UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE D E JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MESTRADO EM MÚSICA
CANTIGA DE BANDEIRA MUSICADA POR LACERDA E TACUCHIAN: DUAS SUGESTÕES INTERPRETATIVAS
por
CLARICE GONZALEZ PRIETO SAADI
RIO DE JANEIRO 2008
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CANTIGA DE BANDEIRA MUSICADA POR LACERDA E TACUCHIAN: DUAS SUGESTÕES INTERPRETATIVAS INTERPRETATIVAS
por
CLARICE GONZALEZ PRIETO SAADI
Dissertação Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, sob a orientação da professora Dra. Mirna Rubim.
RIO DE JANEIRO 2008 9
AGRADECIMENTOS
Ao amor da minha doce filha f ilha Helena. Ao meu marido pela paciência e carinho. Aos meus pais José e Antônia pelo apoio de todos estes anos. Em especial o carinho, a ajuda e dedicação de meu pai. A minha querida orientadora por ter acreditado neste projeto desde o começo e por sua dedicação intensa. Aos amigos pianistas Jacqueline Luporini, Priscila Bonfim, Kátia Balloussier, Franco Bueno e Priscilla Azevedo por somarem com sua encantadora música. Aos poetamigos de tantas rodas e em especial a Clauky.
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I
AUTO-RETRATO Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.
Manuel Bandeira (Mafuá do Malungo)
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PRIETO, Clarice. Cantiga de Bandeira musicada por Lacerda e Tacuchian: Duas sugestões interpretativas. 2008. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-Graduaçã P ós-Graduaçãoo em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO A partir da elaboração de um catálogo com 141 canções para canto e piano sobre poemas de Manuel Bandeira, escolheu-se duas composições de Osvaldo Lacerda e Ricardo Tacuchian Tacuchian para o poema Cantiga (o mais musicado de Bandeira). Com base na literatura e no depoimento dos compositores, buscou-se estabelecer critérios para a interpretação das duas canções com enfoque na análise do poema e na análise musical. Relacionando-se texto e música, investigou-se que aspectos da “musicalidade” de Bandeira contribuíram para as sugestões interpretativas de Cantiga.
Palavras-chave: Manuel Bandeira – Canto e piano – Interpretação
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PRIETO, Clarice. Cantiga by Bandeira set to music by Lacerda and Tacuchian: two interpretative suggestions. 2008. Master Dissertation (Master in Music) – Music Graduate Program, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
From a drafting catalog catalog comprising 141 songs for voice voice and piano on poems by Manuel Bandeira, two songs by Osvaldo Lacerda and Ricardo Tacuchian for Cantiga (the top poem of the ranking) were chosen.. Based on the literature and on interview with the composers, this author tried to establish criteria to interpret two different Cantiga, focusing on poetical and musical analysis. By estabilishing a relationship between text and music, it was investigated which aspects of Bandeira’s “musicality” contributed to the two interpretative suggestions for Cantiga.
Keywords: Manuel Bandeira – Chant and keyboard k eyboard – Interpretation
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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E EXEMPLOS
Quadro 1.1 Estatística Estatística com os oito poemas poemas mais musicados....................... musicados................................ ......... 31 Exemplo 1.1 Trecho do Prelúdio para Piano La Fille aux Cheveux de Lin de Debussy ................................................. ........................................................................ .............................................. ............................... ........ 39 Exemplo 1.2. Trecho da canção Debussy de José Siqueira. ................................. ................................. 39 Exemplo 1.3 Trecho da canção Novelozinho de Linha de Villa-Lobos................ Villa-Lobos................ 39 Exemplo 1.4 Trecho de Andorinha de José Siqueira........................ Siqueira............................................ .................... 42 Exemplo 1.5 Trecho de Andorinha de Almeida Prado......................................... Prado......................................... 43 Figura 1.1 Foto de Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quintana Quintana e Mendes Campos.................................... Campos...................................... 46 Figura 1.2 Foto de Manuel Bandeira e Jaime Ovalle............................. Ovalle........................................... ..............
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Quadro 3.1 Demonstrativo Demonstrativo de aparição das palavras.................................. palavras............................................ .......... 64 Quadro 3.2 Parâmetros literários e musicais.............................. musicais..................................................... ........................... .... 80 Exemplo 3.1 Cantiga de Lacerda compasso 7 ........................................... ..................................................... .......... 82 Exemplo 3.2 Cantiga de Lacerda compassos 40 e 41.......................................... 41............................................ 83 Exemplo 3.3 Cantiga de Lacerda compassos 40 a 42.......................................... 42.......................................... 84 Exemplo 3.4 Cantiga de Lacerda compassos 24 a 29.......................................... 29.......................................... 84 Exemplo 3.5 Cantiga de Lacerda compassos 7 e 8......................................... 8............................................. ....
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Exemplo 3.6 Cantiga de Tacuchian Tacuchian compassos compassos 12, 13, 13, 14, 15............................. 15............................. 85 Exemplo 3.7 Cantiga de Tacuchian Tacuchian compasso 5 a 10........................................ 10............................................ 86 Exemplo 3.8 Cantiga de Lacerda: inciso.................................. inciso......................................................... ............................ ..... 86 Exemplo 3.10 Cantiga de Lacerda compasso 11............................................ 11.................................................. ...... 87
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ÍNDICE
AGRADECIMENTOS............................................................ AGRADECIMENTOS..................................... .............................................. .............................................. .........................iii ..iii RESUMO........................................... RESUMO................................................................... ............................................... .............................................. .........................................v ..................v ABSTRACT......................................... ABSTRACT................................................................ .............................................. .............................................. .......................................vi ................vi LISTA DE FIGURAS, QUADROS E EXEMPLOS....................................... EXEMPLOS............................................................vii .....................vii ÍNDICE.................................................................................... ÍNDICE............................................................. .............................................. .............................................. ...........................15 15 INTRODUÇÃO ........................................... .................................................................. .............................................. .............................................. ............................. ......17 17 CAPÍTULO I ........................................... ................................................................... ............................................... .............................................. ................................ .........23 23 VIDA E OBRA DE MANUEL BANDEIRA........................................................................16 1.1 INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ..........................................................................................18 1.2 A JUVENTUDE – DOS 18 AOS 30 ANOS (1904 – 1916) ....................................................26 1.3 A MATURIDADE............................................ ................................................................... .............................................. ............................................21 .....................21 1.4 TRANSIÇÃO.............................................. ..................................................................... .............................................. .............................................. ...........................24 24 1.5 A VELHICE ........................................... .................................................................. .............................................. .............................................. ............................. ......31 31 1.6 ESTILOS UTILIZADOS POR BANDEIRA ............................................................................34 1.6.1 O Parnasianismo ............................................. ..................................................................... ............................................... ................................ .........35 35 1.6.2 O Simbolismo................................................ Simbolismo....................................................................... .............................................. .................................... .............38 38 1.6.3 Transição – O verso livre........................................................................................41 1.6.4 Modernismo....................... Modernismo .............................................. .............................................. .............................................. ........................................45 .................45 CAPÍTULO II....................... II .............................................. .............................................. .............................................. .............................................. ............................. ......48 48 ENSAIO SOBRE A CANÇÃO DE CÃMARA CÃMARA BRASILEIRA ..........................................48 ..........................................48 CAPÍTULO III ............................................ ................................................................... .............................................. .............................................. ............................. ......67 67 ANÁLISE E SUGESTÕES INTERPRETATIVAS: CANTIGA .......................................74 .......................................74 3.1 ANÁLISE LITERÁRIA DO POEMA CANTIGA ....................................................................74 3.1.1 Origem dos versos ........................................... ................................................................... ............................................... ................................ .........75 75 3.1.2 Origem do tema de Cantiga........................................................ Cantiga............................................................................... ............................. ......76 76 3.1.3 Morfologia e sintaxe s intaxe..................... ............................................ .............................................. .............................................. ............................. ......77 77 3.1.4 A construção do poema ........................................... .................................................................. .............................................. ...........................78 78 3.1.5 A métrica métr ica do poema...................... poema ............................................. .............................................. .............................................. ............................. ......79 79 3.1.6 Figuras de linguagem do poema e semântica ............................................ ......................................................... .............80 80 3.1.7 Dicção................................................... Dicção.......................................................................... .............................................. ............................................82 .....................82 3.1.8 Pronúncia ............................................. .................................................................... .............................................. ............................................83 .....................83 3.2 A CANÇÃO CANTIGA DE RICARDO TACUCHIAN (1964) ................................................85 3.2.1 Forma e harmonia ............................................ ................................................................... .............................................. ................................ .........85 85 3.2.2 Dinâmica e timbre ............................................ ................................................................... .............................................. ................................ .........87 87 3.3 A CANÇÃO CANTIGA I (1950 REVISADA EM 1974) DE OSVALDO LACERDA.................89 3.3.1 Forma e harmonia ............................................ ................................................................... .............................................. ................................ .........90 90 3.3.2 Dinâmica e timbre ............................................ ................................................................... .............................................. ................................ .........91 91
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3.4 SUGESTÕES INTERPRETATIVAS A PARTIR DAS ANÁLISES COMPARATIVAS DAS CANÇÕES ............................................ ................................................................... .............................................. .............................................. .............................................. ............................. ......95 95 3.4.1 Forma e harmonia ........................................... .................................................................. ............................................... ................................. .........95 95 3.4.2 Melodia...................... Melodia ............................................. .............................................. .............................................. .............................................. ...........................95 95 3.4.3 Ritmo................................................. Ritmo........................................................................ .............................................. .............................................. ...........................98 98 3.4.4 Dinâmica .............................................. ..................................................................... .............................................. ............................................99 .....................99 3.4.5 Textura...................................... Textura............................................................. .............................................. ............................................... ............................... .......101 101 3.4.6 Relação poesia-música ............................................ ................................................................... ..............................................102 .......................102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. .................................................................... .................................. ...........107 107 LIVROS ........................................... .................................................................. .............................................. .............................................. ...................................... ...............107 107 ARTIGOS, PUBLICAÇÕES E VERBETES................................................................................108 ENTREVISTAS E AULAS.............................................. ..................................................................... .............................................. .................................. ...........109 109 PARTITURAS .............................................. ..................................................................... .............................................. .............................................. ........................... ....109 109 DISCOS E CDS............................................ ................................................................... .............................................. .............................................. ........................... ....110 110 SITES DA INTERNET........................................... .................................................................. .............................................. ..........................................110 ...................110 DISSERTAÇÕES .............................................. ..................................................................... .............................................. ..............................................112 .......................112 DICIONÁRIOS............................................. .................................................................... .............................................. .............................................. ........................... ....112 112 ANEXOS ........................................... .................................................................. .............................................. .............................................. ...................................... ...............113 113 I - QUADRO ESTATÍSTICO POR COMPOSITOR ..................................................................113 II - QUADRO ESTATÍSTICO DAS 141 CANÇÕES EM ORDEM ALFABÉTICA POR CANÇÃO....115 III - POEMAS MAIS MUSICADOS ........................................... .................................................................. ..............................................119 .......................119 IV - PARTITURA DAS CANÇÕES: ........................................... .................................................................. ..............................................123 .......................123 Cantiga de Tacuchian............................................ Tacuchian................................................................... .............................................. .................................. ...........123 123 Cantiga de Lacerda ........................................... .................................................................. .............................................. ...................................... ...............125 125 V - FOTOS PESSOAIS DE MANUEL BANDEIRA ....................................................................128 VI - ENTREVISTAS ........................................... .................................................................. .............................................. ..........................................129 ...................129 Tacuchian .............................................. ..................................................................... .............................................. .............................................. ........................... ....129 129 Lacerda....................... Lacerda .............................................. .............................................. ............................................... ............................................... .............................. .......135 135 VII - CD COM 16 CANÇÕES PARA CANTO E PIANO ...........................................................136 VIII - CATÁLOGO COM 84 PARTITURAS PARA CANTO E PIANO COM POESIAS DE MANUEL BANDEIRA.............................................. ..................................................................... ............................................... ............................................... .............................. .......136 136
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INTRODUÇÃO Em 2003, na cidade de São Paulo, realizou-se um concurso de canto cuja peça de confronto escolhida foi uma canção de Osvaldo Lacerda, O menino doente, canção esta que despertou imediatamente o nosso interesse pela poesia de Manuel Bandeira. Observamos que o tema sobre maternidade, sugerido pelo acalanto do piano ao acompanhar a voz da mãe e a voz da “santa,” possibilitavam ao cantor diversificar as emissões vocais para melhor caracterizar os personagens do poema. A construção intrigante da composição e a forma com que a melodia conduzia a palavra, aguçou a nossa curiosidade em conhecer outras canções com poesias do mesmo autor. O interesse crescente sobre o assunto resultou em uma pesquisa mais abrangente sobre outros compositores que utilizaram poesias de Manuel Bandeira e foram encontrados nomes como Villa-Lobos, Guerra-Peixe, José Siqueira, Edino Krieger, Francisco Mignone, Marlos Nobre, Almeida Prado, Ricardo Tacuchian, Radamés Gnatalli, Jaime Ovalle, Lorenzo Fernandez e Helza Cameu. Quanto mais a pesquisa se adiantava, mais crescia a lista de compositores e, quando foram encontradas cerca de 50 composições, surgiu a pergunta: O que faz Manuel Bandeira ter sido tão “musicável”? Por que tantos outros poetas como Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana, que também tiveram seus poemas utilizados como letras de música, não se equiparavam a Manuel Bandeira na preferência pelos compositores? Continuando nossa curiosidade, realizamos um recital de canto e piano, onde foi possível experimentar os poemas de Manuel Bandeira sob a autoria de diversos compositores. A performance no palco seria a melhor forma de iniciar um laboratório das canções selecionadas. A oportunidade surgiu, em julho de 2006, quando esta autora foi convidada a participar de uma roda de poesia no Barteliet 1, para onde levamos quatro músicas para 1 Evento realizado pelos Sabasauers quinzenalmente quinzenalmente no Barteliet na Rua Vinicius de Moraes 190/3° andar em Ipanema, Rio de Janeiro.
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compartilhar com os poetas presentes naquele encontro – Cantiga I e Poema Retirado de uma Notícia de Jornal de Osvaldo Lacerda, Canção do Mar de Lorenzo Fernandez e Azulão de
Jaime Ovalle. A reação dos presentes ao ouvir as letras musicadas foi impressionante, principalmente quando comparavam o mesmo poema , Cantiga, sendo cantado em duas versões diferentes, a Cantiga de Lacerda e a Canção do Mar de Lorenzo Fernandez. Os poemas por eles conhecidos somente recitados adquiriram um outro caráter: a musicalidade de cada fonema expressado em cada nota mostrava diferentes nuances para cada poesia. Houve surpresa e estranhamento, talvez pelo fato de ser poesia cantada com técnica lírica, em contraste com o habitual som da música popular brasileira, tão coloquial. Um dos participantes era Geraldinho Carneiro, poeta, letrista e roteirista brasileiro, nascido em Belo Horizonte, que ficou conhecido na década de 1970, por ter participado ativamente da geração de poetas da conhecida “poesia marginal 2”. Levou, como de costume, sua mão direta ao queixo e disse: “- Impressionante!” Todos naquela noite pareciam já cantarolar a melodia sem nem conhecê-la, como se fosse, efetivamente parte integrante da poesia. Outros dois recitais experimentais se seguiram no qual quatorze canções foram selecionadas, o primeiro na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o outro na Fundação Cultural Avatar, ambos em 2006. E mais um para crianças da Escola de Música da Rocinha 3, idealizado e mantido pelo alemão Hans Ulrich Koch, onde 450 crianças de 8 a 17 anos aprendem música erudita e popular. A recepção delas foi impressionante. Seu conhecimento sobre os compositores eruditos brasileiros, e sua curiosidade tornaram o recital estimulante e didático. 2 Eram cabeludos, universitários e poetas. Imprimiam seus livros em pequenas gráficas ou mesmo em casa, num mimeógrafo - uma velha máquina à base de álcool e papel carbono (nas escolas, quase todas as provas eram mimeografadas). Os livros tinham, assim, um caráter artesanal, sendo às vezes grampeados, ou simplesmente dobrados e colocados em envelopes. Isso era o menos importante. O que esses poetas queriam mesmo era que a poesia feita por eles chegasse logo às mãos do leitor. Mello, Heitor Ferraz. 3 http://www.emrocinha.org.br/ http://www.emrocinha.org.br/
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Como resultado dessas primeiras experiências decidimos desenvolver uma pesquisa mais profunda sobre o assunto e concluímos que deveríamos preparar um catálogo com uma seleção de canções baseadas exclusivamente em poemas de Manuel Bandeira. A partir deste catálogo inicial com 141 canções de 79 poemas diferentes de Bandeira, fizemos uma estatística dos poemas mais musicados, que foram Cantiga (9) e A Estrela (8). Decidimos fazer uma análise comparativa sobre duas canções contrastantes de dois compositores vivos. Foram escolhidos, então, Osvaldo Lacerda e Ricardo Tacuchian por causa do contraste entre as canções e por serem compositores vivos para que pudessem ser entrevistados e que seus comentários fossem registrados neste trabalho. Nas entrevistas procuramos averiguar: (1) o que levou cada compositor a escolher um determinado poema; (2) o que o move à criação da composição e seu percurso para conduzir a letra à canção; (3) se o ritmo dos versos teve influência sobre o compositor, e (4) outras questões que surgiram no decorrer das entrevistas. Quanto ao objetivo, este trabalho cuida de responder algumas questões de pesquisa apresentadas acima e para tal propõe uma análise interpretativa de duas canções contrastantes sobre o poema Cantiga, uma composta por Osvaldo Lacerda e outra por Ricardo Tacuchian. Esta análise baseou-se nas entrevistas realizadas com os dois compositores e o referencial teórico principal foi a Dissertação de Mestrado da professora Saloméa Gandelman e os artigos “Musicalidades subentendidas no modernismo brasileiro”, “O poema como letra de canção: da música da poesia à música dos músicos” e “Canto e Palavra” do livro organizado por Elizabeth Travassos, Claudia de Matos e Fernanda de Madeiros, Ao encontro da Palavra Cantada. Este modelo de análise tem se mostrado necessário e relevante para uma execução
consistente por parte dos intérpretes, cujo aprofundamento resulta na elevação de seu profissionalismo e na sua instrumentalização, não só como intérprete, mas como um futuro
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orientador de outros jovens cantores. Esta pesquisa muito contribuiu para o progresso desta autora e acreditamos que outros intérpretes também possam se beneficiar deste trabalho. Na revisão da literatura não foi encontrada uma abordagem específica e detalhada sobre as questões da musicalidade de Bandeira, que foi a questão de pesquisa que deflagrou este trabalho. No livro A Canção de Câmara Brasileira , de Vasco Mariz (2002), por exemplo, há uma apresentação da evolução da canção desde Carlos Gomes até Gilberto Mendes, com algumas referências a Manuel Bandeira. A dissertação de Mestrado de Pedro Marques (2003) – Musicalidade na poesia de Manuel Bandeira foi a mais próxima do nosso foco. O autor aborda alguns poemas e sua musicalidade. No caso da dissertação de mestrado de Luciana Monteiro de Castro Silva, Crepúsculo de outono op. 25 n. 2 para canto e piano de Helza Camêu aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora (UFMG, 2001),
encontramos outras informações que acrescentamos a este trabalho. Na área de interesse deste trabalho as lacunas foram grandes e as pesquisas enfocam com muita freqüência os compositores, a análise musical de sua obra orquestral ou pianística. Constatamos que os trabalhos consultados não entram em detalhe sobre as causas que levam um compositor a escolher Bandeira. Daí então que o catálogo se tornou o ponto de partida para chegar-se a uma análise comparativa detalhada de duas canções contrastantes do mesmo poema dentre os mais musicados. Através desta análise e das entrevistas com seus respectivos compositores, pudemos observar que aspectos os levaram a escolher o poema Cantiga.
Quanto à metodologia, o leitor encontrará no Anexo II o quadro estatístico que deu origem à constatação de que a Cantiga de Bandeira foi sua poesia mais musicada. No catálogo final estão listadas 141 canções, nas quais foram usados 79 poemas diferentes (ver Anexo I e II). Procedeu-se a uma análise de todas as nove Cantigas encontradas e foram selecionadas as peças de Osvaldo Lacerda e Ricardo Tacuchian observando-se os seguintes
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parâmetros musicais: forma, harmonia e timbre, melodia, ritmo dinâmica e textura. Foram gravadas em CD (ver Anexo VII) as duas Cantigas escolhidas pela autora e acrescentamos outras canções que aparecem nos exemplos durante este trabalho, para que o leitor possa acompanhar a análise, assim como suas respectivas às partituras (ver Anexo IV). Esperamos que este trabalho seja um material relevante de consulta para cantores, compositores, estudantes e professores de canto e música em geral, professores de literatura, poetas, pesquisadores da área de canto e poesia, na medida em que instrumentaliza estes profissionais para organizar e preparar performances ou palestras temáticas estimulando outras pesquisas semelhantes que abordem outros poetas e compositores brasileiros e colabora para a tendência interdisciplinar dos currículos modernos, no qual literatura e música são abordadas de forma original e inovadora. Este trabalho está organizado em 3 capítulos: No Capítulo I - Vida e Obra de Manuel Bandeira abordamos a vida do poeta, sua obra resumida, comentários musicais de seus contemporâneos e os livros publicados com os poemas mais musicados. No Capítulo II é apresentado um panorama dos compositores e das canções de câmara brasileiros, com enfoque naqueles que musicaram os 79 poemas usados neste trabalho. No Capítulo III apresentamos uma análise apontando sugestões interpretativas para as duas canções Cantiga compostas por Lacerda e Tacuchian, acompanhadas de um CD e das partituras para consulta. Fecham este trabalho as Considerações Finais, Referências e Anexos, que incluem: Quadro estatístico por compositor, Quadro estatístico das 141 em ordem alfabética por canção, Lista dos poemas mais musicados, Partituras das duas Cantigas, Fotos pessoais de Manuel Bandeira, Entrevistas com Tacuchian e Lacerda, CD com 17 canções contendo as duas cantigas analisadas, os poemas mais musicados e outras canções que ilustram os exemplos citados.
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Preparou-se um catálogo com as 84 partituras que foram encontradas e que ficará disponibilizada na biblioteca da UNIRIO.
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CAPÍTULO I VIDA E OBRA DE MANUEL BANDEIRA “[...] Não há nada no mundo de que eu goste mais do que de música. Sinto que na música é que conseguiria exprimir-me completamente [...]” (BANDEIRA, 2006, p. 49) A presente biografia resume sucintamente os fatos mais importantes da vida de Manuel Bandeira com enfoque em seus livros publicados, e ressaltando de teóricos suas opiniões do porque Bandeira foi o poeta mais musicado. Usamos como base inicial, a biografia oficial encontrada no acervo da Casa de Rui Barbosa (RJ). Durante a pesquisa, analisamos três grandes compositores de canção do séc XX: VillaLobos (1887-1959), Francisco Mignone (1897-1986) e Camargo Guarnieri (1907-1993), que fizeram ao todo 41 canções com poema de Manuel Bandeira para a formação de canto e piano e em contrapartida 7 canções com poemas de Carlos Drummond de Andrade. Vasco Mariz, fez um levantamento em 1997, dos trabalhos vocais de cerca de 60 compositores eruditos, modernos e contemporâneos. E apontou que: “Os dez poetas mais freqüentemente musicados no Brasil foram: Manuel Bandeira (72 vezes), Cecília Meireles (41 vezes), Carlos Drummond de Andrade (34), Mario de Andrade (29), Guilherme de Almeida (27), Vinicius de Moraes (23), Ribeiro Couto (20), Cassiano Ricardo (16), Augusto Frederico Schmidt (12), e, décimo lugar um português – Fernando Pessoa (11 vezes). Outros poetas foram musicados mais de cinco vezes e menos de dez: Vicente Carvalho, Silvio Moreaux, Oneida Alvarenga, Mario Quintana, Ronald de Carvalho, Olga Savary, Augusto Meyer, Paulo Bonfim, Antonio Rangel Bandeira e João Cabral de Mello Neto.” (MARIZ, 1997) Foram encontradas na literatura declarações de escritores, musicólogos e compositores, que confessam sua preferência por Bandeira, descrevendo com clareza e sinceridade suas percepções pessoais: Mario de Andrade declarou ser Bandeira um poeta atemporal : “(...) Dentre tantos líricos, um Verlaine e um Manuel Bandeira, tão distintos como musicalidade, são os preferidos. Parece que a música pra comover é a mais convencional de todas as artes. É a sua ´pureza` estética que a obriga a 23
toda uma simbólica, não só de convenções musicais transitórias, escalas, harmonia, etc. como de extratemporalidade textual. Verlaine e Bandeira são fecundos nisso.(...)” (ANDRADE, 2006, p. 375) Ivone Maya ressalta a força rítmica: “A possibilidade de harmonizar as relações entre poesia e música é mais bem pressentida por Bandeira e inúmeras vezes ressaltada pelos críticos a respeito de seu próprio método de composição; tematizar a existência de uma musicalidade, de uma força rítmica que supera a palavra. (...)” (MAYA, 2001, p.154) Vasco Mariz conclui que Bandeira teve mais aceitação nos poemas que foram musicados: “(...) Os poetas parnasianos foram freqüentemente musicados, entre os quais Olavo Bilac, mas curiosamente os simbolistas não interessaram os compositores eruditos. Já os modernistas atraíram notável atenção: Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Ribeiro Couto e Ronald Carvalho. Dos pósmodernistas, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles tiveram numerosos poemas musicados, embora nenhum tenha conseguido a mesma aceitação aceitação de Bandeira (54 poemas dele foram postos em música 92 vezes). (...) Ora é inegável que Manuel bandeira e Cecília Meireles possuem inata musicalidade, o que facilita e atrai o compositor, e nem sempre é fácil associar a poesia de Drummond à música.” (MARIZ, 2002, p. 40) Bandeira nos confidencia em seu Itinerário de Pasárgada o seu desejo de aproximação com a música: “(...) Por volta de 1912, tempo que andei me intrometendo na música e até ousei entender o Tratado de Composição de Vicent d’Indy, tentei, muito sugestionado pelo livro de Blanche Selva sobre a Sonata, reproduzir num longo poema a estrutura da forma sonata. Sempre lamento ter destruído a minha sonata, onde havia um alegro, um adágio, um scherzo e o final. Não foi simples exercício: era expressão de uma profunda crise de sentimento: só que eu, como corretivo ao possível sentimentalismo, desejei estruturar os meus versos (eram versos livres) segundo a severa arquitetura musical.” (BANDEIRA, 1984, p.50) Segundo Arrigucci a poesia de Bandeira esta próxima do elemento popular: “(...) Mas, a reflexão de Bandeira sobre as relações entre as duas artes, tanto através de seus conhecimentos de técnica poética e musical quanto de seus contactos variados com o mundo dos compositores, levou-o a pensar sobre a natureza especifica especifica dessas vibrações no interior do poema, do ritmo poético, da musicalidade inerente à poesia e fundamentalmente distinta da esfera da música propriamente dita. Por fim, as relações entre poesia e música no Itinerário de Pasárgada permitem compreender ainda como a aproximação de Bandeira à música 24
significou também uma aproximação ao elemento popular, dando corpo a uma forte tendência do Modernismo e a uma inclinação funda de sua obra pessoal, que o poema ‘Cantiga’ mais uma vez exemplifica. Este fato da maior importância foi assinalado por Aires de Andrade e o poeta não deixou de frisá-lo, citando diretamente este crítico, que via justamente no acercamento aos costumes populares, na memória do observador apaixonado das coisas do povo que foi sempre Bandeira, a razão da preferência dos compositores compositores que musicaram seus versos.”(ARRIGUCCI, 2003, p. 172) Para o compositor e professor Ricardo Tacuchian, é essencial que seus alunos comecem seu curso compondo com poemas de Bandeira: “Eu trabalho muito com Manuel Bandeira na minha classe de composição por causa da musicalidade intrínseca da poesia de Manuel Bandeira e porque de certa maneira, a música emerge da poesia e é mais fácil para quem está começando a explorar a voz humana, a explorar o texto. Porque é outra coisa você fazer música onde você tem o problema do texto em si e o problema da voz humana. Que é um problema muito especial e é um complicador e o compositor tem que ter domínio disso (...) Mas no Manuel Bandeira a minha preferência está pelo fato do ritmo. A musicalidade dele é principalmente no ritmo. Isso facilita muito um compositor jovem que está entrando neste universo. Carlos Drummond de Andrade já não é tão regular. Mas, à medida que o compositor vai ficando mais maduro, treinando mais, ele até prefere porque dá mais uma liberdade.” (TACUCHIAN, Ricardo. Entrevista pessoal, 2007) Para facilitar a leitura optamos por grafar as poesias de Bandeira apenas com itálicos, enquanto seus livros são grafados em itálicos e negritos.
1.1 Infância e Adolescência Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886, na Rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira. Sua formação educacional começa no Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II), sendo João Ribeiro 4 o professor que mais o impressiona e com quem os alunos conversam sobre Literatura depois das aulas de História Universal e do Brasil. Sobre ele declara Manuel Bandeira: "Esse abriu-me os olhos para 4 João Ribeiro (1860-1934) Historiador. Nasceu na cidade de Laranjeiras no Sergipe. Dedicando-se ao magistério particular, lecionou nos colégios D. Pedro de Alcântara, Alberto Brandão e outros, aplicando - se com todo ardor á lingüística, na qual muito se destacou.
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muitas coisas". Começou a escrever versos desde os dez anos de idade e o primeiro contato com a poesia nasceu dos contos de fadas e histórias de carochinha.
1.2 A Juventude – Dos 18 aos 30 anos (1904 – 1916) No final do ano de 1904, aos 18 anos, o autor fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades de clima serrano. “(...) Quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro de pouco tempo: a tuberculose era ainda a ‘moléstia que não perdoa’. Mas fui vivendo, morre-não-morre [...] Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente. Nos primeiros anos da doença me amargurava muito a idéia de morrer sem ter feito nada; depois a forçada ociosidade. Já disse como publiquei A Cinza das Horas para de certo modo iludir o meu sentimento de vazia inutilidade. Este só começou a se dissipar quando fui tomando consciência da ação dos meus versos sobre amigos e principalmente principalmente sobre desconhecidos”.(BANDEIRA, desconhecidos”.(BANDEIRA, 2006, pg 131) Em 1912, sob a influência de Apollinaire 5 escreveu seus primeiros versos livres 6. A fim de se tratar no Sanatório de Clavadel, na Suíça, embarca em junho de 1913 para a Europa. Lá Bandeira escreve um livro de poesias com o título provisório Poemetos melancólicos
que ficou esquecido no sanatório quando partiu. O poema Cantinela, datado de
1913, salvou-se sendo publicado mais tarde no seu primeiro livro. Podemos perceber neste poema, o que sente um jovem de 27 anos já tendo convivido por 9 anos com uma doença praticamente praticamente incurável. Bandeira faz uma citação de Musset 7 (1810-1857). Cantinela
O Solitude! O pauvreté! 5 Guillaume Apollinaire (1880-1918). Nasceu em Roma, Itália, mas seria em Paris, França, que faria carreira como grande poeta e agitador cultural. Escreveu artigos, poemas, contos, romances eróticos e interessava-se bastante por pintura moderna. Em 1905 escreveu o artigo Picasso, Pintor. Tornou-se um dos expoentes da vanguarda artística do início do século XX, defendeu e empresariou os pintores cubistas. Morreu em 1918, de gripe infecciosa em Paris. 6 Verso livre iniciou-se sob as influências muito diversas do poeta norte americano Walt Whitman e do poeta francês Stéphane Mallarmé. O verso livre é autônomo em relação a “esquematismos” métricos, mas esta autonomia relativiza-se, pois a poesia não deixa nunca de integrar-se numa certa musicalidade, num certo ritmo. Ver capítulo 2 deste trabalho. 7 Alfred Louis Charles de Musset (1810-1857). Poeta, novelista e dramaturgo francês do período literário Romântico. Diz-se que ele foi "o mais clássico dos românticos e o mais romântico dos clássicos". O seu estilo influenciou profundamente a literatura europeia, tendo surgido múltiplos seguidores. seguidores.
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O céu parece de algodão O dia morre. Chove tanto! As minhas pálpebras estão Como embrumadas pelo pranto
Musset 8
Sinto-o descer devagarinho, Cheio de mágoa e mansidão. A minha testa quer carinho, E pede afago à minha mão. Debalde o rio docemente Canta a monótona canção: Minh’alma é um menino doente Que a ama acalenta mas em vão. A névoa baixa. A obscuridade Cresce. Também no coração Pesada névoa de saudade Cai. Ó pobreza! Ó solidão! Em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em outubro de 1914, volta ao Brasil e passa a residir no Rio de Janeiro na rua Nossa N ossa Senhora de Copacabana. Em 1916, falece sua mãe, Francelina. Sua primeira grande perda de uma seqüência que descreveremos mais adiante neste trabalho. No ano seguinte publica seu primeiro livro: A cinza das horas (1917) , , numa edição de 200 exemplares custeadas pelo próprio autor (300 mil-réis), com poemas classificados como parnasiano-simbolistas. Mais tarde, no livro O Ritmo Dissoluto (1924), uma homenagem à sua mãe que lhe cuidou por muitos anos: o poema O Menino Doente O Menino Doente
O menino dorme. Para que o menino Durma sossegado, Sentada ao seu lado A mãezinha canta: — "Dodói, vai-te embora! "Deixa o meu filhinho, "Dorme . . . dorme . . . meu . . ." Morta de fadiga, Ela adormeceu. 8 Como publicado no original.
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Então, no ombro dela, Um vulto de santa, Na mesma cantiga, Na mesma voz dela, Se debruça e canta: — "Dorme, meu amor. "Dorme, meu benzinho . . . " E o menino dorme.
1.3 A maturidade No ano de 1918, o autor então com 32 anos, perde a irmã, Maria Cândida de Souza Bandeira, que desde o início da doença do irmão, havia sido uma dedicada enfermeira. A história parece se repetir. Talvez Bandeira tenha aberto possibilidades à inspiração lançando um livro um ano após este falecimento. Publica, então, seu segundo livro, Carnaval (1919).
As conversas entre Bandeira e Mario de Andrade nas citações abaixo, nos mostra a franqueza da relação dos dois poetas: De Mario de Andrade: “(...) Estava louco de desejo de reler teu Carnaval. Como mudaste o sentimento sentimento de tua dor pessoal! Começavas por onde devias acabar: calmo, solícito e com a tua inevitável e legítima amargura. (...)”. (MORAES, 2001,p.100). Bandeira responde: “(...) Pura ironia as brutezas sensuais do Carnaval, como disse lá (desta feita sem ironia), o espasmo sexual é para mim um arroubo religioso. Sempre encontrei Deus no fundo das minhas volúpias. (...)”.(MORAES, 2001,p.102). O livro Carnaval é elogiado por João Ribeiro, aquele que o inspirava aos 10 anos de idade, e desperta entusiasmo entre os paulistas iniciadores do Modernismo, pois nessa obra já faz uso do verso livre, desenvolvido no final deste capítulo no item 1.6.3. Por isso, os modernistas viram em Manuel Bandeira um precursor deste movimento. Neste período, Villa-Lobos promovia encontros musicais em sua casa, primeiro no Brasil depois em Paris, tornando-se um pólo de encontro entre músicos e artistas. As reuniões 28
e feijoadas que promovia tornaram-se famosas. De acordo com estudiosos, Villa era extremamente carismático e estava sempre de braços abertos para novas amizades e oferecia um ambiente favorável às trocas artísticas. Foi, também, segundo relato do próprio Bandeira, o primeiro compositor a escrever músicas para versos seus (BANDEIRA, 2006, p. 84). Em 1920, Villa-Lobos musicou o gracioso poema Debussy (do livro Carnaval ), ), intitulado Novelozinho de Linha e, no ano de 1926, musicou O Anjo da Guarda (do livro Libertinagem)
e Modinha (letra encomendada). No caso das canções Modinha de Villa-Lobos, Modinha e Azulão de Jaime Ovalle, os compositores pediram a Bandeira que colocasse letra na melodia já existente. O poeta usou o pseudônimo Manduca Piá por se tratar de uma letra e não uma poesia, conforme descreve: “(...) neste caso procuro colocar a poesia de lado e a única coisa que procuro é achar as palavras que caiam bem no compasso e no sentimento da melodia. Palavras que, de certo modo, façam corpo com a melodia. Lidas independentemente da música, não valem nada, tanto que nunca pude aproveitar nenhuma delas (...)”.(BANDEIRA, 2006, p. 83) De fato, este costume de utilizar pseudônimo era bastante comum em compositores e poetas que flertavam com a estética mais popular. Francisco Mignone, por exemplo, usou o pseudônimo Chico Bororó para suas composições de cunho popular. Nos chama atenção o comentário de Bandeira sobre a dificuldade de lidar com esta forma invertida de escrever, ou seja, colocar letra em melodia: “Esta tarefa de escrever texto para melodia já composta, coisa que já fiz duas vezes para o Ovalle 9 e muitas vezes para Villa-Lobos, é de amargar. Pode suceder que depois de pronto o trabalho o compositor ensaia a música e diz: ‘Ah, você tem que mudar esta rima em i, porque a nota é agudíssima e fica muito difícil emiti-la nessa vogal.’ E lá se vai toda a igrejinha do poeta! (...)” (BANDEIRA, 2006, p. 83). 9 Jayme Rojas de Aragón y O valle (1894-1955). (1894-1955). Foi autodidata no piano e no violão. A celebridade veio com canções como Azulão e Modinha, ambas com letra de Manuel Bandeira. É autor de obra vasta para canto e piano e para piano. No Rio de Janeiro, suas composições costumavam ser apresentadas para um grupo seleto de artistas e intelectuais na casa do poeta Augusto Frederico Schmidt, geralmente executadas pelo pianista Mário Neves. Mesmo tendo composto u ma obra de caráter "erudito", deixou temas que se popularizaram, justamente por serem inspirados nas raízes brasileiras.
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Debussy
Modinha (Letra para Jaime Ovalle)
Para cá, para lá ... Para cá, para lá ... Um novelozinho de linha ... Para cá, para lá ... Para cá, para lá ... Oscila no ar pela mão de uma criança (Vem e vai . . .) Que delicadamente e quase a adormecer o balança — Psiu ... — Para cá, para lá ... Para cá e ... — O novelozinho caiu.
Por sobre a solidão do mar a lua flutua; e uma ternura singular palpita em cada coração. Só tu não vens trazer alívio ao trovador que vai tangendo apaixonado as cordas da triste lira que suspira desmaiando, suplicando o teu amor. Eu te suplico, te imploro, te rogo, prostrado aos teus pés com fervor o teu sorriso de criança. Vê: vou gemendo de dor e na esperança de um dia melhor unido a ti, tu és toda a fé que eu perdi
Modinha (Letra para Villa-Lobos)
Na solidão da minha vida Morrerei querida Do teu desamor Muito embora me desprezes Te amarei constante Sem que a ti distante Chegue a meiga e triste voz do trovador Feliz, te quero, mas se um dia Toda essa alegria Se tornasse em dor Ouvirias do passado A voz do meu carinho Repetir baixinho A meiga e triste confissão do meu amor
Mostra o semblante sedutor acalma minh’alma! concede ao menos a este amor a doce esmola de te ver e o coração tão infeliz por te adorar perdido embora de desejo bem sabe que não merece a maravilha do teu beijo pede apena
O anjo da guarda
Quando minha irmã morreu, (devia ter sido assim) Um anjo moreno, violento e bom, - brasileiro Veio ficar ao pé de mim. O meu anjo da guarda sorriu E voltou pra junto do Senhor
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1.4 Transição O pai de Bandeira, Manuel Carneiro, falece em 1920. “A morte do meu pai e a minha residência no morro do Curvelo de 1920 a 1933 acabaram de amadurecer o poeta que sou.(...)” (BANDEIRA, 2006, p. 65) Outra grande perda em família. O poeta se muda da Rua do Triunfo para a Rua Curvelo, 53 (hoje Dias de Barros), residindo ali por treze anos e escrevendo três livros. O Ritmo Dissoluto (1924)
aonde o poeta vai mais e mais se engajando com os ideais modernistas e começa a
explorar mais sistematicamente a simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro, como o próprio poeta via, de “transição entre dois momentos de sua poesia”; Libertinagem (1930) - o que está mais dentro da técnica e da estética do modernismo; Escreve o livro Crônicas da província do Brasil (1937) Brasil (1937)
e muitos poemas de Estrela da manhã (1936). Ao residir na Rua
Curvelo, torna-se vizinho de Ribeiro Couto10 e depois passa a morar, na mesma rua, numa casa que dava para uma bela vista da Baía de Guanabara e onde se tornaria vizinho do compositor Jayme Ovalle, do pintor Cícero Dias11 e de muitos outros expoentes da cultura brasileira, que durante o período de Manuel Bandeira na Rua do Curvelo, entre 1920 e 1933, também estavam morando naquela rua de Santa Teresa. De Jaime Ovalle, sabe-se que Bandeira tinha uma grande amizade, porém suas parcerias musicais como: Azulão, Berimbau e Modinha, não se sabe ao certo em que época foram estabelecidas. O cotidiano de Bandeira nesse período foi cuidadosamente pesquisado e descrito pela ensaísta Elvia Bezerra em seu livro A Trinca do
10 Ribeiro Couto (1898-1963).Ocupou a cadeira de número 26 na Academia Brasileira de Letras. Jornalista, diplomata, poeta, contista e romancista. Seus poemas também foram musicados por compositores como Villa-Lobos. Suas obras em prosa romances, contos, crônicas também refletem a mesma atmosfera, ao retratar episódios simples, a gente humilde dos subúrbios e a vida anônima das pequenas ruas e casas pobres. 11 Cícero Dias (1907-2003). Foi um pintor brasileiro de grande renome internacional. Combinou as mais genuínas tradições pernambucanas com a essência universal da arte. Sempre adotando posições vanguardistas, participa do movimento modernista brasileiro, aproxima-se do surrealismo e é um dos pioneiros dos Abstracionismos no pós-Segunda Guerra. Utilizando-se das cores tropicais, inspiradas pelo "verde canavial", "vermelho sangue-de-boi" e "azul céu sertanejo", ficou conhecido desde cedo como o "Pequeno Chagall dos Trópicos".
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Curvelo 12. A proximidade favoreceu os novos relacionamentos entre estes artistas e o poeta, e daí
surgiram provavelmente grandes trocas, resultando nos primeiros critérios que levariam um poema a se tornar tão “musicável”. Em 1921, Manuel Bandeira com 35 anos. É um homem solteiro, que em quatro anos (de 1916 a 1920), assistiu à morte da mãe, da irmã e de seu pai, ao mesmo tempo em que lutava cotidianamente contra a própria morte. Ele mesmo revela que encontra naquela rua ambiente propício para descobrir uma vida antes jamais imaginada por quem freqüentou o sanatório de Clavadel, na Suíça, e se julgou condenado pela tuberculose. Na Rua do Curvelo, o homem maduro se reconciliará com as reminiscências da Rua da União, no Recife. Devido a todas essas desilusões, Manuel Bandeira tinha todos os motivos do mundo para ser um sujeito mal-humorado. Não era. Ele sempre teve um sorriso simpático e, apesar da miopia e de ser "dentuço", adorava ser fotografado, traduzido, musicado. Apesar de ser um homem apaixonado por mulheres, nunca se casou, ele dizia que "perdeu a vez", como ele mesmo descreve neste poema do livro Belo Belo (1948). Neologismo
Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo. Teadoro, Teodora. Numa reunião na casa de Ronald de Carvalho13, em Copacabana, no ano de 1921, conhece Mário de Andrade14. Estavam presentes, entre outros, nomes como Oswald de Andrade15
12 (Rio de Janeiro: Topbooks, 1995) 13 Ronald de Carvalho (1893 -1935).Foi um Diplomata e literato brasileiro nascido no Rio de Janeiro. Participou da Semana de Arte Moderna em 1922, iniciando sua criação no âmbito do modernismo. Exerceu cargos diplomáticos de re levância, servindo na Embaixada de Paris. 14 Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) foi um poeta, romancista, crítico de arte, folclorista, musicólogo e ensaísta brasileiro. Importante por sua contribuição ao nacionalismo brasileiro. Foi o mentor da Semana de Arte Moderna. A obra de Mário de Andrade é indispensável para se entender todas as faces da arte moderna
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e Sérgio Buarque de Holanda16 e a partir deste e de outros encontros as idéias do modernismo ganham mais adeptos. Em maio de 1922, inicia-se a troca de cartas com Mário de Andrade por iniciativa de Bandeira. Segundo o organizador do livro Correspondências Mario de Andrade & Manuel Bandeira, Marco Antonio de Moraes, os protagonistas estavam em momentos fecundos de
“substância humana”. Mario pretendia arregimentar adeptos modernistas entre os escritores cariocas, “exigiu” a presença de Bandeira, cujos poemas de Carnaval descobriu “em uma tarde nunca esquecida”. Este diálogo travado entre Mario de Andrade e Manuel Bandeira ilumina toda uma postura frente à sua poesia. É o que podemos perceber ao ler alguns testemunhos do poeta em sua segunda carta a Mario de Andrade: 3 de julho de 1922. Mario de Andrade, (...) “Uma qualidade que me fascina em você é a sua musicalidade. É aliás o que mais me seduz na poesia. Eu faço versos para me consolar de não ter idéias musicais: nunca a melodia mais precária ou mofina me passou pela cabeça. (...) Ainda bem que não me falta o sentimento do ritmo e da estrutura musical. Onde as encontro, gozo-as libidinosamente.” (MORAES, 2001, p. 27) Bandeira não participa da Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro em São Paulo, no Teatro Municipal. Declara-se contrário aos ataques aos parnasianos e simbolistas. “Também não quisemos, Ribeiro Couto e eu, ir a São Paulo por ocasião da Semana de Arte Moderna. Nunca atacamos publicamente os mestres parnasianos e simbolistas, nunca repudiamos o soneto nem, de um modo geral, os versos
pregada na Semana de 22, marco de nosso Modernismo a que ela se estende desde a poesia até o romance e o conto, além de suas importantes teses sobre a literatura em nosso país. Sua grande virtude está em quebrar com o Parnasianismo da elite, criando uma nova linguagem literária, mais brasileira A história da música deve muito a Mario de Andrade. 15 José Oswald de Sousa Andrade (1890-1954). Escritor, ensaísta e d ramaturgo brasileiro. Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna de 1922 e m São Paulo, tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Divulgou seu radical Manifesto Antropofágico (1924) no qual propôs que o Brasil abominasse a cultura estrangeira e cr iasse uma cultura revolucionária própria. Foi considerado pela crítica como o e lemento mais rebelde do grupo. 16 Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Foi um dos mais importantes historiadores brasileiros. Foi também crítico literário e jornalista. Filho de Cristóvão e Heloísa Buarque de Holanda. Ao longo da década de 1920, atuou como representante do movimento movimento modernista paulista no Rio de J aneiro.
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metrificados e rimados. Pouco me deve o movimento; o que eu devo a ele é enorme”. (BANDEIRA, 2006, p. 71) No Rio de Janeiro, no ano de 1922, estreita laços com Jaime Ovalle, Prudente de Morais Neto17, Dante Milano18 , Di Cavalcanti19, Villa-Lobos20. Ainda nesse ano, morre seu irmão, Antônio Ribeiro de Souza Bandeira. Podemos perceber o que o poeta viveu dos 30 aos 36 anos de idade. Suas perdas de parentes próximos a cada dois anos - 1916 (mãe), 1918 (irmã), 1920 (pai), 1922 (irmão), certamente lhe causaram danos, porém, o que parece nos mostrar em sua biografia, não o transformaram em um ser humano amargo. Muito pelo contrário, sua forma de expressão artística é sentida em potencial nos seus poemas. Os temas de Bandeira, tão largamente explorados são: angústia, ausência, amor inalcançável, sublimação, sexo, solidão, dor e o medo da morte. Ao mesmo tempo em que vivia sua idade sendo solteiro na década de 20 no Rio de Janeiro, participando da boemia do local, sentia-se cada vez mais solitário. Deste ano, com esta carta, pode-se sentir o seu momento:
17 Prudente de Morais Neto (1895-1961). Crítico, jurista, cronista, poeta e professor. Redator de A Província (PE), trabalhou no Diário de Notícias, Folha Carioca, Diário Carioca, dirigiu a sucursal de O Estado de São Paulo. Também conhecido pelo pseudônimo de Pedro Dantas, com o qual assinou crônicas esportivas, foi eleito Presidente da ABI em 30 de setembro de 1975 e, além do jornalismo, dedicou-se também à poesia. Nos registros da história da ABI, consta que “exerceu o cargo com uma dignidade invulgar”. 18 Dante Milano (1899-1991). Foi um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo. Para o crítico David Arrigucci Jr., Milano foi “como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos - lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido”. 19 Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (1897-1976). Pintor, ilustrador e caricaturista. Amigo de Mário e Oswald de Andrade teve um papel central na Semana de Arte Moderna de 1922, pois criou o catálogo e o programa do evento. Partiu para a Europa em 1923 e expôs em Londres, Berlim, Bruxelas, Amsterdã e Paris, onde conheceu Picasso, Léger, Matisse, Eric Satie e Jean Cocteau. Em Paris, em 1938, trabalhou na rád io Diffusion Française. Quando voltou, em plena ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, ficou escondido na Ilha de Paquetá, no Rio. Libertado, retornou a Paris, onde permaneceu até a iminência da Segunda Guerra Mundial. Nessa viagem, 40 obras foram perdidas. 20 Heitor Villa-Lobos (1887 /1959) compositor brasileiro, muito conhecido por unir música com sons naturais. Ficou muito entusiasmado com a idéia de ser o representante musical do movimento da Semana de 22. Foi assim que ele estreiou como "modernista", entre vaias e urros de uma platéia atrelada aos modelos tradicionais, apresentando Sonata Nº2, Danças Características Africanas, Quarteto Simbólico e Impressões da Vida Mundana. Como maior expressão da música modernista brasileira, a vanguarda paulista elegeu Villa-Lobos, que já havia ganho notoriedade como um músico controvertido e "diferente". Na educação preocupouse com o descaso com que a música era tratada nas escolas brasileiras e acabou por aprese ntar um revolucionário plano de Educação Musical à Secretaria de Educação do Estado de São Pau lo.
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Petrópolis, 31 de maio de 1923. Meu caro Mário, Creio firmemente que estás vivendo a época da tua alma. Eis porque deposito tanta fé em ti. (...) Perguntas pelos meus poemas e pelos meus projetos. Não tem projetos quem vive como eu ao Deus dará do amanhã. Sabes o que disse o médico de Cladavel quando me auscultou pela última vez em 1914? Que eu tinha lesões teoricamente incompatíveis com a vida! O meu organismo acabou espontaneamente vacinado contra a infecção tuberculosa, mas fiquei um inválido. Sou incapaz de um esforço seguido. Se essa mesma arte fragmentária dos meus poemetos me desnerva? Cada uma dessas pequenas coisas que já fiz representa um momento de paixão. Como eu teria vontade de fazer prosa, de escrever dois ou três romances! Isto é completamente impossível. impo ssível. Mando-te duas coisas minhas com um grande abraço. Manuel (MORAES, 2001, p.94) Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e um novo livro, O Ritmo Dissoluto. Colabora no "Mês Modernista", série de trabalhos de modernistas publicada pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A Idéia Ilustrada .
Para sua irmã (falecida em 1918), Bandeira escreve um poema O Anjo da Guarda que só foi publicada no ano de 1930 no livro Libertinagem. Deste ano, está descrito um diálogo muito interessante de Manuel Bandeira em carta a Mario de Andrade sobre o processo de composição de Villa-Lobos. Rio de Janeiro, 15 de abril de 1926 Mário, Que vida louca, Mário! No meio de apertos, falta de saúde, falta de dinheiro, tristeza-guaçu, Merda! Merda! Merda! De repente um dia de felicidade estupenda pra botar a gente chorando com vontade de abraçar todo o mundo. Tenho que contar pra ocê (sic). O dia foi o de ontem: 21 14 de abril de 1926 .
21 Como publicado no original.
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(...) Depois do jantar Villa cantou duas coisas que ele está compondo. A 1ª é pra “Pobre cega” do Álvaro Moreyra. A 2ª é prao (sic) “Anjo da Guarda”. A música do Anjo está matante parece uma tarde que não acaba mais. Fiquei com os olhos cheios d’água me atraquei com o Villa, beijei-o. Que bruta comoção, puta merda! Quando ele diz “um anjo moreno violeeeento e bom – brasileiro” é tal qual minha irmã, Mário! A música é de uma simplicidade e de uma elevação, toda consoante mas de técnica bem moderna e imagine, o acompanhamento é um tema sincopado popular, antes de começar o canto o piano faz um floreio de violão. (...) Eu senti uma felicidade. Vai demorar a se publicar (...) Porém eu arranjei com o Villa mandar tirar uma cópia pra mim. Depois eu tirarei uma pra você, pois estou doido que você conheça. Está aí, Mário. Um abraço do Manu (MORAES, 2001. pg 285-286) O ano de 1930 marca a publicação de Libertinagem22, em edição como sempre custeada pelo autor, no qual foi publicado o poema O Anjo da Guarda (pág. 22) que já tinha sido musicado por Villa-Lobos anteriormente. Neste ano, Bandeira, também homem de fé católica, passaria a freqüentar o convento da Ordem das Carmelitas Descalças, construído em 1750, exatamente na Ladeira de Santa Teresa, próximo à Rua do Curvelo. O poeta pernambucano, a partir de 1931, visita regularmente a prima que era monja carmelita, irmã Maria do Carmo do Cristo Rei. Desse contato conventual nasceu um texto para oratório há muito tempo encomendado a Bandeira por Francisco Mignone. Madre Maria José escreveu o poema Alegrias de Nossa Senhora , e Bandeira sentiu que dali poderia extrair o texto para compor um oratório.
(BEZERRA, 1995. p.51-52). Esta obra, no entanto, não será discutida por se tratar de um oratório para solistas e orquestra, fugindo do nosso foco principal que são as canções para canto e piano. Muda-se, em 1933, da Rua do Curvelo para a Rua Morais e Vale, na Lapa. Onde começou a sentir na sua poesia o resultado do elemento simples e cotidiano do ambiente no morro do Curvelo (BANDEIRA, 1984).
22 Libertinagem contém os poemas escritos entre 1924 e 1930.
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Grandes comemorações marcam os cinqüenta anos do poeta, em 1936, entre as quais a publicação de Homenagem a Manuel Bandeira, livro com poemas, estudos críticos e comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica neste mesmo ano o livro Estrela da Manhã.
Em 1940, é aberta uma vaga para a Academia Brasileira de Letras23. Após dois dias de hesitação, se candidatou e foi eleito com 21 votos, ocupando a cadeira de número 24. Para Bandeira a idéia de Academia implicava em casa de Machado de Assis24, de João Ribeiro. Ele se sentia “desqualificado” para sustentar a tradição. Porém, toma posse em 30 de novembro, sendo saudado por Ribeiro Couto. Neste mesmo ano publica Poesias Completas , com a inclusão do livro Lira dos Cinqüent'Anos. Em 1948, publica Mafuá do Malungo, de onde temos a interessante canção de Mignone, na qual o ritmo da letra realmente nos remete a uma forma de embolada25, como vemos neste exemplo: Embolada do Brigadeiro
[...] Homem mesmo escandaloso, Pois não mata, Pois não furta, Pois não mente, Não engana, nem intriga, 23 O estatuto da Academia Brasileira de Letras estabelece que para alguém candidatar-se é preciso se r brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário.Seguindo o modelo da Academia Francesa, a ABL é constituída por 40 membros efetivos e perpétuos. Além deste quadro, existem 20 membros correspondentes estrangeiros.Os imortais são escolhidos mediante eleição por escrutínio secreto. Quando um Acadêmico falece, a cadeira é declarada vaga na Sessão de Saudade, e a partir de então os interessados dispõem de um mês para se candidatarem, através de carta enviada ao Presidente. A eleição transcorre três meses após a declaração da vaga. A posse é marcada de comum acordo entre o novo Acadêmico e o escolhido para recepcioná-lo. De praxe, o vistoso fardão é oferecido pelo Governo do Estado natal do Acadêmico. 24 Machado de Assis (1839-1908), considerado um dos mais importantes nomes da literatura do Brasil e identificado pelo crítico Harold Bloom, como o maior escritor negro de todos os tempos. De sua vasta obra, que inclui ainda poesias, peças de teatro e crítica literária, destacam-se o romance e o conto. É considerado um dos criadores da crônica no país, além de ser importante tradutor, vertendo para o português obras como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que também se chama Casa de Machado de Assis. 25 Gênero musical que teve origem no Nordeste brasileiro, aparecendo mais freqüentemente na zona litorânea e mais raramente na zona rural, suas características principais incluem uma melodia mais ou menos declamatória, em valores rápidos e intervalos curtos. O gênero é simples e não possuiu qualquer composição preestabelecida, quanto ao número e disposição dos versos. Um estribilho é repetido, num intervalo maior ou menor por um dos cantadores, enquanto o outro improvisa. A letra é geralmente cômica, satírica ou descritiva. (Dicionário Cravo Albin)
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Tem preceito, tem ensino: Foi assim desde tenente, Foi assim desde menino! Seus poemas já estão amplamente conhecidos e suas poesias já formam um corpus importante. Pela pesquisa que estamos apresentando, já podemos concluir quais de seus livros foram mais procurados por compositores e quais foram os poemas mais musicados. Selecionamos apenas poemas que foram musicados quatro vezes ou mais. Constatamos que as mais utilizadas por compositores foram: Cantiga, A Estrela e Madrigal. Os poemas mais musicados encontra-se enco ntra-se no Anexo III.
1.5 A velhice “(...) De fato cheguei ao apaziguamento das minhas insatisfações e das minhas revoltas pela descoberta de ter dado à angústia de muitos uma palavra fraterna. Agora a morte pode vir — essa morte que espero desde os dezoito anos: tenho a impressão que ela encontrará, como em "Consoada" está dito: "a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar". (BANDEIRA, 2006, p. 132) No ano de 1954, publica seu livro Itinerário de Pasárgada, onde, além de suas memórias, expõe todo o seu conhecimento sobre formas e técnicas de poesia, o processo da sua aprendizagem literária e as sutilezas da criação poética. É um depoimento e a primeira biografia literária publicada no Brasil, em que não narra apenas o relato da vida pessoal de um escritor, mas a formação de um poeta. Pasárgada é um local imaginário eleito por Bandeira para a realização de um sonho, lá tudo é possível. A possibilidade de harmonizar as relações entre poesia e música é bem pressentida por Bandeira e inúmeras vezes ressaltadas pelos críticos a respeito de seu próprio método de composição: tematizar a existência de uma musicalidade. De uma força rítmica que supera a palavra, está mais bem explicitado em seu testamento literário, o Itinerário de Pasárgada.
O poeta fala mais de uma vez na intensa experiência lírica que buscou
trazer para dentro de seus versos na citação a seguir. 38
Quadro 1.1 Estatística dos oito poemas mais musicados
COMPOSITOR Alimonda, Heitor Fernandez, Lorenzo Gnatalli, Radamés Lacerda, Osvaldo Lacerda, Osvaldo Mignone, Francisco Setti, Kilza Tacuchian, Ricardo Alimonda, Heitor Cameu, Helza Mignone, Francisco Prado, Almeida Seixas, Guilherme Setti, Kilza Tacuchian, Ricardo Cameu, Helza Fernandes Nêmia Leanza, Guilherme Seixas, Guilherme Siqueira, José Tupynambá,,Marcelo Vianna, Frutuoso Kiefer, Bruno Lacerda, Osvaldo Mahle, Ernst Mignone, Francisco Pádua, Newton Capiba Gnatalli, Radamés Guarnieri, Camargo Mahle, Ernst Mignone, Francisco Capiba Krieger, Edino Guarnieri, Camargo Mignone, Francisco Capiba Fernandes Nêmia Nunes, João Siqueira, José
POEMA Cantiga
LIVRO Estrela da manhã
ANO 1936
CANÇÕES 9
A Estrela
Lira dos Cinqüent’anos
1940
8
Madrigal
Carnaval
1919
7
O Menino Doente
O Ritmo Dissoluto
1924
5
Dona Janaína
Estrela da manhã
1936
5
Desafio
Lira Cinqüent’anos
1940 dos 4
Trem de ferro
Estrela da manhã
1936
4
39
“Cedo compreendi que o bom fraseado não é o fraseado redondo, mas aquele em que cada palavra está no seu lugar exato e cada palavra tem uma função precisa, de caráter intelectivo ou puramente musical.” (BANDEIRA, 2006, p.49) Nas décadas de 50 e 60, Bandeira dedica-se a traduzir diversos livros e peças de teatro e, também, recebe sua aposentadoria das funções de professor da Faculdade Nacional de Filosofia. O poeta declarou em entrevista ao jornal O Globo de 10 de dezembro de 1955. “Recebo com maior emoção a homenagem que me presta o povo brasileiro (...) Sou servidor público, de direito, desde o ano de 1935 (...). Mas, de fato, sou servidor público desde 1917, quando compus meus primeiros versos... Pois todo poeta é um servidor do povo.” (O Globo, 1955) Com a saúde cada vez mais comprometida, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da Avenida Beira-Mar e se transfere para Rua Aires Saldanha, em Copacabana, no apartamento de Maria de Lourdes Heitor de Souza, Souza, sua companheira dos últimos anos. No dia 13 de outubro de 1968, às doze horas e cinqüenta minutos, morre o poeta Manuel Bandeira, no Hospital Samaritano, em Botafogo, de hemorragia gástrica, sendo sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro. Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: - Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar.
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1.6 Estilos utilizados por Bandeira Na qualidade de cantora, pianista e pesquisadora, pretendemos estabelecer uma relação interdisciplinar tal entre poesia e música que prepare o leitor para a compreensão das razões que fizeram os poemas de Manuel Bandeira serem musicados por tantos compositores diferentes. Manuel Bandeira foi um dos poetas nacionais mais admirados, inspirando, até hoje, desde novos escritores a jovens compositores. Arrigucci (1990) nos diz que, o "ritmo bandeiriano" merece estudos aprofundados de ensaístas. Por vezes inspira escritores e outros artistas, não apenas em razão de sua temática, mas, também devido ao estilo sóbrio de escrever. Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto. Sua poesia caracterizou-se pela variedade criadora, desde o soneto parnasiano, à prática do verso livre, até por experiências com a poesia concretista. É comum encontrar-se poemas (como o Poética , do livro Libertinagem) que se transformam quase que em um manifesto da poesia
moderna. No entanto, suas origens estão na poesia parnasiana. Bandeira em seus 82 anos de vida (1886-1968) atravessou uma época de fatos marcantes mundiais: lutas sociais, tentativas de revolução, novas idéias políticas, a primeira e segunda grande guerra, diversos avanços tecnológicos. O mundo agitado, não tinha mais tempo para o Romantismo. Era necessária uma arte mais objetiva que atendesse ao desejo do momento: a análise e a compreensão dos fatos e a crítica. Na literatura, nascem ao mesmo tempo três tendências anti-românticas: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Na época do nascimento de Bandeira (1886), segundo o professor de história José Prieto, no Brasil aconteciam, também, fatos importantes como: a Abolição da Escravatura em 1888, o término do regime imperial brasileiro com a instalação da República em 1889 e a Revolta Armada promovida por unidades da Marinha que teve início em setembro de 1893 no Rio de Janeiro em
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oposição ao governo Floriano Peixoto (segundo presidente do Brasil de 1891 a 1894), que promoveram mudanças significativas do pensamento humano da época. A arte, a literatura, bem como a música refletem essas mudanças. Percebe-se uma enorme busca pela precisão descritiva em lugar do egocentrismo romântico. O Realismo é a própria realidade desnuda motivada, principalmente, pelas teorias científicas e pelo desejo de retratar o homem e a sociedade em sua totalidade e, à medida que torna-se científico, pode-se dizer que já pertence ao Naturalismo. Concomitantemente surge o Parnasianismo ou um retorno da poesia ao estilo clássico abandonado pelos românticos. Os estilos que Cereja & Magalhães (2002) apontam como base dos poemas de Bandeira, são indicados a seguir. 1.6.1 O Parnasianismo Diferentemente do Realismo e do Naturalismo, que se voltaram para o exame e a crítica da realidade, o Parnasianismo representou na poesia um retorno ao clássico, com todos os seus ingredientes: o princípio do belo na arte, a busca do equilíbrio e da perfeição formal. Os parnasianos acreditavam que o sentido maior da arte reside nela mesma, em sua perfeição, e não em sua relação com o mundo exterior. A poesia parnasiana pretende ser universal. Por isso utiliza uma linguagem objetiva que busca a contenção dos sentimentos e a perfeição formal, e temas universais: a natureza, o tempo, o amor, objetos de arte e, principalmente, a própria poesia. Na década de 1880, este estilo teve grande importância no Brasil, não apenas pelo elevado número de poetas, mas também pela extensão de sua influência. O parnasianismo surgiu
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timidamente no Brasil nos versos de Luís Guimarães Júnior26 e Teófilo Dias27 e firmou-se definitivamente com Raimundo Correia28 e Olavo Bilac29. O primeiro livro de Manuel Bandeira A Cinza das Horas é classificado como parnasianosimbolista. Sendo assim, das poesias classificadas como parnasianas que foram musicadas queremos destacar: Crepúsculo de Outono, escrita no ano de 1913 em Cladavel , , como exemplo mais claro do parnasianismo de Bandeira. Segundo ele próprio, quando publicou esse livro não tinha a intenção de começar carreira literária: "desejava apenas dar-me a ilusão de não viver inteiramente ocioso". O eu-lírico vivencia o ato de morrer à medida que descreve sua agonia em seus versos.
Crepúsculo de Outono
O crepúsculo cai, manso como uma benção. Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito... As grandes mãos da sombra evangélicas pensam As feridas que a vida abriu em cada peito. O outono amarelece e despoja os lariços. Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar O terror augural de encantos e feitiços. As flores morrem. Toda a relva entra e ntra a murchar.
26 Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior (1845-1898) foi um diplomata, poeta, romancista e teatrólogo brasileiro. Seus sonetos revelam um grande apuro da forma, combinações métricas finas e sutis, e o gosto pelos motivos exóticos que ele pôde sentir e observar em suas peregrinações por terras estrangeiras. Romântico de inspiração, mas já dentro da orientação parnasiana, ele foi, no apuro da expressão, um precursor da poesia de Raimundo Correia, Bilac e Alberto de Oliveira. Na carreira diplomática, chegou a ministro plenipotenciário, tendo servido em Santiago do Chile, Roma e Lisboa. 27 Teófilo Odorico Dias de Mesquita ( 1854-1889) foi um advogado, jornalista e p oeta brasileiro. Pertencia à família do consagrado poeta Antônio Gonçalves Dias, de quem era sobrinho. Sua poesia, influenciada, a princípio, pelos líricos franceses, foi, aos poucos, assumindo novas formas, de acordo co m a tendência geral da época. 28 Raimundo da Mota de Azevedo Correia (1859-1911) foi um juiz e p oeta brasileiro. 29 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) foi um jornalista e poeta brasileiro e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Sua obra poética enquadra-se no Parnasianismo, que teve na década de 1880 a fase mais fecunda. Embora não tenha sido o primeiro a caracterizar o movimento parnasiano, pois só em 1888 publicou Poesias, Olavo Bilac tornou-se o mais típico dos parnasianos brasileiros. Foi, no seu tempo, um dos poetas brasileiros mais populares e mais lidos do país, tendo sido eleito o "Príncipe dos Poetas Brasileiros", no concurso que a revista Fon-fon lançou em 1o de março de 1913. Alguns anos mais tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poes ia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos dentro do Parnasianismo brasileiro. Foi notável conferencista, numa época de moda das conferências no Rio de Janeiro, e produziu também contos, crônicas e obras didáticas.
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Os pinheiros porém viçam, e serão breve Todo o verde que a vista espairecendo vejas, Mais negros sobre a alvura unânime da neve, Altos e espirituais como flechas de igrejas. Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio Do rio, e isso parece a voz da solidão. E essa voz enche o vale...o horizonte purpúreo... Consoladora como um divino perdão. O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos, Flocos, que a luz do poente extática semelha A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos. A sombra casa os sons numa grave harmonia. E tamanha esperança e uma tão grande paz Avultam do clarão que cinge a serrania, Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás. Ao fazermos uma breve análise quanto à forma e conteúdo deste poema, podemos perceber a presença parnasiana nestes versos. Encontramos os seguintes critérios de escolha que podem ter levado os compositores a musicá-lo, como foi o caso de: Helza Cameu, Camargo Guarnieri e Radamés Gnatalli. São fortes características neste poema: (1) as rimas perfeitas, (2) uso de palavras rebuscadas e (3) descrições visuais. Dividido em versos Alexandrinos de doze sílabas, separados em 6 estrofes de quatro versos cada sendo chamado de uma quadra: 1ª quadra /O/cre/pus/cu/lo/cai/man/so/co/mu/ma /bênção/ /Dir/se/á/queo/rio/cho/raa/pri/são/de/seu/leito/ /As/gran/des/mãos/da/som/brae/van/ge/li/cas/pensam/ /As/fe/ri/das/quea/vi/daa/briu/em/ca/da/peito/ As rimas buscam a perfeição em todo o poema, por exemplo: benção/pensam e leito/peito e em todo os demais versos. Ele também faz uso de palavras e termos rebuscados ou não usuais, como: “despoja o lariço”, “extática semelha”, “avultam” e “singe a serrania”.
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A poesia apresenta uma cena onde a maioria dos termos descreve imagens visuais: O “outono amarelece”, “rio chora”, “sombra”, “crepúsculo cai”, “flores morrem,” por exemplo. Essas características do parnasianismo são muito inspiradoras para os compositores e, vêse muitas poesias desse estilo estilo musicadas, por exemplo, por Nepomuceno “o pai da canção brasileira”. As imagens visuais muito auxiliam na construção de ambientes musicais criativos. Compositores que adotam a linguagem musical romântica e impressionista por certo encontram terreno fértil nos poemas parnasianos. 1.6.2 O Simbolismo O Simbolismo: a linguagem da música. Nas últimas décadas do séc XIX, surge um grupo de artistas e intelectuais que põem em dúvida a capacidade absoluta da ciência de explicar todos os fenômenos relacionados ao homem. Não crêem no conhecimento “positivo” e no progresso social prometidos pela ciência. Este estilo procura sugerir a realidade, e não retratá-la. Para isso faz uso de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias, recursos sonoros e cromáticos, tudo com a finalidade de exprimir o mundo interior, intuitivo, anti-lógico e anti-racional. (CEREJA & MAGALHÃES, 2002, p.290-291) Assim como no parnasianismo, a melhor maneira de perceber as características do simbolismo é através de um exemplo. Escolhemos o poema Debussy (ver poema na página 23) como ícone desse estilo. Este poema foi musicado por José Siqueira e por Villa-Lobos (neste caso com o nome de Novelozinho de lã). Mas é a descrição de Antonio Cândido na introdução do livro Estrela da Vida Inteira (1993) que nos explica a questão da musicalidade citando este poema. Afirma que talvez Manuel Bandeira possua o ouvido mais afinado de toda a moderna poesia brasileira. Ouvido para a musicalidade de um ritmo ou de um verso, para a escolha exata da sonoridade de uma palavra, para a transposição no plano verbal de uma atmosfera que parecia
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tipicamente musical, como neste poema Debussy. Vindo da musicalidade obsessiva do Simbolismo, a sua evolução poética se processou no sentido do abandono gradativo do universo melódico por um novo espaço mais vizinho da música contemporânea, isto é, não mais fluido e sim anguloso e fragmentado, às vezes, baseado no contraponto, jogando usualmente com as dissonâncias (CÂNDIDO, 1993). Bandeira, em seu Itinerário de Pasárgada (BANDEIRA, 2006) afirma ter tido a intenção de reproduzir a linha melódica do autor de La Fille aux Cheveux de Lin” (Ex 1.1), peça escrita por Debussy (1862-1918), compositor impressionista que é mestre na arte das “cores sonoras”, presente em seu livro N° 1 de Prelúdios para Piano. Este prelúdio é o oitavo, e evoca através de sua linha melódica e harmonia, timbres que relembram a era dos Celtas, segundo declaração do editor na obra. (Urtex Edition, 1985, Prefácio XIV, p. 33). No caso percebemos em Bandeira um artista criador extremamente aguçado aos sons, visto que, esta música não possui letra é um prelúdio apenas para piano. Villa-Lobos e José Siqueira musicaram este mesmo poema, porém de formas distintas. Percebe-se que a canção de Siqueira estabelece uma relação direta com o trecho musical do prelúdio de Debussy (Ex. 1.2 e 1.3), utilizando a figura rítmica de uma colcheia e duas semicolcheias, o que não acontece com a canção de Villa-Lobos que se inspirou mais no poema do que na melodia, sugerindo uma nuance conforme os impressionistas trabalhavam suas formas, como podemos observar nos exemplos.
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Exemplo 1.1 Trecho do Prelúdio para Piano La Fille aux Cheveux de Lin de Debussy
Exemplo 1.2. Trecho da canção Debussy de José Siqueira.
Exemplo 1.3.Trecho da canção Novelozinho de Linha de Villa-Lobos. 47
Os aspectos poéticos simbolistas que possivelmente atraem os compositores mais modernos são: a) A forma poética mais livre diferente da rigidez dos sonetos parnasianos; b) Sinestesia; c) Subjetivismos da linguagem poética, sugerindo uma linguagem musical também mais abstrata. Estes elementos atraem compositores de canções à medida que estimula coloridos diversos e seções mais contrastantes. Interessante ao observarmos as várias canções inspiradas em um mesmo poema é percebermos a escolha musical de cada compositor. Siqueira, literalmente inspirado no prelúdio de Debussy, utiliza a rítmica da peça para piano e inverte a linha melódica. Villa-Lobos já se distancia do obvio do ambiente “debussiniano”, mas, se inspira na linguagem impressionista através da cor dos acordes e com os glissandos nos dando uma impressão de um som de harpa. Sem dúvida, o simbolismo de Bandeira foi um elemento importante para “fisgar” a atenção dos compositores brasileiros modernos. 1.6.3 Transição – O verso livre “A mim me parece bastante evidente que O Ritmo Dissoluto é um livro de transição entre dois momentos da minha poesia. Transição para quê? Para a afinação poética dentro da qual cheguei, tanto no verso-livre como nos versos metrificados e rimados (...)” (BANDEIRA, 2006, p. 75) O professor de Teoria Literária e Literatura Comparada, Davis Arrigucci Jr. em seu livro Humildade, Paixão e Morte (1990), nos dá uma boa explicação sobre a importância do verso
livre. Aponta Manuel Bandeira a figura central e o poeta mais importante a usar esta nova técnica. Diz que Bandeira foi o primeiro que assimilou organicamente a inovação técnica à sua linguagem pessoal, buscando novos rumos mediante novos instrumentos. No contexto especifico de Bandeira, explica o professor, o verso livre abre, conforme se apontou, para espaços do próprio escritor, em sua vida diária, muito destacada também pelos
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modernistas. Com olhos voltados para o presente, confiantes na realidade brasileira do tempo, sem prejuízo da visão histórico-cultural da tradição do país. Segundo o próprio poeta confidencia em carta de 1927 para Mario de Andrade. “(...) Só me sinto mesmo à vontade no verso livre. Ando com uns projetos de redondilha para um poema aporrinhado cujo estribilho é “Vou-me embora pra Pasárgada” mas não tomou jeito de sair até hoje. Pasárgada é uma antiga cidade persa, você naturalmente sabe. Pasárgada é a coisa estapafúrdia pra onde um aporrinhado sente gana de ir.”(MORAES, 2001, p. 353). Na verdade foi um processo longo, de difícil aceitação no começo. Este processo inclui também a importância da contextualização na realidade brasileira, onde, sobretudo, a partir da Revolução de 3030, a expressão literária, bem como nas artes em geral, serviu como um farol para a tentativa de redescoberta do país e para uma visão modernizante de nossa sociedade. Como exemplo de verso livre “banderiano”, escolhemos a poesia Andorinha do livro Libertinagem, que foi musicada por José Siqueira e Almeida Prado. Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo: — "Passei o dia à toa, à toa!" Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa ... Sua estrutura curta, sem métrica, se presta à criação de canções curtas e de linguagem moderna, seja serial ou atonal livre e até mesmo dodecafônica. Siqueira optou por elaborar sua canção curta, em ostinato na mão direita construído através em semicolcheias enquanto a mão esquerda cria um baixo marcado por uma figura rítmica, sugerindo paralelismo. 30 Segundo o professor de história José Prieto, formado pela Faculdade de Filosofia, Ciência Ciência e Letras (UERJ), dá-se o nome de Revolução de 1930 ou Revolução de 30 ao movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que culminou com a deposição do presidente paulista Washington Luís, em 24 de outubro. Em 1º de março de 1930, houve eleições para presidente da República que deram a vitória ao candidato governista Júlio Prestes. Em virtude do movimento armado desencadeado a 3 de outubro de 1930, não tomou posse e foi exilado. Getúlio Vargas assumiu a chefia do "governo provisório" em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha.
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Prado desenvolveu a canção dentro de uma ambientação atonal livre.
Exemplo 1.4 Trecho de Andorinha de José Siqueira 50
Exemplo 1.5 Trecho de Andorinha de Almeida Prado
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1.6.4 Modernismo No Brasil, o termo identifica o movimento desencadeado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Em 13, 15 e 17 de fevereiro daquele ano, conferências, recitais de música, declamações de poesia e exposição de quadros, realizados no Teatro Municipal de São Paulo, apresentam ao público as novas tendências das artes do país. Seus idealizadores rejeitam a arte do século XIX e as influências estrangeiras do passado. Defendem a assimilação das tendências estéticas internacionais para mesclá-las com a cultura nacional, originando uma arte vinculada à realidade brasileira. O principal veículo das idéias modernistas é a revista Klaxon, lançada em maio de 1922. Revista que Bandeira colaborou escrevendo diversos artigos. Segundo José Maria Neves, o motivo literário, realmente grande, na época, revela muitos jovens escritores e poetas, todos eles no caminho da libertação dos velhos cânones e em busca de uma afirmação nacional. Na Música, Mario de Andrade desenvolverá estudos sobre os elementos construtivos da música folclórica. Com relação à construção melódica, ele observará a persistência das fórmulas curtas e pouco numerosas que se combinam sempre em organizações novas. No plano da estruturação harmônica, ele observará “a pobreza do folclore brasileiro, que se contenta com formas cadenciais fundamentais.” Três elementos importantes entram na estruturação musical dos adeptos deste nacionalismo, elementos que são comuns à maioria dos compositores latino-americanos: a tendência ao estaticismo, com repetição infinita das pequenas células melódicas, a absorção da harmonia pela rítmica, com recursos freqüentes a percussão harmônica, ou seja, elementos que são característicos dos instrumentos de percussão, são reproduzidos harmonicamente e a ênfase especial às superposições tonais (a politonalidade) e aos blocos dissonantes. (NEVES, 1981) 52
Os modernistas também defendem uma dicção brasileira para os atores e cantores, até então muito influenciados pelo sotaque e à forma de falar de Portugal. Os anais do I Congresso Nacional da Língua Cantada de 1937 apontaram as primeiras regras de pronúncia para o
português brasileiro cantado. Este documento tem sido estudado e em 2008, será publicado o novo Manual da Pronúncia Neutra para o Português Cantado nos anais da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação na Música). Até o momento, percebemos que a poesia de Bandeira oferece uma gama variada de estilos que abre um grande caminho para a criação. Por ter usado o parnasianismo, o simbolismo e a linguagem modernista em seus poemas, cada compositor pode encontrar os mais diversos tipos de matéria prima para suas obras. Desde rimas perfeitas ao verso livre, da linguagem rebuscada à coloquial, dos temas descritivos à temática brasileira. Todos esses elementos fazem de Bandeira uma fonte inesgotável de criação. No próximo capítulo desenvolveremos um panorama da história da canção de câmara com enfoque em todos os compositores que musicaram Manuel Bandeira e que constam nos Anexos II e II. Ressaltamos que todos os compositores referidos no quadro do Anexo II serão indicados em negrito.
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Fig. 1.1 – Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quintana e Mendes Campos
Fig. 1.2 – Manuel Bandeira e Jaime Ovalle
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CAPÍTULO II ENSAIO SOBRE A CANÇÃO DE CÂMARA BRASILEIRA A canção de câmara brasileira abordada neste trabalho tem como foco os compositores eruditos, cujas obras que são apresentadas em salas de concerto, exige preparo vocal técnico no estilo erudito. Ressaltamos que os compositores serão indicados em negrito e somente Lino Costa, Oreste Farinello e Guilherme Leanza não foram citados devido à falta de referência sobre eles. A base teórica deste capítulo foi centrada em A Canção Brasileira de Câmara (MARIZ, 2002), Música Doce Música (ANDRADE, 2006b) e Ensaio sobre a música Brasileira (ANDRADE, 2006a). Segundo o compositor Tacuchian, ao analisarmos a vida e obra de um compositor não podemos, nem devemos nos prender a classificação hermética da pessoa que compõe. A intenção em classificar o compositor segundo estilos não é acertada, pois durante uma vida artística o compositor é livre para passear por diversos estilos, experimentar novas tendências e técnicas novas. A análise é feita “a posteriori’. Contudo, sua obra, estando entregue aos intérpretes, esta sim, pode ser classificada e estudada. A menos que os compositores criem um movimento, como o Música Viva, por exemplo, estariam neste momento, integrados à uma tendência. A seguir apresentamos um sucinto panorama destes compositores cujo ponto em comum foi a escolha dos textos de Bandeira para conduzirem suas melodias através do canto. Para a criação de uma ópera nacional no período romântico brasileiro, os compositores aliavam-se aos libretistas/poetas como fez, por exemplo, o principal representante do Romantismo, o compositor Antonio Carlos Gomes (1836-1896), que auxiliado por Machado de
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Assis (1839-1908) e José de Alencar (1829-1877), criou a ópera O Guarani baseado no texto de José de Alencar. Segundo Mariz, Carlos Gomes deve ser considerado modelo para os compositores no que se refere à riqueza melódica e tratamento apropriado da voz humana. Pôde realizar na Itália estudos especiais de como manobrar com habilidade o órgão vocal e por isso suas óperas, e muitas de suas canções, aí estão para desafiar críticas neste terreno. Suas canções pareciam árias de ópera devido a influencia do compositor pelas óperas italianas. Sua escrita para o canto foi sua grande contribuição para os compositores que o sucederam. A primeira figura reconhecida por sua tendência nacionalista brasileira, é a do compositor e diplomata Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913). Sua obra, exemplificada pela rapsódia A sertaneja para piano, anunciou o período do nacionalismo musical. O precursor dessa tendência
foi Alexandre Levy (1864–1892) em cuja obra se evidenciam os traços apenas sugeridos por Itiberê. Em suas composições, a preocupação nacionalista surge com o emprego de temas originais ao lado de melodias autenticamente populares. Estes dois compositores não se dedicaram à canção de câmara, mas prepararam o caminho para Nepomuceno e os seguintes. Compositores como Leopoldo Miguez (1850-1902), Henrique Oswald (1852-1931) e Glauco Velásquez (1884-1914) mantiveram-se fiéis ao espírito do século XIX, que era, na música brasileira, o da submissão aos moldes europeus. A obra de Leopoldo Miguez, ilustrada pelas sinfonias Parisina (1882) e Prometeu (1896), apresenta influências de Wagner e Liszt. Henrique Oswald, por sua exclusiva formação européia influenciada por Gabriel Fauré, sempre esteve à margem do movimento nacionalista. É autor de música de câmara de fatura magistral, eminentemente lírica e subjetiva. Considerado o pai da canção Alberto Nepomuceno (1864-1920) a primeira grande figura do Lied no Brasil, que também inovou em suas canções o trato da voz, graças aos esforços,
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contribuiu para a aceitação da música brasileira, da canção em língua nacional nos concertos do repertório erudito. Segundo Souza (2007), a tese de que Nepomuceno desenvolveu a canção de câmara brasileira baseando-se no seu conhecimento da canção erudita européia, especialmente do Lied alemão, comporta duas leituras. A primeira, cuja prova é quase auto-evidente pela mera audição de suas obras, é que Nepomuceno pretendeu compor canções brasileiras com a mesma ambição artística que o Lied tinha na cultura européia. Em outras palavras, canções com uma relação intrínseca entre música e poesia extraída de fontes literárias, canções com uma escrita harmônicomelódica comprometida com as linguagens musicais avançadas em seu tempo. A segunda leitura, mais sutil, que requer comprovação, é que para a realização do seu projeto de canções em língua portuguesa, Nepomuceno teria transplantado modelos da tradição européia, para dar conta dos objetivos acima referidos. Sem dúvida Nepomuceno teve um papel importantíssimo para a canção de câmara genuinamente brasileira.
Villa-Lobos (1887-1959) surgiu na Semana de Arte Moderna como representante das novas tendências musicais: adoção das técnicas de vanguarda importadas da Europa e valorização do tema brasileiro. Foi o primeiro grande artista brasileiro cuja obra assumiu características verdadeiramente nacionais. Dotado de uma impetuosa força criadora, é capaz da mais refinada simplicidade. As raízes negras têm presença marcante em muitas de suas peças. Emprestou, magistralmente, envergadura sinfônica aos choros recolhidos nos ambientes populares do Rio de Janeiro e utilizou, nas Bachianas brasileiras, o estilo próprio de Johann Sebastian Bach dentro de uma temática nacional. Por sua contemporaneidade e sua amizade com Bandeira foi o primeiro compositor a musicá-lo. Compôs muitas canções para canto e piano, como as vinte páginas do Poema de Itabira, por exemplo, mostra a elaboração de mais de cem peças vocais para todas as vozes.
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Entretanto, Villa-Lobos confessou um dia para Cecília Meireles que o texto de um poema não tem a maior importância para o compositor e serve apenas para dar maior apoio ao cantor! Imagino que sua Modinha ou O Anjo da Guarda seriam completamente diferentes com outro texto que não o de Bandeira.
Exemplo 1. Modinha de Villa-Lobos
As canções podem tomar rumos completamente diferentes com a mesma poesia. Teremos, a seguir, alguns exemplos dos quatro poemas mais musicados: Cantiga, Estrela, Madrigal e O Menino Doente Cantiga que teve 9 composições diferentes, foi a única canção com poema de Bandeira
feita por Lorenzo Fernández (1897-1948). Intitulada Canção do Mar, é cheia de elementos rítmicos brasileiros e tem muita expressividade.
Exemplo 2 Canção do Mar de Lorenzo Fernandez
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Francisco Mignone (1887-1986), foi um dos maiores compositores de canções. Ao todo escreveu 165 canções para canto e piano e, é um dos prediletos dos cantores eruditos, embora não tenha sido um compositor exclusivamente nacionalista, teve seus melhores momentos na música de inspiração brasileira. A curiosidade nas peças que temos no catálogo (e felizmente estão todas) é que Mignone mostra predileção pelas vozes de tessitura aguda. Não utiliza, porém, agudos muito altos, talvez sua intenção seja obter mais brilho, o que se torna um desafio interessante aos cantores que devem conquistar boa dicção nesta região. Exemplo 3. Cantiga de Francisco Mignone
O sva ldo Lacerda (1927) compôs sua segunda Cantiga em 1964, por não estar completamente satisfeito com a primeira cantiga de 1950. Segundo Mariz (2002), a primeira ficou mais interessante.
Exemplo 4. Cantiga de Osvaldo Lacerda
Heitor Alimonda (1922-2002), professor na Escola Nacional de Música da UFRJ, compôs sua Cantiga com um andamento mais movido.
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Exemplo 5. Cantiga de Heitor Alimonda
O segundo poema mais musicado, com 7 canções, foi A Estrela de 1940, que trata de algo distante, inatingível. As melodias da primeira frase destas canções ora são tratadas ascendentemente, ora descendentemente. Podem ser com saltos ascendentes como a de Ricardo
Tacuchian (1939), ou, ter um caráter impressionista como a do compositor Almeida Prado (1943).
Exemplo 6. A Estrela de Ricardo Tacuchian
Exemplo 7. A Estrela de Almeira Prado 60
Temos outros exemplos de composições de A Estrela como a canção de Guilherme
Bernstein (1968) e de Mignone.
Exemplo 8. A Estrela de Guilherme Bernstein
Exemplo 9. A Estrela de Francisco Mignone
O Madrigal31 que foi composto 7 vezes com o caráter similar a de um madrigal antigo tem várias interpretações, conforme mostramos a seguir: De Frutuoso Viana (1896-1976) o poema madrigal foi intitulado Canção da Jamaica .
O madrigal aborda assuntos heróicos, pastoris, e até libertinos. Por sua flexibilidade, que nenhuma outra forma musical havia até então oferecido aos músicos, assim como pela variedade dos textos sobre os quais se constrói, ele favorece a imaginação criadora e o lirismo de expressão. (Grove on line) 31
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Exemplo 10. Canção da Jamaica de Frutuoso Vianna
Marcelo Tupynambá (1889-1953), tem uma canção de estilo romântico e não muito representativa deste compositor.
Exemplo 11. Madrigal de Marcelo Tupynambá
Helza Cameu (1903-1995), uma compositora extremamente dedicada à cultura brasileira compôs uma canção com muito lirismo.
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Exemplo 12. Madrigal de Helza Cameu
Das cinco canções de O Menino Doente vamos exemplificar as de Mignone e Lacerda. Em suas frases iniciais cada compositor constrói de maneiras diferentes, apenas no acompanhamento são utilizadas semibreves apoiando a melodia como um pedal.
Exemplo 13. O menino Doente de Osvaldo Lacerda
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Exemplo 14. O menino Doente de Francisco Mignone
Azulão foi certamente foi o maior sucesso de Jaime Ovalle (1894-1955). Uma miniatura
de música de 16 compassos onde o amor é transportado pelo pássaro com grande lirismo. O motivo rítmico (colcheia, semínima, colcheia) que Bandeira colocou na letra “vai azulão, azulão companheiro” se assemelha à utilizada por Lacerda em sua Cantiga I “nas ondas da praia nas ondas do mar”.
Exemplo 15. Azulão de Jaime Ovalle
Exemplo 16. Cantiga I de Osvaldo Lacerda
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Bandeira, com sua musicalidade, soube encontrar na prosódia elementos que rimassem e ritmassem a melodia de Jaime Ovalle. Em 1926, Bandeira fez a maior propaganda deste compositor e instrumentista. Ao encontrá-lo, Mário de Andrade ficou encantado, mas viu que Ovalle não tinha instrumental, ou seja, não tinha meios para formalizar a arte, e nutria planos ambiciosos. Este talentoso, espirituoso e filosófico artista, segundo definição do jornalista Humberto Werneck, em recente livro O Santo Sujo (2008), costumava freqüentar os bairros cariocas da Lapa, Glória, Largo do Machado, bebendo com amigos nos cafés Lamas, reduto de intelectuais e jornalistas, que madrugavam nas redações. Arrastava Bandeira para sua boemia.
Camargo Guarnieri (1907-1993) compôs uma melodia para a letra que Bandeira criou para o Azulão de Ovalle. Chamada Vai, Azulão , podemos apreciar os diferentes caminhos que uma letra pode impulsionar o compositor. co mpositor.
Exemplo 17. Vai, Azulão de Camargo Guarnieri
A canção brasileira é de extrema riqueza e tem como inspiração retratar os costumes e sua história. Seus ritmos podem ser fortes como os atabaques dos ritos de umbanda ou tão seresteiras seresteiras como Coração Incerto de José Vieira Brandão (1911-2002) ou, a Modinha de Radamés
Gnattali (1906-1988) que poderia ser cantada em qualquer apresentação de seresta.
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Exemplo 18. Modinha de Radamés Gnatalli
Ou ainda ser descritiva como Trem de Ferro de José Siqueira (1907-1985), onde podemos ouvir o som de um trem.
Exemplo 19. Trem de Ferro de José Siqueira
Na música contemporânea, ou período pós-nacionalista, que compreende a década de 40 até os dias de hoje, a música brasileira viveu movimentos de nacionalização e de
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internacionalização. O movimento Música Viva, de 1939, liderado pelo compositor e professor alemão Hans Joachim Koellreuter (1915-2005), introdutor da música dodecafônica no Brasil. Entre as propostas desse movimento expressas em documentos e manifestos, estavam, entre outras, cultivar a música contemporânea de todas as tendências, considerada como a expressão da época; promover uma educação musical ampla, revendo conceitos e posições doutrinárias; e, lutar pela liberdade e pela criação de formas novas na música brasileira. Os integrantes do Música Viva promoveram concertos pelo Brasil, apresentando obras em primeiras audições, atuaram na formação de músicos e de público, divulgaram suas idéias em artigos e boletins, publicaram composições e ainda apresentaram um programa semanal na Rádio Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, divulgando um repertório pouco conhecido de música de várias épocas, além de primeiras audições de criações dos compositores participantes e muita música do século XX. Tudo isso representou uma nova dinâmica na vida musical, movimentando-a em direção à modernidade e apontando para o desenvolvimento de novos tempos. Ao lado de Koellreuter, participaram do Movimento Música Viva: Cláudio Santoro, Edino Krieger, Ester Scliar, Eunice Katunda, Guerra Peixe, Geny Marcondes, Marlos Nobre entre outros. De Marlos Nobre (1939), que é uma compositor de extrema importância para a música brasileira, não temos canções para exemplificar, pois este compositor não musicou, até os dias de hoje, nenhuma poesia de Bandeira. De Edino Krieger (1928) temos o Desafio como seu único representante da união poesia/música com Bandeira. Sua rítmica e sua melodia com uso da quinta diminuta (lá #) na melodia sobre o acorde de Mi Maior, denotam seu caráter de música nordestina.
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Exemplo 20. Desafio de Edino Krieger
Guerra Peixe (1914-1993) que procurou conciliar a música serial com elementos nacionais tem em seu Vou-me embora pra Pasárgada sua única inspiração Bandeiriana. Esta poesia que Bandeira burilou em diversas tentativas, demorou muitos anos para concluí-la. Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o nome “pasárgada”, campo dos persas, num autor grego e imaginou um jardim das delícias. Vinte anos depois, na Rua do Curvelo, desanimado pelos impedimentos da doença, saltou-lhe o grito: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Conta o poeta em seu Itinerário pra Pasárgada: “Senti na redondilha a primeira célula do poema”. Tenta escrever, mas fracassa. Anos depois, “o mesmo desabafo de evasão da ‘vida besta’. Desta vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim”. Os elementos musicais usados como, parte cantada e falada, podem nos remeter a uma ambigüidade entre o mundo real e o imaginário. E a parte em que o poeta expõe seus sentimentos mais profundos e mais uma vez traz o tema da morte, o compositor utiliza tons menores, numa quebra abrupta, juntamente com a letra, trazendo de volta ao ritmo inicial mais movido. Observe no exemplo 21 os versos de tamanhos desiguais proporcionando ao compositor a possibilidade de criar seções contrastantes de diversos matizes
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Exemplo 21. Vou me embora pra Pasárgada de Guerra Peixe
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É muito provável que todos conheçamos Bruno Kiefer (1923-1987) mais por sua importante obra musicológica registrada em livros como: História e significado das formas musicais (1976), História da música brasileira (1977), A modinha e o lundu (1977), Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira (1981) do que pelas canções. Sua única canção foi O Menino Doente.
Ernst Mahle (1929), alemão, radicado no Brasil desde 1951, é autor de várias canções muitas delas de mérito, como a Série sobre poemas de Bandeira de 1961 a 1963.
Kilza Setti (1932), compositora, pesquisadora e etnomusicóloga, compôs duas canções Cantiga e A Estrela, ambas encontram-se no Centro Cultural de São Paulo para pesquisa.
Lourenço da Fonseca Barbosa (1904-1997), mais conhecido como Capiba era filho de uma família de músicos, seu pai foi maestro da banda municipal de Surubim. Escreveu mais de 200 canções, em sua maioria de frevos, mas também sambas e música erudita. Várias são sempre lembradas nos carnavais de Pernambuco como por exemplo: São do Norte os que Vêm, Valsa Verde, É de Tororó, É de Amargar, Quem Vai Pro Faról é o Bonde de Olinda. Compôs 9
canções com poema de Bandeira, entre elas D. Janaína
Exemplo 22. D. Janaína de Capiba
Dos jovens compositores temos, Ernesto Hartmann (1970), com Três ponteios,
Guilherme Bernstein Seixas (1968) que é atualmente professor de regência orquestral e regente da Orquestra da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), compôs quatro 70
canções e Luciano Leite Barbosa (1986) que é bacharelando do curso de Música - Habilitação Composição, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, criou uma peça para mezzo soprano e piano a pedido da autora deste trabalho. A canção Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada com característica atonal, mostrando outras
possibilidades para a voz.
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Exemplo 23. Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada de Luciano Leite Barbosa
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A diversidade de compositores que elegeram Bandeira como poeta, mostra que a musicalidade de seus poemas é universal, atemporal e abrangente. Marques (2003) em sua dissertação desenvolveu uma vasta pesquisa sobre esta musicalidade. No próximo capítulo apresentamos uma análise comko duas sugestões interpretativas para duas canções do poema Cantiga, uma de Tacuchian e outra de Lacerda, apontando a musicalidade de Bandeira dentro do
universo da música de câmara câ mara brasileira.
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CAPÍTULO III ANÁLISE E SUGESTÕES INTERPRETATIVAS: CANTIGA 3.1 Análise literária do poema
Cantiga
Através da comparação entre duas canções com o mesmo poema, tentaremos, responder algumas de nossas questões iniciais de pesquisa, como, por exemplo, os elementos encontrados na poesia de Manuel Bandeira que podem servir de material inspirativo para se compor uma canção. Para esta análise literária inicial utilizamos como referência a comunicação O Modernismo Luso-Brasileiro a um Passo da Idade Média da Dra. em Literaturas de língua
portuguesa Elizabeth Dias Martins, apresentada no 2º Colóquio do PPRLB (Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso Brasileiras) em 2004, no Real Gabinete Português do Rio de Janeiro e a dissertação de mestrado de Luciana Monteiro de Castro Dutra Crepúsculo de Outono Op 23 N2, para canto e piano de Helza Cameu: Aspectos Analíticos, interpretativos e biografia da compositora. Em Martins (2004) encontramos manifestação do medievalismo a partir dos títulos
de poemas que escreveram como uma “cantiga”, confirmando a presença de resíduos remanescentes da Idade Média galego-portuguesa na obra dos modernistas brasileiros como Manuel Bandeira. Dutra (2001) aponta formas de análise de canções através do conhecimento do poema e da análise musical.
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3.1.1 Origem dos versos Cantiga Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero descansar Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a Estrela D’alva Rainha do mar Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar Carlos Ceia define claramente em seu verbete o que é uma cantiga: “Durante o século XV, uma cantiga corresponde a uma composição curta, geralmente em versos de redondilha maior. O assunto da cantiga renascentista é invariavelmente o amor, a ausência e o sofrimento único do homem. Bernardim Ribeiro e Camões escreveram algumas das mais singulares cantigas portuguesas. Depois da tradição trovadoresca e dos registros clássicos, o vocábulo cantiga evoluiu para toda e qualquer composição poética, não muito extensa e de versos curtos, que se destina a ser musicada.” (CEIA, 2005) Camões, o grande poeta lusitano, escreveu várias redondilhas menores, que poderiam ter sido musicadas pelos compositores de sua época e pelos contemporâneos, devido aos elementos poético-musicais encontrados nela, desenvolvidas mais adiante neste capítulo. Alguns dos elementos poéticos que o poema Cantiga apresenta principalmente, são: (1) a lentidão com pouca variação rítmica; e (2) a simplicidade que favorece composições curtas, de fácil memorização, portanto de fácil assimilação por parte do público.
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3.1.2 Origem do tema de Cantiga O poema Cantiga, de Bandeira, pertence ao livro Estrela da Manhã (1936). É um texto popular e que propicia margens a várias interpretações. Por exemplo, Davi Arrigucci Jr diz ter a impressão de uma fala de devaneio neste poema, onde a simplicidade é tanta, que surpreende, até para uma poesia já por si tão simples. “É como se o poeta conversasse consigo mesmo num entressonho, dando vazão ao que vai na lama, em quadrinhas despretensiosas, líricas e musicais.(...) Música e sonho, com seu poder encantatório, parecem guardar ainda vibrantes no poema os ecos das origens simbolistas de Bandeira.(...) Este poema é mais complexo e profundo do que parece à primeira vista, o paradoxo da limpidez bandeiriana assume aqui um grau agudo, porque está de fato diante da “verdadeira profundidade.” (ARRIGUCCI, 1990, p. 166) Para Luis Câmara Cascudo (2001) em seu Dicionário do folclore brasileiro, a relação estabelecida pelo poeta entre a estrela d’alva (Vênus) e Iemanjá não parece encontrar apoio no candomblé dos iorubas e, muito provavelmente o aproveitamento de Bandeira tenha dependido de seus contatos com a macumba carioca. No seu artigo “ O Modernismo Luso-Brasileiro a um Passo da Idade Média ” de 2004, publicado no Real Gabinete Português, Martins argumenta que se trata de um poema existencialista: "Cantiga" é uma barcarola, pois o eu-poético está diante do mar, confessando o desejo de aplacar suas dores nas ondas da praia. A água do mar o fascina e aparece com poder de purificação: "Nas ondas da praia/Nas ondas do mar/Quero ser feliz/Quero me afogar. (...) Quero ser feliz/Nas ondas do mar/Quero esquecer tudo/Quero descansar." O afogamento no mar é razão de felicidade e o eufemismo da última estrofe reforça esta idéia, pois morrer no mar seria uma forma de livrarse de tudo e descansar. "Cantiga" traz, portanto, relação formal com a Idade Média, porém a temática é inovadora, pois, a coita não parece ser de amor e tem matiz existencial. O sujeito do poema deseja a paz que não alcança e o amor é celebrado pelo beijo da "estrela-d'alva/Rainha do mar", por quem anseia ser beijado, o que não deixa de ser uma ligação com o idealismo platônico das cantigas de amor trovadorescas. (MARTINS,2004)
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Vasco Mariz (2002) aponta que a melodia que surge do texto poético pode receber diversas versões musicais por compositores de preparo técnico diferentes, ou orientados por correntes estéticas díspares. Surge daí um questionamento sobre o caráter ou ambiência que a música deve dar àquele poema. Tal questionamento também é levantado pelo próprio Bandeira em seu Itinerário de Pasárgada, onde confessa: “Os músicos sentem que poderão inserir a sua musicalidade – de música propriamente dita – naquela musicalidade subentendida, por vezes inexpressa, ou simplesmente indicada. Percebem que sua colaboração não irá constituir uma superestrutura, mas que se fundirá com a obra poética, intimamente (...) Mas vejo que fui sendo arrastado para problemas que não são de minha arte e que jamais eu poderia resolver. (...) Os músicos é que poderão explicar a preferência, sendo muito provável que os motivos não sejam os mesmos para todos.”(BANDEIRA, 1984, p.78-79) Segundo esta colocação de Bandeira não lhe parecia simples a arte de escrever poemas que poderiam vir a ser musicados. Logicamente os compositores têm preferências pessoais que nenhum poeta pode sempre agradar. Mas, sem dúvida, pelas estatísticas positivas apresentadas neste trabalho, sendo árdua ou não a sua tarefa, Bandeira fazia sucesso com os compositores. 3.1.3 Morfologia e sintaxe O primeiro evento que chama atenção é a insistência do verbo querer, que aparece conjugado na primeira pessoa do singular (quero), em todas as estrofes. Na primeira, duas vezes, na segunda uma vez, e na terceira três vezes. Querer que é ter vontade de fazer (MOISÉS, 1967), ou conseguir fazer alguma coisa parece manifestar o forte desejo do poeta em encontrar seu sossego. Pela ordem de aparição temos uma seqüência: Quero ser, Quero me afogar, Quero a ..., Quero ser, Quero esquecer, Quero descansar, onde o verbo também aparece conjugado com outros verbos, denotando seu desejo de querer existir, querer para mim, querer alguma coisa, querer existir, querer perder a lembrança, querer tranqüiliza, o que reforça uma afirmação insistente de seus desejos. 77
Das 41 palavras do poema, incluso as repetições, nove são substantivos descritivos do lugar: ondas (repete duas vezes na primeira estrofe, e uma vez nas seguintes), praia (repete uma vez na primeira e uma vez na segunda estrofe), mar (repete uma vez em cada estrofe); e, três substantivos femininos: rainha e estrela, d’alva (= de alva), totalizando 12, mais ou menos 30%. Quatorze (34%) são verbos, sendo treze transitivos e um intransitivo, o que nos mostra que a intenção de “transitar”, pedir complemento é mais acentuada e, quatro repetições da preposição (em) de lugar nas (10%). Completando 26%, temos as 10 palavras restantes: três contrações da preposição de + artigo o = do, duas contrações da preposição de + artigo a = da, duas repetições do adjunto feliz, duas repetições do pronome pessoal me, um pronome indefinido tudo. 30% substantivos ondas, mar, praia rainha,estrela, alva
Quadro 3.1 Demonstrativo de aparição das palavras 34% 10% 26% verbos preposição contração, pronomes e adjunto quero, ser, afogar,vem nas de, do, da, feliz, me, beijar,esquecer,descansar tudo
Neste poema observamos que a pontuação auxilia não só a visualização da leitura como a compreensão do conteúdo. Encontramos ponto nos finais de cada estrofe, concluindo um pensamento. As frases do poema podem ser consideradas enunciativas e ativas, com exceção do verso 2 da segunda estrofe, onde temos uma frase interrogativa; quem vem me beijar? O que provoca quebra do ritmo pelo emprego do ponto de interrogação. 3.1.4 A construção do poema Segundo Arrigucci (2002), a primeira quadra do poema é composta por catorze palavras, seis das quais repetidas uma vez cada uma. A simetria da disposição espacial das palavras é certamente reforçada pela medida regular de cinco sílabas que formam as linhas do verso. Na leitura em voz alta sentimos o impulso ondulante do ritmo.
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Como efeito sonoro, a oposição entre praia e mar ressaltam um contraste. Os dois termos pertencentes ao mesmo campo semântico, se opõem pela diferença do espaço que representam: a orla e o interior in terior do mar. Já na segunda quadra, percebemos que a contradição aparece na disjunção destes dois termos usados na primeira quadra. Com sua forma interrogativa, o verso quem vem me beijar? e, a revelação do foco desejo nos dois versos finais quero a estrela d’alva, rainha do mar, coloca dúvidas da conveniência de estar nas onda da praia, ou seja, o lugar mais próximo do sujeito. A rima consoante entre beijar e mar coincide com a concordância entre o movimento do desejo, manifestando um possível traço erótico. O terceiro verso, ao ter sua inversão assumida: quero ser feliz, nas ondas do mar, reitera, com um efeito rítmico, a idéia de felicidade no interior do mar. Os dois versos finais, construídos com a anáfora (ver item 3.1.6: quero esquecer tudo, quero descansar , , parecem justificar a busca da felicidade que implica na morte, mas é descanso; descanso com relação ao que não se nomeia e, no entanto, se quer esquecer. 3.1.5 A métrica do poema O poema é composto de três quadras em redondilha menor, conforme a tradição popular da Idade Média. Das 41 palavras, foram encontradas, sem as repetições, dez monossílabas, seis dissílabas e quatro trissílabas. Sendo, cinco oxítonas e sete paroxítonas. O mais importante na métrica dos versos está no desvio de prosódia, como mostramos a seguir em todas as ocorrências do verbo Quero, onde a pronúncia se torna [kǫ'Ȏu]32 no lugar de ['kǫ.ȎȚ], dependendo do tratamento que o compositor der a esta questão. Lacerda, por exemplo, 32
Na representação fonética em IPA (International Phonetic Alphabet) o diacrítico ' aponta a sílaba tônica à sua direita, enquanto o ponto separa sílabas. Os demais símbolos no exemplo são: [ ǫ] para “e” aberto, [Ȏ] para “r” , com uma única vibração, intervocálico e [Ț] para “o” final átono, que é reduzido ou alçado (sobe em direção ao [u]) no português brasileiro.
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sinaliza a correção através dos tempos musicais nos compassos 11,12/17,18. Tacuchian resolve o problema através dos tempos musicais que seguem a prosódia variável dos versos. A seguir o poema dividido em sílabas com as acentuações tônicas sublinhadas. Cantiga
v1 v2 v3 v4
Nas/on/das/da/praia Nas/on/das/do/mar Que/ro/ser/fe/liz Que/ro/mea/fo/gar.
1º quadra
v1 v2 v3 v4
Nas/on/das/da/praia Quem/vem/me/bei/jar? Que/roaes/ter/la-/d’alva Ra/i/nha/do/mar.
2º quadra
v1 v2 v3 v4
Que/ro/ser/fe/liz Nas/on/das/do/mar Que/roes/que/cer/tudo Que/ro/des/can/sar.
3º quadra
3.1.6 Figuras de linguagem do poema e semântica Observamos alguns recursos sonoros que podem aumentar a musicalidade, ou expressividade do poema. Segundo Savioli (1983) e Arrigucci (1990), encontramos as seguintes figuras de linguagem: ANÁFORA e ALITERAÇÃO - Os dois versos iniciais constroem um contraste rítmico, nas ondas da praia, nas ondas do mar, são repetidos na segunda quadra: nas ondas da praia (v1) e na terceira quadra nas ondas do mar (v2), este paralelismo causado pela repetição produz um efeito sonoro interessante parecendo imitar as ondulações do movimento do mar. 1ª quadra Nas ondas da praia. Nas ondas do mar. Quero ser feliz. Quero me afogar •
3ª quadra
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•
Quero ser feliz. Quero esquecer tudo. Quero descansar
As seqüências finais dos versos da primeira quadra parecem continuar a imitação sonora pelo uso de anapestos (duas átonas e uma tônica): -das da praia/-das do mar, reforçada pela aliteração de várias consoantes /d/ , /p/ e /m/ o que pode ser associado ao estoura das ondas do mar. ANTÍTESE - É um elemento de dialética onde existe uma exposição de idéias opostas, encontrados aqui na primeira quadra, terceira e quarta estrofe. Neste caso feliz se opõe a afogar. Quero ser feliz e Quero me afogar. APÓSTROFE - A personificação e a invocação de uma entidade, no caso a estrela-d’alva atribuindo uma qualidade a ela de Rainha do mar. PLEONASMO - Neste caso encontramos um pleonasmo literário e não um vicioso onde o autor promove a redundância das palavras. Nas ondas da praia. Nas ondas do mar METALEPSE - Primeiro apresenta-se o conseqüente e depois o antecedente. Neste poema esta figura de linguagem aparece em todas as quadras. O lugar é apresentado primeiro e depois o que se deseja. Nas ondas da praia, nas ondas do mar ...Quero ser feliz ... ORDEM LÓGICA: Quero ser feliz nas ondas do mar Outro aspecto relevante para a execução da canção brasileira é a dicção que discutimos a seguir. Como por exemplo, o uso ou não de “r” rolados ou a palatização dos “s” e “t”.
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3.1.7 Dicção O estudo de dicção33 inclui a fonética que, segundo Louzada (1982), é subdividida em três áreas distintas: a) Fonética articulatória, a ênfase é dada na forma como os sons da fala são emitidos pelo aparelho fonador; b) Fonética acústica, estuda-se os sons da fala sob o prisma da Acústica, que é a parte da Física que estuda os sons em geral; c) Fonética auditiva, estuda-se como os sons da fala são tratados pelo aparelho auditivo e como são decodificados e compreendidos pelo cérebro humano. Iremos focar na fonética articulatória por ser a abordagem mais adequada para o estudo da dicção no canto. Uma boa dicção não deve comprometer a qualidade da voz, mas é o resultado da liberdade do instrumento vocal. Resulta do equilíbrio de certos fatores tais como vogais distinguíveis, consoantes iniciais e finais claras, articulação firme, porém flexível, e músculos linguais adequadamente posicionadas. Dicção e articulação resultam de fatores acústicos que se baseiam em uma forma apropriada do ressonador (trato vocal) e abrange o fluxo do texto e a precisão de como cada língua é cantada (Rubim, 2000, p. 88). Na verdade, segundo Rubim (2000) dois fatores principais interferem na compreensão do texto: (1) a competição sonora entre vogais (som propriamente dito) e consoantes (ruídos) no canto projetado, principalmente acima de D4 e (2) a entubação a que se refere o professor Tacuchian é decorrente de uma técnica inapropriada no tratamento do registro médio da voz, no qual o excesso de espaço oral e faríngeo perturbam os formantes que fazem com que as vogais sejam identificadas pelo ouvinte. Rubim aponta que a solução para este problema é evitar-se escrever canções nos registros agudos (mais adequados para óperas) e pensar no canto em
33
Do Latim “dictione” maneira de dizer;expressão;vocábulo (CARVALHO,1972)
82
português com uma aproximação maior da fala, com espaços reduzidos, e associar a isto uma articulação anteriorizada das consoantes. O compositor Ricardo Tacuchian acrescenta: “Eu procuro escrever de uma maneira que o cantor se sinta confortável para dizer a palavra. Há certas sílabas que são difíceis de entender na região aguda. E obviamente quando eu trabalho com orquestra e mesmo canto e piano, eu tenho que dar espaço pra voz. Não posso permitir que o instrumento cubra, que a orquestra cubra a voz.” (TACUCHIAN, 2007) Este cuidado precisa ser levado com afinco nos cursos de composição para que as obras de canto, acompanhada de instrumento ou orquestra, possam respeitar as restrições naturais, ou seja, físicas que a voz humana possui. 3.1.8 Pronúncia No uso da pronúncia dentro dos padrões eruditos, segundo o compositor Tacuchian, sua principal preocupação ao compor a canção é que seja bem compreendida. Ele aponta: “Temos algumas preocupações essenciais como a voz muito “entubada” com a qual não poderemos entender as palavras e o excesso de nasalidade, a qual também trará dificuldade de compreessão”. Para descrever a pronúncia34 do poema Cantiga decidiu-se pelo uso do IPA por três razões: (1) registrar sonoramente a pronúncia das palavras usando este alfabeto aceito por grande parte dos alunos e professores de canto nacional e internacional; (2) permitir que cantores estrangeiros, por exemplo, tenham acesso à pronúncia do poema, facilitando o seu estudo e ajudando a divulgar a música brasileira; (3) não deixar margens de dúvidas quanto à pronúncia, como aconteceu no Congresso Nacional da Voz Cantada de 1937, cujos registros fonêmicos foram dúbios e inconsistentes. Hoje não se pode falar em fonologia, pronúncia ou dicção sem uso dos símbolos fonéticos como o IPA. Emissão de vozes da linguagem falada; acto ou modo peculiar de pronunciar (CARVALHO, 1972) 34
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Com base na tabela publicada em 2008 na revista OPUS35 referente aos Anais do Congresso da ANPPOM de 2007, apresentamos a transcrição do poema em IPA. Cantiga
kãɪt ȓ i.g i.gǠ36
Nas ondas da praia nǠɪzõ.dǠz dǠ ɪpȎa.jǠ Nas ondas do mar nǠɪzõ.dǠz dȚ ɪmaȎ Quero ser feliz ɪkǫ.ȎȚ ɪseȎ feɪlis Quero me afogar. ɪkǫ.ȎȚ mja.fo ɪgaȎ Nas ondas da praia nǠɪzõ.dǠz dǠ ɪpȎa.jǠ Quem vem me beijar? ɪkǺ ɪvǺ mǺ beǺɪȢaȎ Quero a es tre la - d’alva ɪkǫ.ȎwǠ ǺsɪtȎe.lǠ ɪdaȚ.vǠ Rainha do mar. xaɪi. ȂǠ dȚ ɪ maȎ Quero ser feliz ɪkǫ.ȎȚ ɪseȎ feɪlis Nas ondas do mar nǠɪzõ.dǠz dȚ ɪmaȎ
35
Link da revista eletrônica Opus 13 - http://www.anppom.com.br/opus/opus13/202/02-Kayama_et_al.htm
36
O símbolo fonético adotado pelo Congresso da ANPPOM para representar o a nasal é um Ǡ com til ~. Para evitar inconsistências editoriais optamos por escrever o ã convencional utilizado pela fonte Lucida Sans Unicode, encontrada em todas as versões do Word. 84
A seguir encontra-se uma análise musical com base nos depoimentos dos compositores selecionados e tendo como referenciais teóricos: (1) Schoenberg, Funciones estructurales de la armonia, e (2) J. Zamaçois, Curso de formas musicales .
3.2 A canção Cantiga de Ricardo Tacuchian (1964) Para Tacuchian, o que o atraiu inicialmente ao poema, foi principalmente sua métrica com rimas e suas figuras de linguagem como a anáfora, por exemplo. Devido a esta repetição de palavras, o compositor sugere o ritmo do balanço do mar na mão esquerda do acompanhamento com a alternância das notas sol-sib, sol-si, e o compasso 3/4, onde, como Tacuchian exemplifica, ao juntar dois compassos de 3/4 teremos um 6/8 utilizado em uma barcarola. Que reforça a ondulação do mar. Para o compositor, o poema Cantiga de Bandeira, inspira nostalgia e fuga do mundo real para a fantasia. Quando o poeta fala em se afogar tem o sentido de se afastar daquilo tudo, descansar. E por ser o poema parecido com o estilo do poeta trovadoresco Martin Coda a melodia criada tem características híbridas, ao mesmo tempo medieval e moderna. O poema foi utilizado de forma completa, linearmente do princípio ao fim. Não houve repetições ou decapitações 3.2.1 Forma e harmonia A canção tem a forma tradicional ABA’ distribuída em 57 compassos com 4 compassos de introdução e apresenta um centro tonal em Sol. Sobre esta descrição Schoenberg acrescenta, “uma sucessão de acordes pode carecer de função, pode expressar inequivocamente uma tonalidade ou não requerer uma continuação concreta”.(SCHOENBERG, 1993)
85
A parte A vai do compasso 5 ao compasso 17 com dinâmica em pianíssimo. Na mão esquerda do piano ocorre alternância de acordes com alterações de (b9) e de (9/11), sem função harmônica definida, como se fosse um pedal, quase “ostinato”. Na mão direita os acordes se abrem, trazendo uma dinâmica que sugere mais brilho, até a conclusão do primeiro tema do canto com os versos 1 e 2 (nas ondas da praia, nas ondas do mar). Nos versos 3 e 4 (quero ser feliz, quero me afogar) o compositor repete a forma, porém dá um salto descendente de 7ª maior (lásib), o que intensifica a palavra afogar, realçando sua semântica. Este é um efeito de cor (“color
tone”) que pode ser usado pelo intérprete, pois, neste salto, tem a opção de usar mais mistura de “voz de peito” com ressonância baixa ou trazer um pouco de “cobertura”, fazendo com que a nota não soe tão profunda. O termo “voz de peito” se refere às ressonâncias que vibram na região do externo como resultado de uma coaptação mais intensa das pregas vocais e aumento de pressão na região dos graves da voz (abaixo de Mib 3 geralmente).Já o termo “cobertura” deriva de movimentos fisiológicos que envolvem adaptações posturais realizadas pelo véu palatino durante a emissão das diferentes vogais. O uso da “cobertura” propicia uma emissão fácil e fluida com brilho e igualdade na voz, mantendo a potência do som. É necessário que haja um aumento da pressão aérea causada pela ação dos músculos abdominais, de abertura das costelas por ação, principalmente, dos músculos intercostais e de colocação do som na "máscara", ou com ressonância nos seios da face, como forma de não se produzir uma emissão conhecida como "entubada". Como conseqüência do uso desta técnica, consegue-se um timbre aveludado e macio.(PACHECO; MARÇAL; PINHO, 2004) A parte B, do compasso 18 ao 29, inicia com dinâmica forte reafirmando o sib, que terminou a sessão anterior na melodia do canto, agora uma oitava acima, criando uma oposição à primeira (A) e terceira parte (A’). Neste momento o contraste já é percebido no poema, na 86
pergunta: Quem vem me beijar? Quero a estrela d’alva, Rainha do mar. O seu desejo não está mais em se afogar, existe uma fantasia do ideal feminino. No piano, os tons inteiros da escala pantonal, como acordes errantes37, aparecem com o baixo descendente e com as sucessivas 4as aumentadas (trítonos). Uma preparação no compasso 30 com o acorde de Fá maior, retorna à melodia do canto, que está agora no piano. Iniciando A’, a melodia do canto se repete como no início. Os versos 1 e 2 (Quero ser feliz/Nas feliz/Nas ondas do mar) e 3 e 4 (Quero (Quero esquecer tudo/Quero descansar). Porém, a palavra “descansar” repousa na nota ré♭, sendo mantida até o final com a afirmação do piano em um diminuendo em oitavas. A canção é finalizada com uma dinâmica lentamente decrescente, como se fosse atingido o desejo de descanso sugerido pela poesia. Os parâmetros analíticos propostos por Jean LaRue relativos ao som baseiam-se nas observações da dinâmica, da textura e do timbre. (LaRue apud Dutra, 2001) que serão discutidos a seguir. 3.2.2 Dinâmica e timbre O esquema a seguir resume concisamente as dinâmicas encontradas na linha melódica do canto. Ao analisarmos a partitura verificamos que a canção tem textura homofônica e timbre mais densa na seção B, devido ao aumento de massa sonora como acordes em oitavas e trítonos.
37
Acordes errantes não tem uma definição tonal.(TACUCHIAN, 2007) 87
Moderato.
Introdução V1. Nas ondas da praia
(1 – 4) V2. Nas ondas do mar (5 – 10)
pp
A V3 Quero ser feliz
V4 Quero me afogar (12 – 17)
p
V1
V2
Nas ondas da praia
quem vem me beijar (18 – 23)
f
diminuendo ............................................
V3
V4
B
Quero a estrela estrela d’alva rainha do do mar ( 24 – 29)
V1 Quero ser feliz
pp
V2 nas ondas do mar (40 - 45)
V3
V4
Quero esquecer tudo
quero descansar (47 – 54)
A’
Sumindo
88
3.3 A Canção Cantiga I (1950 revisada em 1974) de Osvaldo Lacerda Em entrevista concedida para esta autora, Lacerda, falou a respeito dos três importantes ítens que ele utiliza como compositor: a) A motivação: o impulso que o faz musicar esta ou aquela peça – pode ser uma leitura de um poema, um ritmo brasileiro que o chama atenção ou, no seu caso específico, muitas vezes sua motivação inicial vem através da idéia de um fragmento musical; b) A inspiração: aquele caminho escolhido para compor; c) A técnica: esta tem que estar a serviço do compositor. Lacerda aponta que se deve conhecer bem todas as técnicas composicionais, a harmonia, o contraponto, a orquestração para usá-las como ferramenta para a sua criação. A técnica, segundo Lacerda, ajuda a manter a unidade de composição da peça do início ao fim. Quando lhe perguntamos porque ele musicou tantos poemas para canto e piano, e para coro, com textos de Manuel Bandeira, pois queríamos saber o que lhe chamava atenção nestes textos, Lacerda respondeu: “(...) Conheci pessoalmente Manuel Bandeira perto do ano em que faleceu (1968). É o meu poeta preferido, suas poesias já inspiram canção. Gosto muito do Poemeto Erótico onde a sua sutileza em falar do desejo para com uma mulher se estabelece na redondilha, ou seja, no verso da poesia.” Lacerda compôs duas canções para o poema Cantiga, a primeira em 1950 com revisão em 1974 e a segunda em 1964. Segundo Mariz (2002), estão muito bem escritas, apesar do compositor não ter ficado completamente satisfeito com o resultado da primeira cantiga, por isso, talvez, tenha feito uma revisão em 1974. Contudo, dez anos antes, em 1964, tentou criar outra canção com este mesmo poema, que no entender do crítico não apresentou maior avanço técnico sobre a primeira, e “com o inconveniente que pareceu menos inspirada.” Faremos uma análise da Cantiga I , por ter sido mais executada pelos p elos intérpretes atuais.
89
A canção tem 44 compassos sendo os quatro primeiros a introdução. O motivo rítmicomelódico da canção parece ter sido a inspiração inicial da composição, como o próprio Lacerda admitiu. 3.3.1 Forma e harmonia Esta canção tem uma forma tradicional AABA’ mais uma codeta, onde o compositor dilata a poesia. A primeira e a segunda quadras são aproveitadas na 1ª parte da música (A). A terceira quadra introduz a 2ª parte da música (B). No retorno (A’), a primeira parte da música é repetida com a 1ª e a 2ª quadra da poesia. A codeta segue finalizando com o 2º e 4º versos (Nas ondas do mar/Quero descansar). A parte A segue do compasso 5 e vai até o 13, no ritornello completa esta parte do compasso 14 até o 21, onde inicia, na casa 2, a parte B, que vai do compasso 22 até o 30. Voltamos a ver o primeiro tema apresentado iniciando A’, que vai de 31 até 39. De 40 a 44 apresenta-se a codeta. O caráter da música, pela sugestão do autor, é sem pressa metrônomo com a mínima = 56. É uma canção com características modais menor, modo Dó dórico, tem caráter modal. Na
parte A, encontra-se o modo eólio em Dó, flertando com o modo Fá dórico. Os encadeamentos de V– I (dó eólio) – IV (dórico em fá) – I – IV – I – V – IV – VII - I. Na parte B, a tonalidade gira em torno do relativo maior, Mi♭, III grau, sendo que também é utilizado o seu homônimo menor de empréstimo nos compassos: 17 (lá♭ menor IV grau menor), 19 (si♭ menor V grau) e 21 (ré♭ VII♭ grau) e , os encadeamentos são: I - V (com 5 aumentada e sétima) - I (mi♭ com sétima maior) – I - IVm – I – Vm – I – VIIb – I do tom relativo ou, III de Dó menor (tom inicial) que com Sol menor do compasso 23 faria uma modulação com este acorde que pode ser chamado
90
de pivô V - I (volta a Tônica Dó menor) . A’ com a codeta está encadeado da seguinte forma: I (eólio) – V – I – IV (dórico) – I – VI – I – IV – VII – I – I – IV – I terminando o ultimo acorde dórico com 4ª aumentada o que nos remete ao início. 3.3.2 Dinâmica e timbre Quanto ao colorido, é uma marca registrada do estilo de Lacerda o uso de crescendos e diminuendos. Sua textura é homofônica. Nesta canção, principalmente, o movimento das ondas é sentido nesta dinâmica, sendo que o único compasso em que a escrita está f é no compasso 41. Possivelmente, o compositor reforçou a idéia mestra do poema, sua localização externa e a interiorização, na palavra mar apoiado em um acorde de Fá maior (IV grau da tônica menor). Fecha a canção com uma cadência plagal. Sem pressa
V1 Nas ondas da praia
V2 Nas ondas do mar (5 – 7)
V3 Quero ser feliz
V4 Quero me afogar (7 – 9)
mp
V1 Nas ondas da praia
V2 Nas ondas do mar (9 – 11)
V3 Quero ser feliz
V4 Quero me afogar (11 – 13)
A
91
V1
V2
Nas ondas da praia
quem vem me beijar (13 – 15)
V3
V4
Quero a estrela estrela d’alva rainha do mar (15 - 17)
A V1 Nas ondas da praia
V2 quem vem me beijar (17 – 19)
V3
V4
Quero a estrela d’alva rainha do mar (19 – 21)
V1 Quero ser feliz V3 Quero esquecer tudo
V2
mp
nas ondas do mar (21 – 23) V4 quero descansar ( 23 - 25 )
B V1 Quero ser feliz
V2 nas ondas do mar (25 – 27)
92
V3
V4
Quero esquecer tudo
V1.
quero descansar (27 - 30)
V2.
Nas ondas da praia V3 Quero ser feliz
A’
Nas ondas do mar (31-33) V4 Quero me afogar (33-35)
V1
V2
Nas ondas da praia
quem vem me beijar (35-37)
V3
V4
Quero a estrela d’alva rainha do mar (37-39)
A’
Nas ondas do mar quero descansar (40 – 44)
Codeta
93
Quadro 3.2 Parâmetros literários e musicais
Canção para canto e piano
Ricardo Tacuchian
Osvaldo Lacerda
Título da canção Ano da composição
Cantiga 1964
Cantiga 1950 (revisada em 1974)
Parâmetros literários Autor do poema
Manuel Bandeira
Manuel Bandeira
Temática do poema
eu-poético está diante do mar, nas ondas da praia, confessando sua angústia Parâmetros musicais
Som
Harmonia
Dinâmica
De pp a f
De p a mf. Com um f no acorde de fá na coda
Caráter
Nostálgico
Expressivo
Tonalidade
Em torno de Sol
Dó menor dórico e fá eólio
Homofônica
Homofônica
3/4
2/2
Textura Ritmo
Fórmula de compasso Andamento
Padrões rítmicos
Melodia
Extensão Padrões melódicos
Forma
Moderato
No piano: mínima e semínima na mão esquerda e no segundo tempo da mão direita acorde de mínima no segundo tempo No canto: semínima alternado com mínima Sib 2 a Ré 4 No canto: Parte A intervalos ascendestes Consonantes. Parte B interv desc. com finalização em salto de 4ª ABA’
Sem pressa mínima = 56
No piano: semínima pontuada, colcheia, duas semínimas No canto: colcheia, semínima, colcheia Dó 3 a Fá 4 No canto: saltos asc. De 5ª e 4ª e desc. 2ª e 4ª
AABA’ codeta 94
3.4 Sugestões interpretativas a partir das análises comparativas das canções As duas canções escolhidas para este trabalho, são para canto e piano e muito contrastantes e por essa razão merecem atenção especial no que se refere às diferenças no momento de sua execução. Tacuchian optou por utilizar o poema inteiro sem modificá-lo, isto nos dá o sentido completo do poema. Lacerda, dilatou repetindo a primeira quadra inteira e depois com a mesma melodia repete a 2ª quadra inteira. Na parte B, criou melodia para a 3ª quadra, da mesma forma, repetindo-a. Finalizou com a reafirmação do lugar (nas ondas do mar) e a principal ação desejada (quero descansar). 3.4.1 Forma e harmonia A canção de Lacerda tem a forma AABA’ e a de Tacuchian ABA’ codeta. A canção de Lacerda apresenta caráter modal e a de Tacuchian é atonal livre.
3.4 Sugestões interpretativas a partir das análises comparativas das canções As duas canções escolhidas para este trabalho, são para canto e piano e muito contrastantes e por essa razão merecem atenção especial no que se refere às diferenças no momento de sua execução. Tacuchian optou por utilizar o poema inteiro sem modificá-lo, isto nos dá o sentido completo do poema. Lacerda, dilatou repetindo a primeira quadra inteira e depois com a mesma melodia repete a 2ª quadra inteira. Na parte B, criou melodia para a 3ª quadra, da mesma forma, repetindo-a. Finalizou com a reafirmação do lugar (nas ondas do mar) e a principal ação desejada (quero descansar). 3.4.1 Forma e harmonia A canção de Lacerda tem a forma AABA’ e a de Tacuchian ABA’ codeta. A canção de Lacerda apresenta caráter modal e a de Tacuchian é atonal livre. 3.4.2 Melodia A dicção também é afetada pela tessitura da canção. A Cantiga de Lacerda procura transitar pela melodia sem que a prosódia seja afetada, mas nos compassos 7 e 8, a tessitura aguda perturba a inteligibilidade do texto. Isto se deve à competição sonora entre as vogais e as consoantes. Quanto mais agudo um som, maior a projeção da vogal, maior a estridência vocal, que compete com as consoantes que são produzidas em freqüências altas próximas às freqüências do formante do cantor, responsável por tal estridência (Rubim, 2000). Porém, esta canção parece remeter-nos a uma prosódia de música francesa, devido ao emprego do acento silábico atenuado. Segundo Thomas Grubb (1979), a acentuação tônica “stress” – ou, a ênfase dada a algumas sílabas mais que outras, pode afetar a qualidade sonora. Na canção francesa, não existe acento tônico comparado com as outras línguas, podemos situar a canção de Lacerda neste universo onde, por exemplo, a alteração de acentuação da
95
palavra Quero no salto de 4ª nas notas sol3 – dó4 do compasso 7, pode apresentar problemas para sua emissão. Contudo, se pensarmos nesta técnica de atenuar a sílaba tônica, poderemos conseguir um efeito, uma equalização que seja semelhante ao utilizado para entoar as canções francesas. Por outro lado, quando a autora deste trabalho teve a oportunidade oportunidade de cantar a Cantiga de Lacerda, para o primeiro intérprete desta canção, o cantor Eládio Perez Gonzalez, uma das colocações feita por Eládio, foi para termos atenção para a este momento de dificuldade apresentada na palavra dissílaba Quero, que sendo paroxítona, traz realmente uma tendência à ininteligibilidade, devido ao seu desvio de prosódia, visto que, a sílaba tônica Que, e o ritmo da melodia (colcheia) leva o intérprete a acentuar a sílaba átona ro. Veja o exemplo: 7
Exemplo 3.1: Cantiga de Lacerda compasso 7 Uma outra solução para os problemas de prosódia é o conceito de “note groupping” de James M. Thurmond 38. Na Cantiga de Lacerda o intérprete poderia reagrupar as colcheias e recriar uma acentuação que respeitass r espeitassee a tonicidade das palavras. Thurmond menciona em seu livro sobre a importância da Arsis, onde a primeira nota do compasso deve ser considerada tão importante quanto a thesis devendo ser dada a ela mais acento. E continua, sugerindo que lêssemos a música “over the barlines” 39
38
James M. Thurmond (1909-1998). Professor de música da Navy School of Music em Washington que criou método baseado no conceito arsis-thesis (valorizando as anacruses), abrangendo temas como o ritmo. 39 sobre as barras de compasso. 96
Esta possibilidade pode amenizar o problema de prosódia desta canção e de outras situações semelhantes na música de câmara brasileira. Quanto à extensão, a canção de Lacerda é mais ampla, de 11ª. Porém, o compositor não ultrapassa a nota mi bemol 4 no decorrer da música, pois, se tivesse que emitir a nota mi 4 (natural) repetidas vezes, estaria em uma das passagens de mezzos ou barítonos, talvez dificultando sua emissão. A nota mais aguda se dá apenas na nota fá 4 no final da canção, atingida por um salto de sétima maior, que denota um caráter de finalização para a canção. Como vemos no exemplo 3.2, compasso 41.
40
41
Exemplo 3.2: Cantiga de Lacerda compassos 40 e 41 Lacerda explora mais os intervalos de 3ª e 5ª, passeando pelos arpejos das escalas. Tacuchian mantém a canção na faixa central da voz, sugerindo uma voz falada, o que ajuda a manter a inteligibilidade, com exceção do compasso 16, que escreve um salto de 7ª maior descendente. Sugerimos que se acentue a nota com voz de peito “coberta”, para não pesar este trecho, e no compasso 51 o salto descendente de 5ª aumentada, para terminar, sugere-se descansar na nota ré♭ ré ♭. Os padrões melódicos das canções são bem divergentes. Lacerda dilui a melodia do canto, arpejando sobre os modos aplicados, enquanto Tacuchian utiliza basicamente movimento diatônico.
97
3.4.3 Ritmo A canção de Lacerda está escrita no compasso binário simples 2/2 e, de Tacuchian no compasso ternário simples 3/4. O andamento é outro fator que pode favorecer ou dificultar a inteligibilidade das palavras. No caso, ambos compositores optaram por um andamento relativamente calmo, permitindo uma adequada produção dos fonemas, e uma dicção cuidada. Os padrões rítmicos das canções são bem diferentes entre si. Lacerda utiliza unicamente dois acordes de tétrade que se localizam na codeta nos compassos 40 e 41 (ver exemplo 3.2. Com isso, ele afirma, o que julga ser a frase mais importante e conclusiva do poema: “Nas ondas do mar, quero descansar”.
Exemplo 3.3: Cantiga de Lacerda compassos 40 – 42
No geral, a canção de Lacerda sugere uma sensação de instabilidade, de ondulação gerada por uso de arpejos, quase lembrando uma harpa. Tacuchian apresenta na parte A, trítonos na mão direita, e, na parte B (exemplo 3.4), trítonos na mão direita e oitavas na mão esquerda. E a melodia do canto, move a linha da poesia de forma que a acentuação cai em lugares que correspondem à métrica da poesia.
98
Exemplo 3.4. Cantiga compassos 24 à 29
3.4.4 Dinâmica Quanto ao colorido e ambiência podemos observar semelhanças. Lacerda (ex 3.5 a) e Tacuchian (ex 3.5 b) fazem uso dos crescendos no membro de frase “quero ser feliz” e diminuendos no membro de frase “quero me afogar”. Podemos supor que esta dinâmica parece ser inspirada na reprodução das ondas do mar. No caso de Lacerda, esta dinâmica é repetida nos compassos 11 e 12; 23 e 24; 27 e 28; 33 e 34; 37 e 39.
Exemplo 3.5 Cantiga de Lacerda compassos 7 e 8
99
Exemplo 3.6 Cantiga de Tacuchian compassos 12, 13, 14, 15
Quanto à fraseologia na canção de Tacuchian, os membros de frase são binários formando uma frase afirmativa, contendo dois incisos cada, o que nos remete à explicação do próprio compositor quanto à possibilidade de comparar o compasso 3/4 desta canção a uma barcarola em 6/8, já que estes dois membros de frase Nas ondas da praia, nas ondas do mar, concluem os versos 1 e 2, induzindo um movimento cíclico pois a Arsis estaria em Nas ondas da e a Tesis na sílaba praia, continuando nas ondas do, Arsis e, Thesis na palavra mar.
Exemplo 3.7 Cantiga de Tacuchian compasso 5 à 10
Na canção de Lacerda os incisos são também o motivo: colcheia, colcheia, semínima
100
Exemplo 3.8 Cantiga de Lacerda: inciso
Este evento pode, também, propiciar a sensação cíclica que esta canção produz. O piano (ex. 3.9) reafirma em vários momentos quando a anacruse é sincopada na mão direita ficando sem a arsis estabelecida.
Thesis
Arsis
Exemplo 3.9 Cantiga de Lacerda compasso 11 3.4.5 Textura Outra questão que deve ser apresentada neste trabalho é a textura do acompanhamento. Os pianos de cauda modernos apresentam cada vez mais projeção e brilho, por se tratarem de pianos de concertos. Os grandes teatros e as grandes orquestras exigem tal tipo de piano. Entretanto para o cantor, o ideal é um piano com uma sonoridade mais suave, o que nem sempre está disponível nas salas de concerto. Por esta razão, uma textura muito densa poderá comprometer a performance. A canção brasileira, freqüentemente escrita em tons centrais para que a inteligibilidade seja preservada, esbarra com a questão da densidade do 101
acompanhamento. Se o compositor não se preocupa com este fato, sua criação será inadequada para o canto. No caso de Lacerda, observamos que pelo fato do acompanhamento ser caracterizado pelo arpejo, o que dilui a força sonora, a textura do piano não produz competição com a voz. Já no caso do Tacuchian, observamos que, nos compassos 6, 7, 12, 13 e 14 , o piano e a voz têm marcações de dinâmica idênticas. Nossa sugestão é que, nestes casos, o pianista acompanhador procure amenizar o impacto sonoro dos acordes sendo executados em pp (pianíssimo), pois com alguns decibéis a menos, a voz não ficará prejudicada e a comunicação do texto será mais eficaz. 3.4.6 Relação poesia-música Complementando as figuras de linguagem, Tacuchian enfatizou a antítese existente entre feliz e afogar com o movimento melódico entre feliz (mantendo a nota mi3) e afogar (no salto de sétima maior descendente). Lacerda não enfatizou, mas conclui com uma cadência plagal, sobre a palavra afogar. Quanto à apóstrofe, Tacuchian conduz a melodia para um salto ascendente de quinta, promovendo mais brilho na conclusão com a palavra mar. Lacerda não a usa enfaticamente, enfaticamente, porém, conclui com uma cadência VII-I. As canções são contrastantes quanto ao som, ritmo e harmonia. Ao explorarmos o poema, podemos observar que a forma popular e trovadoresca da métrica, o tema escolhido pelo poeta, a forma como conduz as palavras e seu ritmo interno, a “carioquice” , inspiram compositores compositor es a fazer uso de técnicas composicionais distintas. como foi dito pelo Fernando Sabino em Livro aberto pela Editora Record – Rio de Janeiro, 2001: "CARIOCA, como se sabe, é um estado de espírito: o de alguém que, tendo nascido em qualquer parte do Brasil (ou do mundo) mora no Rio de Janeiro e enche de vida as ruas da cidade."
102
CONCLUSÃO Na revisão da literatura, o livro de Arrigucci Humildade, Paixão e Morte – A poesia de Manuel Bandeira (1990) forneceu dados importantes para o capítulo I sobre a questão poesia-
música, principalmente principalmente em relação às reflexões sobre o verso v erso livre e a “música subtendida” subtendida” na poesia de Bandeira. Em Mário de Andrade, no livro Ensaio sobre a Música Brasileira (2006a) encontramos o substrato histórico-musical que permeou todo nosso trabalho. O livro A Canção de Câmara Brasileira , de Vasco Mariz (2002), apresenta um panorama da canção de câmara brasileira desde Carlos Gomes até Gilberto Mendes, com algumas referências a Manuel Bandeira. No capítulo II enfocamos os compositores selecionados para este trabalho baseados na classificação de Mariz. A dissertação de mestrado de Pedro Marques – Musicalidade na poesia de Manuel Bandeira (UNICAMP, 2003) parecia estar mais próxima do nosso foco, mas o autor analisou
a musicalidade de apenas três poemas que não foram musicados. O trabalho da professora Saloméa Gandelman – Cidadezinha qualquer: poesia e música (análise das canções de Querra Peixe e Ernst Widmer sobre um poema de Carlos Drummond de Andrade) (UFRJ,
1993) – apontou caminhos para a discussão sobre a relação poesia-música. poesia-músic a. A dissertação de mestrado de Luciana Monteiro de Castro Silva – Crepúsculo de outono op. 25 n. 2 para canto e piano de Helza Camêu aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora
(UFMG, 2001) – forneceu subsídios valiosos para este trabalho no que se refere à análise literária de Cantiga e parâmetros para sua análise musical. O catálogo inicial, que a princípio só apresentava 50 canções, expandiu-se para 132 e, por fim, foram encontradas 141 canções, das quais colecionamos 84 partituras em uma antologia. Constatou-se a dificuldade na obtenção das partituras, tanto para compra quanto para fotocópia, o que impediu que colecionássemos o total listado no catálogo do Anexo II.
103
Algumas de Helza Cameu e Radamés Gnatalli, por exemplo, não chegaram a ser editadas. Sugere-se que outros pesquisadores continuem esta busca em um próximo trabalho. A vida de Bandeira, apesar de parecer, para alguns, sofrida ou desgostosa, serviu-lhe, na verdade, de grande inspiração. Seu legado é o resultado de sua história, de sua trajetória e de sua sensibilidade perante todas as coisas e pessoas que se transformaram em poemas. Possivelmente, seu agrado com a música e sua vontade de tocar um instrumento, como o vemos em fotos com um violão, mostram indícios de sua musicalidade, justificada com mais detalhes em sua biografia apresentada no primeiro capítulo deste trabalho. Sua inspiração influenciou tanto os compositores brasileiros brasileiros que, segundo Mariz (2006), Bandeira foi o poeta mais musicado dentre 60 compositores modernos e eruditos, em um levantamento feito por ele em 1997. Para achar o poema mais musicado procedeu-se à confecção de um catálogo com 141 canções. Com base neste catálogo, foi feita uma estatística dos poemas mais musicados dentre os 79 encontrados e o poema Cantiga foi o vencedor. Finalizamos 34 compositores que musicaram Bandeira. O poema Cantiga foi musicado 9 vezes pelos seguintes compositores: Heitor Alimonda, Lorenzo Fernandez, Radamés Gnatalli, Osvaldo Lacerda (2 versões), Francisco Mignone, Kilza Setti e Ricardo Tacuchian. Destes, escolhemos as canções de Tacuchian e Lacerda por serem grandes representantes de compositores de canções de câmara atualmente e por terem disponibilidade para dar entrevistas. Das entrevistas ressaltamos ao analisar o poema Cantiga, que os compositores escolhem principalmente determinados poemas por causa de (1) sua temática, aproveitando-se da vasta gama de temas de Bandeira sobre o amor, as perdas e o cotidiano, (2) seu ritmo, ou métrica do poema, reforçado pelas figuras de linguagem, que acabam influenciando as escolhas dos compositores para adequação à sua linguagem composicional. Por exemplo, Crepúsculo de Outono , por ser um poema parnasiano, sugere uma composição mais clássica, em contraste com Andorinha, que por ser
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em verso livre pode sugerir o use de uma linguagem musical mais contemporânea. (3) E encontramos durante a pesquisa que a “carioquice” de Bandeira, a subjetividade de seu conteúdo e a forma de dizer sem dizer totalmente, tornam suas palavras fonte instigante para a criação de melodias e ritmos musicais. Os teóricos acrescentaram que o poema Cantiga, por ser de versos curtos e não muito extenso (CEIA, 2005), por ser uma barcarola e com um ideal platônico (MARTINS, 2004), pelo efeito sonoro que as palavras produzem, por sua métrica em três quadras em redondilha menor e pelas figuras de linguagem que apresenta e enriquecem sua sonoridade, trata-se de um poema “predestinado” à ser musicado. Claro que, como Manuel Bandeira mesmo disse: “Os músicos é que poderão explicar a preferência, sendo muito provável que os motivos não sejam os mesmos para todos”.(BANDEIRA, todos”.(BANDEIRA, 1984, p.78-79) Porém, como ele lidera com muita vantagem o “ranking” dos poetas mais musicáveis, os fatores descritos acima o tornam praticamente o ícone dos poetas musicáveis. Realizou-se uma análise interpretativa das duas Cantigas com o objetivo de estabelecer critérios de performance com enfoque principalmente na forma, harmonia e timbre, melodia, ritmo, dinâmica e textura e relação poesia-música. As entrevistas com os dois compositores forneceram a matéria prima para esta análise, uma vez que ofereceram informações diretas sobre seu processo composicional e apontaram os elementos que os identificaram identificaram à poesia de Bandeira. Um quadro comparativo comparativo dos parâmetros parâmetros literários e musicais encontrados encontrados nas duas canções são apresentados no capítulo III (Quadro ( Quadro 3.2). A poesia de Manuel Bandeira, escolhida por diversos compositores desde 1926 (data da primeira canção por Villa-Lobos), até os dias atuais, tem “uma musicalidade subtendida”. Como Marques (2003) escreveu em sua dissertação, “a noção de musicalidade do poeta não se fecha nela mesma, conecta-se com outras inquietações”. Ao analisar sua obra literária e ao concluirmos o catálogo das partituras, nos deparamos com uma enorme gama de estilos e
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técnicas diferentes de composição. É notório observar como um poeta com sua vasta obra conseguiu atrair e concentrar tanta variedade de canções em um espaço de tempo de 82 anos (1926 até 2008), coincidentemente a idade que tinha quando faleceu. Sua poesia agrada as diversas idades, aos compositores, alunos de canto e profissionais da área de música e literatura. Esta pesquisa serviu de estímulo para o jovem aluno de composição da UNIRIO, Luciano Leite Barbosa, que compôs uma canção para mezzo e piano, dedicada à autora desta dissertação, e incluída no catálogo que se encontra no Anexo III. Por fim, foram constatadas várias lacunas que originaram as seguintes sugestões de pesquisa: (1) a continuação do estudo das outras oito canções existentes com o poema Cantiga; (2) o aprofundamento do estudo sobre canções com poemas de Manuel Bandeira,
tendo como referência o catálogo e a antologia elaborados para este trabalho; (3) um estudo mais aprofundado da pronúncia do português brasileiro a partir da fonética do canto e sua relação com a região da fala; e (4) que mais trabalhos sejam elaborados explorando-se outros poetas e compositores brasileiros para que se crie uma musicologia útil à performance, rica de dados que tornem sua execução mais prazerosa e relevante. Para acompanhar a sugestão interpretativa um cd será confeccionado com as duas canções propostas e os poemas mais musicados, fechando em 15 canções, gravadas pela autora deste trabalho. Por fim, nos anexos encontra-se um material complementar de caráter informativo que inclui fotos, partituras, entrevistas, quadros estatísticos dos compositores e poemas.
106
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Discos e CDs ADRIANA ALMEIDA. Canções Brasileiras. Porto Alegre: APAC, 2003. 1 CD (ca. 47’33 min). ADA 016-04. ALMEIDA PRADO. O Som de Almeida Prado . Rio de Janeiro: PPGM/UNIRIO, 1999. 2 CDs (ca.100 min). Série Interpretação e Música Brasileira, 1. SIMB - 1. ANNETE CELINE. Cantigas. São Paulo: BRANA RECORDS 1 CD (ca. 55’38 min).BR 0003. LAURO MOREIRA. Manuel Bandeira: O Poeta em Botafogo. São Paulo. Produção: Luiz Chaffin, 2005. 1 CD (ca. 70’34 min). LMB001. LORENZO FERNANDEZ. Lorenzo Fernandez. vol 1. SOARMEC, 1997. 1 CD (ca 69’22 min). S011. MARIA LUCIA GODOY. Maria Lucia Godoy Canta Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Programa Arte sem Barreiras/ FUNARTE, 2003. 1 CD (ca. 29’43 min). PASBCDMLG001. OSVALDO LACERDA. Ouvindo Osvaldo Lacerda . Rio de Janeiro: ABM DIGITAL, 1 CD (ca. 77’20 min). PAULO GILL & MARIA FERNANDA. A Poesia de Manuel Bandeira e Mário Quintana. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).1 CD (ca. 66 min). VICTORIA KERBAUY. Victoria Kerbauy Canta Almeida Prado . Produção Gilberto Matté. 1 CD (ca.72’50 min). MS43-0700.
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ANEXOS I - Quadro estatístico por compositor COMPOSITOR
POEMA
Alimonda, Heitor Barbosa, Luciano Leite Brandão, J.Vieira Cameu, Helza
Cantiga, A Estrela Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada
Capiba Cavalcanti, Cavalcanti, Nestor de de Hollanda Costa, Lino Farinello, Orestes Fernandes Nêmia Fernandez, Lorenzo Fonseca, Carlos Alberto Gnatalli, Radamés
Guarnieri, Camargo Hartmann, Ernesto Frederico Kiefer, Bruno Krieger, Edino Lacerda, Osvaldo Leanza, Guilherme Lobos, Villa
N° DE POEMAS 2 1
Coração Incerto, Paráfrase de Ronsard, Haicai 3 Imagem , Suíte Líricas - Op.25 (1-Desencanto,2-Crepúsculo (1-Desencanto,2-Crepúsculo de outono I 10 e II ,3-Madrugada,4-Madrigal,5-A ,3-Madrugada,4-Madrigal,5-A estrela,6-Dentro da noite,7Confidência,8-Ao Confidência,8-Ao crepúsculo) Arte de Amar, Cotovia, Desafio, D. Janaína, Trem de Ferro, Ingênuo 9 Enleio, Poema de uma quarta-feira de cinzas em ritmo de marcha rancho, Alumbramento, Tu que me deste o teu cuidado Confissão 1 Valsa Romântica Canto de Natal Trem de ferro, Madrigal Canção do Mar A Estrela
1 1 2 1 1
Modinha, Azulão, Letra para uma Valsa Romântica n° 1, Letra para uma Valsa Romântica n° 2, 6 canções com tema de Manuel Bandeira (1.Dona Janaína, 2.Canto de Natal, 3.Temas e Voltas, 4.Cantiga, 5.Canção, 6. Acalanto para John Talbot), Crepúsculo de outono Vai, Azulão, O Impossível Carinho, Oração a Terezinha do menino Jesus, Pousa a mão na minha testa, Pai Zuzé, Cabedelo, És na minha vida, Desafio, Crepúsculo de outono Três Ponteios de Manuel Bandeira
11
1
O Menino Doente
1
Desafio Valsa Romântica, Cantiga I, Cantiga II, O Menino Doente, Poema tirado de uma notícia de jornal, Mandaste a Sombra de um Beijo, Felicidade, Poemeto Erótico, Mozart no céu Madrigal Irerê meu passarinho - Dança (Martelo), Novelozinho de linha, Seresta n° 2 (O anjo da guarda ), Seresta Seresta n° 5 (Modinha), (Modinha), Canções da Cordialidade (Feliz Aniversário, Boas Festas, Feliz Natal, Feliz AnoNovo, Boas-Vindas), Jucupari danças (Quadrilha, Marchinha das Três
1 9
9
1 12
113
Marias), Cântico do Colégio Santo André
Mahle, Ernst Massarani, Renzo Mignone, Francisco
Nobre, Marlos Nunes, João Ovalle, Jaime Pádua, Newton Meneses Peixe, Guerra Prado, Almeida Seixas, Guilherme B. Setti, Kilza Siqueira, José Tacuchian, Tacuchian, Ricardo Tupynambá, Marcelo Vianna, Frutuoso
Cinco canções (1. A Onda, 2.Lenda Brasileira, 3. A realidade e a Imagem, 4.Cantiga, 5Tema e Variações), O menino doente, Os sinos, D. Janaína Azulão Quatro Líricas (Cantiga, Dentro da Noite, O menino doente, D. Janaína), Solau do desamado, Pousa a mão na minha testa, A estrela, Berimbau, Desafio, Embolada para brigadeiro, Hino da Rádio MEC, Hino 4° centenário da cidade do Rio de Janeiro, Imagem, O Anjo da guarda, O impossível carinho, Outro improviso, Poema para Manuel Bandeira,Berimbau Teu Nome, Boca de Forno Trem de ferro, Tema e Variações, Garoto Berimbau op. 4 , Azulão op. 21, Modinha op. 5
1
2 3 3
Sinos, O Menino Doente
2
Vou-me embora pra Passágada Quatro poemas de Manuel Bandeira (Andorinha, (Andori nha, Teu nome, Belo Belo, A Estrela) Felicidade, E que eu adoro em ti, Madrigal, A Estrela, Noite de São João A Estrela, Cantiga Acalanto, Irene do céu, Na rua do sabão, O impossível carinho, Macumba de Pai Zuzé, Trem de ferro, Madrigal, Andorinha, Debussy, Boca de forno A estrela, Berimbau (Canções do além), Cantiga Madrigal Madrigal (Intitulado Canção da Jamaica), Desencanto
1 4
1 18
5 2 10 3 1 2
Siglas do local onde se encontram as partituras MVL = Museu Villa-Lobos BN = Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro CM = Correio Musical UNI-RIO = Biblioteca da universidade Uni Rio UFMG = Biblioteca da universidade de Minas Gerais CCBB = Biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil CA = com o autor NE = não encontrada
114
II - Quadro estatístico das 141 canções em ordem alfabética por canção POEMA
COMPOSITOR
ANO
A estrela A estrela A estrela A estrela A estrela A estrela (Quatro Poemas) A estrela A estrela A onda (Cinco Canções) A realidade e a Imagem (Cinco Canções) Arte de amar Acalanto Acalanto para John Talbot Alumbramento Alumbrament o Andorinha Andorinha (Quatro Poemas) Ao crepúsculo Azulão Azulão (intitulado Vai, Azulão) Azulão Azulão Belo Belo (Quatro Poemas) Berimbau Berimbau Berimbau Boca de forno Boca de forno Cabedelo Canção Canções da Cordialidade: 1.Feliz Aniversário, 2.Boas Festas, 3. Feliz Natal, 4.Feliz Ano-Novo, 5.Boas-Vindas Cântico do Colégio Santo André Cantiga Cantiga (intitulada Canção do Mar) Cantiga Cantiga (6 canções)
1. Mignone, Francisco 2. Cameu, Helza 3. Tacuchian, Ricardo 4. Alimonda, Heitor 5. Seixas, Guilherme 6. Prado, Almeida 7. Fonseca, Carlos Alberto 8. Setti, Kilza Mahle, Ernst Mahle, Ernst
1942 1943 1963 1962 2005 1998 1977 1961 1961 1961
Capiba Siqueira, José Gnatalli, Radamés Capiba 1. Siqueira, José 2. Prado, Almeida Cameu, Helza 1. Ovalle, Jaime 2. Guarnieri, Camargo 3. Gnatalli, Radamés 4. Massarani, Renzo Prado, Almeida 1. Mignone, Francisco 2. Tacuchian, Ricardo 3. Ovalle, Jaime 1. Siqueira, José 2. Nobre, Marlos Guarnieri, Camargo Gnatalli, Radamés Lobos, Villa
1956 1952
Média
1956
Media Aguda Aguda
Lobos, Villa 1. Tacuchian, Ricardo 2. Fernandez, Lorenzo 3. Alimonda, Heitor 4. Gnatalli, Radamés
1998 1943 1938 1940 1942 1998 1942 1963 1947 1962 1931
TESSITUR A Aguda Aguda Aguda Aguda Aguda
Media Média
Média Média Aguda Aguda Aguda Média Grave Aguda
1945
Média
1958 1963 1934
Média Média Aguda Aguda
LOCAL BN NE CA BN CA BN NE CA BN BN BN BN NE BN CCBB BN BN BN BN BN BN BN BN CA BN BN BN BN BN BN
MVL BN BN BN NE 115
Cantiga (Quatro Líricas) Cantiga I40 Cantiga II Cantiga Cantiga (Cinco Canções) Canto de Natal Canto de Natal (6 canções) Confidência Confissão Coração Incerto Cotovia Crepúsculo de outono I op 25 Crepúsculo de outono II op 25 Crepúsculo de outono Crepúsculo de outono Debussy Debussy (intitulada Novelozinho de linha) Dentro da noite Dentro da noite ( Quatro Líricas) Desafio (Quatro Líricas) Desafio Desafio Desafio Desencanto Desencanto Dona Janaína (Quatro Líricas) Dona Janaína Dona Janaína (6 canções) D. Janaína D. Janaína E que eu adoro em ti Embolada para brigadeiro brigadeir o És na minha vida Felicidade Felicidade Garoto Haicai Hino 4° centenário da cidade do Rio de Janeiro
5. Mignone, Francisco 6. Lacerda, Osvaldo 7. Lacerda, Osvaldo 8. Setti, Kilza 9. Mahle, Ernst 1. Farinello, Orestes 2. Gnatalli, Radamés Cameu, Helza Cavalcanti, Nestor de Hollanda Brandão, J.Viera Capiba 1.Cameu, Helza 2.Cameu, Helza 3. Guarnieri, Camargo 4. Gnatalli, Radamés Siqueira, José Lobos, Villa 1. Cameu, Helza 2. Mignone, Francisco 1. Mignone, Francisco 2. Krieger, Edino 3. Capiba 4. Guarnieri, Camargo 1. Cameu, Helza 2. Vianna, Frutuoso 1. Mignone, Francisco 2. Capiba 3. Gnatalli, Radamés 4. Mahle, Ernst 5. Guarnieiri Camargo Seixas, Guilherme B. Mignone, Francisco Guarnieri, Camargo 1. Seixas, Guilherme B. 2. Lacerda, Osvaldo Nunes, João Brandão, José Vieira Mignone, Francisco
1938 1950 1964 1960 1961
Aguda Média Aguda Média Média
1943 1992 1957 1955 1943 1943
Média Média Média Média
1920
Aguda Aguda
1943 1938 1942
Aguda Média Média Média
1943
Aguda
1938
Aguda Média
1997
Média
2003 1945 1974 1999 1951
Média Aguda Média Média
BN CM CM CA BN BN NE UFMG NE BN BN BN BN NE NE BN MVL BN BN BN BN BN BN BN BN BN BN BN BN NE CA BN BN CA CM NE NE BN
40
Osvaldo Lacerda musicou duas vezes o mesmo poema, sendo Cantiga I para voz média e Cantiga II para voz aguda
116
Hino da Rádio MEC Irerê meu passarinho – Bachianas 5 Segundo Movimento - Dança (Martelo) Imagem Imagem Ingenuo Enleio Irene do céu Lenda Brasileira (Cinco Canções) Letra para uma Valsa Romântica n° 1 e n° 2 Macumba de Pai Zuzé Macumba de Pai Zuzé (Intitulada ( Intitulada pai Zuzé) Madrigal Madrigal Madrigal Madrigal Madrigal Madrigal Madrigal Madrugada Mandaste a sombra de um beijo Mandaste a sombra de um beijo (intitulada Modinha) Marchinha das Três Marias Modinha Modinha Mozart no céu Na rua do sabão O anjo da guarda O anjo da guarda O Brasil O impossível carinho O impossível carinho O impossível carinho O menino doente O menino doente ( Quatro Líricas) O menino doente O menino doente O menino doente Oração a Terezinha do menino Jesus Outro improviso
Mignone, Francisco Lobos, Villa
1961
Média Aguda
BN MVL
Mignone, Francisco Cameu, Helza Capiba 2. Siqueira, José Mahle, Ernst Gnatalli, Radamés
1943 1945 1956 1947 1961
Aguda
BN BN BN BN NE BN
1. Siqueira, José 2. Guarnieri, Camargo
1951
1. Cameu, Helza 2. Fernandes Nêmia 3. Leanza, Guilherme 4. Seixas, Guilherme B. 5. Tupynambá, Marcelo 6. Siqueira, José 7. Vianna, Frutuoso Cameu, Helza 1.Lacerda, Osvaldo 2. Gnatalli, Radamés
1945
Lobos, Villa Lobos, Villa Ovalle, Jaime Lacerda, Osvaldo Siqueira, José 1. Mignone, Francisco 2. Lobos, Villa Tavares, Heckel 1. Guarnieri, C amargo 2. Mignone, Francisco 3. Siqueira, José 1. Lacerda, Osvaldo 2. Mignone, Francisco 3.Kiefer, Bruno 4. Pádua, Newton Meneses 5. Mahle, Ernst Guarnieri, Camargo Mignone, Francisco
Média Aguda
Aguda
Média 2004 1958
Média Média Aguda
1943 1962 1937
Aguda Aguda
1926
1942 1926
Aguda Média Aguda Aguda Aguda Aguda
1930
Aguda
1948 1949 1938
Aguda Média Aguda
1961 1930 1943
Aguda Aguda
1991
BN CCBB BN BN BN CA BN BN BN BN CM BN MVL BN BN CM BN BN BN BN BN BN BN CM BN BN UFMG BN BN BN
117
Paráfrase de Ronsard Poema tirado de uma notícia de jornal Poema de uma quarta-feira de cinzas em ritmo de marcha rancho Poema encontrado por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada Poemeto erótico Pousa a mão na minha testa ( Quatro Líricas) Pousa a mão na minha testa Profundamente (intitulado Noite de São João) Quadrinha Sinos (Os) sinos Solau do desamado ( Quatro Líricas) Tema e Variações Tema e Variações (Cinco Canções) Temas e Voltas Teu nome (Quatro Poemas) Trem de ferro Trem de ferro Trem de ferro Trem de ferro Três Ponteios de Manuel Banderia Tu que me deste o teu cuidado Valsa Romântica Valsa Romântica Vou-me embora pra Passágada
Brandão, J.Viera Lacerda, Osvaldo
1962 1964
Aguda
BN CM
Capiba
1956
Média
BN
Barbosa, Luciano Leite
2008
Media
CA
Lacerda, Osvaldo 1. Mignone, Francisco
1951 1942
Aguda
CM BN
2. Guarnieri, Camargo Seixas, Guilherme B.
1941 1999
Lobos, Villa 1. Pádua, Newton de Meneses 2. Mahle, Ernst Mignone, Francisco 1. Nunes, João 2. Mahle. Ernst Gnatalli, Radamés Prado, Almeida 1. Siqueira, José 2. Nunes, João 3. Fernandes Nêmia 4. Capiba Hartmann, Ernesto Frederico Capiba 1. Costa, Lino 2. Lacerda, Osvaldo Peixe, Guerra
Aguda
1980 1942
Aguda
1961
Média
1962
Aguda Aguda Aguda Média Média
1936
2006 Media 1997
Aguda Média
BN CA MVL UFMG BN BN BN NE BN BN BN BN BN BN UNI RIO BN BN CM BN
118
III - Poemas mais musicados Cantiga
Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero me afogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a estrela-d’alva estrela-d’alva Rainha do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar. A Estrela
Vi uma estrela tão alta, Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Era uma estrela tão alta! Era uma estrela tão fria! Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia. Por que da sua distância Para a minha companhia Não baixava aquela estrela? Por que tão alto luzia? E ouvi-a na sombra funda Responder que assim fazia Para dar uma esperança Mais triste ao fim do meu dia. Madrigal
A luz do sol bate na lua... Bate na lua, cai no mar... Do Mara ascende à face tua, Vem reluzir em teu olhar... E olhas nos olhos solitários, Nos olhos que são teus...É assim Que eu sinto em êxtases lunários A luz do sol cantar em mim...
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Trem de Ferro
Café com pão Café com pão Café com pão Café com pão Café com pão Café com pão Café com pão Café com pão Oô... Virge Maria que foi isso maquinis ta? Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita Muita for ça Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho Da ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... Quando me prendero No canaviá Cada pé de cana Era um oficiá Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matar minha sede Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no sertão Sou de Ouricuri Oô.. Vou depressa Vou depressa Vou correndo Vou correndo Vou na toda Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente...
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O menino doente
O menino dorme. Para que o menino Durma sossegado, Sentada ao seu lado A mãezinha canta: — "Dodói, vai-te embora! "Deixa o meu filhinho, "Dorme . . . dorme . . . meu . . ." Morta de fadiga, Ela adormeceu. Então, no ombro dela, Um vulto de santa, Na mesma cantiga, Na mesma voz dela, Se debruça e canta: — "Dorme, meu amor. "Dorme, meu benzinho . . . " E o menino dorme. Dona Janaína
D. Janaína Sereia do Mar D. Janaína De maiô encarnado D. Janaína Vai se banhar. D. Janaína Princesa do mar D. Janaína Tem muitos amores É o rei do Congo É o rei de Aloanda É o sultão –dos-matos É S. Saravá! Sarava saravá D. Janaína Rainha do mar! D. Janaína Princesa do mar Daí-me licença Pra eu também brincar No vosso reinado.
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Desafio
Não sou barqueiro de vela, Mas sou um bom remador: No lago de São Lourenço Dei prova de meu valor! Remando contra corrente, Ligeiro como a favor, Contra a neblina enganosa, Contra o vento zumbidor! Sou nortista destemido, Não gaúcho roncador: No lago de São Lourenço Dei prova de meu valor! Uma coisa só faltava No meu barco remador: Ver assentado na popa O vulto do meu amor ... Mas isso era bom demais - Sorriso claro dos anjos, Graça de Nosso Senhor!
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IV - Partitura das canções: Cantiga de Tacuchian
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Cantiga de Lacerda
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V - Fotos pessoais de Manuel Bandeira
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VI - Entrevistas Tacuchian TACUCHIAN - Eu trabalho muito com Manuel Bandeira na minha classe de composição por causa da musicalidade intrínseca da poesia de Manuel Bandeira e porque de certa maneira, a música emerge da poesia e é mais fácil para quem está começando a explorar a voz humana, a explorar o texto. Porque é outra coisa você fazer música onde você tem o problema do texto em si e o problema da voz humana.Que é um problema muito especial e é um complicador e o compositor tem que ter domínio disso CLARICE - Você tem alguma preferência quanto à tessitura? TACUCHIAN - Pra escrever de um modo geral, não. Agora eu acho que, na minha experiência, na língua portuguesa, o mezzo ou barítono é muito mais .... Tanto que eu tenho muita coisa pra voz média e pouquíssima pra voz aguda. E geralmente quando tem pra voz aguda é por encomenda, quando por iniciativa minha eu trabalho pra voz média. CLARICE - È mais próximo da voz falada? TACUCHIAN - exatamente. É engraçado, ontem eu tava ouvindo uma gravação de música brasileira que foi gravada em LP, foi gravada talvez há uns 50 anos atrás e um amigo meu copiou e me deu num cd. Eu tava ouvindo, e não se entende nada da soprano e, aí, eu me lembrei que na minha juventude era a maior queixa nossa, que a gente não entende o que os cantores tão cantando. Essa mentalidade tá mudando agora. Era até uma voz linda, mas a impostação da voz que a gente não entendia nada que o cantor cantava. Agora, existem duas linhas estéticas de composição para canto que é a seguinte.Tem compositores que quando usam o texto tem uma forte preocupação semântica e há outros tem uma forte preocupação fonética. São dois diferentes. É claro que uma coisa não exclui a outra. Eu, por exemplo, sou muito semântico, mas isso não quer dizer que eu não vá explorar os aspectos musicais da palavra. CLARICE - É isso que você sente na música brasileira na musicalidade da letra? TACUCHIAN - Exato. Usa todo aquele jogo de palavras com as mesmas sílabas. Eu me lembro de uma poesia que ele fala Capiberibe, Capibaribe. Ora, eu interpretei interpretei isso com cromatismo, porque o rio tem os dois nomes, tem pessoas que chamam de Capiberibe e outras de Capibaribe. A mameluca é uma maluca saiu sozinha da maloca. O boto bate bite, bite, bite, bite. Eu me lembro que uma poesia que eu musiquei. Então esses são aspectos fonéticos que obviamente eu aproveitei na música. Mas no Manuel Bandeira a minha preferência está pelo fato do ritmo. A musicalidade dele é principalmente no ritmo. Isso facilita muito um compositor jovem que está entrando neste universo. Carlos Drumond de Andrade já não tão 129
regular. Mas, à medida que o compositor vai ficando mais maduro, treinando mais, ele até prefere porque dá mais uma liberdade. Clarice - O que você tinha me comentado é sobre a carioquice de Manuel Bandeira. TACUCHIAN - É. Eu sempre digo de brincadeira que Manuel Bandeira apesar de ser Pernambucano é o mais carioca dos poetas. É muito carioca a poesia dele.No começo ele tem a produção das reminiscências da época que ele era menino, mas depois não. CLARICE -Você tem lembrança dos estilos, dos livros dele. Há uma preferência? TACUCHIAN -Olha. Eu não sou um especialista em literatura, em poesia. Eu sou um consumidor. Então eu não tenho autoridade pra classificar a obra de Manuel Bandeira. Eu conheço bem porque eu li muito, já produzi esse disco. E quando eu trabalho com os meus alunos eu não imponho a poesia eu sugiro, olha pega a cronologia de Manuel Bandeira e cada um escolhe a sua poesia. CLARICE - Quando você escuta uma cantor o que você espera ouvir? Que tipo de interpretação? O que é mais importante no português brasileiro? TACUCHIAN - Eu procuro, quando escuto música. Eu procuro escrever se uma maneira que o cantor se sinta confortável para dizer a palavra. Há certas sílabas que são difíceis de entender na região aguda. E obviamente quando eu trabalho com orquestra e mesmo canto e piano, eu tenho que dar espaço pra voz. Não posso permitir que o instrumento cubra, que a orquestra cubra a voz. Outro dia eu fui ao Teatro Municipal e assisti o Antonio Meneses, um concerto para violoncelo e orquestra de Dvorjak. Você ouve o violoncelo o tempo inteiro. Ele tem técnica, sabe fazer a coisa. Outro exemplo é o concerto para violino e orquestra de Tchaikovsky Violino é um instrumento de 60 cm de tamanho e você ouve o tempo todo. Mas tem uma razão pra você ouvir. Tem segredos. O compositor cria uma ilusão que a orquestra tá tocando o tempo todo, mas não está.Quando você capta a música, você não capta um monte de pedacinhos. Você capta um todo, compreendeu? Então, isso acontece com a voz, você tem que saber em que regiões ou registro que funciona melhor. É muito importante com um coro, se você erra a mão uma das vozes. TACUCHIAN - Então o compositor cria uma ilusão de que a Orquestra está tocando o tempo todo. Mas não está. Mas você, quando a gente capta a orquestra, quando você capta a música, você não capta um monte de pedacinhos, você capta o todo. Entendeu? Então, isso acontece com a orquestra. Você tem que saber em que regiões determinadas vozes, determinados registros, funcionam in loco. Isso é muito importante, por exemplo com o Coro. Com o Coro, porque? Você as vezes está trabalhando com o Coro e você quer que as vozes sejam mais intimistas. Mas você erra a mão e uma das vozes você joga lá de cima. Ai, de repente, parece que sobra. Porque? Porque não era aquilo que você queria. Que todas as vozes tomaram (confusão entre as vozes 10:05) Isso é um compositor que não tem técnica. Quer dizer, que não tem experiência de voz. Porque? Por que nunca cantou em Coro, essas coisas.
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TACUCHIAN - Então, é… eu pessoalmente, eu gosto que a minha música, o texto seja efetivo. E, às vezes, isso não é totalmente possível. Na Europa, é….eu viajo muito, eu vou muito a concerto…qualquer concerto em conservatório, com Piano, com Orquestra, têm um texto na lingual original que tem a tradução na lingual do país em que você está. Pode ser o concerto mais simplezinho, mais modesto, isso vai gastar mais papel no programa. Você não vê um cd em que você não tem um texto no encarte, e aqui no Brasil não se usa. CLARICE - Não se usa. É uma dificuldade para se fazer isso. TACUCHIAN - Porque? Por que se você vai fazer um disco seu, se você é brasileira…é bilíngüe, aí você vai ter aquela tradução para o inglês da poesia. Bom, você já vai ter a despesa de pagar um tradutor que tem que ser narrativo, não pode ser….porque poesia é a coisa mais difícil do mundo. E você vai gastar mais papel, mas tem que ser, não tem saída, porque canção é texto e música. Então pra mim aquelas duas coisas estão intimamente….agora, eu não posso tratar a voz como instrumento musical. Aí é outra coisa. E o texto é apenas o pretexto, é apenas o suporte para eu explorar a voz do ponto dela não usar um simples vocalize, eu parto do pretexto da voz, então… o entendimento do texto não é…é… CLARICE - Não é tão reforçado… TACUCHIAN - não é isso….não é necessário. Ele apenas sugere o drama da música, tipo, êxtase de natureza, sentimental, dramática… CLARICE - Como é que você faz? Você lê o texto ou você fala em voz alta? Como é que é a linha em você? TACUCHIAN - Bom, quando eu estou lendo um texto eu tenho tido algumas encomendas de obras, de textos que são pré-determinados que não são escolhidos por mim. Então quando eu recebo um texto, agora mesmo, eu vou ter uma obra minha, para Soprano e Orquestra que é uma homenagem aos 80 anos do Teatro de Manaus e vai ser levada pela Orquestra de lá do Amazonas, que é tido como uma Orquestra muito boa e… o texto, o tema é a Floresta Amazônica. Então, o Teatro de Manaus é na Amazônia, quase tudo que se escreve é sobre a Amazônia e…e também nós estamos vivendo uma época que as próprias questões ecológicas estão em obra, então, é… foi perfeito. O próprio objetivo do texto, eu li o texto várias vezes. Poesia, você não entra dentro dela numa primeira vez, entendeu? Então, eu li duas, três vezes e deixei de lado e uma semana depois novamente li. E ai, eu vi que a minha interpretação do texto, porque a poesia é como música e ela não tem uma interpretação só, ela tem várias. O próprio Manuel Bandeira, quando fez o Berimbau, pra que? Foi um mistério…Por quê que o Manuel M anuel Bandeira escrevendo sobre coisas mitológicas da Amazônia ele dá o nome de Berimbau (ruídos) da Bahia?… esse tema foi um mistério. Até que eu encontrei uma explicação, que é minha, que nunca deve ter passado pela cabeça do Manuel Bandeira. Manuel Bandeira queria fazer poesia brasileira. Aquele tema era o tema dos Mitos da Amazônia. É… na poesia da grécia, você chamava genericamente a poesia de lira, dos 131
instrumentos dos anjos, dos Deuses e da mitologia grega. Então aquela lira, uma coleção de poesias, era chamada de lira do poeta. Então o Manuel Bandeira ao invés de chamar de Lira, chamou de Berimbau. CLARICE - É a lira brasileira… TACUCHIAN - Porque foi a única explicação que eu encontrei para uma poesia sobre mitos amazonenses ter esse nome. Então, são essas coisas… Eu tenho também muita coisa sobre Carlos Drummond de Andrade… o Carlos Drummond de Andrade, o poeta não tem uma linguagem direta. A linguagem do poeta é sempre simbólica, né?! E… às vezes você têm que, por exemplo, o Carlos Drummond de Andrade tem um poema muito interessante interessante é… que ele diz o seguinte: “Mariquita me dá cá o pito/ no seu pito está o infinito” E durante a poesia inteira ele está falando de… é, o ato eterno é o amor. A briga e a conciliação, briga e conciliação que é a história eterna do amor, né?! E ele sempre usa essa reversão que é o quê? Então, eu fiz uma interpretação que é minha…é… e eu não sei o que se passou na cabeça do poeta, não interessa! O que interessa é o que eu vi e o pito, pito você sabe o que significa, né? Pito significa bronca. Vou dar um pito em você! Não sei se você conhece essa palavra.. CLARICE - Conheço, conheço. TACUCHIAN - Essa deve ser da minha época e não da sua… Por que ele tá falando do Amor e Guerra. Mas ao mesmo tempo pito é o cachimbo. Então eu imaginei que ele usou a pipedade da palavra pito e ele usou o cachimbo como o cachimbo da paz. Porque você brigou e depois você entrou em paz. Bom, pode até ser uma coisa muito fantasiosa minha, mas eu acho que quem escreve poesia é poeta e quem lê poesia também é poeta. CLARICE - é pra poder interpretar, né?! TACUCHIAN - é…então você tem que interpretar… Então, eu peguei esse texto desse poeta amazonense e eu fiquei assim uns 15 dias penetrando, dando a minha…é… ele até usa palavras que são típicas da região que eu não conhecia e eu tive que ir num dicionário para saber o que era aquele cara tava falando… que não fazia parte do meu vocabulário, vocabulário, e ai eu decodifiquei decodifiquei pra poder…, uma vez decodificado eu ai fui fazer o planejamento da obra por seções. Você sabe que… um poeta quando escreve uma poesia ele junta versos com estrofes. São estrofes de 5, 6, 8 versos. Isso já é um seccionamento do poeta.
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CLARICE - do assunto, né? Da música. TACUCHIAN - é mas não precisa ser seccionamento do músico. Eu às vezes subverto. Eu respeito o poeta…, mas é que a forma da música é diferente da forma da poesia, muitas vezes. Porque quando eu estou fazendo uma música sobre uma poesia, já deixou de ser poesia, já é música para poesia. É outra coisa. CLARICE - mesmo a poesia tendo ritmo, sendo musical. TACUCHIAN - Eu reorganizo e essa reorganização reorganização muitas vezes coincide, eu não preciso reorganizar eu aproveito a organização do poeta; mas outras vezes eu reorganizo. Então, a primeira, faz uma obra em três partes: a primeira parte é introspectiva, a segunda é movida. Por que em música você tem que pensar um pouco também na variedade, entendeu? Eu uso as minhas estratégias pessoais de compositor, entendeu? Eu tenho estratégias, que são minhas e cada compositor tem as suas. E eu tenho que organizar o texto em função dessas estratégias. Ai eu organizo e eventualmente, eventualmente no texto a subversão que eu me permito, que outros compositors fazem é valorizar um verso ou uma palavra da seguinte forma: é repetindo. CLARICE - Sim, isso é muito comum. TACUCHIAN - isso é muito comum. E às vezes até mudando de lugar. Vou dar um exemplo: Eu tenho uma cantata de câmara que vai sair gravada agora em disco pelo Marcelo Coutinho que é para barítono, clarineta clarineta e piano, e tem também uma versão para barítono, clarineta e cordas, mas a gravação vai sair com piano. Em que…o verso…é sobre Garcia Lorca. Ele poeta, Carlos Drummond, chorando a morte de Garcia Lorca. E ele termina de uma maneira positiva. Ele se diz…lamentável, se lamentar, se diz envergonhado porque um poeta tão jovem foi assassinado brutalmente lutando pela sua patria com a Guerra Civil Espanhola, e etc. Ele termina da seguinte maneira, de uma maneira de muita esperança: “para sempre viverão os poetas martirizados” O que que significa isso? Significa que Garcia Lorca não morreu, ele está vivo. Então, é…, depois de chorar a morte do poeta, no final ele diz, o poeta está vivo. Eu achei esses versos sensacionais, então eu super valorizei: eu começo a música com esses versos! CLARICE - é como filme né?!
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TACUCHIAN - o trovão termina. Eu uso no início, no meio e a obra tem vários movimentos, e no último movimento, eu retomo. Isso é o que se chama de liberdade poética que o compositor tem. Isso que eu tô te falando não é novidade… Eu acho que todo compositor tradicional de carreira tem esse tipo de trabalho… CLARICE - uhu. E sobre seus alunos? Você tem sempre feito assim, sistemático? A primeira composição composição deles você pede que seja de Manuel Bandeira? TACUCHIAN - É… eu até que tenho uma certa liberdade. Eu sugiro…geralmente a sugestão é sempre Manuel Bandeira, quase sempre ele é destacado, mas eles não são obrigados. A maioria, de uma forma geral, não me lembro, a primeira canção eles fazem e eu comento com eles e eu mostro muitas outras canções, trabalhos tanto de outros compositores como meus e etc. depois disso, agora vamos fazer a segunda. A segunda, o poeta é você quem vai escolher… CLARICE - Caramba… TACUCHIAN - Entendeu? Porque a composição, a composição é um exercício de liberdade. Então você tem que soltar logo, porque se você amarrar muito ele vai ser uma imitação de você mesmo. E eu não quero que meu aluno componha igual a mim [...]
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Lacerda Resumo da palestra ministrada por Osvaldo Lacerda. Academia Brasileira de Música no lançamento do Catálogo de Obras do compositor Osvaldo Lacerda.02/08/2006. Transcorreu durante 1 hora, com dois exemplos musicais tocados pela pianista Eudóxia de Barros ( Brasiliana N. 9 e Estudo em Oitavas ). Osvaldo Lacerda falou a respeito dos três importantes itens que ele utiliza como compositor: a) O motivo: ou impulso que o faz musicar esta ou aquela peça. Pode ser uma leitura de um poema, um ritmo brasileiro que o chama atenção ou, no seu caso específico, muitas vezes sua motivação inicial vem através da idéia de um fragmento musical. b) A inspiração: Aquele caminho escolhido para compor c) A técnica. Esta tem que estar a serviço do compositor. Deve-se conhecer bem todas as técnicas composicionais, a harmonia, o contraponto, a orquestração para usá-las como ferramenta para a sua composição. A técnica, segundo Osvaldo, ajuda a manter a unidade de composição da peça do início ao fim. Sua formação pessoal passa também pelo conhecimento da filosofia indiana. Disse: ”A inspiração de uma boa composição vem do ser espiritual, através do conhecimento dos chakras41 e, a composição média vem do ser intelectual.” Perguntei-lhe por que musicou tantos poemas para canto e piano e para coro com texto de Manuel Bandeira. Queria saber o que lhe chamava atenção nestes textos. Ele respondeu: “ (...) Conheci pessoalmente Manuel Bandeira Bandeira perto do ano em que faleceu (1968). É o meu poeta preferido, suas poesias já inspiram canção. Gosto muito do Poemeto Erótico onde a sua sutileza em falar do desejo para com uma mulher se estabelece na redondilha, ou seja , no verso da poesia.”
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Segunda a filosofia indiana o seres humanos possuem 7 chackras, ou pontos de energia vital, que se relacionam com as 7 cores do arco íris. Este chakras devem estar em perfeita harmonia.
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VII - CD com 15 canções para canto e piano
VIII - Catálogo com 84 partituras para canto e piano com poesias de Manuel Bandeira (encadernação separada)
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