Náusea de Agostinho Neto O conto “Náusea” foi escrito por Agostinho Neto na década de 80 e retrata o ponto de vista de um período em que o povo angolano lutava pela descolonização de Angola, e no conto Agostinho Neto reporta-se ao mar, não como os portugueses que exaltavam seus grandes feitos marítimos realizados com suas expedições, e sim com os olhos do outro lado, dos que sofreram as consequências destas expedições. Enquanto para uns o mar trazia vitórias, para outros, a morte.
Um breve comentário sobre Agostinho Neto Agostinho Neto foi um dos criadores da Revista Mensagem. Autor africano e participante activo da geração Mensagem, um movimento inovador, que procurava no passado a explicação para a descaracterização cultural angolana. Foi através da arte que buscou a formação de uma cultura com traços angolanos, que revelassem a imagem de um povo oprimido pela colonização portuguesa. Foi o 1º presidente do Movimento Popular Pela Libertação de Angola (MPLA), quando também foi o 1° presidente da República Popular de Angola, de 1975 a 1979. Como autor, é nítido em suas obras o forte desejo de mudanças. O conteúdo literário de suas obras revela o presente como consequência de um passado cheio de dor e sufocamentos, trazendo à tona toda aculturação sofrida pelo povo. Desta forma, passo a passo, a literatura vai se tornando mais autêntica, porém com resquícios, ainda nítidos do antigo movimento da Negritude. A ânsia da libertação movimenta esses poetas, cansados daquela realidade vigente. A arte desse período denuncia todo o sentimento latente acumulado. A literatura marca o início do processo por liberdade de expressão, de «soltar o que está preso», engasgado por tanto tempo. Assim, também revalida o conceito de literatura, tornando-a engajada e de cunho contestatório pelas experiências políticas vividas, visando às mudanças de toda estrutura que fora imposta. A literatura toma forma de protesto, enfatizando os problemas existentes naquela nação.
A questão do mar para Angola A visão do mar nas obras angolanas assume características peculiares que a torna diferente da concepção ocidental de mar. Para os ocidentais, o mar remete à imagem do indecifrável, do incógnito – local onde as emoções fluem. Simbolizado pelo elemento água, ligado à subjectividade, porque não há limites, nem forma fixa. O mar é a emoção profunda e desconhecida pelo homem, só podendo ser visível superficialmente, enquanto no fundo habita o desconhecido, conotativamente associado aos sentimentos interiores guardados, e ao inconsciente – O primado das ilusões. De acordo com O dicionário de Símbolos de Jean Chevalier: «a imagem do inconsciente». Nos textos angolanos referentes a esse período, o mar possui além desta simbologia universal a junção de factores históricos, que torna mais denso seu significado, porque o mar foi palco para todas as modificações culturais acontecidas ao longo da colonização, fatos que surtiram efeitos fortíssimos naquele presente angolano quando somado ao sentimento de dor e medo, reacções fortemente ligadas à colonização portuguesa. O sofrimento chegava através do oceano. Águas que trouxeram a dor, a angústia e a miséria para uma nação. A literatura desta época traz à tona algumas questões, à volta ao passado, a busca de algo que ficou para trás, a perseguição incessante por uma identidade perdida, esmagada pelo colonizador, o desejo por respostas para este presente insatisfatório. O mar adquire outra conotação, de medo. Águas que remetiam à lembrança da destruição dos reinos africanos, o local por onde as grandes navegações portuguesas adentravam para exploração, o navio negreiro que levava os nativos, tirava os filhos de sua mãe e levava-os para longe, para o desconhecido, sem retorno possível. O caminho para morte. A colonização trouxe consigo um rastro de destruição e sangue. Havia a necessidade de se fazer uma catarse de todo esse sentimento tão sufocado e colocar tudo «pra fora» expondo o que lhes incomodava. Esta geração acreditava que assim conseguiria conscientizar o povo de Angola, remexendo o passado. A hora era aquela. A visão de mar daquele presente era fruto do passado, anunciando como reflectiu na realidade do país, justamente no momento em que esta geração tentava readquirir uma identidade, não podia apagar o passado, e sim aprender com as experiências vividas, somente assim conseguiria construir ou reconstruir sua história, sua identidade. O mar foi associado ao portal, onde todas as coisas ruins poderiam entrar, e dele só se podia esperar dor e sofrimento. Os autores desta década não vêem o mar como paradisíaco, e sim, como o mensageiro da morte.
O mar no conto “náusea” Como dito na introdução o conto «Náusea» retrata muito bem o ponto de vista deste período. Náusea traz a fatalidade que vem de fora com a vinda dos intrusos que trouxeram a transformação de uma realidade. O conto refere-se a João, velho, que ao visitar o irmão doente, vai até a ilha, e de lá, após reencontrar a família «num bom almoço regado a pinga», numa conversa com o sobrinho avista o mar, aquele que não trazia boas recordações do passado, somente lembranças vivificadas de morte. João se desespera ao lembrar-se desses episódios de sofrimento e transformações que chegavam através do mar. O cheiro deste lhe fazia mal. Há um sentido conotativo contido nesta náusea, o título do conto, ligado ao que foi remexido ao rever aquele que tanto o fazia sofrer. O mar era o passado de volta, trazendo tal qual o fenómeno das marés, ondas que trazem à superfície tudo que está no fundo, para ser revisto; uma alusão feita àqueles sentimentos inconscientes, que muitas vezes pensamos esquecidos. Lembrar é reviver. E isto fazia-o enjoar, como se ainda não houvesse feito a digestão de todos aqueles fatos «comidos» ao longo da história. A catarse vem através da alegoria do vómito – Pôr para fora tudo aquilo que lhe fazia mal, expor o que angustiava, fazendo uma reviravolta interior. Assim, busca eliminar o que não tinha digerido com o tempo. Há urgência desta expurgação, em seguida, ambos caminharam em silêncio, fato que simboliza o momento de reflexão.
CONCLUSÃO O conto expõe a visão ainda não digerida de um passado pelo povo, a necessidade de eliminação do que não faz bem, daquela cultura imposta pelo colonizador. É a hora de acordar os sentimentos adormecidos, momento de reflexão. O vómito é uma alusão à catarse uma característica deste período angolano, simbolizando que não se pode mais guardar o que não foi aproveitado; a eliminação residual. Desejo real de conscientização deste povo para que pudesse, então, atingir seu objectivo principal, a liberdade.