Da cooperação simples a Cooperação Complexa: a evolução histórica do capital e suas formas de produção de mercadorias. A dimensão emancipatória do capital O capitalismo, como modo de produção de mercadorias, é extremamente revolucionário, como observou Marx, esse sistema transformou o mundo em um grande mercado interligado por todas as formas possíveis de comunicação, é o que Keynes vai chamar de “caráter progressista do capitalismo ”, para ele esse sistema possibilitou um avanço no modo de produção de bens e serviços na qual todos poderiam desfrutar dessa produção e que ela se renovava constantemente. Marx nos Grundrisse vai descrever esse aspecto do capital como sendo a “missão civilizadora do capital ” ”.
Limites e contradições do capital Essa “função civilizadora do capital”, como diz Marx, encontra-se imersa em uma contradição, pois as necessidades humanas só podem ser supridas na forma de mercadorias e essas só são produzidas segundo o seu valor de troca e não o seu valor de uso, ou seja, o capitalismo só produz aquilo que tem uma margem de lucro maior e não para atender as necessidades sociais. Como podemos observar reside, nesse modo de produção na qual o capital se encontra inserido, uma contradição contínua; de um lado o capital, como força motriz do desenvolvimento da força produtiva de bens de uso e serviços, e do outro esse desenvolvimento é limitado pela a valorização do valor. As três formas de produção de mercadorias (cooperação simples, Manufatura e a Grande indústria) e a superação das contradições do capital. Essas três formas de produção no decorrer da história, é uma tentativa do capital adequar o processo produtivo a exigência de valorização do valor. Quanto à divisão do trabalho, na manufatura o trabalhador é um trabalhador coletivo combinado, e esse faz parte de um corpo coletivo de trabalho, na qual cada um deles
executa suas funções como sendo pertencente de todo o processo produtivo. Além disso, nessa forma de produção os instrumentos de trabalho são diversificados e adaptados á função exclusiva do trabalho parcelado. Essa forma de produção criada pela manufatura atende algumas necessidades de valorização do valor que a cooperação simples não conseguira atingir, no entanto essa base tecno-material, produzido pela manufatura, não conseguiu abarcar todas as necessidades de valorização e expansão do valor, e um dos motivos é por que, na manufatura, a base material domina a força social, ou seja a produção depende da vontade dos artesãos e sem ele não pode haver produção, esse seria um fator subjetivo. Outro aspecto pertinente, que impedia a manufatura de atingir a valorização do valor, era a sua produção que se realizava, em sua maioria, na forma de valor de
uso e não de valor de troca, pois suas máquinas e ferramentas eram produzidas por ela mesma, fazendo com que o valor de uso, a produção das maquinas, se contra posse a o valor de troca, a produção das mercadorias que seria trocada por mais capital, desse modo o capital não se encontra como sujeito autônomo, para resolver essa contradição, na qual o capital necessita se autonomizar e se transformar em força social dominante, entra em campo o modo de produção de mercadorias denominado de Grande Indústria, é nessa forma de produção que essas contradições são finalmente abolidas, pois diferentemente da Cooperação simples e da manufatura na grande indústria é o capital que coordena a produção, não havendo mais uma dependência do trabalhador, pois “o crescimento d o emprego do capital constante é
maior do que o do capital variável, da forç a de trabalho”. A grande indústria, diferente dos modos de produção que a antecedeu, criou o seu mercado próprio, pois as mercadorias por ela produzidas eram trocadas por dinheiro que era dada a classe trabalhadora pela a venda da sua força de trabalho, fazendo com que houvesse uma valorização do valor, pois essas mercadorias, que eram essenciais a sobrevivência da classe trabalhadora, eram propriedade do capital. Essa relação de dependência do trabalhador com o capital faz com que ele esteja sempre á disposição da venda da sua força de trabalho. “sendo assim, quanto maior a massa de salários pagos pelo capital, maior é o mercado de que dispõe aqueles capitalistas que produzem mercadorias que entram no consumo pessoal do trabalhador”.
No entanto vale a pena destacar que o capitalismo não depende somente desse mercado que é abastecido pelo dinheiro dos salários dos trabalhadores, existe um mercado mais dinâmico e mais valoroso que é realizado entre os próprios capitalistas, nas trocas e aquisições de máquinas e matérias-primas para a produção de mercadorias. Esse mercado é determinado pelo próprio capital, já que quanto mais gastam na compra dessas matérias-primas, para a efetivação da sua produção, mais mercados existe para as suas mercadorias. Isso se torna mais claro quando analisamos o conceito de Capital Industrial, que na sua fase de circulação se apresenta de duas formas, capital-dinheiro, na qual o valor adiantado precisa convertesse em força de trabalho e meios de produção, e capital-mercadoria, que é quando esse dinheiro é transformado em produção e essa produção em mercadoria destinado a o mercado, e na sua fase de produção o capital se apresenta em forma de capital produtivo. Nos modos produtivos anteriores a grande indústria essas formas, a qual o capital assume, se encontravam sendo como formas de diferentes capitais. Como podemos perceber o capital assume varias formas, ele passa de capital dinheiro para capital produtivo e depois a capital mercadoria ate chegar de novo a forma de dinheiro, o capital se encontra inserido dentro desse ciclo de valorização intermitente, e essa acumulação é limitada tão somente pelo o tempo que esse capital leva para
voltar a assumir de novo a forma de capital-dinheiro, ou seja, no processo produtivo da grande indústria o capital encontra seus limites de expansão somente nele mesmo. Desse modo é na grande indústria que o capital encontra sua forma de produção mais adequada, e por encontrar a sua forma mais adequada é onde a contradição capital e trabalho se encontram mais desenvolvida. E diante dessa contradição a classe trabalhadora se ver obrigada a se auto-organizar como classe para defender os seus interesses. “Essa auto-organização da classe trabalhadora fez Marx
acreditar que a grande indústria era a última forma de produção de mercadorias, considerando que ela cria, pela primeira vez na historia do capitalismo, as condições objetivas e subjetivas para a revolução proletária”. No entanto Marx estava enganado na sua análise, pois a luta de classes é algo da qual não se pode prever o seu resultado final, pode-se apenas concluir de que é algo necessário, mas seus resultados são imprevisíveis. Acumulação sem desenvolvimento Marx nos Grundrisse especula sobre a possibilidade de uma nova forma de produção de mercadorias superior a grande indústria, C. Offe já assinalava essa nova forma de produção como não contendo mais no tempo de trabalho a medida objetiva do valor, ele credita essa característica ao surgimento do setor de serviço, ao qual não se aplica a mesma racionalidade que a da produção industrial, por isso ele denomina esse setor como um “corpo estranho” dentro da produção capitalista.
Já A. Giannoti defendia que o mercado não é mais o mediador da socialização do trabalho, no seu lugar está uma forma de socialização de “faz-de-conta”, nessa nova forma de socialização do trabalho a medida necessária do trabalho se torna arbitraria subjetiva; transformasse no que ele chama de “sociabilidade travada” . Nesta mesma linha de pensamento está J. Habermas que comunga com este a ideia de que o trabalho não é mais a medida do valor, mais isso se deve por que a ciência se transformou na “força produtiva por excelência”, fazendo com que o trabalho vivo não
seja mais o criador da riqueza capitalista, ele acrescenta ainda que utopia da sociedade do trabalho chegou ao fim, pois a abolição da posse privada dos meios de produção não significou em um governo dos trabalhadores, e o desenvolvimento das forças produtivas representou uma ameaça a o futuro da humanidade. Cabe aqui apreendermos também o pensamento de Francisco Oliveira a respeito da atual fase do capitalismo, para ele a função do estado como reprodutor desse sistema, foi imprescindível, pois possibilitou o desenvolvimento do progresso técnico fazendo com que a exploração do trabalho não seja a única fonte de valorização do valor. Mas Oliveira tem um pensamento diferente do de Habermas, quanto ao fim da utopia da sociedade do trabalho, pois para ele o Welfare States (Estado de bem-estar) é necessário para a realização dessa utopia, já que essa
mediação transforma interesses privados das classes trabalhadoras em interesses públicos, ou seja, de importância de toda a sociedade: “o fundo publico amarrou os interesses dos capi talistas e dos trabalhadores numa dialética conspiratória, de tal modo que as vontades das classes só pode se afirmar quando mediada pela vontade universal, a vontade geral da sociedade, que transcende o âmbito dos interesses imediatos das classes”.
As mudanças na atual fase do capitalismo são profundas de tal modo que Oliveira passa a chamar essa nova fase de “Modo social -democrata d e produção”, pois essa fase está além dos limites de racionalidade da produção capitalista. Essa nova forma de produção já podia ser vista em O capital de Marx, a questão agora é saber se essa atual fase do capitalismo marca uma ruptura, ou só é o desdobramento para a superação das contradições da grande indústria, para se melhor adequar às condições de valorização do valor. Se o mercado não é mais auto reflexivo e a economia não é mais força social dominante, não cabe mais a luta de classes, já que essa não tem mais com quem travar sua batalha, é como destacou Mc Carthy a reflexão agora é dirigida a humanidade como tal, e não a um grupo especifico, fazendo com que essa reflexão ganhe um caráter anônimo. Francisco de Oliveira vai concordar com as mesmas ideias de Mc Carthy, pois para ele os interesses privados só podem ser alcançados quando passam a ser interesse de todos, tanto dos capitalistas como dos proletários. Se for assim como a classe trabalhadora pode se livrar da exploração capitalista, se essas duas classes não são mais portadoras de interesses antagônicos? Para Oliveira o socialismo não mais se constrói com a derrota dos capitalistas, mais sim com a conciliação das duas classes que anteriormente tinham ideias antagônicas, pois essas classes agora se reconhecem como portadoras de interesses mútuos, pois elas fazem parte de uma comunidade (Welfare State), e somente o pós-Welfare abriria espaço para o socialismo, um consenso que seria fruto da vontade das classes em buscar a racionalidade do melhor argumento. Todo esse processo por qual passou o capitalismo pode ser intendido como um processo de evolução em busca da valorização do valor. Essa nova fase na qual se encontra o capitalismo, e suas formas de produção de mercadorias, pode ser apreendida sob a forma de Cooperação Complexa, que nada mais é do que uma síntese das formas de produção, na qual anteriormente fizeram parte a cooperação simples, a manufatura e a grande indústria. Cooperação Complexa e o movimento de absolutização do capital Para Rosa Luxemburgo a transformação do mundo em mercado a céu aberto, isso implicaria com o fim do capitalismo, pois não havendo como escoar o excedente da produção capitalista não teria com extrair a mais-valia, fazendo com que o sistema
entrasse em falência. Lênin concordava, em parte, com Luxemburgo, pois para Lênin o imperialismo como última fase de expansão do capitalismo era um anúncio da revolução Socialista. “Pela primeira vez, o mundo se encontra inteiramente partilhado, de tal modo que, no futuro, unicamente se poderá pôr a questão de novas partilhas, isto é, da transição de um possuidor para outro e não da tomada de posse de territórios sem donos” (Lênin, 1979).
A o contrário do que pensaram esses dois teóricos, a expansão e criação de um mercado mundial não significou o fim da extração da mais-valia tão pouco o surgimento da revolução socialista, o que realmente aconteceu principalmente a partir dos anos 70, foi um crescimento vertical dos mercados, ou seja, não se criou novos mercados, mas sim se potencializou os mercados já existentes. O que antes, na grande indústria, era uma multiplicidade de formas autonomizadas de existência do capital, passa agora, na cooperação complexa, a ser uma única unidade de produção, uma única empresa atua em todos os ramos da produção ao mesmo tempo fazendo com que outras empresas não venham a faturar parte do valor por ela produzida. Em sua forma imediata essa nova forma de produção- cooperação complexa- atinge, de uma só vez, as três formas de existência do capital; capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria, é justamente nessa fase que o capital atinge o ápice de seu desenvolvimento histórico. Essa nova fase do capitalismo exigiu uma reinvenção da divisão social do trabalho que se nota na organização interna das empresas, é o que a sociologia do trabalho vai chamar de reestruturação produtiva, pois o trabalhador que antes desempenhava uma função especifica, passa agora a comandar a totalidade das funções do processo de trabalho. Desse modo a reestruturação produtiva cria um novo tipo de trabalhador coletivo combinado, esse novo trabalhador é um trabalhador individual, que junto dos demais trabalhadores realiza a unidade das diferentes formas do trabalho coletivo. Para melhor realizar essas transformações do modo de organização interno do processo de trabalho o sistema capitalista tem que enfrentar as instituições que anteriormente regulamentavam a relação trabalho capital. Por isso o capital necessita do afastamento do estado, como mediador dos conflitos entre capital e trabalho, para atingir uma liberdade de contratação da força de trabalho. Nesta nova forma de produção de mercadorias, na qual a economia se encontra cada vez mais globalizada, o capitalismo necessita de uma enorme liberdade para que possa transitar nos mais diversos investimentos sem haver fronteiras que o limite. “O liberalismo se impõe novamente como a forma política de regulamentação mais adequada”. Portanto para que o capital desfrute de uma liberdade se faz
necessárias a presença de algumas condições tais como; redivisão do trabalho social, reestruturação produtiva e o neoliberalismo.
Evidências Empíricas Cabe aqui destacarmos que a cooperação complexa, como síntese de todos os modos de produção que as antecederam, é o marco de desenvolvimento do sistema capitalista e de superação de suas contradições é o estágio de acumulação sem desenvolvimento, para tal entendimento iremos destacar algumas comprovações empíricas: 1ª. Centralização do capital, como forma predominante de investimento. Não se cria mais novos mercados, apenas se associa novos capitais aos já existentes, um claro exemplo desse fenômeno é as fusões das grandes multinacionais que atuam em um mesmo setor do mercado. 2ª. Financeirização da riqueza, como forma dominante de produção e realização do valor. Reduzindo a ação e autonomia das politicas pública. 3ª. Aumento substancial da produção de descartáveis, fazendo com que não só tenhamos um problema com o destino final dos descartáveis, mas também criando uma cultura do imediatismo varrendo fora as relações estáveis e duradouras. 4ª. O crescente aumento dos níveis de desemprego, invertendo a lógica de crescimento econômico e aumento da massa trabalhadora. Traduzindo isso em números hoje no mundo inteiro temos níveis aceitáveis de desemprego que chegam à casa dos 6 a 7%, que colocando em números absolutos temos uma massa de mais de 800 milhões de desempregados, que fazendo uma analogia simplista equivale a 13 Brasis, se levarmos em conta que a força de trabalho brasileira é de 60 milhões. Esses números alarmantes da OIT é um quadro considerado pelos especialistas como irreversível. 5ª. Precarização das relações de trabalho e por que não dizer em um retorno as velhas relações de produção de mercadorias. Hoje o que prevalece são as longas jornadas de trabalho, tanto nas empresas como trabalho domiciliar não remunerado, outro fator é os contratos de trabalho temporários. Cooperação complexa e a luta de classes