APONTAMENTOS DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA DEMOCRACIA E FILOSOFIA A FILOSOFIA DO SÉCULO XX
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Reproduzido da obra HISTÓRIA DA FILOSOFIA de Bryan Magee
«Como Divulgador da Filosofia, Bryan Magee é insuperável» The Times
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Reproduzido da obra HISTÓRIA DA FILOSOFIA de Bryan Magee
«Como Divulgador da Filosofia, Bryan Magee é insuperável» The Times
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DEMOCRACIA E FILOSOFIA DEPOIS DA QUEDA DAS CIDADES-ESTADOS DA ANTIGA GRÉCIA, FOI SÓ NO SÉCULO XVIII QUE AS SOCIEDADES QUE PODIAM SER CHAMADAS DE DEMOCRÁTICAS FIZERAM A SUA REAPARIÇÃO — UM PERÍODO DE MAIS DE DOIS MIL ANOS. PRIMEIRO FORAM OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, FUNDADOS EM 1776. SOMENTE 13 ANOS MAIS TARDE, A REVOLUÇÃO FRANCESA DE 1789 DEU UM ÍMPETO COMPLETAMENTE NOVO À PROPAGAÇÃO DE IDEIAS SEMELHANTES POR TODA A EUROPA. A DEMOCRATIZAÇÃO, DEMOCRATIZAÇÃO, NO SEU SENTIDO MODERNO, TINHA COMEÇADO. As IDEIAS ESTAVAM A DESEMPENHAR UM PAPEL RELEVANTE NESTES DESENVOLVIMENTOS, ACIMA DE TUDO A IDEIA DE COMBINAR A LIBERDADE DO INDIVÍDUO COM A IGUALDADE SOCIAL. OS PROBLEMAS POSTERIORES SOBRE COMO RECONCILIAR ISTO COM A ORDEM SOCIAL E A PROSPERIDADE ECONÓMICA VIERAM PARA DOMINAR A FILOSOFIA POLÍTICA.
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OS UTILITARISTAS OS EMPIRISTAS CONCENTRAM-SE NA MORAL E NA POLÍTICA «Todos por um e ninguém por mais do que um» e «A maior felicidade para o maior número» são adoptados por princípios de orientação DURANTE A PRIMEVA METADE do século XIX, a filosofia no mundo de expressão inglesa procedia de Kant, numa ignorância quase completa. A sua. obra-prima, Crítica da Razão Pura (178]), só foi traduzida para inglês em I854, meio século completo depois da sua morte, e então, tal como hoje, só umas quantas pessoas cultas inglesas sabiam ler alemão. Consequentemente, para além de Hume, tiveram-se poucos progressos na metafísica e na teoria do conhecimento. Os grandes avanços surgiram na moral e na filosofia filosofia política. política. A sua aplicação aplicação na política política pública, numa altura em que a Grã-Bretanha dominava qualquer coisa como um quarto da raça humana, teve um impacte a nível mundial. JEREMY BENTHAM O filósofo inglês e reformador social Jeremy Bentham foi o fundador do utilitarismo. Acreditava que os interesses do indivíduo estão em conformidade com a socied sociedade. ade.
REFERÊNCIA DE ESQUERDA O primeiro filósofo com influência duradoura na língua inglesa, depois de Hume, foi Jeremy Bentham (1748-1832). Nasceu em Londres e foi educado em Oxford e depois nos tribunais de Londres, onde se qualificou como causídico. Foi a imensa injustiça social que via no seu trabalho como estudante de Direito que o tornou activamente interessado em questões de moralidade pública. Apesar de se ter PANÓPTICO. Um dos principais objectivos de Bentham era a reforma prisional e
ele acreditava que essas reformas resultariam numa «moral reformada, saúde preservada, indústria revigorada e instrução difundida». Para explicar esta visão, ele ele concebeu uma prisão-modelo, o panóptico, que infelizmente nunca chegou a ser adoptada. No entanto, Bentham foi recompensado financeiramente pelos seus esforços e o dinheiro foi aplicado na fundação da University College.
dedicado a escrever abundantemente sobre ética, política e questões legais durante a sua longa vida, sempre esteve vigorosamente envolvido com a aplicação pratica destas ideias. Tornou-se o chefe de uma escola de pensamento e acção que se designa pelo nome de ^radicalismo", que liderou o 4
movimento a favor de reformas liberais nas prisões, na censura, na educação, nas Íeis que regiam a actividade sexual, na corrupção nas instituições públicas — em resumo, o que se tornou desde então como um familiar ponto de referência liberal de esquerda na política social.
NOVA UNIVERSIDADE As principais influenciam filosóficas de Bentham foram os pensadores pré-revolucinários franceses; e o seu posterior desenvolvimento através dele iria influenciar, depois de si o aparecimento do socialismo britânico, mais tarde, no século XIX. Bentham e os seus principais seguidores eram livres-pensadores; e uma vez que nessa os livres-pensadores ainda não iam estudar em Oxford ou em Cambridge eles criaram a primeira universidade nova de Inglaterra desde a Idade Media, a University College London, fundada em 1826. Jeremy Bentham continua a. fazer sentir lã a sua presença no sentido mais literal da palavra. No átrio da entrada, o seu corpo embais amado, vestindo vestindo as suas roupas habituais, esta dentro de uma edema de vidro e apenas a sua beca foi substituída por um modelo em cera. E até há pouco tempo Bentham era sempre mencionado nas actas do corpo docente como «presente, mas impedido de votar». Em parte talvez devido aos seus muitos envolvimentos práticos, Bentham assumiu uma atitude curiosamente inebriante relativa ã publicação. Antes de completar uma obra começava logo outra, deixando muitas vezes a primeira inacabada — ou, se a acabava, não fazia nada para publicá-la. Foi principalmente através da intervenção dos seus amigos que as suas obras chegaram a ser publicadas, muitas delas depois da sua morte. Na verdade, o que tornou o seu nome internacionalmente famoso foi uma tradução francesa feita por um admirador, publicada em Paris em 1802. E nesta altura ele já se tornara cidadão da nova República Francesa, o que aconteceu em 1792, e exercia algumas influências no resto da Europa e nos Estados Unidos. Bentham foi um progressista tardio e, ao contrário da maioria das pessoas, tornou-se mais radical à medida que ia envelhecendo. Em 1824, apenas alguns anos antes da sua morte aos 84 anos, fundou, a suas próprias expensas, The Westminster Review, Review , que seria durante muitos anos uma defensora extremamente eficaz das ideia «avançadas». Por exemplo, exemplo, foi The Westminster Westminster Review que, quase três décadas mais tarde, chamou chamou a atenção do mundo para a filosofia de Schopenhauer, depois desta ter ficado praticamente esquecida, num desprezo quase completo, durante 35 anos.
O MAIOR BEM Como princípio de orientação para a política pública, Bentham adoptou uma máxima que tinha sido enunciada no início do século XVIII por um filósofo escocês-irlandês chamado Francis Hutcheson: «A melhor acção é a que obtém a maior felicidade para o maior número.» Bentham desenvolveu isto numa filosofia moral, que defendia que a correcção ou a incorrecção de uma: acção deveria ser julgada apenas em termos das suas consequências (de maneira que os motivos, por exemplo, eram irrelevantes); que as boas consequências eram aquelas que proporcionavam prazer a alguém, enquanto as más consequências eram aquelas que causavam dor a alguém; e portanto, em qualquer situação, o procedimento correcto a seguir era aquele que iria maximizar o excesso de prazer sobre a dor, ou então minimizaria o excesso de dor sobre o prazer Esta filosofia ficou conhecida como utilitarismo, utilitarismo, porque o seu objectivo era julgar cada acção pela sua utilidade, o mesmo é dizer pelo seu proveito ao provocar consequências de um determinado tipo. Os seus proponentes aplicavam estes princípios à moralidade privada, assim como à prática política, legal e social. Esta filosofia teve uma influência permanente na forma como a Grã-Bretanha é governada. «A maior felicidade para o maior número» entrou na língua inglesa como uma frase de 5
propaganda familiar para todos. Depois de este princípio ter sido aceite, a única dificuldade envolvida ao tomar decisões era a dificuldade em calcular as consequências. Ao fazer esse tipo de cálculo, veio a lume outro princípio importante: «Todos por um e ninguém por mais do que um.» As atitudes que estes princípios originaram eram muito diferentes das tradicionais. Por exemplo, formas de actividade sexual que não traziam sofrimento a ninguém eram irrepreensíveis para os utilitaristas e, contudo, algumas destas actividades foram selvaticamente punidas pelas leis da altura. Por outro lado, havia então alguns métodos de trabalho que implicavam um sofrimento desnecessário para as pessoas, até «O INDIVÍDUO É mesmo a ruína, e eram perfeitamente legais. Por isso, a divulgação das ideias do utilitarismo ajudaram a causar SOBERANO ACIMA importantes mudanças práticas na sociedade. A atitude DE SI PRÓPRIO, utilitarista de punição defendia que as penalidades deviam ser suficientemente severas para intimidar, mas não mais do ACIMA DO SEU que isso, uma vez que poderiam causar um sofrimento CORPO E DA SUA desnecessário. Durante a segunda metade do século XIX, os «princípios utilitaristas invadiram as instituições MENTE» governamentais e a administração na Grã-Bretanha e mantiveram a sua influência poderosa desde então. Até certo ponto isto marca a diferença entre a Grã-Bretanha e os JOHN STUART MILL Estados Unidos, onde a ênfase sempre foi mais fortemente sentida nos direitos individuais, com uma relutância correspondentemente maior para sacrificar o indivíduo ao bem-estar da maioria e uma menor prontidão para aceitar a intervenção do governo.
CRIANÇA-PRODÍGIO O homem que fez mais do que qualquer outra pessoa para organizar e liderar o radicalismo em nome de Bentham foi James Mill e foi grandemente através dos seus esforços que Bentham foi capaz de alcançar uma influência tão poderosa na política britânica. O outro pretexto para a fama de Mill foi o facto de ele ser pai de John Stuart Mill, que iria tornar-se o mais conhecido de todos os filósofos de língua inglesa do século XIX, continuando a sê-lo ainda hoje. John Stuart Mill (1806-1873) foi educado inteiramente pelo seu pai: não foi à escola, nem ingressou na universidade. O pai educou-o à força desde muito cedo: grego aos três anos, latim, aritmética e história dos sete anos em diante, vários ramos de matemática antes dos 12 anos. Stuart Mill também foi educado para acreditar no utilitarismo e foi ele que colocou esse termo a circular. Aos 17 anos, Stuart Mill começou a trabalhar na Companhia das Índias Orientais, onde o seu pai era um dos funcionários mais antigos, e aí permaneceu até à extinção da companhia 35 anos mais tarde, em 1858. Este domínio esmagador por parte do seu pai em tudo o que dizia respeito à sua vida, até Stuart Mill completar os 20 anos, precipitou um colapso nervoso que degenerou numa grave depressão nessa idade, o que fez com que ele sentisse necessidade de mais válvulas de escape pessoais. No entanto, saiu do estado de depressão e aos 25 anos conheceu uma mulher casada, Harriet Taylor, com quem se envolveu apaixonadamente, facto que acabou por ser aceite pelo marido desta, apesar de isso ter chocado a sociedade convencional. Depois da morte de John Taylor em 1851, Mill casou com Harriet, mas ela morreu em 1858. Durante os anos entre 1865 e 1868 Mill foi membro do Parlamento, onde se destacou ao propor o direito de voto para as mulheres.
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IGUALDADE PARA AS MULHERES O primeiro livro de Mill tornou-o famoso: Sistema de Lógica, uma obra em dois volumes publicada em 1843. Apesar do seu título, era um sistema geral de filosofia como um todo, aproximando e actualizando a filosofia empirista desenvolvida por Locke, Berkeley, Hume e Bentham — embora sem a teologia de Berkeley e o cepticismo de Hume. Durante muitos anos o livro foi a melhor exposição sistemática disponível desse tipo de filosofia e isso trouxe-lhe fama e influência mundiais apesar do facto de não ser particularmente original. Mais famosos e com uma influência mais duradoura até aos nossos dias foram os seus livros Ensaio sobre a Liberdade (1859) e A Sujeição das Mulheres (1869). A tese central do Ensaio sobre a Liberdade é que «a única consequência que a humanidade tem garantida, individual ou colectivamente, ao interferir com a liberdade de acção de qualquer um dos seus membros, é a protecção individual». Por outras palavras, o indivíduo devia ser livre para fazer o que quiser, desde que não prejudique seriamente outras pessoas — tal como um juiz uma vez, a propósito disso, sublinhou a um réu: «A sua liberdade de agitar um braço termina onde começa o meu nariz.» O livro de Mill continua sendo considerado a exposição clássica para este conceito de liberdade do indivíduo e ainda é bastante lido como tal. A Sujeição das Mulheres é ainda mais notável. Depois de Platão, que defendia que as raparigas deviam ser educadas da mesma maneira que os rapazes, o único vulto digno de nota que exigiu igualdade para as mulheres foi Epicuro — e depois dele não houve mais ninguém até ao século XVIII, com a agitação das ideias liberais que rodearam a Revolução Francesa. A razão para que isto tenha acontecido é difícil de explicar satisfatoriamente, em especial tendo em vista o prestígio incomparável que Pia tão exerceu durante longos períodos através desses dois mil anos. A Sujeição das Mulheres foi o primeiro livro dedicado por um pensador famoso à defesa da causa pela igualdade dos sexos -e foi isso que aconteceu com toda a atracção e convicção características de Mill. Por esta razão, tal como seria de esperar, o livro continua a granjear grande estima junto das feministas em toda a parte do mundo.
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OS PRAGMATISTAS AMERICANOS O CONHECIMENTO COMO FORMA DE ENVOLVIMENTO PRÁTICO Saber é algo que fazemos e é considerado como uma actividade prática. As questões de significado também são mais bem entendidas neste contexto. QUANDO OS ESTADOS UNIDOS foram fundados como nação independente, perto do final do século XVIII, isso deu um novo ímpeto ao desenvolvimento de uma cultura e de uma abordagem de ideias especificamente americanas. Mas foram precisos mais duzentos anos aproximadamente para que a filosofia americana se desenvolvesse ao ponto de chamar a si a atenção internacional; e, depois, houve uma época no final do século XIX e início do século XX em que o melhor departamento universitário de filosofia do mundo foi considerado por muitos como sendo o de Harvard. Desde então houve três notáveis filósofos americanos que obtiveram um estatuto de clássicos e tornaram-se conhecidos como «os pragmatistas americanos». De entre eles, o mais original era Charles Sanders Peirce, o mais agradável de ler era William James e o mais extraordinariamente influente foi John Dewey.
SABER É FAZER Segundo a Enciclopédia Britânica, C. S. Peirce (1839-1914) é «agora reconhecido como a inteligência mais original e mais versátil que as Américas jamais produziram». O seu pai era professor de Matemática em Harvard e era o matemático mais importante do seu tempo. O próprio C. S. Peirce formou-se em Matemática e em Ciências e durante muito tempo ganhou a vida como cientista e a actividade filosófica era algo que ele desenvolvia nos seus tempos livres. Contudo, a partir dos 48 anos Peirce dedicou-se à filosofia a tempo inteiro. Nunca escreveu nenhum livro e grande parte da sua obra foi publicada apenas após a sua morte, quando a sua Colectânea de Ensaios foi editada em oito volumes. Talvez o argumento central de Peirce seja defender que o conhecimento é uma actividade. Somos incitados a inquirir e a querer saber por uma qualquer necessidade, ou lacuna, ou dúvida. Isto leva-nos a avaliar a nossa situação-problema, a tentar ver o que está mil ou o que está em falta em determinada situação e conseguir saber como consertá-la. Este esquema aplica-se até mesmo quando o nosso problema é puramente teórico; e também se aplica tanto na vida quotidiana como nas ciências. A aplicação da inteligência é acima de tudo estimativa e visa alcançar o entendimento. O conhecimento consiste em explicações válidas. O primeiro ensaio importante de Peirce chamou-se Como Tornar Claras as Nossas Ideias (1878) e nele Peirce defendia que para compreender claramente uma palavra devemos perguntar-nos que diferença faria a sua aplicação na avaliação da nossa situação-problema ou numa solução proposta para ela. Essa diferença constitui o significado da palavra. Uma palavra cuja aplicação não faz muita diferença em relação a alguma coisa que não possua um significado expresso. 8
Assim, «pragmatismo» -uma palavra que o próprio Peirce ajustou para se utilizar neste contexto -foi sugerido por ele como um método para exprimir os significados das palavras; e consequentemente, podemos dizer, como uma teoria da significação.
FALIBILIDADE Está contida uma grande dose de originalidade nestas ideias. Elas rejeitam uma ideia de conhecimento que não tenha sido aceite pelos cientistas durante, pelo menos, 250 anos e que seja uma ideia de conhecimento como um facto impessoal. Sem ter necessariamente que perceber que o estavam a fazer, os cientistas aceitaram o que poderíamos chamar de ideia observadora de conhecimento, como se o homem estivesse, de alguma forma, a observar o mundo do seu exterior e a enunciar o conhecimento a partir das suas observações. Peirce dizia que nós não fazemos isto: nós adquirimos o nosso conhecimento como participantes e não como espectadores. Fazemos parte do mundo, vivendo no seu interior; e é essencialmente através da busca pela sobrevivência que nos esforçamos por conhecê-lo e compreendê-lo. Por isso, somos as partes interessadas. O conhecimento é um instrumento, talvez o instrumento mais importante para a nossa sobrevivência: nós utilizamos o nosso conhecimento. E, porque a coisa mais útil sobre ele é o seu poder explanativo, nós vamos confiar nele, tal como fazemos com qualquer explicação, porque só assim ele funciona e só assim produz resultados exactos; se começarmos a notar nele algumas dificuldades sérias, tentamos melhorá-lo ou talvez até mesmo a substituí-lo. Isto significa que o conhecimento CHARLES SANDERS PEIRCE científico não é um conjunto de certezas, mas um conjunto de explicações. E o crescimento do nosso conhecimento científico não consiste em adicionar novas certezas ao grupo das já existentes, consiste sim em substituir as explicações já existentes por explicações melhores. Um pouco mais cedo, no mesmo século, um filósofo em Cambridge, na Inglaterra, chamado William Whewell também teve alguns destes discernimentos; mas Peirce desenvolveu-os mais amplamente. A partir destes princípios incrementou-se, de uma maneira geral, uma visão da ciência e do conhecimento que acabou por desalojar o conceito predominante no século XIX. No século XIX, as pessoas tinham a ciência como uma coisa certa, um conhecimento incorrigível, um facto sólido; na verdade, achava-se que todo o conhecimento que era genuinamente digno desse nome tinha que ter essas características de certeza. Uma coisa não podia ser conhecimento e, ao mesmo tempo, corrigível. No entanto, no decorrer do século XX, as pessoas começaram a aperceber-se de que nenhum conhecimento é certo, nem mesmo na nossa ciência; que tudo nele é falível e, em princípio, improvável, até mesmo substituível. A história do conhecimento apoia isto de maneira tão óbvia que pode ser considerado surpreendente que ninguém se tenha apercebido disso antes. Em comparação, o pouco que é «conhecido,> em qualquer época continua a ser considerado como inquestionável pelas gerações futuras. É virtualmente certo que a nossa própria era não vai fugir a esta regra. Uma outra característica geral do pensamento do século XX que foi prefigurada por Peirce diz respeito à relação existencial do homem com o seu conhecimento, o facto de ele não se encontrar fora do mundo a olhar para ele, mas faz parte dele e é um participante, cujo conhecimento e entendimento dele tem, acima de tudo o resto, que ir ao encontro das suas necessidades urgentes. Este conceito acabou por ser defendido em comum por várias escolas de pensamento posteriores que estavam
«O REAL É ENTÃO AQUILO A QUE, MAIS CEDO OU MAIS TARDE, O CONHECIMENTO E O RACIOCÍNIO ACABAM POR DAR ORIGEM»
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acostumadas a pensar em si como opositoras: por exemplo, Heidegger e a moderna forma de existencialismo que se desenvolveu a partir dele, Wittgenstein e a filosofia analítica que alimentou a sua obra publicada a título póstumo e a epistemologia evolutiva que resultou da obra de Karl Popper.
PROSA LÚCIDA Peirce viveu e trabalhou no obscurantismo e era lido apenas por um punhado de amigos e de especialistas. Foi um amigo de longa data, chamado Wil1iam ]ames (1842-1910), que tornou o «pragmatismo americano» conhecido em todo o mundo. James formou-se em Medicina em Harvard e mais tarde foi aí professor de Anatomia e de Fisiologia, mas depois tornou-se professor de Psicologia. James tinha um estilo de prosa excepcionalmente agradável, bastante diferente do do seu irmão mais novo Henry James, o romancista enquanto Henry se tornaria famoso pela densidade e pela lentidão da sua prosa, a de Wil1iam era rápida, cheia de surpresas e lúcida devido a toda a sua riqueza de textura e e metáforas. Se tivéssemos que avaliar apenas o estilo literário, diríamos que Henry era o filósofo e Wil1iam o romancista. Os livros de Wil1iam alcançaram admiradores internacionais durante a sua vida e continuaram a ser bastante lidos desde então. Se hoje em dia mencionarmos o nome «James» no departamento de filosofia de uma universidade, as pessoas vão partir do princípio de que estamos a referir-nos a William James, ao passo que no departamento de literatura vão presumir que estamos a referir-nos a Henry James. Os livros mais conhecidos de William são: Princípios de Psicologia (1890); As Variedades da Experiência Religiosa (1902); O Pragmatismo (1907). UMA TEORIA DA VERDADE Enquanto Peirce tinha apresentado o pragmatismo como uma teoria da significação> James tratava-o como uma teoria da verdade. Ele defendia que essas afirmações e teorias são tão verdadeiras que executam todas as tarefas que lhes estão destinadas: primeiro do que tudo enquadram todos os factos conhecidos, estão de acordo com todas as afirmações confirmadas e com as leis científicas da experiência, mas também se opõem à crítica, sugerem critérios úteis, produzem vaticínios exactos e assim por diante. Se uma CHARLES SANDERS PEIRCE afirmação satisfizer todas estas exigências, ele pergunta qual será o motivo que nos impede de lhe chamar «verdadeira>,. Infelizmente para James, muitas pessoas pensavam que ele defendia a ideia crua de que a verdade é tudo o que resulta. O termo «pragmatismo» era já de si bastante infeliz neste contexto, porque levava a interpretações erradas. Além do mais, uma interpretação superficial de James foi incentivada em relação ao que parece que ele defendia sobre a crença religiosa — que se uma afirmação religiosa ou sistema de afirmações tivesse hipóteses de ser verdadeira, por outras palavras, não pudesse ser reprovada, e um determinado indivíduo fosse tirar um bom proveito ao acreditar nisso, então o facto de acreditar nisso estava justificado. Este era um conceito que estava prestes a tornar-se mais intimamente ligado ao nome de Jung. Peirce manteve boas relações pessoais com James e, escusado será dizer, não era superficial na sua compreensão em relação às teorias de James, mas dissociou-se publicamente da interpretação que James deu ao pragmatismo. O próprio James acabou por cansar-se do que parecia ser uma controvérsia interminável e frequentemente repetitiva em volta do pragmatismo e passou a concentrar a sua obra em outros problemas, deixando deliberadamente o campo do pragmatismo a um filósofo mais jovem, chamado John Dewey.
«NADA É VITAL
PARA A CIÊNCIA;
NADA PODE SER
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INTERNACIONAL John Dewey (1859-1952) começou por ser visto como um jovem tímido de Nova Inglaterra, educado na Universidade de Vermont. Era um bom aluno, sem ser brilhante, e recusaram-lhe por duas vezes uma bolsa para estudar filosofia a um nível de pós-graduação e no final teve que pedir emprestados quinhentos dólares a uma tia para o fazer. No entanto, graduou-se e passou toda a sua carreira como professor universitário, primeiro na Universidade de Michigan, depois em Chicago e finalmente na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque. Dewey começou por ser hegeliano, mas depressa passou para o pragmatismo. De acordo com as teorias pragmáticas, esteve sempre envolvido numa grande variedade de actividades práticas, por exemplo em grupos científicos e políticos, e na fundação de novos tipos de escolas. Ele estava sempre a tentar divulgar as suas ideias a um público mais vasto e produziu um jornalismo de elevada qualidade, assim como muitos livros. Tornou-se internacionalmente conhecido e influente. Leccionou em Tóquio, Pequim e Nanquim e desenvolveu pesquisas educacionais na Turquia, no México e na Rússia da era soviética. Aos 78 anos liderou uma comissão independente de inquérito quanto às acusações feitas contra Trotsky nos julgamentos de Moscovo; o seu veredicto, após uma investigação cuidadosa, foi «inocente". Quando a famosa História da Filosofia Ocidental de Bertrand Russell foi publicada em 1946, apenas a um único filósofo vivo foi dedicado um capítulo inteiro e foi ele John Dewey. A sua produção de livros era tão grande que se tornava difícil uma selecção, mas talvez o que dá a expressão mais concentrada das suas ideias centrais seja Lógica: a Teoria da Inquirição (1938). O seu livro mais popular foi Reconstrução da Filosofia (1920) e talvez o mais influente tenha sido A Escola e a Sociedade (1899).
APRENDER FAZENDO Dewey considerava um facto inevitável que, desde há centenas de anos, os maiores sucessos na aquisição de conhecimentos provinham, sem dúvida nenhuma, da ciência. Houve duas características deste facto que o abalaram violentamente: é mais confiante do que o nosso conhecimento em outros campos e também é mais útil para nós, no sentido em que marca uma diferença maior nas vidas que realmente levamos. Como pragmatista, Dewey considerava que o conhecimento de qualquer tipo era, acima de tudo, uma actividade humana e examinou o conhecimento científico deste ponto de vista para saber se o que ele tinha de tão especial podia adaptar-se a outros tipos de saber e chegou à conclusão de que sim. Ele achava que a ciência era uma forma altamente JOHN DEWEY disciplinada e auto crítica de interrogação com uma estrutura lógica que podia ser aproveitada, com sucesso, a quase todos os tipos de interrogação. Começamos sempre com uma dificuldade sentida de qualquer espécie, por isso a nossa primeira preocupação é clarificá-la, por outras palavras, é trabalhar continuamente na formulação do nosso problema. Este processo pode ser difícil e pode passar por diversas etapas. A próxima etapa é inventar uma possível solução para o problema. E a seguinte é testar essa solução experimentalmente. Se a nossa solução for rejeitada pelos testes, teremos que repensar: mas se for confirmada através da experiência teremos resolvido o problema e poderemos prosseguir. Dewey acabou por achar que este era o padrão fundamental e desejável para todas as interrogações. Segundo ele, é assim que o nosso conhecimento e a nossa competência podem desenvolver-se em todas as áreas — apesar, é claro, de os procedimentos particulares utilizados, tipo
QUANTO MAIS... INTERACÇÕES APURAMOS, MAIS CONHECEMOS O OBJECTO EM CAUSA
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de provas, métodos experimentais, etc., diferirem em campos diferentes. Uma vez que a crítica desempenha um papel essencial neste processo, Dewey considerava-a como uma actividade social inegável. Isto levou a que ele se interessasse bastante por instituições e pela forma como elas funcionavam. A crítica também ficou intrinsecamente ligada à sua concepção de democracia, na qual ele estava bastante empenhado, sendo um assunto sobre o qual escreveu muita coisa. Dewey defendia que a educação das crianças devia ser baseada nesta abordagem de solução de problemas aquilo que denominamos «aprender fazendo» — porque combinava o sentido prático com a total avaliação da importância da teoria e incentivava as crianças a serem imaginativas em ambos os níveis e, acima de tudo, porque iria educá-las para possuírem uma aptidão geral em todos os campos da actividade humana. As suas ideias sobre a educação foram influentes a nível mundial. Quando ele começou a escrever sobre o assunto, a educação era tida, em quase toda a parte, como algo que era imposto por intermédio de uma disciplina rígida a uma criança obstinada, contra a vontade dela. Os métodos propostos por Dewey para ressaltar as energias naturais da criança, por forma a levar a cabo o processo educacional, surtiram efeitos extraordinários. Ele foi um dos primeiros grandes modernistas em teoria de educação e talvez o melhor de todos.
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A FILOSOFIA DO SÉCULO XX O SÉCULO XX FOI O PRIMEIRO, DESDE A IDADE MÉDIA, EM QUE TODOS OS FILÓSOFOS ERAM ACADÉMICOS. EM PARTE COMO RESULTADO DISTO, HOUVE UM CRESCIMENTO SIGNIFICATIVO DA PREOCUPAÇÃO RELATIVAMENTE À ANÁLISE. OCORRERAM DESENVOLVIMENTOS MACIÇOS NA ANÁLISE LÓGICA E NA ANÁLISE LINGUÍSTICA, MUITO PARA ALÉM DO QUE SE TINHA SONHADO NA HISTÓRIA ANTERIOR SOBRE ESTA MATÉRIA. POR OUTRO LADO, OS MAIORES PROGRESSOS SUCEDERAM-SE EM DUAS FRENTES. UM DELES FOI UMA RESPOSTA DA CIÊNCIA DO SÉCULO XX, QUE OBRIGOU A UMA REAVALIAÇÃO RADICAL DA NATUREZA DO CONHECIMENTO HUMANO COMO TAL. O OUTRO FOI UMA TENTATIVA PARA COMPREENDER A CONDIÇÃO HUMANA NUM UNIVERSO QUE JÁ NÃO ERA VISTO COMO TENDO SIDO CRIADO POR DEUS, NEM COMO TENDO UM SIGNIFICADO OU UMA FINALIDADE PRÓPRIOS.
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FREGE E A LÓGICA MODERNA A LÓGICA PASSA A SER O CENTRO No início do século XX ocorreram rupturas na lógica que afectaram toda a restante filosofia. O SISTEMA DA LÓGICA apresentado por Aristóteles permaneceu inalterado na sua forma essencial até ao século XIX. Nessa altura, a lógica passou a ser considerada como parte integrante das leis que governam o pensamento. Tal como Schopenhauer disse, já não somos capazes de pensar com coerência sem obedecermos a estas leis, tal como não somos capazes de dobrar os nossos membros no sentido contrário ao das articulações. No entanto, na última fase do século XIX, um alemão chamado Gottlob Frege (1848-1925) previu quais seriam as consequências que iriam derrubar esta concepção de lógica e que trariam desenvolvimentos revolucionários a este assunto
A LÓGICA É OBJECTIVA Tal como muitas ideias de grande importância, isto parece óbvio depois de explicado, mas nunca fora óbvio antes. Acontece o seguinte: uma coisa realmente provém ou não de outra coisa e seja isso verdade ou não ela não pode definitivamente depender de nada que tenha a ver com a psicologia dos seres humanos. Por outras palavras, a lógica não consiste em «leis de pensamento» nem tem mesmo nada a ver com o pensamento. As relações lógicas são independentes do pensamento humano. Claro que nós, seres humanos, podemos conhecê-las, aprendê-las, examiná-las, interpretá-las mal e assim por diante, mas podemos fazer tudo isto com muitas outras coisas que existem independentemente de nós. A questão é que as proposições lógicas são verdades objectivas. Podemos entendê-las ou não conseguir entendê-las, mas a sua existência não tem nada a ver com nenhuma característica do pensamento humano. Quando este critério foi aplicado à filosofia geral, teve consequência graves. Desde Descartes, a filosofia ocidental foi dominada pela questão: «Que posso saber?» A teoria do conhecimento, a epistemologia, estava no seu centro; e isso queria significar que o que se passava na mente das pessoas era o assunto principal de investigação. Mas as ideias de Frege tiveram como consequência a «despsicologia» da filosofia. Qual é a sua finalidade e o que depende de quê são coisas independentes da mente humana. Assim, as nossas tentativas para compreendermos mundo não podem legitimamente centrar-se na epistemologia. A clara implicação disto é a filosofia dever basear-se na lógica e na epistemologia; e a obra Frege precipitou mudanças nessa direcção que continuaram persistentes em muitas das principais áreas da filosofia por todo o século XX. 15
A MATEMÁTICA É LÓGICA Um outro grande feito de Frege dizia respeito à nossa compreensão da matemática. Evidentemente que a matemática consiste quase inteiramente no que provi do quê. E os argumentos e demonstrações matemática tal como todos os outros argumentos e demonstrações têm que começar por algum sítio, a partir de algum: premissas; e também têm que ter, pelo menos, uma regra de origem se quiserem passar para além das su premissas. Como já foi dito, não é possível para um demonstração provar a validade das suas próprias premissas, nem das suas próprias regras de origem, porque se o tentasse fazer estaria a cair num círculo vicioso; porque já teria aceite o que se tinha proposto provar. Isto significa que todas as demonstrações matemáticas têm início em premissas não confirmadas e utilizam regras de procedimento cuja validade não estabelecem. Assim, o que uma «prova» matemática válida realmente prova é que, dadas as regras de procedimento, essas conclusões derivam dessas premissas. Não provam que as conclusões são verdadeiras, porque não pode provar que as premissas sejam verdadeiras. Uma vez que isto se aplica a todos os argumentos e demonstrações matemáticas sem excepção, toda a matemática tem que ser vista como, de alguma maneira, flutuando livremente no ar, sem qualquer apoio visível. Começando com a aritmética, o objectivo que Frege se propunha mostrar era que todos os pressupostos e regras não confirmados que sustentam este edifício da matemática podem ser oriundos dos mais elementares princípios da lógica. Isto teria como consequência validar a matemática como um conjunto de verdades necessárias que provêm de premissas puramente lógicas. O objectivo era estabelecer a GOTTLOB FREGE matemática sobre bases sólidas; mas este programa iria ter dois conjuntos de efeitos secundários que foram, cada um deles, de importância histórica. Se a lógica abarcava toda a matemática como uma consequência necessária, era tão verdade dizer que a lógica fazia parte da matemática como o era dizer que a matemática fazia parte da lógica. Em qualquer dos casos, o que durante mais de dois mil anos se tinha pensado que constituía toda a lógica não passaria de um pequeno pedaço dela. À luz desta probabilidade, o estudo da lógica sofreu uma transformação passando para um campo vasto e altamente técnico sobrepondo-se à matemática e hoje é ensinada e pesquisada em todas as principais universidades do mundo. O outro importante efeito secundário era a matemática ter uma extensão igual à da lógica, o que fazia com que a «despsicologia» da lógica implicasse automaticamente a «despsicologia» da matemática. Ao longo da história da matemática, sempre houve uma disputa sobre a sua natureza fundamental entre os que a viam como um produto da mente humana, tal como a linguagem, e os que a viam como tendo uma existência independente e própria. Se o programa de Frege tivesse sido efectuado com sucesso, a sua disputa assentaria a favor da última opção.
«NÃO HÁ NADA
MAIS OBJECTIVO DO QUE AS LEIS
DA MATEMÁTICA
FAMA TARDIA Frege era um matemático e passou toda uma longa vida de trabalho no departamento de matemática da Universidade de Iena. Apesar de ter publicado as suas descobertas, elas não foram lidas pelos membros dos departamentos de filosofia das universidades alemãs, que na altura estavam firmemente enraizadas no idealismo alemão, com a sua crença empenhada no conceito de que a matemática era um produto da mente humana. Durante muitos anos, as descobertas de Frege também não cativaram o mundo dos filósofos de expressão inglesa, mas também poucos eram os que sabiam ler em alemão. Assim, Frege passou os seus anos mais produtivos no obscurantismo. Mas acabou por 16
ser um inglês, Bertrand Russell, que o «descobriu», e tornou muito conhecida a sua obra no mundo — apesar de Russell já ter efectuado as suas próprias pesquisas redescobrindo e reinventando o que Frege já tinha feito. Antes de se voltar para a filosofia, Russell estudara matemática em Cambridge. E o facto de ter tido em criança uma ama alemã fez com que soubesse falar alemão antes mesmo do inglês. Tudo isso permitiu a Russell combinar e desenvolver ao máximo o trabalho que ele e Frege tinham iniciado separadamente. E ao desenvolver as suas implicações ao longo de todos os ramos da filosofia pode dizer-se que ele iria tornar-se o filósofo individual mais influente do século XX.
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R USSEL E A FILOSOFIA ANALÍTICA A FILOSOFIA CENTRA A SUA ATENÇÃO NA LINGUAGEM Bertrand Russell utilizou a nova lógica para analisar afirmações da linguagem comum. Isto inaugurou uma nova forma de abordar a Filosofia. BERTRAND RUSSELL (1872-1970) teve uma das vidas mais interessantes entre as grandes figuras da filosofia. Era neto de Lorde John Russell, que conduziu o Projecto de Reforma de 1832 até à Câmara dos Comuns e posteriormente tornou-se primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Ambos os pais do jovem Bertie morreram antes de ele completar os quatro anos, por isso ele foi viver com os avós, que o educaram em casa; e isto quer dizer que ele cresceu num ambiente familiar da aristocracia inglesa no apogeu da sociedade britânica, numa altura em que a própria Grã-Bretanha estava no auge do seu esplendor imperial como potência mundial. A seu tempo, Russell herdaria o título de conde do seu avô, através do irmão mais velho.
BERTRAND RUSSEL Ruassel passou os últimos 15 anos da sua vida numa campanha activa contra o fabrico de armas nucleares. Mesmo aos 90 anos, esteve entre os chefes de Estado durante a crise dos mísseis cubanos de 1962, quando os EUA mandaram os Soviéticos retirar os mísseis nucleares de Cuba ou enfrentariam um ataque nuclear.
APAIXONADO PELA MATEMÁTICA Aos 11 anos, Russell apaixonou-se pela matemática. Na sua autobiografia, ele escreveu: «A partir do momento em que Whitehead e eu terminámos os Principia Mathematica, quando eu tinha 38 anos, a matemática era o meu principal interesse e a mais importante fonte da minha felicidade." Russell foi para Cambridge, onde estudou matemática a princípio e depois conciliou-a com a filosofia. Em consequência disto, o seu primeiro livro de importância duradoura, publicado em 1900, era um estudo sobre o grande matemático e filósofo Leibniz. Foi o único livro que ele escreveu sobre outro filósofo —muito ..embora, claro, a sua História da .Filosofia Ocidental. um best-seller internacional quando foi publicada em 1946, fosse inteiramente dedicada à obra
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PIONEIRO NA LÓGICA Russell estava envolvido com a vida numa vasta frente. Enquanto jovem, foi um activista socialista e concorreu ao Parlamento como candidato pelo Partido Trabalhista. Esteve na vanguarda das novas ideias sobre questões sociais que se tornaram influentes nos primeiros anos do século xx, o tipo de atitudes liberais e radicais em relação à guerra, ao império, à reforma legal, às classes sociais, ao casamento, à moral, e assim por diante, cujo defensor mais notável na Grã-Bretanha desse tempo foi George Bernard Shaw — uma posição da qual Russell foi o sucessor de Shaw no final da sua vida. Na meia-idade, Russell escreveu livros e crónicas sobre esses assuntos. Casou quatro vezes e a partir de uma certa idade tornou-se um manifesto mulherengo. Devido a este leque de actividades, combinação de talentos e conhecimentos sociais, Russell estava sempre a viajar para o estrangeiro; e em todo o lado onde se deslocava conhecia pessoas ao mais alto nível, na política, na literatura, nas ciências e no mundo académico. Teve uma vida extraordinária. Escreveu mais de sessenta livros, ganhou o Prémio Nobel da Literatura e manteve-se activo como figura pública até uma altura que distou uns escassos dois anos do que seriam os seus cem anos de vida. Talvez surpreendentemente para uma pessoa com esta descrição, a sua contribuição para a filosofia começou a um nível bastante técnico. Independentemente de Frege, ele chegou à conclusão de que a aritmética e talvez toda a matemática podiam derivar de princípios fundamentais da lógica. Isto foi defendido no seu livro Os Princípios da Matemática, publicado em 1903. Utilizando os princípios BERTRAND R USSEL fundamentais de Frege juntamente com os seus próprios, embarcou então na gigantesca tarefa de provar a sua teoria, efectuando as verdadeiras reduções requeridas para demonstrá-lo. Fez isto em colaboração com a pessoa que lhe tinha ensinado matemática em Cambridge, Alfred North Whitehead. Juntos produziram três grossos volumes dos Principia Mathematica, publicados em 1910-13, considerados por muitos como a maior contribuição individual para a lógica desde Aristóteles. Foi apenas depois destas enormes proezas no campo da lógica matemática que Russell dirigiu os seus esforços para a filosofia. Nesta altura já tinha 40 anos.
«O SEGREDO DA FELICIDADE É ENFRENTAR O FACTO DE QUE O MUNDO É HORRÍVEL, HORRÍVEL, HORRÍVEL»
A BUSCA PELA CERTEZA O seu primeiro livro de filosofia, publicado em 1912, foi Os Problemas da Filosofia. Continha ideias originais e, contudo, ao contrário da sua obra na lógica matemática, era acessível ao principiante interessado. Esta era uma característica de todos os seus livros seguintes, tal como, evidentemente, tinha sido das obras de quase todos os grande filósofos. De salientar que entre os seus livros estava um cujo título resumia o seu programa como filósofo: O Nosso Conhecimento do Mundo Exterior como Campo para o Método Científico da Filosofia, publicado em 1914. Outros livros importantes são A Filosofia da Lógica Atomista (1918), A Análise do Espírito (1921) e A Análise da Matéria (1927) Depois seguiram-se os anos ::m que Russell esteve mais Profundamente mergulhado nas suas actividades política, social e educacional. Mas depois surgiu Significação e Verdade (1940) e O Conhecimento Humano (1948). Russell encerrou a :ua carreira na filosofia com um livro que avaliou, com olhar crítico, o trabalho da sua vida, A Evolução do Meu Pensamento Filosófico, publicado em 1959. 19
Como filósofo, Russell sentia-se em linha de sucessão directa dos famosos empiristas britânicos, entre os quais se destacaram as figuras de Locke, Berkeley, Hume e Mill. (Na verdade, Mill era o padrinho de Russell.) Acreditava que todo o conhecimento do mundo exterior — tanto o nosso conhecimento quotidiano global como o nosso conhecimento científico — era oriundo, afinal, da experiência e o que ele queria fazer era descobrir uma demonstração racional da certeza deste conhecimento e colocá-lo em bases sólidas e inabaláveis.
ANALISAR O QUE DIZEMOS Enquanto os seus antepassados tomaram como garantido que o conhecimento era uma questão da epistemologia e abordaram-no apenas nesses termos, Russell trouxe aos problemas todo o mecanismo da lógica que ele, Whitehead e Frege tinham desenvolvido entre eles. Tal como antes, tentou dar à matemática as bases lógicas seguras, por isso agora tentou fornecer ao nosso conhecimento do mundo exterior, incluindo o nosso conhecimento científico, as bases lógicas seguras, e em ambos os casos o objectivo era estabelecer o conhecimento humano com absoluta certeza. Russell nunca foi capaz de o fazer em nenhum dos casos; mas em ambos alcançou coisas muito positivas enquanto tentava. Dado o programa de Russell e o seu trabalho, para ele era natural aplicar as técnicas da análise lógica às nossas comuns afirmações do conhecimento. Logo de imediato, descobriu sérias dificuldades no que respeita ao significado e à verdade, até mesmo nas afirmações mais simples. Se dissermos que «O herdeiro do trono britânico é careca», o significado da nossa afirmação parece óbvio; e se tentarmos determinar a sua verdade verificando os factos descobrimos que ela é falsa. Mas suponhamos que vamos mudar a afirmação apenas ligeiramente por forma a que pareça quase a mesma: «O herdeiro do trono francês é careca.» Isto é verdadeiro ou falso? Não existe um trono francês e, consequentemente, não existe herdeiro, por isso a afirmação não se refere a nada nem a ninguém. Então como podemos dizer se ela é verdadeira ou falsa? Na verdade, será que ela significa alguma coisa? Assim que Russell sujeitou a nossa maneira normal de falar sobre as coisas a este tipo de análise lógica, expô-la como um campo minado de problemas e armadilhas. Mostrou, tal como no exemplo de cima, que as duas afirmações possuem exactamente a mesma forma gramatical e, contudo, dois conjuntos de implicações lógicas totalmente diferentes, por forma a que pelo menos num dos casos a forma linguística do que estamos a dizer está, na verdade, a esconder a sua verdadeira natureza lógica, o que pode ser altamente problemático. BERTRAND R USSEL
«A MATEMÁTICA POSSUI NÃO APENAS VERDADE COMO TAMBÉM BELEZA — UMA BELEZA FRIA E AUSTERA. COMO A DE UMA ESCULTURA»
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA ANALÍTICA Esta obra pioneira de Russell iniciou um desenvolvimento na filosofia que se tornou conhecido como «filosofia analítica» e que quase acabaria por dominar a filosofia do mundo de expressão inglesa durante grande parte do século XX. No decorrer do tempo, ela assumiu diversas formas, mas uma que era comum a todas era a análise pormenorizada de proposições, ou dos termos individuais e dos conceitos que ela empregava, ou das suas implicações lógicas tanto internas como 20
externas, com vista a trazer à superfície tudo o que nelas estava oculto. A questão fundamental sempre foi esta: «Que estamos realmente a dizer quando dizemos isto ou aquilo?» Entre os grupos que continuaram a abordagem de Russell e a desenvolveram, houve um que surgiu em Viena na década de 20 e ficou conhecido como o Círculo de Viena. Consistia mais em cientistas e matemáticos do que em filósofos e a sua principal preocupação era determinar as bases filosóficas de uma visão científica. A sua era uma filosofia que ficou conhecida como o positivismo lógico. Defendiam que o verdadeiro significado de uma afirmação era revelado quando nos perguntávamos: «Que teríamos que fazer para determinar a veracidade ou a falsidade desta afirmação?» Por outras palavras, que diferença observável faz a sua veracidade ou falsidade para a forma como as coisas realmente são? Uma afirmação que pretende ser sobre a realidade mas cuja veracidade ou falsidade não faça diferença observável a nada que não tenha conteúdo nem significado — não quer dizer nada. É nesta convicção que eles têm algo fundamentalmente em comum com os pragmatistas americanos, mas a sua formulação era mais compacta: apenas as afirmações que são empiricamente verificáveis são empiricamente significativas; e o verdadeiro significado de qualquer afirmação dada é revelado através da sua verificação. É com este bisturi que os positivistas lógicos eliminam grande parte do absurdo extravagante que herdaram do passado, principalmente da tradição já decadente do idealismo alemão. A sua dissecação de formas religiosas de falar sobre o mundo e também do discurso político da ascensão da ideologia fascista no mundo de expressão alemã desse tempo era implacável. Aqui estava uma filosofia com um apelo especial para os jovens iconoclastas. O livro que a apresentou ao mundo de língua inglesa, Linguagem, Verdade e Lógica (1936), foi escrito por uma pessoa ainda na casa dos 20 anos, A. J. Ayer. Com a ascensão dos nazis ao poder na Áustria como na Alemanha (a fusão dos dois países foi feita por Hitler em 1938), os membros do Círculo de Viena dispersaram-se e fugiram principalmente para os Estados Unidos e para a Grã-Bretanha, onde exerceram uma importante influência em toda uma geração.
SENSO COMUM Entretanto, na Grã-Bretanha, um amigo de longa data de Russell, chamado G. E. Moore, tinha adoptado a análise das afirmações da linguagem comum, não utilizando nem a ciência nem a lógica técnica como sua bitola, mas sim o senso comum. Isto evoluiu grandemente através da intervenção de uma personalidade chamada J. L. Austin, numa forma de filosofia que acabaria por desalojar o positivismo lógico. Ficou conhecida como «filosofia linguística>, ou «análise linguística» e o seu critério era a utilização comum da linguagem. Os positivistas lógicos estavam errados, segundo diziam os linguistas, ao tentarem confinar os padrões científicos em todas as formas de expressão linguística. Inúmeros tipos diferentes de discurso espontâneo compõem a vida humana e cada um deles tem a sua lógica própria. Os problemas filosóficos são confusões conceptuais que surgem quando uma forma de expressão linguística apropriada a um tipo de discurso é mal utilizada no contexto errado. A tarefa do filósofo é desfazer essas confusões, empregando as utilizações comuns da linguagem segundo o seu critério. Quando ele mostrar como surgiu uma tal confusão, não só já teremos resolvido o problema como também já o eliminámos — tudo estará claro e já não será considerado um problema.
COMPREENDER O MUNDO O atractivo da filosofia linguística recebeu o seu maior impulso na obra final de Wittgenstein, 21
um discípulo de Russell, sobre quem nos debruçaremos no próximo capítulo. Mas, tal como o positivismo lógico acabaria por ser considerado como a corrente filosófica mais na moda entre a geração do mundo de expressão inglesa durante a Segunda Guerra Mundial, também a filosofia linguística faria moda na geração seguinte, sobretudo na Grã-Bretanha. Desde então, a filosofia de ambos os países passou a estar menos ligada à moda e os seus problemas derivam de um vastíssimo leque de assuntos, de forma nenhuma confinados às ciências. Mas a visão dominante do papel da filosofia continuou a ser a análise lógica de formulações na linguagem, em que a opinião era trazer à luz implicações ocultas — e essa foi uma tarefa inaugurada por Russell. No entanto, o próprio Russell começou a achar cada vez mais que os filósofos que se lhe seguiram estavam a cair numa coisa que era essencialmente uma actividade decadente da análise em si — começaram a considerar a filosofia como sendo análise —, quando o que ele pretendera era aplicar a nova lógica do século XX à tarefa tradicional da filosofia no entendimento da natureza da realidade exterior a nós mesmos.
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WITTGENSTEIN E A FILOSOFIA LINGUÍSTICA UMA FILOSOFIA QUE NÃO VAI ALÉM DA LINGUAGEM E DA LÓGICA Wittgenstein produziu duas filosofias, tendo ambas sido influentes. Na mais recente, a análise linguística alcançou o seu grau supremo de requinte. APESAR DE LUDWIG WITTGENSTEIN (1889-1951) ter nascido em Viena e de ter escrito em alemão, passou a maior parte da sua carreira como filósofo na Grã-Bretanha, na Universidade de Cambridge, e adquiriu a cidadania britânica. Em qualquer dos casos, por ter três quartos de ascendência judaica, nunca poderia ter regressado à Áustria durante o nazismo. O seu pai fora o mais magnata do aço da Áustria e Ludwig herdou dele uma fortuna. Era um de cinco irmãos, três dos quais se suicidaram e o outro, Paul, tornou-se internacionalmente famoso como pianista. Paul perdeu o braço direito durante a Primeira Guerra Mundial, depois do que passou apenas a executar peças para a mão esquerda de compositores famosos da altura, incluindo concertos de Ravel e de Prokofiev.
AVENTURA EXCITANTE Ludwig cresceu.fascinado pelas máquinas e recebeu uma instrução firmemente baseada na física e na matemática. Foi para estudar engenharia aeronáutica que partiu para Inglaterra em 1908 e passou três anos na Universidade de Manchester. Enquanto lá esteve ficou fascinado pelo que er~m na verdade questões filosóficas sobre a matemática que ele estava a usar. Isto fez com que ele lesse os Princípios da Matemática de Russell. O livro foi uma revelação. Wittgenstein fez uma visita a Frege na Alemanha para discutir o livro e a conselho de Frege abandonou o seu posto em Manchester e foi para Cambridge estudar filosofia sob a orientação de Russell, que escreveu mais tarde: «Conhecer Wittgenstein foi uma ( aventuras intelectuais mais excitantes da minha vida.» OS LIMITES DO SENTIDO Na adolescência, Wittgenstein leu Schopenhauer e chegou à conclusão de que Schopenhauer estava, segundo ele mesmo diz, fundamentalmente certo. Durante o resto da vida, Wittgenstein aceitou uma visão de realidade total que via como dividida, por um lado, entre um plano do qual não podemos ter um entendimento conceptual e, por conseguinte, do qual não podemos dizer nada. Por outro lado, 23
via este mundo fenomenal da nossa experiência, do qual podemos, na verdade, falar e tentar compreender. Ele sempre achou que a filosofia inteligível tinha que restringir-se ao mundo do qual podemos falar, com a do de se tornar inutilmente absurda caso se ultrapassassem os limites.
LINGUAGEM E REALIDADE No entanto, ao princípio ele viu o trabalho pioneiro de Frege e de Russell como uma possibilidade de colocar a visão de Schopenhauer do mundo fenomenal em bases mais sólidas, bases essas não só epistemológicas como também lógicas. Por sua vez, isto tornou possível explica como o mundo pode ser descrito através da linguagem, explicando assim a relação entre linguagem e realidade. E como próximo passo isto seria, em princípio, possível para nós demonstrarmos em pormenor quais eram os limites que podiam ser inteligivelmente expressos na linguagem e, portanto, quais eram os limites do pensamento conceptual inteligível. Uma vez que Schopenhauer estava «fundamentalmente certo», estas eram as únicas tarefas importantes que faltava à filosofia desempenhar. Assim, a filosofia mais antiga de Wittgenstein era baseada numa versão revista do programa de Kant-Schopenhauer para tentar estabelecer os limites daquilo que é apreensível pelos seres humanos. Wittgenstein começou por trabalhar o tema em termos dos novos desenvolvimentos do século XX na lógica e na análise da linguagem. FORMA LÓGICA Esta é a essência do primeiro livro de Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (1921). O título proibido foi-lhe sugerido por G. E. Moore e parece conter uma alusão ao Tractatus theologica politicus de Espinosa. O livro de Wittgenstein é quase sempre referido simplesmente como Tractatus. Wittgenstein acreditava honestamente que com este livro tinha clarificado os problemas importantes que permaneciam por abordar na filosofia, por isso afastou-se para se dedicar a outras coisas. O seu livro tornou-se a bíblia do Círculo de Viena e influenciou fortemente toda uma geração de filósofos. No entanto, enquanto fazia isto, o próprio Wittgenstein estava a chegar à conclusão de que esse conceito estava errado. Assim, com alguma relutância ao princípio, regressou ao mundo da filosofia de Cambridge em 1929 e aí permaneceu até à sua morte em 1951. Durante este segundo período, Wittgenstein não publicou virtualmente nada; mas depois da sua morte apareceu um conjunto volumoso de escritos, volume após volume. O mais importante de todos foi Investigações Filosóficas, publicado em 1953. Pelo menos na Grã-Bretanha, provavelmente foi a obra isolada mais influente da filosofia desde a Segunda Guerra Mundial. O livro divulgou o nome de Wittgenstein fora da filosofia, em campos que oscilam entre a sociologia e a crítica literária, e tornou-o um dos ícones intelectuais do seu tempo. Wittgenstein produziu, então, duas filosofias diferentes no decorrer da sua vida e cada uma delas exerceu grande influência. Normalmente são referidas como «o primeiro Wittgenstein» e «o último Wittgenstein». A sensação que ele próprio teve de que a sua primeira filosofia estava bastante errada é a denominada «teoria ilustrada do significado». Esta expressão assentava numa analogia com a pintura. Um pequeno pedaço de tela é um tipo de objecto totalmente diferente da extensão de uma cena campestre e, contudo, um pintor é capaz de fazer com que a primeira represente a segunda com um reconhecimento imediato, colocando nela determinadas manchas de cor com a mesma relação com que os elementos correspondentes se referem uns aos outros na paisagem A este conjunto de relações internas comuns a ambas Wittgenstein deu o nome de «forma lógica» e disse que era porque a forma lógica era a mesma em ambos os casos, em que uma podia representar a outra. De forma semelhante, ele defendia que somos capazes de reunir palavras, que representam coisas, em frases que têm a mesma forma lógica 24
que o estado de coisas que as frases descrevem e, por conseguinte, são capazes de representar a realidade com precisão (ou, claro, com imprecisão) através da linguagem. Por isso, é a forma lógica que nos permite falar sobre o mundo.
FORMAS DE VIDA Mais tarde, Wittgenstein começou a achar que tinha escolhido uma das muitas grandes tarefas que a linguagem é capaz de executar e generalizou uma teoria de significado completa a partir daí. A linguagem pode fazer muitas outras coisas para além de retratar a realidade: pode dar ordens (este foi o seu primeiro contra-exemplo) e fazer todo o tipo de coisas que não podem retratar nada. Para explicar como o significado funciona, ele abandonou a sua metáfora de um retrato e, ao invés, adoptou a metáfora do instrumento. Segundo dizia, a linguagem é um instrumento que pode ser usado para um número indefinido de tarefas diferentes e o seu significado consiste em todas as várias coisas que podem ser feitas com ele. Se pegarmos numa palavra ou num conceito solados, o seu significado consiste na soma total das suas utilizações possíveis, que podem ser várias. Não existe .necessariamente uma «única coisa» que «represente»: não é provável que o seu significado seja unilateral, muito embora haja provavelmente uma semelhança familiar entre os seus muitos rostos. Mas quando mostrarmos tudo o que A TEORIA ILUSTRADA pode ser feito por ela já descrevemos exaustivamente DO SIGNIFICADO o seu significado: já não resta mais nada, por assim dizer. Uma tal descrição rejeita duas teorias Apesar de a tela ser um tipo de objecto muito daquele que está a ser pintado, o artista é tradicionais de significado. Uma delas é que as diferente capaz de representar a cena usando a cor, por palavras específicas representam coisas específicas e forma a que os dois partilham a mesma «forma possuem significados fixos: a verdadeira situação é lógica». De igual modo, Wittgenstein acreditava muito mais multiforme e fluida do que isso. A outra é que as palavras podem representar a realidade se, que as palavras desviam os seus significados das mais uma vez, ambas partilharem a mesma forma intenções dos seusutilizadores, por forma a que para lógica. compreender o que uma pessoa diz é necessário saber o que ela tem em mente. Wittgenstein insistia em dizer que a linguagem é pública. Nós aprendemo-la e à forma como a urilizamos através de outras pessoas em situações sociais. Segundo ele diz, não pode haver uma linguagem particular: isso iria contradizer a própria natureza da linguagem. Na verdade, Wittgenstein acreditava que as palavras recebiam, afinal, o seu significado de formas completas de vida. Existe, por exemplo, todo um mundo de actividade científica e os termos científicos derivam os seus significados da forma como são usados neste mundo — e isso pode mudar com o tempo. De forma semelhante, existe todo um mundo de actividade religiosa que possui a sua própria linguagem e um mundo de actividade musical e um mundo de negócios e um mundo militar e um mundo teatral e assim por diante. O que é aparentemente o mesmo conceito pode funcionar de forma bastante diferente em mundos diferentes. Por exemplo, o que constitui «prova», é bastante diferente para um advogado, para um historiador e para um físico. O boato não é admissível como 25
prova num tribunal> ao passo que por vezes ele é a única prova que um historiador possui e nesse caso pode fazer uso criterioso dele, enquanto para um físico a questão do boato nem sequer se coloca — não existem boatos na física. Foi este aspecto da filosofia de Wittgenstein que foi considerado pela primeira vez como um instrumento útil para os sociólogos e para os antropólogos e foi aproveitado por alguns deles.
«O SIGNIFICADO DE UMA PALAVRA É A SUA
A FILOSOFIA COMO LINGUAGEM Houve um período na terceira metade do século XX em que Wittgenstein dominou a filosofia em Cambridge, J. L. Austin dominou-a em Oxford e os seus métodos sobrepuseram-se. Ambos viam os problemas filosóficos não como eles nos eram apresentados pelos mistérios fundamentais do mundo em que nos encontramos tempo, espaço, matéria, ligação causal e assim sucessivamente — mas como confusões nas quais LUDWIG WITTGENSTEIN tropeçamos como resultado do nosso abuso da linguagem, como se, digamos, utilizássemos o termo "prova» num contexto enquanto ele seria apropriado apenas num outro e assim ficaríamos entregues a uma desordem lógica. O exemplo é muito simples para ilustrar o assunto: o tipo de confusões com que os filósofos se preocupam era, globalmente, muito mais subtil do que isso. A tarefa do filósofo, segundo eles achavam, era arrumar todas essas desordens através de uma análise meticulosamente cuidada da nossa utilização da linguagem. Isto deu origem a muitos estudos empíricos válidos sobre a linguagem e forneceu oportunidades para exibições de brilhantismo e subtileza de análise, o que dava às pessoas imenso prazer fazer. Mas a abordagem completa não ia mais além do que a LUDWIG WITTGENSTEIN linguagem e a lógica relativamente aos seus problemas. Ela proporcionava uma análise racional para o assunto. Dizia-se que os problemas empíricos iriam ser resolvidos através de métodos empíricos, quer eles fossem de senso comum, da ciência adequada, da política, do sistema judicial ou quaisquer outros. Contrariamente ao que muitas pessoas pensaram no passado, a filosofia não podia contribuir com nada a este nível. A sua tarefa era resolver problemas conceptuais, analisar e clarificar conceitos e a sua utilização. Com base nisto, muita da filosofia do mundo de expressão inglesa acabou por ser envolvida apenas pela linguagem e as suas preocupações particulares transformaram-se em problemas que diziam respeito ao significado, às referências e à verdade.
UTILIZAÇÃO NA LINGUAGEM
«SE UM LEÃO PUDESSE FALAR NÃO O ENTENDERÍAMOS»
O DISCURSO COMO ACÇÃO No entanto, após um determinado período de tréguas, cada vez mais pessoas no próprio mundo da filosofia, enquanto apreciam completamente os méritos desta abordagem, passaram a achar 26
que ela era indevidamente limitada, demasiadas vezes inclinada a tombar para a escolástica. Quando A. J. Ayer descreveu a obra de J. L. Austin como árida, houve muitos colegas que concordaram com ele. Hoje em dia, a tendência entre os filósofos analíticos é cada vez mais aplicar as suas técnicas formidáveis de análise aos problemas exteriores aos confins da lógica e da linguagem -na verdade, através de toda uma gama de temas que os filósofos raramente consideraram no passado, incluindo a música, o sexo e as políticas sociais sobre assuntos relacionados com a raça eo sexo, juntamente com tipos mais tradicionais de problemas que continuam a ser procurados. No entanto, a abordagem continua a ser através da análise de conceitos e de métodos de utilização linguística característicos desses campos. Para prestar justiça a Austin, ele contribuiu com uma ideia particularmente produtiva para a filosofia, a «lei do discurso». Salientou que sempre que dizemos alguma coisa estamos a fazer alguma coisa: a descrever, a negar, a incentivar, a mandar, a perguntar, a sugerir, a explicar, a avisar e assim por diante. Pode até ser impossível falar sem fazer uma destas coisas: e Austin afirmava que era capaz de distinguir mil acções diferentes que as pessoas executam pela sua utilização linguística das palavras. Normalmente, ele começava a sua análise de uma frase perguntando: «Que estaria uma pessoa a fazer se dissesse isto? E em que circunstâncias seria realmente usado?» E argumentava que, se não houvesse circunstâncias imagináveis nas quais a afirmação seria utilizada, então ela não teria significado. Um tipo de lei do discurso que identificou despertou especialmente a fantasia das pessoas e foi a isso que ele chamou «expressões linguísticas representativas». Estas são afirmações que executam as acções que descrevem. Exemplos disso são «Agradeço-te», «Felicito-te», «Prometo» e «Peço desculpa».
O SÉCULO DA LINGUAGEM CONSCIENTE No entanto, o nome de Austin não entrou para o mundo da cultura geral, ao passo que o de Wittgenstein entrou. A ingenuidade e a subtileza das análises que Wittgenstein faz dos significados linguísticos tornaram-no popular aos olhos de uma série de críticos literários, tal como a sua posição essencial desses significados em formas de vida o tornou popular entre os sociólogos e os antropólogos. Por razões que ultrapassam o âmbito da filosofia e que afectam todas as artes e todos os assuntos académicos, o século XX tem estado mais preocupado com a linguagem e mais consciente em relação à sua utilização do que o século anterior. Sendo assim, a filosofia linguística que se desenvolveu ao longo do século XX deu por si a adequar-se ao temperamento da sua época e recebeu uma aceitação mais rápida da comunidade intelectual em geral do que é provável que tenha acontecido em qualquer época anterior. Em nenhuma altura anterior nenhum filósofo de nome e de mérito acreditou que o tema adequado à filosofia era a linguística e, na verdade, muitos filósofos notáveis do século XX também não acreditavam nisso. Já tinham sido feitas referências ao facto de que Bertrand Russell, que apadrinhou essa abordagem, se declarou embaraçado por qualquer pessoa pensar nisso como uma concepção adequada da filosofia; e houve também outros vultos importantes, cujos métodos eram muito diferentes dos de Russell, que estavam a seguir caminhos bastante diferentes.
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O EXISTENCIALISMO DE KIERKEGAARD A HEIDEGGER O indivíduo acha que a sua própria identidade é um problema e espera descobrir um significado na vida através da investigação do mistério da sua própria existência.
MARTIN HEIDEGGER
SØREN KIERKEGAARD
Um importante expoente do existencialismo, Heidegger continua a ser uma influência contínua no pensamento intelectual. Originalmente foi educado para ser um jesuíta, antes de estudar com Husserl e de se tornar o seu sucessor na Universidade de Freiburg. O seu apoio ao nazismo arruinou a sua reputação.
O fundador do existencialismo nasceu e viveu a maior parte da sua vida em Copenhaga. As suas ideias inspiraram muitos filósofos do século XX, particularmente os existencialistas. Kierkegaard acreditava que nenhum sistema de pensamento era capaz de explicar a experiência única do indivíduo.
A FILOSOFIA MAIS NA MODA na Europa durante o período imediatamente seguinte ao da Segunda Guerra Mundial foi o existencialismo. Ele floresceu não só em universidades como também nos mundos do jornalismo de qualidade, dos intelectuais de café, nos poemas, nos romances, nas peças de teatro e nos filmes, até mesmo em cabarés e clubes nocturnos. Foi indubitavelmente um dos movimentos intelectuais mais importantes do século XX e permanece sendo um elemento significativo do pensamento contemporâneo, para além de ter deixado para trás de si uma série de peças de teatro e de romances duradouros. 28
Uma coisa curiosa em relação a isto é que a moda veio muito tempo depois da filosofia. O principal filósofo existencialista do século XX, Martin Heidegger, escreveu as suas obras mais importantes durante a década de 20; e os pensadores que lhe estão próximos em linha de influência eram muito anteriores a essa época e destacaram-se no século XIX: Kierkegaard e Nietzsche (em relação a Nietzsche ver pp. 172-179). A súbita moda das ideias existencialistas que pareciam ter surgido praticamente do nada nas décadas de 40 e 50 estava, de facto, enraizada num processo de reacção contra a experiência do domínio e ocupação nazi, de que a Europa estava a começar a emergir.
EU E DEUS O fundador do existencialismo é normalmente considerado como sendo um pensador dinamarquês chamado Soren Kierkegaard (1813-55). Ele escreveu numa altura em que o filósofo dominante da época era o recém-falecido Hegel. Segundo dizia Kierkegaard, Hegel explicava tudo em termos de enormes esferas de ideias, nas quais as coisas reais e as entidades individuais nem sequer eram muito mencionadas, considerando que os factos são as únicas coisas individuais que existem. As abstracções e as generalizações não existem no mesmo sentido: elas são ajudas que inventamos para nós mesmos, por forma a podermos pensar e estabelecer ligações. Mas se quisermos entender o que existe temos que descobrir alguma forma de chegarmos a um entendimento apenas com as entidades individuais, porque elas são tudo o SØREN K IERKEGAARD que existe. Isto é especialmente verdadeiro nos seres humanos. Hegel tinha visto o indivíduo realizando-se a si mesmo apenas quando era absorvido numa entidade maior e mais abstracta do estado orgânico, considerando que, segundo Kierkegaard, é o próprio indivíduo que é a entidade moral suprema e, portanto, são os aspectos pessoais e subjectivos da vida humana que são os mais importantes. Devido ao valor transcendente das considerações morais, a actividade humana mais importante é tomar decisões: é através das escolhas que fazemos que criamos as nossas vidas e nos tornamos nós mesmos. Para Kierkegaard, tudo isto tinha implicações religiosas: ele acreditava, na tradição central do cristianismo protestante, que o que mais interessava acima de tudo era a relação da alma individual com Deus.
«O SUPREMO PARADOXO DE TODO O PENSAMENTO É A TENTATIVA DE DESCOBRIR ALGO QUE O PENSAMENTO NÃO PODE PENSAR»
DOIS EXISTENCIALISMOS Muitos pensadores concordaram com Kierkegaard até à altura em que ele se refere a Deus, mas não partilharam a sua crença em Deus. Por causa disto desenvolveram-se, lado a lado, duas tradições paralelas do existencialismo: o existencialismo cristão e o existencialismo humanista. Ambos atingiram a sua mais alta produtividade no século xx. Este livro não vai tentar embrenhar-se nas tradições religiosas do existencialismo, excepto para salientar que alguns dos teólogos mais originais do século xx foram significativos pensadores existencialistas, que se sentiram devedores de Kierkegaard. Neles se incluem Karl Barth, Paul Tillich e Rudolf Bultmann. Uma das preocupações deste livro é para com a tradição puramente filosófica do existencialismo, aquela que não apela à fé religiosa: o existencialismo humanista. Também este tem as suas raízes no século XIX na obra de 29
Kierkegaard, mas por outro lado, também na obra de Nietzsche, que era ateu. O seu representante mais notável foi Martin Heidegger.
MACULADO PELO NAZISMO Martin Heidegger (1889-1976) nasceu em Baden, na Alemanha, no mesmo ano em que nascia Wittgenstein em Viena. Viveu na Alemanha durante toda a sua existência e também foi um académico durante toda a vida. Enquanto aluno em Freiburg, estudou sob a orientação do famoso Edmund Husserl (1859-1938) e foi educado segundo o método especial de Husserl, que iremos resumir daqui a pouco. Fez um uso fundamental dos seus métodos na sua obra-prima Ser e Tempo, que foi publicada em 1927 e dedicada a Husserl. Heidegger aderiu ao partido nazi e quando os nazis chegaram ao poder em 1933 tornou-se o primeiro reitor nacional-socialista da Universidade de Freiburg. No entanto, Husserl era judeu, ou pelo menos parcialmente judeu; por isso, nessa época, Heidegger repudiou publicamente a sua ligação com Husserl. Esta atitude manchou a sua reputação pessoal para o resto da vida. Demitiu-se do cargo de reitor um ano mais tarde; mas, quando os Alemães foram derrotados no final da Segunda Guerra Mundial, Heidegger foi proibido de leccionar durante seis anos devido ao seu passado nazi. Esta em sido uma grande controvérsia desde então, muito utilizada contra ele pelas pessoas que discordam da sua filosofia. Mas, na verdade, o facto de :er nazi não impedia que Heidegger fosse um pensador interessante, tal como outros pensadores não foram desmerecidos por serem comunistas. A ideia de que um grande pensador ten que ser um ser humano moralmente admirável é romântica, chegando mesmo a ser infantil, e em todo o caso existem muitos exemplos na história da filosofia que contradizem esta teoria, pelo que não a podemos levar muito a sério. EXAMINAR APENAS A EXPERIÊNCIA Ser e Tempo é apresentado num único volume, mas era para ser uma obra em dois volumes, só que nunca foi terminada. Ao invés, a filosofia de Heidegger mudou de direcção; assim, temos o que passou a ser conhecido como «o primeiro Heidegger" e «o último Heidegger». Este último não contém nenhuma obra-prima e tem tendência a apresentar as ideias de Heidegger num processo de discussão das ideias de outras pessoas, principalmente as de Nietzsche e as dos pré-socráticos — muito embora também as de alguns poetas, nomeadamente de Novalis. Ser e Tempo continua a ser a obra-prima reconhecida de Heidegger e passou a ser considerada como a origem do existencialismo do século XX. A utilização do método de Husserl é tão importante para Ser e Tempo que antes de o conteúdo desse livro poder ser discutido este método precisa de ser entendido. Pode ser abordado da seguinte maneira: Husserl concordava com Descartes que para cada um de nós há uma coisa cuja existência é indubitavelmente certa e é ela a nossa consciência desperta; por conseguinte, se quisermos construir a nossa concepção de realidade sobre bases sólidas, esse é um lugar por onde podemos começar. Mas ele também concordava com Hume em que, se olharmos, digamos, para uma mesa, a nossa consciência é em relação à mesa e não de nós mesmos por termos tido a experiência de olhar para a mesa. Em circunstâncias normais, a nossa consciência sempre assume esta forma. Estamos directamente conscientes dos objectos, mas não de nós próprios como objectos. No entanto, todas as tentativas para provar que esses objectos existem independentemente da nossa consciência parecem condenadas ao fracasso. É visivelmente impossível provar a existência do mundo exterior. Neste ponto, Husserl faz uma sugestão engenhosa. Ele diz que não nos devemos afundar em problemas insolúveis sobre a existência independente dos objectos da consciência. É indubitavelmente certo que eles existem como objectos de consciência para nós, seja qual for o outro estatuto existencial que possam ou não ter. Assim, investiguemos esses objectos como parte da consciência numa certeza 30
absoluta de que eles existem como tal, sem fazer quaisquer outras suposições sobre eles. Como objectos de consciência, eles estão directamente abertos à nossa investigação, tal como qualquer outra coisa. Por isso, ponhamos de lado (ou entre parênteses, por assim dizer) as perguntas sem resposta e façamos progressos com tudo aquilo que estamos tão bem equipados para investigar.
O NOSSO MUNDO HABITADO Então, Husserl formou uma nova e completa abordagem à filosofia dedicada à investigação da consciência e seus objectos. Era uma análise sistemática da experiência e ficou conhecida como fenomenologia porque tratava tudo como se fossem fenómenos. O termo adquiriu também uma utilização geral em filosofia: as pessoas falam sobre «a fenomenologia» de uma actividade, de qualquer actividade, e isso significa uma descrição ou análise das experiências conscientes envolvidas. Para dar um exemplo, a filosofia da matemática trata de questões como as bases lógicas da matemática e a natureza do número, prova e assim sucessivamente, enquanto a fenomenologia da matemática trata da matemática como uma actividade consciente e das experiências envolvidas nessa actividade. E claro que existe uma fenomenologia de tudo, não apenas da nossa percepção dos objectos materiais, mas também das artes, da religião, das ciências e, na verdade, das coisas que nos são «internas», tais como os nossos próprios pensamentos, sentimentos, recordações, dores e assim por diante. A soma total de coisas que na realidade experimentamos é o total daquilo de que estamos realmente certos, embora apenas como fenómenos e experiência. Não obstante, este é o nosso mundo, aquele que na verdade experimentamos, aquele em que na realidade vivemos; e por esta razão o termo Lebenswelt , que significa literalmente «mundo habitável», foi inventado por Husserl. A soma de possibilidades oferecidas pela filosofia de Husserl é uma investigação exaustiva do nosso Lebenswelt .
O QUE É A EXISTÊNCIA? Heidegger estudou esta abordagem sob a orientação do próprio Husserl. Mas o problema específico a que ele recorria era um que tinha alcançado através de um ponto de partida diferente. Ele foi afectado pelo facto de que desde Descartes o problema do conhecimento tinha sido tratado pela filosofia ocidental como o seu problema fulcral. Esta abordagem cartesiana considerava a realidade como uma divisão entre mente e matéria, sujeito e objecto, observador e observado, conhecedor e conhecido. O jovem Heidegger pode não ter tido conhecimento da obra dos pragmatistas americanos, mas a sua objecção à epistemologia tradicional tinha muita coisa em comum com a deles. Ele achava que ela era falsa relativamente às realidades da situação. Não estamos isolados do mundo, a olhar para ele. Nós próprios somos MARTIN HEIDEGGER uma parte integrante do mundo; e a nossa existência não pode ser concebida a não ser num mundo de qualquer tipo. Fazendo uma reflexão mais profunda, o mistério central não é o conhecimento mas sim o ser, a existência. O que é esta existência que encontramos dentro de nós ou connosco? O que é preciso para alguma coisa existir? Como é que existe alguma coisa? Porque não existe simplesmente nada?
«NÓS PRÓPRIOS SOMOS AS
ENTIDADES A SEREM
ANALISADAS»
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A ANÁLISE DO SER A existência de que temos uma consciência imediata e indubitável é a nossa. Por conseguinte, Heidegger julgava que a maneira para abordarmos o problema da existência é levar a cabo uma análise fenomenologista daquilo que temos consciência e de quando temos consciência da sua existência. E é assim que começa o seu livro Ser e Tempo. De uma maneira lenta, meticulosa, sistemática e quase deliberadamente pedestre, ele separa as faixas distinguíveis que vão constituir a consciência que temos da nossa existência. Por exemplo, ele mostra que não podemos tê-la a menos que exista uma espécie de campo da consciência, uma cena, cenário ou ambiente, algum tipo de mundo em que ela possa ocorrer; e, portanto, o nosso ser é inerentemente «mundano,). Pelo menos, para nós, o ser e um determinado tipo de mundo são inseparáveis. Assim, não poderemos tê-lo, a menos que haja uma apreensão de que qualquer um dos dois está a acontecer; mas isso necessita da dimensão do tempo; por consequência, a existência de que estamos conscientes é inerentemente temporal. Mais uma vez, não podemos ter uma consciência da nossa própria existência, a menos que ela se encontre na nossa consciência; é preciso que ela nos preocupe de alguma maneira, pelo menos minimamente, para que tenhamos consciência dela: a preocupação é um elemento irredutível, e assim por diante. Poderíamos supor, quando começámos, que a consciência da nossa existência é algo tão imediato, directo e transparente que não é capaz de uma análise mais profunda, mas Heidegger refuta este argumento fazendo uma análise rica e profundamente criteriosa sobre o assunto. A conclusão a que ele finalmente chega é que, nos seus aspectos mais importantes, a nossa maneira de ser possui uma estrutura tripla, cujos elementos correspondem ao tempo passado, presente e futuro, por forma a que, em última análise, ser é tempo — daí o título do livro.
SERMOS NÓS MESMOS A partir destes princípios, Heidegger continua a analisar a situação humana. Longe de começarmos como indivíduos isolados que encarnam então o problema de estabelecer contacto com outras pessoas, a nossa existência é, desde o início, uma existência partilhada e social e o nosso problema é o de nos tornarmos indivíduos, encontrando um modo autêntico de existência pessoal. Estamos constantemente a ser empurrados para um futuro desconhecido e a ter que fazer escolhas sem nenhuma certeza sobre os seus resultados. A culpa e a ansiedade são problemas nossos, principalmente a ansiedade perante a morte. Desejamos que as nossas vidas tenham uma base ou fundação metafísica e que também tenham algum significado; contudo, não temos garantia nenhuma de que alguma destas coisas realmente exista com objectividade; e se não existirem as nossas vidas podem até ser sem sentido e absurdas — caso contrário, todo o significado que possam ter é aquele que lhes atribuímos.
SENTIDO SEM DEUS Estes temas passaram a dominar o existencialismo no século XX, aceitando o desafio de Nietzsche e tentando confrontar um universo sem Deus. Tentaram encontrar uma base para os valores num mundo sem nenhum significado objectivo e sem metas ou finalidades próprias. Tentaram encontrar maneiras de descobrir ou de criar um sentido para as vidas transitórias dos indivíduos que não têm vida depois da morte. Depois da Segunda Guerra Mundial, estas ideias foram popularizadas a um ponto que raramente aconteceu com outra qualquer corrente filosófica. Nessa altura o centro internacional para eles era Paris e a maioria dos escritores existencialistas famosos, exceptuando Heidegger, era francesa. Aquele que tornou o existencialismo conhecido em todo o mundo foi JeanPaul Sartre, que não era apenas um filósofo, mas também um romancista e um dramaturgo de gabarito 32
internacional. Continuaremos a história do existencialismo com ele no próximo capítulo.
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BERGSON E A R ECENTE FILOSOFIA FRANCESA A FILOSOFIA COMO UM RAMO DA LITERATURA Em França, a filosofia desenvolveu-se no século XX como uma parte da cultura literária geral, sem grande interesse na ciência, na lógica e na análise. HENRI BERGSON (1859-1941) nasceu em Paris, filho de mãe inglesa e de pai polaco e judeu, e cresceu tendo o francês como a sua língua materna. Passou a sua vida profissional como professor universitário de Filosofia, mas era um escritor tão atractivo e influente que era muito lido fora do ambiente universitário. Em 1927 foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. Entre os seus livros mais famosos, destacamos: Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência (1889), Matéria e Memória (1896) e A Evolução Criadora (1907). Nos últimos anos da sua vida, as suas ideias adoptaram um rumo religioso e ele pode ter sido recebido no seio da Igreja Católica pouco antes da sua morte; se assim foi, a mudança foi deliberadamente adiada e mantida em segredo, porque ele não queria parecer que estava a abandonar o povo judeu enquanto este estava a ser vítima da perseguição dos nazis e durante o tempo em que a França esteve sob a ocupação alemã.
HENRY BERGSON Durante a Primeira Guerra Mundial, Bergson efectuou várias missões diplomáticas, incluindo uma à América. Quando se formou a Sociedade das Nações, tornou-se o primeiro presidente da sua Comissão para a Cooperação Intelectual
INTUIÇÃO Bergson acreditava que os seres humanos devem ser fundamentalmente explicados em termos de um processo evolutivo. Ele era de opinião que desde o princípio a função dos sentidos nos organismos humanos não tinha sido fornecer ao organismo as representações» do ambiente que o odeia, mas sim estimular as reacções de um carácter que preserva a vida. Primeiro os órgãos sensoriais, depois o sistema nervoso central e a seguir as mentes desenvolveram-se ao longo de inúmeras épocas como parte equipamento de sobrevivência de um organismo e sempre como acessórios do comportamento; e até hoje o que eles nos fornecem não são imagens objectivas do ambiente que nos rodeia mas sim mensagens que fazem com que nos comportemos de determinadas maneiras. A nossa concepção do meio que nos rodeia não é nada 34
semelhante a uma série de fotografias pormenorizadas: ela é altamente selectiva, sempre pragmática e sempre automática. Prestamos atenção quase só às coisas que nos interessam e a concepção que fazemos do ambiente que nos rodeia é construída em termos dos nossos interesses, do ser dominante que constitui a nossa própria segurança. Só se percebermos isto é que a verdadeira natureza do conhecimento humano pode ser entendida. Quanto à evolução, Bergson acreditava que os processos mecânicos de uma selecção casual são inadequados para explicar o que acontece. Parece haver algum tipo de impulso persistente em direcção a uma individualidade maior e, contudo, de uma simultânea complexidade ainda maior, apesar do facto de que isto sempre significou um aumento de vulnerabilidade e de risco. A este ímpeto Bergson dá o nome de impulso vital. Bergson acredita que, uma vez que tudo está sempre a mudar, o fluxo do tempo é fundamental para toda a realidade. Na verdade, experimentamos este fluxo dentro de nós da forma mais directa e imediata, não através de conceitos, nem através dos nossos sentidos. Bergson chama «intuição>, a este tipo de conhecimento não imediato. Ele acredita que também possuímos conhecimento intuitivo no que respeita às nossas decisões de agir e, portanto, um conhecimento imediato do nosso próprio domínio de livre vontade. No entanto, este conhecimento imediato da natureza interna das coisas é bastante diferente, em carácter, do conhecimento que o nosso intelecto nos dá do mundo que nos é exterior.
O FLUXO DA REALIDADE O que o nosso intelecto nos oferece são sempre os materiais requeridos para a acção e aquilo que nós queremos fazer é sermos capazes de prever e de controlar os acontecimentos, para que o nosso intelecto nos apresente um mundo que podemos manusear e utilizar, um mundo partido em pedaços manuseáveis, objectos separados em medidas anotadas de tempo. Este é o mundo dos assuntos quotidianos, dos negócios, do senso comum e também da ciência. A sua extraordinária utilidade para nós é apresentada nos triunfos da tecnologia moderna. Mas tudo isso é um produto da nossa maneira de enfrentar o mundo, exactamente da mesma forma e pelas mesmas razões, tal como um cartógrafo que vai representar uma paisagem viva em termos de uma grelha geométrica rectangular. É inegavelmente útil e até mesmo prodigioso e permite-nos fazer todo o tipo de coisas práticas que queremos fazer; contudo, não nos mostra a realidade. A realidade é contínua. No tempo real não existem instantes. O tempo real é um fluxo contínuo, sem unidades separáveis, não assinaladas em extensões que se podem medir. Acontece algo de semelhante com o espaço: no espaço real não existem pontos nem lugares separados e específicos. Tudo isto são artifícios da mente.
O SER E O TEMPO Assim, vivemos simultaneamente em dois mundos. No mundo interior do nosso conhecimento, tudo é contínuo e tudo é um fluxo perpétuo. No mundo exterior que nos é apresentado pelos nossos intelectos existem objectos separados que ocupam determinadas posições no espaço durante períodos mensuráveis de tempo. Mas claro que o tempo exterior, o tempo dos relógios e do cálculo, é uma construção artificial e não é igual ao tempo «real» daquele fluxo contínuo do qual temos uma experiência interna directa. No ponto culminante da sua filosofia, Bergson identifica este fluxo de tempo interiormente experimentado com a própria vida e com a força da vida, o impulso vital que faz avançar perpetuamente o processo de evolução. Ficará na memória que a filosofia de Heidegger também culminou na identificação do ser e do tempo, apesar de os dois filósofos terem chegado à mesma conclusão separadamente e através de pontos de partida diferentes. 35
Na sua época, Bergson teve como contemporâneos alguns críticos muito importantes, como, por exemplo, Bertrand Russell. A sua principal queixa foi que, apesar de Bergson tornar as suas ideias atractivas com analogias vivas e metáforas poéticas, não as apoiava muito na forma de argumento racional. Deixou que elas ficassem entregues às intuições dos próprios leitores. Além disso, os seus críticos queixaram-se de que as suas ideias não se opunham muito bem à análise lógica. Os seus defensores responderam dizendo que ele possuía todas essas características em comum com os melhores escritores criativos e que isso se devia ao facto de ele oferecer critérios em lugar de argumentos lógicos. Em qualquer dos casos, é certo que as suas ideias tinham uma enorme aceitação e permanecem como um elemento inconfundível da filosofia do século XX.
ROMANCISTA E DRAMATURGO Muitas dessas mesmas características foram partilhadas por Jean-Paul Sartre (1905-80), que as possuía em grande abundância. Sartre foi não só um escritor brilhante como também um dramaturgo e romancista internacionalmente famoso, algo que mais nenhum filósofo tinha conseguido até então: os que estiveram mais próximos foram Rousseau, que escreveu dois romances que obtiveram grande sucesso, e Camus, de quem já iremos falar. Em 1964 Sartre foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, mas recusou-o. Pode ser que a sua fama como escritor venha a sobrepor-se e a perdurar à sua fama como filósofo. Sartre nasceu em Paris e cresceu como uma criança extraordinariamente estudiosa — As Palavras (1964) é um livro autobiográfico sobre a sua infância. Talvez sem surpresa, tornou-se professor de Filosofia. Em 1938 publicou um romance, A Náusea, que é na verdade um relato fenomenológico de uma mente em processo de desintegração. Em 1936 surgiu a sua primeira obra importante escrita e dedicada expressamente à filosofia: A Imaginação. A Segunda Guerra Mundial mudou a vida de Sartre. Depois de se alistar no Exército francês, foi capturado e preso pelos Alemães. Na prisão estudou a filosofia de Heidegger e escreveu a sua primeira peça de teatro. Quando foi libertado, viveu na Paris ocupada, onde escreveu a sua obra filosófica mais importante: O Ser e o Nada (1943). O final da guerra tornou-o famoso, em parte como filósofo, mas mais pelas suas duas peças de teatro As Moscas (1943) e Huis Clos (1944). A sua conferência de 1946 O Existencialismo É Um Humanismo deu início ao existencialismo na sua carreira lendária de precursor de moda na Europa do pós-guerra. Nesta altura, Sartre renunciou à sua carreira académica e tornou-se um escritor a tempo inteiro. A sua companheira, Simone de Beauvoir, foi a primeira escritora feminista internacionalmente aclamada com o seu livro O Segundo Sexo (1949). Os seus outros amigos mais próximos incluíam o escritor Albert Camus, que foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1957, e um excelente filósofo chamado Maurice Merleau-Ponty, com quem Sartre fundou o periódico Les Temps Modernes. Sartre começou a envolver-se profundamente numa política revolucionária de esquerda, agindo muitas vezes como defensor ou apologista do comunismo. lntitulando-se agora um materialista histórico, começou a escrever uma obra de dimensão importante, Crítica da Razão Dialéctica, que visava a reconciliação entre o existencialismo e o marxismo. Sartre deixou-a inacabada, mas foi publicado um volume dessa obra. A história de Sartre como filósofo passa claramente por três fases distintas, em que cada uma delas vai sofrer uma vigorosa influência de mais um ou dois pensadores. Husserl domina a obra da sua primeira fase, onde se incluem A Náusea, A Imaginação e Esboço de Uma Teoria das Emoções (1939). Heidegger domina a segunda, que foi o período mais influente de Sartre, trazendo à luz a publicação de O Ser e o Nada (1943) e O Existentialismo É Um Humanismo (1946). Depois, Hegel e Marx acabaram por dominar a longa fase final da produtividade de Sartre. Nestas primeiras duas fases, 36
ele foi bastante mais famoso do que as pessoas cujas ideias estava a divulgar e isto teve como resultado que essas ideias passaram a estar mais directamente associadas a ele do que a eles nas mentes de muitas pessoas.
SOMOS NÓS QUE NOS CRIAMOS A contribuição pessoal mais significativa de Sartre e aquilo por que a sua filosofia ficou mais conhecida foi a forma como ele dramatizou a liberdade do indivíduo. Segundo Sartre, num mundo onde Deus não existe, não temos outra alternativa a não ser escolher e criar, nesse sentido, os nossos próprios valores. Contudo, ao fazermos isso estamos a estabelecer as regras que vão reger as nossas vidas. E ao fazermos isso estamos a determinar a forma como as nossas próprias personalidades se desenvolvem: estamos a criar-nos a nós mesmos. Muitas pessoas consideram esta liberdade e esta responsabilidade demasiado aterradora de enfrentar, por isso afastam-se delas fingindo que já estão ligadas a normas e regras já existentes. Mas isto é o que Sartre chama de «má-fé>,. Segundo ele diz, uma pessoa possui realmente «a escolha total de si mesmo,> e viver ao máximo significa fazer essa escolha e viver depois de acordo com ela: «compromisso», tal como ele lhe chama. Muitos jovens acham estas ideias excitantes, tal como também o achou um grande número de dissidentes que ansiava por escolher abandonar a sociedade por qualquer razão. No entanto, na sua fase posterior mais marxista, Sartre dizia que tinha exagerado quanto ao ponto em que o indivíduo era capaz de se libertar das pressões da sociedade em que vivia.
O ABSURDO Albert Camus (1913-60), um amigo de Sartre, foi o escritor que inventou a descrição «absurdo>, ou «o absurdo» para uma situação em que os seres humanos exigem que as suas vidas tenham um significado num universo indiferente que é por si totalmente sem significado ou sem objectivo. Segundo defendia Camus, é uma exigência que nunca pode ser satisfeita. Mas, nesse caso, de que adianta viver depois que a frágil insignificância da vida humana for completamente compreendida e assimilada? Ele abriu, de forma famosa, o seu ensaio O Mito de Sísifo (1942) com as palavras: «Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia.» Ele conclui que uma pessoa destruir-se é uma espécie de capitulação. Num apelo aberto ao orgulho — «nada se equipara ao espectáculo do orgulho humano» Camus reclama uma vida de recusa estóica a acomodarmo-nos à insignificância cósmica, uma vida em que o sentido é uma forma de rebelião contra as circunstâncias cósmicas das pessoas Para além de O Mito de Sísifo e de um livro chamado O Homem Revoltado (1951), Camus desenvolveu estas ideias principalmente numa série de romances: O Estrangeiro (1942), A Peste (1947) e A Queda (1956). Em 1960 morreu num acidente de viação. O romance que estava a escrever na altura, O Primeiro Homem, foi publicado inacabado em 1994. Camus, uma personalidade inusualmente cativante, foi descrito como «um santo sem um Deus»,. Um homem branco e pobre na Argélia, quando foi denunciado pela esquerda francesa por se recusar a apoiar a Frente de Libertação Nacional da Argélia, respondeu: «Acredito na justiça, mas defenderei a minha mãe antes da justiça.» A um amigo comunista ele fez o seguinte reparo: «Aconteça o que acontecer, era capaz de te defender contra um pelotão de fuzilamento, mas serias obrigado a concordar se eu fosse morto.» No final, rompeu relações com Jean-Paul Sartre pelas insistentes desculpas deste em relação ao terror comunista. 37
A VOZ DO CORPO O menos conhecido mas talvez o melhor dos filósofos radicados em Paris nessa época foi Maurice Merleau-Ponty (1908-61). Os seus livros mais importantes são A Estrutura do Comportamento (1942) e a Fenomenologia da Percepção (1945), principalmente este último. A sua contribuição especial foi trazer para a filosofia um reconhecimento muito necessário sobre a importância do corpo humano. Tanto os fenomenologistas como os existencialistas tiveram tendência a escrever como se o que cada ser humano é, acima de tudo, é um centro de consciência desperta e, portanto, algo que pode ser julgado como abstracto ou imaterial, apesar de, evidentemente, nenhum dizer reqlmente isso. Merleau- Ponty insistia em dizer que é fundamental para a nossa identidade como seres humanos que sejamos objectos físicos, em que cada um deles possui uma localização diferente e única no espaço ou no tempo. Tudo o que pode ser experimentado por todos pode não só ser experimentado através do sistema físico único de cada objecto: toda a restante realidade pode ser apreendida apenas a partir da perspectiva do seu ponto de vista único. Tudo isto continua a ser verdade mesmo que sejamos mais do que apenas corpos: estamos perpetuamente conscientes dos nossos corpos e sem eles não conseguimos compreender nem agir. Sendo assim, o corpo humano deve ser considerado como sujeito ou orno objecto? Ele é os dois — e, contudo, estranhamente, não é nenhum. Não é um sujeito desincorporado da experiência, porque é um objecto físico do mundo, e, contudo, não é um objecto do mundo, tal como os outros objectos materiais, uma vez que é um objecto consciente das suas experiências. Merleau-Ponty escreveu com grande profundidade e discernimento sobre os problemas filosóficos profundos implicados na subjectividade, incluindo a sua perspectivação inevitável e, portanto, de carácter inerentemente incompleto. Estes problemas apresentam dificuldades profundas e, assim, é inevitável que as suas obras façam sérias exigências ao leitor. Isto evitou que elas alcançassem o mesmo tipo de fama ou de popularidade que as de Camus e de Sartre, mas é possível que fossem de melhor e mais duradoura qualidade.
O APARECIMENTO DO ESTRUTURALISMO Quando Jean-Paul Sartre morreu em 1980, mais de cinquenta mil pessoas foram ao seu funeral. Ele tornara-se numa coisa rara, um filósofo com um público fiel. Mas nessa altura já não estava no limiar o progresso intelectual: o movimento avant-garde já tinha passado. No final da década de 60, o estruturalismo tornara-se uma moda em Paris e fazia arte de uma abordagem mais geral da filosofia, a que e chamou «a viragem linguística». Para reduzir ao mais simples, o estruturalismo é o conceito de que todo o tipo de discurso, seja ele filosófico ou outro, é ma estrutura da linguagem e isso é tudo o que existe. O texto não nos apresenta mais nada a não ser ele mesmo: não existe mais nada «para além» da linguagem. Isto fez com que os defensores do estruturalismo Interpretassem os textos primeiro em termos de regras que regem as várias utilizações da linguagem para vê-las respeitantes ao discurso, à linguagem, à comunicação, etc. Esta abordagem crítica dos textos ficou conhecida como «desconstrução».
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RENOVAÇÃO DE VELHAS IDEIAS Louis Althusser (1918-90) tentou integrar as ideias dominantes do estruturalismo no marxismo. Ao fazer isso ele considerou Sartre como o filósofo marxista mais importante aos olhos dos aventureiros intelectuais. Ao mesmo tempo, e de forma paralela, Jacques Lacan (1901-81) trouxe uma abordagem estruturalista às ideias de Freud e da psicanálise. Lacan defendia que o inconsciente é literalmente «estruturado como a linguagem», com a consequência de que a desconstrução nos fornece a maneira certa de compreendê-lo Michel Foucault (1926-84) imaginou o conceito de que todos os tipos de discurso são uma tentativa por parte do seu utilizador para exercer poder sobre os outros, para que os textos possam ser desconstruídos com sucesso apenas se esse facto fosse tido em atenção; além do mais, as personalidades dos que exercem esse poder são moldadas pelo que fazem e, portanto, também elas podem ser reveladas e compreendidas por uma abordagem de desconstrução em relação àquilo que dizem ou escrevem. Estes e outros filósofos radicados em Paris estimularam o interesse internacional, tal como os seus antecessores já o haviam feito. Contudo, havia uma diferença importante. Enquanto Bergson, Camus e Sartre foram escritores soberbos — por exemplo, todos eles foram distinguidos com o Prémio Nobel da Literatura —, os estruturalistas e os pós-estruturalistas têm tendência a escrever numa prosa atormentada, densa, complicada e opaca. O seu estilo foi ridicularizado pelos filósofos analíticos de expressão inglesa, que alegaram que, quando estas frases complicadas eram esclarecidas e analisadas, muitas vezes mostravam-se como retoricamente ocas, não dizendo nada de concreto, abordando vagamente os assuntos. Ou seja, talvez não dissessem nada, ou então apenas algo de banal, falso ou contraditório. Quando em 1922 a Universidade de Cambridge agraciou com um título honorário o estruturalista mais importante do momento, Jacques Derrida, houve uma explosão de protestos públicos por parte dos filósofos que consideraram isso um escândalo. No entanto, essa controvérsia ajudou a manter o estruturalismo na mira do público. A natureza retórica do estruturalismo e do pós-estruturalismo, o que pode alienar outros tipos de filósofos, é capaz de ter um grande atractivo para as pessoas cuja abordagem à linguagem não é através da análise lógica -por exemplo, para os estudantes de literatura.
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POPPER DA CIÊNCIA À POLÍTICA O conhecimento científico passou a ser conjectural e permanentemente aberto a uma revisão à luz da experiência. Parece que os mesmos princípios se aplicam à política. DURANTE PELO MENOS DUZENTOS ANOS depois de Newton, a maior parte das pessoas cultas do Ocidente considerara a nova ciência como um determinado conhecimento, um facto irrefutável completa e absolutamente seguro. Quando se descobria um novo facto ou uma lei científicas, eles não estavam abertos a mudanças. Acreditava-se que esta certeza era a característica distinta da ciência: o conhecimento científico era o conhecimento mais seguro que os seres humanos possuíam e podia ser considerado uma verdade incorrigível. Julgava-se que o crescimento da ciência consistia na adição de certezas recentemente descobertas a um corpo sempre em fase de expansão de certezas existentes, como uma arca do tesouro, cujo conteúdo continua a aumentar com o tempo: o que já lá está limita-se a ficar igual, à medida que são acrescentadas coisas novas. Os que estão familiarizados com as ideias de Locke e de Hume entendem que as leis científicas não podem ser provadas conclusivamente; mas, tendo em vista o sucesso aparentemente ininterrupto da sua aplicação através de longos períodos de tempo, essas pessoas têm tendência a considerá-las aquilo a que podemos chamar infinitamente prováveis, ou seja, tão próximas de estarem certas que, em termos práticos, não fazem a menor diferença.
CONHECIMENTO INCERTO No virar do século XX, surgiu um génio científico que foi comparável a Newton. Era ele um judeu alemão chamado Albert Einstein (1879-1955) — e produziu teorias incompatíveis com as de Newton. Tal como Newton, Einstein era surpreendentemente fértil em ideias fundamentais. É mais conhecido pelas suas contribuições para a teoria da relatividade: a sua teoria da relatividade restrita, publicada em 1905, e a sua teoria da relatividade geral, tornada pública em 1915. Não é surpresa nenhuma que estas teorias tenham sido bastante controversas ao princípio; mas virtualmente ninguém que tivesse conhecimentos nesse campo podia negar que elas eram merecedoras da maior consideração. E esse facto em si teve implicações desconcertantes, porque, se Einstein estava certo, então Newton estava errado -e, nesse caso, nunca tínhamos «conhecido» afinal o conteúdo da ciência newtoniana. 40
Era isso que era preciso provar. Foram projectadas experiências cruciais para julgar entre os dois conjuntos de teorias; e as provas empíricas penderam indiscutivelmente a favor de Einstein. As consequências disto para a filosofia foram semelhantes a um terramoto. Desde Descartes que a busca pela certeza tinha estado no centro, ou perto dele, da filosofia ocidental; e com a ciência newtoniana o homem ocidental acreditou que tinha descoberto um vasto conjunto de conhecimentos sólidos sobre o seu mundo e para além dele, conhecimentos de significado fundamental e de enorme utilidade prática. E, o que é mais, os métodos pelos quais esses conhecimentos tinham sido adquiridos foram bastante respeitados e cuidadosamente codificados e julgava-se que eles asseguravam a sua certeza e que a validavam como conhecimento certo. E, contudo, descobre-se agora que nada disso tinha sido «conhecimento>,. Então o que era? A sua utilização conduziu a enormes progressos na nossa compreensão do mundo; a sua aplicação prática através da tecnologia revelou uma era histórica completamente nova, nomeadamente a moderna civilização industrial; contudo, agora descobrimos que esse conhecimento era impreciso. Isto apresentou-nos uma situação absolutamente desconcertante, porque parecia que fomos enganados não só sobre o que era o conhecimento como também sobre o que tratava o conhecimento.
UMA EDUCAÇÃO MULTIFACETADA Já vimos como Locke interpretava as implicações que a revolução newtoniana na ciência tinha tido na filosofia e como algumas das consequências mais importantes das suas ideias passaram então a ser consideradas como teoria política e social. O filósofo do século xx que levou a cabo esta tarefa para a revolução einsteiniana foi Karl Popper (1902-94). Popper nasceu em Viena em 1902 e era filho de um próspero advogado. Os seus pais converteram-se do judaísmo ao cristianismo, por isso ele recebeu uma educação luterana. Na sua adolescência, Popper foi um marxista, mas ficou gradualmente desgostoso com a passividade dos comunistas ao permitirem que cidadãos fossem mortos se isso fosse conveniente às suas tácticas políticas; assim sendo, voltou-se para os sociais-democratas. Popper viveu o seu socialismo — vestia-se como um operário, viveu entre os desempregados e trabalhou com crianças deficientes. Esta última ocupação pô-lo em contacto com o psicanalista Alfred Adler. Simultaneamente, era um membro activo no núcleo musical de avant-garde liderado por Schoenberg e fez amizade com o compositor Webern. Durante as férias era um adepto incondicional do montanhismo. Casou com uma das mais bonitas estudantes da sua geração. No conjunto, a sua vida em Viena foi excepcionalmente rica, multifacetada, cheia de compromissos entusiásticos e actividades excitantes. Mas depois surgiu o nazismo. Em 1937, o ano anterior a Hitler ter anexado a Áustria, Popper aceitou um cargo numa universidade da Nova Zelândia e aí permaneceu durante a Segunda Guerra Mundial. Quando a guerra acabou em 1945, Popper foi para Inglaterra e passou o resto da sua carreira na London School of Economics, onde se tornou professor de Lógica e Método Científico. Em Inglaterra viveu uma vida muito diferente da da sua juventude em Viena, isolando-se deliberadamente para escrever as suas obras, as quais abrangiam um leque excepcionalmente vasto de assuntos. Popper continuava a difundir novas ideias válidas aos 92 anos, quando morreu.
EXISTE CERTEZA NA CIÊNCIA Popper percebeu que, se os séculos de confirmação recebida pela ciência newtoniana não tinham demonstrado que ela era verdadeira, nunca nada iria provar a verdade de uma teoria científica. As denominadas leis científicas não eram, afinal, verdades incorrigíveis sobre o mundo; elas eram 41
teorias e, como tal, eram produtos da mente humana. Se funcionassem bem na sua aplicação prática, então isso significava que deviam estar próximas da verdade e, afinal, sempre era possível, mesmo depois de centenas de anos de sucesso pragmático, que alguém surgisse com uma teoria melhor, que se aproximasse ainda mais do que pudesse ser a verdade. Popper desenvolveu este critério numa vasta teoria do conhecimento. Segundo ele, a realidade física existe independentemente da mente humana e é de uma natureza diferente da experiência humana — e por essa razão nunca pode ser directamente apreendida. Nós produzimos teorias plausíveis para explicá-la e se essas teorias produzirem resultados práticos bem-sucedidos continuaremos a utilizá-las enquanto funcionarem. Contudo, quase sempre, mais cedo ou mais tarde elas fazem-nos enfrentar dificuldades, provando serem inadequadas em alguma situação, e depois procuramos ansiosamente uma teoria melhor, uma mais vasta que explique tudo o que a primeira Ta capaz de explicar sem estar sujeita às suas limitações. Fazemos isto não só na ciência mas também em todos os campos de actividade, incluindo a vida quotidiana. Isso significa que a nossa abordagem às coisas é essencialmente uma que resolve problemas e que fazemos progressos não por acrescentarmos novas certezas ao conjunto de algumas já existentes mas substituindo definitivamente as teorias existentes por teorias melhores. A busca pela certeza, que obcecou alguns dos maiores filósofos ocidentais, de Descartes a Russell, teria que ser abandonada, porque a certeza é algo que não se encontra disponível. É impossível provar, definitivamente, a verdade de qualquer teoria científica ou colocar toda a ciência ou toda a matemática em bases absolutamente sólidas. O «justificacionismo», como Popper acabaria por chamar-lhe, é completamente obstinado. Se construirmos uma casa sobre estacas num pântano, é preciso enterrar as estacas a uma profundidade suficiente para sustentar a estrutura e sempre que ampliarmos a casa é preciso enterrar ainda mais as estacas, mas não existem limites para esse processo: não existe um nível «definitivo» de fundações que sustente tudo sozinho e não há uma base fornecida ou «natural» para esta ou aquela estrutura. No entanto, apesar de não haver uma teoria geral que possa ser provada, ela pode ser refutada, o que significa que pode ser testada. Tal como vimos anteriormente , apesar de não haver um registo de observações de cisnes brancos, por muitas que sejam, nunca poderá provar-se a afirmação «Todos os cisnes são brancos», já que uma única observação de um cisne negro é suficiente para refutá-la. Assim, podemos testar afirmações gerais procurando exemplos contrários. Sendo assim, a crítica torna-se o principal meio pelo qual efectuamos progressos reais. Uma afirmação que nenhuma observação possa falsificar não pode ser testada e por conseguinte não pode contar como sendo científica, porque, se tudo o que é possível de acontecer for compatível com a sua verdade, então nada pode ser considerado prova disso. Um bom exemplo seria a afirmação «Deus existe»: possui significado e pode ser verdadeira, mas nenhuma pessoa intelectualmente séria a consideraria como uma afirmação científica.
A SOCIEDADE ABERTA O livro original em que Popper apresenta estas ideias foi A Lógica da Descoberta Científica, publicado em 1934. Só depois de ele as ter compreendido no contexto das ciências naturais é que se apercebeu completamente que elas se aplicavam também às ciências humanas. Popper escreveu um livro em dois volumes chamado A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, publicado em 1945, no qual ele aplica essas ideias à teoria política e social. Ele defendia que a certeza estava tão disponível para a política como o estava para a ciência e, portanto, a imposição de um único ponto de vista nunca é justificada. As formas mais indesejáveis e indefensáveis da sociedade moderna são aquelas em que é imposto um planeamento centralizado e se proíbem as divergências. A crítica é a principal maneira de as políticas sociais poderem ser melhoradas antes de serem implementadas; e a menção de 42
consequências indesejáveis é a causa mais imediata para a sua modificação ou abandono depois de terem sido implementadas. Por conseguinte, uma sociedade que permite a discussão crítica e a oposição (que Popper chamou uma «sociedade aberta») vai quase de certeza ser mais eficaz a resolver problemas práticos dos seus legisladores do que uma que o não faça. O progresso vai ser mais rápido e menos dispendioso. E tudo isto é verdade independentemente de considerações morais. Na política, tal como na ciência, estamos continuamente a substituir as ideias estabeleci das por aquelas que esperamos sejam ideias melhores. A sociedade também está num estado de mudança constante e o ritmo dessa mudança é cada vez mais rápido. Assim sendo, a criação e a perpetuação de um estado ideal de sociedade não é uma opção para nós. Aquilo que nós temos que fazer é gerir um processo de mudança interminável que não tem ponto de paragem. Assim, aquilo em que estamos comprometidos é na resolução perpétua de problemas. Devemos estar sempre a procurar os piores males sociais e a tentar eliminá-los: a pobreza e a ineficiência, as ameaças à paz, a má educação, os cuidados médicos e assim sucessivamente. Uma vez que a perfeição e a certeza são inatingíveis, devemos preocupar-nos menos com a ideia de construirmos escolas e hospitais-modelo do que pensarmos em livrar-nos dos piores que existem e melhorar o destino das pessoas que neles se encontram. Não sabemos como fazer as pessoas felizes, mas podemos eliminar o sofrimento e as contrariedades evitáveis.
O COVEIRO DO MARXISMO No decorrer da apresentação destas ideias, Popper encena um ataque violento e maciço aos proponentes mais influentes de uma forma ideal de sociedade, principalmente Platão e Marx. A sua crítica do marxismo foi largamente considerada como mais eficaz do que qualquer outra jamais produzida e foi isto que fez com que Popper se tornasse internacionalmente conhecido. Houve um período depois de A Sociedade Aberta e 05 Seus Inimigos ter sido publicada em que qualquer coisa como um terço da raça humana vivia sob governos que se intitulavam marxistas e só este facto deu às ideias desse livro uma relevância global. Esse aspecto levantado no livro pode ser menos urgente agora, mas o caso positivo do livro em relação à abertura democrática e à tolerância continua provavelmente a ser o mais constrangedor que alguém jamais escreveu.
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A R EVOLUÇÃO EINSTEINIANA s revoluções na ciência moderna mudaram a nossa compreensão do que é o conhecimento e, por conseguinte, mudaram a filosofia. Uma vez que o conhecimento científico é o conhecimento mais sólido e mais útil, em termos práticos, que os seres humanos possuem, qualquer ideia sobre o que é o próprio conhecimento e qualquer relato sobre a natureza do conhecimento nesses termos têm que aplicar-se à ciência se quisermos que sejam plausíveis. Na verdade, grande parte da história das investigações da filosofia ocidental sobre a natureza do conhecimento foi conduzida pela ciência. Isto foi especialmente verdade durante os últimos quatrocentos anos.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO É O CONHECIMENTO MAIS SÓLIDO E MAIS ÚTIL QUE OS SERES HUMANOS POSSUEM
o século XX em particular ocorreram ALBERT EINSTEIN mudanças profundas na ciência, que se julgou ser algo radicalmente diferente do que antes se supusera. Somente na física ocorreram duas grandes revoluções. As teorias da relatividade de Einstein substituíram a ciência tradicional. Depois surgiu a teoria quântica, que era logicamente incompatível com a teoria da relatividade e contudo produzia resultados que eram extremamente exactos. Não é possível que as duas teorias estejam correctas: na verdade, o mais provável é que ambas sejam incorrectas, mas, não obstante, ambas estão integradas no uso quotidiano e produzem resultados precisos ao milímetro. Isto levou ao raciocínio de que até mesmo o melhor do nosso conhecimento consiste em teorias fabricadas pelo homem que são falíveis e corrigíveis — teorias que nós mesmos esperamos e desejamos, mais tarde ou mais cedo, substituir por outras teorias melhores. O conhecimento humano é falível precisamente porque é humano; e agora estamos perante o desafio de compreender que ele não consiste em certezas rígidas e imutáveis, tal como as pessoas costumavam acreditar.
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s cientistas não se limitaram a alterar radicalmente a nossa concepção do que é o conhecimento. Eles fizeram mais do que os filósofos do seu tempo para mudar a nossa compreensão dos conceitos que são absolutamente fundamentais para a nossa experiência do mundo, conceitos tais como «tempo», «espaço», «matéria» e «objecto físico». Assim, pode ser que quando os historiadores do futuro olharem para trás, para a nossa era, consigam ver os cientistas pioneiros como sendo, na verdade, também os filósofos pioneiros, já que foram eles quem mais fez para mudar a compreensão filosófica das pessoas relativamente ao mundo.
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O FUTURO DA FILOSOFIA AUMENTAR O ESCLARECIMENTO SOBRE UMA PESQUISA PARA A QUAL PODE NÃO HAVER FIM UASE TODOS OS FILÓSOFOS que são famosos em vida são esquecidos não muito tempo depois. Apenas um pequeno punhado dos mais famosos, aqueles que abordámos neste livro, possuem reputações que sobrevivem não são muitos se considerarmos que as suas vidas se estenderam por um período superior a dois mil e quinhentos anos. Por esta razão, não far~mos nenhuma tentativa neste livro para discutir os filósofos que estão agora a viver ao mesmo nível dos grandes do passado. Podemos ter uma certeza bastante razoável de que apenas um ou dois filósofos da actualidade, se tanto, continuarão a ser conhecidos daqui a um século: os restantes irão desaparecer no mesmo limbo em que habita a maioria dos filósofos que foi bastante famosa em séculos anteriores. As modas intelectuais de cada geração, longe de serem um indicador do futuro, estão destinadas à extinção quase certa. Neste livro debruçámo-nos apenas sobre os filósofos cujas ideias provaram ser de interesse ou de importância duradoura. Eles são pessoas que, em contraste, exerceram normalmente a sua maior influência depois da sua morte. Por exemplo, Locke publicou toda a sua filosofia no século XVII, mas foi no século XVIII que ela teve o seu impacte histórico na Europa e na América. A vida de Marx foi inteiramente circunscrita ao século XIX, mas foi no século xx que as suas ideias mudaram o mundo. A um nível mais modesto de influência, já passou meio século depois da morte de Wittgenstein, mas ele é agora uma personalidade mais significativa na nossa cultura do que foi na sua época, nem se pensaria que talvez viesse a exercer uma tal influência no futuro.
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STES FACTOS LEVAM-NOS naturalmente a supor que o futuro próximo da filosofia tem mais probabilidades de ver o impacte total dos grandes vultos mais recentemente falecidos. Existe um rico filão a ser desenvolvido em Heidegger como resposta aos desafios existenciais que nos são colocados pOJ Nietzsche. E existem ricos filões para desenvolver em Popper como resposta aos desafios que nos são colocados pelas ciências em constante mudança e pela formação de números cada vez maiores de sociedades democráticas. O interesse voraz na obra de Popper, mostrado pelas pessoas nas democracias emergentes, já é um fenómeno notável. Contudo, isso continua a ser apenas uma parte deste quadro. Que mais há? Que haverá de novo? Presumivelmente, os filósofos que mudam os assuntos de forma irreversível vão continuar a emergir no futuro tal como o fizeram no passado — figuras como Descartes e Kant, depois dos quais nada na filosofia voltará a ser o mesmo. Uma vez que o nosso passado histórico é tão curto e o futuro à nossa frente é infinitamente longo, as hipóteses são que as maiores e mais elucidativas inovações que deverão ocorrer na filosofia estão à nossa frente e não no passado. Infelizmente, esses critérios de alteração de assuntos não podem prever-se: se os pudéssemos prever de momento, tê-los-íamos agora e eles não fariam parte esperar com confiança, alguns dos quais têm probabilidades de ser interessantes.
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As técnicas da análise filosófica serão trazidas a lume para revelarem o desenvolvimento de uma vasta gama, cada vez maior, de assuntos. Os problemas mais urgentes serão os da política, mas surgirão outros das naturezas mais diversas, desde a música ao sexo, que os filósofos do passado jamais sonharam pensar. AMBÉM PARECE haver um renas cimento do interesse público pela filosofia e um aumento da importância que as pessoas lhe atribuem. A filosofia foi recentemente introduzida, pela primeira vez, no ensino secundário na Grã-Bretanha. É também um desenvolvimento recente que os conselheiros de ética comercial sejam convidados a fazer parte dos quadros das empresas e que os filósofos estejam envolvidos em governos para examinar a legislação. Estas actividades têm muitas probabilidades de expansão. Também está a ocorrer uma mudança correspondente nos interesses dos leitores em geral relativamente à filosofia. Um best-seller internacional dos últimos anos, o livro de Jostein Garder O Mundo de Sofia (1991), foi uma introdução à história da filosofia na forma inesperada de um romance. Um tal sucesso para um livro como esse não seria sequer imaginável numa geração anterior. Assim, o panorama da filosofia na nossa sociedade é esperançoso. Mas, quanto a isso, a filosofia é como a música: apesar das suas muitas utilizações práticas, o seu maior valor não reside em nenhuma delas, mas no que existe no seu interior. Pode ser que dos confins das nossas limitações humanas nunca venhamos a ser capazes de encontrar as respostas para algumas das nossas perguntas mais fundamentais. Mas, tal como este livro tentou mostrar, somos do futuro. Mas isto significa que já não podemos prever os desenvolvimentos futuros mais importantes na filosofia, tal como ninguém antes de Kant poderia ter previsto a sua existência. Por mais difícil que isso possa ser para nós aceitarmos, o facto é que o futuro .da filosofia nos está vedado nos seus aspectos mais importantes. No entanto, existem desenvolvimentos menores que podemos capazes de fazer progressos de tal maneira válidos no nosso entendimento da situação humana que mesmo que nunca cheguemos a atingir nenhuma finalidade objectiva a esse respeito acabaremos por descobrir que a viagem é uma experiência extremamente enriquecedora e que só por si vale a pena ser efectuada. Poderão não existir respostas finais, mas temos muitíssimo para aprender.
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«A SUPERSTIÇÃO I NCENDEIA O MUNDO I NTEIRO; A FILOSOFIA APAGA AS CHAMAS» VOLTAIRE
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GLOSSÁRIO
A priori . Algo que se sabe ser valido antes da experiência. O oposto a posteriori, que e algo cuja validade só pode ser determinada peia experiência.
o Absoluto A realidade suprema concebida como um principio único, que abarca tudo. Alguns pensadores identificaram-no com Deus; outros acreditaram nele, mas não em Deus; outros não acreditaram nele. O filósofo que está mais intimamente associado a esta ideia ë Heget.
Afirmação analítica Uma afirmação cuja veracidade ou falsidade pode ser estabelecida peia analise da própria afirmação. O conceito oposto e
Afirmação sintética, que tem que ser contraposta aos factos que lhe são exteriores para que a verdade seja determinada.
Agente O eu empreendedor, como uma forma distinta de conhecer o eu, o eu que decide ou escolhe ou age.
Agnóstico Que não e crente nem descrente, mas que suspende um Juízo . Analise Procurar uma compreensão mais profunda de algo reduzindo-a a pedaços. O oposto disto ë a Síntese, que significa procurar uma compreensão mais profunda de alguma coisa juntando as peças.
Antinomia Conclusões contraditórias a partir de premissas boas . Antropomorfismo A atribuição de características humanas a algo que não e humano, por exemplo O tempo ou Deus.
a Atitude estética Contemplar algo por si só, independentemente de qualquer utilização que possa vir a ter .
C Categoria Uma das nossas concepções básicas- As categorias são as ciasses mais vastas em que as coisas podem ser divididas. Aristóteles e Kant tentaram, cada um por si, fornecer uma lista completa das categorias, mas os filósofos já não tentam fazê-lo. 47
Cepticismo O conceito de que ë impossível saber alguma coisa com certeza. Cognição Qualquer tipo de conhecimento ou de percepção . Conceito Um pensamento ou ideia; o significado de uma palavra ou expressão. Condições necessárias e suficientes Para X ser um marido é condição necessária que X seja casado. No entanto, esta não ë uma condição suficiente — e se X for uma mulher? Uma condição suficiente para X ser um marido é que X seja homem e, ao mesmo tempo, casado. Esta distinção entre condições necessárias e suficientes ë extremamente importante. Uma das formas mais comuns de erro é confundir condições necessárias com condições suficientes.
Contingente Pode ou não ser o caso, as coisas podem pender para qualquer dos lados. O oposto e
Necessário.
Contraditório Duas afirmações são contraditórias se uma destas for verdadeira e a outra falsa: não podem ser as duas verdadeiras, nem podem ser as duas falsas. O oposto ë Não contraditório e aplica-se a afirmações cujos valores-verdades são independentes uns dos outros .
Contrário Duas afirmações são contrarias se não puderem ambas ser verdadeiras, mas ambas podem ser falsas.
Corroboração Prova que sustenta uma conclusão sem ter necessariamente que prová-la. Cosmologia Estudo de todo o universo, o cosmo. As questões que se levantam em cosmologia
podem ser filosóficas, mas também podem ser científicas.
D Dedução Raciocinar a partir do geral para o particular. Por exemplo: «Se todos os homens são
mortais, então Sócrates, que é um homem, tem que ser mortal." É universalmente aceite que a dedução é válida. O processo oposto de raciocínio a partir do particular para o geral é chamado Indução. Um exemplo podia ser: «Sócrates morreu, Platão morreu, Aristóteles morreu e, partindo do princípio de que todos os homens que nasceram há mais de 130 anos já morreram, por conseguinte todos os homens são mortais». É um facto que a indução não revela necessariamente resultados que sejam verdadeiros. Por isso, duvida-se de que este seja um processo genuinamente lógico. Hume acreditava que era um processo psicológico e não lógico e o mesmo acontecia com Popper.
Determinismo O conceito de que nada pode acontecer para alem do que acontece, porque todos os acontecimentos são o resultado necessário de causas que os antecederam — que eram, elas mesmas, o resultado necessário de causas que as antecederam. O oposto ë
Indeterminismo. A disputa entre os dois conceitos ainda continua muito acesa. Dialéctica i) A perícia em questionar ou argumentar , ii) Um termo técnico usado pelos seguidores de Hegel ou de Marx para a ideia de que todas as afirmações, quer por palavras ou acções, implicam oposição, e as duas reconciliam-se então numa síntese que inclui os elementos de ambas.
Dualismo Um conceito de que tudo é constituído por dois elementos irredutíveis. O exemplo mais conhecido é a ideia de que os seres humanos são constituídos por corpos e mentes, sendo que os dois são radicalmente diferentes.
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E Emotivo Expressar emoção. Na filosofia, o termo e muitas vezes usado de forma depreciativa para expressões que fingem ser objectivas ou imparciais, quando, na verdade, expressam atitudes emocionais, como, por exemplo, em "definição emotiva.
Empirismo O conceito de que todo o conhecimento relativo a tudo o que realmente existe tem que ser derivado da experiência. Assim : Mundo empírico O mundo como nos e revelado peta nossa experiência real ou possível. Conhecimento empírico Conhecimento do mundo empírico . Afirmação empírica Uma afirmação sobre o mundo empírico, por outras palavras, uma afirmação sobre o que pode ou não ser experimentado.
Epistemologia A teoria do conhecimento; aquele ramo da filosofia que está relacionado com o tipo de coisas que podemos saber, se e que podemos saber alguma coisa, e como e e o que e o conhecimento. Na pratica, e o ramo dominante da filosofia.
Essência A essência de uma coisa ë o que a faz aquilo que ë e o que a distingue. Por exemplo, a
essência de um unicórnio e um cavalo com um único chifre na cabeça, isto deixa em aberro a questão se os unicórnios existem. Evidentemente que não existem — por isso, a essência não implica existência. Esta distinção é importante em filosofia.
Estética A filosofia da arte. Inclui também as questões filosóficas sobre a beleza. Ética Reflexão filosófica sobre o modo como devemos viver e, portanto, sobre questões de certo e errado, bem e mal, dever e não dever, obrigação e outros conceitos semelhantes.
Existencialismo Uma filosofia que começa com o contingente da existência do ser humano individual e considera-a o principal enigma. É desse ponto de partida que se procura a compreensão filosófica. Existem duas correntes principais: o existencialismo religioso e o existencialismo humanista.
F Falácia Uma afirmação gravemente errada ou uma conclusão falsa baseada numa ta! afirmação. Falsidade Propriedade de uma afirmação ou conjunto de afirmações, nomeadamente poder provar-se que ela e errada através do teste empírico. Segundo Popper, a falsidade e o que distingue a ciência da não ciência.
Fenómeno Uma experiência que esta imediatamente presente. Se olharmos para um objecto, o objecto ta! como ë experimentado por mim e um fenómeno. Kant distinguiu Isto do próprio objecto, independentemente de este ser experimentado: a isto chama-se Nómeno.
Fenomenologia Uma abordagem ã filosofia, iniciada por Edmund Husserl, que investiga objectos de experiência sem levantar questões, que podem não ter resposta, sobre a sua natureza independente.
Filosofia analítica Uma visão da filosofia que vê o seu objectivo como uma clarificação — por exemplo, a clarificação de conceitos, afirmações, métodos, argumentos e teorias, separando-os cuidadosamente.
Filosofia linguística Também conhecida como ANÁLISE LINGUÍSTICA. O conceito de que os 49
problemas filosóficos surgem a partir de uma utilização desordenada da linguagem e tem que ser resolvidos ou dissolvidos através de uma analise cuidadosa da linguagem na qual eles foram expressos.
Filosofia Literalmente, «o amor pela sabedoria». A palavra e amplamente usada para
qualquer reflexão sustentada racionalmente sobre os princípios gerais que tenham como objectivo uma compreensão mais profunda das coisas. A filosofia como assumo educacional fornece treino na analise disciplinada e na clarificação de teorias, métodos, argumentos e expressões de qualquer tipo e dos conceitos que utiliza. Tradicionalmente, o objectivo fundamental de tudo isto tem sido obter uma melhor compreensão do mundo, apesar de no século XX grande parte da filosofia se ter dedicado a alcançar uma melhor compreensão dos seus próprios procedimentos.
H Hipótese Uma teoria cuja verdade se presume por enquanto . Humanismo Uma abordagem filosófica baseada no pressuposto de que a humanidade é a coisa mais importante que existe e que não pode haver nenhum conhecimento de um mundo sobrenatural, se é que existe um mundo assim. «O estudo adequado da humanidade é o homem» (Pope) ë a condensação mais conhecida desta ideia.
I Idealismo O conceito de que a realidade consiste afinal em alguma coisa não matéria!, seja ela a mente ou as mentes, ou os conteúdos mentais, ou os espíritos, ou um espírito. O oposto é o
Materialismo. Impulso vital O princípio motor do processo evolutivo, a força da vida; o que distingue os vivos dos não vivos.
Indução Ver Dedução. Intuição Conhecimento directo, quer seja através da percepção sensória!, quer seja por discernimento; uma forma de conhecimento que não utiliza o raciocínio.
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Lógica O ramo da filosofia que faz um estudo do próprio argumento racional — seus termos, conceitos, regras, métodos e assim sucessivamente.
M Metafísica O ramo da filosofia que se preocupa com a natureza suprema daquilo que existe. Ela questiona o mundo natural «de fora" e as suas questões não podem, portanto, ser tratadas petos métodos da ciência. Os filósofos que assumem que o mundo natural É tudo o que existe usam o termo metafísica para. designar estruturas mais vastas e o mais generalizadas possível do pensamento humano.
Metodologia O estudo de métodos de interrogação e argumento — sendo estes diferentes cm campos diferentes, como, por exemplo, na física, na psicologia, na história e no direito.
Misticismo Conhecimento intuitivo que transcende o mundo natural. Monismo Um conceito de algo que e formado por um único elemento; por exemplo, os seres humanos, a ideia de que eles não consistem em elementos que são separáveis, como, por exemplo, corpo e alma, mas são unitários, compostos por uma única substancia.
Mundo Em filosofia, a palavra "mundos tem fido um sentido especial, significando "toda a realidade
empírica)', e, portanto, também pode ser equacionada com a totalidade da experiência real e possível. Os empiristas radicais acreditam que isto e tudo o que existe, mas outros tipos de filósofos acreditam que o mundo não consegue explicar a realidade total. Esses Ëtósofos acreditam que existe um plano transcendente, bem como um plano empírico, e são capazes de acreditar que ambos são igualmente reais.
N Naturalismo O conceito de que a realidade é explicável sem referência a nada exterior ao mundo natural.
Natureza O mundo empírico tal como é apresentado à humanidade . Necessário Tem que ser o caso. O oposto é Contingente, isto e, não precisa ser o caso. Hume acreditava que as ligações necessárias existiam apenas na lógica e não no mundo real, um conceito que foi defendido por muitos filósofos desde então .
Nómeno A realidade desconhecida por detrás do que se apresenta à consciência humana, sendo ó último conhecido como Fenómeno. A uma coisa tal como e, independentemente de ter sido experimentada, chama-se "um nómeno». «O numenal» tornou-se, portanto, uma expressão para a natureza suprema da realidade. A expressão alemã para «a coisa em si» é Ding-an-sich, que também foi utilizada em outras línguas e significa o mesmo que nómeno.
Numinoso (Não confundir com Numenal, ver em cima). Qualquer coisa considerada misteriosa e estranha, trazendo insinuações para fora do plano natural.
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O Ontologia O ramo da filosofia que questiona o que realmente existe, distinguindo-a na natureza do nosso conhecimento dela. A última chama-se Epistemologia. A ontologia e a epistemologia juntas constituem a tradição centrai da filosofia e sua história.
P Positivismo lógico A doutrina que diz que toda a existência real e atinai algo material. O oposto e o Idealismo.
Pragmatismo Uma teoria da verdade. Defende que uma afirmação é verdadeira se executar todas as tarefas que lhe são exigidas, isto é, descreve minuciosamente uma situação, incita-nos a prever experiências correctamente, enquadra-nos em afirmações já bem confirmadas e assim por diante. O nome ^pragmatismo" fá-la parecer dura, mas nas mãos certas ela e uma teoria sofisticada e valida .
Premissa O pomo de partida para um argumento. Todos os argumentos tem que começar, pelo
menos, de uma premissa e. portanto, não provam as suas próprias premissas. Um argumento válido prova que as suas conclusões resultam das suas premissas, mas isto não e a. mesma coisa que provar que as suas conclusões são verdadeiras, que é algo que nenhum argumento e capaz de fazer -
Pressuposição Algo tido como garantido, mas não e expresso. Todas as expressões possuem pressuposições e estas podem ser conscientes ou inconscientes. Se uma pressuposição for errónea, uma expressão baseada nela pode ser confundida por uma razão não evidente na própria expressão. A filosofia ensina-nos a ficarmos bem conscientes das pressuposições e a analisá-las.
Princípio da razão suficiente A insistência de que todos os acontecimentos do mundo empírico devem ser apresentados petos factores que os explicam, quer consigamos ou não descobrir esses factores. Leibniz declarou este princípio fundamental a todo o raciocínio. Schopenhauer escreveu o seu primeiro livro sobre este princípio.
Propriedade Na filosofia, esta palavra e vulgarmente usada para designar uma característica, como
"ter um diafragma e a propriedade marcante de um mamífero". Ver também Qualidades primárias e secundárias.
Q Qualidades primarias e secundárias Locke dividiu as propriedades de um objecto físico
naquelas que um objecto possui independentemente de ser experimentado, como, por exemplo, a sua focalização, dimensões, velocidade, massa e assim por diante, e aquelas que implicam reacções por parte de um observador experiente, como, por exemplo, a cor, o sabor e o cheiro de um objecto. As primeiras Locke chamou «Qualidades primárias» e as segundas «Qualidades secundárias».
R Racionalismo O conceito de que podemos obter conhecimento do mundo através do uso da razão, sem confiar na nossa percepção sensorial, que e considerada pêlos racionalistas como falível. A ideia 52
contraria, de que não podemos obter conhecimento do mundo sem o uso da percepção sensorial, e conhecida como Empirismo.
S Semântica O estudo do significado das expressões linguísticas . Semiótica O estudo dos sinais e dos símbolos . Sofista Alguém cujo objectivo não é a busca da verdade mas sim vencer uma discussão. Na antiga Greda, um solista era um professor que formava jovens que aspiravam ã vida pública nos vários métodos de vencer disputas.
Solipsismo A crença de que existe apenas uma individualidade .
T Tautologia Uma afirmação que é necessariamente verdadeira. A sua negação seria uma contradição . Teleologia Um estudo das finalidades ou objectivos. Uma explicação teleolósica é aquela que explica algo em termos dos objectivos a que se propõe.
Transcendente Fora do mundo da experiência sensorial. Alguém (Ludwig Wifgenstein) que acredita que a ética e transcendente acredita que a ética tem a sua fonte fora do mundo empírico. Os empiristas radicais não acreditam que exista algo de transcendente, tal como Nietzsche e os existencialistas humanistas também não acreditam.
U Universal Um conceito de aplicação geral, como «vermelho» ou «mulher». Debateu-se se os
universais têm uma existência própria. Será que "a qualidade de ser vermelho" existe ou existem apenas objectos individuais vermelhos? Na Idade Media, os filósofos que acreditavam que «a qualidade de ser vermelho» possuía uma existência real eram chamados «realistas», ao passo que os filósofos que afirmavam que isso não passava de uma palavra ou de um nome eram chamados «nominalistas».
Utilitarismo Uma teoria da ética e da política que julga a moralidade das acções pelas suas consequências, que considera a consequência mais desejável como a maior felicidade do maior número e que define o «bem» em termos de prazer e de ausência de dor.
V Validade Uma propriedade dos argumentos. Um argumento é valido se a sua conclusão proceder das suas premissas. Isto não quer necessariamente dizer que a conclusão seja verdadeira: pode ser falsa se uma das premissas for falsa, apesar de o próprio argumento continuar a ser válido. 53