uma das) esperada para o caso em medicina. Há uma construção dos julgados no sentido de que as cirurgias plásticas fugiriam a essa regra. Este entendimento, apesar de majoritário, não está livre de críticas, posto que se o cirurgião trabalhou dentro da estrita técnica médica e o resultado depende de inúmeros outros fatores, não haveria por que se punir o profissional que agiu corretamente. O argumento de que a cirurgia era desnecessária e que assim o cirurgião plástico estaria obrigado pelo risco pode ser debelado pelo fato de o paciente, ciente dos riscos, aceitá-lo. A característica mais marcante dessa definição é processual, e o CDC permite, no caso de haver verossimilhança ou hipossuficiência do consumidor, a inversão do ônus da prova, fato que transfere a prova da higidez do ato médico ao próprio profissional. Desse modo, o profissional, além de exercer uma medicina correta, ainda deverá estar preparado para provar e explicar as suas condutas médicas, quando assim solicitado. [12] De outro lado, há a obrigação do paciente, ou do plano de saúde ou do Estado, em efetuar o pagamento desses honorários médicos, no caso do paciente particular o valor combinado, no caso dos planos e SUS o valor estabelecido e aceito pelo médico. No que se refere à obrigação de pagamento, uma questão tem surgido quando o atendimento se dá em caráter emergencial, quando o paciente não está em condições de aceitar ou não os elementos do contrato e quando a necessidade retira por completo a possibilidade de negociação e aceitação das condições impostas pelo prestador. Nesses casos, a justiça tem se posicionado no sentido de que por ser necessário e urgente é dispensável a aceitação do paciente, mas, em razão disso, não é dado ao médico o direito de aproveitar-se dessa situação para cobrar valores abusivos, ou submeter o paciente a procedimentos desnecessários, sob pena de se incorrer no vício de estado de necessidade. No ponto de vista constitucional, verifica-se que entre os direitos principais à vida e à saúde, estes se ligam diretamente com os objetivos da medicina. Entretanto, alguns direitos influenciam estes primeiros, pois há o direito à liberdade e religião, fazendo com que muitas vezes as escolhas feitas pelo paciente não agradem e mesmo dificultem a atuação do médico. [13] No rigor da lei, essas liberdades somente esbarram no direito à vida, tido como absoluto, mas podem efetivamente adentrar ao campo dos riscos graves, como o clássico exemplo do paciente que não aceita receber sangue. [14] A relação médico-paciente deve pautar-se na confiança, que é garantida legalmente quando a legislação põe a salvo as informações do paciente obtidas pelo médico, não apenas de sua saúde, mas de seus hábitos e de qualquer fato ou pensamento exposto durante uma consulta médica. Violar esse dever de sigilo, além de infração ética também constitui infração penal [15], e quando gerar algum dano é passível de indenização. [16]
Também cabe ao médico a guarda dos registros feitos em prontuário de seu consultório, salvo quando esses prontuários forem arquivados em instituição hospitalar. A guarda é inerente à relação médico-paciente, pois com esse registro pode o profissional saber a qualquer momento sobre o atendimento prestado, pode o paciente solicitar o documento numa necessidade médica futura. O registro faz parte do próprio serviço médico. Uma dúvida frequente aparece acerca dos prazos pelo qual o prontuário deve ser guardado. No aspecto legal, encontra-se no Estatuto das Crianças e Adolescentes [6] em seu art. 10, inciso I, a determinação para que hospitais e estabelecimentos públicos ou privados de atenção à saúde da gestante mantenham arquivados os prontuários por 18 anos. Tal determinação é específica, não havendo lei que estabeleça prazo para a guarda de prontuários de atendimentos outros. Em que pese a ausência legislativa, o CFM no art 8º da Resolução CFM nº 1.821/07 [17] estabeleceu que o tempo de guarda mínimo é de 20 anos para arquivos em papel. Também no que tange à possibilidade de existência de ação judicial em relação a este atendimento, o CDC estabelece como prazo de prescrição 5 anos, que a princípio poderia balizar o tempo de guarda, entretanto ocorre que o posicionamento mais moderno afirma que esse prazo inicia-se somente com o aparecimento do dano e não no momento específico do ato médico, salvo se concomitantes. Outro problema da prescrição é que ela não se conta para incapazes crianças, então esse prazo de ação iniciará ao completar 18 anos, ou no caso de incapacidade por outro fato somente iniciará quando (e se) cessar essa incapacidade. Ademais, a função do registro não é somente de prova, mas como informação privada do paciente para qualquer fim, especialmente médico. A conclusão mais segura é que estes prontuários sejam guardados por tempo indeterminado. Ainda no que se refere à legislação geral, o Código Penal [4] também configura norma incidente no aspecto jurídico da relação médico-paciente. Interessante notar que muitas vezes um fato contrário à ética também é tido como crime e ilícito civil. O caso emblemático seria o chamado “erro médico”, que tanto é punido pela norma ética quanto pela norma penal nos crimes de lesão corporal culposa e homicídio culposo. Constitui também falta civil pela existência da culpa, gerando o dever de indenizar. Outras situações vedadas pelo ordenamento penal são mais específicas, pois exigem a ciência do profissional acerca da ilicitude deste ato – dolo. Destaca-se a eutanásia com ou sem o consentimento e participação do doente, cada qual com seu crime específico; o aborto com ou sem o consentimento da gestante, salvo nos casos de permissão legal como estupro ou risco de vida para a mãe e ainda autorização judicial, violação do sigilo médico, omissão de socorro, estelionato que estaria configurado quando o médico utilizasse desta condição para enganar o paciente e auferir vantagens geralmente financeiras com isso. Em relação às responsabilidades penais sobre os atendimentos médicos, eventuais faltas serão apuradas e poderão ser motivo de ação penal. Se comprovada a infração, poderá haver punição do profissional. Já adentrando na legislação específica sob o enfoque relação médico- paciente, estão as regras
estabelecidas pelo Estatuto do Idoso. Nessa lei também se encontra a regra geral do direito à vida e à saúde, assegurada a dignidade do idoso nos atendimentos e tratamentos médicos. Diz o estatuto que ao idoso, ou seja, aquele com mais de 60 anos, é garantido o direito de preferência nos atendimentos médicos. Deve o profissional estar atento de maneira a prevenir ameaça ou violação ao direito do idoso, devendo, quando verificada sua ocorrência, efetuar a imediata comunicação às autoridades, que neste caso são a Delegacia de Polícia, o Ministério Público ou os Conselhos dos Idosos (art. 6º c/c 19 do EI). [7] O idoso, apesar das garantias, que não possuir incapacidade tem o direito de optar pelo tratamento que entender conveniente, respeitadas as indicações médicas. No caso de incapacidade do idoso, o próprio EI, em seu art. 17, prevê que nessa circunstância será o curador quem decidirá sobre as questões do tratamento. Curador é a pessoa designada pelo juiz para ser o responsável pela pessoa incapaz. Não havendo curador, serão responsáveis os familiares e em caso de emergência ou de ausência de curador ou familiares o médico fará a decisão. Todo idoso tem ainda o direito a acompanhante no caso de internamento. Aliás, a regra é parecida com a regra geral, segundo a qual a pessoa capaz poderá decidir livremente acerca do tratamento e em caso de impossibilidade essa decisão caberá aos familiares, ou seja, cônjuge e filhos, e qualquer divergência deverá ser solucionada em juízo. Não há qualquer regra jurídica para eventuais divergências. No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as decisões sobre o tratamento de crianças e adolescentes cabem aos pais, detentores do poder familiar. Surge uma complicação no caso dos adolescentes que não querem ter a sua intimidade exposta, ou quando houver divergência com os pais. O Código de Ética Médica não fixa idade para que o adolescente possa sozinho determinar-se, de modo que seria possível no regramento ético que uma pessoa de 15 anos tivesse sua completa intimidade e decisões respeitadas. Isso leva a um conflito ente o CEM e o ordenamento jurídico, porém também pode ser interpretado como uma tentativa de avanço no respeito dos direitos individuais do adolescente por parte do Conselho Federal de Medicina. Entretanto, pelo ECA, essa pessoa está sujeita ao Poder Familiar até os 18 anos, idade em que atingirá a maioridade se já não a tiver por outros requisitos. Portanto, pela lei, caso haja necessidade de uma decisão importante em relação ao paciente menor de 18 anos, esta deverá ser tomada juntamente com seus pais. Havendo divergência, restará o caminho judicial para solucionar conflitos não conciliáveis. Poderá em casos excepcionais haver a guarda e a tutela, que são institutos conferidos pelo juiz para que uma pessoa represente o menor. O Estatuto dispõe acerca da prioridade absoluta da criança e do adolescente em qualquer direito, concedendo expressamente o direito ao atendimento em serviços de relevância e no recebimento de proteção e socorro. Dispõe ainda que se faça, nos atendimentos de gestante, a identificação adequada da criança nascida, que se não realizada constitui crime, bem como exames para avalição diagnóstica e terapêutica de anormalidades no metabolismo.
É garantia da criança e do adolescente que sejam fornecidas condições para que ao menos um dos pais ou responsáveis permaneça junto durante o internamento. Se houver verificação ou suspeita de maus tratos, o Conselho Tutelar deve ser imediatamente avisado e também poderão ser comunicados o Ministério Público e a Delegacia de Polícia. O ECA põe a salvo a intimidade, imagem e vida privada da criança e do adolescente. Consigna, ainda, que o médico que tiver conhecimento de que a mãe ou gestante tenha intenção de entregar o filho para adoção deve comunicar à autoridade udiciária. Apesar da relação médico-paciente ser contratual, em poucos casos há realmente a contratação escrita, fato que não retira a natureza contratual da relação que possui os seus elementos bem definidos, ou seja, de um lado o bom atendimento e informação e de outro o pagamento. No caso dos atendimentos particulares, o contrato poderá ser um facilitador do paciente inadimplente. Esse instrumento não se confunde com o termo de consentimento livre e esclarecido, que consiste na informação do médico ao paciente sobre o seu estado de saúde e sobre os procedimentos a que o paciente irá se submeter, incluindo seus riscos e consequências. O consentimento informado não precisa ser assinado como documento (exceto nos casos de transplante, pesquisa e planejamento familiar, quer na esterilização quer na reprodução assistida que exigem o documento escrito), mas sempre que seja possível fazê-lo é indicado. Entretanto, o documento não substitui a explicação oral ao paciente e, do ponto de vista jurídico, é importante seu registro no prontuário. Pelo exposto se vê que a relação médico-paciente é complexa e demanda diversas situações, muitas delas sequer previstas na lei. Este artigo, portanto, apresenta as mais comuns para conhecimento do profissional.
eferências bibliográficas [15] CAVALIERI FILHO, Sérgio.
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de novembro de 2007. [3] CÓDIGO Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. [5] CÓDIGO de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. [1] CÓDIGO de
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[4] CÓDIGO Penal Brasileiro. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. [2] CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. [6] ESTATUTO da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho e 1990. [7] ESTATUTO do Idoso. Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003. [11] GRINOVER, Ada Pellegrini et al.
Código Brasileiro de De fesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Univeritária, 2001. [12] KFOURI NETO, Miguel.
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[9] LEI do Ato Médico. Lei nº 12.842 ,de 11 de julho de 2013. [8] LEI dos Planos de saúde. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. [15] NORONHA, E. Magalhães. [13] SILVA, José Afonso.
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Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
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Jorge Ribas Rufino Timi Médico cirurgião vascular e endovascular. Professor de Cirurgia Vascular e de responsabilidade legal do médico na UFPR. Advogado atuante em Direito Médico. Ex-Conselheiro do CRM do Paraná.
Marcelo Marquardt Advogado com atuação no Direito Médico. Especialista em Direito Processual Civil pela UFSC.
Juramento dos médicos A medicina como arte milenar se desenvolveu ao longo da História, do curandeirismo a um patamar de ciência, através de grandes pesquisadores e com o auxílio da tecnologia, porém seu impulso inicial teve uma contribuição ímpar da escola grega de Cós, na qual a figura de Hipócrates tornou-se central, aproximando a Medicina dos fundamentos racionais e científicos. O Corpus ippocraticum traduz em seus livros essas impressões e lança os conceitos basilares da ética médica naquilo que chamamos Juramento de Hipócrates. Estima-se que foi escrito no século IV antes de Cristo e carrega os princípios da Medicina. Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas, obedecer, de acordo com meus conhecimentos e meu critério, este juramento: Considerar meu mestre nesta arte igual aos meus pais, fazê-lo participar dos meios de subsistência que dispuser, e quando necessitado com ele dividir os meus recursos; considerar seus descendentes iguais aos meus irmãos; ensinar-lhes esta arte se desejarem aprender, sem honorários nem contratos; transmitir preceitos, instruções orais e todos outros ensinamentos aos meus filhos, aos filhos do meu mestre e aos discípulos que se comprometerem e jurarem obedecer a Lei dos Médicos, porém, a mais ninguém. Aplicar os tratamentos para ajudar os doentes conforme minha habilidade e minha capacidade, e jamais usá-los para causar dano ou malefício. Não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem aconselhar tal procedimento. Da mesma maneira não aplicar pessário em mulher para provocar aborto. Em pureza e santidade guardar minha vida e minha arte. Não usar da faca nos doentes com cálculos, mas ceder o lugar aos nisso habilitados. Nas casas em que ingressar apenas socorrer o doente, resguardando-me de fazer qualquer mal intencional, especialmente ato sexual com mulher ou homem, escravo ou livre. Não relatar o que no exercício do meu mister ou fora dele no convívio social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas considerar tais coisas como segredos sagrados. Então, se eu mantiver este juramento e não o quebrar, possa desfrutar honrarias na minha vida e na minha arte, entre todos os homens e por todo o tempo; porém, se transigir e cair em perjúrio, aconteça-me o contrário.
Ao longo dos séculos o ideal do juramento hipocrático se faz presente, sendo utilizado até os dias de hoje em muitas escolas no momento da formatura dos novos médicos. No pós Segunda Guerra Mundial, mais especificamente em 1948, após a verificação das atrocidades cometidas com o auxílio do conhecimento médico, a Declaração de Genebra trouxe um ar mais contemporâneo ao texto, sem se distanciar dos princípios já trazidos da Grécia antiga, sendo revista pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em 1994. No momento de me tornar um profissional médico: Prometo solenemente dedicar a minha vida a serviço da Humanidade. Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos. Exercerei a minha arte com consciência e dignidade. A saúde do meu paciente será minha primeira preocupação. Mesmo após a morte do paciente, respeitarei os segredos que a mim foram confiados. Manterei, por todos os meios ao meu alcance, a honra da profissão médica. Os meus colegas médicos serão meus irmãos. Não deixarei de exercer meu dever de tratar o paciente em função de idade, doença, deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação político-partidária, raça, orientação sexual, condições sociais ou econômicas. Terei respeito absoluto pela vida humana e jamais farei uso dos meus conhecimentos médicos contra as leis da Humanidade. Faço essas promessas solenemente, livremente e sob a minha honra.
Em suma, os juramentos trazem conceitos de como deve se portar um profissional médico em relação ao seus pacientes e servem para que a classe reafirme para a sociedade seus compromissos, tornando a medicina uma ciência que prima pela técnica, mas sem se distanciar dos conceitos humanistas.
Conceitos bioéticos “Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar”. [1] Por isso, pode-se dizer que a bioética tem uma tríplice função, reconhecida acadêmica e socialmente: 1. descritiva, consistente em descrever e analisar os conflitos em pauta; 2. normativa com relação a tais conflitos, no duplo sentido de proscrever os comportamentos que podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considerados corretos; 3. protetora, no sentido, bastante intuitivo, de amparar, na medida do possível, todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando isso for necessário, os mais “fracos”. [2] A bioética apresenta várias correntes de pensamento, e a mais conhecida é a principialista, que teve maior impulsão com o trabalho de Tom Beauchamp e James Childress no livro Principles of biomedical ethics (1979). [3] Numa análise principialista, existem 4 princípios básicos a serem considerados: Autonomia, Beneficência, Não maleficência e Justiça. Os princípios não
respondem a todos os questionamentos bioéticos, mas servem como ponto de partida para muitas discussões. Cabe dizer que o principialismo, apesar de hegemônico, não pode ser confundido com a própria bioética, que sendo mais ampla acomoda outras visões. No livro Iniciação a Bioética [4] Autonomia é um termo derivado do grego auto (próprio) e nomos (lei, regra, norma). Significa autogoverno, autodeterminação da pessoa de tomar decisões que afetam sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Certamente que não se espera que a autonomia individual seja total e completa, pois existem nas relações sociais um forte grau de controle, de condicionantes e restrições à ação individual. A autonomia tem seus limites dados pelo respeito à dignidade e à liberdade dos outros e da coletividade. Beneficência, no seu significado filosófico moral, quer dizer fazer o bem. No seu sentido estrito deve ser entendida, conforme o Relatório Belmont, como uma dupla obrigação, primeiramente a de não causar danos e, em segundo lugar, a de maximizar o número de possíveis benefícios e minimizar os prejuízos. As origens do princípio da não maleficência remontam à tradição hipocrática: “cria o hábito de duas coisas: socorrer ou, pelo menos, não causar dano”. Beauchamp e Childress adotam os elementos de Frankena e os reclassificam na forma a seguir: não-maleficência ou a obrigação de não causar danos, e beneficência ou a obrigação de prevenir danos, retirar danos e promover o bem. No mais das vezes, o princípio de não-maleficência envolve abstenção, enquanto o princípio da beneficência requer ação. Rawls, em seu trabalho A theory of justice, define a justiça como equidade, palavra que no dicionário Houaiss significa imparcialidade, igualdade e equivalência. A Constituição brasileira, ao menos, estabelece no artigo 192 que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. A responsabilidade é grande em buscar implantar princípios de justiça que transformem nossa saúde em uma prática eficiente, equânime e justa.
Definição de relação médico-paciente Esse contexto inicial é importante para que possamos definir a relação médico-paciente como um processo de comunicação contínuo que se estabelece durante o contato médico-paciente, com base na confiança mútua e norteado pelos princípios do sigilo, da beneficência e não maleficência por parte do médico e da autonomia por parte de ambos, dentro de um contexto que se garanta a equidade. Portanto, a presença de respeito e garantias nos dois pólos dessa relação é premissa para que se alcance uma relação sadia entre as partes.
Modelos de relação médico-paciente Em 1972, o professor Robert Veatch, do Instituto de Ética da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, propôs uma maneira didática de se avaliar as relações existentes entre os médicos e os pacientes. [5] No seu estudo definiu 4 modelos de relação: sacerdotal, engenheiro, colegial e contratualista. Os professores de bioética José Roberto Goldim e Carlos Fernando Francisconi, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, explicam as diferenciações em artigo sobre os modelos de relação médico-paciente: [6] Modelo sacerdotal é o mais tradicional, pois se baseia na tradição hipocrática. Nesse modelo, o médico assume uma postura paternalista com relação ao paciente. Em nome da beneficência, a decisão tomada pelo médico não leva em conta os desejos, crenças ou opiniões do paciente. O médico exerce não só a sua autoridade, mas também o poder na relação com o paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento, baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de submissão por parte do paciente. Em função desse modelo e de uma compreensão equivocada da origem da palavra “paciente”, esse termo passou a ser utilizado com conotação de passividade. A palavra paciente tem origem grega, significando “aquele que sofre”. Modelo engenheiro, ao contrário do Sacerdotal, coloca todo o poder de decisão no paciente. O médico assume o papel de repassador de informações e executor das ações propostas pelo paciente. O médico preserva apenas a sua autoridade, abrindo mão do poder, que é exercido pelo paciente. É um modelo de tomada de decisão de baixo envolvimento, que se caracteriza mais pela atitude de acomodação do médico que pela dominação ou imposição do paciente. O paciente é visto como um cliente que demanda uma prestação de serviços médicos. O modelo colegial não diferencia os papéis do médico e do paciente no contexto da sua relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento. Não existe a caracterização da autoridade do médico como profissional, e o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a esse modelo é a perda da finalidade da relação médico-paciente, equiparando-a a uma simples relação entre indivíduos iguais. O modelo contratualista estabelece que o médico preserva a sua autoridade, enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas, assumindo a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente também participa ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de acordo com o estilo de vida e valores morais e pessoais. O processo ocorre em um clima de efetiva troca de informações e a tomada de decisão pode ser de médio ou alto envolvimento, tendo por base o compromisso estabelecido entre as partes envolvidas. Esses modelos propostos servem como norte na avaliação, porém existem certas discordâncias na literatura, como a trazida por Ezequiel Emanuel e Linda Emanuel, que propuseram, em 1992, algumas modificações, entre elas a possibilidade de se existir um quinto modelo, o instrumentalista. [7] Nesse modelo, o paciente seria visto como mero instrumento para que o médico alcance um determinado objetivo, como por exemplo nos abusos verificados em pesquisas. Se formos analisar à luz de conceitos bioéticos mais amplos, o modelo contratualista se aproxima
do modelo ideal no estabelecimento de uma relação de confiança. Nele, o profissional não perde a sua autoridade concedida pelo seu conhecimento técnico e o paciente participa da decisão, exercendo a autonomia sobre o seu corpo. É uma troca de informações na qual existem compromissos de ambos os lados.
Tomada de decisão e o consentimento informado Como disse Napoleão Bonaparte: “Nada é mais difícil e, portanto, tão precioso, do que ser capaz de decidir”. O processo de tomada de decisão expressa ao longo da História da humanidade o momento vivido pelas sociedades. Na época de Hipócrates, a participação do paciente nas decisões era subjugada pela figura do médico e seu conhecimento não alcançado pelo leigo. Na Idade Média, com o aparecimento do obscurantismo, a Igreja tomou papel preponderante nos limites da ciência e sua divulgação. Com o advento da Renascença e os princípios humanistas, o conhecimento da medicina como arte se aproximou mais das pessoas. Todos esses momentos tiveram seu papel na História da humanidade, mas sem sombra de dúvidas a Revolução Francesa, com seus conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, impulsionou muitos dos ideais que hoje vivenciamos, inclusive o movimento da bioética. Dentro do conceito de autonomia do paciente, este tem o direito de consentir ou não os procedimentos propostos, sejam diagnósticos ou terapêuticos. Como dizem Júlio Cézar Meirelles Gomes e Genival Veloso de França Genival Velozo, no livro Iniciação à bioética: [4] É fundamental que o paciente seja informado pelo médico sobre a necessidade de determinadas condutas ou intervenções e sobre os seus riscos ou conseqüências. Mesmo que o paciente seja menor de idade ou incapaz, e que seus pais ou responsáveis tenham tal conhecimento, ele tem o direito de ser informado e esclarecido, principalmente a respeito das precauções essenciais. O ato médico não implica num poder excepcional sobre a vida ou a saúde do paciente. O dever de informar é imperativo como requisito prévio para o consentimento. O consentimento pleno e a informação bem assimilada pelo paciente configuram numa parceria sólida e leal sobre o ato médico praticado. Por outro lado, o paciente também tem o direito de não querer ser informado, ou seja, a informação é um direito e não uma imposição para o paciente. Nesse cenário, cabe ao profissional médico questionar quais as pessoas eleitas para o conhecimento dos fatos. Sob um prisma legal, todas as informações devem ser registradas no prontuário, e o consentimento informado deve ser traduzido em um termo escrito e devidamente assinado. Portanto, a tomada de decisão, dentro de uma relação médico-paciente, depende da postura do profissional e do grau de envolvimento do paciente. Em regra geral, os médicos trabalham com três níveis de participação dos pacientes: baixo, médico e alto. No nível baixo, verificamos as situações de urgência e emergência e também nos momentos de inconsciência, em que os médicos assumem a decisão dos atos a serem praticados, sob pena de impor um risco maior à vida das pessoas. No nível médio se localizam as situações rotineiras do atendimento médico, cabendo a ele o esclarecimento e a definição das opções diagnósticas ou
terapêuticas, com a participação do paciente nesse processo decisório, de maneira equilibrada entre as partes. No nível alto, encontramos os tratamentos de longo prazo em situações limite, nas quais a vontade do paciente diante de uma doença crônica e terminal tem valor maior. Independentemente do grau de envolvimento e participação do paciente, cabe ao médico, detentor do conhecimento e profissional capacitado, utilizar aquilo que Aristóteles já indicava em seu livro Phronesis , a prudência, que qualifica como a virtude que facilita a escolha dos meios corretos para um bom resultado.
Código de ética médica O Código de Ética Médica [8] funciona na prática como um contrato de trabalho onde estão definidos os princípios da nossa profissão, bem como os direitos dos médicos e os seus deveres para com a sociedade. No seu Capítulo V, que trata da relação do médico com os pacientes e familiares, temos que é vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo. Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos. Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados. §1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. §2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos. Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo,
nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina. Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais. Art. 39. Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal. Art. 40. Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza. Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.
Outros capítulos do Código trazem normas que se aplicam na prática da relação com os pacientes, como o direito do paciente ao sigilo de sua condição, seja na sua forma de confidencialidade de sua história, seja como na privacidade de sua imagem. Na essência os artigos deontológicos reprisam os conceitos bioéticos, como a autonomia, o respeito à dignidade das pessoas, a responsabilidade profissional, a beneficiência, a solidariedade, a equidade, entre outros.
Relação médico-paciente na era da internet Uma grande transformação nas relações humanas ocorreu com o advento da internet. Dentro do conceito de aldeia global, as pessoas têm possibilidades cada vez maiores de manter contato com outras culturas e fazer busca de conteúdos específicos. A chamada globalização trouxe uma democratização das informações e a saúde, como grande fonte de interesse, não se distancia dessa lógica. Temos de nos acostumar com essa nova postura segundo a qual o paciente tem uma atitude mais ativa na consciência de sua saúde. As ferramentas de busca na internet, para acessar conteúdo em saúde, são realidade para 86% dos brasileiros, porém 25% admitiram que não verificaram a fonte, conforme pesquisa encomendada pela seguradora britânica Bupa. Um trabalho da Universidade do Sul de Santa Catarina avaliou a interface entre a internet e a relação médico-paciente. Ponderou-se que o acesso a ̀ informac ̧ a ̃o te ́cnico-cientı ́fica, principalmente por meio da internet, aliado ao aumento do nível educacional das populações tem feito surgir um paciente que busca informac ̧ o ̃es sobre sua doenc ̧a, sintomas, medicamentos e custos de internac ̧ a ̃o e tratamento. Na Conclusão do trabalho, a opinia ̃o me ́dica e ́ de que a internet ajuda na relac ̧ a ̃o me ́dico paciente em 56,9% dos casos, atrapalha em 15,5% e na ̃o interfere em 27,6%, sendo uma forma
importante para o conhecimento da doença e adesão ao tratamento. [9] De maneira crítica, a grande preocupação é a fonte da informação e os possíveis desdobramentos de um conteúdo inadequado. A internet não tem o filtro necessário para selecionar o que realmente tem embasamento científico e que pode servir como auxílio para os pacientes. A possibilidade de autodiagnóstico e automedicação são dificuldades que devem ser enfrentadas com a conscientização da sociedade e nisso o médico tem papel fundamental. Nesse contexto, o médico precisa estar à disposição para exercer esse filtro e auxiliar os pacientes nas dúvidas. Cabe uma orientação para que se acessem os diversos sites das Associações Médicas, Sociedades de Especialidade e de Conselhos de Medicina, que trazem informação comprometida com a boa técnica e a saúde das pessoas.
Conclusão – a dimensão da relação médico-paciente É imprescindível que o médico entenda que uma relação ética estabelecida com seu paciente é a principal arma de que dispõe para alcançar o interesse primário da medicina, que é salvaguardar a saúde das pessoas. Outros interesses que não esse, se colocados à frente, podem estabelecer conflitos que geram mais sofrimento. Infelizmente a saúde, como projeto de estado, está se desvirtuando, pois a medicina virou um bem de mercado em que o lucro simboliza os fins. As regras do capital não devem influenciar as decisões do médico no que se refere à vida de outra pessoa. Essa é a grande preocupação, ou seja, que os pacientes sejam considerados meios aos propósitos da medicina. Nesse contexto, onde a dignidade da pessoa humana é o foco central, o bioeticista Roberto Andorno, da Universidade de Zurique, deixa uma mensagem a ser seguida: Não é o homem que foi feito para servir à medicina; é a medicina que foi feita para servir ao homem. [10]
eferências bibliográficas [10] ANDORNO, R. La notion de dignite humaine est-elle superflue en bioe thique? Revue Générale de Droit Médical, n. 16, p. 95 ́ ́ 102, 2005. [3] BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS J. F.
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[9] CABRAL, R.V.; TREVISOL, F. S. A influência da internet na relação médico-paciente na percepção do médico.
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[7] EMANUEL, E.; EMANUEL, L. Four models of the physician-patient relationship.
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[2] SCHRAMM, F. R. Bioética para quê?
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[5] VEATCH, R. M. Models for ethical medicine in a revolutionary age.
Hastings Ce nt Rep, v. 2, n. 3, pp. 5-7, 1972.
Alexandre Gustavo Bley Médico pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Cirurgia Vascular no Hospital Nossa Senhora das Graças. Conselheiro do CRM-PR 2003-2013, onde atuou como corregedor, vice-presidente e presidente. P residente da Unimed Curitiba gestão 2014-2018.
A forma como médicos e pacientes vêm se relacionando tem mudado mais nas últimas décadas do que nos vinte séculos anteriores. O modelo paternalista do médico e a figura passiva e receptora do paciente já não se enquadram no modelo atual. Atualmente, o paciente participa das decisões sugeridas pelo médico, fazendo indagações, questionamentos, e emitindo opiniões em conjunto com ele. [1] A medicina moderna tem um papel fundamental nessa mudança, particularmente em decorrência do uso das novas tecnologias, em especial a internet, que permite que os pacientes acessem informações a qualquer momento e em qualquer lugar, ampliando o conhecimento sobre suas doenças e, portanto, modificando a percepção da medicina. Desde o primeiro instrumento médico para exploração clínica, o estetoscópio primitivo de René Laennec (1781-1815), a tecnologia médica tem avançado rapidamente. Dispomos hoje de uma ampla gama de instrumentos que permitem que os diagnósticos e tratamentos sejam cada vez mais precoces e eficazes. [3] Assim, temos o computador, a telemedicina e a robótica, todos incorporados no chamado e-health (electronic health), termo utilizado para denominar todas as tecnologias digitais relacionadas aos cuidados de saúde. [2] [9] Mas será que essa integração entre o ser humano, sociedade e máquina está ameaçando a relação médico-paciente? Para responder a essa pergunta serão abordadas a seguir as principais tecnologias médicas que tenham maior impacto na relação médico- paciente, como o computador, a internet, o correio eletrônico (ou e-mail) e a telemedicina. Já os blogs, microblogs e as redes sociais, por serem ferramentas que têm impacto maior no âmbito da propaganda médica, não farão parte deste escopo. [16]
O computador A incorporação do computador como um terceiro elemento envolvido em uma consulta médica é cada vez mais frequente. Os estudos mostram que a integração dos computadores na consulta médica tem sido positiva para médicos e pacientes, facilitando a comunicação e colaboração entre ambos. As preocupações iniciais sobre uma possível deterioração na satisfação do paciente não se materializaram. [2] No entanto, a maneira como o médico se comporta ao usar o computador é que determina a satisfação do paciente. [12] Assim, se o médico mantém o foco no paciente e passa a idéia para ele de que o computador é apenas uma ferramenta a mais no auxílio ao seu cuidado e não o ator principal do
encontro, fará com que o paciente aumente sua satisfação com o uso dessa ferramenta na consulta. Manter um bom contato visual, realizar pausas curtas durante a entrevista, mostrar a tela do computador para dax explicações sobre a doença ou sua evolução podem auxiliar na comunicação. O computador também facilita o fluxo de trabalho do médico por melhorias na documentação (prontuário eletrônico), facilidade de acesso à informação ou através da consulta rápida a ferramentas de tomada de decisão, permitindo assim que o médico tenha mais tempo para se dedicar ao paciente. [13] [14] [15] Para incentivar o uso dessa ferramenta, o Conselho Federal de Medicina em parceria com a Sociedade Brasileira de Informática elaboraram uma cartilha de orientação de como o médico deve proceder ao migrar de um prontuário de papel para um prontuário 100% digital, levando em consideração a segurança, confiabilidade e sua validação ética e jurídica. [10]
A internet Até a década de 1980, os médicos eram a fonte máxima de informação sobre medicina. Davam explicações sobre a doença, como preveni-la, qual poderia ser sua evolução, como combatê-la e frequentemente reforçavam alguma informação com a distribuição de panfletos cartilhas ou folhetos explicativos. O paciente, por sua vez, poderia ainda receber informações adicionais da família e amigos, usualmente na forma de anedotas sobre pessoas que haviam passado por situações similares. Com o surgimento da internet, no entanto, o cenário se modificou radicalmente e hoje qualquer um pode visitar uma gama imensa de sites para encontrar a informação que precise. [5] [15] As estatísticas mostram que o uso da internet para consultar informações sobre saúde é muito frequente, principalmente entre jovens, com melhor grau de instrução e renda. O Google é o principal motor de busca e os endereços mais visitados são os vinte primeiros. A navegação é feita de maneira aleatória, chamando mais a atenção a estética do site, a facilidade de navegação, o prestígio do autor e velocidade da conexão. [2] Toda essa facilidade de acesso à informação fez com que o paciente adquirisse uma atitude mais participativa nas decisões diagnósticas e terapêuticas, modificando sua postura anterior, que era a de um receptor passivo das decisões que o médico tomava em seu nome. Isso tornou a relação com seu médico menos vertical e mais horizontalizada. Em um primeiro momento, o médico adotou uma postura mais defensiva, olhando para a internet como uma excelente ferramenta tecnológica para ele, mas potencialmente maléfica para seu paciente, quando este saísse à procura de informações médicas, já que as estatísticas mostram que a grande maioria das informações coletadas pelos pacientes carece de um adequado teor científico, podendo potencializar preocupações desnecessárias. Assim, por exemplo, uma paciente portadora de lúpus eritematoso sistêmico há 7 anos que tenha sua doença bem controlada com a medicação poderá ficar muito preocupada ao encontrar na internet que o lúpus poderá cursar com vasculite do sistema nervoso central e que a medicação que está usando tem uma série de efeitos colaterais, entre eles a
cegueira. Na visão mais otimista, ela marcará uma visita com o seu médico para esclarecimentos, mas na visão mais pessimista a paciente poderá abandonar seu tratamento e até procurar tratamentos alternativos que poderão expô-la a risco de vida. Cabe ao médico assumir uma postura de orientação para com seu paciente, tranquilizando-o, filtrando as informações corretas, transmitindo conhecimento e confiança. Outra estratégia interessante é oferecer uma lista útil e confiável de endereços na web sobre saúde, para que o paciente encontre informações sobre sua doença, provocando motivações para mudanças de estilo de vida e facilitando a aderência ao tratamento proposto. Tudo isso solidificará a relação com o paciente. Dessa maneira, se por um lado os pacientes deverão compreender bem suas limitações no uso da internet, por outro lado os médicos deverão ser tolerantes e pacientes para aceitar a oposição e a decepção, sem se sentir desafiados, mas compreendendo que a postura do paciente mudou, sendo agora mais participativa. [2] [5] [21]
O correio eletrônico Historicamente, a comunicação entre pacientes e médicos foi baseada em encontros pessoais ou visita tradicional e através de documentos escritos. A invenção do telefone, em 1876, desenvolveu uma nova forma de comunicação graças à onipresença e facilidade de uso, e introduziu uma mudança radical no acesso dos pacientes aos seus médicos a partir da década de 1960. O fax também constituiu outra forma de comunicação, embora não tão difundida e que cumpre com suas funções, mas de maneira mais limitada. Desde a década de 1970, nos Estados Unidos, começou-se a utilizar outra forma de comunicação (o correio eletrônico), porém restrita apenas ao âmbito universitário. Nos dias de hoje, o correio eletrônico se difundiu em larga escala e já constitui uma forma bem conhecida de comunicação, sendo depois da internet o segundo serviço mais utilizado pelos usuários da rede. [7] Noventa porcento dos pacientes que acessam a internet gostariam de consultar seu médico por email. [6] Os médicos, por sua vez, têm sido lentos em adotar a comunicação eletrônica com seus pacientes. [2] Em uma pesquisa recente, apenas 20% dos médicos usaram alguma vez o e-mail para se comunicar com seus pacientes e somente 3% costumam usá-lo frequentemente para estes fins. [6] As barreiras em adotar essa tecnologia por parte dos médicos são variadas: falta de reembolso, cultura médica, questões éticas e legais, preocupações sobre sigilo e responsabilidade, bem como receio em aumentar sua carga de trabalho e diminuir seu tempo livre. Para minimizar essas barreiras, têm surgido diversas estratégias como formas de reembolsos, normativas de uso, utilização de tecnologias confiáveis e seguras através de codificações, senhas, uso de servidores seguros, entre outros, porém nem sempre estão disponíveis essas soluções em nosso meio, fazendo com que os médicos ainda se sintam mais confortáveis em fornecer o telefone do que se comunicar por e-mail. [8] Atualmente, as normativas do uso do e-mail entre médicos e pacientes diferem entre os países. [7] Ainda não temos uma clara recomendação do seu uso e, portanto, deve ser usado com cautela. Na
prática, tanto o médico quanto o paciente usam mais ou menos essa ferramenta dependendo do grau de conforto, que aumenta à medida que é utilizada. É importante, porém, que ambos estejam de acordo em como vão fazê-lo (ver Tabela). [7] [8] Esse meio de comunicação não parece adequado para qualquer situação, porém constitui um complemento importante na consulta se bem utilizado. Dúvidas rápidas, como “haveria um substituto para a medicação que estou usando, pois está em falta no mercado?”, poderiam facilitar a comunicação entre ambos, evitando um desperdiço de tempo entre a secretária receber o recado, passar para o médico e este retornar a ligação. Ou então, outra situação, o médico solicitar para o paciente que envie por e-mail o resultado do anátomo-patológico do pólipo que retirou há 2 anos para atualizar o prontuário e ver se haverá necessidade de solicitar uma nova colonoscopia na próxima consulta. No entanto, é importante o bom senso, para que o paciente não sobrecarregue o médico com mensagens triviais ou faça perguntas que só poderão ser resolvidas numa consulta presencial. Tabela – Aspectos a serem considerados pelos médicos e pacientes sobre o uso do correio eletrônico Combinar o tempo médio de espera em resposta às mensagens. Não utilizá-lo para temas urgentes. Especificar o tipo de comunicação (agenda, dúvidas rápidas, exames laboratoriais, etc.) e a sensibilidade destas (HIV, doenças mentais, etc.). Colocar no assunto da mensagem um título indicativo da categoria deste (tratamento, laboratório, agenda, etc.) que se tenha combinado previamente e centrar o conteúdo ao tema da mensagem. Informar que os dados do correio eletrônico serão tratados com o máximo sigilo, incluindo-os na história clínica. Configurar o programa de correio com notificação de recepção de mensagem. Recomendar utilizar sempre a mesma conta de correio para a comunicação para garantir o sigilo, assegurando-se de que somente o paciente ou pessoa responsável autorizada tenha acesso. Combinar o que fazer no caso de ausência. Sempre é recomendável proporcionar o nome completo, data de nascimento e dados de contato de maneira clara.
A telemedicina A telemedicina é uma prestação de serviços de saúde via remota através das telecomunicações (incluindo o correio eletrônico exposto anteriormente, telefone, videoconferência, cabo, satélite, etc.) e inclui a transmissão da palavra escrita ou falada, imagens e sons. Pode ocorrer de maneira tão simples, quando dois profissionais discutem um caso clínico por telefone, como de maneira
sofisticada, ao se realizar uma cirurgia à distância através da robótica. [7] Historicamente, a aplicação de tecnologias de comunicação na medicina datam do início do século XX, quando em 1910, na Inglaterra, demonstrou-se o primeiro estetoscópio elétrico que funcionava por telefone. O grande impulso, porém, se deu no final do anos 1960, quando a agência espacial norte-americana (NASA) enviou sinais fisiológicos dos seus astronautas em órbita para os centros espaciais da Terra. Com o recente desenvolvimento tecnológico através da internet, bem como com a disseminação dos smartphones e tablets, a telemedicina sofre um verdadeiro renascimento, incrementando a eficiência e qualidade dos serviços, agilizando os resultados, economizando tempo e diminuindo custos. Através da telemedicina é possível, por exemplo, treinar médicos via teleconferência em locais de difícil acesso, evitando deslocamentos. Ou então, digitalizar uma imagem e discuti-la com um médico radiologista localizado em um centro de referência. Analogamente, podemos fazer o mesmo com um eletrocardiograma, com uma lesão na pele, no acompanhamento das feridas, na discussão de uma lâmina de patologia ou na realização de uma consulta ou interconsulta, tanto entre dois profissionais de centros universitários quanto com agentes de saúde comunitários de lugares remotos. Todas essas aplicabilidades podem ocorrer ou não em tempo real. O monitoramento ambulatorial contínuo através de chips que coletam os sinais vitais, níveis de glicose e o uso da realidade virtual na simulação de procedimentos médicos são promissores. Mas e como fica a relação médico-paciente com tudo isso? Deve-se salientar que o médico que atende o paciente de maneira presencial é o responsável por ele. O que muda, na verdade, é a forma de trabalho entre os médicos, que podem ter consultoria especializada à distância e sem deslocamentos. [11] É importante pedir o consentimento do paciente, devendo-se tomar todos os cuidados de segurança para preservar o sigilo, e, assim como foi dito sobre o computador, a telemedicina deve ser um instrumento a mais no atendimento ao paciente e não o ator principal da consulta. [17] [18] [19] [20] Não se deve confundir telemedicina com consulta à distância entre médico e paciente sem a intermediação de outro médico de maneira presencial. Isso não é permitido e já está bem regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina. [16]
Conclusão As novas tecnologias têm transformado a vida das pessoas, e sua repercussão na relação entre o médico e o paciente é cada vez mais crescente, pois produzem efeitos não somente entre os usuários, mas também no entorno social em que se encontram. [7] Seguramente não é a tecnologia que ameaça essa relação, mas sim a maneira como ambos a utilizam. [2] [3] É como comparar o bisturi, que foi um avanço tecnológico na sua época, como uma potencial ferramenta de fazer o mal, quando na verdade o médico que maneja o bisturi é quem poderá fazer o bem ou mal, dependendo da forma como o utilize. Por fim, no uso dessas tecnologias, é importante a leitura periódica das publicações feitas pelas
A relação re lação médico-paciente médico-paciente,, base da medicina, assim como os métodos de diagnóstico e terapêutica, precisa preci sa ser cada ca da vez mais mais aprim apr imorada. orada. As relações rela ções sociais soci ais são ext e xtrem remam ament entee dinâmicas dinâmicas e isso i sso impõe um ritmo que faz com que muitas vezes as relações interpessoais fiquem em segundo plano. No entanto, no atendimento médico isso não pode jamais ocorrer, pois, por mais simples ou complexo que seja o motivo que nos leva a um atendimento, o início se fará por meio de uma relação interpess int erpessoal oal de d e confiança confiança e grande expectativa expectativa quanto quanto ao retorn re tornoo da credibilidade credibi lidade depositada no profission profissio nal médico. médico. O sucesso da consulta consulta médica médica está vinculado vinculado à comunicação comunicação estabelecida, estabele cida, à in i nteração e ao grau de empatia obtido. Na ginecologia, habitualmente, as expectativas, desejos e exigências da paciente transcendem à queixa que motivou a consulta c onsulta médi médica. ca. Esses Esse s sentim s entimentos entos fazem com que o atendimento venha a ser direcionado de maneira abrangente à saúde da mulher, tanto nas esferas física e emocional como em todas as relações do universo feminino. Para melhor entendimento do amplo raio de ação de uma simples consulta ginecológica, serão abordados alguns alguns tópicos que ressaltam ress altam esse contexto. contexto.
Acolhimento inicial Este primeiro passo pass o se constitu constituii em e m um im importan portante te alicerce alic erce para que a relação rel ação médico-pacient médico-paci entee se concretize concretize adequadament adequadamente. e. Deve ser s er dado da do propiciando-se prop iciando-se um local seguro seguro para pa ra a consulta. consulta. Para isso, é importante que a paciente perceba uma relação de respeito desde a acolhida inicial pela secretária ou enfermeira. Um consultório bem montado, com o conforto mínimo e condições de discrição e confidenciali confidencialidade dade são fatores fatores im importan portantíssimos. tíssimos. A postura do ginecologista ao cumprimentar a paciente e tratá-la pelo nome poderá demonstrar, logo de início, que se trata de um profissional receptivo e digno de confiança. Durante a consulta a paciente deve sentirsentir-se se acolhida, protegida de interferências interferências externas externas e sem a presença de ruídos ou fatores fatores que venham venham a causar distrações, d istrações, para que possa revelar r evelar as suas s uas queixas queixas sem interrupções interrupções e sem receio de que possa estar sendo ouvida em outros ambientes. A anamn anamnese deve de ve transcorrer da d a maneira maneira mais mais livre livr e e espont es pontânea ânea possível, possível , sendo os dados
organizações científicas, órgãos reguladores da profissão ou conselhos profissionais, que não têm medido esforços em criar normativas que se ajustem à ética e às leis vigentes.
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Ivan Bartolomei Paredes Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Evangélico de Curitiba (HUEC) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Educação em Saúde pela Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR). Coordenador da Disciplina de Semiologia Médica I e II do curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR).
Agradecimentos Agradeço a todos os colaboradores pela qualidade dos textos. Um agradecimento especial ao Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná, pelo incentivo e apoio para transformar este projeto em realidade. Finalmente, aos estudantes e alunos do curso de Medicina, para os quais especialmente fizemos este livro.
Tradicionalmente, a criação de um local destinado a monitorização e tratamento de doentes graves foi idealizado pela enfermeira britânica Florence Nightingale. [1] Durante a guerra da Crimeia, entre 1854 e 1856, Florence mantinha os soldados gravemente feridos em um local ao redor do posto de enfermagem onde ela poderia mantê-los sob sua visão direta e prestar assistência de imediato se fosse preciso. [1] Durante a epidemia de poliomielite em 1952, em Copenhagen, o médico anestesista Björn Ibsen saiu da sala de cirurgia e levou a tecnologia disponível na época para um quarto onde uma criança de 12 anos sofria de insuficiência respiratória por poliomielite. [2] A partir dessa ocasião criou-se dentro do hospital um local destinado a tratar insuficiência respiratória. Além do uso dos pulmões de aço (ventiladores de pressão negativa que foram utilizados na época), o local unia uma equipe multidisciplinar – médicos, enfermeiros e demais profissionais exclusivamente para esse grupo de pacientes. [1] Uma década mais tarde, nos anos 1960, o conhecimento sobre a parada cardiorrespiratória e a sistematização de seu atendimento deu ainda mais força a esse novo setor do hospital destinado a salvar vidas. [1] As Unidades de Terapia Intensiva proliferaram, propiciando a monitorização e tratamento de pacientes após cirurgias de alta complexidade. [1] Médicos abraçaram essa missão, a especialidade começou a ser reconhecida e as sociedades organizaram-se: em 1971, foi fundada a Society of Critical Care Medicine (SCCM) nos Estados Unidos da América; em 1974, a World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine ; em 1975, a Australia-New Zealand Intensive Care Society ; em 1982, a European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). [1] Em grande parte dos países filiados às sociedades de Medicina Intensiva ao redor do mundo, exigese um treinamento específico para o médico tornar-se um médico Intensivista titulado e reconhecido por seus colegas. [1] Atualmente, não somente o médico intensivista se faz necessário na unidade, mas enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos clínicos, fonoaudiólogos especialistas no doente grave, que proporcionam um atendimento multidisciplinar e focado para o paciente e seus familiares. O líder da equipe, que é o médico, coordena e é responsável pelo planejamento do atendimento dentro da unidade, desde o controle de admissões e altas até a educação continuada com
a constante atualização dos protocolos assistenciais. Além de atuar à beira de leito, o Intensivista é responsável também pelo gerenciamento de riscos e de protocolos que a UTI aplica. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um ambiente dominado pelo conhecimento da Medicina Intensiva e pela tecnologia avançada adquiridos ao longo destes últimos 40 anos. [3] O cuidado dispensado ao doente grave é um desafio constante em conciliar o conhecimento médico e o interesse individual do próprio doente. O médico Intensivista enfrenta uma série de conflitos diários: decisões médicas; cuidados de final de vida e pacientes que frequentemente não têm como se comunicar. A falta de comunicação do doente cria uma dificuldade em entender seus desejos, seus medos, suas ansiedades e suas expectativas. [3] O entendimento do que o médico deve fazer em benefício dos doentes não é guiado somente pelo conhecimento científico, mas também por atributos complexos que envolvem a responsabilidade moral, as obrigações legais e o fato de respeitar uma decisão do próprio paciente. [3] As responsabilidades morais dos médicos em relação aos seus pacientes vêm desde a Antiguidade com o Juramento de Hipócrates (400 a.C.) [4], o código de Nuremberg na primeira metade do século XX (proibição de pesquisa médica em prisioneiros de guerra) [3], o relato de Belmont na segunda metade do século XX (proteção dos pacientes em quaisquer tipo de pesquisa clínica) [3] e os atuais códigos de ética médica. [5] Essas descrições clássicas enfatizam o conceito de responsabilidade baseada na verdade, compaixão, justiça, cuidado e ações em prol do benefício humano. [3] O conceito contemporâneo muda o foco do médico para o doente: envolve o individualismo e a autonomia do paciente em tomar a decisão de cuidar-tratar ou não cuidar-tratar. Logo, os princípios modernos de Bioética [3] que regem a atividade médica na UTI são: Beneficência: médico age em prol dos interesses do doente. Não-Maleficência: médico age com cautela para não prejudicar o doente. Justiça: médico fornece ao doente o tratamento necessário independentemente de condição social, econômica ou étnica. Autonomia: médico e paciente decidem em conjunto sobre o tratamento a ser recebido. Isso implica que o doente receba todas as informações técnicas sobre sua situação atual, que tenha capacidade de entender os riscos e benefícios de uma intervenção, decidir se quer receber tal intervenção e assumir sua decisão. Com base nesses quatro princípios, na UTI há uma situação peculiar: muitas vezes o doente está incapaz de compreender e decidir sobre o que quer e não quer receber como tratamento. [3] Ele é um sujeito vulnerável e precisa que alguém defenda seus interesses. Nessa hora, o médico Intensivista deve tomar as rédeas da situação e assumir a responsabilidade baseada em conhecimento técnico, colaboração com o médico assistente e interação com a família do doente. A discussão de casos clínicos que demonstram os conflitos na prática diária de muitos médicos
intensivistas ajuda a entender melhor a aplicação dos princípios de bioética. CASO CLÍNICO 1 – Diagnóstico de Morte Encefálica e Autorização para Doação de Órgãos JBM, masculino, branco, 33 anos, casado, comerciante, católico, sempre conversava com a esposa a respeito de seu desejo de ser doador de órgãos. BM viajou com a esposa na semana de Páscoa e sofreu uma colisão na estrada com outro carro. Ele e ela sofreram vários traumatismos de crânio, tórax e abdome. Foram atendidos pelo Serviço de Emergência pré-hospitalar e encaminhados à UTI. Dra. NCY informou que JBM estava em coma profundo, com múltiplas hemorragias intracranianas diagnosticadas com tomografia de crânio, dependente de ventilação mecânica invasiva. Sua esposa estava na mesma situação. Após 36 horas de UTI, constatou-se que JBM não apresentava reflexos de tronco cerebral ao exame físico. Dra. NCY suspeitava de morte encefálica (ME). O diagnóstico de ME foi conduzido conforme a resolução 1480 de 1997 do Conselho Federal de Medicina: pré-requisitos clínicos confirmados, feitos 2 exames neurológicos, feitos 2 testes de apneia e 1 exame complementar. [6] Toda a família, pai, mãe, 2 irmãos, 4 tios, 2 tias, 8 primos foram informados e acompanharam cada passo do diagnóstico que se confirmou 8 horas após ter sido feita a suspeita. Foi um desespero total. No momento que houve a confirmação de ME com o último exame feito, a mãe ainda não acreditava que aquilo estava acontecendo na sua família. Aquele menino que ela carregou em seu ventre por 9 meses, amamentou, cuidou ao ter rubéola e caxumba, levou na escola em dias de sol e dias de chuva, viu formar-se em administração, viu casar-se, agora morreu antes dela? Isso é antinatural! Será que não haveria um milagre? Já tinha ouvido falar que muitos doentes em coma acordam após anos. E se esse era o caso de seu filho? Será que todos os exames foram feitos e estavam corretos? Afinal, pode haver algum erro. Todas as explicações foram novamente reforçadas pela Dra. NCY: JBM sofreu um trauma craniencefálico muito grave, tinha coma profundo e múltiplas hemorragias intracranianas. Apesar de ter recebido todo o tratamento disponível com cirurgia, medicações múltiplas, ventilação mecânica invasiva, seu cérebro parou de funcionar. O cérebro é como o maestro de todo organismo. O maestro para, e aos poucos todos os outros órgãos, desgovernados sem liderança, param progressivamente. Esta morte cerebral foi confirmada com vários exames conforme a legislação brasileira. Não havia nada mais a fazer por JBM. Mas havia o que fazer por outros doentes que estavam morrendo e ainda tinham uma esperança. Outros doentes que estavam na fila de transplantes de fígado, rins, pâncreas, córneas, coração, pulmão. Se a família aceitasse, poderia haver doação de órgãos. JBM poderia salvar 8 vidas! Dra. NCY se colocou à disposição para esclarecer dúvidas! A mãe não queria outras 8 vidas! Queria somente a vida de JBM! Queria seu filho novamente! Ela acreditava em um milagre! Seu filho querido seria devolvido a ela, pois acabava de fazer uma promessa a Nossa Senhora Aparecida! Ela iria a pé a Aparecida e levaria uma vela da altura de
JBM. Nossa Senhora sempre atendeu suas preces! Novamente, Dra. NCY reforçou que não havia mais esperanças. Era uma questão de tempo para a parada cardíaca. Ela pediu que a família se reunisse, pensasse na possibilidade de doação e voltasse com uma resposta: DOAR ou NÃO DOAR. Ela aguardaria e respeitaria qualquer uma das decisões. O pai e um dos irmãos voltaram 24 horas após. Perguntaram como estava JBM, se realmente não havia esperanças de vida, se no caso de não aceitarem a doação, o que ocorreria. Dra. NCY novamente explicou o que é morte encefálica, que não há esperanças porque morte é morte, que no caso de não haver doação tudo que JBM estava recebendo seria retirado porque o suporte avançado de vida estava simplesmente mantendo órgãos para uma futura doação. Eles agradeceram e pediram mais um tempo para conversar com a mãe, que ainda não aceitava o fato da morte do filho. Os demais familiares já tinham entendido e queriam a doação. Dra. NCY combinou uma nova conversa para o próximo dia, à tarde. Desta vez, voltaram os pais, os irmãos e 2 tios. Pediram novos esclarecimentos sobre o diagnóstico de morte encefálica e sobre como procede a doação de órgãos. Pediram esclarecimentos sobre quais órgãos doar, caso eles aceitassem. Novamente, Dra. NCY esclareceu todas as dúvidas e colocou-se à disposição. Ao final, a própria mãe posicionou-se e aceitou a doação. Ela assinou o termo de consentimento de doação de órgãos e todos expressaram seu pesar pela morte do ente querido e, ao mesmo tempo, seu consolo e alegria de poder proporcionar uma nova vida a 8 outras pessoas. JBM viveria ainda em 8 outras pessoas. Conflitos do caso e questões a pensar: 1. Estabelecimento de uma relação médico-paciente em um tempo muito curto e em uma situação extremamente adversa. 2. Garantia de que o doente recebeu atendimento adequado e que teve chances de cura. 3. Garantia de que não houve erro médico na condução do caso. 4. Abertura de diálogo para esclarecimento de dúvidas em relação do diagnóstico de morte encefálica. 5. Dar tempo para família entender o que estava acontecendo. 6. Mesmo o paciente tendo expressado em vida sua vontade, ele não teve autonomia de decisão. A decisão final ficou ao encargo da família (responsável legal). CASO CLÍNICO 2 – Alta a Pedido da UTI MLR, feminina, branca, 62 anos, do lar, viúva, procedente de Fortaleza, vem visitar a filha em
Curitiba em junho de 2013 e apresenta crise de asma brônquica grave. A filha a leva para o prontoatendimento de um hospital e lá é indicada internação na UTI. MLR é internada e começa a receber todas as medicações necessárias. O médico plantonista, Dr. MO, vem conversar com a filha. Pergunta se MLR já toma alguma medicação. A filha diz que não sabe. Ele agradece e diz que ainda não sabe o que ela tem exatamente, mas que vai fazer todos os exames necessários e cuidar dela bem. Que a filha volte nos horários de visita e saberá sempre como a mãe está. No dia seguinte, na hora da visita, a filha entrou, falou com a mãe, que estava melhor para respirar. A mãe disse que estava sendo bem tratada pela equipe e que todos eram muito gentis. Nenhum médico veio dar informações. Ao indagar à enfermeira, ela responde que o médico de hoje está ocupado em um procedimento de emergência e no período da tarde outro plantonista fala com ela. À tarde, novamente não recebeu informações médicas. A mãe pediu para ter paciência, pois os médicos conversavam com ela e estava a par de tudo que acontecia. A filha voltou noutro dia de manhã e recebeu a mesma resposta: o médico está em um procedimento de emergência e não pode vir dar informações. Nesse mesmo instante, decidiu transferir a mãe da UTI para o quarto e pediu alta sem conversar com a mãe. Mesmo assim, nenhum médico veio falar com ela e após 2 horas a mãe estava no quarto esperando o médico assistente para continuar o tratamento. Conflitos do caso e questões a pensar: Falta de vínculo entre médico e familiar, apesar de haver vínculo entre a equipe médica e a paciente. Dúvidas se há tratamento adequado. Dúvidas da evolução do caso. Familiar expõe doente a diversos riscos com a alta a pedido. CASO CLÍNICO 3 – Decisão de Final de Vida e Limitação de Suporte LS, feminina, branca, 16 anos, solteira, católica, designer de sobrancelhas, procedente de Curitiba, vem para o hospital após sofrer queimaduras em 80% da superfície corporal por tentativa de suicídio. Chega em coma moderado, com desidratação importante e já com falência de múltiplos órgãos. Recebe todo o suporte avançado de vida como ressucitação + ventilação mecânica invasiva + hemodiálise + antibiótico. Após 72 horas, não há melhora clínica e está refretária a tratamento medicamentoso, mantendo hipotensão e hipoxemia continuamente. A família acompanhou o caso desde o atendimento pré-hospitalar, no pronto-socorro e na UTI. Foi permitida a permanência de um familiar na UTI durante as 24 horas do dia. Todos os passos do tratamento foram informados ao familiar presente na unidade e aos familiares no horário de visitas.
No quarto quarto dia de int internam ernament ento, o, com a não resposta clínica ao tratament tratamento, o, a famíli famíliaa foi chamada chamada para uma uma reunião reunião com a equipe equipe mult multidisc idiscipli iplinnar. Estavam Estavam os pais, pais , 3 irmãos, avós e avôs. Da equipe estavam o intensivista responsável pela unidade, o médico plantonista, a enfermeira plantonista, o fisioterapeuta, fisioterapeuta, a nu nutricionista, tricionista, a psicóloga psicól oga e a farmacêut farmacêutica ica clínica. A família esclareceu as dúvidas e perguntou as chances de sobrevida. Havia menos de 10% de chance de sobrevivência naquela situação. A família, em conjunto, solicitou à equipe multidisciplinar que não deixasse haver nem dor nem sofrimento. Que em caso de óbito, houvesse uma morte com dignidade. A família entendeu que não havia outros recursos curativos a oferecer. Todos se colocaram à disposição da família para quaisquer eventualidades. A paciente ficou recebendo todo o suporte avançado de vida, com exceção da hemodiálise, e foram intensificadas a sedação e a analgesia endovenosa contínua. Em 12 horas o óbito foi diagnosticado e o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (caso de morte violenta). A atitude da equipe descrita nesse caso trata de terminalidade e segue a orientações do Fórum de Terminalidade da AMIB realizado em 2008. [7] O Código de Ética médico prevê tal situação e apoia o médico médico a não mant manter er recursos r ecursos que podem ser considerados considera dos fúteis em casos terminais. terminais. [5] Conflitos Conflitos do caso e questões a pensar: Quando caracterizar que um paciente é terminal? O que que é lim l imitação itação de suporte suporte avançado de vida? v ida? O que é tratamento tratamento fútil? A decisão de limitação de suporte avançado de vida é sempre em conjunto com a família? Estabelecimento de vínculo entre a equipe da UTI e a família é fundamental para decisões que podem ser polêm pol êmicas. icas.
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Nazah Cherif Mohamad Youssef Professora Assistente do Departamento de Clínica Médica da UFPR. Responsável pela disciplina de Medicina Intensiva do Curso de Medicina Medicina da UFPR. U FPR. Especialista Especialista em Neurol Ne urologi ogiaa e Medicina Medicina Intensiva. Intensiva. Fellow em Doppler Transcraniano pela Universidade de Hannover (Alemanha). Fellow em Sepse Grave e Choque Séptico pela Universidade de Jena (Alemanha). Médica da UTI Adulto do Hospital Hospital de Clíni Clínicas cas da UFPR. U FPR.
para equacionar melhor o tempo de atendimento ao paciente pediátrico, cabendo ao médico a direção e o comando do diálogo para poder obter, em um curto período, o maior número de informações precisas sobre o paciente, extraindo-as da mãe/informante sem que haja um sentimento de pressão ou angústia. Outro importante aspecto é o fato de o paciente pediátrico ser muito diferente em cada estágio do seu desenvolvimento. Inúmeras são as diferenças da consulta do recém-nascido, do lactente, do préescolar, do escolar e do adolescente. São diversas características e infinitas diferenças de questionamentos a cada período citado da evolução de um paciente pediátrico. Nessas diversas fases, o crescimento e o desenvolvimento da criança devem ser elaborados e explicados para a família de maneira clara. A consulta engloba sempre o aspecto da puericultura, da tendência natural e lógica da medicina preventiva, da atenção do médico muito mais na função preventiva do que curativa. O tempo volta a ser necessário para boas explicações. Essa atuação é muito importante, principalmente nos primeiros anos de vida da criança, tempo em que a necessidade de informações e esclarecimentos por parte dos pais é maior. Para que a prevenção da saúde da criança aconteça, deverá haver uma relação pediatra-pacientefamília muito adequada. Ela funciona como uma banqueta de três pernas. Só estará segura e apta com as três pernas firmes e proporcionais. Se uma delas quebrar ou não funcionar, não adianta as outras estarem boas, a banqueta cairá. Para melhor exemplificar essa situação, diversos estudos que avaliaram a relação pediatra paciente-família através da comunicação demonstraram a não participação da criança na conversa médica. [2] A relação médico-paciente pediátrico restringe-se muito mais ao contato afetivo. Uma hipótese para explicar esse fato na pediatria traduz-se principalmente na dificuldade do profissional em abordar a criança verbalmente ou na tentativa de protegê-la de informações médicas, evitando perturbá-las emocionalmente. [3] Essa falta de comunicação com pacientes pediátricos pode, porém, ser fonte maior de angústias e fantasias, mesmo que o objetivo inicial seja minimizar seu sofrimento. [4]
Construindo a relação pediatra-paciente-família 1. Comunicação A construção da relação pediatra-paciente-família está intimamente ligada à comunicação do profissional com a criança e sua família. A comunicação é o principal “procedimento” na medicina. [1] Através dela, assuntos como esperança, medos, preocupações com desenvolvimento, sexualidade e transtornos mentais podem vir à tona. Uma boa comunicação é a fonte para o estabelecimento de um melhor cuidado ao paciente. A comunicação na pediatria é uma ferramenta essencial para um diagnóstico preciso e para o desenvolvimento de um plano de tratamento bem sucedido. No caso de notícias que possam gerar estresse, uma comunicação habilidosa permite à família uma melhor adaptação a um novo desafio em relação à saúde da criança. Essa habilidade pode requerer um comportamento que inclui sentimentos de reflexão, com demonstração de respeito, preocupação e compaixão, frequentemente por meio de
uma linguagem não-verbal, como gestos, postura e contato ocular. [1] [5] Por outro lado, a falta de habilidade e delicadeza na comunicação gera angústias, rejeição e comprometer a evolução da criança e de sua família, podendo até levar a situações médico-legais. Nos Estados Unidos, estima-se que 35 a 70% dos processos médicos resultem de uma má comunicação, falha em entender as perspectivas do paciente e da família ou falha em incorporar ou perguntar sobre os valores das duas partes em relação ao tratamento proposto. [1] [5] Existem dois tipos de necessidades do paciente e da família a serem sanados durante uma entrevista médica: cognitivas (que dizem respeito à necessidade de conhecer e compreender) e afetivas (que dizem respeito à necessidade de se sentir conhecido e compreendido). A satisfação dos pais com a atenção à saúde de seu filho é substancialmente influenciada pelas habilidades interpessoais do profissional, principalmente em situações em que os pais e a família se encontram muito ansiosos. [6] [7]
Apesar de a comunicação ser essencial para o bom cuidado à saúde, pouco se ensina sobre a construção dessa habilidade tanto nos currículos universitários médicos quanto nas residências e serviços pediátricos. [1] O estudante de medicina ou o residente de pediatria acaba assumindo posturas diante de pacientes e famílias com base na observação dos comportamentos diários de profissionais da saúde, tanto bons como ruins. Às vezes, a coleta de um dado “difícil” na anamnese é mais premiada pelos professores do que o papel psicossocial, existencial e as necessidades e preocupações interpessoais do paciente e sua família. No início, a comunicação é aprendida por tentativas e erros. Porém, cada vez mais estudos vêm demonstrando que ela pode ser ensinada e aprendida. [8] [9] [10] [11] Dependendo da realidade a ser aplicada, existem relatos na literatura de preceptores não médicos, desde psicólogos infantis a terapeutas especializados na vida infantil, que podem ajudar os estudantes e até mesmo os professores a desenvolver essas habilidades. [12] Utilizar materiais de vídeo gravados em combinação com feedback individualizado em grupos pequenos teve um maior impacto na melhora do comportamento da comunicação, segundo um estudo da Universidade de Cambridge. [9] O estudo também recomendou que o entusiasmo sobre o ensino dessas habilidades depende também de um programa de desenvolvimento da equipe de ensino, bem como de instalações cedidas pelos cursos médicos ou governamentais. 2. Cuidado centrado na família Cada vez mais vem se falando a respeito de entrevistas ou visitas à beira do leito centradas na família. Apesar de ser um conceito antigo surgido nos anos 1960, a ideia de um cuidado de saúde centrado na família na pediatria tomou mais força após o Children’s Hospital de Cincinnati descrever sua experiência de mudar a forma abordada nas visitas médicas hospitalares, a fim de estabelecer esse novo padrão. [1] Esse conceito prevê que uma decisão sobre a saúde da criança deva ser uma decisão centrada na sua família. [9] A criação de um plano médico em conjunto com a criança e sua família permite uma maior satisfação e aderência ao tratamento. A maioria dos pais quer estar envolvida nas decisões
sobre como um assunto de saúde será contado ao seu filho. Para que isso aconteça da melhor maneira, o pediatra deve conhecer a relação familiar prévia, valores culturais, as necessidades da criança, bem como seu desejo em participar de seu plano de cuidados. Três preocupações iniciais surgem quando se aborda o cuidado médico centrado na família: o ensino, o tempo e a confidencialidade. O estudante de medicina ou residente de pediatria pode pensar que o ensino ficaria em segundo plano, uma vez que o foco passa a ser a família. Observando diretamente seu preceptor e participando ativamente dessa relação, provou-se que esse novo estilo de ensinar permite uma qualidade até maior da educação. [9] Não há dúvidas de que visitas centradas na família tomam mais tempo e que poderiam ser um empecilho para a agenda de um médico. O mesmo estudo de Cincinnati demonstrou um aumento de aproximadamente 20% nesse tempo, porém acreditou-se na melhora da eficiência do profissional, salvando tempo de discussões futuras no restante do dia. [9] A confidencialidade de quem participa da visita deve ser reforçada, e a busca pela privacidade da criança e familiar, principalmente através de espaço físico, deve ser constante, independentemente da realidade do local. Os princípios do Cuidado Centrado na Família requerem colaboração dos pacientes, familiares, médicos, enfermeiras e outros envolvidos no cuidado à saúde, bem como àqueles envolvidos na educação desses profissionais. [11] São eles: 1. 2. 3. 4. 5.
A criança e a família devem ser ouvidas. A família é a base de apoio da criança. Crianças e famílias são únicas e diversas. Deve haver um colaboração entre profissionais de saúde e a família. Compartilhar informações honestas, sem desencontros.
6. Reconhecer as forças ou limitações de cada pessoa. [8] [9] [11] A qualidade do cuidado em pediatria melhorará se a criança for seriamente reconhecida como um indivíduo com necessidades emocionais e cognitivas próprias, sendo considerada capaz, inteligente e cooperativa. [1] [8] 3. Permitindo a participação efetiva da criança O convite do pediatra à criança (dependendo da idade) e sua família para contribuir na consulta ou na visita médica hospitalar e expressar preocupações é na maioria das vezes bem aceito pelos pais, e não aumenta a duração, mas sim a utilidade do encontro. [1] [5] [14] Uma revisão da literatura indicou que crianças acima de 7 anos têm mais capacidade que seus pais em fornecer informações capazes de alterar o prognóstico, apesar de serem piores em informar sobre seu passado médico. [15] A prática mais comum, entretanto, deixa a criança mais passiva, com pouco poder participativo no tratamento e com poucas oportunidades de expressar suas preocupações. Além da dificuldade dos profissionais de saúde quanto à comunicação, nota-se também que a família também tem
preocupações e dúvidas sobre informar à criança sobre seu adoecimento. Por exemplo, muitos pais que têm filhos com doenças crônicas, como um câncer, relutam em falar com a criança sobre o adoecimento, pois acreditam que assim o filho será poupado do sofrimento e do estigma da doença. Quando isso acontece é notável o fato que as crianças sabem que algo errado está acontecendo. Elas sabem sobre sua doença por meio de falas ou percepções faciais dos adultos. Muitas vezes, como os pais são os principais negadores do adoecimento de seus filhos, estes percebem os fatos que aqueles querem esconder. [4] O linguajar médico pode dificultar esse processo, pois os termos técnicos (“medicinês”) são incompreensíveis para o universo infantil. Às vezes, a utilização de termos mais técnicos pode ser uma forma de proteção na visão do pediatra, como um código secreto que impede o sofrimento de seu paciente. [4] Um exemplo de como todas essas habilidades na comunicação são importantes é o acesso e tratamento do maior sintoma subjetivo da criança: a dor. Se a criança não estiver incluída, com certeza reconhecer o nível da dor será mais difícil. Para reforçar essa mensagem que a criança sabe sua dor, ela deve estar participando do controle de seu tratamento e confiar no poder das intervenções terapêuticas. [1] Dunbar et al consideraram que crianças acima de 4 anos são capazes de controlar sua dor eficazmente. [16] Existe uma obrigação ética de discutir saúde e doença com o paciente pediátrico, que está embasada em leis de diversos países, como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e Brasil. [1] [17] Envolver as crianças nas conversas sobre sua saúde e em decisões sobre seus cuidados e tratamentos demonstra respeito à sua capacidade, melhora seu processo de tomar decisões futuras na saúde e permite que ela se torne parte em uma tomada de decisão difícil, em que não há uma resposta certa, e sim uma que melhor se encaixe às suas necessidades e de seus familiares. [1] Elas querem ser incluídas no plano de tratamento de uma forma às vezes até profunda, frequentemente se tornando experts no assunto. Adolescentes e crianças mais velhas com certeza se encaixam nesse perfil. E quando não há acordo entre a família e o paciente, uma relação de respeito por parte do médico, com base em todos os aspectos culturais e valores familiares, deve existir. Em muitos casos os pais erroneamente pensam que não informar seus filhos sobre uma doença é o melhor a se fazer. Essa atitude paternalista de segurar “informações pesadas” é difícil de ser contrariada dependendo do ambiente criado entre o triângulo pediatra-paciente-família. A literatura, porém, aponta para uma preferência da criança pela informação. [1] [18] Quando a criança pergunta sobre sua condição, muito frequentemente ela já sabe que há alguma coisa errada e nesse momento está procurando em quem confiar. Deve-se dar a oportunidade do questionamento, porém, se a criança a recusa, a informação não deve ocorrer de maneira forçada. Um estudo antigo de Princeton sobre crianças terminais demonstrou que até mesmo crianças de 3 anos ou mais estavam a par de seu diagnóstico e prognóstico mesmo sem eles nunca terem sido contados por um adulto. [19] Ele também mostrou que isso pode gerar um sofrimento duplo. Os pais sofrem, pois inconscientemente acham que, se contarem para a criança, ela se sentirá abandonada e
menos amada. Já a criança sofre também, pois frequentemente ela responde a isso calada, como uma forma de “proteger” seus pais de suas próprias angústias. Kriegbergs et al [20] analisaram pais suecos que perderam seus filhos e revelaram que todos aqueles que falaram com eles abertamente sobre a doença não se arrependeram de tal atitude, enquanto os 27% dos que não abordaram esse assunto antes da morte de seus filhos não só estavam arrependidos, como também apresentaram maior incidência de depressão e ansiedade. Aconselhar os pais sobre essa possibilidade de incluir a criança na entrevista pediátrica é necessário para um melhor desenvolvimento tanto de coisas boas quanto de coisas ruins ligadas à sua saúde.
Um “bom jeito” de dar más notícias Uma má notícia pode ser definida como uma ameaça à integridade mental ou física de alguém, uma situação na qual passa a se achar que não existe mais esperança, um risco para mudança no estilo de vida ou mensagem que confere a alguém poucas chances de vida. No que diz respeito à saúde de uma criança, esta má notícia normalmente ocorre em um ambiente de UTI pediátrica ou neonatal, prontosocorro, sala de parto ou na discussão de doenças terminais. Muitas vezes a rapidez ou cronicidade do quadro clínico é o principal fator que pode determinar a intensidade da emoção da família e da criança. Mesmo assim, é possível que pais de crianças cronicamente enfermas que sobreviveram a diversos internamentos fiquem chocados, negando uma má notícia de que a criança não se recuperará desta vez. Muitos pais de vítimas fatais de trauma relatam receber a notícia da morte de seu filho em um corredor, numa sala de espera ou em outra área pública do hospital. [21] Convém dizer que nesses lugares a chance da notícia ser tratada de forma impessoal e insuficiente pelo profissional é maior. Essa falta de privacidade, empatia, clareza na mensagem e respeito pelo paciente é percebida por sua família e essas memórias e experiências podem ficar marcadas em suas mentes, prolongando o luto. Dado esse fato, assegurar a preparação do cuidador se faz necessário. Ao ouvirem más notícias, os pais tendem a valorizar o médico que demonstra claramente solidariedade e que permite que eles falem e expressem suas emoções. [22] Pode-se abrir a conversa com: “Me contem o que vocês já sabiam sobre o caso do ou da (nome da criança).” Deixe que os pais exponham suas ideias, corrigindo alguns erros de percepção. Pode-se também perguntar a eles se conheciam outra criança com um diagnóstico ou situação parecida. Isso pode facilitar o estabelecimento dos medos e expectativas da família, e a partir daí abordar os aspectos de piora e gravidade do quadro clínico da criança. Isso pode ser mais difícil na emergência ou sala de parto, visto o vínculo médico-paciente-família ser recente. Nesses casos, dar um “sinal de aviso” que um problema maior está por vir, comunicando-se com mensagens claras e permitindo que os pais vejam que foi feito o possível para salvar a vida de seu filho, por exemplo, gera um conforto maior para a família e facilita sua compreensão de gravidade. Já em UTI pediátrica e neonatal, cada vez mais evidências falam a favor do Cuidado Centrado na
Família, melhorando muito a relação do profissional com a família. [10] As dificuldades envolvidas em ter sua criança em uma UTI, beirando a constante incerteza, tornam as reações negativas dos pais compreensíveis. Isso gera um grande estresse dos familiares, pois muitas vezes veem seu filho triste, com medo e dor e estão impossibilitados de conversar com a criança. O profissional deve entender esse aspecto mental dos pais, uma vez que frequentemente também estão “doentes”. Uma boa comunicação ajudará muito mais para a construção de uma relação de entendimento e respeito, afastando os frequentes confrontos consequentes às frustrações familiares. Aumentar a assistência à família, compreendendo suas necessidades, melhora as relações com a equipe.
Consideração final Apesar das dificuldades que a consulta e a visita pediátrica oferecem, os médicos envolvidos com a pediatria devem ser capazes de modificar atitudes, de abrandar sofrimentos físicos, psíquicos e afetivos, de promover a saúde em todos os seus inúmeros aspectos. A habilidade em indicar caminhos a serem seguidos pode levar a algo que está ao alcance de todos: a felicidade. Sim, felicidade, pois, se perguntarmos aos pais o que mais querem para seus filhos, com certeza a resposta mais frequente e honesta será: “que sejam felizes”.
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Eduardo Maranhão Gubert Professor Adjunto de Pediatria e de Urgências e Emergências da PUCPR. Preceptor de Clínica Médica da Residência de Pediatria do Hospital Pequeno Príncipe. Médico Titulado em Terapia Intensiva Pediátrica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Carlos Eduardo Gubert Professor Adjunto de Pediatria e de Urgências e Emergências da PUCPR. Preceptor de Clínica Médica da Residência de Pediatria do Hospital Pequeno Príncipe. Médico Titulado em Terapia Intensiva Pediátrica pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
Entre as muitas características que poderiam ser escolhidas para descrever a população idosa, a heterogeneidade, certamente, é uma das merecedoras de maior destaque. A não ser entre os idosos, em nenhum outro grupo etário são encontradas diferenças tão acentuadas, nos mais diversos parâmetros, como condições gerais de saúde, estado cognitivo, funcionalidade, autonomia, independência, grau de satisfação com a vida, etc. Isso representa um grande desafio aos profissionais da saúde que atuam nas áreas de geriatria e gerontologia, tanto em termos técnicos como em matéria de relação profissional-paciente. Diferentemente do adulto jovem, que procura o médico predominantemente devido a problemas agudos, a população idosa que busca atendimento médico costuma fazê-lo com certa regularidade, para diagnóstico, monitoração e tratamento de problemas crônicos, de modo que a figura do médico torna-se uma presença bastante corriqueira em suas vidas. Na verdade, não poucas vezes, os pacientes idosos fazem acompanhamento simultâneo em vários especialistas diferentes, devido a múltiplas comorbidades. Quando esses médicos não se conhecem ou não trocam informações sobre o caso, o atendimento ao paciente se deteriora, o que infelizmente se constata com muita frequência na prática clínica. Além disso, outras peculiaridades do atendimento geriátrico incluem a necessidade de adaptação da metodologia de trabalho às demandas de cada paciente (consultas com longa duração, grande disponibilidade para ouvir, necessidade de interação com familiares e cuidadores), a versatilidade de atuação em cenários diferentes (consultório, hospital, domicílio, instituições de longa permanência), o enfrentamento de questões éticas e a participação na tomada de decisões complexas.
A consulta geriátrica Sem deixar de lado a semiologia tradicional (anamnese e exame físico), a estrutura de uma consulta médica geriátrica apresenta algumas características próprias, como a aplicação da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). A AGA corresponde a um conjunto de instrumentos destinados à avaliação e ao seguimento clínico dos pacientes idosos, que, por características intrínsecas ao processo do envelhecimento e sua susceptibilidade e vulnerabilidade para múltiplas condições médicas, de caráter biológico, psicológico e/ou social, necessitam de uma avaliação médica mais abrangente. A AGA é composta de vários instrumentos de avaliação, muitos já validados no Brasil, com farta literatura científica que comprova não somente sensibilidade e especificidade nesses rastreios, mas
principalmente redução do risco de desfechos indesejados na saúde global de uma pessoa idosa. Embora a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia tenha elaborado um protocolo de AGA reconhecido como o modelo oficial recomendado por essa entidade, os diferentes serviços de geriatria muitas vezes desenvolvem protocolos próprios, com algumas variações na escolha dos instrumentos, para melhor atender às suas circunstâncias de trabalho. Apesar dessas variantes, a AGA inclui ferramentas para avaliação cognitiva (como o mini-exame do estado mental, o teste do desenho do relógio e outros), avaliação nutricional (como a mini-avaliação nutricional e determinados parâmetros do exame físico), avaliação do humor (escala de depressão geriátrica), avaliação de equilíbrio, marcha e risco de quedas ( get up and go test e outros), avaliação funcional (escalas de Katz, Lawton, medida de independência funcional), triagem de déficits sensoriais (cartão de Snellen, teste do sussurro) e avaliação socioambiental. Adicionalmente, outras informações de grande relevância para a atenção à saúde do idoso devem ser coletadas rotineiramente em cada consulta, como a situação vacinal e, de modo muito especial, os medicamentos em uso. Pacientes idosos são os principais usuários de medicamentos, e grande parte das queixas relatadas em consultas geriátricas relaciona-se com os efeitos de fármacos em uso, pois os idosos são também o grupo mais exposto e vulnerável a interações medicamentosas e efeitos colaterais de drogas. Idosos ambulatoriais utilizam, em média, 3 a 4 medicamentos diferentes diariamente e muitas vezes também possuem hábitos como automedicação, utilização de chás, ervas e outros fitoterápicos, vitaminas e drogas homeopáticas, mas podem não reconhecer como medicamentos os produtos utilizados nesses tratamentos, além de frequentemente omiti-los nas anamneses. O mesmo se dá com medicamentos de uso esporádico e outras formas farmacêuticas, como analgésicos, anti-inflamatórios, laxantes, pomadas e colírios. Nesse contexto, uma estratégia frequentemente adotada em consultas geriátricas para identificar os medicamentos empregados pelos idosos consiste em solicitar que tragam no retorno a “caixa” ou a “sacola” de medicamentos. Não raramente, isso leva a descobertas desconcertantes, como a manutenção do uso de fármacos já suspensos, o consumo de medicamentos fora do prazo de validade, o uso cumulativo da mesma droga com nomes comerciais diferentes, a prática de automedicação, etc.
A relação de confiança entre o médico e o paciente na Geriatria Uma consulta geriátrica pode ser motivada por diversas razões, que nem sempre são de ordem técnica biomédica. Muitos idosos procuram o médico não somente por problemas de saúde; embora os tenham, buscam-no também porque sentem necessidade de alguém que os ouça e lhes dê atenção. A relação de confiança estabelecida entre o geriatra e seus pacientes pode torná-lo uma pessoa de referência em suas vidas, a quem os idosos confidenciam suas preocupações, suas angústias e seus sonhos, e a quem pedem conselho, mesmo que o médico tenha idade para ser seu filho ou neto. No entanto, a relação de confiança entre o geriatra e o paciente se faz necessária também para permitir que o idoso expresse livremente queixas que poderiam causar-lhe algum constrangimento, como autopercepção de perda cognitiva, questões relativas à sexualidade, incontinência esfincteriana e outras.
Como em qualquer especialidade médica, na geriatria a relação de confiança entre médico e paciente estrutura-se essencialmente em boa comunicação e transparência de conduta. O geriatra deve sempre explicar de forma compreensível ao paciente e a seus responsáveis as informações necessárias sobre as doenças, seus desdobramentos e prognóstico, os eventuais efeitos adversos dos medicamentosos prescritos e os riscos em torno de procedimentos diagnósticos e terapêuticos. No entanto, essa relação de confiança também pode deteriorar-se, devido a comentários e atitudes de ambas as partes. Para evitá-las, o geriatra deve assimilar com paciência e versatilidade certos problemas corriqueiros em qualquer consultório, como faltas dos pacientes a consultas marcadas ou seu comparecimento em datas e horários errados, motivadas por esquecimentos ou distrações (que não acontecem somente com portadores de demência). Em grau mais elevado de importância, eventuais falhas ocorridas no atendimento ou iatrogenias involuntárias devem ser admitidas pelo médico, que na busca pelo melhor atendimento a seu paciente pode equivocar-se, como qualquer ser humano no desempenho de sua profissão. Nesses casos, a postura ética esperada do médico é a de procurar sanar prontamente os efeitos adversos de suas decisões e atitudes, e a existência de uma sólida relação médico-paciente é o melhor recurso para contornar adversidades que podem ocorrer mesmo aos médicos mais experientes e cuidadosos.
A relação com familiares e cuidadores de idosos A relação médico-paciente na geriatria não se restringe ao médico e ao paciente, mas agrega também os familiares e cuidadores do paciente, guardando certa relação com o que ocorre na pediatria. Isso se manifesta de modo especialmente marcante no que se refere ao atendimento de pacientes portadores de síndromes demenciais, pois são indivíduos necessitados de cuidadores, de modo que o vínculo formado durante o atendimento médico alcança a dimensão de relação médico-pacientefamília ou médico-paciente-cuidador. Entretanto, na pediatria a criança cresce, desenvolve-se, ganha autonomia e independência, torna-se progressivamente mais responsável por si, chegando, nas fases mais avançadas da adolescência, a prescindir da presença dos pais nas consultas médicas. Na geriatria, especialmente em se tratando de portadores de quadros demenciais, verifica-se o oposto: o idoso torna-se funcionalmente mais dependente, devido à deterioração progressiva de suas funções cognitivas, incluindo sua capacidade de comunicação e de percepção dos fatos à sua volta. Desse modo, a participação dos cuidadores na consulta geriátrica é de fundamental importância para a coleta das informações de que o médico necessita e também para a transmissão das orientações sobre os cuidados a serem tomados em relação ao idoso. Adicionalmente, o vínculo formado pela relação médico-paciente-cuidador torna natural que o geriatra não polarize suas atenções exclusivamente no seu paciente idoso, mas o leva a dedicar a devida atenção à pessoa do cuidador, que também deve ser reconhecido como um ser humano necessitado de cuidados. Não se trata apenas de força de expressão, mas de uma realidade observada cotidianamente, pois os cuidadores são, habitualmente, os familiares mais próximos do idoso, como seu cônjuge e seus filhos, que em muitos casos se dedicam em jornada integral ao atendimento do familiar doente, sem remuneração, folgas ou férias. Os cuidadores familiares muitas vezes também
são idosos e portadores de doenças crônicas, que frequentemente negligenciam a sua própria saúde em prol da manutenção da rotina de cuidados prestados ao parente portador de demência. Cuidadores de idosos são altamente propensos a desenvolver sintomas de um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, conhecido como síndrome do estresse do cuidador, ou síndrome de Burnout . Essa é uma entidade clínica de difícil manejo, especialmente quando não há outras pessoas em condições de colaborar numa redistribuição da carga de trabalho correspondente ao atendimento das necessidades diárias do idoso demente.
Os cenários por onde transita o geriatra Diferentemente de outras especialidades médicas, que se vinculam explicitamente a determinados locais de trabalho, na geriatria as circunstâncias obrigam os profissionais a desempenharem seu trabalho em cenários variados, sendo os principais o consultório, o hospital, o domicílio e as instituições de longa permanência. Logo, o geriatra deve ser suficientemente versátil para ajustar-se às peculiaridades de cada ambiente, adaptando sua conduta profissional de acordo com as possibilidades e limitações inerentes a cada local. Nos atendimentos domiciliares, por exemplo, a dinâmica de trabalho requer cuidados especiais, pois se trata do ambiente em que o paciente expõe sua intimidade pessoal e familiar, e no qual ele vivencia seus costumes e impõe suas regras. Em visitas domiciliares, com certa frequência, o médico constata a existência de hábitos nocivos em questões de higiene, alimentação e estilo de vida. Ao tocar nesses assuntos, o geriatra deve proceder com discrição e sensibilidade, sem deixar de cumprir seu dever de orientar, para que o paciente ou sua família não se sintam invadidos ou desrespeitados dentro de sua própria casa. Quanto às limitações impostas pelos recursos semiológicos e terapêuticos passíveis de emprego no domicílio, é preciso reconhecer a necessidade de selecionar os tipos de atendimentos que podem ser realizados nesse local. Entretanto, quando não há possibilidade de remover o paciente para outro cenário mais adequado para atendimento, impõe-se a necessidade de adaptações das condutas tradicionais às circunstâncias locais.
Escolhas difíceis e aspectos éticos O processo de envelhecimento e as doenças crônicas que a ele se associam fazem com que o geriatra seja convidado a se manifestar em momentos críticos, como decisões de grande impacto na vida íntima de seus pacientes. Situações como o aumento da dependência funcional podem tornar desaconselhável que um idoso resida sozinho, pois os riscos de acidentes e a incapacidade para desempenho de atividades básicas de vida diária tornam imprescindível a presença de acompanhantes. Cabe ao geriatra reconhecer esse tipo de situação e alertar ao paciente e a seus responsáveis quanto à necessidade uma solução para essas questões. Entretanto, a decisão sobre as condutas práticas (como a mudança do idoso para a casa de algum filho, mudança de algum familiar para a casa do idoso, contratação de cuidadores, etc.) não deve ser transferida ou assumida pelo médico, mas sim tomada pelo paciente e seus responsáveis, sob a orientação desse profissional. Outras questões
delicadas em que o geriatra é frequentemente chamado a intervir abrangem a interdição judicial de um idoso portador de demência avançada, a orientação a parar de dirigir veículos quando as condições físicas ou mentais não permitem fazê-lo com segurança e a transferência do idoso para uma instituição de longa permanência.
A relação do geriatra com pacientes em processo de terminalidade A morte é um evento inerente à vida do ser humano, e a idade avançada é, por si, um dos fatores de maior relevância estatística para predição do risco de óbito. Desse modo, o atendimento de pacientes que se encontram na fase final de suas vidas faz parte do cotidiano da geriatria, porém isso não é o mesmo que afirmar que se trate de algo rotineiro para o geriatra. O atendimento a cada pessoa que se encontra em processo de terminalidade e morte é único, e por mais que as condutas paliativas devam ser exercidas segundo critérios técnicos, o aspecto humano do cuidado não pode ser padronizado de forma cartesiana. A assistência ao idoso em processo de morte deve incluir o alívio de seus sintomas físicos, mas sem negligenciar as demais necessidades impostas por esse momento, especialmente a atenção aos desejos manifestados pelo paciente, como completar alguma obra inacabada, reunir sua família, ou receber assistência espiritual segundo sua crença religiosa. Para proporcionar dignidade ao paciente moribundo, o geriatra deve ter a sensibilidade necessária para evitar procedimentos desnecessários, que não alterarão o desfecho do caso, ou de benefício duvidoso no controle dos sintomas. Por exemplo, em casos de doença grave terminal, a internação hospitalar ou a transferência do paciente para a unidade de terapia intensiva só se justificam quando se preveem melhorias no controle de sintomas mediante procedimentos que não poderiam ser realizados fora desses ambientes. Por fim, ao abordar o tema da terminalidade, não se pode deixar de tratar das questões éticas em torno dos termos eutanásia, distanásia e ortotanásia. Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. Distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável (“obstinação terapêutica”). Ortotanásia é o termo utilizado para definir a morte natural, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. A prática da eutanásia é condenada pelo Código de Ética Médico e é ilegal no Brasil e na maior parte do mundo. Embora seja permitida em alguns países, como a Holanda, atualmente as comunidades médicas desses locais já organizam movimentos para reverter ou restringir as leis que a autorizam. Isso decorre da constatação de abusos cometidos na prática da eutanásia e ao avanço da medicina paliativa que, ao permitir melhor controle sintomático de pacientes terminais, muda sua perspectiva da morte como única forma de alívio para seu sofrimento. A distanásia, mesmo não sendo intencional, infelizmente é constatada com grande frequência, pois a formação do médico leva-o, instintivamente, a encarar a morte como o “inimigo a ser combatido com todas as armas possíveis”. Contudo, nessa guerra, o maior derrotado acaba sendo o paciente, que mesmo fora de perspectiva de cura é submetido a procedimentos invasivos, dolorosos, caros e
inúteis. Para evitar essas situações, o médico deve avaliar criteriosamente cada passo de sua conduta, considerando de forma realista quais os efeitos esperados dos recursos semiológicos e terapêuticos que cogita empregar. Deve ser dada prioridade a procedimentos que tragam melhor controle de sintomas causadores de sofrimento, em detrimento de outros de necessidade discutível ou eficácia duvidosa. Com relação à ortotanásia, não há infração ética nem crime em omitir o uso de meios artificiais extraordinários para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível. Sobre esse tema, a resolução n. 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina estabeleceu os critérios para a prática da ortotanásia, e essa mesma resolução foi validada pela Justiça Federal em julgamento sobre sua legalidade. Os maiores desafios em torno da ortotanásia consistem na identificação precisa do quadro clínico do paciente como elegível para sua prática, no reconhecimento pelo médico das limitações de sua ação para evitar a morte de seus pacientes. Adicionalmente, deve-se destacar a necessidade de valorização do aprendizado e da prática do cuidado paliativo por médicos de especialidades que atendem a pacientes terminais, como os geriatras, oncologistas e intensivistas.
Considerações finais A relação médico-paciente é um dos fundamentos que torna a medicina, simultaneamente, ciência e arte, e tem como ferramenta principal a comunicação clara e honesta, e como pressuposto fundamental a confiança. Essa confiança é a garantia que permite ao idoso confiar ao médico sua intimidade, revelar suas preocupações e encontrar no geriatra um apoio seguro em seu quotidiano e também por ocasião da tomada de decisões difíceis próprias dessa fase de sua vida. Na geriatria, a relação médico-paciente frequentemente estende-se aos familiares e cuidadores do paciente idoso, que precisam não somente compartilhar da relação do confiança em relação ao médico, como também devem ser alvos de especial atenção de sua parte, pelo elevado risco de síndrome do estresse do cuidador. O atendimento a idosos sob as perspectivas da terminalidade e da opção pelos cuidados paliativos deve levar ao aprofundamento da relação médico-paciente, na qual o cuidado técnico deve combinar-se com a atenção humana às diversas necessidades do paciente moribundo.
eferências bibliográficas CONSELHO Federal de Medicina. Resolução n. 1805/2006. Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. NERI, A. L.; FORTES, A. C. G. Dinâmica do estresse e enfrentamento na velhice e sua expressão no prestar cuidados a idosos no contexto da família. In: FREITAS, E. V.; PY, L.; CANÇADO, Fax; DOLL, J.; GORZONI, M. L. Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006. SIQUEIRA, J. E. A relação médico-paciente em tempo de individualismo. Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. SOCIEDADE Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Avaliação geriátrica ampla modelo oficial SBGG . Disponível em: . Acesso em: 30 maio 2013. TONIOLO-NETO, J.; PINTARELLI, V. L. Farmacologia aplicada ao paciente idoso. In: LOPES , A. C.; JOSÉ, F. F.; LOPES, R. D. Guia de Clínica Médica. Barueri: Manole, 2007.
Vitor Last Pintarelli Médico geriatra. Doutor em Ciências pela UNIFESP. Professor Titular de Semiologia da Universidade Positivo. Professor Adjunto de Geriatria da UFPR. Coordenador do estágio em Geriatria da Fundação de Apoio e Valorização do Idoso. Diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), Seção Paraná. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Seção Paraná.
Maurílio José Pinto Professor Adjunto de Geriatria do curso de Medicina da Universidade Positivo. Mestre em Cardiologia pela UFPR. Especialista em Geriatria Clínica pela Universidade de P aris VI (França). Especialista em Geriatria e Gerontologia pela SBGG/AMB. Chefe do Serviço de Geriatria da Fundação de Apoio e Valorização do Idoso.
A relação médico-paciente é um ponto fundamental no tratamento de um paciente. O sucesso de um procedimento cirúrgico necessita de uma comunicação efetiva entre o paciente e o cirurgião. Um bom resultado implica que se desenvolva uma cumplicidade, e que o paciente seja informado e educado da natureza de sua doença e das diferentes formas de tratamento. Isso faz com que o paciente e seus familiares estejam envolvidos ativamente nas decisões a serem tomadas e assim se estabelece um vínculo de confiança nas expectativas do tratamento proposto. Um excelente relacionamento melhora a qualidade do atendimento, e não tem necessariamente relação direta com o aumento do tempo de consulta ou com os custos do tratamento. O cirurgião deve demonstrar empatia, preocupação e humanismo. Uma boa comunicação não somente melhora a satisfação do paciente, como aumenta a satisfação do próprio profissional. Outro fator importante é que a falta de comunicação e empatia ou a quebra da relação médico-paciente é o principal fator motivador de processos contra médicos. [1]
Influência do sistema de saúde na relação médico-paciente O grande número de usuários no Sistema Único de Saúde (SUS) e o constante aumento de pacientes nos planos de saúde, associado a uma diminuição de honorários, têm feito com que o médico estabeleça metas a serem cumpridas, fazendo com que o atendimento seja mais rápido. Porém, mais rápido não deve necessariamente significar de pior qualidade. O médico atual necessita ser eficiente e objetivo, mas o paciente não deve sentir que está em uma linha de produção. Uma consulta pré-operatória inadequada faz com que a história seja obtida de maneira inadequada, com dados incompletos, gerando dificuldades de identificar o problema real, tratamento inadequado, perda da confiança, consequentemente mais tempo será dispendido futuramente. Como exemplo, um paciente pode se apresentar no consultório cirúrgico com colelitíase e sintomas dispépticos. É importante que o cirurgião esclareça ao paciente que os sintomas dispépticos poderão permanecer após a colecistectomia. Assim, evita que o paciente fique insatisfeito ou diga que não foi tratado adequadamente se, após a colecistectomia, os sintomas dispépticos persistirem. Um mínimo de boa comunicação no pré-operatório evita um longo tempo de explicações no pós-operatório, principalmente em pacientes ansiosos e com outras comorbidades. O relacionamento entre a fonte pagadora e os médicos também tem afetado inapropriadamente a relação médico-paciente. O sistema de saúde de convênios é competitivo, e isso faz com que
médicos sejam contratados com metas, tanto para um número expressivo de atendimentos quanto para diminuição de custos das companhias. Em outras situações, os médicos são pagos de acordo com o número de atendimentos e procedimentos, para que tentem ser o mais produtivos possível, o que pode piorar a qualidade no atendimento. Em alguns casos, o sistema de saúde, seja público ou privado, não contempla o direito de o paciente ter acesso a um tipo de medicamento ou tecnologia utilizada, fazendo com que o médico informe ao paciente que determinado procedimento cirúrgico não pode ser realizado. Assim, para o paciente, o médico se torna o fornecedor de notícias ruins e é visto como o culpado de não poder fornecer o melhor tratamento. Muitas vezes, o paciente acredita que o médico não quer ajudá-lo ou não tem boa vontade para resolver o seu problema. Quando isso acontece, o relacionamento é deteriorado, e uma barreira é criada. Outro fator importante é que existe alta rotatividade de médicos. Em muitas situações, o cirurgião que hoje realiza uma operação não será o mesmo que acompanhará o paciente durante o tratamento. Como exemplo, em alguns hospitais do Sistema Único de Saúde, o paciente é operado por um plantonista e outro cirurgião é que provém o cuidado de pós-operatório. Outro exemplo: o paciente operado procura o seu cirurgião alguns meses depois e ele já não está atendendo pelo convênio. Essas situações afetam a confiabilidade no médico. Para o sistema de saúde privado ou público, é difícil conciliar os interesses dos médicos, dos pacientes e da fonte pagadora. Assim, tem sido utilizado o princípio da medicina baseada em evidências, e protocolos têm sido criados para minimizar custos e maximizar e garantir a qualidade no tratamento. Porém, pacientes com necessidades diferenciadas no seu tratamento são ignorados, fazendo com que o médico tenha de lidar com essa situação.
Atitudes do cirurgião Uma comunicação adequada deve ser estabelecida. Os objetivos de uma boa comunicação são criar um bom relacionamento interpessoal, facilitar o intercâmbio de informações e incluir o paciente nas tomadas de decisões sobre o seu tratamento. Assim, o cirurgião deve permitir que o paciente expresse seus sintomas, sentimentos e expectativas em relação ao tratamento, com as próprias palavras. O tempo de uma consulta é menos crítico do que a percepção do paciente de que está realmente sendo ouvido apropriadamente. Ele deve se sentir ouvido e possuir liberdade para fazer questionamentos e expressar as suas preocupações. [2] Os principais tópicos a serem seguidos durante a consulta médica estão demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1. Relação médico-cirurgião Avalie o paciente como um indivíduo e não somente como uma patologia Demonstre empatia e respeito. Ouça o paciente e crie um vínculo de confiança.
Informe o paciente das opções de tratamento. Oriente dos riscos e benefícios do tratamento proposto. Responda às perguntas honestamente. Obtenha o consentimento informado. Em avaliações de qualidade do atendimento, tem sido demonstrado que os principais fatores avaliados por pacientes são o quanto o médico os ouve, valoriza as suas queixas, como são explicados o diagnóstico e as opções de tratamento. Assim, principalmente quando o tempo de consulta é limitado, é importante enfatizar a necessidade de uma boa comunicação e a qualidade de interação. Porém, muitos cirurgiões superestimam a sua habilidade de comunicação. Tongue et al. reportaram que 75% de cirurgiões ortopédicos acreditavam que estavam se comunicando satisfatoriamente com seus pacientes, enquanto somente 21% destes reportaram que houve uma comunicação adequada. [3] Quando um paciente se apresenta com um problema para o cirurgião, emergencial ou eletivo, ele procura as habilidades e conselhos de um especialista. O paciente coloca a sua vida nas mãos do cirurgião, fazendo com que os princípios morais, conhecimento e habilidades técnicas do médico norteiem o seu tratamento. O cirurgião deve colocar de lado seus interesses próprios e manter o foco primariamente no paciente, agindo para promover e proteger seus interesses, e assim conquistar a sua confiança. Não é somente o paciente que confia no cirurgião, mas também os familiares que concordam com a conduta a ser tomada. Uma vez que a confiança é estabelecida, surgem várias expectativas. Eles esperam que o cirurgião faça tudo e da melhor forma possível para salvaguardar a vida, assegurando inclusive que outros profissionais da saúde, como anestesistas, enfermeiros, fisioterapeutas ajam da mesma forma. Também criam expectativas de um bom resultado, e esperam do cirurgião honestidade e abertura para discussões sobre como está evoluindo o tratamento. [4] A natureza invasiva e potencialmente com risco de óbito ou de sequelas das terapias cirúrgicas pressupõe um grau extraordinário de confiança do paciente no médico. Inicialmente, o paciente está sob o comando da situação e escolhe o cirurgião para realizar o seu tratamento. Em conjunto, decidem pelo tratamento e, durante a operação, o cirurgião e a equipe possuem o poder de decisões, tendo o controle total da situação. Essa transferência de poder de decisões para o cirurgião raramente é vista em outras áreas da medicina. Assim, a confiança entre o paciente e o cirurgião difere de qualquer outra área da medicina, pois a especialidade cirúrgica é atrelada a resultados imediatos. Um cirurgião frequentemente é avaliado por resultados, complicações e mortalidade, e muitas vezes são realizadas somente uma a duas consultas no pré-operatório, sendo necessário que um vínculo de confiança seja feito rapidamente. Em outras especialidades, a confiança é desenvolvida em um tempo mais prolongado, em que o paciente e médico chegam a um diagnóstico e um plano de tratamento. A evolução do quadro clínico é constantemente reavaliada, e o paciente possui controle sobre o seu tratamento. Assim, a confiança na relação médico-paciente tem tempo para se desenvolver e se estabelecer.
Little e Fearnside demonstraram que, quanto mais grave é a doença, maior é a necessidade de confiança. Porém, quanto maior o risco de vida, maior é o grau de vulnerabilidade desse sentimento. Assim, em casos cirúrgicos, a confiança é um sentimento mais frágil. A decepção com um resultado, por menor que seja, faz com que o paciente muitas vezes aja de maneira desproporcional, devido à vulnerabilidade emocional dele diante da sua doença. [5] A comunicação deve ser adequada para o entendimento do paciente, ou seja, deve-se ter cuidado ao utilizar uma linguagem muito técnica. O cirurgião deve sempre possuir o conhecimento e habilidade técnica de tratar determinada patologia, e ao mesmo tempo ter habilidade de transmitir a informação, construindo uma relação de confiabilidade. Tem sido demonstrado que uma boa comunicação, tanto no pré quanto no pós-operatório, melhora os resultados e aumenta a satisfação do paciente. Existe correlação direta entre uma boa relação médico-paciente e a habilidade de tolerar a dor, recuperação de uma doença, retorno às atividades, melhora do estado emocional e menor tempo de internação. [5] [6] [7]
Sempre deve ser oferecido o melhor para cada indivíduo, independentemente de qual será a fonte pagadora. Isso não quer dizer que os médicos devem ignorar os custos implicados em suas decisões, mas esforços devem ser realizados para minimizar custos desnecessários. A utilização do princípio de medicina baseada em evidência deve ser respeitada, para evitar gastos excessivos em tratamentos fúteis ou não comprovados. O cirurgião deve ter conhecimento de quando a qualidade do tratamento proposto pode ser afetada por restrição na utilização de determinado equipamento ou técnica, e deve colocar a saúde em primeiro lugar. Como exemplo, atualmente alguns planos de saúde não contemplam cirurgia para obesidade mórbida a ser realizada por laparoscopia, e sabe-se que o benefício é indiscutível. Sendo assim, o médico deve orientar a respeito dos benefícios a serem obtidos, independentemente de o paciente ter acesso a essa tecnologia ou não. O cirurgião deve conversar com o paciente e explicar o porquê de utilizar determinada técnica ou tecnologia. Outro fator importante é que o médico não deve possuir conflito de interesse, de ordem pessoal ou financeira. O cirurgião deve prestar atenção para incentivos financeiros ou não financeiros que podem estar sendo obtidos, seja pelo hospital, seja pela fonte pagadora. Ao fazer um diagnóstico da patologia a ser tratada cirurgicamente, o cirurgião deve informar ao paciente e seus familiares dos riscos e dos benefícios do tratamento. Entre os benefícios, deve orientar todas as formas existentes para o tratamento, bem como explicar o porquê de utilizar determinado método e quais são os resultados esperados. Entre os riscos, deve informar a respeito da possibilidade de infecção, sangramento, necessidade de reoperações, riscos de não melhorar os sintomas, cicatrizes e inclusive o risco de óbito. Não existem procedimentos isentos de riscos. Assim, o paciente se sente seguro diante de um resultado inesperado, e o cirurgião não se sente acuado diante do paciente e de seus familiares. Importante também é obter o consentimento informado assinado pelo paciente antes do procedimento a ser realizado.
Consentimento informado O consentimento informado é um documento necessário ao atual exercício da medicina, como um
direito do paciente e um dever moral e legal do médico, pois, sendo o paciente dono de seu próprio interesse, para decidir se prefere manter-se no estado de saúde em que se apresenta ou submeter-se a um tratamento que não é isento de riscos, deve ser devidamente esclarecido pelo profissional que o atende. O consentimento informado representa uma manifestação expressa da autonomia da vontade do paciente, ou seja, é recomendável que seja por escrito para evitar maiores discussões sobre se o consentimento foi fornecido e se foi de modo suficiente ou não. O cirurgião deve explicar para cada paciente ou seu representante legal as implicações de um tratamento cirúrgico, e se assegurar de que o paciente entendeu e que teve oportunidade de ter qualquer o questionamento respondido. Mesmo que o consentimento informado seja um formulário impresso, o cirurgião deve rever com o paciente os termos do consentimento e documentar no prontuário médico os termos do consentimento. Basicamente, o consentimento informado deve possuir as informações apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2. Elementos do consentimento informado Diagnóstico da patologia Orientar sobre tratamento proposto e outras alternativas de tratamento. Indicar riscos e benefícios do tratamento. Indicar consequências do tratamento. Assegurar-se de que o paciente entendeu o tratamento proposto. Assegurar que o paciente teve suas perguntas respondidas. Assegurar que o paciente deseja realizar o tratamento. Importante destacar que o paciente legalmente capaz tem o direito de recusar tratamento, mesmo que essa recusa possa resultar em deficiência permanente ou até mesmo em óbito. O paciente tem o direito de participar no seu plano de tratamento e é responsabilidade do médico assistente assegurar que o paciente entendeu a respeito de sua doença, para que tome, então, suas decisões. O consentimento informado, portanto, é uma garantia de que o paciente foi informado para depois tomar a decisão que julgar correta. Para proteger um cirurgião de processos legais, é importante documentar o processo de comunicação feito com o paciente. Um bom prontuário médico do consultório com a descrição das orientações dadas ao paciente e um consentimento informando padrão específico para uma cirurgia são documentos importantes em um processo ético, além de demonstrar que realmente houve uma conversa entre médico e paciente sobre o tema. Outro fator importante, ao obter o consentimento informado, é que o cirurgião não deve exagerar nos benefícios potenciais da cirurgia proposta nem fazer promessas e garantias. Duas testemunhas capazes e maiores de idade também devem assinar o termo de consentimento.
Para pacientes menores de idade, os pais ou os tutores legais devem participar do consentimento informado e fornecer assinatura em procedimentos eletivos. Quando pacientes são mentalmente incapacitados ou os pais ou representantes legais de menores de idade se recusam a fazer um tratamento, o cirurgião pode requerer assistência jurídica. Atualmente, algumas sociedades cirúrgicas, como o Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, disponibilizam manuais de esclarecimento de várias doenças, para as quais existem termos de consentimento apropriados.
Problemas na relação paciente e cirurgião Existem muitas barreiras que devem ser vencidas para estabelecer um bom relacionamento médico paciente, entre as quais fatores relacionados ao paciente e ao próprio cirurgião, como ansiedade, medo, falsas expectativas, excesso de trabalho, medo de processos, entre outros. [8] Tem sido observado que a habilidade de se comunicar tende a declinar em estudantes de medicina conforme progridem durante o curso e, com o passar do tempo, os cirurgiões também tendem a perder a visão holística no cuidado do paciente. [9] Frequentemente pacientes cirúrgicos são tratados pelo cirurgião por um tempo limitado, retornando ao seu clínico ou médico de família para acompanhamento de outras comorbidades ou para tratamento oncológico clínico. Isso pode ser entendido pelo paciente como uma forma de abandono. Essa situação é muito comum, por exemplo, após a realização de um procedimento cirúrgico realizado para o tratamento da obesidade mórbida. É importante o cirurgião orientar o paciente antes da operação que o acompanhamento clínico será realizado por outro médico, caso assim desejar. Quando acontece um desentendimento entre o paciente e o cirurgião, o médico não pode abandonar o paciente. O abandono do paciente é definido como término da relação médico-paciente em um momento crítico do tratamento, sem que seja oferecida a chance de encontrar outro médico igualmente qualificado para o atendimento. Para provar que foi abandonado, o paciente deve demonstrar que o médico o abandonou em um momento crítico do tratamento sem uma razão adequada e sem tempo para procurar outro médico. Um cirurgião que não finaliza a relação médico paciente de maneira apropriada pode ter sua conduta ética questionada. Assim, caso haja necessidade de finalizar uma relação médico-paciente, o paciente e seus familiares devem ser avisados, os motivos devem ser explicados e deve ser dado um tempo para que o paciente procure outro médico. O prontuário médico e todas as explicações devem ser fornecidos ao outro médico caso o paciente julgue necessário. [10] Vale ressaltar que o cirurgião não pode abandonar o paciente por motivos financeiros ou em uma situação de emergência. Os pacientes geralmente escolhem o cirurgião, mas este pode aceitar ou recusar o paciente. A livre escolha permite que tanto o paciente quanto o cirurgião possam iniciar ou terminar a relação médico paciente. Quando o paciente concorda com um procedimento cirúrgico, porém condiciona ou exige resultados que não podem ser garantidos, o cirurgião deve optar por se retirar do caso. Concluindo, os cirurgiões devem fazer todo o esforço possível para conquistar e manter a confiança
do paciente e seus familiares em todas as fases de avaliação, pré e pós-operatória. Devem assegurar ao paciente tempo e explicações suficientes para o entendimento do procedimento cirúrgico, riscos, alternativas de tratamentos, etc. O cirurgião deve respeitar a decisão do paciente. O termo de consentimento não é um mero documento, mas sim um processo que requer tempo, clareza e explicações. Deve-se demonstrar honestidade, segurança e responder às perguntas e queixas com cortesia e respeito. No momento de tomar uma decisão, o cirurgião deve indicar o tratamento mais adequado, independentemente de pressão do paciente, de outros médicos ou incentivos financeiros. Uma relação de confiança traz bons resultados tanto para o cirurgião quanto para o paciente.
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somatisation, personality and psychopathology. J Clin Epid, v. 47, n. 6, pp. 647-57, 1994. [2] MARTIN, D. J.; GARSKE, J. P.; DAVIS, M. K. Relation of the therapeutic alliance with outcome and other variables: a meta-
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Roberto Ratzke Professor Assistente do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR. Mestre em Psiquiatria pela FMUSP. Diretor Clínico da Clínica Heidelberg.
Osmar Ratzke Professor Adjunto do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria. Diretor Geral da Clínica Heidelberg.
Introdução Em 1998, Valentim Gentil Filho, Professor Titular de Psiquiatria da USP, proferiu uma palestra aos novos residentes de psiquiatria cujo tema era a “identidade do psiquiatra”. À sua própria indagação “Os psiquiatras são especialistas em quê?”, o professor respondeu: na “relação médico-paciente”. [1] A relação médico-paciente é fundamental em qualquer especialidade médica, especialmente em uma especialidade em que os doentes não aceitam ou percebem que estão doentes. Os portadores de transtornos mentais por vezes são trazidos contra sua própria vontade, por familiares, ou, atualmente, são até mesmo internados por determinação do poder judicial, como, por exemplo, nas internações compulsórias. A relação médico-paciente tem um papel fundamental na psiquiatria, que é o de servir como uma psicoterapia no sentido amplo do termo, que engloba toda relação humana com o propósito de mudança terapêutica. Em psicoterapias, a qualidade da relação muitas vezes tem maior impacto na mudança do comportamento do paciente que a técnica utilizada. [2] Os aspectos característicos na relação médico-paciente em psiquiatria levam a uma relação entre dois seres humanos especialmente difícil e complexa, pois envolvem aspectos psicológicos, culturais, sociais, que não podem ser ignorados, além do modelo biomédico tradicional. Em atendimento primário, relações médico-paciente pouco eficazes muitas vezes têm como pano de fundo os transtornos mentais. [3] Em serviços de psiquiatria, aspectos psicossociais, relacionados à pessoa e não necessariamente a aspectos biomédicos podem ocupar o maior tempo da consulta. [4]
A psiquiatria e os pacientes “difíceis” Os pacientes considerados difíceis ou cuja relação médico-paciente é difícil do ponto de vista do médico, em atendimento primário, são frequentes. São pacientes com maior disfunção ocupacional, utilização de serviços de saúde e insatisfação com o atendimento, isto é, a relação médico-paciente também é vista como prejudicada pelos pacientes. Os pacientes difíceis em atendimento primário apresentam maior chance de transtornos mentais comuns, como somatoformes, do pânico, de ansiedade generalizada, distimia, depressão maior, abuso e dependência de álcool. [5] Isso demonstra a importância do reconhecimento dos principais transtornos mentais em atendimento primário ou programas de saúde da família, do manejo inicial adequado e do encaminhamento a um serviço especializado quando necessário.
Em um serviço ambulatorial de psiquiatria, cerca de 15% dos pacientes foram considerados difíceis, sendo os portadores de esquizofrenia, abuso de álcool ou outras substâncias e transtornos de personalidade os que melhor se enquadravam nessa definição. [6] Uma das principais dificuldades no manejo dos pacientes difíceis com transtornos mentais é a ausência de percepção de seu estado mórbido ou da necessidade de tratamento. Muitas vezes o clínico geral é o único profissional de saúde que esse paciente aceita frequentar. Nesses casos, é fundamental para este médico uma excelente relação médico-paciente, a fim de lidar com os preconceitos e barreiras ao tratamento que impedem uma melhora do quadro clínico e qualidade de vida do paciente.
O papel do paciente na relação médico-paciente em Psiquiatria A relação médico-paciente em psiquiatria pode ser classificada em três níveis de acordo com o menor ou maior papel do paciente como agente na relação: uma atitude do paciente de passividade, de cooperação ou de participação mútua. Na atitude de passividade, o paciente encontra-se impotente, incapaz de participar ativamente no seu tratamento, devido à gravidade de sua doença ou de uma estrutura de ego muito frágil, usando mecanismos de defesa primitivos, como regressão a fases anteriores do desenvolvimento psicossocial, como a infância. Martins considera essa relação semelhante à relação mãe-lactente. [7] São típicas as relações em que o médico tem toda a responsabilidade sobre a ação, e o paciente está em uma atitude de passividade: em cirurgias, por exemplo, em que se encontra anestesiado, ou em UTIs, quando está em coma. Em psiquiatria, tal situação é configurada em pacientes com retardo mental grave ou profundo ou em psicoses graves, como alguns tipos de esquizofrenia. Eles não apresentam crítica alguma de seu estado mórbido e o tratamento acaba sendo involuntário ou compulsório. Muitos desses pacientes acabam sendo interditados, deixando seus direitos cíveis aos cuidados de curadores, em geral membros da família. Nesses casos, a relação se dá através destes, na forma de cooperação ou de participação mútua. A forma de cooperação, segundo Martins, se assemelha na relação entre pais e filhos. Os pais, assim como os médicos, são os detentores do saber, da responsabilidade e têm papel mais ativo na tomada de decisões que o filho ou o paciente. Esse tipo de relação é comum em nossa cultura, na qual a autonomia não é tão valorizada como em outros países, como nos Estados Unidos. Os pacientes, mesmo estando lúcidos, muitas vezes abstêm-se de opinar sobre o próprio tratamento. Essa relação é comum na maior parte dos transtornos mentais, por exemplo, em transtornos somatoformes, conversivos, ansiosos, depressão, em psicoses mais leves. Nesses casos, cabe ao profissional lentamente trazer maior responsabilidade ao paciente pelo seu tratamento, tentando leválo a um modelo de participação mútua entre dois adultos. O modelo ideal de relação médico-paciente em portadores de doenças crônicas é o de participação mútua-recíproca. A maioria dos transtornos mentais é crônica, sem prejuízo da crítica. É um modelo que prevê uma relação de longa duração, entre dois adultos, em que ambos têm papel ativo e dividem
a responsabilidade pela tomada de decisões. Esse modelo auxilia na redução do estigma em relação aos transtornos mentais, e em relação à atividade do psiquiatra. Porém, o médico deve estar preparado para um paciente que preza a sua autonomia, questiona ativamente o tratamento, que procura várias opiniões sobre o seu transtorno, que lê sobre seus sinais e sintomas na internet, exigindo maior conhecimento e atualização dos profissionais de saúde.
O papel do médico na relação médico-paciente em Psiquiatria O médico diante de um portador de transtorno mental inicialmente deve lidar com seus próprios preconceitos. Não deve esperar um paciente que “não tem doença alguma” ou que “quer chamar a atenção”. Deve lembrar que há uma pessoa à sua frente, com história de vida, relações familiares, concepções a respeito do que tem, que podem ser corretas ou não. Estudantes de medicina ou médicos muitas vezes têm medo do paciente psiquiátrico, devido ao potencial de violência ou agressividade. Porém, portadores de psicose, por exemplo, têm risco de violência semelhante à população geral, sendo mais vítimas de violência que perpetradores. [8] Na relação médico-paciente com uma pessoa portadora de transtorno mental grave, é essencial que o médico tenha conhecimento sobre psicopatologia geral e experiência no trato desses pacientes. O paciente, por exemplo, pode ser hostil, agressivo à presença do médico, sem qualquer motivo ou atitude do profissional. Cabe ao profissional aceitar que tal comportamento não é pessoal, não é voltado especialmente ao médico, mas, sim, o modo como o paciente está lidando com seus sintomas, o modo como ele interage com todas ou quase todas as pessoas ao seu redor. Quando o médico percebe isso, é mais fácil manter a tranquilidade para uma boa relação médico-paciente. A comunicação por parte do médico deve ser cuidadosa, sucinta, porém utilizando termos simples, respeitando o nível cultural e educacional do paciente. Há muitos preconceitos por parte de familiares e pacientes dos sintomas de transtornos mentais, sendo muitas vezes tais sintomas interpretados como “problema espiritual”, “falta de fé”, “sem-vergonhice”, assim o profissional assume um papel importante na redução do estigma e correção das distorções de conceitos ligados a transtornos mentais. Quando se relaciona com os pacientes, o médico também deve se relacionar consigo mesmo. Ele deve procurar desenvolver uma inteligência emocional. São características de pessoas com inteligência emocional desenvolvida: percepção consciente acurada e monitorização de suas próprias emoções, modificação de suas próprias emoções tornando-as apropriadas ao contexto, reconhecimento e respostas adequadas às emoções de outras pessoas, habilidade em negociação de relacionamentos próximos, capacidade de focar emoções (motivação) em um objetivo desejado, adiando gratificações e controlando impulsos. (9) O desenvolvimento dessas características pode ocorrer com cursos, psicoterapia ou com a própria prática médica, através da experiência com diversos tipos de pessoas e situações clínicas.
Conclusão A relação médico-paciente tem fundamental importância na psiquiatria. Sem ela, pode-se dizer que
não existe prática psiquiátrica. Na relação, o paciente pode ter diversas posturas que a facilitam ou dificultam. Cabe ao médico conhecer essas posturas, lidar com os próprios preconceitos, conhecer as síndromes psiquiátricas através da psicopatologia, sabendo que as atitudes do paciente não são pessoais, mantendo a serenidade e profissionalismo, através do desenvolvimento de uma inteligência emocional.
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Eduardo José Brommelstroet Ramos Professor Adjunto de Anatomia da UFPR. Mestre e Doutor em Cirurgia pela UFPR. Research Fellow na Universidade Estadual de Nova Iorque (EUA). Clinical Fellow em Transplante de Fígado, Rim e Pâncreas na Clínica Mayo (EUA).
Julio Cezar Uili Coelho Professor Titular e Coordenador da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático da UFPR. Ex-Clinical Fellow da Universidade de Illinois, Chicago (EUA). Doutor em Medicina pela Universidade de Limburg, Maastricht (Holanda). Doutor em Medicina e Ex-Professor Visitante da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Pós-Doutoramento e Ex-Professor Assistente Visitante da Universidade do Texas, Houston (EUA). Livre-Docente pela USP, Ribeirão Preto, SP.
registrados em ordem fixa apenas na anotação médica, evitando-se imprimir à sua obtenção o caráter de depoimento engessado na sequência das perguntas. Como veremos a seguir, trata-se de colher dados dos aspectos mais variados, porque a vida íntima da paciente será revelada, merecendo, portanto, portanto, um uma postura postura cuidadosa e técnica do ginecologista. ginecologista.
Anamnese A história clínica em ginecologia, sabidamente, deve compreender vários itens que lhe impõem um fluxo de informações a ser seguido atentamente. Partindo-se de uma saudação inicial que reflita a disponibilidade disponibil idade do médico médico para ouvir a paciente e de uma uma pergunt perguntaa aberta que permita permita a elabora e laboração ção da queixa principal e história mórbida atual, diretamente relacionadas ao motivo do atendimento, seguem-se itens que vão explorar detalhes da vida reprodutiva, do instante hormonal em que vive a paciente, da sua sua sexualid sexualidade, ade, da compreensão compreensão de fenôm fenômenos enos fisio fisiológicos lógicos do seu trato trato genit genital al e das inter-relações com órgãos que se avizinham à pelve feminina. Itens específicos são produzidos no sentido de compor a visão geral do organismo feminino e com isso int interpretam erpretam-se -se adequadam a dequadament entee as respostas, separando s eparando o que pode ser fisiológico de um lado e o que for patológico de outro. Com esse objetivo, serão analisados alguns itens que devem compor a história clínica da paciente sob o ponto de vista das implicações diretamente envolvidas na relação médico-paciente. Antecedentes menstruais: menstruais: com o detalhamento do fluxo menstrual, a frequência e em especial a percepção da paciente, por meio de suas reações, podem-se obter dados importantes sobre o equilíbrio hormonal. É o momento de indagar se os dias da menstruação lhe causam algum algum im impacto pacto que possa ocasionar dificu di ficuldades ldades nas atividades diárias, diári as, quer laborativa, labora tiva, de estudo ou de relacionam relaci onament ento. o. Cria-se Cria- se um espaço livre l ivre para a paciente explanar explanar sobre so bre suas eventuais eventuais modificações físicas e emocionais, emocionais, à procura da quebra do paradig paradi gma da fase pré-menstru pré-menstrual al como período delicado. deli cado. Na maiori maioriaa das vezes, a tensão tensão pré-menstru pré-menstrual al (TPM) está atrelada atrelada a um rótulo rótulo pejorativo, pejo rativo, podendo levar a pacient paci entee a não revelar alterações, ainda que fisiológicas, durante esse período para não expor sua suposta fragilidade. Ante Antece ced de ntes te s obstétricos obstétricos: a vida obstétrica, as gravidezes e os puerpérios, assim como os planos para iniciar ou int interromper erromper a fertili fertilidade, dade, são partes ig i gualment ualmentee indissociáveis indissoci áveis da anamnese. Nesse momento, as pacientes se sentem muito à vontade e receptivas a passarem suas experiências, mesmo quando não bem sucedidas, pois no universo feminino a vida reprodutiva alcança alca nça um um dos maiores graus de relevância. r elevância. O escut es cutar ar atento atento de detalhes dos períodos período s pré-natais ou da adaptação adaptação aos prim pr imeiros eiros dias do recém r ecém-nascido -nascido transform transforma-se a-se em eco claro da plena interação médico-paciente. Exemplo típico da relevância desses dados na vida da mulher observa-se quando está presente no consultório a mãe como acompanhante da paciente. Dificil Dificilm mente ente no mom moment entoo de inquiri inquirirem rem-se -se os dados dad os obstétricos a mãe mãe se deixa
furtar furtar a oportu opor tunidade nidade de revelar re velar experiências por ela vivenciadas vi venciadas durante durante a gravidez da paciente. A ambivalê ambivalência ncia dos sentim sentiment entos os entre entre ser mãe e as consequências consequências à sua s ua vida profissional, assim assi m como como dificuldades no relacionament relacionamentoo com o parceiro, parcei ro, são problem prob lemas as que naturalmente podem emergir e devem ser escutados e orientados cautelosamente. A busca do planejament planejamentoo famili familiar ar consciente consciente e adequado para cada pacient paci entee deve ser a meta do ginecologista, expondo dados que permitam a reflexão da paciente e respeitando a sua decisão. Ante Antece cedente dentess mamári amários os:: diante do temor das doenças das mamas com as quais as mulheres hoje convivem, qualquer alteração, qualquer sintoma, automaticamente, gera a procura de umaa consulta imediata, um imediata, tornando-se tornando-se essencial a pront pr ontaa disponibilida di sponibilidade de do gin ginecologista ecologista em atendê-la e tranquilizá-la. Dessa forma, mesmo ciente de que dificilmente alguma queixa mamária amária passaria passar ia despercebi des percebida da por uma pacient paci ente, e, deve-se deve-s e ressaltar res saltar a im importân portância cia da atenção especial aos sintomas mamários, incentivando o auto-exame. Durante a consulta, o autoexam autoexamee deverá dever á ser demonst demonstrado rado de modo didático. Outro Outro dado da do especial espe cial se refere r efere aos detalhes da amam amament entação, ação, ao incentivo incentivo e ao preparo para a adesão incondicio incondicionnal e por tempo prolongado da amamentação materna exclusiva. Os temores da paciente e os aspectos relacionados relac ionados à autoestim autoestimaa naquela que apresent apr esentee alterações a lterações morfológicas im i mportantes portantes das mamas amas devem deve m ser ex e xplorados plora dos e orient or ientados, ados, pois poi s podem ser causadores de alterações alteraç ões na sexualid sexualidade, ade, in i nicialm icia lment entee não verbalizados verbal izados pela pel a pacient paci ente. e. Antecedentes sexuais: sexuais: detalhes da vida sexual devem ser inquiridos com especial cuidado, pois se trata de um mom oment entoo em que a vida íntim íntimaa da pacient pacie ntee é revelada revel ada e, portanto, portanto, um uma postura postura cautelosa e respeitosa respei tosa deve ser adotada. As disfunções disfunções sexuais sexuais podem ser negligenciadas negligenciadas se o ginecologista ginecologista não procurar dar espaço para p ara que a pacient pac ientee verbalize verba lize as queixas que podem ser o verdadeiro e único motivo da consulta. É importante, nesse momento, trazer à compreensão que dados da vida sexual, como dor ou sangramento, não podem passar despercebidos, desperce bidos, pois poi s podem ser im i mportantes portantes indícios de patologias específicas especí ficas hormonais ou tumorais. Antecedentes de doenças de transmissão sexual, o conhecimento das principais doenças, os meios meios de transmissão transmissão e prevenção pr evenção serão indagados, indagados, corrigin corr igindo-se do-se eventuais erros de entendimento e estimulando os cuidados e a orientação para, diante de sinais de alerta, buscar o atendimento adequado. É o momento de revelarem-se hábitos e gêneros, as relações hetero e homossexuais, estabelecendo-se um diálogo ao mesmo tempo compreensivo compreensivo e técnico, totalment totalmentee isent i sentoo de indício de qualquer juíz j uízoo de valor do médico assistente. Anticoncepção: Anticoncepção: as suas variadas varia das formas formas im i mplicarão plica rão diretam d iretament entee em sintom sintomas as cíclico cí clicoss ou acíclicos, acícl icos, assim como como na adequação da vida sexual. sexual. Trata-se, Tra ta-se, igualment igualmente, e, de expor de maneira clara cl ara a im importân portância cia de a paciente estar atenta atenta à melhor forma forma de se precaver pr ecaver da gravidez se não for o seu desejo. A presença desse item obrigatório na anamnese é um bom
exemplo do caráter educativo do qual se reveste a relação médico-paciente em ginecologia. Em especial, no atendimento de adolescentes, durante a consulta, devem ser expostos abertamente os métodos anticoncepcionais. Uma explanação didática simples poderá ser a porta aberta para que essa adolescente se sinta à vontade e retorne para solicitar a prescrição de um método contraceptivo antes ou logo no início de sua vida sexual. Leucorreia: esse item revela a necessidade de explorarem-se dados da fisiologia feminina para que suas alterações possam ser precocemente percebidas. É preciso entender o grau de percepção da mulher às suas secreções fisiológicas, o muco vaginal e o muco cervical, que podem se constituir, mesmo quando fisiológicos e adequados, em uma queixa importante de desconforto ou não adaptação à vida sexual. Da mesma forma, deve-se destacar a importância da perfeita caracterização pela paciente para que alterações patológicas sejam percebidas e reveladas de imediato. Queixas referentes a outros órgãos e aparelhos: ressaltam-se os sintomas pertinentes aos órgãos vizinhos, em especial dos aparelhos gastrointestinal e urinário. Sintomas específicos, mesmo não sendo relacionados a patologias desses órgãos, mas sim a condições fisiológicas, podem causar repercussões com grande desconforto na região pélvica feminina. Nesse quesito, duas possibilidades devem ser consideradas: primeira, os sintomas refletirem doenças dos aparelhos vizinhos e, portanto, a anamnese cuidadosa revelará que a verdadeira causa da alteração motivadora da consulta não é de origem ginecológica; segunda, se o relato for negligenciado, pode-se deixar escapar a possibilidade de intervir em aspectos fisiológicos do aparelho urinário e gastrointestinal, que se corrigidos levarão a paciente a um maior conforto e adequação. Condições e hábitos de vida: dados gerais do dia a dia da paciente, do seu trabalho ou estudo, atividades físicas, aspectos nutricionais, tabagismo, ingesta de bebidas alcoólicas, uso de drogas ou outras substâncias de uso contínuo irão compor o perfil psicossocial da paciente. Esses dados revestem-se de grande importância e devem ser exaustivamente inquiridos. Exemplificando, o tabagismo aumenta o risco de fenômenos trombo-embólicos quando associado a medicações hormonais que são frequentes na vida da mulher, como os anticoncepcionais orais ou terapias de reposição hormonal na menopausa. Da mesma forma, o incentivo constante à prática de atividade física irá em muito beneficiar a paciente, tanto para o seu preparo para a gravidez e para a recuperação pós-parto como para adequação ao climatério e pós-climatério, enfim, para uma vida sempre saudável. Temas estéticos podem ocupar espaço nesse momento, pois têm reflexo importante na adesão a certos tratamentos e implicação direta na sexualidade da mulher. Esse é o momento da anamnese, em que o ginecologista reafirma a sua condição de participante ativo nos cuidados à mulher, impondo o seu caráter de promotor da saúde em todos os momentos de vida. Essa interação fortalece a relação médico-paciente, tornando-a duradoura e refletindo traços de confiança e amizade. Reflexo desse envolvimento é a continuidade do atendimento ao longo dos anos que se faz
entre o mesmo médico e a mesma paciente. Com frequência, o ginecologista detentor de uma relação médica consistente encontra-se agraciado com a possibilidade de acompanhar a mesma paciente desde a adolescência, nas suas gravidezes, na maturidade e no período de climatério.
A interpretação dos dados da anamnese Na análise das principais queixas motivadoras das consultas ginecológicas, ao contrário de muitas especialidades médicas, vemos que inexiste o predomínio de doenças como suas determinantes. Culturalmente, a mulher brasileira transformou a consulta ginecológica em um elo fundamental para a sua saúde. As mães orientam sistematicamente as filhas para que façam a prevenção do câncer ginecológico, em especial da citologia oncótica de Papanicolaou, que é largamente realizada e se encontra à disposição das mulheres praticamente em todos os municípios brasileiros. Igualmente, as mulheres são condicionadas a receber orientação anticoncepcional, procuram esclarecer sintomas relativos à menstruação e às secreções vaginais. Procuram ter um seguimento exemplar no período pré-natal e preocupam-se precocemente com as alterações que possam ocorrer no climatério. Isso resulta em consultas periódicas e consequentemente o ginecologista irá fornecer apenas orientações, sem a necessidade de prescrições médicas, numa grande parcela dos atendimentos. Evidentemente, não se pode negar a relevância da queixa principal, mas ressalta-se que todos os itens da anamnese anteriormente citados devem ser explorados exaustivamente. A motivação inicial da consulta pode, não raras vezes, ocultar o verdadeiro motivo da procura assistencial. Pode-se citar como exemplo uma adolescente que apresenta queixas inespecíficas de corrimento ou cólicas menstruais, mas que, na verdade, anseia pela orientação de um método anticoncepcional. Mulheres na menacme com queixas menstruais inespecíficas podem estar vivenciando dificuldades na vida sexual e este dado só será revelado se pesquisado pelo médico. Da mesma forma, mulheres no climatério, ao indicarem desconforto com fogachos, muitas vezes estão vivenciando sintomas depressivos que, se não explorados na anamnese, tornam a consulta para ela inútil e frustrante. A postura atenta, não relegando qualquer informação, e estando sempre pronto para dar uma palavra de orientação, fará do ginecologista uma pessoa de especial importância na vida da paciente, o que pode ser verificado pelos retornos frequentes com o mesmo profissional por anos seguidos.
O exame ginecológico O exame ginecológico será realizado após a cuidadosa anamnese, na qual o ginecologista deve ter estabelecido um grau de confiança com a paciente e criado nela a inequívoca percepção do respeito que irá nortear todo o procedimento. Nesse momento, é essencial ter instalações adequadas e protegidas para a paciente se preparar para o exame e ao mesmo tempo sentir-se segura em todos os seus passos. A presença de uma auxiliar é fundamental, e deve ficar posicionada lateralmente à paciente e manter com o médico examinador um diálogo estritamente profissional. Todas as etapas do exame serão realizadas de modo a expor o mínimo possível a paciente, respeitando-se a sua
intimidade, porém sem descuidar da semiologia ginecológica completa. Na eventualidade de solicitação da presença da mãe ou marido na sala de exames, deve-se obedecer à vontade expressa da paciente. Caso assim ela o deseje, o acompanhante será colocado preferencialmente à cabeceira da paciente, obedecendo à determinação do médico assistente, que, ao mesmo tempo em que atende o desejo da paciente, estabelecerá de maneira nítida os limites por ele permitidos para a presença na sala. Ao dialogar com a paciente após o exame, todas as instruções deverão ser dirigidas a ela de maneira não excessivamente técnica e, caso haja acompanhante, a ele será conferido apenas o papel de ouvinte secundário. Nesse momento, independentemente da causa motivadora da consulta, a revisão dos dados referentes à saúde geral, reprodutiva e prevenção de câncer ginecológico devem ser revistos e acentuados enfaticamente.
A finalização do atendimento Como demonstrado, a consulta ginecológica é ampla, sendo mais bem caracterizada como um momento destinado à saúde da mulher. O motivo dessa consulta é variado: orientação relativa a fenômenos fisiológicos do ciclo menstrual; fenômenos hormonais em diferentes fases da vida, como da puberdade ao climatério; procura de controle dos ciclos menstruais e fertilidade; prevenção dos cânceres ginecológicos; ou simplesmente com o motivo de acompanhamento da saúde, intensificando a relação médico-paciente ano após ano na vida da mulher. Na atualidade, em plena era digital, o ginecologista pode utilizar-se de meios que permitam esclarecimentos complementares à paciente e com isso obter maior aderência às suas recomendações. A disponibilidade de ser contatado por mensagens via telefone celular ou via internet deve ser incentivada. Muitas vezes, questões simples como o que fazer com o esquecimento da tomada de uma pílula, o modo de utilizar determinado medicamento, a orientação quanto a um inesperado atraso menstrual, a percepção de uma menstruação com um fluxo pouco maior, cólicas mais intensas ou um novo sintoma no período pré-menstrual podem ser esclarecidas de imediato, tranquilizando a paciente e orientando-a até que possa receber, se necessário, atendimento médico complementar. Existe uma tendência maior para o uso de mensagem via internet pela possibilidade de inclusão de informações mais detalhadas, além da segurança de que essas mensagens somente serão acessadas, por meio de senha, pelo interlocutor. Essa forma de comunicação pode ser oferecida à paciente e, para ser efetivada, deve-se assegurar da anuência dela, bem como disponibilidade e confidencialidade na troca de informações. Por último, ressalta-se a crescente participação dos ginecologistas na atenção primária à saúde, atuando, com destaque, na prevenção e promoção da saúde. Além do caráter habitual da consulta para a pesquisa de processos patológicos, os aspectos educativos e preventivos constituem-se em um importante elo na promoção da saúde da mulher, seja qual for a etapa de vida em que se encontre no momento da realização da consulta ginecológica.